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<p>AULA 1</p><p>DIFICULDADES E TRANSTORNOS</p><p>DE APRENDIZAGEM</p><p>Prof. Adjuto de Eudes Fabri</p><p>2</p><p>INTRODUÇÃO</p><p>A aprendizagem é um processo que ocorre ao longo de toda a vida humana</p><p>e decorre da superação de dificuldades que a pessoa enfrenta em seu cotidiano.</p><p>Quando a criança se depara com seus primeiros desafios que envolvem</p><p>comportamentos como sentar, engatinhar, andar, falar entre outros, ela se vê</p><p>diante de dificuldades por não dominar estas tarefas. Entretanto, à medida que</p><p>ela tenha um incentivo, aos poucos vai superando os obstáculos e passa a</p><p>dominar as ações, tanto relacionadas a si quanto em relação aos objetos.</p><p>O mesmo processo ocorre em relação ao vínculo escolar, pois a criança se</p><p>depara com novidades que não fazem parte do seu cotidiano, especialmente o</p><p>conhecimento científico, e necessita de orientações para superar as dificuldades</p><p>iniciais que surgem nesse ambiente.</p><p>A escola é o lugar onde as dificuldades de aprendizagem são pontuadas,</p><p>pois os alunos acabam demonstrando problemas no domínio da leitura e da</p><p>escrita, que se estende à matemática. Cabe a escola entender como a dificuldade</p><p>se caracteriza em cada criança, orientando para que ela supere o problema e para</p><p>que estereótipos em relação ao processo de aprendizagem não fragilizem o</p><p>domínio conceitual que ela pode vir a ter.</p><p>TEMA 1 – DIFERENTES CONCEPÇÕES DE APRENDIZAGEM</p><p>O pensamento grego embasa a construção dos conceitos que envolvem a</p><p>aprendizagem, com destaque para a influência platônica e para a influência</p><p>aristotélica e seus impactos nos processos psicológicos e nas ações pedagógicas.</p><p>A constituição histórica do processo ensino-aprendizagem leva em conta</p><p>caminhos diferentes, que buscam explicar como o conhecimento é produzido,</p><p>compreendido e apropriado pelos indivíduos. Embora apresentem estruturas de</p><p>análises específicas, cada fundamentação busca a melhor forma de interpretar a</p><p>realidade e contribuir para o avanço do conhecimento científico.</p><p>Platão (2001) retrata sua teoria da reminiscência no diálogo entre Sócrates</p><p>e Mênon, em que a questão chave envolvia se a virtude poderia ou não ser</p><p>ensinada. Platão expressa nas palavras de Sócrates que nada pode ser aprendido</p><p>e que todo o conhecimento provém de nossa alma (pensamento).</p><p>3</p><p>Sócrates (Platão, 2001, p. 63-65) exemplifica para Mênon como ocorre a</p><p>rememoração ao ensinar um escravo (menino). Sócrates argumenta que não há</p><p>necessidade de o escravo aprender, pois o conhecimento já está dentro dele:</p><p>SÓCRATES. Que te parece, Mênon? Há uma opinião que não seja dele</p><p>que este deu como resposta?</p><p>MÊN. Não, mas sim dele.</p><p>SÓ. E no entanto, ele não sabia, como dizíamos um pouco antes.</p><p>MÊN. Dizes a verdade.</p><p>SÓ. Mas estavam nele, essas opiniões; ou não?</p><p>MÊN. Sim, estavam.</p><p>SÓ. Logo, naquele que não sabe, sobre as coisas que por ventura não</p><p>sabia, existem opiniões verdadeiras – sobre estas coisas que não sabe?</p><p>MÊN. Parece que sim.</p><p>SÓ. E agora, justamente, como um sonho, essas opiniões acabam de</p><p>erguer-se nele. E se alguém lhe puser essas mesmas questões</p><p>frequentemente e de diversas maneiras, bem sabes que ele acabará por</p><p>ter ciência sobre estas coisas não menos exatamente que ninguém.</p><p>MÊN. Parece.</p><p>SÓ. E ele terá ciência, sem que ninguém lhe tenha ensinado, mas sim</p><p>interrogado, recuperando ele mesmo, de si mesmo, a ciência, não é?</p><p>MÊN. Sim.</p><p>SÓ. Mas, recuperar alguém a ciência, ele mesmo em si mesmo, não é</p><p>rememorar?</p><p>MÊN. Perfeitamente. (Platão, 2001, pp.63-65)</p><p>Por sua vez, Aristóteles (1996) – embora tenha sido aluno da escola de</p><p>Platão – inverte a concepção platônica/socrática. Por exemplo, em relação à</p><p>virtude, Aristóteles considerava que ela era uma prática, um hábito, fruto de um</p><p>processo de ensino. Aristóteles (1996, p. 33) também associava a aprendizagem</p><p>ao processo de imitação, argumentando que “Imitar é natural ao homem desde a</p><p>infância”.</p><p>Rafael Sanzio (1509/1510) pintou na Stanza della Segnatura no Vaticano</p><p>um afresco denominado A Escola de Atenas (Figura 1), em que retrata como</p><p>personagens centrais Platão e Aristóteles. Platão aponta para o alto (mundo das</p><p>ideias), enquanto a mão de Aristóteles faz um movimento para baixo (empirismo),</p><p>demarcando a diferença entre as duas concepções de aprendizagem.</p><p>4</p><p>Figura 1 – Detalhe do afresco “A Escola de Atenas”, de Rafael Sanzio elaborado</p><p>no período de 1509/1510</p><p>Crédito: Palácio Apostólico, Vaticano/CC-PD.</p><p>A concepção platônica é mentalista, embasada em processos que</p><p>valorizam o desenvolvimento (a consciência determina a vida). Já a concepção</p><p>aristotélica é materialista, em que destaca os processos de aprendizagem (a vida</p><p>determina a consciência). Elas se desdobraram ao longo do tempo e influenciaram</p><p>o Positivismo (materialismo mecanicista); o Marxismo (materialismo histórico-</p><p>dialético); e a Fenomenologia (mentalismo).</p><p>1.1 Positivismo</p><p>August Comte (1983) foi expoente do movimento positivista, cuja doutrina</p><p>filosófica considera que o conhecimento científico deve ser pautado pela</p><p>observação dos fatos que regem todo e qualquer fenômeno. A comprovação é o</p><p>meio para a aprendizagem e depende da experiência e do rigor metodológico</p><p>embasado na repetição e padronização durante uma investigação científica.</p><p>Deste modo a subjetividade é descartada como procedimento científico e realça-</p><p>se a objetividade e a neutralidade na produção do conhecimento.</p><p>Ou seja, o Positivismo se baseia na comprovação dos fatos, não admitindo</p><p>a dúvida ou qualquer proposição metafórica ou mentalista. No âmbito da</p><p>Psicologia, as influências se refletiram na Psicologia Comportamental. Na</p><p>Pedagogia, as influências se deram em relação à Escola Tradicional e à Escola</p><p>Tecnicista.</p><p>5</p><p>1.2 Marxismo</p><p>Karl Heinrich Marx influenciou o movimento filosófico denominado</p><p>materialismo histórico-dialético ou – como é mais conhecido – Marxismo. Esta</p><p>concepção filosófica realça o caráter concreto da consciência como elemento para</p><p>o entendimento do indivíduo e da sociedade, conforme expõem Marx e Engels</p><p>(1965) em “A Ideologia Alemã":</p><p>A vida não é determinada pela consciência, mas esta pela vida. No</p><p>primeiro método de abordagem, o ponto de partida é a consciência</p><p>tomada como o indivíduo vivo: no segundo, são os próprios indivíduos</p><p>vivos reais, tal como são na vida concreta, e a consciência é considerada</p><p>unicamente como consciência deles. (Marx; Engels, 1965, p. 25-26)</p><p>Deste modo, não há ideias exteriores à vida humana no seu confronto</p><p>dialético com a concretude do mundo – nem existe consciência que não seja a</p><p>consciência de uma pessoa de carne e osso, situada social e historicamente. Os</p><p>princípios marxistas influenciam a Histórico-Cultural (ou Sócio-Histórica) e a</p><p>Psicogênese. As Pedagogias que se apoiam no materialismo histórico-dialético</p><p>são: Pedagogia Libertadora e Pedagogia Histórico-Crítica.</p><p>1.3 Fenomenologia</p><p>A Fenomenologia se constitui a partir das elaborações de Edmund Husserl,</p><p>que entende o fenômeno como tudo aquilo que aparece à consciência do ser</p><p>humano e aponta para uma realidade. O fenômeno é, então, uma aparência da</p><p>realidade, na consciência, no sentido de algo que não dá a realidade, mas oculta-</p><p>a, encobre-a. Porém, não tem o significado de aparência, no sentido de ilusão, de</p><p>sinal falso, mas o aparecer da realidade à consciência, no sentido de que, de fato,</p><p>a realidade se dá à consciência.</p><p>A Fenomenologia envolve uma discussão minuciosa do fenômeno.</p><p>Conforme expõe Husserl:</p><p>Mas é precisamente próprio da filosofia, desde que remonte às suas</p><p>origens extremas, o seu trabalho científico situar-se em esferas de</p><p>intuição direta, e constitui o maior passo a dar pela nossa época,</p><p>reconhecer-se que a intuição filosófica no sentido autêntico, a percepção</p><p>fenomenológica do Ser, abre um campo imenso de trabalho e leva a uma</p><p>ciência que, sem todos os métodos indiretamente simbolizantes e</p><p>matematizantes, sem o aparelho das conclusões e provas, não</p><p>deixa de</p><p>chegar a amplas intelecções das mais rigorosas e decisivas para toda a</p><p>filosofia ulterior. (Husserl, 1965, p. 73)</p><p>6</p><p>A fenomenologia busca ultrapassar as características sensíveis, para</p><p>colher aquilo que se tem de essencial. Neste sentido, ela deixa de ser apenas uma</p><p>questão de método. Ela é também uma doutrina a respeito do conhecimento</p><p>humano e, consequentemente uma palavra importante sobre o ser humano.</p><p>As influências da Fenomenologia em relação à Psicologia estão na</p><p>Psicologia da Forma/Figura e na Psicologia Cognitiva. Já a Pedagogia foi</p><p>influenciada na denominada Escola Nova.</p><p>TEMA 2 – PSICOLOGIA COMPORTAMENTAL</p><p>A proposta da Psicologia Comportamental de Burrhus Frederic Skinner visa</p><p>a melhor adaptação possível do indivíduo ao sistema educativo tal como se coloca</p><p>tradicionalmente.</p><p>Pretende um sujeito mais apto a lidar com os controles sociais e capaz de</p><p>exercer o "contra-controle", tal fato só será possível na medida em que for</p><p>possibilitado ao sujeito um amplo repertório de comportamentos verbais (os</p><p>conhecimentos, dentro desta abordagem) e o domínio de técnicas socialmente</p><p>utilizadas.</p><p>Esta ampliação de repertório que possibilita ao sujeito um número cada vez</p><p>maior de formas de atuação social de modo que não apenas seja socialmente</p><p>manipulado, mas passe também a controlar determinadas variáveis de forma que</p><p>tenha uma vida mais reforçadora.</p><p>2.1 Condicionamento respondente e condicionamento operante</p><p>O condicionamento respondente está relacionado aos reflexos, tendo por</p><p>base os experimentos de Ivan Petrovich Pavlov realizados com cachorros, em</p><p>estudos sobre a salivação. São condicionamentos nos quais o sujeito não tem</p><p>ação ativa, são involuntários (eliciados). Essa ação reflexa com base nas</p><p>investigações de Pavlov foi denominada por Skinner como condicionamento</p><p>respondente.</p><p>O condicionamento respondente é espontâneo e acontece quando não há</p><p>estimulação (são comportamentos emitidos). Ou seja, o condicionamento</p><p>respondente está relacionado às aprendizagens que ocorrem no dia a dia,</p><p>relacionadas à adaptação do indivíduo sem que o indivíduo aja em busca de</p><p>dominar um conhecimento.</p><p>7</p><p>Já o condicionamento operante está relacionado às ações do sujeito sobre</p><p>o meio, ou seja, ele busca compreender uma determinada atividade ou</p><p>conhecimento e isso possibilita a aprendizagem de novos comportamentos de</p><p>modo voluntário.</p><p>Na relação ensino-aprendizagem, Skinner (1972) destaca que “aprender</p><p>fazendo” não implica em domínio de conhecimento, pois esperar que descobertas</p><p>aconteçam sem técnica e sem orientação levaria a práticas sem objetivos. Por</p><p>isso, a Psicologia Comportamental defende que a aprendizagem passa pelo</p><p>condicionamento operante, em que – a partir de orientações reforçadoras – o</p><p>sujeito passa a se dedicar ao domínio de conhecimentos.</p><p>2.2 Reforço positivo e reforço negativo</p><p>O reforço, seja ele positivo ou negativo, tem como finalidade fortalecer um</p><p>ou mais comportamentos. Desta forma, o reforço aumenta a probabilidade de o</p><p>sujeito emitir, reproduzir e repetir determinado comportamento no futuro pela</p><p>aprendizagem anterior.</p><p>O reforço positivo se diferencia do reforço negativo por acrescentar um</p><p>estímulo extra e recompensador que implique em ganhos desejáveis por parte do</p><p>sujeito. Por exemplo, a criança é recompensada pela família com um brinquedo</p><p>do seu agrado por apresentar um bom desempenho acadêmico. Ou seja, além de</p><p>ser aprovada em seu respectivo ano escolar, a criança ganha um presente que</p><p>lhe traz satisfação. Outra situação que reforça positivamente uma ação ocorre</p><p>quando a criança está realizando um cálculo matemático complexo e consegue</p><p>chegar à resolução adequada do problema, o reforço positivo ocorre tanto pela</p><p>boa elaboração matemática como também pelo reconhecimento que o professor</p><p>venha a fazer em relação ao desempenho do aluno.</p><p>De modo geral, o reforço positivo auxilia no aprendizado ao valorizar</p><p>ganhos afetivos ou materiais diante das tarefas que necessitam ser cumpridas,</p><p>especialmente de modo voluntário. Na aprendizagem, o reforço positivo dá ao</p><p>aprendiz o desejo de motivar-se frequentemente na superação de dificuldades e</p><p>a ter satisfação pelos ganhos que venha a possuir com o conhecimento.</p><p>O reforço negativo gera um estímulo aversivo, pois retira um ganho que o</p><p>sujeito já possuía. Para recuperar o que está sendo perdido, o sujeito é forçado –</p><p>por sua própria ação – a repetir um comportamento previamente estabelecido. Por</p><p>exemplo, a criança brinca diariamente com um objeto que lhe traz prazer, contudo</p><p>8</p><p>seu desempenho acadêmico não é bom, os familiares decidem que a criança só</p><p>poderá brincar novamente com o objeto quando suas notas melhorarem e ela</p><p>demonstrar um rendimento acadêmico adequado ao ano que está cursando.</p><p>Destacam-se no reforço negativo duas classes de comportamento, são</p><p>elas: a fuga e a esquiva. A fuga é uma resposta dada pelo sujeito para fugir de</p><p>estímulos aversivos depois que eles já se estabeleceram. A esquiva possibilita ao</p><p>sujeito uma resposta de prevenção a um ou mais estímulos aversivos antes deles</p><p>surgirem.</p><p>O reforço negativo contribui para o processo de aprendizagem, quando</p><p>mesmo retirando ganhos, faz com que o sujeito procure se dedicar ao domínio de</p><p>conhecimentos. Posteriormente esse reforço pode se tornar positivo, fazendo com</p><p>que a dedicação implique na não necessidade de comportamentos de fuga ou</p><p>esquiva.</p><p>2.3 Modelagem</p><p>A modelagem é um processo de aprendizagem que ocorre gradativamente</p><p>por aproximações sucessivas em busca de uma resposta consistente para um</p><p>problema. Ela pode ocorrer ao acaso, contudo se a modelagem for elaborada por</p><p>meio de um processo de aprendizado regular e planejado, haverá ganhos</p><p>consistentes para o aprendiz.</p><p>Ao modelar suas ações, especialmente as novas, o sujeito passa a agir em</p><p>busca de ampliar qualitativamente seus comportamentos, aumentando a</p><p>influência também em comportamentos futuros. Ao mesmo tempo, a modelagem</p><p>auxilia na redução de comportamentos indesejados.</p><p>A modelagem envolve a aplicação do condicionamento operante, do</p><p>reforço positivo e do reforço negativo. Esse processo auxilia no planejamento de</p><p>atividades que podem auxiliar no domínio dos conhecimentos, bem como em uma</p><p>aprendizagem qualitativa. Além disso, pode implicar em motivações reforçadoras</p><p>que o próprio aprendizado irá gerar no aprendiz.</p><p>9</p><p>TEMA 3 – PSICOLOGIA DA FORMA/FIGURA</p><p>A Psicologia da Forma/Figura tem origem na palavra Gestalt, tendo como</p><p>ênfase a compreensão de fenômenos subjetivos e sociais a partir de sensações</p><p>e percepções do indivíduo. Esses parâmetros constituíram os princípios que</p><p>envolvem a Psicologia da Forma/Figura, desenvolvida por Wolfgang Köhler, Max</p><p>Wertheimer e Kurt Koffka.</p><p>Psicologia da Forma/Figura considera que o conhecimento é anterior à</p><p>experiência e se embasa na organização de estruturas cognitivas, que já estão</p><p>previamente formadas no sujeito.</p><p>Em seu sistema racionalista, a Psicologia da Forma/Figura entende que as</p><p>estruturas cognitivas não sofrem influências da objetividade e que a apreensão da</p><p>realidade demanda da pessoalidade de cada indivíduo. Assim, as questões</p><p>históricas e sociais não são determinantes para as condutas, o que implica no</p><p>entendimento de que o processo central é a percepção e não a aprendizagem.</p><p>A Psicologia da Forma/Figura valoriza os processos perceptivos e os</p><p>insights, considerando que é a solução de problemas que permite a compreensão</p><p>de uma situação, não a aprendizagem (que seria um processo mecânico que</p><p>impossibilitaria o domínio de conhecimentos, o que faria o indivíduo simplesmente</p><p>repetir informações).</p><p>Os gestaltistas destacam o conceito de totalidade como irredutível à soma</p><p>ou ao produto das partes e que o processo perceptivo-cognitivo é apreendido de</p><p>modo imediato através do insight. Assim, os processos psicológicos</p><p>são</p><p>percebidos pelo indivíduo com uma forma particular do que ele é na realidade.</p><p>3.1 Percepção</p><p>O tema central da Psicologia da Gestalt é a percepção, que considera a</p><p>disposição de diferentes fenômenos para a organização perceptiva do indivíduo,</p><p>que irá agir cognitivamente sobre elementos unitários para compor a totalidade.</p><p>Wertheimer (1977) considera que:</p><p>A propriedade das partes depende da relação entre as partes e o todo;</p><p>as qualidades das partes dependem do lugar, papel e função que tem</p><p>no todo. Todos afirmaram também que, na maior parte das</p><p>configurações, o todo não é igual a soma de suas partes. (Wertheimer,</p><p>1991, p. 164)</p><p>10</p><p>A percepção do todo não é um processo de simples junção das partes que</p><p>o compõem um elemento ou fenômeno. A parte é indissociável do todo e</p><p>possibilita a compreensão da totalidade a partir de um fragmento,</p><p>(re)estabelecendo um equilíbrio cognitivo para o entendimento da forma e do</p><p>objeto, na busca de solucionar um problema. Bigge (1977) destaca que:</p><p>Cada problema apresenta algo novo à pessoa envolvida. Apesar de que</p><p>muitos elementos do problema possam ser familiares, alguns não o são.</p><p>Consequentemente, cada ato na solução de problemas complexos</p><p>requer algum grau de originalidade ou criatividade. (Bigge, 1977, p. 112)</p><p>Percepções ou fenômenos perceptivos são compreendidos na Psicologia</p><p>da Gestalt como a elaboração cognitiva de experiências individuais demarcadas</p><p>aprioristicamente. A pessoa diante de um problema age com base em sua</p><p>compreensão da totalidade e estabelece o seu grau particular de compreensão,</p><p>não cabendo uma generalização em relação ao conhecimento, que é fruto de um</p><p>processo cognitivo particular.</p><p>3.2 Insight</p><p>A palavra insight refere a um modo imediato de compreensão de</p><p>determinado fenômeno em sua totalidade. Assim, a Psicologia da Gestalt destaca</p><p>que o insight envolve uma sensação que permite uma solução para um problema</p><p>vivido pelo indivíduo, sendo caracterizado inicialmente por hipóteses sem</p><p>consistência, que ao agregarem diversas informações podem chegar a uma</p><p>percepção e a uma conclusão adequada.</p><p>Um indivíduo pode se deparar com situações que geram dificuldades</p><p>perceptivas para se reconhecer uma tarefa, o que fragiliza o processo cognitivo</p><p>entre a parte e o todo (figura-fundo). Entretanto, diante de um problema</p><p>aparentemente incompreensível, o indivíduo pode ter um insight e de repente a</p><p>compreensão se faz, implicando em uma súbita elucidação do problema. Bigge</p><p>(1977) argumenta que:</p><p>A compreensão de uma coisa ou de um processo é seu significado</p><p>generalizado, ou seja, é um insight generalizado e testado. Então, está</p><p>vinculada à habilidade em usar um objeto, fato, processo ou ideia em</p><p>algumas ou até muitas situações diferentes. (Bigge, 1977, p. 107)</p><p>Desta forma, a Psicologia da Gestalt valoriza para a produção de insights</p><p>os chamados métodos analíticos, pois o indivíduo se depara com a totalidade em</p><p>um primeiro momento, faz sua percepção do real e das partes e posteriormente</p><p>11</p><p>reconstitui o todo ao seu tempo, entendo o problema e elaborando ações</p><p>consistentes para a sua resolução.</p><p>TEMA 4 – PSICOLOGIA COGNITIVA</p><p>A Psicologia Cognitiva tem por base, especialmente, os conceitos da</p><p>Epistemologia Genética de Jean Piaget e seu construtivismo. Severino (1994)</p><p>considera que a Epistemologia Genética está vinculada ao movimento</p><p>denominado de racionalista transpositivista, pois segundo ele (1998):</p><p>As preocupações epistemológicas centrais do construtivismo integram o</p><p>mesmo universo temático de um movimento filosófico atual bastante</p><p>significativo, movimento que venho designando como transpositivismo.</p><p>Em grandes linhas, esse movimento se caracteriza por uma postura mais</p><p>lúcida e esclarecida frente ao conhecimento científico. Com efeito,</p><p>reconhece e reafirma a autonomia e a relevância da ciência, mas, ao</p><p>mesmo tempo, entende necessário superar aquela postura de puro</p><p>deslumbramento frente a ela, típica do positivismo ortodoxo. Por isso</p><p>mesmo, o transpositivismo se dá fundamentalmente como epistemologia</p><p>que, aliás, é entendida como reflexão voltada especificamente para o</p><p>discurso científico. E nessa análise crítica sobre a atividade científica, a</p><p>ciência não é mais considerada como se fosse uma atividade puramente</p><p>lógica, que nada tivesse a ver com outras dimensões do conhecimento,</p><p>da cultura e da própria existência humana em geral. (Severino, 1994, p.</p><p>64)</p><p>A opção investigativa de Piaget (1995) não se foca nas condições externas</p><p>que envolvem a produção e a elaboração do conhecimento, ele defende que é a</p><p>atividade da criança que produz o conhecimento e essa atividade não decorre das</p><p>pressões do mundo externo. Piaget (1994) coloca o processo de desenvolvimento</p><p>como um monólogo, em que a criança enfrenta o mundo sozinho e tem como</p><p>tarefa (que corresponda a seu nível de desenvolvimento) construir uma</p><p>representação desse mundo, podendo assimilar e acomodar os resultados, de</p><p>acordo com os processos lógicos, de um jogo, por exemplo.</p><p>4.1 Jean Piaget</p><p>Jean Piaget (1896-1980) foi biólogo, filósofo, epistemólogo, psicólogo e</p><p>pesquisador. Desenvolveu pesquisas relacionadas ao desenvolvimento da</p><p>criança e do adolescente, com a finalidade de explicar como os conhecimentos</p><p>são construídos e como a pessoa pensa os problemas de seu cotidiano.</p><p>Piaget (2007) construiu, a partir suas investigações, as bases da</p><p>Epistemologia Genética, em que procurou identificar aspectos do</p><p>desenvolvimento da criança, relacionando-os a estágios de maturidade cognitiva.</p><p>12</p><p>4.2 Teoria do desenvolvimento</p><p>Piaget (1999) desenvolveu sua teoria do desenvolvimento, considerando o</p><p>processo biológico e maturacional que a criança vem a ter ao longo de sua vida.</p><p>Ele considerou aspectos que envolvem a ação da criança no mundo e seu grau</p><p>de interação com os objetos.</p><p>À medida que a maturidade cognitiva avança na criança, maior é sua ação</p><p>em busca de descobertas. Cada criança apresenta um ritmo diferente em seu</p><p>processo mental, todavia Piaget (2011) elegeu aspectos importantes do</p><p>desenvolvimento, relacionando-os a diferentes níveis, denominados de estágios.</p><p>Os estágios são os seguintes: sensório-motor, pré-operatório, operatório-</p><p>concreto e operatório-formal.</p><p>4.2.1 Estágio sensório-motor</p><p>O estágio sensório-motor ocorre de 0 a 2 anos e é dominado pelos reflexos.</p><p>A maturidade cognitiva avança e propicia à criança o domínio sensorial e</p><p>perceptivo de sua realidade, fazendo com que sua motricidade também ganhe em</p><p>qualidade. Para Piaget (2011), a inteligência surge antes da linguagem e se</p><p>caracteriza como inteligência prática.</p><p>No fim desse estágio, espera que a criança tenha domínio cognitivo em</p><p>relação à noção do eu e consiga diferenciar os objetos.</p><p>4.2.2 Estágio pré-operatório</p><p>Este estágio vai dos 2 aos 6-7 anos, sendo caracterizado pelo surgimento</p><p>da inteligência representativa. Piaget (1999) considera que esse processo envolve</p><p>o pensamento egocêntrico, em que a criança se volta para si e ignora situações a</p><p>sua volta.</p><p>A relação entre representação e egocentrismo faz com que a criança</p><p>adentre ao mundo dos processos cognitivos, contudo ela valoriza apenas o que</p><p>lhe chama à atenção, ficando indiferente a outros conhecimentos.</p><p>O egocentrismo é superado quando a criança passa a utilizar a linguagem</p><p>simbólica, modificando suas ações e seus processos mentais.</p><p>13</p><p>4.2.3 Estágio operatório-concreto</p><p>As operações concretas ocorrem dos 6-7 aos 11-12 anos, tendo como</p><p>ênfase a solução lógica dos problemas com base na lógica.</p><p>A criança se liberta do comportamento egocêntrico fazendo uso de</p><p>conceitos de reversibilidade, o que lhe possibilita elaborar novas ações e ampliar</p><p>o seu processo intelectual.</p><p>Neste estágio se ampliam as ações coletivas e as brincadeiras, que</p><p>implicam no surgimento de novas habilidades, tanto motoras quanto cognitivas.</p><p>4.2.4 Estágio operatório-formal</p><p>Este estágio vai dos 11-12 anos e segue ao longo da vida. Tem como</p><p>característica principal o domínio das representações lógicas e do raciocínio</p><p>hipotético-dedutivo.</p><p>O jovem passa a operar de modo reflexivo com o uso de hipóteses,</p><p>construindo assim um processo mental de representação sobre representações,</p><p>o que destaca a capacidade de operar sem o objeto físico concreto.</p><p>Nesse processo, o jovem passa a explicar, abstrair, generalizar e elaborar</p><p>teorias com base em hipóteses, o que irá desenvolver sua autonomia intelectual</p><p>sobre a realidade.</p><p>TEMA 5 – PSICOLOGIA HISTÓRICO-CULTURAL E PSICOGÊNESE</p><p>Na Psicologia Histórico-Cultural se destaca Lev Semionovich Vigotski</p><p>(1896-1934) e na Psicogênese Henry Paul Hyacinthe Wallon (1879-1962). Ambos</p><p>procuram entender o desenvolvimento humano a partir da aprendizagem e das</p><p>experiências culturais.</p><p>Para eles, as experiências sociais propiciam o amadurecimento do indivíduo</p><p>e destacam que a qualidade do estímulo propicia um melhor desenvolvimento,</p><p>seja ele motor, cognitivo, emocional ou social.</p><p>Além disso, tanto Vigotski quando Wallon consideram que a boa qualidade</p><p>do estímulo e o acesso ao conhecimento construído pela humanidade são chaves</p><p>fundamentais para o avanço do conhecimento, destacando que esse processo</p><p>deve ser sempre mediado, pois a experiência de quem domina uma tarefa deve</p><p>ser compartilhada afetivamente para que o aprendiz domine o conhecimento e</p><p>forme uma consciência crítica sobre a realidade que o circunda.</p><p>14</p><p>5.1 Lev Semionovitch Vigotski</p><p>Lev Semionovich Vigotski (1896-1934) estudou os processos psicológicos</p><p>superiores, destacando as relações de ensino-aprendizagem mediados por uma</p><p>pessoa que domina determinado conhecimento e propicia ao aprendiz o domínio</p><p>desde conteúdo. A Psicologia de Vigotski é conhecida como Psicologia Histórico-</p><p>Cultural (ou Psicologia Sócio-Histórica) e valoriza a construção da consciência</p><p>com base realidade social e cultural.</p><p>A Psicologia Histórico-Cultural destaca que crianças com deficiências ou</p><p>dificuldades de aprendizagem são tão capazes de aprender quanto as crianças</p><p>no desenvolvimento regular, enfatizando o papel do mediador e das relações</p><p>afetivas para o bom domínio do(s) conhecimento(s).</p><p>Vigotski (1996) estudou o desenvolvimento infantil e nominou as etapas</p><p>como períodos de crise. A crise não apresenta uma conotação negativa ou</p><p>desajustada, para ele é um processo dialético de mudança e transformação da</p><p>identidade infantil que leva em conta as novas experiências sociais e culturais.</p><p>As etapas elaboradas por Vigotski são denominadas de crise pós-natal, crise</p><p>de um ano, crise dos três anos e crise dos sete anos.</p><p>5.1.1 Crise pós-natal</p><p>A crise pós-natal vai de 0 a 1 ano e envolve o domínio de funções básicas</p><p>para a sobrevivência e também o início de ações motoras limitadas.</p><p>A criança vai se adaptando ao ambiente social e cultural, construindo nas</p><p>interações sua identidade. Ela é passiva nos primeiros meses, contudo observa o</p><p>mundo ativamente e procura estabelecer vínculos cooperativos com seus</p><p>cuidadores.</p><p>5.1.2 Crise de um ano</p><p>A crise de um ano vai de 1 a 3 anos, e passa por três momentos: o domínio</p><p>do andar, o domínio da linguagem e o domínio da vontade.</p><p>No domínio do andar, a ênfase se dá em conquistas que envolvem sentar,</p><p>engatinhar, apoiar e andar. No início há a dependência do adulto, posteriormente</p><p>a criança se torna independente.</p><p>O domínio da linguagem tem por base inicial o balbucio, depois ocorre o</p><p>uso de palavras incompletas e a busca por indicar seus interesses em suas</p><p>15</p><p>relações com os adultos.</p><p>Já o domínio da vontade envolve a compreensão de como as pessoas</p><p>agem em relação à criança, ela pode apresentar comportamentos de protestos</p><p>quando não é compreendida. A intensidade do protesto depende da qualidade dos</p><p>vínculos afetivos.</p><p>5.1.3 Crise dos três anos e crise dos sete anos</p><p>A crise dos três anos ocorre dos 3 a 7 anos, a criança apresenta</p><p>comportamentos, como: negativismo – oposição em relação aos pedidos dos</p><p>adultos; teimosia – exigências para que seja atendida; rebeldia – protesto às</p><p>regras; e insubordinação – busca por independência.</p><p>Vigotski (1996) afirma que essas ações não indicam que a criança tem</p><p>problemas em seu desenvolvimento, ele considera que fazem parte da formação</p><p>da identidade e da autonomia da criança.</p><p>A crise dos sete anos vai dos 7 a 13 anos, há a perda da espontaneidade,</p><p>com presença de melhor nível de consciência, com processos intelectuais</p><p>constituídos por significados e análises do contexto social e cultural.</p><p>5.2 Henri Wallon</p><p>Henry Paul Hyacinthe Wallon (1879-1962) se formou em Medicina e</p><p>trabalhou no campo das deficiências neurológicas e distúrbios de comportamento,</p><p>desenvolvendo interesse pela busca de qualidade de vida dos indivíduos, o que o</p><p>aproximou de modo intenso da Psicologia.</p><p>Wallon (1995) apresentou cinco estágios em relação ao desenvolvimento</p><p>humano, são eles: impulsivo-emocional; sensório-motor e projetivo; do</p><p>personalismo; do pensamento categorial; e estágio da puberdade e adolescência.</p><p>5.2.1 Estágio impulsivo-emocional e estágio sensório-motor e projetivo</p><p>Impulsivo-emocional, este estágio vai de 0 a 1 ano, com predomínio da</p><p>emoção e do movimento. A criança apresenta impulsividade motora, reações</p><p>fisiológicas (gritos, espasmos e contrações) e reage em reciprocidade ao seu</p><p>contexto social, com sorriso voluntário e exploração do corpo.</p><p>16</p><p>O estágio motor e projetivo ocorre no período de 1 a 3 anos, sendo que a</p><p>criança apresenta um comportamento de curiosidade e exploração, melhorando</p><p>suas habilidades e organizando movimentos de agarrar, manipular e arremessar.</p><p>5.2.2 Estágio do personalismo</p><p>O estágio do personalismo vai dos 3 a 6 anos, nele ocorre a formação do</p><p>caráter, as relações afetivas, a autoconsciência e a crise de oposição. Este</p><p>processo impulsiona comportamentos de independência e ações de confronto,</p><p>que geram na criança a necessidade de responsabilizar-se pelo que faz.</p><p>5.2.3 Estágio do pensamento categorial e estágio da puberdade e</p><p>adolescência</p><p>Pensamento categorial é o estágio que acontece entre 6 e 11 anos. Nele</p><p>predomina a racionalidade, autonomia e a autodisciplina mental. A criança</p><p>diferencia o que é seu do que é dos outros e apresenta qualidade nos processos</p><p>mnemônicos, o contribui para o bom desempenho acadêmico.</p><p>O estágio da puberdade e adolescência ocorre a partir dos 11 anos e segue</p><p>ao longo da vida, com presença de crises relacionadas à puberdade e</p><p>questionamentos sobre seu futuro, além do processo de tomada de consciência.</p><p>17</p><p>REFERÊNCIAS</p><p>ARISTÓTELES. Poética. São Paulo: Nova Cultural, 1996.</p><p>BIGGE, M. Teorias da Aprendizagem para Professores. São Paulo: EPU, 1977.</p><p>COMTE, A. Curso de Filosofia Positiva. São Paulo: Abril Cultural, 1983.</p><p>HUSSERL, E. A Filosofia como Ciência de Rigor. Coimbra: Atlântida, 1965.</p><p>MARX, F.; ENGELS, F. La Ideologia Alemana. Montevideo: Pueblos Unidos,</p><p>195.</p><p>PIAGET, J. Abstração Reflexionante: relações lógico-aritméticas e ordem das</p><p>relações espaciais. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995.</p><p>_____. Epistemologia Genética. São Paulo: Martins Fontes, 2007.</p><p>_____. O Juízo Moral na Criança. São Paulo: Summus, 1994.</p><p>_____. O Pensamento e a Linguagem na Criança. São Paulo: Martins Fontes,</p><p>1999.</p><p>_____. Seis Estudos de Psicologia. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2011.</p><p>PLATÃO. Mênon. Rio de Janeiro: Puc-Rio; Loyola, 2001.</p><p>SANZIO, R. A Escola de Atenas. Afresco realizado entre 1509 e 1510. Portal</p><p>“Hipertexto Pitágoras”, elaborado por Roberto Ribeiro Paterlini e Yolanda Kioko</p><p>Saito Furuya. Disponível em</p><p>. Acesso: 7 dez</p><p>2022.</p><p>SEVERINO, A. Filosofia. São Paulo: Cortez, 1994.</p><p>SKINNER, B. Tecnologia do Ensino. São Paulo: Herder / Editora da</p><p>Universidade de São Paulo, 1972.</p><p>VIGOTSKI, S. Obras Escogidas (Vol. 4). Madrid: Visor, 1996.</p><p>WALLON, H. A Evolução Psicológica da Criança. Lisboa: Edições 70, 1995.</p><p>WERTHEIMER, M. Pequena História da Psicologia. São Paulo: Editora</p><p>Nacional, 1991.</p>

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