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<p>Corpo e Personalidade</p><p>Apresentação</p><p>Nesta Unidade de Aprendizagem, veremos como a tomada de consciência do próprio corpo</p><p>contribui para a formação da personalidade na criança. De acordo com alguns autores é com o</p><p>corpo que a criança elabora as suas experiências vitais e organiza a sua personalidade. Vamos ver</p><p>como isso funciona?</p><p>Bons estudos.</p><p>Ao final desta Unidade de Aprendizagem, você deve apresentar os seguintes aprendizados:</p><p>Identificar os aspectos do desenvolvimento corporal.•</p><p>Explicar o que significa a organização da personalidade.•</p><p>Relacionar o desenvolvimento do corpo com a organização da personalidade.•</p><p>Desafio</p><p>De acordo com Julian de Ajuriaguerra, médico de origem basca, formado na França e radicado</p><p>durante muito tempo na Suíça, mundialmente reconhecido pelos seus trabalhos no âmbito da</p><p>neurofisiologia, da neuropatologia e, fundamentalmente, no campo que interessa mais à teoria da</p><p>psicomotricidade, a criança é o seu corpo. A evolução da criança é sinônimo de consciencialização e</p><p>de conhecimento cada vez mais profundos do seu corpo, ou seja, do seu eu total. É com o corpo,</p><p>diz-nos este autor, que a criança elabora todas as suas experiências vitais e organiza a sua</p><p>personalidade única, total e evolutiva. Com base nesta premissa, pense em atividades para o</p><p>desenvolvimento da corporeidade e expressão de crianças do Berçário I. Você deverá listar três</p><p>atividades e explicar de que forma cada uma delas contribui para o desenvolvimento infantil.</p><p>Infográfico</p><p>O indivíduo constrói a imagem do corpo a partir de diferentes esferas: esfera fisiológica, esfera</p><p>sociológica e esfera libidinal. Na esfera fisiológica são considerados desde os alicerces da atitude</p><p>(postura bípede) até a história corporal do indivíduo (experiências anteriores armazenadas). Na</p><p>esfera libidinal são consideradas as concepções freudianas da personalidade. E, por fim, na esfera</p><p>sociológica ou social, o corpo surge como o instrumento de relação e interação com o outro. O</p><p>conjunto destas três esferas equivale à imagem do corpo.</p><p>Conteúdo do livro</p><p>No livro Desenvolvimento Psicomotor a Aprendizagem, de Vitor da Fonseca, são apresentadas</p><p>diferentes noções sobre a psicomotricidade e as suas relações com a aprendizagem. O autor reúne</p><p>estudos de autores europeus, norte-americanos e russos, dando uma importante contribuição para</p><p>a compreensão do desenvolvimento psicomotor na criança. Confira o trecho a seguir em que ele</p><p>discorre sobre a formação da personalidade e as controvérsias existentes em relação ao tema.</p><p>Boa leitura.</p><p>Vitor da Fonseca</p><p>Desenvolvimento</p><p>Psicomotor</p><p>e Aprendizagem</p><p>F676d Fonseca, Vitor da.</p><p>Desenvolvimento psicomotor e aprendizagem [recurso</p><p>eletrônico] / Vitor da Fonseca. – Dados eletrônicos. – Porto</p><p>Alegre : Artmed, 2008.</p><p>Editado também como livro impresso em 2008.</p><p>ISBN 978-85-363-1402-0</p><p>1. Psicomotricidade. I. Título.</p><p>CDU 159.943</p><p>Catalogação na publicação: Mônica Ballejo Canto – CRB 10/1023.</p><p>104 Desenvolvimento psicomotor e aprendizagem</p><p>CORPO E PERSONALIDADE</p><p>Julian de Ajuriaguerra, médico de origem</p><p>basca, formado na França e radicado durante</p><p>muito tempo na Suíça, é mundialmente reconhe-</p><p>cido pelos seus trabalhos no âmbito da neuro-</p><p>fisiologia, da neuropatologia e, fundamental-</p><p>mente, no campo que interessa mais à teoria da</p><p>psicomotricidade, ou seja, o da neuropsiquiatria</p><p>infantil. Sua obra é de tal extensão e profundi-</p><p>dade que naturalmente se torna impossível tratá-</p><p>la, ou mesmo só apresentá-la, em um livro de</p><p>sensibilização à problemática do desenvolvimen-</p><p>to psicomotor e da aprendizagem, como é o caso.</p><p>No entanto, não posso adiar por mais tempo uma</p><p>primeira abordagem à perspectiva multifacetada</p><p>deste autor, que permite, por si só, completar e</p><p>concretizar um sentido multi e transdisciplinar,</p><p>que entendo ser hoje indispensável a todos os</p><p>especialistas em desenvolvimento humano (pais,</p><p>inclusive) quando, principalmente, está em ques-</p><p>tão o estudo, a compreensão, a caracterização e</p><p>a intervenção sobre a personalidade total, intei-</p><p>ra, completa e evolutiva da criança e do jovem.</p><p>Nessa perspectiva, considero este autor como</p><p>essencial, e o seu conhecimento, inadiável, em</p><p>especial para a compreensão da importância da</p><p>neuropsicologia da motricidade e da gênese do</p><p>corpo na formação integral das crianças e dos</p><p>jovens na sociedade atual.</p><p>Claro que a interpretação de uma obra cientí-</p><p>fica tão valiosa como é a de Ajuriaguerra implica-</p><p>rá correr riscos – por um lado, o risco do recurso a</p><p>determinados pressupostos complexos e, por ou-</p><p>tro, o artifício léxico-visual na apresentação dos</p><p>vários temas. Tentarei, no entanto, atenuar tais</p><p>inconvenientes salvaguardando ao máximo o ri-</p><p>gor científico com que Ajuriaguerra construiu as</p><p>suas obras de primeira importância para a psico-</p><p>motricidade. Ao leitor e educador estudioso com-</p><p>petirá, assim o espero, aprofundar qualquer des-</p><p>tas noções em um estudo mais completo e exaus-</p><p>tivo da bibliografia relevante deste autor.</p><p>Para Ajuriaguerra (Ajuriaguerra, 1956, 1961,</p><p>1962, 1972a, 1974, 1976, 1978, 1980, 1981; Aju-</p><p>riaguerra e Angelergues, 1962), a evolução da</p><p>criança é sinônimo de consciencialização e de co-</p><p>nhecimento cada vez mais profundos do seu cor-</p><p>po, ou seja, do seu eu total. É com o corpo, diz-</p><p>nos este autor, que a criança elabora todas as suas</p><p>experiências vitais e organiza a sua personalida-</p><p>de única, total e evolutiva. Esta perspectiva, que</p><p>constitui indubitavelmente um contributo ori-</p><p>ginal para a compreensão da evolução da crian-</p><p>ça e do jovem no plano científico, tem, por isso</p><p>mesmo, encontrado resistências de várias ordens,</p><p>principalmente filosóficas e até culturais.</p><p>Claro que a tais dificuldades e resistências</p><p>não será estranha, por um lado, a já clássica e</p><p>tradicional separação entre o homem e o am-</p><p>biente, isto é, dos vários ecossistemas, e, por</p><p>outro, o famoso dualismo teológico e cartesiano</p><p>corpo-espírito, tão enraizado nos mais varia-</p><p>dos campos do conhecimento e do pensamen-</p><p>to humano. Nesta perspectiva mecanicista, que</p><p>nunca é demais desmistificar, o corpo foi carac-</p><p>terizado e considerado como uma massa e um</p><p>físico, constituído por um conjunto de ossos e</p><p>de articulações “empilhados” de baixo para</p><p>A CRIANÇA É O SEU CORPO:</p><p>introdução à obra de Ajuriaguerra3</p><p>105Vitor da Fonseca</p><p>cima em um esqueleto de vísceras e de múscu-</p><p>los revestido e envolvido por pele e pêlos.</p><p>Daí ter sido fácil e freqüente ter-se caído e</p><p>continuar-se a cair na alienação do corpo, quer</p><p>no trabalho, quer no esporte, quer na arte, quer</p><p>na educação, quer em outra atividade qualquer.</p><p>O corpo surge, então, como uma ferramenta</p><p>de produção ou máquina industrial, que, racio-</p><p>nalizada ao extremo, adquire um potencial de</p><p>alto rendimento, transforma-se em um recor-</p><p>de ou em um mister ou miss mundo qualquer!</p><p>A CRIANÇA É O SEU CORPO</p><p>A obra de Ajuriaguerra (1948, 1962, 1972a,</p><p>1974, 1980) é, pois, um grito de alarme contra</p><p>tal perspectiva fácil, vulgar, mediática e simplista,</p><p>colocando, ao contrário, o corpo em uma dimen-</p><p>são antropológica e ontológica de grande am-</p><p>plitude, isto é, “a criança é o seu corpo”.</p><p>Claro que não é Ajuriaguerra o primeiro e</p><p>único autor a preocupar-se com a problemática</p><p>do corpo. Basta que recordemos a preocupação</p><p>que sempre o corpo constituiu, desde o cristianis-</p><p>mo, passando pelo hinduísmo ou pelo budismo,</p><p>por exemplo. Podemos mesmo, ainda, recuar</p><p>mais no tempo e recordar, muito sincretica-</p><p>mente, com Hanna (1970), como o corpo já fora</p><p>preocupação de Aristóteles e dos filósofos tomis-</p><p>tas. Também os filósofos somáticos, como Des-</p><p>cartes, Kant, Kierkegaard e outros, encontraram</p><p>no corpo um objeto de estudo e de reflexão. Des-</p><p>cartes, por exemplo, reduz o corpo a um objeto,</p><p>“fragmento do espaço visível e mensurável”.</p><p>Só com Rousseau, por um lado, e Nietzche,</p><p>por outro, esta noção é profundamente abalada</p><p>e desmistificada, ao ponto de, mais tarde, o</p><p>fenomenologismo (Merleau-Ponty, 1967, 1969;</p><p>Husserl,</p><p>1985, 1992; Heidegger, 1958, 1986;</p><p>Henry, 1965; Buytendijk, 1952, 1957, 1967;</p><p>Bergson, 1913), o existencialismo (Sartre, 1939)</p><p>e alguns filósofos (de Biran, 1932, Chirpaz, 1969,</p><p>Hanna, 1970) terem colocado esta análise filo-</p><p>sófica em uma visão epifenomenológica.</p><p>O CORPO COMO MATERIALIZAÇÃO DA HUMANIZAÇÃO</p><p>Claro que não me compete aqui e agora fazer</p><p>um estudo comparativo e polêmico das várias</p><p>perspectivas de ver, ser e estar com o corpo. Tam-</p><p>pouco aproveitarei este capítulo para lançar mi-</p><p>nha própria perspectiva e linha de investigação.</p><p>No entanto, e antes de passar ao corpo proposto</p><p>por Ajuriaguerra (1978, 1980, 1981), não quero</p><p>deixar de registrar que, para mim, o estudo do</p><p>corpo é, no mínimo, o estudo do ser humano na</p><p>sua dimensão ontológica, e que a humanização</p><p>do corpo é, pelo menos, a materialização do seu</p><p>percurso evolutivo.</p><p>De qualquer forma, foi só após as especula-</p><p>ções filosóficas sobre o corpo do século XIX que,</p><p>no século XX, este se tornou efetivamente objeto</p><p>e sujeito de um estudo mais profundo, sistemáti-</p><p>co e experimental. Primeiro, pelos neurologistas,</p><p>para compreenderem o funcionamento do cére-</p><p>bro e da sua patologia (Head, 1911, 1937; Foester,</p><p>1931; Pick, 1973; Goldstein, 1983; Wernicke, Von</p><p>Bogaert, citados por Ajuriaguerra e Hécaen, 1964,</p><p>etc.). Depois, pelos psicólogos (Wallon, 1969,</p><p>1970; Piaget, 1973, 1976; Gesell, 1949, 1962;</p><p>Vygotsky, 1962, 1978; Leontiev, 1969, 1975, 1978;</p><p>etc.) e pelos psicanalistas (Freud, 1962, 1968;</p><p>Schilder, 1968; Klein, 1972, 1966; etc.), para com-</p><p>preenderem a evolução da personalidade da</p><p>criança e do jovem e as suas perturbações.</p><p>CONCEPÇÕES SOBRE A IMAGEM DO CORPO</p><p>É, pois, dentro deste pressuposto que desejo</p><p>apresentar, embora muito resumidamente, algu-</p><p>mas das concepções que Ajuriaguerra (1962,</p><p>1972, 1974), Ajuriaguerra e Hécaen (1964), Aju-</p><p>riaguerra e Marcelli (1984), Angellergues (1964),</p><p>Damásio (1999, 2003), Bermúdez e colaboradores</p><p>(1998), Campbell (1970), Benton (1979), Bergès</p><p>e Lezine (1963), Bender e colaboradores (1952),</p><p>Bors (1951) e Charcot (1888) apresentam sobre</p><p>o estudo do corpo. Antes, porém, de me adiantar</p><p>um pouco mais nos conceitos de Ajuriaguerra,</p><p>parece-me oportuno, a fim de atenuar um pouco</p><p>as possíveis defasagens terminológicas em rela-</p><p>ção a este assunto, reunir em um pequeno qua-</p><p>dro comparativo várias expressões equivalentes</p><p>no seu conteúdo e fundamento neurofisiológico,</p><p>situando-as analogicamente entre si e a expres-</p><p>são somatognosia (gnosia, reconhecimento do</p><p>soma, do corpo), introduzida por Ajuriaguerra.</p><p>106 Desenvolvimento psicomotor e aprendizagem</p><p>De todas estas noções, porém, destacarei</p><p>apenas as necessárias para um breve estudo</p><p>comparativo e complementar dos trabalhos</p><p>deste autor:</p><p>1. esquema corporal, por ser a mais ha-</p><p>bitual, e por se situar em um plano mais</p><p>neurofuncional, envolvendo a integra-</p><p>ção neurológica de posturas e de progra-</p><p>mas motores em interação com a per-</p><p>cepção espacial de objetos, pois se trata</p><p>de um subsistema necessário à realiza-</p><p>ção da ação;</p><p>2. imagem do corpo: por ser a expressão ori-</p><p>ginal de Schilder (1968), autor que, no</p><p>dizer do próprio Ajuriaguerra, foi o psica-</p><p>nalista clássico que mais atenção dedi-</p><p>cou aos estudos sobre o corpo e, por isso,</p><p>mais o influenciou. Trata-se de uma ex-</p><p>pressão mais enfocada na abstração e na</p><p>representação inconsciente e consciente</p><p>do corpo, envolvendo a autopercepção, o</p><p>autoconceito conceitualizado, a própria</p><p>noção do eu – o denominado self, o sujei-</p><p>to de emoções vividas e integradas, a ati-</p><p>tude, isto é, o componente principal do</p><p>processo intencional;</p><p>3. membro fantasma: por revelar a per-</p><p>sistência alucinatória, a ilusão dolorosa</p><p>e a representação mental de um mem-</p><p>bro ou de membros ausentes ou dese-</p><p>nervados que o sujeito amputado expe-</p><p>rimenta após situação traumática;</p><p>4. anosognosia: desconhecimento ou ne-</p><p>gligência de membros hemiplégicos de-</p><p>vidos a lesão hemisférica;</p><p>5. somatognosia: por ser a noção criada e</p><p>proposta pelo próprio Ajuriaguerra, que</p><p>consubstancia a ontogênese psicomotora</p><p>e da aprendizagem.</p><p>Noção de esquema corporal e de imagem do corpo</p><p>A noção de esquema corporal é considerada</p><p>por vários autores, entre os quais destaco Schilder</p><p>(1968), como uma noção de âmbito neurofisioló-</p><p>gico, que pode ser entendida como a imagem</p><p>mental do corpo registrada no âmbito cerebral,</p><p>mais exatamente no âmbito parietal, em função</p><p>da integração das percepções e da elaboração das</p><p>respectivas praxias. Tal noção, talvez a mais usa-</p><p>da entre nós, tem, no entanto, o grande incon-</p><p>veniente de o termo “esquema” não traduzir a</p><p>noção de plasticidade e de disponibilidade que</p><p>este conceito contém.</p><p>A imagem do corpo, por sua vez, segundo</p><p>Schilder, expressa uma relação permanente</p><p>com a história psicomotora (motora, afetiva e</p><p>ESQUEMA POSTURAL</p><p>ESQUEMA</p><p>IMAGEM DE SI</p><p>SOMATOPSÍQUICO</p><p>IMAGEM DO EU CORPORAL</p><p>IMAGEM DO CORPO</p><p>NOÇÃO DO CORPO</p><p>IMAGEM ESPACIAL DO CORPO</p><p>IMAGEM DO NOSSO CORPO</p><p>ANOSOGNOSIA</p><p>AGNOSIA DIGITAL</p><p>ILUSÃO DO MEMBRO FANTASMA DO AMPUTADO</p><p>Head</p><p>Bonnier</p><p>Van Bogaert</p><p>Janet</p><p>Merleau-Ponty</p><p>Schilder</p><p>Ribot</p><p>Picq</p><p>Lhermitte</p><p>Babinski</p><p>Gertsman</p><p>Weir Mitchel</p><p>107Vitor da Fonseca</p><p>cognitiva) do indivíduo, estruturando-se e rees-</p><p>truturando-se continuamente, através da inter-</p><p>relação e da interação integrada das seguintes</p><p>esferas do comportamento humano:</p><p>chamado diálogo corporal entre a mãe e o re-</p><p>cém-nascido, e para Piaget, na imitação inteli-</p><p>gente da criança (Gantheret, 1961).</p><p>Em suma, pode-se dizer que, para além da</p><p>importância que tem para a descoberta do nosso</p><p>corpo, para a sua experiência anterior e para as</p><p>tendências libidinais que os outros exercem so-</p><p>bre nós, e vice-versa, o corpo não é apenas um</p><p>instrumento de construção e de ação, mas tam-</p><p>bém o meio concreto e último de comunicação</p><p>social. É nesse contexto que inúmeras pesqui-</p><p>sas sobre a comunicação não-verbal têm sido</p><p>desenvolvidas (Harlow, 1958; Argyle, 1975;</p><p>Bergés, 1967; Buytendijk, 1967; Campbell,</p><p>1970; Chirpaz, 1969; Corraze, 1980; Dolto,</p><p>1957, 1984; Descamps, 1986; Fauché, 1993;</p><p>Knap, 1972; Hall, 1986, 1994).</p><p>A ilusão do membro fantasma</p><p>no amputado</p><p>A ilusão do membro fantasma no amputa-</p><p>do traduz a persistência no indivíduo da cons-</p><p>ciência do corpo na sua totalidade, independen-</p><p>temente da subtração ou da diminuição anatô-</p><p>mica ou física ocorrida ou existente.</p><p>O membro fantasma é designado em Ajuria-</p><p>guerra (1974), Ajuriaguerra e Hécaen (1952,</p><p>1964) e em outros autores, como Alvim (1962),</p><p>Angelergues (1964), Babinski (1914), Bors</p><p>(1951) Benton (1979), Fere (1891), Foerster</p><p>(1931), Fisher e Cleveland (1968), Fonseca</p><p>(1974c, 1977c, 1985, 1991, 1992, 2001), Fonse-</p><p>ca e Mendes (1990), Fonseca e Martins (2001),</p><p>Gantheret (1961), Gerstmann (1927), Lhermitte</p><p>(1939), Lowghi (1939), Pick (1973), Margoulis</p><p>e Tournay (1963), Meyer (1982), Montagu</p><p>(1979), Quesne (1969), Reinhardt (1990),</p><p>Schilder (1968) e Wallon (1954), como o resí-</p><p>duo cinestésico do membro (ou parte do corpo)</p><p>anatomicamente ausente.</p><p>De fato, o corpo encontra-se mentalmente</p><p>representado nas áreas motoras e sensitivo-</p><p>somáticas do córtex humano (área 4 e áreas 1,</p><p>2, 3 de Broadman, respectivamente).</p><p>Como a cada área motora corresponde fun-</p><p>cionalmente uma área sensitiva concomitante,</p><p>ESFERA</p><p>FISIOLÓGICA</p><p>ESFERA</p><p>LIBIDINAL</p><p>ESFERA</p><p>SOCIOLÓGICA</p><p>IMAGEM DO CORPO</p><p>Na esfera fisiológica, Schilder considera as</p><p>relações entre a psicotonia e a visuocinesiologia,</p><p>referindo-se aos alicerces da atitude (postura</p><p>bípede), ao papel da dor e à história corporal</p><p>do indivíduo, isto é, à sua experiência anterior</p><p>armazenada.</p><p>Na esfera libidinal, o autor recua às concep-</p><p>ções freudianas da personalidade, inter-relacio-</p><p>nando as interferências sensoriais, erógenas e</p><p>libidinais, em uma síntese integrada das relações</p><p>entre o corpo e o mundo, dando ênfase à expres-</p><p>são “o corpo incorpora o mundo”. É neste equilí-</p><p>brio em comunicação que, segundo este autor, se</p><p>organiza a estrutura</p><p>individual da personalidade.</p><p>Na esfera social (ou sociológica), Schilder</p><p>equaciona toda a fenomenologia do investimen-</p><p>to corporal na relação e inter-relação social, isto</p><p>é, o corpo surge como o instrumento de relação</p><p>e interação com o outro.</p><p>Note-se como no âmbito desta última esfe-</p><p>ra e em uma perspectiva já interdisciplinar, para</p><p>Schilder, a imagem do corpo tem origem na</p><p>imagem do corpo dos outros; para Wallon, no</p><p>108 Desenvolvimento psicomotor e aprendizagem</p><p>Braço</p><p>Tronco</p><p>Cerebelo</p><p>PescoçoCotovelo</p><p>Antebraço</p><p>Punho</p><p>Mão</p><p>Mínimo</p><p>Anelar</p><p>Máximo</p><p>Indicador</p><p>Polegar</p><p>Olho</p><p>Nariz</p><p>Cara</p><p>Lábio superior</p><p>Lábios</p><p>Lábio inferior</p><p>Dentes, gengivas e maxilar</p><p>Língua</p><p>Faringe</p><p>Intra-abdominal</p><p>HOMÚNCULO SENSORIAL</p><p>CÓRTEX SOMÁTICO-SENSORIAL</p><p>Cabeça</p><p>Ombro</p><p>Tronco</p><p>Perna</p><p>Pé</p><p>Anca</p><p>Joelho</p><p>Clavícula</p><p>Dedos do pé</p><p>Espádua</p><p>Ombro</p><p>Cotovelo</p><p>Punho</p><p>Mão</p><p>Mínimo</p><p>Anelar</p><p>Máximo</p><p>Indicador</p><p>Polegar</p><p>Pescoço</p><p>Fronte</p><p>Pálpebra e pupila</p><p>Cara</p><p>Lábios</p><p>Vocalização</p><p>Maxilar</p><p>Língua</p><p>Deglutição</p><p>Salivação</p><p>Mastigação</p><p>HOMÚNCULO MOTOR</p><p>CÓRTEX MOTOR</p><p>109Vitor da Fonseca</p><p>a ausência súbita de qualquer parte do corpo</p><p>corresponde, sem dúvida, a uma ausência ana-</p><p>tômica das respectivas inervações sensitivo-</p><p>motoras, mas, paradoxalmente, na condição de</p><p>membro fantasma, permanece uma “ilusão”</p><p>mental (sentida, interiorizada e posicionada) do</p><p>membro amputado, isto é, o sujeito amputado</p><p>continua a sentir no coto o membro mutilado</p><p>através da respectiva representação, não só de</p><p>ordem cinestésica, como também, inclusive, de</p><p>ordem emocional e simbólica (Azcoaga et al.,</p><p>1983; Bour, 1971; Bourret e Louis, 1983; Bergés</p><p>e Lezine, 1963; Challey-Bert e Plast, 1973;</p><p>Chalmers et al., 1971; Chauchard, 1963, 1967;</p><p>Changeux, 1983; Delgado, 1971; Feldenkrais,</p><p>1971; Fulton, 1955; Gardner, 1968; Gatz, 1970;</p><p>Grant, 1955, 1977; Gross e Zeigler, 1969;</p><p>Hécaen, 1972, 1975; Lashley, 1929; Lezak, 1976;</p><p>Morin, 1969; Pribram, 1960, 1973; Rasch e</p><p>Burke, 1974; Russel, 1975; Sanides, 1966;</p><p>Sarnat e Netsky, 1981).</p><p>A somatognosia</p><p>Sendo a noção de somatognosia proposta</p><p>por Ajuriaguerra (1956, 1974, 1978), Ajuria-</p><p>guerra e Thomas (1948), Ajuriaguerra e Hécaen</p><p>(1952, 1964), Ajuriaguerra e Angellergues</p><p>(1962), Ajuriaguerra, Diatkine e Badaraco</p><p>(1956), ela é entendida por Ajuriaguerra como</p><p>a tomada de consciência do corpo na sua tota-</p><p>lidade e respectivas partes, intimamente liga-</p><p>das e inter-relacionadas com a evolução dos</p><p>movimentos intencionais, isto é, a tomada de</p><p>consciência do corpo como realidade vivida e</p><p>convivida.</p><p>ÁREAS MOTORAS E SENSITIVOMOTORAS NO SER HUMANO</p><p>Área suplementar</p><p>Motora Sensitiva</p><p>Área</p><p>rolândica</p><p>motora</p><p>Área</p><p>sensitiva</p><p>secundária</p><p>Área</p><p>rolândica</p><p>sensitiva</p><p>Face membro sup.</p><p>Membro in</p><p>f.</p><p>Ínsula</p><p>Tronco cerebral</p><p>F</p><p>a</p><p>c</p><p>e</p><p>M</p><p>e</p><p>m</p><p>b</p><p>ro</p><p>S</p><p>u</p><p>p</p><p>.</p><p>M</p><p>e</p><p>m</p><p>b</p><p>ro</p><p>in</p><p>f.</p><p>110 Desenvolvimento psicomotor e aprendizagem</p><p>Os dados experimentais permitem, entretan-</p><p>to, revelar vários componentes da somatognosia:</p><p>Somatognosia</p><p>Corpo</p><p>Aspecto motor</p><p>Ação</p><p>Praxias</p><p>Dados</p><p>proprioceptivos</p><p>Conhecimento</p><p>(Noção)</p><p>Aspecto psíquico</p><p>Representação</p><p>Gnosias</p><p>Dados</p><p>exteroceptivos</p><p>Totalidade psicomotora</p><p>da criança</p><p>S</p><p>O</p><p>C</p><p>IA</p><p>L</p><p>L</p><p>IB</p><p>ID</p><p>IN</p><p>A</p><p>L</p><p>TÁTIL</p><p>V</p><p>E</p><p>S</p><p>T</p><p>IB</p><p>U</p><p>L</p><p>A</p><p>R</p><p>V</p><p>IS</p><p>U</p><p>A</p><p>L</p><p>CINESTÉSICA</p><p>COMPONENTES</p><p>DA SOMATOGNOSIA</p><p>Repare-se, pois, como a noção de corpo, em</p><p>Ajuriaguerra (1961, 1976), Ajuriaguerra e Sou-</p><p>biran (1962), Ajuriaguerra e Marcelli (1984) e</p><p>Ajuriaguerra e colaboradores (1956), equivale</p><p>à noção de veículo de adesão ao mundo, de en-</p><p>velope e fronteira da existência humana e de</p><p>infra-estrutura da personalidade. É, de certa</p><p>forma, uma síntese de dois dos parâmetros</p><p>apresentados por Schilder (1968).</p><p>De fato, e como já mencionei resumidamen-</p><p>te, a concepção deste autor recorre, em primeiro</p><p>lugar, à noção de esquema corporal (de âmbito</p><p>mais fisiológico), entendida como a integração</p><p>das percepções e da elaboração das respectivas</p><p>praxias e, em segundo, à noção de imagem do</p><p>corpo (de âmbito mais psicológico), entendida</p><p>como fator de relação inter-pessoal, cuja ima-</p><p>gem resulta da oposição em comunicação entre</p><p>a singularidade do sujeito e a universalidade da</p><p>pessoa. Entre ambas as noções, como é óbvio,</p><p>torna-se difícil desenhar fronteiras nítidas, dada</p><p>a natureza psicofisiológica total e evolutiva do</p><p>ser humano.</p><p>Antes, porém, de passar, agora com outro de-</p><p>senvolvimento, à concepção neurofisiológica e</p><p>neuropsicológica da imagem do corpo apresen-</p><p>tada por Ajuriaguerra (1974) e Ajuriaguerra e</p><p>Hécaen (1952), farei breves considerações pes-</p><p>111Vitor da Fonseca</p><p>soais sobre este assunto. Assim, pensamos que</p><p>este problema da imagem do corpo é, no fundo,</p><p>um problema que se situa na sempre e uni-</p><p>versalmente controversa questão de conceber e</p><p>de definir a consciência: terá a consciência uma</p><p>base material e corporal ou não? Que dizer dos</p><p>múltiplos e variados estudos e investigações</p><p>neurofisiológicas efetuadas não só sobre o mem-</p><p>bro fantasma nos amputados, mas também so-</p><p>bre as paralisias cerebrais, as lesões cerebrais e</p><p>as várias e multifacetadas psicopatologias?</p><p>Minha concepção de imagem do corpo com-</p><p>preende, principalmente, uma noção de unida-</p><p>de sensório-cinestésica em constante modulação</p><p>com as circunstâncias do meio ambiente. Esta</p><p>noção pretende, pois, realçar, como em Damásio</p><p>(2003, 1999, 1994), que a noção do nosso corpo</p><p>é não só uma estrutura sensorial e cinestésica</p><p>registrada e integrada no cérebro, mas também,</p><p>e simultaneamente, uma estrutura funcional in-</p><p>dispensável a todas as condutas. Em síntese,</p><p>compreende um “sentimento” que se possui do</p><p>nosso corpo, do nosso espaço existencial e, por</p><p>isso, também do nosso espaço material.</p><p>Parece, assim, não haver dúvidas de que o</p><p>sentir se encontra mais ou menos identificado</p><p>com o agir do corpo. Por este meio, o cérebro</p><p>recebe, organiza e sente as informações do mun-</p><p>do exterior, e a partir delas comanda as ações</p><p>intencionais (Paollard, 1961, 1980). Reflita-se,</p><p>no entanto, antes de se passar imediatamente à</p><p>concepção neurofisiológica, como a imagem do</p><p>corpo, apresentada por Bonnier, em 1893, já era</p><p>considerada como uma representação espacial,</p><p>constante e figurativa, de relação com o mundo</p><p>exterior.</p><p>Concepção neurofisiológica</p><p>da imagem do corpo</p><p>Uma vez mais insisto que, em minha opi-</p><p>nião, a compreensão do desenvolvimento</p><p>psicomotor e da ontogênese da imagem do cor-</p><p>po tem as suas repercussões, diretas e indiretas,</p><p>no desenvolvimento da personalidade e no po-</p><p>tencial de aprendizagem (Launay e Vanhove,</p><p>1949; Thomas e Ajuriaguerra, 1949; Thomas e</p><p>Autgaerden, 1963a, 1963b; Widlocher, 1969;</p><p>Richel, 1972). Ambos exigem um conhecimen-</p><p>to e um fundamento neurofisiológico e neuropsi-</p><p>cológico sem o qual nos escaparão, bem como a</p><p>qualquer educador ou terapeuta, não só os da-</p><p>dos corretos da evolução da criança e do jovem,</p><p>como também, o que não é menos importante,</p><p>os limites dos casos a considerar, como desviantes</p><p>ou atípicos, paranormais, parapatológicos ou</p><p>mesmo patológicos e portadores de qualquer tipo</p><p>de deficiência.</p><p>De fato, penso, e já o disse logo de início,</p><p>que o educador poderá obter mais êxito na</p><p>aprendizagem, ou pelo menos não registrar tan-</p><p>tos insucessos, se levar em conta, por um lado,</p><p>a noção evolutiva e sistêmica da imagem do</p><p>corpo da criança e do jovem, e por outro, a no-</p><p>ção da sua disontogênese (Vygotsky, 1993).</p><p>Nesse sentido, e independentemente de mui-</p><p>tas outras noções dispersas por vários autores,</p><p>algumas das quais foram já levantadas na in-</p><p>trodução deste capítulo, parece-me oportuno</p><p>completar um pouco mais e desenvolver algu-</p><p>mas das noções neuropsicológicas propostas por</p><p>Ajuriaguerra (Ajuriaguerra, 1961; Ajuriaguerra</p><p>et al., 1955, 1960, 1962, 1964), primeiro, por-</p><p>que Ajuriaguerra é, sem dúvida alguma, um dos</p><p>autores que melhor reúne e aglutina os concei-</p><p>tos-chave para o conhecimento do corpo no de-</p><p>senvolvimento psicomotor e na aprendizagem,</p><p>todos eles, sublinhe-se, com evidência clínica e</p><p>experimental; segundo, porque estas noções</p><p>são</p><p>essenciais, e por isso oportunas, não só para a</p><p>compreensão da importância da imagem do cor-</p><p>po de um modo geral, mas, principalmente, para</p><p>o respectivo estudo neurológico em relação ao</p><p>desenvolvimento psicomotor e às dificuldades,</p><p>perturbações ou transtornos de aprendizagem,</p><p>que já abordei em outras publicações (Fonseca,</p><p>1979, 1983, 1984, 1990, 1996, 2001).</p><p>Realmente, parece-me que só no âmbito da</p><p>concepção neurológica da imagem do corpo se</p><p>poderá compreender qual o papel essencial des-</p><p>te componente em todo o fenômeno da apren-</p><p>dizagem. É, pois, neste sentido que, para apro-</p><p>fundar este assunto, vou a seguir recorrer a Aju-</p><p>112 Desenvolvimento psicomotor e aprendizagem</p><p>riaguerra. No entanto, aproveito esta ocasião</p><p>para apresentar, embora muito resumidamente,</p><p>um conjunto de noções e conceitos que, com a</p><p>respectiva terminologia, considero fundamentais</p><p>para ajudar na descoberta e no estudo deste neu-</p><p>rologista por parte de todos os educadores.</p><p>Porém, e antes ainda de entrar propriamente</p><p>no assunto, parece-me útil referir, como fez o pró-</p><p>prio Ajuriaguerra, os trabalhos realizados dentro</p><p>desta mesma ótica por Head, Lhermitte, Schilder,</p><p>Pick, Babinski, Van Bogaert, Gerstmann, Golds-</p><p>tein, Gueniot, Weir-Mitchel, Hécaen, etc., auto-</p><p>res que são naturalmente outras tantas fontes</p><p>de pesquisa e de consulta por parte dos especia-</p><p>listas mais curiosos e interessados.</p><p>Assim, a imagem do corpo é vista como a re-</p><p>sultante da relação entre o conjunto dos dados</p><p>interoceptivos, proprioceptivos, exteroceptivos,</p><p>isto é, as sensações, as percepções, os fantasmas,</p><p>as projeções, as memórias e as intenções motoras.</p><p>Esta resultante, no seu todo, representa e concre-</p><p>tiza o ajustamento, a precisão e a eficiência das</p><p>condutas humanas. Daí a importância, na minha</p><p>opinião, da perspectiva dos estudos de Ajuria-</p><p>guerra, uma vez que, à alteração de tais dados e</p><p>inter-relações, naturalmente irá corresponder um</p><p>desajustamento dos comportamentos e, por isso,</p><p>o que poderíamos designar como uma patologia</p><p>da conduta – e por que não uma patologia da</p><p>aprendizagem? –, pois o estudo das incapacida-</p><p>des de aprendizagem (como, por exemplo, das</p><p>agnosias, das afasias, das assomatognosias, das</p><p>apraxias, etc.) é uma pedra angular do estudo</p><p>das dificuldades de aprendizagem.</p><p>A observação das variadas e diferentes de-</p><p>sintegrações parapatológicas ou patológicas e ex-</p><p>perimentais da imagem do corpo pode, pois, le-</p><p>var-nos de forma mais abrangente e dinâmica</p><p>ao estudo do comportamento humano, ainda</p><p>mais que a imagem do corpo é simultaneamen-</p><p>te uma estrutura de conjunto e revela intrinse-</p><p>camente, de forma coibida, seqüencializada e</p><p>interdependente, uma unidade estrutural.</p><p>É interessante assinalar aqui como Ajuria-</p><p>guerra fundamenta tal afirmação baseando-se</p><p>no estudo e na observação do fenômeno do</p><p>membro fantasma. Realmente, segundo este au-</p><p>tor, a ilusão do membro fantasma no indivíduo</p><p>amputado (noção que já situei antes no seu con-</p><p>teúdo) é a confirmação mais evidente do papel</p><p>do conhecimento e do sentimento do corpo na</p><p>formação da personalidade humana. Note-se</p><p>que, à supressão dos membros ou de qualquer</p><p>outra parte anatômica do corpo, o indivíduo si-</p><p>nistrado responde com uma representação men-</p><p>tal e uma sensação de volume e de localização</p><p>da zona do corpo perdida ou extirpada.</p><p>Mesmo sem o membro amputado, o indiví-</p><p>duo continua a senti-lo, não só nos seus movi-</p><p>mentos, como também nas suas relações com as</p><p>demais partes do corpo. Por quê? Somente por-</p><p>que o corpo está inserido e embutido na sua per-</p><p>sonalidade, é a própria personalidade, e é a ra-</p><p>zão da sua integridade (Pirisi, 1949; Onnis, 1996).</p><p>Esta observação clínica, confirmada em mi-</p><p>lhares de casos no pós-guerra e em acidentes</p><p>cotidianos de trabalho ou de trânsito, não só</p><p>mostra bem a unicidade coerente da imagem</p><p>do corpo como confirma a totalidade do ser hu-</p><p>mano. Não podemos, no entanto, ignorar, bem</p><p>pelo contrário, que a ausência anatômica de um</p><p>membro amputado, além de uma agressão real</p><p>à personalidade total do indivíduo sinistrado,</p><p>traz consigo ainda uma modificação do peso, do</p><p>volume, da densidade e da própria gravidade,</p><p>interferindo no controle postural e em todos os</p><p>aspectos da atitude. Em uma palavra, traz con-</p><p>sigo uma modificação dos próprios movimen-</p><p>tos de um modo geral, mas esta realidade não</p><p>impede, como vimos, que os movimentos sejam</p><p>sentidos como estados psíquicos concomitantes</p><p>e em perfeita e profunda co-relação (Fonseca,</p><p>1985, 1992) com os circuitos motores cerebrais</p><p>(corticais e subcorticais), que continuam a repre-</p><p>sentar os movimentos do membro amputado.</p><p>Ajuriaguerra e Hécaen (1955) confirmam e</p><p>fundamentam todas estas afirmações basean-</p><p>do-se, além de nas provas anteriores, nos traba-</p><p>lhos de Münzebrock e de Cronholm. Estes au-</p><p>tores, citados por Ajuriaguerra e Hécaen, desco-</p><p>briram em 122 casos de amputados (não só</p><p>fálicos, como de dentes, testículos, olhos, seios</p><p>e membros) a existência de 118 com membros</p><p>fantasmas (96,5%).</p><p>113Vitor da Fonseca</p><p>Repare-se já agora e a título complementar,</p><p>que Bors (1951), em outra investigação, demons-</p><p>trou que o fantasma dos membros ausentes é</p><p>mais intenso do que o fantasma dos membros</p><p>paralisados, o que, diga-se de passagem, em ter-</p><p>mos de aprendizagem é bastante significativo.</p><p>Aliás, todas estas evidências são ainda confir-</p><p>madas nas adaptações às próteses em indivíduos</p><p>amputados, abrindo novas perspectivas de</p><p>análise. Segundo Charcot (1888), existe mesmo</p><p>uma sensação de irritação dos nervos do coto,</p><p>”sentida” na imagem sensorial do membro</p><p>amputado. Ajuriaguerra, juntamente com outros</p><p>neurologistas (Fulton, 1955; Hebb, 1958, 1959,</p><p>1976; Gatz, 1970; Gardner, 1968; Granit, 1977),</p><p>equaciona os problemas de perturbação do mem-</p><p>bro fantasma, com síndromes assomatognósicas</p><p>cuja localização cerebral se situa preferencialmen-</p><p>te no lóbulo parietal.</p><p>Note-se como tudo isto, que já era impor-</p><p>tante e significativo como fundamento cientí-</p><p>fico para o desenvolvimento psicomotor e para</p><p>a aprendizagem, se reforça ainda mais ao veri-</p><p>ficar-se que as várias e diferentes síndromes</p><p>psicopatológicas cerebrais têm uma localiza-</p><p>ção funcional:</p><p>HEMISFÉRIO ESQUERDO</p><p>Agrafia</p><p>Acalculia e apraxia</p><p>(ideomotora e ideatória)</p><p>Alexia</p><p>Afasia motora</p><p>Afasia sensorial</p><p>Agnosia das cores</p><p>Agnosia dos objetos</p><p>HEMISFÉRIO DIREITO</p><p>Agnosia espacial</p><p>Apraxia do</p><p>vestuário</p><p>Agnosia da face</p><p>Apraxia construtiva</p><p>Encerra aqui o trecho do livro disponibilizado para</p><p>esta Unidade de Aprendizagem. Na Biblioteca Virtual</p><p>da Instituição, você encontra a obra na íntegra.</p><p>Dica do professor</p><p>No vídeo a seguir veremos como se desenvolve a noção de imagem do corpo, compreendendo a</p><p>relação entre a formação do corpo e a elaboração da personalidade.</p><p>Aponte a câmera para o código e acesse o link do conteúdo ou clique no código para acessar.</p><p>https://fast.player.liquidplatform.com/pApiv2/embed/cee29914fad5b594d8f5918df1e801fd/1874bcd762e3589af9d0791f89779976</p><p>Exercícios</p><p>1) A imagem do corpo, segundo Schilder (1968) apud Fonseca (2008), expressa uma relação</p><p>permanente com a história psicomotora (motora, afetiva e cognitiva) do indivíduo,</p><p>estruturando-se e reestruturando-se continuamente, através da inter-relação e da interação</p><p>integrada de algumas esferas do comportamento humano. Marque a alternativa que</p><p>apresenta essas esferas.</p><p>A) Esfera libidinal, esfera social, esfera fisiológica.</p><p>B) Esfera sociológica, esfera biológica, esfera sociolinguística.</p><p>C) Esfera libidinosa, esfera sociológica, esfera psicológica.</p><p>D) Esfera psicológica, esfera neurológica, esfera sociológica.</p><p>E) Esfera físico-muscular, esfera neurológica, esfera psicológica.</p><p>2) Para a criança, é muito importante a descoberta do próprio corpo. Este não é apenas um</p><p>instrumento de construção e de ação, mas também o meio concreto e último de</p><p>comunicação social. Assim, no âmbito da esfera social e em uma perspectiva interdisciplinar</p><p>onde ou quando tem origem</p><p>a imagem do próprio corpo?</p><p>A) Na imagem especular.</p><p>B) A consciência corporal é inata.</p><p>C) No corpo dos outros</p><p>D) Nas brincadeiras individuais.</p><p>E) No início da marcha bípede.</p><p>3) O corpo encontra-se mentalmente representado nas áreas motoras e sensitivo-somáticas do</p><p>córtex humano. Como a cada área motora corresponde funcionalmente uma área sensitiva</p><p>concomitante, a ausência súbita de qualquer parte do corpo corresponde, sem dúvida, a uma</p><p>ausência anatômica das respectivas inervações sensitivo-motoras. Todavia o cérebro tende</p><p>a não reconhecer essa ausência, criando uma "ilusão" mental. Assim sendo, pode-se afirmar</p><p>que esta ilusão é chamada de:</p><p>A) Ilusão corporal.</p><p>B) Ilusão sensório-motora.</p><p>C) Ilusão fisiológica</p><p>D) Ilusão do membro fantasma do amputado.</p><p>E) Ilusão de ótica.</p><p>4) A noção de somatognosia, proposta por Ajuriaguerra, é entendida como a tomada de</p><p>consciência do corpo na sua totalidade e respectivas partes, intimamente ligadas e inter-</p><p>relacionadas, ou seja, a realidade do corpo como realidade vivida e convivida. Que tipo de</p><p>movimentos são considerados nessa tomada de consciência?</p><p>A) Involuntários</p><p>B) Intencionais</p><p>C) Viscerais</p><p>D) Musculares</p><p>E) Aleatórios</p><p>5) A concepção de imagem do corpo, tomada por Ajuriaguerra, compreende, principalmente,</p><p>uma noção de unidade sensório-cinestésica em constante modulação com as circunstâncias</p><p>do meio ambiente. Esta noção pretende, pois, realçar que a noção do nosso corpo é não só</p><p>uma estrutura sensorial e cinestésica registrada e integrada no cérebro, mas também, e</p><p>simultaneamente, uma estrutura funcional indispensável a todas as condutas. Assinale a</p><p>alternativa que indica, de forma completa, o que o autor quer dizer quando afirma que a</p><p>imagem do corpo corresponde a uma estrutura funcional.</p><p>A) O corpo é uma estrutura dotada de funções e de "sentimentos".</p><p>B) O corpo é uma estrutura muscular esquelética.</p><p>C) O corpo possui uma dualidade corpo e alma.</p><p>D) O corpo é o espaço material utilizado pelo indivíduo.</p><p>E) O corpo possui um espaço existencial.</p><p>Na prática</p><p>O cérebro humano tem a capacidade de receber, organizar e sentir as informações do mundo</p><p>exterior e, a partir delas, comandar as ações intencionais. Veja.</p><p>Saiba +</p><p>Para ampliar o seu conhecimento a respeito desse assunto, veja abaixo as sugestões do professor:</p><p>A nada santa alma freudiana</p><p>Aponte a câmera para o código e acesse o link do conteúdo ou clique no código para acessar.</p><p>Desenvolvimento Psicomotor e Aprendizagem</p><p>Conteúdo interativo disponível na plataforma de ensino!</p><p>http://www.bsfreud.com/notAlmaFreudiana.html</p>