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ESTUDOS SOBRE KANT ÉTICA E EPISTEMOLOGIA RENAN PIRES MAIA PABLO GIORGIO COSTA DE SOUSA LIMA ESTUDOS SOBRE KANT ÉTICA E EPISTEMOLOGIA 1ª edição Coleção Ars Philosophica Faculdade Santíssima Trindade Nazaré da Mata - PE 2021 Revisão Sérgio Luís Persch Conselho editorial Maria do Carmo Pereira Vale Leite Izaura Pessoa de Moura Carlos Bezerra de Lima Severino Silvestre da Silva FACULDADE SANTÍSSIMA TRINDADE Rua Prof. Américo Brandão, 46, Centro Nazaré da Mata, Pernambuco Tel: +55 81 3633 1213 Catalogação na fonte Edjane Maria Leite Pereira Borba – CRB-4/2187 Biblioteca Francisco Pereira Nóbrega - FAST M217e Maia, Renan Pires. Estudos sobre Kant: ética e epistemologia. / Renan Pires Maia e Pablo Giorgio Costa de Sousa Lima. / Nazaré da Mata, PE: Faculdade Santíssima Trindade, 2021. 296 p. — (Coleção Ars Philosophica; 1) Inclui bibliografia. ISBN 978-65-994034-0-8 1. Filosofia moderna. 2. Ética. 3. Fé e razão. 4. Categorias (Filosofia). 5. Kant, Immanuel, 1724-1804. I. Lima, Pablo Giorgio Costa de Sousa. II. Título. CDD 190 (23. ed.) SUMÁRIO SOBRE A COLEÇÃO E A PRESENTE EDIÇÃO .................... 8 SOBRE OS AUTORES .............................................................. 7 PREFÁCIO ................................................................................. 8 RENAN PIRES MAIA A MORAL ABSOLUTA E UNIVERSAL EM KANT E KOHLBERG ........................................................................... 11 RESUMO .................................................................................. 11 1. INTRODUÇÃO .................................................................... 13 2. KANT E KOHLBERG: MORAL ABSOLUTA E UNIVERSALISTA E DESENVOLVIMENTO MORAL ....... 23 3. CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................... 56 4. REFERÊNCIAS .................................................................... 58 O RECURSO À FÉ COMO SOLUÇÃO PARA O PROBLEMA DOS LIMITES DA RAZÃO E POSSÍVEIS INFLUÊNCIAS PIETISTAS NOS PENSAMENTOS DE KANT E JACOBI ................................................................... 62 RESUMO .................................................................................. 62 1. INTRODUÇÃO .................................................................... 63 2. RAZÃO E FÉ EM KANT .................................................... 74 3. RAZÃO E FÉ EM JACOBI .................................................. 99 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................. 114 6. REFERÊNCIAS .................................................................. 117 PABLO GIORGIO COSTA DE SOUSA LIMA A DEDUÇÃO METAFÍSICA DAS CATEGORIAS E A RELAÇÃO ENTRE O CONHECIMENTO DISCURSIVO E O CONHECIMENTO PRÉ-DISCURSIVO NA CRÍTICA DA RAZÃO PURA ............................................................... 121 RESUMO ................................................................................ 121 1. INTRODUÇÃO .................................................................. 123 2. A LÓGICA GERAL COMO PONTO DE PARTIDA PARA A LÓGICA TRANSCENDENTAL ....................................... 133 2.1 A IDEIA DE SISTEMA E A TESE DA DISCURSIVIDADE ............................................................... 142 2.2. FUNÇÃO DO ENTENDIMENTO .................................. 155 2.3. O JUÍZO E O ATO DE JULGAR ................................... 163 2.4. O CONCEITO DE SÍNTESE ......................................... 176 3. A DEDUÇÃO TRANSCENDENTAL COMO PONTO DE PARTIDA PARA A DEDUÇÃO METAFÍSICA .................. 188 3.1. A SÍNTESE E A IMAGINAÇÃO ................................... 188 3.2. A SÍNTESE E A AUTOCONSCIÊNCIA ....................... 207 3.3. A SÍNTESE NA DEDUÇÃO TRANSCENDENTAL A E B ................................................................................................ 221 3.4. CONCLUSÃO DA DEDUÇÃO TRANSCENDENTAL 233 4. A DEDUÇÃO METAFÍSICA DAS CATEGORIAS ......... 244 4.1. OS CONCEITOS PUROS DO ENTENDIMENTO ........ 244 4.2. A CONCORDÂNCIA ENTRE AS TÁBUAS ................ 257 4.3. A DEDUÇÃO METAFÍSICA E A DEDUÇÃO OBJETIVA DAS CATEGORIAS .............................................................. 267 5. CONCLUSÃO .................................................................... 274 6. REFERÊNCIAS .................................................................. 285 ÍNDICE REMISSIVO ............................................................ 293 SOBRE A COLEÇÃO E A PRESENTE EDIÇÃO O livro que o caro leitor presentemente tem em mãos é a primeira edição da obra inaugural da coleção Ars Philosophica, da editora da Faculdade Santíssima Trindade, também vinculado aos trabalhos realizados pelo Grupo de Pesquisas em Humanidades da mesma instituição. A coleção foi idealizada como um canal de lançamento de obras diversas nos campos da Filosofia, da Teologia e da Literatura, e já possui diferentes escritos a serem publicados ao longo do ano de 2021 e nos anos seguintes. 7 SOBRE OS AUTORES Renan Maia é graduado em Psicologia e mestre em Filosofia pela Universidade Federal da Paraíba, tendo ingressado, em 2017, como aluno do doutorado de Filosofia pela mesma instituição. Atualmente é docente da Faculdade Santíssima Trindade, lecionando disciplinas de Filosofia, Ética e humanidades em geral, Psicologia e Metodologia Científica. Na mesma instituição coordena também o Núcleo de Pesquisa e Extensão (NUPE) e o Laboratório de Inovações Educacionais e Apoio Neuropsicopedagógico (LINEDANP). Possui dezenas de trabalhos em áreas diversas, como filosofia, psicologia, saúde, religião, política e outras. Pablo Giorgio Costa de Sousa Lima é graduado em Direito pelo Centro Universitário de João Pessoa (UNIPÊ) e possui mestrado em Filosofia pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), com ênfase em filosofia kantiana. Dedica-se a estudos de filosofia desde a graduação e sua trajetória até aqui é marcada pelo foco de pesquisas no campo da epistemologia kantiana e do idealismo alemão. 8 PREFÁCIO Não é difícil afirmar que o maior marco para a metafísica, teoria do conhecimento, ética e estética da Idade Moderna foi o pensamento de Kant. Marco porque todos os filósofos posteriores adotaram como ponto de partida seu pensamento, salvas poucas exceções. Bastaria pensarmos no idealismo alemão, na fenomenologia e na filosofia analítica como exemplos. Poucos são os problemas na filosofia que encontram uma resolução duradoura ou definitiva - e por definição insistentemente reaparecem ao longo da história. Com efeito, Kant se propõe a resolver muitas das querelas filosóficas de seu tempo, lançando luz a várias sortes de pensamentos que viriam nos anos seguintes, até nossos dias. A filosofia crítica pode ser entendida como uma espécie de urgente conclusão daquilo que já era preparado desde sobretudo o século XVII, no sentido de estabelecer seus próprios limites, purgando-se de opiniões não fundadas na razão: sempre na intenção de fazer da filosofia uma disciplina que voltasse a ganhar seu espaço merecido, trilhando no caminho seguro da 9 ciência. Desta forma, não restanto à velha ontologia a possibilidade de se explicar senão de maneira mais ou menos volitiva ou dogmática, Kant desempenha uma viravolta metafísica que, antes de afirmar o que o mundo é, trata de como se dá o percurso do conhecimento na mente humana, desde a estrutura mental que torna possível este conhecer. Dizia Heleno Cesarino em sua preleção sobre Kant: “entre mim e o objetohá o entendimento”. É nessa tônica que o pensamento kantiano se desenvolve. A presente obra não tem a intenção de explicar panoramicamente o pensamento kantiano, ou de explicitar um único ponto específico, mas traz estudos autônomos que partem de Kant, ampliando a pesquisa sobre o autor, de modo academicamente engajado. A proposta dos autores é conduzir o leitor através de um caminho suave ao entendimento de vários aspectos do pensamento de Kant, que por muitos é considerado um filósofo de difícil leitura. Enfrentam este desafio sem perder, porém, a matéria em questão, e através de acuradas análises podemos penetrar em linhas importantes do autor. 10 Convido todos a apreciação dos estudos aqui presentes; e desejo que estes contribuam para o enriquecimento filosófico e cultural do leitor, assim como contribuíram com o meu. Prof. Carlos Bezerra de Lima Júnior 11 A MORAL ABSOLUTA E UNIVERSAL EM KANT E KOHLBERG1 ABSOLUTE AND UNIVERSAL MORAL IN KANT AND KOHLBERG Renan Pires Maia RESUMO O objetivo do presente escrito é o de explorar, a partir de uma metodologia bibliográfica, os pontos de aproximação e de distanciamento entre as éticas de Kant e de Kohlberg. A transição do medievo para a modernidade é marcada pela emergência do sujeito como critério absoluto para a definição do que é verdadeiro, justo e bom. A moralidade, outrora fundada em Deus e em elementos objetivos, passa agora a ser fundamentada no sujeito, o que levanta o problema de como evitar um relativismo moral. Eis o problema que Kant visa solucionar em suas obras éticas. O imperativo categórico kantiano coloca-se, assim, como um princípio moral que, embora fundado no sujeito, é também objetivo, no sentido de colocar-se como válido para todos os 1 O trabalho que ora se apresenta ao caro leitor é o trabalho de conclusão de curso da graduação em Psicologia do Prof. Renan Maia. Tal trabalho foi orientado pelo Prof. Dr. Júlio Rique Neto, professor de Ética e Psicologia do Desenvolvimento da graduação em Psicologia da Universidade Federal da Paraíba, e foi defendido no ano de 2015. Como nunca foi publicado, foi levemente adaptado em seu formato para atender ao padrão do presente livro. 12 sujeitos em todos os contextos. Pode-se dizer que o universalismo ético é a marca principal da moral kantiana. As mesmas características podem ser mapeadas no pensamento de Kohlberg que, em seus estudos, dedica-se a entender como o ser humano ascende até a moralidade universalista, tal como a esboçada por Kant. Nesse sentido, há vários pontos de convergência entre Kant e Kohlberg, o que não impede que este aprofunde aquele no tocante à noção de desenvolvimento moral, ou que ambos mantenham divergências, como no ponto da relação entre a moral e a lei positiva. Palavras-chave: Kant; Kohlberg; Moral; Ética; Universalismo ABSTRACT The aim of this paper is to explore, from a bibliographic methodology, the points of approximation and distance between the ethics of Kant and Kohlberg. The transition from medieval period to modernity is marked by the emergence of the subject as an absolute criterion for the definition of what is true, just and good. Morality, once founded on God and on objective elements, is now based on the subject, which makes raise the problem of how to avoid moral relativism. This is the problem that Kant seeks to solve in his ethical works. The Kantian categorical imperative, thus, puts itself as a moral principle which, although founded on the subject, is also objective, in the sense of placing itself as valid for all subjects in all contexts. It can be said that ethical universalism is the main mark of Kantian morality. The same characteristics can be mapped in Kohlberg's thought, which, in his studies, dedicate himself to understand how the human being ascends to universalistic morality, such as that outlined by Kant. In this sense, there are several points of convergence 13 between Kant and Kohlberg, which does not prevent Kohlberg from deepening Kant with respect to the notion of moral development, or that both maintain differences, as in the point of the relation between morality and positive law. Keywords: Kant; Kohlberg; Moral; Ethics; Universalism 1. INTRODUÇÃO Um dos principais problemas filosóficos que ocorrem na história do pensamento ocidental, na transição do medievo à modernidade é, sem dúvidas, a emergência do sujeito, cujo paradigma maior se encontra, sem dúvidas, no cogito cartesiano, mas que não deixa de se fazer sentir também em outras correntes filosóficas modernas. A emergência do sujeito se configura com um problema na medida em que, sendo o mesmo agora o critério de investigação do que é válido nos campos do conhecimento e da ética, a fundamentação de uma Verdade e de uma moral objetivas e que transcenda o sujeito – não obstante dele parta –, aplicando-se a todos os sujeitos indistintamente, precisa ser encontrado, posto que o subjetivismo relativista gnosiológico e ético parece ser uma consequência natural da centralidade da filosofia no sujeito moderno. 14 Tal problema parece haver sido percebido por Immanuel Kant: Ora, se tudo o que é relativo, no plano da razão teórica e prática, o é, respectivamente, ao sujeito que conhece e age, é preciso abstrair, tanto no plano do conhecimento quanto da conduta, aquilo que há de variável no sujeito até chegar aos princípios formais incondicionados do conhecimento e da moral: No plano do conhecimento, é preciso abstrair a matéria dos fenômenos até chegar às suas formas puras, tanto no nível da intuição sensível quanto do entendimento. Como afirma Leite (2011, p. 41), “a matéria do conhecimento é variável de um objeto a outro, visto depender dele, do objeto. Por sua vez, a forma, sendo imposta ao objeto pelo sujeito, será reencontrada, invariavelmente, em todos os objetos, por todos os sujeitos.” No plano prático, é preciso abstrair as inclinações subjetivas que levam o sujeito a agir (matéria da ação), determinando sua vontade2, até chegar a um princípio formal incondicionado, que possui sua origem na razão, e que legisla sobre a conduta, isto é, 2 Segundo Leite (2011, p. 77), Kant afirma que a vontade (Wille) é a faculdade de desejar, cujo fundamento interno de determinação se encontra na razão do sujeito. "Dessa forma, a vontade é a faculdade de desejar, considerada não em relação à ação - como o arbítrio (Willkür) -, mas em relação ao fundamento de determinação do arbítrio à ação" (idem). 15 uma lei3, dada a priori pela razão, a qual o sujeito observa por simples dever - definido como "a necessidade de uma ação por respeito à lei" (KANT, 2007 p. 31) -, desconsiderando qualquer interesse particular, ou, ainda, mesmo em prejuízo de seus interesses e inclinações. Como afirmado na Fundamentação da Metafísica dos Costumes: Uma ação praticada por dever tem o seu valor moral, não no propósito que com ela se quer atingir, mas na máxima que a determina; não depende portanto da realidade do objeto da ação, mas somente do princípio do querer segundo o qual a ação, abstraindo de todos os objetos da faculdade de desejar, foi praticada (KANT, ibidem, p. 30). Pascal, ao tratar da determinação da vontade na visão kantiana, afirma que uma vontade perfeita determinar-se-ia sempre pela razão, conformando-se de imediato às leis racionais. Mas, no homem, a vontade não é perfeita: está sujeita, não só à razão, como também a condições subjetivas, isto é, à influência das inclinações da 3 Kant distingue lei de máxima: "Máxima é o princípio subjetivodo querer; o objetivo (isto é o que serviria também subjetivamente de princípio prático a todos os seres racionais, se a razão fosse inteiramente senhora da faculdade de desejar) é a lei prática" (KANT, 2007, p. 31). 16 sensibilidade (PASCAL, 2011, p. 127). Nesse sentido, as leis da razão tomam sempre a forma de imperativos - ou de deveres - que constrangem a vontade subjetiva, de modo que, de outra forma, a vontade não obedeceria à razão e o sujeito agiria sempre segundo uma determinação egocêntrica, isto é, segundo suas inclinações sensíveis. Kant distingue, então, dois tipos de imperativos: os imperativos hipotéticos e os imperativos categóricos. Os imperativos hipotéticos são aqueles que "nos apresentam uma ação como necessária para alcançar um certo fim" (PASCAL, ibidem, p. 127), e se dividem em imperativos de destreza (ou, em algumas traduções, de habilidade), e os de prudência (Klugheit), sendo os primeiros os imperativos que indicam como uma finalidade pode ser atingida no intuito de solucionar problemas práticos inerentes às ciências (KANT, op. cit., p. 51) e o de prudência “o imperativo que se relaciona com a escolha dos meios para alcançar a própria felicidade” (KANT, ibidem, p. 52). Os imperativos hipotéticos estão, pois, sempre relacionados com algum interesse ou inclinação, de tal modo que são estes que determinam a ação. Um imperativo categórico é, segundo Kant, 17 um imperativo que, sem se basear como condição em qualquer outra intenção a atingir por um certo comportamento, ordena imediatamente este comportamento. Tal imperativo é categórico. Não se relaciona com a matéria da ação e com o que dela deve resultar, mas com a forma e o princípio de que ela mesma deriva; e o essencialmente bom na ação reside na disposição [Gesinnung], seja qual for o resultado. Este imperativo pode-se chamar o imperativo da moralidade (KANT, 2007, p. 52). A moralidade é, pois, na visão kantiana, um imperativo fornecido pela razão e que não possui um fim alheio a si mesmo, tampouco causa fora da razão. Em outras palavras, a atitude moral é aquela que ocorre pelo simples respeito à lei moral racional, isto é, por dever, sem visar fins empíricos, mesmo a própria felicidade, como no caso dos imperativos da prudência. Na medida em que visa outros fins, a ação não é senão relacionada a um imperativo hipotético, não sendo, por conseguinte, moral. Urdanoz (1991, p. 82) aponta que a lei moral se apresenta como um imperativo categórico devido ao fato de a forma das leis morais ser a de uma obrigação absoluta, em que a vontade é determinada à ação com independência das condições empíricas ou dos móveis materiais do agir, redutíveis ao prazer subjetivo e 18 egoísta. No tocante à razão que fornece estas leis absolutas, Dudley (2013, p. 29) afirma que, nas obras Fundamento da metafísica dos costumes, na Crítica da razão prática e na Metafísica dos costumes Kant tenta estabelecer que ela não é meramente um instrumento para encontrar as melhores maneiras de satisfazer nossos desejos, mas é capaz de estabelecer objetivos motivando-nos a persegui-los. O mesmo autor afirma ainda que Kant também oferece critérios a partir dos quais ele afirma que nós podemos distinguir entre aquelas intenções e motivações que são moralmente permissíveis e aquelas que não o são. Ele então utiliza estes critérios para especificar nossos direitos e deveres (idem). Assim, a moral se fundamenta completamente no conceito de homem e, uma vez que ele próprio possui em si a lei moral, fornecida pela razão, a qual não tem qualquer fim alheio a ela própria, podemos dizer que o conceito de moral está estreitamente vinculado ao conceito de liberdade (Freiheit), sendo a atitude moral aquela que se dá independentemente de fatores empíricos, isto é, independentemente da causalidade natural (Kausalität). De 19 acordo com Leite (op. cit., p. 78), a liberdade é definida negativamente, como a independência do arbítrio em relação aos impulsos sensíveis; e positivamente, como a faculdade de a razão pura ser por si mesma prática. Portanto, a atitude moral é aquela que é tomada com liberdade, sem ser determinada por fatores externos, ou visando benefícios, presentes ou futuros, o que, na visão kantiana, constituiria a heteronomia. A autonomia é, segundo Urdanoz (op. cit., p. 87), o princípio único e supremo da moralidade, já que a vontade se determina pelo imperativo categórico que não manda nada além que a própria autonomia. A moral autônoma postulada por Kant, segundo autor, "equivale à reiterada afirmação da própria lei formal da razão como único determinante do querer, e a exclusão de todos os outros motivos materiais do agir, alheios à vontade, como morais" (idem). A autonomia, portanto, está estreitamente relacionada à Freiheit e à independência do homem em relação à Naturkausalität ou ao determinismo. A defesa kantiana da liberdade e da responsabilidade que o homem tem sobre suas próprias ações é um dos pontos centrais em sua explicação da moralidade justamente porque são nessas bases que se fundamentam nossas concepções de bem, de mal, de justo ou injusto. Dudley (2013, p. 55-56) exemplifica essa 20 fundamentação apresentando duas situações equivalentes, porém com sujeitos diferentes: uma primeira na qual duas aranhas estão copulando e, tendo o macho fecundado a fêmea, esta percebe que seu companheiro não tem mais qualquer utilidade para ela, o que a leva a matá-lo e a devorá-lo; e uma segunda na qual ocorre o mesmo fato, sendo que entre dois seres humanos. Segundo o autor, não podemos julgar o segundo caso - envolvendo seres humanos - mais reprovável do que o primeiro se não rejeitarmos o determinismo e postularmos o homem como ser livre e responsável pelos seus atos, capaz de agir segundo um princípio - ou um imperativo - puramente racional. Como aponta Urdanoz (op. cit., p. 76), "o homem se liberta, em virtude da lei moral, do determinismo causal, ao qual estava sujeito como natureza sensível, e se considera positivamente livre". Desse modo, Kant põe na própria razão do homem o fundamento de uma moral objetivamente válida e a superação do determinismo, se distanciando dos moralistas britânicos, que fundamentavam a moral nos instintos do homem ou mesmo de pensadores como Spinoza, que fundamentava sua ética nos afetos e na utilidade, conforme nota-se na sua Ética (SPINOZA, 2008). Uma ação realizada por dever e em respeito à lei moral, segundo Kant, não raro vai de encontro com os interesses e com os 21 instintos do sujeito que age. Podemos encontrar, a respeito disso, várias ilustrações históricas interessantes de mártires que, em diferentes ocasiões, se sacrificaram, fisicamente, tendo em vista um ideal de bem e de justiça, entre eles e, como exemplo maior, o próprio Jesus Cristo, que na obra A Religião nos limites da simples razão é posto como a personificação do princípio bom no homem, isto é, como o “arquétipo da intenção moral na sua total pureza" (KANT, 2008, p. 69), arquétipo este que, não obstante residente na própria razão humana, não é criado pelo homem, corrupto por natureza, mas que "desceu do céu a nós" e "tomou a humanidade" (KANT, ibidem, p. 70). Tal arquétipo de perfeição moral é aquele que, pensando na humanidade, tomada universalmente, age por dever mesmo em prejuízo de si mesmo, enquanto considerado sob aspectos físicos e sensíveis. Este fundamento cristão da moralidade que podemos mapear em Kant, já antecipa em grande medida o viés de seu universalismo ético: A ação moral é, para Kant, aquela que, não ocorrendo determinada por fatores subjetivos – embora seja determinada por uma lei da razão existente no sujeito – aspira sempre ao universal, nunca ao particular. Tal moral aspira, igualmente, a um caráterabsoluto, não susceptível à variações culturais. O mesmo viés pode ser encontrado em Lawrence 22 Kohlberg, séculos depois, que em seu esquema de estágios do desenvolvimento moral postulará que o ser humano se desenvolve moralmente passando através de uma série de seis estágios, nos quais progressivamente abdica das ações egoístas e passa a agir segundo uma moral cada vez mais universalista e absoluta, sendo o último estágio equiparado pelo autor com o imperativo categórico kantiano. Este ponto de aproximação é, pois, o que visamos explorar no presente escrito, sendo tal o seu objetivo, ressaltando, em tal exploração, como Kohlberg aprofunda a ética kantiana, na medida em que a coloca em um esquema desenvolvimental mais claro do que aquele esboçado por Kant. Também visamos explorar possíveis pontos de distanciamento entre os dois autores, sobretudo no que toca a relação entre a moral e a lei positiva, a qual assume contornos diferentes em ambos. Para a realização do objetivo proposto foi feita uma pesquisa bibliográfica e uma análise dos principais conceitos envolvidos dentro do tema da moral, em cada autor, destacando os pontos de aproximação e distanciamento e explorando-os. Os aspectos abordados foram, sobretudo, os do universalismo moral, do caráter absoluto desta e de sua independência em relação a fatores empíricos. Outros dois aspectos foram os da noção de 23 desenvolvimento moral em ambos os autores e o da relação entre a moral e a lei positiva, conforme sobredito. Para tanto foram utilizados escritos tanto de Kant quanto de Kohlberg, além de escritos auxiliares de comentadores e especialistas nos temas em abordados. 2. KANT E KOHLBERG: MORAL ABSOLUTA E UNIVERSALISTA E DESENVOLVIMENTO MORAL De acordo com aquilo que foi exposto na introdução do presente escrito, podemos considerar que Kant resolve aquele problema que havia se instaurado na filosofia prática desde o fim do medievo: o dos fundamentos subjetivos da moral universal e absoluta. O imperativo categórico - isto é, o imperativo da moralidade fornecido apenas pela razão - não obstante resida no próprio homem, assume uma forma absoluta, à qual o sujeito observa sempre com respeito e por dever na medida em que age moralmente, não visando a satisfação egocêntrica ou a própria felicidade. Dessa maneira, a moral prescinde de conceitos alheios ao próprio homem, enquanto tomado como ser livre, para ser explicado, mesmo aquele de Deus, não obstante a moralidade, na concepção kantiana, ainda mantenha uma estreita relação com a 24 divindade. Chegando ao conceito do Imperativo Categórico, Kant busca fornecer uma fórmula, fórmula esta "que contenha a proposição que só por si possa ser um imperativo categórico" (KANT, 2007, p. 58). Esta proposição, posto que se refere a um imperativo que não possui um fim alheio a si mesmo, e que desconsidera as inclinações subjetivas daquele que age, não expressa senão "a universalidade de uma lei em geral à qual a máxima da acção deve ser conforme" (KANT, ibidem, p. 59). Considerando isso, Kant estabelece a seguinte proposição como fórmula geral do imperativo categórico: "Age apenas segundo uma máxima tal que possas ao mesmo tempo querer que ela se torne lei universal" (KANT, ibidem, p. 59). Todos os imperativos da moral e do dever possuem como princípio esta proposição. Desta fórmula geral, Kant deriva ainda outras três: I - A primeira, relaciona-se com a ideia de natureza, e é definida nestes termos: "Age como se a máxima de tua ação se devesse tornar, pela tua vontade, em lei universal da natureza" (KANT, 2007, p. 59). Nas palavras de Pascal (op. cit., p. 129), "trata-se de saber se os seres que adotassem nossas máximas como regras universais constituiriam uma ordem viável". Mais adiante, o comentador cita como exemplos o caso do suicídio ou 25 o caso em que alguém faz uma promessa falsa para livrar-se de uma dificuldade, colocando-os como ações que não poderiam, sem contradição, erigir-se como leis universais da natureza. A ideia de uma natureza onde a conservação da vida cedesse lugar à sua destruição como lei, é por si mesma contraditória. No caso da promessa falsa, não poderíamos conceber um mundo onde o não-cumprimento de promessas fosse uma lei, de modo que a noção de promessa ficasse completamente destituída de sentido. II - Na segunda variante, temos o homem, enquanto ser racional, como fim em si mesmo. Nas palavras de Kant, "o homem, e, duma maneira geral, todo o ser racional, existe como fim em si, não só como meio para o uso arbitrário desta ou daquela vontade" (KANT, 2007, p. 68). O ser racional seria, pois, a única coisa que teria um valor absoluto em si mesmo, não para nós, tal como as demais coisas na natureza das quais dispomos para nossa satisfação própria. Esta variante assume, portanto, os seguintes termos: "Age de tal maneira que uses a humanidade, tanto na tua pessoa como na pessoa de qualquer outro, sempre e simultaneamente como fim e nunca simplesmente como meio" (KANT, 2007, p. 69). III - Na terceira variante, Kant põe o homem não como objeto da lei moral, mas como seu autor, de onde temos a noção 26 de autonomia. O homem impõe a si próprio a lei moral, e, por isso mesmo, age em liberdade, desvinculando-se da causalidade natural inerente ao mundo fenomênico e das inclinações sensíveis. Essa última variante é expressa nestas palavras: nunca praticar uma ação senão em acordo com uma máxima que se saiba poder ser uma lei universal, quer dizer só de tal maneira que a vontade pela sua máxima se possa considerar a si mesma ao mesmo tempo como legisladora universal" (KANT, ibidem, p. 76). Temos, inequivocamente, nas duas últimas variantes, sobretudo na penúltima, a noção de dignidade humana. O ser racional, o único dotado de uma vontade e que pode determinar- se a agir livremente, como autônomo, pode reconhecer em si mesmo e nos seus iguais um valor absoluto, que não pode ser diminuído, como acontece nos demais elementos da natureza. Tal dignidade humana é a pedra angular daquilo que chamamos de Direitos Humanos, e tal fundamento não é dado senão a priori, isto é, não pode ser derivado de conteúdos empíricos sem pormos em xeque seu caráter absoluto, mesmo se levarmos em conta entre tais conteúdos a própria formação da sociedade, o contrato 27 envolto nela e suas demandas. Nesse sentido, Kant postula a moral não só como algo “anterior” a tudo o que é empírico, mas, ademais, como algo absoluto e ao qual tudo o que é empírico deve conformar-se, na medida em que isso depende do sujeito que age. A universalidade e o caráter absoluto do imperativo categórico consistem precisamente no fato de que, uma vez posta a lei pela razão, nem mesmo o próprio sujeito pode incluir-se como exceção à regra. Se, por outro lado, o sujeito que age incluísse-se como exceção à lei e ao dever, na medida em que tal exceção fosse favorável para si, tratar-se-ia, ao invés de uma ação moral, de uma ação com vistas à felicidade ou a algum propósito egocêntrico, completamente alheio à lei moral, tal como vimos nos imperativos hipotéticos. Neste sentido, o Imperativo Categórico em nada privilegia presentemente, no mundo sensível, o sujeito que age. Do contrário, a ação deve ser realizada em conformidade com este imperativo, que assume a forma de um mandamento, ainda que o cumprimento deste dever seja desfavorável para o sujeito. Dudley (ibid., p. 29) afirma que Kant iguala viver moralmente com ser digno de felicidade, que ele salienta ser algo bem diferente, e muito imperfeitamente correlacionado, a realmente ser feliz - e os mártires são provas empíricas disso. Mas como saber se o sujeito 28 que age conforme o dever tem, de fato, sua vontade determinada pela razão, e não pelas inclinações subjetivaspelas quais ele busca a felicidade e evita o sofrimento? Um homem que deseja o objeto de outrem, por exemplo, pode agir conforme o dever apenas por medo de ser punido. Como, portanto, diferenciar? A solução kantiana está na divisão entre legalidade e moralidade. O agir conforme a lei moral nem sempre ocorre pelo zelo que se tem pelo imperativo da moralidade, podendo ser determinado por outro sentimento de qualquer espécie. A ação moral, por outro lado, é determinada por um sentimento de cumprimento do dever pelo simples dever, como afirmado na Crítica da razão prática: O essencial de todo valor moral das ações depende de que a lei moral determine imediatamente a vontade. Com efeito, se a determinação da vontade acontecer conforme à lei moral, mas somente através de um sentimento, seja ele de que espécie for e que tenha de ser pressuposto para que a lei moral se torne um fundamento determinante suficiente da vontade, por conseguinte não por causa da lei, nesse caso a ação em verdade conterá legalidade mas não moralidade (KANT, 2016, p. 114). 29 Nesse sentido, o agir por dever se diferencia do agir conforme o dever de acordo com a intencionalidade que determina a ação. É na justificativa interior do agir que reside a distinção entre a moralidade e a mera legalidade. A moral, como lei incondicionada, exige do indivíduo, além de uma adequação de conduta, a intenção de agir por amor a ela, sem lançar vistas em objetos alheios, sendo, por esta razão a priori e absoluta. A mera legalidade, por outro lado, nada tem senão a aparência externa de uma ação conforme o dever, sem necessariamente encontrar uma intenção subjetiva correspondente. O fato de Kant tratar da moral como algo não sujeito às mudanças sociais – posto que independente de tudo que é empírico –, mas, por outro lado, como algo atemporal e absoluto, torna aparentemente difícil sua conciliação com uma noção de desenvolvimento. Na psicologia nomes como os de Piaget elaboraram, baseados em diversos estudos empíricos, teorias que apontam para o fato de que a racionalidade e a ação moral universalista é algo que aparece com o tempo, de modo que a criança, na interação com outros egos, vai desenvolvendo progressivamente uma atitude de cooperação, abdicando cada vez mais da postura egocêntrica. Como poderia, então, a moral atemporal e absoluta defendida por Kant ser condicionada ao 30 desenvolvimento dos indivíduos? A própria noção de desenvolvimento não traz, implicitamente, a visão de uma moral condicionada? A verdade é que Kant não trata de maneira tão clara da questão do desenvolvimento moral individual, como o faz Piaget a partir de uma perspectiva psicológica. Contudo, podemos achar em diferentes escritos a noção de desenvolvimento moral numa perspectiva mais ampla, isto é, social, cultural e da humanidade enquanto espécie. O estudo de Kleingeld (2011) sobre o tema nos aponta que a noção de desenvolvimento moral, para Kant, não significa que a lei moral mude com o tempo ou com o progresso da história, como defenderia Hegel (ibidem, p. 110). Não é a razão, que é o fundamento da lei moral, que evolui, “mas antes as disposições para o uso da razão” (ibidem, p. 111). O ser humano, enquanto tal, possui disposições (Anlagen) naturais para o uso da razão e, consequentemente, para a ação moral, disposições estas que são sempre iguais, em todos os seres humanos de todos os povos de todas as épocas, mas que nem sempre se encontram desenvolvidas e cultivadas - o que nos parece evidente pelo próprio progresso que a humanidade alcançou no sentido de promover a paz, o respeito ao próximo e aos direitos fundamentais ao longo da história. Tais progressos 31 morais ao longo da história não seriam, contudo, uma evolução da razão prática ou da moral, e sim uma evolução cultural, fruto do aprendizado que é transmitido de geração a geração por meio da educação, de modo que temos, a cada nova geração, um maior desenvolvimento das potencialidades humanas que melhor possibilitam chegar à uma moral plenamente desenvolvida. A lei moral seria, destarte, sempre a mesma, incondicionada e atemporal. O que é condicionado e temporal é o grau de desenvolvimento das disposições para o uso da racionalidade, as quais, se plenamente desenvolvidas, chegam invariavelmente à lei moral, de caráter absoluto e universal, que na filosofia kantiana é o Imperativo Categórico. De fato, Kant chega a estabelecer algumas condições fundamentais para que as disposições para a ação moral e para o uso da razão sejam desenvolvidas, que são a paz e a educação moral. Kleingeld (ibidem, p. 108) afirma que na visão kantiana o homem possui uma característica psicológica peculiar, que ele chama de “insociável sociabilidade”, que é uma inclinação mista à interação social e ao isolamento e conflito. Segundo a autora: O antagonismo social que dela resulta conduz a consequências que são tão danosas que as 32 pessoas sairão do estado de natureza4 por razões egoístas, e criarão um estado que regulará sua interação de acordo com leis. A mesma dinâmica do egoísmo, por sua vez, levará os Estados, em primeiro lugar, a entrar em guerra, mas depois os levará a buscar estabelecer uma federação internacional5 para produzir a paz (idem). A paz estabelecida através da política por motivos egocêntricos (Utilitarismo) proporcionará, contudo, um ambiente propício ao pleno desenvolvimento das potencialidades racionais humanas e à educação moral. Com efeito, num ambiente de paz e de esclarecimento (Aufklärung), onde a educação passa a assumir um papel primordial, a própria paz passará ser mantida por razões morais, e não mais por motivos meramente utilitaristas. Assim, tanto a paz quanto a educação moral são fatores fundamentais no 4 Filósofos contratualistas como Thomas Hobbes e John Locke explicaram o surgimento da sociedade como uma passagem do Estado de Natureza - estado de barbárie e da ausência de governo - ao contrato social, que, através do governo, asseguraria a harmonia e a estabilidade entre os indivíduos. 5 A ideia de uma federação internacional com a finalidade de produzir a paz no mundo é o que deu origem à ONU. Kant foi um dos primeiros pensadores a perceberem a necessidade de uma espécie de organização que estivesse para as nações assim como os governos das nações estão para os indivíduos, tirando-os do Estado de Natureza e guerra. Suas ideias sobre o tema estão expostas em sua obra À Paz perpétua. 33 desenvolvimento dos indivíduos até o pensamento universalista que caracteriza a lei moral expressa no Imperativo Categórico. A educação moral que Kant defende, contudo, não é a educação antiga, que visa produzir no aluno uma obediência cega, mas uma educação pautada em novos métodos. Esses novos métodos, diz Kleingeld (ibidem, p. 117), “têm uma abordagem socrática, maiêutica, e Kant desenvolve sua própria versão de um método na Doutrina do Método da Crítica da Razão Prática.” A mesma autora (idem) afirma ainda, sobre a proposta kantiana de uma educação moral, que “é evidente que professores não podem causar nos seus alunos uma disposição moral, mas eles podem fazer muito para ajudá-los a sentirem seu próprio valor e reconhecer aquilo que o dever exige”. Assim, a educação não irá causar necessariamente um raciocínio moral nos alunos, mas criará um ambiente propício ao pleno desenvolvimento das potencialidades racionais que são a condição para a moralidade. Passando agora ao pensamento de Kohlberg, a despeito do abismo temporal que se impõe entre as figuras do filósofo prussiano e de psicólogo estadunidense, suas teorias trazem muitos pontos em comum, os quais passaremos a explorar agora. De fato, Kohlberg não apenas era um bom conhecedorda filosofia - de modo que em alguns de seus escritos podemos 34 encontrar um tom quase que puramente filosófico - como também era um conhecedor da filosofia kantiana, chegando a citá-la em diversos momentos, o que demonstra também que Kant não deixou de exercer alguma influência sobre suas ideias. Não obstante essas influências kantianas possam ser notáveis na teoria de Kohlberg, esta assume características próprias. Enquanto o foco de Kant é muito mais na natureza da moralidade, postulando-a como algo absoluto, atemporal, universal e essencialmente suprassensível, não adentrando na questão do desenvolvimento senão de modo mais secundário e falando de maneira muito ampla (abordando muito mais a questão do desenvolvimento moral na sociedade do que no indivíduo), o foco de Kohlberg é justamente explicar como o indivíduo se desenvolve, passando por estágios nos quais ele vai abdicando progressivamente da postura egocêntrica, isto é, das inclinações subjetivas, até chegar a uma moral universalista. De uma forma geral, podemos dizer que a teoria de Kohlberg postula a existência de diferentes níveis de moralidade6, 6 Enquanto Kant chama de moral estritamente o tipo de pensamento que desconsidera as inclinações subjetivas e põe o foco na universalidade, Kohlberg usa o termo “moral” para nomear as diferentes formas de o indivíduo 35 níveis estes que podem ser adquiridos na medida em que o indivíduo se desenvolve biologica e cognitivamente. Essa relação entre o desenvolvimento cognitivo e a moralidade já podemos encontrar em Piaget, que relaciona seus estágios do desenvolvimento cognitivo com o modo como o indivíduo interage com seus pares: 1º. O estágio dos reflexos, ou mecanismos hereditários, assim como também das primeiras tendências instintivas (nutrições) e das primeiras emoções. 2º. O estágio dos primeiros hábitos motores e das primeiras percepções organizadas, como também dos primeiros sentimentos diferenciados. 3º. O estágio da inteligência senso-motora ou prática (anterior à linguagem), das regulações afetivas elementares e das primeiras fixações exteriores da afetividade. Estes três primeiros estágios constituem o período de lactância (até por volta de um ano e meio a dois anos, isto é, anterior ao desenvolvimento da linguagem e do pensamento). 4º. O estágio da inteligência intuitiva, dos sentimentos interindividuais espontâneos e das relações sociais de submissão ao adulto (de dois a sete anos, ou segunda parte da “primeira infância”). 5º. O estágio das operações conceber o que é justo ou injusto, mesmo naquelas em que o pensamento egocêntrico é predominante. 36 intelectuais concretas (começo da lógica) e dos sentimentos morais e sociais de cooperação (de sete a onze-doze anos). 6º. O estágio das operações intelectuais abstratas, da formação da personalidade e da inserção afetiva e intelectual na sociedade dos adultos (adolescência) (PIAGET, 2010, p. 15). Kohlberg observou os diferentes níveis de raciocínio moral a partir de estudos realizados em diferentes culturas nos quais se serviu do uso de dilemas morais, que são situações hipotéticas de conflito onde diferentes interesses estão em jogo e onde não há uma atitude inequivocamente mais correta a se tomar. Um exemplo de dilema moral é o Dilema de Heinz, descrito como se segue por Bee: Na Europa, uma mulher estava quase à morte, com um tipo específico de câncer. Havia um remédio que os médicos achavam que poderia salvá-la. Era uma forma de rádio que um farmacêutico da mesma cidade havia descoberto recentemente. O remédio era caro para se fazer e o farmacêutico estava cobrando dez vezes mais do que ele lhe custava na fabricação. Ele pagava 200 dólares pelo rádio e cobrava 2000 dólares por uma pequena dose do remédio. O marido da mulher doente, Heinz, procurou todo mundo que ele conhecia para pedir dinheiro 37 emprestado, mas só conseguiu aproximadamente 1000 dólares, a metade do preço do remédio. Ele disse ao farmacêutico que sua mulher estava morrendo e pediu-lhe para vender o remédio mais barato ou deixá- lo pagar o restante depois. Mas o farmacêutico disse: 'Não, eu descobri o remédio e vou ganhar muito dinheiro com ele'. Então Heinz ficou desesperado e assaltou a farmácia para roubar o remédio para sua mulher (BEE, 1984, p. 103). Tais dilemas tiveram como objetivo levar as pessoas a refletirem e decidirem se é justo ou não Heinz roubar o medicamento para salvar sua esposa enferma, bem como a apresentar um porquê de sua resposta. A importância da justificativa que se dá ao se optar pela defesa de uma ou outra ação é um dos primeiros pontos possíveis de ligação entre Kohlberg e Kant, posto que, a partir da justificativa da ação podemos inferir a qualidade da intenção que levaria um sujeito X a optar por uma atitude ou outra frente a uma situação de dilema moral. Nesse sentido, assim como para Kant, também para Kohlberg não está meramente em questão se um certo indivíduo optou ou não por roubar um medicamento ou a agir de qualquer outra maneira, mas qual a motivação subjetiva que o levou à ação. A questão se coloca além da mera legalidade na medida em que 38 questiona a moralidade, esta indissociavelmente atada à intenção subjetiva e à justificativa implicadas na ação. A partir dos estudos sobre as respostas dadas no Dilema de Heinz e em outros e das justificativas apresentadas, temos seis diferentes maneiras de raciocinar moralmente sobre a justiça, que são apresentadas na forma de estágios desenvolvimentais (no sentido de que verifica-se uma tendência de os sujeitos progredirem em seus pensamentos de justiça na medida em que amadurecem). Tais estágios são descritos em diferentes textos de Kohlberg e são observados de maneira constante em várias e diferentes culturas, conforme o autor nos aponta em seu artigo Minha busca pessoal pela moralidade universal (2012a, p. 73- 74). Em seu breve artigo Os Seis Estágios do Juízo Moral (1981), Kohlberg expõe seis estágios divididos em três níveis, pelos quais os indivíduos se desenvolvem moralmente, os quais resumimos a seguir: 39 Nível Pré-convencional Estágio 1 (etapa do castigo e da obediência) O correto é obedecer literalmente as regras e a autoridade, evitar castigos e não fazer danos físicos. As razões para fazer o correto são evitar o castigo e o poder superior das autoridades. Estágio 2 (Estágio de propósitos e trocas individualistas e instrumentais) O correto é servir aos próprios interesses ou às necessidades dos outros e fazer tratos justos em termos de trocas concretas. As razões para fazer o correto são servir aos próprios interesses e necessidades, em um mundo onde se deve reconhecer que as outras pessoas também têm seus próprios interesses. Nível Convencional Estágio 3 (Estágio das expectativas mútuas, relações e conformidades interpessoais) O correto é desempenhar o papel de uma pessoa agradável, preocupar-se com outras pessoas e seus sentimentos, manter a lealdade e a confiança 40 entre os familiares e estar disposto a cumprir as regras e expectativas. As razões para fazer o correto são a necessidade de ficar bem consigo mesmo com os demais, cuidar de outros, e se alguém se coloca no lugar de outro, esse alguém quer que se comportem bem com ele (regra de ouro). Estágio 4 (Estágio da preservação do sistema social e a consciência) O correto é cumprir o dever na sociedade, apoiar a ordem social e manter o bem estar da sociedade ou do grupo. As razões para fazer o correto são manter a instituição funcionando como um todo,o auto- respeito ou a consciência, entendida como o cumprimento das próprias obrigações, segundo o que se é definido, e a consideração das consequências: “que aconteceria se todo mundo 41 fizesse isso?” Nível Pós-Convencional ou de Princípios (As decisões morais se geram a partir de direitos, valores ou princípios que são (ou poderiam ser) aceitáveis por todos os indivíduos que constituam ou estejam criando uma sociedade projetada para que suas práticas sejam justas e benéficas.) Estágio 5 (Estágio dos direitos anteriores ao contrato social ou utilidade) O correto é defender os direitos fundamentais, valores e contratos legais de uma sociedade, inclusive quanto entram em conflito com as regras e leis concretas do grupo. As razões para fazer o correto são, em geral, sentir-se obrigado a obedecer a lei porque se aceitou o contrato social de fazer cumprir as leis pelo bem de todos e para proteger tanto os próprios direitos quanto os dos demais. A família, a amizade, a confiança e as obrigações laborais também são compromissos ou contratos livremente assumidos e implicam respeito aos direitos dos outros. A pessoa se preocupa porque as leis e deveres se baseiam no 42 cálculo racional da utilidade geral: “o maior bem para o maior número”. Estágio 6 (Estágio dos princípios éticos universais) Esta etapa assume guiar-se mediante princípios universais que toda a humanidade deveria seguir. As leis ou acordos sociais específicos usualmente são válidos porque se sustentam sobre tais princípios. Os princípios são princípios universais de justiça: a igualdade dos direitos humanos e o respeito pela dos seres humanos como indivíduos. Estes não são tão somente valores a se reconhecer, senão princípios empregados para gerar decisões específicas. A razão para fazer o correto é que, como pessoas racionais, nós captamos a validade dos princípios e nos 43 comprometemos com eles. Como podemos perceber, o esquema de estágios de Kohlberg expõe um processo que parte de um estágio completamente egocêntrico até um onde o egocentrismo é extinto, de caráter universalista. O processo de desenvolvimento ao longo desses estágios se dá na medida em que o indivíduo interage com o mundo e com outros egos e interesses diferentes dos seus, com os quais terá de aprender a lidar. Dessa forma, vemos que não só em cada estágio seguinte temos um menor grau de egocentrismo (o primeiro estágio pauta-se puramente pelo hedonismo, o segundo nas trocas vantajosas, o terceiro em parecer bom para pessoas próximas, o quarto em fazer todo o sistema funcionar pelo cumprimento das leis, o quinto na manutenção do contrato social, de caráter supralegal, e, finalmente, o sexto, nos princípios éticos universais), mas que essa abdicação do egocentrismo se dá na medida em que o indivíduo assume uma perspectiva progressivamente mais universal, culminando no ponto em que ele desconsidera suas próprias inclinações subjetivas e adota a perspectiva da humanidade tomada como um todo, isto é, “assume guiar-se 44 mediante princípios universais que toda a humanidade deveria seguir.” (KOHLBERG, ibidem, p. 5). Em outras palavras, egocentrismo e universalismo são diretamente opostos. Quanto menos egocentricamente um indivíduo pensa, mais universalmente, e vice-versa. Sobre isso é interessante pontuar que em todos os estágios anteriores ao sexto persiste alguma dose de egocentrismo, mesmo no quinto, e apenas no sexto o indivíduo se vê despojado do peso das inclinações na ação. O quinto estágio é, em diferentes passagens, posto por Kohlberg como o estágio do Contrato Social e do Utilitarismo. Como vimos acima, Kohlberg o caracteriza como o estágio onde prevalece “o cálculo racional da utilidade geral: ‘o maior bem para o maior número’” (KOHLBERG, ibidem, p. 5). Isto é, no quinto estágio o indivíduo assume o que é melhor – no sentido do que gera mais satisfação - para a maioria, e não simplesmente o que é universalmente válido para todos. Kohlberg, sem sombra de dúvidas, tinha conhecimento do Utilitarismo enquanto perspectiva filosófica, isto é, a corrente de pensamento encabeçada inicialmente por Jeremy Bentham e seu discípulo Stuart Mill, como fica claro quando Kohlberg diz ter estudado Mill em seu artigo Minha busca pessoal pela moralidade 45 universal (2012a, p. 71). De fato, é Bentham quem defende o ponto de vista de que uma ação moralmente boa é aquela que deve gerar a maior felicidade para o maior número de pessoas. O princípio da utilidade defendido por Bentham postula que a moralidade de uma ação deve ser medida em termos quantitativos, isto é, pelo quanto de felicidade (no sentido de prazer) ela gera para todos (SCRUTON, 2008, p.289). Mill deu continuidade à obra de Bentham, tendo acrescido apenas uma distinção qualitativa entre os diferentes tipos de felicidade (SCRUTON, ibidem, p. 291). A perspectiva utilitarista não apenas se contrapõe diretamente ao formalismo moral kantiano que desconsidera as inclinações egocêntricas, como fica explícito nas críticas que Mill tece a Kant em sua obra Utilitarismo (2007), como, além disso, o próprio Kohlberg percebe essa diferença quando fala, ainda em seu artigo Minha busca pessoal pela moralidade universal, que, em contraste com as obras de Locke e Mill, o princípio básico do Imperativo Categórico de colocar o ser humano sempre como fim, e nunca como meio, e o respeito equitativo pela dignidade humana passou a parecer para ele, em certo período de seu desenvolvimento intelectual, a essência da justiça (KOHLBERG, op. cit). 46 A divergência entre o hedonismo utilitarista e a moral essencialmente universalista pode ser percebida pelos exemplos utilizados por Kant e Kohlberg para ilustrar o que seria o ápice do desenvolvimento moral. Kant utiliza a figura de Cristo, conforme supracitado, que renunciou sua própria vontade e agiu em favor de toda a humanidade. Kohlberg (2012a, p. 69; KOHLBERG; POWER, 2012, p. 170) utiliza exemplos de mártires tais como Sócrates e Martin Luther King que, semelhantemente a Cristo, sacrificaram suas vidas por aquilo que acreditavam representar a justiça. Podemos dizer que ambos os autores convergem no ponto de que a ação segundo princípios universais nem sempre vem acompanhada de alguma satisfação egocêntrica, mas, pelo contrário, ocorre mesmo quando há prejuízo para a pessoa que age, sendo, assim, qualitativamente superior ao pensamento utilitarista, que sempre mantém alguma relação com a satisfação sensível. Kohlberg e Power (ibidem, p. 184) afirmam ainda que no Estágio 6 “os princípios éticos universais não podem ser justificados diretamente pelas realidades da ordem humana ou social”. Assim, os princípios universais que caracterizam o sexto estágio assumem um caráter essencialmente suprassensível, no sentido de que não estão submetidos às condições empíricas 47 sociais – isto é, ao contrato social ou ao que gerará melhor satisfação para o maior número de pessoas – mas assume uma forma na qual se obedece a tais princípios por eles serem fins em si mesmos. Os mesmos autores (ibidem, p. 174), concordando com Bradley (1962) falam do fato de que buscar uma justificativa ou para a moral em fins não-morais, tais como o prazer – ou, poderíamos dizer também, a utilidade – contradiz o próprio significado de moralidade. Desse modo, o bem, segundo Kohlberg, deve ser feito desinteressadamente, por o próprio bem ser um fim em si mesmo. Se fizermos o bem por motivos alheios ao próprio bem, isto é, com algum interesse particular, não estaremos agindo de maneira autônoma ou verdadeiramente moral, mas, sim, de modo heterônomo e egocêntrico, ainda que favoreçamos a muitas outras pessoas,como no pensamento utilitarista7. Convém, todavia, perguntar: como sabemos que a moral 7 O pensamento contratualista, representado por Hobbes e Locke, também pode, grosso modo, ser classificado como uma forma de pensar utilitarista, uma vez que, segundo tal corrente de pensamento, os indivíduos entram no pacto social justamente para defender seus interesses egocêntricos. O contrato social teria como causa final, portanto, a proteção dos interesses egocêntricos de todos os contratantes. Daí, provavelmente, o porque de Kohlberg ter colocado no mesmo estágio o contratualismo e o utilitarismo. 48 universalista que Kohlberg postula como ápice do desenvolvimento é a mesma moral universalista de que fala Kant? Como podemos ter certeza de que os dois autores estão falando da mesma coisa? Primeiramente porque ambas “morais universalistas” são colocadas como uma forma de pensamento pelo qual o sujeito que age abdica de toda postura egocêntrica e heterônoma, e uma ação despojada de todo e qualquer motivo egocêntrico e heterônomo, ou, em termos kantianos, despojada de toda inclinação, não pode ser outra coisa que uma ação que ocorre essencialmente em prol do universal, isto é, em prol de toda a humanidade, tomada livremente segundo princípios universais. Qualitativamente as duas morais não se distinguem. Segundo, o próprio Kohlberg chega a relacionar o Imperativo Categórico kantiano com seu estágio 6 (o estágio dos princípios universais de justiça) em diferentes escritos, como, por exemplo, na passagem que citamos acima do artigo Minha busca pessoal pela moralidade universal, e também quando ele diz, em seu artigo Desenvolvimento Moral, pensamento religioso e a questão de um sétimo estágio: “Kant argumentou que o que era bem conhecido ou estava claramente fundado na razão era o princípio (estágio 6) do imperativo categórico” (KOHLBERG; POWER, 2012, p. 49 178). Mas o que Kant e Kohlberg entendem por “princípio”? De que modo podemos compreender que o Imperativo Categórico é um princípio, ou que o estágio 6 de Kohlberg é um estágio de princípios éticos universais? Kant, segundo podemos compreender, entende princípio como aquilo que é condição, e não condicionado. Por exemplo, a razão, manifesta no Imperativo Categórico, é condição da moralidade. O princípio da moralidade é a razão. Nesse sentido, todas as regras morais específicas têm como princípio unificador o princípio racional do Imperativo Categórico, que as torna possíveis e ao qual todas elas estão condicionadas. Kohlberg segue a mesma linha de raciocínio. Segundo o autor Um princípio é um modo imparcial, universalizável, de decidir ou julgar, não uma regra cultural concreta. ‘Não cometerás adultério’ é uma regra para condutas específicas em situações específicas em uma sociedade monogâmica. Em contrapartida, o imperativo categórico de Kant – ‘Age unicamente de modo como tu desejarias que todos devessem atuar na mesma situação’ – é um princípio. É um guia para escolher entre comportamentos, não uma prescrição para o comportamento. Como tal, é livre de 50 qualquer conteúdo culturalmente definido; é algo que ao mesmo tempo transcende e subsome as leis sociais particulares. Portanto, tem uma aplicabilidade universal (KOHLBERG; MAYER, 2012, p. 136) Assim, temos de maneira suficientemente clara que Kohlberg fala de princípios universais na mesma linha de raciocínio que Kant e, ademais, coloca o Imperativo Categórico como um princípio que estaria em seu estágio sexto, isto é, no ápice do desenvolvimento moral. Mas, como dissemos, a moral para Kant é algo puramente racional, isto é, que ocorre desconsiderando as inclinações pessoais e as vontades do ego. Kohlberg, sobre isso, afirma que existe uma relação entre o nível de raciocínio moral e o nível de desenvolvimento do raciocínio lógico, tal como Piaget já havia apontado, como citamos acima. Isto é, quanto mais desenvolvido um indivíduo se encontra no tocante ao raciocínio lógico, mais apto ele está para apresentar raciocínios morais elevados. Segundo o autor Desde que raciocínio moral é raciocínio, um raciocínio moral avançado depende de um raciocínio lógico avançado. Existe um paralelismo entre o estágio (de 51 desenvolvimento) lógico de um indivíduo e seu estágio moral. Uma pessoa cujo estágio lógico é apenas de operações concretas está limitada aos estágios da moral pré- convencional, estágio 1 e 2. Uma pessoa cujo estágio lógico é apenas “pouco” formal- operacional está limitada aos estágios morais do nível convencional (estágios 3 e 4). Embora o desenvolvimento lógico seja uma condição necessária para o desenvolvimento moral, ele não é suficiente. Muitos indivíduos se encontram em um maior estágio lógico do que o paralelo estágio moral, mas essencialmente ninguém está em um estágio moral maior do que seu estágio lógico (KOHLBERG, 1976, p. 32). Assim, podemos dizer que enquanto para Kant a moral universalista é a própria manifestação da razão prática em seu caráter suprassensível, para Kohlberg a moral em seu nível mais elevado, isto é, em sua forma universalista, tem como condição necessária o desenvolvimento das capacidades racionais, formais e abstratas, isto é, das capacidades lógicas. Nesse ponto podemos dizer que Kohlberg concorda com Kant no sentido de que a moral expressa por princípios universais (como o imperativo categórico, conforme citado acima) é sempre a mesma, uma vez que transcende as condições relativas à espaço-temporalidade de cada sociedade e cultura, mas o que se desenvolve são as 52 disposições para o uso da razão (ratio) ou do raciocínio (ratiocinatio) lógico, que são as mesmas em todos os seres humanos. Esta ratio, segundo os dois autores, é o que torna possível a ação moral livre e autônoma. No escrito A mensuração do julgamento moral, Colby e Kohlberg (2011, p. 18-19) descrevem como razões para fazer o certo no estágio sexto “a crença como uma pessoa racional na validade dos princípios morais universais, e o senso de compromisso com eles”. O que reafirma o caráter racional da moral universalista. Assim, Kant e Kohlberg fundamentam a moral universal, absoluta na medida em que transcende as condições espaço-temporais de cada cultura, no próprio homem enquanto ser dotado de razão. Mas de que modo uma pessoa poderia desenvolver suas capacidades racionais para poder, assim, agir moralmente segundo os princípios universais de justiça? Kohlberg também concorda com Kant a respeito da importância da educação moral pautada num método socrático, isto é, num método pedagógico que não tem a pretensão impor valores, mas, por outro lado, de fornecer as condições para que os indivíduos, por si próprios, possam alcançar a maturidade intelectual e a autonomia, tal como podemos observar em seu artigo Educar para a justiça: uma 53 abordagem moderna da perspectiva socrática (KOHLBERG, 2012b). A despeito de todas as semelhanças apontadas até aqui entre os dois autores, é evidente, entretanto, que cada um teve sua originalidade em diversos pontos. Não temos a pretensão e nem poderíamos resumir Kohlberg a um Kant da idade contemporânea. Longe disso, Kohlberg trouxe inúmeras contribuições não apenas com estudos empíricos, mas com a própria formulação de uma teoria do desenvolvimento moral, que em Kant é ainda vaga e restrita aos muros da filosofia pura. Além de todas as contribuições a mais trazidas no campo dos estudos da moralidade, Kohlberg ainda difere de Kant no tocante à relação da moral universalista com a lei positiva. Kant não concebe a possibilidade de se desrespeitar a lei ou de, por exemplo, mentir, mesmo que aleguemos os motivos mais nobres para tal, tal como podemos constatar em seusescritos Resposta à questão: O que é esclarecimento? (KANT, 2012), e Sobre um pretenso direito de mentir por amor aos homens (In: PUENTE, 2002). Não que Kant tivesse uma mentalidade presa às leis, como se caracterizaria uma pessoa no estágio 4 dos estágios de Kohlberg. Ele, certamente, percebia a injustiça das leis, o que nos é evidente pelo fato mesmo de ele se enquadrar no 54 movimento do Iluminismo e por ter apoiado a Revolução Francesa. Não restam dúvidas de que Kant percebia as profundas injustiças de seu tempo, encarnadas nas monarquias absolutistas, e que ansiava por uma profunda transformação social. Mas para ele não era concebível de que maneira mentir, mesmo para salvar um amigo, ou descumprir uma lei, mesmo que injusta, poderia ser tomada como norma universal para a ação. Assim, por uma questão de coerência com seu próprio princípio, o Imperativo Categórico, Kant não admitia que fosse tomada como aceitável uma ação cuja máxima não pudesse ser universalmente válida, em todos os contextos. Mas como Kant concebia a possibilidade de transformação social se nem mesmo as leis injustas se poderia descumprir? Kant argumenta que as leis e as autoridades devem ser obedecidas, sem que fosse questionada a conveniência ou inconveniência das suas ordens, o que não implica, entretanto, que as pessoas não possam se pronunciar a respeito das injustiças que observam quando fora dos seus ofícios. A respeito disso, diz ele: Assim, seria muito prejudicial se um oficial, a que seu superior deu uma ordem, quisesse 55 pôr-se a raciocinar em voz alta no serviço [A486] a respeito da adequação ou da utilidade dessa ordem. Deve obedecer. Mas, razoavelmente, não se lhe pode impedir, enquanto estudioso do assunto, fazer observações sobre os erros no serviço militar, e expor essas observações ao seu público, para que as julgue. O cidadão não pode se recusar a efetuar o pagamento dos impostos que sobre ele recaem; até mesmo a desaprovação impertinente dessas obrigações, se devem ser pagas por ele, pode ser castigada como um escândalo (que poderia causar uma insubordinação geral). Apesar disso, não age contrariamente ao dever de um cidadão se, como homem instruído, expõe publicamente suas idéias contra a inconveniência ou a injustiça dessas imposições (KANT, 2012, p. 148). Kohlberg, por outro lado, coloca seu estágio 6 completamente acima das leis, de modo que, se as leis se contrapõem aos princípios universais de justiça, deve-se optar por estes e não por aquelas. Em seu artigo Os seis estágios do juízo moral, Kohlberg (1981) afirma, a respeito do estágio 6 que, “quando as leis violam estes princípios, atua-se de acordo com os princípios”. Desse modo, ninguém estaria obrigado a cumprir uma lei reconhecidamente injusta, o que abre margem à desobediência civil. 56 Sua forma de pensar, sem sombra de dúvidas, foi fruto de sua própria experiência de vida. Kohlberg, de origem judaica, espantado com o fato de algo como o Holocausto ter acontecido na Alemanha nazista, trabalhou voluntariamente ajudando judeus refugiados a entrar na Palestina, passando ilegalmente pelo bloqueio britânico, tal como nos relata em Minha busca pessoal pela moralidade universal. Essas experiências levantaram importantíssimas questões acerca do que seria a justiça e como esta se relacionaria com as leis. Tendo que escolher entre a justiça e as leis, Kohlberg escolheu a primeira. Kant, do contrário, não as via como coisas que poderiam ser tão facilmente separadas. 3. CONSIDERAÇÕES FINAIS Por fim, podemos dizer que o objetivo proposto inicialmente foi cumprido. Com efeito, existem inúmeros pontos que ligam Kohlberg com o filósofo prussiano, a despeito do abismo temporal que se impõe entre ambos os autores, muito embora também existam diferenças decisivas entre as duas teorias, como demonstramos. Podemos dizer, contudo, no tocante aos pontos de aproximação, que Kant continua atual em não poucos aspectos, e que os estudos de Kohlberg acerca da moral 57 universalista não apenas confirma isso como também aprofunda significativamente todas as questões levantadas por Kant. As questões levantadas e, em grande medida, respondidas por Kant e Kohlberg preenche a lacuna que se estabelece cada vez que tomamos os valores morais como meras construções sociais, frutos de uma espaço-temporalidade cultural que é absorvida pelos indivíduos. Longe disso, a moral universalista defendida pelos dois autores se caracteriza essencialmente pela sua natureza absoluta, não relativa a contextos sócio-históricos e culturais específicos. Evidentemente, eles não quiseram negar, com isso, que exista um grande peso da cultura na maior parte dos valores e regras sociais específicas que observamos, mas que, por outro lado, é sempre possível transcendê-la rumo a uma forma de moralidade superior, incondicionada, que não se submete às condições empíricas das inclinações subjetivas ou mesmo das demandas sociais. É importante dizer, finalmente, que este trabalho não teve como objetivo esgotar todos os possíveis pontos de aproximação entre os dois pensadores. Mais ainda podem ser explorados em estudos futuros, como, por exemplo, a relação da moral universalista com o pensamento religioso. Ambos os autores concebem a moral como autônoma, isto é, como não 58 condicionada à religião, embora a coloquem numa relação íntima com esta, algo que, por si só, já produziria um trabalho riquíssimo. Outro ponto que também poderia ser explorado é a noção de lei natural nos dois pensadores, uma vez que ambos colocam a moral como algo que faz parte da própria natureza do ser humano, apenas manifestando-se com o tempo e com o desenvolvimento de suas potencialidades racionais. As divergências no tocante à relação da moral universalista com a lei positiva também merece um trabalho único e aprofundado, de maneira a levantar questões que visem produzir um pensamento crítico acerca dos prós e contras de ambas as perspectivas. 4. REFERÊNCIAS BEE, Helen. A criança em Desenvolvimento. 3 ed. São Paulo: Harper & Row do Brasil, 1984. COLBY, A. KOHLBERG, L. 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Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 1991. 62 O RECURSO À FÉ COMO SOLUÇÃO PARA O PROBLEMA DOS LIMITES DA RAZÃO E POSSÍVEIS INFLUÊNCIAS PIETISTAS NOS PENSAMENTOS DE KANT E JACOBI THE APPEAL TO FAITH AS SOLUTION TO THE PROBLEM OF LIMITS OF REASON AND POSSIBLE PIETIST INFLUENCES ON THE THOUGHTS OF KANT AND JACOBI Renan Pires Maia RESUMO O presente trabalho tem como objetivo fazer uma breve análise, de metodologia bibliográfica, de como Kant e Jacobi, dois filósofos alemães de raízes pietistas, exploram a questão dos limites da razão no tocante ao conhecimento e como a fé soluciona o problema levantado por tais limites. Kant, em sua Crítica da razão pura, estabelece os limites da razão após uma exaustiva análise das faculdades humanas e de seu alcance, colocando a fé como uma solução para o problema da impossibilidade do conhecimento da coisa-em-si e de ideias como as de Deus, de mundo e de alma. Jacobi, por seu turno, analisa os limites da razão a partir de uma análise da estrutura do raciocínio, que sempre parte de pressupostos indemonstráveis racionalmente, e que portanto devem ser admitidos a partir da fé. 63 Ao longo do presente escrito é também levantada a questão de se houve possíveis influências pietistas sobre os pensamentos de Kant e Jacobi. Palavras-chave: Kant; Jacobi; Fé; Razão; Pietismo ABSTRACT The present work aims to make a brief analysis, of bibliographic methodology, of how Kant and Jacobi, two German philosophers of Pietist roots, explore the question of the limits of reason with respect to knowledge and how faith solves the problem raised by such limits . Kant, in his Critique of Pure Reason, establishes the limits of reason after an exhaustive analysis of human faculties and their capacity, placing faith as a solution to the problem of the impossibility of knowing the thing-in-itself and of ideas such as of God, world and soul. Jacobi, on the other side, analyzes the limits of reason from an analysis of the structure of reasoning, which always starts from rationally undemonstrable premises, and which therefore must be admitted based on faith. Throughout this writing arises the question about whether there were possible pietistic influences on Kant and Jacobi's thoughts. Keywords: Kant; Jacobi; Faith; Reason; Pietism 1. INTRODUÇÃO O objetivo do presente trabalho é fazer uma breve aproximação dos pensamentos de Kant e de Jacobi a partir do 64 recurso que ambos fazem à fé (Glaube) enquanto solução para o problema dos limites do conhecimento racional. Ao mesmo tempo em que busca ressaltar essas semelhanças entre os dois pensadores alemães na importância atribuída à fé, o presente trabalho também possui o intuito de explorar, em passant, possíveis influências que o ambiente cultural pietista pode ter exercido, em maior ou menor grau, em seus pensamentos, o que pode ter contribuído em alguma medida para a ênfase na fé como solução para o problema do conhecimento. Tal objetivo se justifica na medida em que este é um viés pouco explorado, embora o recurso à fé dada por Kant ao impasse epistemológico colocado na Crítica da razão pura encontre respaldo nos comentadores. No que diz respeito a Jacobi, temos que uma interpretação de seu pensamento como centrado na fé e como tendo tons pietistas é, por assim dizer, muito mais patente do que em Kant, além de gozar de certa unanimidade entre os comentadores. Antes de mais nada, a fim de entendermos melhor os problemas que certa ênfase filosófica na fé propõe-se a responder, faz-se mister resgatar aqui o debate histórico que se instaura a partir dos primórdios da era cristã acerca da relação entre fides e 65 ratio (fé e razão). Tal debate, que deu o tom de boa parte da filosofia do medievo, buscava responder onde pode assentar-se o conhecimento de modo realmente sólido – se na fé ou na razão -, e se poderia haver alguma conciliação entre ambas. Estes questionamentos suscitaram respostas diversas entre os intelectuais cristãos medievais. Nomes como os de Tertuliano, cujo pensamento sintetiza-se na famosa frase e “credo quia absurdum” (HÄGGLUND, 1981, p. 43), pendiam mais a uma postura fideísta, postulando a completa insuficiência da razão em compreender as coisas divinas. Outros, como Pedro Abelardo e Santo Anselmo, por seu turno, possuíam uma visão mais favorável à razão.8 Este último, embora siga a síntese agostiniana entre fé e razão ao afirmar seu “Credo ut intelligam”, não deixa de em seu Monologium pressupor certa capacidade da razão de alcançar, de modo autônomo, as mesmas verdades reveladas nas Sagradas Escrituras (vide: ANSELMO; ABELARDO, 1979, p. 5). 8 Quanto ao primeiro, remetemos o leitor ao trabalho de Ricardo da Costa: “Há algo mais contra a razão que tentar transcender a razão só com as forças da razão?”: a disputa entre Bernardo de Claraval e Pedro Abelardo, (DA COSTA, 2010). 66 É, todavia, a síntese agostiniana entre fides et ratio que erige-se como resposta definitiva da Igreja ao problema, sintetizada na famosa frase “crede ut intelligas et intellige ut credas”. Nesta perspectiva, a razão, não obstante incapaz de alcançar per se as verdades reveladas, de modo que a fé constitui- se como o passo mais fundamental na ascensão à Verdade, pode, entretanto, alcançá-las iluminada por esta mesma fé, dádiva do Espírito Santo, de modo que temos, na resposta agostiniana, uma ratio que, iluminada pela fé e pelo Espírito, busca a compreensão e efetivamente compreende: “fides quaerens intellectum”. Esta é a mesma posição que será assumida por Santo Tomás de Aquino e pela Igreja de um modo geral até os tempos hodiernos, como podemos constatar na encíclica Fides et ratio, de São João Paulo II (PAULO II, 2020). A síntese católica operada entre fé e razão deixa já clara de antemão, entretanto, o papel secundário desta frente àquela. Ou, como diz o adágio medieval: “Philosophia ancilla Theologiae”. Engana-se, contudo, quem pensa ter ficado tal debate sobre a relação entre fé e razão restrito ao medievo, como pareceria sugerir boa parte dos nossos manuais de filosofia. Ele perdura modernidade adentro. A despeito do fato de a 67 modernidade buscar uma superação da Idade Média, ela ainda encontra-se em boa parte preocupada com as mesmas questões. A questão da relação entre fé e razão pode, sem dúvidas, ser constatada em Kant e Jacobi, como se verá. Entretanto,
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