Buscar

ESTUDOS SOBRE KANT - ETICA E EPISTEMOLOGIA

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 299 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 299 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 299 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

ESTUDOS SOBRE KANT 
ÉTICA E EPISTEMOLOGIA 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
RENAN PIRES MAIA 
PABLO GIORGIO COSTA DE SOUSA LIMA 
 
 
 
ESTUDOS SOBRE 
KANT 
ÉTICA E EPISTEMOLOGIA 
 
1ª edição 
 
 
Coleção Ars Philosophica 
 
 
Faculdade Santíssima Trindade 
Nazaré da Mata - PE 
2021 
Revisão 
Sérgio Luís Persch 
Conselho editorial 
Maria do Carmo Pereira Vale Leite 
Izaura Pessoa de Moura 
Carlos Bezerra de Lima 
Severino Silvestre da Silva 
 
FACULDADE SANTÍSSIMA TRINDADE 
Rua Prof. Américo Brandão, 46, Centro 
Nazaré da Mata, Pernambuco 
Tel: +55 81 3633 1213 
 
Catalogação na fonte 
Edjane Maria Leite Pereira Borba – CRB-4/2187 
Biblioteca Francisco Pereira Nóbrega - FAST 
 
M217e Maia, Renan Pires. 
 Estudos sobre Kant: ética e epistemologia. / Renan Pires Maia e Pablo Giorgio Costa de Sousa 
Lima. / Nazaré da Mata, PE: Faculdade Santíssima Trindade, 2021. 
 296 p. — (Coleção Ars Philosophica; 1) 
 
 
Inclui bibliografia. 
ISBN 978-65-994034-0-8 
 
 
1. Filosofia moderna. 2. Ética. 3. Fé e razão. 4. Categorias (Filosofia). 5. Kant, 
Immanuel, 1724-1804. I. Lima, Pablo Giorgio Costa de Sousa. II. Título. 
 
 
 CDD 190 (23. ed.) 
 
SUMÁRIO 
 
SOBRE A COLEÇÃO E A PRESENTE EDIÇÃO .................... 8 
SOBRE OS AUTORES .............................................................. 7 
PREFÁCIO ................................................................................. 8 
 
RENAN PIRES MAIA 
A MORAL ABSOLUTA E UNIVERSAL EM KANT E 
KOHLBERG ........................................................................... 11 
RESUMO .................................................................................. 11 
1. INTRODUÇÃO .................................................................... 13 
2. KANT E KOHLBERG: MORAL ABSOLUTA E 
UNIVERSALISTA E DESENVOLVIMENTO MORAL ....... 23 
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................... 56 
4. REFERÊNCIAS .................................................................... 58 
 
O RECURSO À FÉ COMO SOLUÇÃO PARA O 
PROBLEMA DOS LIMITES DA RAZÃO E POSSÍVEIS 
INFLUÊNCIAS PIETISTAS NOS PENSAMENTOS DE 
KANT E JACOBI ................................................................... 62 
RESUMO .................................................................................. 62 
1. INTRODUÇÃO .................................................................... 63 
2. RAZÃO E FÉ EM KANT .................................................... 74 
3. RAZÃO E FÉ EM JACOBI .................................................. 99 
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................. 114 
6. REFERÊNCIAS .................................................................. 117 
 
PABLO GIORGIO COSTA DE SOUSA LIMA 
A DEDUÇÃO METAFÍSICA DAS CATEGORIAS E A 
RELAÇÃO ENTRE O CONHECIMENTO DISCURSIVO 
E O CONHECIMENTO PRÉ-DISCURSIVO NA CRÍTICA 
DA RAZÃO PURA ............................................................... 121 
RESUMO ................................................................................ 121 
1. INTRODUÇÃO .................................................................. 123 
2. A LÓGICA GERAL COMO PONTO DE PARTIDA PARA 
A LÓGICA TRANSCENDENTAL ....................................... 133 
2.1 A IDEIA DE SISTEMA E A TESE DA 
DISCURSIVIDADE ............................................................... 142 
2.2. FUNÇÃO DO ENTENDIMENTO .................................. 155 
2.3. O JUÍZO E O ATO DE JULGAR ................................... 163 
2.4. O CONCEITO DE SÍNTESE ......................................... 176 
3. A DEDUÇÃO TRANSCENDENTAL COMO PONTO DE 
PARTIDA PARA A DEDUÇÃO METAFÍSICA .................. 188 
3.1. A SÍNTESE E A IMAGINAÇÃO ................................... 188 
3.2. A SÍNTESE E A AUTOCONSCIÊNCIA ....................... 207 
3.3. A SÍNTESE NA DEDUÇÃO TRANSCENDENTAL A E B
 ................................................................................................ 221 
3.4. CONCLUSÃO DA DEDUÇÃO TRANSCENDENTAL 233 
4. A DEDUÇÃO METAFÍSICA DAS CATEGORIAS ......... 244 
4.1. OS CONCEITOS PUROS DO ENTENDIMENTO ........ 244 
4.2. A CONCORDÂNCIA ENTRE AS TÁBUAS ................ 257 
4.3. A DEDUÇÃO METAFÍSICA E A DEDUÇÃO OBJETIVA 
DAS CATEGORIAS .............................................................. 267 
5. CONCLUSÃO .................................................................... 274 
6. REFERÊNCIAS .................................................................. 285 
ÍNDICE REMISSIVO ............................................................ 293 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
SOBRE A COLEÇÃO E A PRESENTE EDIÇÃO 
O livro que o caro leitor presentemente tem em mãos é a 
primeira edição da obra inaugural da coleção Ars Philosophica, 
da editora da Faculdade Santíssima Trindade, também vinculado 
aos trabalhos realizados pelo Grupo de Pesquisas em 
Humanidades da mesma instituição. A coleção foi idealizada 
como um canal de lançamento de obras diversas nos campos da 
Filosofia, da Teologia e da Literatura, e já possui diferentes 
escritos a serem publicados ao longo do ano de 2021 e nos anos 
seguintes. 
 
 
 
7 
 
 
SOBRE OS AUTORES 
Renan Maia é graduado em Psicologia e mestre em 
Filosofia pela Universidade Federal da Paraíba, tendo ingressado, 
em 2017, como aluno do doutorado de Filosofia pela mesma 
instituição. Atualmente é docente da Faculdade Santíssima 
Trindade, lecionando disciplinas de Filosofia, Ética e 
humanidades em geral, Psicologia e Metodologia Científica. Na 
mesma instituição coordena também o Núcleo de Pesquisa e 
Extensão (NUPE) e o Laboratório de Inovações Educacionais e 
Apoio Neuropsicopedagógico (LINEDANP). Possui dezenas de 
trabalhos em áreas diversas, como filosofia, psicologia, saúde, 
religião, política e outras. 
Pablo Giorgio Costa de Sousa Lima é graduado em 
Direito pelo Centro Universitário de João Pessoa (UNIPÊ) e 
possui mestrado em Filosofia pela Universidade Federal de Juiz 
de Fora (UFJF), com ênfase em filosofia kantiana. Dedica-se a 
estudos de filosofia desde a graduação e sua trajetória até aqui é 
marcada pelo foco de pesquisas no campo da epistemologia 
kantiana e do idealismo alemão. 
 
 
 
 
8 
 
 
PREFÁCIO 
Não é difícil afirmar que o maior marco para a metafísica, 
teoria do conhecimento, ética e estética da Idade Moderna foi o 
pensamento de Kant. Marco porque todos os filósofos posteriores 
adotaram como ponto de partida seu pensamento, salvas poucas 
exceções. Bastaria pensarmos no idealismo alemão, na 
fenomenologia e na filosofia analítica como exemplos. Poucos 
são os problemas na filosofia que encontram uma resolução 
duradoura ou definitiva - e por definição insistentemente 
reaparecem ao longo da história. Com efeito, Kant se propõe a 
resolver muitas das querelas filosóficas de seu tempo, lançando 
luz a várias sortes de pensamentos que viriam nos anos seguintes, 
até nossos dias. 
A filosofia crítica pode ser entendida como uma espécie 
de urgente conclusão daquilo que já era preparado desde 
sobretudo o século XVII, no sentido de estabelecer seus próprios 
limites, purgando-se de opiniões não fundadas na razão: sempre 
na intenção de fazer da filosofia uma disciplina que voltasse a 
ganhar seu espaço merecido, trilhando no caminho seguro da 
 
9 
 
ciência. Desta forma, não restanto à velha ontologia a 
possibilidade de se explicar senão de maneira mais ou menos 
volitiva ou dogmática, Kant desempenha uma viravolta 
metafísica que, antes de afirmar o que o mundo é, trata de como 
se dá o percurso do conhecimento na mente humana, desde a 
estrutura mental que torna possível este conhecer. Dizia Heleno 
Cesarino em sua preleção sobre Kant: “entre mim e o objetohá o 
entendimento”. É nessa tônica que o pensamento kantiano se 
desenvolve. 
A presente obra não tem a intenção de explicar 
panoramicamente o pensamento kantiano, ou de explicitar um 
único ponto específico, mas traz estudos autônomos que partem 
de Kant, ampliando a pesquisa sobre o autor, de modo 
academicamente engajado. A proposta dos autores é conduzir o 
leitor através de um caminho suave ao entendimento de vários 
aspectos do pensamento de Kant, que por muitos é considerado 
um filósofo de difícil leitura. Enfrentam este desafio sem perder, 
porém, a matéria em questão, e através de acuradas análises 
podemos penetrar em linhas importantes do autor. 
 
10 
 
Convido todos a apreciação dos estudos aqui presentes; e 
desejo que estes contribuam para o enriquecimento filosófico e 
cultural do leitor, assim como contribuíram com o meu. 
 
Prof. Carlos Bezerra de Lima Júnior 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
11 
 
A MORAL ABSOLUTA E UNIVERSAL EM KANT E 
KOHLBERG1 
ABSOLUTE AND UNIVERSAL MORAL IN KANT AND 
KOHLBERG 
Renan Pires Maia 
 
RESUMO 
O objetivo do presente escrito é o de explorar, a partir de uma 
metodologia bibliográfica, os pontos de aproximação e de 
distanciamento entre as éticas de Kant e de Kohlberg. A transição 
do medievo para a modernidade é marcada pela emergência do 
sujeito como critério absoluto para a definição do que é 
verdadeiro, justo e bom. A moralidade, outrora fundada em Deus 
e em elementos objetivos, passa agora a ser fundamentada no 
sujeito, o que levanta o problema de como evitar um relativismo 
moral. Eis o problema que Kant visa solucionar em suas obras 
éticas. O imperativo categórico kantiano coloca-se, assim, como 
um princípio moral que, embora fundado no sujeito, é também 
objetivo, no sentido de colocar-se como válido para todos os 
 
1 O trabalho que ora se apresenta ao caro leitor é o trabalho de conclusão de 
curso da graduação em Psicologia do Prof. Renan Maia. Tal trabalho foi 
orientado pelo Prof. Dr. Júlio Rique Neto, professor de Ética e Psicologia do 
Desenvolvimento da graduação em Psicologia da Universidade Federal da 
Paraíba, e foi defendido no ano de 2015. Como nunca foi publicado, foi 
levemente adaptado em seu formato para atender ao padrão do presente livro. 
 
12 
 
sujeitos em todos os contextos. Pode-se dizer que o universalismo 
ético é a marca principal da moral kantiana. As mesmas 
características podem ser mapeadas no pensamento de Kohlberg 
que, em seus estudos, dedica-se a entender como o ser humano 
ascende até a moralidade universalista, tal como a esboçada por 
Kant. Nesse sentido, há vários pontos de convergência entre Kant 
e Kohlberg, o que não impede que este aprofunde aquele no 
tocante à noção de desenvolvimento moral, ou que ambos 
mantenham divergências, como no ponto da relação entre a moral 
e a lei positiva. 
 
Palavras-chave: Kant; Kohlberg; Moral; Ética; Universalismo 
 
ABSTRACT 
 
The aim of this paper is to explore, from a bibliographic 
methodology, the points of approximation and distance between 
the ethics of Kant and Kohlberg. The transition from medieval 
period to modernity is marked by the emergence of the subject as 
an absolute criterion for the definition of what is true, just and 
good. Morality, once founded on God and on objective elements, 
is now based on the subject, which makes raise the problem of 
how to avoid moral relativism. This is the problem that Kant 
seeks to solve in his ethical works. The Kantian categorical 
imperative, thus, puts itself as a moral principle which, although 
founded on the subject, is also objective, in the sense of placing 
itself as valid for all subjects in all contexts. It can be said that 
ethical universalism is the main mark of Kantian morality. The 
same characteristics can be mapped in Kohlberg's thought, which, 
in his studies, dedicate himself to understand how the human 
being ascends to universalistic morality, such as that outlined by 
Kant. In this sense, there are several points of convergence 
 
13 
 
between Kant and Kohlberg, which does not prevent Kohlberg 
from deepening Kant with respect to the notion of moral 
development, or that both maintain differences, as in the point of 
the relation between morality and positive law. 
 
Keywords: Kant; Kohlberg; Moral; Ethics; Universalism 
 
1. INTRODUÇÃO 
Um dos principais problemas filosóficos que ocorrem na 
história do pensamento ocidental, na transição do medievo à 
modernidade é, sem dúvidas, a emergência do sujeito, cujo 
paradigma maior se encontra, sem dúvidas, no cogito cartesiano, 
mas que não deixa de se fazer sentir também em outras correntes 
filosóficas modernas. A emergência do sujeito se configura com 
um problema na medida em que, sendo o mesmo agora o critério 
de investigação do que é válido nos campos do conhecimento e 
da ética, a fundamentação de uma Verdade e de uma moral 
objetivas e que transcenda o sujeito – não obstante dele parta –, 
aplicando-se a todos os sujeitos indistintamente, precisa ser 
encontrado, posto que o subjetivismo relativista gnosiológico e 
ético parece ser uma consequência natural da centralidade da 
filosofia no sujeito moderno. 
 
14 
 
Tal problema parece haver sido percebido por Immanuel 
Kant: Ora, se tudo o que é relativo, no plano da razão teórica e 
prática, o é, respectivamente, ao sujeito que conhece e age, é 
preciso abstrair, tanto no plano do conhecimento quanto da 
conduta, aquilo que há de variável no sujeito até chegar aos 
princípios formais incondicionados do conhecimento e da moral: 
No plano do conhecimento, é preciso abstrair a matéria dos 
fenômenos até chegar às suas formas puras, tanto no nível da 
intuição sensível quanto do entendimento. Como afirma Leite 
(2011, p. 41), “a matéria do conhecimento é variável de um objeto 
a outro, visto depender dele, do objeto. Por sua vez, a forma, 
sendo imposta ao objeto pelo sujeito, será reencontrada, 
invariavelmente, em todos os objetos, por todos os sujeitos.” No 
plano prático, é preciso abstrair as inclinações subjetivas que 
levam o sujeito a agir (matéria da ação), determinando sua 
vontade2, até chegar a um princípio formal incondicionado, que 
possui sua origem na razão, e que legisla sobre a conduta, isto é, 
 
2 Segundo Leite (2011, p. 77), Kant afirma que a vontade (Wille) é a faculdade 
de desejar, cujo fundamento interno de determinação se encontra na razão do 
sujeito. "Dessa forma, a vontade é a faculdade de desejar, considerada não em 
relação à ação - como o arbítrio (Willkür) -, mas em relação ao fundamento de 
determinação do arbítrio à ação" (idem). 
 
 
15 
 
uma lei3, dada a priori pela razão, a qual o sujeito observa por 
simples dever - definido como "a necessidade de uma ação por 
respeito à lei" (KANT, 2007 p. 31) -, desconsiderando qualquer 
interesse particular, ou, ainda, mesmo em prejuízo de seus 
interesses e inclinações. Como afirmado na Fundamentação da 
Metafísica dos Costumes: 
 
Uma ação praticada por dever tem o seu valor 
moral, não no propósito que com ela se quer 
atingir, mas na máxima que a determina; não 
depende portanto da realidade do objeto da 
ação, mas somente do princípio do querer 
segundo o qual a ação, abstraindo de todos os 
objetos da faculdade de desejar, foi praticada 
(KANT, ibidem, p. 30). 
 
Pascal, ao tratar da determinação da vontade na visão 
kantiana, afirma que 
 
uma vontade perfeita determinar-se-ia 
sempre pela razão, conformando-se de 
imediato às leis racionais. Mas, no homem, a 
vontade não é perfeita: está sujeita, não só à 
razão, como também a condições subjetivas, 
isto é, à influência das inclinações da 
 
3 Kant distingue lei de máxima: "Máxima é o princípio subjetivodo querer; o 
objetivo (isto é o que serviria também subjetivamente de princípio prático a 
todos os seres racionais, se a razão fosse inteiramente senhora da faculdade de 
desejar) é a lei prática" (KANT, 2007, p. 31). 
 
16 
 
sensibilidade (PASCAL, 2011, p. 127). 
 
Nesse sentido, as leis da razão tomam sempre a forma de 
imperativos - ou de deveres - que constrangem a vontade 
subjetiva, de modo que, de outra forma, a vontade não obedeceria 
à razão e o sujeito agiria sempre segundo uma determinação 
egocêntrica, isto é, segundo suas inclinações sensíveis. 
Kant distingue, então, dois tipos de imperativos: os 
imperativos hipotéticos e os imperativos categóricos. Os 
imperativos hipotéticos são aqueles que "nos apresentam uma 
ação como necessária para alcançar um certo fim" (PASCAL, 
ibidem, p. 127), e se dividem em imperativos de destreza (ou, em 
algumas traduções, de habilidade), e os de prudência (Klugheit), 
sendo os primeiros os imperativos que indicam como uma 
finalidade pode ser atingida no intuito de solucionar problemas 
práticos inerentes às ciências (KANT, op. cit., p. 51) e o de 
prudência “o imperativo que se relaciona com a escolha dos 
meios para alcançar a própria felicidade” (KANT, ibidem, p. 52). 
Os imperativos hipotéticos estão, pois, sempre relacionados com 
algum interesse ou inclinação, de tal modo que são estes que 
determinam a ação. Um imperativo categórico é, segundo Kant, 
 
 
17 
 
um imperativo que, sem se basear como 
condição em qualquer outra intenção a atingir 
por um certo comportamento, ordena 
imediatamente este comportamento. Tal 
imperativo é categórico. Não se relaciona 
com a matéria da ação e com o que dela deve 
resultar, mas com a forma e o princípio de 
que ela mesma deriva; e o essencialmente 
bom na ação reside na disposição 
[Gesinnung], seja qual for o resultado. Este 
imperativo pode-se chamar o imperativo da 
moralidade (KANT, 2007, p. 52). 
 
A moralidade é, pois, na visão kantiana, um imperativo 
fornecido pela razão e que não possui um fim alheio a si mesmo, 
tampouco causa fora da razão. Em outras palavras, a atitude moral 
é aquela que ocorre pelo simples respeito à lei moral racional, isto 
é, por dever, sem visar fins empíricos, mesmo a própria 
felicidade, como no caso dos imperativos da prudência. Na 
medida em que visa outros fins, a ação não é senão relacionada a 
um imperativo hipotético, não sendo, por conseguinte, moral. 
Urdanoz (1991, p. 82) aponta que a lei moral se apresenta como 
um imperativo categórico devido ao fato de a forma das leis 
morais ser a de uma obrigação absoluta, em que a vontade é 
determinada à ação com independência das condições empíricas 
ou dos móveis materiais do agir, redutíveis ao prazer subjetivo e 
 
18 
 
egoísta. 
No tocante à razão que fornece estas leis absolutas, 
Dudley (2013, p. 29) afirma que, nas obras Fundamento da 
metafísica dos costumes, na Crítica da razão prática e na 
Metafísica dos costumes Kant tenta estabelecer que ela não é 
meramente um instrumento para encontrar as melhores maneiras 
de satisfazer nossos desejos, mas é capaz de estabelecer objetivos 
motivando-nos a persegui-los. O mesmo autor afirma ainda que 
Kant 
 
também oferece critérios a partir dos quais 
ele afirma que nós podemos distinguir entre 
aquelas intenções e motivações que são 
moralmente permissíveis e aquelas que não o 
são. Ele então utiliza estes critérios para 
especificar nossos direitos e deveres (idem). 
 
Assim, a moral se fundamenta completamente no conceito 
de homem e, uma vez que ele próprio possui em si a lei moral, 
fornecida pela razão, a qual não tem qualquer fim alheio a ela 
própria, podemos dizer que o conceito de moral está estreitamente 
vinculado ao conceito de liberdade (Freiheit), sendo a atitude 
moral aquela que se dá independentemente de fatores empíricos, 
isto é, independentemente da causalidade natural (Kausalität). De 
 
19 
 
acordo com Leite (op. cit., p. 78), a liberdade é definida 
negativamente, como a independência do arbítrio em relação aos 
impulsos sensíveis; e positivamente, como a faculdade de a razão 
pura ser por si mesma prática. Portanto, a atitude moral é aquela 
que é tomada com liberdade, sem ser determinada por fatores 
externos, ou visando benefícios, presentes ou futuros, o que, na 
visão kantiana, constituiria a heteronomia. 
A autonomia é, segundo Urdanoz (op. cit., p. 87), o 
princípio único e supremo da moralidade, já que a vontade se 
determina pelo imperativo categórico que não manda nada além 
que a própria autonomia. A moral autônoma postulada por Kant, 
segundo autor, "equivale à reiterada afirmação da própria lei 
formal da razão como único determinante do querer, e a exclusão 
de todos os outros motivos materiais do agir, alheios à vontade, 
como morais" (idem). A autonomia, portanto, está estreitamente 
relacionada à Freiheit e à independência do homem em relação à 
Naturkausalität ou ao determinismo. 
A defesa kantiana da liberdade e da responsabilidade que 
o homem tem sobre suas próprias ações é um dos pontos centrais 
em sua explicação da moralidade justamente porque são nessas 
bases que se fundamentam nossas concepções de bem, de mal, de 
justo ou injusto. Dudley (2013, p. 55-56) exemplifica essa 
 
20 
 
fundamentação apresentando duas situações equivalentes, porém 
com sujeitos diferentes: uma primeira na qual duas aranhas estão 
copulando e, tendo o macho fecundado a fêmea, esta percebe que 
seu companheiro não tem mais qualquer utilidade para ela, o que 
a leva a matá-lo e a devorá-lo; e uma segunda na qual ocorre o 
mesmo fato, sendo que entre dois seres humanos. Segundo o 
autor, não podemos julgar o segundo caso - envolvendo seres 
humanos - mais reprovável do que o primeiro se não rejeitarmos 
o determinismo e postularmos o homem como ser livre e 
responsável pelos seus atos, capaz de agir segundo um princípio 
- ou um imperativo - puramente racional. Como aponta Urdanoz 
(op. cit., p. 76), "o homem se liberta, em virtude da lei moral, do 
determinismo causal, ao qual estava sujeito como natureza 
sensível, e se considera positivamente livre". 
Desse modo, Kant põe na própria razão do homem o 
fundamento de uma moral objetivamente válida e a superação do 
determinismo, se distanciando dos moralistas britânicos, que 
fundamentavam a moral nos instintos do homem ou mesmo de 
pensadores como Spinoza, que fundamentava sua ética nos afetos 
e na utilidade, conforme nota-se na sua Ética (SPINOZA, 2008). 
Uma ação realizada por dever e em respeito à lei moral, segundo 
Kant, não raro vai de encontro com os interesses e com os 
 
21 
 
instintos do sujeito que age. Podemos encontrar, a respeito disso, 
várias ilustrações históricas interessantes de mártires que, em 
diferentes ocasiões, se sacrificaram, fisicamente, tendo em vista 
um ideal de bem e de justiça, entre eles e, como exemplo maior, 
o próprio Jesus Cristo, que na obra A Religião nos limites da 
simples razão é posto como a personificação do princípio bom no 
homem, isto é, como o “arquétipo da intenção moral na sua total 
pureza" (KANT, 2008, p. 69), arquétipo este que, não obstante 
residente na própria razão humana, não é criado pelo homem, 
corrupto por natureza, mas que "desceu do céu a nós" e "tomou a 
humanidade" (KANT, ibidem, p. 70). Tal arquétipo de perfeição 
moral é aquele que, pensando na humanidade, tomada 
universalmente, age por dever mesmo em prejuízo de si mesmo, 
enquanto considerado sob aspectos físicos e sensíveis. 
Este fundamento cristão da moralidade que podemos 
mapear em Kant, já antecipa em grande medida o viés de seu 
universalismo ético: A ação moral é, para Kant, aquela que, não 
ocorrendo determinada por fatores subjetivos – embora seja 
determinada por uma lei da razão existente no sujeito – aspira 
sempre ao universal, nunca ao particular. Tal moral aspira, 
igualmente, a um caráterabsoluto, não susceptível à variações 
culturais. O mesmo viés pode ser encontrado em Lawrence 
 
22 
 
Kohlberg, séculos depois, que em seu esquema de estágios do 
desenvolvimento moral postulará que o ser humano se 
desenvolve moralmente passando através de uma série de seis 
estágios, nos quais progressivamente abdica das ações egoístas e 
passa a agir segundo uma moral cada vez mais universalista e 
absoluta, sendo o último estágio equiparado pelo autor com o 
imperativo categórico kantiano. Este ponto de aproximação é, 
pois, o que visamos explorar no presente escrito, sendo tal o seu 
objetivo, ressaltando, em tal exploração, como Kohlberg 
aprofunda a ética kantiana, na medida em que a coloca em um 
esquema desenvolvimental mais claro do que aquele esboçado 
por Kant. Também visamos explorar possíveis pontos de 
distanciamento entre os dois autores, sobretudo no que toca a 
relação entre a moral e a lei positiva, a qual assume contornos 
diferentes em ambos. 
Para a realização do objetivo proposto foi feita uma 
pesquisa bibliográfica e uma análise dos principais conceitos 
envolvidos dentro do tema da moral, em cada autor, destacando 
os pontos de aproximação e distanciamento e explorando-os. Os 
aspectos abordados foram, sobretudo, os do universalismo moral, 
do caráter absoluto desta e de sua independência em relação a 
fatores empíricos. Outros dois aspectos foram os da noção de 
 
23 
 
desenvolvimento moral em ambos os autores e o da relação entre 
a moral e a lei positiva, conforme sobredito. Para tanto foram 
utilizados escritos tanto de Kant quanto de Kohlberg, além de 
escritos auxiliares de comentadores e especialistas nos temas em 
abordados. 
2. KANT E KOHLBERG: MORAL ABSOLUTA E 
UNIVERSALISTA E DESENVOLVIMENTO MORAL 
De acordo com aquilo que foi exposto na introdução do 
presente escrito, podemos considerar que Kant resolve aquele 
problema que havia se instaurado na filosofia prática desde o fim 
do medievo: o dos fundamentos subjetivos da moral universal e 
absoluta. O imperativo categórico - isto é, o imperativo da 
moralidade fornecido apenas pela razão - não obstante resida no 
próprio homem, assume uma forma absoluta, à qual o sujeito 
observa sempre com respeito e por dever na medida em que age 
moralmente, não visando a satisfação egocêntrica ou a própria 
felicidade. Dessa maneira, a moral prescinde de conceitos alheios 
ao próprio homem, enquanto tomado como ser livre, para ser 
explicado, mesmo aquele de Deus, não obstante a moralidade, na 
concepção kantiana, ainda mantenha uma estreita relação com a 
 
24 
 
divindade. 
Chegando ao conceito do Imperativo Categórico, Kant 
busca fornecer uma fórmula, fórmula esta "que contenha a 
proposição que só por si possa ser um imperativo categórico" 
(KANT, 2007, p. 58). Esta proposição, posto que se refere a um 
imperativo que não possui um fim alheio a si mesmo, e que 
desconsidera as inclinações subjetivas daquele que age, não 
expressa senão "a universalidade de uma lei em geral à qual a 
máxima da acção deve ser conforme" (KANT, ibidem, p. 59). 
Considerando isso, Kant estabelece a seguinte proposição como 
fórmula geral do imperativo categórico: "Age apenas segundo 
uma máxima tal que possas ao mesmo tempo querer que ela se 
torne lei universal" (KANT, ibidem, p. 59). Todos os imperativos 
da moral e do dever possuem como princípio esta proposição. 
Desta fórmula geral, Kant deriva ainda outras três: 
I - A primeira, relaciona-se com a ideia de natureza, e é 
definida nestes termos: "Age como se a máxima de tua ação se 
devesse tornar, pela tua vontade, em lei universal da natureza" 
(KANT, 2007, p. 59). Nas palavras de Pascal (op. cit., p. 129), 
"trata-se de saber se os seres que adotassem nossas máximas 
como regras universais constituiriam uma ordem viável". Mais 
adiante, o comentador cita como exemplos o caso do suicídio ou 
 
25 
 
o caso em que alguém faz uma promessa falsa para livrar-se de 
uma dificuldade, colocando-os como ações que não poderiam, 
sem contradição, erigir-se como leis universais da natureza. A 
ideia de uma natureza onde a conservação da vida cedesse lugar 
à sua destruição como lei, é por si mesma contraditória. No caso 
da promessa falsa, não poderíamos conceber um mundo onde o 
não-cumprimento de promessas fosse uma lei, de modo que a 
noção de promessa ficasse completamente destituída de sentido. 
II - Na segunda variante, temos o homem, enquanto ser 
racional, como fim em si mesmo. Nas palavras de Kant, "o 
homem, e, duma maneira geral, todo o ser racional, existe como 
fim em si, não só como meio para o uso arbitrário desta ou 
daquela vontade" (KANT, 2007, p. 68). O ser racional seria, pois, 
a única coisa que teria um valor absoluto em si mesmo, não para 
nós, tal como as demais coisas na natureza das quais dispomos 
para nossa satisfação própria. Esta variante assume, portanto, os 
seguintes termos: "Age de tal maneira que uses a humanidade, 
tanto na tua pessoa como na pessoa de qualquer outro, sempre e 
simultaneamente como fim e nunca simplesmente como meio" 
(KANT, 2007, p. 69). 
III - Na terceira variante, Kant põe o homem não como 
objeto da lei moral, mas como seu autor, de onde temos a noção 
 
26 
 
de autonomia. O homem impõe a si próprio a lei moral, e, por isso 
mesmo, age em liberdade, desvinculando-se da causalidade 
natural inerente ao mundo fenomênico e das inclinações 
sensíveis. Essa última variante é expressa nestas palavras: 
 
nunca praticar uma ação senão em acordo 
com uma máxima que se saiba poder ser uma 
lei universal, quer dizer só de tal maneira que 
a vontade pela sua máxima se possa 
considerar a si mesma ao mesmo tempo como 
legisladora universal" (KANT, ibidem, p. 
76). 
 
Temos, inequivocamente, nas duas últimas variantes, 
sobretudo na penúltima, a noção de dignidade humana. O ser 
racional, o único dotado de uma vontade e que pode determinar-
se a agir livremente, como autônomo, pode reconhecer em si 
mesmo e nos seus iguais um valor absoluto, que não pode ser 
diminuído, como acontece nos demais elementos da natureza. Tal 
dignidade humana é a pedra angular daquilo que chamamos de 
Direitos Humanos, e tal fundamento não é dado senão a priori, 
isto é, não pode ser derivado de conteúdos empíricos sem pormos 
em xeque seu caráter absoluto, mesmo se levarmos em conta 
entre tais conteúdos a própria formação da sociedade, o contrato 
 
27 
 
envolto nela e suas demandas. Nesse sentido, Kant postula a 
moral não só como algo “anterior” a tudo o que é empírico, mas, 
ademais, como algo absoluto e ao qual tudo o que é empírico deve 
conformar-se, na medida em que isso depende do sujeito que age. 
A universalidade e o caráter absoluto do imperativo 
categórico consistem precisamente no fato de que, uma vez posta 
a lei pela razão, nem mesmo o próprio sujeito pode incluir-se 
como exceção à regra. Se, por outro lado, o sujeito que age 
incluísse-se como exceção à lei e ao dever, na medida em que tal 
exceção fosse favorável para si, tratar-se-ia, ao invés de uma ação 
moral, de uma ação com vistas à felicidade ou a algum propósito 
egocêntrico, completamente alheio à lei moral, tal como vimos 
nos imperativos hipotéticos. 
Neste sentido, o Imperativo Categórico em nada privilegia 
presentemente, no mundo sensível, o sujeito que age. Do 
contrário, a ação deve ser realizada em conformidade com este 
imperativo, que assume a forma de um mandamento, ainda que o 
cumprimento deste dever seja desfavorável para o sujeito. Dudley 
(ibid., p. 29) afirma que Kant iguala viver moralmente com ser 
digno de felicidade, que ele salienta ser algo bem diferente, e 
muito imperfeitamente correlacionado, a realmente ser feliz - e os 
mártires são provas empíricas disso. Mas como saber se o sujeito 
 
28 
 
que age conforme o dever tem, de fato, sua vontade determinada 
pela razão, e não pelas inclinações subjetivaspelas quais ele 
busca a felicidade e evita o sofrimento? Um homem que deseja o 
objeto de outrem, por exemplo, pode agir conforme o dever 
apenas por medo de ser punido. Como, portanto, diferenciar? 
A solução kantiana está na divisão entre legalidade e 
moralidade. O agir conforme a lei moral nem sempre ocorre pelo 
zelo que se tem pelo imperativo da moralidade, podendo ser 
determinado por outro sentimento de qualquer espécie. A ação 
moral, por outro lado, é determinada por um sentimento de 
cumprimento do dever pelo simples dever, como afirmado na 
Crítica da razão prática: 
 
O essencial de todo valor moral das ações 
depende de que a lei moral determine 
imediatamente a vontade. Com efeito, se a 
determinação da vontade acontecer conforme 
à lei moral, mas somente através de um 
sentimento, seja ele de que espécie for e que 
tenha de ser pressuposto para que a lei moral 
se torne um fundamento determinante 
suficiente da vontade, por conseguinte não 
por causa da lei, nesse caso a ação em 
verdade conterá legalidade mas não 
moralidade (KANT, 2016, p. 114). 
 
 
29 
 
Nesse sentido, o agir por dever se diferencia do agir 
conforme o dever de acordo com a intencionalidade que 
determina a ação. É na justificativa interior do agir que reside a 
distinção entre a moralidade e a mera legalidade. A moral, como 
lei incondicionada, exige do indivíduo, além de uma adequação 
de conduta, a intenção de agir por amor a ela, sem lançar vistas 
em objetos alheios, sendo, por esta razão a priori e absoluta. A 
mera legalidade, por outro lado, nada tem senão a aparência 
externa de uma ação conforme o dever, sem necessariamente 
encontrar uma intenção subjetiva correspondente. 
O fato de Kant tratar da moral como algo não sujeito às 
mudanças sociais – posto que independente de tudo que é 
empírico –, mas, por outro lado, como algo atemporal e absoluto, 
torna aparentemente difícil sua conciliação com uma noção de 
desenvolvimento. Na psicologia nomes como os de Piaget 
elaboraram, baseados em diversos estudos empíricos, teorias que 
apontam para o fato de que a racionalidade e a ação moral 
universalista é algo que aparece com o tempo, de modo que a 
criança, na interação com outros egos, vai desenvolvendo 
progressivamente uma atitude de cooperação, abdicando cada vez 
mais da postura egocêntrica. Como poderia, então, a moral 
atemporal e absoluta defendida por Kant ser condicionada ao 
 
30 
 
desenvolvimento dos indivíduos? A própria noção de 
desenvolvimento não traz, implicitamente, a visão de uma moral 
condicionada? 
A verdade é que Kant não trata de maneira tão clara da 
questão do desenvolvimento moral individual, como o faz Piaget 
a partir de uma perspectiva psicológica. Contudo, podemos achar 
em diferentes escritos a noção de desenvolvimento moral numa 
perspectiva mais ampla, isto é, social, cultural e da humanidade 
enquanto espécie. O estudo de Kleingeld (2011) sobre o tema nos 
aponta que a noção de desenvolvimento moral, para Kant, não 
significa que a lei moral mude com o tempo ou com o progresso 
da história, como defenderia Hegel (ibidem, p. 110). Não é a 
razão, que é o fundamento da lei moral, que evolui, “mas antes as 
disposições para o uso da razão” (ibidem, p. 111). 
O ser humano, enquanto tal, possui disposições (Anlagen) 
naturais para o uso da razão e, consequentemente, para a ação 
moral, disposições estas que são sempre iguais, em todos os seres 
humanos de todos os povos de todas as épocas, mas que nem 
sempre se encontram desenvolvidas e cultivadas - o que nos 
parece evidente pelo próprio progresso que a humanidade 
alcançou no sentido de promover a paz, o respeito ao próximo e 
aos direitos fundamentais ao longo da história. Tais progressos 
 
31 
 
morais ao longo da história não seriam, contudo, uma evolução 
da razão prática ou da moral, e sim uma evolução cultural, fruto 
do aprendizado que é transmitido de geração a geração por meio 
da educação, de modo que temos, a cada nova geração, um maior 
desenvolvimento das potencialidades humanas que melhor 
possibilitam chegar à uma moral plenamente desenvolvida. 
A lei moral seria, destarte, sempre a mesma, 
incondicionada e atemporal. O que é condicionado e temporal é 
o grau de desenvolvimento das disposições para o uso da 
racionalidade, as quais, se plenamente desenvolvidas, chegam 
invariavelmente à lei moral, de caráter absoluto e universal, que 
na filosofia kantiana é o Imperativo Categórico. 
De fato, Kant chega a estabelecer algumas condições 
fundamentais para que as disposições para a ação moral e para o 
uso da razão sejam desenvolvidas, que são a paz e a educação 
moral. Kleingeld (ibidem, p. 108) afirma que na visão kantiana o 
homem possui uma característica psicológica peculiar, que ele 
chama de “insociável sociabilidade”, que é uma inclinação mista 
à interação social e ao isolamento e conflito. Segundo a autora: 
 
O antagonismo social que dela resulta conduz 
a consequências que são tão danosas que as 
 
32 
 
pessoas sairão do estado de natureza4 por 
razões egoístas, e criarão um estado que 
regulará sua interação de acordo com leis. A 
mesma dinâmica do egoísmo, por sua vez, 
levará os Estados, em primeiro lugar, a entrar 
em guerra, mas depois os levará a buscar 
estabelecer uma federação internacional5 
para produzir a paz (idem). 
 
A paz estabelecida através da política por motivos 
egocêntricos (Utilitarismo) proporcionará, contudo, um ambiente 
propício ao pleno desenvolvimento das potencialidades racionais 
humanas e à educação moral. Com efeito, num ambiente de paz e 
de esclarecimento (Aufklärung), onde a educação passa a assumir 
um papel primordial, a própria paz passará ser mantida por razões 
morais, e não mais por motivos meramente utilitaristas. Assim, 
tanto a paz quanto a educação moral são fatores fundamentais no 
 
4 Filósofos contratualistas como Thomas Hobbes e John Locke explicaram o 
surgimento da sociedade como uma passagem do Estado de Natureza - estado 
de barbárie e da ausência de governo - ao contrato social, que, através do 
governo, asseguraria a harmonia e a estabilidade entre os indivíduos. 
5 A ideia de uma federação internacional com a finalidade de produzir a paz 
no mundo é o que deu origem à ONU. Kant foi um dos primeiros pensadores 
a perceberem a necessidade de uma espécie de organização que estivesse para 
as nações assim como os governos das nações estão para os indivíduos, 
tirando-os do Estado de Natureza e guerra. Suas ideias sobre o tema estão 
expostas em sua obra À Paz perpétua. 
 
33 
 
desenvolvimento dos indivíduos até o pensamento universalista 
que caracteriza a lei moral expressa no Imperativo Categórico. 
A educação moral que Kant defende, contudo, não é a 
educação antiga, que visa produzir no aluno uma obediência cega, 
mas uma educação pautada em novos métodos. Esses novos 
métodos, diz Kleingeld (ibidem, p. 117), “têm uma abordagem 
socrática, maiêutica, e Kant desenvolve sua própria versão de um 
método na Doutrina do Método da Crítica da Razão Prática.” A 
mesma autora (idem) afirma ainda, sobre a proposta kantiana de 
uma educação moral, que “é evidente que professores não podem 
causar nos seus alunos uma disposição moral, mas eles podem 
fazer muito para ajudá-los a sentirem seu próprio valor e 
reconhecer aquilo que o dever exige”. Assim, a educação não irá 
causar necessariamente um raciocínio moral nos alunos, mas 
criará um ambiente propício ao pleno desenvolvimento das 
potencialidades racionais que são a condição para a moralidade. 
Passando agora ao pensamento de Kohlberg, a despeito do 
abismo temporal que se impõe entre as figuras do filósofo 
prussiano e de psicólogo estadunidense, suas teorias trazem 
muitos pontos em comum, os quais passaremos a explorar agora. 
De fato, Kohlberg não apenas era um bom conhecedorda 
filosofia - de modo que em alguns de seus escritos podemos 
 
34 
 
encontrar um tom quase que puramente filosófico - como também 
era um conhecedor da filosofia kantiana, chegando a citá-la em 
diversos momentos, o que demonstra também que Kant não 
deixou de exercer alguma influência sobre suas ideias. 
Não obstante essas influências kantianas possam ser 
notáveis na teoria de Kohlberg, esta assume características 
próprias. Enquanto o foco de Kant é muito mais na natureza da 
moralidade, postulando-a como algo absoluto, atemporal, 
universal e essencialmente suprassensível, não adentrando na 
questão do desenvolvimento senão de modo mais secundário e 
falando de maneira muito ampla (abordando muito mais a questão 
do desenvolvimento moral na sociedade do que no indivíduo), o 
foco de Kohlberg é justamente explicar como o indivíduo se 
desenvolve, passando por estágios nos quais ele vai abdicando 
progressivamente da postura egocêntrica, isto é, das inclinações 
subjetivas, até chegar a uma moral universalista. 
De uma forma geral, podemos dizer que a teoria de 
Kohlberg postula a existência de diferentes níveis de moralidade6, 
 
6 Enquanto Kant chama de moral estritamente o tipo de pensamento que 
desconsidera as inclinações subjetivas e põe o foco na universalidade, 
Kohlberg usa o termo “moral” para nomear as diferentes formas de o indivíduo 
 
35 
 
níveis estes que podem ser adquiridos na medida em que o 
indivíduo se desenvolve biologica e cognitivamente. Essa relação 
entre o desenvolvimento cognitivo e a moralidade já podemos 
encontrar em Piaget, que relaciona seus estágios do 
desenvolvimento cognitivo com o modo como o indivíduo 
interage com seus pares: 
 
1º. O estágio dos reflexos, ou mecanismos 
hereditários, assim como também das 
primeiras tendências instintivas (nutrições) e 
das primeiras emoções. 2º. O estágio dos 
primeiros hábitos motores e das primeiras 
percepções organizadas, como também dos 
primeiros sentimentos diferenciados. 3º. O 
estágio da inteligência senso-motora ou 
prática (anterior à linguagem), das regulações 
afetivas elementares e das primeiras fixações 
exteriores da afetividade. Estes três primeiros 
estágios constituem o período de lactância 
(até por volta de um ano e meio a dois anos, 
isto é, anterior ao desenvolvimento da 
linguagem e do pensamento). 4º. O estágio da 
inteligência intuitiva, dos sentimentos 
interindividuais espontâneos e das relações 
sociais de submissão ao adulto (de dois a sete 
anos, ou segunda parte da “primeira 
infância”). 5º. O estágio das operações 
 
conceber o que é justo ou injusto, mesmo naquelas em que o pensamento 
egocêntrico é predominante. 
 
36 
 
intelectuais concretas (começo da lógica) e 
dos sentimentos morais e sociais de 
cooperação (de sete a onze-doze anos). 6º. O 
estágio das operações intelectuais abstratas, 
da formação da personalidade e da inserção 
afetiva e intelectual na sociedade dos adultos 
(adolescência) (PIAGET, 2010, p. 15). 
 
Kohlberg observou os diferentes níveis de raciocínio 
moral a partir de estudos realizados em diferentes culturas nos 
quais se serviu do uso de dilemas morais, que são situações 
hipotéticas de conflito onde diferentes interesses estão em jogo e 
onde não há uma atitude inequivocamente mais correta a se 
tomar. Um exemplo de dilema moral é o Dilema de Heinz, 
descrito como se segue por Bee: 
 
Na Europa, uma mulher estava quase à morte, 
com um tipo específico de câncer. Havia um 
remédio que os médicos achavam que 
poderia salvá-la. Era uma forma de rádio que 
um farmacêutico da mesma cidade havia 
descoberto recentemente. O remédio era caro 
para se fazer e o farmacêutico estava 
cobrando dez vezes mais do que ele lhe 
custava na fabricação. Ele pagava 200 
dólares pelo rádio e cobrava 2000 dólares por 
uma pequena dose do remédio. O marido da 
mulher doente, Heinz, procurou todo mundo 
que ele conhecia para pedir dinheiro 
 
37 
 
emprestado, mas só conseguiu 
aproximadamente 1000 dólares, a metade do 
preço do remédio. Ele disse ao farmacêutico 
que sua mulher estava morrendo e pediu-lhe 
para vender o remédio mais barato ou deixá-
lo pagar o restante depois. Mas o 
farmacêutico disse: 'Não, eu descobri o 
remédio e vou ganhar muito dinheiro com 
ele'. Então Heinz ficou desesperado e 
assaltou a farmácia para roubar o remédio 
para sua mulher (BEE, 1984, p. 103). 
 
Tais dilemas tiveram como objetivo levar as pessoas a 
refletirem e decidirem se é justo ou não Heinz roubar o 
medicamento para salvar sua esposa enferma, bem como a 
apresentar um porquê de sua resposta. A importância da 
justificativa que se dá ao se optar pela defesa de uma ou outra 
ação é um dos primeiros pontos possíveis de ligação entre 
Kohlberg e Kant, posto que, a partir da justificativa da ação 
podemos inferir a qualidade da intenção que levaria um sujeito X 
a optar por uma atitude ou outra frente a uma situação de dilema 
moral. Nesse sentido, assim como para Kant, também para 
Kohlberg não está meramente em questão se um certo indivíduo 
optou ou não por roubar um medicamento ou a agir de qualquer 
outra maneira, mas qual a motivação subjetiva que o levou à ação. 
A questão se coloca além da mera legalidade na medida em que 
 
38 
 
questiona a moralidade, esta indissociavelmente atada à intenção 
subjetiva e à justificativa implicadas na ação. 
A partir dos estudos sobre as respostas dadas no Dilema 
de Heinz e em outros e das justificativas apresentadas, temos seis 
diferentes maneiras de raciocinar moralmente sobre a justiça, que 
são apresentadas na forma de estágios desenvolvimentais (no 
sentido de que verifica-se uma tendência de os sujeitos 
progredirem em seus pensamentos de justiça na medida em que 
amadurecem). Tais estágios são descritos em diferentes textos de 
Kohlberg e são observados de maneira constante em várias e 
diferentes culturas, conforme o autor nos aponta em seu artigo 
Minha busca pessoal pela moralidade universal (2012a, p. 73-
74). 
Em seu breve artigo Os Seis Estágios do Juízo Moral 
(1981), Kohlberg expõe seis estágios divididos em três níveis, 
pelos quais os indivíduos se desenvolvem moralmente, os quais 
resumimos a seguir: 
 
 
 
 
 
39 
 
Nível Pré-convencional 
Estágio 1 
(etapa do castigo e da 
obediência) 
O correto é obedecer 
literalmente as regras e a 
autoridade, evitar castigos 
e não fazer danos físicos. 
As razões para fazer o 
correto são evitar o castigo 
e o poder superior das 
autoridades. 
Estágio 2 
(Estágio de propósitos e 
trocas individualistas e 
instrumentais) 
O correto é servir aos 
próprios interesses ou às 
necessidades dos outros e 
fazer tratos justos em 
termos de trocas 
concretas. As razões para 
fazer o correto são servir 
aos próprios interesses e 
necessidades, em um 
mundo onde se deve 
reconhecer que as outras 
pessoas também têm seus 
próprios interesses. 
Nível Convencional 
Estágio 3 
(Estágio das expectativas 
mútuas, relações e 
conformidades 
interpessoais) 
O correto é desempenhar o 
papel de uma pessoa 
agradável, preocupar-se 
com outras pessoas e seus 
sentimentos, manter a 
lealdade e a confiança 
 
40 
 
entre os familiares e estar 
disposto a cumprir as 
regras e expectativas. As 
razões para fazer o correto 
são a necessidade de ficar 
bem consigo mesmo com 
os demais, cuidar de 
outros, e se alguém se 
coloca no lugar de outro, 
esse alguém quer que se 
comportem bem com ele 
(regra de ouro). 
Estágio 4 
(Estágio da preservação 
do sistema social e a 
consciência) 
O correto é cumprir o 
dever na sociedade, apoiar 
a ordem social e manter o 
bem estar da sociedade ou 
do grupo. As razões para 
fazer o correto são manter 
a instituição funcionando 
como um todo,o auto-
respeito ou a consciência, 
entendida como o 
cumprimento das próprias 
obrigações, segundo o que 
se é definido, e a 
consideração das 
consequências: “que 
aconteceria se todo mundo 
 
41 
 
fizesse isso?” 
Nível Pós-Convencional 
ou de Princípios 
(As decisões morais se 
geram a partir de 
direitos, valores ou 
princípios que são (ou 
poderiam ser) aceitáveis 
por todos os indivíduos 
que constituam ou 
estejam criando uma 
sociedade projetada para 
que suas práticas sejam 
justas e benéficas.) 
Estágio 5 
(Estágio dos direitos 
anteriores ao contrato 
social ou utilidade) 
O correto é defender os 
direitos fundamentais, 
valores e contratos legais 
de uma sociedade, 
inclusive quanto entram 
em conflito com as regras 
e leis concretas do grupo. 
As razões para fazer o 
correto são, em geral, 
sentir-se obrigado a 
obedecer a lei porque se 
aceitou o contrato social 
de fazer cumprir as leis 
pelo bem de todos e para 
proteger tanto os próprios 
direitos quanto os dos 
demais. A família, a 
amizade, a confiança e as 
obrigações laborais 
também são 
compromissos ou 
contratos livremente 
assumidos e implicam 
respeito aos direitos dos 
outros. A pessoa se 
preocupa porque as leis e 
deveres se baseiam no 
 
42 
 
cálculo racional da 
utilidade geral: “o maior 
bem para o maior 
número”. 
Estágio 6 
(Estágio dos princípios 
éticos universais) 
Esta etapa assume guiar-se 
mediante princípios 
universais que toda a 
humanidade deveria 
seguir. As leis ou acordos 
sociais específicos 
usualmente são válidos 
porque se sustentam sobre 
tais princípios. Os 
princípios são princípios 
universais de justiça: a 
igualdade dos direitos 
humanos e o respeito pela 
dos seres humanos como 
indivíduos. Estes não são 
tão somente valores a se 
reconhecer, senão 
princípios empregados 
para gerar decisões 
específicas. A razão para 
fazer o correto é que, 
como pessoas racionais, 
nós captamos a validade 
dos princípios e nos 
 
43 
 
comprometemos com eles. 
 
Como podemos perceber, o esquema de estágios de 
Kohlberg expõe um processo que parte de um estágio 
completamente egocêntrico até um onde o egocentrismo é 
extinto, de caráter universalista. O processo de desenvolvimento 
ao longo desses estágios se dá na medida em que o indivíduo 
interage com o mundo e com outros egos e interesses diferentes 
dos seus, com os quais terá de aprender a lidar. Dessa forma, 
vemos que não só em cada estágio seguinte temos um menor grau 
de egocentrismo (o primeiro estágio pauta-se puramente pelo 
hedonismo, o segundo nas trocas vantajosas, o terceiro em 
parecer bom para pessoas próximas, o quarto em fazer todo o 
sistema funcionar pelo cumprimento das leis, o quinto na 
manutenção do contrato social, de caráter supralegal, e, 
finalmente, o sexto, nos princípios éticos universais), mas que 
essa abdicação do egocentrismo se dá na medida em que o 
indivíduo assume uma perspectiva progressivamente mais 
universal, culminando no ponto em que ele desconsidera suas 
próprias inclinações subjetivas e adota a perspectiva da 
humanidade tomada como um todo, isto é, “assume guiar-se 
 
44 
 
mediante princípios universais que toda a humanidade deveria 
seguir.” (KOHLBERG, ibidem, p. 5). 
Em outras palavras, egocentrismo e universalismo são 
diretamente opostos. Quanto menos egocentricamente um 
indivíduo pensa, mais universalmente, e vice-versa. Sobre isso é 
interessante pontuar que em todos os estágios anteriores ao sexto 
persiste alguma dose de egocentrismo, mesmo no quinto, e 
apenas no sexto o indivíduo se vê despojado do peso das 
inclinações na ação. 
O quinto estágio é, em diferentes passagens, posto por 
Kohlberg como o estágio do Contrato Social e do Utilitarismo. 
Como vimos acima, Kohlberg o caracteriza como o estágio onde 
prevalece “o cálculo racional da utilidade geral: ‘o maior bem 
para o maior número’” (KOHLBERG, ibidem, p. 5). Isto é, no 
quinto estágio o indivíduo assume o que é melhor – no sentido do 
que gera mais satisfação - para a maioria, e não simplesmente o 
que é universalmente válido para todos. Kohlberg, sem sombra 
de dúvidas, tinha conhecimento do Utilitarismo enquanto 
perspectiva filosófica, isto é, a corrente de pensamento 
encabeçada inicialmente por Jeremy Bentham e seu discípulo 
Stuart Mill, como fica claro quando Kohlberg diz ter estudado 
Mill em seu artigo Minha busca pessoal pela moralidade 
 
45 
 
universal (2012a, p. 71). De fato, é Bentham quem defende o 
ponto de vista de que uma ação moralmente boa é aquela que deve 
gerar a maior felicidade para o maior número de pessoas. O 
princípio da utilidade defendido por Bentham postula que a 
moralidade de uma ação deve ser medida em termos 
quantitativos, isto é, pelo quanto de felicidade (no sentido de 
prazer) ela gera para todos (SCRUTON, 2008, p.289). Mill deu 
continuidade à obra de Bentham, tendo acrescido apenas uma 
distinção qualitativa entre os diferentes tipos de felicidade 
(SCRUTON, ibidem, p. 291). 
A perspectiva utilitarista não apenas se contrapõe 
diretamente ao formalismo moral kantiano que desconsidera as 
inclinações egocêntricas, como fica explícito nas críticas que Mill 
tece a Kant em sua obra Utilitarismo (2007), como, além disso, o 
próprio Kohlberg percebe essa diferença quando fala, ainda em 
seu artigo Minha busca pessoal pela moralidade universal, que, 
em contraste com as obras de Locke e Mill, o princípio básico do 
Imperativo Categórico de colocar o ser humano sempre como 
fim, e nunca como meio, e o respeito equitativo pela dignidade 
humana passou a parecer para ele, em certo período de seu 
desenvolvimento intelectual, a essência da justiça (KOHLBERG, 
op. cit). 
 
46 
 
A divergência entre o hedonismo utilitarista e a moral 
essencialmente universalista pode ser percebida pelos exemplos 
utilizados por Kant e Kohlberg para ilustrar o que seria o ápice do 
desenvolvimento moral. Kant utiliza a figura de Cristo, conforme 
supracitado, que renunciou sua própria vontade e agiu em favor 
de toda a humanidade. Kohlberg (2012a, p. 69; KOHLBERG; 
POWER, 2012, p. 170) utiliza exemplos de mártires tais como 
Sócrates e Martin Luther King que, semelhantemente a Cristo, 
sacrificaram suas vidas por aquilo que acreditavam representar a 
justiça. Podemos dizer que ambos os autores convergem no ponto 
de que a ação segundo princípios universais nem sempre vem 
acompanhada de alguma satisfação egocêntrica, mas, pelo 
contrário, ocorre mesmo quando há prejuízo para a pessoa que 
age, sendo, assim, qualitativamente superior ao pensamento 
utilitarista, que sempre mantém alguma relação com a satisfação 
sensível. 
Kohlberg e Power (ibidem, p. 184) afirmam ainda que no 
Estágio 6 “os princípios éticos universais não podem ser 
justificados diretamente pelas realidades da ordem humana ou 
social”. Assim, os princípios universais que caracterizam o sexto 
estágio assumem um caráter essencialmente suprassensível, no 
sentido de que não estão submetidos às condições empíricas 
 
47 
 
sociais – isto é, ao contrato social ou ao que gerará melhor 
satisfação para o maior número de pessoas – mas assume uma 
forma na qual se obedece a tais princípios por eles serem fins em 
si mesmos. Os mesmos autores (ibidem, p. 174), concordando 
com Bradley (1962) falam do fato de que buscar uma justificativa 
ou para a moral em fins não-morais, tais como o prazer – ou, 
poderíamos dizer também, a utilidade – contradiz o próprio 
significado de moralidade. Desse modo, o bem, segundo 
Kohlberg, deve ser feito desinteressadamente, por o próprio bem 
ser um fim em si mesmo. Se fizermos o bem por motivos alheios 
ao próprio bem, isto é, com algum interesse particular, não 
estaremos agindo de maneira autônoma ou verdadeiramente 
moral, mas, sim, de modo heterônomo e egocêntrico, ainda que 
favoreçamos a muitas outras pessoas,como no pensamento 
utilitarista7. 
Convém, todavia, perguntar: como sabemos que a moral 
 
7 O pensamento contratualista, representado por Hobbes e Locke, também 
pode, grosso modo, ser classificado como uma forma de pensar utilitarista, 
uma vez que, segundo tal corrente de pensamento, os indivíduos entram no 
pacto social justamente para defender seus interesses egocêntricos. O contrato 
social teria como causa final, portanto, a proteção dos interesses egocêntricos 
de todos os contratantes. Daí, provavelmente, o porque de Kohlberg ter 
colocado no mesmo estágio o contratualismo e o utilitarismo. 
 
48 
 
universalista que Kohlberg postula como ápice do 
desenvolvimento é a mesma moral universalista de que fala Kant? 
Como podemos ter certeza de que os dois autores estão falando 
da mesma coisa? 
Primeiramente porque ambas “morais universalistas” são 
colocadas como uma forma de pensamento pelo qual o sujeito 
que age abdica de toda postura egocêntrica e heterônoma, e uma 
ação despojada de todo e qualquer motivo egocêntrico e 
heterônomo, ou, em termos kantianos, despojada de toda 
inclinação, não pode ser outra coisa que uma ação que ocorre 
essencialmente em prol do universal, isto é, em prol de toda a 
humanidade, tomada livremente segundo princípios universais. 
Qualitativamente as duas morais não se distinguem. Segundo, o 
próprio Kohlberg chega a relacionar o Imperativo Categórico 
kantiano com seu estágio 6 (o estágio dos princípios universais 
de justiça) em diferentes escritos, como, por exemplo, na 
passagem que citamos acima do artigo Minha busca pessoal pela 
moralidade universal, e também quando ele diz, em seu artigo 
Desenvolvimento Moral, pensamento religioso e a questão de um 
sétimo estágio: “Kant argumentou que o que era bem conhecido 
ou estava claramente fundado na razão era o princípio (estágio 6) 
do imperativo categórico” (KOHLBERG; POWER, 2012, p. 
 
49 
 
178). 
Mas o que Kant e Kohlberg entendem por “princípio”? De 
que modo podemos compreender que o Imperativo Categórico é 
um princípio, ou que o estágio 6 de Kohlberg é um estágio de 
princípios éticos universais? Kant, segundo podemos 
compreender, entende princípio como aquilo que é condição, e 
não condicionado. Por exemplo, a razão, manifesta no Imperativo 
Categórico, é condição da moralidade. O princípio da moralidade 
é a razão. Nesse sentido, todas as regras morais específicas têm 
como princípio unificador o princípio racional do Imperativo 
Categórico, que as torna possíveis e ao qual todas elas estão 
condicionadas. Kohlberg segue a mesma linha de raciocínio. 
Segundo o autor 
 
Um princípio é um modo imparcial, 
universalizável, de decidir ou julgar, não uma 
regra cultural concreta. ‘Não cometerás 
adultério’ é uma regra para condutas 
específicas em situações específicas em uma 
sociedade monogâmica. Em contrapartida, o 
imperativo categórico de Kant – ‘Age 
unicamente de modo como tu desejarias que 
todos devessem atuar na mesma situação’ – é 
um princípio. É um guia para escolher entre 
comportamentos, não uma prescrição para o 
comportamento. Como tal, é livre de 
 
50 
 
qualquer conteúdo culturalmente definido; é 
algo que ao mesmo tempo transcende e 
subsome as leis sociais particulares. Portanto, 
tem uma aplicabilidade universal 
(KOHLBERG; MAYER, 2012, p. 136) 
 
Assim, temos de maneira suficientemente clara que 
Kohlberg fala de princípios universais na mesma linha de 
raciocínio que Kant e, ademais, coloca o Imperativo Categórico 
como um princípio que estaria em seu estágio sexto, isto é, no 
ápice do desenvolvimento moral. 
Mas, como dissemos, a moral para Kant é algo puramente 
racional, isto é, que ocorre desconsiderando as inclinações 
pessoais e as vontades do ego. Kohlberg, sobre isso, afirma que 
existe uma relação entre o nível de raciocínio moral e o nível de 
desenvolvimento do raciocínio lógico, tal como Piaget já havia 
apontado, como citamos acima. Isto é, quanto mais desenvolvido 
um indivíduo se encontra no tocante ao raciocínio lógico, mais 
apto ele está para apresentar raciocínios morais elevados. 
Segundo o autor 
 
Desde que raciocínio moral é raciocínio, um 
raciocínio moral avançado depende de um 
raciocínio lógico avançado. Existe um 
paralelismo entre o estágio (de 
 
51 
 
desenvolvimento) lógico de um indivíduo e 
seu estágio moral. Uma pessoa cujo estágio 
lógico é apenas de operações concretas está 
limitada aos estágios da moral pré-
convencional, estágio 1 e 2. Uma pessoa cujo 
estágio lógico é apenas “pouco” formal-
operacional está limitada aos estágios morais 
do nível convencional (estágios 3 e 4). 
Embora o desenvolvimento lógico seja uma 
condição necessária para o desenvolvimento 
moral, ele não é suficiente. Muitos indivíduos 
se encontram em um maior estágio lógico do 
que o paralelo estágio moral, mas 
essencialmente ninguém está em um estágio 
moral maior do que seu estágio lógico 
(KOHLBERG, 1976, p. 32). 
 
Assim, podemos dizer que enquanto para Kant a moral 
universalista é a própria manifestação da razão prática em seu 
caráter suprassensível, para Kohlberg a moral em seu nível mais 
elevado, isto é, em sua forma universalista, tem como condição 
necessária o desenvolvimento das capacidades racionais, formais 
e abstratas, isto é, das capacidades lógicas. Nesse ponto podemos 
dizer que Kohlberg concorda com Kant no sentido de que a moral 
expressa por princípios universais (como o imperativo 
categórico, conforme citado acima) é sempre a mesma, uma vez 
que transcende as condições relativas à espaço-temporalidade de 
cada sociedade e cultura, mas o que se desenvolve são as 
 
52 
 
disposições para o uso da razão (ratio) ou do raciocínio 
(ratiocinatio) lógico, que são as mesmas em todos os seres 
humanos. 
Esta ratio, segundo os dois autores, é o que torna possível 
a ação moral livre e autônoma. No escrito A mensuração do 
julgamento moral, Colby e Kohlberg (2011, p. 18-19) descrevem 
como razões para fazer o certo no estágio sexto “a crença como 
uma pessoa racional na validade dos princípios morais universais, 
e o senso de compromisso com eles”. O que reafirma o caráter 
racional da moral universalista. Assim, Kant e Kohlberg 
fundamentam a moral universal, absoluta na medida em que 
transcende as condições espaço-temporais de cada cultura, no 
próprio homem enquanto ser dotado de razão. 
Mas de que modo uma pessoa poderia desenvolver suas 
capacidades racionais para poder, assim, agir moralmente 
segundo os princípios universais de justiça? Kohlberg também 
concorda com Kant a respeito da importância da educação moral 
pautada num método socrático, isto é, num método pedagógico 
que não tem a pretensão impor valores, mas, por outro lado, de 
fornecer as condições para que os indivíduos, por si próprios, 
possam alcançar a maturidade intelectual e a autonomia, tal como 
podemos observar em seu artigo Educar para a justiça: uma 
 
53 
 
abordagem moderna da perspectiva socrática (KOHLBERG, 
2012b). 
A despeito de todas as semelhanças apontadas até aqui 
entre os dois autores, é evidente, entretanto, que cada um teve sua 
originalidade em diversos pontos. Não temos a pretensão e nem 
poderíamos resumir Kohlberg a um Kant da idade 
contemporânea. Longe disso, Kohlberg trouxe inúmeras 
contribuições não apenas com estudos empíricos, mas com a 
própria formulação de uma teoria do desenvolvimento moral, que 
em Kant é ainda vaga e restrita aos muros da filosofia pura. Além 
de todas as contribuições a mais trazidas no campo dos estudos 
da moralidade, Kohlberg ainda difere de Kant no tocante à 
relação da moral universalista com a lei positiva. 
Kant não concebe a possibilidade de se desrespeitar a lei 
ou de, por exemplo, mentir, mesmo que aleguemos os motivos 
mais nobres para tal, tal como podemos constatar em seusescritos 
Resposta à questão: O que é esclarecimento? (KANT, 2012), e 
Sobre um pretenso direito de mentir por amor aos homens (In: 
PUENTE, 2002). Não que Kant tivesse uma mentalidade presa às 
leis, como se caracterizaria uma pessoa no estágio 4 dos estágios 
de Kohlberg. Ele, certamente, percebia a injustiça das leis, o que 
nos é evidente pelo fato mesmo de ele se enquadrar no 
 
54 
 
movimento do Iluminismo e por ter apoiado a Revolução 
Francesa. Não restam dúvidas de que Kant percebia as profundas 
injustiças de seu tempo, encarnadas nas monarquias absolutistas, 
e que ansiava por uma profunda transformação social. Mas para 
ele não era concebível de que maneira mentir, mesmo para salvar 
um amigo, ou descumprir uma lei, mesmo que injusta, poderia ser 
tomada como norma universal para a ação. Assim, por uma 
questão de coerência com seu próprio princípio, o Imperativo 
Categórico, Kant não admitia que fosse tomada como aceitável 
uma ação cuja máxima não pudesse ser universalmente válida, 
em todos os contextos. 
Mas como Kant concebia a possibilidade de 
transformação social se nem mesmo as leis injustas se poderia 
descumprir? Kant argumenta que as leis e as autoridades devem 
ser obedecidas, sem que fosse questionada a conveniência ou 
inconveniência das suas ordens, o que não implica, entretanto, 
que as pessoas não possam se pronunciar a respeito das injustiças 
que observam quando fora dos seus ofícios. A respeito disso, diz 
ele: 
 
Assim, seria muito prejudicial se um oficial, 
a que seu superior deu uma ordem, quisesse 
 
55 
 
pôr-se a raciocinar em voz alta no serviço 
[A486] a respeito da adequação ou da 
utilidade dessa ordem. Deve obedecer. Mas, 
razoavelmente, não se lhe pode impedir, 
enquanto estudioso do assunto, fazer 
observações sobre os erros no serviço militar, 
e expor essas observações ao seu público, 
para que as julgue. O cidadão não pode se 
recusar a efetuar o pagamento dos impostos 
que sobre ele recaem; até mesmo a 
desaprovação impertinente dessas 
obrigações, se devem ser pagas por ele, pode 
ser castigada como um escândalo (que 
poderia causar uma insubordinação geral). 
Apesar disso, não age contrariamente ao 
dever de um cidadão se, como homem 
instruído, expõe publicamente suas idéias 
contra a inconveniência ou a injustiça dessas 
imposições (KANT, 2012, p. 148). 
 
Kohlberg, por outro lado, coloca seu estágio 6 
completamente acima das leis, de modo que, se as leis se 
contrapõem aos princípios universais de justiça, deve-se optar por 
estes e não por aquelas. Em seu artigo Os seis estágios do juízo 
moral, Kohlberg (1981) afirma, a respeito do estágio 6 que, 
“quando as leis violam estes princípios, atua-se de acordo com os 
princípios”. Desse modo, ninguém estaria obrigado a cumprir 
uma lei reconhecidamente injusta, o que abre margem à 
desobediência civil. 
 
56 
 
Sua forma de pensar, sem sombra de dúvidas, foi fruto de 
sua própria experiência de vida. Kohlberg, de origem judaica, 
espantado com o fato de algo como o Holocausto ter acontecido 
na Alemanha nazista, trabalhou voluntariamente ajudando judeus 
refugiados a entrar na Palestina, passando ilegalmente pelo 
bloqueio britânico, tal como nos relata em Minha busca pessoal 
pela moralidade universal. Essas experiências levantaram 
importantíssimas questões acerca do que seria a justiça e como 
esta se relacionaria com as leis. Tendo que escolher entre a justiça 
e as leis, Kohlberg escolheu a primeira. Kant, do contrário, não 
as via como coisas que poderiam ser tão facilmente separadas. 
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS 
Por fim, podemos dizer que o objetivo proposto 
inicialmente foi cumprido. Com efeito, existem inúmeros pontos 
que ligam Kohlberg com o filósofo prussiano, a despeito do 
abismo temporal que se impõe entre ambos os autores, muito 
embora também existam diferenças decisivas entre as duas 
teorias, como demonstramos. Podemos dizer, contudo, no tocante 
aos pontos de aproximação, que Kant continua atual em não 
poucos aspectos, e que os estudos de Kohlberg acerca da moral 
 
57 
 
universalista não apenas confirma isso como também aprofunda 
significativamente todas as questões levantadas por Kant. 
As questões levantadas e, em grande medida, respondidas 
por Kant e Kohlberg preenche a lacuna que se estabelece cada vez 
que tomamos os valores morais como meras construções sociais, 
frutos de uma espaço-temporalidade cultural que é absorvida 
pelos indivíduos. Longe disso, a moral universalista defendida 
pelos dois autores se caracteriza essencialmente pela sua natureza 
absoluta, não relativa a contextos sócio-históricos e culturais 
específicos. Evidentemente, eles não quiseram negar, com isso, 
que exista um grande peso da cultura na maior parte dos valores 
e regras sociais específicas que observamos, mas que, por outro 
lado, é sempre possível transcendê-la rumo a uma forma de 
moralidade superior, incondicionada, que não se submete às 
condições empíricas das inclinações subjetivas ou mesmo das 
demandas sociais. 
É importante dizer, finalmente, que este trabalho não teve 
como objetivo esgotar todos os possíveis pontos de aproximação 
entre os dois pensadores. Mais ainda podem ser explorados em 
estudos futuros, como, por exemplo, a relação da moral 
universalista com o pensamento religioso. Ambos os autores 
concebem a moral como autônoma, isto é, como não 
 
58 
 
condicionada à religião, embora a coloquem numa relação íntima 
com esta, algo que, por si só, já produziria um trabalho 
riquíssimo. Outro ponto que também poderia ser explorado é a 
noção de lei natural nos dois pensadores, uma vez que ambos 
colocam a moral como algo que faz parte da própria natureza do 
ser humano, apenas manifestando-se com o tempo e com o 
desenvolvimento de suas potencialidades racionais. As 
divergências no tocante à relação da moral universalista com a lei 
positiva também merece um trabalho único e aprofundado, de 
maneira a levantar questões que visem produzir um pensamento 
crítico acerca dos prós e contras de ambas as perspectivas. 
4. REFERÊNCIAS 
BEE, Helen. A criança em Desenvolvimento. 3 ed. São Paulo: 
Harper & Row do Brasil, 1984. 
 
COLBY, A. KOHLBERG, L. The Measurement of Moral 
Judgement. Theoretical Foundations and Research 
Validation. Vol. I. New York: Cambrige University Press, 
2011. 
 
DUDLEY, Will. Idealismo Alemão. Tradução de Jacques A. 
Wainberg. Petrópolis, RJ: Vozes, 2013 
 
KANT, Immanuel. A Religião nos Limites da Simples Razão. 
 
59 
 
Tradução: Artur Morão. Covilhã: LusoSofia, 2008. 
 
______. Crítica da Razão Prática. 4ª ed. São Paulo: Editora 
WMF Martins Fontes, 2016. 
 
______. Fundamentação da Metafísica dos Costumes. 
Tradução: Paulo Quintela. Lisboa: Edições 70, 2007. 
 
______. Resposta à questão: o que é esclarecimento? Cognitio, 
São Paulo, v. 13, n. 1, p. 145-154, jan./jun. 2012 
 
______. Sobre um pretenso direito de mentir por amor aos 
homens. In: PUENTE, Fernando Rey (Org.). Os filósofos e a 
mentira. Belo Horizonte: Editora UFMG; Departamento de 
Filosofia – FAFICH/UFMG, 2002. 
 
KLEINGELD, Pauline. Kant, História e a Ideia de 
Desenvolvimento Moral. Cadernos de Filosofia Alemã: 
Crítica e Modernidade. Nº 18. São Paulo: USP, 2011. 
 
KOHLBERG, Lawrence. Educar para la justicia: um 
planteamiento moderno de la perspectiva socrática. 
Postconvencionales. Nº 5-6. P. 93-112. ISSN: 2220-7333. 
Universidad Central de Venezuela, 2012b. 
 
______. Me búsqueda personal de la moralidade universal. 
Postconvencionales. Nº 5-6. P. 68-75. ISSN: 2220-7333. 
Universidad Central de Venezuela, 2012a. 
 
______. Moral Stages and Moralization. The Cognitive-
Developmental Approach. (In Moral Development and 
Behavior). New York: Holt, Reinhart and Winston, 1976. 
 
60 
 
 
______. The Six Stages of Moral Judgment. Essays on Moral 
Development. Vol. 1: The Philosophy of MoralDevelopment, Moral Stages and the Idea of Justice 
(Appendix, pp. 409-412). San Francisco: Harper & Row 
Publishers, 1981. 
 
KOHLBERG, L. POWER, C. Desarollo moral, pensamiento 
religioso y la cuestión de una Séptima Etapa. 
Postconvencionales. Nº 5-6. P. 163-210. ISSN: 2220-7333. 
Universidad Central de Venezuela, 2012. 
 
KOHLBERG, L. MAYER, R. El desarollo del educando como 
finalidad de la educación. Postconvencionales. Nº 5-6. P. 
118-162. ISSN: 2220-7333. Universidad Central de 
Venezuela, 2012. 
 
LEITE, Flamarion Tavares. 10 Lições sobre Kant. 5ª ed. 
Petrópolis, RJ: Vozes, 2011. 
 
PASCAL, Georges. Compreender Kant. Tradução: Raimundo 
Vier. Petrópolis, RJ: Vozes, 2011. 
 
PIAGET, Jean. Seis Estudos de Psicologia. Tradução: Maria 
Alice Magalhães D’Amorim e P0061ulo Sérgio Lima Silva. 
24ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2010. 
 
SCRUTON, Roger. Uma Breve História da Filosofia 
Moderna: De Descartes a Wittgenstein. Tradução: Eduardo 
Francisco Alves. Rio de Janeiro: José Olympio, 2008. 
 
SPINOZA, Benedictus. Ethica. Edição Bilíngue Latim-
 
61 
 
Português. Tradução: Tomaz Tadeu. 2ª ed. Belo Horizonte: 
Autêntica, 2008. 
 
URDANOZ, Teofilo. Historia de la Filosofia, Siglo XIX: 
Kant, idealismo y espiritualismo. 2ª ed. Madrid: Biblioteca 
de Autores Cristianos, 1991. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
62 
 
O RECURSO À FÉ COMO SOLUÇÃO PARA O 
PROBLEMA DOS LIMITES DA RAZÃO E POSSÍVEIS 
INFLUÊNCIAS PIETISTAS NOS PENSAMENTOS DE 
KANT E JACOBI 
THE APPEAL TO FAITH AS SOLUTION TO THE 
PROBLEM OF LIMITS OF REASON AND POSSIBLE 
PIETIST INFLUENCES ON THE THOUGHTS OF KANT 
AND JACOBI 
Renan Pires Maia 
RESUMO 
O presente trabalho tem como objetivo fazer uma breve análise, 
de metodologia bibliográfica, de como Kant e Jacobi, dois 
filósofos alemães de raízes pietistas, exploram a questão dos 
limites da razão no tocante ao conhecimento e como a fé 
soluciona o problema levantado por tais limites. Kant, em sua 
Crítica da razão pura, estabelece os limites da razão após uma 
exaustiva análise das faculdades humanas e de seu alcance, 
colocando a fé como uma solução para o problema da 
impossibilidade do conhecimento da coisa-em-si e de ideias como 
as de Deus, de mundo e de alma. Jacobi, por seu turno, analisa os 
limites da razão a partir de uma análise da estrutura do raciocínio, 
que sempre parte de pressupostos indemonstráveis 
racionalmente, e que portanto devem ser admitidos a partir da fé. 
 
63 
 
Ao longo do presente escrito é também levantada a questão de se 
houve possíveis influências pietistas sobre os pensamentos de 
Kant e Jacobi. 
Palavras-chave: Kant; Jacobi; Fé; Razão; Pietismo 
 
ABSTRACT 
The present work aims to make a brief analysis, of bibliographic 
methodology, of how Kant and Jacobi, two German philosophers 
of Pietist roots, explore the question of the limits of reason with 
respect to knowledge and how faith solves the problem raised by 
such limits . Kant, in his Critique of Pure Reason, establishes the 
limits of reason after an exhaustive analysis of human faculties 
and their capacity, placing faith as a solution to the problem of 
the impossibility of knowing the thing-in-itself and of ideas such 
as of God, world and soul. Jacobi, on the other side, analyzes the 
limits of reason from an analysis of the structure of reasoning, 
which always starts from rationally undemonstrable premises, 
and which therefore must be admitted based on faith. Throughout 
this writing arises the question about whether there were possible 
pietistic influences on Kant and Jacobi's thoughts. 
Keywords: Kant; Jacobi; Faith; Reason; Pietism 
 
1. INTRODUÇÃO 
O objetivo do presente trabalho é fazer uma breve 
aproximação dos pensamentos de Kant e de Jacobi a partir do 
 
64 
 
recurso que ambos fazem à fé (Glaube) enquanto solução para o 
problema dos limites do conhecimento racional. Ao mesmo 
tempo em que busca ressaltar essas semelhanças entre os dois 
pensadores alemães na importância atribuída à fé, o presente 
trabalho também possui o intuito de explorar, em passant, 
possíveis influências que o ambiente cultural pietista pode ter 
exercido, em maior ou menor grau, em seus pensamentos, o que 
pode ter contribuído em alguma medida para a ênfase na fé como 
solução para o problema do conhecimento. Tal objetivo se 
justifica na medida em que este é um viés pouco explorado, 
embora o recurso à fé dada por Kant ao impasse epistemológico 
colocado na Crítica da razão pura encontre respaldo nos 
comentadores. No que diz respeito a Jacobi, temos que uma 
interpretação de seu pensamento como centrado na fé e como 
tendo tons pietistas é, por assim dizer, muito mais patente do que 
em Kant, além de gozar de certa unanimidade entre os 
comentadores. 
Antes de mais nada, a fim de entendermos melhor os 
problemas que certa ênfase filosófica na fé propõe-se a responder, 
faz-se mister resgatar aqui o debate histórico que se instaura a 
partir dos primórdios da era cristã acerca da relação entre fides e 
 
65 
 
ratio (fé e razão). Tal debate, que deu o tom de boa parte da 
filosofia do medievo, buscava responder onde pode assentar-se o 
conhecimento de modo realmente sólido – se na fé ou na razão -, 
e se poderia haver alguma conciliação entre ambas. Estes 
questionamentos suscitaram respostas diversas entre os 
intelectuais cristãos medievais. Nomes como os de Tertuliano, 
cujo pensamento sintetiza-se na famosa frase e “credo quia 
absurdum” (HÄGGLUND, 1981, p. 43), pendiam mais a uma 
postura fideísta, postulando a completa insuficiência da razão em 
compreender as coisas divinas. Outros, como Pedro Abelardo e 
Santo Anselmo, por seu turno, possuíam uma visão mais 
favorável à razão.8 Este último, embora siga a síntese agostiniana 
entre fé e razão ao afirmar seu “Credo ut intelligam”, não deixa 
de em seu Monologium pressupor certa capacidade da razão de 
alcançar, de modo autônomo, as mesmas verdades reveladas nas 
Sagradas Escrituras (vide: ANSELMO; ABELARDO, 1979, p. 
5). 
 
8 Quanto ao primeiro, remetemos o leitor ao trabalho de Ricardo da Costa: “Há 
algo mais contra a razão que tentar transcender a razão só com as forças da 
razão?”: a disputa entre Bernardo de Claraval e Pedro Abelardo, (DA 
COSTA, 2010). 
 
66 
 
É, todavia, a síntese agostiniana entre fides et ratio que 
erige-se como resposta definitiva da Igreja ao problema, 
sintetizada na famosa frase “crede ut intelligas et intellige ut 
credas”. Nesta perspectiva, a razão, não obstante incapaz de 
alcançar per se as verdades reveladas, de modo que a fé constitui-
se como o passo mais fundamental na ascensão à Verdade, pode, 
entretanto, alcançá-las iluminada por esta mesma fé, dádiva do 
Espírito Santo, de modo que temos, na resposta agostiniana, uma 
ratio que, iluminada pela fé e pelo Espírito, busca a compreensão 
e efetivamente compreende: “fides quaerens intellectum”. Esta é 
a mesma posição que será assumida por Santo Tomás de Aquino 
e pela Igreja de um modo geral até os tempos hodiernos, como 
podemos constatar na encíclica Fides et ratio, de São João Paulo 
II (PAULO II, 2020). A síntese católica operada entre fé e razão 
deixa já clara de antemão, entretanto, o papel secundário desta 
frente àquela. Ou, como diz o adágio medieval: “Philosophia 
ancilla Theologiae”. 
Engana-se, contudo, quem pensa ter ficado tal debate 
sobre a relação entre fé e razão restrito ao medievo, como 
pareceria sugerir boa parte dos nossos manuais de filosofia. Ele 
perdura modernidade adentro. A despeito do fato de a 
 
67 
 
modernidade buscar uma superação da Idade Média, ela ainda 
encontra-se em boa parte preocupada com as mesmas questões. 
A questão da relação entre fé e razão pode, sem dúvidas, ser 
constatada em Kant e Jacobi, como se verá. Entretanto,

Continue navegando

Outros materiais