Prévia do material em texto
LÚCIA DE ARAÚJO RAMOS MARTINS (ORG.) DESAFIOS DA INCLUSÃO ESCOLAR Ideia – João Pessoa – 2021 DESAFIOS DA INCLUSÃO Todos os direitos da organizadora. A responsabilidade sobre textos e imagens é do respectivo autor(a). Editoração/Capa: Magno Nicolau Ilustração da capa Imagem da capa: Autor Desconhecido. Imagem licenciada em CC BY-NC-ND Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) de acordo com ISBD D441 Desafios da inclusão escolar [recurso eletrônico] / Lúcia de Ara- újo Ramos Martins, organizadora. – João Pessoa: Ideia, 2021. 3.6mb; pdf ISBN 978-65-5608-116-8 1. Educação especial e inclusiva. 2. Formação e prática edu- cacionais inclusivas - pessoa com deficiência. 3. Gestão de es- paços educacionais inclusivos. I. Martins, Lúcia de Araújo Ra- mos. II. Título. CDU 376-056.26 Ficha Catalográfica elaborada pela Bibliotecária Gilvanedja Mendes, CRB 15/810 EDITORA contato@ideiaeditora.com.br www.ideiaeditora.com.br https://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/3.0/ http://www.ideiaeditora.com.br/ A Deus, por nos conceder condições de vivenciar, aprender e compartilhar os conhecimentos construídos. À nossa família, base para toda a nossa cami- nhada em busca de um mundo mais justo e inclusivo. A todos e todas que colaboraram com a constru- ção deste livro, com base nas experiências e nos resultados das pesquisas empreendidas, em busca de uma escola e de uma sociedade inclusiva. S U M Á R I O PREFÁCIO ........................................................................................ 9 Sonia Lopes Victor CAPÍTULO 1 A INCLUSÃO DE CRIANÇAS COM DEFICIÊNCIA VISUAL NA EDUCAÇÃO INFANTIL: O ATENDIMENTO EDUCACIONAL ESPECIALIZADO E A PEDAGOGIA DA INFÂNCIA ............................................................. 12 Marilda Moraes Garcia Bruno CAPÍTULO 2 ESTUDANTES COM DEFICIÊNCIA VISUAL E SURDOCEGUEIRA NA REDE MUNICIPAL DE ENSINO DE NATAL/RN .................................. 35 Luzia Guacira dos Santos Silva CAPÍTULO 3 A EDUCAÇÃO DE SURDOS NO BRASIL E NA FRANÇA: DIÁLOGOS E DISTANCIAMENTOS ....................................................................... 78 Ivanilde Apoluceno de Oliveira Janete Benjamin Waldma Maíra Menezes de Oliveira CAPÍTULO 4 DIMENSÕES DE UMA TRAJETÓRIA AUTOFORMATIVA COMO ALFABETIZADORA BILINGUE DE CRIANÇA SURDA ........................ 101 Elizabete Siqueira Ribeiro Luzia Guacira dos Santos Silva CAPÍTULO 5 CONSULTORIA COLABORATIVA: MEDIAÇÃO QUE FOMENTA NOVOS SABERES E NOVAS PRÁTICAS ....................................................... 144 Neiza de Lourdes Frederico Fumes Eliane Cristina Moraes de Lima Maria Quitéria da Silva Soraya Dayanna Guimarães Santos CAPÍTULO 6 FUNCIONAMENTO DAS SALAS DE RECURSOS MULTIFUNCIONAIS (SRM) NO ESTADO DO RN: FORMAÇÃO E EXPERIÊNCIAS DOS PROFESSORES QUE ATUAM NESTE DISPOSITIVO .......................... 164 Sonia Medeiros Izabel Hazin Taciana Pontual Falcão CAPÍTULO 7 NARRATIVAS DE AUTISMO: CONTRIBUIÇÕES PARA A ANÁLISE DE VIVÊNCIAS ................................................................ 207 Ivanise Gomes de Souza Bittencourt Neiza de Lourdes Frederico Fumes CAPÍTULO 8 FRACASSO ESCOLAR, CULPABILIZAÇÃO DOS ALUNOS INOCENTIZAÇÃO DA ESCOLA: UM OLHAR SOBRE AS DIFICULDADES TRANSFORMADAS EM DEFICIÊNCIAS ................... 229 Janine Marta Coelho Rodrigues Silvestre Coelho Rodrigues CAPÍTULO9 DIFICULDADES PARA A APRENDIZAGEM OU TRANSTORNOS ESPECÍFICOS DA APRENDIZAGEM? ............................................... 299 Ana Maria Leite Cavalcanti Geraldo Bezerra Cavalcanti Neto CAPÍTULO 10 CONTRIBUIÇÕES DA LITERATURA INFANTIL PARA O PROCESSO DE INCLUSÃO ESCOLAR ..................................................................... 308 Maria Arlyz Ferreira Domingos Martha Milene Fontenelle Carvalho Francileide Batista de Almeida Vieira CAPÍTULO 11 A INCLUSÃO ESCOLAR DE ALUNOS COM DEFICIÊNCIA INTELECTUAL ............................................................................... 334 Lúcia de Araújo Ramos Martins CAPÍTULO 12 O OLHAR DAS MÃES SOBRE O FILHO COM SÍNDROME DE DOWN ......................................................................................... 351 Benedita Cruz Macedo Lúcia de Araújo Ramos Martins SOBRE OS AUTORES ..................................................................... 370 D e s a f i o s d a I n c l u s ã o E s c o l a r | 9 SUMÁRIO PREFÁCIO ecebi o honrado convite de realizar o prefácio dessa obra que trata sobre os desafios da inclusão. O livro é formu- lado em um momento de muitas dificuldades e enfrenta- mentos para a manutenção da vida e dos direitos humanos e soci- ais à sociedade brasileira e, principalmente, às pessoas com defici- ência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades e superdotação. A sociedade capitalista vem se reformulando de tempos em tempos e, talvez, estejamos vivendo uma de suas piores versões, agravada por uma crise sanitária que tem deixado todos/as ainda mais vulneráveis. No campo da Educação Especial, políticas de in- clusão que foram implementadas nas últimas três décadas estão sendo colocadas à prova, deixando ainda mais difícil a tarefa de re- fletir sobre diferentes formas de organização escolar e social, que acolhem a diversidade. A organizadora e os(as) autores(as) e coautores(as) assumi- ram a responsabilidade de refletir nos doze capítulos dessa coletâ- nea temáticas de suma importância ao debate da Educação Espe- cial na perspectiva da Educação Inclusiva. Essas temáticas desta- cam, em linhas gerais, os desafios da escola para inclusão desses estudantes; as proposições de práticas e saberes necessários à efe- tivação dessa inclusão; a discussão da inclusão nos diferentes ní- veis, etapas e modalidade de ensino; os diferentes grupos sob a identificação de público-alvo da Educação Especial; a formação de R L ú c i a d e A r a ú j o R a m o s M a r t i n s ( O r g . ) | 10 SUMÁRIO profissionais da educação; a implantação e o funcionamento das Salas de Recursos Multifuncionais no âmbito do Atendimento Edu- cacional Especializado; as contribuições da leitura e da literatura infantil à inclusão escolar dos estudantes da Educação Especial; e, por fim, a polêmica discussão do fracasso escolar e das dificuldades de aprendizagem. Todos/as envolvidos/as nessa obra sinalizam a preocupação de retrocessos com o declínio da política de Educação Especial na perspectiva da inclusão ao se esforçarem na reflexão das diferen- tes temáticas, apontando em direção às possibilidades da inclusão escolar de estudantes da Educação Especial, sem deixar de realizar uma avaliação responsável dos percursos já cumpridos na garantia desse propósito, apontando em seus estudos e experiências pers- pectivas, desafios e problematizações. A proposta dessa coletânea, a meu ver, foi tratar de questões que compõem a inclusão escolar de estudantes da Educação Espe- cial sem perder de vista às questões macro que as determinam no âmbito da sociedade capitalista. Sem perder de vista as contradi- ções e a discussão do binômio inclusão/exclusão presente nesse debate. Parabenizo a todos/as pela coletânea e faço votos que os tra- balhos reunidos nela possam contribuir para afastarmos os riscos da segregação desses estudantes em instituições e escolas especi- alizadas presentes na implementação de uma “nova” política de Educação Especial. Aproveito para finalizar este prefácio com as palavras da organizadora dessa obra que nos diz que “a nova polí- tica representa um retrocesso (...).Traz de volta uma política supe- rada, fracassada e institucional, esquecendo os avanços ocorridos no processo inclusivo, recolocando recursos públicos nas institui- ções especializadas e isolando os educandos (...)” (MARTINS, 2002, p. 10). D e s a f i o s d a I n c l u s ã o E s c o l a r | 11 SUMÁRIO Por último, expresso minha alegria por compartilhar da lei- tura desse livro e poder dividi-la com os/as leitores/as. Seguimos dialogando e lutando pela manutenção e avanços dos direitos con- quistados. Vitória (ES), 07 de dezembro de 2020. Profa. Dra. Sonia Lopes Victor Universidade Federal do Espírito Santo Centro de Educação Departamento de Teorias do Ensino e Práticas Educacionais Programa de Pós-Graduação em Educação L ú c i a d e A r a ú j o R a m o s M a r t i n s ( O r g . ) | 12 SUMÁRIO CAPÍTULO 1 A INCLUSÃO DE CRIANÇAS COM DEFICIÊNCIA VISUAL NA EDUCAÇÃO INFANTIL: O ATENDIMENTO EDUCACIONAL ESPECIALIZADO E A PEDAGOGIA DA INFÂNCIA Marilda Moraes Garcia Bruno INTRODUÇÃO Visão é recurso da imaginação para dar às pala- vras novas liberdades? (Manoel de Barros (2015, p. 59) Este capítulo tem a intenção de trazer alguns questiona- mentos e reflexões sobre a implementação da proposta de inclusão de bebês e crianças pequenas com deficiência visual em creches e pré-escolas no sistema educacional brasileiro. Nesse sentido, não pretendemos abarcar todas as questões, pois trata-se de uma tarefa complexa e pouca discutida na litera- tura, nos documentos e nas diretrizes nacionais para a Educação Especial. Particularmente, elegemos alguns aspectos da política para a infância numa perspectiva de educação inclusiva, o papel do Atendimento Educacional Especializado e algumas reflexões sobre a cultura e a Pedagogia da Infância. Em um amplo estudo realizado sobre a inclusão na Educa- ção Infantil, Mendes (2010) levantou as produções científicas D e s a f i o s d a I n c l u s ã o E s c o l a r | 13 SUMÁRIO nessa etapa de ensino, observando que as investigações ocorriam, em maior frequência, na área da deficiência intelectual. Pesquisa realizada pela autora em 25 centros de Educação Infantil, sendo 12 creches, na cidade de São Carlos, apontou que das crianças identi- ficadas (46,1%) eram considerados como “crianças de risco”, e/ou por apresentarem dificuldades de socialização (37%) e/ou lingua- gem (29%). Conforme Mendes (2010, p. 67), “o referido estudo desta- cou ainda a importância da formação de educadores para a cons- trução de um sistema de creches inclusivas e demonstrou o desafio que é, para a pesquisa, ir além dos discursos dos educadores e ten- tar avaliar os efeitos dos programas de formação continuada”. Kassar e Marcelo (2016) investigaram o Atendimento Edu- cacional Especializado (AEE) para crianças pequenas no estado de Mato Grosso do Sul. Os resultados indicaram a presença do AEE em 45 escolas especiais. A filantropia e o assistencialismo se desenvol- viam dentro de “parcerias” institucionais em que se desqualificava a educação como direito. Diante do quadro encontrado, os autores entendem que, “em relação à educação da criança pequena com deficiência, a po- lítica atual ainda não conseguiu romper com a hegemonia das ins- tituições especiais privadas no Estado de Mato Grosso do Sul”(KASSAR; MARCELO, 2016, p. 40). Acrescentam ainda que a quase ausência de espaços de AEE em centros de Educação Infantil, pode ser responsável pela pequena frequência de crianças peque- nas no setor público sul-mato-grossense (KASSAR; MARCELO, 2016). Dados deste estudo mostram que, em Mato Grosso do Sul, preva- lece um número maior de matrículas de crianças pequenas com deficiências em espaços privados, principalmente em instituições filantrópicas, se comparadas às matrículas em espaços públicos L ú c i a d e A r a ú j o R a m o s M a r t i n s ( O r g . ) | 14 SUMÁRIO (escolas ou Centros de Educação Infantil). Em relação ao atendi- mento especializado público, verificamos que a maioria das crian- ças matriculadas no ensino comum não está recebendo Atendi- mento Educacional Especializado (AEE). Essa evidência levanta a suspeita de que a política de Educação Inclusiva, construída a par- tir do atendimento complementar/suplementar pelo Programa de Salas de Recursos Multifuncionais, ou não “chegou” à EI [Educação Infantil] ou não é adequada a essa etapa de educação (KASSAR; MARCELO, 2016, p. 39). As pesquisas no campo da educação para o atendimento de bebês e crianças bem pequenas com deficiência visual em ambien- tes coletivos são praticamente inexistentes. Publicações que abor- dem as estratégias pedagógicas e o papel do AEE nessa primeira etapa da Educação Básica são escassas. A temática da oferta de Educação Infantil, incluindo as cri- anças com deficiência, já se fazia presente na legislação brasileira desde a Constituição Federal (1988), do Estatuto da Criança e do Adolescente (1990), da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Na- cional (1996) e das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Edu- cação Infantil (1999; 2012), cujos documentos, referenciados soci- almente, afirmam a garantia dos direitos e a participação social de todas as crianças. Esses documentos já preconizavam que os sistemas de en- sino deveriam elaborar uma proposta pedagógica própria para a infância, respeitando as singularidades, as diferentes culturas, con- templando as diferenças e especificidades de cada criança e do co- letivo nos centros de Educação Infantil. No Brasil, a atenção precoce como direito, no âmbito da Educação Especial, surge com as Diretrizes Nacionais para a Edu- cação Especial na Educação Básica (2001), orientando a interface entre a educação, os serviços de saúde e assistência social para o atendimento às necessidades educacionais de crianças com qual- quer tipo de deficiência (BRASIL, 2001). D e s a f i o s d a I n c l u s ã o E s c o l a r | 15 SUMÁRIO A participação de crianças com deficiências em Programas de Intervenção Educacional Precoce foi prevista na Política Nacio- nal de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (2008), por meio do AEE. Mais recentemente, a Lei Brasileira de Inclusão (2015a) assegurou esse direito, entendendo que, como as demais crianças, estas devem usufruir das melhores oportunida- des de aprendizagem e se tornarem membros efetivos de suas fa- mílias, escolas e comunidades. A Resolução CEB/CNE n. 5 de 2009 entende que o acesso, a permanência e a participação das crianças com deficiência de zero a três anos de idade na creche e dos 4 aos 5 anos na pré-escola são imprescindíveis para a consolidação de um sistema educacional in- clusivo (BRASIL, 2009b). A formação de bebês e crianças pequenas com deficiência visual, em creches e pré-escolas, leva-nos a refletir sobre questões centrais para a infância: Quais as concepções de desenvolvimento e aprendizagem fundamentam a prática pedagógica nos centros de Educação Infantil? Como os professores lidam com as diferenças sociais, culturais, sensoriais, intelectuais e afetivas? Qual a função do AEE nessa etapa de ensino? Como se dá a articulação da Educa- ção Especial em creches e pré-escolas? De que maneira organizar a complementação e suplementação da proposta pedagógica? Qual o papel da família no processo de inclusão das crianças pequenas? Essas são questões instigantes sobre as quais devemos nos debru- çar para construir alguns conhecimentos para o avanço da área. A criança com deficiência visual e suas necessidades específi- cas Conforme Bruno (2006, p. 13): As crianças com deficiência visual não são muito diferentes das ou- tras crianças; têm as mesmas necessidades afetivas, físicas, L ú c i a d e A r a ú j o R a m o s M a r t i n s ( O r g . ) | 16 SUMÁRIO intelectuais,sociais e culturais. As necessidades básicas das de- mais crianças: atenção, cuidado, relação e interação positiva, afeto e segurança são essenciais para as crianças com deficiência visual. Gostam de brincar, passear, conhecer pessoas e conviver com ou- tras crianças. A Lei Brasileira de Inclusão concebe pessoa com deficiência como “aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efe- tiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pes- soas” (BRASIL, 2015a). A deficiência visual compreende dois grupos: a cegueira e a baixa visão. A definição educacional diz que são cegas as crianças que não têm visão suficiente para aprender a ler em tinta, e neces- sitam, portanto, utilizar outros sentidos (tátil, auditivo, olfativo, gustativo e cinestésico) no seu processo de desenvolvimento e aprendizagem. O acesso à leitura e escrita dar-se-á pelo sistema braile (BRUNO, 2006). No Brasil, a incidência da deficiência visual é de seis milhões e meio, sendo seis milhões de pessoas com baixa visão e 500 mil pessoas cegas (IBGE, 2010). Os casos de deficiência visual podem ser minimizados com medidas preventivas na primeira infância. Torna-se muito importante que os pais e professores observem o comportamento visual das crianças desde a mais tenra idade: se realizam contato visual, seguem pessoas e objetos, prestam aten- ção em figuras, na TV, identificam objetos distantes; se piscam com frequência, se esbarram ou tropeçam em obstáculos. Na presença de algum sintoma ou sinal, a criança deve ser encaminhada para o oftalmologista, pois são frequentes os erros de refração como a hipermetropia, miopia, astigmatismo que pre- judicam o desenvolvimento visual e as possibilidades de aprendi- zagem das crianças. Essas alterações de refração não se constituem D e s a f i o s d a I n c l u s ã o E s c o l a r | 17 SUMÁRIO deficiência visual, pois com óculos a visão é corrigida, mas a falta de correção poderá levar ao estrabismo e à ambliopia. A ambliopia é corrigida totalmente até os três anos de idade e parcialmente até os sete anos. Muitos bebês necessitam de óculos para correção dos erros de refração o que poderá acontecer a partir dos seis meses de idade. As crianças com baixa visão são as que apresentam redução significativa da função visual, utilizam o pequeno potencial visual para explorar o ambiente, conhecer o mundo e aprender a ler e es- crever. “Essas crianças se diferenciam muito nas suas possibilida- des visuais. Embora necessitem aprender a utilizar a visão da me- lhor forma possível, podem utilizar também os outros sentidos para aprendizagem, aquisição de conceitos e construção do conhe- cimento” (BRUNO, 2006, p. 13). As crianças com baixa visão apresentam as mais diferentes condições visuais. É importante que o professor saiba quais são as possibilidades visuais, quais as necessidades específicas dessas crianças, como e de que maneira elas podem ver melhor. “Para isso, é necessário que a família e a escola recebam informações do oftal- mologista especializado em baixa visão e orientação do professor especializado acerca do funcionamento visual dessas crianças” (BRUNO, 2006, p.14). Conforme Bruno (2006), há crianças com baixa visão que podem apresentar uma ou mais condições visuais: a) Dificuldade para ver de longe – necessita aproximar-se bastante para poder ver bem pessoas e objetos, mesmo que utilize recursos ópticos. “Muitas crianças podem apresentar dificuldades para encontrar objetos, descrever figuras, de- finir detalhes, formas complexas, identificar cores, letras, L ú c i a d e A r a ú j o R a m o s M a r t i n s ( O r g . ) | 18 SUMÁRIO ler, escrever e desenhar como as outras crianças” (BRUNO, 2006, p. 14). b) Campo visual restrito - pode prejudicar a percepção de obstáculos, sua orientação e locomoção no espaço. Há cri- anças que não enxergam para baixo e poderão ter dificul- dade para andar, descer e subir escadas. “Outras apresen- tam alteração no campo visual central, o que dificultará o processo de identificação de figuras; elas poderão ver ape- nas uma pequena parte de um objeto ou figura; a leitura torna-se difícil e lenta” (BRUNO, 2006, p. 14). c) Visão de cores e sensibilidade aos contrastes. Algumas crianças podem ter dificuldades para distinguir determina- das cores como verde, vermelho, azul, marrom; outras cri- anças distinguem apenas cores vibrantes, com bastante lu- minância (amarelo, laranja e verde fluorescente). Para Bruno (2006, p. 14), “há crianças que podem ver objetos, formas e letras com contraste (preto/branco, ama- relo/preto, amarelo/azul, roxo/verde e laranja/verde)”. Portanto, é importante que o professor pesquise, “junta- mente com a família, quais as cores que despertam inte- resse nas crianças e com as quais elas podem visualizar me- lhor” (BRUNO, 2006, p. 14). d) Adaptação à iluminação. De acordo com Bruno (2006, p. 14), “algumas crianças com baixa visão podem apresentar sensibilidade exagerada à luz, que ocasiona desconforto vi- sual, ofuscamento, irritabilidade, lacrimejamento, dor de cabeça e nos olhos”. Para a melhoria das respostas e do con- forto visual dessas crianças, é importante o controle dos ín- dices de iluminação no ambiente e a utilização de lentes fil- trantes. Há, entretanto, crianças que necessitam de muita iluminação e luz dirigida aos objetos, figuras e livros para que possa enxergar melhor. D e s a f i o s d a I n c l u s ã o E s c o l a r | 19 SUMÁRIO Em decorrência da deficiência sensorial, as crianças cegas e com baixa visão apresentam necessidades específicas, caminhos e formas peculiares de aprender e compreender o mundo. Entende- mos necessidades específicas como aquelas decorrentes da condi- ção de deficiência que a pessoa vivencia nas diversas situações da vida cotidiana, no contexto familiar, escolar e comunitário (BRUNO, 2006). Já as necessidades educacionais especiais são as que requerem, estratégias pedagógicas para que o aluno obtenha sucesso no ambiente escolar. Por exemplo: o sistema braile é uma necessidade específica da pessoa cega para o acesso à leitura e es- crita em diferentes contextos. Os recursos, os materiais adaptados, os leitores de telas são ferramentas que possibilitam o atendi- mento às suas necessidades educacionais especiais. As necessidades específicas de crianças cegas e de baixa vi- são na Educação Infantil vão além da oferta de recursos de acessi- bilidade, estratégias e matérias didáticos adaptados às suas condi- ções sensoriais; necessitarão de atividades de acessibilidade na co- municação por meio da audiodescrição, atividades de orientação e mobilidade para o desenvolvimento da autonomia e independên- cia no contexto escolar. As crianças com deficiência visual necessitam de mais tempo para vivenciar e organizar suas experiências, aprender e construir conhecimentos. Se tiverem a oportunidade de conviver desde cedo em ambientes organizados para favorecer a construção do vínculo, trocas afetivas e sociais favoráveis em um ambiente de aprendizagem significativa, que atenda às suas necessidades sen- soriais e de comunicação, não se diferenciam em inteligência em relação às outras crianças. Conforme Bruno (2006, p. 13), “com- preendidas essas especificidades pela família e professores, as cri- anças com deficiência visual poderão se beneficiar e obter sucesso na inclusão escolar e social”. L ú c i a d e A r a ú j o R a m o s M a r t i n s ( O r g . ) | 20 SUMÁRIO O PAPEL DO ATENDIMENTO EDUCACIONAL ESPECIALIZADO NA EDUCAÇÃO INFANTIL A Lei Brasileira de Inclusão entende o processo de habilita- ção de crianças com deficiência como essencial para o desenvolvi- mento de potencialidades, talentos,habilidades e aptidões físicas, cognitivas, sensoriais, psicossociais, atitudinais, de forma que con- tribua para a conquista da autonomia e de sua participação social, em igualdade de condições e oportunidades com as demais crian- ças (BRASIL, 2015a). O Decreto n. 7.611, de 17 de novembro de 2011, concebe o AEE, como o conjunto de atividades, recursos de acessibilidade e pedagógicos organizados institucionalmente, prestado de forma complementar ou suplementar à formação dos alunos no ensino regular. O AEE deve integrar a proposta pedagógica da escola, en- volver a participação da família e ser realizado em articulação com as demais políticas públicas (BRASIL, 2011). A Resolução n. 4 de 12 de outubro de 2009 (institui Diretri- zes Operacionais para o AEE na Educação Básica) traz como avanço a função do AEE de elaboração, produção e distribuição dos recursos educacionais para a acessibilidade e ajudas técnicas que possibilitam o acesso ao currículo (BRASIL, 2009a). No entanto, os seus objetivos são restritos, pois, ao indicarem a centralidade das salas de recursos multifuncionais – entendidas como “ambientes dotados de equipamentos, mobiliários e materiais didáticos e pe- dagógicos para a oferta do atendimento educacional especiali- zado” (BRASIL, 2009a) –, sinalizam para uma compreensão instru- mental da Educação Especial (BRUNO, 2010). É importante ressaltar que a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (2008) propõe que, além do atendimento às necessidades específicas, as atividades de- senvolvidas no AEE complementem e suplementem a formação D e s a f i o s d a I n c l u s ã o E s c o l a r | 21 SUMÁRIO dos alunos com vistas à autonomia e independência na escola e fora dela (BRUNO, 2010). Torna-se, então, mais abrangente que as diretrizes do AEE. Quanto ao papel do professor especializado apresentado nessas diretrizes, a prioridade deixa de ser o desenvolvimento de todas as possibilidades humanas, a autonomia e a independência e sim “orientar professores e famílias sobre os recursos pedagógicos e de acessibilidade utilizados pelos alunos” e “ensinar a usar a tec- nologia assistiva de forma a ampliar suas habilidades funcionais, promovendo autonomia e participação” (BRASIL, 2009a). O direito à informação e o acesso ao currículo são indiscutíveis, mas tão im- portantes quanto estes aspectos, tornam-se: a independência, o di- reito de ir e vir, a autonomia pessoal, moral, social e a participação na vida cultural e comunitária. Mais recentemente, a Nota Técnica n. 02/2015 define Ori- entações para a Organização do Atendimento Educacional Especi- alizado na Educação Infantil, sem, entretanto, trazer modificações substanciais em relação à Resolução n. 04/2009, as quais serão ne- cessárias tendo em vista tratar-se da inclusão de bebês e crianças pequenas em creches e pré-escolas. Essa Nota Técnica recomenda: “[...] o acesso, a permanência e a participação das crianças com deficiência de 0 a 3 anos de idade na creche e dos 4 aos 5 na pré-escola, são imprescindíveis para a consolidação do sistema educacional inclusivo” (BRASIL, 2015b, p. 2). Para tanto, o documento traz como objetivos do AEE na Educa- ção Infantil: proporcionar a acessibilidade física, pedagógica, aos brinquedos e mobiliários; cria estratégias de acessibilidade à co- municação e informação (BRASIL, 2015b). O foco continua sendo a tecnologia, em detrimento ao desenvolvimento integral das crian- ças com deficiência. L ú c i a d e A r a ú j o R a m o s M a r t i n s ( O r g . ) | 22 SUMÁRIO Estabelece como atribuições do professor do AEE na Educa- ção Infantil: elaborar o plano de AEE; identificar e selecionar os re- cursos de tecnologia assistiva necessários; produzir e adequar ma- teriais e brinquedos; acompanhar o uso dos recursos verificando sua funcionalidade; analisar o mobiliário; orientar professores e as famílias quanto aos recursos de acessibilidade a serem utilizados e o tipo de atendimento destinado à criança; articular-se com as demais áreas setoriais, visando ao fortalecimento de uma rede de apoio ao desenvolvimento integral da criança (BRASIL, 2015b, p. 5). No campo da deficiência visual, Bruno (2006) tem defen- dido, como papel do AEE na Educação Infantil, que, além do acesso ao currículo, este atendimento tenha a função de formação hu- mana que compreende: atividades de intervenção precoce para o desenvolvimento integral das crianças cegas e com baixa visão de 0-3anos; dar apoio e suporte ao professor da sala comum e à famí- lia quanto a construção de vínculos e interações positivas; oferta de atividades lúdicas que potencialize o desenvolvimento da lin- guagem, sensório-motor e perceptivo; otimizar a função simbólica, a formação de conceitos e a capacidade de resolução de problemas; proporcionar a participação ativa da criança cega e de baixa visão com as demais crianças nas vida cultural por meio da audiodescri- ção de histórias, filmes, teatro infantil, museus. É também papel do professor do AEE realizar a avaliação das funções visuais e orientar o uso funcional da visão em todas as atividades pedagógicas e lúdicas; orientar à escola e à família quanto as atividades de vida autônoma e de orientação e mobili- dade, tendo em vista a independência em todos os espaços do cen- tro de Educação Infantil (BRUNO, 2006). Contraditoriamente, essas atividades essenciais para o de- senvolvimento humano e aprendizagem desaparecem nessa forma redutora de organização do AEE como sala de recursos D e s a f i o s d a I n c l u s ã o E s c o l a r | 23 SUMÁRIO multifuncionais. Torna-se importante questionar onde essas ativi- dades serão desenvolvidas. Nos Centros Educacionais Especializa- dos ou no reduzido espaço das salas de recursos multifuncionais? (BRUNO, 2010). Autores que discutem o desenvolvimento infantil na abor- dagem sociocultural ecológica, tais como Bronfenbrenner (1996) e Sameroff e Fiese (2000) entendem que o desenvolvimento hu- mano depende de múltiplos sistemas: da família, das interações, do ambiente, da cultura; sendo que esses sistemas interagem e influ- enciam-se mutuamente. O indivíduo não pode ser considerado iso- ladamente, pois as relações que se estabelecem entre os vários am- bientes em que a criança vive exercem influência sobre o processo de aprendizagem e a qualidade de vida dos pequenos. Para esses autores, a criança se desenvolve como resultados das interações entre os pais, cuidadores, professores e outras cri- anças. Assim, a intervenção precoce não deve ser centrada apenas na criança, mas no contexto familiar, escolar e no ambiente comu- nitário. Nessa perspectiva, a avaliação realizada em conjunto com a família, por meio de registros contínuos das observações da cri- ança e das conversações entre pais e profissionais, seria a base para as decisões acerca da intervenção precoce. Nesse processo, além da observação do desenvolvimento da criança, as formas de interação e comunicação, deve-se dar atenção aos rituais familiares, às rotinas diárias e às brincadeiras que refletem os padrões da vida da família; observar também os sistemas de apoio e o nível de satisfação dos pais – esses seriam os meios pelos quais a intervenção pedagógica seria elaborada. Os registros servem para ajudar o professor a trabalhar com a família; obter informações ao longo do tempo sobre a cri- ança, tais como as interações, o perfil de desenvolvimento, as L ú c i a d e A r a ú j o R a m o s M a r t i n s ( O r g . ) | 24 SUMÁRIO percepções, os objetivos, as necessidades, as expectativas da famí- lia, e informações sobre o ambiente. Esses registros devem conter informações sobre os recursos disponíveis e sobre suportes do am- biente. Essa proposta de atuação do AEE para bebês e crianças pe- quenas vem ao encontro às característicasdas atuais políticas da Educação Infantil, que desempenham um papel fundamental para o atendimento integral das crianças, inclui aspectos relacionados à educação, à saúde, à cultura e à proteção, o que torna imprescindí- vel a interlocução com outras áreas dos serviços públicos. Mendes (2010, p. 57) relata resultados de revisão abran- gente das pesquisas sobre a inclusão nos Estados Unidos da Amé- rica, realizado por Sailor (2002), cuja conclusão indica que a inclu- são na Educação Infantil “traz benefícios nos relacionamentos so- ciais; podendo ser viabilizada por meio de adequações curricula- res, ensino colaborativo, envolvimento da família, participação da comunidade, e que, além disso, é menos custosa do que os progra- mas segregados”. A autora complementa que: As adaptações necessárias neste nível educacional consistem em adequações de materiais e atividades com o intuito de favorecer a participação de crianças com necessidades educacionais especiais e podem ser facilmente adotadas. O ensino colaborativo, envol- vendo professores da educação regular e especial aliada ao envol- vimento das famílias e da comunidade, produz resultados mais po- sitivos (MENDES, 2010, p. 57). Articular o debate sobre o significado da inclusão das crian- ças pequenas em estabelecimentos educacionais e suas práticas, torna-se essencial para a transformação da cultura escolar, na qual o suporte da Educação Especial, da família e da comunidade possa ser efetivado. A intersetorialidade é o caminho para garantir o D e s a f i o s d a I n c l u s ã o E s c o l a r | 25 SUMÁRIO bem-estar de todos: famílias, crianças, professores e demais pro- fissionais. Os responsáveis pela educação das crianças em espaços coletivos têm o compromisso de problematizar e viabilizar essa in- terlocução para poder qualificar o atendimento pedagógico e tam- bém para contribuir na defesa dos direitos inalienáveis das crian- ças. Bondioli (1998), ao defender a educação precoce, destaca que as crianças têm o direito, antes de tudo, de viverem experiên- cias prazerosas. Nesse sentido, a inclusão de crianças com defici- ência visual em programas pedagógicos, o mais cedo possível, pos- sibilitará, além da optimização do potencial de aprendizagem e de desenvolvimento, a participação em espaço lúdico coletivo e a vi- vência de um mundo de alegria, arte, imaginação e cultura. No aspecto pedagógico, Educação Infantil tem sido conce- bida como espaço e tempo de formação humana, de aquisição de experiências significativas, construção da identidade, do conheci- mento e participação na vida cultural da comunidade como pode- mos ver na proposta de uma Pedagogia da Infância. A INCLUSÃO DE CRIANÇAS COM DEFICIÊNCIA VISUAL E A PE- DAGOGIA DA INFÂNCIA Pesquisas desenvolvidas no Brasil, como a de Amorim e Barretos (2020), vêm apontando que a inclusão em instituições de Educação Infantil possibilita aos bebês, possivelmente pela pri- meira vez, a construção de uma gama variada de interações sociais em um espaço coletivo. Na opinião das autoras, seria um equívoco negar que as vivências compartilhadas nas instituições coletivas de cuidado e educação – que respeitam os parâmetros de quali- dade e valorizam as infâncias em sua potência possam ampliar o L ú c i a d e A r a ú j o R a m o s M a r t i n s ( O r g . ) | 26 SUMÁRIO processo de desenvolvimento dos bebês e demais crianças (AMO- RIM; BARRETOS, 2020). Ampla revisão da literatura sobre a inclusão de crianças com necessidades educacionais na Educação Infantil revela que ocorrem aprendizagem e desenvolvimento por meio da participa- ção em ambientes mais desenvolvidos. Ambientes inclusivos podem favorecer o desenvolvimento das cri- anças por oferecer um meio mais estimulador (cognitivamente, so- cialmente e linguisticamente) do que ambientes segregados. Os es- tudos indicam ainda que, com suporte necessário e apropriado, as crianças pequenas com necessidades educacionais especiais po- dem adquirir habilidades complexas e participar com sucesso de ambientes inclusivos (MENDES, 2010, p. 58). O que temos discutido para a inclusão de crianças com defi- ciência nos centros de Educação Infantil é o grande desafio que se impõe: a construção de propostas pedagógicas que levem em con- sideração as demandas da infância e as necessidades específicas dessa população. Haja vista a criança com deficiência visual como as demais crianças são sujeitos ativos, com experiências sociais e culturais diversas que as possibilitam agir e compreender o mundo a partir de contextos que atendam às suas singularidades e das oportunidades de aprendizagem que lhes são ofertadas desde a mais tenra idade. O que diferencia uma criança cega ou com baixa visão são as singularidades e necessidades específicas decorrentes da situa- ção de ausência total ou parcial de visão que as constituem, que implicarão em um novo olhar dos professores e cuidadores sobre as formas de interagir, de se relacionar e de se comunicar com es- ses pequenos. Há ainda a necessidade de mudança da cultura escolar so- bre a percepção das pessoas com deficiência, que deixa de ser so- bre as incapacidades ou dificuldades e passa a focar as D e s a f i o s d a I n c l u s ã o E s c o l a r | 27 SUMÁRIO possibilidades: o que gostam de fazer, quais as preferências, as brincadeiras que já sabem; como se comunicam, se gostam de es- cutar, cantar ou ouvir estórias; quais as experiências e significados construídos. A criança, antes de tomar consciência de si, necessita do ou- tro. É na relação e interação com as pessoas de sua família, com educadores, meninos e meninas na escola e com o mundo que a cerca que ela desenvolve suas possibilidades e se estrutura como pessoa. A interação social depende da forma como a criança é re- cebida, acolhida, observada, ouvida e compreendida em suas ne- cessidades. Essa forma de relação e comunicação influencia o de- senvolvimento afetivo e as relações interpessoais, determina a ma- neira como a criança vai interagir com as pessoas, objetos e o meio em que vive. As crianças com deficiência visual necessitam, nos primei- ros anos de vida, encontrar pessoas desejosas de interagir e se co- municar com elas. Os pais, educadores e cuidadores devem estar atentos às manifestações de intenção comunicativa, os pequenos gestos aos quais devem interpretar e reagir mediante o toque e a confirmação verbal (BRUNO, 1992; 2006). De acordo com Bruno (2006, p. 15), Os professores das creches e pré-escolas podem aprender com os pais os meios que encontraram e quais os códigos que estabelece- ram para se comunicar com suas crianças. Os pais, geralmente, são bons conhecedores de seus filhos, compreendem suas necessida- des, seus desejos e interesses. Sabem sobre as brincadeiras, obje- tos e situações que lhes proporcionam alegria, satisfação e despra- zer. O diálogo contínuo e a participação da família no projeto educaci- onal são fatores preponderantes para o atendimento às necessida- des específicas e o sucesso na inclusão das crianças com deficiên- cia visual em creches e pré-escolas. L ú c i a d e A r a ú j o R a m o s M a r t i n s ( O r g . ) | 28 SUMÁRIO Quando uma criança com deficiência visual chega pela primeira vez a um centro de Educação Infantil, a comunidade escolar sente- se insegura quanto às atitudes adequadas e positivas frente à defi- ciência visual. É importante que os profissionais que trabalham na escola e os professores levem em conta que inclusão significa tam- bém postura e atitude positiva na interação com essas crianças. Como temos defendido, os bebês e crianças pequenas ne- cessitam de pais e educadores dispostos a acolherem suas necessi- dades, interagir, relacionar-se de forma positiva e principalmente, compreenderem suas diferentes formas de comunicação eserem responsivos a elas. As práticas educativas devem estar focadas nas experiências cotidianas, nos significados construídos, na cultura familiar e, principalmente, nas possibilidades da criança e nos pro- cessos de aprendizagem em espaço coletivo (BRUNO, 2006). A Resolução CEB/CNE n. 5 de 17 de dezembro de 2009 con- cebe a criança como o centro da proposta pedagógica, pois nas suas interações, relações e práticas cotidianas vivenciadas, constrói-se continuadamente, brinca, imagina, aprende, observa, experimenta, questiona e estabelece sentidos sobre a natureza e a sociedade e produz cultura (BRASIL, 2009b). Outra questão que precisamos problematizar, além dessa Pedagogia própria para a Infância, será como criar uma cultura in- clusiva na Educação Infantil? Qual é o lugar da criança? Qual o pa- pel dos professores e da família? Como eliminar as barreiras ati- tudinais, físicas e de comunicação? Como organizar práticas peda- gógicas que dêem conta das especificidades da criança com defici- ência visual no coletivo de creches e pré-escolas? Nessa perspectiva de cultura inclusiva, as crianças têm par- ticipação ativa, são colocadas no centro da ação pedagógica, são acolhidas em escuta empática, são cuidadas nas suas necessidades básicas de sobrevivência e bem-estar; estimuladas no seu desen- volvimento integral: interações afetivas, linguagem significativa, D e s a f i o s d a I n c l u s ã o E s c o l a r | 29 SUMÁRIO experiências sensório-motoras, brincadeiras de faz de conta, jogos e atividades que favoreçam o pensar e a resolução de problemas. Essa função social de educar e cuidar das creches e pré-es- colas precisa ser compartilhada com as famílias, que, por sua vez, também necessitam de escuta empática de comunicar suas dife- rentes culturas, desejos, expectativas e dúvidas. As famílias parti- cipam como colaboradores do processo de desenvolvimento e aprendizagem de suas crianças trocam pontos de vista e o conhe- cimento sobre as possibilidades, dificuldades e necessidades espe- cíficas dos bebês e crianças pequenas. A função da Educação Infantil nas sociedades contemporâ- neas é a de possibilitar a vida em comunidade, aprendendo a aco- lher a diversidade dos demais, “a sair da percepção exclusiva do seu universo pessoal, assim como a ver o mundo a partir do olhar do outro e da compreensão de outros mundos sociais” (BARBOSA, 2009, p.12). Isso implica em uma profunda aprendizagem das prá- ticas sociais e culturais “que se aprendem através do conheci- mento de outras culturas, das narrativas tradicionais e contempo- râneas que possam contar sobre a vida humana por meio da litera- tura, da música, da pintura, da dança” (BARBOSA, 2009, p.12). Atualmente, os estabelecimentos de educação infantil ocu- pam “importante lugar como produtores e divulgadores de uma cultura de defesa da infância, ou seja, possuem o compromisso po- lítico e social de garantir as especificidades das infâncias na socie- dade contemporâneas” (BARBOSA, 2009, p. 22-23). Isso porque “as crianças, nas suas diferenças e diversidades, são completas, pois têm um corpo capaz de sentir, pensar, emocionar-se, imagi- nar, transformar, inventar, criar, dialogar: um corpo produtor de história e cultura” (BARBOSA, 2009, p. 23). Isto implica compreen- der que, brincando, são capazes de agirem incorporando elemen- tos do mundo no qual vivem; “essas ações e interações, geralmente L ú c i a d e A r a ú j o R a m o s M a r t i n s ( O r g . ) | 30 SUMÁRIO lúdicas, são denominadas de culturas infantis e são transmitidas através de gerações de crianças” (BARBOSA, 2009, p. 24). O objetivo da educação infantil, do ponto de vista do conhecimento e da aprendizagem, é o de favorecer experiências que permitam às crianças a apropriação e a imersão em sua sociedade, através das práticas sociais de sua cultura, das linguagens que essa cultura produz, e produziu, para construir, expressar e comunicar signifi- cados e sentidos (BARBOSA 2009, p. 47-48). Nessa direção, talvez tenhamos que “focar o currículo nas crianças e em suas relações e concebê-lo como construção, articu- lação e produção de aprendizagens que acontecem no encontro en- tre os sujeitos e a cultura” (BARBOSA, 2009, p. 50). Assim: [...] o currículo acontece na participação das crianças nos proces- sos educacionais, que envolvem os momentos de cuidado físico, a hora de contar e ouvir histórias, as brincadeiras no pátio ou na sala, a hora de cantar e de garatujar, ou seja, ele está continua- mente em ação. O professor observa e compreende, na ação, o pen- samento se configurando, e ele não se restringe a transmitir uma informação, mas propõe desafiar a criança a continuar pensando (BARBOSA, 2009, p. 50). A criança cega ou com baixa visão não necessita de um cur- rículo diferenciado, ela necessita da adequação das atividades e de adaptações dos recursos pedagógicos a sua condição sensorial. Além dessa proposta pedagógica vivenciada junto com os demais colegas em sala de aula, ela necessitará da complementação curri- cular: as atividades de vida autônoma, orientação e mobilidade, o ensino do braile e do sorobã adaptado. Esses conteúdos devem es- tar disponíveis desde os quatro anos na Educação Infantil para que as crianças com deficiência visual possam usufruir das mesmas oportunidades de aprendizagem em sala de aula. D e s a f i o s d a I n c l u s ã o E s c o l a r | 31 SUMÁRIO Já as estratégias de audiodescrição como recurso de acessi- bilidade à informação e comunicação precisa ser utilizada pelo professor na sala de aula: narrar e descrever objetos, pessoas, ima- gens, eventos, balões, gráficos, como forma de garantir a participa- ção da criança com deficiência visual em todas as atividades como contar histórias, leitura de imagens, brincadeiras e jogos. De forma semelhante, a criança com deficiência visual deve usufruirde toda a tecnologia disponível na Educação Infantil: com- putadores, tabletes e celular para os quais há leitores de tela sim- ples e gratuitos como o Dosvox, entre outros. CONSIDERAÇÕES FINAIS É indiscutível o avanço das diretrizes políticas e propostas pedagógicas para a Educação da Infância no Brasil nesta última dé- cada. No entanto, observa-se uma política de investimento e ex- pansão do atendimento na pré-escola, e escassos investimentos para a expansão com qualidade do atendimento em creches, como também do AEE nessa etapa da Educação Básica. A promoção dos direitos das crianças à educação e à infân- cia começa a ser efetivada desde a defesa de princípios como opor- tunidades iguais, inclusão com qualidade, apoio e suporte do AEE e a qualidade no atendimento com a proposta pedagógica para a infância, enquanto promotores dos direitos humanos, especial- mente os dos bebês e das crianças pequenas. Como vimos, os desafios para a implementação da política e da prática de Educação Especial para a inclusão com qualidade das crianças com deficiência visual na Educação Infantil passam por revisão conceitual da própria função da Educação Especial como também da adoção de novas formas de atendimento. Qual seja: para além da instrumentalização e redução da Educação Especial à L ú c i a d e A r a ú j o R a m o s M a r t i n s ( O r g . ) | 32 SUMÁRIO tecnologia, priorizar o desenvolvimento integral e a formação hu- mana em creches e pré-escolas. Nesse sentido, urge ações que contemplem a formação de professores do AEE para atuação na Educação Infantil; apoio e su- porte às famílias e participação das mesmas na elaboração e avali- ação do Plano de Atendimento Educacional Especializado; adoção de medidas do ensino ou consultoria colaborativa para possibilitar a atuação conjunta entre o professor especializado e o professor da sala comum. Por fim, torna-se necessária a ampliação de pesquisas sobre a inclusãode crianças com deficiência visual em creches e pré-es- colas, principalmente as que aprofundem a compreensão da rela- ção bebê-professores-família, o que implicaria na adequada forma- ção inicial e continuada das professoras de creches e de crianças pequenas na pré-escola. REFERÊNCIAS AMORIM, K. S.; BARRETO, M. R. Continuando o debate sobre o cuidado e a edu- cação de crianças nos primeiros anos de vida. Teoria e Prática da Educação, v. 23, n. 1, p. 22-35, jan./abr. 2020. Doi: https://doi.org/10.4025/tpe.v23i1.49985. BARBOSA, M. C. S. Práticas cotidianas na educação infantil: bases para a re- flexão sobre as orientações curriculares. Brasília, DF: MEC/UFRGS, 2009. BARROS, Manoel. Menino do mato. Rio de Janeiro: Objetiva, 2015. BONDIOLI, A. Manual de educação infantil de 0 a 3 anos. Porto Alegre: Ar- tmed, 1998. BRASIL. Resolução CNE/CEB n. 2, de 11 de setembro de 2001. Institui Dire- trizes Nacionais da Educação Especial na Educação Básica. Brasília, DF: MEC/CNE, 2001. D e s a f i o s d a I n c l u s ã o E s c o l a r | 33 SUMÁRIO BRASIL. Política Nacional de Educação Especial na perspectiva da educa- ção inclusiva. Brasília: MEC/SEESP, 2008. BRASIL. Resolução CNE/CEB n. 4, de 2 de outubro de 2009. Institui Diretri- zes Operacionais para o Atendimento Educacional Especializado na Educação Básica, Modalidade Educação Especial. Brasília: MEC/CNE/CEB, 2009a. BRASIL. Resolução CNE/CBE n. 5, de 17 de dezembro de 2009. Fixa as Dire- trizes Curriculares para a Educação Infantil. Brasília: MEC/CNE/CEB, 2009b. BRASIL. Decreto n. 7.611 de 17 de novembro de 2011. Dispõe sobre a edu- cação especial, o atendimento educacional especializado e dá outras providên- cias. Brasília: Presidência da República, 2011. BRASIL. Lei n. 13.146 de 6 de julho de 2015. Institui a Lei Brasileira de Inclu- são da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência). Brasília: Presidência da República, 2015a. BRASIL. Nota Técnica Conjunta n. 02/2015. Orientações para a organização e oferta do Atendimento Educacional Especializado na Educação Infantil. Brasí- lia, DF: MEC/SECADI/DPEE, 2015b. BRONFENBRENNER, U. A ecologia do desenvolvimento humano. Porto Ale- gre: Artes Médicas, 1996. BRUNO, M. M. G. O desenvolvimento integral do portador de deficiência vi- sual: da intervenção precoce à integração escolar. São Paulo: Loyola,1992. BRUNO, M. M. G.Educação infantil: Saberes e Práticas da Inclusão. Dificuldade de comunicação e sinalização. Deficiência Visual. 4. ed. Brasília: MEC/SEESP, 2006. BRUNO, M. M. G. A política pública de educação especial na perspectiva da edu- cação inclusiva: algumas reflexões sobre as práticas discursivas e não discursi- vas. In: ANPED, 33ª Reunião, Caxambu/MG, 2010. IBGE. Censo demográfico 2010. Disponível em: < https://censo2010.ibge.gov.br/>. Acesso em 05 ago. 2020. L ú c i a d e A r a ú j o R a m o s M a r t i n s ( O r g . ) | 34 SUMÁRIO KASSAR, M.C.M; MARCELO, R. M. O atendimento educacional especializado a crianças pequenas com deficiência: o caso de Mato Grosso do Sul. Comunica- ções, Piracicaba v. 23 n.3, Número Especial, 2016. DOI: http://dx.doi.org/10.15600/2238-121X. MENDES, E. G. Inclusão marco zero: começando pelas creches. Araraquara, SP: Junqueira &Marin, 2010. SAMEROFF, A; FIESE, B. H. The developmental ecology of early interven- tion. Cambridge University, 2000. D e s a f i o s d a I n c l u s ã o E s c o l a r | 35 SUMÁRIO CAPÍTULO 2 ESTUDANTES COM DEFICIÊNCIA VISUAL E SURDOCEGUEIRA NA REDE MUNICIPAL DE ENSINO DE NATAL/RN Luzia Guacira dos Santos Silva INTRODUÇÃO No Brasil, a partir da década de 1990, estudantes com defici- ência visual – cegueira e baixa visão e com surdocegueira, assim como outros estudantes, que já faziam parte da modalidade de en- sino Educação Especial tiveram, por força da Lei, as portas de es- colas regulares abertas para a aprendizagem, em salas de aula co- mum, junto àqueles com visão normal. O que têm sido um desafio para muitos educadores, que não tiveram em sua formação inicial o acesso aos conhecimentos e saberes específicos que subsidias- sem a sua prática pedagógica, de forma a possibilitar respostas e soluções para as situações com as quais se defrontam cotidiana- mente no contexto escolar. Desafio, também, para as instituições formadoras e órgãos centrais responsáveis pela educação de estados e municípios, que têm como uma de suas responsabilidades ofertar formação conti- nuada aos seus professores. Formação essa, atrelada a medidas que possam minimizar as dificuldades da pratica docentes, muitas vezes decorrentes, em concordância com Gadotti (2011), da L ú c i a d e A r a ú j o R a m o s M a r t i n s ( O r g . ) | 36 SUMÁRIO exaustão provocada pelo aumento da quantidade de trabalho e pela despersonalização advinda da baixa valorização social e redu- zida realização pessoal e profissional. Compreendendo a importância da formação continuada como vetor de retroalimentação de saberes e provocadora de mu- danças no fazer pedagógico, desenvolvemos em 2019-2020 uma pesquisa em torno do processo educacional de pessoas com defici- ência visual – cegueira e baixa visão, e com surdocegueira, na rede pública de ensino do estado do Rio Grande do Norte. O que resul- tou numa obra publicada em E-book, ao dispor dos leitores, gratui- tamente, no site da editora Ideia. O objetivo deste capítulo, no en- tanto, no entanto é o de apresentar resultados da pesquisa reali- zada, apontando dados da história e realidade da escolarização de tais estudantes, no contexto da rede pública de ensino do municí- pio de Natal1, capital do Rio Grande do Norte2, a partir dos docu- mentos legais que circunscrevem as políticas de educação desse município, de dados advindos de entrevistas e de outras fontes. 1Natal, capital do estado de Rio Grande do Norte, se encontra na extremidade nor- deste do Brasil. Tem uma área de 169,3 km². Está dividida em quatro regiões admi- nistrativas ou zonas: Norte, Sul, Leste e Oeste. Juntas, as quatro regiões administra- tivas se dividem em um total de 36 bairros. A população do município de Natal, se- gundo o IBGE (2020) é de 890.480 habitantes, em sua maioria descendente, princi- palmente, de indígenas, africanos e portugueses. Quem nasce em Natal é “Nata- lense”. 2O Rio Grande do Norte se encontra localizado na extremidade do nordeste do Bra- sil. Está dividido em 167 municípios e tem uma área total de 52 811,126 km². Sua população está estimada em torno de 3.534.165 de habitantes, segundo o Instituto Bra- sileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2020). Quem nasce no RN é “norteriograndense” ou “Potiguar”. D e s a f i o s d a I n c l u s ã o E s c o l a r | 37 SUMÁRIO DA PESQUISA E DOS CONCEITOS Para nós, que consideramos a pesquisa como um meio de fa- vorecimento de compreensão do mundo, de mudança de conceitos, de práticas e de atitudes pessoais e pedagógicas, foi de fundamen- tal importância procurar conhecer, para bem compartilhar, sobre como o sistema de ensino público estadual do Rio Grande do Norte, assim como do município de sua capital – Natal, estão promovendo o acesso e garantindo a permanência de uma parcela dos estudan- tes - aqueles com deficiência visual e surdocegueira –, tomando como base o modelo de escola inclusiva. O que justificamos por quatro razões: a) Primeira razão: pelo direito de Todos à educação se encon- trar assegurado pela Constituição Federal (1988), no Art. 205, e ra- tificado na Constituição do Estado do Rio Grande Norte, de 03 de outubro de 1989, no Art. 134: “A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, é promovida e incentivada com a colabora- ção da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercícioda cidadania e sua qualificação para o trabalho”; b) Segunda razão: pelo respaldo de cursos de extensão uni- versitária, que coordenamos como consequência de pesquisas que realizamos (SILVA, 2008; 2014; 2017), na área da educação de pes- soas com deficiência visual. Por exemplo, os cursos desenvolvidos em 2017 e 2018, respectivamente: “A criança com deficiência vi- sual nos espaços do brincar, cantar e contar: corpos em movi- mento” e “Tenho alunos com deficiência visual. E agora, o que fa- zer?”, cujas avaliações apontaram, entre outros aspectos, para a necessidade de se conhecer mais detalhadamente sobre aspectos inerentes aos processos de ensino e aprendizagem do público L ú c i a d e A r a ú j o R a m o s M a r t i n s ( O r g . ) | 38 SUMÁRIO sobre o qual tais cursos chamam à visibilidade nos espaços escola- res onde se encontram matriculados; c) Terceira razão: pela carência de pesquisas e de ações afir- mativas no processo de escolarização que envolvam tais estudan- tes, assim como pelo despreparo de muitos dos profissionais, já confirmado em pesquisas realizadas por Silva (2008; 2014; 2017), Bedaque (2012; 2014), Severo (2012), Silva e Silva (2019), em atender estudantes com cegueira, baixa visão e surdocegueira que, anual e paulatinamente, se inserem nos diferentes níveis e moda- lidades de ensino; e d) Quarta razão: por encontrar respaldo, na meta 3 do Plano Estadual de Educação do Rio Grande do Norte (2015-2025), Meta 3 - Estratégia 21: “Incentivar e apoiar a produção de pesquisas no âmbito da educação inclusiva, assim como promover a di- vulgação dos resultados em especial daqueles voltados para o desenvolvimento de tecnologias inovadoras que assegurem à aprendizagem dos estudantes”. (Grifos nossos) Tais prerrogativas nos deram a possibilidade de desenvolver a pesquisa3, intitulada: “Retratos de escolarização: pessoas cegas, surdocegas e com baixa visão no estado do Rio Grande do Norte” (2020)4, de abordagem qualitativa e quantitativa do tipo explora- tória, utilizando os recursos da pesquisa bibliográfica em literatura específica e em documentos relativos à Educação e à Educação Es- pecial do Estado e de sua capital, tais como: resoluções, portarias, 3 Em decorrência da Pandemia da Covid-19, não foi possível a realização da pesquisa em seu desenho original, que previa a ida a escolas da redemunicipal, com registro dematrícula de estudantes com deficiência visual e surdocegueira para entrevistar os professores. 4Pesquisa: “Retratos de escolarização: pessoas cegas, surdocegas e com baixa visão no estado do Rio Grande do Norte” aprovada pelo Conselho de Ética da UFRN – CAEE - 27523019.3.0000.5292. Ano: 2020. D e s a f i o s d a I n c l u s ã o E s c o l a r | 39 SUMÁRIO decretos, boletins informativos e estatísticos e referenciais curri- culares. A busca e a construção dos dados ainda se deram, por meio de informações recolhidas em sites de instituições especializadas nacional, regional e local, e concedidas por membros das equipes dos setores responsáveis, nas secretarias de educação, pela Educa- ção Especial do Estado e do município de Natal/RN, por meio de entrevistas on line e/ou questionário, enviado via e-mail, com as três questões: a) Como é realizada a formação de professores na área da defi- ciência sensorial – cegueira, baixa visão e surdocegueira nas escolas da rede? b) Quais os cursos, em 2019 e/ou anos anteriores, foram ofere- cidos pela equipe central de Educação Especial na área da deficiência sensorial – cegueira, baixa visão e surdoce- gueira? c) Quantos professores da rede municipal/estadual foram con- templados com formação na área da deficiência sensorial – cegueira, baixa visão e surdocegueira em 2019 e/ou anos anteriores? Dessa forma, por meios de dados quantitativos e qualitativos, buscamos configurar a realidade da escolarização de estudantes com cegueira, baixa visão e surdocegueira, presentes nas redes de ensino pública estadual e municipal do RN, em tempos em que os princípios da escola inclusiva e democrática no país carecem ser fortemente afirmados. Para fins da pesquisa empreendida e dos registros expostos neste capítulo, consideramos como deficiência visual, para fins educacionais, toda perda total ou parcial, congênita ou adquirida da visão, que varia de acordo com o campo de visão e a acuidade L ú c i a d e A r a ú j o R a m o s M a r t i n s ( O r g . ) | 40 SUMÁRIO visual. Dentro da classificação da deficiência visual se encontram a cegueira e a baixa visão, assim definidas: Cegueira - [...] alteração grave ou total de uma ou mais das funções elementares da visão que afeta de modo irremediável a capacidade de perceber cor, tamanho, distância, forma, posição ou movimento em um campo mais ou menos abrangente (SÁ, CAMPOS e SILVA, 2007, p. 15) A baixa visão, também conhecida como ambliopia, visão sub- normal e visão reduzida é a [...] alteração significativa da capacidade funcional, decorrente de fatores isolados ou associados, tais como: baixa acuidade visual significativa, redução importante do campo visual, alterações para visão de cores e sensibilidade aos contrastes, que interferem ou li- mitam o desempenho visual” (SÁ, CAMPOS e SILVA, 2007, p. 16). A surdocegueira5, por sua vez, que está dentro da classifica- ção de deficiências sensoriais múltiplas, caracteriza-se como uma deficiência singular que apresenta perdas auditivas e visuais con- gênitas e/ou adquiridas, em diferentes graus, levando a pessoa surdocega a desenvolver várias formas de comunicação, como: 5A surdocegueira é causada por doenças contraídas na gravidez, como rubéola, to- xoplasmose e citomegalovírus. “Síndromes como a de Usher (degeneração da retina em função de retinose pigmentar) também são a causa. Nesse caso, a origem é ge- nética, ou seja, nasce-se com a síndrome que se manifesta na infância ou mais tarde. Muitas pessoas nascidas surdas podem ser portadoras da síndrome de Usher e apre- sentar perda gradativa da visão na adolescência ou maturidade. A retinose pigmen- tar, que gera perda visual progressiva, também pode estar associada a outras sín- dromes, mas a mais conhecida é a de Usher. Abuso de álcool e drogas por parte da gestante, caxumba, meningite, acidente vascular cerebral (AVC), sífilis congênita, herpes, aids e hidrocefalia, entre outros, também podem causar surdocegueira” (Sem luz e sem som: vencendo a barreira do isolamento. In: http://www.ame- sp.org.br/noticias/jornal/novas/tejornal14.shtml) http://www.ame-sp.org.br/noticias/jornal/novas/tejornal14.shtml http://www.ame-sp.org.br/noticias/jornal/novas/tejornal14.shtml D e s a f i o s d a I n c l u s ã o E s c o l a r | 41 SUMÁRIO Tadoma6, Libras Tátil, Sistema de Escrita Braille, Alfabeto Dactilo- lógico, para entender e interagir com as pessoas e o meio ambiente (CAMBRUZZI e COSTA, 2016; COSTA e RANGNI, 2015; ALVARÉZ REYS, 2004; MAIA, 2005) e ter acesso ao conhecimento acumulado pela humanidade. É importante frisar que a condição de surdocegueira, devido ao comprometimento simultâneo da audição e da visão, pode tra- zer prejuízos ao desenvolvimento, à aprendizagem, à comunicação e à socialização, principalmente nos casos da perda total dos dois sentidos. Porém, a aprendizagem escolar, por meio de recursos de tecnologia assistiva (CCTV7, Tellethouch8)e de formas específicas de comunicação, como as já citadas anteriormente, tem favorecido e alargado as possibilidades de desenvolvimento, aprendizagem e de participação social por pessoas surdocegas. Feitas essas considerações, sigamos com os dados encontra- dos sobre a escolarização de estudantes com deficiência visual e surdocegueira, na rede municipal de ensino de Natal/RN. Assim como, os caminhos para aquisição de saberes específicos, que pro- fessores e professoras tiveram nesse campo,com vistas a 6Tadoma, método criado por Shophia Alcom, também chamado de "leitura labial tátil”. Sendo conhecedor da língua oral, a pessoa surdocega coloca uma das mãos na face do interlocutor próxima à boca para então fazer a “leitura” da articulação das palavras e sentir também a vibração dos sons. (BRASIL, 2006) 7 CCTV é um ampliador de imagens que visa auxiliar a pessoa que tem um resíduo visual muito pobre a ler e escrever, o CCTV amplia em até sessenta vezes o tamanho da figura. (BRASIL, 2006) 8 Tellethouch: É um aparelho com teclado de máquina braille e de máquina de dati- lografia. Os dois levantam na parte de trás do aparelho uma pequena chapa de me- tal, a cela braille, uma letra de cada vez. Ao interlocutor do surdocego basta saber ler para pressionar as teclas da máquina comum da tellethouch como se estivesse redigindo um texto escrito qualquer. (BRASIL, 2006) L ú c i a d e A r a ú j o R a m o s M a r t i n s ( O r g . ) | 42 SUMÁRIO promoverem um ensino acessível e equitativo para tais estudan- tes, que ingressaram no sistema público de ensino municipal. A REDE MUNICIPAL DE ENSINO DE NATAL/RN NA ESCOLARI- ZAÇÃO DE ESTUDANTES COM DEFICIENCIA VISUAL E SURDO- CEGUEIRA A secretaria Municipal de Educação de Natal/RN tem como uma de suas atribuições “assegurar às crianças, jovens e adultos, no âmbito do sistema educacional do Município, as condições ne- cessárias de acesso, permanência e sucesso escolar”. Faz parte desse universo crianças, jovens e adultos em condição de deficiên- cia, transtornos globais de desenvolvimento, altas habilidades/su- perdotação9, que desde a década de 1990, com a promulgação da Lei Orgânica do Município de Natal, de 3 de abril de 1990, têm seu direito à educação escolar assegurado não apenas em relação ao acesso, mas sobretudo, à permanência com gratuidade e ao aten- dimento educacional especializado na escola comum nos termos da Lei, em seu capítulo VII – DA EDUCAÇÃO: Art. 154 - O sistema de ensino do Município, observadas as diretri- zes e bases da educação nacional e as disposições suplementares da legislação estadual, compreende, em caráter de obrigatorie- dade e de gratuidade: III - atendimento educacional especializado aos portadores de de- ficiência física, mental ou sensorial, através da rede regular de en- sino municipal. Art. 165 - É assegurada aos deficientes matrícula na rede munici- pal, na escola mais próxima de sua residência em turmas comuns, 9Público-alvo da Educação Especial da atualidade, conforme Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (1996). D e s a f i o s d a I n c l u s ã o E s c o l a r | 43 SUMÁRIO ou, quando especiais, conforme critérios determinados para o tipo de deficiência. Nos anos de 1993 e 1994, foi elaborada e implantada, respectiva- mente, a Proposta de Ensino Especial, inicialmente aplicada em 10 escolas da rede municipal de ensino. Essa proposta de acordo com os registros de Silva (2006, p. 8) tinha como objetivo a: Promoção e desenvolvimento de programas que contemplem a in- serção do aluno portador de deficiência (Sic) no contexto regular de ensino, de modo a garantir sua integração através de situações educacionais que o tornem capaz de se autoconstruir mental, afe- tiva e socialmente, tendo respeitados os seus direitos de produzir e exprimir ideias, desejos e sentimentos. Tal proposta, portanto, destinava-se, exclusivamente, à defi- nição de diretrizes norteadoras da denominada Política de Educa- ção Especial do Município. Política esta, afirmada pela Resolução Nº 001/1996, que fixa normas relativas à educação de alunos com “deficiência mental, física, sensorial e múltipla”, considerando a Constituição Federal (1988); a Lei n. 8.069/1990, que dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA; a Lei Federal Nº 7.853/1998, que dispõe sobre o apoio à interação social e assegura o pleno exercício dos direitos individuais a pessoas com deficiên- cia; a Lei Nº 10.172/2001, que aprova o Plano Nacional de Educa- ção, o qual contempla 27 objetivos e metas para a Educação Espe- cial, entre outros documentos, assim como a pressão social e os avanços nos estudos e pesquisas realizados em torno do desenvol- vimento humano e da aprendizagem dessa parcela da população. No Plano Municipal de Educação de Natal, para o período de 2003-2012, baseado no Plano Nacional de Educação – PNE, na aná- lise situacional do ensino municipal de Natal e nos resultados das discussões realizadas com a participação de representantes de en- tidades civis, políticas e educacionais, foram definidas quatro L ú c i a d e A r a ú j o R a m o s M a r t i n s ( O r g . ) | 44 SUMÁRIO grandes metas: Universalização da Educação Infantil e do Ensino Fundamental; Melhoria da qualidade de ensino; Ampliação e me- lhoria da rede física e Valorização Profissional. Também foram de- finidas prioridades e estabelecidas metas de curto, médio e longo prazo, por níveis e modalidades de Ensino: Educação Infantil; En- sino Fundamental; Educação de Jovens e Adultos e Educação Espe- cial. Na meta 10, dessa última modalidade de ensino, já pensada na perspectiva da escolarização dos educandos com deficiência em sala de aula comum com os demais estudantes, encontramos refe- rência àqueles com deficiência visual no que tange ao forneci- mento, em cinco anos, “[...] de material didático específico e auxílio óptico para os portadores10 de necessidades educativas especi- ais”11 [Sic.] (p. 10). Grifo nosso. Silva (2006, p. 38-39) afirma que após a regulamentação das normas contidas na Resolução Nº 001/1996 “[...] houve um signi- ficativo aumento de matrícula nas escolas da rede municipal de en- sino de Natal/RN”, que contava, no ano de 2003, com 433 10O termo “portador de (deficiência)” tornou-se bastante popular, acentuadamente entre 1986 e 1996. Após debate mundial, os termos “pessoa com deficiência” e “pessoas com deficiência” foram aprovados e são utilizados no texto da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, aprovada em 13/12/2006, pela As- sembléia Geral da ONU (SASSAKI, 1999). Essa Convenção foi ratificada no Brasil em julho de 2008, no documento da Política de Educação Especial na perspectiva da Educação Inclusiva. 11 O termo “necessidades educativas especiais”, segundo Sassaki (1999)é incorreto, uma vez que a palavra “educativo” significa algo que educa enquanto que “necessi- dades” não educam. Assim que o termo correto seria “necessidades educacionais especiais”, ou seja, aquilo que são concernentes à educação. O termo “necessidades educacionais especiais”, originário do Relatório de Warnock (1978), foi adotado pelo Conselho Nacional de Educação / Câmara de Educação Básica (Resolução nº 2, de 11/9/2001, com base no Parecer CNE/CEB nº 17/2001, homologado pelo MEC em 15/8/2001). D e s a f i o s d a I n c l u s ã o E s c o l a r | 45 SUMÁRIO estudantes com deficiência atendidos em vinte e uma (21) escolas, das setenta e duas (72) existentes. Dentre esse número de matrí- culas, oito (08) estudantes foram registrados com deficiência vi- sual – baixa visão. No ano seguinte, 2004, o número de estudantes com defici- ência caiu para 432 e o número de estudantes com deficiência vi- sual subiu para dezesseis (16), no Ensino Fundamental (13) e na Educação de Jovens e Adultos – EJA (03). Não há nos registros, dos dois anos, nenhum estudante com cegueira. Estes, geralmente, eram atendidos no Instituto de Cegos do Rio Grande do Norte até o 4º ano do Ensino Fundamental. A partir do 5º ano eram encami- nhados para uma escola comum da rede estadual de ensino nas proximidades do Instituto, com apoio de professores itinerantes da secretaria municipal de educação. (SILVA, 2006) Em 2008, a Secretaria Municipal de Educação reedita e lança, com base nos preceitos do paradigma da Inclusão, os “ReferenciaisCurriculares para a Educação Infantil e Ensino Fundamental - Edu- cação Especial”, para os nominados “alunos com necessidades edu- cacionais especiais”, com o objetivo e função de promover a inclusão educacional desse contingente da população escolar – com extensão social – o documento configura-se como um suporte para a melhoria de qualidade no ensino e na aprendi- zagem, assim possibilitando a acessibilidade desses alunos aos sa- beres e fazeres, no conjunto das práticas sociais às quais são ex- postos. (NATAL, 2008, p.8) Outro objetivo a que se prestam os Referenciais Curriculares é o de: “esclarecer possíveis dúvidas acerca do processo de inclu- são, bem como subsidiar sua [dos professores] prática pedagógica, na perspectiva de contribuir para a superação das dificuldades en- contradas em sala de aula e por extensão em toda a escola” (p.9). A L ú c i a d e A r a ú j o R a m o s M a r t i n s ( O r g . ) | 46 SUMÁRIO inclusão, por sua vez, é compreendida como um processo para “en- tender e admitir a heterogeneidade, enquanto uma oportunidade para otimizar o desenvolvimento pessoal e social do aluno, com re- flexos nos resultados de suas aprendizagens” (p. 9) Neste documento há, em relação aos documentos anteriores, além da mudança de paradigma, a ampliação do público-alvo me- recedor de atenção das ações educativas da rede municipal de en- sino, que levam em consideração [...] não só a capacidade intelectual dos indivíduos, mas seus inte- resses e motivações, contemplando alunos com condições físicas, intelectuais, sociais e econômicas diferenciadas; com deficiência e bem-dotados; alunos trabalhadores que vivem nas ruas; de po- pulações distantes ou nômades; de minorias linguísticas, étnicas e culturais e de grupos socioeconomicamente menos favorecidos. (NATAL, 2008, p. 8) Muitos desses alunos recebiam atendimento educacional es- pecializado nas denominadas Salas de Apoio Pedagógico – SA- PES12, cujos serviços eram diversificados e se configuravam como “complementares e suplementares aos conteúdos curriculares, uti- lizando procedimentos, equipamentos e materiais específicos junto ao aluno com necessidades especiais” (NATAL, 2008, p.16), atendendo, portanto, às determinações das Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica/2003. Entre o conjunto de “alunos com necessidades educacionais especiais” atendidos nas SAPES, encontramos: 12“Inicialmente, foram eleitas sete escolas, denominadas escolas-pólo, em localida- des estratégicas, nas diversas regiões da capital, sendo seis com funcionamento ma- tutino e vespertino e uma nos três turnos. A cada escola corresponde um universo de no mínimo cinco outras – circunvizinhas – cujos alunos se constituem em clien- tela da escola-pólo, caso as vagas não tenham sido preenchidas.” (REFERENCIAL CURRICULAR, 2009, p. 17) D e s a f i o s d a I n c l u s ã o E s c o l a r | 47 SUMÁRIO [...] alunos com síndrome de Down, surdos, com perdas auditivas leves, deficientes mentais, paralisados cerebrais, considerados hiperativos, autistas, crianças com dificuldade de aprendizagem sobretudo na leitura e escrita, não se registrando, até então, super- dotados ou talentosos (NATAL, 2008, p.17). Pelo registro encontrado, verificamos que além de superdo- tados ou talentosos, também, não houve frequência de estudantes com deficiência visual e surdocegueira nas SAPES, embora o aten- dimento se destinasse, também, “àqueles que apresentam dificul- dades de comunicação e sinalização diferenciadas dos demais alu- nos, demandando adaptações de acesso ao currículo, com utiliza- ção de linguagens e códigos aplicáveis, a exemplo de Braille, So- robã e LIBRAS” (NATAL, 2008, p.17). A deficiência visual e a surdocegueira estão assim denomina- das nos Referenciais (2008, p.20): DEFICIÊNCIA VISUAL - perda total ou parcial, congênita ou adqui- rida, variando de acordo com o nível ou acuidade visual da se- guinte forma: a) CEGUEIRA - perda total ou o resíduo mínimo de visão que leva a pessoa a necessitar do Sistema Braille como meio de leitura e escrita e b) BAIXA VISÃO OU VISÃO SUBNORMAL - comprometimento do funcionamento visual de ambos os olhos, mesmo após tratamento ou correção. A pessoa com baixa visão possui resíduos visuais em grau que lhe permite ler textos impres- sos ou ampliados com o uso de recursos ópticos especiais. SURDOCEGUEIRA - É uma deficiência singular que apresenta per- das auditivas e visuais concomitantemente em diferentes graus, necessitando desenvolver diferentes formas de comunicação para que a pessoa surdacega possa interagir com a sociedade. Para o trabalho escolar com estudantes com as característi- cas concernentes à cegueira e à baixa visão é recomendado, nos Referenciais Curriculares (2008), o ensino por meio do Sistema de L ú c i a d e A r a ú j o R a m o s M a r t i n s ( O r g . ) | 48 SUMÁRIO Leitura e Escrita Braille, o uso de reglete e do sorobã, textos im- pressos ou ampliados com o uso de recursos ópticos especiais e de tecnologias assistivas como sintetizadores de voz e softwares le- dores de tela. Também são pontuadas considerações quanto ao comporta- mento dos (as) professores(as) em relação a estudantes com defi- ciência visual em sala de aula: ler o que está no quadro ou no su- porte utilizado; disponibilizar o material de estudo em áudio, dis- quete, braile ou textos ampliados, com antecedência; substituir gráficos, fluxogramas e tabelas por demonstrações alternativas, ou gráficos simples com relevo; possibilitar ao aluno responder as provas nas linguagens que lhe forem mais acessíveis; não diferen- ciar as prova; tocar o braço ou chamar o estudante pelo nome quando estiver se dirigindo a ele (a); guiar ações como sentar, su- bir escadas, tomar ônibus, passar pela porta de entrada da sala, sem posicionar ou carregar o estudante. Para os estudantes surdocegos, o foco da aprendizagem está voltado para o desenvolvimento de sua independência, a fim de torná-los ativos, comunicativos e capazes de fazerem suas próprias escolhas. Assim que todas as ações educativas deveriam primar por atividades significativas que compreendam a aprendizagem de novas formas de comunicação e de orientação e mobilidade, consi- derando suas características individuais de surdocego pré-linguís- tico ou pós-linguístico13. A comunicação podendo ser estimulada por meio de instrumentos como: “o desenho, a fotografia, o sistema 13 Surdocego pré-linguístico diz-se da pessoa que nasce surdocega ou adquire a sur- docegueira ainda em bebê, antes de adquirir uma língua, como a Língua Portuguesa ou a Língua de Sinais. O surdocego pós-linguístico é aquela pessoa que já se apre- senta com uma deficiência sensorial (auditiva ou visual) e adquire a outra, após ter apreendido uma língua. Ou ainda, que adquiriu a surdocegueira sem ter tido ne- nhuma deficiência sensorial preexistente e já ter aprendido e ser usuária de uma língua. D e s a f i o s d a I n c l u s ã o E s c o l a r | 49 SUMÁRIO Braille, a leitura, língua de sinais, a escrita e o tadoma (este confi- gurado como código específico à comunicação do surdocego, pelo qual ocorrem seus aprendizados)” (NATAL, 2008, p.29). No ano seguinte, 2009, é publicada a Resolução Nº 05, de 29 de dezembro de 200914 - que Fixa normas relativas à educação das pessoas com necessidades educacionais especiais no Sistema Mu- nicipal de Ensino do Natal/RN. Neste documento, a Educação Es- pecial é compreendida como uma modalidade de ensino transver- sal a todos os níveis, etapas e demais modalidades de ensino e tem por finalidade possibilitar apoio curricular de caráter complemen- tar e suplementar à formação dos educandos por meio do Atendi- mento Educacional Especializado, viabilizando o acesso, à partici- pação e à aprendizagem dos educandos com deficiência, transtor-nos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação. Quanto aos estudantes com deficiência visual, a dita Resolu- ção faz referências no Capítulo V, onde trata do Processo de En- sino-Aprendizagem; no Capítulo VI, que discorre sobre o Atendi- mento Educacional Especializado (AEE) e Atendimentos Clínicos e, no Capítulo VII, que trata da formação e da função docente na es- cola com estudantes, então considerados, com necessidades edu- cacionais especiais. Vejamos de forma mais específica: No capítulo V, Art. 29, Item II - é recomendada a utilização do sistema de escrita Braile para os estudantes cegos, cabendo à Se- cretaria disponibilizar tecnologia assistiva e material didático-pe- dagógico adequado que garantam a esses estudantes a possibili- dade de demonstrarem suas competências de aprendizagem. Já o Capítulo VI, Art. 39 diz que o docente atuante no Atendimento Edu- cacional Especializado deverá “[...]conhecer e usar o sistema 14Essa Resolução substituiu a Resolução nº 01/96 do Conselho Municipal de Educa- ção. Ainda está em vigor, contudo se encontra em processo de reformulação. L ú c i a d e A r a ú j o R a m o s M a r t i n s ( O r g . ) | 50 SUMÁRIO Braille; conhecer os procedimentos para a orientação e mobilidade dos educandos cegos; conhecer e usar o Sorobã, as Tecnologias As- sistivas15, a Informática [...]” (p. 9). Por fim, no Capítulo VII - Art. 49 – é reafirmado que esse mesmo professor do AEE – para atuar junto a alunos com [...] deficiência visual (cegueira, baixa visão e surdocegueira) de- verá, obrigatoriamente, conhecer e usar o sistema Braille, o sorobã e os recursos da tecnologia assistiva [...], efetuando transcrições de códigos e possibilitando o acesso aos recursos de leitura e escrita alternativos (p.11). Percebemos que no referido documento, a surdocegueira é colocada no mesmo grupo da deficiência visual. Porém, nos Refe- renciais Curriculares para a Educação Infantil e Ensino Fundamen- tal - Educação Especial é apresentada como “uma deficiência sin- gular” e como “deficiência múltipla”. O que é contraditório, pois como já afirmamos, a surdocegueira é uma deficiência sensorial única, provocada pela síndrome de Uscher, de origem genética, que apresenta variações se associando à surdez presente no nasci- mento à perda visual gradual que se inicia na infância ou na ado- lescência. A cegueira, parcial ou total, é causada pela Retinose Pig- mentar16, que pode atingir quem não tem a síndrome. Logo, não se 15Tecnologia Assistiva (TA) é a área do conhecimento (de caráter interdisciplinar) que engloba produtos, recursos, metodologias, estratégias, práticas e serviços que objetivam promover a funcionalidade, relacionada à atividade e participação de pessoas com deficiência, incapacidade ou mobilidade reduzida, visando sua auto- nomia, independência, qualidade de vida e inclusão social. 16Retinose pigmentar ou retinose pigmentosa se refere a um grupo de doenças he- reditárias que causam a degeneração da retina, região do fundo do olho humano responsável pela captura de imagens a partir do campo visual. Pessoas com retinose pigmentar apresentam um declínio gradual em sua visão porque as células fotorre- ceptoras (cones e bastonetes) morrem, podendo conduzir à cegueira. (https://www.sindromedeusherbrasil.com.br/retinose-pigmentar) https://www.sindromedeusherbrasil.com.br/retinose-pigmentar D e s a f i o s d a I n c l u s ã o E s c o l a r | 51 SUMÁRIO caracteriza como deficiência múltipla, nem como deficiência vi- sual. Desta, faz parte a cegueira e a baixa visão. Explicamos que a deficiência múltipla concebida como “[...] associação, no mesmo indivíduo, de duas ou mais deficiências pri- márias (mental, visual, auditiva, física) com comprometimentos que acarretam atrasos no desenvolvimento global e na capacidade adaptativa” está em consonância com a Política Nacional de Edu- cação Especial (BRASIL, 1994, p.15) e os Subsídios para Organiza- ção e Funcionamento de Serviços de Ensino Especial – área de De- ficiência Múltipla (BRASIL, 1994, p.17). Para Contreras& Valente (1993) citado por Rocha e Plesch( 2015, p. 121), a caracterização da deficiência múltipla exige a ob- servância dos seguintes aspectos: - tem de haver simultaneamente, na mesma pessoa, duas ou mais deficiências (psíquicas, físicas e sensoriais); - essas deficiências não têm de ter relação de dependência entre si, quer dizer, uma das deficiências não condiciona que exista outra ou outras deficiências; - também não tem de haver uma deficiência mais impor- tante do que a outra ou outras. Estabelecer a importância ou o predomínio de uma deficiência sobre a outra é difícil e não conduz a nada [...] Logo, não é a soma da associação de deficiências que irá ca- racterizar a deficiência múltipla, mas sim o “nível de desenvolvi- mento, as possibilidades funcionais, de comunicação, interação so- cial e de aprendizagem que determinam as necessidades educaci- onais dessas pessoas” (GODÓI, 2006, p. 11). No trabalho pedagógico com estudantes múltiplos, há de se considerar, assim como nos demais, suas necessidades educativas e capacidades, a fim de que lhe sejam oferecidos os meios, os L ú c i a d e A r a ú j o R a m o s M a r t i n s ( O r g . ) | 52 SUMÁRIO recursos didáticos, as tecnologias assistivas a eles compatíveis, com vistas ao desenvolvimento integral e a sua participação efetiva no meio educacional e social. (BOATO, 2009) De 2015 a 2018, os registros apontam acréscimo e decrés- cimo de matrícula de estudantes com deficiência visual e surdoce- gueira, tal como demonstrado no quadro 1 e gráfico 1, da taxa de matrícula: QUADRO 1 - MATRÍCULA INICIAL DE ESTUDANTES COM DEFICIÊNCIA VISUAL E SURDOCEGUEIRA, POR ANO E UNIDADES DE ENSINO – 2015 a 2018. ANO CONDIÇÃO VI- SUAL UNIDADES DE ENSINO TOTAL PAR- CIAL TO- TAL- GERAL CMEI ESCOLA 2015 cCMEI sCMEI CEGUEIRA 03 0 04 07 68 BAIXA VISÃO 07 01 52 60 SURDOCE- GUEIRA 0 0 01 01 2016 CEGUEIRA 05 12 17 136 BAIXA VISÃO 13 103 116 SURDOCE- GUEIRA 0 03 03 2017 CEGUEIRA 03 13 16 134 BAIXA VISÃO 12 102 114 SURDOCE- GUEIRA 0 4 4 2018 CEGUEIRA 03 07 10 90 BAIXA VISÃO 7 72 79 SURDOCE- GUEIRA 0 01 01 Fonte: SEEC/ATP/GAEE-SME/APA/Equipe Estatística e Censo Escolar In: Boletim Estatístico Censo Escolar, 2015, 2016, 2017 e 2018. D e s a f i o s d a I n c l u s ã o E s c o l a r | 53 SUMÁRIO GRÁFICO 1 - MATRÍCULA INICIAL POR CONDIÇÃO VISUAL E ANO DE REFERÊNCIA – 2015-2028. Fonte: SEEC/ATP/GAEE-SME/APA/Equipe Estatística e Censo Escolar In: Boletim Estatístico Censo Escolar, 2015, 2016, 2017 e 2018. Na leitura do quadro e do gráfico, observamos que nos anos de 2016 e 2017, houve uma maior concentração do número de ma- triculas de estudantes com deficiência visual e surdocegueira. Em 2016, 136 estudantes, e 2017, com 134 estudantes. Esse número cai para 90 alunos no ano de 2018. Como no boletim de matrícula não traz dados qualitativos, não se sabe a razão da queda de 67% no número de matrícula de 2017 para 2018. O ingresso desses estudantes nas escolas da rede municipal, assim como a dos demais que fazem parte do público alvo da Edu- cação Especial, ocorre, desde 2009, por meio da matrícula anteci- pada que acontece no último trimestre letivo, considerando o ca- lendário de matrícula proposto pela SME/Natal. A matrícula ante- cipada tem por objetivo, de acordo com a Resolução nº 05/2009, 0 20 40 60 80 100 120 140 2015 2016 2017 2018 cegueira baixa visão surdocegueira L ú c i a d e A r a ú j o R a m o s M a r t i n s ( O r g . ) | 54 SUMÁRIO em seu Art. 20, “[...] favorecer a organização do ambiente escolar no que tange à formação das turmas, do quadro de professores e do Atendimento Educacional Especializado (AEE),da acessibili- dade, adequações arquitetônicas e ambientais, material pedagó- gico adequado” (NATAL, 2009, p.5). Ainda conforme a referida Resolução (2009, p. 5), no ato da matrícula dos estudantes com deficiência, se faz necessário que: I – Os pais ou responsáveis apresentem laudo clínico que constate a deficiência real da criança, do adolescente ou do jovem pleiteante à vaga na unidade de ensino; II - Na inexistência do citado documento prevalece a efetivação da matrícula, mediante o compromisso da apresentação desse laudo até o início das atividades pedagógicas do ano letivo seguinte; III - Persistindo essa inexistência, o professor deverá observar e avaliar pedagogicamente o processo de aprendizagem desse edu- cando, tendo como base os parâmetros do ano de escolaridade (se houver), nível de ensino em que está inserido e sua idade cronoló- gica; IV - O professor, em articulação com o gestor e o coordenador pe- dagógico, procederá ao registro, por escrito, dos avanços e dificul- dades do desenvolvimento escolar do educando, mediante o que receberá, do Setor de Educação Especial da SME/Natal, orienta- ções necessárias ao encaminhamento desse aos profissionais es- pecializados, para possíveis diagnósticos e atendimentos clínicos; V - Na escola em que houver sala de recursos multifuncionaisi, o professor responsável por esta sala, o gestor, o coordenador peda- gógico e o professor regente da sala de aula realizarão a avaliação diagnóstico-pedagógica desse educando. (NATAL, 2009, p.5) Assim que, nenhum aluno poderá ficar de fora da escola por não apresentar um laudo médico para os gestores o registrarem no Censo Escolar. O que vai ao encontro das orientações dispostas na D e s a f i o s d a I n c l u s ã o E s c o l a r | 55 SUMÁRIO Nota Técnica Nº 04, de 23 de janeiro de 2014 do MEC/SE- CADI/DPEE, que faz cair por terra a exigência de um laudo médico para incluir uma criança com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação na escola regu- lar, por considerar que essa exigência restringe o direito universal de acesso à escola. Assim, conforme o texto: A exigência de diagnóstico clínico dos estudantes com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento, altas habilidades/super- dotação, para declará-lo, no Censo Escolar, público-alvo da educa- ção especial e, por conseguinte, garantir-lhes o atendimento de suas especificidades educacionais, denotaria imposição de barrei- ras ao seu acesso aos sistemas de ensino, configurando-se em dis- criminação e cerceamento de direito (BRASIL, 2014, p.3) Dessa forma, a declaração dos estudantes público-alvo da educação especial, no âmbito do Censo Escolar, deve alicerçar-se nas orientações contidas na Resolução CNE/CEB, nº 4 de 4 de ou- tubro de 2009, que Institui Diretrizes Operacionais para o Atendi- mento Educacional Especializado na Educação Básica, modalidade Educação Especial. No ano de 2019, a Secretaria Municipal de Educação da capi- tal do Rio Grande do Norte – Natal/RN contava com 144 Unidades de ensino, dispostas em 72 Centros de Educação Infantil – CMEI e 72 escolas de Ensino Fundamental – Anos Iniciais e Anos Finais, EJA Fundamental. Os dados de matrícula cedidos pelo Setor de Educação Espe- cial da SME/2019 indicam que havia 85 estudantes com deficiên- cia visual matriculadas nos três segmentos de ensino da rede mu- nicipal de ensino de Natal/RN: Educação Infantil (15); Ensino Fun- damental – Anos Iniciais ( 34) e Anos Finais (29), e Educação de Jovens e Adultos (07). Dentre eles, 73 com baixa visão e 12 com L ú c i a d e A r a ú j o R a m o s M a r t i n s ( O r g . ) | 56 SUMÁRIO cegueira, conforme sintetizado no gráfico 2. Nenhum registro de estudante com surdocegueira. GRÁFICO 2 - MATRÍCULA INICIAL DE ESTUDANTES COM DEFICI- ÊNCIA VISUAL E SURDOCEGUEIRA POR NÍVEL E MODALIDADE DE ENSINO – SME/2019. Fonte: Relatório de Matrícula Inicial – SME, Natal/RN, 2019. Dos 73 estudantes com baixa visão, 27 se encontravam sem diagnóstico. No entanto, foram contabilizados no Censo da Rede Municipal de Ensino de Natal/RN com baixa visão em razão de “apresentarem características e comportamento visual condizen- tes com quem tem perda severa da visão, mas ainda faz uso dela” (ENTREVISTA, COORDENADORA DO SETOR DE EDUCAÇÃO ESPE- CIAL DA SME/NATAL, 2019). Tais características e comporta- mento visual se referem a: indicação de dificuldade e cansaço 0 5 10 15 20 25 30 CEGUEIRA BAIXA VISÃO SURDOCEGUEIRA D e s a f i o s d a I n c l u s ã o E s c o l a r | 57 SUMÁRIO visual constantes ao ler; aproximação excessiva do material de es- tudo (livros, cadernos, textos, imagens etc) à face; queixa de visão embaçada; posturas corporais inadequadas na tentativa de evitar a luz solar ou artificial ou ainda, para encontrar o ângulo mais ade- quado para enxergar material escrito e objetos, entre outras. Nos quadros que seguem, apresentamos o quantitativo de alunos com deficiência visual – cegueira e baixa visão por seg- mento de ensino: 1. Educação infantil - De acordo com o registro dos dados cedidos pelo Setor de Educação Especial da SME/Natal-RN (QUADRO 1), havia em 2019, em quinze Centros de Educação Infantil – CMEI do município, 15 crianças com deficiência visual e nenhuma com sur- docegueira. QUADRO 2 - MATRÍCULA INICIAL DE ESTUDANTES COM DEFICIÊNCIA VISUAL E SURDOCEGUEIRA NA EDUCAÇÃO INFANTIL – SME/NATAL-RN NÍVEL BAIXA VI- SÃO CEGUEIRA SURDOCE- GUEIRA TOTAL II 4 2 0 6 III 4 0 0 4 IV 4 1 0 5 TOTAL 12 3 0 15 Fonte: Relatório de Matrícula Inicial – SME-Natal/RN, 2019 Cinco (05) dos centros de Educação Infantil com matrícula de alunos com DV se encontram na Zona Sul da cidade, quatro (4) na zona oeste, um (01) na zona leste e, cinco (5), na zona Norte. L ú c i a d e A r a ú j o R a m o s M a r t i n s ( O r g . ) | 58 SUMÁRIO Das 15 crianças matriculadas nos CMEIs, 12 crianças têm baixa visão e 03 são cegas (01 na Zona Oeste e 02 na Zona Norte). Do total de crianças com baixa visão, os dados informam que 03 crianças se encontravam sem diagnóstico oftalmológico, porém, foram contabilizadas porque apresentam características e com- portamento visual condizentes com a baixa visão. Salientamos que estudantes com baixa visão podem acessar o sistema de escrita convencional, embora necessitem de auxílios ópticos ou não ópticos para fazê-lo. Por responderem à mesma abordagem metodológica que aqueles estudantes sem problemas de visão, muitas vezes são desconsiderados em sua maneira pró- pria de ver e, assim, em suas necessidades específicas para ter acesso a materiais e textos e até mesmo ao que está escrito na lousa pelo (a) professor (a). Na formação escolar desses estudantes, há que se considerar além das características de cada um e seu contexto, o nível e o ano escolar pelo qual transitam. Em qualquer que seja a condição vi- sual do estudante, é imprescindível o estabelecimento de colabo- ração entre os professores da sala de aula comum, de apoio peda- gógico, das Salas de Recursos Multifuncionais17 e/ou de institui- ções especializadas, que por ventura seja frequentada pelo estu- dante. Além de buscar estabelecer parceria com suas famílias, inde- pendente do nível e/ou modalidades de ensino, principalmente dos estudantes da Educação Infantil e Ensino Fundamental - anos iniciais. Pois, as decisões conjuntas entre esses atores implicarão em modificações, reformulações, em novas decisões para o 17A Sala de Recursos Multifuncionais é o espaço, na unidade de ensino, onde se re- aliza o Atendimento Educacional Especializado (AEE) para alunos público alvo da Educação Especial, por meio do desenvolvimento de recursos e estratégias de apoio que viabilizem a aprendizagem escolar satisfatóriaà construção do seu conheci- mento. D e s a f i o s d a I n c l u s ã o E s c o l a r | 59 SUMÁRIO desenvolvimento e uso de novas estratégias, recursos e projetos tendo como centro, o sujeito da aprendizagem. No Ensino Infantil, quando se inicia a preparação das crian- ças para a aquisição da leitura, escrita e cálculo é importante a pre- sença sistemática e contínua de um professor de atendimento edu- cacional especializado e/ou de um professor de apoio pedagógico- educacional (RESOLUÇÃO Nº 05/2009), em sala de aula regular para auxiliar as crianças cegas e surdocegas no desenvolvimento das atividades previstas em planejamento conjunto, por esse pro- fessor e o professor titular, e propostas a toda a turma. Presença essa, não para marcar a divisão entre o seu trabalho e o do professor titular da turma, mas para apoiar este e a criança, de forma individualizada, dentro do espaço coletivo em seu pro- cesso de aquisição da leitura e escrita que se dá por meio do Sis- tema de leitura e escrita Braille, para as crianças cegas e com sur- docegueira (do tipo cegueira e surdez), e por meio da libras tátil para crianças surdocegas que apresentam surdez, ou resíduos au- ditivos e com baixa visão. Reforçamos que essa prática será favorável, desde que o princípio da colaboração esteja presente entre esses professores para trazer, tanto à criança quanto ao professor titular da turma, em particular, tempo para adquirir segurança na incorporação de estratégias em sala de aula, que levem à autonomia e à indepen- dência da criança. É de igual modo importante, que a presença do(a) professor do AEE e/ou do professor de apoio pedagógico- educacional (a) especializado seja aos poucos diminuída, com vis- tas a uma maior participação ativa e independente da criança, no contexto da sala de aula. Prática que requer o desenvolvimento de saberes e fazeres em formações, dentro ou fora da escola, em que professores do L ú c i a d e A r a ú j o R a m o s M a r t i n s ( O r g . ) | 60 SUMÁRIO apoio pedagógico educacional, do AEE e de sala de aula comum, sempre que possível, estejam presentes. 2. Ensino Fundamental – Anos Iniciais, Anos Finais e Educação de Jovens e Adultos – EJA a) Ensino Fundamental - Anos Iniciais e Anos Finais - No quadro 3, abaixo, visualizamos que nos Anos Iniciais do En- sino Fundamental havia em 2019, 34 estudantes matriculados com deficiência visual. Entre esses, 29 com baixa visão e 05 com cegueira. Nenhum estudante com surdocegueira. QUADRO 3 - MATRÍCULA INICIAL DE ESTUDANTES COM DEFICIÊNCIA VISUAL E SURDOCEGUEIRA NO ENSINO FUNDAMENTAL – ANOS INICI- AIS E ANOS FINAIS – 2019 CONDI- ÇÃO VI- SUAL ENS.FUNDAMENTAL ANOS INICIAIS TOTAL PARCIAL ENS. FUNDAMENTAL ANOS FINAIS TOTAL PARCIAL 1º ANO 2º ANO 3º ANO 4º ANO 5º ANO 6º ANO 7º ANO 8º ANO 9º ANO Baixa Visão 4 2 6 8 9 29 8 6 8 4 26 Cegueira 2 0 0 1 2 5 1 1 0 1 3 Surdoce- gueira 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 TOTAL GERAL 6 2 6 9 11 34 9 7 8 5 29 Fonte: Relatório de Matrícula Inicial – SME-Natal/RN, 2019 Também podemos verificar que nos Anos Finais, o total de matrícula corresponde a 29 estudantes, dentre os quais 26 com baixa visão e 03 com cegueira. Nenhum caso de surdocegueira. Destacamos que os Anos Iniciais são uma etapa de grandes expectativas e mudanças para as crianças que vem da Educação D e s a f i o s d a I n c l u s ã o E s c o l a r | 61 SUMÁRIO Infantil, devido ao novo formato de sala de aula, aos novos profes- sores, novos tempos de realização de atividades, novas aprendiza- gens. No caso das crianças cegas, com baixa visão e surdocegueira não é diferente. Nesse nível de ensino, é preciso considerar de forma mais in- tensa, particularidades para a ocorrência da aprendizagem por es- sas crianças, tais como o tempo que levam para a execução das ta- refas, a pertinência de recursos pedagógicos e do ambiente para a aprendizagem das diferentes áreas do conhecimento, as interações possíveis de serem provocadas no contexto de sala de aula, entre outras. Logo, o apoio e a intervenção pedagógica do (a) professor (a) de apoio pedagógico educacional ou do atendimento educacional especializado, em sala de aula, ganha relevância para o processo de alfabetização no tocante à apropriação, pelas crianças, das técnicas de uso de recursos específicos para a aprendizagem da leitura e escrita Braille, como o manuseio da reglete e do punção. Estando o processo de alfabetização consolidado, o professor de AEE pode concentrar suas ações nos Anos finais e demais níveis e modalidades de ensino, no contraturno escolar, orientando-as em áreas curriculares específicas como: Orientação e Mobilidade (OM) no espaço escolar e em seu entorno; adequação de alguns re- cursos materiais e/ou tecnológicos, em atividades do cotidiano es- colar como o uso da biblioteca, de espaços de leitura, do laborató- rio de informática, por exemplo, com vistas a minimização de des- vantagens ou segregação sofridas por muitos desses alunos em eventos marcantes da vida escolar para qualquer aluno, como:o acesso à informação e a formação em tempo real, autonomia para ir e vir de forma independente, participação em jogos e brincadei- ras com os colegas no recreio, participação em eventos sociais com os colegas da turma, em aulas de campo, de educação física, artes, L ú c i a d e A r a ú j o R a m o s M a r t i n s ( O r g . ) | 62 SUMÁRIO dança, teatro, música (GUÉDEZ, 2012; MORALES, VILORIA e BOLÍ- VAR, 2018) a depender do que é oferecido na escola. Outro campo que merece atenção pedagógica do professor do AEE, para com esses alunos, no contraturno de suas atividades comuns, seria o trabalho de orientação de uso das tecnologias as- sistivas ou, para se referir de forma mais específica, aos recursos e meios da Tiflotecnologia (FIGURA 1), um dos ramos da Tiflologia – ciência que estuda as condições e problemas das pessoas com de- ficiência visual de forma a propor soluções que permitam a sua in- tegração social e cultural. Figura 1: Recursos Tiflotecnológicos Fonte: Disponível em: https://epoca.globo.com/tecnologia/expe- riencias-digitais/noticia/2017/12/o-poder-da-tecnologia-na-in- clusao-de-pessoas-com-deficiencia.html. Aceso em 01/09/2020, às 14h32. [Descrição da figura]: Foto de Daniele Amorim/EPOCA (2017), onde se vê, parte da coleção de gadgets do programador cego Leo- nardo Gleison, técnico de tecnologia no Instituto Laramara/ SP. Ela inclui teclados em Braille, soroban para fazer cálculos e dispositi- vos de áudio. [Fim da descrição] https://epoca.globo.com/tecnologia/experiencias-digitais/noticia/2017/12/o-poder-da-tecnologia-na-inclusao-de-pessoas-com-deficiencia.html.%20Aceso%20em%2001/09/2020 https://epoca.globo.com/tecnologia/experiencias-digitais/noticia/2017/12/o-poder-da-tecnologia-na-inclusao-de-pessoas-com-deficiencia.html.%20Aceso%20em%2001/09/2020 https://epoca.globo.com/tecnologia/experiencias-digitais/noticia/2017/12/o-poder-da-tecnologia-na-inclusao-de-pessoas-com-deficiencia.html.%20Aceso%20em%2001/09/2020 D e s a f i o s d a I n c l u s ã o E s c o l a r | 63 SUMÁRIO Assim que, a tiflotecnologia, palavra de raízes gregas: Thyphlos (cego) e teknne (técnica), mais o sufixo-logia (estudo, tratado), cujo significado é “estudo de tecnologias para curar a ce- gueira”, se diz do conjunto de teorias e técnicas que permitem a utilização dos conhecimentos tecnológicos aplicados a pessoas com cegueira e baixa visão e surdocegueira sendo, portanto, uma tecnologia assistiva. (GUÉDEZ, 2012; MORALES, VILORIA e BOLÍ- VAR, 2018; GONZÁLEZ, 2015) Faz parte dos meios tiflotecnológicos desde os recursos e ma- teriais específicos mais simples e de fácil manejo àqueles que, por sua complexidade, requerem formação mais especializadae trei- namento prévio para fazer um uso eficaz. Por exemplo: mapas tá- teis, reglete, sorobã, máquina Braille, calculadora sonora de mesa e de bolso, teclados adaptados, impressoras Braille; periféricos adaptados que possibilitam melhor interação com o PC, a exemplo de: teclados expandidos, teclados Braille ou linha Braille sintetiza- dores de voz, softwares ledores de tela como o NVDA (Non Visual Desktop Access), desenvolvido por Michael Curran e James Teh, dois desenvolvedores cegos, Jaws, Voice Over, Dos Vox entre ou- tros recursos que possibilitarão aos estudantes com ausência total ou parcial da visão o acesso ao conhecimento (González, 2015) de forma mais abrangente. É certo que para o ensino do uso desses recursos ser posto a termo pelos professores do AEE, como disposto na Resolução de Nº 05, de 29 de dezembro de 2009 – CME, que ele “[...] deverá, obri- gatoriamente, conhecer e usar o sistema Braille, o sorobã e os re- cursos da tecnologia assistiva”, mais especificamente, dos recursos tiflotecnológicos, se faz necessário que a Secretaria lhes proporci- one cursos específicos, a fim de que se apropriem dos conhecimen- tos de sua técnica e aplicação no ensino e para a aprendizagem, nas diferentes áreas do saber . https://www.nvaccess.org/ L ú c i a d e A r a ú j o R a m o s M a r t i n s ( O r g . ) | 64 SUMÁRIO Antes de passarmos para os dados de matrícula da Educação de Jovens e Adultos – EJA se faz importante frisar, que na medida em que os estudantes cegos, com baixa visão e surdocegueira vão cumprindo os objetivos e competências requeridos em cada nível de ensino, assim como se apropriado de saberes que os permitam seguir com autonomia, segurança e com iniciativa em sala de aula, o apoio pedagógico individualizado deverá ter seu tempo diminu- ído, tanto no caso da assessoria prestada ao professor e ao estu- dante em sala comum, quanto no atendimento na Sala de Recursos Multifuncionais. a) Educação de Jovens e Adultos – EJA - Na Educação de Jovens e Adultos – EJA (QUADRO 4), encontramos no Relatório de Matrícula Inicial, 07 estudantes com deficiência visual – ce- gueira (01 estudante) e baixa visão (6 estudantes) distribuídos em quatro níveis de escolarização, conforme disposto no quadro 4 e gráfico 3, que segue. Nenhum estudante com surdocegueira. QUADRO 4 - MATRÍCULA INICIAL DE ESTUDANTES COM DEFICIÊNCIA VISUAL E SURDOCEGUEIRA NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS – 2019. NÍVEL BAIXA VISÃO CEGUEIRA SURDOCEGUEIRA TOTAL I 1 0 0 1 II 2 0 0 2 III 1 1 0 2 IV 2 0 0 2 TOTAL 6 1 0 7 Fonte: Relatório de Matrícula Inicial – SME/Natal/RN, 2019 D e s a f i o s d a I n c l u s ã o E s c o l a r | 65 SUMÁRIO GRÁFICO 3 - MATRÍCULA INICIAL DE ESTUDANTES COM DEFICIÊNCIA VISUAL NO ENSINO FUNDAMENTAL E NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS – 2019. Fonte: Relatório de Matrícula Inicial – SME/Natal/RN, 2019 Os85 estudantes com deficiência visual – cegueira e baixa vi- são, dos três segmentos de ensino, foram matriculados em 41 es- colas e 15 CMEIs, ou seja, em 56 unidades de ensino situadas nas zonas: Oeste (20 estudantes), Leste (14 estudantes), Sul (16 estu- dantes) e Norte (35 estudantes). Os onze estudantes com cegueira estão em escolas das Zonas: Sul (01), Leste (03), Oeste (01) e Norte (06). Apresentados os dados de matrícula nos segmentos de en- sino geridos pela Secretaria Municipal de Educação do município de Natal/RN, vejamos como essa Secretaria pensa e oferta forma- ção continuada aos professores, nos campos da deficiência visual e da surdocegueira. 0 5 10 15 20 25 30 35 Anos Iniciais Anos Finais EJA CEGUEIRA BAIXA VISÃO SURDOCEGUEIRA L ú c i a d e A r a ú j o R a m o s M a r t i n s ( O r g . ) | 66 SUMÁRIO FORMAÇÃO DE PROFESSORES QUANTO A SABERES ESPECÍFI- COS NO CAMPO DA DEFICIENCIA VISUAL E SURDOCEGUEIRA A formação de professores na Lei Orgânica do Município de Natal/RN, de 03 de abril de 1990, é referida no Art. 157, Parágrafo Único, como “O aperfeiçoamento e a atualização profissional são considerados experiências inerentes à carreira do magistério, sendo-lhes favorecidas as condições para tanto”. Compreende-se que no campo da modalidade de ensino Educação Especial, as con- dições oferecidas para a formação dos professores estão contidas na Resolução Nº 05, de 29 de dezembro de 2009, que traz o CAPÍ- TULO VII - Da formação e da função docente na escola com educan- dos com NEESP, tratando especificamente sobre o tema. Em seu Art. 42 reza, que: a Secretaria Municipal de Educação de Natal deve articular convê- nios com Instituições de Ensino Superior para garantir a formação continuada dos educadores, a investigação e a avaliação perma- nente do processo educacional inclusivo na rede de ensino muni- cipal de Natal. Tal articulação fica a encargo do Setor de Educação Especial da SME, que tem como um de seus objetivos: III – Articular a formação continuada dos educadores das unidades de ensino municipais com os demais Departamentos e Setores, in- troduzindo temas referentes à educação geral e à educação espe- cial, desta forma assegurando sua participação sistemática na exe- cução desse processo, ao longo do ano letivo. (Art. 6º) Nos cursos de formação continuada que tratam de questões relativas à educação de modo geral e específica, há a orientação de que primem pela relação entre a teoria e a realidade encontrada nas unidades de ensino, envolvendo gestores, coordenadores, D e s a f i o s d a I n c l u s ã o E s c o l a r | 67 SUMÁRIO professores, educadores infantis, professores de apoio, funcioná- rios e familiares de forma a estimular a responsabilização de todos pela aprendizagem dos educandos matriculados nas escolas. No tocante à formação específica voltada para a área da defi- ciência visual a Resolução Nº 05/2009 refere em seu Art. 49, desta feita aqui trazido na íntegra, que: O professor do Atendimento Educacional Especializado para edu- candos com deficiência visual (cegueira, baixa visão e surdoce- gueira) deverá, obrigatoriamente, conhecer e usar o sistema Braille, o sorobã e os recursos da tecnologia assistiva para esta área de deficiência, efetuando transcrições de códigos e possibili- tando o acesso aos recursos de leitura e escrita alternativos. Note-se o caráter de “obrigatoriedade” quanto à apreensão de saberes específicos, pelos professores do AEE, sobre materiais tiflotécnológicos já referidos nesse capítulo, para que educandos com deficiência visual e com surdocegueira possam ter acesso ao conhecimento, adquirir autonomia pessoal, independência e plena integração social, educacional, cultural e laboral. O que reforça a necessidade de formação continuada dos professores para adqui- rirem tais saberes. Nos inquieta saber por que a formação especí- fica deve voltar-se apenas aos professores do AEE? Tal proceder não estaria contribuindo para a terceirização dos estudantes pú- blico alvo da Educação Especial? Sabemos que a SME por certo tempo - os dados obtidos não nos permitiram precisar quanto, não dispunha de profissional es- pecializado na área da deficiência visual e surdocegueira na equipe responsável pela educação especial no município. Para suprir essa lacuna, no ano de 1998, encaminhou uma servidora, professora atuante no Departamento de Ensino Fundamental, para fazer o “Curso de Especialização de Professores na área da Deficiência da L ú c i a d e A r a ú j o R a m o s M a r t i n s ( O r g . ) | 68 SUMÁRIO Visão”, com carga horária total de 600h, no Instituto Benjamim Constant, no Rio de Janeiro. Com a sua ida ao Benjamin Constant, a professora assumiu o compromisso junto a SME de, ao retornar, fazer parte do Departa- mento de Educação Especial, desempenhando as atribuições de su-pervisão e acompanhamento de estudantes com deficiência matri- culados nas escolas comuns; organização de eventos e de formação dos professores da rede de ensino, na área da Educação Especial, em geral e, específica, no campo da deficiência visual. No período de sua participação na Equipe, foram ofertados cursos de Braille, Sorobã e Oficinas de produção de recursos didá- ticos para professores do Atendimento Educacional Especializado e professores de sala comum, em parceria com o Instituto de Edu- cação e Reabilitação de Cegos do RN. Nos anos de 2004 e 2005, foram realizados eventos e cursos de formação continuada, com carga horária de 40h, por meio da parceria estabelecida pela SME com a Secretaria de Educação Es- pecial – SEESP/MEC, no Programa Nacional de Formação de Pro- fessores: “Educação Inclusiva – Direito à Diversidade”, implantado em 2003, na gestão do governo do Presidente Luís Inácio Lula da Silva. Este programa tinha entre suas diretrizes: “Disseminar a po- lítica de educação inclusiva nos municípios brasileiros e apoiar a formação de gestores e educadores para efetivar a transformação dos sistemas educacionais em sistemas educacionais inclusivos. (BRASIL, 2006, p. 1). Segundo Kassar e Rabelo (2018), O Programa Educação inclusiva: direito à diversidade é reconhe- cido pelo governo posterior (de Dilma Rousseff) como o marco ini- cial da educação inclusiva no país, que possibilitou "a construção de uma nova política de educação especial que enfrenta o desafio de se constituir, de fato, como uma modalidade transversal desde a educação infantil à educação superior" (KASSAR e RABELO, 2018, p. 58). Grifos das autoras. D e s a f i o s d a I n c l u s ã o E s c o l a r | 69 SUMÁRIO Nesses eventos formativos, entre os eixos temáticos traba- lhados estavam: “[...] Surdocegueira: processo de ensinar e apren- der; Inclusão de alunos cegos/deficiência visual” (BRASIL, 2006, p. 4). A partir de então, outras ações formativas foram implementa- das, tendo como foco principal a garantia da matrícula e a frequên- cia de estudantes com deficiência visual, com surdocegueira e de- mais estudantes da Educação Especial, nas escolas da rede pública municipal de Natal/RN, tal como cursos e oficinas isolados de Braille, Sorobã, Orientação e Mobilidade e o Curso ‘Instrumentos e estratégias didáticas na educação de alunos cegos e com visão sub- normal’, em parceria com a Universidade Federal do Rio Grande do Norte e o Instituto de Educação e Reabilitação de Cegos do RN. Pesquisando na página da Secretaria de Educação do Estado, no link: https://natal.rn.gov.br/noticia, encontramos algumas ma- térias sobre cursos na área da deficiência visual, com a participa- ção de professores da rede municipal de ensino, a saber: a) Em 2016, professores das salas de recursos multifuncionais da rede municipal de ensino de Natal participaram do Curso “Tecendo Práticas Pedagógicas para a Educação Inclusiva das Pessoas com Deficiência Visual”, cujo objetivo era o de possibilitar momentos de troca de conhecimentos e experiências aos profissionais que atuam na educação de estudantes com deficiência visual, contribu- indo para as práticas pedagógicas. O Curso foi realizado pela Secretaria de Estado da Educação e da Cultura, por meio da Subcoordenadoria de Educação Especial e do Centro de Atendimento à pessoa com Deficiência Visual Pro- fessora Iapissara Aguiar (CAP), em parceria com a, então, Comis- são Permanente de Apoio a Estudantes com Necessidades Educa- cionais Especiais da Universidade Federal do Rio Grande do Norte – CAENE/UFRN, hoje denominada Secretaria de Inclusão e https://natal.rn.gov.br/noticia L ú c i a d e A r a ú j o R a m o s M a r t i n s ( O r g . ) | 70 SUMÁRIO Acessibilidade - SIA, com a Secretaria de Educação à Distância (SE- DIS) e a Secretaria Municipal de Educação de Natal (SME). b) Em abril de 2017 - Professores da Rede Municipal de Ensino de Natal participaram da segunda edição do curso “Tecendo Práticas Pedagógicas para a Educação Inclusiva das Pessoas com Deficiên- cia Visual”, no Centro Municipal de Referência em Educação Aluí- zio Alves (Cemure). Esse curso de carga horária de 60 horas e aulas quinzenais, foi promovido pela Subcoordenadoria de Educação Especial do RN (SUESP), via Centro de Apoio Pedagógico (CAP), com a parceria da Secretaria Municipal de Educação de Natal e a colaboração da Uni- versidade Federal do Rio Grande do Norte. A matriz curricular es- tava composta pelo tema da palestra proferida na aula inaugural: “Orientação Didática e Pedagógica – Avaliação Funcional do Aluno com Deficiência Visual” e os módulos: “Ensino de Braile”, “Soro- ban”, “Tecnologia Assistiva”, “Audiodescrição, Orientação e Mobi- lidade”. b) No período de 10 a 12 de agosto de 2017, profissionais da educa- ção participaram do encontro pedagógico: “Compartilhando Sabe- res e Experiências de Inclusão – Deficiência Visual e Deficiência Múltipla”. Esse encontro ocorreu por meio do estabelecimento de parceria entre a Secretaria Municipal de Educação de Natal e a Ir- mandade Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, dentro do pro- jeto Lavelle/Perkins Internacional, da Perkins School for the Blind, em Boston (EUA). Assim, durante três dias, no Centro Municipal de Referência em Educação Aluízio Alves (CEMURE), 110 professores das salas de recursos multifuncionais, professores de sala de aula comum com alunos com deficiência, gestores e coordenadores pedagógi- cos ouviram os especialistas da Santa Casa de Misericórdia de São D e s a f i o s d a I n c l u s ã o E s c o l a r | 71 SUMÁRIO Paulo falar sobre “Anatomia e Fisiologia do Sistema Visual, Patolo- gias e Alterações Funcionais” - tratando sobre anatomia do olho, as diferentes funções visuais e as patologias mais comuns como o Glaucoma Congênito, a Catarata Congênita, as Infecções Congêni- tas, Albinismo, a Retinopatia da Prematuridade e a Deficiência Vi- sual Cerebral (DVC). Também foram contemplados, nesse encontro, os temas: avaliação da visão para identificação de aluno com baixa visão; es- tratégias para auxiliar os alunos com Deficiência Visual e Deficiên- cia Múltipla; definição de deficiência visual, baixa visão, deficiência múltipla e surdocegueira; avaliação e intervenção junto à criança com baixa visão e deficiência múltipla; avaliação da aprendizagem, comportamentos e dificuldades comumente apresentadas por cri- anças com baixa visão e com deficiências múltiplas; sugestões de adaptações de materiais, atividades e ambientes para crianças com deficiência visual e deficiência múltipla, com vistas a contribuir para o seu desenvolvimento e aprendizado escolar. c) Em 2018, o Setor de Educação Especial da Secretaria Municipal de Educação (SME) promoveu formações continuadas sobre defi- ciência visual e classe hospitalar, no Centro Municipal de Referên- cia em Educação Aluízio Alves (CEMURE). Outro curso no qual houve a participação de professores da SME foi a terceira edição do “Tecendo Práticas Pedagógicas para a Educação Inclusiva das Pessoas com Deficiência Visual”, que teve a participação de 18 pro- fessores da rede municipal de ensino, em grande parte responsá- veis pelas Salas de Recursos multifuncionais. d) No ano de 2019, a equipe do Setor de Educação Especial trabalhou a temática da deficiência visual nas formações sistemá- ticas com os professores do Atendimento Educacional L ú c i a d e A r a ú j o R a m o s M a r t i n s ( O r g . ) | 72 SUMÁRIO Especializado, atuantes nas salas de recursos multifuncional por meio de oficinas pedagógicas, e também, nas Jornadas Pedagógicas ocorridas a cada início de semestre letivo, em palestras que con- templam os processos de ensino a estudantes com cegueira e baixa visão. A temática da surdocegueira não tem tido assento nas forma- ções promovidaspela Secretaria Municipal de Educação de Na- tal/RN. Certamente, por que não há registro de matrícula de estu- dantes nessa condição sensorial. CONSIDERAÇÕES FINAIS A escolarização de estudantes com deficiência visual – ce- gueira e baixa visão, em escolas da rede municipal de ensino de Natal/RN, é crescente. No entanto, a matrícula de estudantes sur- docegos ocorreu apenas nos anos de 2015 (01 estudante), 2016 (3 estudantes), 2017 (4 estudantes) e 2018 (1 estudante). Os regis- tros não indicaram os tipos de surdocegueira, nem o que ocorreu com tais estudantes, se houve desistência, se foram para institui- ções especializadas, se houve evasão. O que pode explicar o não in- vestimento da Secretaria municipal de educação em promover for- mação continuada nessa área. Apenas no ano de 2017 a temática foi tratada em um curso ministrado por especialistas da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo. Em 2019, não ocorreu matrícula de tais estudantes e, em 2020, não tivemos acesso aos dados. É imperativa, necessária e urgente que se faça uma revisão dos documentos oficiais da rede municipal de ensino, a fim de que se revejam conceitos e sejam ampliadas as possibilidades de acesso ao saber por estudantes com cegueira, baixa visão e surdo- cegueira, bem como os possíveis caminhos de acesso dos professo- res aos saberes específicos, D e s a f i o s d a I n c l u s ã o E s c o l a r | 73 SUMÁRIO A formação continuada no campo da deficiência visual tem sido escassa e restrita àqueles professores que tem, em suas salas de aula, estudantes em tais condições e, com mais acento, àqueles que se encontram nas Salas de Recursos Multifuncionais, o que em nosso parecer contribui para a terceirização de tais estudantes dentro das instituições de ensino. Advogamos que as formações aconteçam numa perspectiva mais ampla, crítica, reflexiva e, não, apenas na exclusividade da mera aprendizagem de novas técnicas, da renovação de modelos pedagógicos ou da aprendizagem das inovações tecnológicas para sua implementação em busca por resultados. O que, em nosso pa- recer, distancia ainda mais esses profissionais do questionamento das intencionalidades do ensino e do reconhecimento da impor- tância que cada um, e todos, têm no desenvolvimento das crianças, bem como da visão dos saberes da prática docente como interde- pendentes e/ou complementares. Para que as mudanças acontecem na prática docente é im- prescindível que às instâncias responsáveis pela educação no mu- nicípio, tracem possíveis linhas de intervenção formativa, conside- rando as necessidades de aprendizagem dos professores e profes- soras no campo da deficiência visual e surdocegueira, situada num plano de formação coerente com a realidade dos contextos escola- res e dos estudantes, tendo como objetivo a melhoria das condi- ções do trabalho docente e o sucesso da aprendizagem dos estu- dantes. O que envolve assumir posturas adequadas a uma institui- ção moderna, onde a qualidade deve prevalecer sobre a quanti- dade, a cooperação sobre a competição e a parceria sobre a domi- nação; onde todos possam aprender na interação com o outro e onde haja comprometimento de todos os envolvidos. L ú c i a d e A r a ú j o R a m o s M a r t i n s ( O r g . ) | 74 SUMÁRIO REFERÊNCIAS ÁLVAREZ REYES, Daniel. La sordoceguera: una discapacidad singular. In: Viñas, Pilar Gómez. Romero Rey, Eugenio. (Coordinadores) La sordoceguera. Un análisis multidisciplinar. Primera edición. Madrid: Organización Nacional de Ciegos Españoles (ONCE), 2004. p. 5-54. Disponível em: http://riber- dis.cedd.net/handle/11181/3407 Acesso em: 30/07/2020. Hora: 15h25. BOATO, Elvio Marcos. Henri Wallon e a deficiência múltipla: uma proposta de intervenção pedagógica. São Paulo: Edições Loyola, 2009. BEDAQUE, Selma Andrade de Paula. Por uma prática colaborativa no AEE – Atendimento Educacional Especializado. Curitiba, PR: Appris, 2014. __________. O atendimento educacional especializado no processo de inclu- são escolar, na rede municipal de ensino de Mossoró/RN. 2012. 160 f. Dis- sertação (Mestrado em Educação) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2012. BRASIL. Ministério da Educação e da Cultura. Saberes e Práticas da Inclusão. Dificuldades de comunicação e sinalização: Surdocegueira/múltipla defici- ência sensorial. Secretaria de Educação Especial – Brasília: MEC/SEESP – 2006. BRASIL. Política Nacional de Educação Especial - educação especial, um direito assegurado. Brasília: MEC / SEESP, 1994. Livro 1. BRASIL. Política Nacional de Educação Especial na perspectiva inclusiva (2008) Disponível em: http://portal.mec.gov.br/arquivos/pdf/politicaeduces- pecial.pdf.Acesso em 20/08/2020, às 10h. BRASIL. Nota Técnica Nº 04, de 23 de janeiro de 2014/ MEC / SECADI / DPEE. Orientação quanto a documentos comprobatórios de alunos com defici- ência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdota- ção no Censo Escolar. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/. Acesso em: 20/08/2020, às 15h http://riberdis.cedd.net/handle/11181/3407 http://riberdis.cedd.net/handle/11181/3407 http://portal.mec.gov.br/arquivos/pdf/politicaeducespecial.pdf.Acesso%20em%2020/08/2020 http://portal.mec.gov.br/arquivos/pdf/politicaeducespecial.pdf.Acesso%20em%2020/08/2020 http://portal.mec.gov.br/ D e s a f i o s d a I n c l u s ã o E s c o l a r | 75 SUMÁRIO BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponí- vel em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui- cao.htmAcesso em: 21/07/2020, às 8:40. CAMBRUZZI, Rita de Cássia Silveira. COSTA, Maria da Piedade Resende da. Sur- docegueira – níveis e formas de comunicação. São Carlos: EDUFSCar, 2016. COSTA, Maria da Piedade Resende da. RANGNI, Rosemeire de Araújo. (Orgs) Surdocegueira – estudos e reflexões. São Carlos: Pedro & João Editores, 2015. ENTREVISTA. Alceu Kuhn. 13 de dezembro - Dia Nacional do cego reafirma os direitos da pessoa com deficiência visual. Ministério da Educação. Assessoria de Comunicação. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/compo- nent/tags/tag/31872, Acesso em: 21/08/2020. GADOTTI, Moacir. Boniteza de um sonho – ensinar-e-aprender com sentido. 2ª ed. São Paulo: Editora e Livraria Instituto Paulo Freire, 2001. GODÓI, Ana Maria de. Educação Infantil. Saberes e Práticas da Inclusão: di- ficuldades acentuadas de aprendizagem: deficiência múltipla. 4. ed. Brasí- lia: MEC, 2006. GONZÁLEZ, Tibisay. PARRA, Jesús. (2015). Tiflotecnologías aplicables a estudi- antes con ausencia total de visión, una perspectiva desde la educación mate- mática. Memorias del IX Congreso Venezolano de Educación Matemática. Universidad de Carabobo – Venezuela. Disponível em: https://na- nopdf.com/download/tgonzalezpdf_pdf . Acesso em 01/09/2020, às 17h. GOVERNO DO ESTADO DO RN. Referências Básicas para a Organização do Trabalho Pedagógico das Escolas Estaduais do Rio Grande do Norte. Natal: SEECD/ VUNESP/BANCO MUNDIAL, 2018. GUÉDEZ, M. (2012). Tiflotecnologías: nuevas oportunidades para la inclusión de personas con discapacidad visual en el ámbitouniversitario. Revista Informe de Investigaciones Educativas. Vol. XXVI, Nº 2. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm http://portal.mec.gov.br/component/tags/tag/31872 http://portal.mec.gov.br/component/tags/tag/31872 http://funes.uniandes.edu.co/19078/1/Gonzalez2016Tiflotecnologias.pdf%20.%20Acesso%20em%2001/09/2020 http://funes.uniandes.edu.co/19078/1/Gonzalez2016Tiflotecnologias.pdf%20.%20Acesso%20em%2001/09/2020 L ú c i a d e A r a ú j o R a m o s M a r t i n s ( O r g . ) | 76 SUMÁRIO Grupo Brasil de Apoio ao Surdocego e ao Múltiplo Deficiente Sensorial. Sur- docegueira. Disponível em: http://www.grupobrasil.org.brAcesso em: 30/07/2020. Hora:15h IMBERNÓN, Francisco. Formação Docente e Profissional: formar-se para a mudança e a incerteza. 3. Edição. São Paulo: Cortez, 2002 MAIA, Shirley Rodrigues. Processos de ensinar e de aprender em alunos com surdocegueira. SORRI-BRASIL (Organização) In: Ensaios pedagógicos - construindo escolas inclusivas : 1. ed. Brasília : MEC, SEESP, 2005. MORALES, Génesis. VILORIA, Patricia. BOLÍVAR, Aligraciela. Aplicación de la ti- flotecnología para la enseñanza de la aritmética elemental en estudiantes con disfunción visual total o parcial. In: ARJÉ. Revista de PostgradoFaCE-UC. Vol. 12 N° 22. Ed. Esp. Ene-Jun. 2018/pp.593-598. ISSN Versión electrónica 2443-4442, ISSN Versiónimpresa 1856-9153. PREFEITURA MUNICIPAL DO NATAL. Resolução Nº 05 de 29 de dezembro de 2009 – Fixa normas relativas à educação das pessoas com necessidades educacionais especiais no Sistema Municipal de Ensino do Natal/RN. Disponí- vel em: https://natal.rn.gov.br/sme/Acesso e:23/08/2020, às 14h. RIO GRANDE DO NORTE. Lei nº 10.049, de 27 de janeiro de 2016. Aprova o Plano Estadual de Educação do Rio Grande do Norte (2015-2025) e dá ou- tras providências. Disponível em: https://portal.ifrn.edu.br/campus/reito- ria/arquivos/plano-estadual-de-educacao http://adcon.rn.gov.br/ACERVO/seec/DOC/DOC000000000103587.PDF. Acesso em: 31.06. 2020. Hora: 20h11. RIO GRANDE DO NORTE. Lei Orgânica do Município de Natal/RN de 03 de abril de 1990. Disponível em:https://leismunicipais.com.br/lei-organica-na- tal-rn Acesso em: 27/05/2020.Hora: 21h RIO GRANDE DO NORTE. Constituição do Estado do Rio Grande Norte, de 03 de outubro de 1989. Disponível em: https://www2.se- nado.leg.br/bdsf/item/id/70437. Acesso em 28/10/2020.Hora: 16h http://www.grupobrasil.org.br/ https://natal.rn.gov.br/sme/ https://leismunicipais.com.br/lei-organica-natal-rn https://leismunicipais.com.br/lei-organica-natal-rn https://www2.senado.leg.br/bdsf/item/id/70437 https://www2.senado.leg.br/bdsf/item/id/70437 D e s a f i o s d a I n c l u s ã o E s c o l a r | 77 SUMÁRIO ROCHA, Maíra Gomes de Souza da. PLETSCH , Márcia Denise. Deficiência Múlti- pla: disputas conceituais e políticas educacionais no Brasil. In: Cad. Pes., São Luís, v. 22, n. 1, jan./abr. 2015 p.112-125 SEVERO, Maria do Carmo de Souza. Um estudo sobre a trajetória de profes- sores itinerantes na escola regular, Natal/RN (1971-2011). Natal, RN, 2012. (Dissertação de Mestrado) SILVA, Linda Carter Souza da. SILVA, Luzia Guacira dos Santos. Educação em Direitos Humanos e Educação Inclusiva: concepções e práticas pedagógi- cas. Curitiba,PR: Appris Editora, 2019. SILVA, Luzia Guacira dos Santos. Escolarização de Estudantes com cegueira, baixa visão e surdocegueira no Estado do Rio Grande do Norte: Da matrí- cula à formação de professores. João Pessoa: Editora Ideia, 2020. _________. Cartas Pedagógicas: processos de ensinar a quem enxerga sem o sentido da visão. São Paulo: Paulinas, 2017. _________. Educação Inclusiva: por uma escola sem exclusões! São Paulo: Pauli- nas, 2014. _________. Inclusão, uma questão, também, de visão – o aluno cego na escola comum. João Pessoa: Editora da UEPB, 2008. L ú c i a d e A r a ú j o R a m o s M a r t i n s ( O r g . ) | 78 SUMÁRIO CAPÍTULO 3 A EDUCAÇÃO DE SURDOS NO BRASIL E NA FRANÇA: DIÁLOGOS E DISTANCIAMENTOS Ivanilde Apoluceno de Oliveira Janete Benjamin Waldma Maíra Menezes de Oliveira INTRODUÇÃO Neste capítulo analisa-se a política de educação de surdos do Brasil, em diálogo com a política de educação de surdos da França, e destaca-se a influência tanto da Língua de Sinais Francesa (LSF) quanto da política de integração com o modelo terapêutico- clínico na educação especial brasileira. Há de se destacar, contudo, alguns distanciamentos em termos de encaminhamento da política de inclusão, já que os dois países se pautam em documentos inter- nacionais, como a Declaração de Salamanca (UNESCO, 1994). Dessa forma, tem-se como objetivo identificar, nas políticas de educação de surdos, estabelecidas no Brasil e na França, aspec- tos de diálogo e de distanciamento, com vistas a refletir de forma crítica sobre essas políticas. Consiste em uma pesquisa de campo de abordagem qualita- tiva, realizada pelas autoras no Instituto Nacional de Jovens Surdos de Paris, no ano de 2019. Os procedimentos metodológicos foram: D e s a f i o s d a I n c l u s ã o E s c o l a r | 79 SUMÁRIO pesquisa bibliográfica e documental; entrevista semiestruturada- com professores, técnicos pedagógicos, assistentes sociais e siste- matização e análise organizadas por meio de categorizações temá- ticas.1 Inicialmente apresenta-se a influência da LSF e da política de integração no Brasil, seguida de uma reflexão crítica sobre a po- lítica de inclusão, destacando-se os pontos de diálogo e de distan- ciamento. INFLUÊNCIA DA LSF E POLÍTICA DE INTEGRAÇÃO NA EDUCA- ÇÃO DE SURDOS NO BRASIL A influência da LSF na educação de Surdos no Brasil iniciou- se em função da ida de Eduard Huet ao Rio de Janeiro, por volta de 1855, a convite do imperador D. Pedro II, com o objetivo de fundar uma escola para surdos no Brasil. Assim, no dia 26 de setembro de 1857, foi fundada a primeira escola para surdos no Rio de Janeiro, o “Imperial Instituto dos Surdos-mudos”, atual “Instituto Nacional de Educação de Surdos” (INES). De acordo com Strobel (2009, p. 24), “[...] foi nesta escola que surgiu da mistura da LSF com os sistemas já usados pelos surdos de várias regiões do Brasil”. Huet, que era ex-aluno do Instituto Nacional de Surdos de Paris e professor surdo com experiência de mestrado e de cursos em Paris, foi o primeiro gestor e professor de surdos no Brasil. Ele utilizava como método de ensino, sinais datilológicos para aquisi- ção da leitura e escrita de seus alunos surdos. Nesse sentido, Rocha (2009) pontua que a influência da LSF não se deu somente na sina- lização, mas também nos métodos de ensino, nos materiais didáti- cos e na prática educativa do professor Huet. 1 Neste artigo, o nome da Assistente Social é fictício. L ú c i a d e A r a ú j o R a m o s M a r t i n s ( O r g . ) | 80 SUMÁRIO Dessa forma, o Instituto de Paris tornou-se “[...] uma refe- rência importante no desenvolvimento dos trabalhos realizados na instituição. Grande parte dos primeiros livros que tratavam da educação de surdos, publicados no Brasil, eram traduções de obras de professores franceses” (ROCHA, 2009, p. 43).Somando-se a isso: Foi na gestão do Doutor Tobias Leite que a comunicação gestual, hoje reconhecida como LIBRAS (Língua Brasileira de Sinais), de forte influência francesa, em função da nacionalidade do fundador do Instituto, foi espalhada por todo Brasil pelos alunos que regres- savam aos seus locais de origem quando do término do curso e, também, pela disseminação de algumas publicações feitas no Ins- tituto (ROCHA, 2009, p. 42). É inegável a influência direta e indireta da LSF na constitui- ção da Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS), tanto no aspecto gra- matical quanto no aspecto educacional. Todavia, faz-se necessário ilustrar, com base na Lei nº 10.436, de 24 de abril de 2002, que “[...] a LIBRAS é oriunda das comunidades surdas brasileiras” (BRASIL, 2002, p. 1). Assim, a LIBRAS pode até ter sido proveniente da LSF, en- tretanto, ganha status linguístico, mediante os movimentos sociais surdos e suas articulações com o Ministério da Educação, pelo re- conhecimento da sua diferença linguística, que apresenta a Libras como um artefato cultural e o sujeito surdo, como o seu usuário. Outra influência francesa recebida pelo Brasil foi o modelo terapêutico-clínico, implantado na política de integração, por meio do acesso da pessoa com deficiência em classes especiais e escolasespecializadas. Para Plaisance (2019), somente no século XIX é que a ques- tão da educabilidade das crianças, público da educação especial, é iniciada na França, tendo Désiré Magloire Bourneville um papel fundamental, porque propôs a criação de classes especiais situadas D e s a f i o s d a I n c l u s ã o E s c o l a r | 81 SUMÁRIO nas escolas primárias públicas de Paris. No entanto, Alfred Binet e Théodore Simon foram os que possibilitaram criar classes especi- ais, as quais foram reconhecidas pela lei de 1909 e entraram em funcionamento nos anos de 1960, com a finalidade de atender às crianças inadaptadas. A França, então, estabelece a política de integração, por meio da educação obrigatória às pessoas com deficiência em salas regulares, a partir da lei estabelecida em 30 de junho de 1975, que mantém o atendimento de pessoas com deficiências na educação escolar e nas instituições especializadas. Esse modelo integracio- nista permanece até 2013 quando a educação inclusiva, criada na Lei nº 2005-102 de 2005, é, de fato, implantada (PLAISANCE, 2019). Na verdade, quando se fala em inclusão, não há como negar os malefícios da exclusão social, em sua natureza classificatória, gerando uma imensa batalha entre opressores e oprimidos, entre justiça e injustiça, entre igualdade e desigualdade. Sobre o conceito de exclusão, Sawaia (2009, p.7) chama a atenção para a ambiguidade que o norteia, destacando que duas formas de análises sobre o mesmo se destacam entre as demais: as que são centradas no econômico, abordando a questão como “[...] sinônimo de pobreza e as centradas no social, que privilegiam o conceito de discriminação, minimizando o escopo analítico funda- mental da exclusão que é o da injustiça social.” A exclusão, discutida mundialmente nas mais diversas con- cepções e não somente a da miséria, representa a desqualificação social e a identidade negativa, provocadoras do descrédito junto aos excluídos, representando, como diz Sawaia (2009, p. 9), um [...] processo complexo e multifacetado, uma configuração de di- mensões materiais, políticas, relacionais e subjetivas. É processo sutil e dialético, pois só existe em relação à inclusão como parte L ú c i a d e A r a ú j o R a m o s M a r t i n s ( O r g . ) | 82 SUMÁRIO constitutiva dela [...] É um processo que envolve o homem por in- teiro e suas relações com os outros. É produto do funcionamento do sistema. Os processos de exclusão são, pois, constituídos de confron- tos que dão origem aos movimentos em prol da inclusão, operando nas dimensões do natural, do social e do psicológico, de tal forma que “[...] o papel de excluído engole o homem. Aquilo que, inicial- mente, é um comportamento social, configurado no processo de in- clusão do excluído, acaba por naturalizar-se [...]” (SAWAIA, 2009, p. 12), colocando o sujeito em um espaço necessário para a manu- tenção da ordem social, resultando, muitas vezes, em intenso sofri- mento para o mesmo. A condição de excluído, que significa não só carência mate- rial, mas, sobretudo o não reconhecimento do sujeito, que muitas vezes, além de ignorado é “[...] considerado nefasto ou perigoso à sociedade” (MARTINS, 1997, p. 16-17). Isto provoca uma situação de marginalidade social, que se faz presente nas mais diversas ca- tegorias historicamente estigmatizadas. É nesse contexto permeado por contradições e pelas inúme- ras discussões, que comprovam o sofrimento de determinados grupos de excluídos, em função de necessidades éticas e afetivas, de necessidade de valorização da diversidade (SAWAIA, 2009), que os estudos acerca da inclusão social se delineiam, se intensifi- cam e buscam se materializar, diminuindo as injustiças sociais per- petuadas ao longo da história. Sassaki (1997, p. 41) define inclusão social como [...] processo pelo qual a sociedade se adapta para poder incluir, em seus sistemas sociais gerais, pessoas com necessidades especi- ais e, simultaneamente estas se preparam para assumir seus pa- péis na sociedade. A inclusão social constitui, então, um processo bilateral, no qual as pessoas, ainda excluídas, e a sociedade, D e s a f i o s d a I n c l u s ã o E s c o l a r | 83 SUMÁRIO buscam, em parceria, equacionar problemas, decidir sobre solu- ções e efetivar a equiparação de oportunidades para todos. Além da definição, o autor chama a atenção para o fato de que a prática da inclusão se fundamenta nos seguintes princípios: [...] a aceitação das diferenças individuais, a valorização de cada pessoa, a convivência dentro da diversidade humana, a aprendiza- gem através da cooperação. A diversidade humana é representada principalmente por origem nacional, sexual, religião, gênero, cor, idade, raça e deficiência (SASSAKI, 1997, p. 42). A construção de um projeto societário inclusivo, como vi- mos anteriormente, não é tão simples como faz parecer a definição e princípios acima especificados, uma vez que isso depende, prio- ritariamente, de fatores como aqueles apontados por Omote (2004, p. 303), quando o mesmo analisa que no modelo vigente, a sociedade se apresenta [...] amplamente diversificada na sua constituição, desigual nos di- reitos e iníqua na distribuição das riquezas. A administração dessa diversidade, em direção a uma sociedade mais inclusiva, implica igualdade de direitos na diversidade – inclusive diversidade na ca- pacidade de contribuir para o bem comum – e implica ampla pos- sibilidade de mobilidade social. No entanto, são justamente esses indicadores que solicitam a construção de uma sociedade inclusiva, em busca da valorização e do respeito aos direitos das pessoas e priorizando as possibilida- des de ação de cada cidadão ou cidadã. Construir e viver um projeto inclusivo em uma sociedade que historicamente tem buscado superar as diferenças, as injusti- ças, a discriminação e o preconceito, como afirma Padilha (2004), representa o grande desafio na luta contra a exclusão que se faz L ú c i a d e A r a ú j o R a m o s M a r t i n s ( O r g . ) | 84 SUMÁRIO presente, através da opressão, da negação de participação social efetiva para todos. A vivência de um processo de inclusão exige, antes de tudo, uma atitude de indignação, de não aceitação a qualquer forma de preconceito, discriminação, injustiça. Exige, como diz Freire (2000), uma atitude de rebeldia, de enfrentamento, de disponibili- dade para a mudança, que mesmo sendo difícil, é possível. Exige um contínuo conflito entre o que incluir e o que excluir, provo- cando reflexões permanentes acerca das ações planejadas e execu- tadas, com aceitação às necessidades de mudança. A mudança, por sua vez, acontecerá a partir da revisão de conceitos que historicamente perpassam os processos de relações sociais, interferindo diretamente na vida das pessoas e nas suas oportunidades reais de desenvolvimento. Isso significa revisão de concepções, o que “[...] não é uma atitude isolada ou individual. É tomada de decisão política” (PADILHA, 2007, p.96). Dessa forma, a inclusão é uma discussão que necessita de mecanismos que, além do protagonismo arbitrário de alguns seto- res que regem as práticas de vida em sociedade, possibilitem o con- vívio e a participação das pessoas com as mais diversas diferenças, em situações de vida que, ao mesmo tempo, favoreçam e assegu- rem seus direitos civis e sociais, o que implica, seguramente, em uma mudança radical de valores e crenças culturalmente constru- ídos ao longo da história da humanidade, em vigor até os dias atu- ais. Assumindo a configuração de movimento de luta e resistên- cia, a inclusão se constitui foco de intensos debates que resultam em decisões jurídicas voltadas para a garantia de direitos huma- nos, o que – vale salientar – nem sempre significa o exercício pleno desses direitos nas experiênciasde vida das pessoas. É possível afirmar que o exercício do direito conquistado e implementado por força da lei, sem a aprovação social, muitas vezes reveste-se de D e s a f i o s d a I n c l u s ã o E s c o l a r | 85 SUMÁRIO uma desigualdade maior do que a vivida anteriormente, gerando uma contradição perniciosa, onde a lei passa a ter um valor inqui- sitivo à realidade concreta. A história da humanidade tem sido perpassada por esse movimento contraditório e isso se torna especificamente mais no- tório, ao analisarmos a Declaração de Direitos do Homem e do Ci- dadão, promulgada em 1789 pelos franceses e acatada mundial- mente. Mais de dois séculos depois, os ideais de liberdade, frater- nidade e igualdade não se transformaram em realidade para a mai- oria da população que se encontra na situação de pobreza, bem como aqueles que se encontram em situação de exclusão por qual- quer outro motivo. Outro documento que pode ser mencionado nessa reflexão é a Declaração Universal dos Direitos Humanos, promulgada em 1948, pela Organização das Nações Unidas – ONU, cujo teor ideo- lógico nunca saiu do papel para uma imensa parcela populacional no mundo inteiro. No âmbito das questões relativas às pessoas com deficiên- cia, os processos históricos, culturais e sociais não tiveram um rumo diferente e, a partir da Declaração Universal dos Direitos Hu- manos, são inúmeros os documentos normativos em prol da garan- tia de direitos para esse segmento da população. Um documento que representa o marco dessa luta é a De- claração dos Direitos das Pessoas Deficientes, promulgado em 1975, pela ONU, garantindo, em seu artigo 2º, direitos a todas as [...] pessoas deficientes, sem qualquer descrição ou discriminação com base em raça, cor, sexo, língua, religião, opiniões públicas ou outras, origem social ou nacional, estado de saúde, nascimento, ou qualquer outra situação que diga respeito ao deficiente ou a sua família (ONU, 1975, p. 1). L ú c i a d e A r a ú j o R a m o s M a r t i n s ( O r g . ) | 86 SUMÁRIO De acordo com a Declaração, as pessoas com deficiência têm direito “[...] ao respeito por sua dignidade humana” (Art. 3º); “[...] a medidas que visem capacitá-las a tornarem-se tão autoconfiantes quanto possível” (Art. 5º); “[...] a serviços que lhes possibilitem o máximo desenvolvimento de sua capacidade e habilidades e que acelerem o processo de sua integração social (Art. 6º). Ainda com relação à luta pelos direitos, 1981 foi ratificado pela ONU como o Ano Internacional das Pessoas Deficientes, oca- sião em que foi elaborado o “Programa de Ação Mundial Relativo às Pessoas com Deficiência”, com o objetivo de garantir “[...] o di- reito das pessoas com deficiência as mesmas oportunidades dos demais cidadãos, e a desfrutar, com equidade, da melhoria das con- dições de vida resultantes do desenvolvimento econômico e social” (ARANHA, 2004, p. 39). Em 1993, durante a Assembleia Geral da ONU, foi elaborado o documento “Normas sobre a equiparação de oportunidades para pessoas com deficiência”, em cujo teor se faz presente “[...] um firme compromisso moral e político da parte dos Estados, no sen- tido de adotar medidas destinadas a garantir a igualdade de opor- tunidades para as pessoas com deficiência” (ARANHA, 2004, p. 40). Durante a Reunião da Cúpula Social, realizada em Copenha- gue, em 1995, evento que teve o objetivo de buscar ações inclusi- vas, extensivas às pessoas com deficiência, no sentido de erradicar a pobreza, o desemprego e a marginalização, foi firmado pelos re- presentantes de ONGs do mundo inteiro, o compromisso de “Ga- rantir em todos os níveis, oportunidades educacionais igualitárias para as crianças, jovens e adultos com deficiência em ambientes integrados, considerando-se integralmente as diferenças e situa- ções individuais (MITTLER, 2003, p. 46). A Convenção de Guatemala, realizada em maio de 1999, na capital daquele país, denominada “Convenção Interamericana para D e s a f i o s d a I n c l u s ã o E s c o l a r | 87 SUMÁRIO a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra as Pes- soas Portadoras de Deficiência”, teve como objetivo de prevenir e eliminar todas as formas de discriminação, bem como propiciar a plena integração das pessoas com deficiência à sociedade. O docu- mento apresenta no corpo de seu texto, as seguintes definições so- bre a deficiência e a discriminação: Deficiência – o termo deficiência significa uma restrição física, mental ou sensorial de natureza permanente ou transitória, que li- mita a capacidade de exercer uma ou mais atividades essenciais da vida diária, causada ou agravada pelo ambiente econômico e so- cial. Discriminação contra as pessoas portadoras de deficiência – a) o termo discriminação contra as pessoas portadoras de deficiência significa toda diferenciação, exclusão ou restrição baseada em de- ficiência, antecedente de deficiência, consequência de deficiência anterior ou percepção de deficiência presente ou passada, que te- nha o efeito ou propósito de impedir ou anular o reconhecimento gozo ou exercício por parte das pessoas portadoras de deficiência de seus direitos humanos e suas liberdades fundamentais. b) Não constitui discriminação a diferenciação ou preferência adotada pelo Estado Parte para promover a integração social ou o desen- volvimento pessoal dos portadores de deficiência, desde que a di- ferenciação ou preferência não limite em si mesma o direito à igualdade dessas pessoas e que elas não sejam obrigadas a aceitar tal diferenciação ou preferência. Nos casos em que a legislação in- terna preveja a declaração de interdição, quando for necessária e apropriada para o seu bem-estar, esta não constituirá discrimina- ção (ONU, 1999, p.3). POLÍTICA DE INCLUSÃO E EDUCAÇÃO DE SURDOS: DIÁLOGO E DISTANCIAMENTO ENTRE BRASIL E FRANÇA Brasil e França implantam suas políticas de inclusão, influ- enciadas por documentos internacionais, entre os quais a L ú c i a d e A r a ú j o R a m o s M a r t i n s ( O r g . ) | 88 SUMÁRIO Declaração de Salamanca (UNESCO, 1994). Porém o Brasil inicia esta política nos anos 1990 e a França no ano de 2005. Assim, na França, apesar de sua trajetória no campo da edu- cação de surdos ser mais antiga que no Brasil, em termos de polí- tica inclusiva, o marco histórico é o ano de 2005. A concepção de inclusão, que não se restringe ao campo educacional, está relacio- nada à inclusão social, envolvendo o sistema público de modo ge- ral, ou seja, saúde, educação, transporte, etc. Por isso, alguns auto- res franceses utilizam o termo acessibilidade no lugar de inclusão. A inclusão é referida à escola ou à educação inclusiva. O objetivo é, portanto, garantir a igualdade de direitos e de chances de participar da vida social. Nesta perspectiva, estão os di- reitos assegurados pela Lei de 11 de fevereiro de 2005 das pessoas com deficiência, que estabelece: (a) compensação em estabeleci- mentos e domicílio, por meio de atendimento individual no domi- cílio, orientação em estabelecimentos e na escolarização, orienta- ção profissional, o acesso a cão guia, entre outras; (b) escolari- dade/escola, com o direito de estar matriculado em escola de refe- rência próxima de seu endereço domiciliar, acompanhamento pe- dagógico adaptado, além de serviço médico-social; (c) emprego por meio do acesso a emprego de instituições privadas e públicas; (d) acessibilidade, no acesso à vida da cidade, aos edifícios e aos transportes. Esse olhar mais amplo possibilita a integração entre as di- versas políticas necessárias à vida da pessoa com deficiência em sociedade: educação, saúde, assistência social, transporte, acessi- bilidade, etc. Na escola há um projeto personalizado que acompanha o progresso escolar do aluno com deficiência em todas as ações edu- cacionais, psicológicas,sociais e médicas, que complementam a educação escolar e que são necessárias para garantir a D e s a f i o s d a I n c l u s ã o E s c o l a r | 89 SUMÁRIO continuidade do percurso escolar e viabilizar a sua autonomia no âmbito da escola e sociedade. No Brasil, a educação inclusiva é estabelecida nos anos 1990, superando a política de integração, e está relacionada ao processo de exclusão que a maioria das pessoas com deficiência tem sofrido no meio socioeducacional. Entretanto, a política de in- clusão centra-se no âmbito da escola, visando à garantia do direito de todos à educação, cujo enfoque é o institucional, isto é, depende de mudanças estruturais na escola, sendo necessário que essa mesma escola modifique sua estrutura, seu currículo, sua prática e suas atitudes para atender ao aluno deficiente (OLIVEIRA, 2005). No entanto, encontram-se entraves na interseção entre as políticas da educação, saúde, transporte, etc. O público da Educação Especial, desde 2008, é constituído pelas pessoas com deficiência, com transtorno global do desenvol- vimento e com altas habilidades; e o objetivo da inclusão é a per- manência desse público na escola regular com direito a Atendi- mento Educacional Especializado (AEE) em salas de recursos mul- tifuncionais, realizado por professores especializados no campo da educação especial. No Brasil, as políticas públicas de Libras foram implantadas a partir da década de 1990, no período de implantação da política inclusiva no campo educacional. É importante destacar que as po- líticas linguísticas apresentam raízes nas políticas públicas, na me- dida em que estas se pautam em movimentos de reivindicações so- ciais e de lutas de direitos de segmentos sociais historicamente ne- gados, entre os quais o movimento das pessoas surdas. Lenzi (2018, p. 1) explica que as políticas públicas são: Ações e programas que são desenvolvidos pelo Estado para garan- tir e colocar em prática direitos que são previstos na Constituição Federal e em outras leis. São medidas e programas criados pelos L ú c i a d e A r a ú j o R a m o s M a r t i n s ( O r g . ) | 90 SUMÁRIO governos dedicados a garantir o bem-estar da população. Além desses direitos, outros que não estejam na lei podem vir a ser ga- rantidos através de uma política pública. Isso pode acontecer com direitos que, com o passar do tempo, sejam identificados como uma necessidade da sociedade. As políticas públicas visam, então, garantir, por meio de le- gislações, programas e de estratégias de ações, os direitos de todos os cidadãos, em termos de saúde, transporte, educação, entre ou- tros. Ao pensar nas políticas públicas, no campo da surdez, enfa- tiza-se a importância de um espaço e de uma educação bilíngue para surdos e profissionais capacitados em Libras, ou seja, instru- tores e intérpretes. Desse modo, as políticas linguísticas são, segundo Oliveira (2016, p. 382), “[...] uma área das políticas públicas, concebidas e executadas por instituições que têm ingerência na sociedade, como os Estados, os governos, as igrejas, as empresas, as ONGs, e até as famílias”. Nessa perspectiva: A política linguística não é mais compreendida como uma inter- venção na língua no âmbito de um Estado-nação, mas também está presente em quaisquer níveis que envolvam decisões relacionadas a línguas e suas variedades. Desse modo, essas decisões podem ser realizadas por diferentes agentes como indivíduos, instituições su- pragovernamentais, por exemplo, em diferentes espaços sociais como na família, em lugares públicos, no ambiente de trabalho (SOUSA; AFONSO, 2017, p. 41). No campo da surdez, as políticas linguísticas são descritas, principalmente, pela Lei de Libras nº 10.436, de 24 de abril de 2002, e pelo Decreto nº 5.626, de 22 de dezembro de 2005, o qual legitima a Lei de Libras. Lopes (2007, p. 47) reafirma o pensamento de Wrigley (1996) ao mencionar que foi somente “[...] no final do XVIII que a D e s a f i o s d a I n c l u s ã o E s c o l a r | 91 SUMÁRIO surdez se torna um espaço de cultura e, por isso, de interesse para uma reflexão de cunho filosófico”. A partir desse momento, o su- jeito Surdo começa a ser problematizado e conceituado por sua di- ferença linguística e não somente pela sua deficiência. Nessa pers- pectiva, a surdez se efetiva no lugar da diversidade cultural e dife- rença, pois: “Não se trata [...] de simplesmente negar a surdez para começarmos a fazer um discurso da diferença surda; trata-se de pensar outras formas de significação que permitem a criação de elo entre semelhantes. É preciso compreender que uma distinção cul- tural sempre passa pela diferença” (LOPES, 2007, p. 52). Autores dessa política, entre os quais Klein (2010), Lopes (2007) e Lodi (2013), destacam que, no momento em que a socie- dade ancorou o surdo pelo ato de não ouvir e o materializou como incapaz, impossibilitou-se de observar outros elementos que cons- tituíam o sujeito Surdo como: a Língua Brasileira de Sinais; a apre- ensão do mundo por suas experiências visuais; o fato de serem su- jeitos bilíngues, dentre outros. Assim, esse reconhecimento da diferença linguística surda reafirma-se nas políticas linguísticas da LIBRAS. Em 2002, a LI- BRAS ganha status de Língua, sendo reconhecida como meio de co- municação e/ou expressão utilizado pelo sujeito surdo. A lei nº 10.436 destaca que: “Entende-se como Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS – a forma de comunicação e expressão, em que o sistema linguístico de natureza visual-motora, com estrutura gramatical própria, constitui um sistema linguístico de transmissão de ideias e fatos, oriundos de comunidades de pessoas surdas do Brasil” (BRASIL, 2002, p. 1). Ao considerar a LIBRAS uma língua pertencente à comuni- dade Surda, afirma-se “a língua de sinais como instrumento cultu- ral” (LOPES, 2007, p. 28), o que está de acordo com a política lin- guística do Decreto nº 5.626/05, que regulamenta a Lei de Libras L ú c i a d e A r a ú j o R a m o s M a r t i n s ( O r g . ) | 92 SUMÁRIO nº 10.426/02, que é referência para o campo da Libras, pois rea- firma ser esta a língua natural do sujeito surdo, demarcando o iní- cio de implantações dessa política nas áreas da inclusão educacio- nal, social e linguística, e também no campo da saúde. A partir do reconhecimento da LIBRAS como meio de comu- nicação (BRASIL, 2002), o sujeito surdo conquista o direito linguís- tico, mediante a diferença linguística presente nesse grupo mino- ritário. De acordo com Coelho (2010, p. 200), “[...] passou a existir um dispositivo legal que, não apenas reconhece a língua de uma comunidade linguística minoritária, como garante o direito ao acesso à educação das crianças surdas através dela”. O reconhecimento da LIBRAS, enquanto língua da comuni- dade surda, pode ser descrita mediante as lutas dos movimentos sociais surdos e suas articulações com o Ministério da Educação. Essas discussões e negociações ocorreram, de acordo com Lodi (2013, p. 52-53), a partir da década de 1990. As primeiras discussões relativas ao reconhecimento e à legaliza- ção da língua de sinais e seu uso nos espaços educacionais tiveram início no ano de 1996, a partir da realização da Câmara Técnica O Surdo e a Língua de Sinais (BRASIL, 1996), promovida pela Coor- denadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Defi- ciência (Corde), vinculada à Secretaria dos Direitos da Cidadania do Ministério da Justiça. Participaram da Câmara Técnica repre- sentantes de universidades públicas e privadas do Brasil, estabe- lecimentos de ensino para surdos, instituições voltadas ao desen- volvimento de estudos e pesquisas sobre a Libras e representantes da Federação Nacional de Educação e Integração do Surdo (Fe- neis), por meio dos quais as comunidades surdas puderam ter voz em todas as discussõesrealizadas. A Câmara Técnica caracterizou- se como um fórum democrático que teve como objetivo principal subsidiar as discussões referentes ao Projeto de Lei nº 131/96 em tramitação no Senado Federal, que dispunha sobre o reconheci- mento da Libras. Após quatro dias de intensos trabalhos, traçou- se, no documento final, o contexto em que as pessoas surdas vi- viam e apresentou-se a necessidade de legalização da Libras, a fim D e s a f i o s d a I n c l u s ã o E s c o l a r | 93 SUMÁRIO de ser possível a participação social dos membros das comunida- des surdas como cidadãos brasileiros [...] O documento final serviu de base para as discussões do Projeto de Lei nº 131/96 nas Comis- sões Técnicas do Senado Federal e, após quase seis anos em trami- tação, culminou na Lei nº 10.436/02. A autora ainda destaca a participação da Câmara Técnica “O surdo e a Língua de Sinais” e da instituição Federação Nacional de Educação e Integração do Surdo (FENEIS) na elaboração do pro- jeto de Lei nº 131/96, o qual versava sobre o reconhecimento da LIBRAS. Todavia, ela só foi reconhecida oficialmente com meio le- gal de comunicação e expressão em 22 de abril de 2002, por meio da Lei nº 10.436. De acordo com Klein (2010), a década de 1990 é caracteri- zada como um período de intensas mobilizações da comunidade surda, dos pesquisadores da Língua Brasileira de Sinais e dos fami- liares das pessoas surdas, pelo reconhecimento da Libras como primeira língua dos surdos. Por isso, ela pontua a importância dos movimentos surdos na efetivação da política linguística: os “[...] movimentos surdos são entendidos como movimentos sociais ar- ticulados a partir de aspirações, reivindicações, lutas das pessoas surdas no sentido do reconhecimento de sua língua, de sua cul- tura” (KLEIN, 2010, p. 75). Lodi (2013) descreve que, em 2004, uma comissão de tra- balho começou a elaborar uma proposta de regulamentação da Lei de LIBRAS (BRASIL, 2002), que se efetivou em 22 de dezembro de 2005 com o Decreto Federal nº 5.626 (BRASIL, 2005). Esse Decreto versa sobre as medidas destinadas para a formação de profissio- nais para atuação com sujeitos surdos, como: professores bilín- gues; professores de LIBRAS e de Língua Portuguesa como L2 para surdos; instrutores e intérpretes de LIBRAS. Somando-se a isso a inclusão social e educacional, a garantia de acessibilidade à pessoa L ú c i a d e A r a ú j o R a m o s M a r t i n s ( O r g . ) | 94 SUMÁRIO surda em todos os espaços sociais e o tratamento de saúde a ela. Nesse sentido, destacam-se dois pontos importantes no Decreto: a implementação da Libras como disciplina obrigatória nos cursos de licenciatura e a conceituação de pessoa surda. O Decreto 5.626, de 22 de dezembro de 2005, destaca a in- clusão da LIBRAS como disciplina curricular nos cursos de forma- ção de professores. No Art. 3º estabelece que: Art. 3º A Libras deve ser inserida como disciplina curricular obrigatória nos cursos de formação de professores para o exercício do magistério, em nível médio e superior, e nos cursos de Fonoaudiologia, de instituições de ensino, públi- cas e privadas, do sistema federal de ensino e dos sistemas de ensino dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios (BRASIL, 2005, p. 1). O marco da inserção de disciplinas sobre a educação espe- cial nos currículos de formação docente, neste caso a Educação dos Surdos, deu-se após a promulgação da Lei nº 10.436, que reco- nhece a Língua Brasileira de Sinais como língua oficial dos surdos. Em seu Art. 4º, expressa a obrigatoriedade de as instituições de formação docente inserirem em seus currículos a disciplina LI- BRAS. Segundo Brasil (2005, p. 1), “Considera-se pessoa surda aquela que, por ter perda auditiva, compreende e interage com o mundo por meio de experiências visuais, manifestando sua cultura principalmente pelo uso da Língua Brasileira de Sinais-LIBRAS”. Nessa perspectiva, “[...] a surdez como diferença refere-se a uma minoria linguística que faz uso de outra língua, a Língua de Sinais” (KLEIN, 2004, p. 89). Reconhecer a alteridade da pessoa Surda parte do pressu- posto de aceitá-la não somente como excluída por uma sociedade a qual busca o padrão da normalização, mas também como sujeito D e s a f i o s d a I n c l u s ã o E s c o l a r | 95 SUMÁRIO de sua própria história social e cultural. Dessa maneira, quando eu aceito o outro, eu o aceito com todas suas particularidades, peculi- aridades e individualidades, tendo sob ele o olhar da “[...] diferença dentro da diferença, uma visão mais complexa do diferente, para além do paradigma da diversidade” (FLEURI, 2006, p. 495). No posicionamento conceitual da diferença surda, Lopes (2007, p. 71) argumenta que: [...] ela não se dá no fato de o indivíduo ser surdo, mas de este viver em comunidade e compartilhar, com seus pares, uma língua viso- gestual, uma forma de viver e de organizar o tempo e o espaço; en- fim, é entre sujeitos semelhantes de uma mesma comunidade que os surdos são capazes de se colocar dentro do discurso da dife- rença cultural. Outrossim, compreende-se que o Surdo precisa de outro(s) Surdo(s) para construir sua identidade de Surdo e isso ocorre por meio da partilha do encontro dialógico, afetivo, linguístico e iden- titário, presente na comunidade surda. Na França, a educação bilíngue é estabelecida em 2005, vin- culada ao direito dos alunos com deficiência à educação, ou seja, as ações realizadas em favor da escolarização dos alunos surdos pelo Ministério da Educação Nacional têm por base a lei de 11 de feve- reiro de 2005, aplicada em 01 de janeiro de 2006, que visa garantir a igualdade de direitos, a participação e cidadania às pessoas com deficiência. A lei afirma o direito dos alunos com deficiência à edu- cação, bem como a responsabilidade do sistema educativo em pos- sibilitar a continuidade do percurso de formação de cada um. Desta forma, o ano de 2005 foi importante para a educação de surdos tanto da França e do Brasil, porque foi implantada, nesse período, a educação bilíngue para surdos nos dois países. Porém, no Brasil, apesar de estar legalmente estabelecida, a educação bi- língue ainda não está presente em todas as escolas especializadas. L ú c i a d e A r a ú j o R a m o s M a r t i n s ( O r g . ) | 96 SUMÁRIO Já na França, apesar do discurso inclusivo, a educação especial mantém laços fortes com o modelo terapêutico-clínico, conside- rando sua proximidade com a área da saúde. De acordo com professores e assistentes sociais entrevista- dos na França, a educação de surdos, em termos de utilização da LSF, faz parte da luta dos movimentos sociais, e vem crescendo gradativamente, porém, a política de inclusão atende a todas as de- mandas das pessoas surdas: oralizados, por meio da sinalização, e os que utilizam implante coclear. É a pessoa surda que escolhe o tipo de educação que deseja e a escola garante o atendimento edu- cacional. Quando criança é a família que determina qual a educação dos filhos surdos. A Assistente Social Mirela explicou: “É mesmo uma opção, de- pende do aluno, se ele escolher ser uma comunicação oral, nós o deixamos usar a oralidade. Se ele escolher ser uma comunicação por sinal, nós aqui em Saint Jacque o deixamos utilizar sinais”.In- formou também que “[...] os professores do Instituto Nacional de Jovens Surdos – INJS se adaptam completamente ao modo de co- municação do aluno. Isto é bom”, e acrescentou que “[...] os profes- sores possuem formação para se comunicar direto com aluno e ex- plicar seja em código, em sinal ou oral”. No Brasil, apesar de termos a mesma demanda de surdos, o processo educacional na política inclusiva centra-se no acesso à LI- BRAS, não sendo possibilitado à pessoa surda o direito de escolha. É claro que o uso da LIBRAS é necessário, porque viabilizaa comu- nicação entre surdos e entre surdos e ouvintes, mas é preciso le- var-se em conta também as especificidades históricas, culturais e sociais de cada pessoa. Nesse caso há necessidade de considerar- se a presença na educação brasileira de surdos oralizados e com implante coclear, que precisam ter acesso à educação sem serem discriminados. D e s a f i o s d a I n c l u s ã o E s c o l a r | 97 SUMÁRIO É importante destacar que as políticas linguísticas (BRASIL, 2002; 2005), os movimentos sociais e as pesquisas acadêmicas no campo da surdez tornaram possível enxergar o sujeito Surdo não mais pela ótica da correção acerca de um corpo com dano, mas como sujeito social, capaz de ser ensinado, de trabalhar e viver ple- namente na sociedade. Mas precisamos avançar na luta em favor da educação de surdos, que contemple a diversidade e a complexi- dade dessa educação. A “[...] língua de sinais é oficialmente reconhecida, então sua presença dever ser efetiva em qualquer espaço” (LOPES, 2007, p. 76). Isso não significa deixar de reconhecer as demandas de outros segmentos da população surda, que perpassa pelo reconhecimento do outro em sua diferença de alteridade. CONSIDERAÇÕES FINAIS O Brasil vem recebendo historicamente, em termos de polí- tica de educação especial e educação de surdo, influência da França, inicialmente por meio da criação daprimeira escola para surdos no Rio de Janeiro, o “Imperial Instituto dos Surdos-mudos”, atual “Instituto Nacional de Educação de Surdos”. Depois, por meio da política de integração, com a criação das classes especiais nas escolas regulares e o atendimento educacional, realizado nas esco- las especializadas e nas classes especiais, tendo como modelo o te- rapêutico-clínico. A implantação dessa educação inclusiva vai ser motivada nos dois países pela Declaração de Salamanca, sendo que o Brasil inicia o processo nos anos 1990, direcionando o olhar para a es- cola, e a França, mais tardiamente, com um olhar para a política social, envolvendo todas as políticas públicas, não apenas a educa- cional. L ú c i a d e A r a ú j o R a m o s M a r t i n s ( O r g . ) | 98 SUMÁRIO A proposta de educação bilíngue é um ponto de diálogo en- tre os dois países, iniciado no mesmo ano, em 2005, bem como o olhar para a educação inclusiva como direito. Entretanto, no Brasil, a educação bilíngue ainda não está presente em todas as escolas especializadas e, na França, a educação especial mantém laços for- tes com o modelo terapêutico-clínico, considerando seu vínculo, inclusive financeiro, com a área da saúde. Vemos, então, existir um diálogo entre a educação do Brasil e a da França, mas os distanciamentos perpassam pela consolida- ção, no Brasil, da LIBRAS, com especificidades próprias, e que vem crescendo significativamente no país, com garantia na legislação brasileira; a política de inclusão que, no Brasil, ao focar predomi- nantemente na escola, obstaculiza a interseção com as demais po- líticas públicas, estando a educação de surdos voltada para a sina- lização, apesar de, na escola e na sociedade, haver presença de sur- dos oralizados e de surdos com implante coclear, que, por sua situ- ação, sofrem discriminação social. Há, portanto, necessidade de se pensar as políticas públicas de forma integrada, voltadas para a inclusão, mas de forma que possibilitem o diálogo entre as teorias e as práticas, respeitando a diversidade de sujeitos e a complexidade da educação especial, mantendo os princípios democráticos de pensar e agir diferente- mente com respeito ao outro em sua alteridade. REFERÊNCIAS BRASIL. Casa Civil. Lei n. 10436 de 24 de abril de 2002. Dispõe sobre a Lín- gua de Sinais e outras providências. Brasília, DF, 2002. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2002/L10436.htm. Acesso em: 28 fev. 2019. ______. Casa Civil. Decreto n. 5.626 de 22 de dezembro de 2005. Regulamenta a Lei n. 10.436, de 24 de abril de 2002, que dispõe sobre a Língua Brasileira de D e s a f i o s d a I n c l u s ã o E s c o l a r | 99 SUMÁRIO Sinais – Libras. Brasília, DF, 2005. Disponível em: http://www.pla- nalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004.../2005/decreto/d5626.htm. Acesso em: 08 fev. 2019. COELHO, Orquídea. Da lógica da justificação à lógica da descoberta. Ser surdo num mundo ouvinte: um testemunho autobibliográfico. Cadernos de Educa- ção, FaE/PPGE/UFPel/Pelotas, v. 36, p. 197-221, maio/ago. 2010. Disponível em: https://periodicos.ufpel.edu.br/ojs2/index.php/caduc/arti- cle/view/1607/1490. Acesso em: 1 set. 2019. FLEURI, Reinaldo Matias. Políticas da Diferença: Para além dos Estereótipos na Prática Educacional. Educ. Soc., Campinas, v. 27, n. 95, p. 495-520, maio/ago. 2006. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/es/v27n95/a09v2795.pdf. Acesso em: 22 jan. 2019. KLEIN, Madalena. Cultura Surda e a inclusão no mercado de trabalho. In: THOMA, Adriana da Silva; LOPES, Maura Corcini (org.). A invenção da surdez: cultura, alteridade, identidade e diferença no campo da educação. Santa Cruz do Sul, SC: EDUNISC, 2004. p. 83-102. ______. Os discursos sobre surdez, trabalho e educação e a formação do surdo trabalhador. In: SKLIAR, Carlos (org.). A surdez: um olhar sobre a diferença. Porto alegre: Mediação, 2010. p. 75-92. LENZI, Tié. O que são as políticas públicas? Toda Política, 26 abr. 2018. Dispo- nível em: https://www.todapolitica.com/politicas-publicas/. Acesso em: 12 mar. 2019. LODI, Ana Claudia Balieiro. Educação bilíngue para surdos e inclusão segundo a política nacional de educação especial e o decreto nº 5.626/05. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 39, n. 1, p. 49-63, jan./mar. 2013. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/ep/v39n1/v39n1a04.pdf. Acesso em: 26 set. 2019. LOPES, Maura Corcini. Surdez e Educação. Belo horizonte: Autêntica, 2007. OLIVEIRA, Gilvan Müller de. Políticas Linguísticas: uma entrevista com Gilvan Müller de Oliveira. ReVEL, v. 14, n. 26, p. 382-399, 2016. Disponível em: L ú c i a d e A r a ú j o R a m o s M a r t i n s ( O r g . ) | 100 SUMÁRIO http://www.revel.inf.br/files/e92f933a3b0ca404b70a1698852e4ebd.pdf. Acesso em: 26 fev. 2019. OLIVEIRA, Ivanilde Apoluceno de. Saberes, imaginários e representações na educação especial: a problemática ética da “diferença” e da exclusão social, Petrópolis, RJ: Vozes, 2005. PLAISANCE, Eric. O Especial na Educação: significados e usos. Revista Educa- ção & Realidade, Porto Alegre, v. 44, n. 1, 2019. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo. Acesso em: 9 ago. 2019. ROCHA, Solange Maria. Antíteses, Díades, Dicotomias no Jogo entre Memó- ria e Apagamento Presentes nas Narrativas da História da Educação de Surdos: um olhar para o Instituto Nacional de Educação de Surdos (1856/1961), 160 f. 2009. Tese (Doutorado em Educação) – Departamento de Educação, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. 2009. Disponível em: https://sites.google.com/site/pesquisassobresurdez/so- lange-maria-da-rocha. Acesso em: 28 set. 2019. SOUSA, Socorro Cláudia Tavares de; AFONSO, Lília dos Anjos. Políticas linguís- ticas sobre a Libras: as crenças dos estudantes de letras. Revista de Letras, Fortaleza, v. 2, n. 35, jun. 2017. Disponível em: http://www.periodi- cos.ufc.br/revletras/article/view/19335. Acesso em: 26 mar. 2019. STROBEL, Karin. História da Educação dos Surdos. Florianópolis: Universi- dade Federal de Santa Catarina, 2009. (Coleção Letras-Libras: eixo Formação Específica. Licenciatura em Letras-LIBRAS na modalidade a distância). Dispo- nível em: http://www.libras.ufsc.br/colecaoLetrasLibras/eixoFormacaoEspe- cifica/historiaDaEducacaoDeSurdos/assets/258/TextoBase_HistoriaEducaca- oSurdos.pdf. Acesso em: 28 set. 2019. UNESCO. Declaração de Salamanca e linha de ação sobre necessidades educativasespeciais. Brasília, DF: CORDE, 1994. WRIGLEY, Owen. The politics of deafnes. Washington: Gaullaudet University Press, 1996. D e s a f i o s d a I n c l u s ã o E s c o l a r | 101 SUMÁRIO CAPÍTULO 4 DIMENSÕES DE UMA TRAJETÓRIA AUTOFORMATIVA COMO ALFABETIZADORA BILINGUE DE CRIANÇA SURDA Elizabete Siqueira Ribeiro Luzia Guacira dos Santos Silva INTRODUÇÃO Neste capítulo trataremos sobre uma trajetória auto forma- tiva no campo da alfabetização bilíngue, em contexto informal, como constituinte da realidade profissional e da transformação de si mesmo. Para tanto, refletimos com base na literatura sobre for- mação de professores e sua importância no processo auto forma- tivo, vislumbrando a formação do profissional para ensino da Li- bras. O estudo aponta que: a) para uma prática consciente no campo da autoformação, o indivíduo deve buscar o autoconheci- mento, utilizando todas as ferramentas disponíveis para tal; b) a inexistência de escolas ou centros de formação específicos para professores de surdos, os levaram a assumirem a responsabilidade por sua formação e autoformação; c) que alunos surdos, assim como os demais, precisam de professores comprometidos com a sua formação e autoformação contínuas de modo que possam ob- ter o domínio não apenas de conteúdos técnicos, mas que sejam conhecedores de si mesmos, e das peculiaridades de seus alunos. L ú c i a d e A r a ú j o R a m o s M a r t i n s ( O r g . ) | 102 SUMÁRIO A autoformação pode apresentar dimensões sobre as quais não se tem clareza durante o processo autoformativo. FORMAÇÃO E AUTOFORMAÇÃO NO CONTEXTO GERAL DA EDUCAÇÃO A priori, é relevante iniciarmos nossa reflexão sobre a auto- formação no contexto geral da educação, tratando brevemente do tema formação de professores, que passou a ser posto em evidên- cia, no Brasil, a partir da década de 1980, quando a escola tinha seu papel como um aparelho ideológico do Estado e, o ensino, como uma ação reprodutora dos conhecimentos. Nesse período,a ordem era “reciclar” os professores por meio de cursos e oficinas de tempo reduzido, com ênfase nos conteúdos de sala de aula e em aspectos específicos do ensino, para que pudesse reverter o caos em que haviam colocado o ensino e, assim, romper com o quadro de fracasso da educação (SILVA, 2011). Desse período para o atual século XXI, podemos afirmar que muitas ações em torno da formação de professores foram e veem sendo desenvolvidas em busca de se estabelecer mudanças que le- vem à melhoria da educação, de forma a atender as novas deman- das da sociedade. Para Silva (2011, p. 10), nessas formações tem faltado: [...] análise crítica da situação em que se encontram as escolas onde esses sujeitos [os professores] trabalham e da discussão crítica so- bre os diferentes fatores sociais, psicológicos, econômicos e políti- cos que interferem sobremaneira no fazer pedagógico de qualquer professor, mesmo que esse não tenha plena consciência disso (SILVA, 2011, p. 10). D e s a f i o s d a I n c l u s ã o E s c o l a r | 103 SUMÁRIO Concordamos com Silva (2011), pois diante das novas medi- das educacionais voltadas para a inclusão escolar de crianças, que até meados da década de 1990 estudavam em escolas e/ou classes especiais, em escolas e salas de aula comuns, é imperioso conhecer as razões sociais, econômicas e políticas que levaram a tomada da- quelas medidas e como elas interferem nas práticas escolares nos dias atuais. Assim como é urgente formações que levem aos pro- fessores novos saberes da ordem do específico, para que possam criar possibilidades para a produção de novos conhecimentos em atenção à diversidade de alunos que demandam de outras formas de ensinar, pois aprendem de forma diferente do como se ensina nas escolas comuns, como é o caso das crianças surdas. Para Dominicé (2014, p.90) a formação: [...] depende do que cada um faz do que os outros qui- seram, ou não quiseram, fazer dele. Numa palavra, a formação corresponde a um processo global de auto- nomização, no decurso do qual a forma que damos a nossa vida se assemelha – se é preciso utilizar um conceito – ao que alguns chamam de identidade. Entendemos “identidade”, como um conjunto de fatores de ordem cultural, familiar, físico e comunitário que compõe um su- jeito. E como formação, os eventos, as atitudes e os saberes que re- cebemos de alguém ou buscamos de forma voluntária ao longo de nossa trajetória. Porém, uma questão ressoa, a fim de nos fazer re- fletir. Quando e como nos formamos? Gattegno, citado por Jo- sso (2010, p.71) nos diz que: Formamo-nos quando integramos na nossa consciência, e nas nossas atividades, aprendizagens, descobertas e significados efe- tuados de maneira fortuita ou organizada, em qualquer espaço so- cial, na intimidade com nós próprios ou com a natureza. L ú c i a d e A r a ú j o R a m o s M a r t i n s ( O r g . ) | 104 SUMÁRIO A formação é essencial para uma prática relevante, ou seja, para atender a diversidade de formas de ser e de aprender dos alu- nos, e precisa acontecer de forma continuada, para instrumentali- zar os professores a fazerem bem o seu trabalho, também com aqueles alunos considerados “especiais” por sua condição de sur- dez, e para que não continuem a serem responsabilizados pelas fa- lhas existentes nos sistemas de ensino, pois como afirma Nóvoa (1999) citado por Silva (2011, p. 11): “Os professores enfrentam cir- cunstâncias de mudança que os obrigam a fazer mal o seu trabalho, tendo de suportar a crítica generalizada, que, sem analisar essas circunstâncias, os considera como responsáveis imediatos pelas falhas dos sistemas de ensino”. Entendemos que os professores carecem de reconhecimento social e de serem valorizados pelo que fazem com salários dignos, com uma carga horária de trabalho que permita estarem em conti- nua formação; que os levem a desenvolver cada vez mais a capaci- dade investigativa e propositiva; que os encorajem a enfrentar os desafios que o trabalho com a diferença nos traz. De acordo com Bicudo (2003 apud SILVA, 2011, p. 11), a for- mação implica em “[...] reconhecimento das trajetórias próprias dos homens e mulheres, bem como exige a contextualização histó- rica dessas trajetórias, assumindo a provisoriedade de propostos de formação de determinada sociedade”. Percebe a formação como algo inacabado, com lacunas, mas profundamente comprometida com uma maneira de olhar, explicar e intervir no mundo. É fato que a necessidade de formação docente foi pensada ini- cialmente por Comenius, no século XVII. Porém, de acordo com Borges, Aquino e Puentes (2011), O Seminário dos Mestres, instituído por São João Batista de La Salle, em 1684, foi o primeiro estabelecimento de ensino destinado à formação de professores. Mas, somente após a Revolução Fran- cesa, mais precisamente no fim do século XVIII, iniciou-se o D e s a f i o s d a I n c l u s ã o E s c o l a r | 105 SUMÁRIO processo de valorização da instrução escolar, período em que fo- ram criadas as Escolas Normais com a finalidade de formar profes- sores (BORGES, AQUINO E PUENTES, 2011, p. 95) No entanto, não havia ainda uma formação específica para professores de língua de sinais. Contudo, de acordo com Stro- bel (2008), a língua de sinais já existia antes de Cristo e está pre- sente em muitas histórias no mundo. Diante tais fatos, levantamos a hipótese de que um dos fatores que serviram de vetor da não for- mação de professores na língua de sinais tenha sido a concepção existente em torno da pessoa surda que, à época, era vista e tra- tada como um ser amaldiçoado, possesso de demônios, desprivile- giado, incapaz de aprender, e ainda, associavam a surdez à defici- ência intelectual. A EDUCAÇÃO DE SURDOS Os poucosrelatos históricos encontrados na bibliografia es- pecializada apontam parao uso da língua gestual na antigui- dade, em contextos não-formais e, notadamente, por pessoas ou- vintes, tal como relatado por Lacerda (2014, p.67): “[...] na Itália do século 530 d.C monges beneditinos empregavam uma forma de si- nais para comunicação entre si, a fim de não violar o rígido voto de silêncio”. Martins (2015), por sua vez, ressalta que: No Renascimento, surgiram as primeiras experiências educacio- nais com pessoas com deficiência, com a propagação das ideias chamadas humanistas. Direcionadas, principalmente para as então denominadas pessoas surdas-mudas (MARTINS, 2015, p. 28) Em sua maioria, os casos registrados de atendimento educa- cional às pessoas surdas, eram de surdos de famílias abastadas, que ora os pais pagavam por preceptores para auxiliá-los em sua L ú c i a d e A r a ú j o R a m o s M a r t i n s ( O r g . ) | 106 SUMÁRIO educação, ora os próprios pais tentavam educá-los criando meto- dologias próprias, quer por motivos nobres em mostrar a socie- dade preconceituosa que seu filho surdo também era capaz de aprender, quer por motivos de herdades financeiras. No século XVI, o médico Girolamo Cardano, estudou o caso de seu filho surdo e passou a afirmar que a surdez não alterava a in- teligência e, que surdos eram capazes de aprender, sendo o pro- cesso de leitura e escrita a melhor forma de ensiná-los (LACERDA, 2014). Neste período,haviam muitos educadores que criavam dife- rentes tipos de metodologias experimentais para ensinar os sur- dos, por vezes baseada na oralidade, em datilologias ou na criação de sinais convencionais. Outros, apenas prestavam o assistencia- lismo, com base na perspectiva médica, aplicando exercícios fono- lógicos de repetições, com intuito de tentar transformar os surdos em meros modelos ouvintistas. Temos relatos de Lacerda (2014), que destaca que, ainda no século XVI, na Espanha, o monge bene- ditino Pedro Ponce de Leon (1520 – 1584): Estabeleceu um método formal para a educação de surdos em um monastério de Valadolid. Inicialmente ensinavam Latim, Grego e Italiano, conceitos de física e astronomia a dois irmãos surdos. Francisco e Pedro Velasco, membros de uma importante família de aristocratas espanhóis. Francisco conquistou o direito de receber a herança como marquês de Berlanger e Pedro se tornou Padre, com a permissão do Papa. Ainda Pedro Leon criou métodos para educar surdos por meios de datilologia, escrita e oralização e criou também uma escola para professores surdos. Após sua morte não houve publicação e seu método caiu no esquecimento, pois a tra- dição na época era guardar segredo sobre os métodos de educação de surdos. (LACERDA, 2014, p.67) Como se vê, Pedro Ponce de Leon chegou a criar métodos e a fundar uma escola para professores surdos. Algo inédito para D e s a f i o s d a I n c l u s ã o E s c o l a r | 107 SUMÁRIO aquela época! Infelizmente, por não haver uma troca e publicação de conhecimentos, muitos de seus trabalhos não tiveram divulga- ção nem continuidade. Ao longo da história, como citado acima, constata-se casos de sucesso na instrução e educação de surdos. Muitos desses precep- tores foram considerados autodidatas, buscando conhecimento através de leituras e experimentos com os próprios alunos surdos. E, como não havia escolas ou centros de formação específicos para professores de surdos, verifica-se que os próprios assumiram a responsabilidade por seu conhecimento e autoformação. Outro nome que se destacou na educação de surdos foi Juan Pablo Bonet (1579 – 1623). De acordo com Martins (2015, p.31): Juan Pablo Bonet escreveu sobre as causas da deficiência audi- tiva e dos problemas da comunicação, condenando os métodos brutais e gritos para ensinar a alunos surdos, que eram muitas ve- zes usados, em 1620 ele publicou a obra “redação das letras e arte de ensinar os mudos a falar”, que é considerado o primeiro manual de ensino de surdos-mudos, exercendo grande influencia nesta área também em outros países. Demonstrou também, pela pri- meira vez o alfabeto sobre a forma de sinais. Grande parte do atendimento aos surdos se deu com base em metodologias da oralização, ou da desmutização. Lacerda (2014) nos aponta que em 1775, na Alemanha, Samuel Heinicke foi o pioneiro do método do Oralismo puro. Se opôs fortemente a utilização das línguas de sinais. Esse tipo de atendimento priori- zava transformar surdos em falantes, e ensinar-lhes a leitura labial, desprezando dessa forma todo um contexto formativo essencial para formação educacional de um surdo. Contudo, a situação educacional dos surdos começa a mu- dar na França em 1760, com a primeira escola pública para L ú c i a d e A r a ú j o R a m o s M a r t i n s ( O r g . ) | 108 SUMÁRIO surdos, criada com recursos próprios do abade L’Epée, conforme registrou Honora (2014,p.53): A primeira instituição educacional pública para surdos foi o Insti- tuto Nacional para surdos-mudos, criada em 1760 pelo abade Frances Charles Michel de L’Epée, que atualmente recebe o nome de Instituto nacional de jovens surdos de Paris. Considerado o “pai dos surdos” e defensor da língua de sinais. Em 1776, publicou o livro: “A verdadeira maneira de instruir surdos-mudos. Faleceu em 1789, tendo fundado um total de 21 escolas para surdos na França e em outros países da Europa. A escola de L’Epée foi precursora no atendimento aos sur- dos e inspirou a abertura de várias outras escolas de surdos pelo mundo no final do século XVIII. Lacerda (2014) nos descreve que, L’Epée, aprendeu a língua de sinais usada pela comunidade dos surdos franceses. A partir dessa língua criou os sinais metódi- cos, respeitando a língua já utilizada pela comunidade surda usando-a em práticas educacionais. De acordo com Goldfeld (2002), o século XVIII é conside- rado o período mais fértil da educação dos surdos. L’Epée e seu se- guidor Sicard acreditavam que todos os surdos, independente- mente do nível social, deveriam ter acesso a educação pública e gratuita. Nas palavras de Sacks (2010, p.37): Esse período que agora parece uma espécie de época áurea na his- tória dos surdos, testemunhou a rápida criação de escolas para surdos, de um modo geral dirigidos por professores surdos, em todo o mundo civilizado, a saída dos surdos da negligência e da obscuridade, sua emancipação e cidadania, a rápida conquista de posições de eminência e responsabilidade - escritores surdos, en- genheiros surdos, filósofos surdos, intelectuais surdos, antes in- concebíveis, tornaram-se subitamente possíveis. D e s a f i o s d a I n c l u s ã o E s c o l a r | 109 SUMÁRIO A educação de surdos avançava. Muitas escolas e universi- dades foram criadas, e neste momento já não era apenas em cará- ter de assistencialismo. O potencial da pessoa surda passou a ser explorado e valorizado, tendo como base a língua de sinais. O ensino se tornou promissor para a comunidade surda, in- centivando e despertando interesse ao redor do mundo para fun- dação de outras escolas de surdos. E, então, chega à vez das Amé- ricas. Lacerda (2014) nos conta que no século XIX: [...] o americano Thomas Gallaudet parte para a Europa para bus- car métodos de ensinos aos surdos. Na Inglaterra, Gallaudet foi co- nhecer o trabalho realizado por Braidwood, na escola Wat- son´s Asylum, a primeira escola inglesa para surdos, privada, onde se valorizava a leitura orofacial. Como a metodologia era guardada de modo secreto e se recusaram a expor, Gallaudet foi para França, onde foi bem acolhido e se impressionou com o método da língua de sinais usado pelo abade Sicard. Em 1864, Edward Gallau- det fundou a primeira universidade norte americana para sur- dos, a Gallaudet University, em Washington. (LACERDA,2014, p.68) Método que também se fez repercutir no ensino a surdos aqui no Brasil, com a vinda, durante o Império, do professor fran- cês surdo Hernest Huet com objetivo de fundar um colégio para surdos. (HONORA, 2014). Podemos ratificar esse fato histórico nas palavras de Goldfeld (2002, p.32), quando diz que: No Brasil, em 1855, chegou aqui o professor surdo francês Her- nest Huet, trazido pelo imperador D. Pedro II, para iniciar o traba- lho de educação de duas crianças surdas, com bolsas de estudo pa- gas pelo governo. Em 26 de setembro de 1857 é fundado o instituto nacional de surdos-mudos, atual instituto nacional de educação de surdos (INES), que utilizava a língua de sinais. Criado pela lei nº 939 de 26 de setembro de1857. L ú c i a d e A r a ú j o R a m o s M a r t i n s ( O r g . ) | 110 SUMÁRIO O neto de D. Pedro II seria uma das duas crianças beneficia- das com a chegada do professor. (HONORA, 2014) Percebe-se que desde essa época a classe abastada já se apoderava das verbas pú- blicas em benefício próprio. Assim, sob o interesse inicial de bus- car uma educação de qualidade para seu neto surdo, o atual INES foi fundado por D. Pedro II, no Rio de Janeiro no bairro de Laran- jeiras, desenvolvendo o trabalho educacional na perspectiva bilín- gue. É, na atualidade, considerado o maior colégio brasileiro de re- ferência no ensino de surdos, com oferta de atendimento da edu- cação básica até a pós-graduação, além de opcionalmente, ofertar atendimentos médicos e fonoaudiológicos aos alunos. Eis o por- quê da Língua de Sinais brasileira - Libras, ter origem na Língua Francesa de Sinais. É possível afirmar, com base em Honora (2014) que um marco negativo para a educação de surdos foi o II Congresso Inter- nacional sobre instrução de Surdos, em Milão, no ano de 1880. Houve uma votação sobre o melhor método de instrução de sur- dos, porém, os professores surdos foram impedidos de votar, ven- cendo, portanto, o método Oralista, como nova referência mundial para a educação de surdos. Em 1911, o INES aboliu o uso da LIBRAS na educação dos surdos, visto as determinações do congresso de Milão, passando a redirecionar a educação de surdos, a métodos de repetições foné- ticas e leitura labial, baseados na metodologia do Ora- lismo puro. De acordo com Goldfeld (2002, p.34) “O Oralismo per- cebe a surdez como deficiência que deve ser minimizada pela esti- mulação auditiva. O objetivo do Oralismo é fazer uma reabilitação da criança surda em direção da normalidade, à “não surdez”. Tal percepção e determinação trouxeram sérios prejuízos ao desenvolvimento dos surdos. A proibição do uso de sinais, fato que perdurou por cem anos, levou a um grande insucesso na edu- cação de surdos daquela época que, “após oito ou dez anos de D e s a f i o s d a I n c l u s ã o E s c o l a r | 111 SUMÁRIO escolarização, se tornaram sapateiros ou costureiros, não che- gando a oralização, e assim eram considerados retardados”. (HO- NORA, 2014, p. 57). Em 1987, de acordo com Gesser (2009), foi fundada a FE- NEIS – Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos, no Rio de Janeiro, responsável, dentre várias coisas, pela luta dos surdos em defesa do direito ao uso da LIBRAS. Nos Estados Unidos, em 1960, com a publicação do traba- lho de W. Stokoe, comprovando cientificamente que as Línguas de sinais são línguas naturais como quaisquer outras, fez com que a educação de surdos mudasse o foco metodológico para a Comuni- cação Total. (SÁ, 1999) Aqui no Brasil, outro instituto importante para a história da educação e formação de surdos, foi o Instituto Santa Terezinha, fundado em 1929, sendo inicialmente um internato para meninas surdas. (HONORA, 2014) De acordo com Mazzotta (2001), em 1952, no estado de São Paulo, a escola municipal Helen Keller foi fundada e reconhecida como I Núcleo Educacional para crianças surdas do estado. Outra instituição que muito contribuiu para a educação de surdos é o Ins- tituto educacional São Paulo – IESP, fundado em 1954 e depois do- ado para a Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUCSP. (HONORA, 2014) Estas instituições, criadas para o atendimento educacional de surdos no exterior e no Brasil. Atualmente, trabalham na pers- pectiva do ensino bilíngue. L ú c i a d e A r a ú j o R a m o s M a r t i n s ( O r g . ) | 112 SUMÁRIO APARATOS LEGAIS EM TORNO DA FORMAÇÃO DO PROFISSIO- NAL DA EDUCAÇÃO ESPECIAL E PARA ENSINO DA LIBRAS NO BRASIL A Política Nacional de Educação Especial numa perspectiva Inclusiva (2008) foi criada com base em vários outros documentos nacionais e internacionais, que determinam que a educação seja inclusiva, tais como: Constituição Federal (1988), a Lei de Diretri- zes e Bases da Educação – LDB – (1996), a Declaração de Sala- manca sobre Princípios, Política e Prática na área das Necessidades Educativas Especiais (1994) e a Declaração da Guatemala criada na Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as For- mas de Discriminação para Pessoa Portadora de Deficiência (1999), dentre outros. De acordo com Lodi (2013, p.165), a educação inclusiva, en- tende os processos educacionais inclusivos como “uma ação polí- tica, cultural, social e pedagógica, desencadeada pelo direito de to- dos os alunos de estarem juntos, aprendendo e participando, sem nenhum tipo de discriminação.” Em outras palavras, a proposta ressalta a importância da interação e troca entre alunos, a fim de aprenderem a partir de suas diferenças. Mazzota, citado por Lacerda (2014), nos diz que a nossa Po- lítica Nacional de Educação Especial numa perspectiva Inclusiva - PNEE, baseada na Declaração de Salamanca (1994), preconiza que todas as crianças com transtornos globais do desenvolvimento e com altas habilidades/superdotação em idade escolar devem ser introduzidas em sala de aula regular, entendendo que a heteroge- neidade propiciada pela diversidade desses sujeitos em sala de aula aconteça de forma a enriquecer o grupo. A história da Educação Especial deixa notórias as mudanças ocorridas no paradigma de atendimentos a tais alunos, que D e s a f i o s d a I n c l u s ã o E s c o l a r | 113 SUMÁRIO passaram pela fase de total exclusão em centros específicos. Garcia (1989, apud SILVA, 2009 p.26), nos esclarece que: Já no século XVII e XVIII, na forma de atrair a caridade, compra- vam-se nos asilos, crianças deficientes, que eram barbaramente mutiladas e abandonadas à sua sorte quando, com o avançar da idade, deixavam de ter utilidade. Ao longo do século XIX e da pri- meira metade do século XX os deficientes foram inseridos em ins- tituições marcadas por serem assistencialistas. Estas instituições eram construídas longe das povoações, onde as pessoas deficien- tes, afastadas de suas famílias e vizinhos, permaneceriam incomu- nicáveis e privadas de liberdade. O conceito de deficiência estático e permanente cedeu lu- gar a uma visão mais dinâmica e humanística da deficiência. Uma das consequências fundamentais da normalização é a integra- ção. A ideia é oferecer com o passar do tempo, a exclusão total, na qual a deficiência era considerada como algo estático e perma- nente, começou a ser questionada por segmentos sociais, surgindo à fase da Integração, nos anos de 1960, sob os fundamentos da Te- oria da Normalização. Nesta teoria, a deficiência era vista de forma mais dinâmica e humanista. Baseava-se na ideia de que às pessoas com deficiência deveriam ter condições de vida semelhantes à do resto da sociedade, tendo como principal princípio a socialização. No meio escolar, na década de 1970 em solo brasileiro, essa fase configurou-se com o ingresso daquelas pessoas nas esco- las comuns, porém em classes separadas e sem nenhum tipo de adaptação metodológica para atender as especificidades dosalu- nos. Na opinião de Rodrigues (2006), “a integração pressupõe uma ‘participação tutelada’, uma estrutura com valores próprios aos quais o aluno ‘integrado’ tem que se adaptar”. Em meados da década de 1990, com a Declaração de Sala- manca (1994), eclodiu um novo paradigma de atenção às pessoas L ú c i a d e A r a ú j o R a m o s M a r t i n s ( O r g . ) | 114 SUMÁRIO com deficiência, denominado de Inclusão. De acordo com Silva (2014, p.11) essa nova fase é concebida como: “aceitação das dife- renças individuais, a valorização de cada pessoa, a convivência dentro da diversidade humana e aprendizagem por meio da coo- peração”. Em relação à educação de surdos, especificamente, há algu- mas leis, que são reconhecidas pela comunidade surda como um marco de grande conquista especialmente a lei nº 10.436/ 2002. Estas leis dão orientações de como deve ser a formação dos pro- fessores, acessibilidade do surdo em geral, como se dará a educa- ção dos surdos de todos os níveis, etc. A aprovação da Lei Federal nº 10.436, de 24 de abril de 2002, que dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais, popular- mente conhecida como a Lei da Libras, define-a em seu Art. 1º, Pa- rágrafo Único, como “[…] a forma de comunicação e expressão, em que o sistema linguistico de natureza visual motora, comestrutura gramatical própria, constituemum sistema linguístico de trans- missão de ideias e fatos, oriundos de comunidades de pessoas sur- das do Brasil (BRASIL, 2002). A referida lei, além de reconhecer a Libras como meio de comunicação oficial da comunidade de pessoas surdas do país, ainda responsabiliza, obriga e determina a garantia de apoio para seu uso e difusão em empresas e concessionárias de serviços pú- blicos, além da implementação da disciplina de Libras em cursos de formação de Educação Especial, de Fonoaudiologia e de Magis- tério, em seus níveis médio e superior, tal como podemos apreciar nos artigos da Lei 10.436/2002: Art. 2o Deve ser garantido, por parte do poder público em geral e empresas concessionárias de serviços públicos, formas institucio- nalizadas de apoiar o uso e difusão da Língua Brasileira de Sinais - Libras como meio de comunicação objetiva e de utilização corrente das comunidades surdas do Brasil. D e s a f i o s d a I n c l u s ã o E s c o l a r | 115 SUMÁRIO Art. 3o As instituições públicas e empresas concessionárias de ser- viços públicos de assistência à saúde devem garantir atendimento e tratamento adequado aos portadores de deficiência auditiva, de acordo com as normas legais em vigor. Art. 4o O sistema educacional federal e os sistemas educacionais estaduais, municipais e do Distrito Federal devem garantir a inclu- são nos cursos de formação de Educação Especial, de Fonoaudio- logia e de Magistério, em seus níveis médio e superior, do ensino da Língua Brasileira de Sinais - Libras, como parte integrante dos Parâmetros Curriculares Nacionais - PCNs, conforme legislação vi- gente. Parágrafo único. A Língua Brasileira de Sinais - Libras não poderá substituir a modalidade escrita da língua portuguesa Posteriormente, a Lei 10.436/ 2002 foi regulamentada pelo Decreto nº 5.626, de 22 de dezembro de 2005, que trata com maior riqueza de detalhes da educação de surdos em todos os níveis de ensino e da formação de professores bilíngues, instrutores surdos e intérpretes de Libras. O capítulo III, Art. 4º e 5º do Decreto nº 5.626/2005, trata da formação do professor de libras e do instrutor de libras: Art. 4º A formação de docentes para o ensino de Libras nas séries finais do ensino fundamental, no ensino médio e na educação su- perior deve ser realizada em nível superior, em curso de gradua- ção de licenciatura plena em Letras: Libras ou em Letras: Li- bras/Língua Portuguesa como segunda língua. Parágrafo único. As pessoas surdas terão prioridade nos cursos de formação previstos no caput. Art. 5º A formação de docentes para o ensino de Libras na educa- ção infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental deve ser re- alizada em curso de Pedagogia ou curso normal superior, em que Libras e Língua Portuguesa escrita tenham constituído línguas de instrução, viabilizando a formação bilíngüe. L ú c i a d e A r a ú j o R a m o s M a r t i n s ( O r g . ) | 116 SUMÁRIO § 1º Admite-se como formação mínima de docentes para o ensino de Libras na educação infantil e nos anos iniciais do ensino funda- mental, a formação ofertada em nível médio na modalidade nor- mal, que viabilizar a formação bilíngüe, referida no caput. § 2º As pessoas surdas terão prioridade nos cursos de formação previstos no caput. Brasil (2005). De acordo com Lacerda (2014), em decorrência do referido decreto, várias iniciativas na área educacional para o ensino de pessoas com surdez foram criadas, entre elas: • Em 2006 iniciou-se a primeira turma do curso de gradua- ção na modalidade de ensino a distância – Letras/Libras – em nove polos espalhados por todo Brasil, ministrados por instituições de ensino superior públicas, federais e estadu- ais, sob a coordenação da Universidade Federal de Santa Ca- tarina. Trata-se de um curso de graduação que oferta dois tipos de formação: licenciatura e bacharelado. O primeiro é para formação de professores de Libras e o segundo para formação de intérpretes de língua de sinais. • Em 2008, foi oferecida a segunda turma desse curso em 15 pólos em todo pais. • Em 2009, foi criada a primeira turma do curso de graduação Letras/Libras de modalidade de ensino presencial na Uni- versidade Federal de Santa Catarina. Há também a Lei 12.319 de 10 de setembro 2010, que regu- lamenta a profissão dos TILS - tradutor/intérprete de Libras, dando orientações como deve ser a formação para os profissionais interpretes: • Define que “o tradutor e intérprete terá competência para realizar interpretação das 2 (duas) línguas de maneira si- multânea ou consecutiva e proficiência em tradução e inter- pretação da Libras e da Língua Portuguesa” (Art. 2º); D e s a f i o s d a I n c l u s ã o E s c o l a r | 117 SUMÁRIO • Trata da formação do profissional do TILS; • Delimita os campos de atuação do TILS; • Apresenta princípios éticos que devem respaldar as ações do TILS; • Permite a contratação dos TILS em nível federal; • Propulsionou a criação do cargo a nível estadual e munici- pal em inúmeras localidades. O artigo 4º, por sua vez, nos traz as seguintes orientações: Art. 4º- A formação profissional do tradutor e intérprete de Libras- Língua Portuguesa, em nível médio, deve ser realizada por meio de: I - cursos de educação profissional reconhecidos pelo Sistema que os credenciou; II - cursos de extensão universitária; e III - cursos de formação continuada promovidos por instituições de ensino superior e instituições credenciadas por Secretarias de Educação. Parágrafo único. A formação de tradutor e intérprete de Libras pode ser realizada por organizações da sociedade civil representa- tivas da comunidade surda, desde que o certificado seja convali- dado por uma das instituições referidas no inciso III. (BRASIL, 2010) Mais recentemente, temos a LBI - Lei Brasileira de Inclusão 13.146 de 6 de julho de 2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência), destinada a assegurar a pessoas com deficiência, direitos humanos universais como a vida, a saúde, a moradia e o trabalho, a partici- pação na vida pública, além de outros direitos, igualmente L ú c i a d e A r a ú j o R a m o s M a r t i n s ( O r g . ) | 118 SUMÁRIO relevantes, como os direitos à educação e à cultura, ao transporte e à mobilidade, assim como à comunicação e ao acesso à tecnolo- gia. No capítulo da Educação, a referida Lei trata, dentre muitos temas relevantes, da formação do intérprete. Discorre,também, sobre como devem ser aplicadas as provas, vestibulares e concur- sos: Art. 28. IV - Oferta de educação bilíngue, em Libras como primeira língua e na modalidade escrita da língua portuguesa como segunda língua, em escolas e classes bilíngues e em escolas inclusivas. VIII - Participação dos estudantes com deficiência e de suas famí- lias nas diversas instâncias de atuação da comunidade escolar. IX - Adoção de medidas de apoio que favoreçam o desenvolvi- mento dos aspectos linguísticos, culturais, vocacionais e profissio- nais, levando-se em conta o talento, a criatividade, as habilidades e os interesses do estudante com deficiência. Mesmo diante de todo este aparato de leis e decretos, que dão as orientações e subsídios legais, para uma atuação profissio- nal, estamos cientes que os alunos precisam de professores com- prometidos com a sua formação e autoformação contínuas. Neces- sitam de professores que dominem não apenas conteúdos técni- cos, mas que sejam conhecedores de si mesmos, e das peculiarida- des de seus alunos. Conscientes de que, em concordância com Silva (2014, p.12), [...] devemos nos especializar no aluno, independente da condição que ele esteja – não em sua deficiência. Acreditamos que, assim, estaremos contribuindo para uma escola, para uma sociedade, em que as diferenças não sejam apenas toleradas, mas ressignifica- das e celebradas. D e s a f i o s d a I n c l u s ã o E s c o l a r | 119 SUMÁRIO Trabalhemos, portanto, para que essa escola e sociedade che- guem a se estabelecer um dia. Pois é notório que há uma lacuna existente entre a formação inicial dos profissionais de educação e a exigência de uma formação continuada com conhecimentos es- pecíficos no campo, para fins do nosso estudo, no campo da surdez. Entendemos que o ofício de ensinar, juntamente com os edu- candos, reivindicam mais conhecimentos por parte do professor, uma vez que, na perspectiva de uma educação voltada para a di- versidade, cada aluno deve ser visto em sua individualidade, com seu perfil, dificuldade e potencialidades e, que o ato de ensinar vai muito além do que transmitir conhecimentos. Como nos ensinava Freire (2002, p.13), “Ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua cons- trução”. Quando falamos de formar, ensinar e educar estamos transi- tando numa esfera humanística, onde consideramos como ganho, cada avanço e desenvolvimento dos alunos com e sem sur- dez. Desde a sua interação social com os seus pares e com os pro- fessores, na aquisição da aprendizagem de regras de convivência, no desenvolvimento de fatores sócio emocionais, entre outros. Muitos professores têm buscado conhecer mais sobre como ensinar e como seus alunos surdos aprendem, por meio da auto- formação. Referimo-nos aqui, a profissionais que mesmo com pouco investimento financeiro em estrutura escolar, material di- dático e capacitação por parte dos governos ou empresários donos de escolas, buscam desempenhar um trabalho comprometido com a aprendizagem do seu alunado com e sem surdez. Referimo-nos, também, àqueles professores formados em uma determinada área, por exemplo, Letras, mas que pela força das circunstâncias se vêem alfabetizando crianças, sem ao menos entenderem o conceito e os processos da alfabetização. Muitos L ú c i a d e A r a ú j o R a m o s M a r t i n s ( O r g . ) | 120 SUMÁRIO desses professores aprenderam a buscar conhecimentos específi- cos e aliá-lo aos saberes já existentes e a sua criatividade, mos- trando-se, assim, um ser ativo de seu próprio processo de conheci- mento, formando-se continuamente. Teixeira, Silva e Lima (2010, p. 6) afirmam que a autoforma- ção é: Processo permanente de desenvolvimento docente que se reflete diretamente na maneira de como o professor constrói a sua reali- dade profissional, transformando a si mesmo, no bojo das ativida- des concretizadas na cotidianidade da prática pedagógica. Segundo Sanches (2010), existe a heteroformação que é o processo de formação que vem de fora do sujeito; e a autoforma- ção que é o processo de formação que é elaborado pelo próprio su- jeito na interação com o mundo e com os outros. À exemplo, cita- mos a experiência da primeira autora desse capítulo, como profes- sora licenciada em Letras, que se viu na iminência de alfabetizar uma criança surda. A autoformação não é, e nem pode ser concebida como um processo isolado. A autoformação se concebe quando o profissio- nal se apropria de conteúdos formativos ligados à área em que ele mesmo se encontra inserido, de modo a contribuir para o aperfei- çoamento de suas habilidades. No caso do exemplo, transitou-se de uma área de formação – Letras, para outra área de certa forma desconhecida – a Alfabetização. Contudo em uma situação que faz parte do seu cotidiano que é o envolvimento direto como mãe de uma criança surda. Em nosso parecer, em concordância com Castro e Carvalho (2001), algo que veio favorecer o questionamento sobre si mesmo, sobre a escola e a sociedade, permitindo o redimensio- namento de sua relação com a realidade vivida. No dizer de Galvani (2002, p.2), a autoformação “[...] é um componente da formação considerada como um processo tripolar, D e s a f i o s d a I n c l u s ã o E s c o l a r | 121 SUMÁRIO pilotado por três pólos principais: Si (autoformação), os outros (heteroformação), as coisas (ecoformação).” É um modelo de aprendizagem onde o aprendiz se torna responsável e autor de seu próprio processo de formação, onde ele assume um lugar central no seu processo formativo, se engajando numa busca contínua pelo conhecimento. Tal como Freire (2002, p.17), nos fala sobre esta busca de conhecimentos no próprio ato de ensinar e de pesquisar: Enquanto ensino, continuo buscando, reprocurando. Ensino por- que busco, porque indaguei, porque indago e me indago. Pesquiso para constatar, constatando, intervenho, intervindo educo e me educo. Pesquiso para conhecer o que ainda não conheço e comuni- car ou anunciar a novidade. Contudo, mesmo se tratando do modelo de aprendizado autoformativo, que parte do “eu”, ainda assim o profissional ao fi- nal do seu processo formativo terá influências dos meios externos, tais como da cultura, família, educação, o meio ambiente em que vive ou, até mesmo ao clima em que vive exposto, etc. Logo, isso envolve também, a eco e heteroformação ressaltadas por Galvani (2002): A autoformação é um processo paradoxal que se alimenta de suas dependências. Ela é constituída pela tomada de consciência e de retroação sobre as influências heteroformativas e ecoformativas. Assim, a autoformação ultrapassa, integrando-os, os limites da educação entendida transmissão aquisição de saberes e de com- portamentos (GALVANI, 2002, p. 3) Para Dumazedier (2004), autoformação é reforço do desejo e da vontade dos sujeitos de regular, orientar e gerir cada vez mais eles próprios o seu processo educativo. É quando o sujeito toma às rédeas de seu próprio desenvolvimento educacional. Cor- robora-se com Sanches (2010, p.113), quando este esclarece que: L ú c i a d e A r a ú j o R a m o s M a r t i n s ( O r g . ) | 122 SUMÁRIO A autoformação é a conscientização do caminhar para si e com o outro, num ato de partilhas de significados consigo mesmo e com o grupo. O aprendente é um caminhante, que caminha con- sigo mesmo, mas também acompanhado. Para nós, a autoformação é um processo contínuo e perma- nente de buscas constantes e atualizações sobre o autoconheci- mento, que é o conhecimento de si, relacionado à autoformação, ao heteroconhecimento que está relacionado aos outros, relacionado à heteroformação. E o reconhecimento que está relacionado ao am- biente que lhe envolve, ligado a ecoformação. Portanto,entende-se que, para que haja uma prática cons- ciente no campo da autoformação, o indivíduo deve buscar o auto- conhecimento, utilizando todas as ferramentas disponíveis para tal, por exemplo: a escrita de si, relatos autobiográficos acrescidos de um tempo de reflexão sobre cada situação elencada e apresen- tada. Que utilize as perguntas autorreflexivas, tais como me tornei quem sou? Por que exerço esse tipo de prática em minhas ações di- árias?. A fim de tomar consciência da própria história e estar apto a inferir nas histórias de seus alunos. A autoformação nunca termina, pois o indivíduo autônomo, e consciente da importância do aprendizado, nunca deixa de bus- car o conhecimento através da formação continuada, fazendo uso de cursos on line, leituras de livros, participações em congressos e eventos, entre outros meios. Enquanto educadores e formadores, urge a latente necessi- dade de se entender nosso próprio processo de formação. Finger e Nóvoa (2010) alertam que, sem antes ter procurado compreender o nosso próprio processo de formação, dificilmente pode-se pre- tender interferir na formação dos outros. Tardif (2002) aponta saberes que são estruturais na forma- ção e atuação docente: Teórico, técnico e prático. Os conhecimen- tos teóricos e técnicos são alcançados ao longo da formação inicial D e s a f i o s d a I n c l u s ã o E s c o l a r | 123 SUMÁRIO e continuada. Porém, o conhecimento prático é adquirido en- quanto se caminha, no dia a dia da ação docente e na reflexão crí- tica que pode ser alcançado através do exercício do autoconheci- mento. Levando isto a termo, na sessão seguinte discorreremos so- bre o fazer-se professora alfabetizadora bilíngue na ação e reflexão crítica do ser mãe e alfabetizadora numa sociedade em que a pes- soa surda ainda é instigada a viver segregada em decorrência do predomínio de uma única forma de linguagem. A PESQUISA Para a realização de nossa pesquisa de mestrado1, e por sua natureza, optamos pela pesquisa do tipo Narrativa Autobiográfica, numa modalidade qualitativa (NÓVOA e FINGER, 2010); (PASSEGI, 2010); (PINEAU, 2010); (SOUZA e CORDEIRO, 2010); (DELORY- MOMBERGER, 2014), pois ela privilegia as escritas de si para o es- tudo das relações que se estabelecem entre a experiência, o pro- cesso de formação e de atuação docente (MARIE-CHRISTINE JOSSO, 2004). As investigações sobre as escritas de si se desenvolvem se- gundo dois eixos (PASSEGGI, 2010): Ato de narrar e Narrativas au- tobiográficas, tal como representados no esquema, a seguir: 1A pesquisa “Entre a casa e a escola: percurso autoformativo como alfabetizadora bilingue de criança surda – um estudo autobiográfico”, de Elizabete Siqueira Ri- beiro, foi submetida ao comitê de ética em pesquisa do hospital universitário Ono- fre Lopes, por se tratar de uma pesquisa envolvendo seres humanos, e aprovada em 31/01/2019, sob o registro CAAE: 05219218.5.0000.5292. L ú c i a d e A r a ú j o R a m o s M a r t i n s ( O r g . ) | 124 SUMÁRIO Como é possível observar, o Primeiro Eixo - focaliza o ato de narrar como um dispositivo de formação e compreende dois dire- cionamentos: o da formação do adulto e o da formação do forma- dor. No primeiro direcionamento se investiga as atividades autore- flexivas e suas repercussões nos processos de formação e inserção na vida profissional e, no segundo direcionamento, a mediação bi- ográfica como prática que implica a formação de formadores para o acompanhamento das escritas de si. Segundo Eixo - considera as narrativas autobiográficas como método de investigação e compreende, por sua vez, dois di- recionamentos: o estudo da constituição e da análise de fontes (auto)biográficas e o estudo das tradições discursivas referentes aos diferentes modos de autobiografar. D e s a f i o s d a I n c l u s ã o E s c o l a r | 125 SUMÁRIO O objetivo desse eixo é depreender das trajetórias de vida aspectos históricos, sociais, cognitivos, multi(inter)culturais, insti- tucionais da formação e da profissionalização docente. Os dois eixos permitem o aprofundamento da perspectiva teórico-metodológica da pesquisa (auto)biográfica que dá sequên- cia ao movimento das histórias de vida em formação, inaugurado pelos pioneiros Gaston Pineau, no Canadá, BernadetteCourtois e Guy Bonvalot, na França, Marie-Christine Josso e Pierre Dominicé, na Suíça, Guy de Villers, na Bélgica, António Nóvoa, em Portugal e Passegi, no Brasil - UFRN. Para responder ao problema de pesquisa levantado: Em quais aspectos uma experiência de alfabetização bilíngue não esco- lar informal poderia contribuir para discutir o processo de letra- mento de pessoas surdas? Traçamos como objetivo geral: Analisar o processo auto formativo do tornar-se professora alfabetizadora bi- língue de criança surda, em contexto não escolar informal e formal. E, como objetivos específicos: Identificar nas narrativas da autora dimensões do seu processo autoformativo; Descrever as dimen- sões do processo autoformativo da autora, nos campos da alfabe- tização e do letramento bilíngue de uma criança surda, ocorrida em contextos não escolar informal e formal; Indicar aspectos das ações didáticas do contexto não escolar informal que poderão con- tribuir para discutir o processo de letramento de crianças surdas em contexto formal. Para o alcance dos objetivos procedemos na pesquisa, para efeitos didáticos, da seguinte forma: a) Pesquisa documental - em documentos legais internacio- nais, nacionais e locais sobre educação de surdos e em al- guns registros selecionados, das ações didáticas de alfabe- tização e letramento desenvolvidas no período 2012 a 2019, com meu filho surdo. L ú c i a d e A r a ú j o R a m o s M a r t i n s ( O r g . ) | 126 SUMÁRIO b) A escrita de si mesmo - a narrativa do processo autoforma- tivo a partir das duas questões propostas por Josso (1988): Como me tornei no que sou? Como tenho as ideias que te- nho? Tais escritas foram organizadas considerando os seguintes passos: 1) Registro das memórias do processo autoformativo - a partir do desenvolvimento do processo de alfabetização e letra- mento da criança surda, num diário de bordo, ordenando-as por área e por ano, bem como as informações sobre o cotidiano pessoal ligado aos eventos vividos; 2) Revisão da narrativa autobiográfica de forma a alterar e/ou complementar; 3) Análise dos dados por agrupamento de categorias (JOSSO, 1988) e 4) Cruzamento dos da- dos obtidos, para identificação de dimensões constitutivas da expe- riência não formal, na tentativa de responder à questão proposta. Esses procedimentos, essencialmente indutivos, culminaram na construção de categorias ou tipologias que foram delimitadas de forma progressiva, iniciando de modo mais abrangente sobre alfa- betização bilíngue formal e não formal e autoformação. Sequencial- mente formulamos questões analíticas, aprofundando as temáticas com o resultado dos achados na pesquisa bibliográfica e documen- tal, a testagem de ideias, o uso extensivo de comentários, observa- ções e especulações que forem surgindo ao longo da escrita das nar- rativas. O lócus investigativo, a casa da primeira autora desse capí- tulo, foi o campo inicial alfabetizador da criança surda. Como sujei- tos da pesquisa, compreendidos como o resultado das relações in- terpessoais e sociais, da negociação e da produção dos sentidos partilhados entre si, a própria pesquisadora e o filho com surdez. A pesquisadora como autora e tutora direta das ações alfabetiza- doras, uma vez que as elaborou e desenvolveu. D e s a f i o s d a I n c l u s ã o E s c o l a r | 127 SUMÁRIO Logo, a pessoa que sofre a ação transformadora da autofor- mação provocada pelo outro sujeito (o filho surdo), ao qual se des- tina a ação alfabetizadora. Ambos complementando-se, provo-cando transformações mútuas, afetando-se, respondendo constan- temente às perguntas: De quê? Para quê?De quem?Para quem? Em quem?; entre outras que constituem a dor e o prazer do saber, do conhecer, do dar sentido a existência, da descoberta do outro dife- rente de si na apreensão do mundo. O critério de inclusão das narrativas foi a consideração de al- gumas das ações desenvolvidas, selecionadas e devidamente regis- tradas durante oito anos, no período de 2012 a 2019. E os critérios de exclusão: Qualquer material produzido fora desse período. Na coleta dos dados foi utilizada a Autoentrevista narrativa autobiográfica desenvolvida em três fases: 1ª fase-Narrativa auto- biográfica inicial; 2ª fase - O pesquisador-entrevistador inicia ex- plorando o potencial narrativo que foi cortado na fase inicial em fragmentos e foram resumidos supondo-se não serem importantes ou por se tratarem de situações dolorosas estigmatizadoras; e 3ª fase - Consiste, por um lado, no incentivo a descrição abstrata de situações, percursos e contextos sistemáticos que se repetem Wel- ler (2010). Nesse caminho traçado compreende-se a surdez como “[...] uma construção histórica e social, efeito de conflitos sociais, anco- rada em práticas de significação e de representações compartilha- das entre os surdos” (MCLAREN, 1995 apud SKLIAR, 1998, p.13). Para fundamentar as narrativas da experiência trouxemos à luz da discussão, as temáticas nela contidas, apoiada em seus res- pectivos autores: • Pesquisa autobiográfica: (NÓVOA e FINGER, 2010); (PASSEGI, 2010); (PINEAU, 2010); (SOUZA e COR- DEIRO, 2010); (DELORY-MOMBERGER, 2014) L ú c i a d e A r a ú j o R a m o s M a r t i n s ( O r g . ) | 128 SUMÁRIO • Formação de professores: (PERRENOUD, 1999, 2001); (NÓVOA,1992; 2009); (TARDIF, 2002); (TRILLA e GHANEM, 2008); (TARDIF E LESSARD,2002;2008) (FREIRE,1992), (GAUTHIER, 1998), (GARCIA,1999), (IBERNÓN,2002). • Aprendizagem, desenvolvimento, bilinguismo e surdez: (VYGOTSKY,1991, 1998); (CAPOVILLA,2004); (QUA- DROS,2000;2007); (SKLIAR,1998;2001) • Alfabetização e letramento:(SOARES,2007); (FER- REIRO,1985; 1993; 2016). A análise dos dados deu-se por agrupamento de categorias (JOSSO, 1988) e seu cruzamento, para identificação de dimensões constitutivas da experiência não formal, na tentativa de responder à questão proposta: Em quais aspectos uma experiência de alfabe- tização bilíngue não escolar informal poderá contribuir para a (auto)formação e para a inclusão social e escolar de estudantes surdos? O desenvolvimento do discurso analítico está dado pela relação dialética entre o socioestrutural (aquilo que é dado pelo contexto social onde a vida dos sujeitos é desenvolvida) e o socio- simbólico (o mundo vivido por esses mesmos sujeitos). Para fins desse capítulo, portanto, apresentaremos os resul- tados concernentes ao segundo objetivo traçado em nosso estudo: “Descrever as dimensões do processo autoformativo da autora, nos campos da alfabetização e do letramento bilíngue de uma cri- ança surda, ocorrida em contextos não escolar informal e formal”. DAS DIMENSÕES REVELADAS NO PROCESSO Podemos afirmar que escrever e analisar a própria experiên- cia de vida como alfabetizadora bilingue, quer no espaço formal de ensino, quer dentro de casa, assim como em diferentes espaços D e s a f i o s d a I n c l u s ã o E s c o l a r | 129 SUMÁRIO sociais, nos fez apreender a existência e o porquê de dimensões antes desapercebidas: a dimensão política e a dimensão pedagó- gica, sobre as quais trataremosa seguir. As dimensões política e pe- dagógica falaram mais alto na tessitura da trajetória narrada, quando da escrita do trabalho dissertativo. Esta última, sendo construída na autoformação, enquanto professora alfabetizadora bilíngue de uma criança surda. a) A dimensão política Sobre a dimensão política podemos afirmar a percepção da ação do poder central sobre àqueles que historicamente vêm so- frendo o espólio de ser o ‘que’ é ‘como’ é, e de ser considerado como cidadão de direitos. As leis existentes, embora sejam antidis- criminação e advoguem ações afirmativas, parecem retratar um poder autoritário que não enxerga às necessidades e prioridades daqueles considerados “minorias”, deixando-os a mercê de si mes- mos e/ou de suas famílias na busca cotidiana em se fazer cumprir o que está posto nos textos das leis. Assim como no que deveria ser oferecido nas escolas. O que nos faz entender a opressão existente, também, na dimensão pedagógica, que não deixa de ter seu caráter político, uma vez que a educação não é neutra. Percebemos, ainda, a dimensão política fundida em nossa atitude de mãe, de mulher e cidadã em busca de fazer valer os di- reitos prescritos na legislação brasileira - Constituição Federal – CF, 1988; Lei de Diretrizes e Bases da Educação - LDB, 1996; Lei Brasileira de Inclusão - LBI, 2015 -, quanto à matrícula do meu filho numa escola comum; quanto aos serviços de atendimento educaci- onal especializado (CF Art. 208 – item III; LDB, Art. 4 – item III); quanto à participação e aprendizagem em todo o processo de en- sino, “[...] por meio da oferta de serviços e de recursos de L ú c i a d e A r a ú j o R a m o s M a r t i n s ( O r g . ) | 130 SUMÁRIO acessibilidade que eliminem as barreiras e promovam a inclusão plena” (LBI, 2015, Art. 28 – item II), em sendo tratado em “igual- dade de condições para o acesso e permanência na escola” (CF, 1988 - Art. 206 – item I), “[...] de forma a alcançar o máximo desen- volvimento possível de seus talentos e habilidades físicas, sensori- ais, intelectuais e sociais, segundo suas características, interesses e necessidades de aprendizagem” (LBI, 2015 – Art. 27), e, o direito de dispor de um intérprete e tradutor de Libras. Esta dimensão política se faz perceber ao longo da minha narrativa de vida, nas afirmações, nas atitudes, através do meu po- sicionamento humano diante de uma circunstância singular, pes- soal e intransferível. Na autoconstrução da minha própria identi- dade militante, na luta pelos direitos e contra a exclusão. Depreende-se esta dimensão por concordar que a educação é um ato político, ideológico e emancipador, que firma compromis- sos com o futuro, de formação do aluno de modo integral. Freire (1987) afirma que, não existe um processo de educação neutra. Educamos com propósito de luta pela liberdade; de luta para que leis sejam, de fato, cumpridas; pelo direito a igualdade de condi- ções; para que o educando com deficiência tenha os mesmos direi- tos que qualquer outro aluno, pela luta contra o preconceito au- dista2. Em nossa narrativa, a dimensão política é expressa em dife- rentes momentos: - quando optamos pela luta diante da dor e do sofrimento. Utilizo-me da narrativa autobiográfica como um instrumento de reflexão para a reinvenção de mim mesma; - ao tomarmos a decisão de parar o uso do anticoncepcional, com o intuito de ser mãe. 2Audismo é a forma de dominação dos ouvintes, reestruturando e exercendo a au- toridade sobre a comunidade surda (Lane 1992, p.52). D e s a f i o s d a I n c l u s ã o E s c o l a r | 131 SUMÁRIO - na decisão, diante de um laudo de surdez de um filho, em optar pelo aprendizado de um novo idioma, com modalidade visuo-espa- cial. Aprendi buscando informações sobre a deficiência, procurei por novas terapias fonoaudiológicas, novos remédios, novas espe- cialidades. Resistimos a uma sociedade preconceituosa que só en- xergava mais um laudo, mais uma deficiência, enquanto eu lutava pelos direitos do ser humano-filho. - quando resolvemos abrir mão de tudo, vendendo todos os meus bens e, partirmos para outro lugar, até então desconhecido, a fim de conseguir melhores tratamentos para nosso filho, optando pelo implante coclear. Essa decisão provocou um choque cultural entrea comuni- dade surda, com sua visão socioantropológica e a comunidade mé- dica, com sua visão clínica. Sobre esta perspectiva médica, Lane (1992) cita a frase de um médico audista, referindo-se aos trata- mentos, implantes cocleares, terapias orais de fala, que deveriam ser impostos a comunidade surda a qualquer preço, com o objetivo de combater esta enfermidade trágica: Os surdos acreditam que são iguais em todos os aspectos. Devemos ser generosos e não destruir essa ilusão. Mas, independente da- quilo em que acreditam, a surdez é uma enfermidade e devemos curá-la, independente de perturbar ou não a pessoa que dela sofre. (LANE 1992, p.191) Para a comunidade surda ver uma criança ser implantada é como imolar uma identidade a custo da normalização. Lane (1992) fala sobre a visão que a comunidade surda tem de si mesma, como minoria linguística: Essas pessoas consideram-se essencialmente visuais, com uma lin- guagem visual, uma organização social, uma história e valores mo- rais que lhes são próprios, ou seja, essas pessoas têm a sua própria L ú c i a d e A r a ú j o R a m o s M a r t i n s ( O r g . ) | 132 SUMÁRIO maneira de ser e possuem uma linguagem e culturas próprias. (LANE 1992, p.21) O destino de uma criança surda, o meu filho, aguardava no impasse entre duas fortes correntes filosóficas. Aqui vemos forte- mente expressa, a dimensão política, desta feita manifestada pela força da comunidade surda a lutar pela defesa e conservação dos fortes traços identitários que caracterizam os surdos; linguagem visual gestual e ausência de audição. E, era justamente isso que se- ria alterado com a minha decisão pelo implante coclear de João. Essa atitude, que hoje considero que foi uma péssima escolha, me estigmatizou, diante da comunidade surda por um longo tempo, muitos surdos ressentidos, ficaram sem falar comigo. Por outro lado, fui severamente advertida pela comunidade médica para que não sinalizasse com meu filho. Caso ele fizesse qualquer sinal pedindo comida, água, biscoito. A ordem era ignorar completamente. Meu posicionamento enquanto mãe foi o de, a cada sinal que ele fazia eu oralizava a palavra e atendia ao pedido dele. E si- nalizava para falar com ele sempre dando ênfase nos lábios para que ele pudesse perceber as palavras de modo oral. Dentre duas concepções opostas, tive que criar um terceiro caminho a seguir: o de nunca ignorar a comunicação com meu fi- lho, preservando-a seja ela por sinais, pela oralidade, gestual, es- crita ou apenas com expressões faciais. O posicionamento político também se exterioriza no que é narrado na página 78, quando da decisão de ir para a escola co- mum como voluntária para mediar o processo educativo de João Pedro interpretando, no ano de 2012, devida a ausência de profis- sionais intérpretes na escola. Aqui já não era somente uma resis- tência, mas um ato de luta para garantir o direito de João Pedro assistir as aulas e entender o conteúdo dado; Quando da matricula de João Pedro no Centro de Atendimento ao Surdo – CAS significou D e s a f i o s d a I n c l u s ã o E s c o l a r | 133 SUMÁRIO uma imersão na comunidade surda, pois, ali ele estudava e eu fazia cursos, tínhamos contatos diários com outros alunos e professores surdos. E, para minha alegria mais tarde fui contratada como pro- fessora, para ensinar Libras na classe das mães de surdos. Nesse ambiente pude aprender e compartilhar o que recebi. Quando em 2013, diante da impossibilidade de João Pedro prosseguir o ano letivo na escola, por falta de profissionais e por questões de inflexibilidade da direção, tomei as rédeas da educa- ção de João Pedro em casa; Em 2015, novamente como interprete voluntária fui acompanhar meu filho em sala de aula, ajudando na adaptação de materiais, no ensino de libras para as crianças e me- diando a interação em Libras entre João Pedro e os alunos da turma. No ano de 2016 fui novamente para a escola como voluntá- ria intérprete, pela ausência do profissional nas escolas da rede pú- blica. Não havia naquela escola uma professora regente para classe, as crianças ficaram três meses sem aulas. A estrutura física da sala era comprometida, havia várias goteiras, não tinha ventila- dor e depois enfrentamos um período de greve. Procurei o minis- tério público e fiz a denúncia das péssimas condições estruturais, e falta de profissionais na escola na tentativa de acelerar o envio de uma professora para o local. Mas, não fui ouvida o poder público que ignorou todos os meus pedidos. A dimensão política aqui se apresenta na perspectiva da de- nuncia. É percebida em função de uma luta pelos direitos da mu- lher como mãe de um filho como pessoa com condição singular. Da falta de cumprimento das leis pelas autoridades e a exigência para que os direitos sejam satisfeitos. A militância se efetivou nas par- ticipações em campanhas pelas redes sociais com propósito de mo- bilização das autoridades, a fim de que contratassem intérpretes para os alunos surdos da rede pública no ano de 2014. No apoio às L ú c i a d e A r a ú j o R a m o s M a r t i n s ( O r g . ) | 134 SUMÁRIO greves dos profissionais da educação por melhores remunerações e condições de trabalho no ano de 2015, participando de passeatas junto com os alunos surdos, em apoio aos professores. É importante dizer que a exclusão implícita se expressa es- condida, no cotidiano e a gente naturaliza, absorve achando que não há como fazer nada. Destarte, devemos nos posicionar politi- camente, militando, para superarmos as barreiras impostas pelos opressores, para nos livrarmos dessa exclusão que nos algema ao medo, e que impede o acesso das minorias ao conhecimento. Freire (1997) nos alerta sobre como deve ser esta superação: que seja para o surgimento do homem novo – não mais opressor, não mais oprimido, mas homem libertando-se. É perceptível a ação do poder central sobre àqueles que his- toricamente vêm sofrendo o espólio de ser o ‘que’ e ‘como’ é, e de ser considerado como cidadão de direitos. As leis existentes, em- bora sejam antidiscriminação e advoguem ações afirmativas, pare- cem retratar um poder autoritário que não enxerga às necessida- des e prioridades daqueles considerados “minorias”, deixando-os a mercê de si mesmos e/ou de suas famílias na busca cotidiana em se fazer cumprir o que está posto nos textos das leis. Freire (1997) afirma que: Lavar as mãos do conflito entre os poderosos e os im- potentes significa ficar do lado dos poderosos, não ser neutro. O educador tem o dever de não ser neutro. A militância que teve início por uma causa particular, a do meu filho surdo, se transformou, através da empatia por um grupo minoritário, o dos surdos, numa causa pública. Perceber que este grupo sofre por ter seus direitos negados, fez com que eu me posi- cionasse militantemente diante das autoridades, diante das exclu- sões, e diante das leis que apesar de existirem não são cumpridas. D e s a f i o s d a I n c l u s ã o E s c o l a r | 135 SUMÁRIO b) A Dimensão Pedagógica Na dimensão pedagógica percebemos o caráter de opressão que se estabelece, por exemplo, no contexto formal de ensino de várias escolas pelas quais João Pedro passou, quer seja pela nega- ção de sua cultura surda, de sua língua como fator de aprendiza- gem e de comunicação com o outro; quer seja no currículo escolar, na prática pedagógica e avaliações desenvolvidas, que desconside- ram o nível de aprendizagem, a necessidade de reorganização e fle- xibilização dos conteúdos, a visualidade como meio propício a aprendizagem por quem é surdo. Assim como a dizer à criança surda: aqui não é o seu lugar! Negação essa que tem impedido a pessoa surda de participar plenamente da elaboração social, de ser reconhecida como ser de potencialidades para a aprendizageme produtivo na sociedade. Acreditamos que em virtude de concepções marcadas pela igno- rância, pelo desconhecimento científico sobre a surdez, suas cau- sas e suas implicações, tal como professado por uma senhora de uma religião de origem oriental, ao colocar, citando a fala de seu dirigente espiritual que, a surdez era o “resultado de mulheres que, no período da gestação, se negam a ouvir a sogra, ou alguém pró- ximo, com quem ela tenha inimizade”. Concepções e atitudes que tem o poder de neutralizar o “ser”, o “eu” de quem, por alguma razão, não corresponde ao modelo de ser humano socio culturalmente construído e sedimentado pelo grupo social dominante, permitindo como consequência, a desper- sonalização ou coisificação de quem é diferente (BOAVENTURA SANTOS, 2006). Não lutar contra esse tipo de percepção seria uma temeri- dade! Daí as idas e vindas à secretaria de educação e ao ministério público com vistas a fazer valer os direitos assegurados L ú c i a d e A r a ú j o R a m o s M a r t i n s ( O r g . ) | 136 SUMÁRIO constitucionalmente ao meu filho e demais pessoas em sua condi- ção de surdez. Entendemos, assim como posto no Relatório Mundial sobre Deficiência – RMD (2012), que é necessária uma mudança sistê- mica para remover barreiras e fornecer instalações e serviços de apoio razoáveis e garantir que crianças com surdez não sejam ex- cluídas do sistema educacional comum em razão de sua forma pe- culiar de comunicação. Pois, [...] para as crianças com deficiência, como para todas as crianças, a educação é vital em si mesma, mas também instrumental para sua participação na empregabilidade e outras áreas da atividade social. Em algumas culturas, frequentar a escola é parte da forma- ção de uma pessoa completa. As relações sociais podem mudar o status das pessoas com deficiência na sociedade e afirmar seus di- reitos. Para as crianças sem deficiências, o contato com crianças com deficiência num cenário inclusivo pode, a longo prazo, aumen- tar a familiaridade e reduzir o preconceito.(RELATÓRIO MUNDIAL SOBRE DEFICIÊNCIA, 2012, p. 213) A dimensão pedagógica das ações empreendidas no contexto informal também se revela na criação da metodologia que nomea- mos como ‘alfabetização bilíngue de criança surda em tempo real’. Metodologia que presa pelo ensino bilíngue utilizando as experi- ências da rotina de uma família. Trabalha-se com o que tem em casa. Planeja-se a partir dos passeios rotineiros ou extras. Criam- se atividades baseadas em experiências futuras ou passadas expe- renciadas pela criança. Utiliza-se a família como personagens para criação de histórias, ou como destinatários de nossas correspon- dências. Avaliamos a aprendizagem da criança de acordo com seu empenho, interação e participação nas atividades. Revela-se na busca cotidiana por informações teóricas e prá- ticas em livros especializados na temática da surdez e da alfabeti- zação, em vídeos, nas aulas de libras. Nas estratégias de ensino, nos D e s a f i o s d a I n c l u s ã o E s c o l a r | 137 SUMÁRIO materiais didáticos adaptados confeccionados e utilizados nas au- las diárias; no aproveitamento de situações do cotidiano para en- sinar meu filho a ler, a escrever, a se comunicar. Nas atividades propostas e, também, na postura pedagógica assumida nos mo- mentos em que assumíamos a nossa casa como uma sala de aula. A dimensão pedagógica é concebida neste trabalho no uso de metodologias visuais, que foram sendo criadas para estimular a memória visual de João Pedro, que representa a base para o letra- mento e alfabetização de surdos. Seria inútil, incluir palavras alea- tórias sem um contexto e significado especial, pois o aluno surdo teria dificuldade em organizar a palavra com a sequência correta de letras quando precisasse escrever. Logo, a rotulação de ambien- tes e objetos de dentro de casa foi feita, a fim de que ele entendesse o conceito que as palavras da língua portuguesa contêm, além de saber que tudo possuía um sinal em Libras. Cada vez que ele tinha vontade de comer uma banana, ele visualizava colado na fruteira a palavra: FRUTEIRA e uma lista ao lado com figuras e nomes em português e sinal em Libras de cada fruta. A fim de trabalhar o sig- nificado e significante das palavras dentro da rotina. Trabalhamos na contação de histórias para João Pedro, a aquisição de vocabulário em L2 – Língua Portuguesa, e entendi- mento dos conceitos as palavras da história continha. Quanto mais ele gostava da história, mais as palavras contidas no livro lhe fa- ziam sentido e melhor ele memorizava e depois conseguia rees- crevê-las. João Pedro Passou a criar suas próprias revistas em qua- drinhos, fazendo uso das palavras que ele já sabia e aprendendo novas palavras, que ele encaixava na narrativa dos personagens que ele mesmo havia criado. As palavras eram adaptadas às expe- riências dele de mundo, a sua cultura e modo peculiar de encarar a vida de modo visual. L ú c i a d e A r a ú j o R a m o s M a r t i n s ( O r g . ) | 138 SUMÁRIO Utilizamos a pedagogia visual, na criação de atividades inte- ressantes, coloridas, significativas, por vezes construídas em EVA, cartolina, dobraduras, massa de modelar, tudo a fim de que lhe o interesse pelo saber lhe fosse despertado. Pelos inúmeros planeja- mentos de aula, e replanejamentos além de adaptações dos conte- údos para ministrar aulas para João. Ainda visualizamos a dimensão pedagógica de nossa autofor- mação, na criação do método: “Letramento bilíngue de criança surda em tempo real.” Que usa objetos, ambientes, passeios, con- versas com a família como textos, fatos do dia a dia de uso comum da criança para letrá-lo. CONSIDERAÇÕES FINAIS Consideramos, com o estudo realizado durante a pesquisa, assim como por meio dos dados aqui apresentados que: • Para a ocorrência de uma prática consciente no campo da autoformação, o indivíduo deve buscar o autoconheci- mento, utilizando todas as ferramentas disponíveis para tal, por exemplo: a escrita de si, relatos autobiográficos acres- cidos de um tempo de reflexão sobre cada situação elencada e apresentada. Que utilize as perguntas autorreflexivas, tais como me tornei quem sou?, porque exerço esse tipo de prá- tica em minhas ações diárias?. A fim de tomar consciência da própria história e estar apto a inferir nas histórias de seus alunos. • A autoformação nunca termina, pois o indivíduo autônomo, e consciente da importância do aprendizado, nunca deixa de buscar o conhecimento através da formação continuada, fazendo uso de cursos on line, leituras de livros, participa- ções em congressos e eventos, entre outros meios. D e s a f i o s d a I n c l u s ã o E s c o l a r | 139 SUMÁRIO • A inexistência de escolas ou centros de formação específi- cos para professores de surdos os conduziram assumir a responsabilidade por sua formação e autoformação no de- correr da história da educação de pessoas surdas; • Alunos surdos, assim como os demais, precisam de profes- sores comprometidos com a sua formação e autoformação contínuas de modo que possam obter o domínio não apenas de conteúdos técnicos, mas que sejam conhecedores de si mesmos, e das peculiaridades de seus alunos; • A autoformação pode apresentar dimensões sobre as quais não se tem clareza durante o processo autoformativo. O tornar-se professora alfabetizadora bilíngue por força das circunstâncias, fazendo do espaço familiar o local de aprendiza- gens próprias do contexto formal de ensino trouxe-nos, por meio de narrativas descritas da realidade vivenciada, a percepção clara de dimensões que foram se constituindo nas relações estabeleci- das como mulher, mãe, alfabetizadora em autoformação e cidadã, na luta diária por educação escolar de qualidade para o seu filho surdo, considerado “diferente” por sua condiçãode surdez. REFERÊNCIAS BORGES, Maria Célia. AQUINO, Orlando Fernández. PUENTES, Roberto Valdés. Formação de professores no Brasil: História, Políticas e Perspectivas. In: Re- vista HISTEDBR On-line, Campinas, n.42, p.94-112, jun2011 -ISSN: 1676- 2584. Disponível em: https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/his- tedbr/article/view/8639868/7431 Acesso em 05/02/2020. Hora: 17h BRASIL, Decreto nº 5.626 de 22 de dezembro de 2005. Dispõe sobre a regu- lamentação da Lei no 10.436, de 24 de abril de 2002, que dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais - Libras, e o art. 18 da Lei no 10.098, de 19 de dezembro de https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/histedbr/article/view/8639868/7431 https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/histedbr/article/view/8639868/7431 http://www.scielo.br/pdf/pee/v22nspe/2175-3539-pee-22-spe-49.pdf%20Acesso%20em%2005/02/2020 L ú c i a d e A r a ú j o R a m o s M a r t i n s ( O r g . ) | 140 SUMÁRIO 2000. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004- 2006/2005/decreto/d5626.htm. Acesso em: 03/11/2018. BRASIL. Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015. Institui a Lei Brasileira de In- clusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência) Brasília/DF: Casa Civil, 2015. Disponível em: http://www.pla- nalto.gov.br/CCIVIL_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13146.htm. Acesso em: 17 abril de 2019. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 05 de outubro de 1988. Institui a República Federativa do Brasil. Brasília/DF: Senado Federal, 1988. Disponível em: https://presrepublica.jusbrasil.com.br/legisla- cao/91972/constituicao-da-republica-federativa-do-brasil-1988. Acesso em: 09 de abril de 2020. Hora: 13:50. BRASIL. Lei n.10.172, de 9 de janeiro de 2001. Aprova o Plano Nacional de Educação e dá outras providências. Brasília/DF: Casa Civil, 2001b. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10172.htm. Acesso em: 22 maio 2019. BRASIL. Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Brasília/DF: Casa Civil, 1996a. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9394.htm. Acesso em: 22 maio 2019. CARVALHO, RositaEdler. Educação Inclusiva com os Pingos nos Is. 2. ed. Porto Alegre: Mediação, 2001. DOMINICÉ, Pierre. A biografia educativa: instrumento de investigação para a educação de adultos. In: NÒVOA, Antonio; FINGER, Matthias. O método (auto) biográfico e a Formação. Natal, EDUFRN; São Paulo:Paulus, 2010. DUMAZEDIER, Joffre. Lazer e cultura popular. São Paulo: Perspectiva, 1976. FREIRE, Paulo. A educação na cidade.4. ed. São Paulo: Cortez, 2002. ______. Educação como prática de liberdade. 23. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/decreto/d5626.htm http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/decreto/d5626.htm http://www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13146.htm http://www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13146.htm D e s a f i o s d a I n c l u s ã o E s c o l a r | 141 SUMÁRIO GALVANI, P. A autoformação, uma perspectiva transpessoal, transdiscipli- nar e transcultural. In: Educação e Transdisciplinaridade, II/coordenação executiva do CETRANS. São Paulo:TRIOM, 2002. GESSER, Audrei. LIBRAS? Que língua é essa? : crenças e preconceitos em torno da língua de sinais e da realidade surda - São Paulo : Parábola Editorial, 2009. GOLDFELD, Márcia. A Criança Surda. Linguagem e Cognição Numa Perspec- tiva Sócio-Interacionista. São Paulo: Plexus Editora, 2002. HONORA, Márcia. Inclusão educacional de alunos com surdez. São Paulo: Cortez Editora, 2014. JOSSO, Marie- Christine. Da formação do sujeito... Ao sujeito da formação. In: Nóvoa, António; Finger, Matthias. O método (auto)biográfico e a formação. 2ed. Natal, RN - Edufrn, 2014. LACERDA, Cristina. Tenho um aluno surdo e agora? Introdução à Libras e educação de surdos. São Carlos: EDUFCar, 2014. LODI, Ana Cláudia, SKILIAR, Carlos [et al.] Letramento e minorias. 8 ed. Porto Alegre: Mediação, 2017. MARTINS, Lúcia de Araújo Ramos. História da educação de pessoas com de- ficiência. São Paulo: Mercado de Letras, 2015. MAZZOTTA, Marcos Jose Silveira. Educação especial no Brasil: História e po- líticas. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2001. NÓVOA, Antonio. Os professores e as histórias de vida. In: NÓVOA, Antonio (org.) Vida de professores. 2 ed. Porto: porto editora, 2000. NÓVOA, António; FINGER, Matthias (Org.). O método (auto)biográfico e a formação. Natal, RN: EDUFRN; São Paulo: Paulus, 2010. L ú c i a d e A r a ú j o R a m o s M a r t i n s ( O r g . ) | 142 SUMÁRIO ONU – ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Declaração de Salamanca. In: OMOTE, Sadao (org). Inclusão: intenção e realidade. Marília: Fundepe, 2004. p. 1136. ONU – ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Declaração Universal dos Di- reitos Humanos. Paris: ONU, 1948. Disponível em: http://por- tal.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/ddh_bib_inter_universal.htm. Acesso em: 20 jun. 2019. ONU – ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Relatório Mundial sobre a Defi- ciência / World Health Organization, The World Bank ; tradução Lexicus Servi- ços Linguísticos. São Paulo :SEDPcD, 2012. Disponível em: http://www.pesso- acomdeficiencia.sp.gov.br/usr/share/documents/RELATORIO_MUN- DIAL_COMPLETO.pdf Acesso em: 11 de fev. de 2019. Hora: 23h RODRIGUES, David (org.) “Inclusão e Educação: doze olhares sobre a Educa- ção Inclusiva”, S. Paulo. Summus Editorial, 2006. SÁ, Nídia Regina Limeira de. Educação de surdos. A caminho do bilinguismo. RJ: EDUFE. 1999. SANCHES, Roberto. O saber da narração: Paul Ricoeur e Marie - Christine Jo- sso. In: ABRAHÃO, Maria Helena Menna Barreto (org). (Auto)biografia e for- mação humana. Porto Alegre: EDPUCRS, 2010. SACKS, Oliver. Vendo vozes: uma viagem ao mundo dos surdos. São Paulo : Companhia das Letras, 2010. SANTOS, Boaventura de Sousa. A gramática do tempo: para uma nova cul- tura política. São Paulo: Cortez, 2006. (Coleção para um novo senso comum; v.4) SILVA, José Edmilson Felipe da.A construção da língua portuguesa escrita pelo surdo não oralizado.Dissertação (Mestrado em ciências da Linguagem) Universidade Federal Católica. Recife, p.46, 2009. SILVA, Luzia Guacira dos Santos. A formação docente e a inclusão escolar. Natal/RN: UFRN, 2011. SILVA, Luzia Guacira dos Santos. Educação Inclusiva: por uma escola sem ex- clusões! São Paulo: Paulinas, 2014. http://www.pessoacomdeficiencia.sp.gov.br/usr/share/documents/RELATORIO_MUNDIAL_COMPLETO.pdf http://www.pessoacomdeficiencia.sp.gov.br/usr/share/documents/RELATORIO_MUNDIAL_COMPLETO.pdf http://www.pessoacomdeficiencia.sp.gov.br/usr/share/documents/RELATORIO_MUNDIAL_COMPLETO.pdf D e s a f i o s d a I n c l u s ã o E s c o l a r | 143 SUMÁRIO STROBEL, Karin. As imagens do outro sobre a cultura surda. Florianópolis. Editora UFSC. 2008. TARDIF, Maurice. LESSARD, Claude. O trabalho docente: elementos para uma teoria da docência como profissão de interações humanas. 6ª Ed. Rio de Ja- neiro: Vozes, 2011. TEIXEIRA, Francisca dos Santos. SILVA, Maria de Jesus Assunção e. LIMA, Maria da Glória. O desenvolvimento docente na perspectiva da (auto) formação profissional. Disponível em: file:///C:/Users/jube/AppData/Local/Packa- ges/Microsoft.MicrosoftEdge_8wekyb3d8bbwe/TempState/Downlo- ads/419329486.dissertacao_completa2%20(1).pdf. Acesso em 09/04/2020. L ú c i a d e A r a ú j o R a m o s M a r t i n s ( O r g . ) | 144 SUMÁRIO CAPÍTULO 5 CONSULTORIA COLABORATIVA: MEDIAÇÃO QUE FOMENTA NOVOS SABERES E NOVAS PRÁTICAS Neiza de Lourdes Frederico Fumes Eliane Cristina Moraes de Lima Maria Quitéria da SilvaSoraya Dayanna Guimarães Santos INTRODUÇÃO Ter uma prática pedagógica que oportunize a todos os alu- nos à participação nas atividades acadêmicas e consequentemente à aprendizagem constitui-se em uma das demandas do processo inclusivo. Porém, muitos docentes apresentam dificuldades para a sua efetivação, seja pelas barreiras atitudinais e/ou pela falta de uma formação. Especificamente, quando se trata da inclusão de alunos com deficiência, é vastíssima a literatura (PRAIS, ROSA, 2017; BAZON, et al, 2018) que demonstra que a formação docente deixa muito a desejar. Se analisado o contexto formativo inicial sobre a docência univer- sitária de modo geral, são evidenciadas problemáticas com relação à fragilidade no preparo do professor para ensinar no ensino su- perior, a preocupação se amplia quando tratamos da temática do ensino assim como da inclusão de pessoas com deficiência no con- texto universitário [...] (MARTINS, 2016, p. 102). D e s a f i o s d a I n c l u s ã o E s c o l a r | 145 SUMÁRIO Em consonância com a autora, para a superação dessa situ- ação é necessário ter possibilidade de se envolver em ações forma- tivas, principalmente, no decorrer do exercício profissional, que supram as necessidades da atividade docente. Muitas dessas lacu- nas são advindas de uma formação inicial precarizada e que não considera uma perspectiva inclusiva de educação, como ainda de uma formação pós-graduada de pesquisadores e não de professo- res (SANTOS, 2016). Para Bazon et al (2018, p. 4), precisamos estar atentos às condições necessárias para a efetivação do processo inclusivo, sendo que a formação de professores se constitui como um dos re- quisitos fundamentais para que o referido processo se torne efe- tivo". Dentre essas condições, destacamos que esse professor pre- cisa reconhecer a importância e saber se engajar em um processo colaborativo com um profissional especialista, no sentido de cons- truir qualitativamente uma prática pedagógica que atenda às espe- cificidades do aluno com deficiência e promova sua inclusão na aula (PRAIS; ROSA, 2017). Nessa circunstância, a formação e a prá- tica pedagógica inclusiva são elementos que não se descolam no processo educacional inclusivo. Nessa perspectiva, a mediação, mais do que nunca, é elevada a elemento articulador dos participantes e das atividades que se dão nessa realidade. Desse modo, são movimentos que não acon- tecem de forma direta, mas, que se utilizam de instrumentos e sig- nos, principalmente a linguagem, os quais se apresentam como ponte para a construção do conhecimento. Em uma perspectiva, sócio-histórica, “a categoria mediação não tem, portanto, a função de apenas ligar a singularidade e a universalidade, mas de ser o centro organizador objetivo dessa relação (AGUIAR; OZELLA, L ú c i a d e A r a ú j o R a m o s M a r t i n s ( O r g . ) | 146 SUMÁRIO 2013, p. 302)”. É na mediação que os elementos internos e exter- nos se relacionam para novas constituições e novas aprendizagens. Essa dinâmica considera o que Vigotsky chama de Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP), em que o sujeito necessita da mediação para ter um avanço na aprendizagem. Vigotsky (2007) explica que a ZDP é: [..] a distância entre o nível de desenvolvimento real, que se cos- tuma determinar através da solução independente de problemas e o desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração com problemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros mais capazes (p. 97). Considerando as proposições de Vigotsky, a consultoria co- laborativa e a auto confrontação, técnicas utilizadas nesse estudo, se configuram como instrumentos com o potencial de fomentar no- vas mediações, que vão atuar na ZDP do docente e, consequente- mente, contribuir com novos aprendizados. Araújo e Almeida (2014) afirmam que as técnicas supraci- tadas se apresentam como importantes ferramentas para auxiliar o professor nesse processo de aquisição de conhecimentos especí- ficos para a inclusão. Podem atuar como elemento mediador da prática docente, trazendo contribuições para o alcance de uma proposta didática que permita a aprendizagem e a participação do aluno com deficiência nas atividades acadêmicas. A consultoria colaborativa pode ser explicada como “[...] o compartilhamento do trabalho (planejamento, avaliação, expecta- tivas) entre um especialista e o professor de Educação Comum – tem sido apontada com um dos componentes para uma inclusão bem sucedida” (ARAÚJO; ALMEIDA, 2014, p. 343). Nessa relação, “o papel do consultor é auxiliar o professor a construir estratégias e rever as potencialidades de seus alunos para que possam, de D e s a f i o s d a I n c l u s ã o E s c o l a r | 147 SUMÁRIO forma efetiva, se desenvolver academicamente” (MACHADO; AL- MEIDA, 2014, p. 225). Na consultoria, busca-se identificar os desa- fios e as barreiras encontradas no processo de ensino e aprendiza- gem para propor formas de eliminá-las e assim possibilitar a inclu- são efetiva do aluno com deficiência. Gasparotto e Menegassi (2016) explicam que a consultoria colaborativa como instrumento mediador da construção do conhe- cimento possibilita ao docente a ressignificação da sua prática, tendo em vista que sua proposta é dar subsídios teórico-metodo- lógicos por meio da autoavaliação do docente. Nessa tessitura, a consultoria colaborativa, como já colo- cado, atua na ZDP, à medida que cria possibilidades do docente se envolver de uma nova maneira, adotando novas ações a partir dos novos conhecimentos construídos. “Assim esse modelo propõe contribuir de forma salutar para que [...] seja viável a construção de ações que potencializem o seu trabalho e atenda às necessida- des do seu alunado” (MACHADO; ALMEIDA, 2014, p. 224). É nessa dinâmica entre o especialista e o professor da sala de aula comum, de parceria e colaboração, de troca de conheci- mento e reflexão, que se constituem novos saberes educacionais, especificamente na perspectiva da educação inclusiva, os quais contribuem com a formação e a prática docente. Por sua vez, a Autoconfrontação Simples (ACS) e a Autocon- frontação Cruzada (ACC) também evidenciam a mediação. Na pri- meira, o docente se observa nas imagens em vídeo em sua situação de trabalho e reflete verbalmente sobre suas ações. “As verbaliza- ções servem sem dúvida para trazer à luz a realidade do trabalho” (CLOT, 2007, p. 135). Na segunda, além de ter o recurso do vídeo, também há a presença de um especialista na área de estudo ou de um colega de trabalho mais experiente na mesma área para trazer orientações e provocar na docente, reflexões da sua prática e novos L ú c i a d e A r a ú j o R a m o s M a r t i n s ( O r g . ) | 148 SUMÁRIO conhecimentos a partir da realidade vista nas imagens para sua melhor atuação. Considerando os desafios no campo da docência na Educa- ção Superior para promover uma prática pedagógica inclusiva, nesse artigo procuraremos analisar a consultoria colaborativa e a auto confrontação (simples e a cruzada) como mediadores de no- vos saberes docentes para inclusão educacional da pessoa com de- ficiência. O PROCESSO DE PRODUÇÃO E ANÁLISE DE DADOS As discussões que serão realizadas a seguir partem de dados de uma pesquisa realizadas a partir dos pressupostos teórico-me- todológicos da Psicologia Sócio-Histórica (PSH), que postula que o homem é um sujeito histórico e dialético, constituído nas relações sociais vivenciadas ao longo da vida (AGUIAR; SOARES; MA- CHADO, 2015). Os participantes da pesquisa foram: Lilli1, professora uni- versitária, 43 anos de idade, graduada em Educação Física e Mestre em Ciências da Saúde. A docente lecionava a disciplina “Ginástica de Academia”, no 7º períododo Curso de Bacharelado em Educação Física, de uma IES privada da cidade de Maceió. Atuava na Educa- ção Superior desde 2006. Ainda que as análises dos dados incidiram na professora universitária, também participaram desta pesquisa três consulto- res colaborativos: João, Ana e Maria, que colaboraram com orien- tações didático-pedagógica à Lilli para o ensino e a aprendizagem do estudante surdo. João era Mestre em Educação, com experiência na área de Educação, com ênfase na educação de surdos e surdos cegos. Ana também era Mestre em Educação, com experiência na 1Todos os nomes apresentados no corpo do texto são fictícios com o propósito de garantir o anonimato, respeitando os princípios éticos da pesquisa. D e s a f i o s d a I n c l u s ã o E s c o l a r | 149 SUMÁRIO área de Educação Especial, com ênfase em educação de surdos, e Maria era Mestre em Ensino em Ciências da Saúde, com experiên- cia em Atividade Física Adaptada. Ainda fizeram parte da pesquisa, a pesquisadora do PRO- CAD2, o estudante surdo Luan e o tradutor/intérprete de Libras Le- onardo. O local de realização da pesquisa foi em um Curso de Bacha- relado em Educação Física de uma Faculdade de Ensino Superior privada de Maceió/AL. Foi utilizado como instrumento de pesquisa a observação participante, compreendida como “[...] processo pelo qual um pes- quisador se coloca como observador de uma situação social, com a finalidade de realizar uma investigação científica” (DESLANDES; GOMES, 2013, p. 70) e como recurso metodológico a consultoria colaborativa que “consiste do suporte de profissionais especialis- tas [...]” (FERREIRA, et al., 2007, p. 7). Ainda foi utilizada a técnica da ACS como um dos recursos metodológicos de colaboração, que consiste no sujeito estudado em se autoavaliar ao se observar em sua atividade de trabalho por meio de vídeo (CLOT, 2007). E, também a ACC que se constitui em "[...] tornar o trabalho um objeto do pensamento. É um método centrado numa perspectiva reflexiva, isto é, propõe-se uma ativi- dade de reflexão sobre a atividade habitual de trabalho" (SANTOS, 2006, p. 38). Clot (2007, p. 135), precursor dessa técnica, postula que a ACS “é na verdade orientada por um pesquisador, [...] trata-se de 2Consideramos importante esclarecer que os dados aqui analisados integram uma das pesquisas (SANTOS, 2016) desenvolvida no âmbito do Programa de Cooperação Acadêmica (PROCAD) “Tecendo redes de colaboração no ensino e na pesquisa em Educação: um estudo sobre a dimensão subjetiva da realidade escolar”. Integrantes da rede: PUC-SP UERN, UFPI e UFAL (Edital nº 071/2013). L ú c i a d e A r a ú j o R a m o s M a r t i n s ( O r g . ) | 150 SUMÁRIO uma atividade em si em que o trabalhador descreve sua situação de trabalho para o pesquisador”. Assim, quando o docente se vê diante das imagens, ele verbaliza sobre sua atuação e ao mesmo tempo reflete nas possibilidades, pensando em mudanças na sua atividade. A ACC “trata-se de uma atividade dirigida [...] em que a lin- guagem, longe de ser para o sujeito apenas um meio de explicar aquilo que ele faz ou aquilo que se vê, torna-se um meio de levar o outro a pensar, a sentir e a agir sendo a perspectiva do sujeito” (idem, p. 135). Clot (2007) afirma que na ACC “a ação do especialista em resposta à ação do sujeito é decisiva na produção de descrições do trabalho. Ela circunscreve, ainda que sem o saber ou o querer, as possibilidades que o sujeito mantém ou não na apresentação de sua ação” (p. 140). Dessa maneira, a mediação da especialista pode provocar mudanças e internalização de novas formas de agir do docente que passa por esse processo de ACC. O processo de produção de dados durou três meses e dezes- seis dias e foi antecedido pela aprovação da pesquisa pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Alagoas – proto- colo n.º 439.400. Durante esse período ocorreu consultoria colaborativa, com a discussão de alguns episódios acontecidos em sala de aulas, prin- cipalmente aqueles que Lilli não sabia como lidar. Com isso, a con- sultoria focou em orientações didático-pedagógicas à professora, na perspectiva de contribuir com sua prática inclusiva. Em cada sessão estavam presentes, a professora universitária, o/a consul- tor/a colaborativo/a e a pesquisadora do PROCAD. Também, ao final de cada aula, a pesquisadora do PROCAD tecia algumas suges- tões à professora com o propósito de colaborar com a autonomia e aprendizagem do estudante surdo. Vale salientar que todo o D e s a f i o s d a I n c l u s ã o E s c o l a r | 151 SUMÁRIO processo de consultoria foi filmado e, posteriormente, transcrito fielmente para análise. Aconteceram também sessões de auto confrontação. Na ACS, a professora universitária analisou sua atuação docente ao as- sistir episódios de sua aula em vídeo. Clot (2007, p. 141) discorre que “ao se transformar em linguagem, as atividades se reorganizam e se modificam”. Na ACC, a professora foi levada a assistir episódios de suas aulas com a especialista Maria, que tecia comentários so- bre os mesmos, com o intuito de fomentar o processo reflexivo. A pesquisadora do PROCAD também estava presente participando de ambos processos de reflexão. Os dados produzidos foram analisados com base na análise de conteúdo, que segundo Bardin (2011), é um conjunto de técnicas e análise das comunicações visando ob- ter por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens indicadores (quantitativas ou não) que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção (variáveis inferidas) dessas mensagens (p. 48). Nesse processo foram formadas duas categorias: Categoria 1: Inclusão do surdo na sala de aula: “não há receita pronta” e Ca- tegoria 2: Recursos pedagógicos acessíveis para a inclusão do uni- versitário surdo em sala de aula. RESULTADOS E DISCUSSÕES 1 - Inclusão do surdo na sala de aula: não há receita pronta Esta categoria vem abordar as orientações, advindas das ses- sões de consultoria colaborativa, no sentido de promover uma prá- tica docente com características mais inclusivas e que atenda às L ú c i a d e A r a ú j o R a m o s M a r t i n s ( O r g . ) | 152 SUMÁRIO especificidades do estudante surdo. Conforme as orientações dos consultores, as estratégias pedagógicas precisavam ser construí- das considerando as necessidades pedagógicas do aluno e sempre objetivando a sua participação nas aulas. Uma das orientações dadas pela consultora Ana foi a res- peito da forma de aprendizagem do estudante surdo, quando de- clarou que: [...] todo campo de aprendizagem do surdo é um campo visual, en- tão para ele só vai ser acessível se tiver formas visuais de mostrar isso; e, [...] a Língua de Sinais é uma língua gesto-visual. De forma semelhante, a consultora Maria orientou que: “a única coisa que eu colocaria era realmente um boneco anatômico, mostrando realmente a musculatura ou talvez uns slides mos- trando aquela peça que você está querendo. [...] Eu colocaria ima- gem”. Corroborando com as orientações das consultoras, Rodri- gues e Quadros (2015, p. 72) afirmam que o sujeito surdo “[...] com- preende a linguagem como o visual, o gestual, o simbólico, o midi- ático, o expressivo, o comunicacional, o interativo, e de tantas ou- tras maneiras que estão o tempo inteiro ressignificando nossa no- ção do que vem a ser linguagens”. Com essas e outras mediações fomentadas pelo processo de pesquisa, a professora Lilli pareceu ter internalizado novos conhe- cimento e refletiu sobre novas formas de realizar a sua aula: “agora eu faria um monte de coisas diferentes, [...] colocaria um boneco de anatomia para ele [estudante surdo] mostrar no boneco de Anato- mia [o músculo] para depois mostrar no aluno [...]”. Esses excertostambém demonstram a necessidade do do- cente ter esse conhecimento específico a respeito da aprendiza- gem do surdo para poder fazer uso de recursos pedagógicos D e s a f i o s d a I n c l u s ã o E s c o l a r | 153 SUMÁRIO prioritariamente visuais e assim ampliar as possibilidades de aprendizagem de seu aluno. Outro elemento a ser destacado é a relevância da mediação para a ressignificação de saberes e transformação da sua prática pedagógica quando declarou: "talvez [se] tivesse trazido outros re- cursos, talvez tivesse prendido mais [a atenção]". Em outro mo- mento, Lilli refletiu: "eu poderia ter trazido um elástico, por exem- plo, para mostrar a elasticidade do tendão, [...], uma corda mais rí- gida que mostre realmente o que é ligamento, o que é tendão, o próprio vídeo com um pedacinho de uma aula [...]". Nos recortes anteriores vemos uma professora universitá- ria refletindo sobre possibilidades de transformação de sua prática a partir dos novos conhecimentos construídos no processo colabo- rativo. Dentre essas, estava a introdução de recursos pedagógicos visuais e concretos, os quais poderiam ter utilizado para facilitar a aprendizagem do estudante surdo. Apesar desses novos conhecimentos, a consultora Ana fez uma ressalva que merece ser destacada: “[...] não há uma receita de bolo, mas você trazendo essas formas visuais, com certeza vai facilitar a vida dele, a sua e a do intérprete”. Botelho e Oliveira (2020) compartilham dessa ideia e acrescentam que as particula- ridades de cada aluno não precisam ser respeitadas. Com isso, é preciso romper a ideia de um modelo ideal de aulas que funcione para qualquer aluno e em qualquer lugar. Outro aspecto discutido no decorrer da pesquisa diz res- peito ao papel do intérprete de Libras no processo de ensino e aprendizagem. A princípio, ressalta-se que a sua função no ambi- ente de aprendizagem não é a de “professor particular” do aluno surdo, substituindo o professor no ato de ensinar. Acreditamos que sua função é de ser ponte entre o professor e o aluno surdo e vice- versa. Nessa direção, a consultora Maria explica sobre o papel do L ú c i a d e A r a ú j o R a m o s M a r t i n s ( O r g . ) | 154 SUMÁRIO intérprete para a professora Lilli: “a gente tem que deixar claro para o intérprete que ele não é professor. Ele estava tentando ali explicar e não é a função dele”. De modo semelhante, o consultor João explica: “[...] o papel do intérprete, ele é como ponte, ele é ponte”. Ratificando essa posição, Vargas e Gobara (2014, p. 451) es- clarecem que “o intérprete educacional é aquele que atua como in- térprete de Línguas de Sinais em sala de aula e no ambiente esco- lar, ou seja, ele atua como intérprete na educação. Assim, o intér- prete deve intermediar as relações entre o aluno com surdez e os colegas e professores ouvintes”. Continuando com o processo de consultoria colaborativa, a pesquisadora do PROCAD contribuiu com orientações acerca da metodologia de ensino, especificamente quanto à forma de expli- car os conteúdos de ensino: “[...] fala um pouco mais devagar e sempre depois de uma discussão perguntar se entendeu. Fechar um bloco de ideias”. Diante das orientações da pesquisadora do PROCAD, consi- deramos importante destacar que: “A fala e a escrita excessiva do professor em sala e o uso de vocabulários muito rebuscados aca- bam dificultando o entendimento dos conteúdos por parte dos alu- nos e principalmente dos alunos com surdez [...]” (ALVES et al, 2013, p. 201). Isso implica dizer que para o surdo as explicações devem ser diretas, objetiva, sem muitos recursos linguísticos, visto que o surdo pode não possuir um domínio da língua portuguesa. Nesse sentido, o consultor João sugere que “[...] a ideia é trabalhar o sujeito de acordo com sua especificidade e diferença linguística também”. A partir dessas ressignificações e transformação da prática pedagógica, iremos discutir a seguir sobre o uso de recursos peda- gógicos acessíveis para a inclusão do universitário surdo em sala de aula D e s a f i o s d a I n c l u s ã o E s c o l a r | 155 SUMÁRIO RECURSOS PEDAGÓGICOS ACESSÍVEIS PARA A INCLUSÃO DO UNIVERSITÁRIO SURDO EM SALA DE AULA Nesta categoria, iremos apresentar os recursos pedagógicos acessíveis ao universitário surdo e que permitem sua participação nas atividades discutidos e implementados no decorrer da pes- quisa. Seguindo as sugestões dos consultores, a professora Lilli uti- lizou em suas aulas recursos pedagógicos pensando na inclusão do Luan nas aulas, assegurando-lhe a aprendizagem dos conteúdos de sua disciplina. As consultoras Ana e Maria sugeriram o uso de um mesmo recurso – o vídeo, com a gravação dos movimentos: “[...] seria bom o vídeo. Você [professora] executando [o movimento]” (Consultora Ana) e “[...] seria interessante também os vídeos para fixar” (Con- sultora Maria). Para as consultoras, o vídeo, além de ser um recurso peda- gógico que permite a acessibilidade do assunto ao surdo, ainda desperta o interesse pela aula. As demais orientações configuram- se na possibilidade de utilização de imagem relacionadas ao conte- údo que estava sendo ensinado: [...] você [professora] tem uma figura mesmo do corpo humano lá, para que ele [surdo] possa apontar, sem precisar fazer a datilologia de toda parte da musculatura e que tenha também os nomes (Con- sultora Ana) [...] colocar mais figuras nos slides [...] e exemplos mais concretos (Pesquisadora do PROCAD), [...] [usa] recurso imagético. A importância de estar comunicando com todos, utilizando as expressões, o máximo possível (Consultor João) [...] a questão mesmo do fazer material, confeccionar. Pensar nele enquanto sujeito visual [...] (Consultor João). L ú c i a d e A r a ú j o R a m o s M a r t i n s ( O r g . ) | 156 SUMÁRIO Seguindo as orientações da consultoria colaborativa, a pro- fessora procurou em suas aulas utilizar recursos pedagógicos que permitiram a participação ativa do aluno surdo. Assim, a profes- sora Lilli declarou: “Eu usei o retroprojetor para poder mostrar as fotos, aí eu usei as carinhas, [...] o cavalete e usei aquele fio de prumo para poder regular a bicicleta”. Observamos que a professora passou a utilizar recursos pe- dagógicos acessíveis para o estudante surdo, os quais também fa- voreciam a aprendizagem dos demais alunos. Além de fazer as mo- dificações nas suas aulas, Lilli reconheceu que, foi a partir dos mo- mentos de consultoria colaborativa que sua prática, começou a ter um caráter mais inclusivo: “[...] na hora que eu for montar o crono- grama eu vou estar pensando [em incluir]”. E, acrescentou: “Eu acho que a participação [dos consultores] desde o início foi espe- tacular. [...] tudo que eu faço agora, eu fico pensando [...]”. Tendo em vista esse cenário, Dainez e Smolka (2014, p. 1097) ponderam que para Vigotsky “a educação não é vista como auxílio, complemento e/ou suprimento de uma carência (orgânica e/ou cultural), mas é a produção de uma ação que torna possíveis novas formas de participação da pessoa na sociedade”. Nessa con- cepção, a construção de possibilidades para a aprendizagem do su- jeito com deficiência e, consequentemente para o seu desenvolvi- mento, se insere numa proposta de caráter educacional. Também merece destaque o papel da mediação na aprendi- zagem do estudante (no caso, surdo), pois, de uma perspectiva vi- gotskiana, o desenvolvimento cognitivo do indivíduo acontece através das relações sociais. Soares (2011) explica que, É a categoria mediação, portanto, que nos possibilita compreender que as características tipicamente humanas, à medida que são me- diadas pelas particularidades das objetivações históricas, são ao mesmo tempo singulares e universais. Isso significa que o homem D e s a f i o s d a I n c l u s ã o E sc o l a r | 157 SUMÁRIO singular jamais pode se constituir a partir do isolamento social (p. 36). Nessa mesma ótica, Aguiar e Ozella (2013) enriquecem a discussão com suas contribuições: Ao utilizarmos a categoria mediação possibilitamos a utilização, a intervenção de um elemento/processo em uma relação que antes era vista como direta, permitindo-nos pensar em objetos/proces- sos ausentes até então. Logo, [...] subjetividade e objetividade, ex- terno e interno, nessa perspectiva, não podem ser vistos numa re- lação dicotômica e imediata, mas como elementos que, apesar de diferentes, se constituem mutuamente, possibilitando a existência do outro numa relação de mediação (p. 302). Para sintetizar podemos afirmar que é, por meio da media- ção, que ocorre no espaço interpsicológico que se dá a constituição humana e, portanto, ocorre novas aprendizagens e a transforma- ção da realidade. Percebemos ainda que, as mediações ocorridas na consulto- ria colaborativa, a professora modificou aspectos de sua prática pedagógica e considerou as particularidades do aluno surdo. Desse modo, ela passou a incluir a demonstração da posição correta para montar na bicicleta através de figuras projetadas nos slides; ela fez referência às figuras (que representam a percepção de esforço) co- locadas na parede da sala; e também apontou para as figuras de- monstrando cada método, entre outras estratégias e recursos que atendessem a todos, inclusive ao aluno surdo. Também destacamos que, na perspectiva da PSH, ao utilizar recursos pedagógicos adaptados ou estrategicamente planejados como mediação para permitir a aprendizagem da pessoa com defi- ciência, se está propondo uma educação emancipatória, pautada nas potencialidades do sujeito e não no seu defeito biológico. L ú c i a d e A r a ú j o R a m o s M a r t i n s ( O r g . ) | 158 SUMÁRIO Em seus estudos, Dainez e Smolka (2014, p. 1097) afirmam que Vigotsky, defende “uma instrução orientada para o potencial de desenvolvimento das funções humanas complexas (atenção vo- luntária e orientada, memória mediada, percepção verbalizada, trabalho de imaginação, pensamento generalizado, nomeação e conceptualização do mundo)”. Isto posto, compartilhamos a ideia que, independentemente do sujeito ter deficiência ou não, a apren- dizagem deve ser focada nas funções psicológicas superiores e, para isso, as condições de acessibilidade devem ser oferecidas. No caso específico do estudante surdo, os recursos visuais a serem utilizados pela docente configuram-se em importantes ele- mentos da metodologia de ensino, como defendem Rodrigues e Quadros (2015): Nas salas de aula, por exemplo, encontramos novas configurações decorrentes do uso de uma língua gesto-visual e do lugar da visu- alidade na aprendizagem dos surdos. Uma nova organização física do espaço, a presença de intérpretes, outra dinâmica dos proces- sos, novas possibilidades de interação, tudo é negociado (p. 85). Os resultados mostram que a consultoria colaborativa veio agregar conhecimentos à docente em questão ao desencadear no- vas mediações, as quais colocou em andamento processos mentais que regulam sua atividade docente, uma vez que, Ao apropriar-se dos elementos culturais que foram construídos pela humanidade, por intermédio da interação, o sujeito utiliza-os como instrumentos (ferramentas) que lhe permitem ampliar e re- finar sua relação e seu entendimento sobre o mundo em que está inserido. Desta forma, orientado e regulado pelo outro, o sujeito investe esforços na tarefa de entender e dar sentido a objetos e fa- tos da sua realidade e, a partir desta dinâmica, passa a se auto re- gular, a ter domínio sobre suas ações e escolhas. O processo de in- teração e de mediação assume, nesta perspectiva, papel e função D e s a f i o s d a I n c l u s ã o E s c o l a r | 159 SUMÁRIO primordial no desenvolvimento dos indivíduos e na organização da vida em sociedade (SOUZA; ROSSO, 2011, p. 5896). Ao analisar a situação em estudo, podemos ponderar ainda que as transformações em sua prática pedagógica “proporcionará criticidade e criatividade suficientes para o docente [ela] poder preparar suas ações/aulas/projetos para que também o estudante possa se ‘situar’, de forma mais atuante no interior das relações culturais e sociais” (TREVIZAN; GEBRAN; GUIMARÃES, 2017, p. 184). CONSIDERAÇÕES FINAIS Na perspectiva da formação docente para uma prática inclu- siva foi notório que a consultoria colaborativa e a auto confronta- ção são ferramentas capazes de engendrar novos processos subje- tivos, os quais desencadeiam mudanças de saberes e fomentar prá- ticas como novas estratégias que favorecem a aprendizagem do es- tudante surdo. A parceria entre consultores, pesquisadora e professora participante trouxe contribuições de vários aspectos para a do- cente que ressignificou sua prática e incluiu recursos pedagógicos para que o estudante surdo pudesse participar das aulas ativa- mente. Também acreditamos que tenha trazido contribuições para os consultores, ainda que não tenhamos nos debruçados para ana- lisar esse processo. Observamos que o processo de mediação ocorrido e promo- vido na/pela consultoria colaborativa trouxe elementos que pro- moveram uma prática docente inclusiva, uma vez que eles amplia- ram as possibilidades de aprendizagem do aluno surdo e de seus colegas. L ú c i a d e A r a ú j o R a m o s M a r t i n s ( O r g . ) | 160 SUMÁRIO Por fim, entendemos que a formação continuada é uma questão central na atividade pedagógica, principalmente quando se trata de inclusão de alunos com deficiência, sendo um direito dos professores e um dever dos órgãos empregadores. REFERÊNCIAS AGUIAR, W. M. J.; OZELLA, S. Apreensão dos sentidos: aprimorando a proposta dos núcleos de significação. Revista brasileira de Estudos Pedagógicos. Bra- sília: v. 94, n. 236, p. 299-322, jan./abr. 2013. Disponível em <http://www.sci- elo.br/pdf/rbeped/v94n236/15.pdf> Acesso: 14 jun. 2019. AGUIAR, W. M. J.; SOARES, J. R.; MACHADO, V. C. Núcleos de significação: uma proposta histórico-dialética de apreensão das significações. Cadernos de Pes- quisa, v.45 n.155, 2015, p.56-75. Disponível em <https://www.sci- elo.br/pdf/cp/v45n155/1980-5314-cp-45-155-00056.pdf> Acesso 19 ago 2020 ALVES, T. P; et al. Inclusão de alunos com surdez na educação física escolar. Revista Eletrônica de Educação, v. 7, n. 3, p.192-204, 2013. Disponível em <http://www.reveduc.ufscar.br/index.php/reveduc/search/search?simple- Query=Inclus%C3%A3o+de+alunos+com+sur- dez+na+educa%C3%A7%C3%A3o+f%C3%ADsica+escolar&searchFi- eld=query> Acesso: 08 de jun 2019. ARAÚJO, L. S.; ALMEIDA, M. A. Contribuições da consultoria colaborativa para a inclusão de pessoas com deficiência intelectual. Revista Educação Especial, v. 27, n. 49, p. 341-352, maio/ago. 2014. Santa Maria. Disponível em: <https://periodicos.ufsm.br/educacaoespecial/article/view/8639/pdf> Acesso em 08 jun 2019. BARDIN, L. Análise de Conteúdo. 1ª ed.São Paulo: Edições 70, 2011. BAZON, F. V. M; et al. Formação de formadores e suas significações para a edu- cação inclusiva. Educ. Pesqui., São Paulo, v. 44, e176672, 2018. Disponível em <http://www.scielo.br/pdf/ep/v44/1517-9702-ep-44-e176672.pdf> Acesso: 15 jun 2019. D e s a f i o s d a I n c l u s ã o E s c o l a r | 161 SUMÁRIO BOTELHO, D. H. O.; OLIVEIRA, V. M. Desafios da inclusão no ensino superior: narrativas de uma universitária com síndrome de Down. Revista Valore, [S.l.], v. 5, p. 156-170, jan. 2020. ISSN 2526-043X. Disponível em: <https://revistava- lore.emnuvens.com.br/valore/article/view/408>. Acesso em: 19 ago. 2020. CLOT, Y. A Função Psicológica do Trabalho. Tradução de Adail Sobral. 2. ed. - Petrópolis, RJ: Vozes, 2007. DAINEZ, D; SMOLKA,A. L. B. O conceito de compensação no diálogo de Vigotski com Adler: desenvolvimento humano, educação e deficiência. Educ. Pesqui., São Paulo, v. 40, n. 4, p. 1093-1108, out./dez. 2014. Disponível em <http://www.scielo.br/pdf/ep/v40n4/15.pdf> Acesso: 15 jun 2019. DESLANDES, S. F.; GOMES, M. R. Pesquisa social: teoria, método e criativi- dade; Maria Cecília Minayo (organizadora). 33 ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2013. FERREIRA, B. C. et al. Parceria colaborativa: descrição de uma experiência en- tre o ensino regular e especial. Rev. Educação Especial, n. 29, p. 1-7, 2007. Disponível em <https://periodicos.ufsm.br/educacaoespecial/arti- cle/view/4137/2454>. Acesso em 15 fev 2017. GASPAROTTO, D. M.; MENEGASSI, R., J. Aspectos da pesquisa colaborativa na formação docente. Perspectiva, Florianópolis, v. 34, n. 3, p. 948-973, set./ago. 2016. Disponível em <https://periodicos.ufsc.br/index.php/perspectiva/arti- cle/view/2175-795X.2016v34n3p948> Acesso: 08 jun 2019. MACHADO, A. C; ALMEIDA, M. A. Efeitos de uma proposta de consultoria cola- borativana perspectiva dos professores. Meta: Avaliação. Rio de Janeiro, v. 6, n. 18, p. 222-239, set./dez. 2014. Disponível em <http://revistas.cesgran- rio.org.br/index.php/metaavaliacao/article/view/160/pdf> Acesso: 09 jun 2019. MARTINS, L. M. S. M. Práticas e formação docente na UFRN com vistas à in- clusão de estudantes cegos. 2016. 154f. Dissertação (Mestrado em Educação) - Centro de Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2016. https://revistavalore.emnuvens.com.br/valore/article/view/408 https://revistavalore.emnuvens.com.br/valore/article/view/408 L ú c i a d e A r a ú j o R a m o s M a r t i n s ( O r g . ) | 162 SUMÁRIO PRAIS, J. L. S; ROSA, V. F. A Formação de professores para inclusão tratada na Revista Brasileira de Educação Especial: uma análise. Revista Educação Espe- cial v. 30 n. 57, p. 129-144 | jan./abr. 2017. Disponível em <https://periodi- cos.ufsm.br/educacaoespecial/article/view/19833/pdf> Acesso: 15 jun 2019. RODRIGUES, C. H. R.; QUADROS R. M. Diferenças e linguagens: A visibilidade dos ganhos surdos na atualidade. Revista Teias. v. 16, n. 40, 72-88 • (2015): Diferenças e Educação. Disponível em <http://www.e-publicacoes.uerj.br/in- dex.php/revistateias/article/view/24551/17531> Acesso em: 10 set 2017. SANTOS, M. Análise psicológica do trabalho: dos conceitos aos métodos. Re- vista Laboreal. Volume II. nº1. 2006. p. 34-41. Disponível em < http://labo- real.up.pt/files/articles/2006_07/pt/34-41pt.pdf> Acesso 19 ago 2020. SANTOS, S. D. G. Docência no processo do estudante com deficiência em cursos de Educação Física: análise do contexto universitário brasileiro e por- tuguês. Tese (Doutorado em Educação) Universidade Federal de Alagoas, Ma- ceió. 2016. SOARES, J. R. Atividade docente e subjetividade: sentidos e significados constituídos pelo professor acerca da participação dos alunos em atividade de sala de aula. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (Tese de doutorado em Educação), 2011. SOUZA, A. P. de; ROSSO, A. J. Mediação e zona de desenvolvimento proximal (ZDP): entre pensamentos e práticas docentes. X Congresso Nacional de Edu- cação-EDUCERE. I Seminário Internacional de Representações Sociais, Subjetividade e Educação-SIRSSE. Pontifícia Universidade Católica do Pa- raná, Curitiba, 7-10 nov 2011. Disponível em: <https://edu- cere.bruc.com.br/CD2011/pdf/4604_3097.pdf>. Acesso em 14 jun 2019. TREVIZAN, Z; GEBRAN, R. A; GUIMARÃES, C. F. A mediação docente no ensino da leitura literária. Teias v. 18 • n. 49 • 2017(abr./jun.). Disponível em <https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/revistateias/arti- cle/view/26708/20960> Acesso: 15 jun 2019. VARGAS, J. S; GOBARA, S. T. Interações entre o Aluno com Surdez, o Professor e o Intérprete em Aulas de Física: uma Perspectiva Vygotskiana. Rev. Bras. Ed. Esp., Marília, v. 20, n. 3, p. 449-460, Jul.-Set., 2014. Disponível em: D e s a f i o s d a I n c l u s ã o E s c o l a r | 163 SUMÁRIO <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413- 65382014000300010&lang=pt>. Acesso: 12 jun 2019. VIGOTSKY, L. S. A formação social da mente: o desenvolvimento dos proces- sos psicológicos superiores; organizadores Michael Coles … [et al]; tradução José Cipolla Neto, Luís Silveira Menna Barreto, Solange Castro Afeche. - 7ª ed. - São Paulo: Martins Fontes, 2007. L ú c i a d e A r a ú j o R a m o s M a r t i n s ( O r g . ) | 164 SUMÁRIO CAPÍTULO 6 FUNCIONAMENTO DAS SALAS DE RECURSOS MULTIFUNCIONAIS (SRM) NO ESTADO DO RN: FORMAÇÃO E EXPERIÊNCIAS DOS PROFESSORES QUE ATUAM NESTE DISPOSITIVO Sonia Medeiros Izabel Hazin Taciana Pontual Falcão 1. INTRODUÇÃO O presente capítulo constitui-se de um estudo que objetiva mapear a realidade da implementação das Salas de Recursos Mul- tifuncionais (SRM) no Estado do Rio Grande do Norte (RN) e, ainda, investigar a formação e experiências dos professores que atuam nestas salas. No campo específico desta pesquisa debruçou-se sobre as especificidades que cercam o funcionamento das SRM, que tratam de um programa promovido pela Secretaria de Educação Especial, vinculado ao Ministério de Educação e Cultura - MEC, implemen- tado no ano de 2005, que objetiva apoiar o Atendimento Educaci- onal Especializado (AEE). O referido programa é destinado às es- colas das redes estaduais e municipais de educação e intenta pro- mover o ensino com qualidade para alunos com deficiência, trans- tornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/ D e s a f i o s d a I n c l u s ã o E s c o l a r | 165 SUMÁRIO superdotação - público alvo da educação especial. Este programa é desenvolvido de forma complementar e suplementar à escolariza- ção, sendo oferecido no contra turno em que a criança frequenta na escola regular em que está matriculada (BRASIL, 2007). Nos atendimentos do AEE, são ofertados serviços voltados para avalia- ção, organização e implementação de recursos didáticos e de aces- sibilidade, que tem como objetivo promover uma melhor aprendi- zagem por parte desta clientela (BRASIL, 2008). O AEE é entendido na legislação brasileira como sendo um conjunto de atividades, recursos de acessibilidade e pedagógicos organizados institucionalmente, prestado de forma complementar ou suplementar à formação dos alunos no ensino regular (BRASIL, 2008). Sendo assim, este serviço não pode ser considerado como algo separado do contexto da escola, ele é parte integrante, que transpassa todos os níveis e modalidades de ensino, atendendo à política de educação inclusiva. Neste contexto, a prática do profis- sional da sala de recursos encontra-se pautada por uma política pública que tem como subsídio a diversidade e a atenção aos alu- nos em suas especificidades, assegurando-lhes o atendimento em horário contrário a sala de aula, evitando a retirada do aluno no horário de aula. Destaca-se que as SRM ainda estão disponíveis para o atendimento de alunos que porventura não possuam laudo, mas que a equipe escolar identifique que necessite dos serviços. De forma geral, os investimentos para o AEE envolvem a aquisição de equipamentos, mobiliários e materiais didático-peda- gógicos e de acessibilidade para a organização das SRMF. Porém, um dos maiores desafios está na circunscrição das atribuições e na formação dos professores que atuarão no AEE. Nas políticas que norteiam o AEE, a implementação das SRM é compreendida como equipamento indispensável a efetiva- ção do processo inclusivo. Entendendo que a inclusão é um L ú c i a d e A r a ú j o R a m o s M a r t i n s ( O r g . ) | 166 SUMÁRIO paradigma que propõe o acesso, a permanência e a aprendizagem dos discentes, não se trata apenas de garantir o acesso, mas de con- tribuir com sugestõesque podem levar a alterações nos aspectos pedagógicos, atitudinais e arquitetônicos da escola. As SRM são divididas em dois tipos, I e II, onde o primeiro tipo, destina-se a atender os educandos com Transtornos Globais do Desenvolvimento, deficiência física, auditiva, intelectual ou múltipla, além daqueles que se enquadra nos diagnósticos de altas habilidades/superdotação. Já na sala do tipo II, também são aten- didos os discentes com deficiência visual, pois estas, são acrescidas de equipamentos específicos para esta limitação. Quanto aos equipamentos específicos da sala tipo II, des- taca-se a máquina de datilografia em braille que, inclusive, pode ser utilizada pelo aluno não somente na SRMF, mas também na sala de aula regular, bem como em sua residência ou outro espaço que o educando dela possa vir a necessitar. Sendo ainda destacado em nota técnica que “os recursos pedagógicos de acessibilidade po- dem ser utilizados pelo estudante em sala de aula ou em domicílio, sendo vedado o desvio com outros propósitos” (BRASIL, 2015)1. Na organização das SRMF, existe uma diversidade de jogos que podem auxiliar o professor a melhorar aprendizagem dos alu- nos com NEE ou deficiência. Os jogos que compõe esta sala, podem auxiliar o processo de ensino-aprendizagem dos alunos com ne- cessidades especiais, sendo um mecanismo potencializador, capaz de modificar a prática pedagógica dos educadores. Nesta situação, Rizzi e Haydt (2001) afirmam que enquanto o aluno joga, os esque- mas cognitivos, afetivos e motores são estimulados, incentivando o pensamento e a aprendizagem. 1Nota técnica nº 42 de 16 de junho de 2015, que orienta aos sistemas de ensino quanto a destinação dos materiais e equipamentos disponibilizados por meio do Programa de Salas de Recursos Multifuncionais. D e s a f i o s d a I n c l u s ã o E s c o l a r | 167 SUMÁRIO No entanto, conforme discutido por Garcia (2013), a ideia de multifuncionalidade da sala de recursos é transferida para o professor, exigindo-se deste uma formação eclética. Porém, a ques- tão atual, em especial em regiões mais desfavorecidas do Brasil, é mapear se realmente existem professores que atuam nestas salas e se estes foram formados para atuar de acordo com as especifici- dades necessárias ao pleno desenvolvimento das competências e habilidades das crianças com necessidades especiais. No entanto, apesar dos esforços dispostos na política pú- blica de educação especial na perspectiva de educação inclusiva (2008), especialmente as ações que se destinam a implementação do AEE nas escolas comuns, o mapeamento realizado neste estudo, demonstra que o Rio Grande do Norte enfrenta dificuldades em efetivar a oferta deste serviço nas escolas estaduais e municipais, provocando distorções em relação ao processo de ensino e apren- dizagem do público alvo da educação especial. Tal contexto pode provocar uma lacuna entre o desejável e o esperado na política pú- blica de atendimento à pessoa com deficiência, especialmente no que se refere ao direito a atendimento educacional especializado, visto que os educandos ficam sem conseguir desenvolver suas aprendizagens como esperado. Diante desta problemática, a respeito da implementação dos serviços ofertados nas SRM, construiu-se a seguinte indagação: qual a realidade da implementação das Salas de Recursos Multifun- cionais (SRM) no estado do Rio Grande do Norte (RN), e ainda, que formação e experiências dos professores que atuam nestas salas encontram-se presentes no contexto do estado? Trata-se de estudo exploratório, com aspectos quali/quan- titativos, que tem como objetivos apontar as características essen- ciais da execução da Política das SRMF no Estado do RN, ampliando L ú c i a d e A r a ú j o R a m o s M a r t i n s ( O r g . ) | 168 SUMÁRIO a compreensão acerca das vivências dos docentes junto a tais dis- positivos. Este estudo tem como objetivo mapear a realidade da im- plementação das Salas de Recursos Multifuncionais (SRM) no Es- tado do Rio Grande do Norte (RN), e investigar a formação e expe- riências dos professores que atuam nestas salas. Os sujeitos parti- cipantes foram os funcionários da Subcoordenadoria de Educação Especial - SUESP, órgão subordinado à Secretaria Estadual de Edu- cação e Cultura do estado do Rio Grande do Norte, os secretários municipais de educação e ainda, professores lotados na rede esta- dual de ensino, em Salas de Recursos Multifuncionais. Onde traba- lhou-se com a aplicação de questionários com questões quali/quantitativas que a partir das análises destas respostas, con- seguiu-se compreender os principais obstáculos experienciados pelos professores e gestores, no tocante a garantia e a ofertado dos serviços de Atendimento Educacional especializado. Nesse sentido, espera-se que tal mapeamento aponte cami- nhos que possam efetivar as políticas de acesso e permanência dos educandos com deficiência no contexto da escola comum, possibi- litando que a inclusão escolar se torne um direito acessível a todos os discentes público alvo da educação especial. PERCURSO METODOLÓGICO O estudo constituiu-se de estudo exploratório com o obje- tivo de identificar a natureza do fenômeno, apontando as caracte- rísticas essenciais da execução da Política das SRM no Estado do RN, ampliando a compreensão acerca das vivências dos docentes junto a tais dispositivos. A pesquisa exploratória justifica-se como sendo necessária quando objetiva-se adquirir maior familiaridade com o assunto a ser pesquisado, buscando ainda, construir D e s a f i o s d a I n c l u s ã o E s c o l a r | 169 SUMÁRIO hipóteses ou deixar o assunto mais explícito, ampliando as ideias e intuições (GIL, 2010). Ainda na perspectiva metodológica, tem-se um estudo com aspectos descritivos, para o qual Gil (2010) ressalta a necessidade de se descrever os fenômenos estudados, traduzidos nas respostas dos sujeitos envolvidos na pesquisa, analisando-os posteriormente frente aos teóricos que se dedicam a estudar a problemática tra- çada para este estudo. PARTICIPANTES DA PESQUISA E INSTRUMENTOS UTILIZADOS Os sujeitos envolvidos na primeira etapa do estudo foram: os funcionários responsáveis pela Subcoordenadoria de Educação Especial – SUESP2; e os Secretários Municipais de Educação do Es- tado do RN. Os dois grupos responderam a um questionário com informações sobre as Salas de Recursos Multifuncionais do Estado. O questionário apresentava os aspectos descritos na tabela abaixo. O objetivo do questionário foi identificar por município as seguintes informações: a) quantidade de Salas de Recursos Multi- funcionais; b) quantidade de professores efetivos alocados nas sa- las; c) formação dos professores; d) tipo de salas; e) quantidade de alunos; f) horário de funcionamento. Do primeiro grupo de sujeitos (funcionários da SUESP), conseguiu-se mapear 100%3 das escolas estaduais, uma vez que a Subcoordenadoria possui um cadastro atualizado com todas as informações que o questionário solicitava. 2A SUESP é uma Subcoordenadoria de Educação Especial, ligada diretamente a Se- cretaria Estadual de Educação do estado do Rio Grande do Norte. Tem como obje- tivo organizar, orientar e oferecer subsídios ao processo inclusivo nas escolas da rede estadual. 3Enfatiza-se que a coleta dos dados foi autorizada pela então, Secretária Estadual de Educação do Rio Grande do Norte L ú c i a d e A r a ú j o R a m o s M a r t i n s ( O r g . ) | 170 SUMÁRIO No entanto, a rede municipal, composta por 167 municípios, ape- nas 119 retornaram o e-mail com o questionário respondido. A segunda etapa do diagnóstico teve como alvo os professo- res da rede estadual que atuam nas SRM. Escolheu-se trabalhar com esta rede de ensino, por se tornar mais fácil o contato com es- tes profissionais, pois a Secretaria Estadualé dividida em 16 Dire- torias Regionais de Ensino e Cultura - DIREC, organizadas com se- tores de educação especial, inclusive com cadastro dos educadores que atuam nas SRMF. Após as respostas do questionário enviado à Secretária Es- tadual e Secretários Municipais, foi realizado o levantamento do quantitativo de professores alocados nas Salas de Recursos Multi- funcionais da rede estadual do RN. Esta informação foi conseguida junto a Secretaria Estadual de Educação e as Diretorias Regionais de Ensino e Cultura. A listagem com os dados de nome e e-mail dos professores foi elaborada e foi enviado um convite eletrônico, junto com o questionário. Foram identificados 281 professores, mas foram obtidos os contatos de apenas 120 deles. Destes, 50 res- ponderam à solicitação de participação. Com este instrumento, composto por 7 questões, sendo 4 objetivas e 3 subjetivas, foram avaliados os seguintes domínios: a) o tempo de atuação na sala de recursos; b) a deficiência que sente mais dificuldade em trabalhar; c) o entendimento do professor so- bre o que é tecnologia assistiva; d) se os professores utilizam a tec- nologia assistiva nos atendimentos; e) os benefícios percebidos da tecnologia assistiva para a aprendizagem; f) as dificuldades de tra- balhar com a tecnologia assistiva; g) a tecnologia assistiva utilizada com mais frequência nos atendimentos. D e s a f i o s d a I n c l u s ã o E s c o l a r | 171 SUMÁRIO ANÁLISE DOCUMENTAL A análise documental constituiu-se em uma importante fonte de informações, para a pesquisadora, pois esta teve acesso aos dados que não foram tratados analiticamente, ou que podem ser analisados novamente. Neste sentido, a análise documental permite que sejam estudados de modo qualitativo os fenômenos a serem compreendidos. De acordo com Gil (2010, p. 45) a pesquisa documental é conceituada como a análise “de materiais que não receberam ainda um tratamento analítico, ou que ainda podem ser reelaborados de acordo com os objetos da pesquisa”. Yin (2005, p. 112) diz que a utilidade da pesquisa documental “é corroborar e valorizar as evidências oriundas de outras fontes”, ou seja, o pes- quisador ancora-se na pesquisa documental para esclarecer ou consolidar informações obtidas em outros instrumentos da pes- quisa. Nesta perspectiva, analisaram-se os seguintes documentos: relatórios e site do MEC, dados estatísticos do IBGE, leis, decretos e notas técnicas que discutiam as questões relacionadas ao objeto de estudo. PROCEDIMENTOS Os dados oriundos dos questionários foram analisados se- guindo-se por duas estratégias, a saber, análise estatística descri- tiva para as questões objetivas e análise das questões apresenta- das pelos sujeitos, onde estas foram organizadas de acordo com as categorias apresentadas pelos próprios sujeitos. L ú c i a d e A r a ú j o R a m o s M a r t i n s ( O r g . ) | 172 SUMÁRIO RESULTADOS E DISCUSSÕES A primeira parte deste estudo ocorreu no estado do Rio Grande do Norte, cuja a capital é a cidade do Natal, localizado na Região nordeste do Brasil, que é composta por nove estados. Tem clima tropical úmido e semiárido, com área geográfica de 52.811.107 (dados de 2016), sua densidade demográfica é de 59,99 (hab/km²) (dados de 2010), seu índice de Desenvolvimento Humano - IDH é de 0,684, apresentando um grau de urbanização de 77,8%. Está dividido em 167 municípios, onde residem 3.507.003 (dados de 2017)4 apresentando um total de domicílios de aproximadamente 899.498, com expectativa de vida ao nascer de 74,97 anos, e taxa de mortalidade infantil de 44,8 a cada mil nas- cidos vivos. O rendimento mensal domiciliar per capita é de R$ 845,00 (dados de 2017) (IBGE, 2018).5 Buscando ainda aproximar a realidade do estado ao tema do referido estudo, procurou-se identificar os dados educacionais do estado, principalmente no tocante ao acesso à educação básica. De acordo com a LDB 9.394/96, é responsabilidade dos municípios a oferta da educação infantil e ensino fundamental e, o Estado seria o ente que deveria responsabilizar-se pela oferta do ensino médio. No site do IBGE (2018) estão descritas as informações mostradas no Gráfico 7 sobre o ranking de atendimento, a demanda a nível nacional e o total de estudantes matriculados nestas etapas de en- sino. 4Informações disponíveis no site: www.ibge.gov.br/estatisticas-novoportal/por-ci- dade-estado-estatisticas.html?t=destaques&c=24. Acessado em 01 de junho de 2018 5Informações disponíveis no site: www.ibge.gov.br/estatisticas-novoportal/por-ci- dade-estado-estatisticas.html?t=destaques&c=24. Acesso em 01 de jun. de 2018. http://www.ibge.gov.br/estatisticas-novoportal/por-cidade-estado-estatisticas.html?t=destaques&c=24 http://www.ibge.gov.br/estatisticas-novoportal/por-cidade-estado-estatisticas.html?t=destaques&c=24 http://www.ibge.gov.br/estatisticas-novoportal/por-cidade-estado-estatisticas.html?t=destaques&c=24 http://www.ibge.gov.br/estatisticas-novoportal/por-cidade-estado-estatisticas.html?t=destaques&c=24 D e s a f i o s d a I n c l u s ã o E s c o l a r | 173 SUMÁRIO Gráfico 01 - Acesso à educação básica Fonte: IBGE (2018). Percebe-se que nas matrículas no estado, cerca de 705.338, apenas 89.326 (18%) encontram-se frequentando a educação in- fantil, sendo estes, dados significativamente abaixo do número es- perado. Contexto similar é identificado onde estão matriculados aproximadamente 486.560 (69%). Quanto ao ensino médio, a pro- cura por este nível também é pequena, pois apenas 129.452 (13%) encontram-se cursando este nível. O Gráfico 1 expõe os dados relacionados à quantidade de do- centes e número de estabelecimentos de ensino no RN, coletados a partir das informações no site do IBGE (2018). L ú c i a d e A r a ú j o R a m o s M a r t i n s ( O r g . ) | 174 SUMÁRIO Gráfico 2 - Número de estabelecimentos de ensino e de docentes no RN6 Fonte: IBGE (2018). Percebe-se nas informações acima expostas que o número de docentes que atuam no ensino fundamental é de 25.065, ultra- passa os que lecionam na educação infantil, 2.801. Tal fato parece estar relacionado com a política pública que até 2015 deixava a educação infantil como uma etapa opcional, ou seja, pais decidiam se os filhos deveriam cursar ou não esta etapa. No tocante ao fato do número de docentes que atuam no ensino médio (7.146) ser menor que os do ensino fundamental, acredita-se que a evasão no ensino médio, ainda é alta, ocasionando uma formação menor de turmas e, consequentemente uma menor contratação dos profes- sores. Quanto aos estabelecimentos de ensino do RN, a menor oferta encontra-se destinada ao ensino médio, com 6Informações oferecidas pelo IBGE, coletadas por este órgão em 2015. Disponível no site: cidades.ibge.gov.br/brasil/rn/panorama. Acesso em 01 de jun. de 2018. D e s a f i o s d a I n c l u s ã o E s c o l a r | 175 SUMÁRIO aproximadamente 438 instituições. Neste nível, ressalta-se que o ensino é de responsabilidade do Estado, e que, as escolas, muitas vezes, ofertam o ensino médio em três turnos, diferentes do que ocorre na educação infantil e no ensino fundamental, nos quais são dois, ou apenas um turno. Neste sentido, a oferta do nível médio em três turnos, reduz a quantidade de prédios escolares a serem utilizados. Em pesquisa realizada no portal do SIGETEC (2018), órgão responsável pela distribuição7 das Salas de Recursos Multifuncio- nais - SRM no Brasil, pôde-se constatar que dos 167 municípios do Rio Grande do Norte, apenas oito não receberam os Kits da sala de recursos. No Gráfico 3, encontra-se a quantidade de cidades de cada região que receberam estes kits. 7Estes equipamentos foram distribuídos entre os anos de 2008 a 2014. Informações obtidas no site: www.fnde.gov.br/sigetec/sisseed_fra.phpwww.fnde.gov.br/sigetec/sis-seed_fra.php. Acesso em 24 de maio de 2018. http://www.fnde.gov.br/sigetec/sisseed_fra.phpwww.fnde.gov.br/sigetec/sisseed_fra.php http://www.fnde.gov.br/sigetec/sisseed_fra.phpwww.fnde.gov.br/sigetec/sisseed_fra.php L ú c i a d e A r a ú j o R a m o s M a r t i n s ( O r g . ) | 176 SUMÁRIO Gráfico 3 - Distribuição das Salas de Recursos da Rede Municipal pelo Ministério da Educação. Fonte: Dados da pesquisadora8 (2018). Percebe-se que a rede municipal está bem assistida pelo Mi- nistério da Educação, no tocante à oferta dos equipamentos das SRM. Tal contexto certamente direciona-se pela oferta da educação infantil e do ensino fundamental ser realizada pelos municípios e ainda, as crianças com deficiência estarem entrando nestes níveis mais cedo. No entanto, apesar dessa assistência oferecida pelo MEC, es- tas ações não estão traduzindo-se em efetivação da oferta do ser- viço, pois como percebe-se no gráfico acima dos 167 municípios do estado, 159 receberam os kits das SRM e apenas 99 tem a SRM fun- cionando. 8Gráfico elaborado com as informações disponíveis no site: www.fnde.gov.br/sige- tec/sisseed_fra.phpwww.fnde.gov.br/sigetec/sisseed_fra.php. Acessado em 24 de maio de 2018. http://www.fnde.gov.br/sigetec/sisseed_fra.phpwww.fnde.gov.br/sigetec/sisseed_fra.php http://www.fnde.gov.br/sigetec/sisseed_fra.phpwww.fnde.gov.br/sigetec/sisseed_fra.php D e s a f i o s d a I n c l u s ã o E s c o l a r | 177 SUMÁRIO A aplicação dos questionários na rede estadual, mediada pela SUESP, órgão responsável pela orientação, funcionamento e orga- nização da educação especial e inclusiva na rede estadual de en- sino, forneceu as informações exposta no Gráfico 04. Os números expostos no gráfico destacam que dos 167 mu- nicípios que ofertam o Ensino Estadual no Estado, apenas 1349fo- ram contemplados e 33 não receberam os kits. Já na rede estadual, percebe-se uma discreta diferença dos municípios que foram equi- pados pelo Ministério da Educação e Cultura - MEC. Gráfico 04 - Distribuição das Salas de Recursos da Rede Estadual pelo Ministério da educação e a Implementação do AEE Fonte: Dados da pesquisadora (2018). 9Estes dados referem-se aos dados disponibilizados pelo MEC, onde as informações estão disponíveis em: www.fnde.gov.br/sigetec/sis- seed_fra.phpwww.fnde.gov.br/sigetec/sisseed_fra.php. Acessado em 24 de maio de 2018 http://www.fnde.gov.br/sigetec/sisseed_fra.phpwww.fnde.gov.br/sigetec/sisseed_fra.php http://www.fnde.gov.br/sigetec/sisseed_fra.phpwww.fnde.gov.br/sigetec/sisseed_fra.php L ú c i a d e A r a ú j o R a m o s M a r t i n s ( O r g . ) | 178 SUMÁRIO Verifica-se também que a rede municipal recebeu os equipa- mentos em maior quantidade, em relação às escolas estaduais, com uma diferença de 25 municípios. Tal realidade ocorre devido a po- lítica da educação especial na perspectiva da educação inclusiva desencadeada em 2008, onde o processo inclusivo passou a ter maior ênfase, e as escolas especiais deixaram de ofertar o ensino regular. Assim, a rede municipal, responsável pela oferta da educa- ção infantil e fundamental, passa a receber os alunos com deficiên- cia mais rápido que a rede estadual, responsável pela oferta do en- sino médio. Consequentemente, os alunos, público da educação especial, passaram a ser informados no censo escolar e, deste modo, as es- colas foram contempladas com os recursos da política de educação especial, entre eles, as Salas de Recursos Multifuncionais. As informações acima expressam um contexto preocupante da oferta do AEE na rede estadual de ensino do RN, uma vez que, dos 167 municípios, apenas 64 oferecem o AEE. Outra preocupa- ção ainda perceptível relaciona-se aos dados do SIGETEC (2018), quando este disponibiliza que do total dos municípios do RN que ofertam o ensino na rede estadual, foram entregues a 134 kits para as SRMF, porém de acordo com a SUESP, estão atualmente funcio- nando apenas 64 salas, questionário com perguntas aos Secretá- rios Municipais e Estaduais de Educação. No entanto, os dados acima ainda diferem da realidade atual, pois ao enviar um perce- beu-se que alguns municípios, mesmo tendo sido contemplados com os equipamentos das SRM, não oferecem este serviço aos edu- candos que dele necessitam. A tabela acima expõe a realidade da rede municipal de en- sino no tocante à oferta do AEE, infelizmente, dos 167 municípios do estado, 119 retornaram o e-mail com as informações solicita- das. Neste contexto, compreende-se que existe uma quantidade significativa de municípios, sendo 99 que ofertam o AEE e apenas D e s a f i o s d a I n c l u s ã o E s c o l a r | 179 SUMÁRIO 20 não conseguiram ainda implementar tal serviço. Há de se pen- sar que, naturalmente os educandos que estão concluindo o ensino fundamental, oriundos da rede municipal de ensino, terão que ma- tricular-se na rede estadual e, que consequentemente ficarão sem a oferta do AEE. A diferença entre as redes municipais, hoje é de 35 municípios que não ofertam. Através da Portaria Ministerial nº 13 de 2007, institui o Atendimento Educacional Especializado - AEE, o qual objetiva ga- rantir a matrícula e permanência na escola dos alunos com defici- ência, transtornos globais do desenvolvimento e/ou altas habilida- des/superdotação. A escolha das instituições que receberão as SRMF é reali- zada pelos gestores da rede estadual ou municipal de ensino, atra- vés do Sistema de Gestão Tecnológica do Ministério da Educação – SIGETEC. Para tanto, é firmado um termo de adesão entre o MEC e o gestor, no qual o último se responsabiliza por assegurar instala- ções físicas acessíveis e ainda, disponibilizar professores para rea- lizar os atendimentos. Em 2012, o Programa alcançou 5.020 municípios (90%). No período de 2005 a 2014, foram disponibilizadas 41.801 salas em escolas públicas de ensino regular, com registro de matrículas de estudantes público alvo da Educação Especial, em classes comuns (BRASIL, 2015, p. 17). Entre os anos de 2005 e 2007, este crescimento apesar de existente ainda era incipiente. No entanto, em meados de 2007 identifica-se expansão significativa da distribuição destas salas, saindo de um patamar de 250 salas para um número expressivo de 28.500. Tal realidade encontra-se ancorada no aumento de alunos da Educação Especial - EE matriculados na rede regular de ensino (BRASIL, 2015). L ú c i a d e A r a ú j o R a m o s M a r t i n s ( O r g . ) | 180 SUMÁRIO Evidentemente que não basta apenas o MEC equipar as SRM com o mobiliário e equipamentos tecnológicos e pedagógicos, é ne- cessário que os gestores assumam a responsabilidade sobre o fun- cionamento destas salas, disponibilizando professores e espaço fí- sico suficiente para a realização das atividades. Ainda em relação aos dados oferecidos pelos Secretários Municipais de educação, o questionário indagava em qual nível de ensino o AEE é ofertado. As respostas são ilustradas no Gráfico 05. Gráfico 05 - Nível de Ensino em que o AEE é ofertado Fonte: Dados da pesquisadora (2018). A inserção desta oferta de serviço nas escolas faz parte da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (2008), que tem como objetivos: Apoiar a organização da educação especial na perspectiva da edu- cação inclusiva; Assegurar o pleno acesso dos alunos público alvo da educação especial no ensino regular em igualdade de condições com os demais alunos; Disponibilizar recursos pedagógicos e de acessibilidade às escolas regulares da rede pública de ensino; Pro- mover o desenvolvimento profissional e a participação da comuni- dade escolar (BRASIL, 2016, p. 9). D e s a f i o s d a I n c l u s ã o E s c o l a r | 181 SUMÁRIO Nesta vertente, pode-se compreender que o Ministério da Educação eCultura - MEC demonstra uma preocupação em equi- par as escolas de ensino regular, formar e capacitar a equipe das escolas e assegurar que o processo inclusivo ocorra com mais efi- ciência, permitindo que os alunos consigam ampliar e desenvolver suas habilidades e competências. Outro aspecto evidenciado no questionário foi a quanti- dade de professores envolvidos na oferta do AEE na rede estadual, para o qual as respostas da SUESP e dos gestores municipais apre- sentaram os dados dispostos na Tabela 2: Quadro 2 - Professores que atuam nas salas de recursos das redes municipais e estaduais ENSINO PROFESSORES ATUANDO Municipal 42110 Estadual 281 Total 707 Fonte: Dados da pesquisadora (2018). Como se pode perceber a quantidade de professores da rede municipal é maior que a da rede estadual, evidenciando que, a maioria dos alunos também se encontra na rede municipal. No tocante ao contexto estadual, atuam hoje 281 professores. Em re- lação à quantidade de alunos, somente conseguiu-se coletar na rede municipal, na qual se encontram, em média, 3676 alunos sendo atendidos nas salas de recursos. 10 Este número corresponde há uma realidade de 99 municípios que retornaram os e-mails com as informações solicitadas L ú c i a d e A r a ú j o R a m o s M a r t i n s ( O r g . ) | 182 SUMÁRIO Outra indagação do questionário objetivou identificar a gra- duação dos educadores que trabalhavam na oferta do AEE no Es- tado (rede estadual e municipal). Os resultados são apresentados no Gráfico 06. Gráfico 6 - Formação inicial dos professores Fonte: Dados da pesquisadora (2018). Ressalta-se que estas habilitações atendem aos requisitos do MEC, o qual exige que os educadores que atuem nas SRMF te- nham formação inicial que o habilite para o exercício da docência (BRASIL, 2010). Em termos históricos, a formação de professores sempre foi permeada por discussões e análises, uma vez que este profissional precisa adequar-se constantemente às modificações que ocorrem na sociedade, no conhecimento e nos modos de ensinar e aprender na escola. Com as reflexões advindas do paradigma inclusivo, par- ticularmente ocorridas após a Declaração de Salamanca (1994), a formação de professores passa a ser compreendida como um pres- suposto indispensável para a efetivação desta política educacional. D e s a f i o s d a I n c l u s ã o E s c o l a r | 183 SUMÁRIO Para atuar nas SRM o professor precisa atender às exigên- cias dispostas na Resolução nº 4/2009, que em seu Art. 12 refe- renda que este profissional precisa ser habilitado para exercer as funções docentes nos termos da legislação nacional (LDBEN, 1996) e ainda, ser detentor de uma formação específica na área de edu- cação especial. Nesta vertente, entende-se que este professor deve estar em constante formação, permitindo-o, compreender e acom- panhar os estudos relacionados à complexidade do ato de ensinar e aprender, ou seja, “pensar a diversidade na escola nos impõe con- ceber a amplitude das formas como esta se apresenta no cotidiano escolar” (MAGALHÃES, 2014, p. 05). Pautado nestas concepções de inacabamento, esse professor deve motivar-se sempre a construir e ampliar seus conhecimentos, num processo permanente de aprendizagem (FREIRE, 2002). Na pergunta seguinte, questionou-se se os educadores ti- nham pós-graduação. As respostas encontram-se apresentadas no Gráfico 07: Gráfico 07 - Tipo da Pós-graduação dos educadores do AEE Fonte: Dados da pesquisadora (2018). L ú c i a d e A r a ú j o R a m o s M a r t i n s ( O r g . ) | 184 SUMÁRIO Nos documentos do MEC (BRASIL, 2010) enfatiza-se que o professor deverá ter formação específica na área de educação es- pecial. Tais dados deixam evidente a necessidade de se implemen- tar uma formação específica para os profissionais que atuam nes- tas salas, visto que apenas o curso a nível de pós-graduação que destaca os conhecimentos específicos para atuar nas SRM é o AEE e o de educação especial. Nesse sentido, compreende-se que o professor do AEE ne- cessita de uma formação consistente, específica e contínua para atuar com as inúmeras especificidades que sua profissão exige, de modo que este consiga promover o desenvolvimento das habilida- des e competências dos seus alunos. De acordo com os documentos nacionais, o professor do AEE deve articular a educação especial com a classe comum, o uso das tecnologias e os procedimentos pe- dagógicos adaptados, utilizando ainda o sistema de comunicação alternativa, LIBRAS e braille, evidenciando-o assim, como fio con- dutor do sucesso ou fracasso do processo inclusivo. A este respeito ressalta-se a necessidade da formação dos professores como elemento indispensável para o sucesso da polí- tica de inclusão no Brasil, compreendendo que “alunos e professo- res são tidos como sujeitos constituintes deste processo, e não ví- timas de decisões do “sistema” (MICHELS, 2011, p. 4). A pergunta seguinte objetivava caracterizar o tipo de sala de Recursos que o município dispõe, tendo-se o contexto apresen- tado no Gráfico 08. D e s a f i o s d a I n c l u s ã o E s c o l a r | 185 SUMÁRIO Gráfico 08 - Tipo de sala de Recursos Fonte: Dados da pesquisadora (2018). O cenário acima exposto é delineado pela presença maciça (76%) das salas de recursos do Tipo I, ou seja, são locais que se destinam a atender alunos com deficiência (exceto a visual), trans- torno global do desenvolvimento e altas habilidades/superdota- ção. Já a sala do Tipo II encontra-se com um percentual de 24%, sendo estas dotadas, além dos equipamentos da sala do Tipo I, de equipamentos que atendem às especificidades dos educandos com Deficiência Visual. O MEC iniciou em 2007 a implantação das SRM no âmbito das escolas da rede municipal e estadual de educação. A função da SRM é facilitar a acessibilidade da aprendizagem do aluno com recursos tecnológicos adaptados, considerando suas necessidades específi- cas, trabalhando a inclusão nos aspectos político, cultural e social- pedagógico, em defesa de todos os alunos, estando assim juntos 76% 24% Sala tipo I Sala Tipo II L ú c i a d e A r a ú j o R a m o s M a r t i n s ( O r g . ) | 186 SUMÁRIO aprendendo e participando sem nenhum tipo de discriminação (BRASIL, 2010). De acordo com a Portaria nº 13 de 2007, para atender melhor às especificações das escolas e das pessoas com NEE, as SRM divi- dem-se em dois tipos. Na sala tipo I, estão presentes materiais pe- dagógicos acessíveis aos alunos, com exceção daqueles que apre- sentam deficiência visual. Na sala de tipo II, além de todos os ma- teriais que compõem a sala tipo I, são acrescidos materiais especí- ficos para trabalhar e atender às necessidades das pessoas que apresentam deficiência visual (ROPOLLI, 2010). De acordo com os dados oferecidos pelo Ministério da Edu- cação, até 2013, o número de salas instaladas em todo o território nacional era de 36.272, assim distribuídos: Tipo I – 36.431; Tipo II - 1.433; e kits de atualização – 1.500 (BUENO, 2016). Ainda procurou-se identificar o horário de funcionamento das Salas de recursos, cujos resultados são mostrados no Gráfico 09: Gráfico 09 - Horário de funcionamento das SEM Fonte: Dados da pesquisadora (2018). D e s a f i o s d a I n c l u s ã o E s c o l a r | 187 SUMÁRIO Constata-se que as salas funcionam em 83% dos municípios pesquisados nos dois turnos, manhã e tarde, e, em aproximada- mente 8% atendem apenas em um turno. Tal realidade se dá por uma ausência de educandos nestes turnos, ou ainda, indisponibili- dade do profissional em atender os dois turnos. O horário de funcionamento das sem, também devem estar de acordo com as orientações do Decreto nº 7611, de 2011, onde direciona-se para que esse atendimento deva serofertado em turno contrário às aulas regulares, complementa ou suplementa a formação dos alunos com vistas à autonomia e à independência na escola e fora dela. Ainda nas pesquisas realizadas pelo SIGETEC11, consta na base de dados desta plataforma, a doação de equipamentos para as SRM para Instituições específicas, que se encontram listadas no quadro 03: Quadro 03 - Centros de formações e recursos contemplados com SRMF Nome da instituição Município NA NAAHS12 - Centro Estadual de Educação Especial Natal CAS13 - Centro de Capacitação de Profissionais da Edu- cação e de Atendimento às pessoas com Surdez Natal 11 Informações disponíveis no site: www.fnde.gov.br/sigetec/sisseed_fra.php. Acesso em 20 de maio de 2018. 12 Núcleos de Atividades de Altas Habilidades/ Superdotação): Apoiar a formação continuada de professores para atuar no atendimento educacional especializado a estudantes com altas habilidades/superdotação. 13 Centro de Capacitação de Profissionais da Educação e de Atendimento às Pessoas com Surdez): Promover a educação bilíngue, por meio da formação continuada de http://www.fnde.gov.br/sigetec/sisseed_fra.php L ú c i a d e A r a ú j o R a m o s M a r t i n s ( O r g . ) | 188 SUMÁRIO CAP/Natal - Centro de Apoio para Atendimento às Pessoas com Deficiência Visual Natal UFRN - Universidade Federal do Rio Grande do Norte Natal CAS - Centro de Capacitação de Profissionais da Edu- cação e de Atendimento às Pessoas com Surdez Mossoró CAP - Centro de Apoio Pedagógico às Pessoas com Deficiência Visual Mossoró NAPPB14 Mossoró - Centro de Apoio para Atendi- mento às Pessoas com Deficiência Visual Mossoró Fonte: Dados da pesquisadora (2018). De acordo com os dados acima destacados na tabela, infere- se que dos 167 municípios do estado, apenas duas cidades concen- tram a oferta do AEE em instituições especializadas. Na capital, es- tão equipadas SRM no NAAHS, que atende a educandos com Altas habilidades/superdotação, um Centro para alunos com Surdez, ou- tra Instituição para alunos com Deficiência Visual e ainda a Univer- sidade Federal do Rio Grande do Norte. Na cidade de Mossoró, es- tão equipadas o Centro de apoio à Deficiência Auditiva, ainda, dois centros de apoio às pessoas com Deficiência Visual Em relação à formação dos professores que atuam nas SRMF do estado, os dados apontam que 90% destes são graduados em pedagogia e os demais em áreas específicas da educação. Desta to- talidade, 50% possuem pós-graduação lato sensu em psicopedago- gia, 20% em Atendimento Educacional Especializado e 30% em áreas afins. Tal realidade revela a necessidade de realização de profissionais para oferta do AEE a estudantes surdos e com deficiência auditiva e da produção de materiais didáticos acessíveis. 14 Centro de Apoio para Atendimento às Pessoas com Deficiência Visual /NAPPB: Apoiar a formação continuada de professores para o atendimento educacional es- pecializado e a produção de material didático acessível aos estudantes com defici- ência visual. D e s a f i o s d a I n c l u s ã o E s c o l a r | 189 SUMÁRIO formações continuadas direcionadas aos professores recém admi- tidos, garantindo a ampliação das habilidades e competências, pro- movendo uma prática pedagógica mais significativa e eficiente. Mendes (2011) ressalta que tal formação é complexa, pois o edu- cador precisa conhecer os documentos que norteiam o processo inclusivo, as orientações em relação à Educação Especial na pers- pectiva da Educação Inclusiva, devendo ainda saber trabalhar com a diversidade de limitações e/ou habilidades que os alunos apre- sentam. Nota-se ainda que existe um percentual de 80% de salas do tipo I (atende aos educandos com deficiência, exceto visual, trans- torno global do desenvolvimento e altas habilidades/superdota- ção); e as demais, são as salas do tipo II (aquelas que dispõem de equipamentos específicos para atender aos educandos com defici- ência visual). O número de alunos envolvidos nos atendimentos das SRM ainda não foi contabilizado, pois a inserção dos dados no Censo escolar não havia sido realizada no sistema de informação utilizado pela rede estadual no momento da coleta dos dados. Quanto aos horários, 85% das salas da rede estadual funcionam nos dois turnos (manhã e tarde), as demais em apenas um turno. Os dados oriundos da aplicação do segundo questionário (su- jeitos 02), direcionado aos professores, abarcam aspectos mais es- pecíficos sobre sua atuação e formação dos profissionais que atuam nas SRM, conforme ilustra o gráfico abaixo. L ú c i a d e A r a ú j o R a m o s M a r t i n s ( O r g . ) | 190 SUMÁRIO Gráfico 10 - Tempo de atuação dos professores nas SRM. Fonte: Dados da pesquisadora (2018). Identifica-se que 30% dos professores que atuam nas SRMF têm um tempo de experiência de mais de cinco anos, 20% dos pro- fessores atuam no intervalo de um a cinco anos, enquanto 50% es- tão trabalhando há menos de um ano nestas salas. Vale salientar que esse último dado provavelmente reflete o fato do Estado do Rio Grande do Norte ter realizado recentemente concurso público com cargo específico para professor para atuar nas SRM recente- mente. Nestes termos tem-se que a formação de professores deve ser um ponto discutido, analisado e contextualizado dentro da prá- tica diária dos educadores, pautada em suas necessidades reais, permitindo, uma construção mais significativa das aprendizagens e, consequentemente, que ocorram modificações no interior das escolas. Naturalmente que as discussões destacadas nos estudos de Oliveira et al (2013), Pletsch (2014), Araújo e Martins (2018), Pri- eto e França (2018) dentre outros, relacionadas à formação de pro- fessores na área de educação inclusiva sempre provocaram ques- tionamentos, reflexões e discursos intensos. D e s a f i o s d a I n c l u s ã o E s c o l a r | 191 SUMÁRIO No entanto, há de se compreender que esta vertente é uma necessidade urgente, que não pode ser compreendida como polí- tica apenas de governo, mas com a inserção de uma política contí- nua que assegure aos professores a possibilidade de ressignificar seus conhecimentos e práticas, ampliação de aprendizagens e, con- sequentemente estes fatores possam solidificar-se no chão da es- cola, como uma educação de qualidade oferecida para todos os educandos. A segunda pergunta, indagava qual seria a deficiência que os professores enfrentam mais dificuldade para selecionar estra- tégias pedagógicas. As respostas encontram-se descritas no gráfico abaixo. Gráfico 11 - Deficiência que mais apresenta dificuldade para sele- cionar estratégias pedagógicas Fonte: Dados da pesquisadora (2018). A realidade acima descrita, demonstra a DI como sendo uma das que mais apresenta dificuldade em organizar estratégias L ú c i a d e A r a ú j o R a m o s M a r t i n s ( O r g . ) | 192 SUMÁRIO pedagógicas, isso ocorre devido não existir materiais específicos para esta deficiência, diferente das demais que dispõem da LIBRAS (Deficiência Auditiva) e Braille (deficiência Visual) e software ou Equipamentos das Tecnologias Assistivas para alunos com parali- sia cerebral. Trabalhar com a DI ainda mostra-se necessária e urgente de uma vez que, à prevalência desta deficiência na nossa sociedade, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE (2000), tem-se a existência de 24,5 milhões de brasileiros que apresentam alguma deficiência, e se estima que 50% deles tenham algum grau de DI (SCHWARTZMAN, LEDERMAN, 2017). Ainda nesse contexto, os dados disponibilizados pelo Instituto Nacional de Pesquisa e Estudos Educacionais Anísio Teixeira - INEP (2014) aponta que o maior número de estudantes atendidos pela educa- ção especial, tem diagnóstico de DI. Ressalta-seainda que a DI representa um percentual signifi- cativo de crianças matriculadas/incluídas na escola, a escassez de recursos direcionados a este público, assim como, a ideia veiculada pelo senso comum da incapacidade de aprendizagem desse grupo (MILANESI e MENDES, 2018). Também são acrescentadas a esta estatística a dificuldade que muitos educadores ainda enfrentam no tocante ao entendimento sobre a DI, as dificuldades que ela pode provocar, mas também ao desconhecimento sobre o aprendi- zado desses educandos (MILANEZ e OLIVEIRA, 2013). A terceira pergunta do questionário investigou acerca do pa- drão de uso de tecnologias assistivas na sala de recursos. A totali- dade dos educadores informou que utilizam as tecnologias assisti- vas em suas práticas cotidianas. Destaca-se aqui a importância que estas têm em relação ao desenvolvimento das aprendizagens dos educandos. Sob esta premissa, os documentos do Ministério da Educação (BRASIL, 2006) preconizam que a tecnologia assistiva D e s a f i o s d a I n c l u s ã o E s c o l a r | 193 SUMÁRIO deve ser inserida nas escolas, como um meio de ampliar e melho- rar o processo inclusivo das pessoas com deficiência. A quarta pergunta investigou a concepção dos professores sobre tecnologias assistivas. Por se tratar de uma pergunta subje- tiva, as respostas foram organizadas por categorias apresentadas pelos próprios sujeitos da pesquisa. Para tanto, identificou-se as temáticas mais prevalentes nas respostas e, posteriormente, estas foram agrupadas em categorias semelhantes. Destacam-se as principais e/ou mais recorrentes concepções no Quadro 04. Quadro 04 - Concepções sobre tecnologias assistivas por parte dos professores das SRMF Abrange todo tipo de recurso, estratégias, metodologias, que po- dem ser utilizadas para ensinar, reabilitar e proporcionar mais independência às pessoas com de- ficiência; São recursos e serviços que contribuem para proporcionar ou ampliar habilidades das pessoas com deficiência; Uma área do conhecimento, de característica interdisciplinar, que engloba produtos, recursos, metodologias, estratégias, práticas e serviços. Objetiva a promoção da funcionalidade, relacionada à atividade e participação de pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida. Visa a autonomia, independência, qualidade de vida e inclusão social. Fonte: Dados da pesquisadora (2018). L ú c i a d e A r a ú j o R a m o s M a r t i n s ( O r g . ) | 194 SUMÁRIO Ao analisar os conceitos do Quadro 12, pode-se refletir que os professores apresentam conceitos amplos sobre as tecnologias assistivas, uma vez que estes conseguem identificá-las como recur- sos capazes de melhorar a qualidade de vida das pessoas com de- ficiência. No entanto, em suas falas, estes profissionais não sinali- zaram a perspectiva da tecnologia assistiva melhorar as aprendi- zagens dos alunos no ambiente escolar, conforme expresso na le- gislação brasileira: O termo recurso de TA significa qualquer item, peça de equipa- mento ou um sistema de produto, quer seja adquirido comercial- mente, modificado ou customizado [...] que diretamente assiste um indivíduo com uma deficiência. (BRASIL, 2009b, p.15). No tocante ao texto destacado acima, foram identificadas, na fala de um dos sujeitos pesquisados, as orientações das políticas brasileiras, quando este afirma que TA “são recursos e serviços que contribuem para proporcionar ou ampliar habilidades funcionais de pessoas com deficiência e consequentemente promover vida in- dependente e inclusão” (SUJEITO 16). Portanto, os conceitos res- saltados pelos professores estão coerentes com as orientações do Ministério da Educação, o que nos leva a compreender que este en- tendimento pode efetivar-se na prática diária dos profissionais. Por sua vez, a quinta pergunta investigou o entendimento dos professores acerca de qual seria a utilidade da inserção da TA no processo de ensino e aprendizagem dos alunos com deficiência. A indagação foi formatada em contexto de múltipla escolha, no qual os sujeitos podiam marcar mais de uma alternativa, de acordo com seu(s) entendimento(s). D e s a f i o s d a I n c l u s ã o E s c o l a r | 195 SUMÁRIO Gráfico 12 - Concepções acerca da utilização das TAS no processo de ensino aprendizagem por parte dos professores das SRM. Fonte: Dados da pesquisadora (2018). Os dados expressos no Gráfico 12 revelam que 33% dos pro- fessores ressaltam que a inserção das tecnologias assistivas facilita a inclusão e ainda, 33% contribui para a comunicação entre alunos, assim como entre alunos e profissionais da educação. Ainda se identifica que 28% marcaram que a TA melhora a aprendizagem. Acerca do posicionamento assumido pelo conjunto dos pro- fessores, Scherer e Dal’Igna (2015 p. 421) observam que: As competências das professoras do AEE são construídas e trans- formadas por diferentes discursos: legais, psicológicos, psicopeda- gógicos e, de forma mais incipiente, pedagógicos. Tais discursos conformam as práticas desenvolvidas, que são reguladas pelas ideias do que seria a ‘boa prática’ e, inclusive, ‘o bom professor’ para atuar no AEE. L ú c i a d e A r a ú j o R a m o s M a r t i n s ( O r g . ) | 196 SUMÁRIO A partir do exposto, verifica-se que as respostas acima des- critas coincidem com a diversidade de experiência, aprendizagens e práticas realizadas pelos professores, o que evidencia que estes profissionais percebem que a TA contribui eficientemente para a promoção e desenvolvimento da inclusão escolar. Na sexta pergunta, os sujeitos discorreram sobre eventuais dificuldades enfrentadas na utilização das tecnologias assistivas nas Salas de Recursos Multifuncionais - SRM. Dada a complexidade das respostas subjetivas, fez-se uma categorização das respostas mais recorrentes, conforme apresentado Quadro 05. Quadro 05 - Eventuais dificuldades enfrentadas na utilização das Tecnologias Assistivas nas SEM Fonte: Dados da pesquisadora (2018). A partir das categorias elencadas, contata-se que as princi- pais dificuldades enfatizadas pelos professores foram: a formação para profissional insuficiente, a ausência de recursos e serviços, as- sim como a inadequação dos locais de trabalho. Tais categorias abarcam dimensões distintas da problemática, porém todas são necessárias ao pleno desenvolvimento das atividades profissionais e, consequentemente, estão envolvidas na melhoria das aprendi- zagens dos alunos. Formação e competência profissional insuficientes Ausência de recursos e serviços Ausência de acessibilidade das SRMF Não vejo Internet ruim Um local adequado para a manipulação de instrumentos e servi- ços para melhor interação com os alunos. D e s a f i o s d a I n c l u s ã o E s c o l a r | 197 SUMÁRIO Nestes aspectos, Fialho, Carvalho e Pinel (2016 p. 129) com- plementam que: A reconfiguração desses espaços de vida pulsante traz ao nosso en- trelaçar questões relevantes quando tratamos de inclusão, uma vez que essas possibilidades de comunicação nos proporcionam vivências de autonomia, autoria e acesso essenciais à Educação com equidade e inclusão. Exemplificando as categorias supracitadas, destaca-se a fala do sujeito 22 quando este diz que “uma das maiores dificuldades em trabalhar com as Tecnologias Assistivas está relacionada à ori- entação em como utilizá-las e, ainda não sabem ou não conseguem encontrar”. Nesta perspectiva, o professor denuncia uma demanda essencial ao processo de inclusão, a saber, o compartilhamento deste com toda a escola. Há que se defender a oferta permanente de capacitação docente, para que a sua prática ganhe sentido e seja efetiva no processo de desenvolvimento-aprendizagem destas cri- anças. Por fim, na última questão, os professores foram convidados adestacar quais eram as TAS que utilizavam com mais frequência nas SRM. L ú c i a d e A r a ú j o R a m o s M a r t i n s ( O r g . ) | 198 SUMÁRIO Gráfico 13 - TAS utilizadas com mais frequência nas SEM Fonte: Dados da pesquisadora (2018). Partindo-se das respostas descritas no Gráfico 13, identifica- se que os professores destacam as pranchas de comunicação alter- nativa e as atividades adaptadas como a TA mais frequente nos atendimentos da SRM. O sujeito 10 ressalta que “atividades adap- tadas como desenhos e leituras, jogos lúdicos, aulas de música e participação em projetos interdisciplinar”, são muito bem aceitas pelos alunos, ampliando suas aprendizagens. Posteriormente, são mencionadas o sistema dosvox, o braille fácil o scanner de voz. Acerca desta temática, Alves, Pereira e Viana (2017, p. 166) complementam que “o professor deve romper as barreiras no que se refere à utilização de todas as formas de tecnologias”. Assim, a inclusão das pessoas com deficiência traz a ela subjacente o que a lei preconiza, a saber, para além do acesso, a garantia de aprendi- zagens cada vez mais significativas e contextualizadas. D e s a f i o s d a I n c l u s ã o E s c o l a r | 199 SUMÁRIO CONSIDERAÇÕES FINAIS De acordo com o diagnóstico realizado, percebeu-se que no Estado do Rio Grande do Norte, uma parcela significativa das esco- las ainda não conseguiu efetivar o funcionamento das SRM no seu interior. Adicionalmente, existem escolas que possuem o disposi- tivo, mas não têm profissional especializado para atuar nestes es- paços ou não possuem a infraestrutura básica necessária. Além disso, as escolas que dispõem destes serviços ainda enfrentam obs- táculos para a implementação e/ou oferta de modo eficiente desta modalidade de ensino. A partir de questionários enviados a SUESP e às Secretarias Municipais, assim como, a busca em sites oficiais do MEC, consta- tou-se que: algumas escolas e/ou municípios que receberam os kits para as salas de Recursos Multifuncionais, não conseguiram efetivar os atendimentos; às salas de recursos atendem, em sua maioria (cerca de 96%), aos educandos matriculados no Ensino Fundamental; dos professores que atuam nestas salas, 92% são pe- dagogos e 56% são especialistas. No entanto, apenas 41% dos pro- fessores atendem as orientações do MEC, de acordo com as quais estes profissionais precisam estarem habilitados para atuarem nas SRMF com estudos a nível de pós-graduação em educação especial. Evidenciou-se que maioria (79%) das salas de recursos são caracterizadas por “Tipo I”, ou seja, não dispõem de equipamentos para atender as especificidades das pessoas com deficiência Visual. E ainda que 83% destas salas funcionam nos turnos matutino e vespertino. Assim, tem-se que as tecnologias assistivas configuram-se como um suporte necessário ao pleno desenvolvimento das habi- lidades e competências das pessoas com deficiências, além de pos- sibilitar a inserção qualitativa destes sujeitos na escola e na vida L ú c i a d e A r a ú j o R a m o s M a r t i n s ( O r g . ) | 200 SUMÁRIO social. No tocante ao contexto educacional, percebe-se que o uso destas tecnologias encontra-se em ascensão, uma vez que as SRMF dispõem de vasto material capaz de proporcionar práticas pedagó- gicas voltadas para o desenvolvimento deste grupo específico de alunos. Um fator importante é que todos os profissionais ressaltaram que utilizam as tecnologias assistivas em suas práticas pedagógi- cas, e demonstraram ter conceitos bem definidos sobre o uso das tecnologias assistivas. Destaca-se ainda que os profissionais afir- maram que a inserção das tecnologias assistivas no atendimento educacional especializado contribui para a comunicação entre alu- nos/alunos/profissionais da educação, facilitando a inclusão des- tes alunos, e melhorando significativamente o processo inclusivo, uma vez que proporcionam um processo de aprendizagem mais significativo. No tocante às muitas dificuldades destacadas pelos professo- res, são mais recorrentes a ausência de formação específica para atuação na área das tecnologias assistivas e ainda, a dificuldade em selecionar estratégias para os alunos com DI, por não existir ne- nhuma TA construída especificamente para esta deficiência. Tal as- pecto é concebido como um fator que dificulta esta inserção, bem como, a ausência de algumas tecnologias que poderiam ampliar e melhorar o desenvolvimento das aprendizagens dos alunos com necessidades educacionais especiais. Por fim, identifica-se que dentre as tecnologias assistivas utilizadas, os softwares são apon- tados como as mais prevalentes, seguidos da confecção de pran- chas de comunicação alternativa e demais atividades adaptadas pelos próprios professores. Neste sentido, percebe-se que o maior desafio para a imple- mentação das políticas de inclusão no estado do RN é a garantia deste direito à toda a população e em todos os municípios do es- tado, uma vez que hoje menos de 50% destes possuem SRM. D e s a f i o s d a I n c l u s ã o E s c o l a r | 201 SUMÁRIO Adicionalmente, verifica-se que não há programas de formação do- cente e de dotação das salas com o equipamento necessário para o exercício de qualidade da prática docente. Conclui-se, portanto, que se trata de necessidade premente o investimento na educação inclusiva, de modo a superar as fragilidades identificadas, garan- tindo o pleno direito de toda criança de desenvolver-se e de apren- der de modo significativo. A atual situação em que se encontram os sistemas educacio- nais revela dificuldades para atender às necessidades especiais dos alunos na escola regular. Um enorme aparato de leis, decretos e resoluções são publicadas com uma frequência muito grande, mas somente isto não basta, é preciso realmente exigir dos gover- nantes investimentos necessários para essa área. Não é hora de cruzar os braços e esperar que a ajuda venha, as crianças com de- ficiência estão necessitando de educadores que consigam desen- volver suas potencialidades. Ressalta-se que nesta pesquisa, conseguiu-se mapear a situ- ação de funcionamento das SRMF do estado, inclusive identifi- cando as cidades que ainda não ofertam o serviço. Percebeu-se que a maioria dos educadores que atuam nas SRM não possuía forma- ção em nível de pós-graduação para atuarem nestas, uma vez que a Lei coloca que o professor do AEE precisa ter formação na área de educação. Diante dos dados coletados, ainda surgiu a Deficiên- cia Intelectual, como umas das que mais careciam de materiais de apoio para as SRM. Identificou-se nas falas dos educadores que a Tecnologia é utilizada por eles nos atendimentos do AEE, porém de uma forma bastante incipiente, dada a ausência de formação es- pecífica nesta área. Sendo assim, destaca-se que a implementação das SRM se apresenta como um dispositivo capaz de apoiar, complementar e/ou suplementar o serviço educacional, de modo que garanta uma L ú c i a d e A r a ú j o R a m o s M a r t i n s ( O r g . ) | 202 SUMÁRIO educação escolar que promova o desenvolvimento das potenciali- dades dos educandos, tanto quanto possível. É na realidade um serviço que também oferece subsídios didáticos e pedagógicos aos professores que atuam nas salas comuns. REFERÊNCIAS ALVES, Maria Dolores Fortes; PEREIRA, Guilherme Vasconcelos; VIANA, Maria Aparecida Pereira: Tecnologia assistiva na perspectiva de educação inclu- siva: o ciberespaço como lócus de autonomia e autoria. Laplage em Revista (Sorocaba), vol. 3, n. 2, maio-agosto, 2017. ARAÚJO, Erika Soares de Oliveira e MARTINS, Lúcia de Araújo Ramos: O aten- dimento educacional especializado e seus desdobramentos na prática escolar. In: MARTINS, Lúcia de Araújo Ramos e MAGALHÃES, Rita de Cássia Barbosa Paiva (organizadoras). Processosformativos e desafios atuais da educação especial: olhares que se intercruzam. Fortaleza/CE: EDUECE, 2018. BRASIL. Decreto Nº 6.571, de 17 de setembro de 2008. Dispõe sobre o aten- dimento educacional especializado, regulamenta o parágrafo único do art. 60 da Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, e acrescenta dispositivo ao De- creto no 6.253, de 13 de novembro de 2007. BRASIL. Decreto Nº 7.611, de 17 de novembro de 2011. Dispõe sobre a edu- cação especial, o atendimento educacional especializado e dá outras providên- cias. BRASIL. Lei 13.146, de 6 de julho de 2015. Institui a Lei Brasileira de Inclu- são da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência). BRASIL. Lei n° 9394 das diretrizes e Bases da Educação. 1996. BRASIL. Lei Nº 13.409, de 28 de dezembro de 2016. Altera a Lei no 12.711, de 29 de agosto de 2012, para dispor sobre a reserva de vagas para pessoas com deficiência nos cursos técnico de nível médio e superior das instituições federais de ensino. D e s a f i o s d a I n c l u s ã o E s c o l a r | 203 SUMÁRIO BRASIL. Ministério da Educação e Cultura. Portaria Normativa Nº- 13, DE 24 DE ABRIL DE 2007. Dispõe sobre a criação do "Programa de Implantação de Salas de Recursos Multifuncionais, 2007. BRASIL. Ministério da Educação e Cultura. Secretaria de Educação Especial: Política Nacional da Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva. Brasília, 2008. BRASIL. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Secretaria de Educação Continuada, Alfa- betização, Diversidade e Inclusão. A Consolidação da Inclusão Escolar no Brasil 2003 a 2016, 2016. Disponível em: http://www.ufpb.br/cia/con- tents/manuais/a-consolidacao-da-inclusao-escolar-no-brasil-2003-a-2016.pdf. Acessado em 20 de abril de 2018. BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial. Manual de Orientação: Programa de Implantação de Sala de Recursos Multifuncionais. Brasília: A secretaria, 2010. BRASIL. Nota técnica nº 42 de 16 de junho de 2015. Orienta aos sistemas de ensino quanto a destinação dos materiais e equipamentos disponibilizados por meio do Programa de Salas de Recursos Multifuncionais, 2015. BRASIL. Orientações para Implementação da Política de Educação Espe- cial na Perspectiva da Educação Inclusiva, 2015. Disponível em: http://por- tal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=down- load&alias=17237-secadi-documento-subsidiario-2015&Itemid=30192. Aces- sado em 10 de maio de 2018. BRASIL. Subsecretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa com Defi- ciência. Comitê de Ajudas Técnicas Tecnologia Assistiva. Brasília: CORDE, 2009. BUENO, José Geraldo Silveira Bueno. O Atendimento Educacional Especiali- zado (AEE) como Programa Nuclear das Políticas de Educação Especial para a Inclusão Escolar. Tópicos Educacionais. Recife, v.22, n.1, jan./jun. 2016. Disponível em: https://periodicos.ufpe.br/revistas/topicoseducacio- nais/article/viewFile/22433/18624. Acessado em 20 de maio de 2018. L ú c i a d e A r a ú j o R a m o s M a r t i n s ( O r g . ) | 204 SUMÁRIO DECLARAÇÃO DE SALAMANCA. Sobre Princípios, Políticas e Práticas na Área das Necessidades Educativas Especiais. Espanha, 1994. Disponível em: >. Acesso em: 20 abril. 2018. FIALHO, Rejane Gandini, CARVALHO, Janete Magalhães e PINEL, Hiran: Tecno- logias, formação humana e equidade na escola, 2016. Disponível em: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/epdf/10.1111/1471-3802.12247. Aces- sado em 20 de março de 2019. FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática edu- cativa-21ª Edição- São Paulo. Editora Paz e Terra, 2002. GARCIA, Rosalba Maria Cardoso. Política de educação especial na perspec- tiva inclusiva e a formação docente no Brasil. Revista Brasileira de Educa- ção. Santa Catarina, v. 18, n. 52 jan./mar. 2013. Disponível em: http://sci- elo.br/pdf/rbedu/v18n52/07.pdf. Acesso em: 15 ABRIL. 2018. GIL, Antônio Carlos: Como elaborar projetos de pesquisa. 5. ed. - São Paulo: Atlas, 2010. IBGE. Dados estatísticos. Disponível em: www.ibge.gov.br/estatisticas-novo- portal/por-cidade-estado-estatisticas.html?t=destaques&c=24. Acessado em 01 de junho de 2018. MAGALHÃES, Rita de Cássia Barbosa Paiva. Aprendiz de mim mesma: traves- sias de uma professora/pesquisadora em Educação Especial, 2014. Disponível em: http://www.uece.br/endipe2014/ebooks/livro4/55.%20APREN- DIZ%20DE%20MIM%20MESMA_%20travessias%20de%20uma%20profes- sora_pesquisadora%20em%20Educa%C3%A7%C3%A3o%20Especial.pdf. Acessado em 21 de setembro de 2019. MENDES, E. G. A formação do professor e a política nacional de Educação Espe- cial. In: BAPTISTA, C. R; CAIADO, K. R. M; JESUS, D. M (Orgs.) Professores e Educação Especial: formação em foco. Porto Alegre: vol. 2, Mediação, 2011. MICHELS. Maria Helena. Gestão, formação docente e inclusão: eixos da re- forma educacional brasileira que atribuem contornos à organização escolar, 2011. D e s a f i o s d a I n c l u s ã o E s c o l a r | 205 SUMÁRIO MILANESI, Josiane Beltrame; MENDES, Enicéia Gonçalves: Atendimento educa- cional especializado para alunos com Deficiência Intelectual: considerações so- bre o ensino, os recursos e o planejamento. In: In: MARTINS, Lúcia de Araújo Ramos e MAGALHÃES, Rita de Cássia Barbosa Paiva (organizadoras). Proces- sos formativos e desafios atuais da educação especial: olhares que se in- tercruzam. Fortaleza/CE: EDUECE, 2018. MILANEZ, S. G. C; OLIVEIRA, A. A. S. de. O atendimento educacional especia- lizado para alunos com deficiência intelectual: a política, as concepções e a avaliação. In: MILENEZ, S. G. C (orgs.): Atendimento educacional especializado para alu- nos com deficiência intelectual e transtornos globais do desenvolvi- mento. São Paulo: Cultura Acadêmica, 2013. OLIVEIRA, A. A. S.. de; et al. Atendimento educacional especializado na área da deficiência intelectual: questões sobre a prática docente. In: MILENEZ, S. G. C (orgs.): Atendimento educacional especializado para alunos com deficiên- cia intelectual e transtornos globais do desenvolvimento. São Paulo: Cul- tura Acadêmica, 2013. PLETSCH, Márcia Denise. Educação Especial e Inclusão Escolar: Políticas, Práticas Curriculares e Processos de Ensino E Aprendizagem, 2014. Disponível em: https://www.revistas.ufg.br/poiesis/article/download/31204/16802. Acessado em 6 de maio de 2018. PRIETO, Rosângela Gavioli e FRANÇA, Marileide Gonçalves. Políticas atuais de educação numa perspectiva inclusiva: desafios á formação de professores. In: MARTINS, Lúcia de Araújo Ramos e MAGALHÃES, Rita de Cássia Barbosa Paiva (organizadoras). Processos formativos e desafios atuais da educação espe- cial: olhares que se intercruzam. Fortaleza/CE: EDUECE, 2018. RIZZI, L.; HAYDT, R. Atividades lúdicas na educação da criança. São Paulo: Ática, 2001. L ú c i a d e A r a ú j o R a m o s M a r t i n s ( O r g . ) | 206 SUMÁRIO ROPOLLI, Edilene Aparecida et al. A educação especial na perspectiva da in- clusão escolar: A escola comum inclusiva. Brasília: MEC, 2010. SCHERER, R. P., & DAL’IGNA, M. C.: Professoras do atendimento educacional es- pecializado: intervenção clínica ou pedagógica? 2015. Acta Scientiarum. Edu- cation, 37(4), 415-425. Disponível em: https://doi.org/10.4025/actascie- duc.v37i4.24642. Acessado em 20 de março de 2019. SCHWARTZMAN, José Salomão; LEDERMAN, Vivian Renne Gerber. Deficiência intelectual: causas e importância do diagnóstico e intervenção precoces. Dis- ponível em: http://revista.ibict.br/inclusao/article/viewFile/4028/3364. Acessado em 02 de janeiro de 2019. SIGETEC. Fundo de Desenvolvimento da Educação. Programa Implantação de Salas de Recursos Multifuncionais. Informações obtidas no site: www.fnde.gov.br/sigetec/sisseed_fra.phpwww.fnde.gov.br/sigetec/sis- seed_fra.php. Acessadoem 24 de maio de 2018. SILUK, Ana Cláudia Pavão (org.). Atendimento Educacional Especializado - contribuições para a prática pedagógica. Santa Maria: UFSM, CE, Laboratório de Pesquisa e Documentação, 2014. YIN, R. K. Estudo de caso: planejamento e métodos. 3. ed. Trad. Daniel Grassi. Porto Alegre: Bookman, 2005. http://www.fnde.gov.br/sigetec/sisseed_fra.phpww D e s a f i o s d a I n c l u s ã o E s c o l a r | 207 SUMÁRIO CAPÍTULO 7 NARRATIVAS DE AUTISMO: CONTRIBUIÇÕES PARA A ANÁLISE DE VIVÊNCIAS Ivanise Gomes de Souza Bittencourt Neiza de Lourdes Frederico Fumes INTRODUÇÃO É imperativo investigar as vivências de pessoas adultas com Transtorno do Espectro Autista (TEA) para o fortalecimento da discussão acerca das potencialidades e/ou fragilidades dos seus espaços de vida no seu desenvolvimento. Suas narrativas poderão colaborar na compreensão de suas experiências escolares e os as- pectos estruturantes /desestruturantes na sua constituição en- quanto sujeito. A preocupação em promover uma discussão sobre a relação dos espaços de vida com o desenvolvimento de pessoas com TEA se justifica por algumas razões. Primeiro, pelo que enfatizou Vygotski (1997) quanto ao desenvolvimento e aprendizagem do indivíduo. Estes são processos com raízes sociais, portanto, orien- tam-se pela dimensão sócio histórica e constituem-se nas intera- ções no espaço social. Outra justificativa é que conhecer o percurso de vida possi- bilita reflexões sobre como esse ser social se constituiu, o que L ú c i a d e A r a ú j o R a m o s M a r t i n s ( O r g . ) | 208 SUMÁRIO aprendeu e como se desenvolveu a partir das relações e interações que lhes foram possibilitadas e das práticas em que foi inserido (CHIOTE, 2013). Assim, esse estudo teve como objetivo analisar as vivências de uma pessoa adulta com TEA a partir das suas narrati- vas relacionadas às suas experiências em seus espaços de vida. Quanto as narrativas, estas possibilitam a profundidade de aspectos específicos a partir das histórias de vida, tanto do sujeito como do contexto situacional (MUYLAERT et al., 2014). Esse mé- todo permite estudar um fragmento particular da realidade social- histórica, um objeto social em seus contextos sociais, compreender como ele funciona e se transforma, destacando-se as configurações de relações sociais, os mecanismos e os processos (BERTAUX, 2010). Baseia-se em testemunhos da experiência vivida, por natu- reza, subjetivos, possibilitando numerosos indícios sobre as rela- ções e os processos sociais que se procura identificar e compreen- der. Conforme esse autor, as narrativas de vida descrevem a expe- riência vivida, enriquecendo-a e permitindo apreender as lógicas da ação em seu desenvolvimento biográfico e as configurações de relações sociais em seu desenvolvimento histórico. Muylaert et al (2014) também destacam que as entrevistas narrativas contribuem com a construção histórica da realidade e a partir do relato de fatos do passado promove-se o futuro. As nar- rativas, de acordo com esses autores, combinam histórias de vida a contextos sócio históricos onde foram construídas; revelam ex- periências individuais e identidades dos indivíduos, ou seja, as imagens que eles têm de si próprio. Possibilitar o envolvimento de pessoas com TEA consigo próprio, significa permiti-las serem narradoras das suas próprias experiências e estimulá-las a expressarem seus pensamentos. O uso de narrativas como fonte de investigação parte do reconheci- mento da pessoa com TEA enquanto sujeito de direito, de expres- sar suas opiniões, de ser ouvida sobre assuntos que lhes dizem D e s a f i o s d a I n c l u s ã o E s c o l a r | 209 SUMÁRIO respeito. Portanto, ao estudar as vivências de pessoas com TEA, são estas que devem ser ouvidas, e oportunizadas a expressarem os significados dos seus espaços de vida e o que lhes são importan- tes, na compreensão do que lhes são estruturantes para seu desen- volvimento. O que justificou a escolha pelo método da pesquisa narrativa nesse estudo. O PROCESSO DE APREENSÃO DA NARRATIVA DE VIDA A protagonista desse estudo, era do sexo feminino, com idade de 31 anos e diagnóstico de TEA. Encontrava-se em acompa- nhamento em Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) localizado no município de Maceió-AL.A mãe da protagonista foi convidada e aceitou participar como colaboradora na pesquisa, no forneci- mento de algumas informações acerca do percurso/espaços de vida da filha desde o seu nascimento. Para apreensão da narrativa utilizou-se de uma entrevista narrativa com a mãe (Etapa 1) de forma a obter a descrição de todo o percurso de vida da protagonista com TEA do estudo. E, posteri- ormente, foi realizada uma entrevista narrativa com a protago- nista (Etapa 2) para que esta pudesse relatar sobre as suas vivên- cias. Considerando que pessoas com TEA podem, segundo Pas- serino, Ávila e Bez (2010, p. 1), apresentar dificuldades em contar histórias, visto que “nem todas possuem as competências de comu- nicação capazes de possibilitar a sua interação com o meio”, ou seja, a apropriação da linguagem oral, utilizou-se o Sistema de Comuni- cação Alternativa para Letramento de Pessoas com Autismo (SCALA) na construção de histórias e promoção de narrativas como apoio nesse processo (Etapa 3). L ú c i a d e A r a ú j o R a m o s M a r t i n s ( O r g . ) | 210 SUMÁRIO O SCALA tem como objetivo apoiar o desenvolvimento do letramento de pessoas com autismo (BEZ et al, 2013). O primeiro protótipo foi desenvolvido em 2009, por pesquisadores do grupo de Tecnologia em Educação para Inclusão e Aprendizagem em So- ciedade (TEIAS) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), para computadores desktop e nos anos subsequentes ad- quiriu novas versões para funcionar na web e em dispositivos mó- veis como celular, tablets, entre outros (BEZ; PASSERINO, 2012). O referidosoftware é gratuito e foi desenvolvido sob a licença Crea- tive Commons. Em 2011, o SCALA 2.0 (http://scala.ufrgs.br) iniciou a pro- posta multiplataforma, de conteúdo aberto, para atender a de- manda de aplicativos para tablet. Possui dois módulos, prancha e histórias, e apresenta mais de 4.000 (quatro mil) imagens, dividi- das nas categorias (pessoas, objetos, natureza, ações, alimentos, sentimentos, qualidades) conforme Bez et al., (2013), as quais po- dem ser escolhidas pelos indivíduos na construção das suas histó- rias. As pranchas de comunicação, de acordo com essas autoras, são recursos de tecnologia assistiva que facilitam a comunicação entre pessoas com déficit de comunicação e outros participantes, além de contribuir para a interação e autonomia dos indivíduos. Nesse estudo, optou-se por utilizar o módulo “Narrativas Visuais”, que serve para construção de histórias, e apresenta flexibilidade na elaboração. Este módulo disponibiliza diversificados layouts, in- serção de imagens e edição das mesmas, escolha de cores e cená- rios. Dessa forma, o módulo de “Narrativas Visuais” (construção de histórias), do SCALA foi apresentado a protagonista com TEA para que conhecesse todos os seus recursos, de forma a promover a construção de suas histórias e narrativas sobre as suas experiên- cias em seus espaços de vida. D e s a f i o s d a I n c l u s ã o E s c o l a r | 211 SUMÁRIO Na primeira etapa da produção de dados, a mãe da protago- nista foi entrevistada em um local previamente agendado e e par- tiu-se da seguinte questão disparadora: Me relate todo o percurso de vida da sua filha do nascimento aos dias atuais. A entrevista nar- rativa foi realizada em um único momento com a mãe. Teve dura- ção de aproximadamente uma hora e foi gravada na íntegra. Na segunda etapa da produção de dados, realizou-se inici- almente a entrevista narrativa coma protagonista, utilizando-se, de forma similar à mãe, a seguinte questão: Me relate todo o seu percurso de vida até os dias atuais. Esse relato teve a duração de vinte minutos. E, num segundo encontro com a protagonista, reali- zou-se a atividade com o SCALA. A protagonista com TEA construiu suas histórias individu- ais, a partir dos seguintes temas que lhes foram sugeridos: “Minha família”,“A escola”,“O CAPS”,“O autismo” e “O futuro”. Logo em se- guida, foi convidada para narrar sobre o conteúdo das histórias, os personagens inseridos, os significados das imagens e sentimentos implícitos. Portanto, essa atividade no SCALA, também compôs os textos de campo desta pesquisa, como orientaram Clandinin e Con- nelly (2015) quanto as formas de registro das experiências. Importante destacar que essa pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UFAL, sob parecer no 1.340.279. Foram respeitados os procedimentos éticos, estabelecidos na re- solução 466/12, tendo sido apresentado o Termo de Consenti- mento Livre e Esclarecido (TCLE) para a participante com TEA e sua mãe. Como forma de preservar a identidade da protagonista da pesquisa, esta, optou por receber o nome fictício de Juliana. L ú c i a d e A r a ú j o R a m o s M a r t i n s ( O r g . ) | 212 SUMÁRIO CONHECENDO A NARRATIVA DE VIDA DE JULIANA a) O percurso de Juliana a partir do relato da mãe Juliana, 31 anos, era solteira, possuía Ensino Médio com- pleto, não exercia nenhuma profissão e seu local de tratamento era em um CAPS, com frequência de três vezes na semana. Nasceu no município de Maceió-AL, de parto cesáreo, sem in- tercorrências durante todo o período gestacional e com todo o acompanhamento de pré-natal. Era o primeiro caso de TEA na fa- mília. Residia na capital alagoana, com sua mãe de 67 anos (profes- sora aposentada, formada em Letras), seu pai de 61 anos (aposen- tado, técnico em Segurança do Trabalho) e sua irmã, mais nova, de 29 anos (fisioterapeuta). Aos nove meses de idade, sua mãe começou a ensinar os parabéns para a sua festa de um ano. Juliana inicialmente apresen- tava ter assimilado e batia palmas, porém, nos outros dias, quando novamente era estimulada, não mais respondia. Sua mãe ficou na dúvida quanto a algum problema em sua audição, pois passou a fi- car alheia ao mundo. Foram os primeiros sinais de alerta de alguma alteração em seu desenvolvimento. Com um ano de idade, realiza- ram a primeira consulta com um psiquiatra na busca por um diag- nóstico e assim prosseguiram durante anos por diversos destes profissionais, mas estes apresentavam dificuldades para deter- miná-lo. Aos dois anos pronunciava palavras de forma incompleta (dificuldade na linguagem) e andou com dois anos e sete meses (atraso no desenvolvimento motor), despertando ainda mais a atenção da mãe. O pai considerava que era dengo demais por parte da mãe, mas esta, já estava na expectativa de que alguma alteração existia. Em meio a essa indefinição quanto ao diagnóstico, Juliana ingressou na escola aos três anos de idade, tendo todo o seu per- curso somente por escolas regulares e privadas e com consecutivas D e s a f i o s d a I n c l u s ã o E s c o l a r | 213 SUMÁRIO mudanças de escola, por motivos diversos, mas principalmente pela fragilidade do sistema escolar, percebida pela mãe, em lidar com o ser diferente. Na primeira escola em que ingressou ficou por um período de apenas três meses, pois sofreu bullying de um co- lega de outra turma, que era seu vizinho de residência e ia para a porta da sua sala para ofendê-la. Ao saber disso, sua mãe a mudou de escola. A nova escola em que ingressou era grande em sua estru- tura e com quarenta crianças em uma sala de aula, impossibili- tando-a de uma assistência mais próxima pela professora. Uma das responsáveis pela escola falou para sua mãe que ali não era lugar para Juliana, mas a mãe insistiu na sua permanência. Posterior- mente, decidiu mudá-la desta escola, sendo que desta vez buscou uma escola menor. Nesse período, os psiquiatras consideraram-na com o diagnóstico de Desvio de Aprendizagem e Hiperatividade. Nesta outra escola, onde permaneceu dos quatro aos cinco anos, foi exigido que a família providenciasse uma acompanhante para Juliana e que se responsabilizasse pelos custos. A mãe contratou uma pessoa sem formação pedagógica, até mesmo pelas dificulda- des de encontrar professores com especialização para lidarem com esses casos. Porém, Juliana regrediu. E em casa, tudo o que ia fazer, solicitava que pegassem na sua mão, alegando não saber mais fazer o que já havia aprendido, inclusive para realizar as refeições. A partir do nascimento da sua irmã mais nova, ambas fo- ram estudando sempre nas mesmas escolas. Sua irmã foi desenvol- vendo, obtendo um bom desempenho e Juliana começou a não avançar nas séries. O que constrangia a mãe, pois era difícil para Juliana entender que a sua irmã, mais nova, já cursava séries mais avançadas do que ela e por isto pedia sempre para acompanhar sua irmã nas séries. Juliana desejava fazer as mesmas coisas que sua irmã, portanto, também não aceitava realizar o que ela não fazia. L ú c i a d e A r a ú j o R a m o s M a r t i n s ( O r g . ) | 214 SUMÁRIO Não frequentou escola especial, apesar das tentativas da mãe em duas dessas escolas. Alfabetizou-se aos sete anos de idade e sua mãe destacou o respeito, a admiração e a interação dos colegas de turma com ela, embora tivesse um comportamento evasivo e, muitas vezes, não se concentrar nas tarefas. Porém, sua aceitação nas escolas, apesar da rejeição destas, foi devido a insistência da mãe, que sempre procu- rou o melhor em termos dessas instituições. Comentou a mãe, que a opinião do pai era a de não a colocar na escola, pois este achava que não haveria retorno em termos de aprendizagem, visto que não identificava as possibilidades e perspectivas para Juliana. A mãe considerou o percurso escolar como difícil, porque as escolas não queriam aceitá-la e quando a aceitavam, exigiam o pa- gamento de uma taxa extra, por suas especificidades. Devido as di- versas dificuldades quanto a sua matrícula, Juliana passou cinco anos sem frequentar escola. No ato da matrícula, a mãe sempre in- formava às escolas sobre as características da filha e consequente- mente muitas se negavam a recebê-la. Durante esse tempo, sua mãe não soube mais o que fazer e Juliana ficava triste ao ver a irmã ir para a escola e ela não. Depois deste período, a jovem retornou à escola e cursou da quinta a oitava série, ainda que, por diversas vezes, tivesse sido encontrada fora da sala de aula, no pátio da es- cola. O fato de estar matriculada não significava a sua inclusão nesse sistema. Apesar das reclamações da mãe ao diretor, este jus- tificou que Juliana era muito rápida nas tarefas e que depois não dava para controlá-la em sala de aula. Somente saiu dessa escola com o encerramento de suas atividades, pelo fato de a mãe não mais aguentar procurar outra instituição. Na última escola que ingressou, em 2008, Juliana cursou o Ensino Médio, embora também alegarem não terem condições de recebê-la e de lhe darem um devido acompanhamento. Sua mãe, já esgotada de tantas dificuldades encontradas para sua inclusão, D e s a f i o s d a I n c l u s ã o E s c o l a r | 215 SUMÁRIO comunicou que iria procurar pelos devidos direitos e, então, a dei- xaram ficar. Juliana era a única aluna com deficiência da instituição e só no ano seguinte uma outra aluna foi matriculada. Os professores providenciavam tarefas avulsas para ela realizar enquanto eles da- vam aula e, desta forma, ela concluiu o Ensino Médio em 2010, aos vinte e cinco anos. Contudo, não possuía certificado de conclusão por ter havido um acordo com a escola de que nada seria exigido para que lhe aceitassem.Quanto ao Ensino Superior, sua mãe alegou que não a incen- tivou por receio de que sofresse bullying dos colegas e que se satis- fazia pela conclusão do seu Ensino Médio. Já fora do espaço escolar, ao ingressar em um CAPS, em 2012, através do encaminhamento de uma psicóloga, Juliana foi acompanhada pelos profissionais do serviço e inserida em diver- sas atividades. Neste espaço foi diagnosticada com TEA, aos vinte e nove anos de idade no ano de 2015. Quanto ao TEA, a mãe infor- mou que, mesmo com todas as atividades realizadas pelo CAPS, Ju- liana não aceitava o diagnóstico. A intensa busca de sua mãe por sua inclusão, fez Juliana reconhecer os preconceitos e as discrimi- nações da sociedade. Em virtude disso, evitava falar sobre o TEA, exercendo sempre atitudes de fuga por não se reconhecer com este diagnóstico. Não possuía independência para ir sozinha aos luga- res, estando sempre sob o acompanhamento da mãe. b) Os relatos de Juliana e narrativas construídas a partir do SCALA Em suas narrativas através do SCALA, Juliana realçou a im- portância do espaço escolar em sua vida. Demonstrou o L ú c i a d e A r a ú j o R a m o s M a r t i n s ( O r g . ) | 216 SUMÁRIO sentimento relacionado à escola em que concluiu o Ensino Médio e sempre pedia para voltar: Eu fui liberada por mim mesma do colégio. Deixei os meus amigos sozinhos, sem mim... [momento de pausa, baixou a cabeça e en- tristeceu-se]. Mas, se eu não fosse liberada, eu não ia ser liberada não! Eu ia ficar lá pra passar de ano. Eu fiz tudo pelos meus amigos de lá. Os professores já estão com saudade de mim no colégio, os amigos também! Aí fica difícil se... eu for liberada de novo e os ami- gos me segurar para eu não sair. Eu não deveria ter saído de lá não! Gosto de estudar desde a quinta série. Eu vou fazer de tudo. Eu vou fazer o melhor de tudo para que me chamem para ir para o colégio. Queria voltar, né? Eu não posso abandonar os meus amigos. Se eu abandonar os meus amigos vai ficar terrível para mim... Se depen- desse de mim, eu voltava para ficar por lá o tempo todo da minha vida (JULIANA). Verifica-se, em seu depoimento sobre essa última escola, a ênfase nos amigos. O que justifica que, ao contrário da sua irmã, Juliana não tinha amigos para se relacionar fora do espaço escolar. Ainda sobre a experiência escolar acrescentou: Eu tenho as minhas três camisetas do colégio guardadas de lem- brança e uma calça guardada de lembrança. Foi muito bom! Eu gos- tava da lanchonete...Eu fazia atividade... tirei nota dez em tudo! Tudo o que eu fiz na minha vida eu tirei dez! (JULIANA). É possível compreender a importância desse espaço na sua vida, pelas declarações e pelo ato de guardar seu uniforme como objeto de lembrança. Elaborou a história sobre a escola, Figura 1, utilizando um cenário de sala de aula e imagens representando a si, seus amigos, professores, biblioteca e seu sentimento quanto a esse espaço. D e s a f i o s d a I n c l u s ã o E s c o l a r | 217 SUMÁRIO Figura 1: A escola para Juliana Fonte: http://scala.ufrgs.br Quanto às imagens, explicou: “Aqui é meu amigo... Eu, a bi- blioteca da escola... eu adorava a biblioteca! Meus colegas, meus amigos, os professores... Eu me sentia muito feliz na escola!” (JULI- ANA). Há a recordação dos nomes dos seus colegas, provavelmente os mais próximos, com quem interagia e a evidência da sua satisfa- ção nesse espaço e com a experiência escolar. Do mesmo modo, a escola representava um espaço de relações e socialização para Ju- liana. Frequentar escola especial ou demais espaços para a edu- cação de pessoas com deficiência era algo que não lhe fazia sentido, pela referência de sua irmã que não frequentava este tipo de insti- tuição. Aceitou frequentar o CAPS, alegando sentir-se melhor ali e em suas produções incluiu diversos profissionais do serviço, seus colegas e as diversas atividades que realizava. Sobre o CAPS rela- tou: “Aqui no CAPS eu faço atendimento. Faço tudo. Faço tudo o que L ú c i a d e A r a ú j o R a m o s M a r t i n s ( O r g . ) | 218 SUMÁRIO eu devo fazer na minha vida. Poderia ser que sim... que eu gosto de vir aqui pro CAPS.” (JULIANA). Ao construir a história do CAPS, Figura 2, escolheu como ce- nário um ambiente com área verde e inseriu imagens simbolizando a si, os profissionais do serviço, os colegas, e as atividades que de- senvolvia. Figura 2: O CAPS para Juliana Fonte: http://scala.ufrgs.br E, explicou sobre cada imagem: “O faxineiro, a enfermeira, o guarda, a fonoaudióloga, minha colega de grupo, meu amigo e Eu. Me sinto melhor aqui no CAPS. Eu adoro! No CAPS faço atendimento, caminhada, alongamento, grupo e lancho” (JULIANA). Juliana apresentava dificuldades para aceitar o diagnóstico de TEA e disse conhecer algumas coisas, mas que preferia não falar sobre esse assunto, evidenciando sua fuga quanto a isso e a ima- gem desvalorizada de si quanto ao seu diagnóstico. Neste sentido, disse: “Sobre o autismo... é... sobre... o autismo [baixou a cabeça]. D e s a f i o s d a I n c l u s ã o E s c o l a r | 219 SUMÁRIO Conheço! Algumas coisas. Mas, é melhor não falar sobre isso!” (JULI- ANA). Para relatar sobre o autismo (Figura 3), Juliana utilizou um cenário de pôr-do-sol com pássaros voando e imagens de senti- mentos sobre si e seus amigos com TEA. Representou-se contente pela relação com os seus colegas de CAPS que possuíam o mesmo diagnóstico e que estes eram felizes e satisfeitos em suas vidas. Figura 3: O autismo para Juliana Fonte: http://scala.ufrgs.br Sobre essas imagens e personagens explicou: “Meu colega... [referiu nome] é agradável. Essa contente sou eu. O... [referiu nome de um colega] é feliz e... [referiu nome de uma colega] é satisfeita” (Juliana). Por ser o CAPS, seu ambiente para a sua socialização com os colegas, Juliana expressou sentimento de contentamento. Quanto a sua família, Juliana referiu sentir-se feliz e amada por seus familiares e a contextualizou, Figura 4, utilizando o cená- rio de um quarto e imagens representando a si e seus entes. L ú c i a d e A r a ú j o R a m o s M a r t i n s ( O r g . ) | 220 SUMÁRIO Figura 4: A família para Juliana Fonte: http://scala.ufrgs.br A respeito dessa produção, descreveu: “Essa é minha avó... [referiu o nome da avó paterna], mãe do meu pai. A minha irmã... [referiu o nome] que é fisioterapeuta, meus pais, eu e meus primos. Eu me sinto feliz com a minha família! ” (Juliana). E também narrou: “Sou amada e sou feliz! Eu quero muitas coisas... Adoro festa de ani- versário e gosto de abrir os olhos por conta das pessoas”. Verifica-se que, como dito pela mãe, Juliana se sentia amada pela família e se considerava feliz por isso. Com relação ao futuro, Juliana falou que estaria jogando ví- deo game. Seus sonhos e desejos eram relacionados ao uso do com- putador que gostaria de possuir para fazer pesquisa. Organizou a representação sobre o que desejava para o futuro, Figura 5, com um cenário espacial e imagens de si e de atividades que gostaria de realizar. http://scala.ufrgs.br/ D e s a f i o s d a I n c l u s ã o E s c o l a r | 221 SUMÁRIO Figura 5: O futuro para Juliana Fonte: http://scala.ufrgs.br Quanto a essa criação, explicou: “Gostaria de fazer a facul- dade do Colégio... [referiu o nome do colégio em que concluiu o en- sino médio], desenhar, recortar e colar e escrever um livro!” (Juli- ana). A partir desses aspectos foi possível compreender as relações das experiências de vida de Juliana com a sua escolaridade, seu de- senvolvimento e suas concepções de vida. ALGUMAS DISCUSSÕES Conforme visto, Juliana apresentou alterações em seu de- senvolvimentoaos nove meses de idade, as quais foram percebidas por sua mãe. De acordo com o DSM V, as primeiras manifestações de alteração no desenvolvimento são variadas entre os indivíduos de acordo com as suas características e seu ambiente, podendo ser reconhecidas antes dos 12 meses de idade e a surdez pode ser sus- peita porque a atenção é prejudicada (APA, 2013), situações que ocorreram com a participante. L ú c i a d e A r a ú j o R a m o s M a r t i n s ( O r g . ) | 222 SUMÁRIO No período em que Juliana vivenciou as primeiras experiên- cias escolares, estava em vigência a Lei n. 7.853, de 1989, que dis- punha sobre a inserção de estudantes com deficiência no sistema educacional privado ou público (BRASIL, 1989). Também na oca- sião, em 1990, a Lei 8.069 dispôs sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, cujo artigo 54 determinava como dever do Estado, o atendimento educacional especializado a pessoa com deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino (BRASIL, 1990). Ape- sar da existência de uma base legal, que garantia seus direitos, as escolas mostraram-se indiferentes a esta realidade, de modo a re- cusar a matrícula, exigir pagamento adicional, não apoiar o apren- dizado e mesmo não emitir a certificação da aluna, dentre outros. Essa resistência para a inclusão de alunos do público alvo da Educação Especial está em consonância com o estudo de Gulec- Aslan, Ozbey e Yassibas (2013), quanto aos problemas enfrentados para a permanência desses indivíduos na escola, no tocante aos ar- gumentos e às dificuldades impostas pelas autoridades escolares para a desistência dos pais. Em segundo lugar, na relação com a estrutura do sistema escolar em lidar com o ser diferente e com os vários diagnósticos no contexto da deficiência, influenciada pelo momento da história da humanidade e sociedade em que se vivia. Também a inabilidade do sistema escolar que produziu a exclusão ao lidar com Juliana em sala de aula, por exemplo, iso- lando-a das atividades comuns aos colegas. Tal situação também foi descrita no estudo de Gulec-Aslan, Ozbey e Yassibas (op.cit), em que um professor negligenciava um aluno com TEA, deixando-o isolado. A mãe também enfrentou a recusa para matrícula de Juliana nas escolas. Essa recusa resultou em um período de cinco anos em que a protagonista ficou afastada do sistema escolar, com compro- metimento em sua escolaridade. Bagarollo e Panhoca (2011) D e s a f i o s d a I n c l u s ã o E s c o l a r | 223 SUMÁRIO enfatizaram que as condições inadequadas da escola podem causar prejuízos nos anos decorrentes de escolaridade. As experiências escolares vivenciadas por Juliana permiti- ram identificar a relação que a escola tinha com a sua organização quanto aos alunos com deficiência. Um período de processo de construção das políticas quanto à formação de professores para a atenção à diversidade (BRASIL, 2002) e a perspectiva da educação inclusiva (BRASIL, 2008). O eixo da relação social com o saber en- contrava-se fragilizado para o atendimento das demandas de Juli- ana que concluiu o Ensino Médio no ano de 2010. A comparação de Juliana com sua irmã mais nova e a con- duta diferenciada entre seus pais, com sua mãe insistindo na sua inserção escolar e o seu pai desacreditado em suas possibilidades e perspectivas em termos de aprendizagem, tem consonância com Vygotski (1997), que destacou que o meio social em que se vive e sua relação influenciam na constituição e no desenvolvimento do indivíduo. Alude-se que esses fatores a influenciaram quanto a não aceitação da sua diferença e do seu diagnóstico de TEA, devido às implicações sociais desse diagnóstico. Os vínculos que contribuem para o desenvolvimento de um indivíduo foram rompidos e outros não estabelecidos nas experi- ências de vida de Juliana em virtude de suas especificidades. De acordo com Vygotski (1997), é preciso encarar esse problema, como um problema social, por suas consequências na constituição do indivíduo, pela exigência imanente da sociedade humana quanto a um modelo do ser social. O percurso de vida de Juliana, suas relações nos espaços da família, da escola e do CAPS, ou seja, em seu meio cultural como dito por Vygotski (1997), foram deter- minantes em sua constituição, visto que o processo de desenvolvi- mento e formação de um indivíduo é socialmente orientado. L ú c i a d e A r a ú j o R a m o s M a r t i n s ( O r g . ) | 224 SUMÁRIO Apesar de todas as dificuldades em aceitar o CAPS, local não frequentado por sua irmã, Juliana o considerava como importante para a sua interação e socialização com os outros, além da sua fa- mília. De acordo com a linha de cuidado para a atenção às pessoas com TEA no CAPS (BRASIL, 2013), este tem promovido espaços de convívio em variados espaços do território e da cidade. Neste, Juli- ana realizava atendimentos individuais ou em grupo; atividades comunitárias e de reabilitação psicossocial e atenção aos seus fa- miliares (BRASIL, 2013). As dificuldades enfrentadas para a sua inclusão escolar es- gotaram as esperanças e perspectivas da mãe quanto a Juliana, em virtude disso, conformou-se com a sua conclusão do Ensino Médio. Tal situação foi também verificada no estudo de Gulec-Aslan, Oz- bey e Yassibas (2013) – o fato de um jovem com deficiência (TEA) ter concluído o Ensino Médio já era o suficiente para sua mãe. Por outro lado, é importante destacar que a interrupção de sua escolaridade, para Vygotski (1997), resulta uma grave pertur- bação de todo o sistema de correlações sociais, nos vínculos com as pessoas, no seu papel e destino como partícipe da vida. Remete perda de funções sociais que implicam na realização psicossocial. E, a ruptura desse processo de escolarização em relação aos cole- gas remete impactos quanto às suas esperanças e perspectivas. No ano de 2012, instituiu-se a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com TEA sob a Lei 12.764 (BRASIL, 2012) e demais garantias de direitos, mas a participante já havia tido o seu percurso escolar concluído. Juliana teve seu diagnóstico de TEA definido de forma tar- dia, em 2015, aos vinte e nove anos de idade. Todos esses aspectos impactaram na sua forma de inscrição em uma rede de relações com os outros. D e s a f i o s d a I n c l u s ã o E s c o l a r | 225 SUMÁRIO CONSIDERAÇÕES FINAIS As experiências de escolarização e de vida da protagonista evidenciaram os inúmeros desafios para a família das pessoas com TEA quanto à inclusão escolar. A fragilidade do espaço escolar em lidar com o ser diferente produziu empecilhos para a matrícula e a permanência nesse sistema. A potencialidade do espaço familiar foi verificada quanto a mobilização por conhecimentos quanto ao transtorno, ao cuidado e na luta por seus direitos para a inclusão social e escolar. O percurso de vida apresentado permitiu compreender que a pessoa com TEA pode desenvolver uma imagem desvalorizada de si devido rupturas em suas expectativas, refletindo em conse- quências sociais na sua relação com o mundo e com a sociedade. O espaço do CAPS também contribui quanto ao cuidado, acolhimento e enquanto espaço de socialização e convívio de pessoas com TEA. Os espaços de vida, em suas potencialidades e fragilidades, consti- tuem esses indivíduos sendo que a educação e as relações pessoais desempenham um papel constitutivo para pessoa com TEA. Essas questões revelaram a importância das narrativas de vida para as investigações nas áreas de Ciências Humanas, Sociais e da Saúde, de forma a contribuir para o desenvolvimento de ou- tros estudos qualitativos. Com a técnica da entrevista narrativa foi possível oportunizar Juliana ser ouvida em suas vivências e signi- ficações das suas experiências. Também deve ser destacado o uso do SCALA que permitiu promover a produção de narrativasde uma pessoa com TEA, pois, mesmo que sejam oralizadas, o processo de construção de histórias proporciona uma maior riqueza de deta- lhes que podem não ter sido relatados na técnica da entrevista nar- rativa sobre as suas experiências de vida. L ú c i a d e A r a ú j o R a m o s M a r t i n s ( O r g . ) | 226 SUMÁRIO Estudos que envolvam pessoas adultas com TEA produ- zindo narrativas sobre as suas vivências, apoiados no uso da tec- nologia assistiva, especificamente na comunicação alternativa, ainda são pouco explorados nas pesquisas e se demonstram rele- vantes na compreensão dos aspectos estruturantes/desestrutu- rantes para o seu desenvolvimento. Conhecer esses aspectos im- plica na possibilidade de se construir caminhos e estratégias de in- tervenção singularizadas às necessidades específicas e com refe- rência a história de vida desses sujeitos. Assim, são necessários no- vos desdobramentos através de futuras investigações nesse âm- bito, que possam contribuir no desvelamento da pessoa com TEA para ações que promovam o seu desenvolvimento. REFERÊNCIAS APA. Diagnostic and statistical manual of mental disorders. 5. ed. Washing- ton, D. C.: American Psychiatric Association. 2013. BAGAROLLO, M.; PANHOCA, I. História de vida de adolescentes autistas: contri- buições para a Fonoaudiologia e a Pediatria. Rev Paul Pediatr, p. 100-107, 2011. BERTAUX, D. Narrativas de vida: a pesquisa e seus métodos. Natal: Edufrn, São Paulo: Paulus, 2010. BEZ, M. R. et al. Desenvolvimento de narrativas visuais no SCALA: estudo de caso de uma turma de inclusão da Educação Infantil. Informática na Educa- ção: teoria e prática. Porto Alegre, v. 16, n. 2, jul./dez, 2013. BEZ, M. R.; PASSERINO, L. M. Scala 2.0: software de comunicação alternativa para web. AVANCES Investigación en Ingeniería, v. 9, n. 1, 2012. BRASIL. Lei n. 7.853, de 24 de Outubro de 1989. Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência – Corde. 1989. Disponível http://legislacao.planalto.gov.br/legisla/legislacao.nsf/Viw_Identificacao/lei%207.853-1989?OpenDocument D e s a f i o s d a I n c l u s ã o E s c o l a r | 227 SUMÁRIO em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L7853.htm. Acesso: 27 dez. 2015. ______. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Estatuto da Criança e do Adoles- cente. 1990. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seesp/arqui- vos/pdf/lei8069_02.pdf. Acesso: 28 dez. 2015. ______. Resolução CNE/CP 1, de 18 de fevereiro de 2002. Diretrizes Curricu- lares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica. 2002. Disponível em: http://pr1.ufrj.br/images/stories/_pr1/dmdocu- ments/lic-res1-2002.pdf. Acesso: 30 dez. 2015. ______. Política nacional de educação especial na perspectiva da educação inclusiva. 2008. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/arquivos/pdf/politi- caeducespecial.pdf. Acesso: 30 dez. 2015. ______. Lei nº 12.764 de 27 de dezembro de 2012. Política Nacional de Prote- ção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista. 2012. Disponí- vel em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011- 2014/2012/lei/l12764.htm. Acesso em: 26 dez. 2015. ______. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Linha de cuidado para a atenção às pes- soas com Transtornos do Espectro do Autismo e suas famílias na Rede de Atenção Psicossocial do SUS / Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Brasília: Ministério da Saúde, 160 p, 2013. CHIOTE, F. A. Inclusão da criança com autismo na Educação Infantil: traba- lhando a mediação pedagógica. Rio de Janeiro: Wak, 2013. CLANDININ, D. J.; CONNELLY, F. M. Pesquisa narrativa: experiência e história em pesquisa qualitativa. 2. ed. rev. Uberlândia: EDUFU, 2015. GULEC-ASLAN, Y.; OZBEY, F.; YASSIBAS, U. I have lived an autism experience. autism is an interesting disease: the life story of a young man with autism. In- ternational Education Studies; v. 6, n. 1, 2013. http://legislacao.planalto.gov.br/legisla/legislacao.nsf/Viw_Identificacao/lei%2012.764-2012?OpenDocument L ú c i a d e A r a ú j o R a m o s M a r t i n s ( O r g . ) | 228 SUMÁRIO MUYLAERT, C. J. et al. Entrevistas narrativas: um importante recurso em pes- quisa qualitativa. Rev Esc Enferm USP, 48(Esp2), p.193-199, 2014. PASSERINO, L. M.; ÁVILA, B. G.; BEZ, M. R. SCALA: um sistema de comunicação alternativa para o letramento de pessoas com autismo. Renote, Novas Tecno- logias na Educação, CINTED-UFRGS, v. 8, n. 2, julho, 2010. Disponível em: http://seer.ufrgs.br/renote/article/view/15224/8987. Acesso: 18 jun. 2015. VYGOTSKI, L. S.. Los problemas fundamentales de la defectologíacontempo- ránea. In: Obras escogidas- Tomo V. Madrid: Visor Dis, 1997b. Texto original de 1929. D e s a f i o s d a I n c l u s ã o E s c o l a r | 229 SUMÁRIO CAPÍTULO 8 FRACASSO ESCOLAR, CULPABILIZAÇÃO DOS ALUNOS INOCENTIZAÇÃO DA ESCOLA: UM OLHAR SOBRE AS DIFICULDADES TRANSFORMADAS EM DEFICIÊNCIAS Janine Marta Coelho Rodrigues Silvestre Coelho Rodrigues INTRODUÇÃO A perversidade em adotar uma postura equivocada de culpa- bilização da criança por seus fracassos, faz com que essa idéia ex- trapole os muros locais e globais das instituições educacionais, quando analisa as transformações das teorias, dos projetos peda- gógicos e psicopedagógicos que pretensamente poderiam ser de- senvolvidos frente a compreensão do papel da escola, dos profes- sores e das famílias. Com um novo sentimento educativo, os profissionais ligados aos atendimentos especializados de prevenção e estimulação, se propõem a construir um olhar integral sobre a multidimensionali- dade e complexidade do ser humano, que tem alguma dificuldade em aprender ou apresenta deficiência ou descompassos em seu de- senvolvimento. Organizando apontamentos sobre cultura, saúde e educação, pensamos que a Educação entre suas várias finalidades, deve se L ú c i a d e A r a ú j o R a m o s M a r t i n s ( O r g . ) | 230 SUMÁRIO permitir formar profissionais capacitados para desenvolver ativi- dades que atendam não só de necessidades psicopedagógicas mas também que sejam capazes de planejar e executar atividades vol- tadas ao aconselhamento familiar, conhecendo e identificando os problemas encontrados nos processos de aprendizagem nos con- textos familiares das crianças. Discutir com professores, familiares e demais interessados, os argumentos mais aceitos como políticas públicas para que os processos constitucionais compartilhados e garantidos nos desa- fios cotidianos da convivência social, sejam processos efetivos de inclusão social, favorecendo a continuidade das ações aqui consi- deradas foco dos fenômenos estudados: direitos construídos e constitucionalmente garantidos, instituindo as questões da res- ponsabilização social, nos levam a experiências enriquecedoras de construções pessoais e sociais, onde se aborda e se reflete sobre as possibilidades de uma cidadania plena, numa sociedade justa e igualitária. A Educação Infantil é o marco inicial das aprendizagens, desse modo ao frequentar uma instituição de educação infantil, as crianças desenvolvem sua convivência social, seu desenvolvi- mento cognitivo, psicomotor, afetivo e social, através do comparti- lhamento das atividades compatíveis a sua idade, construindo também, suas identidades como pessoas, como cidadãs. Torna-se difícil então compreender, por que segundo dados oficiais, 8 milhões de crianças menores de três anos estão fora das creches no Brasil. A meta atual do governo ainda está longe de ser cumprida. O governo queria construir seis mil creches até o fim de 2018. Até agora, 1.180 foram entregues e o déficit