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<p>Savio Gonçalves dos Santos</p><p>Introdução</p><p>A questão-chave para se começar a tratar da moral e da ética é</p><p>falar um pouco acerca da liberdade humana e da própria huma-</p><p>nidade; ou seja, a evolução racional e a mudança social que, ao</p><p>que se sabe, afeta diretamente as bases éticas. Contudo, nem</p><p>sempre a humanidade foi reconhecida como existência racional,</p><p>e há muito a liberdade não é tida como um</p><p>valor. Veja que a ideia de se estipular pa-</p><p>râmetros que busquem estabelecer uma</p><p>liberdade como estado ético advém de</p><p>processos históricos que, ao longo de sé-</p><p>culos, marcaram a evolução conceitual</p><p>homo sapiens.</p><p>Pensar nessa evolução natural do humano,</p><p>faz-se necessário voltar a nossa análise</p><p>para a história antiga. Observa-se a com-</p><p>preensão [grega] de gênero humano como</p><p>fruto da natureza física (Physis), ideia que</p><p>partia da lógica de uma ordenação natural</p><p>Homo sapiens</p><p>O homo sapiens</p><p>(nossa espécie) surgiu</p><p>há aproximadamente</p><p>150 mil anos atrás,</p><p>possivelmente na</p><p>África, como resultado</p><p>de adaptações de</p><p>Homo erectus ao meio</p><p>em que eles viviam.</p><p>Desde então o homo</p><p>sapiens vem evoluindo</p><p>e aumentando seu</p><p>número cada vez</p><p>mais, extinguindo</p><p>todas as espécies que</p><p>se opunham a ele, se</p><p>tornando o “animal”</p><p>dominante do planeta.</p><p>Fonte: Disponível em:</p><p><http://www.avph.com.</p><p>br/homosapiens.htm>.</p><p>A construção da</p><p>identidade ética:</p><p>bases do ser</p><p>humano</p><p>Capítulo</p><p>3</p><p>Politicas sociais e etica_PP.indd 119 10/05/11 15:55</p><p>120 UNIUBE</p><p>das coisas, isto é, uma realidade material explicada por meio de</p><p>causas naturais. Fato é que o homem em seu estado natural se</p><p>encontrava em estado de liberdade, desde que fosse um legítimo</p><p>cidadão. É justamente para se estabelecer padrões de convivência</p><p>social e pautar as formas de relacionamento entre os gregos, que</p><p>surge o conceito de nomos, ou seja, as leis. Tais leis são frutos das</p><p>instituições humanas, diferentes do previsto pela ideia da physis;</p><p>leis que surgem por meio da convenção social, que acrescentam</p><p>ou contradizem os princípios naturais. Em linhas gerais, nomos</p><p>traz consigo a ideia de costumes ou hábitos que se transmitem</p><p>coletivamente, por tradição, na diversidade cultural existente</p><p>em uma mesma nação. É dessa ideia que se originam a política</p><p>(governo do homem pelo homem) e a ética (o homem por ele</p><p>mesmo), ambas tendo seus reais significados e sentidos modifi-</p><p>cados nos dias atuais, por uma errônea interpretação e vivência.</p><p>Estabelecendo-se a ordem “funcional” da sociedade, em seus</p><p>âmbitos individual e coletivo, cumpre-se o objetivo central da</p><p>investigação natural, firmando as bases das leis naturais: compor-</p><p>tamento dos seres e sua relação com o ambiente em que vivem.</p><p>Assim, é preciso nos dedicar, inicialmente, a uma formulação e a</p><p>uma análise dos instintos e impulsos humanos, bem como o inter-</p><p>relacionamento entre pares. Portanto, buscando estabelecer uma</p><p>linha de pensamento que responda à questão do estado ético,</p><p>vamos primeiro entender a natureza humana. Pois:</p><p>Logo à primeira vista, oferecem-se à observação os</p><p>seguintes: instinto de conservação, necessidade de</p><p>nutrição, o instinto para garantir a subsistência, a</p><p>previsão do futuro, o instinto sexual, o amor dos pais</p><p>Politicas sociais e etica_PP.indd 120 10/05/11 15:55</p><p>UNIUBE 121</p><p>para com os filhos, o instinto da vida de família, o</p><p>instinto social, o de alargar o campo da experiência</p><p>e do saber, o da atração pelo belo, o desejo de ser</p><p>considerado pelos outros, a tendência para uma</p><p>relação ordenada com o ser supremo; e todos os</p><p>outros fins instintivos compreendidos no instinto de</p><p>felicidade (MESSNER, 1960, p. 20).</p><p>Dessa forma, a busca pela felicidade figura como o instinto do</p><p>homem, isto é, esse caminho incessante pelo qual todos os</p><p>humanos nos propusemos a enveredar. Felicidade essa que</p><p>não pode ser alcançada sem que haja o estado de liberdade.</p><p>Sendo assim, a liberdade tomada como fator preponderante,</p><p>leva, obrigatoriamente, a duas observações: o fundamento da</p><p>liberdade e a felicidade em si.</p><p>Objetivos</p><p>Promovendo um bom andamento acerca das políticas sociais e</p><p>ética nas organizações, se faz preciso estabelecer um caminho</p><p>lógico. Por isso, esperamos que ao final deste capítulo você</p><p>seja capaz de:</p><p>• compreender a identidade ética do ser humano;</p><p>• analisar quais são as bases fundamentais para compo-</p><p>sição ética.</p><p>3.1 O fator liberdade</p><p>Primeiramente, a ideia de liberdade como estado ético pressupõe reto-</p><p>mar a reflexão grega, em que a filosofia moral eclode como reflexão do</p><p>Politicas sociais e etica_PP.indd 121 10/05/11 15:55</p><p>122 UNIUBE</p><p>comportamento humano, sendo observados dois aspectos: o subjetivo</p><p>e o objetivo. Quando se trata do elemento subjetivo, vem à tona a ideia</p><p>de ethos, isto é, o modo de ser, ou mesmo, os costumes de uma pessoa;</p><p>ao passo que o objetivo exprime a noção de ethos, ou seja, os costumes</p><p>e os modos de uma coletividade.</p><p>SAIBA MAIS</p><p>Ao se caracterizar a prática humana e buscar seu entendimento, é possível</p><p>defini-la em dois aspectos, a saber: subjetivismo e objetivismo.</p><p>Pela prática subjetivista, entende-se um comportamento no qual se considera</p><p>a individualidade da pessoa humana. Já no objetivismo, o comportamento</p><p>considera o coletivo social, onde não há relevância da subjetividade.</p><p>Ao utilizar ambas as expressões no campo da emissão de opiniões, o subje-</p><p>tivismo diz respeito ao “eu” e o objetivismo, aos “outros”.</p><p>Para os gregos, o padrão que orientava o estado</p><p>ético subjetivo era chamado de areté, comu-</p><p>mente traduzida por virtude. Já, quanto à orien-</p><p>tação coletiva, o parâmetro de vida ética era a</p><p>lei (nomos), isto é, um “[...] princípio regulador do</p><p>comportamento humano” (COMPARATO, 2006,</p><p>p. 497).</p><p>É justamente aqui que esta reflexão diverge do</p><p>pensamento de Aristóteles, que afirma:</p><p>SAIBA MAIS</p><p>Ao se caracterizar a prática humana e buscar seu entendimento, é possível</p><p>defini-la em dois aspectos, a saber: subjetivismo e objetivismo.</p><p>Pela prática subjetivista, entende-se um comportamento no qual se considera</p><p>a individualidade da pessoa humana. Já no objetivismo, o comportamento</p><p>considera o coletivo social, onde não há relevância da subjetividade.</p><p>Ao utilizar ambas as expressões no campo da emissão de opiniões, o subje-</p><p>tivismo diz respeito ao “eu” e o objetivismo, aos “outros”.</p><p>Areté</p><p>“[...] A palavra tem sido</p><p>em geral traduzida,</p><p>nas línguas modernas,</p><p>por virtude. Mas</p><p>areté é um vocábulo</p><p>apresentado, no</p><p>grego clássico,</p><p>como harmonia. Ele</p><p>significa, propriamente,</p><p>o desenvolvimento</p><p>das possibilidades</p><p>espirituais, mentais</p><p>e físicas de uma</p><p>pessoa”.</p><p>Fonte: Comparato</p><p>(2006, p. 496).</p><p>Politicas sociais e etica_PP.indd 122 10/05/11 15:55</p><p>UNIUBE 123</p><p>[...] a disposição pessoal a fazer o bem e a evitar o</p><p>mal, [...] não seria propriamente inata, não encontraria,</p><p>tal qual, na natureza humana. Ela seria, antes, o fruto</p><p>dos usos e costumes (ethos), como expressão dos</p><p>grandes princípios da vida em sociedade (ARISTÓTE-</p><p>LES apud COMPARATO, 2006, p. 497).</p><p>Ora, se a compreensão do êthos – enquanto virtude/harmonia – supõe</p><p>a formação trilógica do homem (espírito, mente e corpo), o fato de existir</p><p>uma disposição para o bem ou o mal – necessariamente coletiva (ethos)</p><p>– e embasada na questão legal (nomos), anula diretamente a dimensão</p><p>de liberdade do homem e, consequentemente, a sua pessoalidade – seus</p><p>instintos naturais –, transformando-o em um ente em vez de ser, levando</p><p>a uma não conquista da felicidade. Compreendida</p><p>sob essa ótica, a liberdade acaba por se tornar</p><p>uma conquista, e não um valor, em que o Estado</p><p>se ocupará em manter o cumprimento das leis,</p><p>traduzindo assim a função do homem do Estado</p><p>(politikos).</p><p>Diante disso, a ideia de felicidade como fim último (segundo momento,</p><p>a saber), suprimida pela lógica da manutenção legal, obedece a uma</p><p>reflexão ocidental, transmutada, em essência, pela inversão de valores.</p><p>Ou seja, a tradição grega nos apresenta a felicidade como eudemonia</p><p>pela mudança de toda a realidade social, toda preservação da ordem,</p><p>toda causa do Estado, todo efeito de suas ações e a criação de uma</p><p>particularidade em especial: tudo o que se faz é pelo bem comum. Toda a</p><p>ação do Estado passa a ser dinamizada pela manutenção desse mesmo</p><p>bem comum, nem que para isso alguns membros, desse mesmo Estado,</p><p>sejam penalizados. E para dar suporte às suas ações morais, o Estado</p><p>Politicas sociais e etica_PP.indd 155 10/05/11 15:55</p><p>156 UNIUBE</p><p>passa a agir em acordo com o Direito, que surge para gerar a lei social</p><p>e tutelar a ordem moral. Um Direito que vai além das capacidades éti-</p><p>cas individuais, extrapolando com os limites estabelecidos pelo mesmo</p><p>Estado, atingindo, diretamente, o ser ético natural.</p><p>Por fim, para que haja uma sustentação dos limites sociais e, com eles,</p><p>busque-se uma solução para a crise da humanidade, é preciso repensar a</p><p>figura desse ser social. Para tanto, o próximo tópico se dedica unicamente</p><p>a tratar das dimensões e das formas de ação desse ser ético natural,</p><p>como diferencial para a crise ética em que coloca os seres humanos a</p><p>moral social e o Estado de direito a não respeitar a lei natural.</p><p>3.5 O ser ético natural</p><p>A grande esperança para toda a ação ética humana e a manutenção</p><p>de uma ética encontra-se nas mãos do ser ético natural. Uma mudança</p><p>essencial que modificará todo o aspecto subjetivo e objetivo. Todo o ser</p><p>humano passa a ser direcionado para um padrão de conduta ético, que</p><p>obedece à dinâmica existencial de reaver o sentido de uma ética como</p><p>fruto de uma liberdade natural, com o intuito de ativar a essência ética,</p><p>perdida por culpa da modificação e pela necessidade de adaptação social</p><p>pela qual passou e passa a humanidade. Assim, a essência motora desta</p><p>reflexão pode ser encarada como uma volta às origens, com o objetivo</p><p>de resgatar o ser natural do humano e, com ele, o sentido do ser humano</p><p>livre. Em linhas gerais, é preciso promover o resgate do ser do homem,</p><p>a partir da compreensão do seu estado e ambiente naturais, observando</p><p>a existência de uma ética primeira, presente na compreensão do ethos</p><p>Politicas sociais e etica_PP.indd 156 10/05/11 15:55</p><p>UNIUBE 157</p><p>como lugar da morada do ser do homem. Ética geradora da compreensão,</p><p>também natural, da liberdade.</p><p>Segundo Rousseau, a ética está ligada ao comportamento humano. Com-</p><p>portamento este que parte da compreensão do seu estado natural livre.</p><p>A ética tem a função de encaminhar para a liberdade, e não o contrário.</p><p>A liberdade possibilita a ética e a ética salvaguarda a liberdade. Não se</p><p>divorcia ética e liberdade; ambas caminham juntas, numa convivência</p><p>natural. A ideia de uma convivência natural permanece, pelo fato de</p><p>que, hoje em dia, o que se assiste é uma busca desenfreada pelo amor</p><p>próprio. Amor este que mata os sentimentos naturais; amor que tolhe a</p><p>simplicidade e a inocência. Um comportamento que mostra, ao mesmo</p><p>tempo, a capacidade humana de se fazer artífice e artefato da natureza,</p><p>numa demonstração clara de sua liberdade inventiva que transforma a</p><p>realidade vivente.</p><p>O ser ético natural acaba sendo suprimido pela imposição de fatores</p><p>que modificam o modelo de realidade que respeita a lei natural, que</p><p>respalda a ética; são pontos-chaves para o entendimento do processo</p><p>que, daqui pra frente, chamar-se-á de “dualidade racionalista relativista”.</p><p>Tal processo se sustenta em três bases: criação, hierarquização e pres-</p><p>crição de valores. Toda modificação de uma realidade está sustentada</p><p>na ideia geral de que o ser humano é um ser criador por natureza. Um</p><p>ser capaz de mutar seu ambiente natural por pura necessidade social,</p><p>ou ainda, por mero capricho que busca satisfazer suas paixões. Muitas</p><p>vezes, a alteração de determinado ambiente para a satisfação pessoal</p><p>leva à dependência.</p><p>Politicas sociais e etica_PP.indd 157 10/05/11 15:55</p><p>158 UNIUBE</p><p>O padrão de dependência leva à criação da hierarquização social, em</p><p>que os seres humanos passam a ser classificados por grau de importân-</p><p>cia para o meio social, podendo ser divididos em classes sociais de</p><p>acordo com o número de propriedades ou por méritos financeiros. Para</p><p>que tal sistema funcione de maneira efetiva, criam-se os valores sociais</p><p>que minimizam os naturais, colocando-os em segundo plano, ou ainda,</p><p>numa situação de anulação. É justamente tais ações que fazem com que</p><p>seja mantida a rivalidade entre o racionalismo e o relativismo.</p><p>Para que se compreenda melhor a divergência</p><p>existente entre ambos é preciso partir da lógica</p><p>que compreende a dimensão ontognoseológica</p><p>do ser humano; uma dimensão que busca enten-</p><p>der quais são as origens dos valores e os limites</p><p>do sujeito ético. Tomando por base o racionalismo,</p><p>ver-se-á uma preocupação com os valores humanos encontrados em es-</p><p>tado natural, em que o comportamento ético é determinado pelo sistema</p><p>natural, sem que haja a interferência social. O racionalismo pensa “[...] a</p><p>relação dos humanos com os valores à margem das simples determina-</p><p>ções instintivas, colocando-a, assim, para além de todo fatalismo racial”</p><p>(LEVY, 2004, p. 52). Assim a dimensão axiológica humana acabará sujeita</p><p>às qualidades virtuais – virtude – e não ao ambiente natural em si; dessa</p><p>forma, há uma tendência, pela vontade humana, para se alcançar tais</p><p>qualidades através de meios comuns, como a Educação. É justamente</p><p>Ontognoseológica</p><p>Neologismo que busca</p><p>tratar das dimensões</p><p>do ser (onto) e</p><p>do modo como</p><p>esse ser chega ao</p><p>conhecimento (gnose).</p><p>Politicas sociais e etica_PP.indd 158 10/05/11 15:55</p><p>UNIUBE 159</p><p>por isso que Rousseau irá afirmar que somente a Educação levará ao</p><p>desenvolvimento harmônico de todas as qualidades humanas.</p><p>Portanto, a dimensão da liberdade humana contrapõe o determinismo</p><p>social para a eclosão de um ser ético natural, que se sustenta, inclusive,</p><p>pelo caminho racional. Se, por hora, toma-se o caminho do relativismo,</p><p>o que se sucede com o humano é que toda a sua naturalidade acaba</p><p>suprimida pela busca constante da satisfação das paixões, e a lei natural</p><p>é modificada pelos valores morais. É preciso, pois, desvincular da moral</p><p>o valor, pelo fato de que tal valor é fruto de uma ligação com a virtude,</p><p>que nada tem a ver com a moral, mas sim com a busca da felicidade e</p><p>a manutenção da liberdade. Uma ideia que contraria o pensamento de</p><p>Nietzsche, que diz:</p><p>[...] nada que tenha seja que valor for no mundo pre-</p><p>sente possui este valor em si mesmo, por natureza – a</p><p>natureza nunca tem valor, este valor foi-lhe dado, é</p><p>um presente, é uma oferta que lhe fizeram, e aqueles</p><p>que lha fizeram fomos nós. Fomos nós que criamos</p><p>o mundo que diz respeito ao homem (história) [...]</p><p>(NIETZSCHE apud MARCONDES, 2007).</p><p>E discorda, diretamente, da filosofia hegeliana, no ponto em que versa</p><p>sobre a liberdade:</p><p>[...] o universal que aqui se forma é tão despótico,</p><p>que jamais houve lugar para a liberdade subjetiva,</p><p>e, consequentemente, para a mudança. Desde que</p><p>o mundo é mundo estes impérios (orientais) não se</p><p>puderam desenvolver senão em si mesmos. Na ideia</p><p>eles são os primeiros os imóveis (HEGEL apud MAR-</p><p>CONDES, 2007).</p><p>Politicas sociais e etica_PP.indd 159 10/05/11 15:55</p><p>160 UNIUBE</p><p>A dimensão humana não pode ficar restrita à dependência da História</p><p>e da não existência de uma liberdade subjetiva. Aceitar tais disposições</p><p>significa anular diretamente o modelo que se convencionou chamar</p><p>de escolha da Humanidade. Portanto, o arquétipo de escolha humano</p><p>nem sequer reconhece a perda da sua liberdade, muito pelo contrário,</p><p>ela oscila num dualismo entre relativo e racional, sendo o primeiro de-</p><p>pendente da vertente histórica, e o segundo ligado à ideia do absoluto,</p><p>da virtude (areté). É justamente essa escolha a ser feita entre relativo e</p><p>absoluto que pode fazer do humano “[...] indivíduo criativo e permeável</p><p>à mudança ou um indivíduo-cópia, entregue à permanente repetição dos</p><p>supostos valores eternos”</p><p>(LEVY, 2004, p. 56), definidos pelos aspectos</p><p>sócio-históricos, baseados num Estado de direito opressor. É preciso</p><p>tomar cuidado com essa dimensão histórica, que leva a uma alienação</p><p>do ser humano, como outrora orientou Sartre: “Alienação – (Des)aliena-</p><p>ção – Alienação”.</p><p>Como parte do processo de reconhecimento do ser ético natural, eclode</p><p>um princípio que, muitas vezes, é entendido erroneamente: o dever ser.</p><p>O dever ser aparece como uma solução que, na prática, camufla a real</p><p>dimensão do vir a ser. O vir a ser compreende a lei natural como plenitude</p><p>da natureza humana, colocando em xeque a vertente moral concebida</p><p>como autodeterminação, portanto, o dever. Se a ideia é definir um ser</p><p>ético que tem por base das suas ações a dinâmica da lei natural, o agir</p><p>não pode ser tutelado por uma lei moral; o agir deve respeitar a vontade</p><p>livre do vir a ser, sem que haja a coação moral do dever ser. O reconhe-</p><p>cimento da lei natural como mantenedora dos padrões de liberdade e</p><p>virtude, levam à consecução de um ser completamente ético; a inversão</p><p>dos fatos e pontos contribui para o surgimento de um indivíduo social que</p><p>Politicas sociais e etica_PP.indd 160 10/05/11 15:55</p><p>UNIUBE 161</p><p>desmerece a natureza, julgando ser o meio social, a história e a moral,</p><p>como caminhos para a conquista da liberdade, bem como a execução de</p><p>um novo padrão de ética que busque compreender os aspectos morais</p><p>à luz dos preceitos legais estabelecidos pelo contrato social.</p><p>Com base nessa reflexão, pode-se observar que a teoria de Hume –</p><p>não há como deduzir algo que não existe – se encaixa perfeitamente na</p><p>definição de um vir a ser, pois no dever ser, seria impossível deduzir a</p><p>existência de um ser ético. Portanto, é preciso existir a autotranscendên-</p><p>cia como uma mudança radical, que leve ao retorno da ética, em que é</p><p>possível visualizar um ser ético social como aquele que emerge como</p><p>esperança para a compreensão do atual estágio da humanidade. Isto</p><p>pelo fato de que</p><p>[...] a autotranscendência significa que o sujeito, co-</p><p>locando-se no centro do seu universo, eleva-se ao</p><p>mesmo tempo acima do nível do seu ambiente (histó-</p><p>ria) e ultrapassa, para si mesmo, a ordem da realidade</p><p>e a qualidade de ser dos outros existentes (MORIN,</p><p>[s./d.], p. 155).</p><p>É a esse ser ético natural que cabe a responsabilidade de modificar a</p><p>atual conjuntura social, levando a ideia do bom e da felicidade para o</p><p>campo do a priori, deixando de lado a dimensão da imaginação. Tal a</p><p>priori pode ser entendido como o ambiente natural, em que preexista</p><p>a ideia de uma lei natural. Não se quer construir uma profecia de um</p><p>mundo melhor, mas observar que a possibilidade da construção de uma</p><p>sociedade ética é possível, desde que as bases sejam estabelecidas</p><p>no reconhecimento de uma ética. É, para tanto, necessário se fazer um</p><p>corte ético e axiológico, rompendo com os valores dispostos fundados</p><p>numa moral social, e alicerçar novos modelos criados a partir da dinâmica</p><p>Politicas sociais e etica_PP.indd 161 10/05/11 15:55</p><p>162 UNIUBE</p><p>do valor da liberdade e da felicidade, de uma virtude que ultrapassa a</p><p>busca humana pelo prazer das paixões. É preciso pensar o novo, que</p><p>irrompe contra os dizeres de Hannah Arendt: “O novo simplesmente</p><p>emerge como uma impossibilidade plena em relação ao dado” (ARENDT,</p><p>1979, p. 218), um novo que deve “[...] restaurar e promover a verdadeira</p><p>responsabilidade humana e estigmatizar os agentes que corrompem a</p><p>humanidade” (ARDUINI, 2007, p. 15).</p><p>Para que o novo aconteça, é preciso que a condição ética seja restau-</p><p>rada; que um corte ético leve o ser humano para o reconhecimento de</p><p>que é preciso agir segundo sua realização, sendo essa última, uma ob-</p><p>servação daquilo que é realmente bom, do reconhecimento do ambiente</p><p>natural. A busca por uma tendência à felicidade faz com que apareça a</p><p>necessidade de um salto.</p><p>É o salto da poligênese, da múltipla criação. É o salto</p><p>da gênese permanente e da história inacabada. Salto</p><p>é o acontecer inesperado. É o surgir repentino, é o</p><p>germinar a realidade, é o despontar da madrugada.</p><p>O salto acorda o espírito, solta a liberdade, assume a</p><p>responsabilidade e aponta o destino inédito (ARDUINI,</p><p>2007, p. 13).</p><p>O salto pressupõe uma ruptura com o dado. O salto rompe moldes e</p><p>formas, nos dizeres de François Wahl. É esse salto emancipatório que</p><p>o ser ético natural realiza; um salto que retoma as bases naturais e</p><p>surpreende a realidade social imperante. Um salto que dinamiza a li-</p><p>berdade e gera o crescimento da humanidade; um salto que reconhece</p><p>a condição como aquela em que se aprimoram percepção e sentidos.</p><p>Condição que é marcada pela conquista e manutenção de bens tipica-</p><p>mente naturais: alimentação, reprodução e repouso; em que os males</p><p>Politicas sociais e etica_PP.indd 162 10/05/11 15:55</p><p>UNIUBE 163</p><p>do ambiente natural se resumem à dor e à fome, sendo a morte uma</p><p>questão tipicamente social. É preciso observar que o salto de que se fala</p><p>não é o salto idealizado por Rousseau entre sensações e conhecimento,</p><p>mas sim que busca devolver ao gênero humano a compreensão de sua</p><p>autonomia individual, a partir do reconhecimento da realidade natural.</p><p>Rousseau coloca o salto para a dimensão intelectual como um fator que</p><p>pesa na concepção de realidade natural; três pontos, precisamente, re-</p><p>tratam tal dimensão: o pensar e as palavras, a necessidade humana do</p><p>semelhante e a sociedade civil como anulação do ser ético.</p><p>É justamente a compreensão de que a virtude é a mantenedora da ordem</p><p>ética que leva à capacitação do estado natural e, consequentemente,</p><p>da lei natural, para a conquista da paz para o gênero humano. Ainda em</p><p>Rousseau, percebe-se que as leis sociais só buscam manter as paixões</p><p>humanas, não se preocupando com a dimensão humana em si; é aqui</p><p>que aparece a dimensão da piedade.</p><p>[...] a piedade é um sentimento natural que, moderando</p><p>em cada indivíduo a atividade do amor de si mesmo,</p><p>concorre para a conservação mútua de toda a espécie.</p><p>[...] é ela que, no estado de natureza, faz as vezes da</p><p>lei, de costume e de virtude, com a vantagem de que</p><p>ninguém é tentado a desobedecer a sua doce voz; [...]</p><p>(ROUSSEAU, 2007, p. 54).</p><p>A piedade como disposição ética tem em suas bases a obrigação de</p><p>apoiar a razão ética, aprimorando a reflexão acerca da conduta da espé-</p><p>cie. O senso de piedade que acompanha o ser natural acaba encontrando</p><p>problemas quando se coloca a refletir o ambiente social, contrapondo</p><p>ideais com a vaidade, a consideração, a estima, o desprezo, o convívio,</p><p>o ter, o meu, a violência e a vingança. Todas essas ações encontradas na</p><p>Politicas sociais e etica_PP.indd 163 10/05/11 15:55</p><p>164 UNIUBE</p><p>dimensão social demonstram que a piedade tem nas paixões o seu pior</p><p>inimigo. O amor-próprio e o ciúme são moldes de conduta que levam à</p><p>anulação do sentido ético; sentido que acaba sendo esquecido quando</p><p>há ainda a entronização do sentido de propriedade. A propriedade marca,</p><p>definitivamente, o fim da ética, que respeita a dinâmica do ser natural.</p><p>Para Rousseau, os maiores problemas sociais e éticos se encontram jus-</p><p>tamente quando a dimensão da propriedade entra na vida dos humanos.</p><p>Essa apropriação marcará, consequentemente, a perda da concepção</p><p>de liberdade, parâmetro inicial para se embasar uma ética.</p><p>PESQUISANDO NA WEB</p><p>Depois de assistir ao vídeo indicado a seguir, atente para qual o sentido de</p><p>piedade; busque entender qual a ligação dela com a ética. Feito isso, socialize</p><p>a sua opinião com os colegas e preceptor.</p><p>Site: <http://www.youtube.com/watch?v=1gGvtIhr9KI>.</p><p>Diante de tais fatos, surgem inúmeros argumentos para se explicar por</p><p>que a humanidade perdeu sua raiz ética e, consequentemente, o sentido</p><p>de sua liberdade. Não uma simples liberdade, erroneamente concebida</p><p>como fazer o que se quer, mas a liberdade natural que “[...] consiste</p><p>menos em fazer sua vontade do que submeter-se à dos outros; consiste</p><p>ainda em não submeter</p><p>a vontade de outrem à nossa” (ROUSSEAU,</p><p>2006, p. 428). A essa liberdade como requisito para a compressão ética,</p><p>será dedicado o próximo tópico de discussão deste capítulo; numa defi-</p><p>nição inicial de que é preciso primar por uma ética também da liberdade.</p><p>PESQUISANDO NA WEB</p><p>Depois de assistir ao vídeo indicado a seguir, atente para qual o sentido de</p><p>piedade; busque entender qual a ligação dela com a ética. Feito isso, socialize</p><p>a sua opinião com os colegas e preceptor.</p><p>Site: <http://www.youtube.com/watch?v=1gGvtIhr9KI>.</p><p>Politicas sociais e etica_PP.indd 164 10/05/11 15:55</p><p>UNIUBE 165</p><p>3.6 Por uma ética da liberdade</p><p>O fato de se pensar em uma ética que respeite a liberdade, ou que dela</p><p>surja, advém muito mais de uma questão tipicamente natural do ser</p><p>humano do que uma necessidade argumentativa para a sustentação de</p><p>ideais morais. A liberdade não pode ser tomada como um mero ponto</p><p>de compreensão da conduta humana, mas sim um meio pelo qual se</p><p>pode compreender o padrão de natureza, como aquele que supre as</p><p>necessidades do gênero humano, e mais que isso, faz com que a ética</p><p>ecloda como fator de solução para a resignificação do próprio humano.</p><p>Contudo, para se pensar numa ética da liberdade, é preciso começar</p><p>com a observação da consciência pessoal.</p><p>A liberdade, necessariamente, começa a expor seus modos naturais de</p><p>ação quando o ser humano é capaz de entender que o primeiro passo</p><p>para reconhecê-la é ter consciência de que a ela é necessária à sua</p><p>existência. O ser humano, desse modo, se vê sujeito à liberdade, não</p><p>como uma obrigação moral, mas sim como uma sujeição consciente;</p><p>consciente de que ela – a liberdade – é totalmente necessária para a</p><p>execução da sua humanidade, de maneira geral. Tal raciocínio obedece</p><p>à lógica de que para se falar em ética, é preciso, obrigatoriamente, fa-</p><p>lar de liberdade. A grande questão aqui levantada é de que esta ética</p><p>se encontra de tal modo ligada à dinâmica da liberdade, que conceber</p><p>uma é, consequentemente, gerar a outra. Esse ser sujeito à liberdade</p><p>de maneira consciente será o total responsável pela concretização de</p><p>uma conduta ética que respeite a dimensão individual, ou pessoal, dessa</p><p>mesma liberdade.</p><p>Politicas sociais e etica_PP.indd 165 10/05/11 15:55</p><p>166 UNIUBE</p><p>Observe-se que a sujeição não é algo imposto pelo ambiente natural,</p><p>mas uma característica que está, de maneira inata, presente em sua</p><p>essência, mas que a partir da vivência social, se vê anulada, ou presa</p><p>a um primado moral.</p><p>O ideal de sujeição consciente é muito mais que uma simples compreen-</p><p>são do sentido da liberdade. A sujeição supõe uma tomada de cons-</p><p>ciência. A proporção aumenta consideravelmente quando se transfere</p><p>para a realidade pessoal a necessidade de se obter o controle da sua</p><p>liberdade, indo assim, ao encontro do primeiro passo para uma ação</p><p>integralmente ética. O humano é o único animal que toma consciência</p><p>de sua liberdade e passa a utilizá-la como meio para a repressão social,</p><p>a partir de preceitos morais. A liberdade não pode estar predeterminada</p><p>por arquétipos sociais ou a uma necessidade objetiva; é justamente por</p><p>esse motivo que a liberdade, atualmente, se encontra desvinculada da</p><p>ética e ligada à moral, sendo tutelada, vigiada, minimizada, reprimida</p><p>e legalizada. Por esses e outros que a humanidade passou, ao longo</p><p>dos tempos, a conceber a liberdade como uma conquista, e não como</p><p>uma virtude natural. A inversão desse estado liberal é mais do que uma</p><p>obrigação da filosofia, é uma necessidade, em que:</p><p>Ser livre, portanto, é elevar-se da sujeição cega e es-</p><p>pontânea à necessidade [...] para a consciência desta;</p><p>e, nesta base, para uma sujeição consciente. A liberdade</p><p>humana reside, então, no conhecimento da necessidade</p><p>objetiva; [...] não só o conhecimento da necessidade</p><p>natural e social, mas também a ação transformadora,</p><p>prática – baseada neste conhecimento – do mundo</p><p>natural [...] (VÁZQUEZ, 2008, p. 128).</p><p>Essa liberdade em relação à natureza, fundada na ação transformadora,</p><p>vê na ética um caminho necessário para a observação de que, tanto</p><p>Politicas sociais e etica_PP.indd 166 10/05/11 15:55</p><p>UNIUBE 167</p><p>no âmbito natural quanto social, pensar o humano é pensar na neces-</p><p>sidade da responsabilidade; uma forma de entender, como Hegel, que</p><p>a “liberdade é a necessidade compreendida” (HEGEL apud VÁSQUEZ,</p><p>2008, p. 129).</p><p>Mesmo existindo a dinâmica da ação transformadora, para que se tenha</p><p>uma verdadeira liberdade, e mais que isso, uma liberdade ética, é preciso</p><p>observar que essa mesma liberdade está além dos ditames históricos, ou</p><p>seja, a essência do processo é o ser humano e não a mudança sociomo-</p><p>ral, realizada em períodos preestabelecidos ao longo de sua existência.</p><p>Pois, se a concepção se dá da forma supracitada, a relação humano/</p><p>natureza acaba sendo marcada pela dominação do primeiro sobre a</p><p>segunda, inexistindo uma conduta ética. Para tanto, a relação deve se</p><p>dar no âmbito da responsabilidade, pois a “[...] responsabilidade orienta</p><p>a liberdade” (ARDUINI, 2007, p. 15).</p><p>A tomada de consciência que leva à concepção de uma liberdade ali-</p><p>cerçada na responsabilidade não anula a perspectiva histórica da hu-</p><p>manidade, muito pelo contrário; ela faz com que a História assuma seu</p><p>real papel, compreendendo que a ação social narrada à luz dos moldes</p><p>históricos, não pode ser determinante para a dinâmica da ética, mas sim</p><p>para a observação de preceitos coletivos. Fica claro que o desenvolvi-</p><p>mento da liberdade não está ligado ao social, mas ao desenvolvimento</p><p>humano, compreendendo-o como um ser prático, transformador e criador.</p><p>Pode parecer curioso não conceber o humano como histórico, mas a</p><p>lógica é essa: afasta-se a dimensão histórica para o campo dos relatos</p><p>sociais num tempo e assume-se para o entendimento da liberdade a</p><p>necessidade de que esse mesmo humano seja reconhecido pelo seu</p><p>Politicas sociais e etica_PP.indd 167 10/05/11 15:55</p><p>168 UNIUBE</p><p>desenvolvimento subjetivo e não objetivo, que supera a compreensão</p><p>social de que deve haver um domínio natural.</p><p>Condicionar a liberdade é assumir um duplo padrão de ação; isto é, para</p><p>que a liberdade aconteça, para além da dominação natural, ela deve res-</p><p>peitar os modos de conduta que versam sobre a dinâmica da necessidade</p><p>(teoria) e da transformação (prática), colocando essa mesma liberdade</p><p>anterior à livre vontade:</p><p>[...] a liberdade implica uma ação do homem baseada</p><p>na compreensão da necessidade causal. Trata-se,</p><p>pois, de uma liberdade que, longe de excluir a ne-</p><p>cessidade, supõe, necessariamente a sua existência,</p><p>assim como o seu conhecimento e a ação dentro de</p><p>seu próprio âmbito (VÁSQUEZ, 2008, p. 130).</p><p>Não se está, dessa forma, determinando a liberdade, como numa prática</p><p>determinista abolida neste mesmo capítulo; mas o ideal é mostrar que a</p><p>liberdade está intimamente ligada com o padrão de autodeterminação,</p><p>que engloba padrões de necessidade e transformação, necessariamente.</p><p>A autodeterminação leva à compreensão de que a liberdade pensa o</p><p>humano sem impedimentos para a execução de seus fins existenciais,</p><p>numa troca mútua entre liberdade fundada nos atos humanos e estes</p><p>últimos na primeira. Dessa relação entre atos e a liberdade eclodem</p><p>quatro reflexões acerca do entendimento sobre a liberdade, a saber: 1)</p><p>as obrigações humanas tendem a um fim existencial; o ser humano como</p><p>aquele que acolhe em sua existência os ideais de natureza, primando</p><p>pela atenção ao saneamento de seus princípios éticos; 2) não há um</p><p>padrão de liberdade limitada, como quer o liberalismo; o que há são pa-</p><p>drões morais, históricos e sociais que limitam a extensão da liberdade,</p><p>colocando-a como um mero fruto do contexto social; 3) o ser humano</p><p>Politicas sociais e etica_PP.indd 168 10/05/11 15:55</p><p>UNIUBE 169</p><p>tem direitos naturais que vão muito além do estabelecido pelo contrato</p><p>social; a delimitação pelo meio objetivo se dá pelo simples</p><p>fato de con-</p><p>trole social, que vê na moral, sua única solução; e 4) é preciso ressaltar a</p><p>preocupação, de maneira geral, com o abuso da liberdade; não se pode</p><p>confundir a liberdade com padrões de libertinagem, levando a um des-</p><p>crédito dos preceitos éticos, transformando a liberdade em mero hábito.</p><p>Observe-se que, dessa forma, a liberdade acaba sendo anterior ao co-</p><p>letivo social, sendo a partir dela que o gênero humano chegou, e, ainda</p><p>chega a estabelecer as bases sociais. O grande problema é quando as</p><p>bases sociais pensam de maneira diferente do padrão de liberdade ética,</p><p>colocando-a dentro de uma dinâmica de redução; isto é, aparece, por</p><p>uma necessidade social, a liberdade reduzida, como meio de contenção</p><p>social, de limitação do humano. A esse modelo de liberdade é possível</p><p>determinar como</p><p>[...] um fruto serôdio do pensamento egoísta e liberal,</p><p>com a sua ideia de liberdade limitada, cujos únicos limi-</p><p>tes possíveis são os que ela própria a si mesma impõe;</p><p>[...] e, como o bem comum está ligado essencialmente</p><p>aos fins existenciais, os direitos originários do indivíduo</p><p>[...] mantêm-se [...] sendo que o que pode ser limitado,</p><p>é o uso dos direitos (MESSNER, 1960, p. 426).</p><p>Portanto, a limitação que passa a figurar é a do próprio direito, que é</p><p>estabelecida por uma moral social. Dessa forma, é preciso se definir os</p><p>preceitos do sistema de direitos, para que se chegue a compreender,</p><p>no fim da reflexão, o que se estabelece como uma ética da liberdade,</p><p>que tem em sua concepção social valores morais que buscam a limitar.</p><p>Nesse ínterim, é preciso pensar sobre a dimensão dos direitos, bem</p><p>como desvinculá-los dos preceitos morais, para se chegar a uma ética.</p><p>Politicas sociais e etica_PP.indd 169 10/05/11 15:55</p><p>170 UNIUBE</p><p>O primeiro ponto, dentro dos direitos, é conceber a diferença existente</p><p>entre o direito natural e o social. Os direitos naturais podem levar a uma</p><p>padronização da liberdade, aplicando-a de modos diferentes de acordo</p><p>com situações variadas. Os direitos sociais minimizam a liberdade, co-</p><p>locando-a como um artefato da realidade social; a sua tutela é marcada</p><p>pela inexistência de padrões de liberdade que respeitem a existência</p><p>humana, gerando um simples modo de concepção, baseado na lógica da</p><p>tutela ou vigia; ou seja, surge a liberdade tutelada, comum àqueles que</p><p>vivem em sociedades neoliberais. A liberdade concebida a partir da ética</p><p>possibilita a compreensão de quatro modelos de liberdade: a liberdade</p><p>de consciência, a liberdade religiosa, a liberdade de vida e a liberdade</p><p>da inviolabilidade. Explicando cada um deles, a</p><p>[...] liberdade de consciência é o direito de atuar de</p><p>acordo com a sua própria consciência. O homem não</p><p>pode ser obrigado juridicamente a fazer o que quer que</p><p>seja que considere reprovável [...]. A liberdade religiosa</p><p>é um direito intimamente ligado com a liberdade de</p><p>consciência. É um direito absoluto quando se trata da</p><p>prática privada da religião [...]. A liberdade de vida é</p><p>o direito do homem à sua vida como pressuposto do</p><p>cumprimento dos seus fins existenciais [...]. A liberdade</p><p>da inviolabilidade é o reconhecimento do homem ao</p><p>seu corpo, com as energias e faculdades que lhes são</p><p>dadas para o cumprimento das suas tarefas vitais [...].</p><p>Um dos direitos mais importantes que protegem a in-</p><p>violabilidade da pessoa é o direito à honra (MESSNER,</p><p>1960, p. 428).</p><p>Assim, a liberdade deve ser concebida como uma virtude humana que</p><p>possibilita a entrada para novas realidades; que abre margem para a</p><p>compreensão de outras possibilidades; que mostra opções para proble-</p><p>mas, antes, insolucionáveis; que leva o ser humano a tomar a decisão</p><p>correta na hora em que esta lhe for solicitada. Os padrões sociais, es-</p><p>Politicas sociais e etica_PP.indd 170 10/05/11 15:55</p><p>UNIUBE 171</p><p>tabelecidos pela moral mutilam a liberdade e anulam a ética. Padrões</p><p>como a miséria, o desemprego, o analfabetismo, a dominação cultural,</p><p>o totalitarismo, a ditadura etc. É, portanto, urgente que se repense a</p><p>liberdade como uma necessidade essencial do ser humano, um padrão</p><p>que leve ao reconhecimento da responsabilidade que aponta os rumos</p><p>para uma legitimidade ética. Uma responsabilidade que “[...] é chamada</p><p>para garantir procedimentos corretamente éticos” (ARDUINI, 2007,</p><p>p. 15); uma liberdade onde a felicidade seja a condutora de seus cami-</p><p>nhos. Uma liberdade que leve à compreensão de que é impossível ser</p><p>humano sem ser livre, sem ser ético; e é também impossível ser livre</p><p>se não se é ético. É preciso reconhecer realizar a liberdade da vontade.</p><p>É essa liberdade que reconhece no humano livre sua autonomia e, ao</p><p>mesmo tempo, percebe a necessidade de se praticar uma alteridade. Um</p><p>humano que vê na liberdade civil uma situação de prisão e opressão,</p><p>sendo obrigado a adequar a vontade subjetiva à vontade objetiva, mini-</p><p>mizando a dimensão ética, desconsiderando a sua busca pela felicidade</p><p>e pela manutenção de uma existência que tem na virtude algo maior que</p><p>a lei. É justamente para se compreender a liberdade como estado ético</p><p>que se quer transformá-la numa dependente de padrões de areté e eu-</p><p>demonia. Construir uma ética supõe reconhecer a virtude, a felicidade e</p><p>a liberdade como princípios norteadores que perpassam pela dinâmica</p><p>da natureza, do individual, do coletivo, do ser e da liberdade ética.</p><p>Por fim, para que se estabeleça uma continuidade no processo de busca</p><p>pela ética nas organizações, precisamos agora tratar de alguns pontos</p><p>essenciais para a humanidade do século XXI. Para tanto, no próximo</p><p>Politicas sociais e etica_PP.indd 171 10/05/11 15:55</p><p>172 UNIUBE</p><p>capítulo, faremos uma discussão acerca do estágio de transição desse</p><p>ser, o que se convencionou chamar de moral social, ou, simplesmente,</p><p>moral e toda a sua composição para a vida ética e, mais que isso, ética</p><p>em todos os ambientes.</p><p>Resumo</p><p>Primeiramente, a ideia de liberdade como estado ético pressupõe reto-</p><p>mar a reflexão grega, em que a filosofia moral eclode como reflexão do</p><p>comportamento humano, sendo observados dois aspectos: o subjetivo</p><p>e o objetivo. Quando se trata do elemento subjetivo, vem à tona a ideia</p><p>de êthos, isto é, o modo de ser, ou mesmo, os costumes de uma pessoa;</p><p>ao passo que o objetivo exprime a noção de ethos, ou seja, os costumes</p><p>e os modos de uma coletividade, normalmente presa a ideia de uma lei</p><p>natural.</p><p>Sendo a lei natural uma forma de ação e conduta racional do ser humano,</p><p>fica clara a necessidade em se adequar a essa norma a maneira de se</p><p>conhecê-la; ou seja, anterior à ideia de lei natural aparece como ponto</p><p>inicial à tomada de conhecimento. Tal conhecimento específico só se dá</p><p>mediante a empiria, promovendo a sua função, unindo-a com a dimensão</p><p>das categorias humanas (tempo/espaço/causa), bem com a noção de</p><p>temporalidade (passado/presente/futuro). Sendo assim, pensar uma lei</p><p>natural é necessariamente um ato racional.</p><p>É justamente pelo fator humano que o verdadeiro e moralmente bom</p><p>se transforma em bem dessa, e para essa mesma pessoa. Dentro de</p><p>tal perspectiva, falar de um indivíduo como natural supõe a existência</p><p>Politicas sociais e etica_PP.indd 172 10/05/11 15:55</p><p>UNIUBE 173</p><p>de uma ética pessoalista que conforma o ser humano à sua dimensão</p><p>natural. Por conseguinte, tendo a dimensão da geração de valores</p><p>absolutos presente na vida humana, a autossuperação acaba sendo o</p><p>contato íntimo com a natureza e, necessariamente, uma ética que tem na</p><p>liberdade o motor gerador da pessoa humana, e um modo de superação</p><p>essencial da moral social.</p><p>Atividades</p><p>Atividade 1</p><p>Numa sociedade que se diz capitalista neoliberal podemos encontrar</p><p>desavenças de séculos passados ainda vigentes. Pobreza, exclusão,</p><p>miséria, violência excessiva, todos são realidades presentes em nosso</p><p>dia a dia, e erradicá-las se torna uma missão nada fácil. Porém, por outro</p><p>lado, tentar eliminá-las é um ato extremamente ético e necessário, que</p><p>busca, obrigatoriamente:</p><p>a) A formação de uma sociedade.</p><p>b) A busca da justiça pessoal.</p><p>c) A conquista da paz mundial.</p><p>d) A conquista da dignidade humana.</p><p>e) A busca da relatividade humana.</p><p>Atividade 2</p><p>Muito mais do que viver e conviver, é preciso buscar uma desalienação</p><p>do humano. É preciso quebrar os velhos paradigmas e gerar novos. Nos</p><p>Politicas sociais e etica_PP.indd 173 10/05/11 15:55</p><p>174 UNIUBE</p><p>dizeres de Nietzsche, “quebrar as tábuas dos valores, e ser capaz de</p><p>criar seus próprios valores”. Gerar seus valores não é se esquecer dos</p><p>valores bases da formação inicial, mas sim ser sustentado por valores</p><p>morais e comportamentos éticos.</p><p>O fragmento se refere a:</p><p>a) Heteronomia.</p><p>b) Autopráxis.</p><p>c) Heterofobia.</p><p>d) Autonomia.</p><p>e) Heliofobia.</p><p>Atividade 3</p><p>A passagem do ambiente individual para o coletivo, ou, de maneira prática,</p><p>a inversão da realidade natural para a social é marcada pela introdução do</p><p>aspecto moral. Essa inserção, por parte do ser natural, no mundo moral</p><p>marca não só a mudança comportamental, mas também toda a sua com-</p><p>preensão do que vem a ser mundo conhecido, vida natural e a realidade</p><p>na qual se estava, até então, habituado a presenciar. A mudança que se</p><p>alcança com tal feito não se converge em simples prática racional, mas</p><p>terá todo impacto de uma readaptação a um novo sistema que coloca em</p><p>dúvida a eficácia e a funcionalidade do modo de vida natural.</p><p>Diante disso, pode se afirmar que:</p><p>Politicas sociais e etica_PP.indd 174 10/05/11 15:55</p><p>UNIUBE 175</p><p>a) A moral é essencial para o ordenamento social.</p><p>b) A moral não pode ser colocada como fonte de ordenamento.</p><p>c) A moral pode ser concebida como ética prática.</p><p>d) A moral não se constrói pelo ordenamento.</p><p>e) A moral é subjetiva, portanto não pode ser fonte de ordenamento</p><p>coletivo.</p><p>Atividade 4</p><p>O ser ético natural acaba sendo suprimido pela imposição de fatores que</p><p>modificam o modelo de realidade que respeita a lei natural, que respalda</p><p>a ética; são pontos-chaves para o entendimento do processo que, daqui</p><p>para a frente, chamar-se-á de “dualidade racionalista relativista”. Tal</p><p>processo se sustenta em três bases, que são:</p><p>a) Criação, hierarquização e prescrição de valores.</p><p>b) Hierarquização, suplementação e exposição.</p><p>c) Prescrição de valores, sujeição e exposição.</p><p>d) Criação, hierarquização e sujeição.</p><p>e) Prescrição de valores, ética e moral.</p><p>Atividade 5</p><p>Condicionar a liberdade é assumir um duplo padrão de ação; isto é, para</p><p>que a liberdade aconteça, para além da dominação natural, ela deve res-</p><p>peitar os modos de conduta que versam sobre a dinâmica da necessidade</p><p>Politicas sociais e etica_PP.indd 175 10/05/11 15:55</p><p>176 UNIUBE</p><p>(teoria) e da transformação (prática), colocando essa mesma liberdade</p><p>anterior à livre vontade.</p><p>Diante disso, elabore um pequeno texto, de no máximo 10 linhas, abor-</p><p>dando a importância da liberdade.</p><p>Referências</p><p>ARDUINI, Juvenal. Ética responsável e criativa. São Paulo: Paulus, 2007.</p><p>ARENDT, Hannah. As origens do totalitarismo. Totalitarismo, o paroxismo do</p><p>poder. Trad. de Roberto Raposo. Rio de Janeiro: Documentário, 1979.</p><p>COMPARATO, Fábio. K. Ética: direito, moral e religião no mundo moderno. 2. ed.</p><p>São Paulo: Companhia das Letras, 2006.</p><p>HARTMANN, Nicorai. Ethik. Berlim: Gruyter, 1926.</p><p>JAPIASSÚ, Hilton; MARCONDES, Danilo. Dicionário básico de Filosofia. 3. ed.</p><p>rev. e ampl. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1996.</p><p>LASKI, Harold. A liberdade no Estado Moderno. São Paulo: Abril, 1930.</p><p>LEVY, N. Ética e História. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2004.</p><p>MARCONDES, Danilo. Textos básicos de Filosofia: dos Pré-Socráticos a</p><p>Wittgenstein. 5. ed. rev. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2007.</p><p>MESSNER, Johannes. Ética social: o direito natural no mundo moderno. Trad. de</p><p>Alípio Maia de Castro. São Paulo: Quadrante, 1960.</p><p>Politicas sociais e etica_PP.indd 176 10/05/11 15:55</p><p>UNIUBE 177</p><p>MORIN, Edgar. O método II: A vida da vida. Trad. de M. G. Bragança. Lisboa:</p><p>Publicações Europa América, [s./d.].</p><p>ROUSSEAU, Jean-Jacques. Discurso sobre a origem e os fundamentos da</p><p>desigualdade entre os homens. Trad. de Alex Marins. São Paulo: Martin Claret,</p><p>2007.</p><p>_______. Cartas escritas da montanha. São Paulo: Unesp, 2006.</p><p>_______. Emílio. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1992.</p><p>_______. Do contrato social ou princípios do direito político. Trad. Lourdes</p><p>Santos Machado. São Paulo: Abril Cultural, 1973. (Coleção Os Pensadores.)</p><p>RUSSELL, Bertrand. Ética e política na sociedade humana. Trad. de Nathanael C.</p><p>Caixeiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1977.</p><p>SCHELER, Max. Der Formalismus in der Ethik und die materiale Wethik. 3. ed.</p><p>Berlim: Gruyter, 1927.</p><p>SMITH, Paul. Filosofia moral e política: liberdade, direitos, igualdade e justiça</p><p>social. Trad. de Soraya Freitas. São Paulo: Madras, 2009.</p><p>TUGENDHAT, Ernst. Lições sobre ética. Trad. de Róbson Ramos dos Reis et al.</p><p>Petrópolis: Vozes, 1997.</p><p>VÁSQUEZ, Adolfo. S. Ética. 30. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008.</p><p>_______. Filosofia da Práxis. 2. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977.</p><p>Politicas sociais e etica_PP.indd 177 10/05/11 15:55</p><p>Politicas sociais e etica_PP.indd 178 10/05/11 15:55</p><p>(daimon), em linhas gerais, felicidade. A tradição ocidental modificou o</p><p>sentido da palavra eudemonia para o termo “demônio”. Assim, o problema</p><p>da transliteração (tradução com mudança de significado) feita por aqueles</p><p>que detinham o poder do conhecimento, fez com que a felicidade ga-</p><p>nhasse uma conotação diabólica. Se observarmos os escritos de Bento</p><p>de Núrsia (480-547 d.C.), em especial a Regra Beneditina, adotada pelos</p><p>Ente</p><p>Normalmente a</p><p>palavra ente aparece</p><p>para designar – na</p><p>Filosofia – o ser, ou</p><p>seja, aquele que</p><p>existe.</p><p>Politicas sociais e etica_PP.indd 123 10/05/11 15:55</p><p>124 UNIUBE</p><p>Carolíngios como a única oficial no século VIII, a felicidade estava ligada</p><p>à orgia. Desse modo, a ideia de felicidade grega foi convertida em ação</p><p>demoníaca, sendo o demônio o autor do mal.</p><p>Essa inversão dos fatos e termos marca a ação profunda das leis, supe-</p><p>rando a compreensão da busca e manutenção da liberdade. Não que-</p><p>remos aqui direcionar toda a culpa pelo atual estágio da compreensão</p><p>ética aos ocidentais, mas é preciso relatar o ocorrido, deixando claro</p><p>que esse fato social modificou o comportamento do homem, que passa</p><p>a carecer de uma formação coletiva social, a partir da prática, e a não</p><p>observar seus instintos naturais.</p><p>Entre outras, entender a liberdade como mantenedora de uma ética se</p><p>perfaz de uma ação de manutenção do estado natural. Não queremos</p><p>eliminar a dimensão legal do contexto social, mas é preciso antepor o</p><p>êthos ao ethos, a virtude à lei. Assim, essa necessidade de se agregar</p><p>valor faz com que o homem passe a distinguir o bem do mal. Contudo, o</p><p>que caracteriza uma coisa como boa ou má? Pode-se designar como boa,</p><p>em primeiro lugar, a idoneidade de uma coisa, relativa a um fim. Isto é,</p><p>[...] o caso de um bom cavalo, que se considera bom</p><p>pelas condições que tem para o tiro ou pela sua docili-</p><p>dade, em vez de teimosia. Mas, em termos absolutos,</p><p>um cavalo é bom, sobretudo se funciona corretamente</p><p>o seu organismo em todas as suas partes (incluindo</p><p>o normal instinto de um cavalo). Isto sucede quando</p><p>a natureza cumpre todos os fins próprios das suas</p><p>funções essenciais [...] (MESSNER, 1960, p. 25).</p><p>O simples exemplo dá a ideia de qualificação entre boa ou má, mediante</p><p>a aptidão de cumprimento das funções determinadas pela natureza</p><p>compositora. Dessa forma, a natureza humana determina suas ações</p><p>Politicas sociais e etica_PP.indd 124 10/05/11 15:55</p><p>UNIUBE 125</p><p>em estado natural que, a partir de uma convivência social, acaba sendo</p><p>amputada pela necessidade de implantação da moral, bem como as leis.</p><p>A anulação do preceito natural faz com que a dimensão do êthos acabe</p><p>suprimida pelo nomos e a virtude acabe sujeita a uma orientação nor-</p><p>mativa: leis. Dessa forma, o homem acaba sendo formado pela socie-</p><p>dade em que vive, sem levar em conta seus valores individuais ou sua</p><p>liberdade, acreditando que essa foi conquistada pela luta social. Assim,</p><p>o que há é a transformação da natureza livre em sociedade tutelada, ou</p><p>ainda, os atos humanos passam a ser compreendidos e analisados pela</p><p>moral, desprezando a vertente ética.</p><p>A moral efetiva compreende, portanto, não-somente</p><p>normas ou regras de ação, mas também – como com-</p><p>portamento que deve ser – os fatos com ela conformes.</p><p>Ou seja, tanto o conjunto dos princípios, valores e</p><p>prescrições que os homens, numa dada comunidade,</p><p>consideram válidos como atos reais em que aqueles</p><p>se concretizam ou encarnam (VÁSQUEZ, 2008, p. 65).</p><p>É justamente por esse fator de inversão da ética</p><p>(do instinto natural para ordenador social) com</p><p>a moral que é preciso recolocar a questão em</p><p>ordem. A solução encontrada perpassa pelo jus-</p><p>naturalismo como maneira lógica racional de</p><p>promover um caminho para a reflexão da liber-</p><p>dade concebida como estado ético. É preciso</p><p>reinventar a dimensão ética humana, suprimida</p><p>pela vivência moral, constantemente direcionada</p><p>por uma moral social que suplanta a dimensão</p><p>da liberdade natural.</p><p>Jusnaturalismo</p><p>É uma teoria filosófica/</p><p>jurídica que reconhece</p><p>a existência de um</p><p>direito natural do ser</p><p>humano, apoiado na</p><p>liberdade, anterior ao</p><p>direito positivista (o</p><p>que conhecemos). Um</p><p>dado interessante é</p><p>que o direito natural</p><p>permanece se houver</p><p>uma disputa com o</p><p>direito positivo.</p><p>Politicas sociais e etica_PP.indd 125 10/05/11 15:55</p><p>126 UNIUBE</p><p>Assim, o primeiro passo a ser tomado dentro da nossa busca em se</p><p>desvendar a ética, é desvincular a ética do nomos e vinculá-la ao êthos;</p><p>mostrar claramente que ela está ligada ao comportamento humano, e</p><p>não a uma necessidade legal implantada por determinações sociais. E</p><p>mesmo que o pensamento antigo sustente a ideia de que o elemento</p><p>gerador da convivência social estaria nos valores coletivos, não podemos</p><p>nos esquecer dos fatores históricos que, em sua essência, são cons-</p><p>truídos pelo indivíduo, em que “[...] tudo que é histórico, deve supor-se</p><p>irremediavelmente humano” (LEVY, 2004, p. 51), perfazendo a lógica do</p><p>ser humano como centro do sistema social.</p><p>PESQUISANDO NA WEB</p><p>Assista ao vídeo indicado a seguir e tente formar uma ideia do que seja</p><p>sociedade, colocando as influências desse projeto com a necessidade de</p><p>um comportamento ético. Busque socializar a sua opinião com os colegas e</p><p>preceptor.</p><p>Site: <http://www.youtube.com/watch?v=ZYpMibr8IgI>.</p><p>Ao que parece, a ideia dos gregos e sua physis, numa busca em res-</p><p>ponder a origem humana, esbarrou na compreensão de que “[...] toda</p><p>preferência ética do sujeito é determinada por motivos (razões) inscritos</p><p>num pretenso sistema de causalidades naturais” (LEVY, 2004, p. 52).</p><p>Dessa forma, é possível perceber que o estado ético se encontra baseado</p><p>na liberdade, em que o indivíduo responde, diretamente, pela formação</p><p>das convenções histórico-sociais, oriundas de uma compreensão ética</p><p>pessoal. Pois, “construímos o mundo humano ordenando valorativas, na</p><p>PESQUISANDO NA WEB</p><p>Assista ao vídeo indicado a seguir e tente formar uma ideia do que seja</p><p>sociedade, colocando as influências desse projeto com a necessidade de</p><p>um comportamento ético. Busque socializar a sua opinião com os colegas e</p><p>preceptor.</p><p>Site: <http://www.youtube.com/watch?v=ZYpMibr8IgI>.</p><p>Politicas sociais e etica_PP.indd 126 10/05/11 15:55</p><p>UNIUBE 127</p><p>condição de sujeitos éticos inteiramente soberanos com relação à própria</p><p>liberdade” (LEVY, 2004, p. 55).</p><p>Por fim, a dimensão ética pessoal, como sustentação da liberdade,</p><p>mantém a lógica racional compreendida, do quanto mais humano, mais</p><p>ético, e quanto mais ético, mais humano. Assim, para se compreender</p><p>a ética e, ainda, a liberdade como fruto dessa ética, é preciso entender</p><p>de onde vem essa disposição natural que faz com que o ser humano</p><p>busque, incessantemente, compreender. Para tanto, é preciso começar</p><p>estabelecendo a ideia de natureza.</p><p>3.2 Estado natural</p><p>Pensar em um estado de natureza é assumir um posicionamento que</p><p>compreende a lógica de uma lei natural como retidão da natureza –</p><p>que complementa a retidão da razão – tida como essência da moralidade</p><p>e tuteladora da liberdade.</p><p>Sendo a lei natural uma forma de ação e conduta racional do ser humano,</p><p>fica clara a necessidade em se adequar a essa norma a maneira de se</p><p>conhecê-la; ou seja, anterior à ideia de lei natural aparece como ponto</p><p>inicial à tomada de conhecimento. Tal conhecimento específico só se dá</p><p>mediante a empiria, promovendo a sua função, unindo-a com a dimensão</p><p>das categorias humanas (tempo/espaço/causa), bem com a noção de</p><p>temporalidade (passado/presente/futuro). Sendo assim, pensar uma lei</p><p>natural é necessariamente um ato racional.</p><p>Politicas sociais e etica_PP.indd 127 10/05/11 15:55</p><p>128 UNIUBE</p><p>IMPORTANTE!</p><p>Caro(a) estudante, lembre-se de que já estivemos estudando sobre empiria</p><p>no Capítulo 1. Perceba que toda a reflexão está interligada, de modo que é</p><p>extremamente importante que você faça essa ligação. Se for preciso, retome</p><p>a discussão acerca da empiria e busque</p><p>socializar sua pesquisa.</p><p>Essa vontade racional que aparece como uma característica necessária</p><p>para a afirmação da lei natural tem suas formas compositoras alicerçadas</p><p>em duas colunas: o imperativo da consciência e a tendência para os valo-</p><p>res (felicidade). No primeiro, o ser humano é aquele que perpassa pelas</p><p>etapas do conhecimento – análise/crítica/discussão/demonstração – que</p><p>culmina com a percepção, sendo esta o ponto-chave da questão. Essa</p><p>postura reflete sobre a relação sujeito/objeto, descoberta e exposta pelos</p><p>sentidos. O segundo ponto – a tendência para os valores – não se asse-</p><p>melha a uma ação egoísta; nós, humanos, em nossa essência, queremos</p><p>e buscamos realizar nossas aspirações como um ser que se encontra</p><p>em constante mutação, tendo na felicidade seu ideal, transformando-a</p><p>em uma virtude (areté).</p><p>Vale lembrar que há uma diferença entre a vontade dos animais irra-</p><p>cionais e a nossa vontade. Os animais têm sua lei natural baseada na</p><p>lógica da sequência instintiva, isto é, puramente satisfazer os processos</p><p>dos instintos repetidamente. Já, nós, humanos, temos em paralelo aos</p><p>instintos, a ação moral permanente (hábito), uma moral racional e tem no</p><p>valor agregado um instinto a priori. Dessa forma, o ser humano é aquele</p><p>que consegue unir, em sua composição, uma lei natural que é, ao mesmo</p><p>tempo, objetiva e subjetiva; uma lei que se compõe do agir segundo a</p><p>IMPORTANTE!</p><p>Caro(a) estudante, lembre-se de que já estivemos estudando sobre empiria</p><p>no Capítulo 1. Perceba que toda a reflexão está interligada, de modo que é</p><p>extremamente importante que você faça essa ligação. Se for preciso, retome</p><p>a discussão acerca da empiria e busque socializar sua pesquisa.</p><p>Politicas sociais e etica_PP.indd 128 10/05/11 15:55</p><p>UNIUBE 129</p><p>natureza, em que a moral está ligada ao ser, e não ao humano, gerando</p><p>uma concepção ética pessoal ontológica.</p><p>SAIBA MAIS</p><p>Uma das linhas de estudo da Filosofia é a Epistemologia. Nela, o estudo do</p><p>conhecimento é caracterizado por formas específicas, sendo as mais famosas</p><p>as formas de conhecimento a priori e a posteriori:</p><p>O conhecimento a posteriori e a priori são modalidades</p><p>epistêmicas. Uma proposição é conhecível a priori se, e</p><p>só se, pode ser conhecida sem o concurso da experiência</p><p>empírica. Assim, 2 + 2 = 4 é uma proposição conhecível</p><p>a priori porque posso conhecê-la recorrendo unicamente</p><p>ao pensamento. Mas para saber que a água é H2O tenho</p><p>de me socorrer da experiência empírica – não posso</p><p>fazê-lo recorrendo unicamente ao pensamento. Dada</p><p>a definição de analiticidade [uma frase é uma verdade</p><p>analítica se, e só se, o significado das palavras que nela</p><p>ocorrem e a sua sintaxe for suficiente para saber que é</p><p>verdadeira], é fácil perceber que todas as frases analí-</p><p>ticas exprimem proposições conhecíveis a priori. Pois</p><p>se para saber o valor de verdade de uma frase analítica</p><p>basta refletir sobre o significado das palavras e a sintaxe</p><p>da frase, isso significa que não é necessário recorrer à</p><p>experiência empírica para identificar como verdadeira a</p><p>proposição expressa. (Disponível em: <http://www.esas.pt/</p><p>dfa/conhecimento_a_priori_e_a_posteriori_murcho.htm>)</p><p>A impressão da lei natural não foge a ideia de</p><p>pessoa humana; muito pelo contrário. É justa-</p><p>mente para se adequar aos padrões de linguagem</p><p>científica comum e universal que a lei natural está</p><p>necessariamente ligada à pessoa humana. Nesse</p><p>caminho busca-se definir a essência do ser – pre-</p><p>fixo do humano –, que passa pela definição de</p><p>SAIBA MAIS</p><p>Uma das linhas de estudo da Filosofia é a Epistemologia. Nela, o estudo do</p><p>conhecimento é caracterizado por formas específicas, sendo as mais famosas</p><p>as formas de conhecimento a priori e a posteriori:</p><p>O conhecimento a posteriori e a priori são modalidades</p><p>epistêmicas. Uma proposição é conhecível a priori se, e a priori se, e a priori</p><p>só se, pode ser conhecida sem o concurso da experiência</p><p>empírica. Assim, 2 + 2 = 4 é uma proposição conhecível</p><p>a priori porque posso conhecê-la recorrendo unicamente a priori porque posso conhecê-la recorrendo unicamente a priori</p><p>ao pensamento. Mas para saber que a água é H2O tenho</p><p>de me socorrer da experiência empírica – não posso</p><p>fazê-lo recorrendo unicamente ao pensamento. Dada</p><p>a definição de analiticidade [uma frase é uma verdade</p><p>analítica se, e só se, o significado das palavras que nela</p><p>ocorrem e a sua sintaxe for suficiente para saber que é</p><p>verdadeira], é fácil perceber que todas as frases analí-</p><p>ticas exprimem proposições conhecíveis a priori. Pois</p><p>se para saber o valor de verdade de uma frase analítica</p><p>basta refletir sobre o significado das palavras e a sintaxe</p><p>da frase, isso significa que não é necessário recorrer à</p><p>experiência empírica para identificar como verdadeira a</p><p>proposição expressa. (Disponível em: <http://www.esas.pt/</p><p>dfa/conhecimento_a_priori_e_a_posteriori_murcho.htm>)</p><p>Prefixo do humano</p><p>A ideia central ao</p><p>se utilizar a palavra</p><p>prefixo é expressar</p><p>a necessidade de se</p><p>definir e ressalvar</p><p>a importância da</p><p>dimensão do ser; esse</p><p>que por sua vez se</p><p>torna uma essência</p><p>do humano, ou seja,</p><p>essência da essência,</p><p>uma característica a</p><p>priori.</p><p>Politicas sociais e etica_PP.indd 129 10/05/11 15:55</p><p>130 UNIUBE</p><p>bem (agathon). Bem é o estado ligado à perfeição do ser. Perfeição que</p><p>desenvolve nossas faculdades internas e, entre elas, o conhecimento</p><p>racional. Esse conhecimento racional tem por função apreender os prin-</p><p>cípios de bem moral, evidentes por si mesmos (apreensão de valores) e,</p><p>ao mesmo tempo, entender os instintos corporais e espirituais que levam</p><p>à concretização do ser humano e os fins (apreensão da realidade). O</p><p>humano é um misto de instinto e razão, ambos, direcionados para um</p><p>comportamento ético, sustentado pela lei natural do bem em busca da</p><p>manutenção dos padrões de liberdade, seja individual ou social. É jus-</p><p>tamente essa compreensão que leva Sêneca a afirmar que “sofremos</p><p>de uma doença curável, e, nascidos para o bem, somos ajudados pela</p><p>natureza em nos querendo corrigir” (SÊNECA apud ROUSSEAU, 1992,</p><p>p. 5). Essa ordem natural do ser que contribui para o conhecimento ra-</p><p>cional dos princípios morais.</p><p>A retidão natural do ser humano obedece à manutenção existencial da</p><p>espécie de maneira racional. Diferentemente dos animais – em que a</p><p>lei natural manifesta-se total e exclusivamente por meio da existência</p><p>instintiva – o ser humano possui um conhecimento direto, que diferen-</p><p>cia seu modo de agir e de se comportar; pois, no ser humano “o modo</p><p>de agir imanente a natureza racional é característico de sua conduta”</p><p>(MESSNER, 1960, p. 42). A questão-chave aqui apresentada é justa-</p><p>mente o fator conduta. Padronizar as ações humanas se torna um feito</p><p>impossível pelo fato de que esse mesmo humano é imprevisível. Por tal</p><p>imprevisibilidade ser característica comum aos humanos é que se busca</p><p>determinar os aspectos fundamentais dos princípios morais, isto é, o que</p><p>sustenta a existência de ideais, e mais do que isso, executa padrões de</p><p>ação individual mediante a reflexão prévia. A relevância dos aspectos</p><p>Politicas sociais e etica_PP.indd 130 10/05/11 15:55</p><p>UNIUBE 131</p><p>básicos vai de encontro com a definição do prefixo do humano; em linhas</p><p>gerais, que se chama de ética, baseada num estado livre natural.</p><p>Ao definirmos os padrões de ação iniciais, estabelecemos uma linha de</p><p>pensamento que se baseia na necessidade de uma retidão natural para</p><p>se manter a natureza humana. Ao buscar um meio para se chegar à</p><p>retidão da natureza, o ser humano o faz por fins existenciais que culmi-</p><p>nam com a diferenciação do seu modo de agir e de se comportar. Tais</p><p>feitos se fazem possíveis graças a uma conduta ética, que é sustentada</p><p>por preceitos morais e, com isso, ressalta-se a construção necessária</p><p>de uma ética dos valores. Contudo, quando se traz para a realidade</p><p>humana a dimensão da ética dos valores, concomitantemente, vem à</p><p>tona a ideia de uma ética fundada na lógica do fim,</p><p>gerando, assim, uma</p><p>ética caduca. É neste ponto que surge o pensamento de Scheler que</p><p>julga ser esse o contributo significativo de Kant: “[...] ter rejeitado a ideia</p><p>de fim, não lhe concedendo função alguma na fundamentação da ética”</p><p>(SCHELER, 1927, p. 2-10).</p><p>É preciso ressaltar que a função que o fim desempenha como fundamento</p><p>da moralidade é intencional e não existencial; sendo os fins existenciais</p><p>objetivos da natureza. O problema do fim levanta ainda uma polêmica no</p><p>que tange a dimensão do bem como perfeição, pois “[...] se deve rejeitar</p><p>toda ética que fala de fins bons e maus, pois os fins não são em si bons</p><p>nem maus” (HARTMANN, 1926, p. 234).</p><p>Ao que se sabe, o ser humano tem sua diferença no modo de agir que é</p><p>imanente à natureza racional, seguindo a lei natural. Lei natural que se</p><p>reveste de uma dupla função: conhecimento racional e vontade racional.</p><p>Na primeira, o ser humano agrega racionalidade e instintividade. Na se-</p><p>Politicas sociais e etica_PP.indd 131 10/05/11 15:55</p><p>132 UNIUBE</p><p>gunda, eclode a consciência e o instinto de felicidade como tendência</p><p>social (moral). Dessa forma, pensar em um bem como perfeição é anular</p><p>a dimensão racional, que varia de acordo com as duas funções supra-</p><p>citadas. A junção dessas formas de entendimento humano dá origem à</p><p>natureza racional, que se desvincula da necessidade de um bem para</p><p>levar à perfeição e assume a necessidade de se reconhecer uma moral</p><p>que, por sua vez, reconheça uma ética fundamental: o bom.</p><p>O bom aparece como um facilitador; não um simples ato de atalhar a</p><p>busca de uma vertente pessoal ou uma satisfação. O bom abre margem</p><p>para a solidificação da ideia de absoluto e de excelência, ou seja, uma</p><p>compreensão que tem na virtude (areté) um valor subjetivo, dependente</p><p>das apreensões pessoais de cada ser humano. Entende-se, assim, a</p><p>dimensão de uma ética definida como areté, caminho natural do ser</p><p>humano para encontrar o satisfatório, isto é, a felicidade. O bom, dessa</p><p>forma, está intrinsecamente ligado à realidade pessoal, em que a reali-</p><p>zação pessoal – não egoísta – emerge como um fator diferencial para se</p><p>determinar uma ética que transcende as bases estabelecidas por simples</p><p>análise crítica da moral.</p><p>A grande questão que envolve o bom enquanto ser social está no fator da</p><p>vergonha. Na vertente atual, inexiste a preocupação com o bom social,</p><p>e, muito menos, com a questão da análise social em relação ao pessoal;</p><p>ou seja, não se tem a discussão maniqueísta de bem e mal, de ações</p><p>boas e más. Permanece ainda uma vertente do hiperhedonismo, como</p><p>aquele que modifica as relações sociais, anulando a compreensão dos</p><p>impactos das ações individuais dentro de um contexto social. Desse</p><p>Politicas sociais e etica_PP.indd 132 10/05/11 15:55</p><p>UNIUBE 133</p><p>modo, a vergonha pessoal deixa de existir, dando margem para o surgi-</p><p>mento de uma vertente não ética, entendida como supressão da areté.</p><p>Para que a satisfação social aconteça, há a necessidade de um fator</p><p>motor que busque condicionar o padrão de vergonha individual. Desse</p><p>modo, aparece aqui a necessidade de uma moral, como aquela que</p><p>abrirá margem para uma ação coletiva, pautada não mais na areté, mas</p><p>sim, no nomos. Portanto, a moral acaba sendo a responsável direta por</p><p>uma padronização das ações sociais, inviabilizando que a lei natural</p><p>apareça e se mantenha. A natureza acaba restrita a simples livre-arbítrio.</p><p>Com a redução da natureza humana à simples possibilidade de opção</p><p>e não mais de liberdade, a vida humana se vê diminuída em todos os</p><p>aspectos. Nascido para ser livre, o ser humano opta por uma convivência</p><p>entre pares que acaba deixando com que suas escolhas sejam feitas</p><p>por aqueles que são parte da administração da vida social. Assim, a</p><p>necessidade de uma moral</p><p>[...] segundo vejo a conexão, consiste em que o indiví-</p><p>duo, de sua parte, se queira entender como membro da</p><p>comunidade. Este “eu quero” é naturalmente diferente</p><p>daquele de que se falava no caso das capacidades</p><p>especiais. Nele está implicado, em primeiro lugar, que o</p><p>indivíduo assume em sua identidade [...] (TUGENDHAT,</p><p>1997, p. 63).</p><p>A partir do momento em que a moral social aparece, a natureza – en-</p><p>quanto disposição ética – desaparece, fazendo com que ecloda uma</p><p>natureza social, como parte da nova essência adquirida. É justamente por</p><p>esse motivo que há a necessidade de uma moral que apareça não como</p><p>um ato subjetivo apoiado em valores, mas represente uma adaptação</p><p>individual, um condicionamento ao sistema social, sujeitando sua vontade</p><p>Politicas sociais e etica_PP.indd 133 10/05/11 15:55</p><p>134 UNIUBE</p><p>à vontade dos outros. Nessa concepção, superam-se os ideais que levam</p><p>à compreensão de uma moral natural e, consequentemente, um padrão</p><p>de ação que prime pelos padrões de conduta naturais. Quebra-se, assim,</p><p>com a lógica – especialmente a kantiana – de que a moral deva ser algo</p><p>fixado de maneira socionatural, dando a entender, inclusive, que há nela</p><p>aspectos teológicos, ou seja, padrões de manipulação divinos. Dentro</p><p>dessa ótica, vem à tona a dimensão do juízo moral, como aquele com-</p><p>posto de valores sociais, reunidos e defendidos por alguém em particular</p><p>ou por determinado grupo.</p><p>Partindo da compreensão de que tais juízos morais são determinados</p><p>por alguém ou por um determinado grupo, e esses, tendo em suas</p><p>essências características mutáveis, logo esses mesmos juízos se mo-</p><p>dificam, colocando-se na posição de acompanhar os possíveis avanços</p><p>ou retrocessos de seus idealizadores e defensores. Tal compreensão</p><p>moral pode evoluir ou involuir, mas os juízos morais permanecem como</p><p>necessários à manutenção de determinado sistema social, sendo indis-</p><p>pensáveis para a manutenção da ordem. O grande porém se encontra</p><p>em sua explicação, pois os juízos não podem ser explicados, porque</p><p>expressam e representam atitudes emocionais que só se justificam por</p><p>meio das mesmas emoções compositoras sendo, desse modo, irracio-</p><p>nais. Ao não observar preceitos e moldes racionais, os juízos deixam</p><p>de lado a dimensão da reflexão prática – ética – e passam a assumir</p><p>um papel tipicamente sensibilizador, fundando suas ações em preceitos</p><p>tipicamente cognoscitivos.</p><p>Mesmo desempenhando uma função cognoscitiva, os juízos morais</p><p>são de cunho intuitivos; e mesmo sem uma explicação devidamente</p><p>Politicas sociais e etica_PP.indd 134 10/05/11 15:55</p><p>UNIUBE 135</p><p>racional, os juízos devem passar pela consciência pessoal, adequando</p><p>suas ações e condutas para esse novo meio em que se encontram. Na</p><p>sociedade moderna, por exemplo, a moral social acabou sendo assumida</p><p>sem maiores questionamentos; como consequência de tal feito, hoje a</p><p>moral se vê acuada e obrigada a contínuas explicações por conta de</p><p>suas inúmeras adequações às evoluções sociais. Numa sociedade em</p><p>que a moral supera as bases naturais da ética e da lei, ela se converte</p><p>em puro juízo de valor e, com isso, aparece no meio social uma ética</p><p>que se baseia tipicamente na moral: a ética relativista. Isso se dá pelo</p><p>fato de que a busca de uma padronização das ações individuais, que</p><p>supera a construção, leva à conversão dos juízos morais numa reprodu-</p><p>ção de ações permanentes que represente os ditames morais, excluindo</p><p>a vertente ética de seu meio. Dessa forma, os juízos morais obedecem</p><p>às condutas de valor individual, que, por sua vez, acabam sujeitas ao</p><p>contexto social em que se estão inseridas.</p><p>Assumindo a ideia de que haja um juízo moral relativo, parte-se do prin-</p><p>cípio que em cada sociedade existam juízos normativos que, mesmo</p><p>distintos, têm a mesma validade. Pode-se citar como exemplo a família e</p><p>sua constituição como protomodelo de sociedade. Cada família, em seu</p><p>tempo, assume valores e normas que passam a modificar o ambiente em</p><p>que estão inseridas. Como modelo universal de relacionamento inicial do</p><p>humano, a família eclode como centro mantenedor dos valores morais</p><p>e como construtora dos juízos de valor;</p><p>é a esse “[...] juízo imperativo</p><p>casuístico da consciência, em dependência da apreensão racional da</p><p>moralidade” (MESSNER, 1960, p. 44), que dá-se o nome de hábito. É</p><p>justamente em tal hábito que se concebe a manutenção do sistema moral,</p><p>apoiado na ideia de juízo de valor que parte da família.</p><p>Politicas sociais e etica_PP.indd 135 10/05/11 15:55</p><p>136 UNIUBE</p><p>É na família, por consequência, que devemos analisar-</p><p>-lhe a natureza social mais característica. É realmente</p><p>na família que o homem forma as suas convicções</p><p>sobre a verdade e os valores; é em seu seio sobretudo</p><p>que molda as profundezas do espírito (MESSNER,</p><p>1960, p. 44).</p><p>É procurando entender o bom e satisfazer a sua tendência para os va-</p><p>lores que o ser humano chega à felicidade. É essa disposição humana</p><p>para a felicidade que entende-se por natureza. Uma natureza composta</p><p>por diferenciais de princípios morais e princípios de composição do ser.</p><p>É essa ideia que leva Rousseau a afirmar que o ser humano é bom por</p><p>natureza. Em síntese, pode-se dizer que a natureza</p><p>[...] trata-se de um modo de agir imanente a natureza</p><p>do homem e que o leva a autodeterminar-se por uma</p><p>conduta exigida pelo ser humano, no sentido real e</p><p>pleno: um modo de agir em que a aptidão racional para</p><p>apreender a conduta devida está ligada aos instintos e</p><p>impulsos espirituais e corporais, que para essa mesma</p><p>conduta convergem (MESSNER, 1960, p. 45).</p><p>Portanto, a lei da natureza humana pode se resumir no modo de agir</p><p>que caminha em busca da manutenção de sua liberdade. É, em suma,</p><p>a lógica que leva à percepção de que o individual assume um padrão</p><p>natural; não um simples padrão de ação, mas uma compreensão que</p><p>traz consigo a necessidade de uma compreensão de que antes de se</p><p>padronizar o ser como social é preciso definir quem ele é. A esse último</p><p>é que se tratará, a seguir, no próximo tópico de discussão.</p><p>3.3 O individual como natural</p><p>Expostos os dois pontos iniciais da discussão acerca da ética que surge</p><p>e se mantém a partir da liberdade humana, faz-se preciso tecer uma</p><p>Politicas sociais e etica_PP.indd 136 10/05/11 15:55</p><p>UNIUBE 137</p><p>análise crítica acerca dos modos de compreensão sobre o indivíduo e</p><p>o natural, ou melhor, o individual como natural. Num primeiro momento,</p><p>a lógica textual assume uma característica de contraponto ao se ater a</p><p>díspar conceituação entre tais dimensões humanas. Há de se apresentar</p><p>o individual como o artefato de uma realidade natural; aqui, numa primeira</p><p>análise, pode-se visualizar o humano que tem sua origem dependente de</p><p>um fator inicial – o estado natural – promovendo uma ambiguidade com</p><p>o processo histórico-social. A inversão do papel lógico do fator histórico-</p><p>-social não quer afirmar que inexista a necessidade de tal compreensão;</p><p>muito pelo contrário, o que se quer mostrar é que o ser humano, antes de</p><p>se tornar um ser social e histórico é um ser natural, portador de liberdade,</p><p>de moral, de virtude numa busca constante da felicidade, promovendo,</p><p>assim, uma ética que se solidifica como essência do ser humano, como</p><p>resposta para suas dúvidas existenciais.</p><p>INDICAÇÃO DE LEITURA</p><p>Se você ficou em dúvida quanto à questão do artefato, lembre-se de que ti-</p><p>vemos a oportunidade de tratar desse assunto no capítulo anterior. Portanto,</p><p>você pode voltar sua leitura para esclarecer um pouco mais esse tema.</p><p>Tal análise é possível quando se parte da existência de um padrão de</p><p>liberdade humana, que caminha para a manutenção da autodetermina-</p><p>ção, gerando um nível de responsabilidade individual. Quando se fala</p><p>em uma responsabilidade individual não se pensa em um padrão de</p><p>fechamento em si, mas sim em uma abertura para o entendimento de</p><p>que sua identidade pessoal passa a ser construída com um modo inicial</p><p>INDICAÇÃO DE LEITURA</p><p>Se você ficou em dúvida quanto à questão do artefato, lembre-se de que ti-</p><p>vemos a oportunidade de tratar desse assunto no capítulo anterior. Portanto,</p><p>você pode voltar sua leitura para esclarecer um pouco mais esse tema.</p><p>Politicas sociais e etica_PP.indd 137 10/05/11 15:55</p><p>138 UNIUBE</p><p>natural. Quando o ser humano se encontra em um estado natural, sua</p><p>liberdade alcança patamares que possibilitam o aparecimento do ser</p><p>pessoa, colocando essa mesma liberdade como um diferencial existen-</p><p>cial. É essa tomada de consciência que faz com que ele seja bom, em</p><p>que seu intelecto – ainda num padrão de pré-moralidade – não se faz</p><p>capaz de discernir entre o bem e o mal. Suas reais preocupações sobre</p><p>como ser, limitam-se a cumprir os hábitos naturais – entre eles o existir –,</p><p>sem que seja preciso deixar a disposição para a reflexão; é um ser que</p><p>ainda desconhece a disparidade existente entre trabalho e reflexão, pois</p><p>[...] seus desejos não ultrapassam de modo nenhum</p><p>suas necessidades físicas [...]. Sua imaginação não</p><p>lhe pinta nada; seu coração não lhe pede nada. Suas</p><p>módicas necessidades se acham tão facilmente sob</p><p>sua mão, e ele está tão longe do grau de conhecimento</p><p>preciso para desejar adquirir outras maiores, que não</p><p>pode ter previdência, nem curiosidade [...]. Sua alma,</p><p>que nada agita, entrega-se apenas ao sentimento de</p><p>sua existência atual (ROUSSEAU, 2007, p. 102).</p><p>Rousseau esboça uma definição que coloca o ser humano num caminho</p><p>de autodeterminação; a existência de uma responsabilidade em que</p><p>não há a necessidade de se deixar a dimensão presente faz do humano</p><p>um ser que compreende o imediato; não um ser que só visualiza o ime-</p><p>diatismo, mas sim aquele que concebe a necessidade de se estar no</p><p>presente para entender o passado, modificando o futuro. Ele caminha no</p><p>limiar de sua existência superando as dificuldades sem que, para com</p><p>isso, tenha que levar a cabo a anulação de sua liberdade natural. Um</p><p>ser em estado tal que sua racionalidade encontra, mais do que nunca,</p><p>espaço para repensar sua existência; ele é essencialmente bom, justa-</p><p>mente por ser racional, visualizando a necessidade da consecução de</p><p>uma vida com prazer; mas não um hedonismo. O ideal da pessoa humana</p><p>Politicas sociais e etica_PP.indd 138 10/05/11 15:55</p><p>UNIUBE 139</p><p>é o da personalidade – do fator humano – que</p><p>se realiza na harmonia do ortoprazer que não</p><p>se oponha à dinâmica necessária, em que se vê</p><p>que “a máxima felicidade do maior número” (BEN-</p><p>THAM apud MESSNER, 1960, p. 14).</p><p>É justamente pelo fator humano que o verdadeiro</p><p>e moralmente bom se transforma no bem dessa,</p><p>e para essa mesma pessoa. Dentro de tal pers-</p><p>pectiva, falar de um indivíduo como natural supõe</p><p>a existência de uma ética pessoalista que conforma o ser humano a sua</p><p>dimensão natural. Por conseguinte, tendo a dimensão da geração de</p><p>valores absolutos presente na vida humana, a autossuperação acaba</p><p>sendo o contato íntimo com a natureza e, necessariamente, uma ética</p><p>que tem na liberdade o motor gerador da pessoa humana, e um modo</p><p>de superação essencial da moral social.</p><p>SAIBA MAIS</p><p>Na variação do comportamento moral e sua formação subjetiva, a ética eclode</p><p>como caminho reflexivo para o ordenamento social. Dessa forma, a capaci-</p><p>dade de julgamento passa a ser dividida entre juízo de valor e juízo de fato,</p><p>que estabelecem os parâmetros de bem e mal:</p><p>[...] O bem não é um produto da liberdade no sentido de</p><p>autodeterminação criadora da razão autônoma; o que</p><p>sucede é que a liberdade é um pressuposto do desenvol-</p><p>vimento da boa vontade, sendo esta que realiza o bem.</p><p>Apesar disso, nossa concepção torna visível o elemento</p><p>da verdade da identificação idealista da liberdade com</p><p>a moralidade: a liberdade é, sem dúvida, boa vontade</p><p>em potência, mas ainda não é boa vontade atualizada</p><p>(MESSNER, 1960, p. 125).</p><p>Ortoprazer</p><p>Ortoprazer se</p><p>caracteriza por</p><p>um neologismo</p><p>que expressa a</p><p>necessidade de</p><p>que o ser humano</p><p>compreenda a sua</p><p>existência, respeitando</p><p>a existência do</p><p>outro, sem que haja</p><p>extremismos egoístas</p><p>que levem à prática do</p><p>hiper-hedonismo.</p><p>SAIBA MAIS</p><p>Na variação do comportamento moral e sua formação subjetiva,</p><p>a ética eclode</p><p>como caminho reflexivo para o ordenamento social. Dessa forma, a capaci-</p><p>dade de julgamento passa a ser dividida entre juízo de valor e juízo de fato,</p><p>que estabelecem os parâmetros de bem e mal:</p><p>[...] O bem não é um produto da liberdade no sentido de</p><p>autodeterminação criadora da razão autônoma; o que</p><p>sucede é que a liberdade é um pressuposto do desenvol-</p><p>vimento da boa vontade, sendo esta que realiza o bem.</p><p>Apesar disso, nossa concepção torna visível o elemento</p><p>da verdade da identificação idealista da liberdade com</p><p>a moralidade: a liberdade é, sem dúvida, boa vontade</p><p>em potência, mas ainda não é boa vontade atualizada</p><p>(MESSNER, 1960, p. 125).</p><p>Politicas sociais e etica_PP.indd 139 10/05/11 15:55</p><p>140 UNIUBE</p><p>Tal ideia de superação humana está presente em toda a filosofia jus-</p><p>naturalista, que concebe o humano como ser capaz de ir além de seus</p><p>ambientes e limites. Há, contudo, dois padrões de ação que caminham</p><p>lado a lado com a superação: a vontade e o intelecto. É dentro da dimen-</p><p>são da vontade que se encontra a prática minimalista do livre-arbítrio.</p><p>O livre-arbítrio aparece como um aspecto da vontade racional que se</p><p>explica como causalidade dessa mesma vontade; assim, o ser humano</p><p>transforma a lei natural numa determinante de sua conduta, tomando o</p><p>livre-arbítrio como um valor maior que sua liberdade e, por isso, mini-</p><p>mizando a dimensão humana, que tem na liberdade sua maior virtude</p><p>(areté). Quanto ao intelecto, a crença inicial é que tal capacidade humana</p><p>é aquela tipicamente responsável por modificar o mundo, chegando a</p><p>transformá-lo. Aqui, curiosamente, podem ser visualizadas característi-</p><p>cas comportamentais humanas, tais como: construção, modificação e</p><p>destruição, figurando um ser que é, ao mesmo tempo, artífice e artefato</p><p>da natureza.</p><p>O humano é um ser preso ao presente e sempre indo ao encontro do</p><p>novo; um ser que se abre para o mundo em que vive a tal ponto de gerar</p><p>uma confusão de identidade, em que ele não é capaz de se diferenciar</p><p>do que o mundo que o cerca. Um padrão de liberdade tal que nada se</p><p>antepõe aos seus “desejos ilimitados” e o leva ao privilégio da posse</p><p>imediata da verdade. É um modo de vida que assume, em certo ponto,</p><p>os ideais kantianos em que “o ser humano e, de modo geral, todo ser</p><p>racional, existe como um fim em si mesmo [...]” (KANT apud COMPA-</p><p>RATO, 2006, p. 458). O fato curioso é que esse mesmo ser humano</p><p>se faz incapaz de conceber limitação e finitude, seja no tempo, ou no</p><p>espaço; ele almeja sempre mais e mais, numa constante de ações e</p><p>Politicas sociais e etica_PP.indd 140 10/05/11 15:55</p><p>UNIUBE 141</p><p>modificações. Talvez seja esse o motivo que outrora levou Camões a</p><p>afirmar: “Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades, muda-se o ser,</p><p>muda-se a confiança; todo o Mundo é composto de mudança, tomando</p><p>sempre novas qualidades” (CAMÕES apud COMPARATO, 2006, p. 474).</p><p>Apesar de as mudanças serem uma constante na vida humana, os seres</p><p>humanos, desde seu estado natural, estão numa constante para definirem</p><p>as identidades individuais.</p><p>Falar de identidade é falar da construção de um modelo ético de com-</p><p>portamento que norteia a questão da dignidade humana. É a linha de</p><p>execução grega (prósopon) que concebe a necessidade de que cada</p><p>indivíduo tenha sua personalidade (persona) e mais, alcance um padrão</p><p>de dignidade (dignitas). É justamente para se entender o padrão de indi-</p><p>vidual natural que se deve buscar fundamentar tal compreensão numa</p><p>linha que abarque o indivíduo, não somente como um animal racional e</p><p>suas manifestações (especulativa, técnica, artística e ética), mas como</p><p>singular presença livre no mundo. É esse o princípio natural da vida em</p><p>sociedade: o dever.</p><p>Essa determinação ética que leva o ser humano à plenitude de sua natu-</p><p>reza e, consequentemente, à reinvenção do seu ser, liga-se diretamente</p><p>com a autodeterminação. É justamente por isso que surge a teoria do</p><p>dever. Inversamente, a proposta ideal do dever, aqui se quer quebrar com</p><p>a necessidade de se seguir uma lei moral que impede a sobrevivência</p><p>da ética. Em linhas gerais, luta-se pela plenitude da natureza humana</p><p>que age conforme a lei natural, baseada na livre vontade, para se poder</p><p>falar, verdadeiramente, de um dever ser. Dessa forma a “[...] moralidade é</p><p>para o homem a retidão natural aferida pelos fins existenciais, ao homem</p><p>indicados pela sua própria natureza” (MESSNER, 1960, p. 66).</p><p>Politicas sociais e etica_PP.indd 141 10/05/11 15:55</p><p>142 UNIUBE</p><p>O dever ser leva à busca de uma introspecção à saída do mundo natural,</p><p>para a entrada no mundo moral (vide próximo tópico). A grande questão é</p><p>que o humano foi obrigado a se modificar, a se adaptar às necessidades</p><p>surgidas, à superação de obstáculos oriundos da própria natureza, porque</p><p>[...] tal foi a condição do homem nascente; tal foi a</p><p>vida de um animal limitado, de início, às puras sen-</p><p>sações, e pouco se beneficiando dos dons que lhe</p><p>oferecia a natureza, longe de pensar em arrancar-lhe</p><p>alguma coisa; mas logo se apresentaram dificulda-</p><p>des; foi preciso aprender a vencê-las [...]. As armas</p><p>naturais que são os galhos de árvores, e as pedras</p><p>logo se encontraram sob sua mão. Ele aprendeu a</p><p>superar os obstáculos da natureza, a combater, se</p><p>necessário, os outros animais, a disputar sua subsis-</p><p>tência com os próprios homens, ou a compensar-se</p><p>daquilo que era preciso ceder ao mais forte (ROUS-</p><p>SEAU, 2007, p. 121).</p><p>A obrigação do meio em que se encontrava inserido levou o ser humano</p><p>a uma adaptação, a uma evolução; fato que não cessará, de agora por</p><p>diante, de se modificar, de se atualizar. O grau de dificuldade de so-</p><p>brevivência passará a ser um fator determinante para a espécie, o que</p><p>levará a uma evolução psicológica. Na dinâmica do conhecimento, novas</p><p>formas de análise e compreensão estarão disponíveis; a figura do ser</p><p>humano acabará sendo modificada, inclusive pela concepção pessoal,</p><p>que passará a enxergar a sua superioridade, aniquilando a virtude e</p><p>dando lugar ao vício.</p><p>As novas luzes que resultaram desse movimento au-</p><p>mentaram sua superioridade sobre os outros animais,</p><p>fazendo-o conhecê-la [...]. Foi assim que o primeiro</p><p>olhar que ele dirigiu a si mesmo nele produziu o primeiro</p><p>movimento de orgulho (ROUSSEAU, 2007, p. 123).</p><p>Politicas sociais e etica_PP.indd 142 10/05/11 15:55</p><p>UNIUBE 143</p><p>É justamente com essa ação que se encontra o fim do homem natural,</p><p>e vê-se aparecer o homem social. A espontaneidade deixa o ser hu-</p><p>mano, passando a vigorar a reflexão; “[...] Estado contra a natureza, e</p><p>que o homem que medita é um animal depravado” (ROUSSEAU, 2007,</p><p>p. 103). Surge, em paralelo com os vícios a dimensão do outro, mais</p><p>precisamente a cisão existente entre o “eu” e esse “outro” e, nesse passo,</p><p>a sociedade se constitui e nela, a propriedade e a desigualdade acom-</p><p>panham a evolução racional. O ser humano começa a apresentar, cada</p><p>vez mais, uma necessidade de possuir bens e riquezas, numa busca de</p><p>satisfação de seus desejos íntimos e de ser reconhecido pelos outros.</p><p>Com a junção de tais ações, o humano deixa de lado a vertente da</p><p>realização de suas verdadeiras necessidades, invertendo sua busca pela</p><p>felicidade para uma busca pelos vícios criados a partir de uma evolução</p><p>gradual da razão.</p><p>A sede do ter, que corrompe o hábito de partilhar, vem se mostrando</p><p>cada vez mais presente no meio social. A busca desenfreada por saciar</p><p>as vontades atropela o sentido de igualdade, criando o seguimento aos</p><p>vícios e às paixões, pré-definidas pela sociedade. Vale lembrar que,</p><p>no estado civil, limita-se a natureza do ser humano a um aparato de</p><p>condicionamentos infundantes que exterminam a autonomia deste. A</p><p>civilização adere a um conformismo aniquilante que minimiza suas poten-</p><p>cialidades a um aparelhamento medíocre que subordina sua natureza a</p><p>um resquício inviável de sobrevivência no âmbito social. Sob essa ótica,</p><p>o que Rousseau tem a dizer é que a</p><p>natureza é pura e completa. Dessa</p><p>forma, é preciso assumir a liberdade natural, na busca da manutenção</p><p>Politicas sociais e etica_PP.indd 143 10/05/11 15:55</p><p>144 UNIUBE</p><p>do humano natural. É essa dependência da natureza que gera a ética,</p><p>inexistindo o contrato de posse entre humanos.</p><p>Existem dois tipos de dependência: a das coisas, que</p><p>é da natureza, e a dos homens, que é da sociedade.</p><p>Não tendo nenhuma moralidade, a dependência das</p><p>coisas não prejudica a liberdade e não gera vícios; a</p><p>dependência dos homens, sendo desordenada, gera</p><p>todos os vícios, e é por ela que o senhor e o escravo</p><p>depravam-se mutuamente (ROUSSEAU, 2007, p. 311).</p><p>No seu estado natural, o ser humano não convive com a existência da</p><p>propriedade e nem da guerra, fatores que contribuem para o descrédito</p><p>da liberdade e da ética. É preciso, portanto, buscar a ética – visando à</p><p>verdadeira liberdade do ser humano – compreendendo ação desta em</p><p>sua vida e em seus atos cotidianos. Ética que se encontra alicerçada nas</p><p>bases da “liberdade, instinto de sobrevivência e sentimento de piedade”</p><p>(MARCONDES, 2007, p. 96), diferente de um fator moral, instituído pela</p><p>convivência social; e tal modo de ação será abordado de maneira deta-</p><p>lhada no próximo tópico deste capítulo.</p><p>3.4 O coletivo como social</p><p>A passagem do ambiente individual para o coletivo, ou, de maneira</p><p>prática, a inversão da realidade natural para a social é marcada pela</p><p>introdução do aspecto moral. Essa inserção por parte do ser natural no</p><p>mundo moral, marca não só a mudança comportamental, mas também</p><p>toda a sua compreensão do que vem a ser mundo conhecido, vida na-</p><p>tural e a realidade na qual se estava, até então, habituado a presenciar.</p><p>A mudança que se alcança com tal feito não se converge em simples</p><p>prática racional, mas terá todo impacto de uma readaptação a um novo</p><p>Politicas sociais e etica_PP.indd 144 10/05/11 15:55</p><p>UNIUBE 145</p><p>sistema que coloca em dúvida a eficácia e a funcionalidade do modo de</p><p>vida natural.</p><p>Diante do seu ambiente natural, o indivíduo percebe que a realidade</p><p>converge para a necessidade de se conviver, ou seja, é preciso se unir</p><p>aos semelhantes no intuito de promover uma melhor qualidade de vida. O</p><p>instinto natural de sobrevivência é o primeiro a acusar a obrigatoriedade, a</p><p>partir da análise da realidade, da vida em conjunto, da formação do cole-</p><p>tivo. Ao se tomar por base a observação detalhada dos aspectos animais</p><p>do humano, vê-se que entre todos os animais da fauna ele é o que mais</p><p>carece de atenção e cuidado. Um ser frágil e aberto a todo e qualquer</p><p>tipo de agressão tem na família seu porto seguro; a dinâmica existencial</p><p>prima pela lógica de se proteger das eventuais ameaças que possam</p><p>existir, expondo sua fraqueza estrutural. A dependência de aspectos su-</p><p>periores às suas qualidades e habilidades o obrigam a buscar um modo</p><p>de sanar, ou, ao menos, de superar os limites da espécie humana. Um</p><p>ambiente em que se possa viver de modo que a subsistência aconteça.</p><p>Essa realidade social que começa a tomar forma, por conta de uma</p><p>necessidade instintiva, leva, necessariamente, à consecução de outros</p><p>pontos que, juntos, levam à formação pessoal do indivíduo. O ser social</p><p>começa a se preocupar, a partir desse ponto, com o conhecimento racio-</p><p>nal, com a execução de moldes morais e com a ciência; a criação de um</p><p>modo de realidade social chamado de “cultura” possibilita a evolução do</p><p>pensamento, a observação dos direitos, a criação de um parâmetro de</p><p>valor, a execução de formas de ação tidas como costumes e a limitação</p><p>de hábitos tidos como a manutenção da conduta humana. Todos esses</p><p>Politicas sociais e etica_PP.indd 145 10/05/11 15:55</p><p>146 UNIUBE</p><p>frutos oriundos da convivência social possibilitam ao ser humano alcançar</p><p>a complementação de sua essência natural (felicidade) – segundo ideais</p><p>morais. Num primeiro momento, o que se limita a acontecer dentro da</p><p>realidade social é o que aqui se chama de dialética social; a existência</p><p>de um padrão de conduta que leva à realização de três pontos, a saber:</p><p>a natureza individual, a vinculação social e o ser cultural.</p><p>A existência de uma natureza individual é marcada pela formação direta</p><p>de três aspectos: a dimensão corporal, a capacidade racional e o ideal</p><p>de liberdade. A vinculação social, por sua vez, abre margem para a sus-</p><p>citação de outros três fatores: a dimensão espiritual, a capacidade inte-</p><p>lectual e a realidade de dependência. Em cada um deles, figura a</p><p>exemplificação dos moldes da realidade humana, concebida, cada qual</p><p>em seu espaço. Num primeiro momento, o ser humano, estando em</p><p>estado natural, vê-se ocupado com a busca pela manutenção de sua</p><p>dimensão corporal [física] de maneira livre – aqui</p><p>compreendida como busca pela virtude – exercida</p><p>de maneira racional. Com a introdução dos as-</p><p>pectos da vinculação social, o humano reverte sua</p><p>dimensão corporal em espiritual, metafísica, exer-</p><p>cida na dependência de outros seres, convertendo</p><p>a lógica racional em prática intelectual.</p><p>Como síntese do processo entre as duas primeiras formas, surge o ser</p><p>cultural, como aquele que busca gerir suas necessidades e anseios, numa</p><p>manutenção da dimensão social e moral, levando a uma tendência para</p><p>os valores. Essa dinâmica de busca pelos valores leva o ser humano a</p><p>definir uma necessidade para a convivência social: a moral, que é jus-</p><p>Metafísica</p><p>Expressão filosófica</p><p>atribuída a Aristóteles,</p><p>que significava a</p><p>análise da essência do</p><p>mundo. Entre outras,</p><p>ela buscava resposta</p><p>para perguntas como:</p><p>o que é real? O que</p><p>é natural? O que é</p><p>sobrenatural?</p><p>Politicas sociais e etica_PP.indd 146 10/05/11 15:55</p><p>UNIUBE 147</p><p>tamente o que sustenta a ordem social, que levará à concepção de um</p><p>hábito, como já mencionado neste capítulo. Pois:</p><p>Partindo do fato da moral, isto é, da existência de uma</p><p>série de morais concretas, que se sucedem historica-</p><p>mente, podemos tentar dar uma definição de moral</p><p>válida para todas. Essa definição não pode abranger</p><p>absolutamente todos os elementos específicos de cada</p><p>uma dessas morais históricas, [...] mas deve procurar</p><p>expressar os elementos essenciais que permitam</p><p>distingui-las de outras formas de comportamento hu-</p><p>mano (VÁSQUEZ, 2008, p. 63).</p><p>Todo o comportamento humano passa a ser modificado, dessa forma,</p><p>pelos aspectos morais, que se sucedem ao longo de um período his-</p><p>tórico de vivência dos humanos. Contudo, tal moral não se limita a um</p><p>modelo predefinido, mas se subdivide em outros dois aspectos, a saber:</p><p>moral normativa e moral fatual. Dentro da concepção de moral normativa</p><p>tem-se a criação de regras e o segmento de normas que buscam nor-</p><p>tear a forma de comportamento humano, elencando possibilidades de</p><p>acontecimentos que são de ordem negativa e positiva; ou seja, todas as</p><p>ações humanas podem ser concebidas como atos benquistos ou não.</p><p>Em linhas gerais, a moral normativa busca levar a vida em sociedade</p><p>para o plano do dever ser.</p><p>A moral fatual é composta pelos atos humanos feitos independentes da</p><p>forma de pensamento individual; por exemplo, a busca por ser solidário</p><p>com determinada pessoa sempre de maneira concreta. Aqui, tem-se a</p><p>realidade como ela é, aquilo que de fato se é ou se faz. É preciso lembrar</p><p>que as duas formas de concepção da moral, apesar de diferenciadas,</p><p>não se separam; elas estão em perfeita conformidade, mantendo o com-</p><p>portamento, a norma e o fato, dentro da manutenção da ordem social,</p><p>Politicas sociais e etica_PP.indd 147 10/05/11 15:55</p><p>148 UNIUBE</p><p>preservando certa moralidade. Essa dualidade existente entre moral e</p><p>moralidade pode ser explicada pela compreensão de ideal e real, sendo</p><p>o primeiro a moral e o segundo a moralidade. Em suas respectivas defi-</p><p>nições, a moral representa um conjunto de valores definidos, enquanto a</p><p>moralidade diz respeito a um conjunto de ações efetivas com significado</p><p>moral, ou seja, tomadas e executadas a partir de um parâmetro de</p><p>valor,</p><p>mantendo uma moral social.</p><p>SAIBA MAIS</p><p>Na filosofia grega antiga, uma das maiores buscas dos filósofos sempre foi a</p><p>definição do ser humano. Ao longo dos séculos, nunca se obteve tal resposta.</p><p>A variação de concepções deve-se ao fato de que inúmeras ideias foram</p><p>geradas, contrapostas e reformuladas.</p><p>Assim, a grande questão não se encontra no humano, mas na ideia que se</p><p>tem dele:</p><p>Na Filosofia vale a regra de que as ideias mais simples</p><p>são as mais difíceis de explicar. Dever-ser é uma dessas</p><p>ideias simples, na verdade tão simples que não pode ser</p><p>definida em termos de alguma outra coisa. Se eu digo, por</p><p>exemplo, que o dever-ser é “aquilo que se deve fazer”, a</p><p>definição já inclui a ideia de “dever”, que é a ideia que se</p><p>deveria definir. Se digo que o dever-ser é “aquilo que é</p><p>obrigatório, permitido ou proibido”, essa definição se serve</p><p>de três outras ideias - obrigatório, permitido, proibido – que</p><p>só podem ser explicadas recorrendo à ideia de dever-ser:</p><p>obrigatório é aquilo que se deve fazer, permitido é aquilo</p><p>que não se deve nem fazer nem não fazer, proibido é</p><p>aquilo que se deve não fazer. Como se vê, há pouca espe-</p><p>rança de que a ideia de dever-ser possa ser explicada com</p><p>recurso a alguma ideia mais simples que não contenha</p><p>referência direta nem indireta ao dever-ser. (Disponível:</p><p><http://aquitemfilosofiasim.blogspot.com/2007/11/o-que-</p><p>1-dever-ser.html>)</p><p>SAIBA MAIS</p><p>Na filosofia grega antiga, uma das maiores buscas dos filósofos sempre foi a</p><p>definição do ser humano. Ao longo dos séculos, nunca se obteve tal resposta.</p><p>A variação de concepções deve-se ao fato de que inúmeras ideias foram</p><p>geradas, contrapostas e reformuladas.</p><p>Assim, a grande questão não se encontra no humano, mas na ideia que se</p><p>tem dele:</p><p>Na Filosofia vale a regra de que as ideias mais simples</p><p>são as mais difíceis de explicar. Dever-ser é uma dessas</p><p>ideias simples, na verdade tão simples que não pode ser</p><p>definida em termos de alguma outra coisa. Se eu digo, por</p><p>exemplo, que o dever-ser é “aquilo que se deve fazer”, a</p><p>definição já inclui a ideia de “dever”, que é a ideia que se</p><p>deveria definir. Se digo que o dever-ser é “aquilo que é</p><p>obrigatório, permitido ou proibido”, essa definição se serve</p><p>de três outras ideias - obrigatório, permitido, proibido – que</p><p>só podem ser explicadas recorrendo à ideia de dever-ser:</p><p>obrigatório é aquilo que se deve fazer, permitido é aquilo</p><p>que não se deve nem fazer nem não fazer, proibido é</p><p>aquilo que se deve não fazer. Como se vê, há pouca espe-</p><p>rança de que a ideia de dever-ser possa ser explicada com</p><p>recurso a alguma ideia mais simples que não contenha</p><p>referência direta nem indireta ao dever-ser. (Disponível:</p><p><http://aquitemfilosofiasim.blogspot.com/2007/11/o-que-</p><p>1-dever-ser.html>)</p><p>Politicas sociais e etica_PP.indd 148 10/05/11 15:55</p><p>UNIUBE 149</p><p>Essa concepção de moral social só existente dentro da sociedade suscita</p><p>dois contrapontos com a ação ética: a alteração dos padrões naturais</p><p>e a modelação social. Por conta de adequações aos preceitos morais,</p><p>a individualidade humana acaba sujeita à coletividade, mudando seus</p><p>hábitos, antes naturais e éticos, para sociais e coletivos. Essa alteração</p><p>acaba obrigando o indivíduo a uma adaptação ao meio, não lhe restando</p><p>escolha; uma definição geral eclode como aquela perfeita e imutável.</p><p>Não há sequer a possibilidade de uma adequação das ideias pessoais</p><p>ao ambiente social; o que há é uma sujeição que minimiza a autonomia,</p><p>fragilizando a dimensão da alteridade.</p><p>Com essa idealização da moral, há a anulação do valor (areté) absoluto</p><p>do ser humano e a abertura para a existência de uma formação simplista</p><p>que desvaloriza a lei natural, colocando-a abaixo da vertente legal de-</p><p>terminada pelo social. Assim, o ser humano acaba tendo reduzida a sua</p><p>opinião e sua dimensão natural legal em três pontos: 1) O indivíduo se</p><p>vê sujeito aos princípios e normas, em que o domínio social exerce total</p><p>controle e inexiste a possibilidade de uma modificação pessoal, persis-</p><p>tindo uma aceitação ao modelo existente; 2) A moral exerce um caráter</p><p>coletivo, como consequência de uma ou outra maneira, da vontade do</p><p>todo; 3) A necessidade social cria, estabelece e tutela as normas e leis.</p><p>Portanto, a funcionalidade moral se encontra na manutenção da ordem</p><p>social, em que</p><p>[...] a função social da moral consiste na regulamenta-</p><p>ção das relações entre os homens (entre os indivíduos</p><p>e entre o indivíduo e a comunidade) para contribuir</p><p>assim no sentido de manter e garantir uma determi-</p><p>nada ordem social [...] ainda que a moral mude histo-</p><p>ricamente [...] (VÁSQUEZ, 2008, p. 69).</p><p>Politicas sociais e etica_PP.indd 149 10/05/11 15:55</p><p>150 UNIUBE</p><p>A aceitação prática da moral faz com que os elementos subjetivos (deci-</p><p>sões e responsabilidades, por exemplo) sejam esquecidos, superados ou</p><p>anulados em prol de um fator tipicamente social, “[...] visando preservar a</p><p>sociedade no seu conjunto [...] (VÁSQUEZ, 2008, p. 69). A sobreposição</p><p>do fator social leva não só à manutenção da ordem social, mas afeta dire-</p><p>tamente o padrão de liberdade, fazendo, devidamente, três observações:</p><p>1 – se o comportamento do homem é determinado, não</p><p>tem sentido falar em liberdade e, portanto, em respon-</p><p>sabilidade moral. O determinismo é incompatível com</p><p>a liberdade. 2 – Se o comportamento do homem é de-</p><p>terminado, trata-se somente de uma autodeterminação</p><p>do EU, e nisto consiste a sua liberdade. A liberdade</p><p>é incompatível com qualquer determinação externa</p><p>ao sujeito [...]. 3 – Se o comportamento do homem</p><p>é determinado, esta determinação, longe de impedir</p><p>a liberdade, é a condição necessária da liberdade.</p><p>Liberdade e necessidade se conciliam (VÁSQUEZ,</p><p>2008, p. 120).</p><p>Daí o porquê de a ética ser concebida atualmente como uma qualidade,</p><p>ao invés de essência natural e virtude clara. A renúncia da liberdade,</p><p>consequentemente, provoca a renúncia da ética. Em um estado natural,</p><p>a liberdade se mostra como a maior riqueza a ser protegida e defendida</p><p>pelos humanos. O determinismo, que hoje domina as ações de toda a</p><p>sociedade, deve ser combatido com a inclusão da dinâmica da ética; ética</p><p>que compõe as ações primeiras, o estado primeiro e o ser primeiro, livre</p><p>de qualquer ganância, vício ou rejeição, compreendendo, inteiramente,</p><p>a necessidade de se criar uma liberdade e mantê-la dentro de padrões</p><p>de conduta social.</p><p>[...] renunciar à liberdade é renunciar à qualidade de</p><p>homem, aos direitos da humanidade, e até aos próprios</p><p>deveres. Não há recompensa possível para quem tudo</p><p>renuncia. Tal renúncia não se compadece com a natu-</p><p>Politicas sociais e etica_PP.indd 150 10/05/11 15:55</p><p>UNIUBE 151</p><p>reza do homem, e destituir-se voluntariamente de toda</p><p>e qualquer liberdade equivale a excluir a moralidade</p><p>de suas ações (ROUSSEAU, 1973, p. 33).</p><p>Numa inversão de valores, a moral não se dedica somente a forçar uma</p><p>renúncia da liberdade natural, mas também leva à criação de códigos</p><p>de conduta moral, numa linha de ação que busca a inversão da virtude</p><p>(areté) em uma virtude que “[...] consiste na obediência ao código moral</p><p>de minha comunidade” (RUSSELL, 1977, p. 43). Por essas e outras que</p><p>a moral social acaba destruindo a possibilidade de existência de uma</p><p>ética que se preocupe diretamente com o estabelecimento de uma lei</p><p>natural. Ainda nessa linha, contrariando a filosofia kantiana, a virtude não</p><p>consiste em seguir os atos morais, mas sim, em manter a liberdade acima</p><p>de qualquer coisa ou ação, sendo, irrevogavelmente, um ser ético, que</p><p>tem em suas bases naturais o apoio necessário para tal compreensão.</p><p>Subsistindo a formulação e a prática de um código de conduta moral, que</p><p>supera a virtude, eclode um sistema moral relativo – também chamado</p><p>de “relativismo moral” – que transfere para o campo do relativismo os</p><p>aspectos fundantes da vida humana. Com isso, cada cultura passa a ter a</p><p>sua moral, em que os julgamentos passaram a levar em consideração as</p><p>crenças, os valores</p><p>e costumes de determinado povo, desconsiderando</p><p>os dos demais, inexistindo uma moral universal.</p><p>O ápice do relativismo moral acontece quando há a concepção de uma</p><p>moral individual, que suplanta a social e mesmo o cultural. Com tal</p><p>prática, passam a inexistir respostas corretas para as questões morais,</p><p>prevalecendo a opinião pessoal, indiferentemente do que a sociedade,</p><p>ou determinada cultura, tenha como modelos de compreensão morais.</p><p>Em linhas gerais, “O relativismo moral nega que haja exigências morais</p><p>Politicas sociais e etica_PP.indd 151 10/05/11 15:55</p><p>152 UNIUBE</p><p>básicas universais e diz que pessoas diferentes estão sujeitas às exi-</p><p>gências morais básicas diversas, dependendo dos costumes, práticas,</p><p>convenções, valores e princípios sociais que aceitam” (HARMAN apud</p><p>SMITH, 2009, p. 147).</p><p>PESQUISANDO NA WEB</p><p>Assista ao vídeo do site indicado e atente para quais são as 4 virtudes básicas.</p><p>Conclua se elas são essenciais para a vida humana e, consequentemente,</p><p>para um comportamento ético. Busque socializar com os colegas e o precep-</p><p>tor, a sua opinião.</p><p>Site: <http://www.youtube.com/watch?v=vydv0R9Pd54&feature=related>.</p><p>É preciso ressaltar que, apesar de toda essa concepção relativista dos</p><p>hábitos morais, há algumas diferenciações nos conceitos de alguns as-</p><p>pectos gerais do mesmo relativismo. Por exemplo, quando se fala em</p><p>costumes diferentes, observa-se que o que há são circunstâncias dife-</p><p>rentes, e não valores diferentes; quando se fala em práticas diferentes, o</p><p>que há são crenças diferentes e não valores morais; e em se pensando</p><p>em uma norma moral de sobrevivência, que leve em consideração os</p><p>aspectos gerais da moral como meio pelo qual se alcança tal feito, pre-</p><p>existe a necessidade de se conceber valores morais universais. Assim,</p><p>pode-se falar em variadas concepções e aspectos de uma mesma moral:</p><p>divergência moral, discussão moral, deliberação moral, crítica moral,</p><p>moral coletiva, moral individual e conhecimento moral. Para tanto, há de</p><p>se explicar cada qual em seus devidos moldes e compreensões:</p><p>PESQUISANDO NA WEB</p><p>Assista ao vídeo do site indicado e atente para quais são as 4 virtudes básicas.</p><p>Conclua se elas são essenciais para a vida humana e, consequentemente,</p><p>para um comportamento ético. Busque socializar com os colegas e o precep-</p><p>tor, a sua opinião.</p><p>Site: <http://www.youtube.com/watch?v=vydv0R9Pd54&feature=related>.</p><p>Politicas sociais e etica_PP.indd 152 10/05/11 15:55</p><p>UNIUBE 153</p><p>Divergência moral: as pessoas têm crenças morais</p><p>diferentes sobre, por exemplo, aborto, eutanásia, pena</p><p>capital, homossexualidade. Sejam quais forem suas</p><p>crenças, nós as consideramos corretas (verdadeiras</p><p>ou mais razoáveis) e as crenças opostas estão erra-</p><p>das [...]. Discussão moral: quando confrontamos com</p><p>alguém com crenças morais opostas às nossas, damos</p><p>razões defendendo nossas crenças e contrárias às dos</p><p>outros [...]. Deliberacão moral: quando refletimos sobre</p><p>uma questão moral controversa (por exemplo, aborto</p><p>[...]), sobre a qual não temos uma opinião formada,</p><p>consideramos as razões dadas por cada lado. Crítica</p><p>moral: o relativismo moral, metaético e normativo, nega</p><p>a ideia etnocêntrica de que as crenças e práticas mo-</p><p>rais de outras culturas possam ser criticadas apenas</p><p>porque são diferentes [...]. Moral Coletiva: as práticas</p><p>que um dia foram consideradas moralmente aceitáveis</p><p>são agora consideradas erradas [...]. Moral individual:</p><p>como resultado do argumento e da reflexão sobre as</p><p>questões morais, os indivíduos às vezes reveem suas</p><p>crenças [...]. Conhecimento moral: para o relativismo</p><p>moral, há apenas crenças morais diversas, cada uma</p><p>igualmente “válida” em sua cultura. Não pode haver</p><p>conhecimento moral universal ou objetivo. Nós apenas</p><p>aprendemos as crenças morais de nossa cultura [...]</p><p>(SMITH, 2009, p. 155-158).</p><p>Dentro da concepção geral da moral, nem tudo vai de encontro para</p><p>com o finar de uma ética e mesmo a liberdade; há uma solução</p><p>para se repensar a moral, buscando recolocá-la dentro da discussão</p><p>ética, respeitando os ditames de uma lei natural que leve em considera-</p><p>ção os padrões de virtude e felicidade. O primeiro ponto na busca de se</p><p>inverter os preceitos morais estabelecidos pelo relativismo é compreen-</p><p>der que há uma concepção universal do bom; uma concepção que se</p><p>baseia – apesar dos pesares – na reflexão kantiana, na segunda fórmula</p><p>do imperativo categórico: “Age de tal modo que uses a humanidade,</p><p>tanto em tua pessoa como na pessoa de qualquer outro, sempre como</p><p>fim, nunca apenas como meio” (KANT apud TUGENDHAT, 1997, p. 87).</p><p>Politicas sociais e etica_PP.indd 153 10/05/11 15:55</p><p>154 UNIUBE</p><p>O reconhecimento do bom como ação inicial humana faz com que o</p><p>indivíduo seja reconhecido e, com ele, a dinâmica do outro como meio</p><p>pelo qual se alcance a liberdade e a autonomia, bem como a alteridade.</p><p>São padrões de ação que respeitam a busca pelos valores, em que o</p><p>bom aparece como solução para a moral social a partir do intuito de</p><p>cooperação.</p><p>A junção dos esforços para a sobrevivência e a manutenção da espécie</p><p>leva, necessariamente, a uma existência perfeita do indivíduo, em que o</p><p>corpo social – ou a pessoa total nos dizeres de Scheler – seja a busca</p><p>constante. A pessoalização do corpo social leva à compreensão de uma</p><p>dualidade entre pessoa natural e pessoa social, que culmina com a cria-</p><p>ção de uma sociedade que leve em consideração o pluralismo social como</p><p>sendo aquele que emana da responsabilidade</p><p>social. Essa dinâmica faz com que se possa per-</p><p>ceber a possibilidade de pensar em uma abertura</p><p>na moral social para a ética; abertura essa conce-</p><p>bida como bem comum. É preciso notar que tal</p><p>compreensão do bem comum exprime uma reali-</p><p>dade do ser humano, e não da vontade social; há</p><p>a manutenção de uma ordem natural das coisas,</p><p>respeitando a busca pela felicidade e a existência</p><p>da liberdade como diferencial ético, ou ainda, como</p><p>um padrão ético, que antecede a moral social.</p><p>O bem comum ainda busca estabelecer pontos-chaves para a sua própria</p><p>sobrevivência. Para que haja a superação de preceitos morais simplis-</p><p>tas, o bem comum cria “em sua volta” objetos da vontade: valores, paz</p><p>Bem comum</p><p>O bem comum</p><p>consiste antes na</p><p>possibilidade de os</p><p>indivíduos, mediante</p><p>a vinculação social,</p><p>cumprirem, graças</p><p>às suas energias</p><p>e sob sua própria</p><p>responsabilidade,</p><p>as missões vitais</p><p>traçadas aos membros</p><p>da sociedade pelos</p><p>fins existenciais.</p><p>Fonte: Messner (1960,</p><p>p. 167).</p><p>Politicas sociais e etica_PP.indd 154 10/05/11 15:55</p><p>UNIUBE 155</p><p>e bem-estar. Esses três pontos demonstram que há uma preocupação,</p><p>anterior à moral social, com a criação de um estado ético que possibilite</p><p>a sobrevivência humana, evitando a eclosão de conflitos. O que acontece</p><p>é que tais modelos são superados pela necessidade social, devendo</p><p>ter, como obrigação moral, um administrador direto; aqui surge a figura</p><p>do Estado, como aquele que se torna o diretamente responsável pelo</p><p>gerenciamento dos direitos naturais e sociais e pelo estabelecimento de</p><p>um estágio de bem-estar pessoal que, em conjunto com as benesses</p><p>estatais sustentadas pela legalidade do contrato, formarão o Estado do</p><p>bem-estar social. Em suma, credita-se, dessa forma, ao Estado, a con-</p><p>quista de uma felicidade irrisória e ínfima; forma-se um aclame popular</p><p>que suplanta a dinâmica da liberdade e a transforma em algo a ser con-</p><p>quistado no estado social.</p><p>O cidadão, com efeito, vê no Estado uma instituição que</p><p>lhe proporciona a sua felicidade; e valora-o segundo a</p><p>experiência que tem a respeito da realização de suas</p><p>expectativas pessoais atinentes a essa felicidade; en-</p><p>tretanto, a felicidade que vê reduz-se a um bem única</p><p>e exclusivamente privado (LASKI, 1930, p. 78).</p><p>Portanto, o bem comum, sendo uma prática que se associa ao Estado e</p><p>passa a fazer parte de suas obrigações, ganha um corpo que transcende</p><p>a prática do bem-estar; o bem comum passa a ser o direto responsável</p>