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<p>6 Moral iluminista</p><p>O movimento intelectual do século XVIII co</p><p>n ido como Iluminismo ou Ilustração exaltou a</p><p>capacidade humana de conhecer e a ir pela “luz</p><p>da razão”. Por consequência, criticou a religião por</p><p>submeter o indivíduo à heteronomia, que o subjuga a</p><p>preconceitos e o conduz ao fanatismo. Rejeitou toda</p><p>tutela a oiada no rincí io de autoridade e defendeu</p><p>o ideal de tolerância e de autonomia do sujeito moral.</p><p>Ética kantiana</p><p>O filósofo alemão Immanuel Kant 1724-1804</p><p>é a máxima expressão do pensamento iluminista.</p><p>Na obra Crítica da razão pura, concluíra não ser</p><p>possível conhecer as coisas como são em si mesmas.</p><p>Em outras palavras, as realidades metafísicas (por</p><p>exemplo, a existência de Deus, a imortalidade da</p><p>alma, a liberdade humana) não são cognoscíveis.</p><p>Em outra obra, Crítica da razão prática, Kant</p><p>analisou o mundo ético e recuperou – então como</p><p>postulados – aqueles conceitos que rejeitara, ou seja,</p><p>como pressupostos que permitem explicar a lei moral</p><p>e seu exercício. Dizendo de outra maneira, enquanto</p><p>a razão pura se ocupa apenas das ideias, a razão</p><p>prática volta-se para a ação moral, que decorre da</p><p>capacidade humana de agir mediante ato de vontade</p><p>e autodeterminação. Assim Kant se justi icou: “Tive</p><p>de suprimir o saber para encontrar lugar para a fé”.</p><p>O conceito de fé tem diversos sentidos e geral-</p><p>mente prevalece o de crença religiosa. No entanto,</p><p>para Kant trata-se de fé filosófica, baseada na con-</p><p>vicção subjetiva, que, embora não forneça garantia</p><p>teórica, dá suporte à vida moral.</p><p>Para saber mais</p><p>Formalismo moral</p><p>Entre os seres vivos, apenas o ser humano é</p><p>capaz de vida moral, porque seus atos resultam do</p><p>exercício de sua vontade e são avaliados por ele</p><p>mesmo como “bons” ou “maus”. O que caracteriza</p><p>uma “vontade boa” é que ela aparece como um</p><p>mandamento, um imperativo.</p><p>Para agir racionalmente, o ser humano precisa</p><p>de princípios, que são dados pela “consciência mo-</p><p>ral”. Analisando esses princípios, Kant recorreu ao</p><p>conceito de imperativo. Na linguagem comum, um</p><p>imperativo pode ser entendido como um mandamen-</p><p>to, uma ordem qualquer: “Faça!”, “Retire-se!”. Ou,</p><p>então, como algo que se impõe, um dever: “Respeitar</p><p>as pessoas é um imperativo para mim”.</p><p>Para Kant, o conceito de imperativo significa um</p><p>enunciado que declara o que deve ser e o especifica</p><p>sob dois aspectos:</p><p> Imperativo hipotético. Ordena uma ação como</p><p>meio de alcan ar ua uer outra coisa ue se</p><p>queira, ou seja, a ação é boa porque possibilita</p><p>alcançar outra coisa al m dela. Trata-se de agir</p><p>tendo em vista benefícios como sentir prazer,</p><p>adquirir coisas, alcançar a felicidade, ter sucesso</p><p>etc. Por exemplo: “Se a bom, se uiser ser amado”;</p><p>“Não roube, se não quiser ir para a prisão”; “Não</p><p>minta, para não perder a credibilidade”.</p><p> Imperativo categórico. Visa a uma ação necessária</p><p>por si mesma, ou seja, a ação é boa em si, e não</p><p>por ter como objetivo outra coisa. Portanto, é</p><p>assim chamado por ser incondicionado, absoluto,</p><p>voltado para a realização da ação tendo em vista</p><p>o dever. Por exemplo: “Seja bom!”; “Não roube!”;</p><p>“Não minta!”.</p><p>Para Kant, a vontade humana é verdadeiramente</p><p>mora apenas quan o regi a por imperativos cate-</p><p>góricos. Vamos exemplificar retomando a norma</p><p>moral “Não roube!”. Para Kant, ela se enraíza na</p><p>própria natureza da razão. Se aceitarmos o roubo</p><p>e se elevarmos essa máxima pessoal ao nível uni</p><p>versal, haverá uma contradição, porque, se todos</p><p>podem roubar, não há como manter a posse do que</p><p>foi furtado.</p><p>Em outras palavras, as concepções éticas que</p><p>norteiam a ação moral não se baseiam em con-</p><p>dicionantes – imperativos hipotéticos –, como</p><p>alcançar o céu, ser feliz ou evitar a dor, a prisão, ou</p><p>em qualquer interesse. Pelo imperativo categórico,</p><p>o agir moralmente se funda com exclusividade na</p><p>razão. Não se trata, contudo, de descoberta sub-</p><p>jetiva, porque visa à universalidade. Nas palavras</p><p>de Kant:</p><p>Age apenas segundo uma máxima tal que</p><p>ossas ao mesmo tem o uerer ue ela se torne</p><p>lei universal.</p><p>KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica</p><p>dos costumes. São Paulo: Abril Cultural, 1980.</p><p>p. 129. (Coleção Os Pensadores)</p><p>Desse modo, os valores morais não estão “fora</p><p>de nós”, porque somos portadores de uma vontade</p><p>livre e cabe a cada um reconhecer seu dever. Nesse</p><p>aspecto, apesar de pessoalmente ter convicções</p><p>religiosas, Kant rejeita as instâncias externas dos</p><p>mandamentos religiosos, das leis ou das convenções</p><p>sociais ao afirmar nossa autonomia.</p><p>214</p><p>R</p><p>e</p><p>p</p><p>ro</p><p>d</p><p>u</p><p>ç</p><p>ã</p><p>o</p><p>p</p><p>ro</p><p>ib</p><p>id</p><p>a</p><p>.</p><p>A</p><p>rt</p><p>.</p><p>1</p><p>8</p><p>4</p><p>d</p><p>o</p><p>C</p><p>ó</p><p>d</p><p>ig</p><p>o</p><p>P</p><p>e</p><p>n</p><p>a</p><p>l</p><p>e</p><p>L</p><p>e</p><p>i</p><p>9</p><p>.6</p><p>1</p><p>0</p><p>d</p><p>e</p><p>1</p><p>9</p><p>d</p><p>e</p><p>f</p><p>e</p><p>v</p><p>e</p><p>re</p><p>ir</p><p>o</p><p>d</p><p>e</p><p>1</p><p>9</p><p>9</p><p>8</p><p>.</p><p>Autonomia e dignidade</p><p>Todo imperativo impõe-se como dever, mas essa</p><p>exigência não é heterônoma – exterior e cega –, e</p><p>sim livremente assumida pelo sujeito que se auto-</p><p>determina. A ideia de autonomia e de universalidade</p><p>da lei moral leva a outro conceito: o da dignidade</p><p>humana e, portanto, do ser humano como fim, e não</p><p>como meio para o que quer que seja.</p><p>Kant distingue as coisas que têm preço das que</p><p>têm dignidade. As que têm preço podem ser trocadas</p><p>por um valor equivalente, mas as que têm dignidade</p><p>valem por si mesmas e estão acima de qualquer pre-</p><p>ço. Portanto, apenas os seres humanos – e qualquer</p><p>um deles – têm dignidade.</p><p>Assim diz Kant:</p><p>Age de tal maneira que uses a humanidade,</p><p>tanto na tua pessoa como na pessoa de qualquer</p><p>outro, sempre e simultaneamente como fim e nun-</p><p>ca simplesmente como meio.</p><p>Idem, ibidem. p. 135.</p><p>Ao acentuar o caráter pessoal da liberdade, Kant</p><p>elaborou as categorias da moral iluminista racional</p><p>e laica. No entanto, sua teoria sofreu críticas devido</p><p>ao formalismo, por ser fundada na razão universal</p><p>e abstrata. Para superar essa limitação, a partir do</p><p>final do século XIX e ao longo do século XX, os</p><p>filósofos orientaram-se no sentido de descobrir o</p><p>sujeito concreto da ação moral. É o que veremos</p><p>na sequência.</p><p>7 Utilitarismo ético</p><p>No século XIX, o florescimento do capitalismo</p><p>industrial e o avanço da tecnologia prometiam a era</p><p>do conforto e do bem-estar. As discrepâncias entre</p><p>riqueza e pobreza, entretanto, estavam longe de</p><p>ser superadas. Esses fatores explicam as discussões</p><p>a respeito de reforma social, entre os liberais, e de</p><p>revolução, entre os socialistas.</p><p>No contexto das teorias liberais, desenvolveu-se</p><p>o utilitarismo, com a intenção de estender aqueles</p><p>benefícios a todas as pessoas. Seus principais re-</p><p>presentantes foram Jeremy Bentham (1748-1832)</p><p>e John Stuart Mill (1806-1873).</p><p>Para os utilitaristas, a verdade de ende dos</p><p>resultados práticos alcançados pela ação, o que</p><p>não significa reduzir grosseiramente a verdade à</p><p>utilidade. Uma proposição é verdadeira quando</p><p>“funciona”, isto é, permite que nos orientemos</p><p>na realidade, levando-nos de uma experiência</p><p>a outra.</p><p>Atento ao sofrimento das massas oprimidas,</p><p>Stuart Mill defendeu a coparticipação de operários</p><p>na indústria, bem como a representação propor-</p><p>cional na política, a fim de permitir a expressão</p><p>de opiniões minoritárias. Acirrado defensor da</p><p>absoluta liberdade de expressão, do pluralismo e</p><p>da diversidade, valorizou o debate de teorias con-</p><p>flitantes. Sob a influência de sua mulher, Harriet</p><p>Taylor, feminista e socialista, participou da fundação</p><p>da primeira sociedade defensora do direito de voto</p><p>para as mulheres.</p><p>Do ponto de vista moral, o utilitarismo repre-</p><p>senta uma forma atualizada do hedonismo grego.</p><p>Ao destacar a busca do prazer e tomar o “princí-</p><p>pio de utilidade” como critério para avaliar o ato</p><p>moral, conclui-se que o bem é o que possibilita</p><p>a felicidade e reduz a dor e o sofrimento. No en-</p><p>tanto, esse bem deve beneficiar o maior número</p><p>de pessoas.</p><p>Muitos trabalhadores são aliciados com promessas</p><p>de bom emprego, boa remuneração e breve retorno</p><p>econômico. Levados para países, municípios ou estados</p><p>distantes, são endividados propositadamente, de modo</p><p>que ficam vinculados ao empregador, o qual detém</p><p>seus documentos. Vivendo</p><p>em condições precárias,</p><p>sofrem todo tipo de intimidação; transferidos de um</p><p>lugar a outro constantemente, acabam perdendo a</p><p>noção de onde se encontram. Analise a situação de</p><p>trabalho escravo recorrendo a argumentos kantianos.</p><p>Para refletir</p><p>Após denúncias da Polícia Federal, o Ministério Público</p><p>do Trabalho de Campinas investiga oficina de tecelagem</p><p>em Americana (SP) por exploração de mão de obra</p><p>boliviana, 2013.</p><p>A</p><p>P</p><p>U</p><p>G</p><p>O</p><p>M</p><p>E</p><p>S</p><p>/F</p><p>O</p><p>R</p><p>E</p><p>S</p><p>S</p><p>215</p><p>https___p.calameoassets.com_170426190453-c13586168ebecda9f037e32fd65ad49c_p216</p><p>https___p.calameoassets.com_170426190453-c13586168ebecda9f037e32fd65ad49c_p217</p>