Prévia do material em texto
A INSERÇÃO DA ATIVIDADE FÍSICA NA ATENÇÃO BÁSICA À SAÚDE POR MEIO DA EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA Apoio: Sociedade Brasileira de Atividade Física e Saúde. Realização: Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Sul de Minas (IFSULDEMINAS, Campus Muzambinho-MG). Organizadores Jean Augusto Coelho Guimarães Priscila Missaki Nakamura Revisão ortográfica e normalização ABNT Jean Augusto Coelho Guimarães Ana Elisa Messetti Christofoletti Projeto Gráfico, Diagramação e Capa Andreas Bredariol da Cunha (andreasbredariolcunha@gmail.com) 1ª Edição 2020 Aline Graziele Benitez - Bibliotecária - CRB-1/3129 4 DEDICATÓRIA Dedicamos este livro a todas as pessoas, população em geral, graduandos, pós- graduandos, profissionais, professores e pesquisadores da área da Saúde e Educação Física, os quais contribuem em diversos momentos e locais, para elevar a qualidade do serviço ofertado à população, assim avançando nos aspectos relacionados às variáveis de saúde. As práticas de atividades, exercícios físicos e corporais vêm ganhando espaço no Sistema Único de Saúde (SUS), se consolidando enquanto parte de uma política pública de promoção de saúde, sendo esta preventiva e que impacta de forma positiva na qualidade de vida e bem estar da população. 5 AGRADECIMENTOS Nós, organizadores do presente livro, agradecemos ao Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Sul de Minas Gerais, Campus Muzambinho-MG, à Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Campus Rio Claro-SP, ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Tecnológico e Científico e à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, ambas envolvidas com a formação acadêmica, fomento e incentivo à pesquisa em nosso país. Também, agradecemos a todos os autores, nossos colegas de profissão, que investiram seu tempo e energia para produzir capítulos com conteúdos ímpares, os quais dialogam com a real aproximação da atividade física junto à Atenção Básica à Saúde (ABS) e faz com esta obra esteja completada. Ademais, nossa imensa gratidão aos professores e pesquisadores de diversas regiões do Brasil, que nos auxiliaram concedendo entrevista e fazendo a conferência dos seus respectivos relatos, os quais foram de grande valia para expor como as ações e intervenções em atividade física na ABS vêm ocorrendo em diferentes lugares do país. Nesse mesmo sentido, agradecemos todos os profissionais das equipes de saúde e participantes do projeto PROSAÚDE, da cidade de Muzambinho-MG, assim como os estagiários do projeto durante os anos de 2015 e 2016, os quais nos concederam entrevistas mostrando sua visão em relação ao projeto de extensão. 6 ORGANIZADORES DO LIVRO Me. Jean Augusto Coelho Guimarães Graduado em Educação Física pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Sul de Minas, Campus de Muzambinho, Minas Gerais. Mestre em Ciências da Motricidade Humana pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Campus de Rio Claro, São Paulo. Prof.ª Dra. Priscila Missaki Nakamura Graduada em Educação Física, Mestra e Doutora em Biodinâmica da Motricidade Humana pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Campus de Rio Claro, São Paulo. Pós-doutora na Universidade Federal de Pelotas e na Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho. Docente do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Sul de Minas. COLABORADORES DO LIVRO Wedson Guimarães Nascimento Graduado em Educação Física pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Sul de Minas, Campus de Muzambinho, Minas Gerais. Membro do Núcleo de Atividade Física, Esporte e Saúde da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Campus de Rio Claro, São Paulo. Me. Erik Vinícius de Orlando Dopp Graduado em Educação Física pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do 7 Sul de Minas, Campus de Muzambinho, Minas Gerais. Mestre em Ciências da Motricidade Humana pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Campus de Rio Claro, São Paulo. Membro do Núcleo de Atividade Física, Esporte e Saúde da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Campus de Rio Claro, São Paulo. Prof. Dr. Mateus Camargo Pereira Graduado em Educação Física pela Faculdade de Educação Física da Universidade Estadual de Campinas, São Paulo. Mestre em Educação pela Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas, São Paulo. Doutor em Desenvolvimento Humano e Tecnologias pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Campus de Rio Claro, São Paulo. Docente, Coordenador do Centro de Memória da Educação Física, Esporte e Lazer e Co- coordenador do Grupo de Estudos de Professores de Educação Física do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Sul de Minas, Campus de Muzambinho, Minas Gerais. Ma. Ana Elisa Messetti Christofoletti Graduada em Educação Física e Mestra em Ciências da Motricidade pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Campus de Rio Claro, São Paulo. Membro do Núcleo de Atividade Física, Esporte e Saúde e do Grupo de Estudos e Pesquisas na Profissão de Educação Física da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Campus de Rio Claro, São Paulo. Ma. Deisy Terumi Ueno Graduada em Educação Física pela Faculdades de Dracena, São Paulo. Mestra em Ciências da Motricidade pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Campus de Rio Claro, São Paulo. Membro do Núcleo de Atividade Física, Esporte e Saúde da Universidade 8 Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Campus de Rio Claro, São Paulo. Jamilly Ferreira Cardoso Graduada em Educação Física pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Sul de Minas, Campus de Muzambinho, Minas Gerais. Maria Laura de Souza Leite Graduanda em Educação Física pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Sul de Minas, Campus de Muzambinho, Minas Gerais. Ma. Letícia Aparecida Calderão Spósito Graduada em Educação Física pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Sul de Minas, Campus de Muzambinho, Minas Gerais. Mestra em Ciências da Motricidade pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Campus de Rio Claro, São Paulo. Membro do Núcleo de Atividade Física, Esporte e Saúde da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Campus de Rio Claro, São Paulo. Esp. Cláudia Pedroso Ferreira Graduada em Educação Física pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Campus de Rio Claro, São Paulo. Especialista em Fisiologia do Exercício Aplicada a Clínica pela Universidade Federal de São Paulo, Campus da Baixada Santista, São Paulo. Especialista em Saúde da Família na Atenção Primária pela Universidade do Estado de Santa Catarina, Florianópolis, Santa Catarina. 9 Maureen Chayene de Moraes Graduada em Educação Física pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Campus de Rio Claro, São Paulo. Prof.ª Dra. Inês Amanda Streit Graduada em Educação Física e Especialista em Atividade Física, Desempenho Motor e Saúde pela Universidade Federal de Santa Maria, Rio Grande do Sul. Mestre e Doutora em Ciências do Movimento Humano pela Universidade do Estado de Santa Catarina, Florianópolis, Santa Catarina. Docente e coordenadora do curso de Licenciatura em Educação Física na Faculdade de Educação Física e Fisioterapia da Universidade Federal do Amazonas, Campus Universitário Senador Arthur Virgílio Filho, Manaus, Amazonas. Líder do Grupo de Estudos e Pesquisa em Atividade Física e Saúde: Da Infância ao Envelhecimento - Desfechos em Saúde. Prof. Dr. Júlio Cesar Schweickardt Graduadoem Teologia pela Escola Superior de Teologia. Graduado em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Amazonas. Mestre em Sociedade e Cultura na Amazônia pela Universidade Federal do Amazonas. Doutor em História das Ciências pela Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro. Pesquisador do Instituto Leônidas e Maria Deane (Fiocruz Amazônia). Chefe do Laboratório de História, Políticas Públicas e Saúde na Amazônia. Prof. Dr. Victor José Machado de Oliveira Graduado em Educação Física pelo Centro Universitário Católico de Vitória, Espírito Santo. Mestre e Doutor em Educação Física pela Universidade Federal do Espírito Santo, Campus de Goiabeiras, Vitória, Espírito Santo. Docente Adjunto da Faculdade de Educação Física e 10 Fisioterapia da Universidade Federal do Amazonas e Docente do Programa de Pós-Graduação em Educação, Campus Universitário Senador Arthur Virgílio Filho, Manaus, Amazonas. Ma. Samara Feitosa Gomes Silva Graduada em Educação Física pela Universidade Nilton Lins, Manaus, Amazonas. Especialista em Psicomotricidade pela Universidade Gama Filho, xxx. Mestra em Saúde, Sociedade e Endemias na Amazônia pela Universidade Federal do Amazonas, Campus Universitário Senador Arthur Virgílio Filho, Manaus, Amazonas. Eney Sarmento Pinheiro Graduada em Teologia pela Faculdade de Ciências, Educação e Teologia do Norte do Brasil, Roraima. Especialista em Gestão da Clínica nas Regiões de Saúde pelo Hospital Sírio Libanês. Especialista em Educação Permanente em Saúde pela Fundação Oswaldo Cruz – Amazonas. Educadora popular pela Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio da Fundação Oswaldo Cruz, Manguinhos, Rio de Janeiro. Prof. Dr. Tiótrefis Gomes Fernandes Graduado em Fisioterapia pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, Rio Grande do Norte. Doutor em Ciências pelo Programa de Ciências Médicas da Universidade de São Paulo. Docente e coordenador acadêmico na Faculdade de Educação Física e Fisioterapia da Universidade Federal do Amazonas, no Programa de Pós-Graduação em Ciências do Movimento Humano e no Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública na Amazônia, Campus Universitário Senador Arthur Virgílio Filho, Manaus, Amazonas. 11 Prof. Dr. Paulo Henrique Guerra Graduado em Educação Física pela Universidade Paulista. Doutor em Ciências pela Universidade de São Paulo. Docente Adjunto no curso de Medicina da Universidade Federal da Fronteira Sul, Chapecó, Santa Catarina. Docente colaborador no Programa de Pós- graduação em Ciências da Atividade Física na Universidade de São Paulo. Presidente da Sociedade Brasileira de Atividade física e Saúde, gestão 2020-2021. Prof. Dr. Fabio Fortunato Brasil de Carvalho Graduado em Educação Física pelo Centro Universitário da Cidade, Rio de Janeiro. Especialista, Mestre e Doutor em Saúde Pública pela Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca da Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro. Tecnologista em Ciência e Tecnologia do Ministério da Saúde, lotado no Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva, Rio de Janeiro. Prof. Dr. Mathias Roberto Loch Graduado e Mestre em Educação Física pela Universidade Federal de Santa Catarina, Campus de Florianópolis, Santa Catarina. Doutor em Saúde Coletiva pela Universidade Estadual de Londrina, Paraná, com estágio de doutoramento no Departamento de Medicina Preventiva y Salud Pública da Universidad Autónoma de Madrid. Docente do Departamento de Educação Física, na residência multiprofissional em Saúde da Família e no Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva da Universidade Estadual de Londrina, Paraná. Membro da Comissão de Epidemiologia da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (ABRASCO). Prof. Dr. Filipe Ferreira da Costa Graduado em Educação Física pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, Rio 12 Grande do Norte. Especialista em Saúde da Família e em Saúde Pública pelo Departamento de Saúde Pública da Universidade Federal de Santa Catarina, Campus de Florianópolis, Santa Catarina. Mestre e Doutor pelo Programa de Pós-graduação em Educação Física da Universidade Federal de Santa Catarina, Campus de Florianópolis, Santa Catarina. 13 PREFÁCIO No momento da publicação deste livro, o mundo enfrenta a maior crise de saúde dos últimos tempos. O isolamento social imposto pela pandemia da Covid-19 escancarou a importância da atividade física para o bem estar de todas as pessoas, de qualquer idade, sexo ou condição social. No Brasil, em particular, a relevância do SUS para universalizar o acesso à saúde, está sendo fortemente reconhecida. Saúde é antes de tudo, resultado de estratégias em promoção da saúde e prevenção de doenças. Embora existam muitos argumentos a favor da atividade física como meio para evitar o aparecimento de doenças, a sua relevância vai muito além. A atividade física é um comportamento inerente ao ser humano. É por intermédio dela que o ser humano interage com outros, expressa seus pensamentos e emoções, afirma e reforça sua identidade como indivíduo e como ser social. As intervenções no sistema de saúde, portanto, devem ir além de prevenir o aparecimento e tratar de doenças, mas promover o bem estar da pessoa como um todo. A ABS no SUS vem acolhendo cada vez mais iniciativas para a promoção da atividade física. Elas se multiplicam em ações intersetoriais e interinstitucionais com o engajamento de atores de diferentes matizes. O relato de experiências em diferentes localidades, que enfrentam diferentes realidades são enriquecedoras para todos aqueles que planejam, executam, gerenciam ou procuram compreender como essas intervenções ocorrem. Esta obra, “A inserção da atividade física na ABS por meio da extensão universitária” organizado por Jean Augusto Coelho Guimarães e Priscila Missaki Nakamura, nos brinda com um recorte intersetorial do problema. Alicerçado num ponto de convergência entre os desafios para promover a atividade física para a população, a formação de recursos humanos e a pesquisa realizada em Instituições de Ensino Superior, a obra é uma rica 14 narrativa de como esses desafios se encontram e se materializam no ambiente do SUS. É um material com um registro valioso dos atores que se engajaram na tarefa de conceber e implementar a atividade física no SUS, que estimula o leitor a uma valiosa reflexão. Eduardo Kokubun Departamento de Educação Física Instituto de Biociências Universidade Estadual Paulista – UNESP/Rio Claro 15 SUMÁRIO INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 17 1. CAPÍTULO UM ................................................................................................................. 20 EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA Wedson Guimarães Nascimento | Erik Vinícius de Orlando Dopp | Mateus Camargo Pereira 1.1 Projetos de Extensão.........................................................................................................24 1.2 Projeto de Extensão da Educação Física na Atenção Básica à Saúde..........................27 1.3 Considerações Finais.........................................................................................................32 2. CAPÍTULO DOIS...............................................................................................................37 BENEFÍCIOS DO EXERCÍCIO FÍSICO E MALEFÍCIOS DO COMPORTAMENTO SEDENTÁRIO NAS DOENÇAS CRÔNICAS NÃO TRANSMISSÍVEIS Ana Elisa Messetti Christofoletti | Deisy Terumi Ueno 2.1 Obesidade...........................................................................................................................382.2 Diabetes Mellitus...............................................................................................................39 2.3 Hipertensão Arterial Sistêmica........................................................................................40 2.4 Síndrome Metabólica........................................................................................................41 2.5 Trombose venosa...............................................................................................................42 2.6 Transtornos Mentais.........................................................................................................42 2.7 Câncer................................................................................................................................43 2.8 Considerações Finais.........................................................................................................44 3. CAPÍTULO TRÊS..............................................................................................................54 DOENÇAS CRÔNICAS NÃO TRANSMISSÍVEIS, EXERCÍCIO FÍSICO E A RELAÇÃO COM A ATENÇÃO BÁSICA À SAÚDE Wedson Guimarães Nascimento | Erik Vinícius de Orlando Dopp 3.1 Considerações Finais.........................................................................................................60 4. CAPÍTULO QUATRO.......................................................................................................65 HISTÓRIA DO PROJETO PROSAÚDE (2010 - 2016) Jamilly Ferreira Cardoso | Maria Laura de Souza Leite | Jean Augusto Coelho Guimarães 4.1 Considerações Finais...........................................................................................................69 5. CAPÍTULO CINCO...........................................................................................................70 INTERVENÇÕES DO PROJETO PROSAÚDE Jean Augusto Coelho Guimarães | Erik Vinícius de Orlando Dopp | Priscila Missaki Nakamura 5.1 Considerações Finais.........................................................................................................73 6. CAPÍTULO SEIS................................................................................................................76 O PROSAÚDE SOB O OLHAR DA EQUIPE MULTIPROFISSIONAL DE SAÚDE DA ATENÇÃO BÁSICA, ESTAGIÁRIOS E USUÁRIOS DO PROJETO Jean Augusto Coelho Guimarães | Ana Elisa Messetti Christofoletti | Erik Vinícius de Orlando Dopp | Jamilly Ferreira Cardoso | Maria Laura de Souza Leite | Priscila Missaki Nakamura 6.1 Coordenadora das Unidades Básicas de Saúde..............................................................76 6.2 Enfermeiras (os)................................................................................................................78 6.3 Agentes Comunitários de Saúde (ACS)..........................................................................81 6.4 Estagiários..........................................................................................................................84 16 6.5 Usuários..............................................................................................................................85 6.6 Considerações Finais.........................................................................................................88 7. CAPÍTULO SETE..............................................................................................................92 RELATOS DAS VIVÊNCIAS PRÁTICAS DE PROMOÇÃO EM ATIVIDADE FÍSICA DESENVOLVIDAS POR DIFERENTES GRUPOS DE PESQUISA DO BRASIL Letícia Aparecida Calderão Spósito | Jean Augusto Coelho Guimarães | Cláudia Pedroso Ferreira | Maureen Chayene de Moraes 7.1 Exercícios Físicos em Unidades de Saúde - Projeto Saúde Ativa: o caso de Rio Claro, São Paulo..................................................................................................................................92 7.2 Programa de Exercícios Físicos em Unidades Básicas de Saúde - Projeto Floripa Ativa: o caso de Florianópolis, Santa Catarina....................................................................98 7.3 Projeto Ambiente Ativo: o caso de Ermelino Matarazzo, São Paulo.........................103 7.4 Grupo de estudo em epidemiologia da Atividade Física (GEEAF) - UBS+Ativa: o caso de Pelotas, Rio Grande do Sul.....................................................................................109 7.5 Programa de Educação Permanente em Educação Física e Saúde Pública: o caso de Campo Grande, Mato Grosso do Sul..................................................................................112 7.6 Grupo de Estudos em Políticas de Saúde, Esporte e Lazer - Projeto Mais Saúde Vitória: o caso de Vitória de Santo Antão, Pernambuco...................................................116 7.7 Grupo de Pesquisa em Atividade Física e Qualidade de Vida: o caso de Curitiba, Paraná....................................................................................................................................119 7.8 Considerações Finais.......................................................................................................125 8. CAPÍTULO OITO............................................................................................................128 BANZEIRANDO PELOS TERRITÓRIOS DA AMAZÔNIA: ENCONTROS ENTRE ATENÇÃO BÁSICA, PRÁTICAS CORPORAIS E SAÚDE Inês Amanda Streit | Júlio Cesar Schweickardt | Victor José Machado de Oliveira | Samara Feitosa Gomes Silva | Eney Sarmento Pinheiro | Tiótrefis Gomes Fernandes 8.1 Introdução........................................................................................................................128 8.2 Os encontros entre a Academia e a Atenção Básica.....................................................131 8.3 Os profissionais no serviço de saúde: Educação Física no SUS..................................136 8.4 Os meios caminhos de um grupo...................................................................................140 8.5 Considerações Finais.......................................................................................................142 9. CAPÍTULO NOVE...........................................................................................................147 FORMAÇÃO E INTERVENÇÃO DO PROFISSIONAL DE EDUCAÇÃO FÍSICA NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE: CENÁRIO ATUAL E CAMINHOS A SEGUIR Paulo Henrique Guerra | Fabio Fortunato Brasil de Carvalho | Mathias Roberto Loch | Filipe Ferreira da Costa 9.1 Introdução........................................................................................................................147 9.2 Contexto atual do SUS (2016–2020)..............................................................................148 9.3 Formação inicial para atuação na ABS-SUS................................................................151 9.4 Intervenção profissional na ABS-SUS...........................................................................154 9.5 Considerações Finais.......................................................................................................157 17 INTRODUÇÃO Este livro começou com o surgimento de uma ideia durante a reunião do Grupo de Estudos, Extensão e Pesquisa em Educação Física e Saúde, no final da minha graduação em 2016 no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Sul de Minas Gerais, Campus Muzambinho. Naquele momento, eu Jean Coelho, professora Dra. Priscila Nakamura e demais colegas que auxiliaram na escrita de alguns capítulos estávamos envolvidos com o projeto de extensão PROSAÚDE e os conhecimentos acerca da atividade física e saúde vinculada à Atenção Básica. Desse modo, logo na capa deste livro pode ser observada uma foto de um dos eventos que realizamos com a presença dos participantes do PROSAÚDE. Foto esta quesimboliza união e fortalecimento de vínculos entre a extensão, ensino e pesquisa; Universidade e população. Assim, os primeiros pensamentos foram no intuito de descrever as ações e vivências, enquanto estagiário de um projeto de extensão que julgo ser de extrema relevância para a saúde e qualidade de vida da população, sendo que você poderá compreender melhor sobre projetos de extensão e projetos junto ao curso de Educação Física e ABS no Capítulo Um. Proporcionar, de forma gratuita e comunitária, uma orientação à prática de atividades e exercícios físicos em um local onde as pessoas buscam um tratamento e/ou cuidado, geralmente vinculado às doenças crônicas, pode ser vista como uma estratégia que gera efeitos positivos às variáveis biopsicossociais dos indivíduos, posteriormente apresentado no Capítulo Dois. Todavia, além dos benefícios sob as doenças crônicas, as atividades e exercícios físicos inseridos ao SUS necessitam atingir uma ação ampla e que compactue com os princípios e diretrizes do próprio sistema, o qual reconhece a atividade física e as práticas corporais junto às suas políticas de promoção de saúde, como relatado em maiores detalhes no 18 Capítulo Três. Por isso, ao ter a oportunidade de estagiar em um projeto de extensão, foi que pude compreender a importância de projetos como o PROSAÚDE. Posteriormente, foram movidos esforços para documentar sua criação, implementação, o formato das intervenções baseadas em evidências científicas e a percepção dos envolvidos no projeto, como as criadoras, os estagiários, a coordenadora e alguns integrantes da equipe multiprofissional da ABS do município de Muzambinho-MG, assim como os alunos do projeto e usuários do sistema de saúde, dispostos nos Capítulos Quatro, Cinco e Seis. Para mais, o projeto PROSAÚDE não é uma experiência única e isolada na área da Educação Física. Há algumas décadas, estagiários, profissionais, professores e pesquisadores da epidemiologia e atividade física já vêm estabelecendo uma aproximação e diálogo com a saúde pública. Sendo assim, o Capítulo Sete é composto por relatos das experiências de ações em projetos de extensão, grupos de estudo e/ou intervenções de pesquisa que ocorrem em diferentes regiões do Brasil, o qual contempla sete relatos organizados de maneira cronológica, os quais apresentam intervenções dentro das Unidades de Saúde, academias ao ar livre, espaços de lazer públicos e Universidades, além de produção de conteúdos, capacitações, análises de custo e produções científicas a partir das ações, para que os gestores consigam tomar decisões em prol de políticas públicas de atividade física e saúde para a população. Na sequência, o Capítulo Oito também é um relato de experiência que, a pedido dos entrevistados, foi expandido a fim de descreverem com maiores detalhes as ações desenvolvidas na região Norte do Brasil. De modo geral, será possível notar que embora em momentos, regiões e contextos socioculturais distintos, as ações dos atores anteriormente citados, as quais iniciaram com os esforços e aplicabilidade dos conhecimentos e vivências nas áreas de atividade física e saúde, obtiveram engajamento a fim de serem efetivadas como política pública ou estão trilhando esse caminho. Não há como deixar de ressaltar que as perspectivas futuras em relação à 19 promoção da atividade física na Atenção Básica de Saúde, apontadas no Capítulo Nove, necessitarão de muito engajamento das Organizações Governamentais e dos profissionais da área da saúde e educação para que se tornem realidade um dia. Eu escrevo esta introdução durante uma pandemia por um vírus, o COVID-19, que modificou o modo de viver e agir de todos neste ano de 2020, entretanto, mais do que nunca; a ciência e a saúde pública do Brasil se apresentam de forma a auxiliar a população, mostrando o seu real valor. Esta ciência e saúde que sempre devem ser defendidas como um direito à nação sobre os princípios da universalidade, equidade e integralidade. Ótima leitura! Jean Augusto Coelho Guimarães Priscila Missaki Nakamura 20 1. CAPÍTULO UM EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA Wedson Guimarães Nascimento Erik Vinícius de Orlando Dopp Mateus Camargo Pereira A universidade tem como base o desenvolvimento e implementação de um projeto formativo que busca o pleno desenvolvimento dos estudantes, promovendo além da qualificação para o trabalho, o estímulo ao exercício da cidadania. Entre as formas de contribuir com esse processo, a formação pautada pela indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão se apresenta como uma boa estratégia (SÍVERES, 2013). No entanto, pensar sobre essa indissociabilidade diante da característica dinâmica do trabalho docente na área acadêmica, somando aos objetivos básicos da formação, a produção de conhecimento e as disputas entre projetos políticos que existem para a universidade no país, não é algo simples. Tratando-se da extensão, por exemplo, a história da universidade no Brasil mostra que ela teve representações distintas ao longo do tempo. Assistiu-se a extensão enquanto curso, a extensão serviço, assistencial, entre outras, até a extensão cidadã, o que mostra uma evolução nas relações da universidade com os trabalhos acadêmicos e na aproximação com a comunidade a qual faz parte (SERRANO, s/d). A extensão universitária, segundo a Política Nacional, “é um processo interdisciplinar, educativo, cultural, científico e político que promove a interação transformadora entre Universidade e outros setores da sociedade” e deve ter como perspectiva “a promoção e garantia dos valores democráticos, da equidade e do desenvolvimento da sociedade em suas dimensões humana, ética, econômica, cultural e social” (PROEX, 2012, p. 28). No Brasil, as primeiras experiências de extensão aconteceram na Universidade Popular de Paraíba e na Universidade Popular de São Paulo e se davam através da oferta de 21 “cursos de extensão”. Posterior a esse momento, através de ações de movimentos estudantis, houve a reivindicação por uma extensão que buscava aproximar mais a universidade da sociedade por meio da difusão da cultura que deveria chegar até as classes populares. Esse movimento teve como marco, no contexto da América Latina, as ações dos estudantes de Córdoba, na Argentina em 1918 (MELO NETO et al., 2002). Atualmente, a garantia da extensão universitária está representada por normas e regras já instituídas na constituição de 1988, na Lei de Diretrizes e Bases, e no Plano Nacional de Educação. Além disso, existe o Fórum de Pró-Reitores de Extensão das Instituições Públicas de Educação Superior Brasileiras - FORPROEX, que visa “imprimir maior homogeneidade nacional às ações de Extensão Universitária e um direcionamento condizente com os anseios de grande parte da academia e da própria sociedade brasileira” (FORPROEX, 2012, p. 41). Foi no VIII Encontro Nacional de Pró-Reitores de Extensão das Universidades Públicas Brasileiras realizado em Vitória, no Espírito Santo, em 1994, que a extensão, alinhada aos preceitos constitucionais, começou a se voltar de maneira mais enfática para a perspectiva de cidadania, sendo assim, associada aos direitos civis, políticos e sociais. Dessa forma, entende-se que a universidade deve fazer parte dasociedade e cumprir seu dever de produtora e difusora de conhecimento, entendidos como essenciais para a cidadania, sendo indispensável o intercâmbio entre ela e a sociedade (MELO NETO et al., 2002). Esse dever é reafirmado na Política Nacional de Extensão Universitária, no tópico referente aos seus princípios básicos: a ação cidadã das Universidades não pode prescindir da efetiva difusão e democratização dos saberes nelas produzidos, de tal forma que as populações, cujos problemas se tornam objeto da pesquisa acadêmica, sejam também consideradas 22 sujeito desse conhecimento, tendo, portanto, pleno direito de acesso às informações resultantes dessas pesquisas (FORPROEX, 2012, p. 38). Todavia, reconhecer e almejar essa forma de fazer extensão não significa a inexistência de outros modelos, nem que a complexidade desse processo esteja resolvida. Coexistem nas ações das universidades brasileiras, basicamente, duas formas de se fazer extensão, sendo a primeira delas a “eventista-inorgânica”, relacionada ao desenvolvimento de serviços e a promoção de cultura e eventos, e a outra, com maior expressão no país, a “processual-orgânica”, referente a processos com características de permanência no processo formativo do estudante, associando a produção de conhecimento à pesquisa (MELO NETO, 2002). A Política Nacional de Extensão Universitária que tem como fundamento referenciais teóricos de Paulo Freire (1969) e de Boaventura de Souza Santos (2008), busca superar ações mais restritas, apresentando a interação dialógica, a interdisciplinaridade e interprofissionalidade, a indissociabilidade ensino-pesquisa-extensão, o impacto na formação do estudante e a transformação social como diretrizes que devem nortear as ações extensionistas. Isso demonstra a amplitude e a complexidade do papel da extensão na relação entre universidade e comunidade, na formação dos estudantes e na produção do conhecimento. Entre os desafios da extensão universitária encontra-se o da garantia da sua dimensão acadêmica, ou seja, da relação entre o ensino-pesquisa-extensão. Essa dimensão tem impacto direto na formação dos estudantes, no entanto, garanti-la passar pela superação de modelos que propõem práticas isoladas, com caráter “eventista-inorgânica” para ações de cunho “processual-orgânica”. Assim, a coerência entre o processo de formação de pessoas (ensino), da geração de conhecimento (pesquisa), que tem o aluno extensionista como foco de sua formação técnica e cidadã, poderá ser viabilizada, permitindo que ele se reconheça como 23 agente de garantia de direitos, deveres e de transformação social. Isso deve acontecer por meio de uma interação dialógica entre setores sociais, comunidade e universidade, por meio de uma relação marcada por trocas de saberes (FORPROEX, 2012). Logo, este desafio está intimamente relacionado com a metodologia adotada pelos programas e/ou projetos de extensão. Santos (2013) apresenta a pesquisa-ação ou investigação-ação (FORPROEX, 2012) como uma metodologia com grande potencial, pois ela trata da elaboração e execução participativa de projetos. Nela, existe uma relação de proximidade entre os interesses sociais e os do pesquisador, articulando-se para o desenvolvimento da produção de um conhecimento que busca gerar a satisfação e suprir as necessidades e demandas dos grupos sociais. Essa metodologia refina-se com a concepção da ecologia dos saberes, entendida como a inversão da lógica da extensão, a qual propõe uma relação de fora para dentro da universidade. Consiste na relação dialógica entre os saberes populares, tradicionais, urbanos e/ou camponeses com os saberes científicos que a universidade produz (SANTOS, 2013). Basicamente, se materializa através de “conjuntos de práticas que promovem uma nova convivência ativa de saberes no pressuposto que todos eles, incluindo o saber científico, se podem enriquecer nesse diálogo” (SANTOS, 2013, p. 57). Desta forma, o que se busca é o entendimento da extensão como trabalho social (MELO NETO et al., 2002; FORPROEX, 2012). Isso significa reconhecer a extensão como produtora da cultura, a qual se desenvolve a partir da realidade objetiva e “abre a possibilidade de se criar um mundo, também, mais humano” (MELO NETO et al., 2002, p. 10). Neste sentido, há a necessidade de alinhar o trabalho docente no âmbito acadêmico com os objetivos básicos da formação, com a produção de conhecimento e com os projetos políticos que disputam a universidade. Somente assim essas relações deixarão de ser um dificultador e se tornarão potencializadoras de ações extensionistas pautadas pelo trabalho 24 social, com uma metodologia coerente e que contribuirá de fato para um impacto social que rompa com a manutenção do status quo (FORPROEX, 2012). Corroborando com isso, se faz necessário que os Projetos Políticos Pedagógicos (PPP) dos cursos de graduação organizem as matrizes curriculares incorporando os pressupostos acima apontados, garantindo tempos e espaços pedagógicos nos quais a indissociabilidade ensino-pesquisa-extensão esteja presente. Não se trata de uma tarefa fácil, dada uma série de fatores. O fato da extensão construir relações entre as pessoas faz dela um espaço de pesquisa muitas vezes não formatado para a produção de dados, segundo os moldes acadêmicos valorizados no âmbito das agências financiadoras. As peculiaridades da vida prática, nem sempre passíveis de serem controladas por protocolos, geram barreiras para o extensionismo associado às pesquisas atualmente hegemônicas no cenário brasileiro. Ou seja, o tempo estipulado e os critérios de avaliação dos Programas de Pós-Graduação nem sempre respeitam o ritmo das pessoas reais frequentadoras dos projetos de extensão. Outro desafio a ser considerado envolve a necessidade de se fazer uma luta política para que ações de extensão possam ser bons modelos para contribuir com as políticas públicas, mas não suas substitutas. Não se pode perder de vista que a instituição universitária não tem recursos e pessoas para ocupar o papel dos diferentes órgãos públicos, tendo como dever estar próxima, ofertando informações e possibilidades de intervenção sem assumir a promoção de políticas que não as de formação profissional, considerando a pesquisa e a extensão como partes integradas ao processo de ensino. 1.1 Projetos de Extensão O projeto de extensão é uma modalidade de intervenção sistematizada no modelo de projeto e regulamentada que se configura como uma das formas de se desenvolver a extensão 25 universitária a partir da perspectiva “processual-orgânica”. Este é desenvolvido a partir das escolhas da instituição, sendo definidas e construídas pela legislação acadêmica criada pelos órgãos colegiados locais (PROEX, 2018). O projeto de extensão tem como característica possuir objetivos bem delineados e delimitados a serem alcançados dentro de um prazo pré estipulado com uma produção de resultados mensuráveis. Além disso, ele deve ser desenvolvido com intuito de contemplar o conceito, os princípios e as diretrizes da Política Nacional de Extensão Universitária (PROEX, 2018). O Manual Dinâmico para Elaboração de Proposta de Projeto de Extensão Universitária e Iniciação à Extensão Universitária da Universidade Estadual Paulista - Júlio de Mesquita Filho (UNESP), ao abordar aspectos metodológicos para o desenvolvimento de um projeto de extensão, chama a atenção para a importância do momento do diagnóstico. Segundo o documento, a elaboração da proposta não deve ser criada apenas pelo grupo universitário e ser implementada com a população, mas que é necessária a participação do público alvo desde a elaboração. O projeto deve ser guiado por uma metodologia participativa, permitindo que haja a participação do público juntamente com a equipe universitária como coautores no processo, levandoem consideração seus saberes, opiniões e interesses, sob uma interação dialógica e democrática (PROEX, 2018). Visando isso, o manual apresenta três possibilidades, sendo elas: o diagnóstico rápido participativo, que se refere a uma “técnica que pode ser utilizada na elaboração do projeto e também como ferramenta de diagnóstico durante o desenvolvimento das ações extensionistas”, e as outras duas já mencionadas anteriormente, sendo a pesquisa-ação e a ecologia dos saberes (PROEX, 2018, p. 12). Portanto, demonstrando consonância com a Política Nacional de Extensão Universitária, a qual afirma que as ações de extensão devem se sustentar “em metodologias participativas no formato investigação-ação (ou pesquisa-ação), 26 priorizando métodos de análise inovadores, a participação dos atores sociais e o diálogo” (FORPROEX, 2012, p. 33). Acerca da organização da proposta de um projeto, a Pró-Reitoria de Extensão e Cultura (PROEC) da Universidade Federal de Lavras (UFLA) apresenta um modelo de projeto de extensão que contém 16 itens a serem contemplados, sendo: título, área temática, coordenador, equipe técnica, departamento ou setor, instituições parceiras, número estimado de participantes, local de realização, período, resumo da proposta, fundamentação teórica, objetivos, justificativa, metodologia, resultados esperados e cronograma. A exemplo de projeto de extensão, a âmbito nacional, existe o Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde - PET - Saúde. O programa, instituído em 2010, é uma iniciativa do Ministério da Saúde para qualificar profissionais da área durante a graduação por meio de práticas de iniciação ao trabalho. Como pressuposto, dissemina a noção de educação pelo trabalho, por meio da integração ensino-serviço-comunidade, sendo assim, se configurando como uma proposta que contempla o ensino, a pesquisa, a extensão universitária e contribui para a participação social (BRASÍLIA, 2019). O programa oportuniza a vivência na estrutura organizativa da saúde pública e comunitária, o que contribui para o debate a respeito do sistema de saúde e da realidade local (FARIA et al., 2018). Entre os objetivos do PET - Saúde, encontram-se: estimular a formação de profissionais e docentes de elevada qualificação técnica, científica, tecnológica e acadêmica, bem como a atuação profissional pautada pelo espírito crítico, pela cidadania e pela função social da educação superior, orientados pelo princípio da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, preconizado pelo Ministério da Educação. Assim como fomentar a articulação ensino-serviço- comunidade na área da saúde (BRASÍLIA, 2010, s/p). 27 No entanto, ressalta-se que as orientações e políticas do Ministério da Educação e da Saúde representam um estímulo a extensão. Contudo, a simples implementação a partir do cumprimento de normas técnicas para garantir o projeto não é suficiente para o desenvolvimento de uma extensão contextualizada e articuladora do ensino e pesquisa. As ações estabelecidas durante o processo é que vão definir o desenvolvimento de uma extensão “processual-orgânica” de fato. 1.2 Projeto de Extensão da Educação Física na Atenção Básica à Saúde A Política Nacional de Extensão Universitária fala sobre a necessidade de articular as ações de extensão com as políticas públicas, estando entre os benefícios dessa relação o fortalecimento da própria extensão. Deixa claro a necessidade de se ter uma visão crítica dessa aproximação, na qual a extensão vem contribuir de forma crítica e autônoma com as políticas públicas (FORPROEX, 2012, p 44). Para isso, é proposto eixos integradores, sendo eles: áreas temáticas, território e grupos populacionais. As áreas temáticas visam a sistematização das ações de extensão, somando um total de oito e dentre elas encontra-se a saúde. O território tem como objetivo a promoção da integração a nível espacial e das políticas públicas que serão alvos das ações de extensão. Já os grupos populacionais, vêm complementar essa articulação, buscando especificar a população alvo e abordando a importância de privilegiar os excluídos, e aqueles em situação de vulnerabilidade social (FORPROEX, 2012). A exemplo, as ações dos projetos de extensão da Educação Física, ao se encaixarem na área temática da saúde, podem ser desenvolvidas na ABS, em um território adscrito por uma Equipe da Estratégia Saúde da Família, pautado pela Política Nacional de Promoção de Saúde (PNPS), pertinente a prioridade Práticas Corporais e Atividades Físicas presente nessa 28 política (BRASIL, 2014). Nesse contexto, há uma tendência em adotar como população alvo o público adulto e idoso, devido à ênfase que comumente é dada aos benefícios da atividade física na prevenção e no tratamento das Doenças Crônicas Não Transmissíveis (DCNTs) (WHO, 2018). Pensar nesta associação é considerar aspectos relacionados aos conceitos, princípios e diretrizes da Política Nacional de Extensão Universitária, articulando-os ainda aos conceitos, princípios e diretrizes do SUS e nas características e propósitos da ABS. Sendo assim, configurando-se como um desafio para os projetos de extensão da Educação Física no campo da saúde pública. Tendo em vista que tanto a Política Nacional de Extensão Universitária quanto o SUS tem como base a garantia de direitos e a cidadania, pautando-se por ações democráticas que valorizam a participação social por meio de ações dialógicas, a interação/intervenção multiprofissional e a valorização das ações intersetoriais, compreende-se que a aproximação entre seus princípios e diretrizes não representam um problema. O principal desafio está na forma que a indissociabilidade entre o ensino, a pesquisa e a articulação feita pela extensão acontecerá, pois isso será crucial na formação do estudante e na perspectiva de transformação social que estas relações trarão. Por exemplo, nas ações desenvolvidas na ABS, é necessário o desenvolvimento de uma prática de cuidado em saúde que visa a integralidade e que seja centrada nos usuários, compreendendo-os como sujeitos autônomos e responsáveis pelas tomadas de decisões no que se diz respeito ao processo saúde-doença experienciado por eles. Isso exige, entre outras coisas, que o território no qual a futura intervenção do projeto de extensão será desenvolvida seja analisado através do olhar da ABS, a qual tem a territorialização e o foco na população adscrita com uma de suas principais ações. Isso se torna relevante, pois: 29 cada comunidade privilegia uma explicação sobre seus problemas de saúde, motivando respectivamente certos tipos de ações e reações correspondente à maneira específica pensar/agir sobre o seu universo dos problemas de saúde na cultura local; e no fato de que existe continuidade entre a maneira pela qual uma comunidade percebe e interpreta seus problemas de saúde, desenvolvendo procedimentos mediados por suas características socioculturais que entendem possam resolvê-los (SANTOS, GIACOMIN, FIRMO, 2019, p. 4277). Para isso, as metodologias anteriormente apresentadas podem contribuir, pois, pressupõe levar em consideração o contexto do sistema de saúde e das políticas públicas que fundamentam a intervenção e identificar as demandas da população por meio do diálogo para que, a partir daí se possa pensar e propor estratégias pertinentes a serem desenvolvidas a fim de contemplar os objetivos do projeto sem negligenciar o contexto e os interesses do público alvo. Por outro lado, um projeto que propõe uma intervenção que valoriza exclusivamente as evidências científicas a respeito dos impactos positivos da atividade física nas DCNTs e usa da política pública para justificar sua inserção no território, mas ignora seus princípios, o contexto do sistema e não faz um diagnóstico que leve em consideração os interesses da comunidade,tende a ser problemático, gerando uma relação limitada no que diz respeito a indissociabilidade entre o ensino, a pesquisa e a extensão, a qual deixa de ser uma articuladora do processo e se torna um item que viabiliza a “transmissão” vertical do conhecimento produzido na universidade para a população. Assim, esse tipo de intervenção pode ter como impacto a formação de um profissional limitado, o qual acredita que a transformação social se dá pela via da mão única entre os que supostamente detêm os saberes e uma sociedade sujeitada a eles. Sendo assim, dificultando a superação de um dos desafios apresentados pela Política Nacional de Extensão, 30 que visa a “mudança social, a superação das desigualdades, eliminando, nesse exercício, ações meramente reprodutoras do status quo” (FORPROEX, 2012, p. 39). É possível que uma das chaves para evitar esse tipo de extensão e para contribuir com a superação desse desafio esteja nas articulações e fundamentações teóricas advindas do processo de ensino. Knuth, Silva e Mielke (2018) ao convidar a Educação Física para fazer uma releitura das impressões teóricas a respeito da promoção da saúde na área de atividade física e saúde, apontam a tendência que a mesma tem em privilegiar ações de cunho preventivistas e direcionadas aos indivíduos, no sentido de responsabilizá-los pelas suas condições de saúde, se afastando de um olhar crítico que leva em consideração os impactos dos contextos do sujeito em suas condições de vida. Esta tendência pode estar relacionada com o recrutamento de saberes que valorizam exclusivamente as especificidades do núcleo de saber da Educação Física em detrimento dos saberes relacionados à dimensão do trabalho no SUS. Ceccim e Bilibio (2007) pontuam que o profissional de Educação Física utiliza três tipos de “mochilas” tecnológicas no seu agir em saúde, sendo elas: as tecnologias duras, referente aos aparelhos de ginástica, o cronômetro e os equipamentos; as tecnologias leve-duras, referente aos saberes bem estruturados e fundamentados pela área e protocolos; e as tecnologias leves, que são as utilizada no espaço relacional, “em ato” com o usuário. Segundo os autores, isoladamente, as duas primeiras tecnologias, restritas nos saberes específicos da área, proporcionam o desenvolvimento de um trabalho morto nas ações do profissional de Educação Física na saúde. No entanto, isso pode ser modificado através da ressignificação dos saberes que permeiam essas tecnologias, a partir da mediação e problematização dos conhecimentos da saúde coletiva e da valorização das tecnologias leves, buscando uma aproximação entre os saberes da área com os do SUS, gerando um processo de trabalho consistente com o contexto da ABS e necessidades da população. 31 Reconhecemos que questionar o modelo tradicional não é uma tarefa simples, “contudo é justamente esse desprendimento que sinaliza amadurecimento, posicionamento e, com divergências possíveis, proporcionará densidade e evolução ao tema Promoção da Saúde na Atividade Física e Saúde” (KNUTH, SILVA, MIELKE 2018, p. 4). Desta forma, é necessário um novo arranjo para o ensino, que deve passar a ser melhor articulado e desenvolvido de forma crítica e pautado por uma literatura que problematiza as relações da Educação Física com a promoção de saúde no campo da saúde público, tendo em vista o SUS e suas políticas. Ressalta-se que, reconhecer e valorizar o ensino como chave para a mudança das relações, entre outras ações, significa olhar, refletir e valorizar a elaboração e desenvolvimento do currículo. Costa (2019, p. 2) ressalta que “qualquer movimento de mudança deve atentar para o currículo como um todo, e não apenas incluir componentes curriculares isolados para atender às exigências das diretrizes”. O autor pontua a necessidade de superar a fragmentação e a má articulação do currículo buscando o desenvolvimento de um currículo integrado, que contemple a promoção de competências profissionais amplas e contextualizadas (COSTA, 2019). Isso inclui a valorização do trabalho interprofissional, onde um profissional da Educação Física não pode desconhecer a história da organização do sistema de saúde no país, não pode desconhecer de maneira crítica os objetos profissionais das profissões da saúde, não pode desconhecer os recursos da vocação da sua profissão na construção da integralidade da atenção à saúde (...) (CECCIM, BILIBIO, 2007, p. 59). Neste sentido, pode ser dado como exemplo a experiência da UNIFESP, Baixada Santista, que valoriza uma formação interdisciplinar, o qual estudantes dos cursos de Educação Física, Fisioterapia, Nutrição, Psicologia, Serviço Social e Terapia Ocupacional 32 “compartilham eixos de formação que atravessam os seis semestres iniciais do curso, sendo eles: ser humano em sua dimensão biológica; o ser humano e sua inserção social; e a aproximação ao trabalho em saúde” (COSTA, 2019, p. 2). As presentes relações tendem a contribuir para que os projetos de extensão da Educação Física, assim como a atuação do profissional formado, busquem “outros lugares” e modos de “ocupação” no sistema de saúde (CARVALHO; CARVALHO, 2018). Isso permitirá, entre outras coisas, um olhar mais amplo para as relações sociais e para a forma que a população pode se relacionar com as atividades físicas através de práticas mediadas pelo sistema de saúde via projetos, o que poderá fazer, inclusive, com que os grupos populacionais deixem de ser prioritariamente adultos e idosos, além de possibilitar uma nova abordagem para as DCNTs relacionadas à prática de atividade física na ABS. Dessa forma teremos um melhor diálogo entre a área temática, o território e os grupos populacionais como preconiza a Política Nacional de Extensão Universitária. Assim, a extensão, enquanto articuladora do ensino e pesquisa, através do trabalho vivo em ato e desenvolvida pelos estudantes em uma realidade objetiva, ganhará contornos de trabalho social, contribuindo para a produção de um conhecimento compartilhado e útil a população, com potencial para a transformação social. 1.3 Considerações Finais A extensão universitária é um processo que oportuniza conhecer a realidade local e as reais condições de vida da população alvo das intervenções, caminho que potencializa a formação dos alunos e os preparam para uma atuação profissional com base na democracia e cidadania. 33 Neste sentido, a Educação Física no campo da saúde, vem desenvolvendo projetos nos territórios adscritos pela ABS que buscam fortalecer as políticas públicas que reconhecem as atividades físicas como essenciais na produção da saúde e formar seus profissionais, a fim de concretizar um processo de trabalho que vai ao encontro deste reconhecimento. O desafio é grande, passando por questões referentes à necessidade de alinhar os objetivos básicos da formação com a produção de conhecimento e as disputas entre projetos políticos, à necessidade da valorização de novas metodologias e saberes. Desafio que vem sendo aceito e enfrentado por docentes e discentes da Educação Física no cotidiano das universidades, como poderá ser lido nos relatos que compõem o presente livro. Referências BRASÍLIA. Fundação Capes. Capes (Ed.). EDITAL Nº 7/2018: CHAMADA PÚBLICA PARA APRESENTAÇÃO DE PROPOSTAS - PIBID. 2018. Disponível em: <https://www.capes.gov.br/images/stories/download/editais/01032018-Edital-7-2018- PIBID.pdf>. Acesso em: 10 jul. 2019. BRASÍLIA. Fundação Capes. Capes (Ed.). Pibid: Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência. 2018. Disponível em: <https://www.capes.gov.br/pt/educacao- basica/capespibid/pibid>. Acesso em: 10 jul. 2019. BRASÍLIA. Ministério da Saúde. Gabinete do Ministro. Portaria Interministerial Nº 421, de 3 de Março de 2010: Institui o Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde (PET Saúde)e dá outras providências, 2010. Disponível em: 34 <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2010/pri0421_03_03_2010.html>. Acesso em: 10 jul. 2010. BRASÍLIA. Ministério da Saúde. Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde: (PET-Saúde). 2019. Disponível em: <http://www.saude.gov.br/trabalho-educacao-e- qualificacao/gestao-da-educacao/qualificacao-profissional/44938-programa-de-educacao- pelo-trabalho-para-a-saude-pet-saude>. Acesso em: 10 jul. 2019. CARVALHO, Fabio Fortunato Brasil de; CARVALHO, Yara Maria de. OUTROS... LUGARES E MODOS DE “OCUPAÇÃO” DA EDUCAÇÃO FÍSICA NA SAÚDE COLETIVA/SAÚDE PÚBLICA. Pensar A Prática, [s.l.], v. 21, n. 4, p.957-967, dez. 2018. CECCIN, R. B.; BILIBIO, L. F. Singularidades da Educação Física na saúde: desafios à educação de seus profissionais e ao matriciamento interprofissional. In: FRAGA, A. B.; WACHS, F. Educação Física e saúde coletiva: políticas de formação e perspectivas de intervenção. Porto Alegre: Ed. da UFRGS, 2007. COSTA, F. F. Novas diretrizes curriculares para os cursos de graduação em Educação Física: oportunidades de aproximações com o SUS? Rev Bras Ativ Fís Saúde, [s.l.], v. 24, p. 1-4, set. 2019. FARIA, L. et al. Integração ensino-serviço-comunidade nos cenários de práticas na formação interdisciplinar em Saúde: uma experiência do Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde (PET-Saúde) no sul da Bahia, Brasil. Interface - Comunicação, Saúde, Educação, Botucatu, v. 22, n. 67, p. 1257-1266, jun. 2018. 35 KNUTH, A. G.; SILVA, I. C.; MIELKE, G. I. Promoção da saúde: um convite à releitura de imprecisões teóricas na área de Atividade Física e Saúde. Rev Bras Ativ Fís Saúde, [s.l.], v. 23, p. 1-5, nov. 2018. MELO NETO, José Francisco de et al (Org.). Extensão Universitária: - diálogos populares. Vitória da Conquista: Editora Universitária, 2002. 208 p. SANTOS, B. S. A Universidade no Século XXI: Para uma reforma democrática e emancipatória da Universidade. In: SANTOS, B. S. Pela mão de Alice, O Social e o Político na Pós-Modernidade. 14. ed. São Paulo: Cortez, 2013. cap. 11, p. 429-498. SANTOS, W. J.; GIACOMIN, K. C.; FIRMO, J. O. A. Alteridade do corpo do velho: estranhamento e dor na Saúde Coletiva. Ciên. Saúde Colet, Rio de Janeiro, v. 24, n. 11, p. 4275-4284, nov. 2019. SERRANO, Rossana Maria Souto Maior. Conceitos de extensão universitária: um diálogo com Paulo Freire. Disponível em: <https://issuu.com/praticasintegraisnutricao/docs/conceitos_de_extens__o_universit__r>. Acesso em 15 mai. 2019. SÍVERES, Luiz. O Princípio Da Aprendizagem Na Extensão Universitária. In: SÍVERES, Luiz (Org.) A extensão universitária como princípio de aprendizagem. Brasília: Liber, 2013. 36 WORLD HEALTH ORGANIZATION. Global Action Plan on Physical Activity 2018–2030: More Active People for a Healthier World; World Health Organization: Geneve, Switzerland, 2018. 37 2. CAPÍTULO DOIS BENEFÍCIOS DO EXERCÍCIO FÍSICO E MALEFÍCIOS DO COMPORTAMENTO SEDENTÁRIO NAS DOENÇAS CRÔNICAS NÃO TRANSMISSÍVEIS Ana Elisa Messetti Christofoletti Deisy Terumi Ueno A transição demográfica, processo dinâmico e que ocorre em todo o mundo, associado aos avanços tecnológicos, mudanças demográficas, biológicas, sociológicas, econômicas e psicológicas, é responsável pelo declínio das taxas de fecundidade e mortalidade, no qual houve uma queda nas doenças infecciosas, dando espaço para as DCNTs, acarretando assim na diminuição nos casos de morte precoce e morbidades (BLOOM, 2011; OMRAM, 2001). As DCNTs são doenças multifatoriais de longa duração e que se desenvolvem no decorrer da vida. São consideradas um problema grave de saúde pública, sendo responsáveis por 63,0% das causas de morte no mundo em 2008, e no Brasil por cerca de 72,5% (BRASIL, 2015; BRASIL, 2011). Muitas vezes são provenientes da adoção de hábitos de vida ruins, como: inatividade física, excesso de comportamento sedentário, má alimentação, uso de álcool e drogas. Isto pode gerar maior ou menor preocupação e cuidado conforme o avançar da idade e o acúmulo dos hábitos ao longo da vida (MÁSSIMO; SOUZA; FREITAS, 2015). Visto que a inatividade física e o comportamento sedentário possuem conceitos distintos, sendo a inatividade física caracterizada pelo indivíduo que não atinge as recomendações para atividade física, proposta pela Organização Mundial da Saúde, no qual adultos devem acumular 150 minutos de exercício físico moderado por semana ou 75 minutos de exercício físico vigoroso por semana, sendo que cada sessão deve ter pelo menos 10 minutos de duração (WHO, 2010). Já o comportamento sedentário é o tempo diário destinado às atividades com dispêndio de energia menor que 1,5 METS, realizadas em posição sentada, 38 reclinada ou deitada (TREMBLAY et al., 2017). Apesar de terem conceitos e implicações distintos, o acúmulo destes hábitos ao longo da vida favorecem e agravam as doenças, como: diabetes mellitus tipo 2, obesidade, hipertensão arterial, síndrome metabólica, trombose venosa, transtornos mentais e câncer (HOWARD et al., 2013; PROPER, et al., 2011; THORP et al., 2010; HAMILTON et al., 2007). No entanto, estudos demonstram que tais doenças também podem ser prevenidas, controladas e/ou tratadas por meio da prática de exercícios físicos e redução do tempo gasto em comportamento sedentário, os quais são apresentados a seguir: 2.1 Obesidade A obesidade, caracterizada pelo o excesso de gordura corporal, está associada a diversos fatores, dentre eles a diminuição da taxa metabólica, baixo nível de atividade física, excesso de comportamento sedentário, nutrição inadequada, entre outros. Atinge cerca de 53,8% da população brasileira, sendo mais frequente em mulheres (59,1%) do que em homens (55,2%) (BRASIL, 2016), e pode desencadear outras doenças, como: diabetes mellitus, hipertensão arterial e síndrome metabólica (MATSUDO; MATSUDO, 2006). Um dos tratamentos para a obesidade é praticar exercícios regularmente e uma dieta balanceada (LEMMENS et al., 2008). O exercício físico está associado ao controle do peso, redução de gordura corporal, manutenção de massa magra, prevenção da recuperação do peso anterior, melhora o perfil lipídico e diminui os riscos de DCNTs, portanto, praticar exercícios físicos é indicado para pessoas com sobrepeso (MATSUDO; MATSUDO, 2006). Além do exercício físico, estudos demonstram que pausas no tempo de comportamento sedentário são eficazes também para aumentar o dispêndio energético, no qual indivíduos que realizam mais pausas em atividades sedentárias têm maior gasto 39 energético total em comparação com aqueles que não realizam pausas, contribuindo assim para um menor ganho de gordura corporal e um maior número de contrações musculares, que por sua vez estão associadas ao menor risco de desenvolver alterações prejudiciais em marcadores metabólicos (HEALY et al., 2008; LEVINE, 2004). Júdice e colaboradores (2015) analisaram as associações de quebras de tempo sedentário com obesidade abdominal em 301 adultos portugueses mais velhos, sendo 111 homens e 190 mulheres (idade média de 74,5±6,78 e 75,0±7,06 anos, respectivamente), e os autores verificaram que mulheres mais velhas que costumam fazer mais quebras de tempo sedentário têm menor propensão a desenvolver obesidade abdominal, independentemente do tempo sedentário total e nível de atividade física. 2.2 Diabetes Mellitus A diabetes mellitus é uma epidemia mundial e estima-se que a mesma atinge 382 milhões de pessoas (SOCIEDADE BRASILEIRA DE DIABETES, 2015).Ela aparece em maior número em países em desenvolvimento e segundo dados do sistema de Vigilância de Fatores de Risco para DCNTs - Vigitel de 2016, 27,2% dos idosos possuem diabetes mellitus (BRASIL, 2016). Estudos demonstram que o exercício físico contribui para diminuição dos fatores de risco para o desenvolvimento da doença cardiovascular (aumentado no paciente portador de diabetes), através das seguintes alterações: melhora do perfil lipídico, contribuição para a normalização da pressão arterial, aumento da circulação colateral, diminuição da frequência cardíaca no repouso e durante o exercício. Ainda, independentemente das alterações fisiológicas que acompanham o exercício, também ocorrem alterações comportamentais que favorecem o cuidado e o autocontrole por parte do paciente, e consequentemente contribuem 40 para melhorar sua qualidade de vida (MERCURI; ARRECHEA, 2001). Um comportamento que desfavorece indivíduos diabéticos é o tempo sedentário, já que o mesmo possui forte associação com esta doença, portanto, é indicado evitar o excesso do comportamento sedentário para este público (WILMOT, 2012). Dessa forma, a Sociedade Brasileira de Diabetes recomenda: exercitar-se de preferência nos mesmos horários e de preferência no período da manhã, acúmulo semanal de 150 minutos de atividade moderada ou 75 minutos de intensidade elevada, devem ser realizados exercícios de fortalecimento muscular (ao menos 2-3 vezes na semana), flexibilidade (diariamente), exercícios de alta intensidade (ao menos 1-2 vezes por semana) (OLIVEIRA; VENCIO, 2014). 2.3 Hipertensão Arterial Sistêmica A hipertensão arterial sistêmica é reconhecida como um dos principais fatores de risco das doenças cardiovasculares cuja prevalência, no Brasil, atinge de 22,0% a 44,0% da população urbana adulta, sendo responsáveis por 33,0% de mortes ao ano. Ocorre com maior incidência em pessoas obesas, sedentárias e consumidoras de sal e álcool em excesso (NEDER; BORGES, 2006; RONDON; BRUM, 2003). Intervenções não farmacológicas como a redução do peso corporal, restrição alcoólica, abandono do tabagismo e a prática de exercício físico, são recomendadas, pois além de possuírem baixo custo e risco mínimo, são eficazes na diminuição da pressão arterial (SOCIEDADE BRASILEIRA DE HIPERTENSÃO, 1998). O exercício físico promove importantes alterações autonômicas e hemodinâmicas que influenciam no sistema cardiovascular, tais como: bradicardia de repouso, diminuição da atividade nervosa simpática renal e simpática muscular, assim como o menor débito cardíaco. 41 Tais alterações cardiovasculares provocadas pelo exercício são observadas na pressão arterial, quando os níveis pressóricos de repouso e durante o exercício submáximo para a mesma potência absoluta são reduzidos após o treinamento físico aeróbio (RONDON; BRUM, 2003). Mainsbridge e colaboradores (2014) avaliaram o efeito de uma intervenção de saúde com duração de 13 semanas destinada a redução de comportamento sedentário prolongado na pressão arterial média de funcionários de escritório. O grupo experimental foi composto por 11 funcionários adultos (idade média de 36,73±12,38 anos) e os autores verificaram que a intervenção foi eficaz para reduzir significativamente a pressão arterial média. 2.4 Síndrome Metabólica Ciolac e Guimarães (2008) em estudo de revisão, verificaram que o exercício físico está relacionado a prevenção e tratamento da síndrome metabólica (ou síndrome X), a qual caracteriza-se por um grupo de fatores de risco cardiovasculares, como: hipertensão arterial, resistência à insulina, hiperinsulinemia, intolerância à glicose/diabete do tipo 2, obesidade central e dislipidemia (LDL - colesterol alto, triglicérides alto e HDL - colesterol baixo), pois auxilia no tratamento de outras patologias que estão associadas ao desenvolvimento de síndrome metabólica, tais como: diminuição do peso e do acúmulo gordura visceral, aumento o C-HDL e melhora da sensibilidade à insulina. Bankoski e colaboradores (2011) verificaram que o alto tempo gasto em comportamento sedentário está fortemente relacionado ao risco metabólico, independente de praticar exercício físico. Ainda, os autores sugerem a redução tempo sedentário total e quebras no comportamento sedentário podem diminuir os riscos metabólicos. 42 2.5 Trombose venosa Um estudo de revisão realizado por Kahn e colaboradores (2008), os autores encontraram 9 estudos sobre os benefícios ou riscos da prática de exercício físico por pacientes com trombose venosa profunda. Os autores verificaram que o exercício físico é seguro para pacientes com trombose e sua prática pode ajudar a reduzir os sintomas agudos, melhora da força muscular e pode auxiliar na prevenção ou melhora da síndrome pós- trombótica. Sabe-se que o comportamento sedentário está associado ao aumento do risco de desenvolver trombose. Em estudo de Howard e colaboradores (2013), os autores demonstraram que maior número de pausas no comportamento sedentário está relacionado a uma menor concentração de fibrinogênio no plasma e com a redução de parâmetros de volume de sangue que influenciam a viscosidade do sangue, reduzindo assim o risco de trombose venosa. 2.6 Transtornos Mentais Os Transtornos Mentais Comuns abrangem sintomas como: insônia, fadiga, esquecimento, irritabilidade, dificuldades de concentração, queixas somáticas e sentimento de inutilidade, os quais estão altamente relacionados à depressão não-psicótica, ansiedade e sintomas somatoformes, principais características dos Transtornos Mentais Comuns (GOLDBERG; HUXLEY, 1992). Sendo mais prevalente em mulheres, indivíduos de cor negra ou parda, pessoas com baixo nível de escolaridade, baixa renda, fumantes, doentes crônicos e pessoas mais velhas (ROCHA et al., 2011). Já é de consenso científico que durante a prática de atividade física ocorre a liberação 43 da b-endorfina e da dopamina pelo organismo, propiciando um efeito tranquilizante e analgésico, atuando diretamente nos fatores psicológicos (diminuição do estresse, angústia, ansiedade, distração, e aumento do prazer, relaxamento, bem-estar, auto eficácia e interação social) e fisiológicos (aumento da transmissão sináptica das monoaminas, que supostamente funcionam como drogas antidepressivas), contribuindo dessa forma na prevenção e recuperação das morbidades psíquicas (REIJNEVELD; WESTHOFF; HOPMN-ROCK, 2008; PELUSO; ANDRADE, 2005; MARIN-NETO et al., 1995; BROGAN,1981). Atualmente, há muito mais evidências que relacionam o aumento do nível de atividade física à melhoria da saúde mental e benefícios psicossociais do que estudos verificando os efeitos da redução do comportamento sedentário. Dessa forma, é possível especular que o simples fato de reduzir o comportamento sedentário, optando-se assim por um comportamento ativo já seria eficaz para melhoria da saúde mental (TREMBLAY et al., 2010). 2.7 Câncer De acordo com a International Agency for Research on Cancer (IARC), o câncer expressa uma prevalência superior a 50 milhões de casos em âmbito mundial, sendo o câncer de mama (15,4%), colorretal (10,4%) e próstata (9,8%) os mais comuns. No ano de 2020, este acarretou aproximadamente 9 milhões de óbitos, advindos do câncer de pulmão (18,0%), colorretal (9,4%) e fígado (8,3%) (IARC, 2020). No Brasil, além das prevalências e mortalidades por câncer acompanharem o cenário mundial, dados do Instituto Nacional de Câncer (INCA) demonstram que 72,0% a 95,0% dos pacientes com câncer apresentam maiores níveis de fadiga, responsável pela diminuição significativa da capacidade funcional e consequentemente na qualidade de vida (INCA, 2000). 44 Desse modo, estudos têm demonstrado que a prática de exercício físico regular está associada a uma diminuição dos riscos de câncer em até 30,0%, sendotambém uma alternativa na preservação das funções fisiológicas e metabólicas, principalmente na preparação física e psicológica dos pacientes para enfrentar o tratamento (MOTA; PIMENTA, 2002; BACURAU; COSTA ROSA, 1997). Dados de estudo de coorte prospectivo realizado por pesquisadores do Instituto Nacional de Câncer, com 488.720 homens e mulheres com idade entre 50 e 71 anos (linha de base de 1995 a 1996), demonstraram que altos níveis de tempo de tela estão associados a maior risco de câncer de cólon para homens e mulheres (HOWARD et al., 2008). Nesta mesma perspectiva, outros estudos demonstraram que pessoas que passavam boa parte do dia sentadas apresentavam maior risco de câncer de endométrio, ovário e mamas quando comparadas a pessoas que permaneciam menos horas sentadas por dia (GIERACH et al., 2009; WOLIN et al., 2007; PATEL et al., 2006; FRIBERG et al., 2006). 2.8 Considerações Finais A prática de exercício físico e redução do comportamento sedentário são dois dentre outros fatores modificáveis de estilo de vida muito importantes, que devem ser incentivados como opções simples, eficazes e de baixo custo para melhora da qualidade de vida e economia em saúde (EKELUND et al., 2016; HEALY et al., 2008; SANTOS; KNIJNIK, 2006; GOBBI et al., 2005). Ainda, devido ao alto número de pessoas que não atingem os níveis recomendados de atividade física (45,1%) (BRASIL, 2016), a Organização Mundial da Saúde criou o Plano de Ação Global para a Atividade Física 2018-2030: Mais Pessoas Ativas Para Um Mundo Mais Saudável, que tem como objetivo reduzir em 10,0% a inatividade física até 2025 e 15,0% até 2030, mostrando medidas de urgência com relação ao assunto (WHO, 45 2018). Desta forma, campanhas e programas para minimizar, contrapor e controlar o desenvolvimento de DCNTs ao longo da vida devem ser projetados e desenvolvidos. No Brasil, o SUS é o principal aliado dessas ações. A partir de políticas públicas, a exemplo da PNPS, o sistema vem promovendo a redução da inatividade física nas ações da ABS. No entanto, a promoção em larga-escala no âmbito do SUS ainda é apenas uma meta, e não realidade. Assim, para que haja a mudança deste quadro, precisamos repensar a formação dos profissionais da saúde, promovendo também um aumento na discussão e nos planejamentos intersetoriais, de forma a intensificar intervenções custo-efetivas, de forma que haja uma expansão de vínculos com instituições acadêmicas, engajando-as em todos os níveis de planejamento e avaliações, assim como no treinamento dos profissionais de saúde que trabalham no SUS, integrando assim o conjunto de iniciativas da ABS referentes ao controle do álcool, tabaco, alimentação saudável e exercício físico (MALTA; SILVA, 2014; MALTA et al., 2013; SCHMIDT et al., 2011; HALLAL, 2011). Referências BACURAU, R. F. P.; COSTA ROSA, L. F. B. P. Efeitos do Exercício sobre a Incidência e Desenvolvimento do Câncer. Revista Paulista de Educação Física, v.2, n.11, p.142- 147,1997. BANKOSKI, A. et al. Sedentary Activity Associated With Metabolic Syndrome Independent of Physical Activity. Diabetes Care, v. 34, n. 2, p. 497-503, fev. 2011. https://doi.org/10.2337/dc10-0987. https://doi.org/10.2337/dc10-0987 46 BLOOM, D. 7 Billion and counting. Science, v. 333, p. 562-569, 2011. Disponível em: <http://www.iess.org.br/html/1apresentao.pdf>. Acesso em 12 jun. 2020. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Análise de Situação de Saúde. Plano de ações estratégicas para o enfrentamento das doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) no Brasil 2011-2022 / Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Análise de Situação de Saúde. – Brasília : Ministério da Saúde, 2011. 160 p. : il. – (Série B. Textos Básicos de Saúde) BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância de Doenças e Agravos não Transmissíveis e Promoção da Saúde. Vigitel Brasil 2014: vigilância de fatores de risco e proteção para doenças crônicas por inquérito telefônico / Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de Vigilância de Doenças e Agravos não Transmissíveis e Promoção da Saúde. – Brasília: Ministério da Saúde, 2015. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância de Doenças e Agravos não Transmissíveis e Promoção da Saúde. Vigitel Brasil 2016: vigilância de fatores de risco e proteção para doenças crônicas por inquérito telefônico: estimativas sobre frequência e distribuição sociodemográfica de fatores de risco e proteção para doenças crônicas nas capitais dos 26 estados brasileiros e no Distrito Federal em 2016 / Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de Vigilância de Doenças e Agravos não Transmissíveis e Promoção da Saúde. – Brasília: Ministério da Saúde, 2017. 160p.: il. 47 BROGAN D.R. Rehabilitation services needs: Physicions’sperceptiiom and referrals. Arch Phys Med Rehabil.1981; 62: 215. CIOLAC, E. G.; GUIMARÃES, G. V. Exercício físico e síndrome metabólica. Revista Brasileira de Medicina do Esporte, v. 10, n. 4, jul./ago. 2004. EKELUND, U. et al. Does physical activity attenuate, or even eliminate, the detrimental association of sitting time with mortality? A harmonised meta-analysis of data from more than 1 million men and women. Lancet, USA, v. 16, n. 31, p. 1-10, jul. 2016. FRIBERG, E.; MANTZOROS, C. S.; WOLK, A. Physical activity and risk of endometrial cancer: a population-based prospective cohort study. Cancer Epidemiol. Biomarkers Prev, v. 15, n. 11, p. 2136-2140, 2006. doi:10.1158/1055-9965.EPI-06-0465. PMID:17057024. GIERACH, G. L. et al. Physical activity, sedentary behavior, and endometrial cancer risk in the NIH–AARP Diet and Health Study. Int. J. Cancer, v. 124, n. 9, p. 2139–2147, 2009. doi:10.1002/ijc.24059. PMID:19123463. GOBBI, S.; VILLAR, R.; ZAGO, A. S. Bases teórico-práticas do condicionamento físico. Rio de Janeiro: Editora Guanabara Koogan; 2005. 284 p. GOLDBERG, D.; HUXLEY, P. Common mental disorders: a bio-social model. London: Tavistock; 1992. 48 HALLAL, P. C. Promoção da atividade física no Brasil: uma questão que vai além da saúde pública. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 27, n. 4, p. 620-621, abr. 2011. HAMILTON, M. T.; HAMILTON, D. G.; ZDERIC, T. W. Role of low energy expenditure and sitting in obesity, metabolic syndrome, type 2 diabetes, and cardiovascular disease. Diabetes, v. 56, n. 11, p. 2655-2667, 2007. http://doi.org/10.2337/db07-0882. HEALY, G. N. et al. Breaks in sedentary time: Beneficial associations with metabolic risk. Diabetes Care, v. 31, n. 4, p. 661-666, 2008. HOWARD, R. A. et al. Physical activity, sedentary behavior, and the risk of colon and rectal cancer in the NIH-AARP Diet and Health Study. Cancer Causes Control. 2008;19(9):939- 953. doi:10.1007/s10552-008-9159-0. HOWARD, B. J. et al. Impact on Hemostatic Parameters of Interrupting Sitting with Intermittent Activity. Med Sci Sports Exerc, v. 45, n. 7, p. 1285–1291, 2013. http://doi.org/10.1249/MSS.0b013e318285f57e. INTERNATIONAL AGENCY FOR RESEARCH ON CANCER (IARC). Cancer Today. 2020. Disponível em: <https://gco.iarc.fr/today/online-analysis- pie?v=2020&mode=cancer&mode_population=continents&population=900&populations=90 0&key=total&sex=0&cancer=39&type=2&statistic=5&prevalence=1&population_group=0& ages_group%5B%5D=0&ages_group%5B%5D=17&nb_items=7&group_cancer=1&include_ nmsc=1&include_nmsc_other=1&half_pie=0&donut=0>. Acesso em: 04 jan. 2021. http://doi.org/10.1249/MSS.0b013e318285f57e 49 INCA - National Cancer Institute: PDQ Supportive care/screening/prevention information, 2000. Disponível em: <https://www.cancer.gov/publications/pdq/information- summaries/prevention>.Acesso em: 12 dez. 2017. JÚDICE, P.B. et al. Associations of breaks in sedentary time with abdominal obesity in Portuguese older adults. AGE, v. 37, n.2, p. 23, 2015. KAHN, S. R.; SHRIER, I.; KEARON, C. Physical activity in patients with deep venous thrombosis: A systematic review. Thromb Res, v. 122, n. 6, p. 763-773, 2008. LEMMENS, V. E. et al. A systematic review of the evidence regarding efficacy of obesity prevention interventions among adults. Obes Rev., v. 9, p.446–455, 2008. LEVINE, J. A. Nonexercise activity thermogenesis (NEAT): environment and biology. Am J Physiol Endocrinol Metab, v. 286, n. 5, E675–E685, 2004. http://doi.org/10.1152/ajpendo.00562.2003. MAINSBRIDGE, C. P. et al. The effect of an e-health intervention designed to reduce prolonged occupational sitting on mean arterial pressure. J Occup Environ Med, v. 56, n. 11, p. 1189-1194, nov. 2014. MALTA, D. et al. Política Nacional de Promoção da Saúde, descrição da implementação do eixo atividade física e práticas corporais, 2006 a 2014. Rev Bras Ativ Fís Saúde, v. 19, p. 286-299, 2014. http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0049384807003982#! http://www.sciencedirect.com/science/journal/00493848 50 MALTA, D. C.; SILVA JR, J. B. O Plano de Ações Estratégicas para o Enfrentamento das Doenças Crônicas Não Transmissíveis no Brasil e a definição das metas globais para o enfrentamento dessas doenças até 2025: uma revisão. Epidemiol Serv Saúde, v. 22, p. 151- 164, 2013. MÁSSIMO, E. A. L.; SOUZA, H. N. F.; FREITAS, M. I. F. Doenças crônicas não transmissíveis, risco e promoção da saúde: construções sociais de participantes do Vigitel. Ciênc. Saúde Colet, v. 20, n. 3, p. 679-688, 2015. MATSUDO, V. K. R.; MATSUDO S. M. M. Atividade física no tratamento da obesidade. Einstein v. 34, Supl.1, S29-S43, 2006. MERCURI, N.; ARRECHEA, V. Atividade física e diabetes mellitus. Diabetes Clínica, v. 4, p. 347-349, 2001. MOTA, D. D. C. F.; PIMENTA, C. A. M. Fadiga em Pacientes com Câncer Avançado: Avaliação e Intervenção. Rev Bras Cancerol. v. 48. n. 4, 2002. NEDER, M. M.; BORGES, A. A. N. Hipertensão arterial sistêmica no Brasil: o que avançamos no conhecimento de sua epidemiologia? Rev Bras Hipertens, v. 13, n. 2, p. 126- 133, 2006. OLIVEIRA, J. E. P.; VENCIO, S. (Editores). Diretrizes da Sociedade Brasileira de Diabetes 2013-2014. Sociedade Brasileira de Diabetes - São Paulo: AC Farmacêutica, 2014. 51 OMRAM, A.R. The epidemiologic transition: a theory of the epidemiology of population change. Bulletin of the World Health Organization, v. 79, n. 2, p. 161-170, 2001. Disponível em: <https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC2690264/>. Acesso em: 12 dez. 2017. PATEL, A. V. et al. Recreational physical activity and sedentary behavior in relation to ovarian cancer risk in a large cohort of US women. Am. J. Epidemiol., v. 163, n. 8, p. 709– 716, 2006. doi:10.1093/aje/kwj098. PMID:16495470. PELUSO, M. A. M.; ANDRADE, L. H. S. G. Physical activity and mental health: the association between exercise and mood. Clinics, v. 60, p. 61-70, 2005. PROPER, K. L. et al. Sedentary behaviors and health outcomes among adults: a systematic review of prospective studies. Am J Prev Med, v. 40, n. 2, p. 174-182, fev. 2011. doi: 10.1016/j.amepre.2010.10.015 REIJNEVELD, S.; WESTHOFF, W.; HOPMAN-ROCK, M. Promotion of health and physical activity improves the mental health of elderly immigrants: results of a group randomized controlled trial among Turkish immigrants in the Netherlands aged 45 and over. J Epidemiol Community Health, v. 57, p. 405-411, 2003. ROCHA, S. V. et al. Atividade física no lazer e transtornos mentais comuns entre idosos residentes em um município do nordeste do Brasil. J Bras Psiquiatr, v. 60, n. 2, p. 80-85, 2011. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC2690264/ 52 RONDON, M. U. P. B.; BRUM, P. C. Exercício físico como tratamento não-farmacológico da hipertensão arterial não-farmacológico da hipertensão arterial. Rev Bras Hipertens, v. 10, n. 2, p. 134-139, 2003. SANTOS, S. C.; KNIJNIK, J. D. Motivos de adesão à prática de atividade física na vida adulta intermediária I. Rev. Mackenzie Educ. Fís. Esporte, São Paulo, v. 5, n. 1, p. 23-34, 2006. SCHMIDT, M.I. et al. Chronic non-communicable diseases in Brazil: burden and current challenges. Lancet, v. 377, n. 9781, p. 1949-1961, jun. 2011. DOI:10.1016/S0140- 6736(11)60135-9. SOCIEDADE BRASILEIRA DE DIABETES. Diretrizes da Sociedade Brasileira de Diabetes: 2014-2015. São Paulo: A.C. Farmacêutica, 2015. Disponível em:< https://www.diabetes.org.br/publico/images/2015/area-restrita/diretrizes-sbd-2015.pdf.> Acesso em: 08 dez. 2017. SOCIEDADE BRASILEIRA DE HIPERTENSÃO. III Consenso brasileiro de hipertensão arterial. Rev Bras Cardiol, v. 1, p. 92-133, 1998. TREMBLAY, M. S. et al. Sedentary Behavior Research Network (SBRN) – Terminology consensus project process and outcome. Int J Behav Nutr Physl Act, v. 14, n. 1, p. 75, 2017. doi: 10.1186/s12966-017-0525-8 53 TREMBLAY, M. S. et al. Physiological and health implications of a sedentary lifestyle. Appl. Physiol Nutr Metab, v. 35, p. 725–740, 2010. DOI:10.1139/H10-079. THORP, A.A. et al. Deleterious associations of sitting time and television viewing time with cardiometabolic risk biomarkers: Australian Diabetes, Obesity and Lifestyle (AusDiab) study 2004-2005. Diabetes Care, v. 33, n. 2, p. 327-334, 2010. doi: 10.2337/dc09-0493. World Health Organization (WHO). Global recommendations on physical activity for health. Geneva, Switzerland, p. 1–60, 2010. World Health Organization (WHO). Global action plan on physical activity 2018–2030: more active people for a healthier world. Geneva, Switzerland, p.1-104, 2018. WILMOT, E. G. et al. Sedentary time in adults and the association with diabetes, cardiovascular disease and death: systematic review and meta-analysis. Diabetologia, v. 55, n. 11, p. 2895-2905, 2012. doi:10.1007/s00125-012-2677-z. WOLIN, K. et al. Associations of physical activity, sedentary time, and insulin with percent breast density in Hispanic women. J. Womens Health, v. 16, n. 7, p. 1004–1011, 2007. doi:10.1089/jwh.2006.0282. 54 3. CAPÍTULO TRÊS DOENÇAS CRÔNICAS NÃO TRANSMISSÍVEIS, EXERCÍCIO FÍSICO E A RELAÇÃO COM A ATENÇÃO BÁSICA À SAÚDE Wedson Guimarães Nascimento Erik Vinicius de Orlando Dopp Toda ação de saúde pública desenvolvida no território nacional tem como base a legislação, diretrizes e princípios do SUS. Desta forma, o mesmo se aplica para as estratégias que reconhecem e valorizam a prática do exercício físico como fator de proteção para as DCNTs, como apontado no capítulo anterior. As evidências que comprovam e reforçam essa relação fez com que o SUS, através da alteração da Lei nº 8.080 (Legislação do SUS) reconhecesse a atividade física como um dos fatores determinante e condicionante da saúde (Lei nº 12.864, de 24 de setembro de 2013). Nas ações da ABS, as equipes de referência, via Estratégia de Saúde da Família (ESF), e equipes de apoio matricial, via Núcleo Ampliado de Saúde da Família e Atenção Básica (NASF-AB) são as responsáveis por promover o envolvimento da população com a atividade física. Fazem isso com base nas orientações da PNPS e da Academia da Saúde. No entanto, cabe destacar que nas referidas políticas existe uma ampliação dos sentidos para a prática do exercício físico, sendo este um tipo de atividade física “planejada, estruturada e repetitiva que tem por objetivo a melhoria e a manutenção de um ou mais componentes da aptidão física” (BRASIL, 2013, p. 22). Os textos utilizam os termospráticas corporais e atividade física, sendo as práticas corporais compreendidas como forma de expressões individuais e/ou coletivas “advindo do conhecimento e da experiência em torno do jogo, da dança, do esporte, da luta, da ginástica, construídas de modo sistemático (na escola) ou não sistemático (tempo livre/lazer)” (BRASIL, 2013, p. 28) e a atividade física como todo “movimento corporal que produz gastos de energia acima dos níveis de repouso” (BRASIL, 55 2013, p. 17). Esta ampliação busca valorizar a diversidade e formas de se envolver com as atividades físicas, contribuindo assim para contemplar as características da ABS que se orienta por práticas sanitárias democráticas e participativas com foco no território, visando a universalidade, o vínculo contínuo, a integralidade, a humanização e a equidade (BRASIL, 2006). Isso fica claro, em especial, frente às orientações das políticas ao tratar da promoção dessas práticas junto à população e das atribuições do profissional de Educação Física no NASF-AB. Nesse contexto, as práticas corporais e atividades físicas devem acontecer por meio de aconselhamentos e divulgação, incluindo o incentivo a “melhoria das condições dos espaços públicos, considerando a cultura local e incorporando brincadeiras, jogos, danças populares, entre outras práticas” (BRASIL, 2014). Ao profissional de Educação Física, cabe um processo de trabalho diferenciado, que envolve mediações de cunho dialógico e a partir do recrutamento de ferramentas como Apoio Matricial, Clínica Ampliada, Projeto Terapêutico Singular, Projeto de Saúde no Território e a Pactuação do Apoio, ferramentas já utilizadas e típicas do sistema de saúde brasileiro (BRASIL, 2009). Fica claro que não se trata puramente de uma mudança de termos, mas dos sentidos e formas de articulação com o sistema de saúde e da relação com a população. A simples mudança de termo não é suficiente para contemplar uma abordagem dinâmica com foco na comunidade, afinal de contas, a atividade física baseada apenas na ideia de gasto energético, por exemplo, como é definida, pouco contribuiria para o desenvolvimento de ações amplas, podendo se restringir a estratégias individualizadas e de cunho comportamental, com ênfase na redução da inatividade física e do comportamento sedentário. Uma vez que o potencial das ações de promoção das práticas corporais e atividades físicas para a saúde devem ir “além da mudança comportamental ou do desenvolvimento de habilidades pessoais, mesmo que essas sejam indiscutivelmente importantes” (PNUD, 2017, 56 p. 207), melhor que o conceito de atividade física seja ampliado. Mesmo que por meio de uma fundamentação teórica distinta, é pertinente que na ABS a atividade física se aproxime dos sentidos das práticas corporais, e ela passe a ser promovida como uma ação que “envolve pessoas se movendo, agindo e atuando em espaços e contextos culturalmente específicos e influenciados por uma gama única de interesses, emoções, ideias, instruções e relacionamentos” (PIGGIN, 2020, p. 5). Neste mesmo sentido, assim como o olhar restrito para a lógica do exercício sistematizado e da atividade física puramente como gasto energético pode ser problemático, abordar as DCNTs por parâmetros puramente biomédicos também tende a representar limitações no contexto da ABS. Isso acontece devido ao fato de que esta “é uma tipologia que se assenta no conceito de doença e excluem outras condições que não são doenças, mas que exigem uma resposta social adequada dos sistemas de atenção à saúde” (MENDES, 2012, p. 31). O SUS, buscando responder às demandas sociais de saúde em um “cenário epidemiológico complexo, onde convivem doenças transmissíveis que persistem, emergem e reemergem, com doenças crônicas não transmissíveis de carga crescente, além da elevada morbimortalidade por acidentes de trânsito e violências” (JUNIOR, 2019, p. s/p) tem o desafio de superar o modelo de organização fragmentado para um modelo de atenção contínuo. Para isso, as Redes de Atenção à Saúde, que tem a ESF como coordenadora da atenção, surge como resposta para esse contexto nas políticas públicas que compõem o sistema (MENDES, 2012; BRASIL, 2010). Diferente de uma proposta fragmentada, que se organiza de forma hierarquizada, dividindo o sistema em atenção básica, média e alta complexidade, tais redes se apresentam como “arranjos organizativos de ações e serviços de saúde, de diferentes densidades tecnológicas, que integradas por meio de sistemas de apoio técnico, logístico e de gestão, 57 buscam garantir a integralidade do cuidado” (BRASIL, 2010). Nessa proposta, a abordagem das DCNTs passa a ser organizada a partir da noção das condições de saúde. Essa perspectiva valoriza um olhar para além das doenças crônicas (diabetes, doenças cardiovasculares, cânceres, doenças respiratórias etc), pois reconhece o acometimento concomitante de outras condições de saúde associadas à estas doenças, além da influência dos ciclos de vida nesse processo. Sendo assim, a abordagem das DCNTs passa a ser promovida e articulada como cuidado das condições crônicas, superando o olhar restrito ao padrão biomédico das DCNTs e as relacionando com as doenças infecciosas persistentes, com as condições ligadas à maternidade e ao período perinatal, com os distúrbios mentais de longo prazo; deficiências físicas e estruturais contínuas, as doenças metabólicas; doenças bucais; as condições de saúde caracterizadas como enfermidades e com o sofrimento relacionado a estas condições (MENDES, 2012). Entre as implicações que essa nova dinâmica pode ter para a promoção das práticas corporais e atividades físicas nesse contexto, está a necessidade das ações não se limitarem às recomendações e orientações padronizadas. Entende-se que as adaptações orgânicas geradas com a prática de atividade física não são objetivas no sentido cartesiano, desta forma, recomendações únicas que visam proporcionar benefícios para todos devem ser problematizadas, tendo em vista questões relacionadas à subjetividade (CARVALHO, 2019), inclusive na distinção das respostas emocionais dos sujeitos às doenças. A padronização se constitui como um fator limitante para a abordagem das condições crônicas, pois a norma pode não contemplar as características, interesses e especificidades do sujeito frente a sua condição de saúde, além de secundarizar os processos de relações sociais que contribuem para o envolvimento do sujeito e população com essas práticas. As intervenções para a promoção das práticas corporais e atividades físicas na comunidade não devem ser concebidas como puramente procedimentais, mas como uma 58 oportunidade para a produção de vínculos, assim como qualquer ação de saúde via ABS. A promoção dessas práticas na comunidade precisa ir ao encontro da perspectiva da promoção de saúde e não se restringir ao foco da prevenção de doenças, o que não significa ignorar essa possibilidade (PNUD, 2017). Importante ressaltar que, levantar estas questões não se trata de negligenciar os benefícios do exercício físico e/ou da atividade física como fator de proteção das DCNTs. Ampliar o olhar sob a atividade física para o cuidado das condições crônicas não é optar exclusivamente por um viés cultural, mas sim, buscar problematizar essas relações frente às exigências de sistema de saúde no qual esse benefício é reconhecido, almejando uma abordagem integral, que compreende e valoriza as orientações e dinâmicas do sistema de saúde. Cabe destacar ainda que, essa ampliação e busca pela integralidade das ações de promoção das práticas corporais e atividades físicas não se trata simplesmente das formas de conceber as práticas, passa também pela questão da intersetorialidade, tipo de conduta valorizada e recomendada pelas políticas do SUS, inclusive pela PNPS. Neste sentido, documentos como o RelatórioNacional de Desenvolvimento Humano: Movimento é Vida, do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (2017) e o Plano de Ação Global para a Atividade Física: Mais Pessoas Ativas Para um Mundo Mais Saudável, da Organização Mundial da Saúde (2018), reforçam a necessidade de uma abordagem sistêmica, que valoriza a articulação entre escolas, segurança pública, planejamento urbano, transporte, empresas entre outros, para favorecer e potencializar intervenções desta natureza. Todas essas relações implicam ainda na necessidade de, por parte dos profissionais de Educação Física e demais profissionais que compõem as Equipe da Estratégia Saúde da Família e NASF-AB, mudanças na representação do processo saúde doença, passando a encarar a saúde “como um constructo social determinado historicamente e expresso na 59 estrutura e na dinâmica social” (PASQUIM, 2017, p. 80). Assim, será cada vez mais palpável e visível ações que incentivam a população a manter uma boa relação com as práticas corporais e atividades físicas em suas vidas, e sempre incentivando a vivência de novas experiências a partir da busca pelo direito da fruição do lazer, e não pelo suposto dever com a prerrogativa exclusiva da prevenção e/ou tratamento das DCNTs (PNUD, 2017). Por fim, entende-se que estas relações fazem parte de um processo complexo que envolve, entre ou coisas, o engajamento de gestores, profissionais de saúde e população. O SUS é o único sistema de saúde universal entre países com mais de 200 milhões de habitantes, resiste em um contexto de grande desigualdade social e subfinanciamento que se agrava com o avanço das políticas de austeridade fiscal (FUNDAÇÃO OSWALDO, 2019). A Emenda Constitucional 95, juntamente com a revisão da Política Nacional de Atenção Básica em 2017, a criação do Programa Previne Brasil, do Programa Médicos Pelo Brasil e a consequente criação da Agência para o Desenvolvimento da Atenção Primária em 2019, agravam a situação do SUS e inviabilizam o cumprimento de seus princípios e diretrizes, afetando diretamente estratégias como as Redes de Atenção à Saúde, a ESF e o NASF-AB. Consequentemente, isso tem impactos direto na promoção das práticas corporais e atividades físicas na ABS. Esse cenário chama a atenção para novas estratégias de promoção da atividade física, como o programa Brasil em Movimento, lançado em 2019, que visa a promoção dessas práticas por meio de um aplicativo. Em nota, o Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte se posicionou contrário à proposta do programa e alertou sobre o alinhamento dessa ideia com as políticas de austeridade, que gera limitações dos direitos sociais, a precarização do trabalho, a fragmentação, o reducionismo e o ataque ao SUS (CBCE, 2019). Importante destacar que desde 2017, a partir da reformulação das leis trabalhistas, junto a reforma da previdência, a precarização no mundo do trabalho vem aumentando. 60 Consonante com isso, o trabalho por aplicativos, sem proteção e direitos, tem sido uma alternativa que vem crescendo no país (COLL, 2019). 3.1 Considerações Finais Consolidado os benefícios do exercício físico para a saúde, em específico no que se diz respeito a sua relação com as DCNTs e sendo reconhecido pelo sistema de saúde brasileiro, a ponto de, formalmente, tornar a atividade física como um fator determinante e condicionante da saúde, e valorizá-la nas políticas públicas do sistema, cabe aos profissionais de Educação Física buscar olhar para o SUS, compreendê-lo e adequar os saberes da área às necessidades desse sistema. É nítida a necessidade do desenvolvimento de um processo de trabalho coerente e consistente, que atenda as demandas e necessidades do sistema e da população. Atualmente, isso significa ampliar o olhar para os sentidos e formas de se promover as práticas corporais e as atividades físicas, avançando na sistematização das práticas e intervenções que se restringem a redução da inatividade física e do comportamento sedentário. Além disso, deve- se buscar o desenvolvimento de estratégias de promoção que estejam alinhados com a noção das condições de saúde, assim, podendo dar destaque para os benefícios dessas práticas associando-as às condições crônicas. Desta forma, o profissional ter a compreensão das ferramentas da ABS, da territorialização, do apoio matricial e do desenvolvimento de um projeto terapêutico singular, entre outras ferramentas, contribui para o êxito das ações desenvolvidas no território. Cabe destacar que as dificuldades para desenvolver um processo de trabalho consistente com a ABS é um desafio para todos os profissionais de saúde. Ademais, é crucial que a defesa do SUS faça parte das ações dos profissionais de 61 saúde, inclusive da área de Educação Física. Se manifestar e lutar contra o avanço das políticas de austeridade, que ataca, reduz e/ou retira os direito da população, é imprescindível. Como destaca o professor Gastão Wagner Campos em entrevista, no sistema de saúde inglês, que tem 90 anos, os profissionais de saúde foram protagonistas em sua defesa, foram os trabalhadores da saúde que buscaram apoio na sociedade e encontram. Nas palavras do professor, “se deixar por conta dos governantes, aí eu sou pessimista” (FUNDAÇÃO OSWALDO, 2019). Referências BRASIL. Lei no 12.864, de 24 de setembro de 2013. Altera o caput do art. 3º da Lei no 8.080, de 19 de setembro de 1990, incluindo a atividade física como fator determinante e condicionante da saúde. Diário Oficial da União; 24 set 2013. BRASIL. Ministério da Saúde. Glossário temático: promoção da saúde / Ministério da Saúde. Secretaria-Executiva. 1. ed., 2. reimpr. – Brasília: Ministério da Saúde, 2013. BRASIL. Ministério da Saúde. Plano de Ações Estratégicas para o enfrentamento das doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) no Brasil, 2011-2022. Versão Preliminar. Brasília: Ministério da Saúde; 2011. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Brasília: (160 p.) Ministério da Saúde, 2009. 62 BRASIL. Ministério da Saúde (MS). Política Nacional de Atenção Básica - PNAB. MS; 2006. BRASIL. Ministério da Saúde (MS). Política Nacional de Promoção da Saúde. Revisão. Brasília: MS; 2014. BRASIL. Portaria nº 4.279, de 30 de dezembro de 2010. Diário Oficial da União, Brasília- DF, Seção 1, p. 89, 31 dez. 2010. Estabelece diretrizes para a organização da Rede de Atenção à Saúde no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), dez. 2010. CARVALHO, F. F. B. Recomendações de atividade física para a saúde (pública): reflexões em busca de novos horizontes. Abcs Health Sciences, Santo André, v. 44, n. 2, p. 131-137, ago. 2019. CBCE. COLÉGIO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS DO ESPORTE (Porto Alegre). Carta de repúdio ao programa Brasil em Movimento do Governo Federal. 2019. Disponível em: <http://www.cbce.org.br/upload/biblioteca/carta%20rep%C3%BAdio%20programa%20Brasil %20em%20Movimento.pdf>. Acesso em: 27 dez. 2019. COLL, L. Aumento da miséria extrema, informalidade e desigualdade marcam os dois anos da Reforma Trabalhista. 2019. Disponível em: <https://www.unicamp.br/unicamp/ju/ noticias/2019/11/11/aumento-da-miseria-extrema-informalidade-e-desigualdade-marcam-os- dois-anos>. Acesso em: 11 nov. 2019. 63 FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ. Cee-fiocruz. Em defesa do SUS: agência de checagem de informações reconhece universalidade do sistema. Rio de Janeiro. 2019. Disponível em: <https://cee.fiocruz.br/?q=node/1061>. Acesso em: 29 out. 2019. FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ. Cee-fiocruz. Gastão Wagner: ‘Se a sociedade brasileira não pelejar pelo SUS no cotidiano, o sistema ficará mais ameaçado’. Rio de Janeiro. 2019. Disponível em: <https://cee.fiocruz.br/?q=node/1078>. Acesso em: 18 nov. 2019. MENDES, E. V. O cuidado das condições crônicas na atenção primária à saúde: o imperativoda consolidação da estratégia da saúde da família. Brasília: Organização Pan-Americana da Saúde; 2012. 512 p. PASQUIM, H. M. Lazer na área de drogas: construção coletiva de crítica e de práticas emancipatórias. 2017. Tese (Doutorado em Cuidado em Saúde) - Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2017. doi:10.11606/T.7.2017.tde-28062017-083922. Acesso em: 13 jan. 2020. PIGGIN, Joe. What Is Physical Activity? A Holistic Definition for Teachers, Researchers and Policy Makers. Front Sports Act Living, [S.L.], v. 2, p. 1-7, 18 jun. 2020. PNUD. Relatório Nacional de Desenvolvimento Humano no Brasil Movimento é vida: Atividades físicas e esportivas para todas as pessoas, 2017. 64 SILVA JÚNIOR, J. B. Promoção da saúde: ação necessária e urgente nas Américas. Ciên Saúde Colet, Rio de Janeiro, v. 24, n. 11, p. 3994-3994, nov. 2019. FapUNIFESP (SciELO). http://dx.doi.org/10.1590/1413-812320182411.27292019. WORLD HEALTH ORGANIZATION. Global Action Plan on Physical Activity 2018–2030: More Active People for a Healthier World; World Health Organization: Geneve, Switzerland, 2018. 65 4. CAPÍTULO QUATRO HISTÓRIA DO PROJETO PROSAÚDE (2010 – 2016) Jamilly Ferreira Cardoso Maria Laura de Souza Leite Jean Augusto Coelho Guimarães O grupo de estudos e extensão vinculado ao projeto PROSAÚDE foi criado em 2010 pela prof.ª Ma. Elisângela Silva, professora do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Sul de Minas Gerais (IFSULDEMINAS) - Campus Muzambinho e registrado no Núcleo Institucional de Pesquisa e Extensão, devido à necessidade de ofertar a prática de atividade física para a população em geral. Na época, a cidade estava passando por um período de transição política e havia deixado de ofertar programas de atividade física aos moradores da cidade. Deste modo, o projeto PROSAÚDE deu início em suas atividades no Centro de Ciência Aplicadas à Educação e Saúde (CeCAES), vinculado ao IFSULDEMINAS, e nas USF de Muzambinho. A princípio o grupo tinha como objetivo ofertar atividade física orientada por graduados e graduandos em Educação Física, a qual era direcionada para o público em geral. Entretanto, havia uma atenção especial e bem direcionada para os grupos de risco, como diabéticos, hipertensos, com problemas osteoarticulares e outras doenças crônicas. As aulas assim como todas as atividades desenvolvidas tinham um embasamento teórico científico, cujo aprendizado acontecia por meio dos diálogos do grupo de estudos ministrado pela própria prof.ª Elisângela, no qual eram apresentados artigos científicos específicos relacionados à atividade física e suas variáveis relacionadas à saúde. Assim, aliando teoria e prática, as atividades desenvolvidas caracterizavam-se em ginástica geral, dança e atividades multicomponentes, as quais englobavam todas as capacidades físicas, como a aeróbia, força, flexibilidade, coordenação motora, agilidade, velocidade e equilíbrio dos participantes do projeto. 66 A coordenadora do PROSAÚDE relatou durante uma entrevista semiestruturada, alguns acertos e erros do projeto, sendo que os principais acertos foram “levar a prática de atividade física nos locais de atendimento do público-alvo”, bem como as ações que foram desenvolvidas nas USF, nos grupos criados nos bairros Cohab, Alto do Anjo e na Praça dos Andradas, localizada no centro da cidade, onde também havia sido implementada uma estratégia pública, conhecida como Academia ao Ar Livre. Acerca dos principais erros “o envolvimento de uma equipe grande no desenvolvimento do projeto PROSAÚDE, não havendo uma boa harmonia entre os mesmos e também a falta de propaganda e divulgação do mesmo, bem como das atividades ofertadas.”. Durante a execução do projeto, houve vários feedbacks relatados tanto pelos participantes, os quais apontavam melhorias na saúde física, mental e social, quanto pelos médicos das ESF que verbalizaram a melhora dos pacientes que participavam do projeto. A professora fundadora do projeto fala sobre um relato que a sensibilizou: “Um relato em especial foi de um senhor asilado com algumas limitações físicas. O acontecimento se deu durante uma atividade de boliche, em que o mesmo ao arremessar a bola acertou todos os pinos. No ocorrido, o senhor se emocionou muito, contagiando a todos no local”. A importância da implantação do projeto se justificava pelos vastos benefícios gerados para a população, estando relacionados à saúde mental e física, e interação social, ressaltando as experiências adquiridas por todos envolvidos no projeto, que além dos anteriormente citados graduados e graduandos, também tinha voluntários, professores do curso de Educação Física, coordenadores do curso e da saúde municipal, além das equipes multiprofissionais das ESF. Deste modo, o projeto PROSAÚDE teve um ótimo engajamento dos envolvidos e ótima aceitação na comunidade, conquistando assim participantes “fiéis às aulas”. Após um período de atividades do projeto, o mesmo sofreu alterações e foi 67 configurado em um Programa Esporte e lazer da Cidade, ainda coordenado pela prof.ª Elisângela. Porém, no segundo semestre de 2014, o PROSAÚDE voltou a ativa, dessa vez com foco nas ESF e usuários. O retorno aconteceu devido à chegada da Prof.ª Dra. Priscila Missaki Nakamura, para integrar o corpo docente do CECAES, a qual tinha experiência na coordenação do Programa de Exercício Físico nas Unidades de Saúde - PEFUS, um projeto que era executado pelo Núcleo de Atividade Física, Esporte e Saúde (NAFES), vinculado à Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho na cidade de Rio Claro-SP. Em entrevista com a Prof.ª Priscila, há o relato acerca da necessidade do projeto para a população: “A maior necessidade foi em relação ao nível de atividade física da população que é muito baixo. Sabemos que o nível de atividade física baixo está relacionado às diversas doenças e esse baixo nível de atividade física é característico em pessoas com baixa renda e, para que a gente consiga atingir essa população, optamos por atuar nas unidades básicas de saúde que são construídas estrategicamente em regiões de população mais pobres”. Assim, o objetivo do projeto seguiu na mesma vertente já citada, sendo aumentar a prática de atividade física da população, consequentemente melhorando a qualidade de vida da mesma. As aulas aconteciam duas vezes por semana com duração de uma hora cada, na qual eram promovidas atividades físicas sistematizadas com exercícios relacionados às capacidades funcionais. Todas as atividades aplicadas seguiam um referencial teórico estruturado em uma periodização de treinamento sendo construídas como se fossem microciclos de aulas. “Então temos semanas em que eles trabalham com uma carga maior, volume maior de exercícios aeróbios e menos de exercícios de força e coordenação, e na outra semana o processo inverte, tendo mais trabalho de força, agilidade, coordenação e menos de resistência cardiovascular. Utilizamos dessa periodização por ter funcionado muito bem em Rio Claro-SP”, disse a entrevistada. Também foi relatado durante a entrevista sobre uma pequena mudança nos planos de 68 aula, sendo que no ano de 2016 uma unidade de saúde teve suas atividades voltadas para as práticas corporais, sendo aplicadas atividades diferentes das pré-estruturadas na sistematização, as quais não eram atividades organizadas sob um viés das capacidades físicas. Além das práticas corporais, havia o estímulo aos diálogos entre professorese participantes em relação a estes conseguirem identificar locais de lazer para praticar atividade física e o que poderiam fazer para ocupar esses espaços, principalmente na comunidade próxima de suas residências. Durante a execução do projeto foi possível perceber a aproximação dos estagiários com as coordenadoras das unidades de saúde, “o que foi uma grande vantagem, pois os estagiários tiveram oportunidades de ministrar palestras e se tornarem parte da unidade, ao passo que em Rio Claro, essa aproximação não havia sido tão efetiva”. Devido a essa boa convivência, eventos foram realizados a fim de chamar a atenção da população e estimular a adesão de alunos, sendo um grande marco para o projeto. A coordenadora prof.ª Priscila fala sobre os erros, como: “Ter ofertado o projeto para todas as unidades de saúde de Muzambinho, já no segundo ano. Isso foi ruim politicamente, porque o secretário de saúde enxergou que estávamos conseguindo atender a população de Muzambinho e quando a gente pediu um profissional de Educação Física contratado, que é o certo, eles recusaram alegando que nós já estávamos fazendo isso.” Contudo, pelo projeto ter uma boa integração com a comunidade, quando ele parou de atingir todas as unidades, os praticantes foram até a secretaria de saúde atrás de uma resposta, as quais não foram satisfatórias. A prefeitura contratou estagiários do curso de Educação Física para atuarem nas USF. “Isso a meu ver é muito ruim, porque são estagiários sem supervisão de nenhum outro profissional, sem saberem o que fazer caso alguém passe mal, como uma crise de hipoglicemia, por exemplo. Esses fatores são impasses que estamos tentando resolver, mas no momento que falamos que as atividades iam parar, os usuários se reuniram 69 e foram na secretaria reclamar, abraçando a ideia também”, relatou a entrevistada. 4.1 Considerações Finais Diante dos relatos narrados anteriormente, é notório que o projeto foi estruturado com o intuito de levar um estilo de vida mais ativo para a população, sendo que muitas das ações foram executadas através da participação de graduados e graduandos do curso de Educação Física do IFSULDEMINAS, Muzambinho-MG. Essas ações trouxeram grandes benefícios para todos os envolvidos, visto que os discentes puderam ter contato mais próximo com uma das áreas de atuação profissional, aliando teoria à prática e vice-versa, além de que os usuários puderam se tornar mais ativos no lazer, aproximando-se das melhorias nos aspectos físicos, psíquicos e sociais, as quais ficarão evidentes no capítulo sete. Sendo assim, torna-se indiscutível a importância de que os profissionais de Educação Física estejam cada vez mais capacitados para trabalhar com atividades de caráter sistematizado, as quais consigam englobar todas ou a maioria das capacidades físicas dentro de uma estrutura de aulas. Entretanto, ainda se faz necessário que haja reconhecimento das autoridades gestoras, principalmente municipais, sobre a importância de estimular um estilo de vida mais ativo da população. Esse fortalecimento das ações pode e deve ocorrer por meio de parcerias entre o município, secretaria municipal de saúde e de esporte, contratação de profissionais da Educação Física e a aproximação de projetos, por exemplo o PROSAÚDE, assim como de Instituições de Ensino Superior. 70 5. CAPÍTULO CINCO INTERVENÇÕES DO PROJETO PROSAÚDE Jean Augusto Coelho Guimarães Erik Vinícius de Orlando Dopp Priscila Missaki Nakamura Atualmente vemos o crescimento de estratégias voltadas à promoção de saúde nos mais diversos contextos e populações existentes. Sabendo dos efeitos positivos da prática regular de atividade física, as variadas intervenções têm por objetivo a modificação e regulação da composição corporal, metabolismo lipídico e glicídico, pressão arterial, densidade óssea e no controle hormonal (BRAITH; STEWART, 2006; DUMITH, 2009). Além disso, há as melhorias nos fatores sociais, mentais e comportamentais do indivíduo praticante de atividade física. Conforme foi mencionado no capítulo seis, o projeto PROSAÚDE surge ao encontro dos objetivos supracitados, buscando elucidar e proporcionar à população de Muzambinho, no sudeste de Minas Gerais, os benefícios a partir da prática sistematizada de atividade física, as quais eram ministradas por alunos do curso de Educação Física do IFSULDEMINAS. Para essas ações, os alunos tinham o acompanhamento de uma professora coordenadora do projeto, sendo que este ofertava aulas práticas na comunidade atendida, além do Grupo de Estudos e Pesquisa Extensão em Educação Física e Saúde (GEPEEFS) direcionado ao aprimoramento das ações executadas, participação em congressos científicos e atendimentos aos alunos em horários extra-aula. As atividades do projeto eram planejadas seguindo os princípios de periodização de treinamento, dispostos em quatro ciclos semanais com exercícios cardiorrespiratórios e neuromotores, visando o desenvolvimento das capacidades físicas (Agilidade, Coordenação Motora, Equilíbrio, Flexibilidade, Força, Resistência Aeróbia e Velocidade). Como forma de aplicar os conteúdos das aulas, eram utilizadas diversas estratégias visando atingir o resultado 71 pretendido pela atividade, por meio da dança, dos jogos e brincadeiras, esportes, circuitos de atividades, relaxamentos dentre outros. Todas as aulas se configuravam por (i) parte inicial - alongamentos e aquecimentos; (ii) parte principal - atividades moderadas (12-13 BORG e 70% FC reserva) e (iii) parte final - volta à calma (KOKUBUN et al., 2007; NAKAMURA et al., 2010). Os bolsistas e estagiários participantes eram os responsáveis pelo planejamento das aulas a serem ministradas, sendo que a orientadora e responsável pelo projeto, acompanhava a montagem das mesmas, evidenciando e corrigindo possíveis metodologias, buscando a melhor aplicação e execução das atividades. Como as aulas ocorriam em ambiente fora da instituição de ensino, os responsáveis pela aula deveriam ser também os responsáveis pelos materiais utilizados em suas intervenções. Como se tratava de um projeto que apresentava parceria entre o IFSULDEMINAS e a prefeitura municipal, os materiais eram retirados da próprio Instituto Federal a partir de liberação da coordenação do curso. Frente a isso, uma das propostas para realização das práticas foi a utilização de materiais alternativos como garrafas, bastões, elásticos, entre outros e a realização de atividades em espaços públicos como praças, quadras do bairro e gramados. Essa finalidade se deu pelo pensamento de dar aos alunos formas de maior acesso à materiais que podem ser construídos em casa, a fim de incentivar a realização de atividades fora do espaço das aulas, por exemplo, momentos ociosos em sua casa. Outro fator importante foi a descentralização das práticas dos ambientes de saúde, que eram as USF, fazendo com que os beneficiários do programa visualizassem outros ambientes que também pudessem ser utilizados para a prática de atividade física e hábitos mais saudáveis. A equipe responsável pelo projeto contava com nove indivíduos, sendo dois alunos com bolsas de extensão financiadas pela própria instituição, um aluno financiado com bolsa de iniciação científica por órgão de fomento, cinco alunos voluntários e a professora 72 orientadora/coordenadora do programa. As aulas ocorriam duas vezes por semana, normalmente nas terças e quintas, com duração de uma hora, preferencialmente no período da manhã. Atendia amplamentea população da cidade, com atividades realizadas vinculadas a cinco USF, sendo que em uma delas, a proposta de atividades era pautada no referencial mais próximo da saúde coletiva, a partir do discurso e apropriação das práticas corporais como estratégia condutora da intervenção. O público predominante nas atividades era de mulheres, na faixa-etária entre 45 e 60 anos de idade, sendo que os adultos mais velhos e idosos eram a maior porcentagem e, o número de frequentadores por USF variava entre 10 e 15 alunos por aula, média considerada interessante para intervenções no contexto da ABS. Ademais, a própria instituição oferece diversos projetos de extensão, com as mais diversificadas modalidades e horários para frequentadores, fazendo com que a população que se beneficiava deste programa fosse aquela que não tinha formas de locomoção e moravam mais próximo a uma unidade de saúde. Como forma de controle de fatores influenciadores na realização de atividade física, era aferida a pressão arterial dos participantes no início de cada aula. Além disso, no final das aulas havia um diálogo entre os estagiários e usuários sobre as recomendações de atividade física e comportamentos saudáveis, além de questões que poderiam surgir durante os próprios diálogos, como dúvidas dos mesmos. O fim das aulas era marcado por uma dinâmica que buscava evidenciar a união do grupo e iniciar o dia de uma forma mais positiva. Todos se juntavam no meio do espaço, de mãos dadas, formando uma roda, que na contagem de um, dois, três, todos levantavam suas mãos, se aproximavam e davam um grande e forte “bom dia”, seguido da sensação de alegria, bem-estar e acolhimento. Para que todos os envolvidos no processo pudessem ter um feedback das aulas e atividades realizadas, eram executadas avaliações trimestrais, utilizando a bateria da American Alliance for Health, Physical Education, Recreation and Dance para avaliar as 73 capacidades funcionais e medidas de composição corporal, como circunferência abdominal, quadril, peso e estatura (OSNESS et al., 1990). Já o grupo de práticas corporais, atendia apenas uma das USF da cidade, já que este veio a ser implementado de maneira experimental no ano de 2016. Trabalhava a partir do discurso da saúde coletiva na qual, entendia as práticas corporais na compreensão da saúde como um processo ao invés da ausência de doença, na priorização da vida com qualidade, na defesa do posicionamento político em torno de relações sociais mais equitativas (BUSS, 2003). Ainda que buscando atingir objetivos funcionais da atividade física, as ações desenvolvidas neste grupo se apresentavam de maneira a ampliar o leque de possibilidades existentes no contexto de intervenção. Por meio de atividades pautadas nos jogos e brincadeiras, esportes, danças, ginásticas, entre outros, buscava-se a formação de um indivíduo autônomo, que percebe seu entorno e se qualifica através do contexto e das necessidades pessoais e de caráter comunitário (CARVALHO; NOGUEIRA, 2016). 5.1 Considerações Finais As ações de extensão universitária, como o projeto PROSAÚDE, se configuram de maneira importante em diversos aspectos, evidenciando impactos desde sua construção dentro do contexto das Instituições de Ensino Superior até a população atendida na comunidade. Visando oportunizar aos discentes um espaço de aprendizado unindo teoria e prática, as intervenções como a supracitada, proporcionam a aproximação dos estudantes ao campo da saúde pública, através do acesso à ABS, rotina dos profissionais ali situados e o papel da Educação Física no contexto da Atenção Primária à Saúde, identificando e implementando novas possibilidades. 74 Tais oportunidades são evidenciadas nas ações na comunidade atendida pelo projeto de extensão. A oferta da atividade física, através de ações bem estruturadas, coloca a disposição da população conhecimentos acerca de hábitos saudáveis e dos benefícios biopsicossociais advindos de um estilo de vida mais ativo. Para mais, a troca mútua entre a aproximação dos discentes com a população atendida, tende a torná-los profissionais mais conscientes e que visem compreender os impactos que a prática de atividade física gera nos diversos domínios da qualidade de vida e bem estar de seus praticantes. Da mesma forma, a população deverá se sentir incentivada a inserir a atividade física em seu dia a dia e em sua vida, visualizando o contexto comunitário como um espaço de apropriação de saúde. Referências BRAITH, R. W., STEWART, K. J. Resistance exercise training. Its role in the prevention of cardiovascular disease. Circulation, v. 113, n. 22, p. 2462-2450, 2006. BUSS, P. M. Uma introdução ao conceito de promoção da saúde. In: CZERESINA, D.; FREITAS, C. M. (orgs.). Promoção da saúde: conceitos, reflexões, tendências. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2003. CARVALHO, F. F. B. de; NOGUEIRA, J. A. D., Práticas corporais e atividades físicas na perspectiva da Promoção da Saúde na Atenção Básica. Ciênc. Saúde Colet, v. 21, n. 6, p.1829-1838, 2016. DUMITH, S. C. Atividade física no Brasil: uma revisão sistemática. Cad. Saúde Pública, v.25, Supl. 3, p. S415-S426, 2009. 75 KOKUBUN, E. et al. Programa de atividades físicas em unidades básicas de saúde: relato de experiência no município de Rio Claro-SP. Rev Bras Ativ Fís Saúde, v. 12, n. 1, p. 45-53, 2007. NAKAMURA, P. M. et al. Programa de intervenção para a prática de atividade física: Saúde Ativa Rio Claro. Rev Bras Ativ Fís Saúde, v. 15, n. 2, p. 128-132, 2010. OSNESS, W. H. et al. Functional Fitness Assessment for adults over 60 years. Functional fitness assessment for adults over 60 years: a field based assessment. Am J Health Educ, p. 1-24, 1990. 76 6. CAPÍTULO SEIS O PROSAÚDE SOB O OLHAR DA EQUIPE MULTIPROFISSIONAL DE SAÚDE DA ATENÇÃO BÁSICA, ESTAGIÁRIOS E USUÁRIOS DO PROJETO Jean Augusto Coelho Guimarães Ana Elisa Messetti Christofoletti Erik Vinícius de Orlando Dopp Jamilly Ferreira Cardoso Maria Laura de Souza Leite Priscila Missaki Nakamura Este capítulo tem o intuito de dar voz a coordenadora de saúde, quatro enfermeiras, cinco ACS considerados boas referências, além de quatro estagiários do curso de Educação Física do IFSULDEMINAS, Campus Muzambinho-MG e oito usuários do projeto, considerados participantes assíduos das ações. Todos foram convidados a expressarem suas opiniões acerca da saúde pública da cidade e do projeto de extensão PROSAÚDE. Para isso, foi realizada uma entrevista semiestruturada, a qual foi gravada individualmente e transcrita na íntegra e, para as análises dos dados, foi utilizado o método de codificação simples (BOGDAN; BIKLEN, 1994), sendo os resultados apresentados a seguir. 6.1 Coordenadora das Unidades Básicas de Saúde A coordenadora das unidades, no ano de 2017, relatou que o primeiro contato com o projeto PROSAÚDE foi a partir da Profª. Drª. Priscila Nakamura, que a procurou para “...expor o projeto e fazermos uma parceria com o secretário de saúde”. Por um lado, foi dito que a relação entre a prefeitura e o PROSAÚDE era boa, entretanto havia algumas dificuldades, como a falta materiais ofertados pela prefeitura e, em alguns casos, a falta de local adequado para a realização das atividades. Por outro lado, apesar dos problemas, ela considerava a intervenção bastante relevante, pois contribuía para a saúde da população, 77 assim como para o aprendizado e aproximação dosestagiários do curso de Educação Física da cidade com a população idosa, visto que o número de idosos tende a aumentar ao longo das próximas décadas, tanto no Brasil, quanto no mundo (WHO, 2018). É preciso ressaltar que a coordenadora não acompanhou o projeto no dia a dia, mas acreditava que este contribuía para o bem-estar, diminuição da pressão arterial e controle da diabetes dos participantes, visto que a atividade física é apontada como uma prática, a qual proporciona diversos benefícios para a saúde, como citados pela coordenadora (REIJNEVELD; WESTHOFF; HOPMN-ROCK, 2008; PELUSO; ANDRADE, 2005). A entrevistada também relatou que o sistema de saúde é de extrema importância para a saúde da população, pois independe da condição financeira e muitas pessoas necessitam desse serviço. Ademais, ela mostrou conhecer sobre o SUS e os direitos dos cidadãos, mas relata os problemas que são encontrados em Muzambinho. Porém, como há uma grande demanda, tudo isso só é possível com agilidade, se o governo investir todas as verbas corretamente. Em Muzambinho-MG, a saúde pública é desenvolvida em cinco unidades de ESF, dois Ambulatórios (um no centro e outro no Alto do Anjo), Centro de Saúde Bucal, assim como o Hospital também oferecem serviços realizados pelo SUS (COORDENADORA USF, 2016). Já com relação à atividade física, ela acredita que gestores e coordenadores devem mostrar ao prefeito as melhorias que essa atividade acarreta para a população, incentivando a contratação de profissionais de Educação Física para que o projeto possa continuar. Sendo assim, a coordenadora na época, afirmou reconhecer a importância do projeto para a população local. 78 6.2 Enfermeiras (os) Frente aos olhares de outro grupo presente nas intervenções, enfermeiras (os) executam uma importante função dentro da ABS, nas USF, pois supervisionam e gerenciam o trabalho realizado em toda a unidade, desde o atendimento médico, procedimentos executados pelos técnicos de enfermagem e ações dos ACS, assim como os demais membros da equipe multiprofissional, como nutricionista, psicólogo, profissional de Educação Física. Além disso, realizam a triagem inicial de todos os pacientes que buscam pelo serviço de saúde, através de acolhimento com escuta qualificada e aplicação da classificação de risco, pois dessa forma conseguem encaminhar o paciente para o serviço especializado adequado. Em adição, buscam promover ações em grupo como hipertensos, diabéticos, vacinação, saúde da mulher, saúde do idoso e acolher as famílias vinculadas às USF (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2017). Para a inserção do PROSAÚDE dentro das USF, além do contato com os coordenadores da saúde e da ABS, houve a aproximação com cada enfermeira para expor os objetivos do projeto e as melhores formas de implementação. Essa aproximação ocorria por meio da coordenadora do próprio projeto junto aos estagiários, os quais sempre eram expostos a essas ações de estabelecimento de diálogos, a fim de se apropriarem cada vez mais das características da ABS e do entorno das USF, bem como das ações já desenvolvidas pelas equipes ali dispostas. Logo, esse diálogo, tanto inicial quanto ao longo do trabalho, é de suma importância para consolidar as ações dos profissionais e estagiários de Educação Física relacionadas à atividade física para os usuários atendidos nessas unidades de saúde. Sob o olhar das enfermeiras, a saúde pública desenvolvida na cidade de Muzambinho-MG conta com um “sistema bem estruturado, se comparado a outros municípios da região, porém ainda existem pessoas que não tem o acesso a todos os serviços desse sistema”. Por isso, “as USF precisam sempre buscar as melhores condições de saúde 79 para ofertar à comunidade, visando o bem de todos através da prevenção, dos ACS, das consultas e das ações em enfermagem”, visto que tais condições estão inseridas dentro do papel primário em atenção e cuidados à saúde dos indivíduos. Já sobre a política do SUS e suas diretrizes, elas relatam que são muito bem escritas e embora existam inúmeras dificuldades em sua implementação, “seria muito pior sem”, pois “pode ser a única opção de algumas pessoas”. Visto que a população precisa de um atendimento de qualidade, as USF estabelecem um acompanhamento em longo prazo com os indivíduos do seu entorno, sendo que em Muzambinho-MG, os principais atendimentos são destinados aos usuários hipertensos, diabéticos, os que fazem uso de remédios controlados, ressaltando que em uma das unidades são contabilizados 500 indivíduos com hipertensão arterial sistêmica. Por isso, mesmo com os cuidados e orientações de prevenção à saúde já desenvolvidos pelas unidades e suas equipes, as enfermeiras relatam que “a população ainda procura os atendimentos quando já estão doentes”, evidenciando que toda ação para promoção e prevenção da saúde é válida e, necessária; reconhecendo que “a maioria dos usuários é carente de lazer e práticas que fogem à rotina deles”. Nesse sentido, o projeto PROSAÚDE é considerado uma ação de suma importância, pois além de aproximar a atividade física de um ambiente que geralmente é procurado para tratar doenças crônicas e agravos não transmissíveis, o mesmo pode se tornar um ponto de referenciamento dos multiprofissionais das unidades. Com isso, os usuários podem ser direcionados a um ambiente que os estimulem a adotar novos hábitos, assim como aumentar a prevenção e reduzir os efeitos dessas doenças à saúde, por meio do aumento do tempo da prática de atividade física. Ademais, na percepção das enfermeiras, o projeto potencializa o trabalho preventivo que é de responsabilidade das USF, “aproximando ainda mais os usuários do sistema de saúde e auxiliando também no desenvolvimento da própria unidade”. Dentre os benefícios gerados por meio do projeto, apontados na entrevista, as 80 enfermeiras citaram a maior socialização, comunicação entre usuários e unidade de saúde, controle de doenças como hipertensão, diabetes e obesidade, sendo promovidos por “aulas dinâmicas e atividades diferenciadas”, as quais tinham por característica “chamar os alunos para a prática”. Entretanto, as dificuldades existentes eram relacionadas à falta de áreas físicas apropriadas à atividade física, materiais específicos, divulgação, mais diálogo entre projeto e unidade, além da oferta de mais horários de aulas para a população. Em adição, mesmo a prefeitura sempre expondo seu reconhecimento e importância do projeto para a comunidade, os problemas financeiros geralmente afetam a continuidade do projeto, assim como a oferta do mesmo em todas as unidades de saúde. Isto, em muitos casos, pode levar a uma descontinuidade do projeto, mesmo com a parceria entre prefeitura e Instituições de Ensino, Pesquisa e Extensão, sendo que esse desdobramento afeta os usuários, pois “quando o projeto parou de ser ofertado pelos estagiários do curso de Educação Física do IFSULDEMINAS, os moradores da comunidade, até então alunos do PROSAÚDE, ficaram sem nenhuma prática de atividade física”. Dessa forma, tais relatos apontam que os projetos semelhantes ao PROSAÚDE, precisam ser adaptáveis a cada realidade, sendo implementado por meio de um diálogo sólido entre Instituição de Ensino Superior, prefeitura e gestores/equipes de saúde, para que uma vez inseridos na comunidade, haja a manutenção e continuidade em longo prazo. Um dos grandes desafios vividos dentro do projeto era de não apenas levar as aulas com diversas práticas de atividade física para a população, mas fazê-la reconhecer como poderia ser mais ativa, apropriar do seu ambiente habitado, identificar espaços públicos e outras possibilidades que a levasse à manutenção dessas práticas. 81 6.3 Agentes Comunitários de Saúde (ACS) Dentre os profissionais de saúde atuantes na USF, evidenciam-se os ACS, sendo estes muitas vezes vistoscomo um dos possíveis facilitadores das inter-relações nas estratégias de promoção de saúde na comunidade, devido ao permanente contato com a população e com o setor de saúde municipal. Ao representar a comunidade, o ACS aproxima o saber técnico-científico das Equipes da Estratégia Saúde da Família ao saber popular presente nos diversos grupos sociais (CHIESA; FRACOLLI; SANTOS, 2004; FRACOLLI, 2010), por meio das suas atividades direcionadas principalmente na promoção da saúde e prevenção de agravos. Pensando nesse profissional como peça chave no desenvolvimento das questões de saúde de uma comunidade, devido sua importância de atuação e competências para execução completa de suas funções, somos levados a discutir e firmar sua importância na equipe a partir de duas das funções básicas encontradas na Política Nacional de Atenção Básica: Planejamento/Avaliação das ações de saúde e Promoção da saúde (PNAB, 2012). No projeto PROSAÚDE, os ACS envolvidos nas ações de promoção da saúde se comprometiam de maneira efetiva nas intervenções, desde o convite aos participantes em suas visitas domiciliares, as ações de educação em saúde, até a própria participação da aula direcionada à atividade física da comunidade presente no bairro. Acerca da saúde geral, os agentes evidenciaram os conhecimentos e impactos gerados pela saúde pública municipal, reconhecendo as envergaduras do trabalho com a população, visto que a todo o momento os ACS elogiaram as propostas direcionadas pela coordenação pública. Entretanto, eles conseguem ter o discernimento da necessidade de mudanças desde uma melhor forma no atendimento, até questões referentes ao próprio desenvolvimento das ações. Sob este olhar, os ACS afirmam que a saúde em Muzambinho 82 “está sendo desenvolvida da melhor forma possível quando comparada com outras cidades da nossa região”, entretanto reforçaram que “é uma necessidade enorme e que precisa ser melhorada. Tem os atendimentos, mas nunca é demais para melhorar, estamos caminhando em passos lentos”. A construção de uma saúde pública ideal, embora ainda dificilmente de ser alcançada, perpassa a fala dos ACS. A atual abordagem deste paradigma ainda é focalizada em uma saúde biológica, restrita aos conceitos biomédicos, na busca de atingir as metas de saúde e a precarização do trabalho, transformando as ações cada vez mais mecanizadas e menos voltadas à população em si, como reforçado na fala de uma ACS: “Ela atua nos fatores determinantes do processo saúde-doença. Em Muzambinho trabalhamos muito com a prevenção na área que estamos localizados, no total temos cinco USF”. Visando as necessidades expressas pelos profissionais, questões burocráticas e a necessidade de melhorias no sistema municipal ainda são pontos cruciais a serem aperfeiçoados. Independentemente do porte da cidade, já são encontrados relatos de ACS acerca de seu envolvimento em questões organizacionais e burocráticas da unidade de saúde e os impactos negativos na implantação de ações do próprio nicho profissional (SÁ, 2011; PEDRAZA; SANTOS, 2017). Questões deste tipo nos leva a discutir o segundo ponto de ação apresentado, o sistema de saúde. Os ACS apresentam de maneira positiva o sistema, particularizando as ações através de um olhar da atenção à saúde da comunidade, entendendo as necessidades que devem ser trabalhadas no conjunto da USF. Para estes, se trata de uma “visão do bem maior, procurando cada vez mais atender toda a população independente do local que mora”, entendendo que “o SUS e as USF são a melhor opção para a população”. Perante esta visão, somos levados a pensar na rela estratégia direcionada ao SUS e seu atendimento para com a 83 população, evidenciando as ações de promoção, prevenção, tratamento e reabilitação à saúde desenvolvidas na comunidade. Nessa perspectiva, os ACS se veem como parte integrante na promoção de saúde de uma comunidade, utilizando de suas visitas domiciliares como momentos para realização de ações de educação em saúde e aconselhamentos relacionados a males e benefícios da saúde, inclusive da prática de atividade física. Compreendem que podem “levar informação a respeito dos benefícios que a atividade física promove e assim cativar o maior número de pessoas” e “assim auxilia e explica sobre a importância da atividade física para a saúde”. Desta forma, quando tratamos do terceiro tópico, acerca do projeto PROSAÚDE em si, é possível ver que o mesmo pôde ser considerado uma ação promissora, impactando diretamente na população e apresentando benefícios biológicos, psicológicos e sociais, a partir da relação entre alunos atuantes do projeto, comunidade e funcionários da USF. Para os ACS, “o projeto é muito importante porque não foca só a doença, e sim os determinantes da doença e as necessidades concretas da população”. Nesta perspectiva, a aproximação de um diálogo junto à comunidade pode evidenciar quais são as necessidades específicas daquela população atendida e as formas de como o projeto pode ser melhor implementado. Os benefícios gerados pelo PROSAÚDE são evidentes, pautando as falas através da união, amizades e relacionamentos criados a partir do convívio, mudanças no convívio da comunidade, além dos impactos na qualidade de vida e capacidades físicas. Porém, limitações acerca da divulgação, espaço utilizado, apoio de órgãos municipais, disponibilidade de horário e material foram levantadas durante o processo. Segundo uma das entrevistadas, a falta de diálogo e interesse entre a população e o próprio setor saúde, impactou diretamente nas ações desenvolvidas no projeto. Frente aos relatos, o projeto PROSAÚDE, assim como qualquer ação desenvolvida dentro do contexto da saúde pública, deve levar em consideração diversos fatores que 84 impactam desde a sua elaboração e implementação, até a sua avaliação. A estratégia apresentada é viável e necessária, se tratando de uma abordagem de cunho comunitário e de benefícios tão visíveis para a população participante. Assim, utilizar do ACS como um fortalecedor no elo de promoção de saúde através da atividade física, se mostra como uma proposta relevante e que permite ser melhor explorada com o tempo. A atuação multiprofissional neste âmbito tende a ser a melhor potencialidade existente em um projeto de extensão, aproximando a Instituição de Ensino Superior, o sistema público de saúde e a comunidade em geral de um bem em comum, proporcionando por meio da construção coletiva, a continuidade de ações que permeiem o desenvolvimento de uma comunidade de maneira conjunta e equânime. 6.4 Estagiários Na visão dos estagiários do curso de Educação Física do IFSULDEMINAS, o projeto PROSAÚDE é de grande importância nas USF, pois resultam em melhorias dos hábitos de vida, aumento da atividade física e promoção de saúde dos participantes, porém “não apenas no que diz respeito à melhora e manutenção das condições de saúde dos usuários, mas principalmente pelo desenvolvimento da autonomia deles com relação à prática de atividade física”. Os estagiários relataram que os idosos tiveram grandes benefícios, como aumento da prática de atividade física e tempo de lazer, melhorias nas capacidades funcionais e psicológicas, maior socialização, além da diminuição ou total independência de determinados remédios. Ademais, os estagiários disseram que os idosos percebiam esses benefícios e diziam que gostavam das aulas, percebiam o bem-estar, faziam atividades ainda nunca realizadas por eles, davam sugestões, elogiavam as aulas e havia a melhora do humor. Além das melhorias aos participantes, houve diversos benefícios acadêmicos para os 85 estagiários, possibilitando a relação próxima entre teoria e prática, o planejamento e aplicação de aulas e, uma maior interação social com o público idoso. Todavia, a interação entre os estagiários de Educação Físicae os integrantes das USF era distante: “Na minha perspectiva, talvez por desinteresse de minha parte mesmo, essa relação sempre foi distante e ineficiente no que diz respeito ao trabalho multiprofissional”. Porém, uma estagiária contrapôs ao dizer que “a relação era boa, específico na USF que eu participei tínhamos o total apoio e aparato da responsável pelo setor do Bairro”. Ou seja, essa aproximação entre estagiários e equipe multiprofissional necessita ser constantemente estimulada, para que ambos construam uma ação conjunta, em rede e complementar, as quais beneficiarão a comunidade por meio desses projetos. Ainda, os estagiários apresentaram em seus relatos algumas dificuldades para a execução do projeto e das atividades, como a estrutura do local, já que um espaço aberto impossibilitava aulas em dias de chuva; a qualidade de materiais, os quais muitas vezes eram construídos em conjunto com os participantes, como cabo de vassoura, garrafas plásticas; e o grupo de alunos ser demasiadamente heterogêneo. Para um dos estagiários, “a principal delas (dificuldade) acredito que é a ausência do profissional de Educação Física dentro das Unidades, reforçando a necessidade do diálogo com os demais profissionais, de forma a aumentar os debates e os espaços em que a atividade física seja o principal método de prevenção de doenças”. 6.5 Usuários A literatura acerca dos programas públicos direcionados à atividade física é crescente e, recentes apontamentos, baseados em uma pesquisa nacional de saúde em 2013, sugerem que a prevalência em relação ao conhecimento da população sobre tais programas seria de 86 20,0% (n=60.202). Ainda, aproximadamente 30,0% desses indivíduos reportaram não ter interesse pelos programas ofertados (FERREIRA et al., 2019). Esses dados nos fazem rever a existência de uma grande lacuna referente à divulgação e acesso ao conhecimento sobre programas e projetos públicos relacionados à atividade física e, chama atenção enquanto um leque de possibilidades para uma alta prevalência de indivíduos que poderiam se interessar a participar destes. Dentre as ações, é crescente a implementação de projetos de atividade física em Unidade Básica de Saúde (UBS), todavia, para que a adesão aos programas aconteça, existem barreiras que modulam essa aproximação, citando a falta de local apropriado, companhia, energia e, em pessoas acima de 60 anos, aponta-se o medo de cair e falta de persistência (GOMES et al., 2019). Visto que o público pré-senil e idoso é quem mais adere aos projetos de atividade física nessas unidades, principalmente do sexo feminino, estudos sugerem que deva haver programas educativos destinados à mudança comportamental (OPDENAKER et al., 2008). Embora os resultados ainda apresentem limitações, uma das mudanças comportamentais que os idosos submetidos aos programas de atividade física sistematizada está relacionada ao aumento dos níveis de atividade física, principalmente a de intensidade moderada-vigorosa (SCHERER et al., 2018). Um dos fatores que tem sido apontado como facilitador a participação em programas de atividade física é o tempo de deslocamento das residências dos indivíduos até o local da prática, sendo estimado em aproximadamente 10 minutos (NAKAMURA et al., 2016). Ademais, após a adesão, a permanência dos usuários do sistema público de saúde nos projetos acontece pela facilidade ao acesso, gratuidade, possibilidade de deslocamento a pé, horários adaptados à realidade desses, características das atividades; assim como o perfil do professor de Educação Física, fatores estes que torna o ambiente da prática de atividade física mais agradável (SCHERER et al., 2018). 87 Desse modo, este tópico tem por objetivo dar voz e participação ativa aos usuários do PROSAÚDE, os quais por meio de uma entrevista semiestruturada puderam relatar as visões e experiências obtidas durante a participação no projeto. Assim, os usuários relataram que para eles, saúde é ter “disposição, bem-estar, felicidade” e “uma boa qualidade de vida através de bons hábitos, como a prática de exercícios físicos”. Essa saúde, muitas vezes, pode ser influenciada pela percepção e vivências que ocorram junto ao SUS, sendo que os entrevistados demonstraram reconhecer a importância desse sistema para a população em geral, a agilidade que as USF trouxeram para os atendimentos e consultas, contudo; na visão de um dos entrevistados “eles deviam trabalhar mais na prevenção para não ter problemas com as doenças depois”. Sobre o projeto em si, os usuários reportaram perceber os benefícios físicos (mais flexibilidade, redução das dores, redução do comportamento sedentário); psicológicos (aumento da disposição, bem-estar, felicidade, animação) e sociais (mais socialização, incentivo à outras práticas), podendo ser visto nesse discurso: “Mais disposição para fazer as coisas do dia a dia, ajudando no convívio com as outras pessoas”. Em adição, a relação entre usuários e estagiários foi positiva, sendo expressas pelas palavras “dedicados e atenciosos”, os quais “sempre davam incentivo nas aulas”, “se preocupavam com o grupo e davam as aulas com muito carinho”. Entretanto, ao responderem sobre as dificuldades percebidas, citaram a infraestrutura (espaços pequenos, falta de materiais), o que levava os participantes, em muitos dias, a realizarem as atividades na rua, como caminhadas, exercícios e atividades em frente à USF e na calçada. Também apontaram a necessidade de mais dias de projeto, duração das aulas (>1h), maior divulgação e atrair mais participantes, sendo que “os agentes, em suas visitas, poderiam explicar o benefícios das aulas e fazer o convite”. Um ponto de grande importância na fala dos entrevistados foi que o apoio da prefeitura poderia ser melhor, o que muitas vezes 88 “parece não demonstrar uma preocupação com a saúde, além de que podiam contratar um profissional de Educação Física”. Em síntese, os usuários reportaram valorizar o projeto, enquanto iniciativa de promover a prática de atividade física, mesmo vinculado a um ambiente que ainda é visto e procurado para tratar as doenças crônicas e agravos não transmissíveis. Também, o projeto vai além dos benefícios físicos, segundo a visão dos usuários, promovendo melhorias psicossociais e oportunizando vivências ímpares, com a adição do fator social-afetivo, o qual sempre aparece nos discursos dos participantes. Por isso, eles sempre reforçam em suas frases que “o projeto não deveria parar”. 6.6 Considerações Finais Os entrevistados apontaram cada qual no seu domínio de observação, importantes peculiaridades nessa relação entre projetos de extensão com atividade física, ABS e organizações públicas, como prefeitura e Instituto de Ensino Superior. Assim, tanto os agentes promotores quanto os receptores dessas ações necessitam expandir seus olhares sobre o contexto das intervenções com atividade física na saúde pública brasileira. Como já foram mencionados em capítulos anteriores, os benefícios da prática de atividade física extrapolam os domínios físicos e de prevenção contra as DCNTs. A valorização à atividade física, relatada nas narrativas, perpassa também pelos domínios psicológicos, sociais e culturais, salientando o prazer, alegria e motivação durante a prática, socialização e diálogo; além da disseminação de conhecimentos relacionados à saúde, hábitos para uma vida mais saudável, apropriação do próprio ambiente habitado e apreensão das variadas possibilidades de se praticar atividade física. Existem algumas dificuldades que ainda necessitam ser transpassadas, como 89 aumentar o diálogo entre os envolvidos no projeto, disseminar os benefícios dessas intervenções para os gestores e a própria população, adaptar as aulas às necessidades de cada local e de cada grupo de usuários, além de buscar melhorias na infraestruturae/ou buscar locais de fácil acesso, os quais poderiam ser utilizados para que as aulas ocorram. Para a coordenadora da ABS, o olhar da gestão necessita de ser direcionado para os aspectos positivos que esses projetos promovem para a população em geral. Para as enfermeiras, o projeto potencializa o trabalho preventivo das variáveis de saúde, ao passo que para os ACS, eles mesmos podem ser considerados como um dos facilitadores dos conhecimentos em via de mão dupla: ações de saúde - população e população - ações de saúde. Desse modo, as ações elaboradas pela rede multidisciplinar devem considerar as necessidades dos cidadãos, assim como facilitar com que as mesmas cheguem ao acesso de todos. Nesse sentido, os estagiários também devem ser vistos como uma ponte entre os conhecimentos teóricos e práticos, aumentando assim a capacidade das Instituições de Ensino Superior em formar profissionais preparados para conseguirem identificar situações e intervir na prática, de forma mais efetiva. Ademais, os profissionais de Educação Física necessitam ter uma formação que os auxiliem na leitura do SUS, dos seus princípios e diretrizes, e principalmente de apoderar-se do seu papel multidisciplinar, compondo a rede preventiva da ABS. Consequentemente, os usuários receberão intervenções de forma mais objetiva, específicas e adaptadas às suas reais necessidades. Tais intervenções, bem como a postura destes profissionais devem estimular os usuários a gostarem da prática de atividade física, incentivando-os a serem mais ativos em seu dia-a-dia e demonstrando não só o seu conhecimento científico; mas também a sua empatia, dedicação e satisfação de estar no papel orientador ao longo das aulas. Tudo isso auxiliará no fortalecimento e continuidade de projetos, como o PROSAÚDE. 90 Referências BOGDAN, R.; BIKLEN, S. Investigação qualitativa em educação. Portugal: Porto Editora, 1994. BRASIL. Governo Federal do Brasil. Ministério da Saúde. Política Nacional de Atenção Básica: PNAB. 2012. Disponível em: <http://189.28.128.100/dab/docs/publicacoes/geral /pnab.pdf>. Acesso em: 16 mai. 2017. CHIESA A. M.; FRACOLLI L. A. O trabalho dos agentes comunitários de saúde nas grandes cidades: análise do seu potencial na perspectiva da promoção da saúde. Rev Bras de Saúde da Fam, v. 2, n. 1, p. 42-49, 2004. PEDRAZA, D. F.; SANTOS, I. Perfil e atuação do agente comunitário de saúde no contexto da Estratégia Saúde da Família em dois municípios da Paraíba. Interações, Campo Grande, v. 18, n. 3, p. 97-105, jul. 2017. Http://dx.doi.org/10.20435/inter.v18i3.1507. PELUSO, M. A. M.; ANDRADE, L. H. S. G. Physical activity and mental health: the association between exercise and mood. Clinics, v. 60, p. 61-70, 2005. REIJNEVELD, S.; WESTHOFF, W.; HOPMAN-ROCK, M. Promotion of health and physical activity improves the mental health of elderly immigrants: results of a group randomized controlled trial among Turkish immigrants in the Netherlands aged 45 and over. J Epidemiol Community Health, v. 57, p. 405-411, 2003. 91 SÁ, T. H. Construção e avaliação de um programa educativo para a promoção de atividade física junto a Equipes de Saúde da Família. [Dissertação de mestrado]. São Paulo: Faculdade de Saúde Pública da USP; 2011. SANTOS, L. P. G. S.; FRACOLLI, L. A., O Agente Comunitário de Saúde: possibilidades e limites para a promoção da saúde. Rev.Esc. Enferm. USP, v. 44, n. 1, p.76-83, mar. 2010. World Health Organization. Global Action Plan on Physical Activity 2018–2030: More Active People for a Healthier World; World Health Organization: Geneve, Switzerland, 2018. 92 7. CAPÍTULO SETE RELATOS DAS VIVÊNCIAS PRÁTICAS DE PROMOÇÃO EM ATIVIDADE FÍSICA DESENVOLVIDAS POR DIFERENTES GRUPOS DE PESQUISA DO BRASIL Letícia Aparecida Calderão Spósito Jean Augusto Coelho Guimarães Cláudia Pedroso Ferreira Maureen Chayene de Moraes 7.1 Exercícios Físicos em Unidades de Saúde - Projeto Saúde Ativa: o caso de Rio Claro, São Paulo Entrevistado: Prof. Dr. Eduardo Kokubun Em 2001, iniciou-se o Projeto Saúde Ativa, na cidade de Rio Claro - SP, em parceria com a Fundação Municipal de Saúde. O projeto foi implantado pelo Núcleo de Atividade Física, Esporte e Saúde (NAFES), que é coordenado pelo Professor Dr. Eduardo Kokubun, docente na Universidade Estadual Paulista (UNESP - Rio Claro) e vinculado ao Departamento de Educação Física. A estratégia de combate à inatividade física desenvolveu- se a partir de um convite realizado pela coordenação da UBS do bairro Vila Cristina - localizada próximo a UNESP, para a promoção de palestras à hipertensos e diabéticos (HIPERDIA), sobre os benefícios da prática regular de atividade física. A partir do primeiro contato com os usuários, foi identificada a necessidade de ações além das palestras. Dessa forma, com o apoio da coordenação da UBS e a Fundação Municipal de Saúde, iniciaram-se as aulas práticas de exercício físico. Estas ações expandiram-se para 15 unidades da ABS do Município de Rio Claro, atendendo dentro da própria UBS ou em locais próximos, como centros de reabilitação infantil e praças públicas e, tendo como público alvo os usuários com alguma DCNT. É interessante pontuar que o 93 público interessado nas aulas do projeto e aderente às atividades, sempre foram de pessoas acima de 50 anos, mulheres e com pelo menos uma DCNT. As aulas, inicialmente aplicadas pelos pós-graduandos e graduandos do curso de Educação Física da UNESP, ocorriam com frequência de duas vezes por semana e duração de 60 minutos. Os exercícios, que mimetizam as atividades da vida diária, tinham como foco a qualidade de vida geral do indivíduo, a manutenção e o desenvolvimento das capacidades físicas dos participantes, por meio de aulas diversificadas, com ênfase na força muscular, capacidade aeróbica, flexibilidade, agilidade e coordenação. O projeto adotou a avaliação física como meio de acompanhar a evolução e os benefícios da prática para os participantes, utilizando a bateria de testes da American Alliance for Health, Physical Education, Recreation and Dance e análises sanguíneas (glicemia, colesterol total, HDL, LDL e triglicérides) com periodicidade de três e duas vezes ao ano, respectivamente. Além disso, com o propósito de promover a integração social entre os participantes das diferentes UBS, o projeto organizou, por intermédio dos alunos de graduação e pós-graduação, eventos coletivos em ambientes públicos, como praças e parques, duas vezes ao ano. Contudo, com o passar dos anos e poucos recursos financeiros, os coordenadores sentiram a necessidade de transformar o projeto em política pública, visando a contratação de profissionais de Educação Física. Ao longo de muitas tentativas e dificuldades para efetivação da proposta junto aos órgãos públicos, no ano de 2014 o programa passa a contar com dois profissionais de Educação Física concursados pela Fundação Municipal de Saúde. A partir desse momento, o NAFES transfere suas atividades para os profissionais concursados, de modo que eles e a prefeitura municipal administrassem as ações de maneira autônoma da Universidade, com atendimento em oito UBS do Município de Rio Claro - SP, contudo, a UBS Vila Cristina, localizada próximo a UNESP, permanece sob a responsabilidade do 94 NAFES, a fim de proporcionar à prática de atividade física para uma população engajada há 19 anos no projeto e, favorecer acesso aos alunos de graduaçãopara que possam atender as demandas curriculares e adquirir experiência na área. Em 2015, foi publicado um estudo por Nakamura e colaboradores, no qual, avaliaram os efeitos da intervenção de exercício físico em UBS do município de Rio Claro, sobre a capacidade física dos participantes, durante 10 anos. O estudo demonstrou que o programa teve potencial em aumentar a força muscular, coordenação, capacidade aeróbica, agilidade, equilíbrio dinâmico e manter a flexibilidade a cada década de vida. A partir desses resultados, o projeto foi reconhecido pelo Prêmio Mais Movimento, realizado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento - PNUD, com o objetivo de conscientizar a sociedade sobre a importância da prática de atividade física. O projeto concorreu com mais de 140 inscrições de todo o Brasil, ficando entre as três melhores iniciativas e demonstrando ser uma ação de potencial. O projeto Saúde Ativa, incorporou a partir de 2014, o projeto de extensão de Atividade Física para Terceira Idade (PROFIT), criado em 1989, no qual, era coordenado pelo Prof. Dr. Sebastião Gobbi e, em virtude de sua aposentadoria, o Prof. Dr. Eduardo Kokubun assumiu o projeto de aproximadamente 120 idosos, que frequentam a Universidade as terças e quintas-feiras das 7 às 8 horas, divididos em quatro grupos: (1) Atividade Física Geral (todas as capacidades físicas são exploradas), (2) Aeróbio, (3) Dança e (4) Musculação, com aulas dos alunos (estagiários) de graduação e supervisão dos pós-graduandos. Também ocorrem reuniões semanais para ajustes no planejamento e análise dos feedbacks entre os estagiários e coordenadores. Anualmente, o projeto oferece aos idosos o evento denominado “Semana do Idoso”, que acontece na primeira semana de outubro, com atividades rítmicas e artísticas realizadas pelos idosos, sob a organização dos estagiários e pós-graduandos. 95 Dessa forma, tanto a iniciativa em UBS quanto o projeto dentro da própria Universidade, buscam a manutenção das capacidades físicas da população e incentiva a socialização, um fator de aderência muito citado pelos participantes e que favorece a extensão Universitária para os alunos de graduação e pós-graduação, proporcionando experiências com grupos especiais, em grande parte, idosos, diabéticos e hipertensos, incentivando a produção de diversas pesquisas acadêmicas, desde trabalhos de conclusão de curso até pesquisas de pós-doutorado. Referências Complementares ALMEIDA, D. A. Fatores motivacionais para a prática de atividade física regular em idosos. Trabalho de conclusão de curso (bacharelado - Educação Física) - Universidade Estadual Paulista, Instituto de Biociências de Rio Claro, 59f. 2016. BONOLO, A. Efeito de cinco anos de participação no programa de exercício físico em Unidades de Saúde sobre variáveis sanguíneas. Trabalho de conclusão de curso (licenciatura - Educação física) - Universidade Estadual Paulista, Instituto de Biociências de Rio Claro/SP, 47f, 2016. CAMPOS, L. Análise do custo de intervenções para promoção de atividade física em unidades de saúde da família de Rio Claro-SP. Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual Paulista, Instituto de Biociências de Rio Claro,100f, 2017. CHRISTOFOLETTI, A. E. M. et al. Factors associated to mortality in adults and elderly residents in the city of Rio Claro - SP: a cohort study. Rev. Bras. Cineantropom. 96 Desempenho Hum., Florianópolis, v. 20, n. 3, p. 258-268, 2018. FERREIRA, C. P. Motivos da desistência em um programa de exercício físico em Unidades de Saúde. Trabalho de conclusão de curso (licenciatura - Educação física) - Universidade Estadual Paulista, Instituto de Biociências de Rio Claro/SP, 41f., 2016. GIRALDO, A. et al. Influência de um programa de exercícios físicos no uso de serviços de saúde na Atenção Básica de Saúde do município de Rio Claro, SP. Rev Bras Ativ Fis Saúde v. 18 (2) p. 186-196, 2013. GOMES, G. Participação em um programa de exercícios físicos em unidades de saúde da atenção básica e níveis de atividade física de adultos e idosos. Tese (doutorado) - Universidade Estadual Paulista, Instituto de Biociências de Rio Claro, 131f, 2012. GOMES, G. et al . Barreiras para prática de atividade física entre mulheres atendidas na Atenção Básica de Saúde. Rev. Bras. Ciênc. Esporte, v. 41, n. 3, p. 263-270, 2019. KOKUBUN, E. et al. Programa de atividade física em unidades básicas de saúde: relato de experiência no município de Rio Claro-SP. Rev Bras Ativ Fís Saúde, v. 12, n. 1, p. 45-53, 2007. NAKAMURA, P. M. et al. Effect on Physical Fitness of a 10-Year Physical Activity Intervention in Primary Health Care Settings. J Phys Act Health, v. 12, p. 102 -108, 2015. NAKAMURA, P. M. et al. Programa de intervenção para a prática da atividade física: saúde 97 ativa Rio Claro. Rev Bras Ativ Fís Saúde, v. 15, n. 2, p. 128-132, 2010. Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD Brasil. De posto de saúde a centro de atividade física. São Paulo, 5 abr. 2017. Disponível em: <https://www.br.undp.org/content/brazil/pt/home/presscenter/articles/2017/04/03/de-posto- de-sa-de-a-centro-de-atividade-fisica.html?fbclid=IwAR36Vva7nlI_cFowcCmfA0QBmpSZa qT2iGJCtUqeEJvpin-tTrCRG9CviwA>. Acesso em: 18 jul. 2020. PAPINI, C. B. et al. Physical exercise program carried out in primary health care units improves exercise tolerance and economy of movement. J. Exerc. Physiol. Online, v. 20, n. 3, p. 100-109, 2017. SEBASTIÃO, E. et al. Sedentary Behavior Is Associated With Low Leisure-Time Physical Activity and High Body Fatness in Older Brazilian Adults. Am. J. Lifestyle Med. 2018. SPOSITO, L. A. C. Análise econômica de custo-utilidade de três intervenções para promoção de atividade física em usuários do SUS de Rio Claro - SP. Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual Paulista, Instituto de Biociências de Rio Claro. 84f, 2017. ZAGO, A.S.; GOBBI, S. Valores normativos da aptidão funcional de mulheres de 60 a 70 anos. Rev. Bras. Ci. e Mov, v. 11, n. 2, p. 77-86, 2003. https://www.br.undp.org/content/brazil/pt/home/presscenter/articles/2017/04/03/de-posto-de-sa-de-a-centro-de-atividade-fisica.html?fbclid=IwAR36Vva7nlI_cFowcCmfA0QBmpSZaqT2iGJCtUqeEJvpin-tTrCRG9CviwA 98 7.2 Programa de Exercícios Físicos em Unidades Básicas de Saúde - Projeto Floripa Ativa: o caso de Florianópolis, Santa Catarina Entrevistada: Prof.ª Dra. Tânia Bertoldo Benedetti Muitos são os desafios para alcançar práticas de excelência dentro da Universidade, sobretudo com os acadêmicos do curso de Educação Física. A Universidade é um meio do qual os alunos têm a oportunidade de conhecer todas as áreas de atuação, dentre elas a saúde pública que se enquadra como um local recente de atuação dessa profissão. Devido à preocupação com a formação dos alunos de Educação Física, especialmente para a área da saúde, a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) no ano de 2005 alterou seu currículo, a fim de proporcionar essa qualificação por meio da vivência acadêmica na tríade do ensino, da pesquisa e da extensão. No ensino, ocorreu a inserção de disciplinas específicas na graduação, por exemplo, a disciplina Estágio Supervisionado em Atividade Física e Saúde, o qual ocorre nas UBS; a participação no Programa Nacional de Reorientação da Formação Profissional em Saúde e no projeto de extensão “Atividades físicas para a terceira idade”, tendo a oportunidade ainda de uma pós-graduação através da residência multiprofissional em Saúde da Família. Os projetos que têm o objetivo da aprendizagem na prática e inserção dos alunos de Educação Física no contexto da ABS do município. Com o fortalecimento da prática de atividade física no contexto da Atenção Primária de Saúde muitos graduandos mostram interesse pelo estágio na área. A Prof.ª Dra. TâniaBertoldo Benedetti, que no momento ministra a disciplina de estágio na UFSC, observou a oportunidade de desenvolver um projeto que tivesse o objetivo de oferecer a prática de atividade física neste contexto e possibilita-se a participação dos graduandos. Assim, apresentou à Secretaria Municipal de Saúde de Florianópolis - SC uma proposta com o objetivo de levar essa prática para a população idosa e que pudesse ser desenvolvida por 99 acadêmicos dentro das UBS. A estratégia buscou oferecer aulas práticas de ginástica e caminhada aos idosos para promover a saúde, a socialização e diminuir o acometimento por DCNTs, sendo que através de avaliações semestrais e anuais, era feito o acompanhamento dos resultados. Esta foi uma formulação inicial da política pública para promoção de atividade física no município de Florianópolis. A partir dessa ação política, foi criado em 2006 o Floripa Ativa, sendo um programa de exercícios físicos desenvolvidos nas UBS do município de Florianópolis. Com objetivo de prevenção, promoção e reabilitação de doenças cardiopulmonares, metabólicas e neuromusculoesqueléticas por meio da prática de exercício físico orientado. O Floripa Ativa fez parte do Programa Capital Idoso da Secretaria Municipal de Saúde de Florianópolis, com parceria da Secretaria Municipal de Assistência Social. Este atendia cerca de 200 idosos com doenças crônicas, como hipertensão e diabetes, sendo que as atividades eram desenvolvidas com a parceria entre a UFSC, Universidade Estadual de Santa Catarina (UDESC) e Prefeitura. Deste modo, o programa baseava-se na literatura científica e completava sua metodologia com dados e propostas do Ministério da Saúde, sempre procurando pesquisas com evidências relevantes para enriquecer sua prática e ofertar a melhor metodologia de promoção de atividade física para a população, prezando os benefícios à saúde. Assim, o programa tornou-se um marco na história da Educação Física da UFSC por seu sucesso, com influência positiva na gestão municipal, os quais viram a necessidade da inserção do profissional de Educação Física nas UBS. A efetividade da aplicação do projeto Floripa Ativa, possibilitou contato com a câmara de vereadores e com o Conselho Regional de Educação Física, em que a partir de articulações políticas houve a abertura de vagas de concurso, sendo seis vagas destinadas para o projeto. Em seguida, foi instituído o NASF-AB em 2008, programa do Ministério da Saúde, aplicado pela prefeitura de Florianópolis, sendo que os profissionais de Educação Física 100 puderam trabalhar de forma multiprofissional dentro das UBS. A princípio houve dificuldades devido a alta demanda populacional e poucos profissionais para atendimento aos idosos interessados, as quais foram minimizadas após a inserção do NASF-AB. Além de assumirem o projeto Floripa Ativa, a entrada desses profissionais possibilitou a criação de novas ações promotoras de atividade física e o alcance de outras populações. Desse modo, fica evidente o avanço da gestão municipal e da Educação Física na área da saúde, sendo inclusive implantado um novo formato de intervenção elaborado pela equipe profissional atuante. Como alternativa, os gestores poderiam fomentar a criação de diretrizes e normas para novas propostas de práticas de atividade física e práticas corporais dentro da ABS do município, fato que alavancaria tais práticas e geraria mais benefícios aos usuários do sistema público de saúde. Mesmo com a chegada de novos profissionais, ainda houve dificuldade na expansão do projeto, por conta do aumento da demanda de trabalho para esse profissional em outras vertentes, do qual deveriam atender várias UBS dentro de uma região do município. O trabalho multiprofissional possibilitou aos profissionais reconhecerem outras ferramentas de atendimento para aplicação dentro das unidades, como a utilização das Práticas Integrativas e Complementares em Saúde (auriculoterapia, liang gong, dentre outras). Outro ponto contribuinte para o estacionamento da expansão do projeto foi a linha de trabalho desenvolvida pelos profissionais, sendo uma perspectiva de saúde engessada, em que os profissionais têm dificuldade para implantar novas propostas. Contudo, mesmo com as dificuldades e desmotivações, os profissionais de Educação Física de Florianópolis atuam em mais de 45 UBS, oferecendo algum tipo de atividade física ou prática corporal e mantém o vínculo à secretaria de saúde. No momento, a professora Dra. Tânia Benedetti e mais três professores atuam no estágio obrigatório em atividade física e saúde, da graduação do bacharelado em Educação 101 Física da UFSC, sendo que o estágio acontece nas UBS do município e tem carga horária de 180 horas semestrais, das quais os alunos atuam nas diversas atividades propostas pelos profissionais das UBS. A professora também coordena o programa VAMOS (Vida Ativa Melhorando a Saúde) o qual foi implantado em 12 UBS do município com ajuda dos profissionais da rede de saúde de Florianópolis. O programa incentiva a mudança de comportamento e objetiva motivar as pessoas a adotarem um estilo de vida saudável, podendo considerar uma proposta extremamente válida a ser ofertada nas UBS de todo o Brasil para promover a saúde (para conhecer as diretrizes e organização do programa acesse: https://vamos.ufsc.br). Em síntese, é de suma importância unir e alinhar os conhecimentos da Universidade com a gestão pública seja nas esferas nacionais, estaduais e municipais, a fim de que haja uma maior efetividade na criação de políticas públicas, assim como na inserção dos profissionais de Educação Física no sistema público de saúde. Quando estes profissionais se identificam perante o sistema que estão sendo inseridos, reconhecem suas especificidades e determinam objetivos claros e concisos; os mesmos tendem a construir ações amparadas em evidências científicas, nas ações via multidisciplinar e interdisciplinaridade, solicitada pelo sistema de saúde e, relacionam com a realidade da população atendida. Todos os esforços são necessários e reconhecidos efetivamente, a fim de garantir o acesso de qualidade às ações de promoção da atividade física e, consequentemente, dos benefícios à saúde dos usuários do sistema público de saúde. Referências Complementares BENEDETTI, T. R. B et al. Logical model of a behavior change program for community intervention – Active Life Improving Health – VAMOS. Rev Bras Ativ Fís Saúde, v. 22, n. 102 3, p. 309-313, 2017. BENEDETTI, T. R. B. et al. Programa “VAMOS” (Vida Ativa Melhorando a Saúde): da concepção aos primeiros resultados. Rev Bras Cineantropom Desempenho Hum, v. 14, n. 6, p. 723-737, 2012. BORGES, L. J.; BENEDETTI, T. R. B.; MAZO, G. Z. Exercício físico, déficits cognitivos e aptidão funcional de idosos usuários dos centros de saúde de Florianópolis. Rev Bras Ativ Fís Saúde, v. 13, n. 3, p.167-177, 2008. Florianópolis. Prefeitura, Secretaria Municipal de Saúde. Diretoria de Atenção Primária à Saúde. Protocolo de atenção à saúde do idoso. Tubarão, Ed. Copiart, p. 128, 2011. Florianópolis. Prefeitura Municipal de Florianópolis. PORTARIA nº 286/07. Regulamenta o grupo técnico do Capital Idoso. Florianópolis, SC: Prefeitura Municipal de Florianópolis, 02 de agosto de 2007. LOPES, A. S. et al. O acolhimento na Atenção Básica em saúde: relações de reciprocidade entre trabalhadores e usuários. Saúde Debate, v. 104, n. 39, p. 114-123, 2015. LOPES, M. A. et al. Programa de atividade física para terceira idade do CDS/UFSC: o efeito do exercício físico na resistência muscular. Extensio, 2004. MAZO, G. Z.; LOPES, M. A.; BENEDETTI, T. R. B. Atividade Física e o Idoso: concepção gerontológica. 2 ed. Porto Alegre: Sulina, 2004. 103 7.3 Projeto Ambiente Ativo: o caso de Ermelino Matarazzo, São Paulo Entrevistado: Prof.Dr. Douglas Roque Andrade Em 2007, o Prof. Dr. Alex Antônio Florindo fundou o Grupo de Estudos e Pesquisas Epidemiológicas em Atividade Física e Saúde (GEPAF) da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo (EACH-USP) e realizou um inquérito epidemiológico que teve como objetivo verificar o nível de atividade física no tempo de lazer e no deslocamento, tanto quanto os fatores associados a essas práticas em adultos que residiam a pelo menos seis meses no distrito de Ermelino Matarazzo-SP, zona leste da cidade de São Paulo. Com base nos dados encontrados e a partir de discussões entre os docentes e pesquisadores do grupo supracitado, juntamente com a Supervisão de Esportes, Supervisão de Saúde, dois gerentes das UBS e com dois profissionais do NASF-AB já implementados na localidade, iniciou-se em 2011 o projeto de pesquisa intitulado “Estudo de Intervenções para a Promoção da Atividade Física no Sistema Único de Saúde pela Estratégia de Saúde da Família” que mais tarde, foi denominada “Ambiente Ativo”. Com o objetivo principal de avaliar diferentes intervenções que pudessem ser aplicadas na rotina dos profissionais que atuam nos NASF-AB, a primeira intervenção, com duração de 12 meses, buscou comparar estratégias de promoção da atividade física. Dessa forma, foram formados um grupo controle e dois grupos com intervenções, cada um com aproximadamente 50 participantes. Uma intervenção correspondeu ao programa de exercícios físicos supervisionados três dias por semana, 60 minutos cada sessão e a segunda foi destinada ao programa de educação em saúde com dez encontros mensais e duração de 120 minutos cada sessão. 104 Os principais resultados mostraram maior aderência e manutenção às intervenções pela população; aumento da atividade física no lazer; maior utilização das estruturas de lazer localizadas próximo às residências; melhora geral da saúde; mobilização das UBS na promoção de atividade física e atuação conjunta para promoção de atividade física envolvendo EACH/USP, UBS, Centro de Educação Unificado (CEU) e organizações sociais. Em uma segunda intervenção, a qual contou com 176 usuários da ESF, foi verificar o efeito da atividade física por meio da intervenção dos ACS. Eles participaram de um programa de educação permanente para ampliar o conhecimento e contribuir para a autonomia na promoção da atividade física. Os principais resultados encontrados mostraram mudança de atitude, conhecimento e habilidades dos ACS para a promoção da prática de atividade física na ESF; visitas domiciliares orientadas para a prática de atividade física; avanço nos estágios de mudança de comportamento para a prática de atividade física em usuários da ESF; envolvimento familiar no processo de mudança em usuários do SUS; empoderamento da população com relação à prática de atividade física e apropriação dos espaços públicos de lazer e deslocamento e atuação conjunta para promoção de atividade física envolvendo EACH/USP, ESF, CEU e organizações sociais. Assim, o processo de educação permanente dos ACS para a promoção de atividade física teve boa aceitação e grande adesão demonstrando-se viável, factível e capaz de provocar mudanças acerca da representação da prática de atividade física e de ampliar a reflexão das possibilidades de estratégias de aconselhamento junto à comunidade. Por meio dos resultados encontrados foi possível observar uma melhora no conhecimento e percepção de variáveis importantes para o aconselhamento de atividade física, já os resultados qualitativos demonstraram que os ACS gostaram do curso, valorizando o conteúdo 105 apreendido e a forma de aplicação baseada na construção do conhecimento, além de se sentirem seguros para promover atividade física aos usuários e famílias cadastradas pela ESF. Considerando todo o contexto do SUS, a primeira dificuldade encontrada para iniciar um programa de exercícios físicos foi o local específico para a prática. A UBS onde foram desenvolvidas as intervenções não possuía espaço aberto ou estrutura adaptada para a prática de exercícios físicos, então, foi necessário utilizar o espaço externo da unidade. O Centro de Estudos e Práticas de Atividade Física da EACH-USP foi a solução encontrada juntamente com a utilização de estruturas próximas à própria UBS, como praças, escolas, parques, CEU, clubes municipais ou universidades, sendo alternativas para os profissionais que atuam no SUS, além do Programa Academia da Saúde que está presente em vários municípios, o qual tem como um dos seus objetivos a implementação de polos que também poderão servir para a organização de grupos. Concomitantemente, a falta de equipamentos como máquinas para a prática de exercícios físicos também foi um problema, sendo que a alternativa para a ausência dessa estrutura durante os primeiros meses de intervenção foi adaptar o programa planejado e realizar os exercícios utilizando materiais alternativos, como halteres, barras, faixas elásticas, caneleiras e steps. Outra dificuldade encontrada foi a aderência das pessoas ao programa de exercícios físicos. Enquanto a adesão no início do programa foi considerada alta (acima de 90,0% dos participantes cadastrados iniciaram o programa), ao longo de 12 meses, a média de frequência de participação das sessões foi de 33,0% e apenas 29,0% dos participantes realizaram ao menos a metade de todas as sessões de treinamento. Mesmo com a intervenção formando grupos com horários que passavam a cobertura da UBS (turmas após as 17 horas), os participantes tiveram dificuldades de permanecer realizando o programa regularmente. Portanto, propiciar diferentes alternativas de dias e horários, manter contato constante com os ausentes e realizar consultas regulares sobre preferências e dificuldades dos usuários na 106 participação de programas são algumas das ações a serem tomadas como uma possibilidade para aumentar a participação e a aderência dos usuários. Entretanto, a realização de um programa de exercício físico supervisionado por um profissional envolvido na ESF é um verdadeiro desafio, uma vez que o período noturno é incompatível com o funcionamento da maioria das UBS. A princípio, seria necessário um envolvimento ainda maior de outras estruturas de apoio ao programa, inclusive com a participação de outros profissionais, como por exemplo, uma atuação conjunta dos profissionais da ESF e do NASF-AB com os professores do CEU ou da Secretaria de Esportes, Cultura, Assistência Social que possuam ações ou programas de atividade física e possam estabelecer uma rede de apoio para os munícipes, criando maior sinergia para a promoção da atividade física e saúde nas cidades brasileiras. Propiciar um programa de atividade física supervisionada gratuita em um espaço estruturado em uma região de baixo nível socioeconômico pode parecer ser um grande estímulo à participação; contudo, verificou-se que as desistências ocorrem de maneira semelhante aos serviços particulares de exercícios físicos como nas academias, por exemplo. Os participantes do Ambiente Ativo eram pessoas inativas fisicamente no lazer e sabe-se que a tomada de decisão para começar a praticar regularmente qualquer programa de atividade física não ocorre de maneira rápida, é possível que muitas pessoas não estivessem interessadas o suficiente em começar a se exercitar três dias por semana, 60 minutos por sessão. Por isso, além de garantir um programa supervisionado de exercícios físicos, os profissionais de Educação Física que atuam neste âmbito precisam estimular os participantes a realizar atividade física por outras estratégias também, como conversas, palestras ou outras atividades, principalmente com pessoas em estágios de pré-contemplação e contemplação. 107 Os maiores desafios na área da promoção da atividade física são estimular a adesão (convencera população a iniciar a participação em algum programa de atividade física) e a aderência (elaborar estratégias que mantenham os participantes nos programas). O maior desafio para a realização do processo de educação permanente de ACS para promover atividade física é combinar agendas e tarefas, uma vez que este profissional deve cumprir metas de produtividade e muitas vezes já está sobrecarregado com diversas demandas de trabalho estabelecidas. As ações de promoção à saúde devem ser priorizadas e devidamente planejadas pelos profissionais das equipes de ESF e NASF-AB, para que haja participação e envolvimento de todos, bem como da comunidade, uma vez que muitos profissionais de saúde atuam somente com ações de assistência. Para que isso ocorra é necessário superar os limites institucionais para a promoção da saúde, tanto a gestão quanto os profissionais de saúde devem priorizar e acreditar nas ações de promoção de atividade física como estratégias factíveis de promover saúde em diversos âmbitos, porém, é adequado refletir acerca das possibilidades de mudanças da cultura dos serviços, dos processos de trabalho e de gestão, sendo, talvez, necessárias ações de rediscussão dos indicadores de produtividade e qualidade do trabalho, melhoria da infraestrutura e ampliação e validação dos momentos de educação permanente. Entretanto, para que se obtenha sucesso com a implementação dos processos de educação permanente é necessário que haja apoio efetivo da gestão. A partir de 2015 o “Ambiente Ativo” passou a ser um conjunto de intervenções baseadas em avaliações de pesquisas, que foram ampliadas para um programa de extensão universitária, chamado EducAtivo, que está sendo realizado em parcerias com membros do GEPAF (alunos da graduação e pós-graduação, docentes), educadores e especialistas da área de Atividade Física da EACH-USP, outros docentes da USP e com a sociedade civil organizada. 108 Ao aplicar as evidências científicas sobre a promoção de atividade física na comunidade, os envolvidos experimentam a transposição da ciência para a prática. Essa experiência é rica e dá a oportunidade única de trocarem conhecimento e práticas com profissionais de outras áreas, realizando assim um trabalho na comunidade de uma forma ampliada. Referências Complementares ANDRADE, D. R. et al. Do diagnóstico à ação: A experiência da pesquisa Ambiente Ativo na promoção da atividade física em Ermelino Matarazzo, na zona leste de São Paulo, São Paulo. Rev Bras Ativ Fís Saúde, v. 17, n. 3, p. 235-238, 2012. COSTA, E. F. et al. Evaluation of the effectiveness of home-based physical activity promotion by community health workers. Cad Saúde Pública, v. 31, n. 10, p. 2185-2198, 2015. FLORINDO, A. A., et al. Physical activity promotion by health practitioners: a distance- learning training component to improve knowledge and counseling. Prim Health Care Res Dev, v. 19, n. 2, p. 140-150, 2018. GUERRA, R. B. et al. Program EducAtivo: physical activity as a health education strategy. Rev Bras Ativ Fís Saúde, v. 23, p. 1-6, 2019. RIBEIRO, E. H. C. et al. Assessment of the effectiveness of physical activity interventions in the Brazilian Unified Health System. Rev Saúde Pública, v. 56, n. 51, p. 1-11, 2017. 109 SALVADOR, E. P. et al. Interventions for physical activity promotion applied to the primary healthcare settings for people living in regions of low socioeconomic level: study protocol for a non-randomized controlled trial. Arch Public Health, v. 72, n. 1, p. 72-78, 2014. 7.4 Grupo de estudo em epidemiologia da Atividade Física (GEEAF) - UBS+Ativa: o caso de Pelotas, Rio Grande do Sul Entrevistado: Prof. Dr. Fernando Carlos Vinholes Siqueira O Grupo de Estudos em Epidemiologia da Atividade Física (GEEAF) iniciou suas atividades em 2004 através do interesse dos pesquisadores Dr. Pedro Curi Hallal, Dr. Mário Renato de Azevedo Júnior, Dr. Felipe Fossati Reichert, Dr. Fernando Carlos Vinholes Siqueira, Dr. Juliano Bastos e Dr. Samuel Dumith, em aprofundar seus estudos epidemiológicos relacionados à atividade física. Todos naquele momento faziam formação no Programa de Pós-Graduação em Epidemiologia da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) e tinham em comum o fato de serem graduados em Educação Física. Inicialmente os participantes do grupo se dedicavam a produção de artigos científicos tendo publicado nesta época artigos em coautoria, fruto de bancos de dados já construídos por aqueles que já estavam cursando o doutorado. Com o passar do tempo, e o ingresso em Universidades, começa a surgir atividades do GEEAF em diversas áreas, sendo então criados os GEEAF Escola, GEEAF Academia e GEEAF Atenção Básica. Neste momento, sob a liderança dos criadores do grupo, atividades de pesquisas são realizadas e em especial com os alunos de graduação em seus Trabalhos de Conclusão de Curso e com alunos do Programa de Pós Graduação em Educação Física na ESEF/UFPel. 110 Especificamente sobre o GEEAF Atenção Básica, após observarem a importância do tema voltado à população de abrangência das UBS, os pesquisadores começaram a desenvolver atividades com o objetivo de estudar o serviço de saúde com foco nas questões relacionadas à atividade física da população de usuários e profissionais de saúde, além de questões relacionadas à característica da estrutura da UBS para desenvolvimento de ações, o processo de trabalho e outros temas que, de alguma maneira poderiam impactar em melhores condições de saúde a todos os usuários e profissionais dos serviços. Para os pesquisadores, os beneficiados com a inserção da pesquisa nesse contexto da saúde, inclui primeiramente a oportunidade de levar e buscar novo conhecimento na área, a oportunidade dos alunos de graduação de atuar neste campo, a contribuição do profissional de Educação Física para a integralidade do cuidado na ABS e retornar a população o investimento feito na formação do aluno na universidade pública. Nesse contexto, entre outras ações, o GEEAF Atenção Básica iniciou o Projeto UBS+Ativa no ano de 2013, com apoio da UFPel, da Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul e com a parceria do Departamento de Medicina Social da Faculdade de Medicina da UFPel. O projeto tinha como objetivo a inclusão do profissional de Educação Física na UBS de ensino “Areal Leste” da UFPel e, por consequência, nas demais unidades de saúde, atuando em equipe multiprofissional na coordenação de programas de atividade física, no aconselhamento à comunidade e aos profissionais que nelas atuam. Ainda, fazia parte dos objetivos, avaliar a efetividade de uma intervenção com atividade física, adesão dos usuários ao programa e também promover um espaço para estágios acadêmicos. Durante este período o GEEAF pode experimentar os problemas e facilidades relacionados à atuação na atenção primária para se desenvolver um trabalho. Muitas vezes foi necessário enfrentar problemas relacionados à infraestrutura, sendo que para a intervenção foi 111 preciso buscar apoio fora da Unidade para desenvolver as atividades, caracterizando-se como uma barreira para a implantação de um programa de atividade física na comunidade. Naquele momento a participação dos estudantes do curso de Educação Física em um projeto na UBS era a primeira experiência de atuação nesta área, visto que o curso não possuía no seu plano, disciplina relacionada ao SUS ou mesmo estágio curricular em UBS. Neste sentido, acreditava-se que tais vivências poderiam influenciar positivamente os futuros profissionais de Educação Física, para que se sentissem capazes de atuar nesta área. Finalizando, o GEEAF segue acreditando que é importante que o profissional de Educação Física se aproprie cada vez mais deste campo de trabalho, fundamental para a promoção da saúde e mesmo com as dificuldades de trabalho,a inserção do mesmo deverá ser cada dia maior. Embora o caminho ainda seja longo para a consolidação da importância do trabalho do profissional de Educação Física na ABS, acreditamos que o trabalho de vários grupos de profissionais de diferentes instituições irá contribuir para o fortalecimento da ação da Educação Física na ABS. Referências Complementares GALLIANO, L. M.; SEUS, T. L.; PEIXOTO, M. B. et al. Intervenção com atividade física em uma Unidade Básica de Saúde - Projeto UBS+ativa: aspectos metodológicos. Rev. Bras. Ativ. Fís. Saúde, v. 21, p. 571-580, 2016. HÄFELE, V.; SIQUEIRA, F. V.. Intervenções com profissionais de saúde da atenção primária sobre aconselhamento à atividade física: revisão sistemática. J. Phys. Educ., v. 30, e. 3021, 2019. 112 MILECH, A; HÄFELE, V.; SIQUEIRA, F. V. Perfil dos usuários do serviço de educação física em uma Unidade Básica de Saúde. Rev. Bras. Ativ. Fís. Saúde, v. 23, p. 1-7, 2018. SIQUEIRA, F. V.; FACCHINI, L. A.; PICCINI, R. X. et al. Atividade física em adultos e idosos residentes em áreas de abrangência de unidades básicas de saúde de municípios das regiões Sul e Nordeste do Brasil. Cad. Saúde Pública, v. 24, n. 1, p. 39-54, 2008. SIQUEIRA, F. V.; NAHAS, M. V.; FACCHINI, L. A. et al. Aconselhamento para a prática de atividade física como estratégia de educação à saúde. Cad. Saúde Pública, v. 26, n. 1, p. 203-213, 2009. 7.5 Programa de Educação Permanente em Educação Física e Saúde Pública: o caso de Campo Grande, Mato Grosso do Sul Entrevistados: Prof. Dr. Joel Saraiva Ferreira e Me. Júlio César de Souza Em 2006, com a inclusão do profissional de Educação Física na PNPS, a prefeitura de Campo Grande-MS iniciou o programa denominado “Viver Legal em uma USF”, como relata o professor Me. Júlio César de Souza, atualmente gestor da Coordenadoria de Vigilância Epidemiológica em Doenças e Agravos Não Transmissíveis. Foi no ano de 2010, a partir do concurso para os profissionais de Educação Física, que houve a contratação e inserção de diversos profissionais ao NASF-AB e nas UBS para atuarem no programa “Viver Legal”, com atendimentos para usuários do SUS, a fim de proporcionar aulas com exercícios físicos todos os dias da semana. Entre os anos de 2013 e 2014, o professor Dr. Joel Saraiva Ferreira que trabalhava no Hospital Regional de Mato Grosso do Sul (HRMS) e Escola de Saúde Pública do Mato 113 Grosso do Sul (ESP/MS), iniciou sua docência na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) e como parte de suas ações, desenvolveu no ano de 2016 um projeto de extensão no intuito de aproximar a Universidade dos profissionais de Educação Física do município, capacitando-os para trabalhar no SUS. Posterior ao projeto supracitado, em 2017, uma segunda vertente do projeto de extensão foi desenvolvida no intuito de atender a comunidade, ofertando a prática de exercícios físicos. A partir de uma parceria entre a Universidade e a Secretaria de Saúde, os atendimentos que já ocorriam durante o dia nas USF, tiveram uma adição de horário noturno, dentro da própria UFMS, sob a responsabilidade do professor Dr. Joel e do profissional de Educação Física concursado do município. Vale ressaltar que a Secretaria de Esporte do município também realiza atividades em ambientes públicos de lazer, como parques e praças. Inicialmente, as aulas do projeto eram ministradas pelo profissional de Educação Física, o qual tinha auxílio dos alunos do curso de Licenciatura em Educação Física. A partir do ano de 2018, com a inclusão do Bacharel na Universidade, houve uma reformulação das especificidades de cada curso, sendo que coube ao Bacharelando realizar seu estágio profissional, ao acompanhar, planejar, participar das avaliações físicas e compreender o processo de atuação e sistematização dos exercícios físicos, junto ao profissional de Educação Física da prefeitura municipal. Contudo, os Licenciandos continuaram acompanhando o profissional que executa as ações no projeto, a fim de relacionar os conhecimentos inerentes daquele ambiente com o do espaço escolar, de forma conjunta com a disciplina norteadora denominada: Educação Física Escolar e Promoção de Saúde. Desse modo, o intuito dessas vivências constitui-se em não estabelecer muros entre os ambientes de trabalho, a fim de que esses futuros profissionais consigam realizar ações intersetoriais e construir conhecimentos junto aos seus alunos, estimulando a prática de atividade física fora do ambiente escolar. 114 Para participar do projeto de extensão dentro da Universidade, o usuário deveria ser diagnosticado com alguma doença crônica ou fator de risco pré-existente, sendo critério para a participação no projeto. O público era em sua maioria do sexo feminino, com idade média de 44 anos e as aulas ocorriam diariamente das 17h30min às 20h30min horas da noite, sendo estruturadas com base em avaliações físicas por meio de testes físico-funcionais em um dia da semana e, os outros quatro dias eram destinados para as prescrições de exercícios em pequenos grupos, visto que as atividades eram prescritas conforme os objetivos e necessidades dos usuários. Um dos pontos positivos das aulas noturnas na Universidade era a participação familiar, favorecendo um maior engajamento e aderência ao projeto e, indo ao encontro com as diretrizes do SUS. O projeto acontecia dentro da academia da Universidade e, eventualmente, com algumas aulas ao ar livre. Os benefícios dessas práticas ofertadas são diversos, como controle e diminuição do excesso de peso e manutenção da pressão arterial, além de melhora da qualidade de vida relacionada à saúde, sendo que os alunos relataram o bem-estar de poder realizar os exercícios e de ter conseguido o acesso para praticar as atividades. As pessoas com problemas de mobilidade relataram o progresso de poderem estar envolvidas naquelas atividades, descrevendo também que além das melhorias físicas, houve melhorias psicológicas, possivelmente pela própria prática em si e devido às interações sociais. O profissional de Educação Física relatou que embora os participantes mantivessem uma alta aderência ao projeto, demonstrando satisfação com o trabalho realizado, inicialmente, as pessoas apontam barreiras para começar a prática. Sobre as dificuldades para o desenvolvimento do projeto, foram apontadas as burocracias para o deslocamento dos profissionais de Educação Física da USF para a Universidade, em um outro horário e, implementação e adesão da população, devido a percepção de que a UFMS se situa em uma região distante da cidade. Contudo, tal fato era 115 verídico há 40 anos, quando se iniciou a construção da Universidade, porém, com a urbanização, a cidade expandiu-se para as regiões mais periféricas, além disso, existem ônibus que adentram e circulam pela Universidade, favorecendo a circulação de pessoas da comunidade. Ou seja, ainda é um desafio desconstruir essa visão sociocultural. As ações municipais realizadas nas USF também foram parecidas, pois as pessoas falavam que não poderiam ir pela distância e, mesmo levando a prática de atividade física para perto delas, como em salões de igreja, praça e quadra esportiva, elas ainda justificavam que a distância era um empecilho, ou por não ter roupa adequada ou outros motivos. Contudo, hoje em dia, os demais grupos atendidos pelos profissionais de Educação Física, em outros horários e diversos pontos da cidade, além de se engajarem nas práticas diárias, também se deslocam para participarem de eventos comemorativos que acontecem em determinados locais da cidade. Atualmente, no município de Campo Grande-MS, os profissionais de Educação Física estão vinculados ao NASF-AB e atendem cerca de 40 USF, de segunda a sexta. Estes profissionais fazem atendimentos nas unidades e nas áreas de abrangência, como parques epraças. São formados grupos e desenvolvidos acompanhamentos, de acordo com as características locais, sendo as estratégias elaboradas por uma equipe multiprofissional, com ações rotineiras. O objetivo é atender todos os públicos, mas a maior frequência nas atividades é de idosos e mulheres, apesar de haver ações também para gestantes, hipertensos, diabéticos e tabagistas. Ainda, decorrente dos índices aumentados de obesidade na população de Campo Grande-MS, há um programa exclusivo para esse público, denominado EmagreSUS, no qual, os profissionais de Educação Física também fazem parte. Ainda, o Programa Saúde na Escola está ativo, visando assim estimular a prática de atividade física na população geral e construir um ambiente mais ativo em diversos setores sociais. 116 Referências Complementares BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Política Nacional de Promoção à Saúde: PNPS: revisão da Portaria MS/GM nº 687, de 30 de março de 2006. Brasília: Ministério da Saúde, 2015. BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria Nº 2.436, de 21 de setembro de 2017. Aprova a Política Nacional de Atenção Básica. Brasília: Ministério da Saúde, 2017. FERREIRA, J. C. V.; FERREIRA, J. S. Atuação dos profissionais de educação física na atenção primária à saúde. Cad. Educ. Fís. Esp., Marechal Cândido Rondon, v. 15, n. 2, p. 105-113, jul./dez. 2017. MALTA, D. C. et al. A Política Nacional de Promoção da Saúde e a agenda da atividade física no contexto do SUS. Epidemiol. Serv. Saúde, v. 18, n. 1, p. 79-86, 2009. PAIM, J. et al. The Brazilian health system: history, advances and challenges. Lancet. Séries, 2011. 7.6 Grupo de Estudos em Políticas de Saúde, Esporte e Lazer - Projeto Mais Saúde Vitória: o caso de Vitória de Santo Antão, Pernambuco Entrevistado: Prof. Dr. Flávio Renato Barros da Guarda O Grupo de Estudos em Políticas de Saúde, Esporte e Lazer (GEPSEL), vinculado a Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Campus Vitória de Santo Antão, foi criado em 117 2016 pelos professores Dr. Flávio Renato Barros da Guarda e Dr. Wallacy Milton do Nascimento Feitosa, com o objetivo principal de tratar dos assuntos relacionados às políticas públicas de saúde, esporte e lazer, sobretudo, à prática de atividade física no SUS. Com o apoio do grupo de estudos, surge a necessidade da criação do projeto de extensão denominado “Mais Saúde Vitória”. O campus de Vitória de Santo Antão possui seis cursos na área da saúde, o que impactou na criação do projeto de extensão, a fim de qualificar as ações de promoção da saúde, particularmente da atividade física, no município. O projeto ocorre em parceria com a Secretaria de Saúde e busca desenvolver uma política de promoção em saúde informada por evidências. Atualmente, o grupo articula as ações do projeto de extensão com os estudos de análises de custo e impacto de políticas públicas que promovam a prática de atividade física. Desse modo, o coletivo tem investido em pesquisas sobre a avaliação de tecnologias em saúde e tradução do conhecimento, com o uso da ferramenta SUPPORT (desenvolvida pela Rede de Políticas Informadas por Evidências – EVIPNET). Com o uso dessa metodologia é possível elaborar sínteses de evidências científicas e transformá-las em policy briefs, que são documentos que utilizam uma linguagem simples e objetiva para propor a gestores, trabalhadores e usuários dos sistemas e serviços de saúde, a solução de um problema de interesse público. Nesse contexto, a viabilidade de implementação de até duas soluções (informadas por evidências) para um problema é discutida em um diálogo deliberativo com todos os atores envolvidos, promovendo uma maior integração entre o conhecimento produzido na academia e as reais necessidades e realidade dos serviços de saúde. Através do projeto de extensão o grupo também desenvolveu materiais para qualificar as equipes da ABS local sobre temas específicos, como: alimentação saudável, atividade física, diminuição do uso de sal, açúcar e tabagismo. Além disso, foram criadas estratégias de como conduzir as ações de promoção da saúde dentro do município. Os 118 próximos passos serão marcados pela capacitação dos membros do NASF-AB e dos profissionais da academia da saúde do município para desenvolverem a intervenção proposta, e, por fim, serão realizadas as avaliações dos seus impactos. As pesquisas do grupo visam impactar sobre a tomada de decisão dos gestores na cidade de Vitória de Santo Antão – PE e em outros municípios, sobretudo através da geração de evidências acerca do custo-efetividade e do impacto de programas de atividade física na redução dos gastos com internações hospitalares por doenças crônicas não transmissíveis, melhora na disposição física, capacidade funcional do trabalhador e outros benefícios percebidos com a prática regular de atividade física. Além das pesquisas evidenciarem os benefícios para os usuários do sistema de saúde, destaca-se a sólida formação que os alunos participantes do grupo de estudos recebem. O GEPSEL proporciona aos envolvidos uma visão mais ampla da real atuação do profissional de Educação Física, sobre as áreas da atividade física e saúde pública, acrescentando conteúdos essenciais na formação desses alunos, os quais auxiliam em uma leitura mais crítica da realidade, unido ao incentivo à formação continuada e possibilidade de capacitação qualificada, por meio do ingresso na residência profissional ou pós-graduação stricto-sensu. Referências Complementares FEITOSA, W. M. N. et al. Users’ perception of actions, improvement in quality of life and satisfaction with the Academia da Cidade Program. Rev Bras Ativ Fís Saúde, v. 21, n. 5, p. 461-469, 2016. GUARDA, F. R. B. et al. Characterization of physical activity program teams and their work process. Rev Bras Ativ Fís Saúde, v. 20, n. 6, p. 638-64, 2015. 119 GUARDA, F. R. B. et al. Self-perception of the objective, object and work products of Physical Education Professionals belonging to the Academia da Saúde Program. Rev Bras Ativ Fís Saúde, v. 21, n. 5, p. 400-409, 2016. SILVA, D. M. S. et al. Cintura Fina Project: prevention and control of obesity and other non- communicable chronic diseases. Rev Bras Ativ Fís Saúde, v. 19, n. 6, p. 785-790, 2014. SILVA, R. N. et al. Evaluability of the Health Gym Program in Recife, Pernambuco State, Brazil. Cad. Saúde Pública, v. 33, n. 4, p. 1-16, 2017. 7.7 Grupo de Pesquisa em Atividade Física e Qualidade de Vida: o caso de Curitiba, Paraná Entrevistado: Prof. Dr. Adriano Akira Ferreira Hino A cidade de Curitiba é a capital do estado do Paraná e tem sido considerada como cidade modelo nacional e internacionalmente em termos de planejamento urbano, manutenção de áreas verdes e transporte público. Mesmo sendo vanguarda nestas áreas, no final da década de 90, pesquisas indicavam a cidade como sendo uma das capitais com maiores prevalências de doenças coronarianas do país. Como resposta a estes dados, o programa CuritibAtiva surgiu em 1998 com o objetivo de aconselhar a população curitibana sobre a importância da atividade física, utilizando-se de várias estratégias como mensagens informativas e explicativas, orientando sobre a prática de atividade física e cuidados nutricionais, organizando eventos, como corridas, jogos escolares, passeios de bicicleta noturnos; além de ofertar atividade física 120 orientada e regular nos espaços públicos. Assim, ao longo de alguns anos, as estratégias supracitadas fomentaram desejos de pesquisadores para investigar a relação entre a atividade física e os aspectos que afetam a qualidade de vida de crianças, adolescentes, adultos e idosos. Diante deste cenário, em 2005 os professores Rodrigo Siqueira Reis e Ciro Romelio Rodriguez Añez criaram o Grupo de Pesquisa em AtividadeFísica e Qualidade de Vida (GPAQ) instituído na Pontifícia Universidade Católica do Paraná, o qual é organizado em duas principais linhas de pesquisa: (1) Inter-relação entre atividade física, aptidão física e saúde, e (2) Ambiente, estilo de vida e saúde. O GPAQ foi um dos primeiros grupos nacionais a investigar como o ambiente urbano pode facilitar ou dificultar a prática de atividade física. Nesse sentido, um dos primeiros projetos desenvolvidos pelo grupo em 2005 foi denominado “Determinantes da Atividade Física e Obesidade em Escolares do Ensino Médio da rede Pública de Curitiba - PR”, avaliando mais de 1600 adolescentes com idade entre 14 a 18 anos. O projeto teve como objetivo desenvolver instrumentos de medida adequados para avaliar autoeficácia, apoio social e ambiente percebido relacionado à atividade física em adolescentes, determinar a prevalência de obesidade, sobrepeso e de inatividade física entre os escolares, e investigar também a relação entre a atividade física com indicadores de aptidão física e de saúde (tabagismo, alcoolismo, comportamento sedentário e hábitos alimentares). O projeto identificou que apenas 14,5% dos escolares atingiam a recomendação para a prática de atividade física (300 mim/sem), sendo os meninos mais ativos do que as meninas (22,3%-9,1%). Grande parte dos adolescentes (41,8%) relatou não praticar atividade física moderada/vigorosa em nenhum dia da semana, sendo que uma alternativa para a mudança dessa situação seria proporcionar atividades que correspondem ao interesse desses adolescentes, além de incentivar os pais a serem mais ativos, pois sabe-se que o comportamento destes tem influência sobre crianças e adolescentes. 121 No ano de 2008, o GPAQ participou em conjunto com diversas instituições nacionais e internacionais no projeto GUIA (Guia Útil Para Intervenções em Atividade Física na América Latina), que teve como objetivo principal avaliar estratégias baseadas em evidências para a promoção da prática de atividade física na América Latina. Durante a execução do projeto, os programas de promoção de atividade física de Curitiba foram mapeados e avaliados. Dentre os principais resultados, foi identificado que mais de 90,0% dos curitibanos conhecem os programas de atividade física oferecidos pela prefeitura, 11,0% já haviam participado de algum programa e 5,6% ainda participavam durante a pesquisa. O projeto também avaliou o uso de espaços públicos como parques e praças, além de identificar como as características do ambiente podem contribuir para maiores níveis de atividade física. Por fim, as evidências existentes e as geradas pelo projeto GUIA foram revisadas e compiladas para gerar recomendações à prática de atividade física. Concomitantemente em 2008, como um complemento do projeto GUIA, o GPAQ conduziu o estudo “Caminhos Para o Parque” que teve como objetivo principal identificar os fatores associados ao uso dos espaços públicos da cidade, o qual identificou que 32,0% dos curitibanos utilizam parques frequentemente, pelo menos uma vez por semana. Devido às diversas estratégias gratuitas para promoção de atividade física e os possíveis efeitos benéficos à população, ocorreu o interesse de pesquisadores acerca da efetividade destas ações. Assim, pesquisadores da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), Universidade Federal do Paraná (UFPR), Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), com apoio da Secretaria Municipal de Saúde e Secretaria de Esporte e Lazer de Curitiba começaram a avaliar os programas desenvolvidos nos Centros de Esporte e Lazer distribuídos pela cidade, sendo que mais da metade dos entrevistados reportaram como “boa/ótima” as atividades ofertadas pelo programa. A grande potencialidade desse programa é devido a boa comunicação entre pesquisa e gestão pública, em que o trabalho realizado dentro 122 da Universidade torna-se útil ao poder público, contribuindo no poder de decisão das políticas públicas, via avaliação da efetividade do programa e, beneficiando ainda mais a população. Em 2010, o projeto conduzido pelo grupo foi o IPEN-study (International Physical Activity and Environment Network), um estudo multicêntrico com o objetivo avaliar os efeitos do ambiente construído e da renda sobre a atividade física. Para melhor compreensão por parte da população, o nome adotado para o projeto foi ESPAÇOS de Curitiba - Entendimento Sobre a Prática de Atividade Física nas Comunidades. Em 2013, o Grupo de Pesquisa conduziu também o projeto “ESPAÇOS – Adolescentes” que foi desenvolvido entre os meses de agosto e dezembro com o objetivo de conhecer o padrão de atividade física e, os fatores do ambiente construído e percebido entre adolescentes. Assim como o projeto ESPAÇOS de Curitiba, este projeto também faz parte do projeto IPEN com mais de 15 países envolvidos, sendo o Brasil representado pela cidade de Curitiba - PR, através desse grupo de pesquisa. Nesse projeto, foram recrutados aproximadamente 650 adolescentes, com idade entre 12 a 17 anos, os quais receberam dois aparelhos, um acelerômetro e um GPS, para quantificar suas atividades diárias e desenhar os ambientes frequentados pelos mesmos. Nas escolas frequentadas pelos adolescentes aconteceu um projeto complementar, em que o objetivo foi avaliar o ambiente escolar para prática de atividade física e políticas de promoção de saúde. Essa mesma pesquisa também foi realizada com adultos, com o objetivo de verificar se a mudança no ambiente favorece a prática de atividade física, sendo concluído que a percepção de bairros mais seguros associou-se ao maior tempo de caminhada e maior utilização dos espaços públicos para prática de atividade física. Mediante ao exposto, esses estudos são capazes de auxiliar a gestão pública a tomar decisões acerca de projetos para a população, como tipos de ruas a serem construídas e número de intersecções nessas ruas para que sejam melhores frequentadas. Também, 123 determinar os locais mais adequados para a construção de espaços para a prática de atividade física, a fim de beneficiar a população e proporcionar facilidade ao acesso por meio de transporte ativo, além de maior aderência aos espaços de atividade física. Segundo o professor Dr. Adriano Akira Ferreira Hino, atual coordenador do grupo de estudos GPAQ, faz-se necessário saber quais são as alterações a serem realizadas no ambiente e nos programas de atividade física, assim como quais objetivos precisam ser alcançados no futuro. Ademais, o entrevistado salienta que ao descobrir as formas de executar as mudanças supracitadas, poderá se aproximar de um dos caminhos para tornar a população mais ativa. No entanto, ainda é imprescindível identificar quais são os grupos de risco e quais variáveis estão relacionadas às mudanças de comportamento, a considerar que o maior desafio é identificar os meios de influenciar os gestores a implantarem as ideias e, assim, diminuir os agravos e desfechos negativos da inatividade física, sendo esta uma das metas dos pesquisadores dentro do grupo. Em síntese, os resultados alcançados pelo grupo são divulgados por meio de relatórios gerais e individuais, a fim de devolver aos participantes e aos gestores premissas para implantação de novos programas e consequente mudança dos hábitos de vida. Contudo, ainda há dificuldades na divulgação em larga escala. O GPAQ trabalha com percepção de ambiente, políticas públicas, atividade física, GPS e acelerometria, possibilitando a integração das áreas de conhecimento e construindo vínculos com outros profissionais e programas de pós-graduação, fortalecendo assim a interdisciplinaridade dentro da Universidade. Referências Complementares FERMINO, R. C. et al. Atividade física e fatores associados em adolescentes do ensino médio de Curitiba, Brasil. Rev. Saúde Pública, v. 44, n. 6, São Paulo, 2010. 124FERMINO, R. C. et al. Perceived environment and public open space use: a study with adults from Curitiba, Brazil. Int. J. Behav. Nutr. Phys. Act., v. 10, n. 35, p. 1-10, 2013. GRANDE, D. et al. Política pública de atividade física e qualidade de vida de uma cidade. Curitiba: Gráfica e Editora Venezuela, 2008, 90 p. HALLAL, P .C. et al. Avaliação de programas comunitários de promoção da atividade física: o caso de Curitiba, Paraná. Rev. Bras. Ativ. Fís. Saúde, v. 14, n. 2, p. 104-214, 2009. HINO, A. A. F. et al. Ambiente percebido do bairro e atividade física no lazer em adultos de Curitiba, Brasil. Rev. Bras. Cineantropom. Desempenho Hum., v. 19, n. 5, p. 596-607, 2017. HINO, A. A. F. et al. Projeto ESPAÇOS de Curitiba, Brasil: aplicabilidade de métodos mistos de pesquisa e informações georreferenciadas em estudos sobre atividade física e ambiente construído. Rev. Panam. Salud Publica, v. 32, n. 3, p. 226–233, 2012. HINO, A. A. F. et al. The built environment and recreational physical activity among adults in Curitiba, Brazil. Prev. Med., v. 52, n. 6, p. 419-422, 2011. HINO, A. A. F. et al. Using observational methods to evaluate public open spaces and physical activity in Brazil. J. Phys. Act. Health, v. 7, S. 2, p. 146-154, 2010. 125 HOEHNER, C. M. et al. Physical activity interventions in Latin America – expanding and classifying the evidence. Am. J. Prev. Med., v. 44, n. 3, p. 31–40, 2013. PARRA, D. C. et al. Perceived environmental correlates of physical activity for leisure and transportation in Curitiba, Brazil. Prev. Med., v. 52, p. 234-238, 2011. REIS, R. S. et al. Promoting physical activity through community - Wide policies and planning : findings from Curitiba , Brazil. J. Phys. Act. Health, v. 7, S. 2, p. 137-145, 2010. RIBEIRO, I. C. et al. Using logic models as iterative tools for planning and evaluating physical activity promotion programs in Curitiba, Brazil. J. Phys. Act. Health, v. 7, S. 2, p.155-162, 2010. SANTOS, M. S. et al. Prevalência de barreiras para a prática de atividade física em adolescentes. Rev. Bras. Epidemiol. v. 13, n. 1, p. 94-104, 2010. 7.8 Considerações Finais Os relatos apresentados neste capítulo trazem importantes contribuições para os jovens pesquisadores e profissionais da área da saúde que pretendem iniciar ações e pesquisas de promoção de atividade física dentro do contexto do SUS, sobretudo, na ABS. Verificamos ações pioneiras e semelhantes que têm como ponto comum o contexto da promoção da atividade física para a saúde no sistema público do Brasil, desenvolvidas a partir de 2001 e 2006, como o caso do projeto Saúde Ativa em Rio Claro - SP e Floripa Ativa em Florianópolis - SC, voltados para o público com alguma DCNT, em que o objetivo era 126 desenvolver aulas práticas de exercício físico em UBS, de duas a três vezes na semana, a fim de promover a manutenção das capacidades físicas dos participantes, gerar socialização e benefícios à saúde geral do indivíduo. Em 2006, com a publicação da PNPS, afirmando sobre a importância da promoção da prática de atividade física no contexto da ABS e com a criação do NASF-AB em 2008, reitera-se a importância do profissional de Educação Física nesse ambiente e criam-se então oportunidades factuais de atuação para o profissional. Por isso, buscando atender a promoção de atividade física, conceituada pela PNPS de uma maneira mais ampla, surgem pesquisas que testaram a efetividade de intervenções e avaliaram as estratégias já implementadas através de políticas públicas locais, como o caso do projeto Ambiente Ativo em São Paulo, UBS+Ativa em Pelotas - RS, Viver Legal em Campo Grande - MS e Mais Saúde Vitória em Vitória de Santo Antão - PB. Todos os relatos aqui abordados têm pontos em comum, mesmo as ações ocorrendo em quatro regiões diferentes do Brasil. Entre as semelhanças, encontra-se a dificuldade que os pesquisadores têm em iniciar e manter intervenções no contexto da ABS, muitas vezes, pela mudança constante dos gestores da saúde pública ou pelo próprio sistema com a sua burocracia, criando algum impedimento e/ou atraso na ação. As intervenções são um polo de oferta para os estágios curriculares quando o curso exige ou, um campo de experiência para uma futura atuação na ABS. Além disso, os benefícios das ações são verificados pelos estudos científicos, como manutenção ou melhora das capacidades físicas e bem-estar da saúde mental e, há, ainda, demonstração de satisfação com a prática de atividade física relatada pelos próprios participantes aos professores. De forma complementar aos estudos na área da ABS, trouxemos o relato dos pesquisadores de Curitiba, com o grupo de estudos GPAQ, que estudam a percepção e impacto do ambiente para a promoção de atividade física da população, produzindo um 127 conteúdo para a tomada de decisão de gestores, o que influencia diretamente na saúde da população, evitando o uso precoce da ABS decorrente de DCNTs e, influenciando no comportamento saudável, de maneira geral. Finalizamos ressaltando a importância dessas ações para a população usuária da ABS, agradecendo e parabenizando os pesquisadores e profissionais de Educação Física por disponibilizarem relatos tão valiosos. 128 8. CAPÍTULO OITO BANZEIRANDO PELOS TERRITÓRIOS DA AMAZÔNIA: ENCONTROS ENTRE ATENÇÃO BÁSICA, ATIVIDADE FÍSICA, PRÁTICAS CORPORAIS E SAÚDE Inês Amanda Streit Júlio Cesar Schweickardt Victor José Machado de Oliveira Samara Feitosa Gomes Silva Eney Sarmento Pinheiro Tiótrefis Gomes Fernandes 8.1 Introdução O objetivo do texto é apresentar os encontros entre ABS e a atividade física nos diferentes territórios da Amazônia na relação com a pesquisa e o ensino. Os territórios da Amazônia são muito diversos, que dependem de fatores geográficos, culturais, históricos, ocupação e usos. Assim, intervir nesses territórios necessitam de estratégias diferenciadas e adaptadas para a realidade das comunidades, das pessoas, da natureza que também sofrem interferência pelas escolhas políticas e de gestão. Os territórios são lugares de ensino e formação e, necessariamente, precisam permanentemente dialogar com esses espaços. A formação dos profissionais de saúde ainda está distante da vida como acontece nos diferentes territórios, na produção das existências, com uma carga subjetiva na relação com o lugar que habita (GOMES; MERHY, 2014). Nesse sentido, temos a responsabilidade de olhar para nossos processos pedagógicos, currículos, opções metodológicas e epistemológicas para colocar em reflexão as nossas escolhas ético-políticas em relação à formação e ao cuidado em saúde. O território na Amazônia se apresenta de modo vivo e líquido, principalmente, quando consideramos as populações ribeirinhas, indígenas e outros povos na região (SCHWEICKARDT KADRI; LIMA, 2019). Foi pensando nisso, que a Política Nacional de 129 Atenção Básica criou as equipes de Saúde da Família Ribeirinha e Saúde da Família Fluvial como uma forma de promover a inclusão das populações que eram invisíveis às políticas de saúde. A ABS apresenta um ponto de contato inicialcom o SUS, com mais alto grau de descentralização e capilaridade, ocorrendo no local mais próximo da vida das pessoas. Ela é o contato preferencial dos usuários, a principal porta de entrada. Por isso, é fundamental que ela seja ordenada pelos princípios da universalidade, integralidade e equidade. Esses princípios, envolvem ações de promoção e proteção à saúde, prevenção e tratamento de agravos, reabilitação e educação em saúde que é desenvolvida por uma equipe multiprofissional. Não obstante, a operacionalização desses saberes e fazeres, conjugados com os princípios mencionados, corroboram a acessibilidade, a criação de vínculo e a continuidade do cuidado para os usuários. O modelo prioritário, desde 1994, foi o Programa de Saúde da Família (PSF), atualmente, ESF, com diferentes formatos de acordo com as características da população (ALMEIDA et al., 2019). Apesar de ser uma política ministerial, o estado do Amazonas ainda não possuía uma política específica para o seu território que, de fato, considerasse as peculiaridades da região. Foi em 2010 que a Portaria 2.191 “instituiu critérios diferenciados com vistas à implantação, financiamento e manutenção da ESF para as populações ribeirinhas na Amazônia Legal e no Mato Grosso do Sul” (ALMEIDA et al., 2019, p. 25). A Política Nacional de Atenção Básica de 2011 trouxe inovações importantes em relação ao financiamento e organização das equipes da saúde da família para as populações da Amazônia: 1) Instituiu equipes ribeirinhas e fluviais (Equipe de Saúde da Família Ribeirinha ESFR e Equipe de Saúde da Família Fluvial-ESFF); 130 2) Institucionalizou os microscopistas nas ESFR localizadas em regiões endêmicas; 3) Instituiu as Unidades Básicas de Saúde Fluviais (UBSF) (Programa de Construção de UBSF); 4) Incluiu técnico de laboratório e/ou bioquímico nas ESFF; 5) Definiu quantitativo inferior de equipes de referência (eSF) para as equipes NASF- AB atuantes na Amazônia Legal; 6) Definiu teto de equipes NASF-AB superior para municípios de pequeno porte da Amazônia Legal; 7) Definiu critérios de suspensão menos rigorosos para as equipes NASF-AB que atuam na Amazônia Legal; 8) Definiu a possibilidade de ampliação do número de profissionais da equipe mínima das ESFR e ESFF, com incentivo financeiro adicional; 9) Definiu valor adicional para ESFR que necessite de transporte fluvial para acessar as comunidades ribeirinhas; 10) Definiu quantitativo de Agentes Comunitários de Saúde (ACS) superior para as ESFR (06) e ESFF (12); e11) Manteve PAB específico para Região Amazônica (ALMEIDA et al., 2019, p. 26). O NASF-AB 1 foi criado, a partir da portaria n°154, de 24 de janeiro de 2008, para dar apoio às equipes da ESF e ABS, ampliando o seu escopo de atuação e cuidados da população. A inclusão de profissionais que não estavam na equipe mínima foi um avanço significativo para o fortalecimento da ABS. Dentre eles, destacamos o profissional de Educação Física. O NASF-AB é extremamente relevante no que se refere às ações de promoção da saúde, pois tem como características interferir nas necessidades a população para uma maior qualidade de vida. 1 NASF - Núcleo de Apoio Saúde à Família foi a nomenclatura adotada pela portaria n°154, de 24 de janeiro de 2008. Com a revisão das diretrizes da Política Nacional de Atenção Básica (PNAB) na portaria n◦ 2. 436 de 21 de setembro de 2017 passou a ser denominado de Núcleo Ampliado de Saúde da Família e Atenção Básica (NASF-AB). A portaria de n◦ 99 de 07 de fevereiro de 2020, ficou redefinido que o registro no Sistema de Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (SCNES) passaria a ser como Equipe do Núcleo Ampliado de Saúde da Família e Atenção Primária (eNASF AP). De forma geral, utilizaremos o termo NASF-AB para designar a equipe multiprofissional que atua no território. 131 A promoção de ações específicas nos/com os territórios únicos para as várias “amazônias” é um modo de respeitarmos a diversidade e praticarmos as justiças com os distintos grupos sociais (SCHWEICKARDT et al., 2016). A intervenção equitativa serve para corrigir negligências passadas, mas também contribui na projeção de um futuro mais dialógico e intercultural com os saberes e as práticas territoriais. No decorrer deste texto, abordaremos questões afetas a presença e atuação do profissional de Educação Física na ABS. São: elementos como os encontros entre a formação (inicial e continuada) e os cenários de atuação; os relatos de sujeitos, profissionais de Educação Física, que trabalham na capital e no interior; e os delineamentos de um coletivo que busca formar uma rede para o fortalecimento da oferta da atividade física e práticas corporais no SUS. Convidamos o leitor/a para navegar conosco nos banzeiros que dão o tom do serviço em atividade física, práticas corporais e saúde no estado do Amazonas. 8.2 Os encontros entre a Academia e a Atenção Básica A expansão da pós-graduação stricto sensu da área Educação Física no Brasil é um evento recente, com a criação de seus primeiros cursos em meados da década de 70 e 80. Mas, são nas décadas seguintes que ocorre o crescimento de número de cursos de mestrado e doutorado na área. Diferentemente de outras regiões, como Sul e Sudeste, a região Norte permanece díspar em relação às ofertas neste campo de estudo (CORRÊA; CORRÊA; RIGO, 2019). Foi no segundo semestre de 2017 que a Faculdade de Educação Física e Fisioterapia (FEFF) da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), localizada em Manaus/AM, abrigou o Programa de Pós-Graduação em Saúde, Sociedade e Endemias na Amazônia–PPGSSEA. Apesar de não ser um programa da Área 21, parte de seu corpo docente eram de professores 132 de Educação Física, o que suscitou possibilidades de pesquisas e formação continuada na interface entre Saúde Coletiva e Educação Física. Oportunidade antes, somente possível, em outros espaços geográficos. O PPGSSEA objetivou 2 a formação de material humano qualificado para atuar na pós-graduação lato sensu, cursos de graduação e enquanto pesquisadores na área da saúde. O foco da qualificação compreendeu a área da Saúde, Sociedade e Endemias e, ao mesmo tempo, a integração dos alunos em subáreas temáticas. Após o processo de seleção ingressaram 32 alunos. Dentre esses, 18 eram profissionais formados em Educação Física. Entre as dissertações defendidas no programa, uma abordou o tema no contexto da ABS 3 . A região Norte, especialmente, o estado do Amazonas, apresenta peculiaridades em relação ao acesso e cobertura da ABS para sua população. De acordo com Almeida (2019), nos últimos vinte anos houve um crescimento da ABS na região Norte, sendo que, nos estados do Pará e Amazonas, em 2018, a cobertura foi de 60,0% e 60,5%, respectivamente. Esta extensão de cobertura encobre barreiras de acesso geográfico tanto na zona rural quanto na zona urbana, adicionando ao espaço urbano barreiras à chegada dos usuários às unidades. Schweickardt, Kadri e Lima (2019), acrescentam que, além das barreiras geográficas, existem as barreiras relacionadas aos modelos de contratação. Foi consultado no site e-Gestor AB, em abril de 2020, que a cobertura na capital Manaus (40,78%) é bem menor em comparação ao estado do Amazonas (62,62%), se considerado apenas as ESF. Já em relação a cobertura ABS, Manaus (56,60%) ainda continua com menor abrangência em relação ao estado (72%) (BRASIL, 2020). Os aspectos geográficos da região amazônica se destacam, principalmente, pela formação de suas “estradas” fluviais. Porém, não são somente essas características que 2 O PPGSSEA encontra-se em processo de encerramento de suas atividades. 3 Dissertação “Atenção Básica e Promoção da Saúde: Atuação do Profissional de Educação Física no NúcleoAmpliado de Saúde da Família - Atenção Básica no Estado do Amazonas”, de autoria de Samara Feitosa Gomes Silva, orientada pelo professor Dr.Júlio Cesar Schweickardt, defendida em 2020. 133 distanciam a região Norte de outros espaços geográficos brasileiros. Essa região se defronta com copiosas disparidades, como, por exemplo, a carência de pesquisas que envolvam o profissional de Educação Física e suas produções na ABS. A inserção formal dos profissionais de Educação Física em ações programáticas, como o NASF-AB, indica, tanto para o campo da saúde quanto para a área da Educação Física, a potencialidade de articulação nas práticas de cuidado que evidenciam o caráter multiprofissional – inspirada no princípio da integralidade da atenção (FRAGA; CARVALHO; GOMES, 2012). As ações que envolvam as atividades físicas e práticas corporais oferecidas à população necessitam envolver os aspectos da diversidade e a multiculturalidade da região. Sendo assim, Silva (2020) investigou as ações e intervenções que são produzidas pelos profissionais de Educação Física em equipes NASF-AB no Amazonas. A pesquisa envolveu 33 profissionais da ABS, sendo 11 profissionais de Educação Física, 11 ACS e 11 Enfermeiras/os, atuantes nas equipes NASF-AB dos municípios de Autazes, Iranduba, Itacoatiara e Nova Olinda do Norte. Este estudo possibilitou tanto o encontro com profissionais que atuam em espaços singulares, quanto o estabelecimento de um diálogo significativo. Foi percebido não somente as diferenças desses espaços geográficos, mas, também, as lacunas existentes na formação acadêmica em Educação Física para atuação no campo da saúde (SILVA, 2020). Entre os diferentes olhares, foi possível equalizar algumas observações, como a ressignificação da atuação do profissional de Educação Física no contexto da ABS. Por meio dos depoimentos da EqSF, percebe-se que esse profissional é ator principal na produção das atividades físicas e práticas corporais. As atividades produzidas nos territórios amazônicos coincidem com as modalidades ofertadas nas demais regiões brasileiras como: alongamentos, caminhadas e ginástica funcional. Embora as atividades sejam análogas, os espaços em que 134 essas são executadas, se diferem quanto às paisagens que as circundam. Desta maneira, enquanto a caminhada é ofertada próximo ao porto, também são produzidas nos espaços costumeiros, como as praças, quadras e ruas em torno do território adscrito à Unidade Básica de Saúde (SILVA, 2020). Nessa perspectiva, torna-se pertinente esclarecer que, ao desenvolver esta pesquisa foi possível visualizar a região amazônica e sua diversidade no contexto da ABS da saúde. Navegar rios desconhecidos, perpassados por discursos que apontam limitações para efetivar um atendimento que vem ao encontro dos princípios do SUS, mostraram que, como pesquisadores, temos o compromisso de contribuir na, para e com a construção e efetivação de políticas públicas de saúde em nossa região que estejam envolvendo o profissional de Educação Física. O estudo desenvolvido apontou para a necessidade de tornar públicas as ações que vêm sendo feitas no nosso estado, em termos de atuação do profissional de Educação Física no contexto da saúde pública. Buscando dar vazão e promover encontros em torno dessas ações, foi organizado o “I Simpósio de Educação Física e Saúde Coletiva no Contexto Amazônico: saberes e práticas em saúde”. Realizado em outubro de 2019, pelo Grupo de Estudos e Pesquisa em Atividade Física e Saúde - Da Infância ao Envelhecimento (GEPAFS-IEDS), com o apoio do PPGSSEA/FEFF/UFAM, a primeira edição deste simpósio veio com o intuito de aproximar as áreas de Saúde Coletiva e Educação Física e fortalecer a atuação do profissional de Educação Física na ABS. A programação incluiu, além de conferência e mesas redondas, uma interlocução entre profissionais de Educação Física que atuam no NASF-AB e estudantes que fazem parte do Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde (PET-Saúde) em torno da sua atuação interprofissional no contexto do SUS. Aqui cabe uma pausa para explicar melhor o PET-Saúde. Considerando o ambiente 135 formal de graduação em Educação Física na UFAM e suas limitações na área da saúde pública e práticas coletivas, destacam-se as últimas duas edições do PET. O GraduaSUS (2017/2018), focado nas ações em prol da interação ensino-serviço-comunidade com vistas às mudanças curriculares na graduação. E, o mais recente, de Interprofissionalidade (2019/2020), o qual tem trazido contribuições nas experiências de práticas colaborativas em serviço e para dentro das formações em saúde. Por mais que pequenas, houve participação de estudantes e professores de Educação Física nestas edições de PET, o que gerou experiências, reflexões e motivações internas em um corpo tão engessado. Flores de esperança em um deserto de inovação na formação em saúde e que trouxe na oportunidade do evento ainda mais despertamento aos participantes. Voltando ao Simpósio, também foram inseridas na programação oficinas com práticas corporais desenvolvidas na nossa região, como a Dança Circular, Dança sobre Rodas, Projetos de Saúde na Escola e os Jogos Intergeracionais Sustentáveis da Amazônia – JISA 4 . Os JISA proporcionam uma vivência com diferentes jogos do mundo enquanto estímulos essenciais para o desenvolvimento cognitivo e afetivo das crianças, jovens, adultos e idosos, enfocando o jogo como interação social no processo de construção dos conhecimentos de forma prazerosa. A proposta destes jogos consiste em sensibilizar os participantes quanto ao aproveitamento de materiais recicláveis para o uso sustentável e ampliar a conscientização sobre os Objetivos Globais da Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas. O Simpósio, que terá as próximas edições a cada dois anos, foi um momento de unidade de um grupo que compartilha dos mesmos ideais em torno do trabalho interprofissional na ABS e que hoje apresentam este capítulo. Essas ações demonstram as tramas de um coletivo que não se encerra dentro dos “muros da universidade”, mas concebe que o seu trabalho deve somar com a sociedade e o 4 JISA - Jogos Intergeracionais Sustentáveis da Amazônia é desenvolvido, difundido e aplicado pela Professora de Educação Física Floramara Machado Teles. 136 serviço na ABS na região amazônica. Nesse sentido, na urdidura das relações estabelecidas, esse grupo tem buscado influenciar a própria reformulação curricular no sentido de garantir a presença dos debates acerca da Saúde Coletiva e do SUS na formação inicial em Educação Física. Momento em que vários afluentes deságuam em um único leito, pois a construção deste grupo heterogêneo faz banzeiro. Pois todos somos Amazonas, somos do Norte. 8.3 Os profissionais no serviço de saúde: Educação Física no SUS Para podermos falar um pouco sobre os profissionais que atuam no SUS, foi necessário ouvi-los. Fizemos uma roda de conversa com alguns professores de Educação Física que atuam tanto na capital quanto no interior do Amazonas. Na conversa, buscamos evidências que nos permitissem narrar elementos de suas experiências, das inovações realizadas no trabalho, da sua percepção da formação e de questões sobre o trabalho. Os relatos iniciais apontaram para o período de inserção no trabalho da ABS. Os professores relatavam, recorrentemente, que não sabiam o que fazia o profissional de Educação Física na ABS. Para muitos, essa foi a primeira experiência com o SUS, enquanto ambiente de atuação profissional. Destarte, tiveram que aprender no dia a dia sobre o fazer e o atuar no campo da saúde. Diante da formação em Educação Física (ainda incipiente) para atuação na ABS, esses profissionais necessitaram de instituir um processo de aprendizado dos saberes inerentes a esses novos espaços de atuação(SKOWRONSKI; FRAGA, 2016). Apesar de haver muitos elementos em comum nas falas, também, observamos que cada contexto resguarda suas particularidades. Isso faz com que o profissional de Educação Física, além de ter que aprender elementos gerais do serviço na ABS, também, tenha que aprender o fazer profissional no território que o circunscreve. Esse aprender cotidianamente faz parte da própria educação permanente desenvolvida por esses profissionais em seus 137 ambientes de trabalhos (ROCHA; CENTURIÃO, 2007). Foram exemplos ressaltados, o fantasiar-se (de Zé Gotinha, super-herói etc.) para chamar a atenção, o trabalho em grupos como idosos e gestantes, os passeios de bicicleta, aulas de hidroginástica em piscinas emprestadas. Também foram relatadas as ações com os outros profissionais: o médico em busca de encaminhamentos para a realização da atividade física; os ACS para acompanhamento nas visitas domiciliares; os enfermeiros no sentido de contribuir nos eventos e ações de educação em saúde. Essas ações tinham como pano de fundo mostrar a importância da Educação Física na ABS, uma vez que foi relatado que os demais profissionais não conheciam o trabalho dessa área. Essa questão indicou um entrave em relação à própria atuação interprofissional e multiprofissional. Não apenas pelo primeiro fato já apresentado, mas, pela própria dificuldade de todos em se organizarem de forma interprofissional para o trabalho, o que exige sair da clínica uniprofissional. Os profissionais reconhecem que o trabalho vai além da atividade física, se assentindo em aprender a trabalhar coletivamente, respeitando os outros profissionais e criando estratégias para que os usuários desenvolvam a autonomia necessária para serem agentes de sua saúde. Nesse sentido, é relatada a educação em saúde como uma das estratégias de atuação do professor de Educação Física. Um fato curioso se dá na própria formação da maioria dos professores que conversamos, os quais são licenciados. Segundo os relatos, o fato de ser licenciado contribuiu para que eles atendessem essas demandas do serviço na ABS, o que os destacou frente os outros profissionais. A educação em saúde corrobora a construção de uma “clínica ampliada” que vá além da dimensão técnica do trabalho, o que permite o trabalho compartilhado entre profissionais e usuários (FREITAS; CARVALHO; MENDES, 2013). É com trabalho árduo e relacionamento na equipe que os profissionais de Educação 138 Física conseguem conquistar espaços, inclusive, no trabalho de disseminação da atividade física e práticas corporais no território, nas visitas domiciliares com os componentes da ESF e no apoio ao matriciamento do NASF-AB. Nesse momento, é relatado mais um desafio, dos próprios profissionais da ABS como um todo em reconhecer e saber, de fato, o que faz o NASF-AB. Aqui, também, foram incluídos os gestores que davam o tom para um bom andamento do trabalho ou travavam o mesmo. Por vezes, o trabalho construído no território era perdido com a mudança e chegada de um novo gestor que desconhecia o trabalho do NASF-AB. Segundo os relatos, além dessas dificuldades, ainda há o desafio em torno dos baixos números de professores de Educação Física que atuam na ABS, dos quais conseguiram acesso a esse campo de trabalho via NASF-AB. Inclusive, o acesso se dá, majoritariamente, por contratos temporários; o que gera instabilidade e afeta o próprio sujeito que necessita de trabalho para sua subsistência. “Nos sentimos fragilizados” e “ficamos com o coração na mão”, foram frases mencionadas e que destacam como esses profissionais enfrentam uma dura realidade em relação a estabilidade de sua atuação. Além disso, existe a questão do vínculo com o território, expresso por um desses profissionais. Nesse sentido, foi perguntado “o que será do usuário e do trabalho quando o contrato acabar?”. Vaz e Caballero (2016) destacam que a produção de sentidos e significados no território que fomentem a saúde para os usuários do serviço, dependem da continuidade engendrada no vínculo com o profissional de Educação Física. Logo, a falta de estabilidade e da continuidade do trabalho é uma barreira a ser superada no estado do Amazonas. Os profissionais se veem “amarrados” aos períodos de campanhas eleitorais no qual sua permanência no trabalho fica em suspenso, sem que saibam se irão retornar ou não no próximo ano. Além disso, foi citada a interferência, em âmbito Federal, com o programa 139 “Previne Brasil”, que retirou o NASF-AB de cena. Os profissionais relatam os momentos de tensão, por não saber se seus empregos se manteriam após o lançamento dessa política que não previa em seu orçamento as atividades do NASF-AB. Não é apenas a instabilidade profissional que afeta o trabalho, mas, as próprias condições desse. Os profissionais de Educação Física, muitas vezes, se veem sem espaços e materiais para sua atuação. As práticas têm sido realizadas em garagens descobertas, pátios sem iluminação para práticas à noite, com falta de materiais como pesos, cordas etc. Outros elementos que afetam o trabalho desses profissionais é a violência e a falta de estrutura e locais apropriados no território. No primeiro caso, foi relatado que os profissionais foram coagidos por traficantes a saírem de um campo que utilizavam para fazer práticas com a população. No segundo caso, foi relatado que não havia espaços para caminhadas como calçadas seguras. Até mesmo, foi relatado que uma escola negou acesso a sua quadra nos tempos livres. No interior do estado, ainda existem questões que se referem ao transporte. Muitos atendimentos são realizados em comunidades distantes e, em muitos casos, falta combustível, sendo que os profissionais precisam usar recursos próprios para conseguirem se deslocar. Além disso, geralmente, os atendimentos em comunidades distantes são para ações de consulta médica, com horários bem curtos de ida e volta (por conta da logística do transporte fluvial), o que dificulta o desenvolvimento de ações dos profissionais de Educação Física. Um último ponto a ser ressaltado da conversa, destaca a formação. Os profissionais de Educação Física relatam que não sentem que sua formação inicial os preparou para atuarem no campo da saúde, inclusive, na ABS. Também, comentam que sentem falta de formação continuada sobre temas relativos à atuação da Educação Física no SUS. Por exemplo, foi relatado que em um curso sobre as Práticas Integrativas Complementares do SUS os formadores não tinham a qualificação necessária para mesma. 140 Outra barreira mencionada está no fato de que os próprios profissionais têm que “correr atrás” de capacitação e, em muitos casos, pagam do próprio bolso quando não encontram formações gratuitas. As visões apresentadas, diante desses casos, sugerem que a Educação Física não tem sido prioridade nas políticas públicas de formação continuada. Segundo os relatos, o Simpósio de Educação Física e Saúde Coletiva, realizado pela FEFF/UFAM, foi a ação de capacitação mais efetiva em vista da atuação da Educação Física na ABS. No entanto, foi relatado que não houve apoio logístico para a participação de profissionais que vieram do interior. Apesar desses percalços, os profissionais comentam que o simpósio agregou muitos conhecimentos para sua formação. Um deles até afirmou que é necessário escrever e colocar suas experiências no papel, como fonte da formação em serviço. Esses desafios e possibilidades que observamos na escuta nos colocam a seara de, enquanto Universidade, proporcionar mais espaços formativos como o Simpósio, mas, também, desenvolver cursos de especialização lato sensu e stricto sensu que permitam esses profissionais darem continuidade na sua formação e qualificação. No entanto, reconhecemos que as prefeituras e o governo estadual necessitam efetivar políticas de formação para esses profissionais.Assim, entendemos que o SUS será fortalecido no estado do Amazonas. 8.4 Os meios caminhos de um grupo Na esteira do que acabamos de abordar no final do tópico anterior, entendemos a necessidade de nos colocarmos enquanto Universidade e ABS (nos campos da atuação profissional e do desenvolvimento de políticas públicas), em constante diálogo e colaboração. Logo, entendemos que a criação de uma rede de fomento da Educação Física no SUS é necessária para incluir e solidificar na ABS a atividade física e práticas corporais para o cuidado terapêutico, a educação em saúde e o desenvolvimento humano (PNUD, 2017; 141 FREITAS; CARVALHO; MENDES, 2013). Alinhar ensino, pesquisa e extensão é um compromisso da universidade para com a sociedade. Enquanto grupo, compreendemos que as ações a serem realizadas pelos professores da FEFF/UFAM devem compreender parcela de contribuição para o desenvolvimento do profissional de Educação Física para o SUS. Nesse sentido, corroboramos a ideia de fortalecer o PET-Saúde, o Simpósio de Educação Física e Saúde Coletiva no Contexto Amazônico (com a realização bianual), as orientações de projetos de iniciação científica, trabalhos de conclusão de curso e dissertações de mestrado 5 . Outra ação que temos realizado, enquanto Universidade, é a reformulação dos currículos de formação do curso de Educação Física. Conforme as novas Diretrizes Curriculares Nacionais dos Cursos de Graduação em Educação Física (BRASIL, 2018), uma ênfase para o setor da saúde pública, em especial o SUS, é dado para a formação do bacharel em Educação Física. Nesse sentido, os últimos meses têm sido de constante trabalho para garantir uma formação mais sólida frente o campo de atuação na ABS (além, de uma formação em saúde para o curso de licenciatura, pelas ações intersetoriais entre educação e saúde). Não apenas a formação do bacharel, reconhecemos que a saúde deve ser um tema abordado na licenciatura (LOCH; RECH; COSTA, 2020), uma vez que o trabalho intersetorial contribui proficuamente na promoção da saúde nos territórios. Também, vislumbramos a construção de um curso de especialização para abrigar esses profissionais que já atuam no SUS e outros que tenham interesse em vir a atuar. Compreendemos que não estamos sozinhos, podendo contar com uma rede de parceiros que estão no Laboratório de História, Políticas Públicas e Saúde na Amazônia (LAHPSA) do Instituto Leônidas e Maria Deane – ILMD/Fiocruz Amazônia e na Secretaria 5 Com o encerramento das atividades do PPGSEA, a FEFF fecha um ciclo. No entanto, recentemente, foi aprovado o Programa de Pós-Graduação em Ciências do Movimento Humano (Área 21), o que coloca no horizonte a possibilidade da continuidade do trabalho em nível de pós-graduação stricto sensu que envolva a saúde pública no Estado do Amazonas. 142 de Estado de Saúde do Amazonas (SUSAM). Além desses parceiros locais, temos buscado ampliar a rede com pesquisadores de outros estados brasileiros. É com a potencialidade dessa rede que vislumbramos vencer os desafios que nos estão postos, assim, garantindo, cada vez mais, uma saúde pública, gratuita e de qualidade à população amazonense. 8.5 Considerações Finais A pesquisa não está fora da realidade ou não se constitui com um fazer neutro, mas, faz parte dos processos sociais e políticos. Assim, a relação entre ensino e serviço se faz não somente necessária, mas, fundamental na condição em si das instituições de formação e de pesquisa. Por outro lado, os serviços de saúde, também, precisam abrir seus espaços para a construção de um conhecimento colaborativo e participativo. A construção de pesquisa se faz em rede e em parceria, portanto, olhamos para as ações do grupo de pesquisa que tem se “imundizado”, na expressão de Gomes e Merhy (2014), para se aproximar dos territórios de vida e dos serviços de saúde. Escrevemos no contexto da pandemia da COVID-19 e não temos como nos deixar afetados pelos seus efeitos na vida da população, nas políticas públicas de saúde, nas nossas vidas e nos processos formativos. Boaventura de Sousa Santos (2020), diz que a pandemia tem algo de pedagógico, pois não podemos passar por todas essas mortes e essa desestruturação das vidas sem que tenha produzido movimentos de produção de vidas. Já no campo da Educação Física, Loch, Rech e Costa (2020), afirmam sobre a urgência da Saúde Coletiva na formação em Educação Física, uma vez que esse contexto revelou que parte da área possui uma visão restrita de saúde. Portanto, não queremos um “novo normal” com a roupagem de um “normal” de exclusão e de desigualdades, de um normal de estava desconstruindo as políticas públicas e 143 sociais de inclusão, que estava desfinanciando a ABS e o NASF-AB. Apostamos em um normal, no sentido canguilhemiano, no qual possamos tensionar as normas que nos levaram ao adoecimento. É a capacidade normativa das pessoas que lhes proporciona serem sujeitos de sua saúde individualmente e coletivamente (CANGUILHEM, 2009). Logo, precisamos construir projetos de vida capazes de tensionar as normas abissais de uma necropolítica que se tem levado a cabo em nosso país. Assim, temos o compromisso como Universidades, Instituições de pesquisa e serviços de saúde de praticar a educação permanente em todos os contextos, problematizando as condições e da produção das existências, de modo que possamos criar espaços que proporcionem melhores condições de vida para a população e com uma responsabilidade ética-política de problematizar e combater todas as formas de exclusão e de opressão às liberdades do outro. Referências ALMEIDA, E. R. et al. Atenção Básica à Saúde: avanços e desafios no contexto amazônico. In: SCHWEICKARDT, J. C.; KADRI, M. R.; LIMA, R. T. S. (Orgs). Atenção Básica na Região Amazônica: saberes e práticas para o fortalecimento do SUS. Porto Alegre: Rede Unida, 2019. BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE. E-Gestor Atenção Básica. 2020. Acessado em: https://egestorab.saude.gov.br/paginas/acessoPublico/relatorios/relHistoricoCoberturaAB.xht ml. Data de acesso: 10 de jul. 2020. BRASIL. Resolução nº 6, de 18 de dezembro de 2018. Institui Diretrizes Curriculares 144 Nacionais dos Cursos de Graduação em Educação Física e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, edição 243, Seção 1, p. 48, 2018. CANGUILHEM, Georges. O normal e o patológico. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2009. CORRÊA, M. R. D.; CORRÊA, L. Q. C.; RIGO, C. R. A pós-graduação na educação física brasileira: condições e possibilidades das subáreas sociocultural e pedagógica. Rev. Bras. de Ciênc. do Esporte, v. 41, n. 4, p. 359-366, 2019. FRAGA, A. B., CARVALHO, Y. M., GOMES, I. M. Políticas de formação em educação física e saúde coletiva. Trabalho, Educação e Saúde, Rio de Janeiro, v.10, n.3, p. 367-386, 2012. FREITAS, F. F.; CARVALHO, Y. M.; MENDES, V. M. Educação Física e Saúde: aproximações com a “Clínica Ampliada”. Rev. Bras. de Ciênc. do Esporte, Florianópolis, v. 35, n. 3, p. 639-656, jul/set 2013. GOMES, M., MERHY, E. Pesquisadores IN-MUNDO: um estudo da produção do acesso e barreira em saúde mental. Porto Alegre: Rede Unida. 2014. LOCH, M. R.; RECH, C. R.; COSTA, F. F. A urgência da Saúde Coletiva na formação em Educação Física: Lições com o COVID-19. Ciênc. Saúde Colet [periódico na internet], jun 2020. Acessado em: http://www.cienciaesaudecoletiva.com.br/artigos/a-urgencia-da-saude- coletiva-na-formacao-em-educacao-fisica-licoes-com-o-covid19/17618?id=17618. Data de 145 Acesso: 08 de jul. 2020. PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO – PNUD. Relatório de Desenvolvimento Humano Nacional - Movimento é Vida: Atividades Físicas e Esportivas para Todas as Pessoas: 2017. Brasília: PNUD, 2017. ROCHA, V. M.;CENTURIÃO, C. H. Profissionais da saúde: formação, competência e responsabilidade social. In: FRAGA, A. B.; WACHS, F. (Orgs.). Educação Física e Saúde Coletiva: políticas de formação e perspectivas de intervenção. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2007, p. 17-31. SANTOS, B. S. La cruel pedagogia del vírus. Buenos Aires: CLACSO, 2020. SILVA, S. F. G. Atenção Básica e Promoção da Saúde: Atuação do Profissional de Educação Física no Núcleo Ampliado de Saúde da Família - Atenção Básica no Estado do Amazonas. 2020. 103 f. Dissertação (Mestrado em Saúde, Sociedade e Endemias na Amazônia) – Faculdade de Educação Física e Fisioterapia, Universidade Federal do Amazonas, Manaus, 2020. SCHWEICKARDT, J. C. et al. Território na Atenção Básica: Abordagem da Amazônia Equidistante. In: CECCIM, R. B.; KREUTZ, J. A.; CAMPOS, J. D. P.; CULAU, F. S.; WORTTRICH, L. A. F.; KESSLER, L. L. (Orgs). In-formes da Atenção Básica: aprendizados de intensidade por círculos em rede. Porto Alegre: Rede Unida, 2016, p. 101- 131. 146 SCHWEICKARDT, J. C.; KADRI, M. R.; LIMA, R. T. S. Atenção Básica na Região Amazônica: saberes e práticas para o fortalecimento do SUS. Porto Alegre: Rede Unida, 2019. SKOWRONSKI, M.; FRAGA, A. B. Academia da saúde e os diferentes saberes para atuação do profissional de educação física. In: Wachs, F; ALMEIDA, U. R.; BRANDÃO, F. F. F. (Orgs). Educação Física e Saúde Coletiva: cenários, experiências e artefatos culturais. Porto Alegre: Rede UNIDA, 2016, p. 223-242. VAZ, F. F.; CABALLERO, R. M. S. Análise da distribuição dos profissionais de educação física nos serviços de saúde do estado do Rio Grande do Sul. In: WACHS, F; ALMEIDA, U. R.; BRANDÃO, F. F. F. (Orgs). Educação Física e Saúde Coletiva: cenários, experiências e artefatos culturais. Porto Alegre: Rede UNIDA, 2016, p. 297-315. 147 9. CAPÍTULO NOVE FORMAÇÃO E INTERVENÇÃO DO PROFISSIONAL DE EDUCAÇÃO FÍSICA NA ATENÇÃO BÁSICA À SAÚDE: CENÁRIO ATUAL E CAMINHOS A SEGUIR Paulo Henrique Guerra Fabio Fortunato Brasil de Carvalho Mathias Roberto Loch Filipe Ferreira da Costa 9.1 Introdução Como já apontado em capítulos anteriores, a criação do SUS fomentou uma concepção mais abrangente de saúde, que incorpora em seu debate e em sua práxis, para além do enfoque biomédico, o reconhecimento dos aspectos contextuais das pessoas, preconizando, para tanto, abordagens mais complexas frente às reais necessidades de saúde da população brasileira. Um dos pontos centrais dessa concepção ampliada de saúde corresponde a superação das ações centradas na lógica curativista por meio da busca de estratégias multi e interprofissionais nos distintos cenários de atenção à saúde, sob o prisma da promoção da saúde. A PNPS (BRASIL, 2014) configura-se como um marco para o fortalecimento dessa nova concepção, preconizando os valores, princípios e diretrizes norteadoras do processo de atenção à saúde no país (MALTA et al., 2016). No texto da PNPS também são apontados oito temas prioritários para o fortalecimento de ações de promoção da saúde no SUS, visto seu impacto no perfil de morbimortalidade da população brasileira (BRASIL, 2014). Dentre estes temas prioritários, estão as práticas corporais e atividades físicas, por se configurarem como um comportamento modificável e também, por seu papel na prevenção e/ou tratamento das DCNTs (WARBURTON; BREDIN, 2017; EKELUND; YATES, 2019), que, por sua vez, representam a maior causa de mortes no Brasil (FRANÇA et al., 2017; PEIXOTO, 2020). Este olhar conferido às práticas corporais e atividades físicas propulsionou 148 a introdução de profissionais de Educação Física nos cenários de ABS do SUS a partir de uma política nacional, uma vez que já existiam iniciativas locais e municipais. Atualmente, as intervenções dos profissionais de Educação Física na ABS-SUS ocorrem especialmente nos contextos das equipes multiprofissionais, atualmente nomeadas como NASF-AB, que foram criados em 2008 e no Programa Academia da Saúde, instituído em 2011 pelo Ministério da Saúde. O SUS teve grande importância na ampliação do acesso às práticas corporais e atividades físicas no contexto brasileiro, fortalecendo, inclusive, a ideia do seu acesso como direito de todos (LOCH et al., 2018). Entretanto, apesar de todo este aporte das políticas públicas de saúde à promoção das práticas corporais e atividades físicas e ao trabalho do profissional de Educação Física na ABS, o SUS vem enfrentando, pelo menos desde 2016, importantes ameaças. Permeando-se por esta conjuntura maior, é objetivo deste capítulo tecer alguns apontamentos sobre a formação inicial e intervenção profissional no contexto da ABS- SUS. 9.2 Contexto atual do SUS (2016–2020) Nos últimos cinco anos, muito por conta da alteração dos rumos políticos e econômicos do país, o SUS vem sofrendo alterações estruturantes, sobretudo no modus operandi da ABS. O primeiro marco destas alterações, mais geral, foi o referendamento da Emenda Constitucional nº 95 de 2016 (popularmente conhecida como a “emenda do teto dos gastos”) (BRASIL, 2017a), que limitou o crescimento das despesas do governo brasileiro durante 20 anos e, por consequência, defasagens na operacionalização da atenção à saúde do país. Criticamente, esta ação não considera, por exemplo, que em vista do crescimento e o envelhecimento populacional, as despesas em saúde aumentarão e, neste ínterim de tempo, 149 não haverá um financiamento proporcional (FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ, 2016). Além disso, em períodos de crise muitas pessoas passam a não ter mais condições de pagar planos de saúde e se tornam dependentes exclusivas do SUS. Para ilustrar, a estimativa da perda do SUS é superior a R$ 22 bilhões entre 2018 e 2020 (MORETTI et al., 2020), o que torna urgente a revogação desta emenda constitucional (MENDES, 2020), considerando-se que estes cortes podem representar considerável redução do acesso e da capacidade de atenção à saúde por parte do sistema. Em termos comparativos, pensando apenas nas práticas corporais e atividades físicas e na atuação do profissional de Educação Física, daria para construir mais de 80.000 polos do Programa Academia da Saúde (considerando o valor de R$ 240,000,00 que é repassado pelo Ministério da Saúde por polo ampliado), por exemplo. Um ano depois, em 2017, com a publicação da nova versão da Política Nacional de Atenção Básica (BRASIL, 2017b), foram observadas mudanças desde as denominações das equipes de ABS (dentre elas o NASF-AB, antes denominado “Núcleo de Apoio à Saúde da Família”) até o seu respectivo formato. Cabe dizer que esta nova versão da Política Nacional de Atenção Básica surgiu em um momento de consolidação do novo modelo de economia neoliberal no país, implementado por uma equipe de governo que assumiu após controverso processo de impedimento. Com isso, de imediato, diversas questões foram apontadas no sentido de enfraquecimento da ABS, já que quaisquer mudanças nos rumos da saúde pública do país deveriam ser norteadas pelo compromisso com o atendimento das reais necessidades de saúde da população (MOROSINI; FONSECA, 2017; MOROSINI, FONSECA, LIMA; 2018) e não de acordo com as premissas e o “momento” do mercado. Destacam-se como retrocessos da nova Política Nacional de Atenção Básica a relativização da cobertura, a segmentação do cuidado, com distinção entre padrões essenciais e ampliados de serviços e, por fim, um150 movimento de retorno ao modelo de atenção básica tradicional, com reposicionamento da ESF (MOROSINI, FONSECA, LIMA; 2018). Outro importante movimento de desmonte da atenção primária fora introduzido pelo novo modelo de financiamento adotado (BRASIL, 2019). De todo esse movimento, por não considerar mais os formatos e as cargas horárias das equipes NASF-AB como requisito para o repasse de recursos (ex. os repasses passaram a ser feitos pelo número de pessoas cadastradas em cada equipe de Saúde da Família ou equipes de Atenção Primária e pelo desempenho dessas equipes em indicadores selecionados), é possível que o novo modelo de financiamento seja o que mais impacte na atuação do profissional de Educação Física. Antes protegido por uma linha de financiamento indutora de sua implantação, o NASF-AB passa agora a depender exclusivamente das gestões locais de saúde, que agora podem simplesmente optar por sua extinção ou total remodelação de sua composição e funcionamento. Este novo modelo de financiamento surge a partir da avaliação de que o modelo anterior havia sido importante, mas que havia chegado ao limite por não estar relacionado à resolutividade, representando apenas a existência de equipes de ABS, por não haver responsabilização clínica, consideração da população efetivamente coberta pelas equipes de ABS e diferenciações de recursos quando existissem pessoas mais vulneráveis, impactando os resultados em saúde (REIS et al., 2019). Em complemento, os mesmos autores afirmam que o novo financiamento da ABS valorizará o cadastro individual das pessoas adscritas pelas quais as equipes serão responsáveis e indicadores relacionados a características como o sexo, faixa etária e vulnerabilidade social em busca de maior equidade, assim como permitirá maior acompanhamento dos resultados das equipes de Saúde da Família. Contudo, devem ser destacados alguns posicionamentos contrários, apontando que o novo modelo significaria perda de recursos (CONSELHO DE SECRETARIAS MUNICIPAIS DE SAÚDE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO, 2019; CONSELHO DE SECRETÁRIOS MUNICIPAIS 151 DE SAÚDE DO ESTADO DE SÃO PAULO, 2019; MOROSINI; FONSECA; BAPTISTA, 2020) e que a inexistência de um financiamento específico poderia acarretar no fim dos NASF-AB. Dessa forma, a primeira “porta” de entrada dos profissionais de Educação Física e de outros profissionais de saúde, no contexto da ABS-SUS, passa por um momento de grandes incertezas, uma vez que os recursos virão de uma pactuação de indicadores ainda não realizada, o que levanta certa preocupação, de modo que os atores sociais relacionados ao trabalho multiprofissional precisam estar atentos de forma a contribuir no debate e permitir a manutenção e ampliação destas ações de maior complexidade na ABS. 9.3 Formação inicial para atuação na ABS-SUS Estudos prévios (COSTA et al., 2012; ROMERO; GUERRA; FLORINDO, 2018) foram muito importantes para a identificação da formação inicial deficitária dos profissionais de Educação Física inseridos na ABS-SUS, sobretudo nos aspectos da oferta reduzida de disciplinas de Saúde Pública/Saúde Coletiva nas grades curriculares e da pouca oferta de experiências práticas nos cenários da ABS (ex.: por meio de vivências e/ou estágios supervisionados). E estas lacunas não podem ser desconsideradas, visto que a formação para o SUS é norteada tanto pelos aportes teórico-práticos da Saúde Coletiva quanto por conhecimentos da Clínica, da Pedagogia, Educação Popular, Antropologia, entre outros (ELLERY; PONTES; LOIOLA, 2013; GUARDA, 2014). No mesmo sentido, é também importante a discussão sobre os olhares relacionados à saúde e ao SUS ao longo da formação inicial, de modo que as competências do futuro profissional de Educação Física caminhem para além da perspectiva biomédica, pautada na prescrição do exercício com enfoque essencialmente voltado à prevenção e/ou tratamento das 152 doenças (COSTA, 2019). Mesmo que o ideário da promoção da saúde seja o norteador da atenção à saúde no país, Carvalho et al. (no prelo) sugerem que estas abordagens não precisam ser concorrentes, sendo possível a existência de intercessões entre a promoção da saúde e a prevenção de doenças nas estratégias e ações que envolvem as práticas corporais e atividades físicas. A criação de um espaço permanente de diálogo relacionado ao papel das práticas corporais e atividades físicas na ABS é um importante passo para a superação dos discursos culpabilizantes relacionados às escolhas pessoais. Há registros de que esta visão errônea, inclusive, é reproduzida pela grande mídia e, de alguma forma pode formar opiniões em maior escala (LOCH; GUERRA, 2018). Reconhece-se que diversos fatores interpessoais e ambientais também se configuram como barreiras para as práticas corporais e atividades físicas no país (RECH et al., 2018). Nesse sentido, é importante que, desde os primeiros passos da formação inicial, que os graduandos compreendam, nas esferas teórica e prática, que ações de adoção e manutenção de um determinado comportamento relacionado à saúde – e não só relacionados às práticas corporais e atividades físicas – não podem desconsiderar os contextos, possibilidades e as condições de vida das pessoas. Uma vez que a visão de saúde preconizada pelo SUS é influenciada fortemente pelo modelo dos determinantes sociais da saúde, também é profícuo que, em paralelo ao aspecto biológico, a perspectiva sociocultural da saúde também seja contemplada na formação inicial em Educação Física (OLIVEIRA, 2018). No entanto, Costa (2019) aponta que a formação relacionada à saúde não deve ser implementada nas grades curriculares já existentes apenas pela introdução de disciplinas pontuais, ou mesmo isoladas, para apenas atender as exigências das diretrizes. O mesmo autor sugere que as mudanças no currículo da formação inicial ocorram como um todo, articulando ações entre ensino, pesquisa e extensão e, que possam envolver 153 distintos campos epistemológicos da Educação Física, assim como da necessidade da introdução precoce dos graduandos nos cenários de prática (COSTA, 2019). Complementarmente, para além do fortalecimento dos aspectos internos do curso, a formação para atuar na ABS-SUS também depende do grau de articulação entre as instituições formadoras e os serviços de saúde, de modo que as experiências práticas permitam o reconhecimento da realidade local de saúde, as relações de trabalho em ambiente multiprofissional, as interações dos profissionais com a comunidade, as potências e limitações do sistema, assim como a complexidade das práticas requeridas em contextos específicos (SOUZA; BONAMIGO, 2019). Outro elemento importante na formação inicial é a abertura para conhecimentos e práticas relacionadas ao campo comum da Saúde Coletiva, ou seja, aqueles que não dizem respeito diretamente ao movimento corporal e às práticas corporais e atividades físicas, principal especificidade da Educação Física. Cada vez mais há necessidade da atuação conjunta e intercessora de distintas formações e profissões da área da saúde e isso precisa ser abordado na graduação. Por exemplo, Carvalho, Guerra e Loch (2020) apontam que os profissionais de Educação Física que trabalham em atividades coletivas, muitas vezes são pessoas carismáticas, com habilidades ligadas à liderança e proatividade e isso pode ser utilizado em outras demandas, como, por exemplo, no acolhimento realizado na unidade de saúde e na visita domiciliar, ou no estabelecimento do vínculo usuário-equipe de saúde, tão importante para o processo de cuidado em saúde. A seguir abordaremos alguns elementos sobre a intervenção na ABS de forma a dialogar com o que foi apresentado sobre a formação, compreendendo que tais processos se retroalimentam. 154 9.4 Intervenção profissional na ABS-SUS Este texto parte da premissaque a atuação do profissional de Educação Física na ABS seja orientada pelos princípios do SUS, considerando os aspectos de equidade, longitudinalidade e integralidade do cuidado. Este posicionamento é importante já que há desconsideração dos elementos fundantes do SUS na intervenção profissional e isso pode acarretar na reprodução de uma forma de atuação que ocorre em outros contextos, como nas academias e clubes (LOCH; DIAS; RECH, 2019). Não é objetivo deste texto tecer críticas à atuação dos profissionais de Educação Física nestes locais citados, mas reforçar o entendimento de que as especificidades do SUS devem necessariamente ser respeitadas na intervenção do profissional de Educação Física. Ademais, também vale mencionar que não é objetivo deste texto falar em ações mais específicas sobre o “fazer profissional” do profissional de Educação Física no contexto da ABS-SUS, mas sim, ainda que de maneira geral, comentar sobre possíveis caminhos a serem seguidos. Para esta questão mais específica, recomendamos que sejam considerados os documentos e diretrizes das secretarias de saúde dos municípios e estados, além, evidentemente, das publicações oficiais do Ministério da Saúde, como, por exemplo, os Cadernos de Atenção Básica – destacando as edições nº 27 e 39, que abordam respectivamente as Diretrizes, ferramentas para a gestão e o trabalho cotidiano no NASF – e o texto de Loch, Dias e Rech (2019), que traz algumas proposições para a atuação do profissional de Educação Física na ABS. Conforme a classificação de Merhy e Franco (2003), a intervenção do profissional de Educação Física na ABS-SUS tem caráter de “tecnologia leve”, por meio de ações imateriais, que se fundamentam em importantes elementos, como acolhimento, vínculo e relacionamento com os usuários. Alguns estudos apontam que os grupos de práticas corporais e atividades 155 físicas do SUS, em geral, possuem um caráter mais participativo e cooperativo, lembrando as referidas habilidades do profissional de Educação Física como aquelas ligadas à proatividade, entre outras, o que deve ser explorado para que o espaço e ambiente das práticas corporais e atividades físicas na ABS seja acolhedor. A interlocução com outros saberes, de outras especialidades da saúde, também é uma questão marcante na atuação na ABS. Os desafios que os profissionais de Educação Física encontram na atuação do campo da saúde, notadamente na ABS, irão suscitar a necessidade de atuar conjuntamente com outros especialistas. E, também, reconhecer a possibilidade do caminho inverso, quando outros profissionais da saúde se aproximarem do profissional de Educação Física, no sentido da articulação dos distintos conhecimentos e habilidades, uma vez que as questões de cuidado e de promoção da saúde que surgem também são de distintas naturezas e, via de regra, requerem a atuação de profissionais de distintas especialidades da saúde (COUTINHO, 2011). Ellery, Pontes e Loiola (2013) pontuam sobre as diversas ações comuns a várias profissões, sendo necessário que o usuário seja o foco da organização dos serviços de saúde e da atuação dos diversos profissionais, por se tratar de um campo em permanente construção. Tal questão se dá, para nós, principalmente devido às normatizações dos distintos conselhos profissionais serem insuficientes para dar conta da dinamicidade do trabalho interprofissional na realidade cotidiana da ABS-SUS. Por vezes, as normatizações explicitam disputas de mercado que nada se vinculam às necessidades dos usuários de saúde. Na perspectiva mais geral da área da saúde, o NASF-AB, como espaço de protagonismo profissional não só relacionados ao núcleo específico da Educação Física, é uma oportunidade para a equipe de saúde e os profissionais de Educação Física vivenciarem experiências que busquem a integralidade no processo de cuidado por meio da clínica ampliada, considerando uma abordagem inter/transdisciplinar e interprofissional, bem como 156 vislumbrem a superação do viés biomédico, da consulta individualizada, farmacologização e medicalização do cuidado (JERÔNIMO, 2015). Nascimento e Cordeiro (2019), sobre o trabalho do NASF-AB, abordam o risco de a cultura assistencialista, que é amplamente presente nas demandas da população e também nas equipes de saúde da família, acabar por gerar práticas profissionais próximas da lógica curativista, ainda que não ‘médico-centrada’. Ou seja, a existência de equipes multiprofissionais não garante, a priori, uma atuação interprofissional onde os saberes e práticas das distintas formações deem a devida centralidade às pessoas que vivem a intervenção profissional. Dessa forma, ganham importância as experiências práticas nos cenários da ABS ao longo da formação inicial. Na intervenção profissional do profissional de Educação Física com as práticas corporais e atividades físicas, faz-se necessário ampliar o olhar destas para além da perspectiva biológica por meio do qual o principal objetivo seria evitar a ocorrência das doenças, em especial as DCNTs. Tal objetivo é absolutamente relevante e não há a defesa, de nossa parte, que isso deixe de ser objetivado, sobretudo pelo reconhecimento de que estas doenças se constituem como a principal causa de mortes no país (FRANÇA et al., 2017; PEIXOTO, 2020). Contudo, a forma como isso é feito geralmente é restrita e focada demasiadamente nas questões individuais, como se as pessoas não fizessem as práticas corporais e atividades físicas porque supostamente não reconhecem seu potencial, ou mesmo por não quererem ser (mais) saudáveis. Nesse sentido, entendemos que o processo de cuidado, seja para o enfrentamento das DCNTs ou de outras condições, seja construído e pactuado com aquela pessoa que está interagindo com a intervenção profissional dos profissionais de Educação Física a partir da concretude do contexto no qual ela vive, seus interesses, desejos, crenças e limitações, enfim, com a vida real das pessoas. Ela gosta ou não de fazer prática corporal e atividade física? Ela 157 tem tempo para fazê-las? Como foi a relação dela com as práticas corporais e atividades físicas ao longo da vida? Como é o acesso desta pessoa às práticas corporais e atividades físicas que ela gosta? Essas são algumas dentre muitas outras questões que precisam ser consideradas. A presente proposta busca realmente levantar questionamentos, de forma a instigar os profissionais de Educação Física a incluí-los na sua atuação cotidiana e superar a noção, ainda hegemônica, na mídia, que as pessoas são inativas (ou obesas, ou fumantes, ou pobres, etc.), meramente por falta de vontade ou “preguiça” (LOCH; GUERRA, 2018). Assim, a intervenção do profissional de Educação Física na ABS-SUS apresenta muitas possibilidades e desafios, os quais permitem afirmar que ainda há muito a ser feito nos campos de reflexão, ação e pesquisa, de forma que sejam ofertados novos subsídios para a sua atuação, considerando-se prioritariamente a articulação aos princípios e diretrizes do SUS e, dessa forma, contribuir para que as pessoas alcancem modos de vida mais saudáveis nos quais as práticas corporais e atividades físicas estarão incluídas. 9.5 Considerações Finais Mesmo que o momento seja de transição, a formação do futuro profissional de Educação Física para atuação na ABS deve estar em consonância com os pilares do SUS. Nesse sentido, para além do conjunto de conhecimentos específicos, orientados primariamente pelos saberes da Saúde Coletiva, é importante que as instituições formadoras estejam articuladas ao serviço, fomentando a introdução precoce dos graduandos nos cenários de prática da ABS, assim como possam envolver, ao longo da formação inicial, distintos campos epistemológicos da Educação Física, em ações de ensino, pesquisa e extensão. 158 Referências ALMEIDA, E. R.; SOUSA, A. N.A.; BRANDÃO, C. C.; CARVALHO, F. F. B.; TAVARES, G.; SILVA, K. C. Política Nacional de Atenção Básica no Brasil: uma análise do processo de revisão (2015–2017). Rev Panam Salud Publica, v. 42, p. e180, 2018. BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE. SECRETARIA DE ATENÇÃO À SAÚDE. DEPARTAMENTO DE ATENÇÃO BÁSICA. Cadernos de Atenção Básica n. 27 - Diretrizes do NASF – Núcleo de Apoio à Saúde da Família. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2009. BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE. SECRETARIA DE ATENÇÃO À SAÚDE. DEPARTAMENTO DE ATENÇÃO BÁSICA. Núcleo de Apoio ao Saúde da Família: volume 1: ferramentas para a gestão e para o trabalho cotidiano [Internet]. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2014. BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Gabinete do Ministro. Portaria nº 2.446, de 11 de novembro de 2014. Redefine a Política Nacional de Promoção da Saúde (PNPS). Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2014. BRASIL. Emenda Constitucional nº 95 de 2016. Altera o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, para instituir o Novo Regime Fiscal, e dá outras providências. Brasília, DF, 2017 (a). BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Portaria nº 2.436, de 21 de setembro de 2017. Aprova a Política Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a revisão de diretrizes para a organização 159 da Atenção Básica, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2017 (b). BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Portaria nº 2.979, de 12 de novembro de 2019. Institui o Programa Previne Brasil, que estabelece novo modelo de financiamento de custeio da Atenção Primária à Saúde no âmbito do Sistema Único de Saúde, por meio da alteração da Portaria de Consolidação nº 6/GM/MS, de 28 de setembro de 2017. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2019. CARVALHO, F. F. B.; GUERRA, P. H.; LOCH, M. R. Potencialidades e desafios das práticas corporais e atividades físicas no cuidado e promoção da saúde. Motrivivência, v. 32, n. 63, 2020. CARVALHO, F. F. B. ET AL. Promoção da Saúde e Prevenção de doenças: se ‘movimentando’ para borrar as fronteiras conceituais. In: Murta, S. et al. (Orgs). Interfaces entre Promoção da Saúde e Prevenção: Análises Conceituais e Empíricas Centradas em Políticas Públicas. Associação Brasileira de Pesquisa em Prevenção e Promoção da Saúde (BRAPEP) (no prelo). CONSELHO DE SECRETARIAS MUNICIPAIS DE SAÚDE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Nota Técnica COSEMS RJ Nº 02/2019. Disponível em: <http://www.cosemsrj.org.br/proposta-do-ministerio-da-saude-de-mudanca-na-modalidade- de-transferencia-de-recursos-para-a-atencao-primaria-a-saude/>. Acesso em 23 set. 2020. 160 CONSELHO DE SECRETÁRIOS MUNICIPAIS DE SAÚDE DO ESTADO DE SÃO PAULO. Nota Técnica COSEMS/SP nº 01/2019 – Novo modelo de financiamento da Atenção Primária em Saúde. Disponível em: <http://www.cosemssp.org.br/noticias/nota- tecnica-cosems-sp-novo-modelo-de-financiamento-da-atencao-primaria-em-saude/>. Acesso em 23 set. 2020. COSTA, L. C., et al., Formação profissional e produtividade em Saúde Coletiva do Profissional de Educação Física. Rev Bras Ativ Fis Saúde, v. 17, n. 2, p. 107-13, 2012. COSTA, F. F. Novas diretrizes curriculares para os cursos de graduação em Educação Física: oportunidades de aproximações com o SUS? Rev Bras Ati Fis Saúde, v. 24, p. e0067, 2019. COUTINHO, S. S. Competências do profissional de Educação Física na Atenção Básica à Saúde. 207 f.: il. Tese de Doutorado, apresentada à Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto / USP. Ribeirão Preto, 2011. EKELUND, U; YATES, T. “Sit less—move more and more often”: all physical activity is beneficial for longevity. The BMJ Opinion. Disponível em: <https://blogs.bmj.com/bmj/2019 /08/21/ulf-ekelund-and-thomas-yates-sit-less-move-more-and-more-often-all-physical-activ ity-is-beneficial-for-longevity/>. Acesso em: 10 set. 2020. ELLERY, A. E. L.; PONTES, R. J. S.; LOIOLA, F. A. Campo comum de atuação dos profissionais da Estratégia Saúde da Família no Brasil: um cenário em construção. Physis, v. 23, n. 2, p. 415-437, 2013. 161 FRANÇA, E., et al. Cause-specific mortality for 249 causes in Brazil and states during 1990– 2015: a systematic analysis for the global burden of disease study 2015. Popul Health Metrics, v. 15, p. 39, 2017. FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ. Fiocruz divulga carta A PEC 241 e os impactos sobre direitos sociais, a saúde e a vida. Disponível em: <https://portal.fiocruz.br/noticia/fiocruz- divulga-carta-pec-241-e-os-impactos-sobre-direitos-sociais-saude-e-vida>. Acesso em 23 set. 2020. GUARDA, F. R. B., et al. Intervenção do profissional de educação física: formação, perfil e competências para atuar no Programa Academia da Saúde. Rev Pan-Amaz Saúde, v. 5, n. 4, p. 63-74, 2014. JERÔNIMO, J. S. A participação do profissional de educação física em um núcleo de apoio a saúde da família: protagonismo profissional além da aplicação de atividade física. Fiep Bull, v. 85, 2015. LOCH, M. R., et al. As práticas corporais/atividade física nos 30 anos do Sistema Único de Saúde. Ciênc. Saúde Colet, v. 23, n. 10, p. 3469, 2018. LOCH, M. R.; GUERRA, P. H. A preguiça como explicação da inatividade física: comentários e reflexões sobre discrepâncias entre as evidências científicas e o discurso jornalístico. Cad. Saúde Pública, v. 34, n. 12, p. e00223017, 2018. 162 LOCH, M. R.; DIAS, D. F.; RECH, C. R. Apontamentos para a atuação do Profissional de Educação Física na Atenção Básica à Saúde: um ensaio. Rev Bras Ativ Fís Saúde, v. 24, p. e0069, 2019. MALTA, D. C., et al. Política Nacional de Promoção da Saúde (PNPS): capítulos de uma caminhada ainda em construção. Ciênc. Saúde Colet, v. 21, n. 6, p. 1683-1694, 2016. MENDES, A. Pandemia mostra que teto de gastos agravou falta de financiamento do SUS. Jornal da USP. Disponível em: <https://jornal.usp.br/atualidades/pandemia-mostra-que-teto- de-gastos-agravou-falta-de-financiamento-do-sus/>. Acesso em 23 set. 2020. MERHY, E.E.; FRANCO, T.B. Por uma Composição Técnica do Trabalho Centrada nas Tecnologias Leves e no Campo Relacional. Saúde Debate, v. 27, n. 65, 2003. MORETTI, B., et al. Mudar a política econômica e fortalecer o SUS para evitar o caos. Disponível em: <https://www.abrasco.org.br/site/noticias/mudar-a-politica-economica-e- fortalecer-o-sus-para-evitar-o-caos/46220/>. Acesso em 23 set. 2020. MOROSINI, M. V. G. C.; FONSECA, A. F. Revisão da Política Nacional de Atenção Básica numa hora dessas? Cad Saúde Pública; v. 33, n. 1, p. e00206316, 2017. MOROSINI, M. V. G. C.; FONSECA, A. F.; LIMA, L. D. Política Nacional de Atenção Básica 2017: retrocessos e riscos para o Sistema Único de Saúde. Saúde Debate, v. 42, n. 116, p. 11-24, 2018. 163 MOROSINI, M. V. G. C.; FONSECA, A. F.; BAPTISTA, T. W. F. Previne Brasil, Agência de Desenvolvimento da Atenção Primária e Carteira de Serviços: radicalização da política de privatização da atenção básica? Cad Saúde Pública, n. 9, p. e00040220, 2020. NASCIMENTO, A. G.; CORDEIRO, J. C. Núcleo ampliado de saúde da família e atenção básica: análise do processo de trabalho. Trab Educ Saúde, v. 17, n. 2, 2019. OLIVEIRA, R. C. Educação física, saúde e formação profissional. Physis, v. 28, n. 3, p. e280302, 2018. PEIXOTO, S. V. A tripla carga de agravos e os desafios para o Sistema Único de Saúde. Editorial. Ciênc. Saúde Colet, v. 25, n. 8, 2020. RECH, C. R.; CAMARGO, E. M.; ARAUJO, P. A. B.; LOCH, M. R.; REIS, R. S. Barreiras percebidas para a pratica de atividade física no lazer da população brasileira. Rev Bras Med Esporte, v. 24, n. 4, p. 303-309, 2018. REIS, J. G., et al. Criação da Secretaria de Atenção Primária à Saúde e suas implicações para o SUS. Ciênc. Saúde Colet, v . 24 n. 9, p.3457-3462, 2019. ROMERO, A.; GUERRA, P. H.; FLORINDO, A. A. Formação de profissionais de Educação Física que atuam nosnúcleos de apoio à saúde da família do Estado de São Paulo. Rev Bras Educ Fís Esporte, v. 32, n. 4, p. 647-654, 2018. 164 SOUZA, L. B.; BONAMIGO A. W. Integração ensino-serviço na formação de profissionais para sistemas públicos de saúde. Trab Educ Saúde, v. 17 n. 3, p. e0021747, 2019. WARBURTON, D. E. R.; BREDIN, S. S. D. Health benefits of physical activity: a systematic review of current systematic reviews. Curr Opin Cardiol, v. 32, n. 5, p. 541-556, 2017.