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DANTE LUCCHESI 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
SINTAXE DA LINGUA 
PORTUGUESA 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
2013 
 
2 
 
Copyright © 2013 Dante Lucchesi 
 
 
 
 
 
Sumário 
 
 
 
 
 
Introdução 
O Estudo da Gramática................................................................03 
Capítulo 1 
A Arquitetura da Linguagem.......................................................16 
Capítulo 2 
As Classes de Palavras.................................................................25 
Capítulo 3 
O Núcleo da Estrutura Sintática...................................................63 
Capítulo 4 
Os Constituintes Oracionais.........................................................86 
Capítulo 5 
As Construções Sintáticas Especiais..........................................113 
Capítulo 6 
O Período Composto..................................................................118 
Capítulo 7 
Os Sintagmas..............................................................................133 
 
 
3 
 
 
Introdução 
O Estudo da Gramática 
 
 
 
 
 
A Sintaxe é a disciplina que estuda o sistema através do qual combinamos as 
unidades significativas da língua (as palavras) para formar frases. Atualmente, esse 
sistema é chamado pela Linguística, a ciência que estuda a linguagem humana, de 
gramática. Porém, tradicionalmente o termo gramática tem outro significado: conjunto 
de regras que devem ser usadas para falar e escrever corretamente em uma língua. Não 
se trata de um conhecimento científico, mas de uma convenção social, perpetuada pela 
tradição, nas sociedades letradas. Este livro não faz parte dessa corrente de estudos da 
língua que se denomina tradição gramatical, pois não se preocupa em definir “o que é 
certo ou errado” no uso da língua. Ao invés disso, apresenta uma proposta de estudo 
científico da gramática (no sentido que a Linguística contemporânea atribui ao termo), 
descrevendo sua estrutura e analisando suas propriedades essenciais. Assim, como 
primeiro passo, vamos definir o objeto do estudo científico da língua, em contraposição 
à visão de língua desenvolvida há mais de dois milênios pela tradição gramatical. 
 
 
1. O que é gramática? 
 
A gramática é o sistema mental através do qual transformamos os nossos 
pensamentos em frases. Quando um indivíduo conversa em sua língua materna, ele 
analisa a estrutura e interpreta o significado de todas as frases que fala e ouve, sem ter, 
obviamente, a consciência de que está sempre fazendo essa “análise semântica e 
sintática”, pois o conhecimento que o falante tem de sua língua materna (sua 
competência linguística) pode ser definido como um conhecimento intuitivo ou 
implícito – ou seja, trata-se de um saber do qual o indivíduo não tem consciência. 
4 
 
Contudo, essa competência linguística do falante nativo é um sistema tão complexo que 
o mais poderoso computador já produzido é incapaz de fazer o que qualquer ser humano 
faz trivialmente – conversar em sua língua materna –, seja esse indivíduo um falante 
erudito, seja ele um falante iletrado. Tal constatação nos leva a uma conclusão muito 
importante: não existe linguagem caótica e sem regras. Toda frase que qualquer falante 
de uma língua humana produz é gerada por um sistema articulado de regras, 
independentemente de se ajustar ou não aos modelos fixados socialmente pela tradição 
gramatical. Por dominar esse sistema que gera todas as potenciais frases de sua língua, o 
falante sabe distinguir uma frase bem formada (uma frase gramatical) de uma frase mal 
formada (uma frase agramatical). Assim, qualquer falante nativo do português sabe 
que a frase (1) é agramatical. 
(1) * Eu cortar o cabelo amanhã.
1
 
Se ouvirmos alguém falar essa frase, pensaremos logo que se trata de um 
estrangeiro, que fala o português imperfeitamente, provavelmente como segunda língua. 
Mas, de onde vem esse nosso conhecimento? Quem nos ensinou a reconhecer as 
sentenças de nossa língua? Como já foi dito, trata-se de um conhecimento intuitivo, ou 
seja, o falante nativo do português sabe que essa frase é mal formada, mas não sabe 
explicar por que ela é mal formada.
 2
 O estudo científico da linguagem humana tem 
como um de seus objetivos principais explicitar esse conhecimento intuitivo – a 
competência linguística do falante nativo de uma língua humana –, por meio de 
procedimentos analíticos que formalizam suas propriedades constitutivas. 
 
1.1. As propriedades universais da linguagem humana 
Com base na análise empírica da estrutura gramatical das línguas humanas, a 
Linguística é capaz de dizer que a frase exemplificada acima em (1) é agramatical 
porque não cumpre um dos requisitos universais da linguagem humana: o evento 
referido em qualquer frase produzida em qualquer língua humana deve ser situado 
 
1 O asterisco colocado antes da frase é a notação utilizada para indicar que a frase é agramatical. 
2 Não se deve confundir esse conceito de gramaticalidade do conceito de correção gramatical. A frase 
exemplificada em (a) abaixo não está correta de acordo com a norma gramatical vigente, mas não é uma 
frase agramatical, pois é produzida naturalmente por um falante nativo do português brasileiro e aceita 
com naturalidade pelos demais falantes que com ele convivem no mesmo universo cultural. Apesar de 
violar as convenções sociais da língua, a frase não viola os mecanismos psíquico-biológicos da linguagem 
humana, por isso ela é gramatical, conquanto seja considerada incorreta do ponto de vista normativo. 
(a) Meus filho estuda muito. 
5 
 
temporalmente em relação ao momento em que a frase é produzida, por meio de um 
elemento gramatical. Na frase (1), o ato de cortar o cabelo ocorrerá no dia seguinte ao 
momento em que a frase é dita, mas essa informação é fornecida pela palavra amanhã, 
ou seja, é fornecida lexicalmente. É preciso, então, introduzir um elemento gramatical 
que expresse a informação de tempo futuro – o verbo auxiliar ir – para tornar essa 
frase aceitável em português: 
(2) Eu vou cortar o cabelo amanhã. 
Como já foi dito, essa não é uma exigência exclusiva da língua portuguesa, ela 
está presente em todas as línguas humanas e diz respeito ao que se denomina Sistema 
de Tempo, Modo e Aspecto (TMA).
3
 Em francês, também não se pode dizer je me 
couper les cheveux demain, é preciso introduzir o auxiliar vais, como em português: je 
vais me couper les cheveux demain. O mesmo acontece em chinês. A frase (3) é 
agramatical, porque falta o verbo auxiliar que marcará futuro 去 (qù). A frase assume a 
forma gramatical em (4) com a partícula que indica tempo, modo e aspecto. 
(3) * 明天 我 理发 
(4) 明天 我 去 理发 
Míngtiān wǒ qù lǐfà 
Amanhã eu vou cortar-cabelo
4
 
Além do sistema de TMA, todas as línguas humanas têm um sistema de 
pronomes, para expressar as pessoas do discurso. Quando nos referimos a uma ação, por 
exemplo, devemos informar se essa ação foi praticada por quem fala, por quem ouve ou 
por uma terceira pessoa. Gramaticalmente, essa informação é dada por um pronome 
(e.g., eu, você, eles) ou por uma flexão verbal (trabalhamos, partiram). Assim, toda 
língua tem uma partícula gramatical, através do qual o falante se refere a si mesmo: eu, 
em português; I [ái], em inglês; 我 [wǒ], em chinês mandarim; ami, em quimbundo; 
saya, em malaio; ako, em tagalog (filipino), etc. 
Também é possível, em qualquer língua humana, encaixar uma proposição na 
outra, como podemos ver nos exemplos abaixo. 
(5) Eu vi que ela caiu. 
(6) J’ai vu qu’elle était tombée. (francês) 
 
3 Ver seção 7 do capítulo 1. 
4 Lǐfà é uma lexia composta que reúne o verbo e objeto de cortar o cabelo em uma única palavra. 
6 
 
(7) Vido sam da je pala. (croata) 
(8) Saya melihat bahawa dia jatuh. (malaio) 
Mas será que estamos diante de meras coincidências? Não, o sistema de TMA, 
os pronomespessoais e o encaixamento de orações são propriedades universais da 
linguagem humana. Fazem, parte, portanto, da Faculdade da Linguagem, também 
chamada Gramática Universal (GU). 
 
1.2. A Faculdade da Linguagem como parte do patrimônio genético 
da espécie humana 
A GU é uma representação de uma faculdade da mente humana, que distingue o 
homo sapiens de todas as outras espécies animais, inclusive de outras espécies de 
hominídeos, como o Homem de Neandertal, hoje extintas. Isso significa que a 
Faculdade da Linguagem está presente na mente de todos os indivíduos da espécie 
humana, desde o seu surgimento, há mais de cem mil anos; fazendo parte, portanto, do 
patrimônio genético da espécie. Ela é o resultado de um longo processo de evolução, no 
qual os hominídeos foram se tornando bípedes, desenvolvendo o polegar opositor; 
rebaixando a glote e aumentando o espaço da cavidade faríngea; ingerindo mais 
proteínas e aumentando sua massa cerebral, até que esse conjunto de condições deu 
origem a um animal simbólico, com uma consciência que lhe permite decompor a sua 
percepção do real em unidades significativas e articular essas unidades de sentido em 
proposições lógicas. Essa capacidade cognitiva está intimamente associada à 
linguagem verbal, na forma como a conhecemos hoje. 
A substância natural da linguagem humana é a fala – ondas sonoras produzidas 
por um conjunto de órgãos do corpo humano denominado aparelho fonador. Trata-se 
de uma manifestação do que os antropólogos chamam de cultura imaterial. Isso torna a 
questão da origem das línguas uma das mais desafiadoras para o conhecimento 
científico, por conta da falta de evidências materiais que possam dar sustentação 
empírica ao seu estudo pela ciência.
5
 Nesse campo de investigação, uma das hipóteses 
fortes é a de que só o homo sapiens teria desenvolvido esse sistema tão sofisticado de 
 
5 O conhecimento científico se baseia na observação rigorosamente controlada dos fatos do mundo real, 
o que se denomina sustentação empírica – ou seja, qualquer afirmação científica deve ser comprovada 
por meio de testes, experiências e observações controladas que demonstrem, de acordo com os 
procedimentos metodológicos definidos e aceitos pela comunidade científica, se essa afirmação 
corresponde aos fatos do mundo real ou não. 
7 
 
linguagem. Com isso, pode desenvolver formas mais avançadas de relação e cooperação 
social, predominando sobre as demais espécies de hominídeos – como, por exemplo, o 
homem de Neandertal –, levando ao desaparecimento total dessas outras espécies, o que 
ocorreu há cerca de 30 mil anos. 
 
1.3. Gramática Universal e gramática das línguas particulares 
A Faculdade da Linguagem, ou Gramática Universal, presente na mente de 
todos os indivíduos da espécie homo sapiens, constituiria o arcabouço estrutural que 
está na base da linguagem humana – um conjunto de propriedades e mecanismos que 
estão presentes na gramática de todas as línguas. Assim, em termos de estrutura 
gramatical, haveria pequenas diferenças na forma como as línguas realizam as 
propriedades universais da Linguagem. Por exemplo, a categoria pessoa do discurso, 
como vimos, está presente na gramática de todas as línguas. Porém, há línguas, como o 
italiano e o português (de Portugal), que expressam essa categoria, preferencialmente, 
pela flexão verbal, omitindo o pronome sujeito – como se pode ver nas frases (9) e 
(10);
6
 e há línguas, como o francês e o inglês, em que o pronome sujeito tem de estar 
obrigatoriamente realizado para expressar essa categorial gramatical,
7
 já não 
praticamente flexão no verbo para dar essa informação – cf. exemplos (11) e (12). 
(9) Ieri siamo andati al teatro. 
(10) Ontem fomos ao teatro. 
(11) Hier nous sommes allés au théâtre. 
* Hier sommes allés au théâtre. 
(12) Yesterday we went to the theater. 
* Yesterday went to the theater. 
Outro exemplo de como as propriedades da Gramática Universal se apresentam 
de forma diferente nas línguas humanas pode ser encontrado na ordem dos 
constituintes na frase. Em todas as línguas, existe a relação entre o verbo transitivo e 
seu complemento. Porém, em línguas, como o português, o complemento vem 
normalmente após o verbo (ordem VO), já em línguas, como o japonês a ordem normal 
é objeto-verbo (ordem OV), como se pode ver nos exemplos abaixo: 
 
6 As formas verbais siamo e fomos indicam que o sujeito corresponde à 1ª pessoa do plural (nós). 
7 A falta do pronome sujeito – nous e we, nos exemplos apresentados em (11) e (12) – torna a frase 
agramatical em francês e inglês. 
8 
 
(13) Maria leu a carta. 
SUJ verbo OBJ 
(14) Miwa-ga tegami-o yonda. 
SUJ OBJ verbo 
Miwa a carta ler 
 
1.4. A manifestação da gramática 
A diferença na forma como as propriedades da Gramática Universal se 
apresentam nas gramáticas particulares das línguas humanas fará com que certos 
mecanismos gramaticais estejam mais explícitos em umas línguas e mais implícitos em 
outras. Tomemos a relação entre o sujeito, o verbo e o objeto (SVO). Em latim essa 
relação é expressa através de desinências, como exemplificado em (15) a., em que o –s 
indica que lupus (lobo) é o sujeito de vidit (viu), e o –m indica que puellam (menina) é 
o objeto, independentemente da ordem em que essas palavras figurem na frase, de 
modo que, se alterarmos a ordem das palavras na frase – como se observa em (15) b. – o 
significado permanece o mesmo: ‘o lobo viu a menina’. Já em português, essa mesma 
relação é expressa através da ordem, como exemplificado em (16) a. Se alterarmos a 
ordem dos constituintes da frase em português, como em (16) b., o seu significado 
muda. Para alterar as funções sintáticas na frase latina, é preciso mudar as desinências 
nominais, como em (15) c., que tem o mesmo sentido de (16) b.:
8
 
(15) a. Lupus puellam vidit 
b. Puellam vidit lupus. 
c. Lupum puella vidit. 
(16) a. O lobo viu a menina. 
b. A menina viu o lobo. 
A chamada flexão de caso, expressa pelas desinências (como o –m final do caso 
acusativo) que indicavam a função sintática dos nomes, propiciava uma liberdade maior 
de colocação dos constituintes na frase em latim. Por outro lado, é evidente que o fato 
de o português não ter uma sinalização explícita não significa que a relação SVO não 
 
8 No caso da palavra para ‘lobo’, lupus é a forma do caso nominativo, própria para a função sintática de 
sujeito, enquanto que lupum (com a desinência final –m) é a forma do caso acusativo, própria para a 
função sintática de objeto direto (OD). Já no caso da palavra para ‘menina’, puella é forma do 
nominativo (função sintática de sujeito), e puellam (com a mesma desinência –m), a forma do acusativo 
(OD). 
9 
 
exista nessa língua. Portanto, as relações gramaticais podem ser sinalizadas 
explicitamente numa língua e não serem em outra. O fato não significa que a língua 
latina seja mais complexa do que a língua portuguesa, ou mesmo mais difícil. Podemos 
afirmar, com muita segurança, que o tempo que as crianças romanas levavam para 
adquirir o latim (na época em que essa língua era uma língua viva, obviamente) era o 
mesmo tempo que as crianças do Brasil e de Portugal levam hoje para adquirir o 
português, assim como as crianças suecas levam para adquirir o sueco, as crianças 
nigerianas levam para adquirir o iorubá, e assim por diante, com qualquer lúngua 
humana. Esse fato, sobejamente comprovado por inúmeros estudos de aquisição da 
linguagem, nos autoriza a concluir que não há diferenças significativas entre as línguas 
no que concerne à complexidade estrutural, se consideramos a gramática como um 
todo.
9
 Consideramos uma língua estrangeira mais difícil do que a nossa simplesmente 
porque não estamos condicionados à sua estrutura gramatical. Provavelmenteo falante 
dessa língua terá a mesma impressão em relação à nossa língua.
10
 
 
1.5. A mudança na estrutura gramatical e o funcionamento das 
línguas 
Como vimos na seção anterior, na passagem do latim para as línguas românicas, 
ou neolatinas, a flexão de caso dos nomes latinos desapareceu. Poderíamos pensar que, 
durante essa transição (que durou muitos séculos – desde os primeiros séculos da nossa 
era até os últimos do primeiro milênio), os falantes enfrentaram dificuldades em 
identificar o sujeito e o objeto das frases, quando as desinências nominais (como o –m 
do acusativo) foram desaparecendo. E, levando esse raciocínio às últimas 
consequências, poderíamos até pensar que essa teria sido uma das causas da queda do 
Império Romano do Ocidente, ocorrida no V século d.C. O absurdo desse raciocínio 
serve para demonstrar a inconsistência da ideia de que a mudança linguística pode 
comprometer o funcionamento da língua ou seu poder de expressão. Durante todo o 
 
9 Isso significa que uma língua A pode ter um sistema de TMA morfologicamente mais complexo do que 
uma língua B, mas essa língua B pode ter, em compensação, um sistema pronominal morfologicamente 
mais complexo do que a língua A, de modo que considerando a gramática como um todo, e não módulos 
específicos, não haveria grandes diferenças no grau de complexidade morfológica das línguas humanas 
que têm uma longa tradição de transmissão geracional regular, na qual a língua materna dos pais vai 
sendo transmitida para os seus filhos, de geração para geração. 
10 No exemplo do latim, podemos imaginar que, se um falante nativo do latim viajasse no tempo e 
entrasse em contato com falantes do português (ou de qualquer outra língua neolatina, como o francês e o 
catalão), ele provavelmente acharia essas línguas muito difíceis, porque somos capazes de codificar as 
frases de nossa língua sem as marcas de caso que facilitam tanto essa tarefa para ele. Ou seja, assim como 
só outro tem sotaque, a língua difícil e exótica é a do outro, a nossa é sempre a mais lógica e simples. 
10 
 
período em que o latim se transformou nas línguas românicas, não se tem notícia de 
casos de falhas ou colapsos linguísticos. A passagem de um sistema de marcação 
morfológica de caso para sistemas sem essa marcação em nenhum momento 
comprometeu o funcionamento da variedade linguística em uso. Na medida em que as 
marcas de caso se enfraqueciam, a ordem das palavras e o uso das preposições 
assumiam o papel de definir a função sintática de cada constituinte na frase. E assim, 
gradualmente, a estrutura da língua foi mudando sem que o seu funcionamento fosse 
comprometido. 
 
1.6. A complexidade das Línguas 
Da mesma forma que a ideia de que a perda da marcação morfológica de caso 
poderia comprometer o funcionamento da língua não tem fundamento, não cabe pensar 
que a língua latina é mais complexa que as línguas românicas, ou que lhes é superior. 
Em sua essência, os processos estruturais são os mesmos em latim, português e italiano 
– em todas essas línguas, a frase se constrói a partir de uma estrutura que une o verbo ao 
seu sujeito e ao seu objeto. A diferença é que no latim essa relação é marcada de uma 
forma mais explícita – com as desinências de caso –, enquanto, no português e no 
italiano, ela é menos explícita – indicada apenas pela ordem. Mas a relação que o verbo 
estabelece com seu sujeito, por um lado, e seu objeto, por outro, é a mesma em todas as 
línguas. Podemos postular, portanto, que a estrutura subjacente da frase é a mesma, 
independentemente da forma que ela assume em cada língua particular. 
Assim, podemos pensar que a estrutura nuclear da gramática de todas as línguas 
é a mesma, desde o surgimento do homo sapiens na terra. As milhares de línguas que a 
humanidade tem falado ao longo de sua história nada mais são do que realizações 
diferentes de uma mesma faculdade que integra o complexo da mente humana. As 
diferentes formas que as línguas humanas assumem refletem as diferenças culturais e as 
experiências particulares de cada povo, mas não entram em contradição com a estrutura 
básica da Gramática Universal. Isso explica por que qualquer a criança nasce com a 
capacidade de desenvolver indistintamente qualquer língua humana. Se uma criança 
coreana for levada para a Suécia e for criada por uma família que fala sueco, ela 
aprenderá o sueco como qualquer outra criança sueca. Da mesma forma que uma 
criança sueca criada por uma família angolana falante do quimbundo falará o 
quimbundo perfeitamente, como qualquer outro indivíduo dessa etnia. 
11 
 
1.7. A aquisição da linguagem 
A concepção da Faculdade da Linguagem como uma espécie de software mental 
inato permite explicar como as crianças adquirem sua língua materna tão rapidamente 
sem a necessidade de qualquer treinamento específico para esse fim. Como enfatiza o 
mais importante estudioso da Teoria da Gramática, o linguista norte-americano Noam 
Chomsky, “um olhar cuidadoso sobre a interpretação de expressões revela bem 
rapidamente que, desde os primeiros estágios [do desenvolvimento da linguagem], a 
criança sabe muito mais do que lhe foi fornecido pela experiência”.
11
 A ideia central de 
Chomsky é a de que as crianças estão programadas para falar. A mente da criança já 
conteria um arcabouço básico da gramática de qualquer língua humana (a Gramática 
Universal), composta por subsistemas como o sistema de TMA. Só que seriam valores 
abstratos puros, sem uma forma definida. Ao ouvir, por exemplo, uma frase como “Eu 
vou brincar com você.”, a criança receberia a forma concreta eu, com a qual deveria 
preencher a categoria abstrata 1ª pessoa do singular de sua gramática mental; assim 
como o verbo auxiliar ir é associado ao valor abstrato de futuro em seu sistema mental 
de TMA. Ao associar as formas linguísticas que ouve dos adultos às categorias abstratas 
da GU, a criança vai definindo os valores da gramática específica de sua língua materna. 
E esse processo é regido por uma programação bem definida, em função das fases do 
desenvolvimento biológico da criança, de modo que a aquisição das estruturas 
gramaticais em cada fase ocorre com uma grande independência em relação às 
condições socioambientais em que a criança se encontra. Isso explica por que, aos cinco 
ou seis anos de idade, qualquer criança, que nessa fase da vida ainda tem um 
desenvolvimento intelectual muito limitado (não é capaz, por exemplo, de realizar as 
quatro operações aritméticas elementares), já domine a parte essencial de um sistema 
gramatical tão sofisticado – seja essa criança moradora da periferia pobre de uma 
grande cidade, seja ela membro da elite econômica e cultural do país. 
Assim como a competência linguística, a aquisição da língua materna é um 
processo mental intuitivo e espontâneo, que não carece de treinamento especial.
12
 Bem 
diferente é o processo de aquisição da escrita e da linguagem formal, que envolve 
técnicas que requerem uma formação específica e um treinamento especial. A escola 
deve fazer com que o aluno seja capaz de transitar do senso comum, o conhecimento 
 
11 Revista DELTA, Vol. 13, Nº Especial, 1997, p. 54. 
12 Ou seja, os pais não precisam se preocupar em ensinar os filhos a falar, pois isso ocorrerá naturalmente, 
exceto em situações excepcionalmente traumáticas, ou em casos de sérios distúrbios mentais. 
12 
 
intuitivo com que ele lida com as coisas em sua vida cotidiana e familiar, para o saber 
formal, da ciência e das representações institucionais da cultura de tipo civilizado. O 
estudo da modalidade especial de língua (tradicionalmente denominada norma culta), 
na qual é plasmado o saber formal e, é um dos requisitos essenciais para o aluno aceder 
ao conhecimento científico, jurídico, institucional etc. A tradição gramatical está 
intimamente ligadaa esse estudo, próprio das sociedades letradas. 
 
 
2. A Tradição Gramatical 
 
O funcionamento da língua tem intrigado os estudiosos desde a Antiguidade. Na 
Grécia Clássica, grandes filósofos, como Sócrates, Platão e Aristóteles, procuraram 
analisar o sistema da língua, decompondo a estrutura dos enunciados verbais, no que era 
denominado partes do discurso. E categorias como verbo e substantivo, que até hoje são 
utilizadas na análise gramatical, foram formuladas nessa época. Mas a análise 
gramatical começou a adquirir as feições que a caracterizam nas sociedades modernas, 
no século III a.C., na cidade de Alexandria, no Egito, um dos grandes centros do 
conhecimento na época. Em seus scriptoria, os filólogos alexandrinos buscavam 
recuperar a forma original dos grandes poemas homéricos – a Ilíada e a Odisséia (textos 
capitais da cultura helênica) –, que haviam sido escritos cerca de quinhentos anos antes. 
As mudanças que a língua grega sofrera nesse período eram vistas como corrupções de 
sua forma mais perfeita: a língua de Homero. Assim, o estudo da língua passou a ter 
como princípio norteador a fixação da forma considerada a mais perfeita do idioma – 
aquela encontrada nos clássicos do cânone literário. 
No pragmatismo da cultura romana, que dominou o mundo antigo, após o 
período helênico, o estudo da Gramática adquiriu um fim mais prático, associando-se ao 
estudo da Retórica. Os debates públicos travados no Fórum e no Senado eram cruciais 
na disputa pelo poder na sociedade romana. Assim, era imperioso ser um exímio orador, 
usando a língua com destreza e grande poder de persuasão. Nesse contexto, o estudo da 
gramática se identificou com a arte de escrever e falar bem. Essa concepção atravessou 
a Idade Média e foi transferida na era moderna ao estudo das línguas nacionais. 
A homogeneização linguística em torno de uma forma de língua considerada 
superior desempenhou um papel ideológico decisivo na formação dos modernos estados 
13 
 
nacionais, estabelecendo a equação: uma nação – um governo – uma língua. Isso 
explica a força do paradigma da tradição gramatical nas sociedades contemporâneas, 
dominadas pela cultura letrada. No senso comum, a existência de uma única forma 
correta de língua é tida como uma verdade objetiva e inquestionável, de modo que o 
estudo da língua só pode ser concebido como uma forma de fazer o aluno falar e 
escrever corretamente. Por sua vez, o estudo científico da linguagem humana tem 
demonstrado que há uma grande dose de mistificação nessa concepção de língua e do 
seu ensino, mas o peso de uma tradição cultural secular e as poderosas forças 
ideológicas que a sustentam fazem que uma visão mais realista de língua fique restrita 
aos muros das universidades, e a modernização do ensino de língua materna ainda tem 
de vencer uma enorme resistência na ideologia hegemônica na sociedade. 
 
 
3. O estudo científico da gramática e a variação linguística 
 
Com o advento da Linguística Moderna no início do século XX, pesquisas 
empíricas demonstraram que toda variedade de língua tem uma organização estrutural e 
goza de plenitude funcional dentro de seu universo cultural próprio. Em outras palavras, 
qualquer falante de uma língua humana é capaz de dizer tudo o que ele pensa em sua 
língua materna. Ele não é capaz de dizer o que não pensa. Isso implica que muitas 
deficiências que são vistas como deficiências linguísticas são, na verdade, limitações de 
ordem cognitiva e refletem a incapacidade do indivíduo em desenvolver um raciocínio 
mais formalizado e complexo. 
No plano estritamente linguístico, é muito difícil encontrar deficiências, já que 
até os indivíduos com graves transtornos mentais têm a sua competência linguística 
preservada; são raros os indivíduos que não conseguem dar uma forma verbal aos seus 
pensamentos. Porém, elaborar textos mais longos e bem articulados, com encadeamento 
lógico e coerência interna, não é uma habilidade vulgar, e requer todo um treinamento 
especial para o indivíduo possa dominar essa técnica. Em seu sentido próprio, o nosso 
saber linguístico é a competência que simplesmente nos permite transformar nossos 
pensamentos em frases, produzir textos mais longos e complexos depende de outras 
habilidades cognitivas. Diante disso, um axioma muito em voga em certos modelos 
pedagógicos, segundo o qual o estudo da gramática tem de ser feito no texto e não em 
14 
 
frases soltas, não tem qualquer fundamento empírico. O material da análise gramatical é 
constituído, sim, simplesmente por frases, sem necessitar, na larga maioria dos casos, do 
texto ou do contexto, em que foram produzidas. 
Todas as frases que os falantes de uma língua reconhecem como de sua língua 
nativa são dados para o estudo científico da gramática, independentemente de serem 
consideradas certas ou erradas pela tradição gramatical. E uma das características de 
todas as línguas humanas vivas é que sempre existe mais de uma forma linguística de 
expressar um mesmo conteúdo cognitivo, como se pode ver nos exemplos abaixo: 
(17) A aluna cujo pai é engenheiro tirou uma nota boa na prova de 
matemática. 
(18) A aluna que o pai dela é engenheiro tirou uma nota boa na prova 
de matemática. 
Essa possibilidade de dizer a mesma coisa de forma diferente é o que a ciência 
da linguagem chama de variação linguística. As frases (17) e (18) estão perfeitamente 
estruturadas e são aceitas pelos falantes nativos do português como frases da sua língua, 
ou seja, todas são gramaticais. Entretanto, as duas frases são avaliadas de forma 
diferenciada, no plano sociocultural, em função das prescrições veiculadas pela tradição 
gramatical. Segundo os preceitos da gramática normativa, a frase (17) é a forma correta, 
enquanto a (18) está errada. Esta distinção baseia-se em uma convenção social, e não há 
qualquer fundamentação linguística que sustente a avaliação de que (17) é melhor que 
(18), nem o contrário. 
O estudo científico da gramática deve contemplar a variação linguística, 
tomando como objeto de análise legítimo qualquer variedade de uso da língua e 
buscando explicar os mecanismos gramaticais que permitem a produção de estruturas 
sintáticas alternativas. O estudo da variação linguística é importante, em primeiro lugar, 
por que é essa flexibilidade inerente à estrutura da língua que permite que ela funcione 
em situações culturais tão diversas, como uma feira livre e uma sessão de um tribunal de 
justiça. Em segundo lugar, é importante estudar a variação linguística para tentar 
compreender uma das características essenciais de todas as línguas humanas: elas estão 
sempre mudando, mesmo que seus falantes não se deem conta disso. E as mudanças se 
implementam na língua através dos processos de variação linguística. No início, uns 
poucos falantes começam a expressar uma ideia com uma forma linguística diferente, 
essa forma linguística nova se difunde socialmente e passa a alternar com a forma 
15 
 
linguística antiga. Essa situação de variação pode durar séculos ou mesmo se manter 
indefinidamente na língua. Porém, pode acontecer de a forma antiga cair em desuso e 
desaparecer. Assim, a mudança se completa. 
Esses são os princípios que nortearão a análise gramatical da língua portuguesa 
que será desenvolvida aqui. O objetivo principal deste estudo é descrever e analisar o 
conhecimento que um falante nativo do português emprega quando usa sua língua, o 
que inclui sua capacidade de produzir frases formalmente distintas, mas que têm o 
mesmo significado, bem como compreender frases formadas de uma maneira diferente 
daquela que ele normalmente emprega. 
 
16 
 
 
Capítulo 1 
A Arquitetura da Linguagem 
 
 
 
 
 
Em termos bem básicos, podemos dizer que quem sabe falar uma língua sabe um 
conjunto mínimo de palavras dessa língua e as regras que nela se empregam para 
combinar essas palavras em frases. Isso nos permite distinguiros dois módulos 
essenciais do conhecimento linguístico: o léxico e a gramática (também denominada 
sintaxe, ou ainda, morfossintaxe). Essa divisão do conhecimento linguístico é 
confirmada pelos livros que tradicionalmente descrevem uma língua: o dicionário e a 
gramática. Conquanto seja evidente essa separação entre o léxico e a gramática, 
poderemos constatar que existe uma profunda interação entre esses dois módulos do 
conhecimento linguístico, não se podendo falar de dois conjuntos discretos e sem pontos 
de contato entre si. 
 
 
1. O Léxico 
 
O léxico é o conjunto de palavras de uma dada língua e resulta da capacidade 
cognitiva dos seres humanos de decompor o real em coisas distintas, através da 
faculdade mental de atribuir um significado individualizado a cada coisa. Podemos 
denominar essa faculdade como a capacidade de conceituar. Assim, cada palavra da 
língua expressa um conceito. Ou seja, uma palavra, em princípio, não remete a um 
objeto do mundo real, mas expressa uma definição, com a qual é possível identificar um 
conjunto potencialmente infinito de objetos que se ajustam a essa definição. A palavra 
árvore não remete a um objeto do mundo real (uma árvore em particular), mas expressa 
um conceito que permite ao indivíduo identificar um conjunto potencialmente infinito 
17 
 
de objetos que se enquadram no conceito ‘árvore’. Portanto, cada palavra da língua é 
uma unidade básica de sentido. 
Ferdinand de Saussure, o fundador da Linguística Moderna, definiu, assim a 
palavra como signo linguístico, constituído pela relação arbitrária entre uma sequência 
sonora (a combinação de sons que formam a palavra árvore, por exemplo), dita 
significante, e um conteúdo semântico (a ideia que vem a nossa mente quando ouvimos 
a sequência sonora árvore), dita significado. A relação entre o significante e o 
significado é imediata e indissociável, tanto que Saussure comparou o signo linguístico 
a uma folha de papel, sendo um lado da folha o significante, e o seu verso, o 
significado; portanto, não se pode separar um do outro.
 13
 
O léxico de uma língua reflete o mundo cultural em que vive a coletividade que 
usa essa língua, bem como seu meio ambiente. Assim, na língua dos esquimós existem 
várias palavras para designar o que designamos apenas com uma única palavra: neve. 
Por outro lado, palavras como cadeira, ortografia e computador, que fazem parte do 
léxico da nossa língua, estão ausentes em muitas línguas de sociedades tribais, que 
desconhecem esses objetos. O advento da civilização e da escrita são fatores que 
determinam um enorme crescimento do léxico de uma língua, tanto que línguas como o 
português, o alemão, o francês e o inglês, usadas por sociedades que têm uma tradição 
escrita milenar, têm atualmente um léxico constituído por cerca de meio milhão de 
palavras, enquanto o léxico de uma comunidade ágrafa (sem escrita) não chega a seis 
mil palavras. Mas, se analisarmos o léxico de uma língua como o português, veremos 
que a grande maioria das palavras pertence aos vocabulários técnicos da medicina, do 
direito, da filosofia, da física etc., e são desconhecidas do grande público. Um falante 
dessas línguas, com pouca ou nenhuma escolaridade, domina entre três a quatro mil 
palavras somente. 
 
 
2. A gramática 
 
A gramática diz respeito às regras de combinação das palavras para formar as 
frases e a forma adequada que cada palavra deve assumir em cada frase. As regras de 
formação das frases definem, entre outras coisas, a ordem em que as palavras devem 
 
13 Curso de Lingüística Geral. 5 ed. Tradução de Antônio Chelini, José Paulo Paes e Izidoro Blikstein; 
prefácio de Isaac Nicolau Salum. São Paulo: Cultrix, 1973. 
18 
 
figurar no enunciado verbal e a relação que se estabelece entre elas. Muitas vezes, é 
necessário introduzir partículas gramaticais para sinalizar essas relações. Em uma frase 
como: 
(1) A Maria gosta de chocolate. 
A partícula gramatical de indica que chocolate completa o sentido de gosta. Já 
em uma expressão como o chocolate da Maria, a mesma partícula de é empregada para 
estabelecer uma relação entre a coisa possuída (o primeiro termo da expressão: o 
chocolate) e o possuidor (o segundo termo: a Maria). 
Por outro lado, a forma que a palavra assume na frase tem a ver com algumas 
informações que a gramática da língua determina que sejam fornecidas quando se usa 
um determinado tipo de palavra. Essas informações são denominadas categorias 
gramaticais. Quando se usa, por exemplo, um nome, como menino, é preciso dizer 
normalmente se se trata de um ou mais de um indivíduo, bem como informar o seu 
gênero. Assim, a palavra menino, ao ser empregada em uma frase concreta da língua, 
deve assumir uma das seguintes formas: menino, menina, meninos, meninas. Cada uma 
dessas formas indica um valor básico em relação ao gênero e ao número, da seguinte 
maneira:
14
 
 menino: um indivíduo do sexo masculino 
 menina: um indivíduo do sexo feminino 
 meninos: mais de um indivíduo do sexo masculino 
 meninas: mais de um indivíduo do sexo feminino 
Portanto, podemos dizer que o gênero e o número são as categorias 
gramaticais da classe gramatical dos nomes, em português.
15
 E os valores das 
categorias de gênero e número devem ser corretamente indicados no contexto de cada 
frase; caso contrário, essa frase se torna agramatical, como se pode ver no exemplo 
abaixo: 
(2) *Essas menino são lindas. 
As categorias gramaticais definem propriedades essenciais da faculdade da 
linguagem, tornando-a um sistema muito eficaz e econômico. A categoria gramatical de 
 
14 Apresentamos agora só o significado básico de cada forma, porém a questão da significação dessas 
formas é mais complexa e será retomada adiante. 
15 Esse tema será objeto do próximo capítulo deste livro. 
19 
 
número, por exemplo, é uma forma muito econômica de codificar a informação. Se 
precisássemos de uma palavra para designar ‘um menino’ e outra para designar ‘mais de 
um menino’, e assim por diante, necessitaríamos de quase o dobro das palavras de que 
dispomos, para expressarmos essa informação que fazemos apenas com o acréscimo de 
um –s ao final da palavra. Por outro lado, as categorias gramaticais correspondem às 
categorias mentais, por meio das quais os seres humanos organizam a sua percepção do 
mundo. Portanto, estudar gramática é também uma forma de estudar as categorias que 
formam o pensamento humano. 
Nesse sentido, uma das categorias essenciais da gramática das línguas humanas 
é a categoria de tempo, modo e aspecto ligada à classe dos verbos. Qualquer frase 
produzida em qualquer língua humana tem de conter ao menos um elemento gramatical 
que: (i) situe temporalmente o evento referido em relação ao momento em que a frase é 
proferida (a categoria tempo), (ii) indique se o evento referido é real ou irreal (a 
categoria modo); (iii) as características de duração e realização do evento (a categoria 
aspecto). 
Como vimos na introdução deste livro, a frase abaixo é agramatical, porque não 
possui uma marca gramatical de tempo, modo e aspecto (TMA). 
(3) * Eu cortar o cabelo amanhã. 
A frase só será bem formada se contiver uma marca gramatical que expresse os 
valores de tempo, modo e aspecto, adequados à essa frase (os valores do futuro do 
indicativo), seja pela flexão do verbo – cf. (4) a. –, seja pela introdução de um verbo 
auxiliar, formando uma locução verbal – cf. (4) b.:
16
 
(4) a. Eu cortarei o cabelo amanhã. 
b. Eu vou cortar o cabelo amanhã. 
A possibilidade de expressar os valores gramaticais do futuro do indicativo de 
duas formas diferentes – uma única formal verbal flexionada (construção sintética) ou 
uma locução verbal (construção analítica) – reflete uma das propriedades universais 
das línguas humanas: a variação linguística (conformevimos na seção 3 da Introdução 
deste livro). Também aqui as duas formas diferentes de expressar o futuro do indicativo, 
ou seja, as duas variantes linguísticas, funcionam perfeitamente, não havendo uma 
 
16 Essa distinção entre flexão verbal e locução verbal será tratada no próximo capítulo. 
20 
 
variante que seja, superior, mais funcional, ou mais gramatical que a outra. E, embora a 
forma sintética seja a preferida pela tradição gramatical, o que realmente interessa para 
o bom funcionamento da língua é que os valores de tempo, modo e aspecto sejam 
expressos gramaticalmente, seja na forma sintética, seja na forma analítica. 
Assim, podemos concluir que as palavras possuem propriedades formais e 
semânticas que definem a maneira como elas vão se combinar com as outras palavras da 
língua para formar frases, bem como determinam a forma que elas devem assumir em 
cada frase concreta da língua. Isso nos conduz à concepção de uma relação bem 
dinâmica que reúne o léxico e a gramática. 
 
 
3. A relação entre léxico e gramática 
 
Como estamos vendo, o conhecimento do léxico não está dissociado do 
conhecimento da gramática. Nesse sentido, o conhecimento que nos permite falar nossa 
língua materna (a nossa competência linguística) resulta da relação dialética entre 
léxico e gramática, na qual o conhecimento da gramática permeia o conhecimento do 
léxico, e este se projeta naquele. Isso quer dizer que o conhecimento que o falante tem 
das palavras de sua língua não se restringe ao conhecimento da relação entre forma e 
significado referencial, esse conhecimento abarca também as propriedades gramaticais 
de cada palavra. Essa especificação gramatical é que orienta a seleção das palavras 
para formar as frases. Tomemos, como exemplo, as palavras brincar e brincadeira. 
Ambas têm um significado referencial muito semelhante, que remete ao ‘ato de brincar’, 
mas essas duas palavras têm especificações gramaticais muito distintas, que fazem de 
brincar um verbo e brincadeira um nome. O falante nativo sabe, por exemplo, que, 
numa frase, um verbo como brincar deve ser acompanhado de um constituinte que 
informe o agente da ação que esse verbo expressa, como exemplificado com a 
expressão as crianças, no exemplo (5); já um nome como brincadeira deve ser 
precedido por um determinante (como, por exemplo, o artigo definido a) e pode vir 
seguido por um modificador (um sintagma preposicionado, como de roda, por 
exemplo), formando um conjunto que pode funcionar como sujeito de um verbo, como 
ocorre na frase apresentada em (6). 
(5) As crianças brincaram à tarde toda. 
21 
 
(6) A brincadeira de roda acabou tarde. 
Por saber isso, o falante nativo não se atrapalha, nem faz confusões, como 
exemplificado abaixo: 
(7) *As crianças brincadeiras à tarde toda. 
(8) *Este brincamos de roda é muito divertido. 
Isso nos leva a uma conclusão inexorável: para produzir e entender as frases de 
sua língua materna, o falante deve ser capaz de analisar a estrutura sintática e semântica 
de todas as frases que podem ser produzidas nessa língua. Quando falamos, estamos 
fazendo, de forma inconsciente e ininterruptamente, a análise semântica e sintática das 
frases que falamos e ouvimos. Isso significa que qualquer falante nativo do português, 
mesmo que não tenha qualquer escolaridade, sabe que brincar é um verbo, ou seja, sabe 
quais são as propriedades morfossintáticas e semânticas dessa palavra, de modo que é 
capaz de empregá-la adequadamente nas frases que produz e interpretar as frases 
construídas com esse palavra que ele ouve, mesmo que não seja capaz de explicar esse 
conhecimento, ou sequer tenha consciência desse conhecimento internalizado em sua 
mente. 
Mas essa ignorância em relação ao funcionamento da linguagem humana não é 
um “privilégio” apenas das pessoas sem instrução formal. A visão preconceituosa e 
deformada da língua que predomina na sociedade faz com que muitas pessoas instruídas 
digam disparates como: “a linguagem popular é caótica e sem regras”. Qualquer pessoa 
que tenha um mínimo de informação sobre como funciona a linguagem humana sabe 
que não existe frases formadas aleatoriamente, sem obedecer a um conjunto de regras 
muito bem estruturadas e articuladas entre si. Muitos falantes do português no Brasil 
produzem frases como a exemplificada em (9) – que é uma frase considerada errada, do 
ponto de vista da tradição gramática, mas é uma frase gramatical, dentro da ótica do 
estudo científico da gramática –, mas nenhum deles produz uma frase como a 
apresentada em (10), que uma frase agramatical, porque viola as regras internalizadas 
na mente de qualquer falante nativo da língua portuguesa. 
(9) Meus filho trabalha muito. 
(10) *Meus filhos trabalhamos muito. 
A análise gramatical tem por objetivo explicitar essas regras que geram as frases 
bem formadas na língua, o conhecimento intuitivo do falante nativo dessa língua. Por 
22 
 
essa razão, o termo gramática pode ser empregado com dois sentidos. Por um lado, 
significa o conjunto de regras que compõem o conhecimento intuitivo do falante nativo 
(gramática mental, implícita). Por outro lado, refere o livro que busca descrever essas 
regras (gramática formalizada, explícita). A diferença entre a gramática tradicional, de 
caráter normativo, e a análise científica da gramática, de caráter descritivo, é que a 
primeira subordina sua descrição da formação das frases a uma forma específica de uso 
da língua – a norma padrão, também denominada norma culta –, considerada superior 
e a mais perfeita, enquanto a segunda busca depreender as regras que formam as frases 
no uso concreto da língua, sem considerar as convenções sociais que restringem esse 
uso. Porém, em sua essência, tanto a análise normativa, quanto a análise científica, 
produzem o mesmo tipo de conhecimento: uma descrição estrutural das frases da 
língua, base para a formalização das regras que geram essas frases. Para analisar a 
gramática como sistema de regras que geram as frases de uma língua, é preciso, em 
primeiro lugar, definir bem o produto desse sistema de regras. Assim, buscaremos 
definir, na sessão seguinte, o que é uma frase da língua, ou mais precisamente, uma 
frase gramaticalmente estruturada.
17
 
 
 
4. Frase, Oração e Período 
 
Com base no que foi dito até agora, podemos afirmar que a gramática é o 
sistema mental que transforma os nossos pensamentos em frases sintaticamente 
estruturadas.
18
 Uma frase sintaticamente estruturada deve conter ao menos uma forma 
verbal marcada gramaticalmente para tempo, modo e aspecto; seja uma forma verbal 
flexionada, como em (11) abaixo, seja uma locução verbal, como em (12). Essa forma 
verbal pode ser apenas a conexão entre um predicador nominal ao seu argumento 
externo, como em (11), ou ser um predicador verbal que seleciona seu(s) próprio(s) 
argumento(s), como em (12):
19
 
 
17 Com esse sentido, podemos dizer também uma frase sintaticamente estruturada. 
18 Não estamos considerando aqui certos tipos especiais de frase que a tradição gramatical chama de frase 
nominal e frase de situação – exemplificadas abaixo em (1) e (2) b., respectivamente – e que só são 
usadas em situações muito específicas. 
(1) Votação da reforma tributária hoje na Câmara dos Deputados. 
(2) a. A Maria chegou? 
b. Não. 
19 A estrutura dessas predicações nominais e verbais será tratada no Capítulo 3. 
23 
 
(11) Maria estava insegura ontem, na reunião. 
(12) João vai trabalhar com o avô no comércio. 
Como se verá em detalhes no Capítulo 3, o conjunto formado por um 
predicador nucelar, seja ele nominal ou verbal, e seu(s) argumento(s) é o núcleo da 
estrutura sintática básica da língua, denominada oração. Além do predicador nucelar e 
seu(s) argumento(s), a oração pode conter outros constituintes denominados adjuntos e 
apostos.A oração per se pode constituir uma frase da língua, como em (11) e (12) 
acima, o que a tradição gramatical denomina oração absoluta e período simples. 
Porém, a frase pode ser constituída por mais de uma oração, como em (13) abaixo, em 
que a frase é constituída por três orações que se organizam a partir das formas verbais 
tinha dito, é e discordo. Portanto, o número de orações de um período é igual ao número 
de formas verbais que esse período contém. 
(13) João tinha dito que a Maria é imatura, mas eu discordo de sua 
opinião. 
A tradição gramatical denomina período composto a essas frases constituídas 
por mais de uma oração. Portanto, uma frase é um conjunto de orações, podendo ser um 
conjunto unitário. Por outro lado, uma oração só poderá constituir uma frase sozinha se 
contiver uma forma verbal marcada em tempo modo e aspecto (TMA). As orações 
abaixo, formadas em torno de formas verbais não marcadas em TMA não podem formar 
sozinhas uma frase: 
(14) *José agredir o colega. 
(15) *João trabalhando com o irmão. 
(16) *Finalizado o trabalho. 
Em (14) o verbo está no infinitivo; em (15), no gerúndio e em (16), no 
particípio passado; são as chamadas formas nominais ou formas não-finitas do 
verbo. As orações que contêm esse tipo de forma verbal só podem formar uma frase se 
combinadas com uma oração que tenha uma forma verbal finita, ou seja, uma forma 
verbal flexionada em TMA, como em (17) e (18), ou uma locução verbal, como em 
(19): 
(17) Maria viu José agredir o colega. 
(18) O pai quer o João trabalhando com o irmão. 
(19) Finalizado o trabalho, vamos poder descansar. 
24 
 
Portanto, uma frase sintaticamente estruturada deve conter ao menos uma forma 
verbal finita, ou uma locução verbal. E para ser bem formada (isto é, gramatical) ela 
deve combinar as palavras que a compõem dentro da forma prevista pela gramática da 
língua, e essas palavras devem assumir a forma adequada, de acordo com suas 
propriedades gramaticais especificas. 
 
 
5. Conclusão 
 
Neste capítulo, buscamos delinear o conhecimento que nos torna falantes de uma 
língua humana. Em linhas gerais, o conhecimento requerido para falar uma língua se 
divide, por um lado, no conhecimento de um conjunto representativo de palavras dessa 
língua e, por outro lado, no conhecimento do conjunto regras necessárias para combinar 
essas palavras em frases sintaticamente estruturadas, definindo precisamente a forma 
que cada palavra deve assumir em cada combinação frásica. Esses dois módulos do 
conhecimento linguístico – denominados, respectivamente, léxico e gramática – 
guardam uma relação dialética entre si. Quando aprendermos as palavras de uma língua, 
não aprendemos apenas sua forma e seu significado referencial, aprendemos também 
uma série de propriedades gramaticais que especificam a maneira como essa palavra 
deve ser empregada na formação das frases da língua. Portanto, as palavras não estão 
armazenadas em ordem alfabética, no que podemos chamar de dicionário mental do 
falante, como no livro que retrata o léxico da língua (o dicionário), mas agrupadas de 
acordo com suas especificações gramaticais. A análise gramatical denomina esses 
subconjuntos do léxico, que o conjunto global de palavras de uma língua, classes de 
palavras ou classes gramaticais. Esse será o objeto do próximo capítulo deste livro. 
 
 
 
 
 
 
 
 
25 
 
 
Capítulo 2 
As Classes de Palavras 
 
 
 
 
 
Como vimos no capítulo anterior, as palavras – ou seja, as unidades que 
constituem o léxico de uma língua – estão organizadas na mente do falante nativo dessa 
língua, de acordo com suas propriedades gramaticais. Esse conhecimento é necessário 
para que o falante possa selecionar as palavras que devem figurar em cada frase da 
língua, bem como definir a forma adequada que devem assumir em cada contexto 
específico. Portanto, uma descrição do conhecimento que nos permite formar as frases 
com que nos comunicamos deve começar pela análise dessas propriedades gramaticais 
que estruturam o léxico da língua. Não é à toa que as gramáticas tradicionais contêm 
uma parte destinada à descrição das classes de palavras, que precede a parte destinada 
à descrição da sintaxe.
20
 As classes de palavras são, portanto, subconjuntos do léxico de 
uma língua e se definem, essencialmente, por propriedades compartilhadas por um 
conjunto de palavras, que as distinguem do restante de palavras dessa língua. Neste 
capítulo, vamos procurar identificar que propriedades são essas. 
 
 
1. Parâmetros para a classificação das palavras 
 
Ao dividir as palavras de uma língua em classes, como a dos verbos, nomes, 
preposições e advérbios, a tradição gramatical tem realizando um procedimento muito 
frequente no saber formal, denominado taxonomia, o qual consiste basicamente em 
dividir e classificar os elementos de um conjunto, segundo as propriedades e 
 
20 Nos estudos linguísticos, as classes de palavras fazem parte do objeto de estudo de uma disciplina 
específica denominada Morfologia. Em função disso, devemos advertir que a descrição que se apresenta 
neste capítulo está longe de ser exaustiva e se presta, sobretudo, a fornecer bases mínimas sobre a 
estruturação do léxico, necessárias ao desenvolvimento de uma análise sintática da língua, que será feita 
nos capítulos seguintes. 
26 
 
características que agrupam esses elementos e os distinguem dos demais. É assim, por 
exemplo, que a Biologia tem classificado os animais em mamíferos, aves, anfíbios, 
repteis e peixes. Para fazer essa classificação, os biólogos se baseiam nas propriedades 
mórficas e comportamentais que caracterizam cada grupo de animais. Os mamíferos são 
animais que têm pelos, geram os filhotes em seu útero e os amamentam quando nascem, 
enquanto as aves são animais que têm penas e bico, põem ovos e não amamentam os 
seus filhotes, e assim por diante. A identificação precisa das propriedades que 
individualizam cada grupo e o distinguem dos demais é a base para uma taxonomia 
eficaz. É o que podemos denominar parâmetros de classificação. 
Na tradição gramatical, o parâmetro semântico tem sido tomado como base 
para a classificação das palavras. Dito de outro modo, as palavras da língua são 
classificadas pelo tipo de significado que normalmente veiculam. Assim, o nome é 
definido como “a palavra com que nomeamos os seres em geral”; o verbo, como a 
palavra “que denota ação, estado ou fenômeno”; e o adjetivo, como a palavra que 
exprime “aparência, modo de ser, ou qualidade”.
21
 Com efeito, se olharmos para as 
palavras tradicionalmente classificadas como substantivos (isto é, os nomes), 
encontraremos um grande número de palavras que designam seres ou coisas, como: 
cachorro, orquídea, cadeira, estrela, farinha etc. Da mesma forma, muitas palavras 
classificadas como verbos exprimem, de fato, uma ação – como, por, exemplo correr, 
falar e esculpir –, e muitas das classificadas como adjetivos denotam qualidades, como 
alto, magro e inteligente. Contudo, qualquer um que queira classificar as palavras de 
uma língua utilizando apenas o parâmetro semântico enfrentará sérias dificuldades. 
Senão, vejamos. 
Uma palavra como corrida não denota uma ação (‘ato de correr’)? Então deveria 
ser classificada como verbo; porém, todos nós sabemos que se trata de um nome. E 
brilhar, não é a palavra que exprime a qualidade ou propriedade de refletir a luz? 
Entretanto, é classificada como verbo, não como adjetivo.
22
 Nós sabemos que brilhar é 
um verbo, não por causa do seu significado, mas porque essa palavra pode figurar nas 
frases da língua, assumindo formas como: brilharei, brilhamos, brilharam etc. Da 
mesma forma que sabemos que corrida é um nome, porque é uma palavra que pode 
figurar nas frases da língua precedida de uma palavra que lhe determina o sentido e 
 
21 ROCHA LIMA,Carlos Henrique. Gramática Normativa da Língua Portuguesa. 5 ed. Rio de Janeiro: 
Briguiet & Cia, 1960. 
22 Para uma discussão desse tema, veja-se: PERINI, Mário. Para uma nova Gramática do Português. 4 
ed. São Paulo: Ática, 1989. 
27 
 
seguida por outra que o modifica, como em: uma corrida longa. Em vista disso, 
conquanto não seja de todo inadequado, o parâmetro semântico está longe de ser o mais 
eficaz para classificar as palavras da língua – apesar de, infelizmente, ser o mais 
referido nas aulas de língua portuguesa que tratam das classes de palavras. Uma boa 
taxonomia do léxico da língua precisa, necessariamente, mobilizar outros parâmetros, 
para além do parâmetro semântico. 
Considerando essa necessidade, vamos adotar aqui três parâmetros para proceder 
à delimitação das Classes de Palavras da Língua Portuguesa:
23
 
 parâmetro semântico 
 parâmetro formal 
 parâmetro distribucional 
Para além do parâmetro semântico, já discutido aqui, o parâmetro formal (ou 
parâmetro morfológico) tem a ver com a forma que a palavra deve assumir em cada 
frase concreta, por meio do processo gramatical denominado flexão. Em línguas 
flexivas como o português, existem partículas que se afixam à palavra para expressar 
um valor de uma informação coficada na gramática da língua. Dizendo o mesmo em 
linguagem técnica, essa partícula é um morfema flexional, que se une ao radical da 
palavra para expressar um valor de uma categoria gramatical. Por exemplo, o 
morferma de plural –s se junta a um nome, como gato, formando gatos, forma usada 
para a referência a mais de um individuo dessa espécie doméstica de felinos, ou seja, 
expressa o plural, valor da categoria gramatical de número da classe gramatical dos 
nomes. As palavras de uma classe gramatical se flexionam de acordo com as categorias 
gramaticais dessa classe gramatical. Assim, enquanto os nomes, em português, se 
flexionam em função das categorias gramaticais de gênero e número, os verbos se 
flexionam em tempo, modo e aspecto e pessoa e número. 
Já o parâmetro distribucional (ou parâmetro sintático) diz respeito à posição 
que uma palavra normalmente ocupa na frase, bem como a forma como ela deve se 
combinar na formação frases (o que podemos chamar de distribuição da palavra). 
Combinamos nomes com determinantes e modificadores para formar um conjunto que 
se combina com um verbo para formar o núcleo de uma oração, que, por sua vez, pode 
se combinar com um adjunto, para dar forma definitiva a uma frase da língua. 
Exemplificando: combinamos o nome geladeira com o determinante esta e o 
 
23 Cf., entre outros: BASILIO, Margarida. Teoria Lexical. 7 ed. São Paulo: Ática, 2001. 
28 
 
modificador velha para formar o Sintagma Nominal esta geladeira velha, o qual se 
combina com o verbo pifar dando forma à predicação esta geladeira velha pifou, à qual 
se adjunge o advérbio ontem, para formar a frase esta geladeira velha pifou ontem. 
Nas próximas seções, vamos utilizar os parâmetros semântico, formal e 
distribucional para descrever sumariamente as classes de palavras em português. Mas, 
antes, vamos fazer uma distinção básica na composição do léxico da língua, a qual 
divide as palavras em dois grandes grupos: palavras referências e palavras 
gramaticais. 
 
 
2. Palavras referenciais e palavras gramaticais 
 
Observemos a seguinte frase: 
(1) O cozinheiro disse que aquele peixe está gostoso. 
A informação contida nessa frase está expressa pelas seguintes palavras: 
COZINHEIRO DIZER PEIXE GOSTOSO.
24
 Já as palavras o, que, aquele e está não 
contribuem para o conteúdo informacional da frase, mas são imprescindíveis para sua 
boa formação, ou seja, para que essa frase tenha gramaticalidade. É como se as 
primeiras palavras fossem os tijolos, e as últimas a argamassa usada para unir os tijolos 
na construção de uma parede. Podemos denominar o primeiro tipo de palavra como 
palavras referências (utiliza-se também a expressão palavras lexicais), e o segundo 
tipo como palavras gramaticais (utiliza-se também a expressão palavras funcionais). 
As palavras referenciais constituem a grande maioria das palavras de uma 
língua e se referem às coisas do mundo exterior. Podem ser classificadas como 
referenciais palavras como homem, micróbio, feiura, tempestade, falar, morrer, 
trabalhar, sorrir, feliz, inteligente, simples, complexo, ruidosamente, sorrateiramente 
etc. Ou seja, formam o conjunto das palavras referenciais de uma língua as palavras das 
classes dos nomes, verbos, adjetivos e advérbios. 
As palavras gramaticais, numericamente limitadas, ligam-se a palavras 
referenciais, para expressar uma determinada informação, codificada na gramática da 
língua. Na frase (1), por exemplo, o artigo definido o liga-se ao nome cozinheiro, para 
 
24 Reparem que, em situação comunicativa favorável, esse conjunto de palavras pode transmitir a mesma 
informação que transmitimos normalmente com a frase (1). 
29 
 
informar que o cozinheiro em questão é conhecido, tanto pelo falante, quanto pelo 
ouvinte. Já o demonstrativo aquele se liga ao nome peixe, para informar que o referido 
peixe não está próximo, nem do falante, nem do ouvinte. Por outro lado, a palavra 
gramatical pode não ter qualquer significado servindo apenas para ligar os termos na 
frase. Tal é o caso da partícula que, que seve apenas para ligar, ou melhor, articular a 
primeira parte da frase (1) o cozinheiro disse com a segunda, aquele peixe está 
gostoso.
25
 Pode-se dizer praticamente o mesmo da forma verbal está, que serve 
basicamente para estabelecer uma ligação entre o grupo nominal aquele peixe e o 
adjetivo gostoso. Por fim, há palavras gramaticais que servem pra recuperar uma 
referência já feita anteriormente no discurso. Ampliando a frase (1) em (1) a. abaixo, 
encontramos o pronome ele, cumprindo a função de retomar a referência ao cozinheiro 
feita em oração anterior. 
(1) a. O cozinheiro disse que aquele peixe está gostoso, e ele está certo. 
As palavras referenciais e gramaticais também se distinguem em função do tipo 
de conjunto que formam no léxico da língua. As palavras referenciais formam conjuntos 
muito numerosos e potencialmente abertos, enquanto as palavras gramaticais formam 
conjuntos numericamente restritos e virtualmente fechados. Em português existem 
muitas dezenas de milhares de nome e verbos, e é praticamente impossível dizer, com 
precisão, quantos nomes e verbos existem na língua, porque, a qualquer momento pode 
surgir um nome ou um verbo novo. Periguete e deletar são, respectivamente, exemplos 
de um nome e um verbo recentemente criados, o que ilustra bem o processo incessante 
de ampliação do inventário dessas classes gramaticais. O mesmo não ocorre com as 
palavras gramaticais. É possível, por exemplo, dizer com absoluta precisão o número de 
artigos que existem em português. Existem tão somente dois artigos em português, que 
se flexionam em número e gênero: o artigo definido (o, a, os, as) e o artigo indefinido 
(um, uma, uns, umas). Trata-se de um conjunto binário e virtualmente fechado. 
Quando dizemos que as classes de palavras gramaticais constituem um conjunto 
virtualmente fechado, não queremos dizer que não é possível que se crie uma nova 
palavra gramatical na língua. Estamos apenas fazendo referência ao fato de que, ao 
contrário do que ocorre com as palavras referenciais, a criação de uma nova palavra 
gramatical é um processo que envolve praticamente todos os falantes da língua e 
 
25 Tanto é assim que, em inglês, por exemplo, essa partícula pode não figurar na frase: 
(1) The chef said (that) that fish is delicious. 
30 
 
demanda séculos para sua implementação. Esse processo de mudança linguística, que 
resulta na criação de uma nova palavra gramatical, é denominado gramaticalização.O 
próprio artigo definido é o resultado de um processo de mudança linguística desse tipo, 
sendo derivado da antiga forma do demonstrativo latino illum (illa, illos, illas). 
Processos de gramaticalização mais recentes que se observam na língua portuguesa são 
aqueles que deram origem ao pronome a gente, derivado da expressão nominal, que 
originalmente significava ‘um grupo humano’ (e.g., “a gente deste lugar é muito 
desconfiada”), e passou a funcionar como pronome da primeira pessoa do plural, 
concorrendo com a forma canônica nós, sobretudo na linguagem falada O mesmo 
ocorreu com a expressão nominal Vossa Mercê, que, no século XIV, era uma forma de 
tratamento do rei em Portugal e hoje, na forma reduzida você(s), funciona como 
pronome da segunda pessoa, referindo-se a qualquer pessoa que atue como receptor 
em um processo de interação verbal. 
Por designarem as coisas do mundo exterior, o inventário de palavras 
referenciais vai variar muito de língua para língua, tanto em termos quantitativos, 
quanto em termos qualitativos. Como já foi dito aqui, línguas com uma tradição de 
escrita milenar, como o português, o alemão e o francês, têm um léxico de quase meio 
milhão de palavras, enquanto que o léxico de línguas de comunidades ágrafas mal chega 
a seis mil palavras. Entretanto, a grande maioria das palavras das primeiras pertence aos 
vocabulários técnicos de atividades especializadas que se desenvolvem em sociedades 
de tipo civilizado. Assim, palavras como aeronave, ortografia e digitalizar não fazem 
parte do léxico da maioria das línguas humanas que existem ou já existiram no mundo. 
Portanto, essa enorme diferença quantitativa diz respeito somente ao inventário 
das palavras referenciais. Podemos afirmar, com alguma segurança, que o número de 
palavras gramaticais não varia muito de língua para língua. Por expressarem 
significados e relações previstos pela gramática mental dos seres humanos (isto é, a 
Gramática Universal ou Faculdade da Linguagem),
26
 as palavras gramaticais são 
virtualmente universais. Pode-se esperar que qualquer língua humana tenha uma 
partícula para que o falante se refira a si mesmo, como o pronome eu em português, ou 
que tenha uma partícula de negação, similar ao nosso não, e assim por diante. Por que 
isso acontece? Porque esses valores fazem parte programação mental inata da espécie 
humana. Ou seja, todos os possíveis valores e relações expressos pelas partículas 
 
26 Ver Introdução. 
31 
 
gramaticais de todas as línguas humanas estão presentes na mente de toda criança que 
está adquirindo sua língua materna, mas só serão ativados os valores expressos nas 
partículas gramaticais usadas na língua que ela houve, ou seja, na língua de sua 
comunidade. O conjunto de relações e mecanismos gramaticais de cada língua humana 
é uma combinação possível dentro das possibilidades previstas na Gramática Universal. 
Portanto, se o elenco de palavras referências pode variar muito de língua para língua, os 
inventários de palavras gramaticais tendem a ser mais uniformes entre as diversas 
línguas, da mesma forma que a relação entre as classes de palavras também será mais ou 
menos constante através das línguas. 
 
 
3. Relações entre as classes de palavras referenciais 
 
Tradicionalmente, as análises taxonômicas buscam decompor o seu objeto de 
estudo em conjuntos discretos. Contudo, modelos epistemológicos mais recentes, como 
a Teoria dos Conjuntos Difusos,
27
 têm argumentado no sentido de que um modelo que 
prevê a existência de interseções entre os conjuntos, de modo que esses conjuntos 
formem um continuum, se ajusta melhor à realidade. Esse princípio epistemológico será 
adotado na análise que estamos desenvolvendo aqui. Dessa forma, a disposição das 
classes de palavras na estruturação do léxico da língua deve ser vista como um 
continuum, que vai desde as classes de palavras mais referências (como os nomes e 
verbos) até as classes de palavras mais gramaticais (como os artigos e preposições). 
Entre esses extremos, as demais classes de palavras vão se dispondo, de acordo com 
suas propriedades e distribuição, de modo que, nos níveis intermediários se encontram 
classes de palavras (como os advérbios e numerais) que apresentam, tanto 
características de palavras referencias, quanto características de palavras gramaticais. Se 
a demarcação entre esses dois conjuntos não é nítida, o mesmo se pode dizer do limite 
entre as próprias classes de palavras, havendo muitas zonas de interseção entre elas. 
Entre as classes de palavras, podemos afirmar que os nomes e verbos são 
aquelas que reúnem a significação básica da grande maioria das frases da língua. Desde 
os primórdios do estudo sistemático da linguagem no mundo ocidental, os filósofos 
gregos perceberam que o núcleo das frases situava-se na relação entre o nome e o verbo, 
 
27 Cf. ZADEH, Lotfali. Fuzzy Sets and Systems. In: FOX, J. (Ed.). System Theory. Nova York: 
Polytechnic Press, 1965b. p. 29–39. 
32 
 
numa relação denominada predicação. Podemos, então, definir nomes e verbos como 
primitivos da língua. Já os adjetivos são palavras que normalmente se relacionam aos 
nomes, modificando-lhes o sentido, como em dia claro e bicho feroz. Isso faz dos 
adjetivos uma classe de palavras mais gramatical que os nomes (dentro do continuum 
referencial-gramatical), já que o adjetivo se liga ao nome por uma relação dependência 
semântica e sintática a este. Mais além, estão os advérbios, que, não apenas se ligam 
aos verbos (como em fala demais e escreve lentamente), mas também aos adjetivos 
(como em muito alto e tremendamente estúpido), e aos próprios advérbios (como em 
respondeu muito tranquilamente às perguntas). Ou seja, a relação de dependência 
semântico-sintática que o adjetivo estabelece com o nome, é observada também entre o 
advérbio e o verbo e entre o advérbio e o adjetivo, e mesmo entre um advérbio e outro. 
A classe dos advérbios seria, portanto, a mais gramatical das classes de palavras 
referenciais. Trata-se de uma classe muito heterogênea, reunindo tanto palavras de 
natureza nitidamente gramatical (como não, muito e ontem), quanto palavras com 
características das palavras referenciais, como os advérbios em –mente (e.g., 
claramente, notoriamente, friamente etc), que constituem, inclusive, um conjunto 
potencialmente aberto, na medida em que, a qualquer momento, se pode criar um 
advérbio, juntando-se o sufixo –mente a um adjetivo da língua. 
Por outro lado, os limites entre as classes dos nomes, adjetivos e advérbios nem 
sempre são nítidos, já que há palavras, como velho e brasileiro, que podem funcionar 
tanto como nomes – cf. exemplos (2) e (3) – ou como adjetivos – cf. exemplos (4) e (5): 
(2) Os velhos são sempre ranzinzas. 
(3) O brasileiro adora samba e futebol. 
(4) “O homem velho é o rei dos animais.” 
(5) A mulher brasileira é muito admirada no mundo. 
Já adjetivos como alto e redondo, podem funcionar também como advérbios, 
como se observa, respectivamente, nos exemplos (6) e (7). 
(6) O supervisor fala muito alto. 
(7) “A cerveja que desce redondo.” 
Assim, podemos agrupar de um lado nomes, adjetivos e advérbios, como classes 
de palavras não verbais, em oposição à classe dos verbos, que se destacam como uma 
classe de palavras muito diferenciada, seja por suas propriedades mórficas, seja por suas 
propriedades distribucionais. 
33 
 
4. As palavras gramaticais 
 
Como foi dito na seção 2 acima, as palavras gramaticais cumprem basicamente 
três funções na língua: 
(i) expressar o valor de uma categoria gramatical da palavra a que se liga; 
(ii) recuperar uma informação já disponibilizada anteriormente no discurso, 
ou fazer uma referência vinculada à situação em que ocorre a interação 
verbal. 
(iii) estabelecer relação entre palavras, sintagmas ou orações; 
As palavrasgramaticais que cumprem a função (i) podem ser definidas como 
especificadores. As palavras gramaticais que cumprem a função (ii) podem ser 
definidas como pronomes. Já as palavras que cumprem a função (iii) são denominadas 
conectivos . 
 
4.1. Os especificadores 
Os especificadores ligam-se às palavras de uma determinada classe gramatical, 
de cujas categorias gramaticais eles expressam os valores. Em português, os 
especificadores gramaticais ligam-se precipuamente à classe dos nomes; são, portanto, 
especificadores nominais. Incluem-se aí, as seguintes classes de palavras gramaticais: 
artigos, demonstrativos, possessivos, pronomes indefinidos e numerais. Essas 
palavras gramaticais, assim como o adjetivo, também se flexionam em gênero e número 
de acordo com o nome com que se relacionam para formar um Sintagma Nominal 
(SN), através do mecanismo sintático da concordância nominal, como se pode ver na 
frase abaixo: 
(8) As mulheres inteligentes intimidam os homens. 
No SN as mulheres inteligentes, enquanto o artigo expressa os valores de 
feminino e plural relativos ao nome mulheres, o adjetivo só se flexiona em número; no 
SN os homens, o artigo também se flexiona em gênero e número para concordar com a 
forma do nome núcleo homens. As informações de gênero e número, contudo, dizem 
respeito apenas ao nome, e não ao artigo ou ao adjetivo. Na frase são feitas referências 
no plural aos indivíduos adultos da espécie humana do gênero feminino e masculino. O 
fato de estar no plural não significa que o adjetivo inteligente esteja se referindo a vários 
tipos de inteligência. O adjetivo inteligente recebe a marca de plural apenas porque está 
34 
 
se relacionando com um nome mulher, este sim está sendo empregado no plural porque 
se refere a mais de um indivíduo. 
Portanto, o mecanismo sintático da concordância nominal, segundo o qual 
todas as palavras flexionáveis que se relacionam com o nome dentro de um SN devem 
exibir as mesmas marcas de gênero e número desse nome núcleo do SN, pode ser visto 
apenas como um mecanismo de marcação de relações sintagmáticas, sem valor 
informacional. Ou seja, é um mecanismo que não interfere no significado final da frase, 
tanto que em línguas, como o inglês, ele está praticamente ausente, como se pode ver na 
tradução da frase (8) apresentada em (9) abaixo: 
(9) Intelligent women usually scare men. 
Em inglês, praticamente só o nome se flexiona dentre as palavras que podem ser 
selecionadas para formar um SN. E os nomes só se flexionam em número, pois não há 
flexão de gênero nessa língua. No exemplo dado, o nome woman vai para o plural – 
através da alternância vocálica: woman (singular) versus women (plural)
28
 –, enquanto o 
adjetivo inteligent não se flexiona, como todos os adjetivos em inglês, que constituem, 
nessa língua, uma classe de palavras invariáveis. Nessa frase, a gramática do inglês não 
permite o uso do artigo definido, mas mesmo em contextos em que o artigo definido the 
seja empregado – como na frase (10) –, isso não altera o quadro, porque em inglês essa 
partícula gramatical também é invariável, da mesma forma como o pronome indefinido 
all (todos/todas) também não se flexiona em gênero e número, ao contrário do que 
ocorre em português. 
(10) All the intellgent women i know get their respect in the workplace. 
Todas as mulheres inteligentes que eu conheço conquistam seu 
respeito no local de trabalho. 
Como se pode ver, a ausência do mecanismo sintático da concordância nominal 
não compromete o funcionamento da língua, nem a torna menos expressiva ou menos 
eficaz. Esse mecanismo fazia parte da gramática da língua inglesa no passado. Nos 
últimos séculos, ele desapareceu, e isso não impediu que o inglês se tornasse o idioma 
mais valorizado no mundo contemporâneo – a língua da globalização, como se diz. Isso 
demonstra que a avaliação negativa das variedades populares e coloquiais da língua 
portuguesa no Brasil, nas quais o mecanismo da concordância nominal (e verbal) está 
 
28 A forma mais comum de flexão de número em inglês é o acréscimo do morfema de plural –s, como 
ocorre em português. Vejam-se os seguintes exemplos: book / books (livro / livros); girl / girls (garota / 
garotas). 
35 
 
quase ausente – como exemplificado em (11), abaixo –, não tem qualquer fundamento 
linguístico. Trata-se de uma mera convenção social.
29
 
(11) As mulhé inteligente costuma assustá os home. 
Por outro lado, não se pode pensar, no sentido inverso, que uma língua sem 
concordância seja uma evolução em relação a uma língua com concordância, de modo 
que aquela seria melhor do que esta, por ser mais econômica ou mais eficiente. A 
concordância não onera a língua, nem a torna mais difícil. Uma criança adquire com 
mesmo nível de esforço mental uma língua com concordância ou uma língua sem 
concordância, porque as duas possibilidades já estão previstas em sua programação 
mental inata.
30
 
Algumas classes de palavras que funcionam como especificadores apresentam 
igualmente propriedades pronominais, tal é o caso dos demonstrativos, dos pronomes 
indefinidos e principalmente dos possessivos. Há, portanto, uma clara interseção, entre 
os conjuntos dos especificadores e o dos pronomes, o que ratifica a perspectiva teórica 
aqui adotada dos conjuntos difusos que formam um continuum. Essa questão será 
desenvolvida nas seções seguintes. 
 
4.2. Os pronomes 
Os pronomes são palavras gramaticais que desempenham duas funções na 
língua: 
(i) função dêitica: fazer referência aos participantes da situação interação 
verbal;
31
 
(ii) função anafórica: recuperar o conteúdo referencial de um termo já 
mencionado anteriormente no discurso. 
Os pronomes pessoais eu e você cumprem uma função dêitica, o primeiro se 
refere à pessoa que está falando na situação de interação verbal, ao passo que o segundo 
se refere à pessoa que está ouvindo. Ou seja, o valor referencial dessas formas é 
determinado, não apenas pela situação comunicativa em que elas são empregadas, mas 
 
29 Na verdade, estamos diante de um poderoso mecanismo de discriminação social e de dominação 
ideológica. 
30 Ver Introdução. 
31 A dêixis recobre “qualquer categoria gramatical [dita categoria dêitica] que expressa distinções que 
dizem respeito ao tempo e lugar em que ocorre o ato de fala, ou aos diferentes papeis de seus 
participantes. A palavra dêixis significa ‘apontar por meios linguísticos’, e os falantes fazem uso da dêixis 
sempre que usam palavras como aqui, lá, este, você, agora e então.” [TRASK, R. L. Dicionário de 
Linguagem e Linguística. 2 ed. São Paulo: Contexto, 2008. p. 51-52.] 
36 
 
inclusive pelo participante da situação que as emprega.
32
 Já o pronome ele tem um 
valor anafórico, como podemos ver na frase (37) abaixo, na qual esse pronome serve 
para recuperar a referência do SN O Pedro. Nesse caso, o termo ao qual o pronome se 
refere é classificado como antecedente, e o pronome estabelece com seu antecedente 
uma cadeia de correferência.
33
 
(12) O Pedroi perdeu o filho. Elei está inconsolável. 
 A tradição gramatical costuma definir o pronome como a palavra que “substitui 
um nome”. A definição não é muito precisa porque o pronome pode ter como 
antecedente, não um SN, mas uma oração, como ocorre no exemplo abaixo, em que o 
pronome o retoma o conteúdo referencial de denunciar o amigo. 
(13) Não queria denunciar o amigoi, mas oi fez, por achar que era o 
certo. 
No plano semântico-morfológico, os pronomes expressam valores da categoria 
gramatical pessoa do discurso, quais sejam: referência ao falante, 1ª pessoa; referência 
ao ouvinte, 2ª pessoa; referência a uma pessoa ou coisa que não participa da interação 
verbal, 3ª pessoa. A categoria pessoa se combina com a categoria número (singular e 
plural), do que resultam seis valores da categoria gramaticalcompósita número-
pessoal. As formas canônicas dos pronomes pessoais que as gramáticas normativas 
apresentam para expressar pessoa e número divergem bastante das formas em uso 
corrente na língua, particularmente no Brasil, como se pode ver no quadro abaixo: 
PESSOA/NÚMERO FORMA CANÔNICA FORMA(S) CORRENTE(S) 
1ª pessoa do singular eu eu 
2ª pessoa do singular tu você / tu 
3ª pessoa do singular ele/elas ele/elas 
1ª pessoa do plural nós nós / a gente 
2ª pessoa do plural vós vocês 
3ª pessoa do plural eles/elas eles/elas 
 
 
32 Numa conversa entre João e Maria, o valor referencial dos pronomes eu e você só poderá ser João ou 
Maria. Se esses pronomes ocorrerem na fala do João, o eu se refere ao próprio João e o você à Maria; e 
vice-versa, se são usados pela Maria. 
33 Na notação da análise linguística, os termos de uma cadeia de correferência são marcados com o 
mesmo índice (um i subscrito, que é posto logo após o termo), são, portanto, coindexados. Isso foi feito 
no exemplo (37), colocando-se um i logo após o SN O Pedro e logo após o pronome Ele, para indicar que 
eles têm o mesmo valor referencial. 
37 
 
As mudanças afetaram, sobretudo, a 2ª pessoa, com o desaparecimento do vós e 
a substituição do tu pelo você na maior parte do Brasil. A forma a gente, também 
resultante de um processo de gramaticalização (como vimos acima) concorre 
fortemente com a forma canônica nós, superando-a, inclusive, na língua falada. 
Vários autores contestam o estatuto da chamada 3ª pessoa, alegando que ela se 
distingue das demais (as pessoas propriamente ditas), nos níveis formais, semânticos e 
funcionais, podendo ser melhor definida como não pessoa, em oposição à 1ª e à 2ª 
pessoas, as pessoas propriamente ditas.
34
 Formalmente, a 3ª pessoa se flexiona em 
gênero (ele versus ela) e número (ele versus eles; ela versus elas), como os nomes, ao 
contrário do que ocorria com os pronomes da 1ª e 2ª pessoas, que não exibem flexão de 
gênero e expressavam a oposição singular/plural lexicalmente (eu versus nós; tu versus 
vós).
35
 Semanticamente, enquanto os pronomes de 1ª e 2ª pessoa se referem sempre a 
seres humanos, o pronome da 3ª pessoa pode se referir a seres humanos, coisas e até a 
eventos, conceitos e proposições. Por fim, no plano funcional, a diferença reside, como 
vimos acima, no fato, de os pronomes da 1ª e 2ª pessoas terem uma função dêitica, 
enquanto o pronome de 3ª pessoa cumpre sempre uma função anafórica. 
Os pronomes pessoais ocupam na frase as posições sintáticas normalmente 
ocupadas pelos nomes, mas, ao contrário dos nomes, que não se flexionam em função 
disso, os pronomes alteram sua forma de acordo com a posição sintática que ocupam na 
oração, o que se denomina flexão de caso. Assim, os pronomes pessoais têm uma forma 
para ser usada na posição de sujeito (denominada pela tradição gramatical forma do 
caso reto) e duas outras formas para serem usadas nas funções de complemento e 
adjunto adverbial (as formas átonas e tônicas do caso oblíquo). As formas canônicas 
que a tradição gramatical aponta para cada caso são apresentadas no quadro abaixo:
36
 
 
FORMAS DO 
CASO RETO 
FORMAS DO CASO OBLÍQUO 
FORMAS ÁTONAS FORMAS TÔNICAS 
eu me mim, comigo 
 
34 Cf., entre outros: BENVENISTE, Emile. A natureza dos pronomes. In: DASCAL, Marcel (Org.). 
Fundamentos metodológicos da lingüística. v.4: Pragmática - Problemas, críticas, perspectivas da 
Lingüística. Campinas: Ed. do Autor, 1982. 
35 Com o processo de gramaticalização da expressão pronominal Vossa Mercê, do que resultou a forma 
você, que funciona hoje como pronome de 2ª pessoa, a forma pronominal dessa pessoa do discurso 
também passou a se flexionar em número, como os nomes: você : vocês. 
36 A flexão de caso dos pronomes nominais será retomada no Capítulo 4, quando será feita uma descrição 
das formas efetivamente em uso na língua, no Brasil. 
38 
 
tu te ti, contigo 
ele o/a e lhe si, consigo 
nós nos nós, conosco 
vós vos vós, convosco 
eles os/as e lhes si, consigo 
 
Os pronomes possessivos constituem uma classe de palavras que combina as 
propriedades de especificadores com a de pronomes. Na frase abaixo, o pronome 
possessivo seu especifica o nome trabalho, estabelecendo uma relação gramatical 
possuidor – coisa possuída, e, ao mesmo tempo, retoma a referência ao nome João, o 
seu antecedente. 
(14) Joãoi está muito feliz, pois seui trabalho foi o escolhido para 
representar a escola. 
A dupla função do pronome possessivo (a um só tempo especificador e 
pronome) se manifesta no mecanismo da concordância. Enquanto os pronomes pessoais 
concordam em gênero e número com o seu antecedente – como podemos ver na frase 
(15) –, o pronome possessivo não concorda em gênero e número com o seu antecedente, 
mas com o termo que especifica, como podemos ver no exemplo (16) abaixo. Em (15) o 
pronome ele tem as marcas de masculino e singular, concordando com seu antecedente 
João; da mesma forma, o pronome elas tem as marcas de feminino e plural do seu nome 
antecedente irmãs. Já na frase (16), o pronome possessivo vem na forma do feminino 
plural concordando com o nome que especifica (irmãs), e não com o seu antecedente 
(João): 
(15) As irmãsi do Joãoj implicam muito com elej. Elasi são muito 
chatas. 
(16) O Joãoi não se dá com suasi irmãs. 
A natureza pronominal dos possessivos se evidencia também pelo fato de sua 
significação estar associada às pessoas do discurso. Nesse sentido, podemos definir os 
possessivos como a forma dos pronomes pessoais que expressa o caso genitivo (ou seja 
a função sintática relacionada à expressão do possuidor). Se assim o fazemos, 
podemos ampliar a tabela da flexão de caso dos pronomes pessoais da seguinte maneira: 
 
39 
 
FORMAS DO 
CASO RETO 
FORMAS DO CASO OBLÍQUO FORMAS DO CASO 
GENITIVO FORMAS 
ÁTONAS 
FORMAS 
TÔNICAS 
eu me mim, comigo meu, minha, meus, minhas 
tu te ti, contigo teu, tua, teus, tuas 
ele o/a e lhe si, consigo seu, sua, seus, suas 
nós nos nós, conosco nosso, nossa, nossos, nossas 
vós vos vós, convosco vosso, vossa, vossos, vossas 
eles os/as e lhes si, consigo seu, sua, seus, suas 
 
A tradição gramatical costuma distinguir a função adjetiva dos demonstrativos, 
possessivos e dos chamados pronomes indefinidos (ou seja, quando eles funcionam 
como espcificadores), do que chama função substantiva, que corresponderia à função de 
pronome. A análise tradicional baseia-se seguintes casos, que configurariam a função 
substantiva: 
(17) Eu pego essa cadeira, você pega aquela. 
(18) Meu trabalho está melhor que o seu. 
(19) Eu escolho um prato, você escolhe outro. 
Porém, o valor pronominal de aquela, seu e outro, respectivamente, nos 
exemplos (17), (18) e (19) é apenas aparente. Em uma análise mais adequada, vamos 
postular que essas palavras gramaticais atuam como especificadores de um núcleo 
nominal não realizado na frase, como se pode ver baixo: 
(17) a. Eu pego essa cadeira, você pega aquela (cadeira). 
(18) a. Meu trabalho está melhor que o seu (trabalho). 
(19) a. Eu escolho um prato, você escolhe outro (prato). 
Ou seja, os nomes cadeira, trabalho e prato estão implícitos na segunda oração 
de cada período acima, apesar de não estarem concretamente realizados. Esse fenômeno 
é muito comum na língua e podemos denominá-lo elipse. Qualquer constituinte pode 
ser omitido se o contexto o permitir. Isso é muito frequente nas chamadas construções 
de coordenação, como se pode ver abaixo: 
(20) O João comprou os salgadinhos, a Maria as bebidas. 
(21) Maria entregou o trabalho, o João não. 
40 
 
A forma linguística de cada uma dessas frases é, de fato, a que está representada 
abaixo, em (20)a. e (21)a. abaixo. Ocorre que os constituintes entre parênteses não estão 
realizados na frase. Mas isso não significa que eles não façam parte da frase. Pode-sedizer que sua presença é virtual, no que, como dissemos, denominamos elipse de 
constituintes. 
(20) a. O João comprou os salgadinhos, a Maria (comprou) as bebidas. 
(21) a. Maria entregou o trabalho, o João não (entregou o trabalho). 
Portanto, a elipse do núcleo nominal não altera a função de especificadores de 
possessivos, demonstrativos e indefinidos.
37
 
 
4.3. Os conectivos 
As preposições e conjunções são as classes de palavras que funcionam como 
conectivos gramaticais. No que concerne à morfologia, são palavras que, ao contrário 
do que ocorre com os pronomes e especificadores nominais em português, não se 
flexionam; sendo, portanto, chamadas de palavras invariáveis. Os conectivos são 
empregados para estabelecer relações: 
(i) entre um nome e um SN que o qualifica, como em (22) abaixo, em 
que a cultura qualifica história; 
(ii) entre um nome ou um adjetivo e um SN que lhes completa o 
sentido, como em (23) e (24) abaixo, em que o estádio e o serviço 
completam, respectivamente, o sentido do nome ingresso e do 
adjetivo apto; 
(iii) entre um verbo e SNs que podem funcionar como seu argumento, 
como em (25), ou como um adjunto, como em (26) – em (25) 
liberdade é o complemento do verbo clamar (quem clama clama por 
alguma coisa); já em (26) com a Maria agrega uma informação 
circunstancial ao ato de trabalhar; 
(iv) entre orações, como em (17) e (18). 
 
(22) a história da cultura 
(23) ingresso no estádio 
(24) apto ao serviço 
 
37 Essa questão será retomada na seção 5 abaixo. 
41 
 
(25) clamou por liberdade 
(26) trabalho com a Maria 
(27) João disse que a Maria não participará da reunião. 
(28) Maria estava doente, mas não faltou ao trabalho. 
Em princípio, as preposições são empregadas para relacionar palavras e 
sintagmas – como de, em, a, por e com, respectivamente em (22), (23), (24), (25) e (26) 
–, enquanto as conjunções, para relacionar orações – como que e mas, respectivamente, 
em (27) e (28). Entretanto, tanto as preposições podem ser empregadas para conectar 
orações – como exemplificado em (29) abaixo –, quanto as conjunções podem ser 
usadas para conectar palavras e sintagmas – cf., respectivamente, exemplos (30) e (31): 
(29) Eu fiz tudo para o João não prejudicar a Maria. 
(30) É preciso comprar frutas e verduras. 
(31) Eu vou trabalhar com o João ou com a Maria? 
 
4.3.1. As preposições 
As preposições que integram o núcleo gramatical da língua são palavras 
pequenas (ou seja, de pouca substância fonética) e com um alto valor funcional (ou seja, 
cumprem muitas funções e são muito empregadas). Encontram-se nesse “núcleo duro” 
as preposições: de, com, em, para, a, por, sem. Constituem um conjunto numericamente 
reduzido de palavras relacionais, com conteúdo semântico muito abstrato, não raro 
meramente gramatical (funcional). Juntam-se a essas preposições mais gramaticais, as 
outras que, conquanto sejam também palavras relacionais, têm um conteúdo semântico 
mais específico, tendo, portanto, um rendimento funcional menor. Tal é o caso das 
seguintes preposições: até, contra, desde, sobre, sob, ante, perante, após, trás. Algumas 
palavras que não são, ou não foram em sua origem preposições, são empregadas na 
língua como preposição, sendo denominadas pela tradição gramatical preposições 
acidentais. Tal é o caso de: durante, conforme, exceto, segundo, visto, salvo, mediante, 
fora, afora, consoante etc. 
Segundo a tradição gramatical, as preposições propriamente ditas, ou 
preposições essenciais, distinguem-se das preposições acidentais, porque, enquanto as 
preposições essenciais se relacionam com as formas pronominais do caso oblíquo – cf. 
(32) –, as acidentais se relacionam com as formas do caso reto – cf. (33):
38
 
 
38 BECHARA, Evanildo. Moderna Gramática Portuguesa. 37 ed. Rio de Janeiro, Lucerna, 2001. p. 301. 
42 
 
(32) Sem mim não fariam isso. 
(33) Exceto eu, todos foram contemplados. 
Quando não estão atuando para conectar orações, as preposições ligam-se a um 
Sintagma Nominal (SN), formando o que denominamos Sintagma Preposicionado 
(SPrep).
39
 Sendo palavras fonologicamente dependentes, algumas preposições fundem-
se com os determinantes que introduzem o SN. Vejamos alguns exemplos no quadro 
abaixo: 
PREPOSIÇÃO SINTAGMA NOMINAL SINTAGMA PREPOSICIONADO 
de o meu irmão mais velho do meu irmão mais velho 
com o apoio da família com o apoio da família 
em a aula de matemática na aula de matemática 
para o bem de todos para o bem de todos
40
 
a o lado do motorista ao lado do motorista 
por o amor de Deus pelo amor de Deus
41
 
sem qualquer ajuda sem qualquer ajuda 
 
As relações que as preposições marcam entre as palavras não verbais (isto é, 
nomes, adjetivos e advérbios) são basicamente as seguintes: 
a. coisa possuída – possuidor 
A preposição de é a utilizada para marcar essa relação, em que o nome que a 
antecede refere-se à coisa possuída, e o SN a que ela se junta indica o 
possuidor, como em casa da Maria, onde casa refere-se à coisa possuída e 
da Maria indica o possuidor.
42
 
b. termo qualificado – qualificador 
A preposição de é também a mais utilizada para marcar a relação entre um 
nome e um SN que lhe modifica o sentido, como em: a cor da esmeralda; o 
livro de ouro; algumas questões de trabalho etc. Porém, outras preposições 
 
39 A estrutura dos Sintagmas será descrita em detalhe no Capítulo 7. 
40 Na linguagem coloquial, faz-se a contração: pro bem de todos. 
41 Manteve-se, nesse caso, a construção arcaica resultante da fusão da antiga preposição per com a forma 
arcaica do artigo definido lo, com assimilação do –r final da preposição ao l- inicial do artigo e posterior 
simplificação: per + lo > perlo > pello > pelo. 
42 Essa construção substituiu o antigo caso genitivo da língua latina: domus Mariae, na qual a desinência 
–e em Maria indica o caso genitivo, ou seja, a forma morfológica que corresponde a essa informação de 
‘possuidor’. 
43 
 
podem ser empregadas também com essa função: aquele homem com uma 
moral rígida; uma comida sem gosto; a palavra em negrito etc. 
c. nome/adjetivo/advérbio – complemento 
Alguns nomes, adjetivos e advérbios requerem um SN que lhes complete o 
sentido. Esses SNs devem vir regidos por uma preposição, como podemos 
ver nos seguintes exemplos: o pagamento dos impostos (nome + SPrep 
Complemento); apto ao trabalho (adjetivo + SPrep Complemento); longe 
dos pais (advérbio + SPrep Complemento). 
No que concerne aos verbos, as preposições servem para marcar a relação, tanto 
entre estes e seus complementos, quanto entre estes e adjuntos expressos por um SN.
43
 
As frases de (34) a (37) são exemplos de complementos verbais introduzidos por 
preposição, enquanto as frases (38) a (41) contêm exemplos de adjuntos adverbiais 
preposicionados. 
(34) Maria gosta de chocolate. 
(35) O João só pensa no trabalho. 
(36) Luísa foi ao teatro ontem. 
(37) Pedro chegou em casa abatido. 
(38) Nos divertimos muito com as crianças ontem. 
(39) José trabalha em casa. 
(40) Ontem passeamos de bicicleta. 
(41) Sempre nos falamos por e-mail. 
No plano lógico-semântico e no plano sintático-funcional, as preposições, 
sobretudo as mais gramaticais, assumem inúmeros valores, como se pode ver, por 
exemplo, no quadro abaixo que esquematiza os valores assumidos pela preposição de: 
Valores e funções marcados pela preposição de 
Valor / Função do SN que introduz Exemplo 
possuidor / caso genitivo livro do João 
qualificador / adjunto adnominal bandeira do Brasil 
argumento interno / complemento nominal destruição de Cartago 
argumento interno / complemento verbal preciso da sua ajuda 
proveniência / complemento verbal locativo saiu de casa 
 
43 As relações entre verbos, argumentos e adjuntos serãotratadas no próximo capítulo. 
44 
 
meio / adjunto adverbial voei de helicóptero 
 
Em vista disso, não nos parecem muito profícuas as tentativas de precisar o valor 
semântico de cada preposição, conquanto o valor semântico de preposições que 
podemos definir como menos gramaticais (tais como contra, até e sobre/sob) seja mais 
preciso. 
 
4.3.2. As conjunções 
Há basicamente dois tipos de conjunções. As conjunções propriamente ditas 
conectam orações estabelecendo entre elas algum tipo de relação lógico-semântica – 
como se pode ver no exemplo (42) abaixo, no qual a conjunção porque, além de 
funcionar como conectivo das duas orações, indica que a segunda oração contem a 
causa da primeira. O mesmo ocorre na frase (43), em que a conjunção mas relaciona a 
segunda oração com a primeira, marcando entre elas uma relação lógica de 
contradição. Ou seja, ao ver o mas, o leitor já sabe que a informação que vem em 
seguida se opõe à informação que a antecede 
(42) Não trabalhei ontem, porque meu filho estava doente. 
(43) Pedro se esforçou bastante, mas não obteve o resultado esperado. 
Há, entretanto, um tipo especial de conjunção que atua exclusivamente como 
conectivo, sendo desprovido de qualquer conteúdo semântico. Tal é o caso do que no 
exemplo (44) abaixo, que serve somente para encaixar a oração o João estava blefando 
como complemento da forma verbal pensou da primeira oração (sem acrescentar 
qualquer informação à frase). 
(44) Pedro pensou que João estava blefando. 
Em nossa classificação, vamos destacar os conectivos oracionais que não têm 
conteúdo semântico, como uma subclasse especial das conjunções denominada 
complementizadores.
44
 Trata-se de uma classe bem gramatical, praticamente 
desprovida de valor semântico, exibindo apenas valor funcional, e sendo constituída por 
um número reduzidíssimo de elementos – apenas dois: o que e o se. O se tem um 
emprego muito mais restrito que o que; e, ao contrário deste último, exibe um valor 
semântico associado à dúvida, como se pode ver na frase abaixo: 
(45) Não sei se a Maria vai trabalhar hoje. 
 
44 A tradição gramatical também reconhece essa especificidade, classificando os complementizadores 
como conjunções integrantes. 
45 
 
Não se deve confundir o complementizador se, exemplificado em (45) acima, 
com a conjunção condicional se, exemplificada em (46) abaixo. Esta última integra o 
vasto elenco das conjunções propriamente ditas e indica que a oração que introduz 
expressa uma condição para o que é proposto na oração principal ou matriz, com a 
qual essa oração condicional se relaciona. Na frase (46), a vinda da Maria é condição 
para a conclusão do trabalho. 
(46) Se a Maria vier hoje, concluímos o trabalho. 
As conjunções constituem uma classe muito numerosa e heterogênea, como os 
advérbios (havendo, inclusive, uma zona de interseção entre essas duas classes de 
palavras). Essa característica aproxima as conjunções das classes de palavras 
referenciais.
45
 Ao lado das palavras gramaticais que funcionam como conjunções – 
exemplos: e, ou, contudo, porém, todavia, pois, conquanto, embora etc –, existe um 
grande número de conjuntos de palavras, denominados tradicionalmente locuções 
conjuntivas, que exercem essa função, tais como: já que, desde que, visto que, tanto 
que, posto que, ao passo que, à medida que etc. O caráter conjuntivo é fornecido pelo 
complementizador que, que se combina com um sem número de palavras e expressões, 
servindo de base para a locução conjuntiva. 
 
4.4. Para uma taxonomia das palavras gramaticais 
Do que foi dito até aqui, podemos sintetizar a classificação que propomos para 
as palavras gramaticais, a qual toma como parâmetro a principal função que a palavra 
exerce na língua. Essa taxonomia está esquematizada no quadro abaixo: 
 
PALAVRAS GRAMATICAIS 
TIPO FUNÇÃO CLASSES 
especificadores especificam o conteúdo referencial de um 
núcleo nominal em função de uma dada 
categoria gramatical 
artigos 
demonstrativos 
numerais 
indefinidos 
pronomes/ especificadores pronomes possessivos 
pronomes referem-se a um dos participantes da pronomes pessoais 
 
45 Devemos fazer aqui menção ao fato de que o elenco de conjunções tende a ser mais numeroso em 
línguas usadas em sociedades letradas. Essa relação com a cultura é própria das palavras referenciais. 
46 
 
interação verbal (função dêitica) ou 
retomam o conteúdo referencial de um 
termo mencionado anteriormente (função 
anafórica) 
conectivos estabelecem relações entre palavras, 
sintagmas e orações 
preposições 
conjunções 
 
E como foi dito acima, a fronteira entre o primeiro conjunto, dos especificadores 
e o segundo, dos pronomes, não é tão nítida, já que os elementos do primeiro, 
particularmente os pronomes possessivos, não deixam de exibir certas características do 
segundo.
46
 
 
4.5. Pronomes Relativos e Palavras Interrogativas 
Assim como os pronomes possessivos, há outras palavras gramaticais que não se 
enquadram perfeitamente nesse esquema. Tal é o caso dos pronomes relativos e das 
palavras interrogativas
47
. 
 
4.5.1. Os pronomes relativos 
Os pronomes relativos cumprem uma dupla função: retomar o conteúdo 
referencial de um termo antecedente e introduzir uma nova oração, denominada oração 
relativa
48
; dessa forma essas palavras gramaticais são simultaneamente pronomes e 
conectivos. Como podemos ver na frase (47) abaixo, o pronome relativo que liga-se ao 
termo antecedente o livro, ao tempo em que introduz a oração relativa que eu comprei 
ontem, da qual ele é um elemento constituinte. 
(47) O livroi quei eu comprei ontem é muito caro. 
O pronome relativo funciona como um elo na cadeia de correferência, ligando o 
termo antecedente a uma posição vazia no interior da oração relativa.
49
 No caso da 
frase (47), essa posição é a posição de complemento do verbo comprar – como 
podemos ver esquematicamente em (47)a. –, já que o significado da oração relativa é 
‘eu comprei o livro (que é muito caro) ontem’. 
 
46 Essa questão será retomada na seção 5 a seguir. 
47 A tradição gramatical as denomina pronomes interrogativos; a Gramática Gerativa usa o termo 
Palavras QU- (do inglês WH- Words). 
48 A tradição gramatical as nomeia orações subordinadas adjetivas. 
49 A estrutura das orações relativas será analisada em detalhe no Capítulo 6. 
47 
 
(47) a. O livroi quei eu comprei ____i ontem é muito caro. 
Compõem o elenco dos pronomes relativos do português: que, o qual (a qual, os 
quais, as quais) e cujo (cuja, cujos, cujas). Os dois últimos se flexionam em gênero e 
número, o que não ocorre com o que, o pronome relativo mais empregado na língua 
corrente. Nesse sentido, é imprescindível distinguir o que que – como vimos na 
subseção 4.3.2. acima – funciona como um mero conectivo oracional – que a tradição 
gramatical denomina conjunção integrante, e nós denominamos complementizador,
50
 
do que pronome relativo. São homônimos, ou seja, palavras distintas que têm o mesmo 
significante.
51
 Vejamos as frases abaixo: 
(48) A Maria disse que o João está muito doente. 
(49) A meninai quei eu atendi ____i ontem estava com gastrenterite. 
Em (48) o que é um complementizador – serve apenas para encaixar a oração o 
João está muito doente como complemento da forma verbal disse da oração 
denominada principal ou matriz; não recupera o conteúdo de um termo antecedente, 
nem está ligado a qualquer posição vazia na oração que introduz, até porque não há 
qualquer posição vazia nessa oração (com o sentido com que empregamos essa 
expressão aqui). Já em (49), o que é um pronome relativo, que estabelece uma cadeia 
de correferência entre o termo antecedente a menina e a posição vazia de 
complemento da forma verbal atendi,
52
 na oração relativa, cujo significado é ‘eu atendia menina (que estava com gastrenterite) ontem’. 
 
4.5.2. As palavras interrogativas 
As palavras interrogativas, como seu nome indica, têm como função básica 
introduzir perguntas que focalizam uma determinada informação, como podemos ver 
nos exemplos abaixo: 
(50) Quem encontrou os documentos? 
(51) O que você fez ontem? 
(52) Quando a Maria chegou? 
(53) Onde o João nasceu? 
(54) Como ela descobriu isso? 
(55) Quanto você me dá? 
 
50 Denominação adotada na análise gerativa. 
51 Tal como ocorre com manga ‘fruta’ e manga ‘parte da camisa que cobre o braço’. 
52 Por isso os três elementos estão coindexados com um i, em nossa notação. 
48 
 
(56) Por que você chegou atrasado? 
As palavras interrogativas quem, o que, quando, onde, como, quanto e por que 
são especificadas semanticamente com os seguintes valores: quem => pessoa; o que => 
coisa; quando => tempo; onde => lugar; como => modo; quanto => quantidade; por que 
=> causa. Em termos lógicos, essas palavras gramaticais funcionam como variáveis. 
Em (50), por exemplo, o valor lógico de quem pode ser formalizado da seguinte 
maneira: 
quem = x tal que x é a pessoa que encontrou os documentos em questão 
Algumas palavras gramaticais se juntam a um nome para formar um sintagma 
que funciona como palavra interrogativa, como se pode ver nos exemplos abaixo: 
(57) Qual a camisa você escolheu? 
(58) Quantas vezes o João vomitou ontem? 
(59) Que interesse a Maria tem nisso? 
Por outro lado, as orações introduzidas por palavras interrogativas podem ser 
encaixadas sintaticamente como um constituinte de outra oração, dita principal ou 
matriz, como se pode ver nos exemplos abaixo: 
(60) Não sei quando a Maria chegou. 
(61) Estamos chegando onde o João nasceu. 
(62) Já tenho uma ideia de quanto eu vou lhe dar. 
Nesses casos, a palavra interrogativa acumula as funções de variável e 
conectivo oracional. Cabe ainda fazer uma distinção entre a palavra interrogativa por 
que e a conjunção causal porque. Apesar de terem a mesma carga semântica 
relacionada à causa, trata-se de outro exemplo de homonímia, já que estamos diante de 
duas palavras funcionais distintas. Tanto é assim que, outras línguas indo-europeias, 
como o inglês e o francês, têm duas palavras distintas para desempenhar cada uma das 
funções, como se pode ver nos exemplos abaixo: 
(63) Why didn’t Mary work yesterday? 
She didn’t work because she is sick. 
(64) Por quoi Marie n’a-t-ll travaille hier? 
Elle n’a travaille, parce qu’elle était malade. 
No português de Portugal, há uma diferenciação fônica, já que a palavra 
interrogativa é oxítona como no Brasil [porquê], enquanto a conjunção causal é 
pronunciada como paroxítona [púrqui], sendo fonologicamente mais fraca. No Brasil, a 
49 
 
distinção é feita apenas na convenção ortográfica, que prescreve que a palavra 
interrogativa deve vir separada como se fossem duas palavras distintas, enquanto a 
conjunção causal deve ser escrita como uma palavra única, como se pode ver abaixo em 
(65), que é a tradução para o português das frases apresentadas em (63) e (64): 
(65) Por que a Maria não trabalhou ontem? 
Ela não trabalhou, porque estava doente. 
As palavras interrogativas também podem funcionar como pronomes relativos, 
referindo-se a um termo antecedente, como se pode ver nos exemplos abaixo: 
(66) Esta é a casai ondei nasceu o grande poeta. 
(67) O rapazi com quemi você saiu ontem é meu primo. 
As palavras interrogativas são, portanto, palavras multifuncionais que 
desempenham um papel importante na estrutura gramatical, estando virtualmente 
presentes no elenco das palavras gramaticais de todas as línguas humanas.
53
 
 
 
5. Nomes e especificadores nominais 
 
Morfologicamente, os nomes se flexionam em número e gênero. A maioria dos 
nomes se flexiona em número, através do acréscimo do morfema de plural –s, que 
indica se tratar de mais de um indivíduo: casa : casas; ponto : pontos; pé : pés, etc. A 
flexão de gênero informa o sexo, no caso dos nomes dos seres vivos: gato : gata; 
menino : menina; sogro : sogra, etc. Mas, para a maioria dos nomes, o gênero é só um 
classificador gramatical, indicado pela flexão dos determinantes e dos modificadores: 
(68) uma casa bonita 
(69) o muro alto 
(70) essa foto é linda 
(71) o planeta mais afastado 
O gênero nesses casos é arbitrário. Não há nenhuma razão para casa e foto serem 
nomes femininos e muro e planeta serem nomes masculinos; tanto que o gênero das 
palavras que se referem às coisas varia mesmo entre línguas bem aparentadas, como as 
 
53 As funções exercidas pelas palavras interrogativas na articulação de orações serão retomadas no 
Capítulo 6. 
50 
 
línguas românicas. Em português mar é masculino (o mar); em francês, é feminino (la 
mer). Já flor, que é feminino em português (a flor), é masculino em italiano (il fiori). 
 
5.1. A relação dos artigos e demonstrativos com os nomes 
No plano de sua significação, os nomes designam, tanto seres e coisas, em um 
plano mais imediato de percepção do real, quanto, conceitos, lugares, ações e processos, 
num plano mais abstrato de percepção do mundo. Tal distinção se traduz na distinção 
entre substantivos concretos e abstratos, que é feita pela tradição gramatical. Mas 
mesmo no plano de sua significação mais concreta, uma distinção importante deve ser 
feita. O nome pode referir-se a espécie como um todo, no que se denomina referência 
genérica, como exemplificado na frase (72), ou a um indivíduo dessa espécie, como 
ocorre na frase (73), na chamada referência específica. 
(72) Um livro é sempre uma boa companhia. 
(73) Comprei um livro ontem. 
Não há em português, uma marca gramatical específica para a referência 
genérica. Um nome precedido por um artigo indefinido pode ter uma referência 
genérica, como ocorre em (72) acima, e ter a mesma referência genérica sendo 
precedido por um artigo definido, como em (74), ou mesmo não vir acompanhado por 
qualquer determinante, como em (75), o que, na linguística contemporânea, se 
denomina nome nu. 
(74) O livro é o grande símbolo da civilização ocidental. 
(75) Vou comprar um livro pra dar de presente ao João. Livro é 
sempre bom. 
Assim, a categoria gramatical que podemos chamar de nível de 
referencialidade não é marcada em português. Porém, no plano da referência 
específica, há uma marcação gramatical para a categoria definitude. Vejamos as frases 
abaixo: 
(76) Gente, eu já comprei o livro. 
(77) Gente, eu comprei um livro ontem. 
Em ambas as frases, o falante se refere a um livro específico, porém, na primeira 
frase, o os ouvintes já sabem a qual livro o falante está se referindo, ao passo que, na 
segunda frase, os ouvintes não sabem que livro o falante comprou. O artigo definido 
indica que aquela referência faz parte do conhecimento compartilhado entre o falante e 
51 
 
o ouvinte. O artigo indefinido indica que o nome traz uma informação nova, ou seja, 
indica uma primeira menção àquele referente. Anaforicamente, o artigo definido 
substitui o artigo indefinido, após a primeira menção, como podemos ver no seguinte 
exemplo: 
(78) O João encontrou um meninoi perdido. O meninoi estava muito 
assustado. 
O demonstrativo também pode fazer as vezes do artigo definido, nesse contexto: 
(79) O João emprestou um livroi para a Maria. Esse livroi lhe será 
muito útil. 
Não obstante seu emprego anafórico, a função básica dos demonstrativos está 
relacionada à dêixis, da seguinte maneira: o demonstrativo este (esta, estes, estas) 
indica proximidade ao falante; o demonstrativo esse (essa, esses, essas) indica 
proximidade ao ouvinte; o demonstrativo aquele (aquela, aqueles, aquelas) indica 
distância do falante e do ouvinte.
54
 Tal distinção funciona em planos mais abstratos, tal 
como plano temporal, como exemplificado abaixo: 
(80) Vamos resolver o problemaainda esta semana. [na semana em 
curso] 
(81) Naquele tempo, havia mais respeito. [um passado distante] 
Retornando ao plano das relações anafóricas, os demonstrativos podem 
funcionar como verdadeiros pronomes: 
(82) O antibióticoi ataca a causa da doença, o analgésicoj atua sobre 
os sintomas. Estej deve ser ministrado três vezes ao dia, enquanto 
aquelei deve ser minitrado em dose única. 
A distinção básica se mantém, de modo que o este se refere ao antecedente mais 
próximo (o analgésico), enquanto o aquele retoma a referência do antecedente mais 
distante (o antibiótico). Ainda nesse plano, existe a distinção entre esse, usado para 
retomar um termo já referido – cf. exemplo (83) –, e este, usado para indicar um termo 
que vem a seguir – cf. exemplo (84): 
(83) O nível do programa caiu. Esse problema deve ser reconhecido 
pela produção. 
(84) Temos que encontrar uma solução para este problema: a queda no 
nível das vendas. 
 
54 Atualmente, a distinção entre este e esse se perdeu, de modo que as duas formas são usadas 
indistintamente. 
52 
 
 
Alguns autores fazem a seguinte distinção, denominando a primeira – 
exemplificada em (83) – como referência anafórica, e a segunda como referência 
catafórica – cf. exemplo (84). 
Quanto ao gênero, os demonstrativos conservam uma forma do gênero neutro: 
isto, isso, aquilo. Essas formas não funcionam como especificadores, pois não podem 
se ligar a um núcleo nominal,
55
 só funcionam como pronomes, seja no plano dêitico – 
como exemplificado em (85) –, seja no plano anafórico – como exemplificado em (86): 
(85) Pegue aquilo pra mim. 
(86) Você desrespeitou seus pais. Isso não está correto. 
Algumas análises agrupam artigos e demonstrativos em uma única classe: a 
classe dos determinantes. Uma motivação para essa proposta é a impossibilidade de 
coocorrência dessas duas partículas gramaticais, o que explica a agramaticalidade da 
frase abaixo; 
(87) *A esta cadeira está quebrada. 
Os determinantes, em contrapartida, podem coocorrer com as outras palavras 
que atuam como especificadores nominais, como os possessivos, numerais e 
indefinidos.
56
 
 
5.2. Os numerais e os pronomes indefinidos 
Os numerais são especificadores nominais que quantificam exatamente os 
nomes, como em: cinco cadeiras, três crianças, duas agremiações etc. Nesse caso, os 
nomes se referem sempre a indivíduos (referência específica) e não à espécie (referência 
genérica). Em um contexto mais específico, os numerais têm um valor nominal 
indicando a quantidade em si mesma: 
(88) “Tudo certo como dois e dois são cinco”
57
 
Para além desses numerais que indicam quantidades aritméticas, denominados 
numerais cardinais, existem numerais que indicam uma ordenação (numerais 
ordinais): primeiro, segundo, terceiro etc. Os numerais cardinais e ordinais, para além 
de funcionarem como especificadores nominais (e.g., o quarto candidato), podem 
funcionar também como pronomes: 
 
55 Veja-se, como exemplo, a agramaticalidade desta frase: 
56 Essa questão será retomada, quando tratarmos da composição do Sintagma Nominal no Capítulo 7. 
57 Verso da famosa canção Como 2 e 2, do compositor e poeta Caetano Veloso. 
53 
 
(89) Disputam uma única vaga o João, o Pedro e o Luís. Os três têm 
chance de conquistá-la. 
(90) Eu tinha de escolher entre o João e o Pedro. Escolhi o segundo. 
Há ainda os numerais multiplicativos e fracionários. Esses tem um valor 
nominal, como exemplificado em (91), ou podem funcionar como adjetivos, como em 
(92). Porém, em seu emprego mais frequente, formam expressões quantificadoras,
58
 
como exemplificado em (39): 
(91) Um terço de seis é o dobro de um. 
(92) Eu quero uma dose dupla. 
(93) Já gastei dois terços do meu salário. 
A maioria dos chamados pronomes indefinidos também expressa uma 
quantificação: algum, nenhum, todo, muito, pouco, vário, tanto, quanto; por essa razão 
são classificadores como quantificadores, em análises da linguística contemporânea. 
Mas há também indefinidos que não têm um valor quantitativo como: outro, certo e 
qualquer. A maioria dos indefinidos se flexiona em gênero e número, à exceção do 
qualquer, que só se flexiona em número. Nessas formas os indefinidos funcionam 
precipuamente como especificadores de um núcleo nominal, realizado ou não: 
(94) Muitas questões foram resolvidas, mas algumas ficaram sem 
resposta. 
Mas podem funcionar esporadicamente como um núcleo nominal, como em: 
(95) Você dá muito importância à opinião dos outros. 
Para além das formas que se flexionam, os pronomes indefinidos apresentam as 
seguintes formas neutras, que não se flexionam: alguém, ninguém, tudo, outrem, nada, 
cada, algo. Essas formas têm sempre um valor nominal: 
(96) Algo precisa ser feito. 
(97) Ninguém me escuta! 
(98) Tudo está em seu lugar. 
A única exceção é a forma cada, que funciona sempre como especificador 
nominal, como em , ou integra uma locução quantificadora, como em 
(99) Cada macaco no seu galho. 
(100) Cada um tem de fazer a sua parte. 
 
 
58 As expressões quantificadoras serão tratadas no Capítulo 7, quando analisarmos a composição do 
Sintagma Nominal . 
54 
 
6. Os adjetivos 
 
No plano do significado, os adjetivos normalmente expressam estados e 
qualidades. Na medida em que esses estados e qualidades são atribuídos a seres e coisas 
expressos por nomes, os adjetivos atuam sintaticamente como predicadores desses 
nomes. Essa predicação pode se desdobrar sintaticamente numa oração, como ocorre no 
exemplo (101), ou ocorrer no âmbito de um Sintagma Nominal, como no exemplo 
(102):
59
 
(101) Aquele rapaz é tímido. 
(102) O rapaz tímido evitou a moça. 
No plano morfológico, os adjetivos se flexionam em gênero e número (bonito, 
bonita, bonitos, bonitas), apenas em função do mecanismo sintático da concordância 
nominal (cf. seção 4.1. acima), pois o conteúdo dessas categorias gramaticais nada tem 
a ver com o valor semântico dos adjetivos. A flexão em número é mais geral do que a 
flexão em gênero. São raros os adjetivos que não se flexionam em número (e.g., 
simples), mas há muitos que não se flexionam em gênero e só se flexionam em número: 
feliz : felizes; grande : grandes; etc. 
Como destacado anteriormente, na seção 3, a classe dos adjetivos mantém zonas 
de interseção, com a classe dos nomes, por um lado, e com a classe dos advérbios, por 
outro. Em (103), temos adjetivos funcionando como nomes, ao passo que em (104) 
temos um exemplo de adjetivo funcionando como advérbio: 
(103) Enquanto os fracos tremiam, os bravos retesavam os músculos. 
(104) Não fale tão baixo. 
Isso revela o continuum das classes não verbais, que vai desde a classe dos 
nomes, a mais referencial, até a classe dos advérbios, a mais gramatical das classes de 
palavras referenciais; ficando a classe dos adjetivos numa posição medial. 
 
 
7. Os advérbios 
 
Os advérbios são palavras que se situam na fronteira entre as classes de palavras 
referenciais e as classes de palavras gramaticais. Trata-se de uma classe muito 
 
59 A estrutura sintática das predicações será analisada no próximo capítulo. 
55 
 
heterogênea, pois há advérbios que têm um caráter bem gramatical – tais como: hoje, 
sempre, longe, já, mais, muito etc – e advérbios que têm uma natureza mais referencial, 
como é caso dos advérbios em -mente (tranquilamente, fatalmente, mansamente etc.), 
que constituem, inclusive, um conjunto aberto (a qualquer momento, é possível criar um 
novo advérbio em -mente), o que é uma característica proeminente das classes de 
palavras referenciais. Portanto, como temos enfatizado aqui, a divisão de palavras em 
classes, bem como a distinção entre palavras gramaticais e palavras gramaticais, deve 
ser vista, menos como uma divisãodo conjunto de palavras de uma língua em 
compartimentos estanques, do que como um continuum, em que se passa gradualmente 
de uma classe para outra. 
 
 
8. Os verbos 
 
Podemos dizer que os verbos são as palavras que desencadeiam a estrutura 
sintática, tanto que não possível construir uma frase sintaticamente estruturada na língua 
sem a presença de uma forma verbal flexionada. Os verbos se flexionam em função das 
categorias gramaticais de tempo, modo e aspecto, por um lado, e pessoa e número, 
por outro. Essas categorias gramaticais do verbo podem ser marcadas separadamente – 
como em trabalharemos e trabalhavam, em que os morfemas -re- e -va- expressam os 
valores de tempo, modo e aspecto e os morfemas -mos e -m expressam os valores de 
pessoa e número –, ou simultaneamente, como em trabalhei e trabalhou, em que os 
morfemas -ei e -ou indicam cumulativamente tempo, modo e aspecto e pessoa e 
número. 
 
8.1. A flexão verbal 
Sendo uma língua indo-europeia, o português é uma língua flexiva, de modo 
que os valores de muitas categorias gramaticais são expressos através da flexão, tal é 
caso das categorias verbais de tempo, modo e aspecto. Para marcar os valores dessas 
categorias, um morfema flexional se une ao radical do verbo como um sufixo, gerando 
formas como: trabalhará, corria, partiram, etc. Na primeira forma, o morfema –rá– 
expressa a informação de modo indicativo e tempo futuro. Já na segunda forma, o 
morfema –ra– informa que se trata do modo indicativo, tempo passado (que a tradição 
56 
 
gramatical chama de pretérito) e aspecto concluído (que a tradição gramatical chama 
de perfeito). 
 O modo é categoria gramatical que se refere ao grau de realidade atribuído a um 
enunciado. Essa informação pode ser fornecida lexicalmente por meio de expressões, 
como: 
(105) Eu acho que o João estava nervoso. 
(106) Não há dúvida de que o João estava nervoso. 
Gramaticalmente, essa informação de modo é fornecida pela flexão do verbo, 
simultaneamente com a informação de tempo e, em alguns casos, com a informação de 
aspecto. Tradicionalmente, distinguem-se três valores para a categoria gramatical de 
modo: indicativo, subjuntivo e imperativo. O indicativo expressa a certeza do falante 
sobre o evento referido, de modo que a frase traduz um fato real
60
 – cf. exemplo (107). 
O subjuntivo é o modo da incerteza, quando o falante se refere a um evento possível, 
hipotético ou mesmo irreal
61
 – cf. exemplo (108). Já o imperativo indica uma ordem, 
um pedido ou um apelo – cf. exemplo (109). 
(107) João estuda latim. 
(108) Se eu me controlasse, não teria dito aquilo. 
(109) Por favor, passe-me a caneta. 
No plano lógico-semântico, devemos distinguir apenas dois modos: o indicativo 
(realis) e o subjuntivo (irrealis), sendo o imperativo incluído no subjuntivo, já que um 
evento referido numa ordem/pedido/apelo é um evento que não tem uma existência 
objetiva. Porém, a distinção do modo imperativo pode ser mantida em função do seu 
valor pragmático: a função de uma frase no imperativo afeta diretamente o ouvinte, 
distinguindo-se das frases dos tempos indicativo e subjuntivo, normalmente frases 
declarativas, em princípio, neutras, em relação ao ouvinte. 
O tempo gramatical é sempre um tempo relativo, pois a categoria gramatical do 
tempo situa o evento referido em relação ao momento da enunciação. Em (110), o 
evento referido ocorreu antes do momento da enunciação – tempo passado; em (111), 
está ocorrendo no momento da enunciação – tempo presente; e em (112), ocorrerá 
depois do momento da enunciação – tempo futuro. 
 
60 Na literatura linguística, usa-se também a palavra latina realis para indicar esse modo. 
61 Donde a designação irrealis, que também se encontra na literatura linguística. 
57 
 
(110) A Maria saiu com o João. 
(111) A Maria está em casa. 
(112) Ela voltará. 
Assim como ocorre em relação ao modo, a informação de tempo pode ser dada 
lexicalmente, como se pode ver na frase abaixo, em que a essa informação de futuro é 
dada pelo advérbio amanhã, enquanto o verbo exibe a forma morfológica do presente: 
(113) A Maria viaja amanhã. 
A categoria gramatical aspecto diz respeito a certas características ou dimensões 
do evento ou processo designado pelo verbo, tais como: duração, início, conclusão, 
frequência etc. A tradição gramatical não dá muita atenção a essa categoria gramatical, 
fazendo somente a distinção aspectual de concluso e inconcluso em relação ao passado: 
(114) A Maria saiu antes do João chegar. 
(115) A Maria saía quando o João chegou. 
Em (114) a ação de sair ocorreu no passado e já se concluiu – o que a tradição 
gramatical denomina pretérito perfeito;
62
 já em (115), a ação situada no passado não se 
concluiu – o que a tradição gramatical denomina pretérito imperfeito. Comparado a 
outras línguas, como as línguas eslavas, o português exibe, de fato poucas marcas 
gramaticais de aspecto. Contudo, essa informação é frequentemente expressa na língua 
por meio de locuções verbais. 
 
7.2. Locuções Verbais 
Para além da flexão verbal, as informações de TMA também podem ser 
fornecidas por meio de uma locução verbal, em que um verbo – denominado verbo 
auxiliar – se liga a uma forma não-finita de outro verbo (infinitivo, gerúndio ou 
particípio passado) – denominado verbo principal, como no exemplo abaixo: 
(116) Maria já tinha saído, quando João chegou. 
O verbo principal (o particípio passado do verbo sair) carrega a significação 
referencial do processo verbal (a ação de deixar um lugar). Já o verbo auxiliar combina-
se ao verbo principal para marcar o valor da categoria gramatical de TMA, no caso da 
frase (116), a locução verbal tinha saído indica um passado anterior a outro passado 
 
62 Em sua origem, o adjetivo perfeito significada ‘concluído’. 
58 
 
(que a tradição gramatical denomina pretérito mais-que-perfeito); ou seja a ação de 
Maria sair já havia se concluído antes da ação de João chegar acontecer. 
Os verbos auxiliares são partículas gramaticais. Portanto, devemos destacar essa 
dupla possibilidade de emprego dos verbos, ora como palavras refernciais, ora como 
palavras gramaticais. Vejamos as frases abaixo: 
(117) Não vou trabalhar amanhã. 
(118) Vou ao teatro esta noite. 
(119) João tem estudado muito. 
(120) João tem uma casa de praia. 
Em (117) e (118), os verbos ir e ter são empregados como palavras gramaticais. 
Em (118) e (120) são palavras referenciais. Em (117) o verbo ir é o verbo auxiliar, que 
se combina com a forma do infinitivo do verbo principal, para expressar a informação 
gramatical de futuro do indicativo. O conteúdo referencial da locução verbal vou 
trabalhar, ou seja, ‘o ato de trabalhar’, é dado pelo verbo principal. Já em (118) o valor 
do verbo ir é referencial, designando o ato de deslocar-se para algum lugar. A 
informação gramatical é dada pela flexão verbal, na forma vou, da 1ª pessoa do singular 
do presente do indicativo. Em (119) o verbo ter é uma palavra gramatical que se 
combina com a forma do particípio passado para expressar o que podemos denominar 
de presente perfeito (uma ação que se inicia no passado esse prolonga até o presente). 
Em (120) o verbo ter é uma palavra referencial que remete à relação de posse. 
Atuando como palavras gramaticais, alguns verbos, denominados verbos 
auxiliares, se ligam as formas do infinitivo, gerúndio e particípio passado de outros 
verbos, ditos verbos principais, para formar as locuções verbais, conforme descrito no 
início desta seção. 
As locuções verbais por excelência são os chamados tempos compostos, 
formados com os verbos que funcionam tipicamente verbos auxiliares: ter/haver, estar e 
ir: 
(121) A Maria tem saído bastante. 
(122) A Maria já havia saído. 
(123) A Maria está saindo. 
(124) A Maria vai sair. 
Como verbos auxiliares, funcionando comopalavras gramaticais, esses verbos 
têm um alto rendimento funcional, não obstante mantêm, como destacado acima, o seu 
valor referencial, sendo também empregados como verbos plenos: 
59 
 
(125) Maria tem muitos livros. 
(126) Há um depósito no fundo da construção. 
(127) João está no escritório agora. 
(128) Luíza vai à praia todo fim de semana. 
Dessa forma, podem funcionar como verbos principais em locuções verbais: 
(129) Maria vai ter muitas tarefas diferentes nessa nova função. 
(130) Tem havido muitos problemas nesse setor. 
(131) João vai estar no escritório amanhã. 
(132) Estou indo agora para o trabalho. 
Um verbo que tem uma função eminentemente gramatical é verbo poder. Esse 
verbo, que indica possibilidade, é o verbo auxiliar modal prototípico: 
(133) Maria poderia emprestar essa quantia ao João. 
Dessa forma, o verbo poder pode ser definido como uma palavra gramatical, já 
que é praticamente nula a possibilidade de seu emprego como palavra referencial.
63
 Já o 
verbo dever também atua como auxiliar modal com valor deôntico (de obrigação): 
(134) Devemos ajudar ao próximo. 
O verbo querer também pode ser empregado como auxiliar modal, com o 
sentido de volição (vontade): 
(135) João quer terminar este trabalho hoje. 
Outros verbos podem atuar como auxiliares, mas expressando um valor 
aspectual. Tal é o caso de verbos como: continuar, indicando o prolongamento do 
processo verbal; começar, indicando o início do processo verbal; ou acabar, indicando 
a conclusão da ação expressa pelo verbo: 
(136) Ela continua trabalhando em casa. 
(137) Ela começou a gritar. 
(138) Ela acabou de escrever um livro. 
Assim, como o verbo poder é o auxiliar modal prototípico, o verbo costumar é o 
auxiliar aspectual prototípico. Assim, como aquele, este só é empregado como verbo 
auxiliar, indicando a habitualidade de uma ação: 
(139) Eu costumava correr todas as manhãs. 
 
63 A única frase em que o verbo poder não é empregado como auxiliar seria uma frase do tipo: 
(1) O João pode tudo, eu não posso nada. 
Mas, mesmo nesse caso, podemos postular a elipse do verbo principal fazer: 
(2) O João pode (fazer) tudo, eu não posso (fazer) nada. 
60 
 
A locução verbal formada pelo verbo ser + o particípio passado do verbo 
principal é usada para expressar a voz passiva.
64
 Nessa construção, a locução verbal 
recebe como sujeito (denominado sujeito paciente), o que seria normalmente o 
complemento do verbo principal, na chamada voz ativa, como se pode ver no cotejo 
entre as frases (140) e (141), e entre as frases (142) e (143), estando as primeiras na voz 
passiva e as segundas na voz ativa: 
(140) Este documento é assinado pelo supervisor. 
(141) O supervisor assinou o documento. 
(142) Todos os sobreviventes do naufrágio já foram resgatados. 
(143) Já resgataram todos os sobreviventes do naufrágio. 
Por fim, podemos acrescentar algumas construções, que, não sendo 
propriamente locuções verbais, são composições lexicais com valor verbal, que 
denominamos lexias verbais compostas. Nessas construções, um verbo, denominado 
verbo leve, forma com seu complemento uma expressão que equivale a um verbo da 
língua, como ocorre nos seguintes exemplos: 
(144) Ele deu um beijo na irmã. [ = Ele beijou a irmã] 
(145) Vamos dar uma volta na cidade? [ = Vamos passear na cidade?] 
(146) É melhor você dar um tempo. [ = É melhor você aguardar] 
O verbo dar é o verbo leve por excelência, podendo ser empregado com esse 
valor em um vasto elenco de expressões. Contudo outros verbos podem ser usados 
como verbos leves, em um número mais restrito de expressões, como nos seguintes 
casos: 
(147) Depois do almoço, eu sempre tiro um cochilo. [ = cochilar ] 
(148) O patrão passou uma descompostura no empregado. [ = 
repreender] 
(149) Chamou a atenção do subordinado. [ = advertir ] 
Se considerarmos como locução verbal a combinação de um verbo auxiliar com 
um verbo principal, a lexia verbal composta não seria propriamente uma locução verbal. 
Mas, se considerarmos o termo locução verbal no sentido mais amplo de conjunto de 
palavras que funcionam como um único verbo, a lexia verbal composta pode ser 
considerada uma locução verbal. 
 
64 A construção da voz passiva será tratada no capítulo 5. 
61 
 
As locuções verbais podem-se combinar, formando conjuntos com três ou quatro 
formas verbais: 
(150) Eu não estou podendo lhe atender agora. 
(151) O supervisor já tinha chamado a atenção desse funcionário 
antes. 
(152) Desse jeito, o regulamento vai continuar sendo desrespeitado. 
Em (150), temos o verbo auxiliar no tempo composto (estou podendo) em uma 
locução modal (podendo atender); em (151) a lexia verbal composta (chamar a 
atenção) vem na forma de um tempo composto (tinha chamado); e em (152), 
combinam-se o tempo composto (vai continuar), com uma locução aspectual 
(continuar sendo) e uma estrutura passiva (sendo desrespeitado), conjugando, assim, 
quatro formas verbais em uma única locução. Portanto, a locução verbal é um conjunto 
de duas ou mais formas verbais que funcionam como um único verbo. 
Independentemente do número de verbos que congregue (dois, três ou quatro, no 
máximo), a locução verbal terá apenas um verbo flexionado, estando os demais nas 
formas não finitas (infinitivo, gerúndio e particípio passado). 
Sumariamente, podemos classificar as locuções verbais (no sentido mais amplo 
do termo) nos seguintes tipos: 
1. Tempo composto 
Locução verbal formada pela junção de um verbo auxiliar (ter/haver, estar e 
ir) com uma forma particípio, gerúndio ou infinitivo de um verbo principal, 
para dar as informações de TMA. 
Ex.: A Maria vai viajar na semana que vem. 
 
2. Locução modal 
Locução verbal formada por verbos, como poder, querer e dever, com uma 
forma do infinitivo de outro verbo, para expressar o modo irrealis. 
Ex.: Eu posso terminar o relatório hoje mesmo. 
 
3. Locução aspectual 
Locução verbal formada por verbos, como começar, continuar e costumar, 
com uma forma do infinitivo de outro verbo, para expressar um valor do 
aspecto verbal. 
Ex.: Júlia continua trabalhando neste jornal. 
62 
 
4. Estrutura passiva 
Locução verbal formada pelo verbo ser e o particípio passado do verbo 
principal, que recebe como sujeito o que seria, de outra forma, complemento 
do verbo principal. 
Ex.: Este bilhete ainda não foi carimbado. 
 
5. Lexia verbal 
Combinação de um verbo leve (no geral o verbo dar) com um Sintagma 
Nominal, que funciona como um único verbo. 
Ex.: Ela até me deu um beliscão quando eu falei isso. 
 
63 
 
 
Capítulo 3 
O Núcleo da Estrutura Sintática 
 
 
 
 
 
O primeiro objetivo do método de análise aqui desenvolvido é fornecer os 
elementos para uma análise taxonômica básica de todas as frases da língua, reduzindo 
os elementos da análise a uns poucos primitivos teóricos. Assim, vamos apresentar um 
esquema taxonômico baseado, fundamentalmente, em quatro categorias analíticas 
básicas: predicador, argumento, adjunto e aposto. Como exposto na seção 4 do 
primeiro capítulo deste livro, a estrutura sintática básica da língua, a oração, tem como 
núcleo uma predicação, o conjunto formado por um predicador e seu(s) 
argumento(s). A essa estrutura nuclear, podem-se acrescentar informações 
suplementares através dos adjuntos. E, por fim, qualquer informação sobre um dos 
constituintes dessa estrutura pode ser inserida, por meio de um constituinte parentético, 
denominado aposto. 
Tomemos como exemplo a seguinte frase: 
(1) Felizmente, a Maria não contou logo a verdade para o João, seu irmão 
mais novo. 
O primeiro passo do método de análise aqui proposto é identificar a forma 
verbal. Nesse exemplo, só há uma forma verbal – contou –, portanto a frase (1) é 
constituída por apenas uma oração. A estrutura sintática dessa oração se articula em 
torno da formaverbal contou, que é um predicador verbal. Enquanto predicador, o 
verbo é uma palavra relacional, e o conteúdo semântico da predicação definida por cada 
verbo da língua faz parte da competência linguística de qualquer falante nativo. No 
exemplo em foco, o conteúdo semântico da predicação definida pelo verbo contar é: 
quem conta, conta alguma coisa a/para alguém. A partir dessa configuração semântica, 
podemos identificar os argumentos do predicador verbal: 
 quem contou: a Maria 
64 
 
 o que contou: a verdade 
 a quem: o João 
O conteúdo semântico do verbo contar define os actantes do processo a que 
esse verbo se refere: (i) o agente do processo, que deve ser um ser humano que 
transmite (ii) uma informação verbal, o tema do processo verbal, a (iii) outro ser 
humano, o destinatário do processo. Se essas especificações semânticas fossem 
violadas, o resultado seria uma frase agramatical: 
(2) *Felizmente, o altar não contou logo a verdade para o João, seu irmão 
mais novo. 
(3) *Felizmente, a Maria não contou logo uma cadeira para o João, seu 
irmão mais novo. 
(4) *Felizmente, a Maria não contou logo a verdade para o vazio da 
existência, seu irmão mais novo. 
Assim, a carga semântica define a estrutura argumental do verbo, ou seja, os 
constituintes que deverão conter as informações requeridas pelo verbo enquanto 
predicador. Esses constituintes, que são os argumentos do verbo, saturam a 
predicação (preenchendo as lacunas abertas pelo verbo – o predicador), e o conjunto 
formado pelo verbo e seus argumentos constitui o núcleo da estrutura sintática da 
oração verbal. Na frase (1), o núcleo da oração que a constitui é: a Maria contou a 
verdade ao João. 
Os argumentos verbais se dividem em externos e internos, sendo a predicação 
verbal máxima constituída por um argumento externo e dois argumentos internos. 
A frase (1) constitui um exemplo da predicação verbal máxima, sendo a Maria o 
argumento externo do verbo, e a verdade e ao João, os argumentos internos. 
O argumento externo (ou seja, o sujeito – segundo a denominação consagrada 
pela tradição gramatical) situa-se, normalmente, à esquerda do verbo e especifica a 
flexão verbal relativamente à categoria de pessoa e número. Assim, na frase (5), o 
sujeito os convidados não se refere nem ao falante, nem ao ouvinte, e se refere a mais de 
um indivíduo, o que tradicionalmente se denomina 3ª pessoa do plural. Com isso, o 
verbo deve vir marcado morficamente com esse valor para a categoria pessoa do 
discurso, por meio do morfema –m, no fenômeno morfossintático denominado 
concordância verbal. 
(5) Os convidados ainda não chegaram. 
65 
 
Além do argumento externo, o verbo também pode selecionar um ou dois 
argumentos internos, também denominados complementos verbais. Os 
complementos verbais podem vir regidos por uma preposição, como exemplificado em 
(7), ou se ligarem diretamente ao verbo, como exemplificado em (6). Não há qualquer 
mecanismo morfossintático de concordância entre o verbo e seu(s) argumento(s) 
internos em português. 
(6) Maria escreveu várias cartas esta manhã. 
(7) Maria gosta de chocolate. 
Definidos o verbo e seu(s) argumento(s), o que resta na estrutura da oração são 
os adjuntos, que contêm informações circunstanciais relativas ao processo referido pelo 
verbo (tais como: tempo, modo, causa, lugar etc), ou um comentário geral sobre o que 
está sendo dito, ou a fonte dessa informação. Na frase (1), os constituintes que 
desempenham a função de adjunto são: felizmente, não e logo. Por fim, temos um 
constituinte parentético, uma explicação sobre quem é o João: o irmão mais novo da 
Maria – esse constituinte parentético é um aposto. 
Tomemos agora a frase apresentada em (8) abaixo. Nesta frase, a forma verbal 
era não é um predicador, pois não seleciona semanticamente os seus argumentos. 
(8) Segundo seu relato, a Maria, sua irmã mais velha, era muito introvertida 
na infância. 
A seleção dos argumentos implica uma restrição de sentido, como ocorre com 
verbo contar, que é um predicador verbal. Ao contrário do verbo contar, o verbo ser 
não restringe de modo algum o constituinte que pode ocupar a posição de sujeito, em 
termos de traços semânticos, tais como: ser humano ou não, ser concreto ou abstrato, e 
assim por diante. Como se pode ver nas frases abaixo (todas formadas com o verbo ser), 
o sujeito da frase (9), a Maria, tem o traço semântico [+humano]; já em (10), o sujeito, 
esta poltrona, tem os traços semânticos [-humano, -animado, +concreto]; e em (11), o 
sujeito, a felicidade, tem os traços semânticos [-humano, -animado, -concreto]. 
(9) A Maria é loura. 
(10) Esta poltrona é confortável. 
(11) A felicidade é uma quimera. 
Nessas frases, o termo que restringe semanticamente o sujeito é o predicador 
nominal: loura, em (9); confortável, em (10); e quimera, em (11). O adjetivo loura 
seleciona um argumento que deve ter o traço semântico [+humano], o que tornaria 
agramatical uma frase como: 
66 
 
(12) *Esta poltrona é loura. 
Já o adjetivo confortável, ao contrário, seleciona um argumento com o traço 
semântico [-humano], o que tornaria a frase (13) agramatical, e assim por diante. 
(13) *A Maria é confortável. 
Logo, a forma verbal nessas frases liga o argumento ao predicador nominal, 
introduzindo as informações de tempo modo e aspecto. Esse conjunto argumento – 
verbo de ligação – predicador nominal forma o núcleo das orações nominais. 
Retornando à frase (8), o núcleo da oração nominal é: a Maria era muito 
introvertida; sendo o predicador nominal introvertida modificado pelo intensificador 
muito. Definido, assim, o núcleo da estrutura sintática da oração, os constituintes 
remanescentes são, ou adjuntos, ou apostos. Os constituintes segundo seu relato e na 
infância são adjuntos, e o constituinte sua irmã mais velha é aposto de a Maria. 
Todas as orações, que formam as frases da língua, são estruturas sintáticas que 
se articulam em torno, ou de uma predicação verbal, ou de uma predicação nominal. 
Portanto, o melhor método para analisar a estrutura sintática das frases de uma língua é 
identificar, primeiramente, o(s) predicador(es) e seu(s) argumento(s). Feito isso, 
classificam-se os constituintes eventualmente remanescentes entre adjuntos e apostos. 
Assim, com base em apenas quatro categorias taxonômicas, é possível analisar a grande 
maioria das estruturas sintáticas da língua. Ficam de fora apenas algumas estruturas 
especiais relativas a uma posição estrutural que se situa à esquerda da oração, na qual 
são inseridos o tópico frasal, as estruturas de focalização, os conectivos oracionais e 
as palavras interrogativas; aos quais podemos acrescentar ainda, como constituintes 
para-sintáticos, o vocativo e as interjeições. Neste capítulo, vamos fazer uma descrição 
detalhada das predicações nominais e verbais. Iniciaremos essa descrição distinguindo 
as situações em que a predicação forma uma oração das situações em que a predicação 
não forma uma oração. Chamaremos as primeiras de predicações nucleares, e as 
últimas de predicações secundárias. 
 
 
1. A predicação como núcleo da estrutura sintática 
 
O principal objetivo da análise gramatical é explicar como combinamos as 
palavras, para formarmos as frases da língua. Como vimos na introdução deste capítulo, 
67 
 
a hipótese central desta análise é que a predicação está na base da formação de 
qualquer frase da língua. A predicação é um processo desencadeado por uma palavra 
relacional denominada predicador. Os verbos são os predicadores por excelência. Por 
exemplo, ao formar uma frase com o verbo ver, o falante tem de necessariamente 
informar duas coisas: (i) o ser vivo que vê e (ii) a coisa vista. Os constituintes que 
fornecem essa informação na frase são os argumentos, enquanto o verbo é o 
predicador. A predicação é conjunto formado pelo predicador e seus argumentos. 
Assim, na frase (14), a forma verbalviu é o predicador e os constituintes Maria e o 
acidente são seus argumentos. 
(14) Maria viu o acidente.
65
 
Adotaremos aqui a seguinte notação, que informa que ver é um predicador 
verbal que seleciona dois argumentos: 
(15) ver [ __ V __ ] 
Para além dos verbos, os adjetivos também podem atuar como predicadores, 
como na frase abaixo: 
(16) Maria era imatura. 
Para formar uma oração a partir do adjetivo imaturo, é preciso informar o ser 
que vai ser qualificado dessa maneira. Assim, na frase (16), Maria é argumento 
externo do predicador nominal imatura, o que é representado pela seguinte notação: 
(17) imatura [ __ N ] 
Nas orações formadas com um predicador nominal, é preciso introduzir uma 
forma verbal, denominada verbo de ligação, mais para introduzir a informação de 
tempo, modo e aspecto, do que para fazer a ligação entre o nome e o adjetivo.
66
 
A denominação predicador nominal equivale a predicador não-verbal, função 
que pode ser desempenhada também por um nome que assume uma função predicativa, 
como na frase abaixo: 
(18) Maria é professora. 
professora [ __ N ] 
 
65 Neste e nos próximos exemplos, o predicador vem em negrito, e o(s) argumento(s), em itálico. 
66 Tanto é assim que, em algumas línguas, como as línguas crioulas, com o valor default da categoria de 
tempo, modo e aspecto (que grosso modo corresponde ao presente do indicativo), o verbo de ligação é 
suprimido como no exemplo abaixo, extraído do caboverdiano, crioulo português falado no arquipélago 
de Cabo Verde: 
(1) Maria bunito. 
Maria é bonita. 
68 
 
Como já dissemos, a predicação é o núcleo da unidade sintática básica da língua: 
a oração. Mas nem sempre uma predicação se manifesta como núcleo de uma oração. 
 
 
2. Predicações Nucleares e Secundárias 
 
Ao contrário da predicação verbal, a predicação nominal nem sempre 
desencadeia uma estrutura sintática oracional. Observemos as frases abaixo: 
(19) A mulher muito inteligente intimida os homens. 
(20) A implosão do prédio ocorreu antes do amanhecer. 
Em (19) o predicador nominal, o adjetivo inteligente, que tem como argumento 
o nome mulher, forma apenas o Sintagma Nominal a mulher inteligente (com a 
aposição do artigo definido a como especificador).
67
 Esse Sintagma Nominal, por sua 
vez, é o argumento externo do predicador verbal intimida. A predicação formada em 
torno da forma verbal intimida é que constitui o núcleo da oração. Nesse caso, a forma 
verbal intimida é o predicador nuclear, enquanto o adjetivo inteligente é um 
predicador secundário. 
O mesmo ocorre na frase (20). O predicador nuclear é a forma verbal ocorreu, 
que seleciona, como argumento externo, o constituinte a implosão do prédio, sendo o 
constituinte antes do amanhecer um adjunto, que trás a informação de quando ocorreu o 
evento referido pelo verbo. Porém, esses dois constituintes, o argumento e o aposto, 
contêm, cada um, uma predicação secundária. O nome implosão requer um argumento 
interno, do prédio (que a tradição gramatical classifica como complemento nominal), o 
que representamos assim: [N __]. O advérbio antes também necessita de um argumento 
interno, do amanhecer, que a tradição gramatical também classifica como complemento 
nominal e pode ser representado pela mesma notação: [N __]. 
Chamamos a atenção para o fato de que nesses casos, o predicador nominal 
seleciona um argumento interno, que fica à direita do predicador, e não um argumento 
externo, que fica à esquerda do predicador, como no caso do adjetivo inteligente. 
 
 
 
 
67 Cf. capítulo anterior. 
69 
 
3. Predicações Nominais 
 
Os predicadores não verbais, ou seja, as palavras relacionais que não são verbos, 
denominadas predicadores nominais, podem pertencer a qualquer uma das seguintes 
classes de palavras: adjetivos, nomes, advérbios e preposições. Qualquer uma dessas 
palavras pode ser um predicador nuclear, ligando-se ao seu argumento externo por meio 
de um verbo de ligação, como exemplificado abaixo: 
(21) Ele é capaz de tudo. 
(22) Eu sou a cura de todos os males. 
(23) João está longe de casa. 
(24) Luísa é contra a sua proposta. 
Sintagmas Nominais e Sintagmas Preposicionados também podem funcionar 
como predicadores nominais, como exemplificado, respectivamente, abaixo: 
(25) João é meu primo de segundo grau. 
(26) Maria está em estado choque. 
A tradição classifica os predicadores nominais nucleares como predicativos do 
sujeito, sendo o sujeito o argumento externo do predicador nominal. 
 
3.1. Estrutura sintática das predicações nominais 
É mais comum que os adjetivos e nomes possam atuar como predicadores 
nucleares – cf. respectivamente (21) e (22), acima. Já os advérbios e as preposições que 
podem atuar como predicadores nucleares – cf. respectivamente (23) e (24), acima – são 
raros. Quando são predicadores, advérbios e preposições formam normalmente 
predicações secundárias. 
Por outro lado, chamamos a atenção para o fato de que, nas frases (21) a (24) 
acima, os predicadores nominais selecionarem tanto um argumento externo, quanto um 
argumento interno, o que representamos com a seguinte notação: [ __ N __ ]. Portanto, 
os predicadores nominais podem ter uma das seguintes configurações: 
(27) [ __ N ] 
(28) [ N __ ] 
(29) [ __ N __ ] 
Os adjetivos e os nomes, como já dissemos, formam mais comumente a 
predicação do tipo [ __ N ], exemplificada assim: 
70 
 
(30) Maria ficou nervosa. 
(31) João já é pai. 
Os adjetivos e nomes que selecionam um argumento interno são minoritários: 
(32) Maria está consciente disso. 
(33) Esta é a resposta às suas críticas. 
Nesses casos, os adjetivos sempre têm dois argumentos – [ __ N __ ], seja ele 
um predicador nuclear – como em (32) –, seja ele um predicador secundário – como em 
(34) abaixo. Já os nomes que selecionam um argumento interno podem receber também 
um argumento externo, numa predicação nuclear – como em (33) –, ou só selecionar um 
argumento interno – [ N __ ] –, como em (35) abaixo, quando funcionam como 
predicadores secundários. 
(34) Ele assumiu uma posição favorável à sua. 
(35) Todos desejam a superação desse impasse. 
Já os advérbios e as preposições, quando são predicadores, normalmente só 
selecionam um argumento interno – [ N __ ] –, funcionando como predicadores 
secundários, como nos exemplos abaixo: 
(36) Pedro chegou depois do chefe. 
(37) Maria assumiu essa posição perante os colegas. 
 
3.2. Estrutura semântica das predicações nominais 
Semanticamente, uma predicação nominal, em princípio, une um termo 
qualificado – o argumento, que a tradição gramatical denomina sujeito de um 
predicado nominal – a um termo qualificador, o predicador nominal – que a tradição 
gramatical denomina predicativo do sujeito. Tomemos como exemplo as frases abaixo: 
(38) João é professor. 
(39) Maria está muito irônica. 
(40) Gilda continua debilitada. 
Nas frases acima, o predicador nominal atua como termo qualificador, 
atribuindo uma condição, uma qualidade ou um estado ao termo qualificado, o seu 
argumento externo. Nesses casos, a predicação nominal pode ser definida como uma 
predicação atributiva. 
Não sendo um predicador, mas apenas o elemento gramatical que expressa os 
valores da categoria tempo, modo e aspecto, o verbo de ligação não impõe qualquer 
71 
 
restrição semântica ao argumento externo (o sujeito), no que diz respeito, por exemplo, 
aos traços [+/- concreto] ou [+/- humano]: 
(41) Maria é morena. 
(42) Esta cadeira é confortável. 
(43) Esse raciocínio é metafórico. 
Ou seja, o termo que restringe a seleção semântica do argumento, numa 
predicação atributiva, é o predicador nominal. Em (41), o adjetivo morena seleciona um 
argumento com o traço semântico [+humano]; já em (42) o adjetivo confortável requer 
um argumento externo com o traço semântico [-animado]; e em (43), o adjetivometafórico só é compatível com um argumento com o traço [-concreto]. A 
incompatibilidade semântica entre o predicador nominal e seu argumento externo 
explica a agramaticalidade das frases abaixo:
68
 
(44) *Maria é confortável. 
(45) *Esta cadeira é metafórica. 
(46) *Esse raciocínio é moreno. 
O fato de o verbo de ligação não atuar como um predicador não significa que 
esse elemento gramatical não tenha um conteúdo semântico próprio, como veremos a 
seguir. 
 
 3.3. Propriedades essenciais e propriedades acidentais 
Em português, os verbos de ligação, por excelência, são os verbos ser e estar. 
Essa oposição lexical entre os verbos ser e estar permite a distinção entre propriedades 
essenciais e acidentais: 
(47) Maria é inteligente. 
(48) Maria está cansada. 
O verbo ser é usado para atribuir uma qualidade que faz parte da própria 
condição do ser, da essência do indivíduo – como em (47). Já o verbo estar é usado para 
atribuir a um indivíduo um estado passageiro, transitório – como em (48). Isso permite 
uma distinção como a apresentada a seguir, que não é possível em muitas línguas:
69
 
 
68 Como dito na apresentação deste livro, a análise aqui desenvolvida se restringe, no que concerne aos 
seus aspectos semânticos, ao plano denotativo da linguagem. A liberdade criativa da linguagem poética, 
não permite uma verificação rigorosa das hipóteses sobre as restrições semânticas da língua. 
69 Em inglês, por exemplo, só há um verbo de ligação, o verbo to be. Assim, às duas frases em português 
corresponde uma única forma possível em inglês, expressa abaixo, que pode assumir um valor semântico 
ou outro, consoante o contexto em que a frase é proferida, ou seja, pragmaticamente: 
(1) Mary is sick. 
72 
 
(49) Maria é doente. 
(50) Maria está doente. 
Em (49) a doença é uma condição permanente e característica da pessoa, ao 
passo que em (50) é um estado transitório. 
 
3.4. Outros verbos de ligação 
Outros verbos podem funcionar como verbos de ligação, expressando uma 
informação aspectual (de duração, reiteração, etc): 
(51) João continua doente. 
(52) João anda nervoso. 
O emprego desses verbos como formas palavras gramaticais se distingue, nos 
planos semântico e sintático, do valor que esses verbos assumem quando são usados 
como palavras lexicais, ou seja, como predicadores verbais plenos: 
(53) João andou muito ontem. 
(54) João continuou o trabalho do seu antecessor. 
 
3.5. Predicações nominais equitativas 
Para além das predicações nominais atributivas, de que vimos tratando até 
aqui, existem as chamadas predicações nominais equitativas, nas quais, ao contrário 
do que ocorre nas predicações nominais atributivas, não há propriamente um termo 
qualificado e um termo qualificado, de modo que os dois termos da equação se 
equivalem e podem se alternar nessas funções, como se vê nos seguintes exemplos: 
(55) A causa do acidente foi a falta de manutenção. 
A falta de manutenção foi a causa do acidente. 
(56) Joaquim é o melhor aluno da turma. 
O melhor aluno da turma é o Joaquim. 
Nos exemplos acima, a inversão dos termos não implica qualquer alteração na 
entoação da frase, diferentemente do que ocorre em uma predicação nominal atributiva: 
(57) A Maria está doente. 
Doente está a Maria. 
Nesse caso, a inversão dos termos, com o termo qualificador vindo antes do 
termo qualificado, é necessariamente acompanhada de uma alteração da entoação da 
frase, que assume um valor contrastivo, de ênfase, como ocorre num diálogo do tipo: 
73 
 
- O João está doente. 
- Não, doente está a Maria. 
 
 
3.6. Predicações nominais sem argumento 
Há frases em que a predicação nominal ocorre sem que o predicador nominal 
selecione um argumento externo, o que se enquadra no que a tradição gramatical 
denomina como orações sem sujeito: 
(58) Era inverno. 
(59) Já são três horas da tarde! 
(60) Foi no tempo da colheita. 
Como podemos ver nos exemplos acima, a predicação nominal sem argumento 
ocorre em frases que se referem a épocas, estações do ano, datas ou horários. Mas é 
possível que esse tipo de frase também ocorra em comentários genéricos sobre uma 
situação em que o falante se encontra: 
(61) É complicado. 
(62) Está difícil. 
Nesses casos, podemos assumir que a predicação nominal também não contém 
argumento. 
 
3.7. Concordância verbal nas predicações nominais 
Normalmente o verbo concorda com o argumento externo (o sujeito), em pessoa 
e número – cf. exemplo (63) abaixo –, contudo, nas predicações nominais, o verbo de 
ligação ser pode concordar com o predicador nominal (o predicativo do sujeito), quando 
este vem no plural, como ocorre em (64): 
(63) Tudo está em ordem. 
(64) No início, tudo são flores. 
 
3.8. Formas alternativas dos predicadores nominais 
Os predicadores nominais podem vir na forma de uma expressão preposicionada 
ou serem introduzidos pela conjunção como: 
(65) Maria está de cama. 
(66) O João era como um irmão pra mim. 
74 
 
4. Predicações Verbais 
 
As predicações verbais são as mais frequentes na língua e podem assumir uma 
das seguintes configurações: 
(67) [ V ] 
(68) [ V __ ] 
(69) [ __ V ] 
(70) [ __ V __ ] 
(71) [ __ V __ __ ] 
Cada uma dessas cinco possíveis configurações da predicação verbal na língua 
pode ser exemplificada, respectivamente, da seguinte maneira: 
(72) Choveu muito ontem. 
(73) Havia três pessoas na sala, no momento da explosão. 
(74) João trabalha muito. 
(75) Maria escreveu um belo poema. 
(76) José entregou o envelope ao funcionário. 
As configurações apresentadas acima definem o que denominamos estrutura 
argumental do verbo. A definição da estrutura argumental é parte da especificação 
gramatical de cada verbo da língua. Semanticamente, os verbos que têm a estrutura 
argumental representada em (67) – [ V ] –, expressam um fenômeno da natureza. Já os 
verbos que têm a estrutura argumental (68) – [ V __ ] –, têm, normalmente um valor 
existencial. Já os verbos que têm uma das estruturas argumentais representadas em (69), 
(70) e (71) expressam, normalmente, um processo orgânico ou psicológico ou uma 
ação. 
 
4.1. Predicações verbais sem argumento [ V ] 
Nas frases que se referem a fenômenos meteorológicos – com representação em 
(67) e exemplo em (72) acima –, o verbo reporta o processo em si, sem qualquer actante 
que pudesse ocupar a posição de argumento. Nesse caso, o verbo não é propriamente 
um predicador, mas não deixa de desencadear o processo sintático que forma uma 
frase/oração na língua, que a tradição gramatical denomina oração sem sujeito. Em 
certas línguas, como o inglês e o francês, um pronome ocupa a posição sujeito: 
(77) It’s raining. 
75 
 
Está chovendo. 
(78) Il pleut. 
Chove. 
Mas não se trata, a rigor, de argumento externo do verbo, mas da expressão 
gramatical da categoria de pessoa do discurso, o que é necessário para tornar a frase 
gramatical. No português, a forma verbal da 3ª pessoa do singular (a forma da não 
pessoa) expressa o valor negativo dessa categoria, ou seja, a forma impessoal do 
verbo. No inglês e no francês, como o verbo praticamente não se flexiona em número-
pessoa,
70
 é necessário colocar sempre um pronome para indicar o valor dessa categoria 
gramatical. Esses pronomes (it e il) são partículas expletivas (ou pronomes 
expletivos), isto é não têm valor referencial (ou informacional), têm apenas um valor 
gramatical. 
 
4.2. Predicações existenciais [ V __ ] 
A representação (68), exemplificada em (73), remete às predicações existências 
canônicas, nas quais o verbo seleciona apenas um argumento interno. A forma canônica 
do verbo existencial em português é o verbo haver, contudo, no Brasil, o verbo ter 
comumente assume essa função: 
(79) Tinha três pessoas na sala, no momento da explosão. 
A tradição gramatical também classifica essas orações como oração sem sujeito, 
sendo o verbo existencialum verbo impessoal, que não deve concordar com seu 
argumento interno, devendo permanecer sempre na 3ª pessoa do singular – a forma do 
verbo não marcada para a categoria pessoa do discurso.
71
 Porém, é comum no português 
do Brasil a construção de frases em que o verbo existencial concorda com o que seria o 
seu argumento interno: 
(80) Haviam três pessoas na sala, no momento da explosão. 
 Nesse caso, fica em questão o estatuto do constituinte três pessoas, pois o verbo 
só concorda com o argumento externo, não com o argumento interno. Poder-se-ia 
 
70 As marcas de pessoa e número que aparecem na escrita do francês não têm, na maioria das vezes, 
correspondência na linguagem falada. 
71 Em inglês, a posição de sujeito, nesses casos, é preenchida por uma partícula locativa – there (lá) –, e o 
verbo existencial to be (ser) concorda com o argumento interno (cf. tradução abaixo): 
(1) There were three people in the room at the moment of the explosion. 
Em francês, a posição de sujeito também preenchida pelo mesmo pronome il, que aparece nas frases que 
se referem a fenômenos meteorológicos, acompanhado da partícula locativa y: 
(2) Il y avait trois personnes dans la salle au moment de l'explosion. 
76 
 
invocar o paralelo com outra predicação existencial da língua, constituída com o verbo 
existir. Nesse caso, a tradição recomenda a concordância do verbo com seu argumento: 
(81) Ainda existem muitas coisas sem explicação na ciência. 
As predicações existenciais com o verbo existir ficam na fronteira entre as 
predicações com apenas um argumento interno – [ V __ ] – e as predicações com apenas 
um argumento externo – [ __ V ]. Essa alternância se verifica em outras estruturas da 
língua, como as frases com o verbo fazer que se referem ao tempo meteorológico ou ao 
tempo decorrido: 
(82) Fez muito calor ontem. 
(83) Faz dois anos que ele partiu. 
De acordo com o padrão normativo do português, o verbo fazer deve assumir, 
nessas construções, a forma impessoal da 3ª pessoa do singular. Porém, no uso corrente 
da língua, o verbo concorda com o constituinte que o segue, o que apontaria para uma 
estrutura argumental do tipo [ __ V ], com a posposição do argumento externo, o 
sujeito: 
(84) Fazem dois anos que ele partiu. 
O contrário ocorre com o verbo dar também usado com referência ao tempo. A 
normatização gramatical recomenda a concordância com argumento, o que pressupõe a 
estrutura argumental [ __ V ] com a posposição do sujeito: 
(85) Já deram três horas. 
Contudo, é comum o emprego do verbo dar nesse contexto com valor impessoal 
– como no exemplo abaixo –, o que apontaria para a estrutura argumental [ V __ ]: 
(86) Já deu três horas. 
Esses casos só vêm a reforçar a ideia de que as fronteiras entre as construções 
predicativas [ V __ ] e [ __ V ] não são muito nítidas, na estrutura gramatical da língua. 
 
4.3. Predicações com apenas um argumento externo [ __ V ] 
Os verbos que selecionam apenas um argumento externo podem ser divididos 
em dois grupos: os verbos agentivos – exemplificados em (87) – e os verbos não-
agentivos
72
 – exemplificados em (88): 
(87) João trabalhou muito. 
(88) Um paciente morreu ontem. 
 
72 Denominados verbos inacusativos no âmbito da Gramática Gerativa. 
77 
 
Verbos como trabalhar selecionam um argumento que é o agente da ação, ou 
seja, o indivíduo efetivamente pratica a ação de trabalhar, trata-se de um ato voluntário. 
Já verbos como morrer selecionam um argumento que não é o agente da ação, mas que 
designa o ser que é a sede de um processo orgânico ou psicológico, denominado 
experienciador. A tradição gramatical classifica indistintamente toda essa classe de 
verbos como verbos intransitivos (ou seja, que não selecionam um argumento interno), 
mas há diferenças que justificam a subdivisão dessa classe de verbos monoargumentais 
em duas subclasses distintas. Em algumas línguas, como o francês e o italiano, que 
expressam o passado concluído (pretérito perfeito) através de uma locução verbal – 
denominada passado composto –, o auxiliar empregado junto aos verbos agentivos é o 
haver – cf. exemplos em (89) –, enquanto que o auxiliar utilizado com os verbos não-
agentivos é o verbo ser – cf. exemplos em (90): 
(89) Jean a travaillé beaucoup. 
Giovanni ha lavorato molto. 
(90) Un patient est mort hier. 
Un paziente é morto ieri. 
No português brasileiro, os sujeitos dos verbos não-agentivos tendem a ser 
pospostos ao verbo, sem que ocorra a concordância verbal: 
(91) Até agora só apareceu três candidatos. 
Assim, os verbos não-agentivos aproximam-se do verbo existencial existir e 
ficam no espaço indistinto da fronteira entre as predicações [ __ V ] e [ V __ ], já 
referido acima 
 
4.4. Predicações com um argumento externo e um interno [ __ V __ ] 
Os verbos com essa estrutura argumental são os mais numerosos na língua. 
Nesses casos, o verbo pode se ligar diretamente ao seu argumento interno, sendo 
denominado pela tradição gramatical verbo transitivo direto – cf. exemplo (92) –, ou a 
ligação entre o verbo e seu argumento interno pode ser feita por meio de uma 
preposição, o que tradição gramatical denomina verbo transitivo indireto – cf. 
exemplo (93), em que o argumento interno ajuda é regido pela preposição de: 
(92) Maria comeu o bolo todo. 
(93) João precisa de ajuda. 
78 
 
Incluímos nessa classe os chamados verbos de movimento – cf. exemplos em 
(94) –, que a tradição gramatical classifica como verbos intransitivos e a Gramática 
Gerativa classifica como verbos inacusativos. 
(94) Luísa foi ao teatro. 
Maria saiu de casa ontem. 
João ainda não chegou em casa. 
Assumimos que os verbos de movimento têm a estrutura argumental [ __ V __ ], 
em função de sua carga semântica: (i) quem vai, vai a algum lugar; (ii) quem chega, 
chega em algum lugar; (iii) quem sai, sai de algum lugar; e assim por diante.
73
 
Por fim, vamos chamar a atenção para os verbos de posse e os verbos locativos, 
exemplificados, respectivamente, em (95) e (96): 
(95) João tem dois irmãos. 
(96) Três pessoas estavam na sala, no momento da explosão. 
Semanticamente, esses verbos se aproximam dos verbos existenciais, tanto que 
as frases acima podem ser parafraseadas, respectivamente, da seguinte maneira: 
(97) Há duas pessoas no mundo que são irmãs do João. 
(98) Havia três pessoas na sala, no momento da explosão. 
Ou seja, ter um irmão não implica o ato de possuir. É possível que a pessoa nem 
tenha consciência da existência de um irmão seu. Do mesmo modo, o verbo estar em 
(96) indica mais a existência do que o ato de estar em algum lugar. 
Há, entretanto, frases em que esses verbos de posse e locativos têm uma carga 
semântica mais condizente com a dos verbos transitivos, como nos exemplos abaixo: 
(99) João tem uma casa de praia. 
(100) Dois alunos ficaram na sala, após o fim da aula. 
Em (99), o verbo ter refere-se ao ato consciente e voluntário de possuir alguma 
coisa; assim como o verbo ficar, em (100) expressa a ação consciente e voluntária de 
permanecer em um lugar. Portanto, os verbos de posse e locativos, ora exibem uma 
natureza semântica de verbo transitivo, ora exibem uma natureza semântica de verbo 
existencial. 
 
 
 
 
73 A relação entre a carga semântica do verbo e sua estrutura argumental será tratada na subseção 4.6. 
abaixo. 
79 
 
4.5. Predicações com um argumento externo e dois argumentos internos 
[ __ V __ __ ] 
Por fim, o predicador verbal pode selecionar um argumento externo e dois 
argumentos internos (sendo classificados como verbos transitivos diretos e indiretos 
ou verbos bitransitivos), exibindo a seguinte estrutura argumental: [__ V __ __ ]. 
Nessa predicação, o primeiro argumento interno liga-se diretamente ao verbo sem a 
interveniência de uma preposição, ao passo queo segundo argumento interno tem de ser 
regido por uma preposição. 
Nas estruturas em que o segundo argumento expressa o destinatário da ação 
verbal, a preposição tradicionalmente empregada na língua é preposição a; sendo que, 
no português brasileiro, é crescente a substituição dessa preposição pela preposição 
para nesse contexto. Esse grupo, por sua vez, se divide em dois subgrupos. O primeiro é 
constituído pelos verbos dativos, tais como: dar, doar, entregar, fornecer etc. O 
segundo grupo é constituído pelos verbos discendi: dizer, contar, relatar, pedir etc. 
Esses dois subgrupos podem ser exemplificados, respectivamente, com as seguintes 
frases:
74
 
(101) João entregou o documento ao / para o funcionário.
75
 
(102) Luísa disse a verdade aos / para os pais. 
Por outro lado, há estruturas na língua que são simetricamente opostas a essas, 
exemplificadas em frases do tipo: 
(103) O meliante tomou o doce da criança. 
(104) O menino ouviu bons conselhos do avô. 
Nesses casos, o segundo argumento vem sempre regido pela preposição de. 
Há ainda as predicações com três argumentos, em que o segundo argumento 
interno tem um valor locativo, pois o processo verbal se refere ao ato de colocar 
alguma coisa em algum lugar. Fazem parte desse grupo verbos tais como: pôr, colocar, 
depositar, inserir, etc. A frase abaixo é um exemplo dessa predicação: 
(105) Maria pôs a chave na gaveta. 
 
74 Como uma variante do primeiro grupo, temos ainda as frases formadas com verbos como dedicar, 
devotar, etc; em que o destinatário pode ser uma causa ou uma atividade fim, como podemos ver nos 
exemplos abaixo: 
(1) Dedicou sua vida à luta pela liberdade. 
(2) João dedica todo tempo livre ao estudo. 
75 Para uma melhor visualização, os argumentos internos virão sublinhados a partir de agora. 
80 
 
Nesses casos, o segundo argumento vem sempre regido pela preposição em. Para 
esse tipo de predicação também há uma construção invertida, com o segundo argumento 
sendo igualmente regido pela preposição de: 
(106) João tirou a chave do bolso. 
O segundo argumento com valor locativo pode ser regido também pela 
preposição a/para, em frases do tipo: 
(107) A enfermeira conduziu o paciente à sala de radioterapia. 
(108) Um carro-forte transportou o dinheiro do pagamento para a 
sede da empresa. 
Com esse tipo de verbos, o segundo argumento, ao invés de ter um valor 
locativo, pode representar o destinatário do processo verbal: 
(109) Joana levou a encomenda a /para os avós. 
Há ainda os casos de predicação com dois argumentos internos em que o 
segundo argumento vem regido pela preposição com: 
(110) A menina dividiu o lanche com os colegas. 
(111) Vou falar do seu caso com o diretor. 
No plano semântico, o segundo argumento dessas predicações tem caráter 
semelhante ao das predicações dativas, ou seja, representam o DESTINATÁRIO ou o 
BENEFICIÁRIO do processo expresso pelo verbo. 
Por fim, há os casos das predicações de verbos, como trocar e preferir, que 
subcategorizam dois argumentos internos que têm ambos o papel temático de TEMA,
76
 
como se pode vernos exemplos abaixo: 
(112) João trocou a camisa por uma bermuda. 
(113) Normalmente, preferimos o sofrimento ao desconhecido. 
Nesses casos, o processo verbal envolve duas coisas, seja a troca de uma coisa 
por outra, seja a preferência de uma coisa por outra. No segundo contexto, a relação de 
preferência pode ser reforçada com uma expressão que constitui uma locução 
prepositiva, como exemplificado abaixo: 
(114) Escolheu o mais novo em detrimento do mais velho. 
Portanto, podemos sumarizar essa subseção, afirmando que os verbos com dois 
argumentos internos se distribuem pelas seguintes equações semânticas: 
1. dar/dizer alguma coisa a/para alguém 
 
76 Os papeis temáticos assumidos pelos argumentos do predicador verbal serão tratados com mais 
detalhes, no próximo capítulo. 
81 
 
2. colocar algo/alguém em algum lugar // levar algo/alguém a/para 
alguém/algum lugar 
3. dividir/falar algo com alguém 
4. trocar uma coisa por outra // preferir uma coisa à outra 
As duas primeiras equações têm suas contrapartidas invertidas em estruturas que 
expressam os processos de: 
1a. tirar alguma coisa de alguém // ouvir alguma coisa de alguém 
2a. retirar/trazer algo/alguém de algum lugar 
Nas predicações 1 e 3, o verbo expressa um processo de transmissão de uma 
coisa de um ente para outro (algo que alguém dá a outrem, ou algo que alguém diz a 
outrem), sendo o primeiro argumento interno do verbo um constituinte nominal não 
preposicionado que se refere a coisa transmitida, e o segundo argumento interno, um 
constituinte nominal preposicionado, que se refere aquele a quem a coisa é transmitida, 
que pode ser pessoa ou instituição. Na predicação 2, o verbo expressa um processo em 
que uma coisa é posta em algum lugar, ou uma pessoa é conduzida a algum lugar; o 
agente do processo (aquele que põe ou conduz) é expresso pelo argumento externo do 
verbo; o primeiro argumento interno, um Sintagma Nominal que se liga diretamente ao 
verbo sem a interveniência de uma preposição, expressa a coisa posta ou a pessoa 
conduzida; o segundo argumento interno, um sintagma preposicionado, refere-se ao 
lugar em que a coisa é posta ou ao qual a pessoa é conduzida. Por fim, na predicação 4 o 
verbo expressa um processo que envolve duas coisas ou entes distintos, numa relação de 
permuta ou preferência. 
 
 
4.6. Especificação semântica da estrutura argumental dos verbos 
A estrutura argumental do verbo é determinada pela carga semântica desse 
verbo e diz respeito à ação ou processo do mundo real a que ele se refere. Essa 
especificação semântica, que determina a estrutura argumental do verbo, faz parte da 
competência linguística de qualquer falante nativo da língua, de modo que qualquer 
falante sabe intuitivamente a estrutura semântica de cada verbo de sua língua nativa, 
como exemplificado abaixo: 
 Verbo nevar: neva. 
 Verbo existir: existe algo. 
82 
 
 Verbo derrubar: alguém/algo derruba alguém/algo. 
 Verbo doar: alguém doa algo a alguém. 
 Assim sendo, muitos verbos restringem semanticamente os seus argumentos. 
Por exemplo, verbos como ver, pensar, escrever, discordar, entre muitos outros, só 
aceitam como argumento externo um ser vivo, como se pode contatar nos exemplos 
abaixo:
77
 
(112) Maria viu o acidente. 
*A ambulância viu o acidente. 
(113) João só pensa na namorada. 
*A pedra só pensa na chuva. 
(114) João já escreveu o requerimento. 
*A cadeira escreveu uma carta. 
(115) O vendedor discordou do gerente. 
*A árvore discordou da Maria. 
Essa especificação contida no significado referencial do verbo determina a 
seleção semântica dos elementos nucleares da estrutura sintática da oração. 
 
4.7. Variação na estrutura argumental dos verbos 
Em princípio, cada verbo teria somente uma estrutura argumental, definida em 
função de seu conteúdo semântico. Contudo há alguns verbos que admitem mais de uma 
estrutura argumental. Tal é o caso de verbo falar e tratar, como se pode ver nos 
exemplos abaixo: 
(116) Maria já falou com o João. 
(117) O professor falará hoje sobre o Modernismo. 
(118) Ontem a Maria falou de você (com o diretor). 
(119) Você deveria tratar esse ferimento com mais cuidado. 
(120) Os membros do júri não trataram do seu caso. 
(121) Vou tratar do seu problema com o diretor. 
Muitos verbos que a tradição normativa recomenda que sejam usados com um 
argumento interno regido pela preposição a, são usados normalmente como transitivos 
diretos no português do Brasil, como se pode ver nos exemplos abaixo: 
(122) Mais de vinte mil pessoas já assistiram (a) esse espetáculo. 
 
77 Cf. nota 19. 
83 
 
(123) Hoje em dia os filhos não obedecem mais (a)os pais. 
No geral, a variação naestrutura argumental de um dado verbo decorre da gama 
de significados distintos, porém relacionados, que esse verbo pode assumir, o que se 
chama polissemia. Tomemos como exemplo o verbo contar, que pode ser usado com os 
seguintes sentidos: 
(124) João não contou o dinheiro que recebeu do irmão. 
(125) A professora contou uma fábula para os alunos no início da aula. 
Em (124), o verbo contar tem o sentido de ‘computar’ e seleciona um argumento 
interno sem preposição; já em (125), tem o sentido de ‘narrar’ e seleciona dois 
argumentos internos. Assim, o espectro semântico do verbo pode determinar uma 
variação na composição de sua estrutura argumental. 
Além desses, há muitos casos em que o verbo pode admitir mais de uma 
estrutura argumental. O verbo escrever, por exemplo, pode ter a estrutura [ __ V __ ], 
quando se refere ao ato de escrever per se, ou estrutura [ __ V __ __ ], incluindo um 
destinatário em sua estrutura argumental, como exemplificado abaixo: 
(126) João está escrevendo suas memórias. 
João está escrevendo uma carta para a namorada. 
Portanto, o princípio de que cada verbo tem uma e apenas uma estrutura 
argumental, não é geral na língua.
78
 
 
4.8. Predicadores verbais que selecionam como argumento interno uma 
nova predicação 
Alguns verbos podem selecionar como argumento interno uma nova predicação. 
Nesses casos, a predicação encaixada como argumento interno do verbo da predicação 
principal pode ser de natureza nominal e verbal. 
 
4.8.1. Verbos que selecionam como argumento interno uma predicação nominal 
Verbos que se referem ao ato de avaliar alguém ou alguma coisa selecionam 
uma predicação nominal como argumento interno, como podemos ver nos seguintes 
exemplos: 
(127) O tribunal julgou a ação improcedente. 
(128) João acha a Maria inteligente. 
 
78 Essa questão será retomada adiante, na seção 8. 
84 
 
Além do argumento externo, esses verbos selecionam como argumento interno 
uma predicação nominal, o que pode ser representado pelo seguinte notação: 
(129) [ __ V [ __ N ] ] 
Na frase (127), o argumento externo da forma verbal julgou é o tribunal, já o 
argumento interno é composto pelo predicador nominal, o adjetivo improcedente, e seu 
argumento externo, a ação – o mesmo se aplica à frase (128). A tradição gramatical 
classifica o predicador nominal dessas orações como predicativo do objeto direto. 
Assim, os adjetivos improcedente e inteligente seriam os predicativos dos objetos 
diretos a ação e a Maria, respectivamente, em (127) e (128). 
A estrutura formada pelo predicador nominal (o predicativo do objeto) e o seu 
argumento (o objeto direto) constitui uma oração nominal reduzida. Assumimos que 
essas orações nominais são reduzidas, porque elas correspondem a orações nominais 
plenas, formadas com a introdução de um conectivo oracional (que) e um verbo de 
ligação: 
(130) O tribunal julgou que a ação era improcedente. 
(131) João acha que a Maria é inteligente. 
Nessa configuração, a oração como um todo constitui o argumento interno do 
verbo. 
Verbos causativos como fazer e tornar também podem selecionar uma 
predicação nominal como argumento interno: 
(132) João tornou a Maria feliz. 
(133) João fez a Maria feliz. 
Nesses casos, a oração nominal reduzida não pode ser desdobrada em uma 
oração plena: 
(134) *João tornou que a Maria seja feliz. 
(135) *João fez que a ficasse Maria feliz. 
Também verificamos uma variação na forma sintática dos termos da predicação 
nominal encaixada, podendo vir um dos termos regido por uma preposição: 
(136) João fez da Maria uma mulher feliz. 
(137) Eles transformavam lixo em mercadoria. 
O predicador nominal também pode vir precedido pela conjunção como: 
(138) A Maria vê o João como um bom partido. 
(139) Vamos tomar esta amostra como exemplo. 
85 
 
Isso também se verifica quando a predicação nominal constitui uma oração (cf. 
3.8. acima): 
(140) Esses vizinhos eram como membros da família. 
 
4.8.2. Verbos que selecionam como argumento interno outra predicação verbal 
Os verbos que podem selecionar como argumento interno outra predicação 
verbal se distribuem basicamente em dois grupos: os verbos perceptivos (ver, 
observar, escutar, surpreender, etc) e os verbos causativos (mandar, permitir, impedir, 
proibir, etc.), exemplificados respectivamente da seguinte maneira: 
(141) Uma testemunha viu o sequestrador entrando no prédio. 
(142) O professor mandou o João sair da sala. 
A estrutura argumental dessas frases pode ser representada esquematicamente da 
seguinte maneira: 
(143) [ __ V [ __ V __ ] ]
79
 
Assim, o verbo da predicação principal seleciona como argumento interno uma 
oração verbal reduzida, cujo verbo vem na forma do gerúndio – como em (141), em 
que o predicador verbal viu toma como argumento interno a oração reduzida de 
gerúndio o sequestrador entrando no prédio –, ou na forma do infinitivo – como em 
(142), em que o predicador verbal mandou toma como argumento interno a oração 
reduzida de infinitivo o João sair da sala. 
Como ocorre com as orações nominais reduzidas, essas orações verbais 
reduzidas também podem ser desdobradas em orações plenas, com a introdução do 
conectivo oracional e com a forma verbal se flexionando em tempo, modo e aspecto: 
(144) Uma testemunha viu que o sequestrador entrou no prédio. 
(145) O professor mandou que o João saísse da sala. 
Nesses casos também, a oração como um todo passa a ser o argumento interno 
do verbo da predicação principal. 
Com os verbos causativos, uma preposição pode reger a forma verbal da 
predicação encaixada: 
(146) O marido proibiu a Maria de trabalhar. 
 
79 A estrutura argumental da predicação encaixada mudará consoante o verbo empregado: 
(1) Eu vi você nascendo. [ __ [ __ V] ] 
(2) A testemunha viu o acusado entregando um envelope ao policial . [ __ [ __ V __ __ ] ] 
 Em (1), o verbo nascer só seleciona um argumento externo; já em (2), o verbo entregar seleciona um 
argumento externo e dois internos. 
86 
 
(147) O cardeal convenceu o sequestrador a se entregar. 
Nesses casos, alguns verbos admitem uma oração plena como complemento, 
outros não: 
(148) O marido proibiu que a Maria trabalhasse. 
(149) *O cardeal convenceu que o sequestrador se entregasse. 
 
 
5. Predicações Verbo-nominais 
Para além das estruturas descritas em 4.8.1. acima, um predicador verbal se 
combina com um predicador nominal em estruturas do tipo: 
(150) João chegou em casa triste. 
Nesses casos, o predicador nominal não toma como argumento externo o objeto 
direto do verbo da predicação principal – como em 4.8.1. acima –, e sim o mesmo 
constituinte que já é o argumento externo do predicador verbal. Na frase (150), o nome 
João é argumento externo, tanto do verbo chegar, quanto do adjetivo triste. Assim 
sendo, a tradição gramatical classifica esse predicador nominal como predicativo do 
sujeito. Com base nisso, assumimos que, nessas estruturas, as predicações estão 
coordenadas, o que fica claro quando desdobramos a predicação nominal em uma 
oração plena: 
(151) João chegou em casa e estava triste. 
Em (151) temos duas orações coordenadas, e o argumento externo do predicador 
nominal triste é o pronome ele, não realizado foneticamente, mas que é sujeito da 
segunda oração. 
 
87 
 
 
Capítulo 4 
Constituintes Oracionais 
 
 
 
 
 
Como vimos no capítulo anterior, os constituintes da oração são basicamente o 
predicador e seus argumentos, os adjuntos e o aposto. No caso das predicações 
verbais (as mais frequentes na língua), o verbo expressa um evento ou processo, e seus 
argumentos, os actantes desse evento ou processo. Os adjuntos acrescentam 
informações circunstanciais relativamente ao processo expresso pelo verbo; por outro 
lado, em outro nível, expressam um comentário geral sobre a proposição, ou a fonte dainformação contida na oração. O aposto é uma explicação que pode ser agregada a 
qualquer constituinte da oração. 
Semanticamente, os argumentos e os adjuntos adverbiais se distinguem da 
seguinte maneira. Os argumentos se referem a seres, coisas, fenômenos eventos e 
conceitos, ao passo que os adjuntos adverbiais dão informações relativas a lugar, tempo, 
modo, intensidade, causa etc.
80
 Morficamente, os argumentos são constituídos por 
constituintes de natureza nominal, enquanto os adjuntos adverbiais por um constituinte 
de natureza adverbial. Uma dificuldade maior se coloca em face dos constituintes 
nominais preposicionados, que podem figurar, tanto como argumentos, quanto como 
adjuntos. 
Assim, a distinção entre argumentos e adjuntos nem sempre é fácil. Frases como 
(1) e (2) abaixo podem sugerir que os constituintes no comércio e com vendas sejam 
argumentos do verbo trabalhar, com base em raciocínios falaciosos, do tipo: quem 
trabalha, trabalha em algum lugar, ou quem trabalha, trabalha com alguma coisa. 
(1) João trabalha no comércio. 
(2) João trabalha com vendas. 
 
80 Uma exceção são os complementos locativos, que serão tratados na subseção 1.2 deste capítulo. 
88 
 
Na verdade, o verbo trabalhar é normalmente intransitivo, isto é, não seleciona 
um argumento interno, apesar de que frases formadas somente por esse verbo e seu 
argumento (externo) sejam raras na língua, ocorrendo apenas em situações 
pragmaticamente bem específicas. Entretanto a naturalidade de frases, como (3), em que 
muito não pode ser obviamente tomado como argumento interno de trabalha – dado o 
seu caráter eminentemente adverbial –, revelam caráter predominantemente intransitivo 
do verbo trabalhar. 
(3) João trabalha muito. 
Em face desses problemas, vamos propor dois procedimentos analíticos, para 
distinguir os argumentos dos adjuntos. Em primeiro lugar, vamos tomar 
axiomaticamente a tipologia da predicação verbal apresentada na seção 4 acima, 
segundo a qual o verbo pode ter, no máximo, três argumentos – um externo e dois 
internos. Além disso, vamos propor o princípio da projeção estrita. Segundo esse 
princípio, a estrutura argumental de um verbo é definida por sua carga semântica 
essencial. Tomemos como exemplo a seguinte frase: 
(4) João fugiu do stress da cidade para a vida tranquila do campo. 
Como identificar o(s) argumento(s) dessa frase? Recorrendo à significação 
essencial do verbo fugir: quem foge, foge de alguém, ou de algo. Assim, os argumentos 
da frase (4) são: João e do stress da cidade. O constituinte para a vida tranquila do 
campo é um adjunto adverbial. 
Outro caso interessante é o de verbos como sentar(-se) e deitar(-se). Frases 
como (5) e (6) podem sugerir que esses verbos selecionam um argumento interno: quem 
senta, senta em algum lugar; quem se deita, se deita em algum lugar. 
(5) Maria sentou no chão mesmo. 
(6) João deitou-se no sofá, para descansar depois do almoço. 
Porém, vamos assumir aqui que a significação essencial desses verbos 
concentra-se no movimento de sentar e deitar, analogamente ao que ocorre com verbos 
como agachar(-se) e ajoelhar(-se). O local onde se senta ou se deita não integra o 
núcleo da carga semântica do verbo. Consequentemente, esses verbos devem ser 
classificados como intransitivos, e o constituinte locativo que eventualmente os 
acompanhar deve ser classificado como adjunto adverbial de lugar. 
Apesar da coerência e da consistência da adoção desses dois procedimentos 
analíticos, reconhecemos que não há na língua uma fronteira sempre nítida entre 
argumentos e adjuntos, devendo-se pensar sempre em um continuum, com uma zona de 
89 
 
interseção entre os dois conjuntos. Além disso, deve-se reconhecer também o fenômeno 
da flutuação na transitividade verbal, da qual falaremos agora. 
Verbos como trabalhar, correr e estudar são normalmente intransitivos como se 
pode ver nas frases abaixo: 
(7) João trabalha muito. 
(8) Maria estudou com Pedro ontem. 
(9) Luísa corre sempre pela manhã. 
Contudo, esses mesmos verbos podem selecionar um argumento interno em 
alguns contextos. Na frase (10) abaixo, nesse projeto é argumento interno de estou 
trabalhando. Podemos considerar de modo análogo, astronomia, em (11), e a Maratona 
de Nova York, em (12). 
(10) Estou trabalhando muito nesse projeto. 
(11) Maria vai estudar astronomia. 
(12) O João já correu a Maratona de Nova York. 
Se alguns verbos normalmente intransitivos podem funcionar eventualmente 
como verbos transitivos, o inverso também ocorre. Verbos como comer e beber são 
transitivos, ou seja, selecionam um argumento interno, o que é determinado por sua 
significação essencial: (i) quem como come alguma coisa; (ii) quem bebe, bebe alguma 
coisa. Isso pode ser exemplificado da seguinte maneira: 
(13) João comeu três pedaços do bolo. 
(14) Maria bebeu dois copos d’água. 
Porém, esses verbos são empregados frequentemente sem argumento interno em 
frase do tipo: 
(15) João come bem. 
(16) Maria quase não bebe. 
Nesse contexto, o verbo comer assume a significação de ‘alimentar-se’, e o 
verbo beber, a significação de ‘ingerir bebida alcoólica’. 
Portanto, ocorre uma flutuação na estrutura argumental de alguns verbos, no que 
concerne à seleção de seu argumento interno. Um fenômeno relacionado a isso é a 
ocorrência de falsos argumentos, exemplificados a seguir: 
(17) Os nativos dançavam uma dança frenética. 
(18) Naquela tarde chovia uma chuvinha rala. 
Nessas frases, os constituintes uma dança frenética e uma chuvinha rala 
apresentam-se como argumentos internos dos verbos dançar e chover respectivamente. 
90 
 
Entretanto, não obstante sua forma, esses constituintes têm um valor adverbial, como se 
pode ver nas paráfrases apresentadas abaixo: 
(19) Os nativos dançavam freneticamente. 
(20) Naquela tarde chovia ligeiramente. 
Em face disso, esses constituintes são classificados como falsos argumentos, 
pois têm forma de argumento, mas valor de adjunto adverbial. 
 
 
1. Argumentos do verbo 
 
Os elementos que saturam a predicação verbal, os argumentos, dividem-se em: 
argumento externo e argumento(s) interno(s). O argumento externo é o primeiro que 
aparece na fórmula da predicação, antes do verbo. O(s) argumento(s) interno(s) 
figura(m) na fórmula da predicação, após o verbo. O verbo pode selecionar, no máximo, 
um argumento externo e dois argumentos internos. Na classificação sintática tradicional, 
o argumento externo corresponde ao sujeito do verbo, e os argumentos internos, aos 
objetos ou complementos verbais. 
A estrutura sintática composta pelo verbo e seus argumentos está intimamente 
relacionada ao conteúdo semântico que tal predicação expressa, numa relação estreita 
entre forma e conteúdo. Assim, podemos dizer a estrutura sintática formal, denominada 
estrutura argumental do verbo, está dialeticamente relacionada a seu conteúdo 
semântico, que pode ser formalizado através do que se denomina grade temática do 
verbo. Tomemos a seguinte frase como exemplo: 
(21) Ontem, na festa, João beijou Maria. 
Em sua estrutura argumental, o verbo subcategoriza o constituinte João como 
seu argumento externo, que desempenha a função sintática de sujeito; e o constituinte 
Maria como seu argumento interno, que desempenha a função de objeto direto, o que 
é formalizado em (22). No plano semântico, a grade temática do verbo beijar atribui o 
papel temático de AGENTE a João (aquele que pratica a ação expressa pelo verbo 
voluntariamente) e o papel temático de PACIENTE a Maria (aquele que sofre a ação 
expressa pelo verbo), o que é formalizado abaixo, em (23): 
(22) beijar [ ___SUJ V ___OD ] 
(23) beijar { AGENTE ____ PACIENTE } 
91 
 
A seguir, vamos descrever a função sintática e os papeis temáticos do 
argumento externo, na subseção 1.1.; e as funções sintáticas e os papeis temáticos do(s) 
argumento(s) interno(s), na subseção1.2. 
 
1.1. Argumento externo 
Sintaticamente, no plano da estrutura argumental, o argumento externo 
desempenha a função sintática de sujeito, aquele constituinte que normalmente precede 
o verbo, especificando os traços de pessoa e número que, em línguas flexivas, como o 
português, o verbo deve exibir, flexionando-se adequadamente, no que a tradição 
gramatical denomina concordância verbal. Semanticamente, de acordo com a grade 
temática do verbo, o argumento externo pode designar o ente que, voluntária ou 
involuntariamente, desencadeia a ação ou o processo expresso pelo verbo, como 
exemplificado, respectivamente em (24) e (25) abaixo; mas pode designar também o ser 
que é sede de um processo psíquico ou fisiológico, como exemplificado em (26), ou 
ainda, excepcionalmente, o sujeito pode vir a se referir ao ente que sofre a ação expressa 
pelo verbo, como exemplificado em (27). 
(24) Maria escreveu um belo ensaio. 
(25) O calor derreteu a fiação. 
(26) Essa planta está murchando. 
(27) João apanhou dos colegas na escola. 
Como foi dito acima, essas diferentes formas como o ente referido pelo sujeito 
atua no processo ou ação expressa pelo verbo define o seu papel temático. 
 
1.1.1. Papeis temáticos do sujeito 
Em (24) acima, o verbo escrever seleciona um argumento externo (Maria), ao 
qual atribui o papel temático de AGENTE, e um argumento interno (um belo ensaio), ao 
qual atribui o papel de TEMA – cf. representação da grade temática em (28). Em (25), o 
verbo derreter seleciona um argumento externo (O calor), ao qual atribui o papel 
temático de FONTE, e um argumento interno (a fiação), ao qual atribui o papel de 
PACIENTE – cf. representação da grade temática em (29). Em (26), o verbo murchar 
seleciona somente um argumento externo (Essa planta), ao qual atribui o papel temático 
de EXPERIENCIADOR – cf. representação da grade temática em (30). Em (27), o 
verbo apanhar seleciona um argumento externo (João), ao qual atribui o papel temático 
92 
 
de PACIENTE, e um argumento interno (os colegas na escola), ao qual atribui o papel 
de AGENTE – cf. representação da grade temática em (31). [Veja a definição dos 
papeis temáticos no BOX abaixo] 
(28) escrever { AGENTE ____ TEMA } 
(29) derreter { FONTE ____ PACIENTE } 
(30) murchar { EXPERIENCIADOR ____ } 
(31) apanhar { PACIENTE ____ AGENTE } 
Portanto, o argumento externo, o sujeito, pode assumir vários papeis temáticos, 
conquanto a tradição gramatical faça referência, no mais das vezes, ao papel de 
AGENTE da ação expressa pelo verbo. 
A diferença no papel temático do sujeito tem implicações na configuração da 
oração, o que reforça a relação entre o nível semântico e o nível sintático. Podemos 
destacar, por exemplo, que, nas orações com sujeito que recebe o papel temático de 
EXPERIENCIADOR, a inversão verbo-sujeito é mais frequente do que nas orações em 
que o sujeito recebe o papel temático de AGENTE, como se pode ver nas frases abaixo: 
(32) As crianças brincaram ontem no jardim. 
(33) Nasceram três crianças ontem, nesta maternidade. 
A inversão verbo-sujeito é mais natural na frase (33), cujo argumento externo 
três crianças tem o papel temático de EXPERIÊNCIADOR, do que seria em (32), cujo 
sujeito exerce a função de AGENTE do processo a que verbo se refere. 
 
Definição dos papeis temáticos desempenhados pelos argumentos do verbo 
A classificação dos argumentos verbais por papeis temáticos busca capturar a função do ente a 
que se refere cada argumento no processo expresso pelo verbo. Trata-se de uma classificação 
de base semântica, mas que tem implicações no plano da sintaxe. Há na literatura linguística, 
muitas propostas de classificação por papeis temáticos, que variam, tanto no número, quanto 
na definição dos papeis temáticos. Essa variação nas análises só reflete as dificuldades com 
que a análise linguística se depara no plano do significado. Em nossa análise, vamos adotar a 
seguinte lista de papeis temáticos: AGENTE, FONTE, EXPERIENCIADOR, TEMA, 
PACIENTE, DESTINATÁRIO e LOCATIVO. Abaixo, apresentamos uma definição sumária 
de cada papel temático assumido nesta análise, acompanhada de um exemplo. 
AGENTE Definição: refere-se ao ente que voluntariamente desencadeia o 
processo expresso pelo verbo; contém, em sua carga semântica, o 
93 
 
traço [+animado]. 
Exemplo: Maria comprou um vestido novo. 
FONTE Definição: refere-se ao ente que involuntariamente desencadeia o 
processo expresso pelo verbo; contém, em sua carga semântica, o 
traço [-animado]. 
Exemplo: O vento derrubou a barraca. 
EXPERIENCIADOR Definição: refere-se ao ente no qual ocorre um processo psíquico ou 
biológico expresso pelo verbo; contém, em sua carga semântica, o 
traço [+animado]. 
Exemplo: Meu gato de estimação adoeceu ontem. 
PACIENTE Definição: refere-se ao ente que atingido física ou psicolgicamente 
pelo processo expresso pelo verbo; pode ser um ser animado ou 
inanimado. 
Exemplo: João agrediu a Maria, ao final da reunião. 
TEMA Definição: refere-se ao ente ao qual o processo expresso pelo verbo 
se refere, sem ser afetado diretamente por esse processo; pode ser um 
ser animado ou inanimado. 
Exemplo: O João só pensa em dinheiro. 
DESTINATÁRIO
81
 Definição: refere-se ao ente ao qual alguma coisa material ou verbal 
é transmitida; normalmente, contém, em sua carga semântica, o traço 
[+animado]. 
Exemplo: Maria já deu a ração aos animais. 
LOCATIVO Definição: refere-se ao local onde alguma coisa é posta ou para onde 
alguém é conduzido. 
Exemplo: Os enfermeiros já levaram o paciente para a sala de 
cirurgia. 
 
 
1.1.2. A função sintática do argumento externo e concordância verbal 
Ainda no que concerne ao significado, mas já no plano da estrutura gramatical, o 
sujeito está associado à expressão da categoria gramatical pessoa do discurso. Essa 
categoria faz parte da programação linguística da espécie humana, ou seja, integra a 
 
81 Na literatura linguística, esse papel temático também é denominado BENEFICIÁRIO. 
94 
 
Gramática Universal (GU), logo está presente, de alguma forma, na estrutura gramatical 
de qualquer língua humana. Em qualquer língua, a referência verbal a um processo 
específico deve estar associada a uma das pessoas do discurso: aquele que fala, ou 
primeira pessoa; aquele que ouve, ou segunda pessoa; ou um terceiro ente, externo à 
interação verbal, ou terceira pessoa. A categoria pessoa está associada à categoria 
número. Assim, temos: a primeira pessoa do plural, a referência ao falante e outra(s) 
pessoa(s); a segunda pessoa do plural, a referência aos ouvintes; e a terceira pessoa 
do plural, a referência a pessoas ou coisas que não estão interagindo no ato ilocutório.
82
 
A expressão dessa categoria gramatical pode-se dar por meio de um pronome 
que ocupa a posição de sujeito, ou por meio da flexão verbal, ou ainda por esses dois 
meios simultaneamente. O inglês e o chinês dispõem basicamente dos pronomes 
pessoais para dar essa informação na frase, já o espanhol e o italiano, usam 
precipuamente a flexão verbal, embora disponham também de pronomes pessoais 
sujeito. Situação análoga à dessas últimas é a que encontramos no português, fazendo 
com que a categoria de pessoa do discurso se expresse simultaneamente pela presença 
de um pronome sujeito e pela flexão verbal, como nas formas fixadas no período 
clássico da língua, conservadas até os dias atuais pela tradição gramatical e apresentadas 
no quadro a seguir: 
 
1ª pessoa do singular eu trabalho 
2ª pessoa do singular tu trabalhas 
3ª pessoa do singular ele trabalha 
1ª pessoa do plural nós trabalhamos 
2ª pessoa do plural vós trabalhais 
3ª pessoa do plural eles trabalham 
 
Nesse paradigma, o verbo assumia uma forma específica para cada pessoa do 
discurso (sendo a forma da 3ª pessoa do singular a forma não marcada, ou seja, a única 
que não exibe um morfema flexional paraindicar a informação de pessoa e número),
83
 o 
que tornava dispensável a presença do pronome sujeito. 
O uso do pronome sujeito nos casos em que se quer enfatizar essa informação é 
uma característica de boa parte das línguas que evoluíram do latim (uma língua 
 
82 Ver seção 4.2. do Capítulo 2. 
83 Os morfemas flexionais das demais pessoas do discurso estão em negrito no quadro acima. 
95 
 
amplamente flexiva), como o espanhol e o italiano atuais. Situação semelhante é 
encontrada em Portugal, que mantém esse paradigma de flexão verbal, à exceção da 2ª 
pessoa do plural, em função da perda do vós e da forma verbal correspondente. 
Já é distinta a situação do português brasileiro, pois, para além do vós, o tu caiu 
em desuso em boa parte do território brasileiro e a forma a gente predomina sobre o nós 
na linguagem oral, na maioria das regiões do país. Como essas formas inovadoras – 
você(s) e a gente – se conjugam com as formas verbais não marcadas da 3ª pessoa, 
houve uma sensível redução na flexão verbal, como se pode ver no quadro abaixo: 
1ª pessoa do singular eu trabalho trabalhava 
2ª pessoa do singular você trabalha trabalhava 
3ª pessoa do singular ele trabalha trabalhava 
1ª pessoa do plural a gente trabalha trabalhava 
2ª pessoa do plural vocês trabalham trabalhavam 
3ª pessoa do plural eles trabalham trabalhavam 
 
Nesse paradigma, o verbo só incorpora dois morfemas flexionais, sendo que, a 
rigor, só a 1ª pessoa do singular dispõe de um morfema privativo, que só figura em dois 
tempos verbais – o presente do indicativo e o pretérito perfeito. Com essa configuração, 
o português brasileiro exibe um paradigma de flexão verbal “mais pobre” que o francês, 
uma língua românica em que a presença do pronome sujeito é obrigatória. Contudo, o 
português brasileiro ainda permite a construção de frases sem a presença do pronome 
sujeito, com exemplificado abaixo: 
(32) Fomos à praia ontem e nos divertimos bastante. 
Apesar de admitir frases com o chamado sujeito nulo, a frequência de emprego 
do pronome sujeito no português brasileiro é bem superior à observada nas demais 
línguas românicas que admitem a ausência do sujeito, como o italiano e o espanhol, 
bem como do português de Portugal. Com isso, os brasileiros, sobretudo na linguagem 
informal, não seguem o preceito da tradição gramatical de só empregar o pronome 
sujeito nos casos de ênfase. 
Na variedade popular da língua no Brasil, aquela empregada por boa parte da 
população que não tem acesso à escolaridade, o nível de emprego do mecanismo da 
concordância verbal é ainda muito baixo, sendo preservado somente, em relação à 1ª 
pessoa do singular, como se pode ver no quadro abaixo: 
96 
 
1ª pessoa do singular eu trabalho 
2ª pessoa do singular tu trabalha 
3ª pessoa do singular ele trabalha 
1ª pessoa do plural nós trabalha 
2ª pessoa do plural vocês trabalha 
3ª pessoa do plural eles trabalha 
 
Pesquisas sociolinguísticas sobre a fala de comunidades rurais isoladas das 
regiões mais pobres do país (como a região nordeste) constataram que a frequência de 
emprego de formas verbais flexionadas (e.g., nós trabalhamos e vocês/eles trabalham) 
não passa de 20%. Ou seja, em cada dez frases produzidas por esses falantes, apenas em 
duas o mecanismo da concordância verbal se faz presente, embora a falta de 
concordância verbal, como exemplificado em (33) abaixo, sofra uma forte condenação 
social. 
(33) Nós pega os peixe. 
O estigma social que se abate sobre essas construções, típicas da linguagem 
popular brasileira, resultam de uma atitude discriminatória e preconceituosa, que não 
tem qualquer fundamento linguístico ou científico. Um paradigma flexional similar a 
esse é encontrado, por exemplo, na língua inglesa (como se pode ver no quadro 
comparativo abaixo), que é hoje o idioma mais valorizado no mundo. Nos dois 
paradigmas, somente uma pessoa tem uma marca flexional própria: no português 
popular do Brasil é a 1ª pessoa do singular (trabalho); no Inglês, a 3ª pessoa do singular 
(works). Se isso não compromete o poder de expressão da língua inglesa, nem a impede 
de ser veículo do saber formal, o mesmo se aplica ao português popular do Brasil. 
 
Português Popular Inglês 
eu trabalho I work 
tu trabalha You work 
ele trabalha He/she/it works 
nós trabalha We work 
vocês trabalha You work 
eles trabalha They work 
 
97 
 
O que ocorre é que as línguas humanas dispõem, basicamente, de dois 
mecanismos gramaticais para expressar a categoria de pessoa e número na oração: a 
flexão verbal e a presença do pronome sujeito. Como se pode ver no quadro abaixo, 
línguas como o italiano expressam essa informação gramatical através da flexão do 
verbo, o que inibe a presença do pronome sujeito, que acaba tendo nessas línguas um 
valor mais lexical, do que gramatical; já línguas como o inglês, expressam essa 
informação gramaticalmente através da presença obrigatória do pronome sujeito. 
 
Italiano Inglês 
lavoro I work 
lavori You work 
lavora He/she/it works 
lavoriamo We work 
lavorate You work 
lavorano They work 
 
Uma situação ainda mais idêntica ao do português popular do Brasil é a do 
chinês, que não tem flexão verbal de pessoa e número, e admite o sujeito nulo. Mais 
uma vez, essa característica estrutural da variedade linguística não constitui um óbice ao 
desenvolvimento, pois a China é o país que experimenta o maior nível de crescimento 
econômico no mundo contemporâneo. 
Portanto, no português brasileiro, a informação gramatical de pessoa e número 
pode ser dada, ora pela flexão verbal, ora pela presença de um pronome sujeito. E 
muitas vezes, sobretudo na comunicação oral, essa informação pode não ter uma forma 
gramatical na frase, sendo capturada pragmaticamente, pelas informações não verbais, 
sempre disponíveis na situação de interação verbal, ou por relações co-textuais que o 
ouvinte pode estabelecer, independentemente de uma sinalização linguística explícita na 
oração. 
 
1.1.3. Sujeito não referencial 
Como vimos acima, o verbo pode não selecionar um argumento externo. É o que 
acontece com os verbos que indicam fenômenos meteorológicos (cf. seção 4.1. do 
capítulo anterior). Verbos como chover e ventar não requerem, em sua grade temática, 
98 
 
um AGENTE, ou, mais precisamente, uma FONTE, para o processo do mundo real a 
que se referem se desencadeie. A questão que se coloca, então, é se haveria uma posição 
para o argumento externo nesses casos. A observação de línguas como o inglês sugere 
que sim, na medida em que um pronome expletivo (it) ocupa a posição de sujeito nas 
orações com esses verbos, como exemplificado em (34) abaixo. Já no português 
brasileiro, essa posição tem de ficar obrigatoriamente vazia – cf. (35) –, sendo a 
presença de um pronome expletivo agramatical – cf. (36).
84
 
(34) It´s raining a lot. 
(35) Está chovendo muito. 
(36) *Ele está chovendo muito. 
Seria o caso de pensar na existência de um sujeito não referencial, que não teria 
uma forma fonética em algumas línguas, mas que teria em outras. Dessa forma haveria 
sempre uma posição argumental de sujeito na estrutura argumental do verbo – [ __ V ] –
, mesmo no caso desses verbos, que não têm um sujeito referencial, para receber um 
papel temático.
85
 Porém, adotaremos aqui uma interpretação formal distinta dessa. 
Manteremos a posição de que, na estrutura argumental dos verbos que indicam 
fenômenos meteorológicos e de verbos existenciais, como haver (cf. seção 4.2. do 
capítulo anterior), não há a posição de argumento externo, ou seja, de sujeito. A 
presença de uma partícula expletiva, aparentemente na posição de sujeito, em línguas 
como inglês, não passaria de uma expressão gramatical obrigatória da categoria de 
pessoa e número, não se podendo ver, a rigor, nessas marcas gramaticais, a expressão de 
um sujeito sintático. Tanto é assim que, em línguasem que a categoria de pessoa e 
número é expressa gramaticalmente pela flexão verbal, a posição de sujeito não pode ser 
preenchida. É o caso do português, língua em que esses chamados verbos impessoais 
(como chover e haver) devem vir sempre na 3ª pessoa do singular, que é, na verdade, a 
forma verbal não marcada para pessoa (cf. seção anterior). Portanto, ratificamos a 
formalização das estruturas argumentais dos verbos que indicam fenômenos 
meteorológicos e de verbos existenciais, apresentadas, respectivamente, nas seções 4.1. 
e 4.2. do capítulo anterior, quais sejam: [ V ] e [ V __ ]. Com isso, mantemos a devida 
simetria entre a grade temática e a estrutura argumental dos predicadores verbais. O 
 
84 Em variedades dialetais de Portugal, é admitida a presença desse pronome expletivo, de modo que essa 
frase não seria agramatical nessas variedades dialetais portuguesas. 
85 Essa é a posição assumida pela Gramática Gerativa. 
99 
 
verbo só abre uma posição argumental na estrutura sintática se atribui a essa posição 
um papel temático no plano da significação referencial. 
 
1.1.4. Indeterminação do sujeito 
O constituinte que ocupa a posição do sujeito (assim como todos os constituintes 
que possuem um núcleo nominal) pode-se referir a indivíduos, como exemplificado em 
(37), ou a uma espécie, gênero ou classe de indivíduos, como exemplificado em (38):
86
 
(37) A Maria respeita muito o avô. 
(38) As pessoas devem respeitar os mais velhos. 
Gramaticalmente, o português dispõe de uma partícula o pronome se para 
expressar a indeterminação do sujeito – cf. exemplificado em (39) –, o que se 
denomina também sujeito de referência arbitrária. Para além do se, outros pronomes 
pessoais podem assumir essa referência genérica, para além da referência específica 
em que são normalmente empregados. Tal é o caso do você e do nós ou a gente, como 
se pode ver, respectivamente, nos exemplos (40) a (42): 
(39) Vive-se mais quando se vive com moderação. 
(40) Você sempre deve evitar conflitos desnessários. 
(41) Devemos respeitar os mais velhos. 
(42) A gente deve respeitar os mais velhos. 
As frases (39) a (42) não se referem a uma pessoa específica, mas aos seres 
humanos em geral. Em orações reduzidas que se articulam em torno de uma forma 
verbal não finita, como as em destaque nos exemplos (43) e (44), pode-se postular 
também a existência de um sujeito de referência arbitrária que não tem expressão 
fonética.
87
 
(43) Vivendo com moderação, vivemos mais. 
(44) É proibido fumar nesta sala. 
A língua é forma, portanto, em frases em que o se funciona como índice de 
indeterminação do sujeito (segundo a terminologia da tradição gramatical), podemos 
postular que o sujeito formal dessas orações é o pronome se, que assume aí o valor 
nominativo, em oposição ao valor acusativo que assume quando funciona como 
pronome reflexivo ou recíproco (cf. seção 1.2.5. abaixo). Nesses casos, o verbo vem 
 
86 Ver seção 5.1. do Capítulo 2. 
87 Esse sujeito recebe o rótulo PRO na análise gerativista, em oposição ao rótulo pro, atribuído aos 
sujeitos nulos de referência específica. 
100 
 
sempre na 3ª pessoa do singular, como ocorre em (39) acima. Porém, a gramática 
normativa postula que, com os verbos transitivos diretos, o se tem outro valor, o de 
partícula apassivadora, indicando que o verbo estaria na voz passiva.
88
 De acordo 
com a análise tradicional, a frase (45) corresponderia à frase (46), sendo está última 
classificada como voz passiva analítica, enquanto aquela seria a voz passiva sintética. 
(45) Cumpriu-se o prazo estabelecido. 
(46) O prazo estabelecido foi cumprido 
Em face dessa correspondência entre as frases (45) e (46), o sujeito da oração 
(45) seria, não o se, mas o Sintagma Nominal o prazo estabelecido, assim como ocorre 
em (46). Com base nisso, a gramática normativa prescreve que o verbo deve concordar 
com esse constituinte, quando estiver no plural, como ocorre em (47): 
(47) Cumpriram-se todos os prazos estabelecidos no edital. 
Porém, essa análise não é consensual, mesmo na tradição gramatical.
89
 E, se ela 
reflete a intuição de pelo menos uma parte dos falantes de alguma época pretérita da 
língua, hoje ela entre em flagrante conflito com a percepção da maioria dos usuários da 
língua no Brasil, mesmo os chamados cultos, que percebem o se sempre como índice de 
indeterminação do sujeito, mesmo com os verbos transitivos diretos, de modo que não 
fazem a concordância prescrita pela tradição normativa, como exemplificado em (48), 
que soa mais natural para os brasileiros do que a frase (47): 
(48) Cumpriu-se todos os prazos estabelecidos no edital. 
 
1.2. Argumentos internos 
Na análise das orações formadas com verbos transitivos (aqueles que selecionam 
um argumento externo e um ou dois argumentos internos), uma questão que se põe é: 
com qual dos dois lados o verbo estabelece uma relação mais íntima? Com o argumento 
externo que o precede ou com o(s) argumento(s) interno(s) que a ele se segue(m)? 
Adotamos aqui a hipótese de que, no processamento sintático-semântico da 
oração, o verbo une-se primeiramente a seu(s) argumento(s) interno(s). Esse conjunto 
constituído pelo verbo e seu(s) complemento(s) forma uma unidade sintática que, por 
sua vez, se combina, em seguida, com o argumento externo, o sujeito do verbo. Isso fica 
 
88 A voz passiva será tratada no próximo capítulo. 
89 Gramáticos da estatura de um Said Ali, por exemplo, da primeira do século XX, opuseram-se a tal 
visão, defendendo que o se seria sempre índice de indeterminação do sujeito independentemente da 
transitividade do verbo. 
101 
 
claro, por exemplo, com um verbo como quebrar. Esse verbo define a sua significação 
através da relação com seu argumento interno, para depois selecionar um argumento 
externo. Ao combinar-se, por exemplo, com o SN o copo, o verbo assume um 
significado que requer um sujeito AGENTE, cf. exemplo (49). Mas, ao combinar-se 
com o SN a perna, o conjunto formado passa a requerer um sujeito 
EXPERIENCIADOR, cf. exemplo (50): 
(49) João quebrou o copo. 
(50) João quebrou a perna. 
Esquematicamente, a relação do verbo com seus argumentos pode ser 
representada, então, da seguinte maneira: 
(51) [ ___ [ V ___ ___ ] ] 
Esse fato é também percebido pela gramática tradicional, que define o 
argumento interno como complemento verbal, ou seja, o constituinte que completa o 
sentido do verbo. O sentido final do verbo só se atualiza na oração com a presença de 
seu(s) complemento(s), o que pode alterar até sua estrutura argumental, como ocorre, 
por exemplo, com o verbo contar. Na frase (52), o verbo contar tem o sentido de 
‘computar’ e só seleciona um argumento interno; já na frase (53), o verbo assume o 
sentido de ‘narrar’, relacionando-se a dois argumentos internos. 
(52) João não contou o dinheiro. 
(53) João contou a verdade à Maria. 
Como já foi visto acima, quando o verbo seleciona apenas um argumento 
interno, este pode-se ligar diretamente ao verbo, ou vir regido por uma preposição. 
Quando o verbo seleciona dois argumentos internos, o primeiro normalmente liga-se 
diretamente ao verbo, enquanto o segundo vem regido por uma preposição. O papel 
temático assumido pelo argumento interno está parcialmente relacionado à sua posição 
sintática. 
 
1.2.1. Os papéis temáticos dos argumentos internos 
Quando o verbo seleciona somente um argumento interno, este assume 
normalmente o papel temático de PACIENTE – cf. exemplo (54) – ou TEMA – cf. 
exemplo (55). No primeiro caso, o ente referido pelo argumento interno é diretamente 
afetado pela ação ou processo expresso pelo verbo, o que não ocorre quando o 
argumento interno tem o papel de TEMA (para uma definição dos papeis temáticos, 
veja-se o BOX acima). 
102 
 
(54) A ventaniadestelhou algumas casas. 
(55) João sonha com uma casa de praia. 
Uma outra relação interessante que se pode observar entre o nível semântico e o 
nível sintático decorre do fato de que, geralmente, os argumentos internos que têm o 
papel de PACIENTE (ou seja, no plano referencial, são afetados diretamente pela ação 
expressa pelo verbo) ligam-se diretamente ao verbo, enquanto os que têm o papel de 
TEMA (ou seja, não são diretamente afetados pela ação expressa pelo verbo) vêm 
regidos por uma preposição, não se ligam diretamente ao verbo também no plano da 
forma. As correntes funcionalistas da análise linguística contemporânea buscam 
explicar essa relação por meio do princípio da iconicidade, segundo o qual haveria 
uma relação direta entre forma e sentido na estruturação da língua. A preposição serviria 
para expressar a relação indireta do objeto com a ação verbal; já sua ausência 
expressaria melhor a forma como a ação verbal afeta o ente referido pelo argumento 
interno. Porém, trata-se apenas de uma tendência geral, que admite muitas exceções, 
como se pode ver nas frases abaixo: 
(56) João bateu na Maria. 
(57) Eu imaginei outra coisa. 
Em (56), o argumento interno tem o papel temático de PACIENTE, pois é 
diretamente afetado pela ação expressa pelo verbo, porém é regido pela preposição em. 
Já em (57) ocorre o contrário, o argumento interno, que não é afetado pela ação verbal, 
assumindo o papel de TEMA, liga-se diretamente ao verbo. 
Mais raramente, o argumento interno pode assumir o papel temático de FONTE 
– cf. exemplo (58) –, ou até mesmo AGENTE – cf. exemplo (59). Em ambos os casos, 
esse argumento vem regido por uma preposição. 
(58) A radiação está emanando do reator da usina. 
(59) O vizinho apanhou da mulher ontem. 
Quando o verbo seleciona dois argumentos internos, em uma estrutura dativa ou 
discendi, o primeiro argumento assume normalmente o papel de TEMA, enquanto o 
segundo, o papel de DESTINATÁRIO, tendo como referência, normalmente, seres 
humanos, como exemplificado abaixo:
90
 
(60) João deu uma rosa à namorada. 
(61) O avô contava histórias para as crianças. 
 
90 Todas as possíveis configurações dos verbos que selecionam dois argumentos internos são apresentadas 
na seção 4.5. do capítulo anterior. 
103 
 
Por fim, os verbos de movimento selecionam um argumento interno que 
expressa um lugar, como exemplificado em (62), nesses casos o argumento interno 
assume o papel temático LOCAL. Esse também é o papel temático do segundo 
argumento dos verbos do campo semântico de pôr ou de conduzir, que selecionam dois 
argumentos, como exemplificado em (63): 
(62) Luísa viajou para São Paulo ontem. 
Não passamos por Itabuna ainda. 
Maria foi à padaria logo cedo. 
(63) Coloque sempre as chaves nesta gaveta. 
Vou levar você pra casa. 
Portanto, considerando todos os papeis temáticos que os argumentos internos 
podem assumir, podemos pensar que a relação entre o conteúdo semântico (papel 
temático) e a forma (estrutura sintagmática – Sintagma Nominal ou Sintagma 
Preposicionado) dos argumentos internos poderia ser explicada por outro princípio 
distinto do princípio da iconicidade – o princípio da economia. Como o papel temático 
mais comum do argumento interno é o de PACIENTE , essa seria, normalmente, a 
forma não marcada (sem preposição). Ao assumir papeis temáticos menos frequentes 
(particularmente, os papeis de FONTE, AGENTE, DESTINATÁRIO e LOCAL), o 
argumento interno viria marcado por uma preposição. 
 
1.2.2. Funções sintáticas dos argumentos internos 
Na estrutura dativa ou discendi, o primeiro argumento, que se liga diretamente 
ao verbo e tem o papel de TEMA, desempenha a função de objeto direto (OD) do 
verbo; o segundo argumento, o DESTINATÁRIO, regido pela preposição a ou para, a 
função de objeto indireto (OI), como exemplificado acima em (60) e (61), e 
representado pelo seguinte esquema: 
(64) dar contar etc [ ___SUJ V ___OD ___OI ] 
Entretanto, a tradição gramatical também classifica como OI todos os 
argumentos internos regidos por preposição, mesmo quando esse constituinte é o único 
argumento interno do verbo, como os exemplificado abaixo: 
(65) Ela gosta de mim. 
O João só pensa na Maria. 
Antes de morrer, clamou por piedade. 
Nunca briguei com esse funcionário. 
104 
 
Porém, é necessário fazer uma distinção no conjunto de argumentos internos 
regidos por preposição. Nas frases (60) e (61), o constituinte preposicionado é o 
segundo argumento interno, é regido pela preposição a/para, tem o papel de 
DESTINATÁRIO, com o traço semântico [+humano], e pode ser substituído por um 
clítico, como se vê abaixo: 
(66) João deu-lhe uma rosa. 
(67) O avô contava-lhes histórias. 
Já os argumentos preposicionados das frases apresentadas em (65) têm o papel 
de TEMA ou PACIENTE, podem se referir a seres animados ou inanimados, são 
regidos pelas preposições de, em, por e com e não podem ser substituídos por um 
clítico, como se vê abaixo: 
(68) *Ela gosta-me. 
*O João só lhe pensa. 
*Antes de morrer, clamou-lhe. 
*Nunca lhe briguei. 
Assim, consideramos falha a classificação tradicional, que agrupa sob o mesmo 
rótulo, objeto indireto, elementos de natureza diversa, como constatamos aqui. Por isso, 
vamos fazer a distinção entre objeto indireto e complemento oblíquo. Serão 
classificados como objeto indireto apenas os argumentos regidos pela preposição 
a/para, com papel temático de DESTINATÁRIO e que podem ser cliticizados. Além 
dos verbos que selecionam dois argumentos, o OI também pode completar o sentido de 
verbos que selecionam apenas um argumento interno, como exemplificado em (69) 
abaixo. Sendo um OI, esse constituinte também pode ser cliticizado: 
(69) A proposta agradou a você? 
A proposta lhe agradou? 
Todos os demais argumentos internos regidos por preposição, como os 
apresentados em (65), serão classificados como complemento oblíquo, exceto os que 
têm o papel temático de LOCAL, que serão classificados como complemento locativo. 
Os complementos locativos completam o sentido dos verbos de movimento 
(denominados também verbos locativos) – como exemplificado em (62) acima, ou 
funcionam como segundo argumento dos verbos do campo semântico de pôr ou de 
conduzir – cf. exemplo (63) acima. Os complementos locativos podem ser regidos pelas 
preposições a, para, em, de e por, como exemplificado abaixo: 
(70) Maria foi à feira. 
105 
 
(71) Júlia vai viajar para a Europa, na próxima semana. 
(72) Deposite o dinheiro nesta conta. 
(73) João quase não sai de casa. 
(74) Nós vamos passar pela Bélgica. 
Aqui novamente, nos apartamos da tradição gramatical, que classifica esses 
constituintes como adjunto adverbial de lugar. O critério usado tradicionalmente é de 
base semântica: todos os constituintes que expressam informação de tempo, modo, 
lugar, causa etc são classificados como adjunto adverbial. Porém, em nossa análise, 
prevalece o parâmetro da predicação, da seleção semântica do verbo. Os chamados 
verbos de movimento requerem um argumento que expressa lugar, assim: quem vai, vai 
a algum lugar; quem viaja, viaja para algum lugar; quem deposita, deposita algo em 
algum lugar; quem sai, sai de algum lugar; quem passa, passa por algum lugar; e assim 
por diante. A prevalência desse parâmetro da seleção semântica do verbo impõe a 
classificação desses constituintes como complementos verbais, e não como adjuntos 
adverbiais. 
Por um processo de abstração comum na língua, verbos tradicionalmente 
utilizados para indicar localizações espaciais podem ser empregados, num nível mais 
abstrato, em planos temporais ou conceituais, como exemplificado abaixo: 
(75) A Idade Média vai da queda do Império Romano do Ocidente, em 
476, até a tomada de Constantinopla pelos turcos, em 1453. 
(76) O filme vem do Surrealismo e passeia por grandes nomes da 
história do cinema. 
Também nesses casos,trata-se de complementos locativos. 
 
1.2.3. Supressão do argumento interno 
Muitas vezes, os argumentos verbais não vêm expressos na oração, ou porque já 
foram referidos anteriormente, como em: 
(77) Não posso consultar esse livro porque já devolvi pra biblioteca. 
Ou porque o processo verbal é referido em si mesmo, não sendo relevante 
explicitar o seu objeto, como em:
91
 
(78) João comeu bem. 
Maria pensa demais. 
 
91 Isso será retomado na próxima seção. 
106 
 
 
1.2.4. Pronomes complemento 
O mecanismo sintático da pronominalização permite que os argumentos 
internos sejam expressos por pronomes pessoais, demonstrativos, possessivos e 
indefinidos que têm, ou um valor dêitico,
92
 ou anafórico, ou catafórico. Um elemento 
gramatical anafórico é aquele que é correferente (isto é, refere-se ao mesmo ente do 
mundo real) de um constituinte já expresso anteriormente no discurso – cf. 
exemplificado em (79). Já o elemento catafórico é o que é correferente de um termo 
que ainda será enunciado no ato verbal – cf. exemplo (80):
93
 
(79) O João ofendeu a Maria. Eu confirmo isso. 
(80) Só lhe digo isto: desista dessa ideia. 
Os pronomes pessoais, que expressam as distinções relativas às pessoas do 
discurso, ainda exibem a propriedade da flexão de caso, isto é, assumem uma forma 
diferente, conforme a função sintática que desempenham na oração, como se pode ver 
no quadro abaixo, que toma por referência o elenco dos pronomes apresentados pelas 
gramáticas normativas: 
SUJEITO OD OI OBL ADVERBIAL 
eu me me mim comigo 
tu te te ti contigo 
ele o/a lhe si consigo 
nós nos nos nós conosco 
vós vos vos vós convosco 
eles os/as lhes si consigo 
 
A gramaticalização das expressões nominais você e a gente como pronomes da 
segunda pessoa e da primeira pessoa do plural, respectivamente, produziu significativas 
alterações na forma dos pronomes complementos, já que essas expressões não se 
flexionam em caso, como se pode ver no quadro abaixo, que representa melhor as 
formas pronominais de uso corrente no Brasil: 
SUJEITO OD OI OBL ADVERBIAL 
eu me me mim comigo 
 
92 As partículas gramaticais dêiticas expressam distinções relativas ao local (aqui, lá etc), ao momento 
(agora, amanhã, depois etc), ou aos participantes do ato de fala (eu, você, este, aquele etc). 
93 Cf. seção 4.2. do Capítulo 2. 
107 
 
você você, te e lhe você, te e lhe você você 
ele/ela o/a e ele/ela lhe e ele/ela ele/ela ele/ela 
a gente a gente a gente a gente a gente 
vocês vocês e lhes vocês e lhes vocês vocês 
eles/elas os/as e eles/elas lhes e eles/elas eles/elas eles/elas 
 
No português brasileiro contemporâneo, a flexão de caso só não foi afetada na 
primeira pessoa do singular. O uso do você levou a uma perda da flexão de caso em 
relação à 2ª pessoa, já que essa forma nominal não exibe tal propriedade – cf. exemplo 
(81). Entretanto, o você alterna com a forma complemento te, correlata do tu – cf. 
exemplo (82); o que contraria a tradição de que ao você deveriam corresponder as 
formas da 3ª pessoa: o/a, lhe e si e consigo. Já o desaparecimento quase completo do 
clítico acusativo (o/a) na linguagem coloquial, no Brasil, fez com que o lhe fosse 
empregado na função de OD (ou seja, com valor de acusativo) – cf. exemplo (83) –, 
além de ser empregado normalmente com o valor de dativo (OI) – cf. exemplo (84).
94
 
O mesmo vale para o si e o consigo, que só são empregados em algumas construções 
específicas, predominado o uso do você nessas funções – cf. exemplos (85) e (86). Na 
segunda pessoa do plural, o vocês substituiu completamente o vós (claramente um 
arcaísmo hoje no Brasil), com as mesmas implicações morfossintáticas – cf. frases 
apresentadas em (87). 
(81) Você me viu ontem no teatro, mas eu não vi você. 
Você me pediu, mas eu não disse a você o número do meu 
celular. 
(82) Você me viu ontem no teatro, mas eu não te vi. 
Você me pediu, mas eu não te disse o número do meu celular. 
(83) Você me viu ontem no teatro, mas eu não lhe vi.
95
 
(84) Você me pediu, mas eu não lhe disse o número do meu celular. 
(85) Você só pensa em si! 
Você só pensa em você! 
(86) Ela não quer sair consigo. 
 
94 No Brasil, o lhe se refere normalmente à 2ª pessoa do discurso (o ouvinte), na linguagem falada. 
Porém, pode-se referir também a 3ª pessoa do discurso, na linguagem escrita, ou na linguagem falada, em 
um contexto favorável, como exemplificado abaixo: 
(1) Maria conversou longamente com a mãei, mas não lhei contou a verdade. 
95 A forma padrão, nesse caso, seria: “Você me viu ontem no teatro, mas eu não a/o vi.” 
108 
 
Ela não quer sair com você. 
(87) Vocês me viram ontem no teatro, mas eu não vi vocês. 
Vocês me pediram, mas eu não disse a vocês o número do meu 
celular. 
Vocês me viram ontem no teatro, mas eu não lhes vi.
96
 
Vocês me pediram, mas eu não lhes disse o número do meu 
celular. 
Vocês só pensam em si! 
Vocês só pensam em vocês! 
Ela não quer sair com vocês. 
A perda do clítico acusativo fez também com que o ele/ela praticamente 
deixasse de se flexionar em caso no discurso informal, tanto no singular, quanto no 
plural, como se pode ver nas frases em (88), com exemplos apenas no singular. Além 
disso, o pronome complemento da 3ª pessoa (no singular ou no plural) é frequentemente 
suprimido, especialmente quando não se refere a entes inanimados – cf. exemplo (89). 
Nesses casos, postula-se a existência de uma categoria vazia (CV), que expressa a 
presença implícita daquele argumento interno.
97
 
(88) A Maria me viu ontem no teatro, mas eu não vi ela. 
A Maria me pediu, mas eu não disse pra ela o número do meu 
celular. 
Já combinei com a Maria e vou com ela pra festa. 
(89) Eu queria comprar esse livro/esses livros, mas não comprei 
___CV. 
O a gente, por sua origem nominal, também é empregado, sem qualquer 
alteração em sua forma, em todas as funções sintáticas – cf. exemplo (90). Entretanto, é 
possível que a forma a gente, na função de sujeito, se combine com formas flexionadas 
do nós nas funções de complemento verbal ou adjunto adverbial – cf. exemplo (91). 
(90) A gente viu a Maria ontem no teatro, mas ela não vi a gente. 
A Maria pediu um favor pra gente. 
A Maria vai pra festa com a gente. 
(91) A gente viu a Maria ontem no teatro, mas ela não nos vi. 
 
96 A forma padrão, nesse caso, seria: “Você me viu ontem no teatro, mas eu não as/os vi.” 
97 O português de Portugal se distingue do português brasileiro, pelo uso regular do clítico acusativo de 3ª 
pessoa nesse contexto: 
(1) Eu queria comprar esse livro/esses livros, mas não o/os comprei. 
109 
 
A gente encontrou com a Maria e ela nos contou essa história. 
A gente já combinou com a Maria, e ela vai conosco. 
Portanto, a propriedade da flexão de caso, que o português conservou do latim 
apenas nos pronomes, encontra-se atualmente no Brasil em um amplo processo de 
variação, no sentido de sua simplificação. 
 
1.2.5. Pronomes reflexivos/recíprocos e expletivos 
As línguas humanas dispõe de um elemento gramatical, o pronome 
reflexivo/expletivo, utilizado quando o AGENTE e o PACIENTE da ação verbal são o 
mesmo ente. Na 3ª pessoa, esse pronome (com a forma se) é distinto do complemento 
(o/a/os/as) – cf. exemplos (92) e (93). Na 1ª e na 2ª pessoa, o reflexivo/recíproco não 
tem uma forma específica – cf. exemplos (94) a (97). 
(92) O João já se cortou com essa faca. 
(93) O João e Maria se beijaram na festa. 
(94) Eu já me cortei com essa faca. 
(95) Nós nos beijamos com paixão. 
(96) Já te cortaste com essa faca. 
(97) Crescei e multiplicai-vos. 
Ao longo da história da língua, o pronome reflexivo pode perder seu valor 
referencial, tornando-se um pronome expletivo – cf. exemplos (98) e (99). Nesses 
casos, opronome passa a ser parte integrante do verbo, o que a tradição gramatical 
denomina verbo pronominal. Isso significa que, no léxico mental do falante, não existe 
um verbo apaixonar ou suicidar, que pode se combinar com um pronome reflexivo no 
processo de constituição da oração, como ocorre com os verbos cortar e ver, por 
exemplo. O falante aprende esses verbos como apaixonar-se e suicidar-se, tanto que, se 
falta o pronome – cf. exemplos (100) e (101) –, a frase soa agramatical para a maioria 
dos falantes brasileiros.
98
 
(98) Eu me apaixonei pela Maria. 
(99) O João não se suicidou, foi assassinado! 
(100) *Eu apaixonei pela Maria. 
(101) *O João não suicidou, foi assassinado! 
 
98 Uma exceção são os falantes do chamado dialeto mineiro, que aceitam normalmente essas frases como 
gramaticais. 
110 
 
Entretanto, nem sempre é fácil distinguir quando o pronome tem valor 
referencial (ou seja, é reflexivo) ou não tem carga semântica (é expletivo), como se 
pode ver nos seguintes casos: 
(102) Maria se sentou na cabaceira da mesa. 
(103) Maria se penteava demoradamente. 
Nesses casos, vamos adotar aqui a seguinte posição. No caso dos verbos que 
expressam movimentos do corpo (como sentar-se, levantar-se, deitar-se etc), vamos 
classificar o pronome como expletivo, levando em conta que nesses casos 
frequentemente o pronome pode ser suprimido sem comprometer o sentido da frase – cf. 
exemplo (104). Já com verbos como pentear, que selecionam mais comumente um 
argumento interno – cf. exemplo (105) –, vamos classificar o pronome como reflexivo. 
(104) Maria sentou na cabaceira da mesa. 
(105) Maria penteou o filho com esmero. 
 
 
2. Adjuntos 
 
Os adjuntos são constituintes que se agregam ao núcleo da oração, formado pelo 
predicador e seus argumentos, acrescentando informações de seguinte natureza: 
(i) sobre as circunstâncias em que se deu o evento referido; 
(ii) sobre a fonte da informação transmitida; 
(iii) um comentário geral sobre o que foi dito. 
As informações do tipo (i) são dadas por constituintes que são classificados 
como adjuntos adverbiais, já as informações dos tipos (ii) e (iii) são dadas por 
constituintes que classificaremos aqui como adjuntos adfrasais. Tomando como 
exemplo a frase (106), para além do verbo (colocou) e seus argumentos (um policial, um 
envelope e no bolso da vítima), temos o constituinte segundo a testemunha, que 
funciona como adjunto adfrasal, e os constituintes sorrateiramente e logo após o 
acidente, que funcionam como adjuntos adverbiais. 
(106) Segundo a testemunha, um policial colocou um envelope 
sorrateiramente no bolso da vítima, logo após o acidente. 
111 
 
Os adjuntos também podem ser usados em predicações nominais, como se pode 
ver na frase (107) abaixo, em que felizmente é o adjunto adfrasal e ontem e durante a 
reunião são os adjuntos adverbiais. 
(107) Felizmente, a Maria foi muito ponderada ontem, durante a 
reunião. 
Enquanto a informação dada por um argumento é requerida pelo predicador 
empregado na frase, a informação dada por um adjunto é de certa forma opcional, 
decorrendo do nível de detalhamento que o falante quer dar à informação transmitida 
pela frase. 
 
2.1. Adjuntos adverbiais 
Como vimos, os adjuntos adverbiais expressam informações circunstanciais 
sobre o evento, processo físico ou orgânico, estado etc expresso na oração. Essas 
informações são classificadas tradicionalmente, pelo seu conteúdo, da seguinte maneira: 
Tempo 
(108) João voltará ao trabalho amanhã. 
Modo 
(109) Maria dormia profundamente. 
Intensidade 
(110) João come pouco. 
Lugar 
(111) As crianças brincavam atrás do galpão. 
Causa 
(112) Ele não lhe cumprimentou por timidez. 
Instrumento 
(113) Ela cortou o pão com a tesoura. 
Companhia 
(114) Maria foi ao cinema com o namorado. 
Condição 
(115) Luísa sairá de casa se for aprovada no concurso. 
Finalidade 
(116) Evitei esse assunto para que o João não ficasse constrangido. 
112 
 
Contudo, a gama de informações coberta pelos adjuntos adverbiais é 
demasiadamente ampla e diversificada, de modo que qualquer classificação de base 
semântica será sempre incompleta e imprecisa. 
Como se pode ver nos exemplos acima, os constituintes que desempenham a 
função de adjunto adverbial podem ser: (i) um advérbio – cf. exemplos (108) a (110); 
(ii) um Sintagma Adverbial – cf. exemplo (111); (iii) um Sintagma Preposicionado – 
cf. exemplos (112) a (114); (iv) uma oração – cf. exemplos (115) e (116). 
 
2.2. Negação 
 A rigor, a partícula de negação não não deveria integrar o elenco dos adjuntos 
adverbais, pois trata-se de uma partícula gramatical que tem um comportamento muito 
específico e diferenciado, assemelhando-se mais a um morfema flexional do verbo – 
uma espécie de prefixo. Esse caráter de afixo gramatical faz com que a sua colocação 
pré-verbal seja praticamente obrigatória, como se pode ver nos exemplos abaixo: 
(117) O João não fez o trabalho. 
(118) *Não o João fez o trabalho. 
(119) *O João fez não o trabalho. 
(120) O João fez o trabalho não. 
A gramaticalidade da frase (120) decorre do fenômeno da dupla negação, que 
ocorre na linguagem oral, no qual a partícula de negação é repetida no final da oração: 
(121) O João não fez o trabalho não. 
Assim, a frase (120) é uma redução da frase (121), ocorrendo o apagamento da 
partícula de negação na primeira posição: 
(122) O João não fez o trabalho não. 
Entretanto, a negação pode ser expressa de outras formas, como, por exemplo, 
por advérbios de tempo com um valor negativo: 
(123) Nunca mais eu vou falar com a Maria. 
(124) O João jamais faria isso. 
Nesses casos, a coocorrência com a partícula de negação é agramatical: 
(125) *Nunca mais eu não vou falar com a Maria. 
(126) *O João jamais não faria isso. 
Exceto, quando o adjunto adverbial de tempo vem após o verbo; 
(127) Eu não vou falar com a Maria nunca mais. 
113 
 
(128) O João não faria isso jamais. 
O mesmo acontece quando a negação é expressa por um quantificador (que a 
tradição gramatical denomina pronome indefinido) que ocupa a posição de argumento 
externo (sujeito) do verbo, como ninguém em (129). Ou seja, a coocorrência com a 
partícula de negação é agramatical – cf. exemplo (130). Porém, quando o quantificador 
que tem valor negativo está modificando o argumento interno do verbo, como ocorre no 
exemplo (131), a coocorrência não é agramatical. 
(129) Ninguém fez o trabalho. 
(130) *Ninguém não fez o trabalho. 
(131) Esse estudante não fez nenhum trabalho.
99
 
 
2.3. Adjuntos adfrasais 
Propomos aqui a categoria de adjunto adfrasal, para distinguir dos adjuntos 
adverbiais os constituintes que se situam normalmente à esquerda da oração, separando-
se desta, muitas vezes, por uma pausa. Essa posição sintática especial seria ocupada por 
constituintes que expressam um juízo de valor sobre o que se diz no corpo da oração – 
cf. exemplo (132) – ou a fonte da informação contida na oração – cf. exemplo (133). 
(132) Infelizmente, a Maria não veio. 
(133) Segundo a matéria do jornal, o acidente ocorreu antes do início 
da cerimônia. 
Excepcionalmente, esses constituintes podem vir no meio ou no final da oração: 
(134) O ladrão, certamente, fugiu pela janela. 
(135) É caso de expulsão, segundo os estatutos da entidade. 
Por outro lado, os adjuntos adverbiais podem vir no início da frase, separados 
dos demais constituintes da oração por uma pausa: 
(136) Na semana passada, não houve aulas. 
(137) Por causa do trabalho, o João brigou com a mulher. 
Os pronomes pessoais que desempenham normalmente a função de objeto 
indireto podem ser empregados com o valor de adjunto adfrasal, como nas seguintes 
frases: 
(138) Não me venda essas ações tão cedo. 
 
99 O purismo gramatical condena construções desse tipo, muito utilizada no português contemporâneo,recomendando a seguinte forma: 
(1) Esse estudante não fez trabalho algum. 
114 
 
(139) Me parece que a Maria anda cansada 
Essas frases podem ser parafraseadas da seguinte maneira: 
(140) Na minha opinião, você não deve vender essas ações tão cedo. 
(141) Pra mim, parece que a Maria anda cansada 
Assim, fica evidenciado o valor de adjunto adfrasal desses pronomes, o que 
levou alguns gramáticos a classificá-los como dativos de opinião ou dativos de 
interesse. 
 
 
3. Aposto 
 
O aposto é um termo parentético que introduz uma explicação sobre qualquer 
constituinte da oração, o aposto pode ser constituído por um Sintagma Nominal – cf. 
exemplo (142) – ou por uma oração relativa explicativa – cf. exemplo (143):
100
 
(142) Aquele funcionário, o João, pode entregar essa encomenda. 
(143) Vou recorrer a Maria, que é especialista nesses assuntos. 
O aposto vem sempre destacado por pausas na linguagem oral, o que a escrita 
representa pelo emprego obrigatório da vírgula, ou de um sinal sucedâneo: travessões, 
parênteses, colchetes, ou mesmo os dois pontos como no exemplo abaixo: 
(144) Isso diz respeito a um dos cinco sentidos: visão, audição, olfato, 
paladar e tato. 
 
 
4. Constituintes parassintáticos 
 
Algumas frases contêm constituintes que não integram a estrutura sintática da 
oração. Esses constituintes parassintáticos seriam o que tradicionalmente se denomina 
como vocativo e interjeição. 
 
4.1. Vocativo 
O vocativo é constituinte através do qual se nomeia o interlocutor: 
(144) Oh, Deus, por que me abandonaste? 
 
100 As orações relativas serão tratadas no Capítulo 6. 
115 
 
(145) Espelho, espelho meu, existe alguém mais bela do que eu? 
 
 
 
 
4.2. Interjeição 
As interjeições são elementos que expressam verbalmente uma exclamação – cf. 
exemplo (146) –, ou a expressão sublinguística de uma emoção em seu estado mais 
bruto – cf. exemplo (147) –, ou ainda uma partícula fática sublinguística – cf. exemplo 
(148). 
(146) Nossa! Como você está pálido! 
(147) Há-há! Te peguei. 
(148) Hum-hum, Claudia, senta aí. 
 
 
116 
 
 
Capítulo 5 
Construções Sintáticas Especiais 
 
 
 
 
 
1. Voz Passiva 
 
A língua oferece a possibilidade de o argumento externo (OD) ser alçado à 
posição de argumento externo, passando a desempenhar a função sintática de sujeito 
que exerce o papel temático de PACIENTE na ação verbal, na chamada voz passiva, 
como exemplificado em (2) abaixo, na frase que corresponde à frase (1), que está na voz 
ativa. Nesse caso, o sujeito da voz ativa figura na voz passiva regido pela preposição 
por, desempenhando a função sintática de agente da passiva. 
(1) João pintou este quadro ontem. 
(2) Este quadro foi pintado pelo João ontem. 
A voz passiva requer uma configuração especial na forma do verbo, denominada 
estrutura passiva,
101
 na qual o verbo ser figura como verbo auxiliar, que se combina 
com a forma do particípio passado do verbo principal. O auxiliar ser concorda em 
pessoa e número com o sujeito (paciente, nesse caso), como ocorre com todos os verbos 
auxiliares nas locuções verbais. Além disso, a forma do particípio passado do verbo 
principal também deve concordar em gênero e número com o sujeito paciente, como 
exemplificado abaixo: 
(3) Todas as encomendas foram conferidas por mim. 
No plano discursivo-pragmático, a voz passiva é uma estratégia muito 
empregada quando a informação do AGENTE da ação verbal não é relevante, como na 
frase (4). Ao ouvir essa frase o ouvinte normalmente não se interroga sobre quem 
resgatou as vítimas do acidente. 
(4) Todas as vítimas do acidente já foram resgatadas. 
 
101 Cf. seção 7.2. do Capítulo 2. 
117 
 
Essa possibilidade muito frequente de supressão do agente da passiva coloca em 
questão a natureza desse constituinte sintático. Seria ele um argumento ou um adjunto 
adverbial? A observação de uma língua como o latim, que exibia flexão de caso nos 
constituintes nominais, pode fornecer evidências empíricas valiosas para elucidar essa 
questão. 
Em latim, o constituinte que exercia o papel de agente da passiva portava 
normalmente as marcas flexionais do chamado caso ablativo, que correspondia ao 
adjunto adverbial. Quando o agente era um ser inanimado, usava-se o ablativo puro, 
sem preposição – cf. exemplos (5) e (6). Quando o agente da passiva era um ser 
animado, usa-se a preposição ab, antes de ablativos começados por vogal – cf. 
exemplo (7) –, ou a variante a, antes de ablativos antecedidos por consoante – cf. 
exemplo (8). 
(5) Auro conciliatur amor. (Ovídio, Ars Amatoria) 
 ‘o amor é obtido pelo ouro’ 
 [amor, nominativo; auro, ablativo (2ª declinação); conciliatur, verbo na passiva] 
(6) Avarus animus nullo satiatur lucro. (Sêneca) 
‘o espírito avarento não é saciado por nenhum lucro’ 
 [Abl.: nullo lucro (2ª declinação); Satiatur: verbo na passiva] 
(7) Ab amicis libenter moneamur. 
‘Sejamos advertidos de boa vontade pelos amigos’ 
[mur é a terminação verbal de passiva] 
(8) Carthago a Romanis deleta est. 
NOM Prep. + ABL Passiva analítica (passado) 
‘Cartago foi destruída pelos romanos’ 
A morfologia do agente da passiva no chamado latim clássico confirma o 
caráter de adjunto adverbial desse constituinte, já sugerida por sua opcionalidade. Essa 
definição reforça o caráter econômico do modelo de análise aqui sistematizado, que 
utiliza apenas quatro categorias analíticas básicas (predicador, argumento, adjunto e 
aposto), como primitivos teóricos, para analisar toda a estrutura sintática da oração. 
Mas antes, trataremos de outras estruturas sintáticas especiais relacionadas à voz 
passiva. 
Além da voz passiva morfologicamente marcada, há outras possibilidades na 
estrutura da língua para alçar o argumento interno à posição de argumento externo, 
como veremos a seguir. 
118 
 
 
2. Construções Ergativas 
 
Em algumas construções sintáticas, um verbo transitivo pode receber um sujeito 
paciente, sem que seja necessária a morfologia passiva, como exemplificado em (9) a 
(11) abaixo. Essas construções são muito frequentes na linguagem coloquial e popular e 
podem ser denominadas construções ergativas, porque nelas o argumento interno (com 
o papel temático de PACIENTE) de um verbo transitivo também é alçado à posição de 
sujeito. 
(9) As vidraças partiram. 
(10) O pneu do carro esvaziou. 
(11) A mandioca colhe no inverno. 
Reparem que, em seu uso normal, esses verbos selecionam um sujeito, que tem o 
papel temático de FONTE ou AGENTE – cf. exemplos (12) a (14) –, e os constituintes 
que nas frases acima ocupam a posição de sujeito desempenham normalmente a função 
de OD. 
(12) O impacto da explosão partiu as vidraças. 
(13) Alguém esvaziou o pneu do carro. 
(14) A gente colhe a mandioca no inverno. 
Quando o verbo vem acompanhado da partícula se em construções desse tipo, 
pode-se postular, aí sim, a existência de uma passiva pronominal, como se verá a 
seguir. 
 
 
3. Passiva Pronominal 
 
Nas frases abaixo, não se pode definir o se como índice de indeterminação do 
sujeito: 
(15) Sete operários se feriram na explosão. 
(16) Os pistões se fundiram com o calor excessivo do motor 
Como vimos na subseção 1.1.4. do capítulo anterior, o se desempenha a função 
de sujeito quando é classificado como índice de indeterminação do sujeito. Entretanto, 
as frases (15) e (16) acima têm um sujeito sintático – sete operários, em (15) e os 
119 
 
pistões, em (16) – que exerce o papel temático de PACIENTE, porque sofre a ação do 
processo referido pelo verbo. Nem podemos dizer que se trata de um pronome reflexivo 
ou recíproco porque, nem os operários se feriram uns aos outros, nem os pistões se 
fundiram por si. O processo de ferir e fundir foi desencadeado por uma fonte externa 
que é referida nas frases em análise pelos constituintes na explosão,em (15); e com o 
calor excessivo do motor, em (16). Porém, conquanto exerçam o papel temático de 
FONTE, esses constituintes têm uma natureza adverbial. 
Com tal configuração estrutural, essas construções são análogas à voz passiva, 
pois têm um sujeito paciente e um constituinte adverbial que corresponde ao agente da 
passiva, só que nesse caso o constituinte, ao invés de exercer o papel temático de 
AGENTE, exerce o papel temático de FONTE. Consequentemente, só nos resta a 
opção de classificar o se, nessas frases, como partícula apassivadora. E essas frases 
podem ser classificadas, então, como passivas pronominais. 
Essa análise se confirma com a relação que podemos estabelecer entre as frases 
(15) e (16) acima com as frases (17) e (18) abaixo; estas seriam as correspondentes 
ativas daquelas. 
(17) A explosão feriu sete operários. 
(18) O calor excessivo do motor fundiu os pistões. 
Observe-se ainda que essas construções que estamos chamando de passivas 
pronominais só são possíveis quando o sujeito da voz ativa tem o papel temático de 
FONTE. Quando o sujeito da voz ativa tem o papel de AGENTE tal conversão para a 
passiva pronominal não é possível, como se pode ver com as seguintes frases: 
(19) Os soldados explodiram o paiol. 
*O paiol explodiu-se com os soldados. 
(20) O ourives funde metais preciosos. 
*Metais preciosos fundem-se no ourives. 
Portanto, conseguimos deslindar mais uma correlação entre o plano semântico 
da grade temática e plano sintático da configuração da oração. Quando o sujeito da voz 
ativa exerce o papel temático de AGENTE, a passiva é formada com a locução verbal 
morfologicamente marcada da estrutura verbal passiva (verbo ser + particípio passado 
do verbo principal), sendo classificada como passiva analítica. Quando o sujeito da voz 
ativa exerce o papel temático de FONTE, a passiva é formada com o recurso à partícula 
gramatical se, que atua nesse caso como partícula apassivadora, numa construção que 
classificaremos aqui como passiva pronominal. No caso da passiva analítica, o 
120 
 
AGENTE, quando vem expresso na frase, é expresso por constituinte introduzido pela 
preposição por, enquanto que, na passiva pronominal, a FONTE é expressa por um 
constituinte introduzido pela preposição com ou pela preposição em. A formação da 
passiva analítica e da passiva pronominal é exemplificada, respectivamente em (21) e 
(22) abaixo: 
(21) Os soldados feriram os manifestantes. 
Os manifestantes foram feridos pelos soldados. 
(22) A explosão feriu os manifestantes. 
Os manifestantes se feriram com a / na explosão. 
Reparem, enquanto a frase com sujeito AGENTE não aceita a construção da 
passiva pronominal – cf. (23) abaixo –, preservando o sentido original de (21),
102
 a frase 
com sujeito FONTE aceita a passiva analítica – cf. (24) abaixo –, não obstante a passiva 
pronominal – cf. (22) acima –, seja mais natural nesses casos. 
(23) *Os manifestantes se feriram com os soldados. 
(24) Os manifestantes foram feridos pela explosão. 
 
 
4. Sujeito Tópico 
 
As frases abaixo têm uma estrutura que revela uma das peculiaridades do 
português brasileiro: 
(25) O carro furou o pneu. 
(26) Salvador tem 365 igrejas. 
(27) Esses pincéis não pintam bem. 
O sujeito sintático dessas frases não corresponde ao papel temático que o verbo 
atribui normalmente ao seu argumento externo, tanto que podemos fazer as seguintes 
paráfrases: 
(28) Algo furou o pneu do carro. 
(29) Tem 365 igrejas em Salvador. 
(30) Não se pinta bem com esses pincéis. 
Nas paráfrases, podemos ver que o constituinte o carro, regido pela preposição 
de, desempenha a função de modificador do constituinte o pneu e que os constituintes 
 
102 A frase (23) é gramatical com o sentido de que os manifestantes se feriram juntamente com os 
soldados, não com o sentido de que os soldados feriram os manifestantes. 
121 
 
Salvador e esses pincéis, regidos respectivamente pelas preposições em e com, 
desempenham a função de adjunto adverbial. Portanto, nas frases (25) a (27), esses 
constituintes são alçados à posição de sujeito, tanto que o verbo concorda com eles, 
como se pode ver claramente em (27), em que o verbo pintar está na 3ª pessoa do 
plural, concordam com o constituinte esses pincéis. Contudo, esse sujeito tem uma 
característica especial, aproximando-se da posição de tópico, uma posição que fica fora 
da estrutura nuclear da oração, no que se chama sua periferia esquerda. Assim, esses 
sujeitos, que ficam no limiar da estrutura da oração, serão classificados como sujeito 
tópico, por sua natureza híbrida entre sujeito e tópico. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
122 
 
 
Capítulo 6 
O Período Composto 
 
 
 
 
 
1. Processos de conexão de orações no período 
 
Podemos classificar os processos de conexão de orações no período em dois 
tipos fundamentais: o encaixamento sintático e o encadeamento lógico-semântico. 
No encaixamento sintático, uma oração se insere na estrutura sintática de outra 
oração. Podemos, então, distinguir os seguintes tipos de encaixamento sintático: 
(i) a oração é encaixada como um argumento do verbo da oração 
principal, ou como um predicativo do sujeito, ou como um aposto, ou 
mesmo como agente da passiva; 
(ii) a oração encaixada liga-se a um nome da oração principal, 
modificando-lhe o sentido, ou acrescentando uma informação à sua 
referência; 
(iii) a oração encaixada acrescenta uma informação circunstancial à 
predicação contida na oração principal. 
O encaixamento sintático corresponde, assim, ao que a tradição gramatical 
denomina subordinação. A subordinação refere-se à dependência de uma oração que 
funciona como termo de outra, donde essa se chama principal, e aquela, subordinada. 
Do mesmo modo, a divisão feita acima, em (i), (ii) e (iii), também corresponde, 
respectivamente, à tradicional divisão das orações subordinadas em substantivas, 
adjetivas e adverbiais. Nesse sentido a subordinação está relacionada a uma 
dependência estrutural e não semântica; ou seja, de forma, não de conteúdo. 
Já no encadeamento lógico-semântico, duas orações formalmente autônomas 
relacionam-se por um nexo lógico de causa, contradição, disjunção, etc. Nesse 
sentido, o encadeamento lógico-semântico corresponderia ao que a tradição gramatical 
123 
 
denomina coordenação: orações estruturalmente independentes que são reunidas em 
uma relação de sentido. 
 
 
1.1. O encadeamento lógico-semântico 
 
Nas chamadas orações coordenadas o nexo lógico-semântico que une as 
orações é normalmente explicitado pela conjunção, como se pode ver a seguir. 
 
Oração Coordenada Aditiva [relação de conjunção] 
(1) João comprou os salgadinhos, e a Maria trouxe o vinho. 
Oração Coordenada Alternativa [relação de disjunção] 
(2) Fale agora, ou cale-se para sempre. 
Oração Coordenada Adversativa [relação de contradição] 
(3) Ele se acha o máximo, mas ninguém o leva a sério. 
Oração Coordenada explicativa [relação de causa] 
(4) Ele não faz muitas amizades, porque é muito arrogante. 
Oração Coordenada conclusiva [relação de consequência] 
(5) Ele é muito tímido, portanto seria incapaz de dizer uma coisa dessas. 
 
Porém, não ocorre uma relação biunívoca entre a conjunção e a relação lógica, 
com se pode ver abaixo: 
(6) Ele mirou o alvo e errou. [relação de contradição] 
Como foi dito acima, o processo de encadeamento lógico-semântico une orações 
estruturalmente independentes, ao passo que, no encaixamento sintático, uma oração é 
inserida na estrutura de outra, sendo dependente dela. Com base nisso, a tradição 
gramatical denomina o primeiro processo de coordenação e segundo de subordinação. 
Mas, como já se viu em outros aspectos da estrutura linguística, a coordenação e a 
subordinação não constituem dois universos apartados, cujos limites são claramente 
delineados. Mais uma vez a ideia de um continuum se mostrauma representação mais 
adequada da realidade da língua, havendo uma zona de transição entre a coordenação e 
a subordinação, como veremos adiante. 
 
124 
 
1.2. O encaixamento sintático 
 
No processo de encaixamento sintático, tradicionalmente chamado de 
subordinação, uma oração é inserida na estrutura de outra, ora desempenhando a função 
de argumento do verbo da oração principal (ou ainda como um predicativo ou um 
aposto, ou mesmo o agente da passiva), ora como um adjunto de um nome da oração 
principal, ora como um adjunto adverbial ou adfrasal. Com base nessa distinção, a 
tradição gramatical divide as orações subordinadas em: substantivas, adjetivas e 
adverbiais. 
 
1.2.1. As orações completivas (ditas subordinadas substantivas) 
As orações que são tradicionalmente classificadas como orações subordinadas 
substantivas são aquelas que são introduzidas por um complementizador, daí serem 
aqui classificadas como completivas.
103
 O complementizador, que a tradição gramatical 
denomina conjunção integrante, é uma partícula gramatical, cuja função é a de 
introduzir uma oração na outra. O caráter gramatical da classe dos complementizadores 
evidencia-se com seu reduzido elenco e sua falta de valor referencial. Em português são 
complementizadores apenas as partículas que e se.
104
 As orações completivas são, 
portanto, orações encaixadas por excelência. Em seu uso mais comum, essas orações 
funcionam como um complemento do verbo da oração principal. Em um tipo de 
construção especial podem funcionar como sujeito do verbo da oração principal. Além 
disso, é possível encaixar orações como complemento de um nome, na posição de 
predicativo, como aposto de um Sintagma Nominal, ou ainda como agente da passiva. 
Dessa forma, as orações completivas podem são classificadas, segundo a sua função, 
como: 
 
Subjetivas 
(7) É preciso que todos prestem muita atenção agora. 
[É preciso muita atenção agora.] 
(8) Consta que ele não fez a prova. 
(9) Foi acordado que os juros não serão pagos. 
 
103 O nome completiva pode ser atribuído ainda ao fato de a oração encaixada completar a predicação da 
oração principal. 
104 A análise do complementizador é retomada na seção 2 deste capítulo. 
125 
 
Objetivas Diretas 
(10) Todos querem que você volte. 
[Todos querem a sua volta.] 
(11) Eu não sei se a Maria já entregou o documento. 
Oblíquas 
(12) Não se esqueça de que você está doente. 
[Não se esqueça da sua doença] 
(13) Aconselho-te a que procures um médico. 
Completivas Nominais 
(14) Ela ressaltou a necessidade de que todos colaborem. 
[Ela ressaltou a necessidade da colaboração de todos.] 
Predicativas 
(15) Meu maior medo era que ele desconfiasse de alguma coisa. 
[Meu maior medo era uma possível desconfiança dele.] 
Apositivas 
(16) Só desejo uma coisa: que sejam felizes. 
[Só desejo uma coisa: a sua felicidade.] 
As glosas dos exemplos (7), (10), (12), (14), (15) e (16) servem para demonstrar 
que essas orações são denominadas tradicionalmente substantivas porque 
desempenham uma função sintática na oração principal que normalmente é 
desempenhada por um Sintagma Nominal, cujo núcleo é um nome (substantivo). 
As orações subjetivas (que desempenham a função de sujeito) só ocorrem: 
(i) em predicações nominais, do tipo: É bom que...; É importante que...; 
Não é verdade que..., etc.; 
(ii) com verbos inacusativos, como em: Parece que... ; Aconteceu que..., 
etc; ou 
(iii) em estruturas passivas: Foi decidido que... ; Foi ignorado que..., etc. 
Nesse último caso, podem ser incluídas as construções da chamada passiva 
sintética: 
(17) Sabe-se que ele não é uma pessoa de confiança. 
[É sabido que ele não é uma pessoa de confiança.] 
(18) Não se considerou que ele tentou socorrer a vítima. 
Em todos os casos, as orações subjetivas vêm após a oração principal. Nesse 
caso, vale o princípio de que os constituintes mais pesados (ou seja, mais extensos) são 
126 
 
deslocados para o final da oração. No caso das orações subjetivas, a aplicação desse 
princípio é categórica, pois a ordem SUJEITO – PREDICADO nesses casos é 
agramatical: 
(19) *Que todos prestem muita atenção é preciso agora. 
(20) *Que ele não fez a prova consta. 
(21) *Que os juros não serão pagos ficou acordado. 
As orações objetivas diretas normalmente completam o sentido de verbos 
discendi (dizer, perguntar, declarar, etc), volitivos (querer, desejar, exigir, etc), 
epistêmicos (saber, reconhece, imaginar, etc.), ou perceptivos (ver, perceber, ouvir, 
etc.). 
A tradição gramatical denomina orações subordinadas substantivas objetivas 
indiretas o que aqui se classifica como orações completivas oblíquas. A função de 
Objeto Indireto (OI), como definida aqui, não pode ser desempenhada por uma oração, 
na medida em que se trata de uma referência a um ser humano que é o destinatário de 
um processo verbal, como exemplificado em: 
(22) Ela me disse a verdade. 
(23) Maria entregou o formulário ao funcionário. 
As orações oblíquas são raras na linguagem cotidiana, exceto aquelas que 
completam o sentido de verbos como esquecer, gostar, etc. Nesses casos, ocorrem 
normalmente sem a preposição de, que é obrigatória quando o complemento oblíquo 
não é uma oração, e sim um Sintagma: 
(24) Não se esqueça que você está doente. 
(25) [Não se esqueça da sua doença.] 
[*Não se esqueça a sua doença.] 
(26) Ele gosta que você corte seu cabelo bem curto. 
[Ele gosta de um corte bem curto.] 
[*Ele gosta um corte bem curto.] 
Por intermédio do complementizador, uma oração plena (isto é, com uma forma 
verbal flexionada em tempo e modo) é encaixada em outra oração, dita principal. Mas 
esse encaixamento pode ser feito sem o complementizador. Nesse caso, a oração 
encaixada é dita reduzida e articula-se em torno de forma verbal que não se flexiona 
em tempo em modo (uma forma verbal no infinitivo, no gerúndio ou no particípio 
passado). Praticamente todas as orações completivas podem ser reduzidas, como se vê 
nos seguintes exemplos: 
127 
 
Oração Subjetiva Reduzida de Infinitivo 
(27) É preciso prestar muita atenção agora. 
Oração Objetiva Direta Reduzida de Infinitivo 
(28) Ela admitiu estar apaixonada por você. 
Oração Objetiva Direta Reduzida de Gerúndio 
(29) Eles viram você entrando no escritório. 
Oração Oblíqua Reduzida de Infinitivo 
(30) Não se esqueça de cumprir sua promessa. 
Oração Completiva Nominal Reduzida de Infinitivo 
(31) Ela ressaltou a necessidade de todos se empenharem. 
Oração Predicativa Reduzida de Infinitivo 
(32) Meu maior medo era ele desconfiar de alguma coisa. 
Oração Apositiva Reduzida de Infinitivo 
(33) Só desejamos uma coisa: sermos felizes. 
Quando a oração completiva oblíqua é reduzida, a preposição não é suprimida, 
cf. exemplo (30). 
As orações completivas também podem ser introduzidas por uma palavra 
interrogativa (quem, o que, quando, como, por que, onde, quanto).
105
 Nesse caso, a 
oração pode desempenhar todas as funções sintáticas nominais, até a de objeto indireto, 
complemento locativo e agente da passiva, funções que não são desempenhadas, tanto 
pelas orações completivas introduzidas por um complementizador, quanto pelas orações 
completivas reduzidas. Vejamos os exemplos abaixo: 
 
Sujeito 
(34) Quem fez isso não está mais entre nós. 
(35) Por que ele fez isso é um mistério. 
Objeto Direto 
(36) Não sei como ele escapou. 
(37) Ela viu quando a peça se soltou. 
Objeto Indireto 
(38) Isso interessa a quem gosta de colecionar peças exóticas. 
(39) Eu dei o prêmio a quem o merecia. 
 
105 As palavras interrogativas serão tratadas na seção 2 deste capítulo. 
128 
 
Complemento Oblíquo 
(40) Lembre-se de quando nós éramos duas crianças inocentes. 
(41) Eu não posso gostar de quem me trai assim. 
Complemento Locativo 
(42) Eu vou pra onde possa ser reconhecido.(43) Ele escapou de onde ninguém conseguiu escapar. 
Complemento Nominal 
(44) Só será feito o credenciamento de quem entregou todos os 
documentos. 
Predicativo 
(45) Isso é o que eu sempre quis. 
(46) O problema é quanto isso vai nos custar. 
Aposto 
(47) Eu só queria saber uma coisa: o que o teria levado a fazer isso. 
(48) Nunca esquecerei aquele momento, quando ele me acenou pela 
última vez. 
 
Agente da passiva 
(49) Os candidatos serão recepcionados por quem estiver no plantão 
na hora. 
(50) Agora ele é ajudado por quem antes desprezou. 
 
Essas orações introduzidas por palavras interrogativas constituem um tipo 
híbrido de oração, pois compartilham propriedades das orações completivas 
(subordinadas substantivas) e das orações relativas (subordinadas adjetivas). Por um 
lado, ocupam a posição de um argumento da oração principal, o que é uma propriedade 
das orações completivas, mas, por outro lado, são introduzidas por um elemento 
pronominal que desempenha uma função sintática na oração encaixada, o que é uma 
propriedade das orações relativas. Por conta dessa última característica, a linguística 
contemporânea denomina essas orações de orações relativas livres. As relativas livres 
distinguem-se das orações relativas propriamente ditas, porque essas últimas se ligam a 
um constituinte nominal da oração principal, como se verá a seguir. 
 
 
 
 
 
129 
 
1.2.2. As orações relativas (ditas subordinadas adjetivas) 
As orações relativas, que a tradição gramatical denomina orações subordinadas 
adjetivas, ligam-se a um nome dentro de um Sintagma Nominal como um modificador, 
ou funcionam como um aposto de um constituinte da oração principal, como se pode 
ver nas análises dos exemplos (51) e (52) abaixo: 
 
(51) O homem que acabou de chegar é um grande amigo do seu pai. 
 
SUJEITO V. Lig. PREDICATIVO 
O homem que acabou de chegar é um grande amigo do seu pai 
 
 
 
(52) O João, que é muito tímido, não agiria. 
 
SUJEITO APOSTO Part. de Neg. Predicador Verbal Adjunto Adverbial 
O João que é muito tímido não agiria dessa forma 
 
As orações que desempenham a função de modificador, como exemplificado em 
(51), são classificadas como orações relativas restritivas, e as que desempenham a 
função de aposto, como exemplificado em (52), são classificadas como orações 
relativas explicativas (ou apositivas). No primeiro caso, a oração relativa restritiva 
especifica a referência do SN. Como se pode ver no exemplo (51) e no exemplo (53) 
abaixo, em que a oração relativa restringe a referência no conjunto dos alunos àqueles 
que desejam participar da atividade: 
(53) Os alunos que desejam participar desta atividade deverão se 
inscrever na secretária da escola até amanhã. 
Já as orações relativas explicativas apenas acrescentam uma informação a um 
SN de referência já definida, como se pode ver em (52) e no exemplo (54) abaixo: 
(54) A Maria, que é muito emotiva, chora por qualquer bobagem. 
As orações explicativas são delimitadas na fala com pequenas pausas, o que não 
ocorre com as restritivas. Por conta disso, a convenção ortográfica determina que as 
orações explicativas devem vir sempre entre vírgulas, já as restritivas nunca vêm entre 
130 
 
vírgulas. Nesse caso, o uso ou não da vírgula altera o sentido do período na escrita, 
como se pode ver nos exemplos abaixo. Em (55), todos os competidores estavam 
exaustos e desistiram da prova naquele momento. Já em (56), só os competidores que 
estavam exaustos desistiram da prova, os demais prosseguiram. 
(55) Os competidores, que já estavam exaustos, desistiram da prova 
naquele momento. 
(56) Os competidores que já estavam exaustos desistiram da prova 
naquele momento. 
Ao tempo em que se ligam a um nome, denominado antecedente, os pronomes 
relativos também desempenham uma função sintática na oração que introduzem, como 
se pode ver nos exemplos abaixo: 
 
Sujeito 
A polícia identificou o funcionárioi quei ____i desviava as verbas do Ministério. 
Objeto Direto 
Ela já comprou o livroi quei o professor indicou _____i. 
Objeto Indireto 
Não identificamos a pessoai a quemi o espião entregou o envelope _____i. 
Oblíquo 
Ela falou de uma coisai de quei eu não me lembrava _____i. 
Locativo 
Está é a gavetai em quei eu coloquei o recibo ____i. 
Adjunto Adverbial 
Não encontro aquela gravatai com quei fui ao casamento da Maria _____i. 
 
Há, portanto, uma posição vazia na oração relativa que se liga ao antecedente 
através do pronome relativo, constituindo uma cadeia de correferencialização.
106
 Na 
norma padrão do português, os pronomes relativos vêm acompanhados da preposição 
que rege a posição a que estão ligados na oração relativa, como se pode ver nos 
exemplos abaixo: 
(57) a. Havia condições a que nos opúnhamos. (opor-se a) 
 
106 A coindexação é representada na linguagem técnica com a colocação da mesma letra subescrita ao 
final de cada elo da cadeia de correferencialização, como se faz com o i nos exemplos acima. 
131 
 
b. Havia condições com que não concordávamos. (concordar 
com). 
c. Havia condições de que desconfiávamos. (desconfiar de) 
d. Havia condições por que lutávamos. (lutar por) 
Na linguagem coloquial do Brasil, não se encontram tais construções. Na fala 
espontânea dos brasileiros, a preposição é suprimida, numa construção denominada 
oração relativa cortadora: 
(58) Aquele rapaz que você conversou na festa é meu amigo. 
Em outra construção que também caracteriza a fala informal dos brasileiros, 
ocorre o preenchimento da posição vazia com um pronome pessoal, numa construção 
denominada oração relativa resumptiva: 
(59) Aquele rapaz que você conversou com ele na festa é meu amigo. 
Nesse caso, diz-se que o pronome relativo está perdendo o seu caráter 
pronominal, assemelhando-se a um complementizador, que não desempenha qualquer 
função sintática na oração que introduz. Uma evidência disso é o fato de que, na fala 
espontânea brasileira, as relativas com antecedente praticamente só são introduzidas 
pelo conectivo que, o qual é desprovido de traços de pessoa, gênero e número e caso, 
como os demais pronomes relativos. 
Os pronomes relativos que portam tais traços são: 
 o qual: traços de gênero e número (a qual; os quais; as quais). 
 quem: traço de pessoa. 
 cujo: traços de caso (genitivo), gênero e número (cuja, cujos, 
cujas). 
O traço de pessoa do relativo quem manifesta-se nas orações relativas 
preposicionadas, nas quais o pronome relativo deve concordar com o traço [+ ou – 
humano] do antecedente, como se pode ver nos exemplos abaixo: 
(60) O rapaz com quem você saiu ontem é meu amigo. 
* O rapaz com que você saiu ontem é meu amigo. 
(61) O computador em que gravei esse arquivo estava com vírus. 
* O computador em quem gravei esse arquivo estava com vírus. 
O pronome relativo cujo não faz mais parte da gramática natural dos brasileiros 
é o pronome, sendo adquirido pela ação da escola e empregado apenas em situações de 
formalidade. Por ser marcado morfologicamente com o valor do caso genitivo, o 
pronome relativo cujo só pode ser empregado quando está ligado a uma posição de 
132 
 
adjunto adnominal com valor de posse na oração relativa que introduz, como se pode 
ver na frase abaixo: 
(62) A aluna cujo pai está sendo investigado na CPI deixou de 
frequentar a escola. [o pai da aluna está sendo investigado na CPI] 
Na fala coloquial, os brasileiros usam normalmente as relativas cortadoras ou 
resumptivas nesses casos: 
(63) A aluna que pai está sendo investigado na CPI deixou de 
frequentar a escola. 
(64) A aluna que pai dela está sendo investigado na CPI deixou de 
frequentar a escola. 
Portanto, na gramática mais natural dos brasileiros as orações relativas só se 
ligam a um antecedente por meio de um conectivo que exibe atualmente muito poucas 
características de um pronome relativo propriamente dito, predominandoo uso o 
emprego do relativizador neutro que
107
 nas orações relativas com antecedente. 
 
 
1.2.3. As orações (subordinadas) adverbiais 
As orações adverbiais estão na fronteira entre o encaixamento sintático e 
encadeamento lógico semântico. Na frase (65) pode-se dizer que a oração adverbial 
desempenha a função de adjunto verbal de tempo na oração principal, configurando, 
portanto, um caso de encaixamento sintático. Porém, na frase (66), a relação entre as 
orações do período é de natureza lógico-semântica (relação de contradição). Essa 
mesma relação une um tipo de oração que a tradição gramatical classifica como 
coordenada, como exemplificado em (67); ou seja, tratando-a como uma oração 
autônoma em relação à outra oração do período. 
(65) João só chegou em casa quando já estava anoitecendo. 
[João só chegou em casa à noite.] 
(66) Embora estivesse doente, Maria não deixou de cumprir o prazo. 
(67) Maria estava doente, mas não deixou de cumprir o prazo. 
Dessa forma, pode-se dizer que as orações adverbiais estão na fornteira entre o 
encaixamento sintático e o encadeamento lógico semântico. Nesse sentido, deve-se ter 
em conta que, assim como ocorre com os advérbios, as orações adverbiais também 
 
107 Diz-se que o que é um relativizador neutro porque não marca qualquer traço morfológico de gênero, 
número, pessoa ou caso. 
133 
 
constituem um conjunto heterogêneo, sendo necessário estabelecer uma taxonomia dos 
tipos de orações que são agrupadas sob o rótulo de orações (subordinadas) adverbiais. 
Há orações adverbiais que desempenham a função de adjuntos adfrasais, como 
exemplificado abaixo: 
(68) O João, como todos sabemos, é um funcionário muito 
responsável. 
(69) Consoante opinam alguns, o futebol é imprevisível. 
(70) O suspeito deve ser indiciado, conforme determina a lei. 
Essas orações, tradicionalmente classificadas como orações subordinadas 
adverbiais conformativas, constituem um caso claro de encaixamento sintático. Da 
mesma forma, há orações adverbiais que portam uma informação de tempo e de lugar, 
como exemplificado em (71) e (72), respectivamente, assemelhando-se aos adjuntos 
adverbiais; o que constitui também um caso de encaixamento sintático. Porém, muitas 
orações que são aparentemente temporais, seriam melhor classificadas como 
condicionais, configurando, menos um caso encaixamento sintático, do que um uma 
relação lógico-semântica, como se pode ver em (73), e sua glosa. 
(71) Ele terminou trabalho, quando já passavam das três da manhã! 
(72) Não há justiça, onde não há democracia!
108
 
(73) Quando eu ganhar na loteria, vou comprar este apartamento. 
[Se eu ganhar na loteria, vou comprar este apartamento.] 
Assim, configura-se, no universo das orações adverbiais, um continuum que vai 
do encaixamento sintático ao encadeamento lógico-semântico. No campo do 
encadeamento lógico semântico, encontramos as seguintes orações adverbiais: 
Oração Subordinada Adverbial Final 
Ele se sacrificou, para que os irmãos pudessem escapar. 
Oração Subordinada Adverbial Condicional 
Se o promotor insistisse um pouco mais, obteria um confissão do acusado. 
Oração Subordinada Adverbial Proporcional 
A vida torna-se mais difícil, à medida em que envelhecemos. 
Em alguns casos, inclusive, o nexo lógico-semântico que une uma oração 
adverbial à chamada oração principal encontra um paralelo perfeito com as orações 
coordenadas, como exemplificado a seguir: 
 
108 A Nomenclatura Gramatical Brasileira (NGB) não contempla esse tipo de oração. 
134 
 
Oração Subordinada Adverbial Causal X Oração Coordenada Explicativa 
(74) Este candidato está desclassificado, já que não cumpriu o prazo. 
(75) Este candidato está desclassificado, pois não cumpriu o prazo. 
Oração Subordinada Adverbial Concessiva X Oração Coordenada 
Adversativa 
(76) Embora estivesse doente, Maria não deixou de cumprir o prazo. 
(77) Maria estava doente, mas não deixou de cumprir o prazo. 
Oração Subordinada Adverbial Consecutiva X Oração Coordenada 
Conclusiva 
(78) Estava tão escuro que não se via nada. 
(79) Estava muito escuro, logo não se via nada. 
Nesse plano, a distinção entre o encadeamento lógico-semântico (coordenação) e 
o encaixamento sintático (subordinação) é feito com base em aspectos formas, como, no 
caso das orações adverbiais concessivas e coordenadas adversativas. As primeiras são 
construídas com verbos no subjuntivo, o que implica uma dependência estrutural, já que 
essas orações não podem formar sozinhas um período – como exemplificado em (80) 
abaixo. Já as orações coordenadas adversativas, por serem construídas com formas 
verbais do indicativo, podem funcionar como orações absolutas, como exemplificado 
me (81) abaixo: 
(80) *Há claras evidências empíricas que seres sobrenaturais, como 
bruxas e duendes não existem. Embora ainda possamos encontrar muitas 
pessoas que nos dias de hoje ainda acreditam na existência dessas 
criaturas. 
(81) Há claras evidências empíricas que seres sobrenaturais, como 
bruxas e duendes não existem. Porém, ainda podemos encontrar muitas 
pessoas que nos dias de hoje ainda acreditam na existência dessas 
criaturas. 
 
 
 
 
 
 
 
135 
 
2. Os conectivos oracionais 
 
Tanto no caso da relação lógico-semântica, quanto no caso do encaixamento 
sintático, o encadeamento de orações no período pode ocorrer sem o recurso a um 
conectivo oracional, como exemplificado abaixo: 
(82) Está tudo bem, o pior já passou. 
(83) Vim, vi, vê nci. 
(84) Atingir o sucesso a qualquer preço é o lema da atualidade. 
(85) Ele disse estar apto para o serviço. 
Porém, nas situações normais de interação verbal, é mais frequente que as 
orações se combinem por meio de um conectivo oracional. O tipo de conectivo 
empregado está diretamente ligado às propriedades sintáticas e semânticas das 
estruturas que se formam no processo de conjunção de orações no período. Desse modo, 
podem ser definidos os seguintes tipos de conectivos oracionais: 
1. Complementizadores (conjunções integrantes) 
Introduzem as orações completivas (subordinadas substantivas) 
(86) Maria disse que virá ao encontro. 
(87) Maria não sabe se virá ao encontro. 
(88) É necessário que o aluno se dedique à disciplina. 
2. Conjunções 
Introduzem as orações coordenadas e subordinadas adverbiais 
(89) Maria disse que viria, mas não apareceu. 
(90) Embora tenha dito que vinha, Maria não apareceu. 
3. Pronomes Relativos 
Introduzem as subordinadas adjetivas, estando, por isso, sempre ligados a um 
núcleo nominal. 
(91) O problema a que você se referiu está sendo resolvido. 
(92) A menina cujo pai é engenheiro é boa em matemática. 
(93) Foram contratados novos funcionários, os quais devem ser muito 
bem treinados. 
4. Palavras Interrogativas (QU) 
Introduzem as subordinadas adverbiais e as completivas (denominadas, nesse 
caso, relativas livres). São conectivos multifuncionais, que desempenham, o 
136 
 
papel de conjunção, complementizador ou pronome relativo, como mostram 
os respectivos exemplos abaixo. 
(94) Quando Maria saiu, estava chovendo. 
(95) Não sei quem fez isso. 
(96) Está é a casa onde nasceu Castro Alves. 
Quando estiverem ligadas a um termo antecedente, como no exemplo (70) 
acima, as palavras interrogativas devem ser classificadas como pronomes 
relativos. 
5. Preposições 
Introduzem as orações reduzidas. 
(97) Hoje em dia, para ser bem sucedido, o indivíduo deve se sujeitar 
à lógica do mercado. 
(98) A necessidade imperiosa de ser bem sucedido acaba gerando 
estados de ansiedade e depressão. 
 
As propriedades sintáticas e semânticas relacionadas a cada tipo conectivo são 
apresentadas no quadro abaixo: 
 
QUADRO COMPARATIVO DOS CONECTIVOS ORACIONAIS 
TIPO DE 
CONECTIVO 
PROPRIEDADES 
pede forma verbal 
flexionada 
tem função sintática na 
oração que introduz 
possuivalor 
semântico 
com encaixamento da 
oração que introduz 
Complementizador + - -/+ + 
Conjunção + - + - 
Pronome Relativo + + -/+ + 
Palavra Interrogativa + + + + 
Preposição - - -/+ +/- 
 
Os complementizadores, que não tem qualquer valor semântico
109
, servem 
apenas como conectivos oracionais, encaixando uma oração com uma forma verbal 
flexionada em tempo e modo em uma oração principal. As conjunções e as locuções 
conjuntivas também relacionam orações com formas verbais plenas, mas ao contrário 
 
109 Note-se, entretanto, que o complementizador se seria uma forma marcada, associada à ideia de dúvida, 
incerteza. 
137 
 
dos complementizadores, têm valor semântico, expressando relações lógicas, tais como: 
contradição, consequência, proporcionalidade, etc. Os pronomes relativos também 
fazem a ligação entre duas orações plenas, mas, ao retomarem a referência de um nome 
anterior, ocupam uma posição sintática na oração que introduzem, diferentemente dos 
complementizadores e das conjunções, que não têm uma função sintática na oração que 
introduzem. O relativizador neutro que, que não tem valor semântico, nem traços 
morfológicos de gênero, número, pessoa e caso, situa-se na fronteira entre os pronomes 
relativos e complementizadores. As palavras interrogativas relacionam orações com 
formas verbais flexionadas em tempo e modo, têm valor semântico e desempenham 
uma função sintática na oração que introduzem, são conectivos multifuncionais que 
introduzem orações de natureza vária. Por fim, as preposições funcionam como 
conectivos apenas introduzindo orações reduzidas (com formas verbais do infinitivo e 
do gerúndio) e não desempenham função sintática na oração que introduzem. Dividem-
se entre aquelas que não têm valor semântico (como o de) e as que têm (como o para, 
que indica finalidade). Os complementizadores, pronomes relativos e palavras 
interrogativas encaixam uma oração em outra, a oração principal. As conjunções 
estabelecem uma relação lógica entre duas orações independentes. E as preposições 
funcionam nos dois tipos de situação, tanto na relação lógico-semântica, quanto no 
encaixamento sintático. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
138 
 
 
Capítulo 7 
Os Sintagmas

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