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Dann Lombardo

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<p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>Unidade 1</p><p>Noções básicas de �loso�a: indagar e questionar a realidade</p><p>Aula 1</p><p>Senso Comum</p><p>Introdução da Unidade</p><p>Objetivos da Unidade</p><p>Ao longo desta Unidade, você irá discutir as noções básicas da �loso�a.</p><p>de�nir o que é senso comum e suas características;</p><p>discutir a origem da Filoso�a e os principais pensadores da Antiguidade;</p><p>demonstrar aspectos que de�nem a ciência.</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>Olá, estudante!</p><p>Possivelmente você já ouviu falar das meninas lobo, Amala e Kamala, encontradas, em 1920, nas</p><p>proximidades de uma �oresta na Índia. Supõe-se que elas haviam se afastado de seus pais e,</p><p>embrenhando-se na �oresta, foram “raptadas” por uma espécie de lobo que tem proximidade de</p><p>convivência com humanos. Desse modo, com o passar do tempo, elas adaptaram-se à vida com</p><p>os lobos. Esse caso é interessante, pois ilustra o quanto somos fruto da educação, do contexto,</p><p>da cultura etc., a que nos encontramos inseridos. Segundo relatos, essas meninas não falavam,</p><p>apenas rosnavam, não caminhavam de modo ereto, comiam carne crua colocadas no chão e</p><p>sem usar as mãos, uivavam para lua, não choravam e nem riam e não tinham nenhuma</p><p>expressão facial.</p><p>Não somos totalmente determinados pelos elementos externos, mas, com certeza, somos</p><p>in�uenciados parcialmente, em maiores ou menores graus. Nossa infância, nossa família, nossa</p><p>escola, nossos amigos etc., tudo isso repercute em nosso modo de ser. A primeira repercussão</p><p>se dá pelo senso comum, contudo, essa modalidade de conhecimento não é a única. A ela se</p><p>somam visões religiosas, �losó�cas e cientí�cas, resultando em um amálgama de visões de</p><p>mundo que, embora muito presentes, nem sempre são percebidas.</p><p>Nessa primeira unidade trabalharemos, portanto, as seguintes modalidades de conhecimento:</p><p>senso comum (δόξα [doxa], para os gregos) e �loso�a e ciência (επιστήμη [episteme], para os</p><p>gregos), mostrando que o conhecimento transforma os nossos pensamentos e acaba nos</p><p>transformando também, assim como toda a nossa vida.</p><p>Para isso, nos valeremos da contribuição do �lósofo norte-americano Hilary Putnam (1926-2016)</p><p>que problematiza a questão do conhecimento, da verdade e da certeza por meio de uma �cção</p><p>conhecida como Cérebros em cuba (PUTNAM,1992, p. 28). Ele propõe imaginarmos que</p><p>transplantes de cérebros já fossem possíveis e, assim como acontece com transplantes de</p><p>corações, seria necessário preservá-los em condições especiais até o momento da cirurgia. Os</p><p>cérebros, então, �cariam nas cubas de um laboratório cientí�co e, para não parar o seu</p><p>funcionamento/pensamento, seriam ligados a terminais nervosos (circuitos elétricos) que</p><p>criariam, por intermédio de um programa de computador, uma realidade virtual. Desse modo,</p><p>esses cérebros não teriam consciência de que se encontram nessa situação e jamais se</p><p>reconheceriam vivendo uma realidade virtual e não real. E já imaginou se você fosse esse</p><p>cérebro? Como você pode ter absoluta certeza de que você não se encontra nessa situação?</p><p>Videoaula: introdução</p><p>Este conteúdo é um vídeo!</p><p>Para assistir este conteúdo é necessário que você acesse o AVA pelo</p><p>computador ou pelo aplicativo. Você pode baixar os vídeos direto no aplicativo</p><p>para assistir mesmo sem conexão à internet.</p><p>Assista o vídeo de introdução à Filoso�a.</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>Introdução da Aula</p><p>Qual é o foco da aula?</p><p>Nesta aula, você re�etirá sobre o senso comum.</p><p>Objetivos gerais de aprendizagem</p><p>Ao longo desta aula, você irá:</p><p>relatar o que é conhecimento e suas modalidades;</p><p>demonstrar as características do senso comum;</p><p>interpretar o Mito da Caverna de Platão.</p><p>Situação-problema</p><p>Você sabia que, o planeta terra tem, aproximadamente, 4,5 bilhões de anos e que o ser humano, o</p><p>Homo Sapiens, deve ter surgido entre 100 e 150 mil anos apenas? E que somente há 38 mil anos</p><p>o ser humano aprendeu a falar? Ou seja, durante dois terços da existência da nossa espécie nós</p><p>não nos comunicávamos verbalmente. O que, do ponto de vista anatômico-�siológico, está</p><p>relacionado à ausência do osso hioide.</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>Nesse sentido, o que é a fala? É uma vibração das ondas que chegam até ao nosso ouvido e, por</p><p>meio da ação de três ossos – martelo, bigorna e estribo – sobre a cóclea, damos sentidos a</p><p>essas ondas. Portanto, poderíamos cogitar que jamais saberemos se todos nós ouvimos do</p><p>mesmo jeito, sabemos apenas que damos o mesmo sentido às vibrações que chegam aos</p><p>nossos ouvidos. Isso nos ajuda a percebermos que até mesmo as coisas mais básicas, aquelas</p><p>que nos parecem inquestionáveis, podem sim ser questionadas. Esse é um dos papéis da</p><p>�loso�a, questionar até mesmo o que parece óbvio. Como diz Paulo Ghiraldelli,</p><p>“é desbanalizar o banal” (GHIRALDELLI, 2019).</p><p>E mais, você já percebeu que as letras não têm som algum e nem signi�cado em si, mas que</p><p>somos nós que atribuímos sons e sentidos a elas? Já se deu conta de que elas não passam de</p><p>riscos ou sinais e que somente se tornam palavras quando as juntamos, as pronunciamos e as</p><p>associamos a objetos e realidades que são construídas na nossa mente e que fazemos isso há</p><p>apenas 6 mil anos?</p><p>O mesmo pode estar acontecendo com o mundo à nossa volta, ele pode não ter nenhum sentido</p><p>(o chamado niilismo nietzschiano – nihil em latim é nada, nenhum, sem), mas nós aprendemos a</p><p>dar sentido a tudo o que nos cerca e passaremos o resto da vida fazendo isso sem perceber que</p><p>o fazemos. Nietzsche (1844-1900) a�rmava que o mundo tem apenas o signi�cado que nós</p><p>damos a ele. Depois disso, passamos a acreditar que ele sempre teve esse signi�cado “em si” e</p><p>não conseguimos perceber que na verdade esse signi�cado foi construído (REALE, 2006, p. 14).</p><p>Tais certezas podem ser religiosas, políticas, éticas, cientí�cas etc. Talvez devêssemos aprender</p><p>com Sócrates, ele alegava não ter tantas certezas.</p><p>É com essa premissa que gostaríamos que você tivesse contato com o conteúdo desta unidade,</p><p>sobretudo, desta aula, pois nela vamos re�etir sobre o senso comum. Para tal, propomos a</p><p>seguinte situação: imagine que um avião caiu no meio da �oresta amazônica, e Peter – um</p><p>curandeiro australiano analfabeto, nascido e criado em contato com a natureza – junto de Yussef</p><p>– um israelita que estaria vindo passar férias no Brasil, após concluir o doutorado em ciência da</p><p>computação em Harvard – sobreviveram à queda e agora enfrentam os desa�os da �oresta.</p><p>Aparentemente, qual dos dois têm mais chances de sobrevivência?</p><p>Você concorda que todas as modalidades de conhecimentos são importantes e que, em</p><p>determinados momentos da vida, nos valemos mais de umas ou de outras? Algo parecido com</p><p>os nossos gostos musicais. Normalmente, dependendo do lugar onde nos encontramos e até</p><p>mesmo do nosso estado emocional, um determinado tipo de música poderá parecer mais ou</p><p>menos apropriado.</p><p>Podemos a�rmar que aqueles que se guiam pelo senso comum tendem a acreditar que o mundo</p><p>só pode ser do modo que é apreendido por eles? Será que aqueles que se guiam pelo</p><p>conhecimento cientí�co não se consideram superiores e em melhores condições de oferecer</p><p>respostas satisfatórias ao mundo? Isso até pode ocorrer, mas certamente não de�ne uma forma</p><p>de pensamento como superior a outra.</p><p>O que é conhecimento e suas modalidades</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>Algum dia você já se perguntou o que é o conhecimento? Pode ser que você ache tão natural</p><p>conhecer as coisas que nem sequer se propôs tal pergunta. Em linguagem �losó�ca o</p><p>conhecimento é um modo de compreender e explicar o mundo. Esse processo envolve o sujeito</p><p>cognoscente (aquele que conhece) e o objeto cognoscível (aquele que é conhecido). O propósito</p><p>desse processo é alcançar a verdade. Compreender é assimilar, apossar-se, captar o mundo fora</p><p>da nossa mente e trazê-lo para dentro de nós, atribuindo-lhe signi�cado; e explicar é expor esse</p><p>signi�cado, do modo mais verdadeiro possível.</p><p>E o que é a verdade? O nosso conceito de verdade comporta compreensões oriundas das</p><p>culturas latina, grega e hebraica. Em língua latina, verdade é véritas e signi�ca relato �el aos</p><p>fatos, quando</p><p>os pensadores lembram aranhas, que constroem teias com sua</p><p>própria substância. A abelha, no entanto, toma um caminho do meio: coleta seu</p><p>material das �ores do jardim e do campo, mas o transforma e o digere por um poder</p><p>próprio. Não diferentemente, este é o verdadeiro negócio da �loso�a; pois ela nem</p><p>depende exclusiva ou principalmente dos poderes da mente, nem aloja a matéria que</p><p>coleta da história natural e dos experimentos mecânicos por inteiro na memória,</p><p>como a encontra, mas a aloja no intelecto alterada e digerida. Portanto, a partir de</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>uma liga mais estreita e pura entre essas duas faculdades, a experimental e a racional</p><p>(como ainda nunca foi feito), muito pode ser esperado. (BACON, 1999, p. 76)</p><p>______</p><p>O método experimental desenvolvido por Francis Bacon será inserido na concepção cientí�ca</p><p>moderna por meio de Galileu Galilei, o qual fará uso do referido método para estabelecer as</p><p>bases da ciência moderna e a�rmará que tanto Aristóteles quanto a Igreja, com sua</p><p>fundamentação bíblica, contêm equívocos do ponto de vista cientí�co.</p><p>De acordo com Aranha e Martins (2008), Galileu Galilei não somente instaura um novo modo de</p><p>se fazer ciência como também relega tudo o que implica autoridade e tradição à descon�ança e</p><p>aos questionamentos. Lembre-se de que estamos no período pós-humanista que é fortemente</p><p>marcado por uma visão antropocêntrica, em que tudo deve passar pelo crivo da razão. Esse</p><p>processo é chamado de secularização ou laicização do pensamento, é um:</p><p>[...] processo pelo qual os intelectuais se desligam das justi�cativas baseadas na</p><p>religião, que exigem adesão pela crença, para só aceitar as conclusões derivadas da</p><p>investigação racional, mediante argumentação. Daí a atenção dada ao método, ponto</p><p>de partida de vários pensadores do século XVII. (ARANHA; MARTINS, 2008, p. 188)</p><p>Método de Galileu</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>O método de Galileu foi uma revolução na ciência e consistia-se em três princípios:</p><p>observação dos fenômenos sem in�uências religiosas ou extra cientí�cas;</p><p>experimentação: para Galileu, nenhuma a�rmação, que se pretenda cientí�ca, deve</p><p>prescindir da veri�cação de sua legitimidade;</p><p>descoberta da regularidade matemática do evento estudado.</p><p>Nesse momento, o ambiente para o surgimento do iluminismo já está preparado, quando, então,</p><p>teremos a contribuição de Descartes (pai do racionalismo), John Locke (expoente do empirismo)</p><p>e Kant (representante do criticismo), entre outros.</p><p>Na contemporaneidade, quem contribuiu signi�cativamente para essa temática foi</p><p>Karl Popper (1902-1994). Popper é um �lósofo contemporâneo que pertenceu a um</p><p>grupo de estudiosos denominado Círculo de Viena, para quem o critério de</p><p>fundamentação dos juízos cientí�cos é a veri�cabilidade. Posteriormente, Popper</p><p>rompeu com eles por entender que esse critério seria a falseabilidade (REALE;</p><p>ANTISERI, 2006, p. 145).</p><p>O Círculo de Viena recebeu esse nome por se reunir na Universidade de Viena entre os anos 1929</p><p>e 1937. Em 1938, devido às ameaças do nazismo, o grupo se dissolveu e quase todos os seus</p><p>membros foram para os Estados Unidos, onde continuaram suas atividades. As ideias desse</p><p>grupo eram essencialmente antimetafísicas e empiristas, conforme inspirações</p><p>wittgensteinianas (de Ludwig Wittgenstein, 1889-1951, �lósofo analítico austríaco).</p><p>O Círculo foi fundado por Moritz Schlick (1882-1936), juntamente de Otto Neurath (1882-1945) e</p><p>Rudolf Carnap (1891-1970); e o seu intuito era reavivar o entusiasmo cienti�cista do positivismo</p><p>abordando a questão dos enunciados, ou dos discursos cientí�cos, buscando, por meio da</p><p>análise apurada e minuciosa da estrutura lógico-formal da sua linguagem, encontrar as suas</p><p>condições de legitimidade.</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>Justus Sustermans – Retrato de Galileu Galilei, 1636. Fonte: Wikipédia.</p><p>No Círculo, buscava-se responder à questão: “como podemos ter a segurança de que as teorias</p><p>cientí�cas estão realmente corretas?” Para chegar a uma resposta, seus membros começaram</p><p>com a veri�cação da existência de uma lógica, ou nexo, no modo como eram propostas tais</p><p>teorias. Mas, além de constatar se a linguagem estava correta, também seria necessário veri�car</p><p>se essas teorias realmente ocorriam. Não podemos nos esquecer que, desde Galileu Galilei,</p><p>assim como para os �lósofos do Círculo de Viena, a ciência se fundamenta na veri�cabilidade.</p><p>Dessa forma, sob a in�uência de Wittgenstein e convencidos de que à �loso�a cabia analisar a</p><p>lógica e a linguagem cientí�ca, demarcando os critérios que distinguiriam os enunciados</p><p>cientí�cos dos não cientí�cos acabaram de�nindo tal critério como princípio de veri�cabilidade,</p><p>ou seja, a ocorrência seria o critério utilizado para conferir veracidade à proposição.</p><p>Só seria verdadeiro, portanto, aquilo que pudesse ser veri�cado e descrito, somente aquilo que</p><p>pudesse ser experienciável. Desse modo, a metafísica e demais asserções não veri�cáveis</p><p>deveriam ser consideradas sem sentido e somente as ciências naturais deveriam ter o status, a</p><p>prerrogativa, de conhecimento do real. Um dos maiores críticos da metafísica foi Carnap, que</p><p>escreveu em 1932, um artigo intitulado Eliminação da metafísica através da análise lógica da</p><p>linguagem (CARNAP, 2009).</p><p>Quem foi Karl Popper?</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>Karl Popper nasceu em Viena e lá estudou física, matemática e �loso�a. Ele lecionou por seis</p><p>anos na Universidade de Viena, onde escreveu a obra A lógica da pesquisa cientí�ca (POPPER,</p><p>1972). Diante da ameaça nazista, Popper fugiu, em 1937, para a Nova Zelândia, onde lecionou</p><p>até o �m da Segunda Guerra Mundial, quando mudou-se para a Inglaterra, sendo, posteriormente,</p><p>professor na Universidade de Londres. Ao romper com o Círculo de Viena, Popper propôs como</p><p>critério dos juízos cientí�cos a refutabilidade empírica, ou falsi�cabilidade. O que isso signi�ca</p><p>na prática? Signi�ca que uma ciência só seria verdadeira se resistisse à refutação. Só seria</p><p>ciência a teoria, ou a hipótese, que mesmo sendo falsi�cável (desmentida, contradita,</p><p>confrontável), resistisse.</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>Popper via a ciência como o paradigma da investigação racional, mas preocupou-se</p><p>com o “problema da indução” de Hume. Segundo este, por maior que seja o número</p><p>de casos de uma generalização que observemos, ele é incapaz de con�rmar uma</p><p>hipótese – continua sendo tão racional rejeitá-la quanto aceitá-la. Rejeitando a</p><p>concepção “indutivista” do método cientí�co de Bacon, Popper a�rma que as teorias</p><p>são refutadas, não con�rmadas, pela evidência empírica, e, portanto, o avanço</p><p>cientí�co torna-se uma questão de propor hipóteses para tentar falsi�cá-las. Para ser</p><p>genuinamente cientí�ca, uma teoria deve ser passível de refutação, pois uma teoria</p><p>que não pode ser refutada não faz uma a�rmação sobre o mundo. (LAW, 2008, p. 332)</p><p>Para Popper, portanto, uma teoria cientí�ca deve estar sempre suscetível a questionamentos,</p><p>mas deve continuar a oferecer as melhores respostas possíveis. A partir do momento em que ela</p><p>deixar de oferecer tais respostas, ela deve ser descartada e uma nova teoria deve ser buscada.</p><p>Dessa forma, a teoria não deve estar blindada aos questionamentos, mas aberta a eles e pronta</p><p>para respondê-los. Uma teoria que não permite questionamentos estaria mais próxima de um</p><p>dogma do que de uma teoria propriamente. Assim, as teorias são as melhores hipóteses</p><p>conseguidas até que outras melhores apareçam.</p><p>Enquanto Popper e toda a corrente de �lósofos pertencentes ao positivismo lógico se</p><p>debruçavam sobre as condições de possibilidade dos juízos cientí�cos, outro grupo de �lósofos</p><p>re�etia sobre o impacto concreto das descobertas cientí�cas em nossa vida. Esse grupo é</p><p>conhecido como os frankfurtianos.</p><p>A Escola de Frankfurt faz uma análise acerca da possibilidade de a ciência ter-se tornado</p><p>também uma espécie de mito, haja vista que o mito se caracteriza por ser uma crença sem</p><p>fundamentação racional, quando acreditamos em uma ideia mesmo sem entender aquilo que</p><p>está sendo a�rmado, ou seja, toma-se algo</p><p>por verdadeiro sem procurar saber se de fato ele se</p><p>con�rma mesmo ou não.</p><p>Hoje, há a tendência a acreditar naquilo que os cientistas a�rmam, mesmo que não nos</p><p>demonstrem e mesmo que não entendamos suas teorias. O mito do cienti�cismo se baseia nas</p><p>seguintes premissas:</p><p>a ciência tem explicações para tudo;</p><p>o conhecimento cientí�co alcançou plenamente a verdade;</p><p>esse tipo de conhecimento permanecerá imutável;</p><p>somos mais evoluídos por dominarmos mais a natureza e dispormos de mais tecnologia;</p><p>o cientista é neutro em sua busca pela verdade;</p><p>a ciência é um conhecimento superior.</p><p>De acordo com Marilena Chauí:</p><p>O cienti�cismo é a crença infundada de que a ciência pode e deve conhecer tudo, que,</p><p>de fato, conhece tudo e é a explicação causal das leis da realidade tal como esta é</p><p>em si mesma. Ao contrário dos cientistas, que não cessam de enfrentar obstáculos</p><p>epistemológicos, problemas e enigmas, o senso comum cienti�cista desemboca</p><p>numa ideologia e numa mitologia da ciência. (CHAUÍ, 2000, p. 357)</p><p>Não há dúvidas de que a ciência nos proporciona uma vida boa (saúde, comunicação,</p><p>transportes etc.), tem um grande poder de convencimento e, na grande maioria das vezes, prova</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>o que está a�rmando. Contudo, talvez precisemos admitir que, embora forneça respostas, a</p><p>ciência não tem uma resposta para tudo e que as verdades cientí�cas de hoje poderão despertar</p><p>estranhamento amanhã, tal como já aconteceu com algumas teorias (o geocentrismo e o</p><p>criacionismo, por exemplo). Nesse último caso, defende-se que o primeiro homem surgiu nesse</p><p>planeta há 5.779 anos, mesmo após arqueólogos terem encontrado um esqueleto humano</p><p>inteiro, de 3.200.000 anos (KIMBEL; DELEZENE, 2009).</p><p>______</p><p>Pesquise mais</p><p>Uma possível conciliação entre a visão criacionista e evolucionista foi proposta pelo teólogo,</p><p>�lósofo e paleontólogo francês Teilhard de Chardin (1889-1955) para quem, em linhas gerais,</p><p>mesmo o ser humano tendo surgido há milhares de anos, a divindade apenas interveio na</p><p>história humana, conferindo-lhe sentido e propondo salvação, a partir de um determinado</p><p>momento histórico e numa determinada situação. Caso tenha interesse, con�ra na biblioteca</p><p>virtual o seguinte livro: Teologia espiritual de Luiz Balsan, no tópico 5.5 (página 206) você poderá</p><p>conhecer melhor o pensamento desse autor.</p><p>Conclusão</p><p>Voltando a Hamlet, que sustentou que</p><p>“há mais mistérios entre o céu e a terra do que supõe nossa vã �loso�a”,</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>nos propomos a re�etir se tais mistérios ainda persistem. Além disso, nos questionamos se,</p><p>caso persistam, a ciência conseguiria respondê-los. Ou ainda, se seria recomendável</p><p>considerarmos outra possibilidade: a de que quanto mais viermos a conhecer o mundo mais</p><p>perceberemos que conhecemos pouco. A partir da contribuição de importantes pensadores,</p><p>teremos condições de dar uma resposta mais bem elaborada do que aquela que daríamos ao</p><p>iniciar essa leitura.</p><p>O que se mais coaduna com a re�exão �losó�ca é considerar que o conhecimento está sempre</p><p>sujeito a mudanças, e que há possibilidade do surgimento de outras modalidades além das que</p><p>já temos (senso comum, religião, ciência e �loso�a). Não é impossível que, no futuro, aquilo que</p><p>hoje consideramos conhecimento cientí�co, venha a ser considerado, obsoleto e ultrapassado.</p><p>Também é possível imaginarmos que um dia a odisseia humana aqui nesse planeta poderá se</p><p>extinguir. Vamos fazer um exercício? Imagine que o universo, tendo aproximadamente,</p><p>13.700.000.000 (treze bilhões e setecentos milhões de anos), sendo reduzido a um ano, cada</p><p>segundo representaria 434 anos, cada minuto 26.065 anos, cada hora 1.563.927, cada dia</p><p>37.534.247 anos. A terra teria surgido há 120 dias, a vida (unicelular) surgido há 12 dias, os</p><p>dinossauros teriam surgidos há 6 dias e desaparecido há 2. E o homo sapiens teria surgido há 5</p><p>minutos e há apenas 1 minuto e 27 segundos (38.000 anos) desenvolvido a fala. Perceba o quão</p><p>rápido são as mudanças e quão efêmeros somos. Claude Lévi-Strauss (1908-2009) a�rmou que</p><p>esse homem que está nesse planeta há dois minutos não �cará mais dois (MACHADO, 2015, p.</p><p>15).</p><p>É bem provável que passemos pelo mundo sem conhecê-lo por completo, mas não deveríamos</p><p>passar por ele sem tentar conhecê-lo, pois, de acordo com Sócrates,</p><p>“uma vida sem re�exão não merece ser vivida” (PESSANHA, 1999, p. 67).</p><p>Mesmo que não nos seja possível tal conhecimento, podemos buscar respostas para o motivo</p><p>de estarmos aqui, “o porquê” da nossa existência. Tal pergunta extrapola a incumbência</p><p>cientí�ca, mas ela é inerente à �loso�a e incomoda o �lósofo. Ao buscar uma resposta, você está</p><p>começando a fazer exercícios de �loso�a.</p><p>Diante disso, o que deve �car claro é que o nosso conhecimento é limitado e que uma postura</p><p>sensata e coerente deve pautar-se pelo respeito ao espaço próprio de cada uma das</p><p>modalidades de conhecimentos, cônscios de que estamos sempre em busca de respostas, em</p><p>busca da verdade, mas sem a certeza de estarmos nos aproximando ou nos afastando dela.</p><p>Cabe-nos, dessa forma, continuar a busca, o estudo, a análise, a re�exão de todo o arsenal de</p><p>conhecimento que temos ao nosso dispor.</p><p>Referências</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>A.A. VV. O livro da �loso�a. São Paulo: Globo, 2011.</p><p>ABBAGNANO, N. Dicionário de �loso�a. Tradução de Alfredo Bosi. 5. ed. São Paulo: Martins</p><p>Fontes, 2007.</p><p>ABRÃO, B. S. (Org.). História da �loso�a. São Paulo: Nova Cultural, 1999. (Coleção Os</p><p>Pensadores).</p><p>ARANHA, M. L. A.; MARTINS, M. H. P. Filosofando: introdução à �loso�a. 2. ed. São Paulo:</p><p>Moderna, 1999.</p><p>ARANHA, M. L. A.; MARTINS, M. H. P. Temas de �loso�a. 3. ed. São Paulo: Moderna, 2008.</p><p>BACON, F. Novum organum: ou verdadeiras indicações acerca da interpretação da natureza. São</p><p>Paulo: Nova Cultural, 1999. (Coleção Os Pensadores).</p><p>BREWSTER, D. Memoirs of the Life, Writings, and Discoveries of Sir Isaac Newton. Edinburgh:</p><p>Edmonston and Douglas, 1855. v. 2.</p><p>CARNAP, R. A superação da metafísica pela análise lógica da linguagem. Cognitio, v. 10, n. 2, p.</p><p>293-309, 2009.</p><p>CHAUÍ, M. Convite à �loso�a. São Paulo: Ática, 2000.</p><p>CHAUÍ, M. Filoso�a. Ensino Médio – 1a série. São Paulo: Abril Educação, 2014 (Sistema Ser).</p><p>COTRIM, G. Fundamentos da Filoso�a. São Paulo: Editora Saraiva, 1996.</p><p>DE ALMEIDA, J. J. R. L. A luz como metáfora na teologia e na �loso�a. Ciência e Cultura, v. 67, n.</p><p>3, p. 43-47, 2015.</p><p>DESCARTES, R. Princípios da �loso�a. 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Síntese</p><p>Nova Fase, Belo Horizonte, v. 25, n. 82, 1998, p. 391-401.</p><p>,</p><p>Unidade 2</p><p>Histórico do pensamento �losó�co</p><p>Aula 1</p><p>Filoso�a antiga</p><p>Introdução da Unidade</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>Objetivos da Unidade</p><p>Ao longo desta Unidade, você irá:</p><p>identi�car as diferenças do pensamento platônico e aristotélico;</p><p>demonstrar os estudos dos pensadores da Filoso�a moderna;</p><p>analisar as principais ideias de alguns dos mais importantes �lósofos do século XX.</p><p>Olá, estudante!</p><p>A �loso�a antiga, também chamada de �loso�a clássica, compreende as contribuições</p><p>socráticas, platônicas e aristotélicas dentre as mais signi�cativas, sem desconsiderar a</p><p>contribuição dos pré-socráticos, dos so�stas e das correntes helenistas. Essa �loso�a foi se</p><p>formando aos poucos por meio de convergências e divergências de ideias, mas orientada pela</p><p>busca da verdade.</p><p>Embora Sócrates seja reconhecido como “o pai da �loso�a”, ele não nos deixou nenhum legado</p><p>escrito e grande parte das obras literárias de considerável envergadura re�exiva são atribuídas a</p><p>Platão, que registrou as ideias de Sócrates na forma de “diálogos”. Porém, se Platão escreve</p><p>pautado nos ensinamentos recebidos do seu mestre, o mesmo já não acontece com Aristóteles</p><p>que escreveu muitos tratados (esse foi o estilo que ele adotou para os seus escritos), mas sem</p><p>se preocupar se rati�cava ou reti�cava as ideias platônicas.</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>Platão foi mestre de Aristóteles por vinte anos e, embora nutrissem mútuo respeito, tiveram</p><p>relevantes desavenças conceituais, o que teria levado Platão a a�rmar que</p><p>“Aristóteles o espezinhara como um potro, que dá uma parelha de coices na mãe”</p><p>(ARISTÓTELES, 1985, p. 19).</p><p>Por sua vez, Aristóteles teria a�rmado que</p><p>“a piedade exige de nós que honremos mais a verdade que os nossos amigos”</p><p>(ARISTÓTELES, 1973, [s.p.]),</p><p>frase que se tornou célebre como provérbio latino</p><p>“Amicus Platon, sed magis amica veritas”, “amigo de Platão, mas mais amigo da</p><p>verdade” (HELFERICH, 2006, p. 40).</p><p>Analisaremos, nesse momento, a contribuição de dois grandes �lósofos, Platão e Aristóteles.</p><p>Veremos que eles não concordaram em tudo, mas mesmo assim respeitaram o posicionamento</p><p>um do outro. Ambos contribuíram, cada um à sua maneira, para o desenvolvimento do</p><p>conhecimento �losó�co.</p><p>Considere-se um pesquisador que irá realizar uma pesquisa sobre esses �lósofos a partir de dois</p><p>questionamentos: o costumeiro respeito que temos para com os grandes vultos do</p><p>conhecimento nos impulsiona ou nos inibe na busca da verdade? O apego que, naturalmente,</p><p>temos por nossa própria imagem e, como consequência, por nossos pontos de vistas, nos ajuda</p><p>ou nos atrapalha para alcançarmos a verdade?</p><p>Sócrates e Platão, por exemplo, foram reconhecidos adeptos e praticantes da dialética. Essa era</p><p>uma importante ferramenta metodológica nas trilhas da verdade, porém exigia dos seus</p><p>debatedores grande maturidade, uma vez que, conscientes das possíveis lacunas dos seus</p><p>próprios pensamentos, se afastavam desses pensamentos para embrenhar-se por caminhos</p><p>mais seguros. Nesse sentido, poderíamos a�rmar que só quem tem grandeza de espírito</p><p>conseguiria praticá-la, dando supremacia à verdade ainda que em detrimento da própria imagem.</p><p>Possivelmente, a amizade possa ser mais bem demonstrada ao se alertar alguém dos possíveis</p><p>riscos inerentes às suas escolhas do que lhe conferindo apoio a despeito do desconhecimento</p><p>do desfecho de tais deliberações. E foi isso que Aristóteles buscou fazer quando apresentou</p><p>complementos à �loso�a de Platão ao a�rmar que era mais amigo da verdade do que do seu</p><p>mestre.</p><p>Esperamos que o conteúdo aqui abordado possa contribuir para o seu conhecimento e para o</p><p>seu crescimento, pautados por uma contribuição mais inequívoca e segura da sua própria</p><p>realidade, haja vista que, re�etindo sobre realidades que não nos dizem respeito, até podemos</p><p>aprender história da �loso�a, mas di�cilmente aprendemos a �losofar. Por vezes, porém, a vida</p><p>nos cobra mais o segundo, e a �loso�a começa quando buscamos compreender de modo crítico,</p><p>profundo, re�exivo e questionador a realidade em que nos encontramos. Podemos estudar</p><p>�loso�a a vida inteira e nunca sermos �lósofos se não buscarmos entender o mundo,</p><p>começando pelo que está à nossa volta.</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>Videoaula: introdução</p><p>Este conteúdo é um vídeo!</p><p>Para assistir este conteúdo é necessário que você</p><p>acesse o AVA pelo</p><p>computador ou pelo aplicativo. Você pode baixar os vídeos direto no aplicativo</p><p>para assistir mesmo sem conexão à internet.</p><p>Assista à videoaula de introdução.</p><p>Introdução da Aula</p><p>Qual é o foco da aula?</p><p>Nesta aula, você conhecerá alguns estudos dos �lósofos Platão e Aristóteles.</p><p>Objetivos gerais de aprendizagem</p><p>Ao longo desta aula, você irá:</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>relatar o que é política, ética e estética para Platão;</p><p>demonstrar o que é política, ética e estética para Aristóteles;</p><p>comparar as visões de mundo dos �lósofos Platão e Aristóteles.</p><p>Situação-problema</p><p>Para entendermos com mais propriedade o pensamento dos �lósofos antigos precisamos ter em</p><p>mente quais eram seus referenciais, ou seja, em que os seus pensamentos se fundamentavam.</p><p>Primeiramente, eles tinham como base a ordem presente na physis (natureza). A natureza era</p><p>concebida como se fosse uma imensa engrenagem regida por leis extremamente rígidas e</p><p>inquebrantáveis. Essas leis se estendiam também à sociedade e ao indivíduo, de forma que esse</p><p>último, ao fazer parte da natureza – para os gregos o homem era um microcosmo – estaria</p><p>atrelado a tais leis e, portanto, teria um destino e um papel especí�co a desempenhar.</p><p>A compreensão do papel que cabia a cada um seria mais facilmente identi�cada pela vivência na</p><p>pólis. A pólis representava o cenário que permitia que se conjugassem os papéis individuais em</p><p>prol da coletividade, tendo, essa última, preponderância sobre a individualidade de modo que os</p><p>interesses privados se submetessem aos interesses políticos. Um homem sem pátria era</p><p>considerado um homem desgraçado. E desconhecer o próprio papel inviabilizaria ao homem</p><p>alcançar o seu maior bem, a felicidade.</p><p>Tendo esse panorama em mente, passamos a conhecer algumas contribuições de Platão e</p><p>Aristóteles, tratando, agora, de suas re�exões políticas, éticas e estéticas. Começaremos por</p><p>Platão com quem Aristóteles estudou dos dezessete aos trinta e sete anos de idade.</p><p>O �lósofo e matemático britânico Alfred North Whitehead (1861- 1947) chegou a a�rmar que</p><p>“toda a �loso�a ocidental não passa de notas de rodapé às obras de Platão”</p><p>(WHITEHEAD, 1978, p. 39).</p><p>O norte-americano Ralph Waldo Emerson (1803-1882) a�rma que</p><p>“Platão é a própria �loso�a” (EMERSON apud REALE; ANTISERI, 1990, p. 124).</p><p>E o francês François Châtelet (1905-1985) diz que</p><p>“somos todos discípulos de Platão” (CHÂTELET apud ABRÃO, 1999, p. 46).</p><p>Tais a�rmações sinalizam a grandeza das suas contribuições e nos induzem a supor que jamais</p><p>alguém se atreveria a confrontá-lo. Contudo, não foi o que aconteceu, pois Aristóteles divergiu de</p><p>seu mestre em alguns pontos. O próprio Platão, porém, em sua maturidade, corrigiu alguns de</p><p>seus diálogos juvenis.</p><p>Política platônica</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>A política era uma das áreas mais valorizadas pelos gregos. Platão foi criado para ser um</p><p>político, mas acabou se desiludindo desse projeto e decidindo contribuir com ele apenas</p><p>re�exivamente. Nesse empreendimento, Platão faz uma analogia entre o homem justo e a cidade</p><p>justa, por meio da tese da tripartição da alma. Para o �lósofo, o homem é uma unidade acidental</p><p>entre corpo e alma, e é nela que reside a sua essência (PLATÃO, 1999, p. 110). O homem possui</p><p>três almas: a racional (localizada na cabeça), a irascível ou colérica (localizada no tórax) e a</p><p>concupiscível ou desejante (localizada no abdômen). Nos trabalhadores (camponeses, artesãos</p><p>e comerciantes) predominaria a terceira alma e nela há uma mistura de ferro e bronze, metais</p><p>menos nobres. Nos guerreiros, prevaleceria a segunda alma que teria uma mistura de prata e na</p><p>alma dos magistrados ou sábios predominaria a alma racional com mistura de ouro. Assim, para</p><p>ele, só seria justo o homem que agisse pela alma racional e somente seria justa a cidade que</p><p>fosse governada por magistrados. Nem os trabalhadores, tampouco os soldados, deveriam</p><p>governá-la pois não teriam a sabedoria necessária para bem conduzir os destinos da cidade.</p><p>Para Platão, não deveria haver propriedade privada para os guerreiros e magistrados, tudo</p><p>deveria ser bem comum e até mesmo seus �lhos deveriam ser criados e educados pelo Estado.</p><p>Ele nos alerta que a educação infantil não deve ser uma imposição quando diz</p><p>“não uses de violência para educar as crianças, mas age de modo que aprendam</p><p>brincando” (PLATÃO, 1999, p. 251).</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>Os trabalhadores estudariam até os vinte anos, os soldados até os trinta e os governantes</p><p>deveriam estudar até os cinquenta anos de idade.</p><p>Somente aos cinquenta anos se conseguiria formar um sábio e a ele deveria ser con�ado o</p><p>poder, con�gurando-se uma sofocracia, o governo dos sábios. É esse o regime de governo</p><p>defendido por Platão, que era contra a democracia. Contudo, é preciso que �que claro: ele era</p><p>contra aquela democracia, pois ela surgiu após os vencedores expulsarem os vencidos e</p><p>sortearem entre si o governo e os cargos públicos, tornando o Estado democrático um</p><p>“bazar de constituições” (PLATÃO, 1999, p. 274).</p><p>Diz ainda:</p><p>“vejamos sob qual aspecto se origina a tirania, dado que, é quase evidente que se</p><p>origina da democracia” (PLATÃO, 1999, p. 280).</p><p>E, por �m,</p><p>“a tirania não se originou de nenhum outro governo senão da democracia” (PLATÃO,</p><p>1999, p. 282).</p><p>A democracia teria se tornado a tirania da maioria. Precisamos lembrar que a democracia</p><p>daquela época não era como nossa, ela era exercida por um grupo restrito que condenou</p><p>Sócrates à morte, provocando em Platão uma aversão a esse regime. Ele defendeu a sofocracia</p><p>e diz que</p><p>“neste Estado só mandarão os que são verdadeiramente ricos, não de ouro, mas</p><p>dessa riqueza de que o homem tem necessidade para ser feliz: uma vida virtuosa e</p><p>sábia” (PLATÃO, 1999, p. 232).</p><p>No campo da ética, Platão identi�ca o bem como o agir em conformidade com as ideias puras,</p><p>perfeitas e eternas, atingível apenas pela alma. O verdadeiro bem se encontra na contemplação</p><p>do mundo das ideias que exige o desprezo do mundo material, onde os sentidos nos enganam</p><p>por nos fornecerem um conhecimento apenas aparente. Virtuoso é aquele que afugenta as</p><p>paixões, os instintos e os desejos e age em conformidade com a razão. Desse modo, o corpo é</p><p>visto como o cárcere da alma e os desejos como a fonte de vícios, o que implica que, segundo o</p><p>�lósofo, quanto mais suprimirmos nossos apetites, mais racionalmente agiremos e mais livres</p><p>seremos.</p><p>Sócrates enfatizava o cuidado com a alma e a entendia como razão ou como pensamento.</p><p>Platão reitera essa ideia acrescentando a ela um aspecto místico descrito por ele como cuidado</p><p>da alma ou puri�cação da alma. O entendimento deveria buscar transcender aquilo que é</p><p>assimilado pelos sentidos e alcançar aquilo que é inteligível, isto é, abstrato, pois somente aí</p><p>seria possível encontrar a verdade.</p><p>“A puri�cação aqui, diversamente das cerimônias iniciáticas dos ór�cos, coincide</p><p>com o processo de elevação ao conhecimento supremo do inteligível” (REALE, 2002,</p><p>p. 214, grifo do autor).</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>Ética platônica</p><p>A ética das virtudes é sistematizada por Platão na sua obra A República, entendendo virtudes</p><p>como funções da alma determinadas por sua própria natureza e pela divisão das suas partes.</p><p>“O paralelismo entre as partes do Estado e as partes da alma permite a Platão</p><p>determinar e de�nir as virtudes particulares, bem como a virtude que compreende</p><p>todas elas: a justiça como cumprimento de cada parte à sua função” (ABBAGNANO,</p><p>2007, p. 380).</p><p>Acreditava Platão que o homem nascia com virtudes – assim como nascia com ideias – porém,</p><p>como as ideias estavam esquecidas e deviam ser rememoradas, também as virtudes estavam</p><p>adormecidas e caberia ao homem despertá-las. A maior das virtudes era a justiça que estaria</p><p>intimamente atrelada ao correto funcionamento das três almas. O homem seria justo quando as</p><p>três interagissem harmonicamente sob o comando da racional. Cada alma possuiria a sua</p><p>virtude, entendida como excelência, o que signi�ca desempenhar o seu papel do melhor modo</p><p>possível. A virtude da</p><p>alma racional é a prudência, da alma irascível ou colérica é a coragem e da</p><p>alma concupiscente ou desejante é a temperança. Temperança signi�ca moderação, controle</p><p>dos apetites carnais. A justiça, a maior das virtudes, por sua vez, é a harmonia entre as três.</p><p>______</p><p>Exempli�cando</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>O conceito de alma aqui pode ser comparado àquilo que nos leva a fazer o que fazemos, às</p><p>nossas motivações. Por exemplo: se alguém nos fecha no trânsito podemos reagir</p><p>impulsivamente (alma irascível) ou compreensivamente (alma racional). Outro exemplo: se</p><p>diante de um alimento ao qual somos intolerantes não nos contermos e acabarmos por comê-lo,</p><p>mesmo sabendo das consequências, prevalecera a alma desejante; se nos contivermos,</p><p>prevalecera a racional.</p><p>Estética platônica</p><p>Atribui-se a Platão o mérito de ter iniciado a re�exão acerca do belo e da obra de arte, abordada</p><p>em sua obra Hipias Maior. Hipias era um so�sta e ao encontrá-lo Sócrates rapidamente o</p><p>perguntou o que é o belo. Notemos que ele não quis saber “o que é belo”, mas o que é “o” belo em</p><p>si. Hipias acha, inicialmente, que se trata de uma pergunta fácil, mas ao tentar respondê-la se dá</p><p>conta de que não é tão fácil quanto parece e o máximo que consegue é dar exemplos de coisas</p><p>belas. O diálogo é aporético, não chega à conclusão alguma e termina assim:</p><p>“certamente, Hipias, me parece ter sido bené�ca a conversa com um ou outro de</p><p>vocês. Creio que entendo o sentido do provérbio que diz: ‘o belo é difícil’” (PLATÃO,</p><p>1980, p. 20).</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>Entende-se que a resposta virá com a Teoria do Mundo das Ideias exposta em A República, pois</p><p>nela �ca claro que enquanto as manifestações do belo pertencem ao mundo sensível, atingir a</p><p>compreensão do que é o belo só seria possível para quem ascendesse ao mundo inteligível. O</p><p>conceito de belo vincula-se, dessa forma, ao conceito do bem e do verdadeiro.</p><p>Platão também se dedicou a resolver o problema da relação entre a arte, a metafísica e a moral,</p><p>pois para ele a arte não era autônoma. Preocupou-se em re�etir se a arte aproximava ou afastava</p><p>o homem da verdade e se ela o tornava melhor ou pior. E acabou concluindo que ela escondia a</p><p>verdade e corrompia o homem. Lembremos que, de acordo com o dualismo platônico, o mundo</p><p>em que vivemos já é uma cópia do mundo verdadeiro e a arte, por sua vez, é cópia da cópia, pois</p><p>ela representa uma imagem daquilo que já é cópia da imagem ideal. A única arte tolerada por</p><p>Platão seria a música, pois ela possibilitaria a harmonia da alma.</p><p>______</p><p>Re�ita</p><p>Nos dias atuais, a arte, sobretudo a sétima arte – o cinema – nos torna melhores ou piores?</p><p>Agrega-nos conhecimento? E a música? Ela não estaria voltada ao interesse �nanceiro?</p><p>______</p><p>Na República, Platão é duro com os poetas e a�rma que Hesíodo e Homero teriam contado</p><p>histórias mentirosas. Segundo ele, se Homero tivesse ajudado os homens de seu tempo a se</p><p>tornarem virtuosos, não o teriam deixado perambular de cidade em cidade, portanto ele é um</p><p>simples imitador da aparência de virtude e, por isso, não deve ser aceito na cidade ideal (a</p><p>Calípolis). A palavra imitação em grego é mímesis e Platão se mostra totalmente contrário a ela,</p><p>pois, para ele, ela mais corrompia do que educava. Nos ajuda entender melhor a aversão de</p><p>Platão pela obra de arte se lembrarmos que a arte grega era naturalista, ou seja, procurava</p><p>representar os objetos do modo mais real possível.</p><p>Por �m, vale lembrar que, se na obra A República Platão se posiciona desfavoravelmente com</p><p>relação à arte, em Fedro ele a considera como um</p><p>“divino entusiasmo, fruto do amor que impele a alma à imortalidade” (MONDIN, 1981,</p><p>p. 78).</p><p>Política aristotélica</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>O conceito antigo de política (a arte de bem viver em sociedade ou instância que busca a vida</p><p>feliz, ou a vida boa, de modo coletivo) é aristotélico, pois, para o �lósofo, o homem seria, em sua</p><p>essência, um zôon politikon, animal político (ARISTÓTELES, 1999, p. 228). Aristóteles não</p><p>separava a re�exão ética da re�exão política: a ética visaria o bem viver individual e a política, o</p><p>bem viver coletivo, o que faria da política mais importante do que a ética, dado que o coletivo</p><p>tem supremacia sobre o individual. Diz Aristóteles que</p><p>“o estado existe para capacitar todos, famílias e aparentados, a viver bem, ou seja, a</p><p>ter uma vida plena e satisfatória. É nosso amor pelos demais que nos leva a preferir a</p><p>vida em sociedade. A vida digna é o propósito do Estado” (ARISTÓTELES, 1999, p.</p><p>228).</p><p>Aristóteles defende que os mais virtuosos, os melhores, os excelentes deveriam governar</p><p>(aristói, em grego, raiz de “aristocracia”, governo dos melhores). Ele considerava Platão utópico e</p><p>defensor de um modelo político quase inviável. Além disso, discorda da ideia de se ter tudo em</p><p>comum, pois segundo ele</p><p>“há uma desvantagem adicional à propriedade comum: quanto maior o número de</p><p>proprietários, menor o respeito à propriedade. As gentes são muito mais cuidadosas</p><p>com suas próprias posses do que com os bens comunais” (ARISTÓTELES, 1999, p.</p><p>172).</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>“Muito melhor é o presente sistema de propriedade privada, desde que tenha uma</p><p>base moral fundamentada na lei” (ARISTÓTELES, 1999, p. 176).</p><p>Ainda, para ele:</p><p>O Estado é uma criação da natureza e tem prioridade sobre o indivíduo que, quando</p><p>isolado, não é autossu�ciente; no entanto, ele o é como parte relacionada com o</p><p>conjunto. Mas aquele que for incapaz de viver em sociedade, ou que não tiver</p><p>necessidade disso por seu autossu�ciente, será uma besta ou um deus, não uma</p><p>parte do Estado. (ARISTÓTELES, 1999, p. 147)</p><p>Na compreensão aristotélica, a �nalidade da família era suprir as necessidades diárias dos</p><p>homens. Da união das famílias se originaria a aldeia e da necessidade de organizar o poder</p><p>surgem os chefes locais. Dessas aldeias, ao se unirem e se tornassem grandes o bastante para</p><p>serem autossu�cientes, surgiria a cidade ou o estado. Cada estado seria, portanto, uma</p><p>comunidade agindo de modo a obter o que acha bom e englobando o bem nas maiores</p><p>excelências possíveis. Disso decorre que</p><p>“o Estado é uma criação da natureza e que o homem é, por natureza, um animal</p><p>político” (ARISTÓTELES, 1999).</p><p>Prova disso é que a natureza, a qual não faz nada em vão (teleologia), dotou o homem com o</p><p>dom da palavra, com a noção de bem e mal, justiça e injustiça, tendo como �nalidade promover a</p><p>vida em comum no seu melhor modo possível.</p><p>Aristóteles analisou mais de 150 constituições e descreveu os regimes que considerou justos e</p><p>as suas respectivas degenerações (CHAUÍ, 2000, p. 496), chamados também de regimes injustos</p><p>ou corrompidos. Eis o quadro aristotélico dos regimes políticos.</p><p>Regimes políticos segundo Aristóteles. Fonte: do autor.</p><p>Para determinar o que entendia como justiça, Aristóteles distinguiu dois tipos de bens: os</p><p>partilháveis, que se referem a algo que pode ser dividido e distribuído, como as riquezas; e os</p><p>bens que não podem ser divididos, mas nos quais é importante que se participe, ou seja, os bens</p><p>participáveis, como o poder político. A partir daí apresentou dois tipos de justiça na cidade: a</p><p>justiça distributiva, que se refere à distribuição dos bens econômicos de forma a dar</p><p>desigualmente aos desiguais para torná-los iguais; e a justiça participativa, referente ao poder</p><p>político e que consiste em respeitar o modo como cada comunidade de�niu a participação no</p><p>poder do qual todos devem participar (CHAUI, 2000).</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>Ética aristotélica</p><p>A contribuição mais signi�cativa de Aristóteles é possivelmente no campo da ética. A sua obra</p><p>Ética a Nicômaco pode ser considerada uma referência fundamental a respeito da ética. Marcelo</p><p>Perine (2006) a�rma que a Ética a Nicômaco pode, sem sombra de dúvida, ser contada entre as</p><p>obras literárias mais extraordinárias que o gênio humano já produziu. E Danilo Marcondes (2009,</p><p>p. 38) lembra que a Ética a Nicômaco</p><p>“foi o primeiro tratado de ética da tradição �losó�ca ocidental e, também, o pioneiro</p><p>no uso do</p><p>termo ‘ética’ no sentido em que o empregamos até hoje”.</p><p>Aristóteles é um defensor da ética das virtudes, acrescidas do elemento teleológico: alcançar a</p><p>felicidade, o bem viver (eudamonia, em grego). Diz ele que a felicidade é a melhor, a mais nobre e</p><p>a mais aprazível coisa do mundo. Agimos virtuosamente na tentativa de alcançar a felicidade. E</p><p>o que é a felicidade? É uma vida vivida conforme a virtude; uma atividade da alma em</p><p>consonância com a virtude e, se há mais de uma virtude, com a melhor e mais completa</p><p>(ARISTÓTELES, 1973). A máxima felicidade possível se obtém</p><p>“por meio da vida contemplativa, uma vida intelectual sossegada, longe das</p><p>perturbações do cotidiano” (ABRÃO, 1999, p. 63).</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>Aristóteles não compartilha da ideia platônica de que o homem nasce com virtude, ao contrário,</p><p>ele a�rma que a virtude seria adquirida por meio do hábito, daí a necessidade do esforço</p><p>permanente em praticar atos virtuosos. Diz ele:</p><p>Com efeito, as coisas que temos de aprender antes de poder fazê-las, aprendemo-las</p><p>fazendo; por exemplo, os homens tornam-se arquitetos construindo e tocadores de</p><p>lira tangendo esse instrumento. Da mesma forma, tornamo-nos justos praticando</p><p>atos justos, e assim com a temperança, a bravura etc. (ARISTÓTELES, 1973, p. 267)</p><p>Nesse sentido, de�ne que a virtude é a força necessária para agir corretamente, tal como o</p><p>autocontrole, o autodomínio. Seria como “pensar bem” antes de agir para não se arrepender</p><p>depois, não perder a calma facilmente nas discussões, não falar nada, ou praticar algum ato</p><p>passível de arrependimento depois etc. A excelência, por sua vez, que signi�ca cumprir bem com</p><p>aquilo que lhe é pertinente, fazer bem feito aquilo que lhe compete fazer. Mas, para Aristóteles, a</p><p>virtude apresenta um elemento bastante marcante, o mesotes (justa medida) que, segundo ele,</p><p>no campo da ética, consiste em evitar os extremos, tanto no que tange aos excessos quanto às</p><p>faltas. É preciso buscar a harmonia, isto é, o equilíbrio.</p><p>“A sabedoria prática (phronesis) consiste na capacidade de discernir esta medida,</p><p>cuja determinação poderá variar de acordo com as circunstâncias e situações</p><p>envolvidas” (MARCONDES, 2009, p. 40, grifo do autor).</p><p>______</p><p>Assimile</p><p>Virtude, em grego é aretê, e tem o signi�cado de excelência, exímio, melhor sendo atribuído a</p><p>algo ou alguém quando cumpre com o seu papel do melhor modo possível. Em latim é virtus e</p><p>signi�ca força, no sentido de autocontrole, autodomínio, para fazer aquilo que se sabe que deva</p><p>ser feito.</p><p>Estética aristotélica</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>Com relação à estética, Aristóteles discorda de Platão quanto à vigilância e à censura da arte e</p><p>defende que ela não precisa ter compromisso com a reprodução do mundo verdadeiro. O</p><p>trabalho do escritor de tragédia, por exemplo, é, por ele, considerado superior ao do historiador,</p><p>porque o primeiro não se limitaria a reproduzir um fato, mas se empenharia em criar tal fato. As</p><p>personagens criadas poderiam servir de modelos educativos para os cidadãos sobre o que fazer</p><p>ou o que evitar seguindo-se a orientação de que os melhores deveriam ser priorizados e</p><p>seguidos enquanto os piores deveriam ser evitados. Dessa forma, o compromisso do autor de</p><p>tragédias não seria com a verdade, mas com a verossimilhança, ou seja, produzir uma narrativa</p><p>que se assemelha com a realidade.</p><p>Assim, a tragédia deveria provocar, no expectador, a piedade e o temor e isto o levaria, em última</p><p>instância, à catarse (puri�cação das paixões), visto que, normalmente, sofreríamos junto com os</p><p>artistas. Desse modo, tanto a tragédia quanto a epopeia (narrativa de feitos heroicos) se</p><p>mostrariam superiores à comédia, pois enquanto a comédia enfatiza o lado negativo do homem</p><p>ao ridicularizá-lo, mostrando-o pior do que ele realmente é, a epopeia e a tragédia apresentam</p><p>homens virtuosos e de bom caráter que lutam pelo bem. Ou seja, segundo o autor, quem escreve</p><p>tragédia é mais nobre do que aquele que escreve comédia e consegue despertar na plateia o</p><p>desejo de imitação. Este desejo de imitação ocorre por dois motivos: primeiro, porque seria</p><p>congênito (natural) ao homem proceder deste modo e, segundo, porque os homens se</p><p>comprazeriam (sentiriam prazer) ao imitar.</p><p>Se a tragédia imita uma ação de origem nobre, virtuosa e que tende a ser imitada, então o poeta</p><p>seria alguém diferenciado por conseguir despertar isso no ser humano e como tal deveria ser</p><p>reconhecido. Desse ponto de vista, Homero deveria ser visto positivamente como alguém que</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>teria criado personagens de caráter nobre e feito com que os homens buscassem segui-los. Ao</p><p>seguir tais exemplos, o ser humano alcançaria a catarse, a puri�cação da alma, à medida que</p><p>exteriorizasse suas emoções, extravasando e aliviando-se do peso de emoções negativas,</p><p>chegando até a re�etir sobre elas.</p><p>O artista, segundo Aristóteles, se ocupa com o belo (ou com a beleza), e o belo é de�nido por ele</p><p>como um bem que agrada. Mas por que agrada? Porque proporciona prazer às nossas</p><p>faculdades cognitivas por meio da ordem, da simetria e da harmonia presentes nesse objeto ou</p><p>nessa realidade. Se partes de uma obra não estão harmoniosamente ajustadas com o todo</p><p>temos di�culdades de julgá-la bela, pois os traços devem estar proporcionalmente condizentes</p><p>com o todo.</p><p>Aristóteles entende que a beleza está presente na ordem, na simetria e na proporcionalidade</p><p>existente entre as partes e o todo. Para ele, existem artes mecânicas, que se efetivam por meio</p><p>da produção como o artesanato, e arte imitativa, como as belas artes. Mas ao tratar da arte</p><p>imitativa, o �lósofo retira dela a conotação negativa dada por Platão, justamente por vê-la como</p><p>um elemento que promove a catarse da alma humana (ABBAGNANO, 2003).</p><p>______</p><p>Pesquise mais</p><p>Os conceitos de ordem, harmonia e simetria pautaram estudos e pesquisas por muito tempo e</p><p>ainda hoje não são totalmente desconsiderados. Para enriquecer a sua compreensão acerca</p><p>dessa temática sugerimos a leitura dos seguintes artigos: Proporção Áurea e a Odontologia</p><p>Estética de Clovis Pagani e  Marco Cícero Bottino e Sequência de Fibonacci: História,</p><p>propriedades e relações com a Razão Áurea de Lívia Da Cás Pereira e Marcio Violante Ferreira.</p><p>Conclusão</p><p>https://www.dtscience.com/wp-content/uploads/2015/10/Proporcao-Aurea-e-a-Odontologia-Estetica.pdf</p><p>https://www.dtscience.com/wp-content/uploads/2015/10/Proporcao-Aurea-e-a-Odontologia-Estetica.pdf</p><p>https://periodicos.ufn.edu.br/index.php/disciplinarumNT/article/view/1236/1172</p><p>https://periodicos.ufn.edu.br/index.php/disciplinarumNT/article/view/1236/1172</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>Embora fossem muito amigos, nutrindo muito respeito mútuo, Platão e Aristóteles tiveram</p><p>signi�cativos con�itos no campo das ideias, tais como: para Platão nascemos com ideias, para</p><p>Aristóteles nascemos sem ideias; Platão defende que a verdade se encontra no mundo das</p><p>ideias, Aristóteles diz, ao contrário, que ela se encontra nesse mundo; para o primeiro, nascemos</p><p>com virtudes, para o segundo, não; Platão pensa que devemos suprimir os desejos, Aristóteles</p><p>pensa que devemos controlá-los; Platão defende a sofocracia, Aristóteles, a aristocracia; Platão é</p><p>contra a arte, Aristóteles é a favor. En�m, poderíamos elencar aqui várias divergências entre os</p><p>dois, mas acreditamos que as citadas sejam su�cientes para o nosso propósito de estudo.</p><p>Voltamos, então, ao nosso questionamento inicial: será que a humanidade, apesar de estar mais</p><p>esclarecida, está mais individualista e indiferente frente ao sofrimento alheio (alienus, em latim;</p><p>de onde vem a expressão alienado)? Se for assim, por que isso ocorre? Será que não é papel da</p><p>educação almejar um mundo melhor para todos? Seria papel da educação proporcionar esse</p><p>mundo apenas individualmente? Ou seja, compete ao conhecimento contribuir com a evolução</p><p>do mundo ou com a evolução pessoal ou, ainda, com ambas?</p><p>Primeiramente, é importante lembrar que no âmbito das ciências humanas, raramente temos</p><p>respostas cabais, pelo menos não aos moldes das</p><p>ciências da natureza, por exemplo. Via de</p><p>regra, o que se faz é apontar possíveis resoluções, ou formas de se resolver os problemas.</p><p>Supõe-se que a humanidade esteja mais esclarecida do que antigamente, pois, de fato,</p><p>conseguimos ver mais longe do que os antigos, até mesmo por nos valermos das suas</p><p>contribuições e a elas podermos acrescentar as nossas descobertas. Contudo, o mundo está</p><p>muito mais heterogêneo, tem outra dinâmica, outras tendências econômicas e políticas e é mais</p><p>difícil conciliar os vários pontos de vistas e interesses divergentes e antagônicos. Parece-nos ser</p><p>papel da educação despertar no ser humano mais consciência da sua própria realidade, das suas</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>limitações, das suas potencialidades etc., tornando-o mais sensível com a humanidade e a</p><p>natureza em geral, mas isso não signi�ca que tenhamos conseguido deixá-lo mais</p><p>comprometido com as causas éticas e o bem comum. Isso até pode ser despertado pela</p><p>educação, mas não é papel exclusivo da educação, outras áreas do conhecimento e do saber</p><p>prático também reclamam para si tal prerrogativa.</p><p>O que gostaríamos que �casse bem esclarecido é o valor da tolerância, do diálogo e do respeito</p><p>para a aquisição de conhecimentos e para a construção de um mundo mais justo e harmonioso,</p><p>principalmente para com aqueles que discordam das nossas ideias. Talvez a dialética grega,</p><p>sobretudo a socrática, possa nos ajudar. Isso signi�ca aprender a discordar sem se ofender e</p><p>discutir sempre em busca da verdade, mais do que obter vitória sobre o debate estabelecido.</p><p>Discordar por discordar não caracteriza necessariamente a dialética, o que a caracteriza é o</p><p>propósito pretendido, qual seja, conhecer verdadeiramente o mundo e, se possível, buscar</p><p>melhorá-lo.</p><p>Aula 2</p><p>Filoso�a moderna</p><p>Introdução da Aula</p><p>Qual é o foco da aula?</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>Nesta aula, você conhecerá o que pensam alguns �lósofos como: Descartes, Kant, Hume e</p><p>Locke.</p><p>Objetivos gerais de aprendizagem</p><p>Ao longo desta aula, você irá:</p><p>relatar o que é ceticismo;</p><p>identi�car questionamentos feitos por Descartes;</p><p>interpretar o que é racionalismo e empirismo para alguns �lósofos.</p><p>Situação-problema</p><p>Olá, estudante! Iniciamos esta aula propondo um experimento mental, um recurso didático que</p><p>nos permite imaginar uma situação não se preocupando com a possibilidade ou não da sua</p><p>realização, mas servindo como pano de fundo para as indagações e os questionamentos que</p><p>balizarão os nossos estudos.</p><p>O experimento que propomos é o caso do sábio chinês que sonhou que era uma borboleta. No</p><p>livro O mundo de So�a, Jostein Gaarder (2007) apresenta uma história segundo a qual</p><p>“o antigo sábio chinês Tchuang Tsu (cerca de 350 a.C.) sonhou uma vez que era uma</p><p>borboleta e, após ter acordado perguntou se era um homem que sonhara ser uma</p><p>borboleta ou uma borboleta que estava nesse momento sonhando que era um</p><p>homem” (GAARDER, 2007, p. 152).</p><p>Talvez você até já tenha ouvido essa história por meio da música O conto do sábio chinês, de</p><p>Raul Seixas (SEIXAS, 1980).</p><p>O objetivo dessa proposta é te levar ao ambiente cultural e intelectual do começo da Idade</p><p>Moderna. Naquela época, as recentes descobertas de novas terras, da percepção de que o</p><p>planeta era bem maior do que supunham até então, da esfericidade da Terra e da constatação do</p><p>seu movimento em torno do sol balançaram as convicções e ideias vigentes. Esses</p><p>questionamentos permitiram que novas teorias fossem criadas para dar conta de explicações</p><p>aceitáveis do ponto de vista racional. Isso fez com que tudo fosse submetido ao �ltro da razão a</p><p>partir de uma atitude inicial de descon�ança e de ceticismo. Um ceticismo que só poderia ser</p><p>vencido por meio de uma certeza inabalável que servisse de base para a extração de outras</p><p>certezas. Com isso, alguns �lósofos acabaram colocando até mesmo a própria existência sob</p><p>questionamento, como se tudo pudesse ser um grande sonho.</p><p>De acordo com Marilena Chauí (2000), enquanto os gregos se perguntavam como era possível o</p><p>erro, os modernos se perguntam como era possível a verdade. Os modernos buscam entender e</p><p>explicar como as nossas ideias correspondem ao que se passa verdadeiramente na realidade.</p><p>Para isso retomaram o modo de trabalhar �loso�camente proposto por Sócrates, Platão e</p><p>Aristóteles, a saber: começar pelo exame das opiniões contrárias e ilusórias buscando superá-las</p><p>até alcançar a verdade. Francis Bacon (1561-1626) e René Descartes (1596-1650) examinaram</p><p>as causas e formas do erro antes de abordar o conhecimento verdadeiro e, desse modo,</p><p>inauguraram um novo modo de �losofar partindo da análise dos preconceitos e do senso</p><p>comum.</p><p>Tendo esse panorama como premissa para a nossa re�exão cabe-nos o seguinte problema:</p><p>como podemos ter certeza de que o mundo fora da nossa mente corresponde plenamente com a</p><p>representação (ideia) que temos dele em nossa mente? Como podemos provar de modo</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>indubitável que a nossa vida não é um grande sonho? Nós enxergamos e compreendemos o</p><p>mundo como ele de fato é? Dessas indagações ocuparam com a�nco muitos �lósofos</p><p>modernos, sobretudo Descartes, John Locke (1632-1704), David Hume (1711-1776) e Immanuel</p><p>Kant (1724-1804), como veremos nesta aula.</p><p>Ceticismo</p><p>Desde que Nicolau Copérnico (1473-1543) e Galileu Galilei (1564-1642) tiveram a ousadia de se</p><p>contrapor à astronomia ptolomaica – a despeito dos riscos representados pela Inquisição e pelo</p><p>Santo Ofício a essas ideias – o mundo mudou sua con�guração e surgiu no pensamento europeu</p><p>uma profunda descon�ança com relação a nossa capacidade de conhecermos o mundo de</p><p>modo verdadeiro. Essa ambiência acabou resultando no renascimento do ceticismo com grande</p><p>força. Porém, com igual vigor, os �lósofos se dedicaram a buscar a verdade, pois acreditavam</p><p>que uma única verdade poderia representar o pontapé inicial para a aquisição de outras. Essa</p><p>con�ança na razão pode ser percebida na frase de Galileu Galilei que a�rmava que</p><p>Se raciocinar sobre um problema difícil fosse a mesma coisa que carregar pesos,</p><p>então muitos cavalos carregariam mais sacos de trigo que um cavalo só, e eu</p><p>concordaria mesmo que a opinião de muitos valesse mais do que a de poucos; mas o</p><p>raciocinar é como o correr, e não como o carregar. Assim, um cavalo de corrida</p><p>sozinho correrá sempre mais do que cem cavalos frisões (GALILEI, 1983, p. 218).</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>Duzentos anos depois, Arthur Schopenhauer (1788-1860) dirá algo parecido:</p><p>“o intelecto não é uma grandeza extensiva, mas intensiva: sendo assim, um único</p><p>indivíduo pode tranquilamente opor-se a dez mil, e uma assembleia de mil imbecis</p><p>não faz um único homem inteligente” (SCHOPENHAUER, 2003, p. 50).</p><p>E é nesse projeto de encontrar uma verdade indubitável que Descartes dedicará toda a sua vida.</p><p>Descartes estudou no colégio La Fleche, dos jesuítas franceses, um dos melhores da época, e ao</p><p>�ndar seus estudos concluiu que ainda lhe restavam muitas dúvidas sobre uma fundamentação</p><p>inabalável do conhecimento, ou seja, as ideias não �caram tão claras quanto imaginou que</p><p>�cariam após tanto tempo de pesquisa e re�exão. O que desa�ará Descartes será o clima de</p><p>ceticismo que proclama a incerteza das ciências e, dessa forma, o estudioso passa a adotar a</p><p>dúvida como recurso metódico, a�rmando que o homem não pode conhecer nada com</p><p>segurança. Montaigne, um dos maiores representantes do ceticismo daquela época, por sua vez,</p><p>procura demolir as superstições e conclui que neste mundo incerto tudo o que há são apenas</p><p>opiniões e o homem nada pode saber, porque o homem não é nada (PESSANHA, 1999).</p><p>O máximo que podemos ter são probabilidades, mas não certezas. O probabilismo é uma versão</p><p>bastante conhecida do ceticismo e por meio dele há um incentivo à descon�ança em relação à</p><p>verdade sem descartar a hipótese da probabilidade. O cético observa, descon�a, espera o</p><p>desenrolar dos fatos e só depois se pronuncia. Essa era a atitude que pairava na Filoso�a na</p><p>época de Descartes e ela desa�ava os intelectuais mais proeminentes de então.</p><p>Foi assim que a comunidade</p><p>cientí�ca se sentiu desa�ada a encontrar um “caminho para”</p><p>(método, em grego) a verdade inabalável, o que fez com que Descartes também procurasse</p><p>elaborar um método seguro que lhe fornecesse a verdade. Em 1619, ele entrou para a Ordem</p><p>Rosa-Cruz e, nessa ambiência in�uenciada por Pitágoras, passou a acreditar que havia um</p><p>acordo entre as leis da matemática e as leis da natureza (PESSANHA, 1999). Encantado pela</p><p>matemática, acreditou que ela estaria imune ao ceticismo de Montaigne e, desse modo, concluiu</p><p>que só havia um caminho para superar a dúvida: combatê-la com suas próprias armas. Duvidar</p><p>de tudo, até mesmo de si, da sua existência. Porém, ao duvidar do próprio “eu”, percebeu que</p><p>algumas ideias tinham a nitidez e a estabilidade da matemática. Eram as ideias claras e distintas</p><p>que, segundo ele, não dependem da experiência dos sentidos, por serem inatas ao ser humano.</p><p>Assim, Descartes partiu da “dúvida pela dúvida” e fez dela uma “dúvida metódica”, com o</p><p>propósito de garantir que as ideias correspondessem à realidade fora da nossa mente</p><p>(PESSANHA, 1999).</p><p>Questionamento de Descartes</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>Descartes, então, amplia a dúvida tornando-a hiperbólica: trata-se de duvidar até das ideias</p><p>claras e distintas admitidas espontaneamente pelo espírito. Ele começa com o argumento dos</p><p>sentidos, mostrando que eles podem nos enganar (às vezes ouvimos mal, enxergamos mal etc.),</p><p>mas conclui que há coisas das quais não se pode sensatamente duvidar, a menos que se padeça</p><p>de demência (PESSANHA, 1999).</p><p>Em seguida, o estudioso passa para o argumento da imaginação, ou do sonho: como ter certeza</p><p>de que o conhecimento fornecido pelos sentidos esteja realmente acontecendo e não seja</p><p>apenas fruto de um sonho? E responde: ainda que fosse um sonho, as suas imagens seriam tão</p><p>reais que poderiam ser medidas e pesadas. Nesse caso, o resultado matemático seria</p><p>indubitável (PESSANHA, 1999).</p><p>Então, Descartes passa a questionar tais resultados a partir do argumento das verdades</p><p>matemáticas: e se os pesos e as medidas fossem colocados em nossa mente por um gênio</p><p>maligno que gosta de nos enganar? (lembremos que a dúvida é só um recurso metodológico</p><p>para se chegar à verdade e que esse recurso deve ser levado ao seu extremo). Assim, chegando</p><p>nesse limite, Descartes reconhece a primeira verdade: mesmo que eu possa duvidar da minha</p><p>existência real, não posso duvidar que duvido e que só é possível duvidar por meio do</p><p>pensamento.</p><p>Segundo o autor, é justamente quando a dúvida atinge o seu limite, ou seja, a dúvida sobre a</p><p>própria dúvida, que ela começa a ser superada, pois permite que se encontre uma certeza: se</p><p>estou duvidando signi�ca que estou pensando, portanto, não posso duvidar que penso. Além</p><p>disso, ele argumenta que, para duvidar, é preciso pensar, ou seja, o pensamento viria antes da</p><p>dúvida. Surge, dessa forma, a primeira certeza: se eu só posso duvidar pensando e se eu estou</p><p>duvidando é porque eu estou pensando, então eu sou uma coisa que pensa (res cogitans, em</p><p>latim). Como pode perceber, o pensamento é, para Descartes, uma atividade autofundante: sua</p><p>existência resulta da sua própria atividade.</p><p>______</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>Assimile</p><p>A dúvida hiperbólica é uma ferramenta �losó�ca, um recurso para o pensamento, pois ninguém</p><p>em sã consciência duvida da própria existência. Ela é um recurso metodológico parecido com o</p><p>brainstorming ou tempestade de ideias, em que se permitem colocações absurdas, pois delas é</p><p>possível extrair um pensamento válido.</p><p>Descartes criou a dúvida metódica ou hiperbólica, acreditando que por meio dela seria possível</p><p>analisar o conhecimento avaliando as suas fontes e causas, a sua forma e o seu conteúdo, a</p><p>falsidade e a verdade e, assim, encontrar os meios para se livrar de tudo quanto se possa duvidar</p><p>pela simples operação do pensamento, ao encontrar uma verdade indubitável. Com isso, o</p><p>pensamento poderia oferecer ao espírito um conjunto de regras que seriam obedecidas para que</p><p>o conhecimento viesse a ser considerado verdadeiro.</p><p>______</p><p>Retrato de René Descartes, por Frans Hals. Fonte: Wikipédia.</p><p>Com base nas progressões matemáticas por meio das quais tendo-se os dois ou três primeiros</p><p>termos é possível encontrar os demais, Descartes acreditou que era possível construir uma</p><p>cadeia de razões por meio da qual o desconhecido seria descoberto. Nesse sentido, a partir do já</p><p>conhecido e de uma primeira certeza (o pensamento), já se tornaria possível levantar o edifício</p><p>do saber. O importante é que só se considere como verdadeiro o que for intuível com clareza e</p><p>precisão, o que corrobora a de�nição cartesiana de verdade.</p><p>Em sua obra Meditações metafísicas (2016), o autor apresenta o itinerário percorrido desde a</p><p>dúvida cética até a primeira verdade e, então, partindo da primeira verdade, o pensamento, ele</p><p>chega à segunda, a existência de Deus; essa ideia estaria na mente do homem como a marca do</p><p>artista impressa em sua obra. Vale dizer que, segundo o autor, não conhecemos nada perfeito,</p><p>mas temos na nossa mente a ideia de perfeição. Desse modo, a garantia da objetividade do</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>conhecimento cientí�co é o bom Deus, a Deusa-Razão que não permite que captemos o mundo</p><p>de modo equivocado. Deus, simbolizado pela perfeição, serve de garantia para se vencer a</p><p>dúvida em relação ao conhecimento dos corpos e assim nos dá acesso à terceira verdade: a</p><p>existência do mundo. A existência do mundo exterior primeiro é possível, depois é provável e, por</p><p>�m, é certa (PESSANHA, 1999, p. 24-25). Porque Deus é bom, a imagem que o indivíduo faz do</p><p>mundo exterior não representa apenas uma �cção de sua mente.</p><p>Racionalismo e empirismo</p><p>A ordem do conhecimento seria essa: 1º res cogitans (coisa pensante, o homem se convence de</p><p>que pensa, até mesmo quando duvida), 2º res in�nita (Deus, pelo pensamento é possível chegar</p><p>ao conceito de um ser perfeito) e 3º res extensa (coisa extensa, o mundo, os corpos físicos, tal</p><p>qual apreendemos, pois Deus não permite que nos enganemos).</p><p>Os passos para que se atinja o conhecimento verdadeiro através do método cartesiano</p><p>respeitam os seguintes preceitos:</p><p>1. da evidência: só aceitar verdade auto evidente, sem margem para a dúvida;</p><p>2. da análise: dividir as di�culdades em quantas partes for necessário para serem resolvidas;</p><p>3. da síntese: conduzir com ordem os pensamentos indo dos mais fáceis aos mais difíceis;</p><p>4. da enumeração: revisar tudo o que foi feito e veri�car se nada foi omitido.</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>Em 1649, Descartes era conhecido internacionalmente e �cou conhecido como o pai do</p><p>racionalismo e, também, como o pai da �loso�a moderna.</p><p>Embora Descartes a�rmasse ter encontrado um caminho seguro para a aquisição de verdades</p><p>cientí�cas indubitáveis recorrendo unicamente ao pensamento, sem a necessidade de</p><p>experiências, o empirismo vai se contrapor ao racionalismo, sobretudo à convicção de que temos</p><p>ideias inatas e de que o conhecimento se encontra em nossa mente. O empirismo sustenta que</p><p>nascemos tabula rasa (quadro vazio, em latim) e que aos poucos vamos adquirindo</p><p>conhecimentos por meio da experiência. Entre os principais expoentes do empirismo estão</p><p>Bacon, Hobbes, Locke, Berkeley e Hume. Hume também é considerado um dos grandes</p><p>expoentes do ceticismo moderno.</p><p>Para os empiristas, toda a matéria do nosso conhecimento da realidade e do mundo depende da</p><p>experiência. Segundo essa corrente de pensamento, conseguimos conhecer por meio da</p><p>observação e do raciocínio indutivo. Dessa forma, a fundamentação do nosso conhecimento, no</p><p>tocante àquilo que é externo à mente, está no que experimentamos aqui e agora, ou naquilo que</p><p>lembramos de experiências passadas.</p><p>“Experiências deixam impressões em nossas mentes, como um carimbo em cera</p><p>derretida, permitindo-nos acumular conhecimento. Para os empiristas, o</p><p>conhecimento sem experiência é difícil ou impossível” (LAW, 2008, p. 70, grifo nosso).</p><p>Em geral, essa corrente caracteriza-se pelo seguinte: negação do caráter absoluto da</p><p>verdade ou, ao menos, da verdade acessível</p><p>ao homem; e reconhecimento de que</p><p>toda verdade pode e deve ser posta à prova, logo eventualmente modi�cada, corrigida</p><p>ou abandonada. Portanto, o empirismo não se opõe à razão ou não a nega, a não ser</p><p>quando a razão pretende estabelecer verdades necessárias, que valham em absoluto,</p><p>de tal forma que seria inútil ou contraditório submetê-las a controle. [...] O</p><p>racionalismo defende a tese da necessidade da razão como ‘concatenação das</p><p>verdades’, e não como faculdade, no sentido de que ela não pode ser diferente do que</p><p>é e, portanto, não pode sofrer desmentidos e não exige con�rmações. A tese do</p><p>empirismo é de que essa necessidade não existe (ABBAGNANO, 2003, p. 326-327).</p><p>Locke é o primeiro a re�etir no âmbito da epistemologia, em sentido moderno, quando se propõe</p><p>a</p><p>“analisar cada uma das formas de conhecimento que possuímos, a origem de nossas</p><p>ideias e nossos discursos, a �nalidade das teorias e as capacidades do sujeito</p><p>cognoscente relacionadas com os objetos que ele pode conhecer” (CHAUÍ; OLIVEIRA,</p><p>2010, p. 49).</p><p>Em sua obra Ensaio sobre o entendimento humano, de 1690, John Locke defende que toda ideia</p><p>tem origem na experiência sensível. O intelecto humano, partindo da experiência, por abstração,</p><p>produz ideias. A mente humana, ao nascer, se assemelha a uma folha em branco que, ao passar</p><p>do tempo, receberá impressões sensíveis (LOCKE, 1999). Portanto, não temos ideias inatas e</p><p>obtemos conhecimentos à medida que começamos a observar os fenômenos da natureza e</p><p>aprendemos a tirar nossas conclusões a partir destas observações, embora não consigamos</p><p>observar as causas dos fenômenos ou as relações estabelecidas entre eles.</p><p>______</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>Re�ita</p><p>Se tudo o que temos em nossa mente é formado apenas por aquilo que passa pelos nossos</p><p>sentidos; e se o que passa pelos nossos sentidos foge do nosso controle (por exemplo, você sai</p><p>de casa sem saber o que vai ver, ouvir, cheirar, se vai passar frio ou calor, medo, raiva, conhecer</p><p>pessoas boas ou más, rir ou chorar etc.), então podemos a�rmar que somos frutos do acaso? A</p><p>pessoa boa ou má não seria nada mais do que aquilo que as circunstâncias lhe conferiram?</p><p>Nesse caso, somos livres?</p><p>______</p><p>Desse modo, entende Locke, que as duas fontes de nossas ideias são a sensação e a re�exão e</p><p>deduz que só temos acesso às nossas próprias sensações e devemos inferir delas a natureza do</p><p>mundo lá fora. Só pode haver conhecimento das características observáveis dos objetos, não do</p><p>que realmente são. Assim, ele abre espaço para que o cético questione nosso conhecimento da</p><p>realidade (LOCKE, 1999). Dessa forma, segundo o autor, tudo o que temos em nossa mente, ou</p><p>seja, nossas ideias, passaram por nossos sentidos e é por meio da re�exão que as organizamos</p><p>em simples ou complexas.</p><p>A re�exão seria nosso “sentido interno”, que se desenvolve quando a mente se</p><p>debruça sobre si mesma, analisando suas próprias operações. Das ideias simples, a</p><p>mente avança em direção às ideias cada vez mais complexas. Porém, para Locke, de</p><p>qualquer maneira a mente sempre tem “as coisas materiais externas”, como objeto de</p><p>sensação, e as operações de nossas próprias mentes como objeto da re�exão. [...]</p><p>Locke admitia que nem todo conhecimento limita-se, exclusivamente, à experiência</p><p>sensível. Considerava, por exemplo, o conhecimento matemático válido em termos</p><p>lógicos, embora não tivesse como base a experiência sensível. Nesse sentido, Locke</p><p>não era um empirista radical (COTRIM, 2008, p. 151).</p><p>Diz John Locke (AA. VV., 2011, p. 130) que</p><p>“se considerarmos atentamente as crianças recém-nascidas, temos poucas razões</p><p>para crer que elas trazem consigo muitas ideias ao mundo”.</p><p>Resumindo, podemos dizer que segundo os racionalistas nascemos com ideias e conceitos, ou</p><p>seja, temos ideias inatas, mas para Locke isto não é con�rmado pois não haveria verdades</p><p>encontradas em todos nós desde o nascimento e também porque não há ideias universais</p><p>encontradas em pessoas de todas as culturas e em todos os lugares, o que nos obriga a concluir</p><p>que tudo o que sabemos é adquirido a partir da experiência e que</p><p>“o conhecimento de nenhum homem pode ir além de sua própria experiência” (AA.</p><p>VV., 2011, p. 130).</p><p>David Hume: cético ou empirista?</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>Outro nome entre os considerados empiristas, Hume, tanto pode ser considerado um empirista</p><p>como um cético, pois para ele os poucos conhecimentos que temos nos são fornecidos pelos</p><p>sentidos e pela experiência, mas em última instância tais conhecimentos podem ser</p><p>questionados, uma vez que não há nada que nos dê certeza ou que nos garanta que</p><p>determinados efeitos sempre se seguirão de determinadas causas.</p><p>______</p><p>Exempli�cando</p><p>A partir dessa ideia de Hume, podemos a�rmar, por exemplo que não é porque todos os dias o</p><p>sol ilumina a Terra que ele sempre a iluminará, ainda que ele possa iluminá-la por mais 4,5</p><p>bilhões de anos. Isso, de acordo com David Hume, não signi�ca sempre, pois nada do que</p><p>aconteceu no passado tem garantia que continuará acontecendo no futuro.</p><p>______</p><p>A ciência tem por base a causalidade, isto é, a lei de causa e efeito. Entretanto, a lei de causa e</p><p>efeito não se sustenta por si, ela tem sua origem no hábito. Ou seja, estamos habituados a</p><p>perceber, por exemplo, que todo corpo arremessado para o alto cai e, dessa forma, podemos</p><p>deduzir que todo objeto tende ao seu ponto de repouso. Mas como podemos ter a mais absoluta</p><p>certeza de que jamais a lei da gravidade vai deixar de atrair estes corpos e de que um dia eles</p><p>possam entrar em órbita ou levitar? Como podemos ter certeza de que isto nunca acontecerá?</p><p>Segundo Hume é o hábito que nos induz a tirarmos tais conclusões, mas a indução é uma fonte</p><p>fraca de conhecimento e as descobertas da ciência baseadas na observação precisam ser</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>sempre entendidas como conjecturas e temporárias. A indução jamais pode dar a mesma</p><p>certeza que a lógica (HUME, 1984). As convicções de que tudo tem uma causa não passam de</p><p>crenças e nenhuma delas nos fornece a certeza sobre o funcionamento do mundo, da natureza e</p><p>da nossa mente. Tudo o que a nossa mente consegue captar forma impressões acerca da</p><p>realidade que nos cerca e as nossas ideias são cópias menos vívidas (lembranças) destas</p><p>impressões. As ideias são os conceitos e pensamentos de coisas que não estamos mais</p><p>experimentando, mas somos capazes de evocar em nossas mentes. Não há nada na mente –</p><p>nem mesmo o pensamento mais abstrato – que não seja simplesmente sensação transformada</p><p>(HUME, 1984).</p><p>David Hume, retratado por Allan Ramsay (1713-1784) em 1766. Edimburgo, Scottish National Portrait Gallery. Fonte:</p><p>Wikimédia.</p><p>Segundo Hume, os objetos da nossa razão são as relações de ideias, ou seja, proposições que se</p><p>podem descobrir pela simples operação do pensamento, conceitos abstratos que não têm</p><p>dependência do que existe em alguma parte no universo. São também objetos de nossa razão as</p><p>questões de fato:</p><p>“proposições que não implicam uma necessidade lógica e parecem fundadas sobre a</p><p>relação de causa e efeito” (REALE, 2005, p. 134),</p><p>ou seja, os acontecimentos em si. O contrário de toda a questão de fato é possível de ser</p><p>pensado, porque jamais pode implicar uma contradição de fato – o pensamento permite pensar</p><p>que determinado fato pode ocorrer ou não e é concebido pela mente com a mesma facilidade e</p><p>nitidez como se fosse idêntico à realidade. Por exemplo, tanto é possível pensar que o sol</p><p>nascerá amanhã quanto pensar que ele não nascerá, sem que isso gere uma contradição em</p><p>nosso pensamento.</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>A conclusão a que se chega a partir das ideias de Hume é de que não é possível obtermos uma</p><p>fundamentação segura para a ciência, pois ela exige lei de causa e efeito e essa lei não existe.</p><p>Portanto, por coerência, devemos abandonar qualquer tentativa de emitir juízos, ou</p><p>conhecimentos cientí�cos. Se a ciência não se sustenta, não se fundamenta, então não pode</p><p>haver conhecimento cientí�co inquestionável. Demonstrar o contrário disto será uma árdua</p><p>tarefa que caberá</p><p>a um dos maiores nomes da história da �loso�a, Immanuel Kant. O impasse</p><p>criado entre racionalistas e empiristas exigia muita acuidade, dedicação e inteligência e foi esse</p><p>o empreendimento do Franzino de Königsberg (apelido de Kant).</p><p>Estudos de Immanuel Kant</p><p>Kant a�rma em Prolegômenos a toda metafísica futura que foi Hume quem o acordou do seu</p><p>sono dogmático (KANT, 1988, p. 17), demonstrando com isto que após conhecer as ideias de</p><p>Hume, ele também passou a se preocupar com a questão da fundamentação da ciência. Kant</p><p>a�rmou que foram as ideias de David Hume que lhe despertaram do seu sono dogmático. O que</p><p>não quer dizer que ele concordava com a asserção de Hume de que nós acreditamos na</p><p>causalidade porque somos doutrinados por nossas experiências passadas sobre o mundo, pelo</p><p>hábito ou costume (ROBINSON, 2012).</p><p>A partir da distinção feita Hume entre relações de ideias e questões de fato, podemos perceber</p><p>que o ideal seria que o conhecimento cientí�co se estruturasse sobre as relações de ideias</p><p>atingindo a mesma solidez das verdades da lógica, da física e da matemática. No fundo, Hume</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>está postulando a existência de dois mundos: um fenomênico, mundo das aparências, das</p><p>coisas como aparecem, e um mundo em si, das substâncias reais. Nesse sentido, o</p><p>conhecimento deveria residir no objeto a se conhecer. Foi neste aspecto que Kant realizou a</p><p>chamada “revolução copernicana” na área da epistemologia.</p><p>Nas palavras de Marilena Chauí (2000), tanto os racionalistas quanto os empiristas parecem ser</p><p>como os antigos astrônomos geocêntricos, defendendo um centro que não existe para o</p><p>universo. Como alguém que deseja assar um frango, fazendo o fogo girar em torno do frango</p><p>quando deveria fazer o contrário. De modo semelhante, então, eles colocam a realidade exterior,</p><p>os objetos, no centro do conhecimento e buscam fazer a razão, o sujeito, girar em torno deles.</p><p>Seria, então, preciso que se �zesse uma revolução copernicana em �loso�a: em vez de colocar</p><p>no centro a realidade objetiva ou os objetos, dizendo que são racionais e que podem ser</p><p>conhecidos tais como são em si mesmos, coloca-se no centro a própria razão.</p><p>Immanuel Kant. Fonte: Wikimédia.</p><p>Nesse sentido, a razão seria a luz natural, o Sol que ilumina todas as coisas e em torno do qual</p><p>tudo gira. Comecemos, portanto, questionando o que é a razão e o que ela pode conhecer. Quais</p><p>são as suas condições e seus limites e como a razão e a experiência se relacionam. Ou seja,</p><p>comecemos, então, pelo sujeito do conhecimento, mostrando que ele porta uma razão universal,</p><p>não uma subjetividade pessoal e psicológica, e que ele é o sujeito conhecedor, não esta ou</p><p>aquela pessoa, este ou aquele indivíduo.</p><p>Ao invés de buscar responder como a nossa capacidade cognitiva apreende a realidade, Kant</p><p>procurou entender como a realidade se encaixa em nossa cognição e percebeu que aquilo que</p><p>conhecemos é determinado por nossa sensibilidade e cognição, ou seja, o conhecimento pode</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>começar pela experiência através dos sentidos, mas é a nossa mente quem ordena os dados</p><p>colhidos. O �lósofo concluiu que</p><p>“é possível, usando a razão, descrever a estrutura que a experiência deve assumir e</p><p>assim descobrir verdades universais sobre o mundo” (LAW, 2008, p. 296).</p><p>A estrutura cerebral que nos possibilita termos conhecimentos sensíveis se alicerça em duas</p><p>bases: a noção de espaço e a noção de tempo, condições a priori de nossa experiência sensorial.</p><p>Com relação ao conhecimento intelectivo, Kant buscou de�nir as categorias gerais do</p><p>pensamento que nos possibilitam estruturar o conteúdo dos sentidos, como se fossem “gavetas”</p><p>nas quais guardamos os conteúdos dos nossos pensamentos. Tais categorias abrangem</p><p>substância, causa e efeito. A substância é o composto material das coisas. Causa e efeito são a</p><p>maneira como os eventos se relacionam. Essas categorias são condições imprescindíveis para a</p><p>possibilidade de conhecimentos. Dessa forma, assim como espaço e tempo são características</p><p>do mundo tal como aparece para as nossas mentes e não como o mundo é em si (LAW, 2008),</p><p>na linguagem de Kant, só nos é possível conhecer, cienti�camente, o fenômeno, ou seja, as</p><p>coisas, como nos aparecem. Jamais conheceremos, cienti�camente, o noúmeno ou númeno, a</p><p>coisa em si, a razão de ser das coisas ou a sua essência. Razão de ser tem a ver com o</p><p>propósito, a �nalidade, e a ciência não se propõe a responder qual é o propósito da existência do</p><p>mundo, o motivo de ele existir, pois essa indagação foge do escopo cientí�co.</p><p>Para Kant, portanto, o conhecimento requer a interação entre sujeito e objeto e é resultado de</p><p>uma síntese entre estes dois elementos. O conhecimento humano é construção ativa do objeto</p><p>por parte do sujeito. O objeto fornece a matéria do conhecimento e o sujeito, a sua forma. A</p><p>matéria é um elemento a posteriori que nos permite conhecer depois de ter se apresentado à</p><p>nossa mente. E a forma é um elemento a priori, uma condição prévia da nossa estrutura cerebral.</p><p>Em suma, o autor defende que todo o conhecimento é constituído por sínteses dos dados</p><p>ordenados pela intuição sensível espaço-temporal, mediante as categorias apriorísticas do</p><p>entendimento. Não seria possível conhecer o noumenon, as coisas em si mesmas, mas tão-</p><p>somente o fenômeno, as aparências, ou seja, aquilo que se mostra, que se manifesta (CHAUÍ,</p><p>1999).</p><p>De modo análogo à distinção entre verdades da razão (relação de ideias) e verdades de fato</p><p>(questões de fato), Kant faz referência aos juízos sintéticos (sínteses, conclusões, inferências) e</p><p>juízos analíticos (ideias puras, abstrações) e sustenta que os empiristas a�rmam juízos</p><p>sintéticos a posteriori (posteriores a experiência, adquiridos) e os racionalistas sustentam juízos</p><p>analíticos a priori (antes da experiência, inatos). Na visão de Kant ambos impossibilitariam a</p><p>ciência. Os racionalistas porque, segundo o �lósofo, apenas analisam e descrevem o objeto não</p><p>acrescentando nada a ele fazendo com que a ciência não evolua, não progrida, pois não se soma</p><p>nada ao que já se conhece. Nesses juízos, o predicado (qualidade, característica) já está contido</p><p>no sujeito e nada mais é acrescentado a ele. Já os empiristas inviabilizam a ciência, de acordo</p><p>com Kant, pois ao reconhecerem apenas os juízos sintéticos a posteriori alegam que cada vez</p><p>que se queira fazer um enunciado cientí�co (uma lei ou uma tese cientí�ca) há que se fazer a</p><p>experiência, destituindo a ciência de sua universalidade, uma vez que sempre se referirá a casos</p><p>particulares e jamais ao todo. Aqui está o grande nó que Kant buscará desatar. A resolução deste</p><p>impasse está na percepção de que haveria um terceiro tipo de juízo que uniria as propriedades</p><p>dos dois.</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>Juízo sintético para Kant</p><p>De acordo com Kant, existem duas formas de juízo sintético: sintético a posteriori e sintético a</p><p>priori. A di�culdade está em fundamentar como são possíveis os juízos sintéticos a priori. Nos</p><p>juízos sintéticos a priori estão compreendidos dois elementos, a saber, as intuições a priori puras</p><p>e os conceitos a priori puros. Existem conceitos e intuições a priori suscetíveis de síntese. As</p><p>formas a priori puras de intuição, tempo e espaço são duas fontes de conhecimento das quais se</p><p>podem extrair a priori diversos conhecimentos sintéticos (CAYGILL, 2000).</p><p>Nos Prolegômenos, Kant reivindica para si a paternidade da descoberta dos juízos sintéticos a</p><p>priori, nos seguintes termos: ‘ninguém, nem mesmo Hume, fez pesquisas sobre este tipo de</p><p>juízos.</p><p>“Aqueles, porém, que não são capazes de pensar por si mesmos têm a sagacidade de</p><p>descobrir todas as coisas (depois de lhes terem sido mostradas) nos livros escritos</p><p>por outros, muito tempo antes’ [Prolegômenos, § 3]” (MONDIN, 1982, p. 175).</p><p>Nesse sentido, os enunciados cientí�cos têm de se alicerçar em juízos que possuam a</p><p>propriedade apriorística própria dos juízos analíticos, sendo universais e necessários,</p><p>independente da experiência e anterior a ela. Com base nisto, postula Kant que a ciência deve</p><p>se descreve aquilo que realmente aconteceu. É uma narrativa �el (passado). Em</p><p>língua grega, verdade é aletheia e signi�ca algo que não muda e que está sempre presente, ou</p><p>seja, eterno e imutável (presente). Em língua hebraica, verdade é emunah e signi�ca con�ar e</p><p>esperar naquilo que foi revelado e prometido, pois, nesse sentido, quem é �el e verdadeiro</p><p>cumpre com suas promessas (futuro).</p><p>O conhecimento tanto pode ser prático quanto teórico. O conhecimento prático se efetiva por</p><p>meio de uma única modalidade, a técnica (oriundo de τέχνη, pronúncia: técne., palavra de origem</p><p>grega correspondente ao conceito latino de arte). O conhecimento teórico ocorre de quatro</p><p>modos diferentes: senso comum, religião, �loso�a e ciência. Começaremos com o estudo acerca</p><p>do senso comum.</p><p>______</p><p>Dica</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>Para você assimilar mais facilmente as modalidades de conhecimentos pode valer-se da própria</p><p>mão: quatro dedos de um lado e um separado, correspondendo aos quatro conhecimentos</p><p>teóricos (ou abstratos) e um prático (saber fazer). A arte e o artesanato são um saber fazer,</p><p>assim como a técnica; trata-se, portanto, de um conhecimento prático.</p><p>______</p><p>Existe uma anedota que relata o caso de um barqueiro analfabeto, a qual pode ilustrar o que</p><p>pretendemos abordar. A anedota do barqueiro (ou da canoa, por vezes atribuída a Paulo Freire)</p><p>apresenta o caso de um homem que nasceu e cresceu em um determinado lugar do interior e</p><p>acabou não tendo acesso à escola.</p><p>Entre outras coisas práticas, ele aprendeu a nadar e a remar, adquiriu um barquinho e, assim,</p><p>desempenhava o seu ofício fazendo a travessia das pessoas de uma margem a outra de um rio.</p><p>Um dia foi transportar um advogado e uma professora. Durante a travessia, os passageiros lhe</p><p>deixaram claro que ele havia perdido grande parte de sua vida por não ter adquirido</p><p>conhecimentos acadêmicos, técnicos, pro�ssionalizantes etc.; mas quando o barco começou a</p><p>afundar, percebendo que nenhum dos passageiros sabia nadar, o barqueiro lamenta e informa</p><p>que eles não perderão apenas grande parte das suas vidas, mas a vida toda. Ou seja, naquele</p><p>momento, naquela situação, os diplomas e os títulos não ajudariam em nada, o conhecimento</p><p>mais importante era oriundo do senso comum: saber nadar, e ele era o único que sabia (FREIRE,</p><p>2019).</p><p>É claro que isso não signi�ca que não devamos nos esforçar para adquirir conhecimentos, mas</p><p>que devemos respeitar todas as modalidades de conhecimento e, acima de tudo, respeitar os</p><p>seres humanos pela dignidade que lhes é inerente independentemente do grau de escolaridade,</p><p>do saldo bancário, ou dos seus traços físicos.</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>Por isso a sua primeira manifestação se dá por meio do mito (mytheo em grego é narrativa,</p><p>relato), uma narrativa fantasiosa, porém, amparada em uma preocupação válida de explicar a</p><p>realidade.</p><p>O senso comum normalmente é transmitido pela tradição, pela oralidade e pelos costumes, por</p><p>vezes, até de modo inconsciente. Para alguns, o senso comum é tão espontâneo que é</p><p>considerado natural, é como se não pudesse ser diferente, ou seja, como se fosse a forma de</p><p>conhecimento original, em si.</p><p>Senso signi�ca sentido; comum porque é compartilhado pela maioria das pessoas. É a</p><p>“expressão para designar as crenças tradicionais do gênero humano, aquilo em que</p><p>todos os homens acreditam ou devem acreditar” (ABBAGNANO, 2007, p. 873).</p><p>Desse modo, podemos entender o senso comum como sendo a capacidade que temos de</p><p>darmos sentido ao mundo, às coisas e à realidade que os cerca. É um conhecimento oriundo e</p><p>formado a partir do cotidiano. Gilberto Cotrim (1996, p. 45) a�rma ser um conhecimento sem</p><p>fundamentação, ou seja, popular e corriqueiro.</p><p>Características do senso comum</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>O senso comum tem como características (CHAUÍ, 2000, p. 315):</p><p>a subjetividade, que é a maneira como cada um vê e interpreta o mundo e os</p><p>eventos em si. São as opiniões, muitas vezes aceitas sem um questionamento</p><p>quanto às suas fundamentações racionais;</p><p>a espontaneidade, pois o senso comum não é resultante de nenhuma</p><p>modalidade de conhecimento elaborada, analisada e re�etida, mas surge a</p><p>partir daquilo que se observa. Normalmente tem como ponto de partida os</p><p>sentidos;</p><p>a imediaticidade, já que no senso comum não existe nada que faça a mediação,</p><p>essa apropriação é direta, tal qual os sentidos captam;</p><p>a super�cialidade, visto que o senso comum não aprofunda, não problematiza a</p><p>re�exão abordada, �ca apenas na superfície, na aparência, pois, como já foi dito,</p><p>não existe a preocupação com a sua fundamentação;</p><p>a acriticidade: a palavra crítica tem o sentido de �ltragem, puri�cação. Nesse</p><p>sentido, o senso comum não �ltra seus conceitos, sendo, então, um</p><p>pensamento sem crítica (o pre�xo “a” na língua grega signi�ca não, sem</p><p>nenhum). Assim, recebe (ou percebe) o mundo e o aceita sem muitos</p><p>questionamentos.</p><p>______</p><p>Assimile</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>De acordo com Marilena Chauí:</p><p>Em geral julgamos que a palavra crítica signi�ca “ser do contra”, dizer que tudo vai</p><p>mal, que tudo está errado, que tudo é feio ou desagradável. Crítica remete a mau</p><p>humor, coisa de gente chata ou pretensiosa que acha que sabe mais que os outros.</p><p>Mas não é isso que a palavra quer dizer. [...] A palavra crítica vem do grego e possui</p><p>três sentidos principais: 1) capacidade para julgar, discernir e decidir corretamente; 2)</p><p>exame racional de todas as coisas sem preconceito e sem prejulgamento; 3)</p><p>atividade de examinar e avaliar detalhadamente uma ideia, um valor, um costume, um</p><p>comportamento, uma obra artística ou cientí�ca (Grifos da autora). (CHAUÍ, 2014, p.</p><p>17)</p><p>Maria Lúcia A. Aranha e Maria Helena P. Martins nos lembram que</p><p>Chamamos senso comum ao conhecimento adquirido pela tradição, herdado dos</p><p>antepassados e ao qual acrescentamos os resultados da experiência vivida na</p><p>coletividade a que pertencemos. Trata-se de um conjunto de ideias que nos permite</p><p>interpretar a realidade, bem como de um corpo de valores que nos ajuda a avaliar,</p><p>julgar e portanto agir (sic). (ARANHA; MARTINS, 1999, p. 35, grifos das autoras)</p><p>______</p><p>Esse “conjunto de ideias” pode ser nosso, sem nos referirmos necessariamente às ideias de</p><p>outras pessoas que se dedicaram mais ao tema e se aprofundaram, ou seja, dos estudiosos,</p><p>pesquisadores e pensadores. Portanto, esse conjunto de ideias não exige fundamentação e pode</p><p>exprimir opiniões e sentimentos individuais.</p><p>Conhecimento objetivo crítico-re�exivo</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>Talvez você se pergunte: se as nossas opiniões não contam e se os primeiros</p><p>pensadores/cientistas não dispunham de nenhuma teoria para corroborar as suas ideias, não</p><p>tinham nenhum livro escrito para pesquisar, nenhum material didático para dar sustentação às</p><p>suas visões, como teve início o conhecimento objetivo crítico-re�exivo?</p><p>A primeira fundamentação do conhecimento se deu por meio da dialética, uma técnica de</p><p>argumentação pautada pelo embate de ideias que deveria aproximar os debatedores à verdade</p><p>(aletheia). Era uma maneira de puri�car as ideias de possíveis distorções. Trata-se de uma</p><p>técnica que exige muita maturidade de quem debate, pois exige que se tenha um amor à verdade</p><p>acima do apego às próprias opiniões. Imagine que um dos debatedores seja apegado às suas</p><p>ideias e acabe não percebendo que ela é infundada, então, a dialética permitiria puri�car esse</p><p>conceito, deixando-o mais próximo da verdade. Nesse contexto era recomendável a busca da</p><p>verdade, o amor à verdade, mas não o apego às próprias verdades (leia-se opiniões). Agora você</p><p>entende o motivo pelo qual Sócrates dizia que é preciso amar a verdade, mas não a defender.</p><p>Normalmente, os primeiros �lósofos veem de modo bastante negativo as opiniões (doxa, para</p><p>eles).</p><p>______</p><p>Re�ita</p><p>A ausência de fundamentação racional não é exclusividade do senso comum, pois as</p><p>interpretações míticas e religiosas do mundo também prescindem desse elemento. Via de regra,</p><p>essas modalidades de conhecimento têm uma excessiva con�ança no relato transmitido, ou por</p><p>se</p><p>efetivar sobre juízos sintéticos a priori e são eles a condição de possibilidade da ciência. O que</p><p>signi�ca dizer que uma experiência benfeita que leve em conta tudo o que possa interferir em</p><p>seus resultados passará a ser válida para experiências semelhantes no futuro, bastando para</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>fundamentar uma lei. Os juízos da ciência são universais e necessários, porém não são</p><p>analíticos. Não há outro remédio. Os juízos cientí�cos têm de ser ao mesmo tempo sintéticos e a</p><p>priori (MORENTE, 1976).</p><p>Para Kant, a existência dos juízos sintéticos a priori é um dado inquestionável, é fato. Ele está</p><p>plenamente convencido de que existem ciências inquestionáveis, como a matemática e a física</p><p>newtoniana, por exemplo. Uma ciência assim deve conter juízos sintéticos a priori, visto que</p><p>tanto os juízos analíticos quanto os juízos sintéticos a posteriori não são su�cientes para</p><p>embasar um conhecimento cientí�co (ROVIGHI, 1999).</p><p>Desse modo, entendeu Kant, que teria conseguido estabelecer uma base sólida que serviria</p><p>como condição para os juízos cientí�cos. Ele não estabelece as condições ideais, mas as</p><p>condições reais, pois procura captar o modo como a ciência transmite os seus conhecimentos</p><p>na prática. As hipóteses e teorias cientí�cas são transmitidas com base nessas premissas:</p><p>objetividade, universalidade e necessidade.</p><p>______</p><p>Pesquise mais</p><p>Um trabalho apresentado no VII Encontro Nacional de Filoso�a, promovido pela Associação</p><p>Nacional de Pós-graduação em Filoso�a – ANPOF – realizado em Águas de Lindoia, de 19 a 24</p><p>de outubro de 1996, pode ajudar a aprofundar a sua compreensão acerca da disputa entre</p><p>racionalistas e empiristas. Trata-se do artigo Realismo cientí�co empirista de Silvio Seno Chibeni.</p><p>Conclusão</p><p>https://dialnet.unirioja.es/descarga/articulo/5251189.pdf</p><p>https://dialnet.unirioja.es/descarga/articulo/5251189.pdf</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>Voltamos ao questionamento apresentado acerca da possibilidade de conhecermos o mundo</p><p>exatamente como ele é, ou seja, objetivamente. Cada �lósofo estudado tem uma compreensão</p><p>distinta a esse respeito. Para Descartes, o conhecimento objetivo do mundo fora da nossa mente</p><p>é possível, ou seja, o mundo e sua representação mental correspondem plenamente, como se</p><p>percebe, por exemplo, pelo fato de termos certeza de que estamos pensando. A partir do</p><p>pensamento, podemos chegar ao conceito de perfeição embora nunca tenhamos visto nada</p><p>perfeito em grau máximo. Se o conceito de perfeição existe só na nossa mente ele não é perfeito</p><p>por não ter realidade em si, portanto, ele necessariamente tem de existir também fora da nossa</p><p>mente. E se ele existe fora da nossa mente e, de fato, é perfeito, não permitirá que os nossos</p><p>sentidos nos enganem, o que signi�ca dizer que o mundo fora da nossa mente – res extensa,</p><p>para Descartes – existe e é como o captamos.</p><p>Na ânsia de encontrar uma verdade indubitável e sobre ela reedi�car o edifício desmoronado do</p><p>conhecimento, por conta do ceticismo moderno, Descartes passa a duvidar de tudo até chegar à</p><p>dúvida de que estaria duvidando e percebe que disso não é possível duvidar. Essa é a sua</p><p>primeira certeza, a certeza de que está pensando, pois não há como duvidar sem pensar. A</p><p>segunda é a de um ser perfeito e a terceira é, justamente, a existência do mundo externo à sua</p><p>mente e a convicção de que ele é tal qual é apreendido pelo sujeito cognoscente.</p><p>Para John Locke, somente conseguimos elaborar pensamentos porque os sentidos nos</p><p>fornecem a matéria necessária para tal. O cérebro humano processa o material colhido pelos</p><p>sentidos e deles surgem as ideias. Esse material é extraído do mundo físico, concreto, à nossa</p><p>volta. Percebe-se, então, que ele não considera a possibilidade de os nossos sentidos nos</p><p>enganarem, pois as nossas experiências deixariam impressões indeléveis em nossa mente.</p><p>Essas impressões podem ser con�rmadas, ou negadas, por meio do método indutivo quando</p><p>aplicado corretamente sobre o mundo externo à mente que conhece e re�ete.</p><p>Para David Hume, nós conhecemos o modo como o mundo se apresentou até agora, mas não</p><p>temos como conhecê-lo inde�nidamente, pois o ocorrido não é garantia de ocorrências futuras,</p><p>embora sejamos induzidos a acreditar que o conheceremos por estarmos habituados a captá-lo</p><p>sempre do mesmo jeito. São as nossas impressões e sensações que nos iludem e nos remetem</p><p>às pseudo certezas que nos enganam e afastam do conhecimento. A ciência não é possível, ela</p><p>não se con�rma e ela não existe.</p><p>Para Kant, a verdade acerca do mundo nos é racionalmente possível pelo conhecimento</p><p>cientí�co, o qual está assentado nos juízos sintéticos a priori. Esses juízos são objetivos,</p><p>universais e necessários e permitem a evolução do conhecimento à medida que as experiências</p><p>permitem o acréscimo de predicados aos sujeitos e objetos, alvos dos estudos, pesquisas e</p><p>descobertas. Contudo, de acordo com Kant, somente temos acesso ao mundo fenomênico,</p><p>àquilo que se manifesta, pois não temos acesso à essência (razão de ser) do mundo, ao númeno</p><p>(ou noúmeno).</p><p>Desse modo, �ca claro que não há concordância entre os �lósofos sobre a possibilidade – ou</p><p>sobre o modo – de conhecermos o mundo. Mas é possível perceber que as suas contribuições</p><p>são bem elaboradas e apresentam signi�cativo conteúdo para a nossa re�exão. Isso por nos</p><p>tirarem da zona de conforto (ou sono dogmático) e nos levarem a re�etir de modo profundo e</p><p>crítico sobre a realidade, o que já contribui para o nosso amadurecimento cognitivo e �losó�co.</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>Aula 3</p><p>Filoso�a contemporânea</p><p>Introdução da Aula</p><p>Qual é o foco da aula?</p><p>Nesta aula, você conhecerá as principais ideias de alguns dos mais importantes �lósofos do</p><p>século XX.</p><p>Objetivos gerais de aprendizagem</p><p>Ao longo desta aula, você irá:</p><p>relatar quem foi Walter Benjamin e sua importância;</p><p>recordar os estudos de Horkheimer e a Teoria Crítica da Sociedade;</p><p>demonstrar os estudos de Adorno Habermas.</p><p>Situação-problema</p><p>Você já ouviu falar que a diferença entre a criança e o adulto é o preço dos brinquedos? Mesmo</p><p>se isso não venha a ser totalmente verdadeiro e seja apenas força de expressão, podemos dizer</p><p>que a ludicidade – em maior ou menor grau – nos acompanha por toda a vida. E quanto mais</p><p>nos sentimos pressionados pela sociedade, mais precisamos de diversão, de forma que a arte,</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>por exemplo, constitui-se, assim, uma válvula de escape. Os governantes da Roma antiga</p><p>perceberam isso e trataram de dar diversão e alimento ao povo, medidas que �caram conhecidas</p><p>como a política do pão e circo, o que, supostamente evitaria que o povo se revoltasse contra os</p><p>governantes e os ameaçassem (ARANHA; MARTINS, 2005). Porém, de acordo com a</p><p>compreensão de alguns �lósofos contemporâneos, isso não é exclusividade da Roma Antiga,</p><p>mas está acontecendo novamente em nossos dias. Como isso acontece? É o que vamos</p><p>procurar compreender (ARANHA; MARTINS, 2005).</p><p>Para isso, precisamos lembrar que os modernos �zeram uma crítica aos medievais, sustentando</p><p>que a fé não conseguira alcançar os seus objetivos, tanto no tocante à verdade acerca do mundo</p><p>e da realidade que nos cerca, quanto na edi�cação de um mundo melhor, mais justo, solidário,</p><p>fraterno e harmonioso, competências das esferas ética e política (REALE, ANTISERI; 2004).</p><p>Então, os modernos reclamam para si tal projeto e pretenderam desenvolvê-lo assentados no</p><p>que entendiam como uso correto da razão.</p><p>Contudo, �lósofos contemporâneos passaram a a�rmar que o moderno projeto iluminista</p><p>também não teria conseguido explicar corretamente o mundo e o seu funcionamento e,</p><p>sobretudo, não estabeleceu um mundo melhor, como se percebe a partir da eclosão das duas</p><p>grandes guerras mundiais e da existência de um mundo desequilibrado, sem harmonia social,</p><p>individualista e marcado por uma forte exploração humana (ARANHA; MARTINS, 2005).</p><p>No �nal do século XX, testemunhou-se o despertar de um movimento irracionalista –</p><p>chamado de desconstrutivismo ou pós-modernismo –, que critica o uso da razão</p><p>como arma do poder</p><p>e agente de repressão, em vez de ser instrumento da liberdade</p><p>humana, como proclamado pelo Iluminismo do século XVIII. (ARANHA, MARTINS;</p><p>2005, p. 125)</p><p>No século XVIII, a Academia de Dijon lançou um concurso buscando respostas para a seguinte</p><p>questão: o progresso das ciências e das artes contribuiu para a melhoria dos costumes? (REALE;</p><p>ANTISERI, 2006). Enquanto todos se posicionavam favoravelmente, Rousseau ousou discordar.</p><p>Isso poderia representar o seu �m, mas foi o que acabou lhe rendendo fama. De forma</p><p>semelhante ao que aconteceu no século XVIII, re�ita sobre as seguintes questões: a</p><p>compreensão moderna ou iluminista do uso razão, ou seja, da racionalidade, é boa em si, é má</p><p>ou é neutra? A partir dos nossos estudos, pesquisas, invenções e descobertas se descortina um</p><p>mundo melhor para se viver? É possível aprimorar o uso da razão? É recomendável descartá-la?</p><p>Ou devemos substitui-la por outra modalidade de explicação de mundo e ordenamento social?</p><p>Introdução à Teoria Crítica da Sociedade e a Teoria da Ação Comunicativa</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>Olá, estudante! Aqui, vamos re�etir sobre a Teoria Crítica da Sociedade e a Teoria da Ação</p><p>Comunicativa. Trata-se de uma análise crítica realizada por �lósofos alemães às ideias do</p><p>projeto iluminista. O Iluminismo a�rmava que, pela razão, os seres humanos poderiam</p><p>conquistar a liberdade e a felicidade social e política. Isso porque, para os autores iluministas, a</p><p>razão seria capaz de proporcionar e garantir evolução e progresso, libertando o homem dos</p><p>preconceitos religiosos, sociais e morais, da superstição e do medo, graças ao conhecimento, às</p><p>ciências, às artes e à moral. O aperfeiçoamento da razão se realizaria pelo progresso das</p><p>civilizações, por meio do qual as sociedades mais “atrasadas” poderiam chegar à condição das</p><p>mais “adiantadas”, cujos modelos seriam aqueles da Europa Ocidental (CHAUÍ, 2000).</p><p>Contudo, essa ideia de progresso passou a ser utilizada como argumento para legitimar a</p><p>dominação colonial de certos países e o imperialismo, como se as sociedades consideradas</p><p>mais “adiantadas” tivessem o direito de dominar as mais “atrasadas”. Se no século XIX os</p><p>�lósofos con�avam muito no saber cientí�co e na tecnologia para dominar e controlar a</p><p>natureza, a sociedade e os indivíduos,</p><p>[...] no século XX, passaram a descon�ar desse otimismo por conta das duas guerras</p><p>mundiais, do bombardeio de Hiroshima e Nagasaki, dos campos de concentração</p><p>nazistas, das guerras da Coreia, do Vietnã, do Oriente Médio, do Afeganistão, das</p><p>invasões comunistas da Hungria e da Tchecoslováquia, das ditaduras sangrentas da</p><p>América Latina, da devastação de mares, �orestas e terras, dos perigos cancerígenos</p><p>de alimentos e remédios, do aumento de distúrbios e sofrimentos mentais, etc.</p><p>(CHAUÍ, 2000, p. 60)</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>É nesse momento que �lósofos alemães farão uma leitura crítica da racionalidade e formularão</p><p>as suas teorias.</p><p>É importante lembrar que a Alemanha foi palco dos dois grandes con�itos bélicos do século XX e</p><p>que, portanto, sentiu os horrores dessa razão a qual será chamada de instrumental. Mas, o que</p><p>seria essa razão instrumental? Adorno e Horkheimer, na sua obra Dialética do esclarecimento</p><p>distinguem duas formas de razão: a razão instrumental e a razão crítica. Sendo a primeira</p><p>técnico-cientí�ca, pois faz</p><p>“das ciências e das técnicas não um meio de liberação dos seres humanos, mas um</p><p>meio de intimidação, medo, terror e desespero” (CHAUÍ, 2000, p. 60).</p><p>A segunda, a razão crítica, seria aquela que analisa e interpreta os limites e perigos da primeira e</p><p>defende que as mudanças sociais, políticas e culturais deveriam buscar a emancipação do ser</p><p>humano e não o seu controle e nem o domínio sobre a natureza, a sociedade e a cultura. Para</p><p>poder funcionar melhor, o sistema, ou seja, a sociedade tecnológica contemporânea, se vale de</p><p>um instrumento poderoso, a indústria cultural (REALE; ANTISERI, 2006). A mercadoria produzida</p><p>por essa indústria é a cultura e a produção é toda destinada à venda e ao lucro. Por isso, ela deve</p><p>encantar o consumidor, não o chocar, nem o provocar ou o fazer pensar com informações novas</p><p>que o perturbem, mas deve devolver-lhe, com nova aparência, aquilo que ele já sabe.</p><p>Isso faz da cultura apenas lazer e entretenimento, diversão e distração, de modo que tudo o que</p><p>nas obras de arte e de pensamento signi�ca trabalho da sensibilidade, da imaginação, da</p><p>inteligência, da re�exão e da crítica não interessa, pois não seria comerciável. É preciso vender</p><p>no atacado, em massa, banalizando a expressão artística e intelectual. Em lugar de difundir e</p><p>divulgar a cultura, despertando interesse por ela, a indústria cultural realiza a vulgarização das</p><p>artes e dos conhecimentos (CHAUI, 2000).</p><p>De acordo com Reale e Antiseri (2006), o divertimento não é mais o lugar da recreação, da</p><p>liberdade, da genialidade, da verdadeira alegria. É a indústria cultural que de�ne o divertimento e</p><p>seus horários. E o indivíduo se submete a isso e às regras do tempo livre, que é tempo</p><p>programado pela indústria cultural. Desse modo, a indústria cultural não vincula propriamente</p><p>uma ideologia: ela própria é ideologia, a ideologia da aceitação dos �ns estabelecidos por outros,</p><p>isto é, pelo sistema. A indústria cultural procura conduzir a sociedade, como se conduz um</p><p>rebanho, desconsiderando que o Iluminismo foi descrito por Kant como a saída do homem do</p><p>seu estado de menoridade, não se deixando mais ter a sua vida, suas escolhas, seus projetos,</p><p>conduzidos por outros, mas agindo de forma autônoma e emancipada. O que se assiste é o</p><p>contrário: um indivíduo sendo conduzido por outros, pelo sistema e pela mídia. Houve um tempo</p><p>em que se dizia que o destino do homem estava escrito no céu, agora, pode-se dizer que ele está</p><p>�xado e estabelecido pelo sistema (REALE; ANTISERI, 2006).</p><p>Tendo essas ideais por base, vamos, então, conhecer as principais contribuições de alguns dos</p><p>mais importantes teóricos da Escola de Frankfurt, começando pelo pensamento de Walter</p><p>Benjamin.</p><p>______</p><p>Re�ita</p><p>Marilena Chauí (2000) a�rma que a mídia provoca dispersão e infantilização. Como isso</p><p>acontece? A dispersão ocorre da seguinte maneira: para atender aos interesses econômicos dos</p><p>patrocinadores, a mídia divide a programação em blocos que duram de sete a dez minutos, os</p><p>quais são interrompidos pelos comerciais. Essa divisão nos leva a concentrar a atenção durante</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>os sete ou dez minutos e a desconcentrá-la durante as publicidades. Pouco a pouco, isso se</p><p>torna um hábito. Professores observam que seus alunos perdem a atenção a cada dez minutos e</p><p>só voltam a se concentrar após uma pausa que dão a si mesmos. Quando crianças e jovens</p><p>tentam ler um livro, não conseguem ler mais do que sete a dez minutos de cada vez, não</p><p>conseguem suportar a ausência de imagens e ilustrações no texto, não suportam a ideia de</p><p>precisar ler “um livro inteiro”.</p><p>E a infantilização se dá da seguinte maneira: por ser um ramo da indústria cultural e vendedora</p><p>de cultura que precisa agradar o consumidor, a mídia infantiliza. Uma pessoa (criança ou não) é</p><p>infantil quando não consegue suportar a distância temporal entre seu desejo e a satisfação dele.</p><p>Para ela, o intervalo entre o desejo e a satisfação é intolerável (por isso a criança pequenina</p><p>chora tanto). A mídia infantiliza quando promete e oferece grati�cação instantânea, criando em</p><p>nós os desejos e oferecendo produtos (publicidade e programação) para satisfazê-los</p><p>imediatamente.</p><p>Você já havia pensado nisso? Você concorda com essa análise? Como esse processo se dá na</p><p>contemporaneidade a partir das novas mídias?</p><p>Walter Benjamin: a perda da aura e a democratização da arte</p><p>Benjamin nasceu em Berlim, no dia 15 de julho de 1892 e morreu em Portbou, no dia 25 de</p><p>setembro de 1940. Dedicou-se aos estudos da cabala judaica, tornou-se crítico literário e</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>apreciador das belas artes, desenvolvendo considerável re�exão �losó�ca na área da estética.</p><p>Em 1925 tentou a carreira acadêmica</p><p>na Universidade de Frankfurt. Sem obter êxito, contudo,</p><p>tornou-se amigo de Adorno e Horkheimer e, após a ascensão dos nazistas, Benjamin viveu em</p><p>Paris como bolsista da Escola de Frankfurt. Quando os nazistas ocuparam a França, ele tentou</p><p>emigrar para os Estados Unidos, cruzando os Pirineus em direção à Espanha, mas foi retido na</p><p>fronteira e, temendo ser entregue à Gestapo, se suicidou (CHALITA, 2010).</p><p>Traduziu Marcel Proust e Charles Baudelaire, poeta maldito, e escreveu sobre romantismo,</p><p>educação, fotogra�a e cinema, entre outros. Ao abordar a questão da arte, divergiu de Adorno e</p><p>Horkheimer. Para esses, a reprodutibilidade técnica, tais como discos, fotogra�as etc. havia</p><p>empobrecido a arte, transformando-a em mercadoria. Mas, para Benjamin, a arte, por meio de</p><p>uma acelerada divulgação, em função dos recursos tecnológicos, teria possibilidade de se tornar</p><p>mais democratizada, ou seja, mais acessível a todas as camadas da população deixando de ser</p><p>objeto exclusivo da elite e chegando até as massas, dando-lhes a possibilidade de se tornarem</p><p>mais críticas. Seria possível que até mesmo as camadas mais pobres pudessem ter acesso às</p><p>obras de arte graças à sua reprodutibilidade técnica. Deste modo, podemos dizer que a postura</p><p>de Walter Benjamin é otimista em relação a indústria cultural, contrariando os demais</p><p>frankfurtianos.</p><p>Contudo, se por um lado, a indústria cultural permitiria maior acesso à arte, por outro, a</p><p>reprodutibilidade técnica esvaziaria a arte da sua aura, aquele encantamento que a obra tem por</p><p>ser única, irrepetível, autêntica e singular. Isto ocorre porque a técnica permite a reprodução em</p><p>série e a cópia, muitas vezes, se aproxima enormemente do original, tirando-lhe o encantamento</p><p>(CHALITA, 2010).</p><p>Horkheimer e a Teoria Crítica da Sociedade</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>Horkheimer nasceu em Stuttgart, na Alemanha, em 14 de fevereiro de 1895 e faleceu em</p><p>Nuremberg, em 7 de julho de 1973. Doutorou-se pela Universidade de Frankfurt, tornando-se</p><p>depois o seu diretor. Em 1934, foi para os Estados Unidos, onde lecionou na Universidade</p><p>Columbia, regressando em 1950 à Alemanha (JAPIASSÚ, MARCONDES, 2001).</p><p>Horkheimer é um dos maiores impulsionadores da Escola de Frankfurt e as suas principais obras</p><p>são Eclipse da razão, Dialética do iluminismo (Ou Dialética do esclarecimento, escrita em</p><p>parceria com Adorno) e Teoria crítica. O �lósofo não pretendia ter relação política com algum</p><p>partido e concentrou as suas investigações na sociedade e em suas instituições. Nesse</p><p>processo, contribuiu para o desenvolvimento da Teoria Crítica por meio da qual se propõe a</p><p>desmascarar as injustiças e os males que a�igiriam a sociedade, defendendo que uma das</p><p>principais raízes destes males seria o Iluminismo por sua fanática exaltação dos poderes da</p><p>razão e da ciência.</p><p>Horkheimer, em parceria com Adorno, desenvolve três grandes projetos. Primeiro, na década de</p><p>1930, buscou responder à questão</p><p>“em que condições é possível uma teoria materialista da sociedade?” (ABRÃO, 1999,</p><p>p. 461).</p><p>Em um segundo projeto, já na década de 1940, a preocupação passou a ser com o afastamento</p><p>entre teoria marxista e revolução. Nesse momento, o tema da luta de classes perde centralidade,</p><p>substitui-se a crítica da economia política pela crítica da civilização técnica e analisa-se o</p><p>fenômeno totalitário diante da irracionalidade fascista. Por �m, no terceiro projeto, na década de</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>1950, a re�exão passa a ser sobre o desaparecimento do sujeito revolucionário marxista e o �m</p><p>da fé na unidade entre teoria e práxis. Daí derivam as re�exões frankfurtianas a respeito das</p><p>tendências no mundo moderno para o totalitarismo, suprimindo os indivíduos ao tirar sua</p><p>autonomia e liberdade de ação (ABRÃO, 1999).</p><p>Max Horkheimer (à esquerda), Theodor Adorno (à direita) e Jürgen Habermas (em segundo plano, à direita), Heidelberg</p><p>(1964). Fonte: Wikimédia.</p><p>Horkheimer critica a noção de progresso. Assim, entendia que a �loso�a que acreditava no</p><p>progresso e confundia progresso tecnológico com o progresso da humanidade, sem levar em</p><p>conta momentos de regressão social e as recaídas periódicas na barbárie, não passava de uma</p><p>racionalização do sofrimento, pois ignorava a dor do homem concreto, sujeito a um só tempo</p><p>empírico, psicológico, histórico e transcendental (ABRÃO, 1999).</p><p>Entendem os frankfurtianos que em nome da racionalização e da con�ança na capacidade</p><p>racional humana, até mesmo os processos sociais passaram a ser dominados pela ótica da</p><p>ciência aliada à técnica, processo que �cou conhecido como racionalidade de dominação para</p><p>�ns lucrativos. Por isso, os frankfurtianos criticam a dominação dos indivíduos nos Estados</p><p>capitalistas e fascistas e denunciam o positivismo como estratégia de manutenção e reprodução</p><p>do status quo. Defendem que só a atividade re�exiva poderia reorganizar de modo</p><p>verdadeiramente racional a sociedade.</p><p>Por �m, as teses postuladas pelos frankfurtianos enfatizam o papel central que a ideologia</p><p>desempenharia nas sociedades urbanas modernas, apontando a mídia como agente da barbárie</p><p>cultural, como veículos propagadores da ideologia das classes dominantes. Essa ideologia seria</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>imposta às classes subalternas pela persuasão, manipulação e reprodução de modelos e valores</p><p>sociais.</p><p>Adorno: indústria cultural e cultura de massa</p><p>Adorno foi criado em um ambiente de cultura musical, sua mãe era cantora lírica e sua tia</p><p>também era musicista. Essa in�uência pode ser observada em seus estudos de musicologia.</p><p>Pode ser considerado o fundador da �loso�a da música, pois mais contribuiu nesse campo</p><p>especí�co. Pretendeu ser compositor, mas não conseguiu e dedicou-se mais à �loso�a da</p><p>música. Contudo, além dessa área, também estudou sociologia na Universidade de Frankfurt. Em</p><p>1933, os nazistas revogaram sua licença para lecionar e ele mudou-se para a Inglaterra e depois</p><p>para os Estados Unidos. Durante a época em que morou nos Estados Unidos presenciou o</p><p>sucesso do jazz, mas ele admirava a música atonal de Schoenberg e detestava o jazz que via</p><p>como um lenitivo para as massas, uma música feita com �ns comerciais (LAW, 2008). Depois</p><p>que a Segunda Grande Guerra acabou, Adorno retornou à Alemanha e tornou-se diretor-adjunto,</p><p>codiretor e, após a aposentadoria de Horkheimer, diretor da Escola de Frankfurt.</p><p>Segundo Law (2008) na década de 1930, a produção em massa, que se fazia presente</p><p>praticamente em todas as áreas, acabou chegando também à cultura. Nos Estados Unidos,</p><p>principalmente, criavam-se necessidades arti�ciais, por meio da indústria cultural e de uma</p><p>cultura de massa, com o propósito de paci�car o seu público-alvo, o novo consumidor,</p><p>envolvendo-o em um processo de dominação.</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>Diante disto, Adorno desenvolveu uma crítica fundamental à indústria cultural procurando</p><p>mostrar como o sistema econômico lucra ao transformar arte em mercadoria; e como o sistema</p><p>político faz da arte uma ferramenta para manter a população alienada. Suas principais obras são</p><p>Filoso�a da música moderna, A personalidade autoritária, Mínima moralia, Lições de sociologia e</p><p>Dialética negativa (REALE; ANTISERI, 2006).</p><p>Nessa perspectiva, a indústria que se propunha a vender cultura, produziria uma cultura de</p><p>péssima qualidade, que, além do ganho �nanceiro próprio, manteria a população sob o jugo dos</p><p>interesses das classes dominantes. Nesse sentido, podemos considerá-la uma versão moderna</p><p>da política do pão e circo da Roma Antiga, ou seja, um subsistema da sociedade capitalista que</p><p>reproduziria sua ideologia e estrutura, valendo-se de uma intensa circulação de produtos por</p><p>meio dos veículos de comunicação de massa e da propaganda criando necessidades e</p><p>vendendo produtos.</p><p>Segundo Adorno e Horkheimer (1985), a sociedade industrial não realizou as promessas do</p><p>Iluminismo humanista, pois o desenvolvimento da técnica e da ciência não trouxe acréscimos</p><p>para a felicidade e a liberdade humanas. Muito pelo contrário, no lugar de libertar o homem, o</p><p>progresso da técnica acabou</p><p>por escravizá-lo por mantê-lo alienado e, segundo os autores, só o</p><p>ser humano consciente é livre. Mas, como isso se dava? Entenderam estes pensadores que os</p><p>produtos da indústria cultural teriam três funções: ser comercializados, promover a deturpação e</p><p>a degradação do gosto popular e, por último, obter uma atitude passiva dos consumidores diante</p><p>das imposições dos sistemas políticos e econômicos. Deste modo, a indústria cultural</p><p>padronizaria o gosto e não permitiria ao indivíduo decidir ou escolher por si, mas, sim levava-o a</p><p>aderir de maneira acrítica aos valores impostos.</p><p>______</p><p>Exempli�cando</p><p>Mozart (1756-1791) morreu pobre e foi sepultado em vala comum, embora tenha marcado o</p><p>mundo artístico com o seu talento. Sem, contudo, colocar em questão a fundamental valorização</p><p>do artista, o que se destaca aqui é o fato que, em certo momento, a iniciativa capitalista</p><p>percebeu que os dons pessoais e artísticos poderiam se transformar em produtos e se reverter</p><p>em renda. É essa investida mercadológica que será, na avaliação de Adorno, elemento básico da</p><p>concepção da indústria cultural. Entre os exemplos da indústria cultural podemos considerar</p><p>tanto o mercado fonográ�co, que hoje movimenta cifras altíssimas, como também o cinema, que</p><p>investe e fatura milhões.</p><p>Habermas e a Teoria da Ação Comunicativa</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>Fonte: Wikimedia.</p><p>Jürgen Habermas nasceu na Alemanha, na cidade de Düsseldorf, no dia 18 de junho de 1929.</p><p>Estudou �loso�a e sociologia, tendo sido aluno de Adorno e Horkheimer. Pode ser considerado o</p><p>maior representante da Escola de Frankfurt na atualidade sendo o criador da Teoria da Ação</p><p>Comunicativa, com contribuições nas mais diversas áreas da �loso�a, mas de forma especial em</p><p>�loso�a política e ética. Seguindo a mesma linha dos demais frankfurtianos, Habermas também</p><p>vê com descon�ança o instrumentalismo da sociedade tecnocrática moderna.</p><p>Segundo o autor, a partir da modernidade, o conhecimento �cou predominantemente vinculado à</p><p>técnica, enfatizando o controle da natureza para o benefício humano. Essa ênfase no controle e</p><p>na técnica acaba abrangendo também a sociedade e a produção intelectual. Desse modo,</p><p>pesquisas, estudos e descobertas passam a ser vistos como um meio para se alcançar �ns</p><p>sociais. Por isso, de acordo com Habermas, se faz necessário efetivar a esfera pública, e por</p><p>meio dela conduzir uma discussão crítica acerca desse uso da racionalidade. A proposta de</p><p>Habermas, portanto, é que se desenvolva uma teoria da comunicação social que se oponha a</p><p>esse instrumentalismo e resgate o vigor original do projeto iluminista (LAW, 2008).</p><p>Dentre as premissas do Iluminismo estava a con�ança inabalável de que a razão seria su�ciente</p><p>para explicar o funcionamento das leis da natureza e possibilitar ao ser humano um mundo</p><p>melhor, com menos sofrimento. Mas, segundo Habermas, isso não se realizou e caberia, então,</p><p>buscar outra fundamentação para a edi�cação de uma sociedade melhor. Ele concordava que o</p><p>projeto iluminista não havia conseguido melhorar o mundo, mas não vê isso como um motivo</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>para se descartar a razão, ao contrário, para ele, deve-se puri�car a razão de suas possíveis</p><p>lacunas e aproveitá-la naquilo que tem de melhor.</p><p>Desse modo, segundo Habermas (1997), a razão iluminista apresenta limitações por permitir que</p><p>o seu uso se restrinja ao sujeito, ou seja, ela tolera que o sujeito, fechado em si, use a razão de</p><p>forma monológica. Lembremos, por exemplo, que o imperativo categórico de Kant, em nenhum</p><p>momento, pressupõe o outro: é sempre o sujeito que decide sozinho como deverá agir.</p><p>Habermas entende que mesmo a razão sendo boa poderá �car melhor ainda se houver interação,</p><p>diálogo, comunicação. Isso o leva a propor a troca da razão monológica pela razão dialógica.</p><p>Segundo o �lósofo, na razão iluminista, predominaria a razão instrumental (fazer do outro um</p><p>meio para os teus �ns), mas Habermas (1997), ao propor a razão comunicativa (o acordo, o</p><p>consenso, o entendimento com o outro) busca superar as limitações da razão iluminista.</p><p>Com base nessas ideias de uma razão não fechada em si, monológica, mas aberta ao diálogo, e</p><p>na teoria da verdade consensual – não subjetiva, mas intersubjetiva – aquela que pretende fazer</p><p>com que o diálogo pautado na busca da verdade leve em conta o consenso, o comum acordo</p><p>entre as partes concernidas (CHAUÍ, 2000), Habermas (1997) elabora, então, a sua Teoria da</p><p>Ação Comunicativa que terá re�exos na ética e na política. No campo ético, ele defende a ética</p><p>do discurso, em que a tolerância, o respeito e o diálogo ganham destaque para uma boa</p><p>convivência no mundo plural em que nos encontramos. A globalização e a diversidade de</p><p>culturas exigiriam que, para vivermos bem na sociedade atual, respeitemos e dialoguemos com o</p><p>diferente.</p><p>No campo político, Habermas (1997) argumenta que, até a época moderna, existiam duas</p><p>esferas: a privada (família e amigos) e a política (o poder estatal). O Estado era absolutista e</p><p>totalitário impondo-se sobre a população. Aos poucos, as pessoas foram dialogando, re�etindo e</p><p>se organizando de modo a fazer frente aos poderes do Estado. Para o autor, a esfera pública nos</p><p>confere melhores condições de reconhecermos os interesses comuns, sobretudo aqueles que o</p><p>Estado não reconhece e, consequentemente, não atende. Também se constitui em um modo</p><p>e�caz de questionamento das ações do Estado, permitindo uma envergadura não alcançável</p><p>pelos interesses isolados. Os meios de comunicação, possibilitando e transmitindo a</p><p>condensação da opinião pública, além de viabilizar maior envergadura aos interesses comuns,</p><p>podem promover diálogos ponderados entre os indivíduos. Mas para que isso ocorra, de acordo</p><p>com Habermas (1997), é imprescindível que a imprensa não seja controlada pelo Estado e nem</p><p>por grandes corporações, sob o risco de tramitar interesses próprios ou de grupos. Muitas vezes</p><p>o que se assiste são os meios de comunicação se tornando veículos de entretenimento apenas,</p><p>não favorecendo a formação de agentes críticos e racionais, mas apenas consumidores</p><p>irracionais (HABERMAS, 1997).</p><p>A política pretendida por Habermas (1997), portanto, é a democracia deliberativa, factível,</p><p>segundo ele, por intermédio do fortalecimento da esfera pública, em que as opiniões se</p><p>condensariam, tomariam corpo, realizariam mudanças e teriam condições de estabelecer de</p><p>modo mais participativo os rumos da política, de acordo com as deliberações, o diálogo, o</p><p>respeito, a tolerância e o consenso entre as partes envolvidas.</p><p>Segundo Habermas,</p><p>A esfera pública pode ser descrita como uma rede adequada para a comunicação de</p><p>conteúdos, tomadas de posição e opiniões; nela os �uxos comunicacionais são</p><p>�ltrados e sintetizados, a ponto de se condensarem em opiniões públicas enfeixadas</p><p>em temas especí�cos. Do mesmo modo que o mundo da vida tomado globalmente, a</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>esfera pública se reproduz através do agir comunicativo, implicando apenas o</p><p>domínio de uma linguagem natural; ela está em sintonia com a compreensibilidade</p><p>geral da prática comunicativa cotidiana. [...] Todavia, a esfera pública não se</p><p>especializa em nenhuma destas direções; por isso quando abrange questões</p><p>politicamente relevantes, ela deixa ao cargo do sistema político a elaboração</p><p>especializada”. (HABERMAS, 1997, p. 92, grifo do autor)</p><p>Em linhas gerais, apresentamos aqui as principais ideias de alguns dos mais importantes</p><p>�lósofos do século XX estendendo-se até aos nossos dias, começando por Walter Benjamin,</p><p>Horkheimer e Adorno e chegando até Habermas, que nos trazem importantes elementos para</p><p>re�exão sobre a produção intelectual e cultural que continuam relevantes até hoje.</p><p>Conclusão</p><p>A nossa situação-problema propõe re�etirmos sobre uma questão que desa�ou os teóricos da</p><p>Escola de Frankfurt: a compreensão moderna ou iluminista do uso razão, ou seja, da</p><p>racionalidade, é boa em si, é má ou é neutra. Se, a partir dos nossos estudos, pesquisas,</p><p>invenções e descobertas se descortinaria um mundo melhor para se viver. Se</p><p>seria possível</p><p>aprimorar o uso da razão ou se seria mais recomendável descartá-la. Ou será que deveríamos</p><p>substitui-la por outra modalidade de explicação de mundo e ordenamento social.</p><p>Entende-se que o uso da razão se efetiva nas invenções e descobertas que o homem alcança,</p><p>bem como no avanço das metodologias de ensino e aprendizagem, os quais permitem a</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>transmissão do acervo de conhecimentos de uma geração a outra e, ainda, no desenvolvimento</p><p>de tecnologias de ponta nas mais diversas áreas da atuação humana, entre outras tantas</p><p>realizações da nossa espécie. Tais elementos parecem apontar para evolução e progresso</p><p>humanos contínuos e retilíneos. Mas como mensurar esse suposto progresso nas sociedades</p><p>hodiernas? O que caracteriza atraso ou avanço de uma cultura comparada a outra? Nações mais</p><p>prósperas são mais evoluídas?</p><p>Essas re�exões �zeram parte das temáticas discutidas pelos �lósofos contemporâneos, dentre</p><p>os quais podemos citar Walter Benjamin (1892- 1940), Max Horkheimer (1895-1973), Theodor</p><p>Adorno (1903-1969) e Jürgen Habermas (1929-), entre outros. E elas ainda fazem parte da</p><p>re�exão de muitos �lósofos e, de um modo especial, dos que tratam de questões relacionadas à</p><p>bioética, pois embora a ciência nos outorgue muitas benesses, por vezes também assusta,</p><p>sobretudo no desenvolvimento de armas, de contaminação do meio ambiente, do</p><p>comprometimento das reservas naturais, entre outros. A ciência pode se tornar uma maneira de</p><p>dominar o mundo e a sociedade, corroborando a máxima baconiana “saber é poder”.</p><p>O progresso da razão parece não se dar de forma homogênea em todas as áreas e nem em</p><p>todos os lugares. É importante dizer que estamos nos referindo a um processo que se dá no</p><p>âmbito da chamada “civilização ocidental”. Além disso, analisamos as críticas dos autores</p><p>contemporâneos às ideias iluministas e que apontaram como algumas promessas progressistas</p><p>não chegaram a se concretizar.</p><p>Desse modo, retornamos aos nossos questionamentos iniciais: a razão moderna e iluminista</p><p>deve ser descartada? Substituída? Na compreensão, sobretudo de Habermas (1997), a razão</p><p>moderna – e, de modo bem especí�co, a razão kantiana – poderia ser descrita como uma razão</p><p>monológica, ou seja, uma razão fechada em si, que não exigiria necessariamente uma abertura</p><p>para o outro. Mesmo assim, a razão moderna não precisaria ser totalmente descartada, mas</p><p>aprimorada. A proposta de Habermas é substituir a monologicidade da razão moderna pela</p><p>dialogicidade.</p><p>A razão dialógica é uma razão aberta ao outro, uma razão que não se funda unicamente na</p><p>inteira subjetividade, mas pressupõe a intersubjetividade. É uma razão aberta ao diálogo, ao</p><p>entendimento, ao consenso e à tolerância. Para que esse diálogo ocorra do melhor modo</p><p>possível, é preciso que se estabeleça a condição ideal de fala, em que os envolvidos minimizem</p><p>as incongruências e disparidades e estabeleçam uma espécie de nivelamento dos</p><p>posicionamentos.</p><p>Talvez, as maiores atrocidades ocorridas no século XX pudessem ter sido evitadas ou, ao menos,</p><p>minimizadas se os seus mentores não decidissem tudo a partir de si e dos seus apoiadores, mas</p><p>ouvissem, de modo especial, aqueles que discordavam dos seus posicionamentos, pois esses</p><p>poderiam estar sinalizando para fatores não percebidos por eles.</p><p>Desse modo, podemos notar que Jürgen Habermas faz uma espécie de elaboração de uma nova</p><p>tábua de valores, como se em nossos tempos houvesse outras virtudes necessárias a uma</p><p>convivência harmônica.</p><p>Referências</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>AA. VV. O livro da �loso�a. São Paulo: Globo, 2011.</p><p>ABBAGNANO, N. Dicionário de �loso�a. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003.</p><p>ABBAGNANO, N. Dicionário de �loso�a. São Paulo: Martins Fontes, 2007.</p><p>ABRÃO, B. S. (Org.). História da �loso�a. São Paulo: Nova Cultural, 1999. (Coleção Os</p><p>Pensadores).</p><p>ABRÃO, B. S. História da �loso�a. São Paulo: Nova Cultural, 1999. (Coleção Os Pensadores).</p><p>ADORNO, T.; HORKHEIMER, M. Dialética do esclarecimento. Tradução de Guido Antônio de</p><p>Almeida. Rio de Janeiro: Zahar, 1985.</p><p>ARANHA, M. L. A.; MARTINS, M. H. P. Temas de Filoso�a. São Paulo: Moderna, 2005.</p><p>ARISTÓTELES. Ética à Nicômaco. São Paulo: Abril Cultural, 1973. (Coleção Os Pensadores).</p><p>ARISTÓTELES. Organon. Lisboa: Guimarães Editores, 1985.</p><p>ARISTÓTELES. Vida e Obra. In: Os pensadores: Aristóteles. São Paulo: Nova Cultural, 1999.</p><p>(Coleção Os Pensadores).</p><p>BENJAMIN, W. A obra de arte na época de suas técnicas de reprodução. 2. ed. Tradução de José</p><p>Lino Grünnewald. São Paulo: Abril Cultural, 1983. (Coleção Os Pensadores).</p><p>CAYGILL, H. Dicionário Kant. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2000. CHALITA, G. Vivendo a</p><p>Filoso�a. 3. ed. São Paulo: Ática, 2010.</p><p>CHAUÍ, M. Convite à �loso�a. São Paulo: Ática, 2000.</p><p>CHAUÍ, M. Vida e obra. In: Kant. São Paulo: Nova Cultural, 1999. (Coleção Os Pensadores).</p><p>CHAUÍ, M.; OLIVEIRA, P. Filoso�a e sociologia. São Paulo: Ática, 2010.</p><p>COTRIM, G. Fundamentos da �loso�a: História e grandes temas. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2008.</p><p>DESCARTES, R. Meditações metafísicas. Trad. Edson Bini. São Paulo: Edipro, 2016.</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>GAARDER, J. O mundo de So�a. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.</p><p>GALILEI, G. O ensaiador. São Paulo: Abril Cultural, 1983. (Coleção Os pensadores).</p><p>GLEISER, M. A dança do universo: dos mitos a criação ao Big Bang. São Paulo: Companhia das</p><p>Letras, 1997.</p><p>HABERMAS, J. Direito e democracia. 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Rio de Janeiro: Jorge Zahar</p><p>Ed., 2009.</p><p>MONDIN, B. Curso de �loso�a: Os �lósofos do ocidente. 8. ed. São Paulo: Paulus, 1981. v.1.</p><p>MONDIN, B. Curso de �loso�a: Os �lósofos do Ocidente. Vol. 2. 6. ed. São Paulo: Paulus, 1982.</p><p>MORENTE, M. G. Fundamentos de �loso�a: Lições preliminares. 5. ed. São Paulo: Mestre Jou,</p><p>1976.</p><p>PERINE, M. Quatro lições sobre a ética de Aristóteles. São Paulo: Loyola, 2006 (Coleção Leituras</p><p>Filosó�cas).</p><p>PESSANHA, J. A. M. (org.). Descartes: Vida e obra. São Paulo: Nova Cultural, 1999. (Coleção Os</p><p>Pensadores).</p><p>PLATÃO. A República. São Paulo: Nova Cultural, 1999. (Coleção Os Pensadores). PLATÃO. Hipias</p><p>Maior. Belém: Editora da Universidade Federal do Pará, 1980.</p><p>POLESI, R. Ética antiga e medieval. Curitiba: Editora Intersaberes, 2014. Disponível em:</p><p>https://plataforma.bvirtual.com.br/Leitor/Publicacao/5536/pdf. Acesso em: 8 nov. 2019.</p><p>REALE, G. História da �loso�a antiga. Volume I: Das origens a Sócrates. 4. ed. São Paulo: Loyola,</p><p>2002 (Série História da Filoso�a).</p><p>REALE, G.; ANTISERI, D. História da �loso�a: Antiguidade e Idade Média. 5 ed. São Paulo: Paulus,</p><p>1990.</p><p>REALE, G.; ANTISERI, D. História da �loso�a: De Nietzsche a Escola de Frankfurt. São Paulo:</p><p>Paulus, 2006. v. 6.</p><p>REALE, G.; ANTISERI, D. História da �loso�a: De Spinoza a Kant. Vol. 4. São Paulo: Paulus, 2005.</p><p>REALE, G.; ANTISERI, D. História da �loso�a: de Spinoza a Kant. São Paulo: Paulus. 2005. v. 4.</p><p>REALE, G.; ANTISERI, D. História da �loso�a: Do humanismo a Descartes. São Paulo: Paulus,</p><p>2004. v. 3.</p><p>ROBINSON, D.; GROVES, J. Entendendo �loso�a: um guia prático da história do pensamento. São</p><p>Paulo: Leya, 2012.</p><p>ROVIGHI, S. V. História da �loso�a moderna: da revolução cientí�ca a Hegel. São Paulo: Loyola,</p><p>1999.</p><p>SALISBURY, J. of. Metalogicon</p><p>III. 4. ed. Oxford: Webb, 1929.</p><p>SCHOPENHAUER, A. A arte de insultar. São Paulo: Martins Fontes, 2003.</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>SEIXAS, R. O conto do sábio chinês. In: Abre-te sésamo (LP), lado B, música 2, 110 segs. Direção</p><p>Artística Mauro Motta. São Paulo: Discos CBS/Sony Music Entertainment, 1980.</p><p>WHITEHEAD, A. N. Process and reality: an essay in cosmology. Nova Iorque: Free Press, 1978</p><p>(Séries: Gifford Lectures).</p><p>,</p><p>Unidade 3</p><p>Campos de estudo da Filoso�a</p><p>Aula 1</p><p>Epistemologia</p><p>Introdução da Unidade</p><p>Objetivos da Unidade</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>Ao longo desta Unidade, você irá:</p><p>discutir alguns estudos sobre epistemologia;</p><p>examinar como era a política na antiguidade clássica, nas idades média e moderna;</p><p>explorar o conceito de ética em diferentes períodos históricos.</p><p>Introdução da Unidade</p><p>Semelhantemente ao que acontece com as parábolas bíblicas, que permitem muitas</p><p>interpretações, o Mito da Caverna, de Platão, também possibilita a extração de muitos</p><p>ensinamentos, além daqueles apresentados na própria obra. Marilena Chaui (2000), por exemplo,</p><p>a�rma que a caverna representa o mundo em que vivemos, sendo as sombras projetadas no</p><p>fundo da caverna as coisas materiais e sensoriais que percebemos. O �lósofo seria, então, o</p><p>prisioneiro que se liberta e sai da caverna, e a luz do sol representa a própria verdade. O mundo</p><p>externo é o mundo das ideias verdadeiras ou da verdadeira realidade, e a dialética, o instrumento</p><p>que liberta o �lósofo e com o qual ele deseja libertar também os seus companheiros.</p><p>Partindo dessa compreensão, podemos dizer que a Filoso�a se constitui na visão do mundo real</p><p>iluminado e esclarecido pelas luzes da razão. Os prisioneiros que permaneceram na caverna</p><p>zombam, espancam e matam aquele que retorna por serem extremamente apegados aos seus</p><p>pontos de vistas, plenamente convencidos de que o mundo sensível é o único mundo real e</p><p>verdadeiro e que a ida ao mundo externo fez mal ao prisioneiro libertado, pois já não tem a</p><p>mesma acuidade visual em meio à penumbra. O interior da caverna apresenta dois tipos de</p><p>conhecimentos, as ilusões e crendices; e fora da caverna estão os conhecimentos cientí�cos e</p><p>�losó�cos, pois o mundo passa a ser captado e interpretado tal como ele é.</p><p>O prisioneiro libertado alcançou uma visão de mundo diferenciada, a mais real e mais clara</p><p>possível. E, após acostumar a visão com a claridade do sol, acaba por identi�cá-lo à imagem do</p><p>bem, do belo e do verdadeiro. Valendo-se dessa trilogia, propomos a re�exão acerca da</p><p>possibilidade, ou não, de uma união necessária entre essas três concepções de valores e suas</p><p>respectivas áreas: epistemologia, política e ética. Estariam essas três áreas inter-relacionadas?</p><p>Existe um elo que as vincula? É feio mentir? É bonito fazer o bem?</p><p>Nesse momento, estudaremos as principais contribuições dos �lósofos às temáticas pertinentes</p><p>à epistemologia, à política e à ética, sobretudo a partir dos �lósofos modernos. Abordaremos,</p><p>desse modo, pensadores como Thomas Hobbes (1588-1679), Baruch Spinoza (1632-1677), John</p><p>Locke (1632-1704), Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), Immanuel Kant (1724-1804), Karl</p><p>Popper (1902-1994), Thomas Kuhn (1922-1996) e Jürgen Habermas (1929-), cada um dentro da</p><p>sua respectiva contribuição.</p><p>Videoaula: introdução</p><p>Este conteúdo é um vídeo!</p><p>Para assistir este conteúdo é necessário que você acesse o AVA pelo</p><p>computador ou pelo aplicativo. Você pode baixar os vídeos direto no aplicativo</p><p>para assistir mesmo sem conexão à internet.</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>Assista à videoaula de introdução.</p><p>Introdução da Aula</p><p>Qual é o foco da aula?</p><p>Nesta aula, você acompanhará alguns estudos acerca da epistemologia.</p><p>Objetivos gerais de aprendizagem</p><p>Ao longo desta aula, você irá:</p><p>identi�car o que são as Teorias da Verdade;</p><p>recordar o que é ceticismo e dogmatismo;</p><p>explorar a solução Kantiana.</p><p>Situação-problema</p><p>Algum dia você já se perguntou há quanto tempo o homem está nesse planeta? Ou ainda:</p><p>quantas pessoas já passaram pelo nosso planeta? Provavelmente esse tipo de pergunta não</p><p>tenha uma resposta exata, mas apenas aproximada. Além disso, poderíamos indagar sobre o</p><p>número de povos e culturas que existem, assim como aquelas que já existiram e foram extintas,</p><p>cada uma com a sua estruturação social, com seus costumes, vestimentas, comida, religião etc.</p><p>Todas as culturas buscam explicar o mundo e todas, normalmente, julgam-se as mais corretas.</p><p>Algumas são tão intolerantes que, por não admitir que ninguém discorde delas, chegam a</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>declarar guerra aos seus opositores. Analise as maiores atrocidades cometidas nesse mundo e</p><p>você perceberá que foram feitas por aqueles que se consideram donos da verdade.</p><p>Conta-se que, em certa oportunidade, um jovem chamado Sigmund, conversando com o seu</p><p>amigo Cláudio, percebeu que ele tinha algumas ideias brilhantes, mas não ousava expô-las</p><p>porque as suas ideias se chocavam com as ideias do seu professor Ari. Entendia ele que se as</p><p>ideias do professor eram diferentes das ideias que ele estava concebendo, então, possivelmente,</p><p>o errado seria ele.</p><p>Como a postura de “donos da verdade” não combina com �loso�a, podemos nos questionar se</p><p>não somos excessivamente apegados às nossas próprias verdades e às nossas convicções, ou</p><p>se não somos intransigentes em nossos pontos de vistas enfatizando-os de modo impositivo. É</p><p>claro que isso não signi�ca que não devamos ter os nossos valores e as nossas convicções, mas</p><p>a ideia é re�etirmos sobre a postura totalitária e absolutista – via de regra, oriundas de visões</p><p>céticas ou dogmáticas. Sabendo das preocupações do aluno, o professor Ari pensa em uma</p><p>estratégia de aula para, por meio da �loso�a, ajudar Cláudio. Como ele pode fazer? Que questões</p><p>a �loso�a se colocou a respeito da verdade? O que as posturas céticas e dogmáticas nos dizem?</p><p>Procuraremos, dessa forma, re�etir sobre a capacidade humana de acesso à verdade, bem como</p><p>as diversas conotações que a verdade adquiriu em diferentes correntes �losó�cas por meio das</p><p>teorias da verdade. Analisaremos, também, as expressões do ceticismo, a forma como se</p><p>confronta com o dogmatismo e a interpretação de Immanuel Kant acerca de um possível</p><p>equívoco presente na base desses dois posicionamentos. Por �m, re�etiremos sobre o</p><p>pensamento de dois dos principais teóricos da �loso�a da ciência na contemporaneidade, Karl</p><p>Popper e Thomas Kuhn.</p><p>Bons estudos!</p><p>Teorias da Verdade</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>Falaremos, agora, sobre epistemologia, ou seja, vamos re�etir sobre a questão do conhecimento.</p><p>A palavra episteme em grego é ciência. Já sabemos que existem diversas formas de</p><p>conhecimento, ou diversas maneiras de conhecermos a realidade (ou o mundo) em que nos</p><p>encontramos, e que todas elas se empenham em buscar a verdade. Mas o que é a verdade? No</p><p>nosso dia a dia fazemos uso dessa palavra e, talvez, não tenhamos plena consciência do seu</p><p>signi�cado original.</p><p>Será que existem critérios garantidores de acesso à verdade? A Filoso�a entende que sim e, com</p><p>base no pensamento de alguns �lósofos, de�niu diferentes Teorias da Verdade. Vamos conhecer</p><p>algumas delas?</p><p>Teoria correspondencialista</p><p>Segundo essa teoria, o critério da verdade é a adequação do nosso intelecto à coisa, ou da coisa</p><p>ao nosso intelecto. De acordo com Chaui (2000), na aletheia (conceito grego), a verdade está nas</p><p>próprias coisas e o conhecimento é a percepção racional dessa verdade, ou seja, é a evidência,</p><p>alcançada pelas operações do nosso intelecto. Então, uma ideia será verdadeira quando</p><p>corresponder ao conteúdo que existe fora do nosso pensamento.</p><p>A verdade se veri�ca pela relação entre dois tipos de entidades, uma que comporta a verdade e</p><p>outra que gera essa verdade, o fato. É uma das teorias mais antigas e teria sido Platão quem</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>primeiro a formulou explicitamente em sua obra Crátilo:</p><p>“Verdadeiro é o discurso que diz as coisas como elas são; falso é aquele que as diz</p><p>como não são” (BURNET, 1903, p. 385).</p><p>Também para Aristóteles a αλήθεια</p><p>era correspondencial, conforme se lê na sua obra Metafísica</p><p>(IV, 7, 1011b):</p><p>“Dizer do que é que é e do que não é que não é, é verdade; dizer do que é que não é e</p><p>do que não é que é, é falso” (ARISTÓTELES, 2002, p. 179).</p><p>Contudo, essa de�nição mostra que, para ele, a verdade ou a falsidade está na correspondência</p><p>entre que é dito e o que é de fato.</p><p>Teoria é a coerentista</p><p>Essa teoria defende que a verdade não está na relação entre geradores e portadores, mas</p><p>apenas entre os geradores. A coerência se veri�ca quando não há contradição entre eles, pois o</p><p>que é contraditório não pode ser real. Só é possível falar em verdade com referência a um</p><p>sistema de proposições ao qual aquela proposição pertença, e a proposição só será verdadeira</p><p>se não entrar em contradição com as demais proposições do sistema de crenças ao qual ela</p><p>pertence.</p><p>Chaui (2000) entende que ela se faz presente quando predomina a veritas (conceito latino).</p><p>Nesse caso, a verdade dependerá do rigor e da precisão na criação e no uso das regras de</p><p>linguagem utilizada para expressarmos nossas ideias. Então, não se diz que uma coisa é</p><p>verdadeira porque corresponde a uma realidade externa, mas se diz que ela corresponde à</p><p>realidade externa porque é verdadeira. O critério da verdade é dado pela coerência. Francis</p><p>Bradley (1846–1924) e Brand Blanshard (1892-1987) fazem parte dessa teoria.</p><p>Teoria consensual</p><p>Porém, quando a predominância for da emunah (conceito hebraico), então a verdade será</p><p>encontrada no acordo (ou pacto) de con�ança entre os pesquisadores, que de�nem um conjunto</p><p>de convenções universais sobre o conhecimento verdadeiro. O fundamento da verdade é o</p><p>consenso e a con�ança recíproca entre os membros de uma comunidade de pesquisadores e</p><p>estudiosos.</p><p>O consenso se estabelece baseado em três princípios que serão respeitados por</p><p>todos: […] 1. Que somos seres racionais e nosso pensamento obedece aos quatro</p><p>princípios da razão (identidade, não-contradição, terceiro-excluído e razão su�ciente</p><p>ou causalidade); […] 2. Que somos seres dotados de linguagem e que ela funciona</p><p>segundo regras lógicas convencionadas e aceitas por uma comunidade; […] 3. Que os</p><p>resultados de uma investigação devem ser submetidos à discussão e avaliação pelos</p><p>membros da comunidade de investigadores que lhe atribuirão ou não o valor de</p><p>verdade. (CHAUI, 2000, p. 125)</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>Habermas (1929-) é um dos maiores nomes dessa teoria.</p><p>Teoria pragmatista</p><p>O critério de�nitivo da verdade não é teórico, é prático. Um conhecimento será considerado</p><p>verdadeiro pelos seus resultados e aplicações práticas,</p><p>“sendo veri�cado pela experimentação e pela experiência. A marca do verdadeiro é a</p><p>veri�cabilidade dos resultados” (CHAUI, 2000, p. 125).</p><p>Um argumento é portador de verdade quando a crença na sua verdade é útil, mesmo que seja a</p><p>longo prazo. Essa utilidade se refere à capacidade de lidar com os objetos do mundo, prever</p><p>acontecimentos e explicá-los. Em outras palavras, a proposição será considerada verdadeira</p><p>caso permita fazer boas previsões sobre o funcionamento do mundo exterior, por isso, é</p><p>considerada uma das teorias mais indicadas para as ciências naturais. Jeremy Bentham (1748-</p><p>1832) e Charles Sanders Peirce (1839-1914) são expoentes dessa teoria.</p><p>O ceticismo</p><p>As Teorias da Verdade nos sinalizam que há divergência entre os pensadores acerca do nosso</p><p>acesso à verdade, mas há uma divergência ainda mais acentuada quando nos deparamos com</p><p>aqueles que questionam a possibilidade de tal acesso. Estamos nos referindo aos céticos. Para</p><p>o cético</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>“Nada existe. Mesmo se existisse alguma coisa, não poderíamos conhecê-la;</p><p>concedido que algo existe e que o podemos conhecer, não o podemos comunicar aos</p><p>outros”. Essas três proposições, atribuídas a Górgias (séc. IV a.C.), um dos</p><p>representantes da sofística, exempli�cam a postura conhecida como ceticismo.</p><p>(ARANHA, MARTINS; 1999, p. 25)</p><p>O cético mais emblemático e radical possivelmente tenha sido Pirro de Élida</p><p>(365/360-275/270 a.C.), um soldado de Alexandre Magno (356-323 a.C.), o qual, após</p><p>o contato com muitas culturas (LAW, 2008, p. 29) acabou percebendo que eram</p><p>poucas as certezas que nos são acessíveis, tornando-se, desse modo, um adepto da</p><p>afasia (REALE, ANTISERI; 2003, p. 302).</p><p>______</p><p>Assimile</p><p>O pre�xo “a” na língua grega signi�ca “não” ou “sem”. Portanto, afasia indica a falta de palavra, ou</p><p>seja, calar-se e não dizer nada de de�nitivo com conotação de verdadeiro, nem a�rmando e nem</p><p>negando, não emitindo tipo algum de julgamento.</p><p>Visto que para o homem as coisas são inapreensíveis, a única atitude legítima é a de</p><p>não julgá-las verdadeiras ou falsas, nem belas ou feias, nem boas ou ruins, etc. Não</p><p>julgar também signi�ca não preferir ou não evitar: assim, a suspensão do juízo é já</p><p>por si mesma ataraxia, ausência de perturbação. Diógenes Laércio conta que Pírron</p><p>caminhava sem olhar para nada e sem afastar-se de nada, arrostando carros, se os</p><p>encontrasse, precipícios, cães, etc. (ABBAGNANO, 2007, p. 764)</p><p>______</p><p>O termo cético se origina do vocábulo grego skeptikós e indica “aquele que investiga”,</p><p>considerando que o conhecimento do real é impossível à razão humana, restando apenas</p><p>suspender o juízo sobre as coisas e submeter toda a�rmação a uma dúvida constante</p><p>(JAPIASSÚ, MARCONDES; 2001), opondo-se, desse modo, ao dogmatismo.</p><p>Não há apenas uma de�nição de ceticismo. Sexto Empírico (séc. II-séc. III d.C.), por exemplo,</p><p>de�ne-o como atitude de renúncia a toda tentativa de conhecimento diante da convicção da</p><p>impossibilidade da certeza, pois os pirrônicos, embora reconhecessem a impossibilidade da</p><p>certeza, achavam necessário continuar buscando-a (JAPIASSÚ, MARCONDES; 2001).</p><p>Algumas etapas são tradicionalmente distinguidas no ceticismo etapas:</p><p>primeira: epoché, é a suspensão do juízo que resulta da dúvida;</p><p>segunda: zétesis, é a busca incessante da certeza;</p><p>terceira: ataraxia, é a tranquilidade ou imperturbabilidade que resulta do reconhecimento da</p><p>impossibilidade de se atingir a certeza e da superação do con�ito de opiniões entre os</p><p>homens (JAPIASSÚ, MARCONDES; 2001).</p><p>Na modernidade, também tivemos uma expressão do ceticismo, principalmente no pensamento</p><p>de Michel Montaigne (1533-1592), que reavivou o ceticismo como forma de atacar o</p><p>dogmatismo da escolástica, corrente �losó�ca surgida na Idade Média marcada pela in�uência</p><p>da Igreja e, portanto, pelos dogmas sustentados por ela. Também é dessa época o ceticismo</p><p>�deísta que a�rma que a razão é incapaz de atingir a verdade e, portanto, deve-se apelar para a fé</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>e a revelação como fontes da verdade. Dois �lósofos que acentuaram a necessidade do uso da</p><p>fé para o homem chegar ao conhecimento das verdades eternas foram Santo Agostinho (354-</p><p>430) e Tomás de Aquino (1225 -1274). O ceticismo contribui para uma atitude crítica e</p><p>questionadora da �loso�a contemporânea, ao considerar, por exemplo, as questões da</p><p>relatividade do conhecimento e dos limites da razão e da ciência, que, de acordo com a</p><p>epistemologia contemporânea, têm raízes tanto no ceticismo clássico e quanto no moderno</p><p>(JAPIASSÚ, MARCONDES; 2001).</p><p>O dogmatismo</p><p>Esse termo se contrapõe ao ceticismo pelo fato dos seus adeptos de�nirem uma verdade</p><p>absoluta. É considerado dogmatismo, também, o raciocinar e opinar sobre coisas as quais não</p><p>se compreende nada e as quais, possivelmente, nunca ninguém no mundo entenderá</p><p>(ABBAGNANO, 2007).</p><p>A justa atitude no campo das indagações que chamamos de dogmático em sentido</p><p>positivo, e ao qual pertencem as ciências empíricas (mas não só estas), é deixar</p><p>honestamente de lado, com toda “�loso�a da natureza” e toda “teoria do</p><p>conhecimento”, qualquer ceticismo e assumir os dados cognitivos onde eles</p><p>efetivamente se encontram. O dogmatismo se contraporia assim à epoché</p><p>fenomenológica, própria da �loso�a. (ABBAGNANO, 2007, p. 293)</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>De acordo com Japiassú e Marcondes (2001), o dogma é a doutrina ou ideia �losó�ca</p><p>transmitida impositiva e incontestavelmente</p><p>por uma escola ou corrente de pensamento e que</p><p>requer adesão incondicional. Em sentido religioso, funda-se em uma verdade revelada que exige</p><p>acatamento e aceitação incondicionais por parte dos seus adeptos. Dentro dessa perspectiva,</p><p>pode-se dizer, então, que a pessoa dogmática é aquela que a�rma uma opinião ou emite um</p><p>ponto de vista de modo doutoral e categórico, sem admitir contestação ou crítica.</p><p>Em suma, o dogmatismo é a perspectiva que consiste em admitir a possibilidade de a razão</p><p>humana chegar a verdades absolutamente certas e seguras, con�ando piamente nessa</p><p>possibilidade. Em sentido vulgar, consiste em a�rmar alguma coisa, de modo intransigente e</p><p>contundente, sem provas e sem fundamentos. É a atitude de quem acredita estar de posse da</p><p>certeza ou da verdade antes de fazer a crítica da faculdade de conhecer. Desde a Antiguidade</p><p>existem �lósofos céticos e �lósofos dogmáticos. Os primeiros não creem nas verdades</p><p>estabelecidas e os segundos defendem as verdades de sua escola. O dogmatismo é crer que a</p><p>razão pode edi�car sistemas sólidos sem ter sido antes depurada pela crítica. O maior defensor</p><p>dessa ideia é Descartes (1506-1650).</p><p>A solução kantiana</p><p>A partir de Kant, o dogmatismo passa a adquirir novos signi�cados. Entende ele que o criticismo</p><p>só se de�ne ao se opor aos dois perigos inversos, o empirismo e o dogmatismo. O dogmatismo</p><p>se caracteriza pela crença na razão enquanto possibilidade da edi�cação de sistemas sólidos,</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>mas uma crença que antecede uma necessária depuração permitida pela crítica (JAPIASSÚ,</p><p>MARCONDES; 2001).</p><p>Kant tem por referência as �loso�as de Gottfried Leibniz (1646-1716) e de Christian Wolf (1679-</p><p>1754), para os quais o conhecimento se desenvolve a priori, sem recorrer à experiência. Além</p><p>disso, na compreensão de Kant, o dogmático se opõe ao crítico devido à pretensão de ter</p><p>atingido o conhecimento absoluto. Mas Kant critica não só o dogmatismo como também o</p><p>empirismo que, para ele, reduz tudo à experiência, sem se perguntar sobre as formas a priori.</p><p>Nesse sentido, o signi�cado atribuído por Kant ao termo dogmatismo identi�ca-o com a</p><p>metafísica tradicional, e pode ser descrito como o preconceito de poder progredir na metafísica</p><p>sem uma crítica da razão. Diz ele:</p><p>Tive, pois, de suprimir o saber para encontrar lugar para a crença, e o dogmatismo da</p><p>metafísica, ou seja, o preconceito de nela se progredir, sem crítica da razão pura, é a</p><p>verdadeira fonte de toda a incredulidade, que está em con�ito com a moralidade e é</p><p>sempre muito dogmática. (KANT, 2001, p. 49)</p><p>Esse dogmatismo �losó�co, que consiste em dedicar-se a pesquisas que estão fora de sua</p><p>alçada por estarem além da esfera da experiência possível, é incentivado pelo dogmatismo</p><p>comum que, como já vimos, consiste em raciocinar levianamente sobre coisas das quais não se</p><p>compreende. Pois, de acordo com Kant</p><p>[…] se, pois, não é difícil deixar à posteridade o legado de uma metafísica sistemática,</p><p>concebida segundo o plano da crítica da razão pura, não será para menosprezar esta</p><p>dádiva; quer se considere, simplesmente, a cultura que deve adquirir a razão ao seguir</p><p>a via segura da ciência, em vez dos tenteios sem fundamento ou de leviana</p><p>vagabundagem a que a mesma se entrega quando procede sem crítica. (KANT, 2001,</p><p>p. 50)</p><p>Desse modo, Kant entende o dogmatismo como a crença de possuir o acesso à verdade antes</p><p>mesmo de fazer a crítica da faculdade de conhecer. Nesse sentido, entende que o modo de</p><p>superar essa atitude é por meio do criticismo, o qual se propõe a analisar as condições de</p><p>validade e os limites do uso que podemos fazer de nossa razão pura. Trata-se de entender a</p><p>crítica do conhecimento como condição prévia da pesquisa �losó�ca.</p><p>Percebe-se, então, que o criticismo kantiano se contrapõe não só ao perigo do dogmatismo, que</p><p>con�a demasiado na razão, sem descon�ar bastante das ilusões especulativas, mas também ao</p><p>perigo do empirismo que, para evitar os erros dogmáticos, tende a reduzir tudo à experiência.</p><p>Isso só é possível, segundo Kant, por meio do uso correto da razão, ao empenhar-se em uma</p><p>análise profunda daquilo que lhe é possível e daquilo que lhe escapa. Ao propor buscar o</p><p>fundamento do conhecimento, conclui que no conhecimento, o sujeito não apreende as coisas</p><p>tais como são, mas as submete às suas condições, ou seja, às formas a priori da sensibilidade</p><p>(espaço e tempo) e às categorias de seu entendimento. E que nos é possível conhecer é apenas</p><p>o fenômeno e não o númeno (coisa em si).</p><p>______</p><p>Re�ita</p><p>Ao sustentar que não podemos conhecer o númeno, mas apenas o fenômeno, Kant nos permite</p><p>indagar sobre o propósito da ciência. O númeno é considerado o “ser em si”, a essência da</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>realidade como um todo. A essência é a razão de ser das coisas. Como a ciência se propõe a</p><p>explicar como as coisas funcionam e não porque elas funcionam como funcionam, o númeno</p><p>escaparia do propósito cientí�co. Então �ca a re�exão: seria possível explicar cienti�camente por</p><p>que o mundo existe?</p><p>______</p><p>Depois das contribuições de Kant, o foco da discussão da �loso�a contemporânea passa do</p><p>problema do conhecimento para o problema do signi�cado. Os contemporâneos, sobretudo</p><p>Bertrand Russell (1872-1970) e Ludwig Wittegenstein (1889-1951) defendem que a linguagem</p><p>tem duas funções diferentes: uma função ligada a descrever o sentido das coisas, dos objetos</p><p>sensíveis e das vivências subjetivas e outra ligada à correspondência daquilo que é falado com o</p><p>mundo externo.</p><p>A falseabilidade em Popper</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>Karl Popper (1902-1994) tenta resolver o problema da indução, suscitado por Hume, sustentando</p><p>que a ciência não visa se constituir um saber absoluto e totalitário, mas um saber plausível, ou</p><p>seja, a melhor teoria até o momento, e, possivelmente, provisória. Dirá ele, negando a</p><p>veri�cabilidade:</p><p>“[…] é enganosamente fácil encontrar veri�cações de uma teoria […] devemos adotar</p><p>uma atitude altamente crítica com relação às nossas teorias se não desejarmos</p><p>argumentar em círculos: a atitude de tentar falseá-las” (POPPER, 1980, p. 68).</p><p>Segundo Popper</p><p>O velho ideal cientí�co da episteme – do conhecimento absolutamente certo,</p><p>demonstrável – provou ser um ídolo. A exigência da objetividade cientí�ca torna</p><p>inevitável que todo enunciado cientí�co permaneça provisório para sempre. Pode-se</p><p>de fato corroborá-lo, mas toda corroboração é relativa aos outros enunciados que,</p><p>novamente, são provisórios. Somente podemos estar “absolutamente certos” de</p><p>nossas experiências subjetivas de convicção, de nossa fé subjetiva. (POPPER, 1980,</p><p>p. 123)</p><p>Desse modo, não se deve buscar sustentar a verdade da teoria cientí�ca, mas deve-se buscar a</p><p>sua refutação sujeitando-a à possibilidade de falseamento. Ou seja, deve-se buscar falsear ou</p><p>falsi�car a teoria. Caso ela permita esse falseamento deverá ser descartada e, caso resista,</p><p>continuará sendo uma teoria cientí�ca; contudo, sempre considerando que um dia essa teoria</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>poderá ser falseada. Enquanto isso não ocorre e ela resista ao falseamento, continuará sendo</p><p>uma teoria cientí�ca. Caso seja falseada, deixará de sê-la. À maneira de Hume, diz Popper</p><p>referindo-se ao falseamento:</p><p>Costuma-se chamar de “indutiva” a uma inferência se ela passa de enunciados</p><p>singulares […] tais como as descrições dos resultados de observações ou</p><p>experimentos, aos enunciados universais, tais como as hipóteses ou teorias. Ora, de</p><p>um ponto de vista lógico, está longe de ser óbvio que estejamos justi�cados ao inferir</p><p>enunciados universais a partir dos singulares, por mais elevado que seja o número</p><p>destes últimos; pois qualquer conclusão obtida desta maneira pode sempre acabar</p><p>sendo falsa: não importa quantas instâncias de cisnes brancos possamos ter</p><p>observado, isto não justi�ca a conclusão de que todos os cisnes são brancos.</p><p>(POPPER, 1980, p. 3)</p><p>Em suma, pode-se dizer que uma teoria cientí�ca será verdadeira apenas enquanto não for</p><p>refutada ou falseada, mas nada garante que um dia não venha a ser. Sucede,</p><p>portanto, que a</p><p>validade das teorias cientí�cas passa a ser provisória ou transitória e que a sua verdade nunca</p><p>poderá ser provada, apenas o seu falseamento o pode. As teorias cientí�cas, então, não podem</p><p>sustentar que possuem a verdade enquanto certezas de�nitivas, mas podem somente sustentar</p><p>que ainda resistem ao seu falseamento. Por essas ideias Popper é conhecido como o criador do</p><p>método hipotético-dedutivo.</p><p>As revoluções cientí�cas em Thomas Kuhn</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>Thomas Kuhn (1922-1996) foi um norte-americano formado em física que lecionou história da</p><p>ciência em Harvard e, familiarizando-se com esse tema, acabou por desenvolver uma teoria</p><p>acerca do progresso cientí�co. Até a época de Thomas Kuhn, entendia-se que a ciência estava</p><p>sempre fazendo progressos graduais. Considerando essa ideia uma ingenuidade, destaca que se</p><p>olharmos a história da ciência e as comunidades cientí�cas �cará claro que para observar,</p><p>compreender e explicar o funcionamento do mundo, os cientistas tomam por base um</p><p>paradigma. Esses paradigmas não seriam �xos, eles mudariam de tempos em tempos. Assim, os</p><p>paradigmas são para ele</p><p>“as realizações cientí�cas universalmente reconhecidas que, durante algum tempo,</p><p>fornecem problemas e soluções modelares para uma comunidade de praticantes de</p><p>uma ciência” (KUHN, 2006, p. 3).</p><p>Paradigma para Kuhn é, portanto, uma unidade estrutural especí�ca que vai fornecer subsídios</p><p>para o trabalho dos cientistas. Suas características são:</p><p>1. monopólio (não se questiona o paradigma sobre o qual se assenta a nova teoria);</p><p>2. promessa de que as coisas vão dar certo, uma bússola, uma agenda, uma orientação;</p><p>3. orientações, princípios, estruturas gerais, mas não uma solução de�nitiva.</p><p>______</p><p>Exempli�cando</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>Aristarco, por exemplo, a�rmou o heliocentrismo quase dois mil anos antes de Copérnico, mas a</p><p>ideia de Ptolomeu prevaleceu porque demonstrava por meio de cálculos o geocentrismo, ou seja,</p><p>Aristarco não cumpriu com a segunda característica, a promessa.</p><p>______</p><p>Nesse sentido, quando uma teoria cientí�ca surge, ela se apresenta como a melhor proposta de</p><p>entendimento até aquele momento, como a melhor explicação possível. Com o passar do tempo,</p><p>contudo, vão surgindo questões que não são respondidas por essa teoria e que vão se</p><p>acumulando e passando a colocar a teoria em dúvida. Assim teria acontecido com as teorias de</p><p>Aristóteles, Ptolomeu, Copérnico, Galileu e Newton. O que diferenciou essas várias escolas foi a</p><p>incomensurabilidade das suas maneiras de ver o mundo e nele praticar a ciência (KUHN, 2006, p.</p><p>23). Vale dizer, também, que pode haver circunstâncias raras em que coexistam dois</p><p>paradigmas.</p><p>É como se a própria teoria cientí�ca tivesse um mecanismo implícito que a impulsionasse rumo</p><p>às mudanças, alternando momentos de normalidade e de crise. Isso levou Kuhn a a�rmar</p><p>Que há períodos de “ciência normal”, em que cientistas dão por certos os</p><p>pressupostos da estrutura teórica dominante da época, ou “paradigma”. Este (a</p><p>dinâmica newtoniana, p.ex.) dita que tipos de problemas há e os métodos que os</p><p>cientistas usam para resolvê-los. Mas, em certo estágio o número de questões não</p><p>respondidas se acumula, desencadeando uma crise e um período revolucionário em</p><p>que novos paradigmas competem para assumir o comando a partir dos antigos.</p><p>Note-se que o novo paradigma não usurpa o antigo por ser, em algum sentido, mais</p><p>verdadeiro, pois não há apelo neutro a ‘fatos’ que poderiam atuar como juiz entre eles.</p><p>A conclusão radical é que o avanço cientí�co é determinado por mudança social, não</p><p>por razão impessoal. (KUHN apud LAW, 2008, p. 341)</p><p>Entende-se, portanto, que o progresso da ciência para Thomas Kuhn não é linear e gradual, mas</p><p>se dá por meio de revoluções inerentes ao próprio movimento das teorias, conforme ele busca</p><p>sinalizar em sua principal obra A estrutura das revoluções cientí�cas, publicado em 1962, na qual</p><p>sustenta que</p><p>“talvez a ciência não se desenvolva pela acumulação de descobertas e invenções</p><p>individuais” (KUHN, 2006, p. 21).</p><p>Há um período em que a ciência é considerada ciência normal e nele a ciência é feita pelos</p><p>cientistas com certa regularidade. Ciência normal é a pesquisa baseada em paradigma, os</p><p>chamados ciclos cientí�cos marcados pelo consenso, em que não se admite fugir de leis pré-</p><p>estabelecidas.</p><p>Ciência normal é aquela que se desenvolve dentro de certo paradigma, acumulando</p><p>dados e instrumentos em seu interior; ciência extraordinária é aquela que surge nos</p><p>momentos de crise de um paradigma. Surge nova ciência questionando os</p><p>fundamentos e pressupostos da ciência anterior e propondo um novo paradigma.</p><p>(COTRIM, 2008, p. 231)</p><p>Esse movimento rumo à nova ciência é chamado de revolução porque a partir dele os cientistas</p><p>passam a ver o mundo com base em outras premissas.</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>“Consideramos revoluções cientí�cas aqueles episódios de desenvolvimento não-</p><p>cumulativo, nos quais um paradigma mais antigo é total ou parcialmente substituído</p><p>por um novo, incompatível com o anterior” (KUHN, 2006, p. 125).</p><p>Quando o paradigma muda também muda o modo de ver o mundo. Durante as revoluções, os</p><p>cientistas veem coisas novas e diferentes quando olham para os mesmos pontos já examinados</p><p>anteriormente. Objetos familiares são vistos sob uma luz diferente. As mudanças de paradigma</p><p>realmente levam os cientistas a ver o mundo de uma maneira diferente. Dirá Kuhn:</p><p>“Este mundo […] não está �xado de uma vez por todas, seja pela natureza do meio</p><p>ambiente, seja pela ciência” (KUHN, 2006, p. 148).</p><p>Conclusão</p><p>Nos propomos a pensar com o professor Ari a atividade de re�etir com os alunos sobre a</p><p>questão do conhecimento e, principalmente, sobre as posturas céticas e dogmáticas a partir dos</p><p>principais �lósofos dessas correntes. O ceticismo tem uma postura marcada pela observação</p><p>profunda e re�exiva, sendo bastante cauteloso na emissão de juízos conclusivos. Embora seja</p><p>associado à postura de dúvida, surge pautado pela precaução com relação às a�rmações</p><p>categóricas. A imagem mais próxima do cético é a suspeita e a suspensão de julgamentos.</p><p>Lembremos mais uma vez o que dizia Aristóteles, embora ele não seja um cético:</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>“o ignorante a�rma, o sábio duvida e o sensato re�ete” (MAZAI, 2017).</p><p>Possivelmente, essa postura traga em seu bojo um elemento positivo.</p><p>Caso o ceticismo negue veementemente a busca da verdade, permanecendo na dúvida pela</p><p>dúvida, como ocorria na época de Descartes, então, possivelmente, essa postura poderia ser</p><p>considerada negativa, não só pela resignação metodológica implícita, como também pela</p><p>verticalização de um ponto de vista que poderia ser considerado subjetivo. Esse mesmo aspecto</p><p>negativo – a verticalização, ou leia-se, imposição – pode ser atribuído ao dogmatismo quando</p><p>sugere a possibilidade indubitável do alcance da verdade.</p><p>Podemos, dessa forma, dizer que uma contribuição do dogmatismo pode ser encontrada na</p><p>con�ança depositada em nossa capacidade racional e na dedicação e empenho pela busca da</p><p>verdade, além do estabelecimento de metodologias adequadas para o alcance do escopo</p><p>ensejado. Por outro lado, é problemática a atitude de opinar sobre tudo, pois, via de regra, a</p><p>opinião (doxa) tem conotação subjetiva e a postura de considerar o que se entende como</p><p>verdade acima de tudo.</p><p>A partir da contribuição de Kant �cam mais evidentes as lacunas céticas e dogmáticas,</p><p>principalmente quando suas convicções são enfatizadas de modo irredutível. De sua parte, Kant</p><p>irá propor que se coloque em suspenso a própria possibilidade de conhecermos o mundo de</p><p>modo objetivo, dado que a nossa estrutura cognitiva possui as limitações próprias inerentes à</p><p>sua estrutura. A estrutura se fundamenta nas noções de espaço e tempo e limita-se àquilo que</p><p>pode ser observado, àquilo que se manifesta, ao fenômeno. O númeno, o ser em si, a essência do</p><p>mundo não nos é acessível cognitivamente.</p><p>Aula 2</p><p>Política</p><p>Introdução da Aula</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>Qual é o foco da aula?</p><p>Nesta</p><p>aula, você conhecerá como a política se deu na Antiguidade, Idade Média e Idade</p><p>Moderna.</p><p>Objetivos gerais de aprendizagem</p><p>Ao longo desta aula, você irá:</p><p>relatar o conceito de política;</p><p>demonstrar como era a política na Antiguidade e Idade Média;</p><p>explorar a política na Idade Moderna.</p><p>Situação-problema</p><p>Quando nos deparamos com os imponentes castelos medievais, por vezes construídos sobre os</p><p>cumes das montanhas ou as mais altas e intransponíveis rochas à beira de enormes precipícios,</p><p>é possível perceber o quanto a questão da segurança era preocupante. A maioria deles era</p><p>rodeada com muralhas e portais, com sentinelas e fossos etc. Tudo isso para que senhores</p><p>feudais, nobres e servos fossem protegidos, principalmente, de invasões externas, o que era</p><p>agravado em contextos de crise e fome. Nesse sentido, a violência e a segurança podem ser</p><p>consideradas questões políticas? Se assim forem, como nasce a política?</p><p>Essas são questões que Pedro, um jovem professor de Filoso�a, deverá responder para preparar</p><p>uma aula para formação de professores sobre o tema: “Filoso�a Política Clássica: entre o bem e</p><p>o mal”. Como ele pode desenvolver essa aula?</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>Para ajudar Pedro, veremos como se concebia a política na antiguidade clássica, nas idades</p><p>média e moderna, bem como o modo pelo qual a política se vinculava à economia, dividindo-se</p><p>entre atender ao interesse das classes mais abastadas ou das mais necessitadas. Entre os</p><p>teóricos que nos auxiliarão nessa re�exão, poderemos contar com a contribuição de Nicolau</p><p>Maquiavel (1469-1527), Thomas Hobbes (1588-1679), John Locke (1632- 1794) e Jean-Jacques</p><p>Rousseau (1712-1778). Vamos percorrer as trilhas da Filoso�a Política?</p><p>Bons estudos!</p><p>Conceito de Política</p><p>É comum, ao anunciarmos que estudaremos �loso�a política, ouvirmos alguém comentar:</p><p>“Odeio política!”, ou algo parecido. Quem fala isso não sabe que o estudo de �loso�a política não</p><p>implica aceitar o modo como se faz política hoje em dia e que é de suma importância nos</p><p>inteirarmos dos assuntos políticos, pois um povo politicamente alienado, ou seja, distante dos</p><p>assuntos políticos, pode ser mais facilmente manipulado.</p><p>Segundo Bertolt Brecht (1898-1956), dramaturgo polonês,</p><p>O pior analfabeto é o analfabeto político. Ele não ouve, não fala, nem participa dos</p><p>acontecimentos políticos. Ele não sabe que o custo de vida, o preço do feijão, do</p><p>peixe, da farinha, da renda de casa, dos sapatos, dos remédios, depende das decisões</p><p>políticas. O analfabeto político é tão burro que se orgulha e enche o peito de ar</p><p>dizendo que odeia a política. Não sabe, o idiota, que da sua ignorância política nasce</p><p>a prostituta, o menor abandonado, e o pior de todos os bandidos que é o político</p><p>vigarista, pilantra, o corrupto e lacaio dos exploradores do povo. (GRACIANI, 2008, p.</p><p>75)</p><p>E como se fomenta o analfabetismo político? Aristóteles nos responde dizendo que</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>[…] algumas vezes, não se estabelecem publicamente quais práticas estão sendo</p><p>seguidas para que uma parte da população seja mantida na ignorância acerca de</p><p>seus próprios direitos e posição. (ARISTÓTELES, 1999, p. 221)</p><p>Para os políticos desonestos é interessante que �quemos distantes de tudo o que acontece, pois</p><p>assim não poderemos intervir. Uma alternativa para que isso não aconteça é obter os</p><p>conhecimentos necessários também nessa esfera do agir humano, para desempenharmos</p><p>nossa função de cidadãos.</p><p>A palavra política se originou a partir do vocábulo grego polis (multidão), comumente traduzida</p><p>por cidade ou comunidade. Portanto, político indicava “aquele que vive na polis” ou a</p><p>necessidade natural que temos de vivermos em grupos. Algo próximo do que hoje indicamos</p><p>pela palavra cidadão. Contudo, viver na polis implicava descobrir e cumprir um papel peculiar,</p><p>único e intransferível. O homem grego não se concebia como só, isolado, mas sempre como</p><p>parte de um grupo. Pode ser que hoje, porque vivermos em grandes grupos, não demos a devida</p><p>importância a esse fato, mas tente se imaginar vivendo só por um longo tempo. É quase certo</p><p>que a pertença ao grupo fosse então valorizada, como podemos observar no �lme O Náufrago,</p><p>por exemplo.</p><p>Contudo, se por um lado viver em grupo é proveitoso, por outro lado pode não ser tão fácil como</p><p>gostaríamos. Percebe-se isso até mesmo no pequeno grupo familiar ao qual pertencemos e que,</p><p>por vezes, surgem interesses e gostos con�itantes. Daí a necessidade de alguma regulação das</p><p>relações no grupo que garanta sua manutenção. Esse era, a princípio, o papel da política:</p><p>favorecer a boa convivência em sociedade. Neste sentido podemos dizer que</p><p>“política é a arte de governar, de gerir os destinos da cidade. É a atividade por</p><p>excelência que diz respeito à vida pública” (ARANHA; MARTINS, 2008, p. 256).</p><p>Política na Antiguidade</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>A �loso�a política estuda o modo como organizamos as nossas sociedades, não apenas da</p><p>organização real, mas também em termos de ideal, ou seja, a possibilidade de organizá-la a partir</p><p>de um projeto que se entende como melhor para a sociedade. Desse modo, os conceitos-chave</p><p>da política são liberdade, igualdade, justiça, direitos, etc. (LAW, 2008). E a proposta da �loso�a</p><p>política é descobrir o que esses termos signi�cam, fundamentando formas de colocá-los em</p><p>prática de modo articulado.</p><p>A �loso�a política se ocupa de re�etir sobre o poder, sobre Estado e os regimes políticos, as</p><p>formas de governo, a participação dos cidadãos na vida pública, entre outros temas. Mas, além</p><p>de buscar entender a maneira como nos organizamos em sociedade, a �loso�a política também</p><p>analisa como nos relacionamos no campo da vida social, do trabalho, da economia, da educação</p><p>e assim por diante (COTRIM, 2008). É por isso que na antiguidade os gregos defendiam que a</p><p>ética e a política visavam ao mesmo �m: o viver bem, a vida boa, ou o gostar de viver. Por isso, é</p><p>comum ouvirmos que ética e política, na antiguidade, eram a mesma coisa. De todo modo é</p><p>importante destacar que tais conceitos se entrelaçavam e se complementavam.</p><p>O conceito de política que prevaleceu na antiguidade deve muito às contribuições de Platão e</p><p>Aristóteles, mas principalmente a esse último. Em um momento subsequente quando a re�exão</p><p>�losó�ca se desenvolve em Roma, a contribuição virá, sobretudo, com o �lósofo e senador</p><p>romano Cícero (106-43 a.C.) E na �loso�a medieval o que prevaleceu foi o conceito cristão</p><p>fundamentado na ideia da origem divina do poder dos reis, a teocracia, e contou com as</p><p>contribuições de Agostinho e Tomás de Aquino, entre outros.</p><p>A de�nição de política antiga é a arte de bem conviver em sociedade. E a sua função era permitir</p><p>a vida boa, o bem viver aos cidadãos (COTRIM, 2008). O homem grego acreditava que a vida boa,</p><p>leia-se felicidade, seria mais facilmente alcançada se fosse um projeto coletivo. O ser humano é</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>concebido como intimamente ligado a um grupo social e é esse grupo que lhe fornecerá a</p><p>compreensão do que seja a justiça. Homero a�rma, através de Nestor, que</p><p>“o homem que não tem um clã, também carece de thémis” (HOMERO, 2004, p. 213).</p><p>A thémis aqui tem o sentido de parâmetro fornecedor de condições de julgamento justo. O</p><p>Filocteto, de Sófocles, declara que estar privado de amigos e de uma polis lhe tornou</p><p>“um cadáver entre os vivos” (MACINTYRE, 1991, p. 110).</p><p>Para os gregos, a coletividade tinha mais importância que o indivíduo isolado, sozinho. Os</p><p>interesses de todos deviam ser atendidos antes dos interesses pessoais. A esfera da ação que</p><p>trata do bem coletivo é a política e a que trata do bem individual é a ética. Entende-se, então,</p><p>nesse sentido, que a política deva ser mais importante que a ética.</p><p>“A práxis por excelência é a política” (CHAUI, 2000, p. 497).</p><p>É preciso entender que homem e cidadão, para eles, não eram a mesma coisa, pois nem todos os</p><p>homens eram considerados cidadãos. Esses eram só aqueles que tinham direitos, ou seja,</p><p>proprietários de terras, maiores de 21 anos, nascidos na polis e de pais também</p><p>conta de uma mentalidade fantasiosa, ou, ainda, pela autoridade da pessoa que relata o fato.</p><p>Podemos usar como exemplos tanto o poeta mítico quanto os profetas bíblicos.</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>A �loso�a tem como fundamentação o λόγος (logos, razão), a racionalidade; ou seja, tudo aquilo</p><p>que pode ser compreendido, analisado, que tem nexo, que tem lógica, que pode ser objeto de</p><p>indagações �losó�cas. Já a ciência se fundamenta na veri�cação, na comprovação; ou seja, só</p><p>aceita como verdadeiro aquilo que é possível de ser averiguado a partir de critérios considerados</p><p>cientí�cos etc.</p><p>Você já pensou quanta coisa você aceita sem questionar se elas têm ou não uma base, uma</p><p>fundamentação? Se é difícil, por exemplo, aceitar o mistério da Santíssima Trindade (do ponto de</p><p>vista racional, logicamente e não da fé), também não deveria ser fácil aceitar que, antes do Big</p><p>Bang, toda a matéria do universo se condensava em uma minúscula parte, do tamanho de uma</p><p>cabeça de al�nete. Se os primeiros recusarem os segundos e os segundos rechaçarem os</p><p>primeiros, não seriam ambos dogmáticos, presos às suas próprias compreensões e intolerantes</p><p>com as diferenças?</p><p>______</p><p>Processo de aquisição de conhecimentos</p><p>Segundo Aristóteles o processo de aquisição de conhecimentos segue um percurso: os nossos</p><p>sentidos captam o mundo, o nosso cérebro registra o que foi captado e a nossa linguagem o</p><p>expõe (ARANHA; MARTINS, 2008, p. 109; FIORILLO, 2011, p. 28). Os conhecimentos tanto podem</p><p>se originar via dedução (do geral para o particular, por exemplo, fórmulas matemáticas) quanto</p><p>da indução (do particular para o geral, por exemplo, as experiências da física). Aristóteles chegou</p><p>a admitir que a intuição poderia servir como fundamentação do conhecimento (ARISTÓTELES</p><p>apud REALE, 1990, p. 216).</p><p>Segundo o Dicionário Abbagnano (2007, p. 851), a intuição pode ser de�nida como uma</p><p>inspiração divina, um insight, uma iluminação interior que não comporta explicações. É algo que</p><p>surge, aparentemente, do nada, espontaneamente. E, surpreendentemente, muitas descobertas</p><p>ocorreram desse modo. Isso fez com que alguns �lósofos – como Paul Feyerabend, Joseph</p><p>Agassi e Jacques Monod, entre outros – viessem a questionar a necessidade de uma</p><p>metodologia cientí�ca (REGNER, 1996). Temos, também, alguns pensadores que defendem a</p><p>existência de temas que se tornaram cientí�cos terem se originado a partir de re�exões</p><p>pautadas pelo senso comum.</p><p>Pode acontecer de o senso comum ser chamado de conhecimento empírico (empeiria em grego,</p><p>εμπειρία, signi�ca experiência), mas é recomendável tomar bastante cuidado com essa</p><p>denominação, pois a partir da idade moderna o termo empírico passa a ser vinculado ao</p><p>conhecimento adquirido por meio de experiências conduzidas metodologicamente mais do que</p><p>experiências de vida, ou do cotidiano. E quando o senso comum é assim chamado refere-se à</p><p>essa segunda conceituação.</p><p>______</p><p>Dica</p><p>Acerca das descobertas intuitivas, há um livro intitulado O acaso e a necessidade, escrito por</p><p>Jacques Monod que trata dessa questão e procura mostrar que muitas descobertas se deram</p><p>por acaso (consulte as referências).</p><p>O �lme O enigma de Kaspar Hauser, de 1974, do diretor alemão Werner Herzog, conta a história,</p><p>supostamente real, de um menino encontrado numa praça de Nuremberg em 1828, com 15 anos</p><p>de idade. Ele teria vivido isolado até essa idade e, portanto, tinha pouca in�uência da sociedade</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>sobre o seu comportamento. Isso nos leva a re�etir acerca de como o conhecimento é fruto do</p><p>contexto.</p><p>______</p><p>O senso comum, muitas vezes ocorre de modo intuitivo captando a realidade em um âmbito</p><p>global, holístico (hólos em grego é todo, portanto, abrangente, captando tudo de uma só vez) e</p><p>heurístico (procedimentos de resolução sem padronização, sem estratégias pré-de�nidas,</p><p>realizados de modo automático). Pode ser e�caz, mas não consegue explicar como alcança os</p><p>resultados pretendidos, apenas os alcança.</p><p>Grupo conversando sobre assuntos diversos. Fonte: Freepik.</p><p>______</p><p>Exempli�cando</p><p>Conta-se que uma empresa de creme dental enfrentava um problema para se adequar aos</p><p>padrões de qualidade exigidos pelo mercado: algumas caixinhas estavam sendo empacotadas</p><p>sem o creme dentro. Para sanar esse problema contrataram pro�ssionais da área da</p><p>computação, os quais, após longo de tempo de análise, estudo, veri�cação e muito investimento</p><p>�nanceiro, desenvolveram uma balança hipersensível que foi acoplada logo abaixo da esteira e,</p><p>assim, quando a caixinha vinha sem o tubo de creme, a balança acusava uma diferença de peso</p><p>e a esteira automaticamente desligava.</p><p>Cabia aos funcionários retirar a caixinha da esteira e religar a máquina. Depois de um tempo foi</p><p>constatado que a balança estava desligada e ao buscar o motivo desse desligamento ouviram</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>dos funcionários: essa balança estava atrapalhando o nosso trabalho, pois a todo momento</p><p>parava a esteira; diante disso, resolvemos colocar um ventilador próximo da esteira e sempre que</p><p>uma caixa vazia passa por ali o ventilador a empurra para fora da esteira. Esse relato serve para</p><p>nos mostrar que não se deve menosprezar o conhecimento oriundo do senso comum.</p><p>Outra história conta que alguns engenheiros desenvolveram uma máquina para ser usada na</p><p>construção civil que servia para rebocar colunas arredondadas. Depois de um tempo perceberam</p><p>que os funcionários não usavam mais a máquina por ser muito pesada e de difícil manuseio,</p><p>mas cortaram o aro de uma bicicleta, colocaram ao redor da coluna, uniram as duas partes do</p><p>aro com parafusos, colocaram ao lado dele dois suportes para poder levantá-lo, e desse modo</p><p>rebocavam a coluna de forma homogênea, rápida, menos cansativa e mais barata. Mais um</p><p>exemplo do conhecimento a partir do senso comum.</p><p>Por �m, conta-se que astronautas norte-americanos, em certa ocasião, con�denciaram a</p><p>astronautas russos que encontravam di�culdades para escrever seus relatórios no espaço, pois</p><p>a tinta das canetas precisava da gravidade para poder ser usada. Então, os astronautas russos</p><p>informaram que já haviam superado essa di�culdade. Os astronautas norte-americanos �caram</p><p>surpresos e quiseram saber como isso havia sido conseguido; ao que os russos informaram que</p><p>havia sido muito simples, eles usavam lápis.</p><p>O Mito da Caverna</p><p>Essas modalidades de conhecimento aqui tratadas já se encontram descritas no Mito da</p><p>Caverna, de Platão (PLATÃO, 2001, p. 315). O mito nos apresenta a hipótese de homens que</p><p>vivem no fundo de uma caverna sem jamais terem tido contato com o mundo externo,</p><p>acorrentados pelos pés e pescoços, só conseguindo enxergar o fundo da caverna e tomando as</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>sombras projetadas como a realidade. Até que um dia um prisioneiro se liberta e conhece o</p><p>mundo verdadeiro, além das sombras. A saída é íngreme, o percurso é difícil (ele simboliza a</p><p>educação), mas é libertador.</p><p>Todas as vezes que o prisioneiro enxerga alguma coisa, ele o faz a partir de uma ótica, de um</p><p>ponto de vista e, portanto, por meio de uma modalidade de conhecimento. Dentro da caverna nós</p><p>temos o mundo sensível, um mundo de sombras e ilusões. O que ele enxerga no fundo da</p><p>caverna são as sombras projetadas pelos objetos, que representam as opiniões (doxa); ao se</p><p>libertar e dirigir-se para fora da caverna ele se depara, ainda no seu interior, com a fogueira e os</p><p>objetos iluminados por ela, é o momento das crenças (pistis).</p><p>Fora da caverna é o mundo inteligível, um mundo de luz, de claridade, de cores, movimentos e de</p><p>seres vivos. A vista dói e ele a protege com a mão e olha para um rio que re�ete as imagens</p><p>próximas, é o momento da ciência (episteme). Quando ele consegue olhar para as coisas em si,</p><p>iluminadas pela luz do sol, ele atinge a compreensão da realidade como um todo, é o momento</p><p>da �loso�a. O sol, para ele, é o símbolo do bem, do belo e do verdadeiro.</p><p>O Dicionário de �loso�a Abbagnano (2007, p. 873) lembra que entre outros sentidos, o senso</p><p>comum carrega</p><p>“o signi�cado de costume, gosto, modo comum de viver</p><p>nascidos na</p><p>polis. Estavam excluídas as mulheres, os escravos e os estrangeiros. Os cidadãos podiam</p><p>participar das decisões políticas na ágora, onde desfrutavam de isonomia, a igualdade diante da</p><p>lei; e da isegoria, a igualdade no uso da palavra. (CHAUI, 2000). Quem se envolvia com os</p><p>assuntos públicos era politikos e quem se eximia era idiotés (CORTELLA; RIBEIRO, 2010). O</p><p>idiotés tinha o sentido de isolado, preocupado apenas consigo mesmo.</p><p>Política na Idade Média</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>Se Atenas foi o berço da democracia, Roma foi do republicanismo. Ela se tornou uma república</p><p>aristocrática governada pelos grandes senhores de terras e pelos representantes eleitos pela</p><p>plebe. Res é “coisa”, em língua latina e publica signi�ca “do povo”. O Senado e o Povo Romano,</p><p>em certas circunstâncias previstas na lei, também podiam conceder poder para quem se</p><p>destacasse por suas riquezas, casamentos ou feitos militares (CHAUI, 2000, p. 498). O governo</p><p>romano se comprometia em submeter-se às leis e administrar os fundos públicos oriundos dos</p><p>impostos e tributos, fazendo com eles estradas, aquedutos, templos, monumentos e novas</p><p>cidades, e garantindo a manutenção dos exércitos.</p><p>Com a con�uência entre �loso�a e teologia, na Idade Média, a política passou a ser vista como</p><p>vinculada à vontade divina. Nessa época prevalecia a ideia de que tudo o que acontecia no</p><p>mundo era determinado por Deus. Desse modo, se alguém chegasse ao poder certamente é</p><p>porque era a vontade de Deus que assim acontecesse e, portanto, caberia aos súditos respeitar e</p><p>obedecer ao governante, pois ele seria uma espécie de porta-voz da divindade ao lado das</p><p>autoridades eclesiais que seriam os representantes imediatos de Deus na terra.</p><p>Por isso, esse tipo de governo é denominado teocrático, ou seja, vindo de Deus, conhecido</p><p>também por direito divino de governar e que era posteriormente transmitido de pai para �lho.</p><p>Essa ideia de poder teocrático pode ser atribuída a uma concepção bíblica, já que, nela, o rei</p><p>aparece como escolhido por Deus. Nesse sentido, se o rei fosse um tirano, um déspota, seria o</p><p>modo que Deus se utilizava para punir a sociedade pecadora, permitindo por meio da expiação</p><p>dos pecados uma recompensa para a vida eterna.</p><p>______</p><p>Re�ita</p><p>O antigo testamento apresenta Saul, o primeiro rei de Israel, sendo escolhido por Deus por meio</p><p>do profeta Samuel (1Sm, 10). Saul se corrompeu com o poder e Deus o substituiu por Davi (1Sm,</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>16). O novo testamento apresenta o apóstolo Paulo recomendando submissão às autoridades</p><p>sob a alegação de que elas são constituídas por Deus (Rm, 13). Na Idade Média, essa ideia era</p><p>aceita como uma verdade absoluta. Você já imaginou quantas teorias nos são transmitidas com</p><p>autoridade e legitimidade e nos convencem a aderirmos a elas? Será que hoje isso ainda</p><p>acontece? As ideologias e a mídia não fazem algo parecido? Seriam as fake news uma versão</p><p>atual desse tipo de procedimento?</p><p>______</p><p>Entre poder temporal e o poder político havia uma inter-relação de tal modo que um</p><p>legitimava o outro. Em épocas que a Igreja comandava o imperador, a política era</p><p>conhecida como papacesarismo e o papa se imiscuía em questões de Estado. E nas</p><p>épocas que o imperador comandava a Igreja chamava-se cesaropapismo, o Estado</p><p>decidia questões da Igreja (GIRONA, 2007, p. 120).</p><p>O Estado tinha uma rígida hierarquia e era comparado ao corpo humano, chamado de corpo</p><p>místico-político do rei: a cabeça era o rei, o peito os magistrados e as leis, os braços o exército e</p><p>a defesa e as pernas os trabalhadores. Pode-se perceber, deste modo, que havia mobilidade</p><p>social. Todos deveriam submeter-se às autoridades e estas, por sua vez, responderiam diante de</p><p>Deus pela salvação da alma de seus súditos (CHAUI, 2000).</p><p>Para Agostinho, a história da humanidade seria uma espécie de batalha entre um reino divino,</p><p>onde prevalecia o bem, e um reino mundano, onde prevalecia o mal (AGOSTINHO, 1996). O laço</p><p>entre ética e política sustentado na antiguidade é mantido na interpretação de Agostinho e o</p><p>amor altruísta torna-se, para ele, o fundamento da comunidade ideal, perfeita, ou Cidade de Deus</p><p>(a Igreja representa essa cidade), contrapondo-se à cidade terrena ou Cidade dos Homens, onde</p><p>prevalecia o amor-próprio e a concupiscência (MONDIN, 1981). Nesse sentido, quem se apegava</p><p>aos bens terrenos pertencia à Cidade dos Homens e quem se voltava aos bens divinos, à Cidade</p><p>de Deus. Podemos perceber nessa concepção agostiniana a in�uência da ideia de dois mundos</p><p>criada por Platão.</p><p>Assim como Platão in�uenciou Agostinho, Aristóteles in�uenciará Tomás de Aquino, para quem</p><p>os cidadãos virtuosos devem participar do governo. Ou seja, a cidade deve ser governada por</p><p>aqueles que agindo racionalmente controlam seus impulsos usando da justiça, temperança,</p><p>fortaleza e prudência como guias internos das suas intenções, enquanto as leis regulam</p><p>externamente suas ações (MONDIN, 1982).</p><p>As verdadeiras leis levam os homens, não individualmente, mas coletivamente, à santidade. Os</p><p>homens têm uma inclinação, ou lei natural, que os conduz rumo à moralidade, impulsionando-os</p><p>a fazer o bem e evitar o mal, é a synderesis, o último resquício de moralidade que sobrevive até</p><p>mesmo no pior dos bandidos e que não deixa o homem �car indiferente em relação ao mal. Para</p><p>Tomás de Aquino, o mal governante até pode ser tolerado, mas o tirano deve ser forçado</p><p>legalmente a abdicar ao trono (MONDIN, 1982).</p><p>Política na Idade Moderna</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>No início do período moderno, os detentores do poder achavam que tinham plenos poderes e por</p><p>isso são chamados de absolutistas, aqueles que têm o poder absoluto. Entre os defensores do</p><p>absolutismo e do direito divino de governar teremos, nos séculos XVI e XVII, Jean Bodin (1530-</p><p>1596) e Jacques Bossuet (1627-1704), para os quais o rei, por representar em suas decisões a</p><p>vontade de Deus, têm liberdade e autoridade para regular, por meio das leis, a vida dos súditos,</p><p>cabendo ao povo apenas aceitar e cumprir as decisões do rei sem questionamento. Além disso,</p><p>o rei, por ser escolhido por Deus, não precisaria dar satisfação de seus atos e decisões e muito</p><p>menos submeter-se às leis (COTRIM, 2008).</p><p>No início da Idade Moderna, esse poder absoluto foi responsável por uni�car e centralizar o</p><p>poder, contribuindo para a criação dos Estados Nacionais. O conceito de Estado só surge nessa</p><p>época e pressupõe três elementos: território, povo e soberania. Assim que surgiram, os Estados</p><p>eram absolutistas e intervencionistas e é nesse panorama que Maquiavel (1469- 1527) elabora a</p><p>sua re�exão política.</p><p>Participando da política como chanceler do príncipe de Florença, Maquiavel se deu conta de que</p><p>não haveria como garantir que o poder político procedia da vontade de Deus, como a�rmavam</p><p>até então. Ao contrário, percebeu que a política se fazia com artimanhas e jogos de interesses de</p><p>pessoas poderosas e, algumas vezes, até inescrupulosas, que se valiam dos acontecimentos e</p><p>das pessoas para alcançar os seus objetivos. Para Maquiavel, o objetivo da política não era,</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>como se acreditava na antiguidade, a busca da justiça e do bem comum, mas a tomada e a</p><p>manutenção do poder. Desse modo, Maquiavel revoluciona o conceito de política e, a partir dele,</p><p>temos uma concepção moderna de política. Podemos dizer que, até Maquiavel, se fazia uma</p><p>�loso�a política idealizada e que, a partir dele, se faz ciência política, uma re�exão com base na</p><p>realidade, ou seja, naquilo que está, de fato, acontecendo. Por isso, ele é considerado o primeiro</p><p>cientista político.</p><p>Segundo Maquiavel, um príncipe para permanecer no poder deve ter fortuna e virtú. Fortuna, que</p><p>em latim signi�ca sorte, é usada no sentido de “momento propício”, ou seja, o príncipe deve</p><p>sempre saber o momento certo de agir. Escolher acertadamente esse momento é a tarefa da</p><p>virtú, e caso esse momento não exista, a virtú deverá criá-lo. Além disso, o príncipe deve ser</p><p>sempre respeitado, jamais odiado. Segundo o autor, o rei deveria</p><p>ser amado se possível e temido</p><p>se necessário. Se tivesse de escolher entre ser amado ou temido, que escolhesse ser temido,</p><p>pois as pessoas relutam menos em ofender aqueles que amam do que aqueles que temem</p><p>(MAQUIAVEL, 1999).</p><p>Além disso, segundo Maquiavel, haveria dois modos de combate: um pelas leis, outro pela força.</p><p>Combater pelas leis seria próprio dos homens, e pela força, próprio dos animais. Mas se a lei</p><p>fosse insu�ciente e o príncipe tivesse de lutar como os animais, então ele deveria se inspirar</p><p>tanto na raposa quanto no leão. O leão não sabe proteger-se das armadilhas, e a raposa não</p><p>consegue se defender dos lobos. O príncipe, como uma raposa, deve fugir das armadilhas; e</p><p>como um leão, deve afugentar os inimigos, os lobos (MAQUIAVEL, 1999).</p><p>______</p><p>Exempli�cando</p><p>Maquiavel acabou dando origem ao adjetivo maquiavélico, que adquiriu um sentido pejorativo</p><p>indicando uma ação sem escrúpulos, sem comprometimento com a moralidade, próximo até de</p><p>um sentido diabólico. Porém, Rousseau entende que essa foi uma artimanha usada por ele para</p><p>mostrar como o príncipe agia, e não lições ao príncipe de como ele poderia agir.</p><p>______</p><p>Até a época de Maquiavel, acreditava-se que o poder era concedido por Deus, mas ele foi um dos</p><p>responsáveis pelo questionamento dessa ideia levantando a necessidade de se buscar uma</p><p>explicação a respeito da origem do poder dos governantes. Os �lósofos que mais se dedicaram a</p><p>essa questão foram Hobbes (1588-1679), Locke (1632-1704) e Rousseau (1712-1778). Os três</p><p>a�rmaram que houve um tempo em que os homens viviam em estado de natureza unindo-se,</p><p>posteriormente, por contrato (tácito e não necessariamente escrito) criando a sociedade civil.</p><p>Para eles era o pacto feito pelos homens que concedia o poder aos governantes (LAW, 2008).</p><p>Hobbes, Locke e Rousseau</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>Hobbes viveu em um tempo de ódio, guerras, vinganças e medos – no qual a Inglaterra,</p><p>governada por Isabel I, estava em con�ito com a Espanha, então governada por Felipe II, que</p><p>prometeu aniquilar a população inglesa por meio da sua “Armada Invencível” (REALE, 2005),– e</p><p>procura oferecer uma teoria que explicasse esse comportamento humano e também uma</p><p>concepção de Estado que garantisse uma associação pací�ca entre os homens, pois</p><p>considerava que, no estado de natureza, não havia segurança e nem paz e que o homem era o</p><p>lobo do próprio homem (HOBBES, 1999).</p><p>Nesse sentido, a ordem só seria possível mediante um contrato por meio do qual todos abrissem</p><p>mão da liberdade em prol da vida e da segurança. O que funda o Estado, portanto, para o autor, é</p><p>a dor da guerra e a necessidade de paz. Para isso, todos deveriam abrir mão de seus direitos em</p><p>prol de um soberano cuja vontade seria a lei. A liberdade, mesmo que seja restrita, geraria a</p><p>guerra. Assim, só o Estado poderia tirar o homem do estado de natureza – um estado de guerra</p><p>de todos contra todos – da selvageria e conduzi-lo à vida civilizada. Uma vez instituído o Estado,</p><p>ele seria absoluto. Para Hobbes, o soberano pode ser um rei, um grupo de aristocratas ou uma</p><p>assembleia democrática, pois o fundamental não é o número de governantes, mas a</p><p>determinação de quem possui o poder ou a soberania. Visando à segurança, os homens, em</p><p>comum acordo, transferem a um terceiro, o governante, o poder de legislar, desde que este lhes</p><p>garanta a proteção da vida e a paz. A única situação em que os súditos podem se rebelar é caso</p><p>de serem ameaçados de morte (HOBBES, 1999).</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>Thomas Hobes. Fonte: Wikimédia.</p><p>Locke discordou de Hobbes quanto à situação de permanente guerra, mas admitiu o estado de</p><p>natureza e a sociedade civil. Para ele, o que gerou a sociedade civil foi a instabilidade do direito</p><p>no estado de natureza, em que todos podiam ser juízes (LOCKE, 1998). O Estado foi instituído</p><p>para dar segurança e garantir os direitos naturais: vida, liberdade e propriedade (ABRÃO, 1999).</p><p>Locke admite que os governados possam se rebelar caso o governante fosse absolutista</p><p>(ditador, totalitarista) e considera propriedade tudo aquilo que pertence ao indivíduo: a vida, o</p><p>corpo, a liberdade, o trabalho etc. Segundo ele, pelo trabalho, o homem tem direito de acumular</p><p>bens. Locke é um dos primeiros a defender o liberalismo, e, também, defende a liberdade de</p><p>consciência religiosa, alegando que o Estado não deve tomar partido em questões religiosas.</p><p>Combate o absolutismo do monarca e opõe-se ao direito divino dos reis, considerando que se</p><p>não existem ideias inatas, também não existiria poder inato e esse nasce de um pacto entre os</p><p>homens.</p><p>Também para Rousseau a sociedade civil se instaura graças ao estado de natureza e ao contrato</p><p>social. Ele faz uma distinção entre soberania e governo: o governo não é soberano, sua soberania</p><p>vem da Vontade Geral, o que não é o mesmo que vontade da maioria ou vontade de todos, mas</p><p>sim a vontade que visa ao bem geral (ROUSSEAU, 1999). Ele acredita que em estado de natureza</p><p>os homens eram bons, mas a apropriação da propriedade trouxe a escravidão e a miséria. Por</p><p>isso, para ele, é preciso que se rompa com esse contrato e se crie outro. Nesse novo contrato, o</p><p>associado nada perde, embora abra mão de alguns direitos, pois ainda mantém a soberania.</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>John Locke. Fonte: Wikimédia.</p><p>Segundo Rousseau, soberano é o corpo coletivo que expressa pela lei a vontade geral. Todo ato</p><p>legislador é rati�cado pelo povo e a democracia é direta via assembleias frequentes de todos os</p><p>cidadãos. Os depositários do poder não são senhores do povo, mas seus o�ciais, podendo ser</p><p>constituídos e destituídos, inclusive porque a rotatividade é uma necessidade. O cidadão é</p><p>legislador e súdito ao mesmo tempo. Sendo o povo a única fonte do direito, os governantes não</p><p>gozam da autoridade de�nitiva.</p><p>Em suma, Locke dá início a uma concepção de política liberal e fornece à nova classe recém</p><p>surgida, a burguesia, uma alternativa para chegar ao poder que até então era hereditário. A sua</p><p>teoria política enfatiza o direito à propriedade. Já o pensamento político de Rousseau se</p><p>aproxima da perspectiva socialista, à medida que enfatiza a igualdade e faz críticas à</p><p>propriedade privada como sendo a causadora dos males sociais.</p><p>Rousseau, por sua vez, in�uenciou os jacobinos, um grupo radical da época da Revolução</p><p>Francesa, o qual sustentava que a convenção estabelecida seria soberana por ter sido aprovada</p><p>pelo povo e que o povo era soberano mesmo ao delegar o governo aos seus representantes</p><p>(ABRÃO, 1999). O que se buscava evitar era o surgimento de um poder independente do povo,</p><p>que passasse a agir por conta própria, mesmo que esse poder tivesse a melhor das intenções,</p><p>pois, estando separado do povo, poderia tender a realizar seus interesses particulares, pondo em</p><p>risco a vontade geral e a liberdade popular. Na assembleia, esse grupo sentava-se à esquerda,</p><p>eram radicais e queriam a morte do rei.</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>Jean-Jacques Rousseau. Fonte: Wikipédia.</p><p>À direita sentava-se um grupo mais moderado, os girondinos, que desejavam a monarquia</p><p>constitucional e não a morte do rei. Em uma das fases da Revolução, os jacobinos chegaram a</p><p>vencer, o rei foi guilhotinado, mas o desfecho da Revolução acabou sendo a consolidação da</p><p>sociedade burguesa e o desenvolvimento da economia capitalista (ABRÃO, 1999). As noções de</p><p>liberdade e de igualdade, bases da revolução, tinham também um signi�cado burguês,</p><p>sinalizando a livre concorrência em igualdade de condições e outras interpretações que</p><p>corresponderam às mais variadas práticas políticas.</p><p>A partir da Revolução Francesa, assiste-se cada vez mais a ampliação da in�uência do poder</p><p>econômico sobre o poder político. Porém, o poder não se restringe às questões políticas,</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>existem, de acordo com Gilberto Cotrim (2008, p. 266), outras formas de poder, descritas por ele</p><p>como “Formas do poder social”.</p><p>______</p><p>Assimile</p><p>As três formas do poder social segundo Cotrim são:</p><p>1. Econômico: por meio da posse de bens induz comportamentos;</p><p>2. Ideológico: busca in�uenciar por meio de ideias, valores e doutrinas;</p><p>3. Político: usa coerção social e força física garantidos no direito vigente.</p><p>Conclusão</p><p>Agora, voltamos à aula que Pedro deverá preparar para uma formação de professores cujo tema</p><p>é “Filoso�a Política Clássica: entre o bem e o mal”. Primeiramente, ele pode iniciar provocando</p><p>os ouvintes: sem a in�uência da sociedade em nós, aderiríamos naturalmente ao bem ou ao mal?</p><p>A questão que nos propomos a entender com mais clareza é se o homem nasce bom ou nasce</p><p>mau. Pode parecer uma pergunta simples, mas ela dividiu a re�exão �losó�ca ao longo da</p><p>história da Filoso�a, principalmente, na Idade Moderna. E da resposta a essa pergunta dependerá</p><p>a concepção política que será defendida pelos teóricos dessa área, o que signi�ca que terá um</p><p>impacto sobre as cidades e os cidadãos. Após conhecermos o pensamento dos principais</p><p>teóricos políticos, possivelmente estejamos em melhores condições de tratar desse assunto.</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>Não esquecendo que a positividade alcançada nas respostas das ciências exatas nem sempre,</p><p>ou quase nunca, é alcançada nas ciências humanas.</p><p>Primeiramente é preciso entender que ao nos referirmos à natureza humana não o fazemos</p><p>tendo em conta pessoas isoladas, indivíduos de modo subjetivo e particular, mas procuramos</p><p>considerar a humanidade como um todo, objetivamente. Que existam pessoas boas ou más é</p><p>indiscutível, mas não é esse o foco da re�exão. Abstraindo-se as singularidades, como o homem</p><p>pode ser concebido? Com maior tendência para o bem? Ou para o mal?</p><p>De acordo com o pensamento de Thomas Hobbes a nossa natureza é voltada para o mal, somos</p><p>violentos e ameaçadores, podemos até mesmo atacar alguém por antecipação para evitarmos</p><p>que nos ataquem primeiro. É essa a razão de ser da política, ou do Estado: evitar a morte</p><p>violenta, garantindo a sobrevivência e a paz. Ele defende que nós nascemos com dois direitos,</p><p>vida e liberdade, e aceitamos perder parte da nossa liberdade em função das leis que recaem</p><p>sobre nós. Em contrapartida, temos maior garantia da vida, que é um bem maior que a liberdade.</p><p>Já segundo o pensamento de John Locke, o homem nasce bom, o que necessariamente nos</p><p>remete ao seguinte questionamento: se o homem nasce bom e em estado de natureza ele vive</p><p>bem, porque abandonou esse estado e aceitou viver em sociedade, permitindo que alguém</p><p>mande nele? E a resposta de Locke é: mesmo o homem sendo bom, pode entrar em con�ito e, no</p><p>estado de natureza, não haveria uma instância que pudesse julgar com neutralidade. Essa</p><p>instância seria o Estado e o seu papel seria arbitrar con�itos e proteger a propriedade. A nossa</p><p>primeira propriedade é o nosso corpo, e tudo o que conquistarmos com o nosso trabalho é</p><p>legitimamente nosso e deve ser garantido por meio da ação do Estado.</p><p>Rousseau se coloca como um contraponto a essa ideia de valorização da propriedade e vê nela a</p><p>origem dos males sociais. O homem nasce bom, mas é corrompido pela sociedade. O bom</p><p>selvagem nasce com liberdade e igualdade, mas a aquisição da propriedade elimina, de um só</p><p>golpe, esses dois direitos. Então, o Estado, por meio de um segundo contrato, teria a</p><p>incumbência de resgatar a bondade original e fazer prevalecer a justiça.</p><p>Como se percebe não é uma pergunta simples e de fácil resposta. A interpretação desses</p><p>autores a respeito da natureza humana está relacionada à fundamentação de um projeto político</p><p>de contexto de mudança, como aquele vivido pela Europa em seu processo de modernização.</p><p>Aula 3</p><p>Ética</p><p>Introdução da Aula</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>Qual é o foco da aula?</p><p>Nesta aula, você acompanhará o que pensam alguns �lósofos sobre a Ética.</p><p>Objetivos gerais de aprendizagem</p><p>Ao longo desta aula, você irá:</p><p>relatar o que é ética;</p><p>identi�car como a ética era vista e diferentes períodos históricos;</p><p>demonstrar o que é a ética Kantiana.</p><p>Situação-problema</p><p>“E esse caminho que eu mesmo escolhi, é tão fácil seguir, por não ter onde ir”</p><p>(SEIXAS, 1977).</p><p>Esse trecho da música Maluco Beleza, de Raul Seixas, vale para nos lembrar que fazer escolhas</p><p>pode ser algo incômodo. É mais fácil responder por nossas ações quando não temos opções,</p><p>quando não precisamos �car analisando qual alternativa nos é a mais recomendável, e fazemos</p><p>apenas o que nos resta a ser feito; assim não somos ameaçados pela possibilidade de um erro</p><p>que recaia sobre a nossa incapacidade de fazermos escolhas acertadas.</p><p>Pensaremos nesse momento sobre o ato de escolher o que é correto, o que é certo, o que é bom,</p><p>ou seja, sobre ter um compromisso com a ética, um comprometimento com o bem, tanto nas</p><p>escolhas quanto nas ações. É sobre isso que a ética re�ete, levando em conta que essas</p><p>escolhas pressupõem a liberdade da vontade do agente moral; pois caso a ação ou a escolha</p><p>não seja livre e voluntária, não poderá haver culpa e nem recompensa. Agir motivado apenas por</p><p>leis, normas e costumes – ou seja, tudo o que é externo ao agente – não implica</p><p>necessariamente ser ético.</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>João Pedro, um aluno do curso de Filoso�a, sempre visita seus avós durante as férias, mas no</p><p>verão passado acabou percebendo que eles não tomam decisão alguma sem antes se</p><p>aconselhar com o líder religioso da localidade onde moram. João Pedro questionou se eles já</p><p>não tinham idade e visão su�ciente para tomar decisões por si, o que acabou causando certa</p><p>perplexidade ao casal de idosos. João Pedro contou o fato em sala de aula e fez as seguintes</p><p>perguntas: por que permitimos que outros – pessoas, ideologias ou instituições – conduzam a</p><p>nossa vida? Como evitar que isso aconteça? Qual é o problema de termos a nossa vida</p><p>conduzida? Como você, professor de Filoso�a, responderia a essas questões a partir das</p><p>discussões sobre Ética na Filoso�a?</p><p>Immanuel Kant (1724-1804) trata dessa questão em seu texto Aufklärung – Resposta à pergunta:</p><p>que é esclarecimento, de 1783, em que ele sustenta que é cômodo ser menor e deixar que a</p><p>nossa vida seja conduzida por outros, embora isso nos mantenha na menoridade e na</p><p>heteronomia, permitindo que outros decidam os rumos da nossa vida (KANT, 2005).</p><p>Como essa questão requer a compreensão ética acerca da liberdade da ação, re�etiremos sobre</p><p>a ética das virtudes, sua origem e desenvolvimento, desde as contribuições míticas até a versão</p><p>cristã. Passaremos pela ética kantiana pautada na ideia de um dever internalizado, o qual se</p><p>traduz por meio do imperativo categórico, na busca da universalização ética e, também, por meio</p><p>do formalismo. E, por �m, a ética nos dias atuais, por meio da re�exão de Jürgen Habermas,</p><p>acentuando a necessidade do diálogo e do entendimento de uma ética universalista e a</p><p>compreensão dos comunitaristas éticos representados, principalmente, por Alasdair MacIntyre.</p><p>A palavra de aqui é outorgada por Kant, Sapere aude! Tenha a audácia de saber! Ouse saber!</p><p>Então, Sapere aude!</p><p>Conceito de Ética</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>A signi�cação original do vocábulo ética na língua grega era morada, covil, abrigo de animais.</p><p>Uma espécie de curral, redil ou chiqueiro, onde os animais passavam a noite e �cavam</p><p>protegidos, o que acabou lhe conferindo a conotação de guarida. Posteriormente, ethos teve</p><p>duas gra�as diferentes, ηθος e εθος, e sentidos diferentes também. A primeira gra�a signi�cava</p><p>hábito, costume; e a segunda, temperamento, caráter. Cícero (106-43 a.C.) ao traduzir a palavra</p><p>ética do grego para o latim, traduziu por mores, que signi�cava moradia, costume. Essa é a</p><p>origem do uso conceitual da palavra moral, que transportada para a área dos costumes</p><p>humanos, passou a indicar os valores subjacentes ao nosso agir (CHAUI, 2000).</p><p>Convencionou-se, desse modo, que a ética estaria mais ligada à re�exão acerca das regras e dos</p><p>comportamentos morais, portanto, seria teórica e com caráter universal, tendo a ver com a</p><p>consciência acerca do bem. Por outro lado, a moral é a ação em si, é prática, e pode ser local,</p><p>contextualizada, haja vista que se baseia nos costumes.</p><p>É comum ouvirmos que Sócrates é o pai da ética</p><p>e que ela teria se iniciado a partir das suas</p><p>contribuições. Mas como conciliar essa a�rmação com o fato de os so�stas serem anteriores a</p><p>Sócrates e já re�etirem sobre a ética? E mais: como Sócrates pode ter iniciado a ética se os</p><p>mitos homéricos já transmitiam modelos éticos, modelos de virtudes a serem seguidos, três ou</p><p>quatro séculos antes de Sócrates? Será que a ética teria mesmo começado com Sócrates?</p><p>O que precisa �car claro é que, com Sócrates, inicia-se a ética racional, aquela que defende que o</p><p>indivíduo tem condições de saber e fazer o que é certo, baseado nas deliberações da sua própria</p><p>razão. Para ele, quem sabe o que é o bem faz o bem, só faz o mal aquele que ignora o bem,</p><p>contrariando os so�stas que defendiam que o homem podia ser feliz desfrutando de uma vida de</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>prazer, poder e riqueza. Mas, antecedendo aos so�stas e a Sócrates, as questões relacionadas à</p><p>ética têm início com os mitos, embora não re�exivamente.</p><p>Os mitos, as epopeias, ou relatos de grandes heróis, já apresentavam modelos éticos a serem</p><p>seguidos. Os jovens gregos buscavam ser como Aquiles, Ulisses, Hércules e outros heróis. Os</p><p>modelos apresentados pelos mitos eram virtuosos e por isso se diz que a ética das virtudes</p><p>surge a partir dos mitos. Porém, os mitos não re�etiam criticamente sobre essa questão. A</p><p>re�exão ética começa com os so�stas, Sócrates faz as correções necessárias e Platão e</p><p>Aristóteles fazem os aprofundamentos sistemáticos.</p><p>Os mitos contribuíram para a formação do povo grego que vivenciava intenso con�ito</p><p>(MACINTYRE, 1991). Atenas vivia em constante guerra com as demais cidades-estado e até</p><p>mesmo com outras nações vizinhas. Grande parte desses con�itos é ilustrada por Homero em</p><p>seus poemas, Ilíada e Odisseia. Elas são obras fundamentais para entendermos esses con�itos,</p><p>pois preservaram uma amostra da ética vigente, uma ética pautada em virtudes como justiça,</p><p>honra, coragem, temperança, lealdade etc.</p><p>A justiça era a virtude por excelência para os gregos, e ao de�nirem a justiça em termos de</p><p>mérito se depararam com a seguinte questão: como distribuir recompensa externa para as mais</p><p>diferentes formas de realização, como as realizações de um soldado, de um camponês e de um</p><p>poeta, se não houver um padrão que possibilite um reconhecimento imparcial? Isso só seria</p><p>possível com a criação de uma ordem unitária, uma estrutura de vida humana, uma comunidade,</p><p>ou seja, só seria possível na pólis. Na pólis a preocupação não é o bem particular, mas o bem</p><p>humano, coletivo. A ordenação de bens na pólis visará identi�car o lugar de cada um dentro dos</p><p>padrões estabelecidos (MACINTYRE, 1991). Essa é a estrutura subjacente à ética das virtudes</p><p>que começa na Grécia antiga e subsiste também na idade média, na ética cristã.</p><p>Ética na Idade Média</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>A idade média é marcada pelo pensamento teológico e a ética acaba �cando atrelada às normas</p><p>religiosas. O cristianismo aceitou bem a moral estoica, a qual defendia que devemos anular as</p><p>paixões, libertarmo-nos do egoísmo e ser indiferente às contingências da condição humana.</p><p>Além disso, o cristianismo prega a ascese espiritual, o fortalecimento do espírito pela</p><p>morti�cação do corpo, jejum, abstinência e auto�agelação. Entendia-se, naquela época, que a</p><p>ascese favoreceria o autodomínio e o equilíbrio, tornando o indivíduo mais sensível e solidário.</p><p>______</p><p>Assimile</p><p>Para os estoicos, a imperturbabilidade é o ápice da sabedoria e é o que permite ao ser humano</p><p>alcançar a felicidade, por representar o estado no qual o homem, impassível, não é afetado pelos</p><p>males da vida (JAPIASSÚ, MARCONDES, 2001). Os estoicos defendiam a resignação, a aceitação</p><p>calma e tranquila de tudo o que nos acontece de bom e de ruim, pois tudo faz parte do plano</p><p>divino.</p><p>______</p><p>Essa tendência durou até o século XIII, quando o cristianismo aderiu à ética eudaimonista, dentro</p><p>de uma perspectiva tomista, a qual defende que a suprema felicidade seria contemplar Deus, na</p><p>vida eterna. O homem virtuoso – leia-se bom – tem o temor de Deus. O motivo da ação é uma</p><p>imposição externa: fazer a vontade divina. Poderíamos resumir a ética, nesse caso, como sendo</p><p>uma mistura de estoicismo e aristotelismo, acrescendo a crença na vida eterna e a preocupação</p><p>em fazer a vontade de Deus (JAPIASSÚ, MARCONDES, 2001).</p><p>A fundamentação última da ética cristã, ou da ética medieval, é a Bíblia, que tem como</p><p>características a normatividade, indo desde os mandamentos bíblicos até ao magistério da</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>Igreja, acrescida do respeito à subjetividade, pois se entende que o homem deve ter um</p><p>compromisso pessoal com Deus. A ética cristã também leva em conta a intencionalidade, haja</p><p>vista que, segundo essa tradição, Deus conhece o coração humano e as verdadeiras razões de</p><p>suas ações. Por último, ela se assenta nas virtudes, acrescendo às virtudes gregas – justiça,</p><p>prudência, coragem e temperança – as evangélicas – fé, esperança e caridade – e elegendo a</p><p>caridade como a virtude por excelência, acima, inclusive da justiça, que era a maior virtude na</p><p>concepção dos gregos.</p><p>No �nal da �loso�a medieval os �lósofos começaram a questionar a obediência às normas sem</p><p>a devida consciência e convicção acerca do bem. Isso poderia deixar o homem na heteronomia e</p><p>não o faria necessariamente ético. Nesse sentido, só poderia ser considerado ético quem agisse</p><p>de modo autônomo (CHAUI, 2000).</p><p>Ética na Idade Moderna</p><p>Na idade moderna, Baruch Spinoza (1632-1677) entendeu que ética e moral eram coisas</p><p>distintas e que só seria ético quem agisse de modo autônomo, consciente e convencido de que</p><p>estivesse agindo corretamente, ou seja, que estaria fazendo estritamente o que deveria ser feito.</p><p>Quem segue costumes ou preceitos religiosos sem a convicção pessoal da necessidade de</p><p>segui-los seria apenas moral. Segundo Spinoza, a ética nada teria a ver com os deveres impostos</p><p>externamente, pois quem agisse por dever não seria autônomo nem livre, agindo por</p><p>mandamento. Mas, dirá ele que quem não conseguir alcançar a verdadeira liberdade deve pelo</p><p>menos aceitar as imposições da moral e da religião para poder conviver socialmente (SPINOZA,</p><p>1983).</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>O nome Baruch em língua hebraica signi�ca bendito e, por ironia do destino, no túmulo de</p><p>Spinoza foi colocada a seguinte recomendação: “não passe nem perto desse túmulo, aqui jaz um</p><p>�lósofo maldito”. Suas obras foram proibidas e ele caiu no esquecimento por quase cem anos.</p><p>Depois desse tempo, Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) tomou conhecimento das ideias de</p><p>Spinoza e buscou resolver o impasse entre liberdade e determinismo. A solução encontrada por</p><p>Rousseau foi pautada na bondade natural do ser humano e correlacionada com a bondade</p><p>presente no propósito e na elaboração das leis. O homem nasce bom e as leis visam ao bem,</p><p>portanto o choque entre a lei e o seu cumprimento é apenas aparente. A bondade nasce do</p><p>sentimento e não da razão e por isso o sentimento constitui-se no sustentáculo fundamental da</p><p>ética de Rousseau (ESPÍNDOLA, 2007), conhecida como Ética do coração.</p><p>Kant �cou encantado com as ideias de Rousseau, principalmente com o seu estilo de escrita,</p><p>mas a�rmou que não existe bondade natural: a nossa natureza é marcada pelo egoísmo, pela</p><p>ambição e pela agressividade. Somos ávidos de prazeres que jamais nos saciam e por eles,</p><p>muitas vezes, somos dominados. Diante disso precisamos do dever para nos tornarmos seres</p><p>morais (CHAUI, 2000). Para conjugar o determinismo implícito no dever, Kant sustenta que não</p><p>se trata de um dever imposto, mas de um dever inerente à própria racionalidade humana. Não é</p><p>um dever oriundo externamente, mas surgido internamente como uma tomada de consciência à</p><p>qual se chega sem nenhuma in�uência de elementos externos (KANT, 2005). O dever que</p><p>determina externamente assemelha-se ao mandamento, ao passo que aquele ao qual se chega</p><p>por convicção é chamado por Kant de imperativo. Esse dever entendido como convicção, ou</p><p>tomada de consciência e baseado inteiramente na razão</p><p>pura (leia-se, sem in�uências externas)</p><p>torna o homem senhor de si e inteiramente livre. Livre não é aquele que faz o que tem vontade,</p><p>mas aquele que tem a força su�ciente para fazer o que a razão determina.</p><p>In�uenciado pelo alcance conferido por Newton à física, Kant busca construir uma ética que</p><p>tenha alcance universal, o que signi�ca dizer que possa ser seguida por todas os seres humanos.</p><p>Uma ética com essa amplitude só seria possível caso se baseasse no uso correto da razão, a</p><p>qual deve conferir ao agente moral um comprometimento inquebrantável com o cumprimento do</p><p>dever. Dever, em grego, é deontós, razão pela qual a sua ética é chamada de ética deontológica.</p><p>Para que uma ética com o propósito de universalização seja viável, ela não se expressa em</p><p>temos de normas, mas em fórmulas que possibilitem a extração de normas (KANT, 2002). Daí o</p><p>fato da ética kantiana também ser considerada uma ética formal.</p><p>Para Kant a lei moral se origina da ideia de liberdade (CHAUI, 1999). Quem é obrigado a agir de</p><p>determinado modo, sem ter liberdade de escolha, não pode ser penalizado por seus atos maus e</p><p>nem recompensado por seus atos bons. E quem não faz uso da razão, crianças e dementes, por</p><p>exemplo, também não podem ser responsabilizados por seus atos, pois não têm consciência</p><p>daquilo que estão fazendo. Nesse caso se diz que tal pessoa é amoral, por não poder responder</p><p>moralmente por seus atos, diferentemente de imoral, que é a pessoa que age contra a moral.</p><p>Quanto à liberdade de escolha, o homem, segundo Kant, só é livre quando age racionalmente,</p><p>com autonomia da vontade, e não quando age em função das inclinações, impulsos, paixões e</p><p>instintos. Quem age em função das inclinações é escravo delas e, para ele, o indivíduo que</p><p>obedece a uma norma moral atende à liberdade da razão, isto é, àquilo que a razão, no uso de</p><p>sua liberdade, determinou como correto (COTRIM, 2008).</p><p>Porém, mesmo que a razão imponha leis a si mesma, cumprir tais leis cabe à vontade, e só ao</p><p>cumprir tais leis a vontade é livre. Para que isso ocorra, a vontade deve ser educada de modo a</p><p>escolher apenas aquilo que a razão lhe impõe. A vontade deveria submeter-se apenas à razão e</p><p>não às inclinações, ou seja, a vontade tem de ser boa.</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>Ele começa a sua obra Fundamentação da metafísica dos costumes a�rmando que nada é bom</p><p>sem limites a não ser uma vontade boa (KANT, 2005). Diz, ainda, que os talentos do espírito são</p><p>bons e desejáveis, mas podem se tornar maus e perniciosos se a vontade não for boa. Até</p><p>mesmo o poder, a riqueza, a honra e a saúde desandam em soberba caso não exista uma</p><p>vontade boa. Para Kant, uma pessoa desprovida de vontade boa jamais sentirá satisfação ou</p><p>felicidade. Até as qualidades favoráveis à vontade boa, como temperança, autodomínio e</p><p>sensatez, podem ser más sem os princípios que regem bem a vontade. Percebe-se, aqui, Kant</p><p>privilegiando a intencionalidade da ação; se o agente conscientemente delibera sobre o bem e</p><p>persegue esse bem, o seu ato tende a enquadrar-se na moralidade. Kant considera que só</p><p>agentes capazes de deliberar racionalmente sobre suas escolhas podem ser considerados livres</p><p>(LAW, 2008).</p><p>______</p><p>Exempli�cando</p><p>Os termos liberdade, livre arbítrio e vontade guardam signi�cativa proximidade e, por vezes, são</p><p>usados como sinônimos. Mas, etimologicamente, eles se distinguem. Vontade pode ser</p><p>entendida como apetição racional, um apetite que passa pelo crivo da razão (ABBAGNANO,</p><p>2007). Quanto ao livre arbítrio, entende-se que ele só ocorre quando, embora afetado por</p><p>impulsos, não é necessariamente determinado por eles, mas pela vontade pura. A liberdade é o</p><p>bom uso do livre arbítrio. O livre arbítrio requer a ausência de coação externa, a liberdade implica</p><p>a ausência até de coação interna (MORA, 1978).</p><p>Ética Kantiana</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>A forma moralmente correta, estabelecida por Kant, não nos diz nada acerca do seu conteúdo,</p><p>não nos diz o que devemos fazer em cada situação concreta (COTRIM, 2008). Estabelece,</p><p>contudo, que aquilo que você faz, pelo simples fato de fazê-lo, autoriza todos a fazer o mesmo</p><p>sem motivo algum para posterior reclamação. O teu ato se torna, por tua vontade, uma lei</p><p>universal. Você impõe categoricamente, sem espaço para outras hipóteses, o seu modo de agir</p><p>como válido para todos. Em outras palavras, a nossa obrigação deve ser agir sempre como</p><p>desejaríamos que todos os outros agissem (LAW, 2008). Chegamos no imperativo categórico:</p><p>leis que se caracterizam por serem �ns em si mesmas.</p><p>Imperativos são</p><p>“fórmulas para exprimir a relação entre as leis objetivas do querer em geral e a […]</p><p>vontade humana” (KANT, 2005, p. 45).</p><p>Os hipotéticos são meios de conseguir qualquer outra coisa, mas o categórico é ação</p><p>objetivamente necessária por si mesma. O imperativo categórico é incondicional e declara a</p><p>ação como objetivamente necessária em si. Imperativos, para Kant, não signi�ca “ordens”</p><p>apenas, mas “ordens da razão”, uma regra indicada por um dever (WALKER, 1999).</p><p>As três formulações do imperativo categórico apresentadas por Kant (2005) são:</p><p>1. “Age só segundo máxima tal que possas ao mesmo tempo querer que ela se</p><p>torne lei universal”.</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>2. “Age como se a máxima da tua ação devesse se tornar, pela tua vontade, lei</p><p>universal da natureza”.</p><p>3. “Age de tal maneira que possas usar a humanidade, tanto em tua pessoa como</p><p>na pessoa de qualquer outro, sempre e simultaneamente como �m e nunca</p><p>simplesmente como meio”. (Kant, 2005, p. 51-52/59)</p><p>Segundo Kant, as leis devem ser retiradas dessas formulações, pois elas são deveres perfeitos</p><p>que não permitem exceção em favor da inclinação e, se atentarmos a nós mesmos quando</p><p>transgredimos um dever, percebermos que não queremos que a nossa máxima se universalize</p><p>(KANT, 2005). Somente age moralmente quem age por dever, tendo consciência de que é seu</p><p>dever fazer tal ato. Não devemos esperar que nossos deveres sejam impostos por nenhuma</p><p>autoridade e nem por nossas emoções; devemos, sim, descobri-los por nós mesmos, mediante o</p><p>uso autônomo da razão (LAW, 2008).</p><p>Se alguém se comove, sente compaixão, por exemplo, por uma pessoa que sofre e a socorre, o</p><p>seu ato é louvável, mas não é moral, pois tem por base um sentimento, neste caso, a compaixão.</p><p>A ação só seria moral se o indivíduo, ainda que sinta compaixão, tenha consciência de que deve</p><p>e pode ajudar. Só a razão é universal e pode fazer exigências racionais a nosso comportamento.</p><p>Assim, o que torna uma ação verdadeiramente moral é ela ser motivada por uma aceitação</p><p>racional do dever, não qualquer outro motivo, como interesse pessoal, culpa ou mesmo</p><p>compaixão (KANT, 2005).</p><p>Na Fundamentação da metafísica dos costumes, Kant alega que podemos agir por dever ou</p><p>conforme o dever. Ou seja, mesmo que vejamos alguém fazendo uma boa ação, por exemplo,</p><p>não poderemos saber se esta pessoa tem consciência do seu dever ou não. Pode ser uma ação</p><p>apenas conforme o dever. Sustenta Kant que ações praticadas por “inclinação imediata” ou</p><p>“intenção egoísta”, não são ações morais. Inclinação imediata seria conforme o exemplo já</p><p>citado da compaixão. E a intenção egoísta é exempli�cada pelo comerciante que pratica um</p><p>preço justo, não por consciência do dever, mas para conseguir mais clientes (KANT, 2005).</p><p>______</p><p>Re�ita</p><p>O conceito de “intenção egoísta”, apresentado por Kant, pode estar mais próximo de nós do que</p><p>imaginamos. Porém, só quem poderá saber se tal intenção é ou não egoísta é aquele que a</p><p>pratica. Será que ir à Igreja esperando merecer a vida eterna, ajudar o próximo esperando retorno</p><p>– mesmo que seja apenas reconhecimento – distribuir cestas básicas, remédios, aparelhos</p><p>ortopédicos etc., para angariar votos em tempo de eleição, podem ser considerados exemplos de</p><p>“intenção egoísta”?</p><p>______</p><p>Percebemos, então, que a ética kantiana destaca o formalismo ético, a deontologia e o</p><p>universalismo como elementos relevantes para a sua construção. O formalismo se expressa no</p><p>imperativo categórico o qual não é uma norma, mas uma fórmula que permite</p><p>a extração de</p><p>normas. A deontologia se faz presente na ênfase dada por ele à questão do dever. E o</p><p>universalismo trata de uma ética válida a todos os seres racionais, ou seja, a toda a razão</p><p>humana. Mesmo assim, Kant não �cou imune a críticas. E um dos mais ilustres críticos foi</p><p>Jürgen Habermas (1929-), o qual entende que essa ética pode ser aperfeiçoada à medida que</p><p>permita maior abertura ao outro pois, no entendimento de Habermas, trata-se de uma ética</p><p>monológica, sem interlocutor e em que o agente moral delibera e age unicamente segundo a sua</p><p>própria racionalidade (HABERMAS, 1997).</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>Ética para Habermas e MacIntyre</p><p>Mesmo discordando de Kant em relação à dialogicidade da ética, Habermas concorda com a</p><p>universalização da ética, fato que o coloca entre os universalistas, um grupo de �lósofos que</p><p>defende que as bases da ética devem valer para todas as pessoas e em todas as épocas. A esse</p><p>grupo de �lósofos se opuseram aqueles que defendem que essas bases devem ser</p><p>estabelecidas comunitariamente, os comunitaristas. Então, por volta da década de 1970, surge</p><p>um embate entre esses dois grupos: universalistas e comunitaristas.</p><p>Nesse debate, a perspectiva comunitarista acentua os valores oriundos de uma comunidade,</p><p>dando relevância ao grupo ou comunidade e a sua relação com a totalidade dos seres humanos.</p><p>Dessa forma, a comunidade seria o lugar adequado para a realização ética, dentro dos</p><p>parâmetros estabelecidos pela tradição de determinada comunidade. Entretanto, a modernidade</p><p>tende a recusar tudo o que represente tradição, se perceber que também o pensamento moral</p><p>moderno se converte em uma tradição. MacIntyre valoriza a tradição enquanto herança moral e</p><p>a�rma que o con�ito entre tradições pode ter algo a nos ensinar ao mostrar que a moralidade</p><p>adquire novos contornos por meio do confronto e da possível superação de uma tradição em</p><p>relação à outra.</p><p>Segundo MacIntyre, a tradição aristotélica ainda não esgotou todas as suas possibilidades,</p><p>tendo, portanto, contribuições relevantes para o pensamento moral de nossos dias. Por isso, ele</p><p>faz um resgate do modo como se constitui tal tradição, desde a contribuição advinda do mito e,</p><p>principalmente, do seu grande mestre Platão (MACINTYRE, 1991). Em Aristóteles, a questão das</p><p>virtudes, destacando-se dentre elas a justiça, tem um vínculo indissociável com a compreensão</p><p>dos papéis sociais do homem grego junto à sua polis, ou seja, as virtudes requerem um contexto</p><p>especí�co. Está claro que MacIntyre faz uma releitura da tradição aristotélica e isso signi�ca</p><p>dizer que as ideias do Estagirita receberão roupagens novas em um viés propriamente</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>macintyreano, buscando mostrar qual é o lugar que as virtudes ocupam hoje em nossa</p><p>sociedade e o modo como elas ainda podem se vincular ao contexto social (MACINTYRE, 2001).</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>Alasdair MacIntyre. Fonte: Sean O'Connor – Wikipédia.</p><p>A principal tese sustentada por MacIntyre é que na busca pela fundamentação da moralidade, a</p><p>ética das virtudes está mais bem fundamentada e é mais recomendável que a ética normativa,</p><p>oriunda, principalmente, do iluminismo. Característico da ética das virtudes é a necessidade de</p><p>um lugar, pois ela se realiza de forma mais natural quando se tem um espaço apropriado para</p><p>isto, o qual é apresentado como sendo a comunidade (MACINTYRE, 2001). Isso necessariamente</p><p>faz com que a ética das virtudes não ocorra de maneira universal – em todas as épocas e em</p><p>todos os lugares do mesmo modo – mas requeira um contexto apropriado; requeira uma</p><p>tradição oriunda de determinado tipo de racionalidade.</p><p>A ética moderna prescinde das condições temporais e locais e defende a possibilidade de</p><p>padrões de moralidade aceitos universalmente, por meio do estabelecimento de um</p><p>denominador comum, o qual seria possível pelo uso correto da razão. A crítica a esses</p><p>universalistas reside justamente no estabelecimento desse denominador comum, o qual</p><p>possibilitaria que os mais diversos costumes pudessem ter a liberdade de conviver no contexto</p><p>plural das sociedades contemporâneas.</p><p>Para MacIntyre, os valores adotados em uma determinada comunidade não podem jamais ser</p><p>impostos externamente, mas devem ser fruto de um processo de maturação racional e moral,</p><p>pois não se impõe uma tradição, ela se consolida com o decorrer do tempo. Os costumes</p><p>genuínos e autênticos se formam ao longo dos anos e não devem ser frutos de imposições –</p><p>pois, nesse caso, seriam construídos externa e arti�cialmente e não pertenceriam</p><p>intrinsecamente à comunidade – por isso não se poderiam construir normas e procedimentos</p><p>morais a partir de culturas impostas e nem da junção de fragmentos das mais variadas</p><p>concepções éticas, mas somente como resultado de um processo contínuo de amadurecimento</p><p>(MACINTYRE, 2001).</p><p>Conclusão</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>Você se lembra dos questionamentos de João Pedro? A partir da história de João Pedro e seus</p><p>avós, ele se pergunta: por que permitimos que outros – pessoas, ideologias ou instituições –</p><p>conduzam a nossa vida? Como evitar que isso aconteça? Qual é o problema de termos a nossa</p><p>vida conduzida? Nesta unidade abordamos a ética com o intuito de proporcionar conhecimento</p><p>teórico, cultural e prático relativo a essa temática, por meio da contribuição dos principais</p><p>�lósofos, sobretudo Aristóteles e Kant. Cremos que agora, após conhecer um pouco mais sobre</p><p>a ética, estarmos em melhores condições de encetar resposta ao que nos foi inquirido.</p><p>Começando pela última questão, ter a vida conduzida, segundo Kant, nos relega à menoridade</p><p>moral (KANT, 2005), nos conformando à heteronomia. Em outras palavras, deixamos de ser</p><p>donos das nossas próprias vidas e permitimos que outros nos digam o que devemos e o que</p><p>podemos fazer ou deixar de fazer. Como evitar que isso aconteça? Valendo-nos da nossa</p><p>liberdade e da nossa própria racionalidade, estudando, buscando formação e esclarecimento,</p><p>progredindo enquanto ser racional.</p><p>Permitimos que outros – pessoas, ideologias ou instituições – conduzam a nossa vida por</p><p>preguiça ou covardia. Diz Kant que nós mesmos devemos ser considerados culpados por essa</p><p>atitude de menoridade se a causa dela não se estiver em nossa falta de entendimento, não</p><p>esgotar as nossas capacidades cognitivas, mas estiver na falta de decisão e de coragem nos</p><p>servirmos de nós mesmos sem a in�uência ou direção de outrem. João Pedro percebeu que</p><p>seus avós, embora idosos, permitiam que outras pessoas interferissem em suas vidas e lhes</p><p>dessem o rumo de suas ações e decisões. Segundo Kant, autônomo, moralmente maior, é quem</p><p>toma decisão e se expõe, assumindo a responsabilidade pelo que faz, pois só assim pode ser</p><p>considerado livre. Kant se vale de uma expressão latina, Sapere aude!, a qual signi�ca tenha a</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>audácia, a ousadia de saber, de buscar aprender e compreender, tenha a coragem su�ciente para</p><p>fazer uso de teu próprio entendimento: esse é o lema do esclarecimento (KANT, 2005).</p><p>Por vezes, pensar – no sentido de tomar decisões, fazer escolhas, deliberações – pode tornar-se</p><p>incômodo, algo desagradável e, assim, poderíamos pensar que se tivermos como pagar para que</p><p>outros pensem e decidam por nós não precisamos gastar tempo e energia com tal atividade.</p><p>Lembremos que no latim ad vocare é “falar por” e ad ministrare é “cuidar por”; portanto,</p><p>advogados e administradores são pessoas que se incumbem de pensar, falar e agir por alguém.</p><p>Segundo Kant, não temos necessidade de pensar quando podemos pagar para que outros se</p><p>encarreguem em nosso lugar dos negócios desagradáveis. A maioria de nós considera a</p><p>passagem à maioridade difícil e perigosa. Kant enfatiza que tutores tomam, de bom grado, a</p><p>condução da nossa vida e das nossas decisões, depois de embrutecerem seu gado doméstico e</p><p>preservado tais criaturas a �m de não darem um passo fora do carrinho para aprender a andar, e</p><p>lhes mostram, a seguir, o perigo que as ameaça se tentarem andar sozinhas (KANT, 2005). E</p><p>�naliza Kant, sustentando</p><p>que esse perigo não é tão grande, pois aprenderiam muito bem a</p><p>andar depois de algumas quedas. Ou seja, aprendemos a tomar decisões tomando-as, mesmo</p><p>que no começo erremos, e isso faz parte do aprendizado. Só assim nos tornamos livres e donos</p><p>de nossas próprias vidas sem sermos conduzidos por outros.</p><p>Referências</p><p>ABBAGNANO, N. Dicionário de Filoso�a. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007.</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>ABRÃO, B. S. (Org.). História da �loso�a. São Paulo: Nova Cultural, 1999. (Coleção Os</p><p>Pensadores).</p><p>AGOSTINHO. A Cidade de Deus. Vol. I. 2. ed. Trad. J. Dias Pereira. Lisboa: Calouste Gulbenkian,</p><p>1996.</p><p>ARANHA, M. L. A.; MARTINS, M. H. P. Filosofando: introdução à Filoso�a. 2. ed. São Paulo:</p><p>Moderna, 1999.</p><p>ARANHA, M. L. A.; MARTINS, M. H. P. Temas de Filoso�a. 3. ed. São Paulo: Moderna, 2008.</p><p>ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. São Paulo: Abril Cultural, 1973. (Coleção Os Pensadores).</p><p>ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. 4. ed. São Paulo: Nova Cultural, 1991. (Coleção Os</p><p>Pensadores).</p><p>ARISTÓTELES. Metafísica. São Paulo: Loyola, 2002.</p><p>BURNET, J. Platonis Opera. Oxford: Oxford University Press, 1903. CHAUI, M. Convite à Filoso�a.</p><p>São Paulo: Ática, 2000.</p><p>CHAUI, M. Vida e obra. In: Kant. São Paulo: Nova Cultural, 1999. (Coleção Os Pensadores).</p><p>CORTELLA, M. S.; RIBEIRO, R. J. Política para não ser idiota. 9. ed. São Paulo: Papirus, 2010.</p><p>COTRIM, G. Fundamentos da Filoso�a: História e grandes temas. 16. ed. São Paulo: Saraiva,</p><p>2008.</p><p>ESPÍNDOLA, A. O lugar dos sentimentos na ética de Jean-Jacques Rousseau. Revista de Filoso�a</p><p>Aurora, v. 19, n. 25, p. 345-360, 2007. Disponível em: http://www2.pucpr.br/reol/pb/index.php/rf?</p><p>dd1=1794&dd99=view&dd98=pb. Acesso em: 27 nov. 2019.</p><p>GIRONA, M. S. O código de Direito Canônico é necessário na Igreja de Cristo? In: Cultura</p><p>Teológica, v. 15, n. 58, p. 107-126, 2007.</p><p>GRACIANI, M. S. S. A perversidade social que engendrou a exclusão escolar gerou o analfabeto.</p><p>In: Múltiplas Leituras, v.1, n. 2, p. 67-75, 2008.</p><p>HABERMAS, J. Direito e democracia. Entre Facticidade e Validade. Vol. II. Rio de Janeiro: Tempo</p><p>Brasileiro, 1997.</p><p>HOBBES, T. Leviatã. São Paulo: Nova Cultural, 1999. (Coleção Os Pensadores).</p><p>HOMERO. Ilíada. São Paulo: Marins Claret, 2004. (Coleção A Obra-Prima de Cada Autor – Série</p><p>Ouro; 18).</p><p>JAPIASSÚ, H.; MARCONDES, D. Dicionário básico de Filoso�a. 3. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.</p><p>KANT, I. Crítica da razão prática. São Paulo: Martins Fontes, 2002. (Coleção Clássicos).</p><p>KANT, I. Crítica da razão pura. 5. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2001.</p><p>KANT, I. Fundamentação da Metafísica dos Costumes e Outros Escritos. São Paulo: Martin</p><p>Claret, 2005.</p><p>KUHN, T. S. A estrutura das revoluções cientí�cas. 9. ed. São Paulo: Perspectiva, 2000.</p><p>LAW, S. Filoso�a: Guia ilustrado Zahar. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008.</p><p>LOCKE, J. Dois tratados sobre o governo civil. Trad. Júlio Fischer. São Paulo: Martins Fontes,</p><p>1998.</p><p>MACINTYRE, A. Depois da virtude. Bauru: Edusc, 2001. (Coleção Filoso�a e Política).</p><p>MACINTYRE, A. Justiça de Quem? Qual Racionalidade? São Paulo: Loyola, 1991.</p><p>MAQUIAVEL, N. O príncipe. São Paulo: Nova Cultural, 1999. (Coleção Os Pensadores).</p><p>MAZAI, N. A ética na relação de trabalho: apontamentos de uma re�exão. In Revista TST, São</p><p>Paulo, v. 83, n. 2, 2017.</p><p>MONDIN, B. Curso de Filoso�a: Os �lósofos do ocidente. Vol. 1. 8. ed. São Paulo: Paulus, 1982.</p><p>MONDIN, B. Introdução à Filoso�a: problemas, sistemas, autores e obras. São Paulo: Paulus,</p><p>1981.</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>MORA, J. F. Dicionário de Filoso�a. Lisboa: Dom Quixote, 1978.</p><p>MOSCATELI, R. O pensamento político de Rousseau à luz do debate liberal-comunitário. In:</p><p>doispontos. Curitiba/São Carlos, v. 16, n. 1, p. 51-70, 2019. Disponível em:</p><p>https://revistas.ufpr.br/doispontos/article/view/59713. Acesso em: 27 jul. 2021.</p><p>POPPER, K. A lógica da pesquisa cientí�ca. São Paulo: Abril Cultural, 1980.</p><p>REALE, G.; ANTISERI, D. História da Filoso�a: Filoso�a pagã antiga. V. 1. São Paulo: Paulus, 2003.</p><p>REALE, G.; ANTISERI, D. História da �loso�a: de Spinoza a Kant. V. 4. Trad. Ivo Storniolo. São</p><p>Paulo: Paulus. 2005.</p><p>ROUSSEAU, J. J. Do contrato social. São Paulo: Nova Cultural, 1999. (Coleção Os Pensadores).</p><p>SEIXAS, R. Maluco beleza. In: O dia em que a terra parou (LP), lado A, música 2, 205 segs. Direção</p><p>Artística Marco Mazzola. São Paulo: Warner Music Group, 1977.</p><p>SPINOZA, B. Ética. 3. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1983. (Coleção Os Pensadores).</p><p>WALKER, R. Kant e a lei moral. São Paulo: Unesp, 1999.</p><p>WEBER, T. Os limites do liberalismo: uma crítica comunitarista. Veritas, Porto Alegre, v. 63, n. 1,</p><p>2018. Disponível em:</p><p>http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/veritas/article/view/28933. Acesso em: 27 jul.</p><p>2021.</p><p>WEFFORT, F. (Org.). Os clássicos da política: Maquiavel, Hobbes, Locke, Montesquieu, Rousseau,</p><p>“O Federalista”. Vol. 1. 14. ed. São Paulo: Ática, 2011.</p><p>,</p><p>Unidade 4</p><p>Identi�cação dos principais problemas e postulados �losó�cos</p><p>Aula 1</p><p>Helenismo</p><p>Introdução da Unidade</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>Objetivos da Unidade</p><p>Ao longo desta Unidade, você irá:</p><p>identi�car as escolas �losó�cas que compõem o período helenístico;</p><p>analisar aspectos que de�nem a fenomenologia;</p><p>demonstrar características sobre o existencialismo.</p><p>Olá, estudante! Já conhecemos algumas das mais importantes correntes �losó�cas, tais como</p><p>platonismo, aristotelismo, racionalismo, empirismo, criticismo kantiano, entre outras. Nesta</p><p>unidade, veremos outras correntes que contribuíram signi�cativamente no decurso da história da</p><p>Filoso�a, favorecendo a compreensão do mundo e a condução da vida para que fossem as mais</p><p>racionais possíveis, mas sem caírem numa visão arbitrária e unilateral.</p><p>Buscaremos a identi�cação dos principais problemas e postulados �losó�cos e as respostas</p><p>apresentadas por escolas �losó�cas distintas, passando pelas contribuições do período</p><p>helenístico, quando, de certo modo, o homem se viu sozinho, sem poder contar com a</p><p>contribuição da polis e vivendo sem a perspectiva de participar ativamente das decisões</p><p>políticas.</p><p>Em um segundo momento, apresentaremos o questionamento herdado dos modernos acerca</p><p>dos limites do nosso conhecimento no tocante à questão da essência e do fenômeno e</p><p>chegaremos à discussão contemporânea sobre a possibilidade de decidirmos os rumos da</p><p>nossa própria existência partindo da premissa de que temos liberdade para tal. Com isso,</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>buscaremos a identi�cação e a compreensão das diferentes interpretações de mundo e da</p><p>contribuição dessas correntes de pensamento.</p><p>As correntes representam tentativas de compreensão do mundo pautadas no contexto em que</p><p>elas se desenvolveram, pois esse é o olhar da Filoso�a, uma maneira de compreender e explicar</p><p>o mundo partindo da realidade concreta da vida. Frente a isso, nos propusemos a compreender</p><p>melhor o seguinte questionamento: a existência humana tem um propósito de�nido? E como</p><p>podemos viver da melhor maneira possível? Essa será a temática que nos norteará nesta</p><p>unidade, e a busca de respostas se pautará pelas contribuições do helenismo, da fenomenologia</p><p>e do existencialismo.</p><p>O helenismo foi marcado pelo momento em que a Filoso�a extrapolou os limites geográ�cos da</p><p>Grécia e, tornando-se cosmopolita, chegou até Roma, promovendo uma simbiose, não só de</p><p>culturas diferentes, mas de áreas de conhecimento diferentes, uma vez que Filoso�a e Religião</p><p>Cristã iriam se fundir por, aproximadamente, mil anos.</p><p>A fenomenologia pode ser considerada resultado de uma visão epistemológica moderna quando,</p><p>ao se lançar às condições de fundamentação das a�rmações cientí�cas, surge o</p><p>questionamento acerca dos limites do conhecimento e, sobretudo a partir das contribuições de</p><p>Locke, Hume e Kant, entende-se que esse limite seria aquilo que se manifesta, o phainomenon.</p><p>Essa perspectiva trará Hegel para o interior do debate, bem como Edmund Husserl (1859-1938),</p><p>que viria a estabelecer as bases da fenomenologia.</p><p>Finalmente, conheceremos o desenrolar da Filoso�a no século XX por meio das re�exões</p><p>existencialistas, em</p><p>que o ser humano, cada vez mais secularizado e impactado por duas</p><p>guerras mundiais, vê-se diante do dilema de fazer a vida valer a pena.</p><p>Fazemos votos que as análises aqui desenvolvidas possam suscitar questionamentos relevantes</p><p>em sua formação acadêmica e que as respostas alcançadas possibilitem o desenvolvimento</p><p>cognitivo de considerável envergadura, permitindo superar o comodismo das respostas prontas e</p><p>auxiliando o seu senso crítico re�exivo.</p><p>Videoaula: introdução</p><p>Este conteúdo é um vídeo!</p><p>Para assistir este conteúdo é necessário que você acesse o AVA pelo</p><p>computador ou pelo aplicativo. Você pode baixar os vídeos direto no aplicativo</p><p>para assistir mesmo sem conexão à internet.</p><p>Assista à videoaula de introdução.</p><p>Introdução da Aula</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>Qual é o foco da aula?</p><p>Nesta aula, você conhecerá escolas �losó�cas que compõem o período helenístico.</p><p>Objetivos gerais de aprendizagem</p><p>Ao longo desta aula, você irá:</p><p>relatar o que é Ceticismo e Cinismo no período helenístico;</p><p>demonstrar os conceitos do Epicurismo;</p><p>identi�car características do Estoicismo.</p><p>Situação-problema</p><p>Começamos esta aula com a anedota do “copo pela metade”. Como você já sabe, ele poderá</p><p>tanto ser descrito como “meio cheio” quanto por “meio vazio”, e essa descrição vai depender da</p><p>visão e da postura de quem o descreve. Aplicando isso na prática do mundo, da vida, podemos</p><p>deduzir que nos é possível atitudes diferentes diante dos problemas que nos são apresentados.</p><p>Há quem se considere um derrotado e há quem se considere desa�ado. E o desa�o tanto pode</p><p>ser motivador quanto desencorajador. Aristóteles, por exemplo, considerou a possibilidade de</p><p>entrar para a escola dos so�stas, mas se sentiu desa�ado pela inscrição</p><p>“Não entre aqui quem não souber geometria” (ABRÃO, 1999, p. 48)</p><p>presente no pórtico da Academia de Platão. O resultado desse desa�o foi o surgimento de um</p><p>dos maiores gênios da humanidade.</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>Agora, pense na seguinte história: Rodrigo era gerente de uma agência bancária quando, numa</p><p>determinada tarde, recebeu o senhor Alfredo, um sitiante que precisava comprar um novo veículo</p><p>para atender às necessidades do seu sítio. O gerente lhe passou uma relação de todos os</p><p>documentos necessários para o �nanciamento, e ele se foi. Duas horas depois, ele voltou</p><p>nervoso a�rmando que não faria mais �nanciamento algum, pois teria de abrir �rma em cartório</p><p>para reconhecer a sua assinatura e não faria isso, uma vez que achava muito complicado e</p><p>oneroso. Depois de dez minutos de conversa e compreendendo que se tratava de um</p><p>procedimento simples, o senhor Alfredo voltou a empenhar-se na aquisição do �nanciamento e o</p><p>Rodrigo �cou se indagando: por que, muitas vezes, desistimos diante de obstáculos tão simples?</p><p>Por que algumas pessoas se mostram mais lutadoras e outras desistem com facilidade? Qual</p><p>delas é mais feliz?</p><p>Então, Rodrigo lembrou-se do quadro A balsa de Medusa, de 1818-1819, do pintor francês</p><p>Théodore Géricault (1791-1824), o qual captou o poder dos desa�os e ilustrou isso por meio de</p><p>três níveis de pessoas representadas no quadro. O primeiro está totalmente derrotado, caído</p><p>junto ao tablado da balsa, o segundo está esperançoso e sentado nesse tablado e o terceiro está</p><p>aguerrido, determinado, de cabeça erguida e com o olhar �rme diante do mar agitado. A partir</p><p>disso, podemos nos questionar: qual é a nossa postura diante das di�culdades às quais somos</p><p>expostos? Qual a relação dessas posturas com a nossa ideia do que é a felicidade?</p><p>Essa era a preocupação dos �lósofos que sucederam a Aristóteles: como ser feliz imerso em um</p><p>mundo conturbado, tumultuado, sem perspectivas de melhoras, sem a possibilidade de decidir</p><p>sobre os rumos da própria vida? Como ser feliz em uma pólis sem autonomia, sem liberdade e</p><p>sem poder de decisão? Como ser feliz obedecendo ordens e desenvolvendo atividades que</p><p>contrariam a nossa própria natureza?</p><p>Os �lósofos do período helenístico apresentaram cinco versões diferentes de efetivação da</p><p>felicidade: ceticismo, ecletismo, cinismo, epicurismo e estoicismo, mesmo em um ambiente</p><p>inóspito e hostil como aquele vivenciado na época em que os macedônios �zeram da Grécia</p><p>uma das suas colônias. Posteriormente, deixando de ser colônia macedônica, os gregos foram</p><p>colonizados pelos romanos e o período áureo vivenciado por Sócrates, Platão e Aristóteles</p><p>nunca mais foi resgatado.</p><p>Embora a Filoso�a não seja uma disciplina prática e nem se paute pelo utilitarismo, naquele</p><p>momento histórico ela acabou servindo a esse propósito, pois era preciso fornecer</p><p>hermenêuticas sólidas e concretas que pudessem aplacar a amargura de uma vida rasa e</p><p>insossa, bem como nortear o agir humano rumo ao seu maior bem, o desfrute da felicidade. O</p><p>carpe diem surgiu naquela época e ilustra muito bem a mentalidade vigente naquele momento:</p><p>se o amanhã é incerto, resta-nos viver intensamente presente, pois é só o que nos resta.</p><p>Bons estudos!!</p><p>Contextualização sobre o Helenismo</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>Os professores Clóvis de Barros Filho e Arthur Meucci (2012) publicaram suas re�exões com o</p><p>sugestivo título A vida que vale a pena ser vivida e, caprichosamente trazem na capa dessa obra</p><p>adjetivos como: ajustada, moralizada, sagrada, pensada, intensa, útil, prazerosa, socializada,</p><p>tranquila, potente. Em uma época cada vez mais ameaçada pela depressão e pelo desencanto,</p><p>como encontrar um antídoto racional que nos permita dar um up na vida? Sócrates (apud</p><p>PESSANHA, 1999, p. 67) a�rmava que “uma vida sem re�exão não merece ser vivida”. Na</p><p>compreensão dos gregos, nada havia sido feito por acaso, por isso, o ensinamento socrático nos</p><p>sugere que, em primeiro lugar, temos que buscar descobrir qual é o papel que temos a</p><p>desempenhar para, em seguida, buscarmos desenvolver uma força interna su�ciente para nos</p><p>dedicarmos a esse projeto; só assim realizaremos de modo profundo a nossa própria natureza.</p><p>E se um dia tudo ruir aos nossos pés? Se tudo desmoronar e não tivermos onde nos agarrar,</p><p>como encontrarmos forças para continuar a�rmando “vivo a vida que vale a pena ser vivida”?</p><p>Nietzsche (1844-1900) contribui com essa re�exão por meio de um célebre texto intitulado O</p><p>peso mais pesado, em que se lê:</p><p>E se um dia, ou uma noite, um demônio te seguisse em tua suprema solidão e te</p><p>dissesse: “Esta vida, tal como a vives atualmente, tal como a viveste, vai ser</p><p>necessário que a revivas mais uma vez e inúmeras vezes; e não haverá nela nada de</p><p>novo, pelo contrário! A menor dor e o menor prazer, o menor pensamento e o menor</p><p>suspiro, o que há de in�nitamente grande e de in�nitamente pequeno em tua vida</p><p>retornará e tudo retornará na mesma ordem – essa aranha também e esse luar entre</p><p>as árvores e esse instante e eu mesmo! A eterna ampulheta da vida será invertida</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>sem cessar – e tu com ela, poeira das poeiras!” – Não te jogarias no chão, rangendo</p><p>os dentes e amaldiçoando esse demônio que assim falasse? [...] Ou talvez já viveste</p><p>um instante bastante prodigioso para lhe responder: “Tu és um deus e nunca ouvi</p><p>coisa tão divina!” Se este pensamento te dominasse, tal como és, te transformaria</p><p>talvez, mas talvez te aniquilaria; a pergunta “queres isso ainda mais uma vez e um</p><p>número incalculável de vezes?”, esta pergunta pesaria sobre todas as tuas ações com</p><p>o peso mais pesado! E então, como te seria necessário amar a vida e amar a ti</p><p>mesmo para não desejar mais outra coisa que essa suprema e eterna con�rmação,</p><p>esse eterno e supremo selo! (NIETZSCHE, 2011, p. 179)</p><p>Em 323 a.C., morreu Alexandre Magno; em 322 a.C., morreu Aristóteles; no mesmo ano, ainda,</p><p>morreu Demóstenes (384-322 a.C.), o maior orador grego.</p><p>“Num espaço de doze meses, a Grécia havia perdido o seu maior governante, o seu</p><p>maior orador e o seu maior �lósofo. A glória que havia sido a Grécia empalideceu,</p><p>agora, no raiar do sol romano” (DURANT, 1996, p. 106),</p><p>e por mil anos o mundo esperou a ressurreição da �loso�a.</p><p>Alexandre possibilitou não apenas o conhecimento de outras culturas, mas também se</p><p>encarregou</p><p>de difundir a cultura grega. Esse período, portanto, representa a difusão da cultura</p><p>helênica, grega, e durou cerca de quinhentos anos, indo desde a morte de Alexandre até ao ano</p><p>200 d.C., aproximadamente. Foi um período marcadamente ético, pois, a busca da felicidade, o</p><p>bastar-se a si, a busca do prazer da alma e a fuga dos prazeres do corpo foram as tônicas dessa</p><p>época.</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>Alexandre, o Grande. Fonte: Wikimédia.</p><p>A cultura grega sofreu profundas modi�cações: no plano político, caiu-se no despotismo, e no</p><p>plano religioso, os cultos se misturaram, o que repercutiu na compreensão que os gregos tinham</p><p>de si. A pólis perdeu sua importância diante de uma visão cosmopolita. Na pólis, o homem tinha</p><p>um lugar determinado e participava da vida política, por isso era um cidadão. Sob o império</p><p>macedônico, o cidadão deixou de ter essa importância, e os homens, escravos ou livres,</p><p>assemelharam-se ao deixarem de participar da vida política.</p><p>O cidadão foi saindo de cena e o indivíduo foi surgindo com a equivalência entre gregos e</p><p>bárbaros e o enfraquecimento dos antigos preconceitos racistas. A política perdeu parte do seu</p><p>valor e a �loso�a voltou-se para a vida interior do ser humano, o indivíduo passou a se ver só</p><p>diante da grandeza do império e acabou por buscar, isoladamente, a vida boa, a felicidade. É isso</p><p>que as escolas helenísticas farão, cada uma ao seu modo. A cultura helênica se transformou em</p><p>cultura helenística e ganhou o mundo, mas perdeu a profundidade da re�exão; ganhou extensão,</p><p>mas perdeu intensão.</p><p>Como ser feliz nesse emaranhado de mudanças? É isso que as correntes do ceticismo,</p><p>ecletismo, cinismo, epicurismo e estoicismo buscarão responder, cada uma à sua maneira.</p><p>Então, vamos conhecê-las!</p><p>Ceticismo</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>O termo ceticismo vem do grego sképsis, que signi�ca olhar cuidadosamente, investigar,</p><p>procurar, examinar. A tese dos céticos é que o homem não atinge a sabedoria conhecendo a</p><p>verdade, mas procurando-a. A verdade não nos é acessível, podemos conhecer apenas as</p><p>aparências. Só Deus conhece a verdade, ao homem cabe investigá-la, disso resulta a</p><p>compreensão de que devem existir duas verdades: uma divina, ligada ao conhecimento em si, e</p><p>outra humana, pautada pela busca, pela procura. De certo modo, os céticos reavivam a postura</p><p>so�sta de descon�ança com relação ao conhecimento (MONDIN, 1982). O ceticismo foi</p><p>formulado por um o�cial de Alexandre, Pirro de Elida (360-270 a.C.), que nada escreveu e cujo</p><p>pensamento foi conhecido e divulgado pelo médico de Alexandria, Sexto Empírico (séc. II - séc. III</p><p>d.C.).</p><p>Para ser coerente, o cético deveria suspender todos os juízos (epoké) e calar-se (afasia). Conta-</p><p>se que Pirro foi ao extremo de contentar-se, durante um tempo, apenas com o mover dos dedos</p><p>ou da cabeça, sem proferir palavra alguma, defendendo que não era possível conhecer a verdade,</p><p>e se fosse possível conhecê-la, não seria possível comunicá-la; se fosse possível comunicá-la, o</p><p>outro não a compreenderia, por isso, tudo o que restava era calar-se. Devido a isso, o pirronismo</p><p>ou ceticismo pirrônico foi considerado a forma extrema do ceticismo grego (ABBAGNANO,</p><p>2003).</p><p>Moralmente, os céticos também buscam, portanto, uma vida pautada na ataraxia e na apatia, ou</p><p>seja, viver indiferente às paixões, buscando a paz interior, sem perturbações. A apatia pirroniana</p><p>é a insensibilidade, não amar nada e não se irritar com nada. Certa vez, caminhando com o seu</p><p>amigo Anaxarco, que caiu num pântano, Pirro seguiu indiferente ao ocorrido, ao que Anaxarco o</p><p>louvou por sua impassibilidade (REALE, 1994).</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>Ecletismo</p><p>O ecletismo vem do grego eklégein, o qual signi�ca reunir, juntar, selecionar. Surgiu como uma</p><p>tentativa de buscar a verdade nos pontos comuns das diversas correntes �losó�cas,</p><p>selecionando o que fosse mais convincente em cada uma delas. O seu principal representante</p><p>foi Cícero (106-43 a.C.), �lósofo, político e orador romano. Cícero ocupou-se das discussões</p><p>�losó�cas acerca da retórica, da política, do direito, da religião e da moral durante toda a vida, e</p><p>mesmo sem uma originalidade �losó�ca, foi um �lósofo muito popular e um dos maiores</p><p>divulgadores do pensamento grego no mundo ocidental (REALE, 1994).</p><p>No ecletismo, é possível encontrar in�uência das mais diversas escolas: platônica, aristotélica,</p><p>epicurista e estoica, entre outras, sobressaindo-se as ideias moralizantes, mesmo não tendo a</p><p>profundidade da abstração grega, exceto, talvez, no direito. No plano ético, há uma proximidade</p><p>com os estoicos, admitindo-se que a virtude consiste em permanecer indiferente ao mundo.</p><p>Segundo o ecletismo, os desacordos não sinalizam a incapacidade da razão em atingir a</p><p>verdade, mas de abrangê-la com um único olhar. Devido a esse fato, pode ocorrer de um �lósofo</p><p>se limitar a investigar um aspecto e outro se dedicar a um aspecto diferente da realidade,</p><p>chegando ambos a conclusões obviamente diferentes. Daí a necessidade de não se con�ar em</p><p>um pensamento �losó�co apenas, mas reunir o que há de melhor entre eles.</p><p>Cinismo: tem mais quem se satisfaz com o mínimo</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>O fundador do cinismo foi Antístenes (444-365 a.C.), a partir da in�uência socrática, mas o</p><p>principal representante e símbolo típico desse movimento foi o seu discípulo Diógenes de Sinope</p><p>(413-322 a.C.). Diógenes infringiu a imagem clássica do homem grego a tal ponto que, certa vez,</p><p>quando interrogado sobre o que pensava de Diógenes, Platão (apud REALE, 1994, p. 21)</p><p>respondeu:</p><p>“é um Sócrates enlouquecido”.</p><p>Embora as loucuras realizadas por esse �lósofo sejam muitas, o que realmente importa é a sua</p><p>re�exão.</p><p>Para os cínicos, a virtude consiste</p><p>“na superação dos desejos arti�ciais, viver despojado como os cães e é justamente</p><p>daí que vem o nome desta escola, kynicos (cínicos), signi�ca ‘como um cão’” (LAW,</p><p>2008, p. 250).</p><p>Para Diógenes, a coisa mais bela entre os homens é a “liberdade da palavra” (parresia, em grego)</p><p>– o cínico deve dizer sempre o que pensa – e a “liberdade da ação” (anaidéia, em grego),</p><p>demonstrando que certos usos e costumes não são naturais, mas convencionais. Os cínicos</p><p>desprezavam os prazeres pelo fato de amolentarem o físico e o espírito, destruindo a liberdade e</p><p>tornando o homem escravo (REALE, 1994). Eles também entendiam que todo conhecimento é</p><p>impossível e sempre duvidoso, pois se busca ideias gerais, mas o que se tem é apenas o</p><p>singular.</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>A tese fundamental do cinismo é que o único �m do homem é a felicidade e a</p><p>felicidade consiste na virtude. Fora da virtude não existem bens, de modo que foi</p><p>característica dos cínicos o desprezo pela comodidade, pelas riquezas, pelos</p><p>prazeres, bem como o mais radical desprezo pelas convenções humanas e, em geral,</p><p>por tudo o que afasta o homem da simplicidade natural de que os animais dão</p><p>exemplo. (ABBAGNANO, 2003, p. 142)</p><p>Para os cínicos, a virtude consiste</p><p>“na superação dos desejos arti�ciais, viver despojado como os cães”, e é justamente</p><p>daí que vem o nome dessa escola: kynicos (cínicos) signi�ca “como um cão” (LAW,</p><p>2008, p. 250).</p><p>Diógenes, o maior símbolo do cinismo desprezava os prazeres a ponto de sustentar “pre�ro</p><p>morrer do que sentir prazer”, perambulava pelas ruas e dormia dentro de um barril deitado como</p><p>se fosse uma casinha de cachorro. Alexandre Magno visitou Diógenes e compadecido ante a sua</p><p>extrema pobreza, pronti�cou-se a ajudá-lo, a�rmando: “peça o que quiser que irei providenciar”,</p><p>ao que Diógenes respondeu: “Não me tires o que não podes me dar” (REALE, 1994, p. 255).</p><p>Demorou para Alexandre perceber o sentido da frase. Diógenes queria apenas que ele não lhe</p><p>�zesse sombra, pois estava se aquecendo com o sol da manhã e o Imperador obstruía os seus</p><p>raios. Diógenes se contentava com o básico, apenas o su�ciente (REALE, 1994, p. 255).</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>Diógenes sentado em seu barril cercado por cães. Pintura de Jean-Léon Gérôme de 1860. Fonte: Wikimédia.</p><p>______</p><p>Re�ita</p><p>É indiscutível</p><p>que vivemos em uma época totalmente diferente daquela em que o cinismo</p><p>�oresceu, contudo, alguns questionamentos ainda podem ser pertinentes. Embora a nossa</p><p>sociedade seja marcada pelo materialismo, pela busca do luxo, do bem-estar e da comodidade,</p><p>além de um forte acento no consumismo, não é raro acontecer de pessoas que usufruem dessas</p><p>realidades, paradoxalmente, sentirem um vazio existencial tão profundo e signi�cativo que, por</p><p>vezes, chega a comprometer a sua própria existência. As taxas de suicídio parecem não</p><p>depender de saldo bancário, e as pessoas mais sofridas nem sempre são as que perdem o gosto</p><p>pela vida. As di�culdades servem de exercícios para o fortalecimento da determinação e da</p><p>persistência humanas?</p><p>Epicurismo: a morte não é nada para nós</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>O nome dessa escola se deve ao seu fundador Epicuro de Samos (341-270 a.C.), para quem o</p><p>papel da �loso�a é curar os males da alma, assim como a medicina busca curar os males do</p><p>corpo. A �loso�a cumprirá o seu papel se libertar o espírito humano das preocupações. Do ponto</p><p>de vista ético, os epicuristas entendem que a felicidade consiste no prazer (hedoné), mas ainda</p><p>que todos os prazeres sejam bons por natureza, nem todos devem ser buscados, pois há</p><p>prazeres corrompidos – os excessos, por exemplo –, logo, a apatia, ausência de dor e</p><p>sofrimento, tornou-se o grande objetivo epicurista.</p><p>“O autêntico prazer é inseparável da tranquilidade da alma e da realização plena da</p><p>autossu�ciência” (ABRÃO, 1999, p. 72).</p><p>Talvez a amizade seja a mais importante fonte de satisfação e compensações.</p><p>“Epicuro julgava que os maiores prazeres eram os intelectuais, sendo o maior de</p><p>todos �losofar com os amigos. Segundo ele, buscar prazer sem pensar no dia</p><p>seguinte não nos permitiria maximizar nosso bem a longo prazo” (LAW, 2008, p. 251).</p><p>Do ponto de vista do conhecimento, o epicurismo segue a teoria atomista de Demócrito, em que</p><p>tudo o que existe são as coisas físicas, corpóreas, os átomos e o vazio. Até mesmo os deuses</p><p>estão sujeitos a essa lei e não desempenhavam nenhum papel na formação e no governo do</p><p>mundo (ABBAGNANO, 2003). Diante disso, conhecer é acumular sensações. A sensação é o</p><p>critério da verdade e do bem.</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>Pode-se dizer que a base do epicurismo é o propósito de libertação, assim resumido (ABRÃO,</p><p>1999):</p><p>não há que temer aos deuses;</p><p>morte signi�ca ausência de sensações;</p><p>é fácil procurar o bem;</p><p>é fácil suportar o mal.</p><p>A morte é apenas a desagregação dos átomos, e o homem nada sente. Quem compreender que</p><p>não há nada de terrível no fato de estar morto, não temerá a vida, o que o libertará do destino e</p><p>dos deuses, tornando-se livre para seguir o próprio objetivo: a felicidade (ABRÃO, 1999). Os</p><p>epicuristas também �caram conhecidos como “�lósofos do jardim”, pois Epicuro comprou uma</p><p>casa com um belo jardim em Atenas e era em seu jardim que ele lecionava.</p><p>Existem prazeres naturais e necessários que devem ser sempre satisfeitos, como comer, beber,</p><p>descansar, etc., pois a não satisfação compromete a nossa saúde e a nossa vida. Também há</p><p>prazeres naturais não necessários que podem ser satisfeitos às vezes, como comer bem, tomar</p><p>bebidas re�nadas, etc., além dos prazeres não naturais não necessários e que jamais devem ser</p><p>satisfeitos, como as drogas, por exemplo, que comprometem a nossa saúde, a nossa vida e</p><p>podem gerar dependência (EPICURO, 2002). Para alcançar, a felicidade o homem deve depender</p><p>unicamente de si.</p><p>______</p><p>Exempli�cando</p><p>Para os epicuristas, devemos procurar viver sem dor física, psíquica e emocional, e um dos</p><p>acontecimentos que mais nos causam dor é a morte, porém, eles entendem que não sofremos</p><p>com a morte, em si, pois quando ela chega já não estamos mais conscientes, sofremos,</p><p>portanto, com a ideia de morte. Curiosamente, tanto os epicuristas quanto Aristóteles, embora</p><p>acreditassem na existência dos deuses, não acreditavam em vida pós-morte e, ainda que</p><p>entendessem a morte como um marco do �m de tudo, não a temiam.</p><p>Estoicismo: o objetivo da vida é viver de acordo com a natureza</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>É a escola que melhor caracteriza o espírito cosmopolita da época, chegando até Roma e</p><p>in�uenciando pessoas importantes, como Sêneca (4 a.C. - 65 d.C.) e o imperador romano Marco</p><p>Aurélio (121-180 d.C.), tornando-se parte da cultura e do pensamento romanos (ABRÃO, 1999).</p><p>Pode ser considerado o pensamento mais original e o que teve a maior duração dentre as</p><p>escolas helenistas, e</p><p>“muitos dos fundamentos enunciados ainda integram doutrinas modernas e</p><p>contemporâneas” (ABBAGNANO, 2003, p. 376).</p><p>O seu nome deriva de stoá (pórtico, em grego), pois foi no pórtico da praça do mercado, em</p><p>Atenas, que o seu primeiro representante, Zenão de Cicio (333-262 a.C.), começou a ensinar</p><p>publicamente. Como os cínicos, Zenão não se apegava aos re�namentos sociais e levou uma</p><p>vida ascética coerente com o seu pensamento.</p><p>“Diz-se que, tendo caído e quebrado um dedo do pé, viu nisso um chamado de morte</p><p>e se estrangulou” (LAW, 2008, p. 252).</p><p>Segundo a teoria do conhecimento estoica, o mundo é o logos e suas partes unem-se entre si</p><p>pela simpatia, pela correspondência entre os vários aspectos da realidade. Tanto a relação do</p><p>homem com o mundo quanto a do conhecimento ou ideia com as coisas, também só são</p><p>possíveis porque há simpatia entre as partes. O mundo é um corpo vivo animado pelo sopro vital</p><p>(pneuma). O pneuma é o logos, e para conhecê-lo, é necessário conhecer a relação entre a</p><p>natureza corpórea das coisas e a razão.</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>Como as demais escolas da época, o estoicismo também primou pela questão moral, e assim, a</p><p>felicidade, para essa escola, consistia em viver de acordo com a ordem universal, desviando-se</p><p>das paixões, pois a liberdade consistia nisso e isso faria com que o homem se tornasse livre</p><p>mesmo sendo um escravo. A ausência de perturbações, ataraxia, era o ideal ético do estoicismo</p><p>(ABRÃO, 1999), e é isso que constitui a prática da virtude e a superação de si. É só superando a si</p><p>mesmo que o homem se unirá ao Logos (MONDIN, 1982).</p><p>Sendo que o objetivo da ética era levar o homem a encontrar a felicidade por meio da ataraxia, da</p><p>imperturbabilidade, pode-se dizer que anacoretas, eremitas e monges ilustram essa visão</p><p>estoica, à medida em que buscam o êxtase místico ou nirvana como um ideal de controle sobre</p><p>si, como defendido pelo estoicismo. Os estoicos valorizavam a resignação, isto é, o</p><p>conformismo, a aceitação, o contrário da indignação, dando origem à expressão “paciência</p><p>estoica”, o que implica aceitar pacientemente tudo o que acontece, pois faz parte do plano divino,</p><p>desprezando toda forma de prazer e sendo insensível aos bens do mundo. Atitude realçada pelo</p><p>cristianismo.</p><p>Sêneca, um dos maiores representantes do estoicismo, era assessor de Nero (37-68 d.C.), porém,</p><p>esse imperador cismou que Sêneca tramava a sua queda e o sentenciou à morte, obrigando-o a</p><p>cometer suicídio e lhe dando a oportunidade de escolher como morrer. Sêneca escolheu deitar-</p><p>se numa banheira de água morna e cortar os pulsos, uma morte lenta para poder relatar aos</p><p>seus discípulos o que se sente diante da morte, tendo sido coerente com sua fala</p><p>“quem não souber morrer bem terá vivido mal” (SÊNECA, 1985, p. 407).</p><p>Percebe-se que ele foi �el ao ideal de imperturbabilidade defendido durante toda a vida e não</p><p>caiu em contradição mesmo diante de infame sina. Os estoicos defendiam o amor fati,</p><p>expressão latina que signi�ca amor pelo destino, não importando qual viesse a ser esse destino.</p><p>______</p><p>Assimile</p><p>O mais comum é encontrarmos o conceito de apatia vinculado aos epicuristas e o conceito de</p><p>ataraxia aos estoicos, mas também é possível encontrarmos o inverso, pois são dois conceitos</p><p>bastante próximos; além disso, essas duas correntes de pensamento guardam similitudes e</p><p>aproximações. Mas certo é que, para Epicuro, a felicidade pressupunha uma vida sem</p><p>sofrimentos, o que estaria mais bem descrito pelo conceito de apatia, pois pathos é dor,</p><p>sofrimento, e o pre�xo</p><p>ou de falar”;</p><p>e um pouco adiante</p><p>“O senso comum é um juízo sem re�exão, comumente sentido por toda uma ordem,</p><p>todo um povo, toda uma nação, ou por todo o gênero humano”;</p><p>e ainda</p><p>“crenças tradicionais do gênero humano, aquilo em que todos os homens acreditam</p><p>ou devem acreditar”;</p><p>por �m:</p><p>Os símbolos empregados são determinados pela cultura corrente de um grupo social.</p><p>Eles formam um sistema, mas trata-se de um sistema de caráter mais prático que</p><p>intelectual. Esse sistema é constituído por tradições, pro�ssões, técnicas, interesses</p><p>e instituições estabelecidas no grupo. (ABBAGNANO, 2007, p. 873)</p><p>Conclusão</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>Como a�rmado: o senso comum forma um sistema mais prático do que intelectual e, portanto,</p><p>diante da situação proposta, talvez tanto o curandeiro australiano quanto o jovem recém-</p><p>formado, tenham as mesmas condições de sobreviver às di�culdades da �oresta amazônica,</p><p>pois a sobrevivência, nesse caso, envolve muitos fatores além de conhecimento. O curandeiro,</p><p>estaria, supostamente, mais adaptado às agruras da vida na selva, mas a idade, resistência física</p><p>etc. também podem contribuir para a superação do desa�o.</p><p>De todo modo, parece claro que o diploma de Harvard contribuiria pouco. Isso não signi�ca,</p><p>porém, que a busca de conhecimentos deva ser negligenciada e, sim, que todos os</p><p>conhecimentos são importantes e que o contexto pode ser fundamental para determinar a</p><p>relevância de um ou de outro. Há coisas que se revolvem intuitivamente; há coisas que se</p><p>revolvem pragmaticamente; e, certamente, também há coisas que se resolvem teoricamente.</p><p>Não é sinônimo de sabedoria ou de educação tratar algumas modalidades de conhecimentos</p><p>com preconceito e menosprezo, ao contrário, é sinal de sabedoria não se considerar o dono da</p><p>verdade, assim como já fazia Sócrates que não se sentia envergonhado em terminar um debate</p><p>sem considerá-lo totalmente concluído. Um doutor em medicina pode ser considerado</p><p>analfabeto em ciências políticas, por exemplo; um doutor em direito pode ser considerado</p><p>analfabeto em biologia, um doutor em psicologia pode ser considerado analfabeto em teologia, e</p><p>assim por diante.</p><p>A arrogância intelectual coloca-nos muito próximos da ignorância intelectual, tornando-nos</p><p>aquilo que criticamos (ignorar é não conhecer e, nesse momento, o arrogante ignora o limite do</p><p>seu conhecimento). Já o oposto da arrogância intelectual, a aceitação dos limites do nosso</p><p>conhecimento, ou da nossa verdadeira condição, nos aproxima da sabedoria. Essa postura</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>esteve presente em �lósofos desde a antiguidade, como percebemos nas histórias relatadas de</p><p>dois grandes vultos da �loso�a antiga.</p><p>Pitágoras não se considerava um sábio, apenas um amante da sabedoria; Sócrates não aceitou o</p><p>título de homem mais sábio daquela época; e Hans Jonas (1984, p. 23) a�rmava que o princípio</p><p>da sabedoria é a humildade (SÈVE, 1990, p. 79). Para Aristóteles a busca pelo conhecimento</p><p>começa pela dúvida, por isso caberia mais ao �lósofo sugerir, propor, do que impor. Sócrates,</p><p>Platão e Aristóteles pautavam-se na dialética (proposições, debates) e os so�stas pela erística</p><p>(imposições, retórica) (ABBAGNANO, 2007, p. 269 e 340).</p><p>O método que prevalece nas humanas é qualitativo, enquanto as exatas costumam primar pelo</p><p>método quantitativo. Sendo assim, em pé de igualdade, provavelmente o curandeiro teria maiores</p><p>condições de sobrevivência. Mas, em última análise – e isso é o mais importante – toda essa</p><p>história foi construída para que você jamais esqueça: todos os tipos de conhecimento devem ser</p><p>respeitados, não existe um mais valioso do que o outro, já que depende do contexto considerado.</p><p>E quanto mais sabedoria você tiver, mais você perceberá e se convencerá disso, conforme nos</p><p>ensinaram os grandes sábios.</p><p>Aula 2</p><p>Filoso�a</p><p>Introdução da Aula</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>Qual é o foco da aula?</p><p>Nesta aula, você conhecerá a origem da Filoso�a e alguns pensadores importantes.</p><p>Objetivos gerais de aprendizagem</p><p>Ao longo desta aula, você irá:</p><p>apontar o que é mito e qual sua presença na Grécia antiga;</p><p>identi�car o surgimento da �loso�a;</p><p>expressar como era a democracia ateniense e a importância do �lósofo Sócrates.</p><p>Situação-problema</p><p>Isaac Newton (1643-1727) a�rmava que aquilo que nós conhecemos é uma gota e o que</p><p>ignoramos é um oceano (BREWSTER, 1855, p. 413). Segundo Marcelo Gleiser (2014), se</p><p>considerarmos tudo o que conhecemos como sendo uma ilha, então tudo o que desconhecemos</p><p>estaria ao seu redor e, desse modo, quanto mais a ilha viesse a crescer mais cresceria os seus</p><p>limites com o desconhecido, ou seja, a consciência de que ainda há muito por conhecer. Essa é a</p><p>perspectiva da �loso�a: uma atitude de busca de conhecimento, mais do que uma convicção de</p><p>sua posse.</p><p>A situação que propomos a você é uma re�exão a partir de uma visão poética, uma religiosa e</p><p>uma cientí�ca como diferentes formas de pensar a partir de diferentes “cérebros”. Convidamos</p><p>você a re�etir e analisar se há possíveis convergências e/ou divergências entre elas. De acordo</p><p>com Willian Shakespeare, (1564-1616)</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>“nós somos feitos da mesma matéria dos sonhos!” (SHAKESPEARE, 2002, p. 102);</p><p>segundo a Bíblia, nós somos feitos à imagem e semelhança de Deus. Segundo Peter Higgs</p><p>(1929- ), em última instância (no mundo subatômico/bosônico), tudo se compõe de energia, com</p><p>a possibilidade de, a partir de um determinado ponto, condensar-se em matéria, incluindo nós.</p><p>Higgs apresentou essa possibilidade em 1964 e em 2013 ela foi con�rmada (PIMENTA, 2013).</p><p>Então nos perguntamos: pode ciência, religião e �loso�a estarem todas corretas? Ou, então,</p><p>todas erradas?</p><p>Por meio dessa proposta veremos que houve um tempo em que as explicações eram bem</p><p>diferentes das atuais. Houve um tempo em que o mito ocupava o lugar que hoje é da ciência,</p><p>originando, posteriormente, um pensamento mais profundo, crítico e re�exivo que se debruçou</p><p>sobre uma gama variada de assuntos e contou com a contribuição de importantes pensadores.</p><p>Queremos mostrar, também, que as diversas modalidades de conhecimento podem se referir à</p><p>mesma realidade, fazendo a�rmações muito próximas, mas com uma linguagem diferente, com</p><p>pontos de vistas baseados em recortes variados, embora guardem algo em comum: o objeto de</p><p>re�exão. Essa a�rmação assenta-se na constatação de que a visão cientí�ca muda de tempos</p><p>em tempos, a�rmações metafísicas podem se tornar ciência, teorias cientí�cas foram</p><p>abandonadas e as atuais poderão ser também abandonadas no futuro. Com a visão religiosa não</p><p>é diferente, algumas religiões já foram extintas, outras estão surgindo. Também na esfera</p><p>�losó�ca, encontramos inúmeras a�rmações se contrapondo umas às outras, temáticas sendo</p><p>abandonadas, novas temáticas dominando os círculos de estudo e assim por diante.</p><p>Embora de modo breve, faremos uma surpreendente viagem pelas principais ideias e</p><p>problemáticas inerentes à re�exão �losó�ca, com suas peculiaridades e contribuições, trilhando</p><p>um itinerário imprescindível para uma melhor compreensão da vida, do pensamento ocidental e,</p><p>por extensão, da nossa cultura e civilização.</p><p>O mito</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>Os gregos antigos �cavam admirados diante da grandeza, da beleza e da ordem presentes no</p><p>universo e na natureza. Atitude conhecida, em língua grega, como θαύμασεin (thaumazein), que</p><p>signi�ca espanto, admiração, encantamento. Esse foi o ponto de partida de toda a busca de</p><p>conhecimento como tentativa de compreensão daquilo que se passa ao nosso redor. O</p><p>thaumazein, a princípio, origina o mito e, posteriormente, a �loso�a; e a �loso�a dará origem à</p><p>ciência.</p><p>Os mitos estiveram presentes em todos os povos e ainda encontramos mitos em nossas</p><p>sociedades, embora com outras características. Há quem menospreze esse tipo de</p><p>conhecimento e, equivocadamente, o associe às lendas e crendices infundadas. É preciso</p><p>entender que tanto a palavra mito quanto a palavra lógos signi�cam narrativa, porém o mito é</p><p>visto como narrativa fantasiosa enquanto o lógos</p><p>“a-” é negação, não ou sem.</p><p>______</p><p>Essas são as re�exões e contribuições das escolas �losó�cas que compõem o período</p><p>helenístico; todas re�etindo acerca da felicidade e cada uma delas defendendo a importância de</p><p>elementos distintos que nos possibilitam uma vida plena, prazerosa e completa, fazendo com</p><p>que vivamos uma vida que valha a pena ser vivida.</p><p>Conclusão</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>Tendo em vista a história de Rodrigo, o gerente da agência bancária, e de Alfredo, o sitiante que</p><p>precisava comprar um novo veículo para atender às necessidades do seu sítio, e após</p><p>conhecermos as contribuições dos �lósofos helenísticos, retomamos às indagações iniciais: por</p><p>que, muitas vezes, desistimos diante de obstáculos tão simples? Por que algumas pessoas se</p><p>mostram mais lutadoras e outras desistem com facilidade? Qual delas é mais feliz? Qual é a</p><p>nossa postura diante das di�culdades às quais somos expostos?</p><p>Qual a relação dessas posturas com a nossa ideia do que é a felicidade?</p><p>Podemos perceber que não temos uma única resposta e que as respostas não têm o positivismo</p><p>das ciências exatas, portanto, elas estão mais no âmbito de possibilidades, de alternativas, do</p><p>que propriamente de resoluções de�nitivas.</p><p>Cada época e cada cultura apresentam um rol de valores que norteiam as ideias e as ações de</p><p>seus membros, e hoje, século XXI, podemos estar sendo in�uenciados por valores construídos</p><p>que não condizem com nossas verdadeiras aspirações. Então, a partir da contribuição do</p><p>ceticismo, podemos indagar se tais valores têm bases sólidas e se coadunam com os nossos</p><p>anseios; podemos questionar os ideais de felicidade que servem de arquétipos para a civilização</p><p>ocidental pós-moderna, tais como luxo, glamour, fama, estrelato, joias, viagens, prazeres etc., ou</p><p>então, podemos nos valer do ceticismo para questionar se é possível uma via segura que nos</p><p>garanta a felicidade.</p><p>A partir da contribuição do ecletismo, identi�camos a ideia de que é possível ser mais feliz em</p><p>determinados momentos da vida do que em outros; que algumas coisas que outrora nos faziam</p><p>felizes podem não nos fazer mais ou coisas que não valorizávamos podem acabar se tornando</p><p>peças imprescindíveis para a construção da nossa felicidade.</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>Conforme vimos, de acordo com o cinismo, podemos não apenas re�etir sobre, mas também</p><p>questionar as convenções sociais como sinônimo de felicidade. Elas podem comportar aspectos</p><p>positivos, mas estão sujeitas a muitas conjecturas que independem das nossas decisões e</p><p>vontades. Segundo essa escola, a virtude só é obtida quando se elimina da vontade todo o</p><p>supér�uo, tudo aquilo que é exterior.</p><p>De acordo com o epicurismo, satisfazer os prazeres naturais necessários já seria uma grande</p><p>dádiva, e a prudência e sensatez nos sugerem tomarmos decisões que afastem ou minimizem a</p><p>ocorrência de dores físicas, psíquicas ou mentais. Desse modo, é preciso construir a felicidade a</p><p>longo prazo, sem jamais desconsiderar o futuro; por �m, ter sempre em mente que quanto menor</p><p>for a nossa dependência de fatores externos, maior garantia de desfrute da felicidade teremos.</p><p>Por �m, o estoicismo coloca que não devemos perder a paz por coisas passageiras, que não</p><p>devemos �car indignados por coisas que não dependem de nós, que devemos ser fortes,</p><p>resilientes e resignados, não se abatendo por nada. Na obra Tranquilidade da Alma, Sêneca</p><p>a�rma que a inquietação pode ser oriunda, entre outros fatores, do ócio e da solidão, e que é</p><p>preciso se dedicar intensamente àquilo que escolhemos livremente fazer, tornando-nos úteis às</p><p>pessoas e à sociedade. O estudo, a re�exão e a meditação também são fármacos para uma</p><p>alma inquieta aliados à fuga de atividades impostas, alimentando amizades sinceras (SÊNECA,</p><p>1985).</p><p>Que bom enriquecermos nosso conhecimento acerca do período em que o pensamento</p><p>�losó�co se propagou pelo mundo e do modo como os helenistas re�etiam acerca da</p><p>possibilidade de alcançarmos a felicidade. Essa percepção in�ui muito em nossa postura diante</p><p>da realidade, não é?</p><p>Até a próxima!</p><p>Aula 2</p><p>Fenomenologia</p><p>Introdução da Aula</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>Qual é o foco da aula?</p><p>Nesta aula, você compreenderá aspectos fundamentais que de�nem o pensamento �losó�co:</p><p>Fenomenologia.</p><p>Objetivos gerais de aprendizagem</p><p>Ao longo desta aula, você irá:</p><p>relatar o que é fenomenologia;</p><p>diferenciar a fenomenologia, fenômeno e fenomenismo;</p><p>interpretar a epoché ou redução eidética e a intencionalidade.</p><p>Situação-problema</p><p>Algum dia você já se perguntou por que algumas pessoas não conseguem enxergar as cores ou</p><p>se todos nós enxergamos as cores nas mesmas tonalidades? Sabe-se que os cães têm dois</p><p>tipos de cones oculares e que cada tipo desses distingue cem tons de cores, portanto, 100 x 100</p><p>é o limite de tonalidades de cores que os cães captam, ou seja, 10.000 tons. Nós, seres</p><p>humanos, temos três – o que signi�ca que podemos distinguir um milhão de tonalidades de</p><p>cores; as aves têm em torno de cinco, e a tamarutaca é o animal que mais tem, sendo doze os</p><p>tipos de cones oculares, logo, o alcance de sua visão é 10012. Com isso, queremos apenas</p><p>sinalizar para algo bem real: nem todos enxergamos o mundo do mesmo jeito.</p><p>Se não temos certeza daquilo que está diante dos nossos olhos, como podemos ter certezas no</p><p>âmbito das abstrações, dos conceitos e dos sentidos? Existem realidades que não têm</p><p>representação concreta no mundo físico e nos são acessíveis apenas intelectivamente, tais</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>como liberdade, justiça, paz, amor etc. Estendendo isso para a interpretação de mundo, podemos</p><p>deduzir que o mundo, em si, não tem nenhum sentido, nenhum signi�cado, mas nós, seres</p><p>humanos, atribuímos signi�cado ao mundo e às nossas vivências e passamos a vê-los sempre a</p><p>partir desse signi�cado atribuído, tal qual acontece com as letras, que, a princípio não passam de</p><p>riscos aos quais demos sentido ao juntá-los, formando palavras, comunicando-nos e nos</p><p>fazendo entender por meio deles. O mesmo acontece com a nossa compreensão de mundo,</p><p>nossa cultura, nossos valores, a política, a educação, en�m, grande parte deste mundo vivido</p><p>está assentado em bases construídas por nós e que, agora, parecem tão naturais e nos dão a</p><p>ideia ou ilusão de que não poderiam ser de outra maneira.</p><p>Valemo-nos dessa re�exão para que você possa entender melhor a contribuição da</p><p>fenomenologia, uma corrente �losó�ca que defende que a nossa compreensão de mundo se faz</p><p>a partir daquilo que se manifesta, o phainomenon, em língua grega, e fenômeno, em língua</p><p>portuguesa. De acordo com a fenomenologia, para compreendermos o mundo, devemos partir</p><p>do fenômeno, mas ao interpretá-lo, devemos prescindir dos nossos pontos de vista, das nossas</p><p>idiossincrasias.</p><p>João Marcos nasceu com daltonismo, mas nunca havia se dado conta de que não enxergava as</p><p>cores. Seu sonho de menino era tornar-se militar, e por pretender ingressar no exército, o capitão</p><p>lhe deu uma arma, o colocou diante de três painéis com cores diferentes, azul, vermelho e</p><p>amarelo, e lhe pediu que acertasse o painel amarelo. O capitão, por sua vez, percebeu que João</p><p>atirava em qualquer um, independentemente da cor solicitada. Concluído o teste, João Marcos</p><p>foi dispensado e viu o seu sonho de menino se esvair. Na semana seguinte, ao assistir ao �lme O</p><p>amor é cego, em que nos é apresentada a possibilidade de não enxergamos a realidade tal qual</p><p>ela é, João Marcos percebeu que, de fato, é possível nos equivocarmos até mesmo em relação</p><p>àquilo que nos parece inquestionável. Partindo dessa possibilidade, podemos nos perguntar:</p><p>será que nós realmente captamos o mundo como ele é? E mais: será que o mundo tem um</p><p>propósito ou existe aleatoriamente? Teria ele um sentido em si? As pessoas são o que parecem</p><p>ser? Como a epoché e a intencionalidade podem afetar o nosso modo de compreender o</p><p>mundo?</p><p>Por meio das indagações suscitadas por esses questionamentos, vamos apresentar a</p><p>contribuição da fenomenologia ao pensamento �losó�co contemporâneo a partir, sobretudo, das</p><p>ideias de um dos seus maiores representantes,</p><p>o matemático e �lósofo alemão Edmund Husserl</p><p>(1959-1938).</p><p>Introdução à fenomenologia</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>O problema do conhecimento foi um dos mais pertinentes na idade moderna, desde Galileu até</p><p>Kant, passando por Descartes, Locke e Hume, entre outros. Locke buscou conhecer os limites do</p><p>nosso conhecimento e concluiu que ele se limitava ao fenômeno, não nos sendo possível</p><p>conhecer nada além do fenômeno (LOCKE, 1999). Hume compartilhou da mesma ideia de Locke</p><p>e, também, defendeu que o nosso conhecimento se limitava ao fenômeno (HUME, 1984). Por �m,</p><p>Kant também sustentou que não nos era possível conhecer o númeno, a essência do mundo,</p><p>mas apenas o modo como ele se manifesta (KANT, 2001).</p><p>A esse panorama re�exivo soma-se o fato de Isaac Newton (1643-1727) ter conferido à física</p><p>bases sólidas tão exatas que se tornaram universais, resultando na busca de uma base</p><p>semelhante para outras áreas do conhecimento, tais como ética, sociologia e psicologia, por</p><p>exemplo. Entendeu-se, então, que tais bases só seriam possíveis por meio de um método</p><p>adequado e e�caz. No começo, elas foram tentadas a se basear no método das ciências naturais</p><p>e originaram o positivismo; acreditava-se que esse seria um método isento da subjetividade do</p><p>pesquisador e, portanto, neutro.</p><p>Mas houve quem não concordou com essa perspectiva e questionou a possibilidade de</p><p>conhecermos o mundo e a sociedade sem levarmos em conta a própria ótica, bem como se seria</p><p>possível conhecermos o mundo prescindindo da nossa intencionalidade. Estamos nos referindo</p><p>aos adeptos da fenomenologia, um método de pesquisa interpretativo e qualitativo – ou seja, não</p><p>quantitativo – que busca descrever a essência do ser levando em conta que ela não seria</p><p>traduzível em números, mas em sentido, signi�cações e conceitos.</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>O que é o fenômeno?</p><p>O termo fenômeno em língua grega signi�ca aquilo que aparece, ou seja, a aparência. “Para</p><p>muitos �lósofos gregos, o fenómeno é o que parece ser, tal como realmente se manifesta, mas</p><p>que em rigor, pode ser qualquer coisa diferente e até oposta” (MORA, 1978, p. 106). O fenômeno</p><p>pode ser entendido como algo que se contrapõe, então, ao ser verdadeiro e que, por vezes, até o</p><p>encobre. Por exemplo: você não é mais o bebê recém-nascido daquela foto guardada, você não é</p><p>o corpo que você tem, pois ele está em constante mudança (tente imaginar qual será a imagem</p><p>que você deixará de você para o mundo), mas pode ser que te vejam e te identi�quem pelo corpo,</p><p>e nesse caso, a tua essência, o teu verdadeiro eu não aparece às pessoas, o que aparece é o teu</p><p>corpo, que acaba por encobrir o teu ser. Percebe-se que o conceito de fenômeno é extremamente</p><p>equívoco, podendo ser a verdade, quando transparente e evidente, ou aquilo que encobre a</p><p>verdade, ou seja, o falso ser. Não se descarta, ainda, a possibilidade de um fenômeno ser um</p><p>caminho para a verdade se manifestar.</p><p>São três concepções diferentes que tanto podem se apresentar confusamente quanto</p><p>entrelaçadas na história da �loso�a. Até àqueles pensadores para quem a oposição entre</p><p>fenômeno e ser verdadeiro equivale à oposição entre o aparente e o real, o fenômeno não</p><p>signi�ca somente o ilusório (MORA, 1978). Assim, não se pode dizer que o fenômeno seja uma</p><p>realidade ilusória, mas uma realidade subordinada e dependente, tal qual se pode dizer de uma</p><p>sombra projetada por uma luz, que não é a luz, mas sem a qual a luz não nos seria acessível</p><p>(MORA, 1978). Então, pode-se dizer que o fenômeno não é o ser em si, mas também não é mera</p><p>aparência; ele é objeto de experiência possível diante do que é simples aparência ilusória e frente</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>ao que se encontra para além da experiência. Segundo Husserl, é o objeto intuído, aparente, tal</p><p>qual nos aparece aqui e agora (HUSSERL, 2012). Ou seja, o fenômeno é aquilo que nos é possível</p><p>apreender, aquilo que conseguimos experienciar, mas não se limita ao experienciável, pois</p><p>experienciamos a partir da nossa visão, e é interpretado a partir das nossas idiossincrasias.</p><p>O que é a fenomenologia?</p><p>Edmund Husserl (1859-1938) é o principal sistematizador do método fenomenológico. Ele</p><p>nasceu em Proßnitz, na Moravia, República Tcheca, que, naquele tempo, pertencia ao império</p><p>austríaco. Edmund foi um dos poucos pensadores que não estudou �loso�a, mas doutorou-se</p><p>em matemática pela Universidade de Viena. Depois de formado, lecionou na Universidade de</p><p>Halle, passando para Göttingen, e encerrou sua carreira na Universidade de Freiburg, onde foi</p><p>reitor, mas foi destituído e perseguido pelos nazistas (ABRÃO, 1999).</p><p>Edmund interessou-se por �loso�a por in�uência de Franz Brentano (1838-1917) e, com ele,</p><p>percebeu que os estados mentais são sempre dirigidos para além de si mesmos, por exemplo: a</p><p>nossa mente não apreende a casa, apreende a ideia de casa. Husserl queria encontrar as bases</p><p>psicológicas da matemática e da lógica. Por perceber que a experiência sempre está antes de</p><p>todo pensamento formal, estudou os empiristas ingleses e acabou chegando ao seu método de</p><p>análise fenomenológico, ou seja, a descrição do modo como o mundo aparece para a</p><p>consciência (REALE, 2006).</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>Segundo Husserl, a nossa consciência é sempre consciência de algo, de alguma coisa, e traz</p><p>consigo uma intencionalidade. E foi justamente essa intencionalidade que se tornou o eixo da</p><p>sua metodologia fenomenológica, que envolve, como já dito, uma descrição pura dos conteúdos</p><p>da experiência consciente. Isso só seria possível se suspendêssemos a crença no mundo natural</p><p>e todas as suposições que ela produz para a experiência, pois, desse modo, poderíamos</p><p>examinar o conteúdo essencial da experiência e sua estrutura intencional, bem como descrever a</p><p>intuição pela mente das essências dos objetos de experiência (LAW, 2008). A fenomenologia é a</p><p>análise de como se forma para nós o campo da nossa experiência, como sintetizamos em nossa</p><p>mente tudo aquilo que captamos do mundo externo e, assim, chegamos à ideia de um objeto uno</p><p>e idêntico, transcendendo esse mesmo objeto.</p><p>Husserl discordou de Kant ao não aceitar a diferenciação entre númeno e fenômeno e a�rmou</p><p>que era possível conhecer o númeno. Aproximou-se, em parte, da teoria de Hegel, que a�rmava</p><p>que a essência do mundo era cognoscível, porém, enquanto para Hegel esse conhecimento era</p><p>possível a partir de uma análise de mundo tomado como totalidade histórica, percebido como</p><p>espírito da história – o que, no fundo, seria a consciência humana –, Husserl, discordando dessa</p><p>visão de totalidade, sustenta que consciência não é o fenômeno, não é o real, mas é aquilo que</p><p>lhe dá sentido.</p><p>Percebe-se, então, que Husserl discorda de Kant, de Hegel e dos positivistas. Esses últimos eram</p><p>fortemente in�uenciados pelo método das ciências da natureza, sobretudo por sua objetividade,</p><p>o que, supostamente conferiria neutralidade ao conhecimento a partir de experiências e</p><p>conclusões empíricas veri�cáveis. A análise de mundo, dos eventos e acontecimentos</p><p>prescindiria da subjetividade e alcançaria a realidade tal qual ela é. Para Husserl, isso não seria</p><p>possível nas ciências humanas, visto que elas deveriam ser analisadas qualitativamente e não</p><p>quantitativamente. Portanto, as ciências que trabalham com dados qualitativos, como é o caso</p><p>das humanas, deveriam recorrer a um método de pesquisa interpretativo e qualitativo que</p><p>permita descrever a essência do ser, o que não poderia ser expresso por meio de fórmulas e</p><p>números, mas apenas conceitualmente, por meio de signi�cações, tais como bom, belo, justo,</p><p>verdadeiro etc., e por meio dos sentidos que tendem a captar a essência do ser (MARTINS,</p><p>2017).</p><p>Como podemos ver, a fenomenologia busca mostrar que a abstração, o juízo e a inferência, entre</p><p>outros atos mentais, não são empíricos, mas de natureza intencional, que têm as suas</p><p>correlações em puros termos da consciência intencional. Essa consciência não apreende os</p><p>objetos, apreende seus signi�cados e exige uma atitude de suspensão do mundo natural,</p><p>colocando “entre parênteses”</p><p>a crença na realidade do mundo natural e as proposições a que</p><p>essa crença dá lugar (MORA, 1978). Isso não signi�ca negar a realidade do mundo natural como</p><p>os adeptos do ceticismo, mas apenas procurar ver a atitude natural sob outro ângulo.</p><p>Por isso se diz que o método fenomenológico consiste em examinar todos os conteúdos de</p><p>consciência, mas não para se certi�car se são reais ou não, mas o quanto são dados puros da</p><p>consciência. Daí a necessidade da suspensão, pois só assim a consciência fenomenológica</p><p>pode ater-se ao dado enquanto tal e descrevê-lo na sua pureza. O dado, na fenomenologia de</p><p>Husserl, não é um material que se organiza mediante formas de intuição e categorias, como na</p><p>�loso�a transcendental, e nem os dados dos sentidos organizados empiricamente, mas a</p><p>correlação da consciência intencional em que não há conteúdos, somente fenômenos (MORA,</p><p>1978).</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>A fenomenologia, fenômeno e fenomenismo</p><p>Aquilo que a fenomenologia busca mostrar, na maioria dos casos, é aquilo que não se manifesta,</p><p>aquilo que está velado, escondido, mas que expressa o sentido e o fundamento daquilo que se</p><p>manifesta; por isso Heidegger dirá que</p><p>“a fenomenologia é a única ontologia possível” (HEIDEGGER, 2005, p. 66).</p><p>Frente a isso, a formulação fenomenológica da �loso�a não implica a redução da existência à</p><p>aparência e não pode ser confundida com o fenomenismo, que consiste em uma concepção</p><p>�losó�ca atribuída principalmente a Hume, que não admite a existência de nenhuma substância,</p><p>mas considera a realidade como composta exclusivamente dos fenômenos e das percepções e</p><p>ideias que deles formamos (JAPIASSÚ; MARCONDES, 2001).</p><p>Fenomenologia e fenomenismo partem de conceitos distintos de fenômeno, o que não signi�ca</p><p>que o ser esteja escondido atrás dos fenômenos, nem que o fenômeno seja uma aparência que</p><p>remete a um ser distinto (“só enquanto aparência o fenômeno é, ou seja, ele se indica sobre o</p><p>fundamento do ser”). O “ser do fenômeno”, mesmo coextensivamente ao fenômeno, “deve</p><p>escapar à condição fenomênica”, excedendo e fundamentando o conhecimento que se tem dele</p><p>(ABBAGNANO, 2007, p. 439).</p><p>Epoché ou redução eidética</p><p>De acordo com Husserl, a fenomenologia pura, também chamada de transcendental, trata da</p><p>questão das essências, da eidética, e não de dados de fato – tratativa possibilitada pela redução</p><p>eidética cuja tarefa é expurgar os fenômenos psicológicos de suas características reais ou</p><p>empíricas e levá-los para o plano da generalidade essencial (ABBAGNANO, 2007).</p><p>______</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>Assimile</p><p>Eidético é um termo usado por Husserl para caracterizar aquilo que se refere às essências, é a</p><p>ciência das formas das coisas no espírito. É a intuição eidética que nos permite apreender as</p><p>essências; ela consiste em se passar do fenômeno empírico ou existencial à sua essência</p><p>(JAPIASSÚ; MARCONDES, 2001).</p><p>______</p><p>A redução eidética, isto é, a transformação dos fenômenos em essências, também pode ser</p><p>descrita como redução fenomenológica ou epoché ao sinalizar para a transformação dos</p><p>fenômenos em representações da realidade. Nesse sentido, a fenomenologia é uma corrente</p><p>�losó�ca genuína que investiga os fenômenos pautada na redução fenomenológica.</p><p>Com esse tipo de investigação, Husserl conseguiu reconhecer o caráter intencional da</p><p>consciência, entendo-a como um movimento que transcende o objeto captando-o em sua</p><p>totalidade, de modo evidente à intuição em função da presença efetiva desse objeto. Essa noção</p><p>de objeto não se limita ao aspecto físico, mas estende-se às formas de categorias, às essências</p><p>e aos objetos ideais (ABBAGNANO, 2007). Isso permite ao sujeito uma consciência das suas</p><p>próprias experiências por meio da percepção perfeita entre ser e parecer, embora a intuição</p><p>permaneça para lá das aparências do objeto externo.</p><p>Epoché, em língua grega, signi�ca suspensão do juízo, estado de repouso mental pelo qual nem</p><p>a�rmamos nem negamos nada; foi empregado na Grécia antiga pelos céticos para expressar a</p><p>sua atitude perante o problema do conhecimento. Acreditavam eles que a epoché proporcionaria</p><p>o estado de imperturbabilidade e a possibilidade de aprenderem de imediato a realidade do</p><p>objeto. Para esses �lósofos céticos da antiguidade, a epoché não tinha apenas um sentido</p><p>teórico, mas também prático, pois além de referir-se ao conhecimento do objeto, refere-se</p><p>também ao conhecimento do bem, especialmente do bem supremo (MORA, 1978).</p><p>Esse vocábulo, que passará a ser fundamental para o método fenomenológico, foi retomado por</p><p>Husserl com um sentido diferente. Em sentido primário, a epoché não signi�ca mais do que o</p><p>fato de suspendermos o juízo perante o conteúdo doutrinal de qualquer dada �loso�a e</p><p>realizarmos todas as nossas comprovações dentro dos limites dessa suspensão. Num sentido</p><p>mais preciso, a epoché fenomenológica signi�ca a mudança radical de uma possível tese</p><p>natural. De acordo com a tese natural, a consciência capta o mundo como ele foi, é e sempre</p><p>será (MORA, 1978).</p><p>Alterando essa tese, temos a suspensão do juízo ou a sua colocação entre parênteses, não só</p><p>das doutrinas sobre a realidade como também da própria realidade. Portanto, o mundo natural</p><p>não �ca negado nem se duvida da sua existência, apenas a sua compreensão está suspensa.</p><p>Está aí o motivo da epoché fenomenológica: não se comparar com a dúvida cartesiana nem com</p><p>a suspensão cética do juízo ou a negação sofística da realidade; só assim é possível, segundo</p><p>Husserl, constituir a consciência pura ou transcendental como resíduo fenomenológico (MORA,</p><p>1978).</p><p>O método fenomenológico se compõe de dois momentos: a epoché – quando se isola o objeto</p><p>de tudo aquilo que lhe é próprio para conhecê-lo de modo puro (chamado de momento negativo)</p><p>– e o momento em que o olhar da inteligência se dirige à própria coisa, nela imerge e a deixa se</p><p>manifestar (MONDIN, 1981, p. 226). Mesmo tendo nascido de preocupações matemáticas, a</p><p>fenomenologia preocupou-se com a situação da vida humana e centrou suas indagações na</p><p>liberdade e na situação do indivíduo na história, o que acabou contribuindo, posteriormente, para</p><p>o existencialismo, pois a história e a existência são vistas como destituídas de sentido em si,</p><p>tendo somente o sentido que lhes outorgamos.</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>A intencionalidade</p><p>A intencionalidade é um conceito central da fenomenologia que Brentano buscou na escolástica,</p><p>a qual entende intenção como a semelhança à coisa pensada. Note que não é a coisa em si, mas</p><p>a coisa pensada que está ligada à própria de�nição de consciência por voltar-se para um objeto,</p><p>sinalizando que toda consciência é sempre consciência de algo. Ela se veri�ca a partir de sua</p><p>relação com o objeto, com o mundo constituído que a precede. Porém, esse mundo recebe o seu</p><p>signi�cado somente por ser objeto da consciência e ser visado por ela. É por meio desse</p><p>interagir da consciência com o real pautado pela intencionalidade que a fenomenologia suplanta</p><p>a oposição entre o idealismo e o realismo (JAPIASSÚ; MARCONDES, 2001).</p><p>______</p><p>Exempli�cando</p><p>Para exempli�car a profundidade do conceito de intenção, vale lembrar que o valor dos nossos</p><p>atos está naquilo que intencionamos ao realizá-los. Esse conceito foi resgatado por Brentano a</p><p>partir da intentio que remonta ao pensamento ético de Tomás de Aquino, um dos maiores</p><p>expoentes da escolástica. Ele elaborou uma re�exão ética pautada em três conceitos bases:</p><p>conscientia, intentio e synderesis. Synderesis é o resquício de moralidade que sobrevive até</p><p>mesmo no pior dos bandidos, próximo do que hoje chamamos de remorso. Já a conscientia liga-</p><p>se à vontade e à responsabilidade diante do ato moral; e a intentio é o propósito visado na ação.</p><p>______</p><p>A consciência carrega sempre consigo uma intenção, sendo por essência determinada pela</p><p>intencionalidade, entendida como ato de visar as coisas, atribuindo-lhes signi�cado. O mundo, a</p><p>realidade em que estamos imersos, é o correlato intencional da consciência. A percepção é o ato</p><p>intencional da consciência, é a unidade interna e necessária entre</p><p>o ato e o correlato, entre o</p><p>perceber e o percebido, em que o percebido é a sua correspondência intencional. É por isso que,</p><p>conhecendo a estrutura intencional ou a essência da consciência, é possível chegar à essência</p><p>da percepção ou da imaginação, da memória, da re�exão etc. (CHAUI, 2000).</p><p>Noema e noesis</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>A nossa tentativa de conhecer o mundo – leia-se, compreendê-lo e signi�cá-lo – se faz por meio</p><p>de dois processos distintos de apreensão da sua essência, de acordo com a compreensão de</p><p>Husserl. Esses movimentos articulam-se entre si e são descritos como noema e noesis. O</p><p>noema é aquilo de que a consciência está consciente, não é o objeto, que é a coisa, mas a</p><p>percepção do objeto. Segundo Husserl, O noema é o aspecto objetivo da vivência, ou seja, o</p><p>objeto considerado pela re�exão em seus diversos modos.</p><p>“Por exemplo, o objeto da percepção da árvore é a árvore, mas o noema dessa</p><p>percepção é o complexo dos predicados: árvore verde, iluminada” (ABBAGNANO,</p><p>2000, p. 713).</p><p>Depois de intuir o objeto, o sujeito chega à condição de desenvolver uma noção daquilo que o</p><p>objeto vem a ser em si e tem mais clara noção da sua essência, e é justamente isso que faz da</p><p>fenomenologia um processo existencial – uma vez que não está desligada da vida das pessoas</p><p>– e, também, epistemológico, enquanto se constitui um método e�caz para conhecermos o</p><p>mundo (MARTINS, 2017).</p><p>Já a noesis é identi�cada com a própria visada da consciência, é o aspecto subjetivo da vivência</p><p>que se constitui pelos atos de compreensão que buscam a apreensão do objeto ligados à</p><p>percepção, lembrança, imaginação etc. (ABBAGNANO, 2007). A noesihs se encontra no</p><p>movimento de captura do mundo, no sentir e perceber, ou seja, no intuir, de forma imediata,</p><p>aquilo com o qual nos deparamos no mundo (MARTINS, 2017).</p><p>______</p><p>Assimile</p><p>Visada, do latim visare, é um</p><p>“[t]ermo frequentemente utilizado pela fenomenologia para designar a operação pela</p><p>qual a consciência, dotada de intencionalidade – só há consciência de um objeto e só</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>há objeto para uma consciência –, volta sua atenção para este ou aquele objeto”</p><p>(JAPIASSÚ; MARCONDES, 2001, p. 186).</p><p>______</p><p>A noesis se refere à tomada de consciência do mundo vivido, o que implica certa passividade por</p><p>parte do sujeito para deixar o “objeto lhe falar”, sem especular sobre ele, procurando reduzir a</p><p>interferência da própria subjetividade nesse processo (MARTINS, 2017).</p><p>“Há que estudar tudo isto e estudá-lo na esfera da evidência pura” (HUSSERL, 1989, p.</p><p>107).</p><p>Trata-se de uma atitude parecida, mas não idêntica à atitude do empirista, pois permite avançar,</p><p>visto que Husserl não se limita a conhecer o “objeto” empiricamente, descrevendo suas</p><p>aparências, uma vez que busca o conhecimento da sua essência. Por isso, quando o “objeto fala”</p><p>ao sujeito, confere a ele os predicados que expressam o que ele é em si, em sua essência, ou</p><p>seja, fornece a noema.</p><p>“Assim, a noesis é o ato mesmo de pensar e o noema é o objeto desse pensamento.</p><p>Na operação do pensamento não há noesis sem noema. Portanto ninguém pensa</p><p>sobre o nada” (JAPIASSÚ; MARCONDES, 2001, p. 137).</p><p>______</p><p>Re�ita</p><p>Você já pensou sobre quantas palavras nós usamos em nosso dia a dia sem compreender o seu</p><p>signi�cado? Mesmo palavras do cotidiano, como tempo, mundo, salvação etc. Ao tentar de�nir</p><p>tempo, normalmente recorremos ao modo como marcamos o tempo: dia, horas, meses, etc. O</p><p>�lósofo austríaco Ludwig Wittgenstein (1889-1951), por exemplo, alerta-nos que</p><p>“o que não se pode falar, se deve calar” (WITTGENSTEIN, 1968, p. 129),</p><p>além disso, ele também sustenta que</p><p>“o mundo é tudo o que ocorre” (WITTGENSTEIN, 1968, p. 55).</p><p>Conclusão</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>Chegou o momento de retornarmos ao nosso questionamento inicial a partir da situação</p><p>vivenciada por João Marcos e sua decepção por ter de abortar o sonho da carreira militar e do</p><p>insight que lhe provocou o enredo do �lme O amor é cego, o qual lhe sugeriu que pode acontecer</p><p>de não enxergarmos a realidade tal qual ela é, mas com distorções. Diante disso, perguntamo-</p><p>nos: será que nós realmente captamos o mundo como ele é? Será que o mundo tem um</p><p>propósito, um objetivo, uma �nalidade ou existe aleatoriamente? O mundo tem um sentido em si</p><p>ou apenas tem o sentido que nós atribuímos a ele? As pessoas são o que parecem ser? E, por</p><p>�m, como a epoché e a intencionalidade podem afetar o nosso modo de compreender o mundo?</p><p>Antes de tudo, queremos lembrar que o nosso objetivo é promover um genuíno exercício</p><p>�losó�co por meio de perguntas acerca da realidade última do mundo, da realidade que nos</p><p>cerca e da nossa própria existência, bem como nos colocar diante de questionamentos que</p><p>podem não estar ocorrendo em nosso dia a dia em função da agitação característica dos</p><p>tempos atuais ou por uma atitude dogmática que nos sugere aceitarmos naturalmente o mundo</p><p>como se ele estivesse completamente explicado (e até pode ser que esteja), mas que não nos</p><p>impede de formularmos tais perguntas. Além disso, não devemos nos esquecer da relevância de</p><p>não deixarmos de nos perguntar até mesmo sobre temas que supostamente não têm respostas,</p><p>pois eles podem nos conduzir a signi�cativas descobertas.</p><p>Não espere por respostas que atendam totalmente aos nossos questionamentos, por respostas</p><p>conclusivas e contundentes que esgotem totalmente a questão, como ocorre nas ciências</p><p>exatas. A própria fenomenologia nos sugere métodos qualitativos e não quantitativos, além de</p><p>realçar o papel da intencionalidade. Possivelmente, passaremos por esse mundo sem muitas</p><p>certezas e abraçando explicações construídas que nos darão a falsa ilusão de fornecerem</p><p>explicações para tudo.</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>De acordo com a contribuição da fenomenologia e de Husserl, especialmente, para a nossa</p><p>compreensão do mundo tal qual ele é, faz-se necessário suspendermos, colocarmos entre</p><p>parênteses tudo aquilo que herdamos, toda in�uência externa. Essa é a atitude conhecida como</p><p>epoché. Tente imaginar como um extraterrestre compreenderia a nossa realidade, por que nos</p><p>vestimos ou por que nos vestimos como nos vestimos; por que tomamos banho, por que rimos,</p><p>por que rezamos, por que paramos de trabalhar um dia na semana, por que nutrimos amizades,</p><p>por que juntamos objetos, bens materiais e assim por diante.</p><p>A suspensão do juízo não precisa ser de�nitiva, é apenas um recurso metodológico para que nos</p><p>conscientizemos de que o sentido do mundo – e, aqui, essa expressão se aproxima do númeno</p><p>kantiano – se dá por meio do sentido atribuído àquilo que aparece, àquilo que está aí, àquilo que</p><p>se manifesta, ou seja, ao fenômeno. A essência está para lá do fenômeno, mas como ele é aquilo</p><p>que primeiro nos aparece, ofusca a nossa visão da posse de�nitiva e da elaboração desse</p><p>processo. A fenomenologia requer muitíssima acuidade re�exiva, e ao rasteiro, super�cial,</p><p>poderá parecer apelação ou má interpretação da realidade; é como falar do sabor de um</p><p>alimento para quem nunca experimentou tal alimento, é como tentar convencer um sinestésico</p><p>de que os sons não têm cheiro ou de que o cheiro não tem cor, por exemplo.</p><p>Então, o questionamento sobre a possibilidade de o mundo ter sentido em si, de as pessoas</p><p>serem o que parecem ser e assim por diante deverá �car em suspenso e ser analisado sem</p><p>nenhum fator externo à nossa própria racionalidade. Em sentido prático, para o nosso dia a dia,</p><p>talvez possamos dizer – sem nenhum pré-conceito e sem nenhum pré-juízo –: quem sabe, ao a</p><p>esvaziarmos de sentido, a vida não acabe, justamente, ganhando sentido.</p><p>Aula 3</p><p>Existencialismo</p><p>Introdução da Aula</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>Qual é o foco da aula?</p><p>Nesta aula, você identi�cará aspectos que de�nem o existencialismo.</p><p>Objetivos gerais de aprendizagem</p><p>Ao longo desta aula, você irá:</p><p>identi�car o que é o existencialismo;</p><p>analisar o pensamento dos �lósofos Schopenhauer e Kierkegaard sobre o existencialismo;</p><p>explorar os estudos dos �lósofos Nietzsche e Sartre acerca do existencialismo.</p><p>Situação-problema</p><p>Olá, estudante! Cada sociedade se orienta por determinados valores e pensamentos, que tanto</p><p>podem permanecer em outras épocas quanto sofrer alterações ou serem descartados. Por</p><p>exemplo: os gregos acreditavam em destino, que vínhamos ao mundo com a nossa vida já pré-</p><p>de�nida e que até os deuses estavam sujeitos a isso. O cristianismo sustenta a crença de que</p><p>nascemos com uma essência, somos �lhos de Deus e, portanto, a essência precede a existência.</p><p>Mas uma corrente �losó�ca contemporânea, o existencialismo, a�rma o contrário: a existência</p><p>precede a essência, ou seja, nascemos e, a partir disso, escolhemos o que seremos.</p><p>Essa escolha, de acordo com o existencialismo, sobretudo de acordo com as ideias de Jean-Paul</p><p>Sartre (1905-1980), faz-se necessária porque nascemos livres e somos obrigados a fazer</p><p>escolhas o tempo todo. O problema é que algumas escolhas se chocam com interesses de</p><p>outras pessoas e somos obrigados a abrir mão delas. Daí a compreensão de que o outro é o meu</p><p>inferno (SARTRE, 1991), pois é um limitador da minha liberdade.</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>Freud não chegou a de�nir o outro como um inferno, mas defendeu que a civilização, por vezes,</p><p>pode nos cobrar posturas que não nos são naturais e acabam ocasionando um mal-estar</p><p>(FREUD, 2010). Contrariando Sartre e Freud, Aristóteles defendeu que quem vive isolado</p><p>compromete a própria felicidade, ou seja, que o homem é, por essência, um animal político que</p><p>tem necessidade do outro para realizar a sua verdadeira natureza. No livro 8 da Ética à</p><p>Nicômaco, Aristóteles tece importantes considerações acerca da amizade e sustenta a sua</p><p>imprescindibilidade para uma boa vida. O livro do Eclesiástico (6,14) corrobora essa visão ao</p><p>sustentar que um amigo verdadeiro é um tesouro.</p><p>Vamos re�etir sobre essa questão a partir da história de um estudante chamado João. Ele tinha</p><p>13.428 seguidores no Instagram e passava o dia todo usando as redes sociais sem tempo para</p><p>estabelecer vínculo afetivo com os colegas da turma e com os moradores do seu prédio, dos</p><p>quais não sabia nem o nome. Seus amigos eram virtuais e isso já lhe era su�ciente. Numa</p><p>madrugada qualquer, acordou assustado com o calor de labaredas próximas de sua cama. João</p><p>havia deixado o celular carregando e um superaquecimento provocou um incêndio, a fumaça o</p><p>intoxicou e ele veio a desmaiar, tendo o corpo parcialmente queimado. Como morava sozinho, foi</p><p>socorrido por vizinhos que o levaram ao hospital público. Os “amigos virtuais” não souberam de</p><p>nada, e com o celular queimado, João não pôde contatá-los. Foram seis meses de recuperação.</p><p>Diante disso, indagamos: somos livres para fazermos as nossas escolhas ou in�uenciados por</p><p>nossa época e cultura? Qual é o grau de importância dos amigos em nossa vida? Buscaremos</p><p>respostas para esses questionamentos recorrendo ao pensamento de alguns dos principais</p><p>�lósofos existencialistas, tais como Schopenhauer (1788-1860), Kierkegaard (1813-1855),</p><p>Nietzsche (1844-1900) e Sartre (1905-1980).</p><p>Introdução ao existencialismo</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>Oswald Spengler (1880-1936) sustenta que o mundo não segue um movimento retilíneo, mas um</p><p>movimento cíclico e ascendente (SPENGLER, 1973), o que nos permite assemelhá-lo ao</p><p>movimento pendular, em que o pêndulo sai de uma extremidade e vai para a outra o mais alto</p><p>possível e se movimenta em ziguezague até o repouso. Foi mais ou menos isso que aconteceu</p><p>com a Filoso�a no século XIX, saindo de um extremo e indo a outro, pois deixou de enfatizar</p><p>tanto aquilo que era ideal e passou a valorizar sobremaneira o real.</p><p>Hegel (1770-1831) havia dado supremacia ao ideal, ao espírito enquanto motor da história, e</p><p>como reação a essa ideia, alguns �lósofos passaram a sustentar que a supremacia deveria ser</p><p>dada à existência concreta do ser humano, às suas alegrias e tristezas, conquistas e derrotas,</p><p>en�m, à vida. A supremacia deveria ser dada aos nossos sonhos, projetos, realizações e</p><p>frustrações, essa é a tese do existencialismo, uma corrente �losó�ca não homogênea que busca</p><p>fazer uma análise da existência.</p><p>Em vez de tratar da consciência, do espírito e do pensamento, os existencialistas vão analisar o</p><p>homem, sua realidade, seu mundo e suas relações. Trata-se de uma análise que se tornou</p><p>possível a partir da contribuição da fenomenologia, que, por tratar das relações entre sujeito e</p><p>objeto, sustenta que o objeto não está dentro do sujeito, mas que permanece fora e se dá a ele.</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>Trazendo isso para o campo existencial, signi�ca dizer que as relações entre a existência</p><p>humana e o mundo guarda uma transcendência (ABBAGNANO, 2007).</p><p>Os existencialistas conceberão o homem como um sujeito num corpo vivido real e numa história</p><p>coletiva real. Eles buscarão desvendar os obstáculos psíquicos e histórico-sociais para o</p><p>conhecimento, colocando em primeiro plano as relações entre pensar e agir, entre a teoria e a</p><p>prática. Essa busca se efetivará por meio de uma profunda re�exão sobre a �nitude, aquilo que</p><p>surge e desaparece, que tem fronteiras e limites (CHAUI, 2000), a tal ponto que os</p><p>existencialistas entenderão o homem como um ser para a morte (HEIDEGGER, 1989), um ser que</p><p>tem consciência da sua �nitude e sente necessidade de encontrar um sentido para a sua</p><p>existência, o que, para a maioria dos existencialistas, poderia ocorrer, sobretudo, de dois modos:</p><p>ou por meio das artes ou da ação político-revolucionária. É dessa forma que damos sentido à</p><p>nossa brevidade e �nitude (CHAUI, 2000).</p><p>Somos nós que damos sentido à nossa existência, e esse é o ponto de partida da re�exão</p><p>existencialista, pois a existência precede a essência, sendo a nossa essência a síntese �nal</p><p>dessa existência. Sêneca a�rmou:</p><p>“Quem não souber morrer bem, terá vivido mal” (SÊNECA, 1985, p. 406),</p><p>e Montaigne disse que</p><p>“�losofar é aprender a morrer” (MONTAIGNE, 2010, p. 59).</p><p>Qualquer duração que nossa vida tenha, ela é completa em si, e sua utilidade não está na</p><p>duração e sim no emprego que damos a ela. Pode-se viver muito sem viver de fato. Então, o</p><p>existencialismo vai priorizar a vida e a liberdade que temos de dar a ela os rumos que quisermos.</p><p>Schopenhauer e o germe do existencialismo</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>Arthur Schopenhauer, a rigor, talvez, não seja considerado um existencialista, mas certamente é</p><p>um dos �lósofos que lançará as bases para que o existencialismo se torne possível. Ele re�ete</p><p>sobre a vida concreta, contrapondo-se a Hegel, que privilegiava o espírito.</p><p>Schopenhauer nasceu em 22 de fevereiro de 1788, em Dantzig, na Prússia, hoje Gdansk, na</p><p>Polônia. Seu pai era um rico comerciante e sua mãe uma escritora. Ele faleceu em Frankfurt, em</p><p>22 de setembro de 1860. Sua rica família esperava que ele fosse comerciante, mas após a morte</p><p>do seu pai, em 1805, preferiu estudar e foi para a Universidade de Jena, onde estudou �loso�a e</p><p>psicologia. Tornou-se professor da Universidade de Berlim, mas não teve muito sucesso, e em</p><p>1832 abandonou o ensino, mudando-se para Frankfurt. Foi um dos grandes críticos do idealismo</p><p>e, em particular, de Hegel. A sua principal obra é O mundo como vontade e representação, de</p><p>1819 (REALE; ANTISERI, 2005). Ele considerava Hegel um verdadeiro charlatão, pois entendia</p><p>que este construíra a própria �loso�a segundo os interesses do Estado prussiano ao englobar as</p><p>situações históricas como desdobramento do espírito objetivo e acabar por legitimar todas as</p><p>formas de governo e instituições, mesmo as mais nefastas. Desse modo, Schopenhauer se</p><p>referia a Hegel como um acadêmico mercenário (COTRIM, 2008).</p><p>Se Schopenhauer odiava Hegel, ele venerava Kant, de quem aceitou a divisão da realidade em</p><p>númeno e fenômeno. Contudo, discordou de Kant ao postular que é possível o conhecimento do</p><p>númeno, o qual seria, para ele, a vontade. Segundo ele, seria possível termos acesso ao númeno</p><p>a partir de dentro, por meio da vontade, uma força, uma energia que tudo controla. É a única</p><p>força subjacente à totalidade do mundo fenomênico. O universo é, portanto, um grande impulso</p><p>cósmico para a existência</p><p>manifestada em seres conscientes particulares (LAW, 2008).</p><p>Para Schopenhauer, é a vontade que cria em nós desejos insaciáveis, diante dos quais nos</p><p>mostramos sempre insatisfeitos e sem o domínio sobre as nossas próprias vidas. Segundo ele,</p><p>haveria duas saídas para as nossas insatisfações:</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>1. fugir deste mundo caótico, deste vale de lágrimas pela arte, a qual nos permite uma</p><p>experiência transformadora e alívio do sofrimento (a música, por sua vez, é vista como um</p><p>exercício de metafísica em que a alma não percebe que está �losofando (SCHOPENHAUER,</p><p>2005)); ou</p><p>2. fugir deste mundo pela ascese, um recurso para se suplantar, superar os desejos por meio</p><p>da abnegação, do desprendimento.</p><p>“Tudo no mundo é vontade, desejo daquilo que não se possui; logo, a</p><p>humanidade está entregue a uma dor permanente nascida da insatisfação dos</p><p>desejos” (MONDIN, 1981, p. 236).</p><p>A melhor imagem do pessimismo de Schopenhauer talvez seja a de�nição de WELT, que,</p><p>em alemão, signi�ca mundo. O seu acrônimo é: weh (desgosto), elend (desgraça), leid</p><p>(sofrimento) e tod (morte) (LAW, 2008).</p><p>Kierkegaard: a angústia é a vertigem da liberdade</p><p>Kierkegaard nasceu em Copenhague, no dia 5 de maio de 1813, e faleceu no dia 11 de novembro</p><p>de 1855. Sétimo e último �lho do segundo casamento de seu pai, um idoso melancólico,</p><p>Kierkegaard parece ter carregado por toda sua vida a educação rigorosa recebida, levando-o a</p><p>ser uma criança com ares senis e um homem triste e solitário. O seu pai havia sido muito pobre a</p><p>ponto de blasfemar contra Deus, porém, mesmo enriquecendo, não conquistou a alegria de viver</p><p>e foi sempre taciturno, transmitindo essa característica a seu �lho.</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>Na Universidade de Copenhague, Kierkegaard estudou Teologia e interessou-se também por</p><p>Filoso�a. Ele é considerado o pai do existencialismo, por ter lançado as suas bases, e acusou os</p><p>hegelianos de</p><p>“ignorarem a experiência individual, a relação pessoal com Deus e a importância da</p><p>escolha individual” (LAW, 2008, p. 310).</p><p>Ele também se opôs à religião o�cial da Dinamarca; contestou a razão ser o único instrumento</p><p>para alcançar a verdade, como propunha Hegel, e a�rmou que esse alcance é possível também</p><p>pela fé.</p><p>No �nal de 1842, escreveu “Ou isso ou aquilo: um fragmento de vida”, conhecido também como</p><p>“Ou, ou”, em que a�rma que o homem se de�ne por sua existência: existir é adotar uma atitude</p><p>fundamental em relação a si mesmo, a seu ser e aos outros. Nessa obra, ele divide a existência</p><p>humana em três estágios: ético, estético e religioso. Quem escolhe a forma estética de viver, vive</p><p>para si mesmo, busca o próprio prazer, não tem o controle da sua existência, vive o momento,</p><p>podendo ter uma vida contraditória, instável e incerta; a existência não adquire signi�cado e,</p><p>então, cai-se no desespero, que pode ser ignorado ou reprimido.</p><p>A única alternativa ao desespero, a maneira de escapar do abismo existencial, é, segundo</p><p>Kierkegaard, querer a vida de modo profundo e sincero. É isso que nos conduz para a vida ética,</p><p>em que a subjetividade é o absoluto e a principal tarefa é fazer a opção (STRATHERN, 1999). A</p><p>saída da situação estética é, então, assumir a posse integral da própria existência e aceitar toda</p><p>a responsabilidade por ela. A melhor maneira de se fazer isso, segundo Kierkegaard, encontra-se</p><p>no cristianismo.</p><p>Em 1848, Kierkegaard teve uma experiência religiosa e concluiu que só Deus poderia protegê-lo</p><p>de uma preocupação excessiva consigo mesmo, e em sua opinião, toda a existência humana</p><p>opõe-se a Deus (KIERKEGAARD, 1979). Ele a�rmou ser impossível entender a existência de forma</p><p>intelectual e que o homem se desespera quando se identi�ca com algo exterior a ele, �cando à</p><p>mercê do destino. Por não alcançar o seu eu ambicioso, nasce um vazio interior, acompanhado</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>de uma vontade inconsciente de morrer. Só se escapa desse desespero caso se opte pelo seu</p><p>próprio eu.</p><p>Kierkegaard foi o primeiro pensador a colocar o problema da angústia na pauta dos problemas</p><p>que mereciam ser tratados como sendo de grande importância, além de ter sido o responsável</p><p>pela reviravolta que a �loso�a contemporânea deu retornando à questão antropológica,</p><p>sobretudo existencial. As suas ideias foram desenvolvidas por Husserl e Heidegger, originando o</p><p>existencialismo, que atingiu seu ponto alto com Sartre. O termo existencialismo não foi muito</p><p>bem aceito entre os �lósofos, e foi Sartre, no começo de 1940, desprovido de escrúpulo – pois</p><p>naquela época era pejorativo ser rotulado de existencialista, uma vez que eram considerados</p><p>super�ciais –, o primeiro a aceitar ser chamado de existencialista.</p><p>______</p><p>Re�ita</p><p>Na obra Conceito de Angústia, Kierkegaard distingue dois tipos de medo: um proveniente de</p><p>ameaça externa e outro vindo da experiência interior, que nasce de nossa própria liberdade. O</p><p>autor sustenta que o indivíduo não existe em absoluto como ser, mas existe apenas num estado</p><p>de constante vir a ser, e a percepção disso pode mergulhar a pessoa na loucura.</p><p>Nietzsche: Deus está morto</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>Nietzsche discorda tanto de Hegel – que defende que a natureza íntima do homem não está na</p><p>vontade, mas na consciência – como também de Schopenhauer, pois não acredita que o homem</p><p>deva buscar o aniquilamento de sua vontade, mas sim a a�rmação de si mesmo contra qualquer</p><p>obstáculo, bem como fazer a sua vontade prevalecer, ser forte e viver as suas potencialidades</p><p>intensamente.</p><p>Ele nasceu no dia 15 de outubro de 1844, em Röcken, na Prússia, e morreu no dia 25 de agosto</p><p>de 1900. Sua família era muito religiosa e seu avô, seu pai e seu tio foram ministros luteranos. O</p><p>seu pai e o seu irmão morreram quando ainda era criança, sendo, então, criado pela mãe, pela</p><p>avó e por duas tias. Nietzsche estudou �loso�a na Universidade de Bonn e Lípsia e tornou-se</p><p>professor de �lologia, aos 24 anos, na Universidade da Basiléia. Ele chegou a ser grande amigo</p><p>do compositor Richard Wagner (e ambos, Wagner e Nietzsche, têm obras com o mesmo título,</p><p>Assim falou Zaratustra), mas aos poucos foram se afastando; Nietzsche passou a criticá-lo em</p><p>função do seu cristianismo e antissemitismo.</p><p>Nietzsche teve saúde frágil, e com apenas 44 anos tornou-se demente.</p><p>“Em 1889 desmaiou na rua quando tentava impedir que um cavalo fosse chicoteado e</p><p>sofreu alguma forma de colapso mental, do qual nunca se recuperou. Morreu em</p><p>1900, aos 56 anos” (AA. VV., 2011, p. 217).</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>O pensamento de Nietzsche assenta seus fundamentos na compreensão de que a realidade é</p><p>composta por uma explosão de forças desordenadas. Diante dessa estrepitosa explosão de</p><p>potência, que não pode ser refreada por nenhuma lei da razão, pode-se assumir uma dupla</p><p>atitude: a de fraqueza, como os rebanhos, ou a atitude de força e poder, como um super-homem.</p><p>Os rebanhos, diante da potência desregrada da natureza, inventaram a religião. A ética do super-</p><p>homem é o triunfo da própria personalidade, além do bem e do mal, desde que se a�rme sobre</p><p>os outros (MONDIN, 1981).</p><p>O übermensch e a vontade de potência</p><p>As a�rmações “Deus está morto!” (Gott ist tot, em alemão) e “Quem o matou fomos nós!”</p><p>(NIETZSCHE, 2012, p. 129), usadas por Nietzsche, não se referem, obviamente, à morte de Jesus</p><p>e tampouco ao ateísmo nietzschiano, mas querem, sobretudo, indicar que Nietzsche constatou</p><p>que na sociedade e na cultura em que ele se encontrava, o fundamento da realidade ou o sentido</p><p>da vida já não estava mais sendo ou não devia mais ser buscado em algo transcendente e sim na</p><p>a�rmação de si, na con�ança em suas capacidades e potencialidades, superando a si mesmo;</p><p>por isso a ideia de super-homem, übermensch, em alemão, é a ideia de superação.</p><p>Talvez o grande mérito de Nietzsche tenha sido o de questionar, como ninguém, as estruturas da</p><p>sociedade e o modo de vida de seus contemporâneos, sobretudo a ética do comodismo e da</p><p>resignação. Segundo ele, é preciso �losofar com o martelo, ou seja, ir quebrando, estilhaçando</p><p>conceitos mal</p><p>formulados ou formulados de antemão, o que ele chamava de pré-conceito ou pré-</p><p>juízo. E isso ele faz com um estilo literário único, algo meio próximo de tons proféticos,</p><p>denunciando o modo de vida vigente. Para ele, tanto Sócrates quanto Platão e o cristianismo nos</p><p>�zeram muito mal ao ensinarem que é preciso sofrer com paciência. Ele defende o contrário</p><p>disso, é preciso viver intensamente, vibrar com a vida e desfrutar tudo o que ela tem a nos</p><p>oferecer, dando vazão à vontade de potência.</p><p>______</p><p>Pesquise mais</p><p>Para conhecer mais sobre o tema, leia a dissertação Übermensch nietzschiano e o cristianismo.</p><p>Estudos sobre a �loso�a da religião em Nietzsche, de Eduardo Marcos Silva de Oliveira, que</p><p>procura voltar-se aos estudos sobre o pensamento de Nietzsche no que se refere ao campo das</p><p>Ciências da Religião e à re�exão sobre uma �loso�a da religião cristã, particularmente.</p><p>______</p><p>O niilismo e a nova tábua de valores</p><p>Nihil, em latim, signi�ca nada ou nenhum. Para Nietzsche, há três formas de niilismo: do sentido</p><p>(�nalidade), da totalidade e da preservação do vir a ser. O niilismo surge, segundo ele, como</p><p>consequência necessária do cristianismo, da moral e do conceito de verdade da �loso�a.</p><p>Quando as máscaras das ilusões caem, nada mais resta a não ser o abismo do nada.</p><p>O homem sempre busca o sentido dos acontecimentos, mas por vezes esse sentido não vem, e</p><p>da persistência dessa ausência nasce a falta da busca desse sentido; some do homem a</p><p>coragem da procura. A desilusão quanto ao pretenso �m, objeto da busca, é uma das causas do</p><p>niilismo.</p><p>http://periodicos.pucminas.br/index.php/horizonte/article/view/3767/4359</p><p>http://periodicos.pucminas.br/index.php/horizonte/article/view/3767/4359</p><p>http://periodicos.pucminas.br/index.php/horizonte/article/view/3767/4359</p><p>http://periodicos.pucminas.br/index.php/horizonte/article/view/3767/4359</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>Diante da situação em que a moralidade se encontra, Nietzsche propõe a transvaloração de</p><p>todos os valores, pois a grande maioria dos valores que herdamos é dos fracos e submissos, a</p><p>moral do rebanho, ou seja, daqueles que são conduzidos pelos outros. O niilismo seria a</p><p>destruição desses valores e a construção de uma “nova tábua de valores” que nos permitisse</p><p>viver a vida como ela deve ser vivida, em sua forma mais plena e intensa e não de modo servil.</p><p>Niilismo</p><p>“é o estado dos espíritos fortes e das vontades fortes do qual não é possível atribuir</p><p>um juízo negativo” (ABBAGNANO, 2007, p. 712).</p><p>Sobre Nietzsche, Freud (apud AA.VV., 2011, p. 221) disse:</p><p>“O grau de introspecção alcançado por Nietzsche nunca foi atingido por ninguém”.</p><p>Nietzsche escreveu muitas obras, e além da já citada Assim falou Zaratustra, podemos citar: O</p><p>nascimento da tragédia; Para além de bem e mal; Crepúsculo dos ídolos; A gaia ciência; Humano,</p><p>demasiado humano e Genealogia da moral.</p><p>______</p><p>Exempli�cando</p><p>De acordo com Nietzsche, o homem não deve temer nada e deve amar tudo o que lhe ocorre,</p><p>atitude descrita por ele como amor fati, uma expressão usada como fórmula para a grandeza do</p><p>homem e que signi�ca: não querer nada de diferente do que se é, nem no futuro, nem no</p><p>passado, nem por toda a eternidade. Não só suportar o que é necessário, mas amá-lo. Essa</p><p>fórmula exprime a atitude própria do super-homem e a natureza do espírito dionisíaco enquanto</p><p>aceitação integral e entusiástica da vida em todos os seus aspectos, mesmo nos mais</p><p>desconcertantes, tristes e cruéis (ABBAGNANO, 2007).</p><p>Sartre: a existência precede a essência</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>Jean-Paul Sartre, nascido em Paris, no dia 21 de junho de 1905, e falecido na mesma cidade, em</p><p>15 de abril de 1980, é considerado o expoente máximo do existencialismo. Perdeu o pai aos 15</p><p>anos e foi criado por sua mãe e seu avô. Estudou �loso�a na École Normale Supérieure, de Paris,</p><p>e, em 1929, conheceu, na Universidade de Sorbonne, Simone de Beauvoir, com quem conviveu</p><p>até a sua morte. Em 1931, tornou-se professor de �loso�a na Universidade de Le Havre. Além de</p><p>grande �lósofo, foi também um grande escritor, e ganhou, mas recusou, o Prêmio Nobel de</p><p>Literatura, em 1964. Entre suas principais obras, temos O ser e o nada, A náusea, Crítica da razão</p><p>dialética e O idiota da família.</p><p>Ainda na mocidade, Sartre se opôs aos valores burgueses de sua criação e buscou um modo de</p><p>vida livremente escolhido e autêntico, não determinado pela autoridade, pela religião ou, ainda,</p><p>pela tradição – tema que viria a se tornar dominante em seus escritos. Sartre estabeleceu uma</p><p>radical distinção entre matéria física e consciência, sendo essa última caracterizada por sua</p><p>liberdade. Dizia ele que, seja qual for nossa situação, somos livres para negá-la, para imaginar as</p><p>coisas de outro modo e nos empenhar para mudá-las (LAW, 2008).</p><p>Para os �lósofos antigos, tudo no mundo tem uma �nalidade, um propósito, ou seja, tudo tem</p><p>uma essência, uma razão de ser, pois a natureza não faz nada em vão. Isso signi�ca que o</p><p>homem também tem uma essência e que ela já existe mesmo antes de o homem existir.</p><p>Sartre, porém, não concordava com essa ideia e dizia que o homem é totalmente livre e deve</p><p>assumir a responsabilidade pelo que faz e pelo que se torna; desse modo, segundo ele, no caso</p><p>do homem, a existência precede a essência; temos de criar um propósito, estabelecer uma</p><p>essência para nós mesmos. Dizia ele que o homem primeiro surge no mundo, existe, descobre-se</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>ou se percebe e só depois de�ne o que vai ser, não importando tanto o que os homens são, mas</p><p>mais o que eles podem se tornar.</p><p>Ao abordar a questão do ser, o qual Sartre denominará de ser-em-si, para distingui-lo da</p><p>consciência, ser-para-si, ele vai a�rmar que sua característica particular é o absurdo: no absurdo</p><p>está a chave da existência de cada coisa. O homem diferencia-se dos outros seres porque tem a</p><p>consciência de que é o oposto do ser. Para viver, a consciência necessita nuli�car o ser na</p><p>medida em que, por sua natureza, é o não-ser, o vazio, o nada. O dado constitutivo essencial dos</p><p>seres humanos não é a consciência, mas a liberdade sem limites e não vinculada a nenhuma lei</p><p>moral (MONDIN, 1981). Não há nada, portanto, que de�na a existência humana. Estando o</p><p>homem condenado a ser livre, e com base nessa liberdade, necessita construir-se a si mesmo.</p><p>Conclusão</p><p>A partir do que foi exposto, retomamos os nossos questionamentos iniciais a partir da história</p><p>de um estudante chamado João, que se contentava com seus numerosos amigos virtuais, não</p><p>se empenhando em manter amigos reais, uma vez que, para ele, poderiam afetar a sua liberdade,</p><p>até o dia em que precisou da ajuda concreta das pessoas que o rodeavam e que, para ele, eram</p><p>desconhecidas. Daí vieram as nossas indagações: somos livres para fazermos as nossas</p><p>escolhas ou in�uenciados por nossa época e cultura? Qual é o grau de importância dos amigos</p><p>na nossa vida?</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>Caso você se baseie no pensamento de Sartre, poderá apresentar como resposta ao primeiro</p><p>questionamento que o homem é totalmente livre e deve assumir a responsabilidade pelo que faz</p><p>e pelo que se torna, bem como deve criar um propósito, estabelecer uma essência para si e para</p><p>a sua vida. Poderá, também, considerar que o homem primeiro surge no mundo, existe, descobre-</p><p>se ou se percebe e só depois de�ne o que vai ser, não se importando tanto com o que é, mas</p><p>com o que pode se tornar.</p><p>Lembremos também que Sartre dizia que, seja qual for a nossa situação, somos livres para negá-</p><p>la, para imaginar as coisas de outro modo e tentar mudá-las. Contudo, é recomendável que você</p><p>considere também que Kierkegaard acreditava que não somos responsáveis por nossas vidas e</p><p>sim meros joguetes nas mãos do destino. O destino nos coloca diante de situações em que</p><p>precisamos decidir o rumo a tomar, logo, quem escolhe viver para si mesmo, buscando o próprio</p><p>prazer, não terá o controle da sua existência, viverá apenas o momento e poderá ter uma vida</p><p>contraditória, instável e incerta; a existência não adquirirá nenhum signi�cado</p><p>e, então, haverá o</p><p>desespero, que poderá ser ignorado ou reprimido.</p><p>A única alternativa para fugir do desespero é querer a vida de modo profundo e sincero, mas vale</p><p>lembrar que, segundo Kierkegaard, é impossível entender a existência intelectualmente, e caso o</p><p>homem se identi�que com algo exterior a ele, �cará totalmente à mercê do destino. É preciso</p><p>encontrar o eu interior, caso contrário, nascerá um vazio existencial acompanhado de uma</p><p>vontade inconsciente de morrer.</p><p>Em relação ao segundo questionamento, a única razão de Sartre considerar o outro um inferno e</p><p>não um aliado ou um amigo é que um dos maiores bens para os existencialistas é a liberdade</p><p>para, a partir dela, poder escolher o que se quer ser, mas essa liberdade esbarra com a liberdade</p><p>do outro, pois a amizade exige relacionamento. Disse Sartre:</p><p>Tudo o que vale para mim vale para o outro. Enquanto tento livrar-me do domínio do</p><p>outro, o outro tenta livrar-se do meu; enquanto procuro subjugar o outro, o outro</p><p>procura me subjugar. Não se trata aqui, de modo algum, de relações unilaterais com</p><p>um objeto-Em-si, mas sim de relações recíprocas e moventes. As descrições que se</p><p>seguem devem ser encaradas, portanto, pela perspectiva do con�ito. O con�ito é o</p><p>sentido originário do ser-Para-outro. (SARTRE, 1999, p. 454)</p><p>Para Sartre, o outro, mais do que aquele que é visto por nós, é aquele que nos vê e que se torna</p><p>presente em nós e em nossas vidas. O olhar do outro nos pressiona, podendo gerar vergonha e</p><p>timidez ao invadir o nosso mundo e a nossa consciência, e nesse momento, o nosso centro se</p><p>desloca de nós e o nosso projeto deixa de nos pertencer (REALE; ANTISERI, 2007), porém, na</p><p>ausência do outro, voltamos a nos pertencer, voltamos a ser livres. O homem é aquilo que faz do</p><p>que fazem dele.</p><p>Referências</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>AA. VV. O livro da Filoso�a. São Paulo: Globo, 2011.</p><p>ABBAGNANO, N. Dicionário de Filoso�a. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003.</p><p>ABBAGNANO, N. Dicionário de Filoso�a. Trad. Alfredo Bosi. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes,</p><p>2007.</p><p>ABRÃO, B. S. (Org.). História da Filoso�a. São Paulo: Nova Cultural, 1999. (Coleção Os</p><p>Pensadores).</p><p>BARROS FILHO, C. de; MEUCCI, A. A vida que vale a pena ser vivida. Petrópolis: Vozes, 2012.</p><p>CASTRO, F. C. L. Yvonne Picard e a fenomenologia entre Husserl e Heidegger. Veritas, Porto</p><p>Alegre, v. 62, n. 3, p. 779-797, set./-dez. 2017.</p><p>CHAUI, M. Convite à Filoso�a. São Paulo: Ática, 2000.</p><p>COTRIM, G. Fundamentos da Filoso�a: história e grandes temas. 16. ed. São Paulo: Saraiva,</p><p>2008.</p><p>DURANT, W. A história da Filoso�a. São Paulo: Nova Cultural, 1996. (Coleção Os Pensadores).</p><p>EPICURO. Carta sobre a felicidade [a Meneceu]. São Paulo: Unesp, 2002.</p><p>FONTOURA, F. C. A ética do bem viver em Epicteto. Porto Alegre: Editora Fi, 2017. Disponível em:</p><p>https://3c290742-53df-4d6f-b12f-6b135a606bc7.�lesusr.com/ugd/48d206_b6853aeda3-</p><p>f8343aea9f4c689bd3a7743.pdf. Acesso em: 9. dez. 2019.</p><p>FREUD, S. O mal-estar na civilização. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.</p><p>HEIDEGGER, M. Ser e tempo. 15. ed. Petrópolis: Vozes, 2005. v. 1.</p><p>HEIDEGGER, M. Ser e tempo. Petrópolis: Vozes, 1989.</p><p>HUME, D. Investigação sobre o entendimento humano. 3. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1984</p><p>(Coleção Os pensadores).</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>HUSSERL, E. A ideia de fenomenologia. Lisboa: Edições 70, 1989.</p><p>HUSSERL, E. Investigações lógicas. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2012. v. 2.</p><p>JAPIASSÚ, H.; MARCONDES, D. Dicionário básico de Filoso�a. 3. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.</p><p>KANT, I. Crítica da razão pura. 5. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2001.</p><p>KIERKEGAARD, S. A. O conceito de angústia. Trad. Álvaro L. M. Valls. Petrópolis: Vozes, 2010.</p><p>KIERKEGAARD, S. A. Temor e tremor. Trad. Carlos Grifo, Maria José Marinho, Adolfo Casais</p><p>Monteiro. São Paulo: Abril Cultural, 1979. (Coleção Os Pensadores).</p><p>LAW, S. Filoso�a: guia ilustrado Zahar. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008.</p><p>LOCKE, J. Ensaio sobre o entendimento humano. São Paulo: Nova Cultura, 1999. (Coleção Os</p><p>Pensadores).</p><p>MARCONDES, D. Iniciação à história da Filoso�a: dos pré-socráticos a Wittgenstein. 13. ed. Rio</p><p>de Janeiro: Zahar, 2008.</p><p>MARQUES, J. da C. L. Fé, espiritualidade e angústia no pensamento de Søren Kierkegaard,</p><p>Revista Brasileira de Filoso�a da Religião, Brasília, v. 3, n. 1, p. 161-171, ago. 2016. Disponível em:</p><p>https://periodicos.unb.br/index.php/rbfr/article/view/17353/15865. Acesso em: 28 jul. 2021.</p><p>MARTINS, M. F. Fundamentos �losó�cos. Londrina: Educacional, 2017.</p><p>MONDIN, B. Curso de Filoso�a: os �lósofos do ocidente. 8. ed. São Paulo: Paulus, 1982. (v. 1).</p><p>MONDIN, B. Introdução à Filoso�a: problemas, sistemas, autores, obras. 10 ed. São Paulo:</p><p>Paulus, 1981.</p><p>MONTAIGNE, M. Os ensaios: uma seleção. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.</p><p>MORA, J. F. Dicionário de Filoso�a. Lisboa: Dom Quixote, 1978.</p><p>NIETZSCHE, F. A gaia ciência. 2. ed. São Paulo: Martin Claret, 2011. NIETZSCHE, F. W. A gaia</p><p>ciência. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.</p><p>NIETZSCHE, F. W. Crepúsculo dos ídolos: como �losofar com o martelo. São Paulo: Nova</p><p>Cultural, 1999. (Coleção Os Pensadores).</p><p>O AMOR é cego. Direção: Petter Farrelli e Bobby Farrelli. Produção: Bobby Farrelly, Peter Farrelly,</p><p>Bradley Thomas, Charles B. Wessler. Intérpretes: Jack Black, Gwyneth Paltrow, Jason Alexander.</p><p>Roteiro: Peter Farrelly, Bobby Farrelly e Sean Moynihan. Música: William Goodrum, Ivy e Cliff</p><p>Eidelman. S.l.: 20th Century Fox, 2001. (113 min.), P&B.</p><p>OLIVEIRA, E. M. S. de. Übermensch nietzschiano e o cristianismo. Estudos sobre a Filoso�a da</p><p>Religião em Nietzsche. 2012. 115f. Dissertação (Mestrado em Ciências da Religião) – Pontifícia</p><p>Universidade Católica de Minas Gerais, Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião,</p><p>Belo Horizonte, 2012. Disponível em: http://periodicos.pucminas.br/index.php/</p><p>horizonte/article/view/3767. Acesso em: 28 jul. 2021.</p><p>PESSANHA, J. A. M. (Org.). Sócrates. São Paulo: Nova Cultural, 1999. (Coleção Os Pensadores).</p><p>REALE, G. História da Filoso�a antiga. Os sistemas da era helenística. V. III São Paulo: Loyola,</p><p>1994.</p><p>REALE, G.; ANTISERI, D. História da Filoso�a: do romantismo ao empiriocriticismo. São Paulo:</p><p>Paulus, 2005. v. 5.</p><p>REALE, G.; ANTISERI, D. História da Filoso�a: de Nietzsche a Escola de Frankfurt. São Paulo:</p><p>Paulus, 2006. v. 6.</p><p>SARTRE, J. P. Huis clos suivi de Les Mouches. Paris: Gallimard, 1991.</p><p>SARTRE, J. P. O ser e o nada: ensaio de ontologia fenomenológica. 7. ed. Petrópolis: Vozes, 1999.</p><p>SCHOPENHAUER, A. O mundo como vontade e representação. São Paulo: Editora Unesp, 2005.</p><p>SÊNECA, L. A. Da tranquilidade da alma. 3. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1985. (Coleção Os</p><p>Pensadores).</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>SPENGLER, O. A decadência do ocidente: esboço de uma morfologia da história universal. Rio de</p><p>Janeiro: Zahar, 1973.</p><p>STRATHERN, P. Kierkegaard (1813-1855) em 90 minutos. Rio de Janeiro: Zahar, 1999.</p><p>TOURINHO, C. D. C. O exercício da epoché e as variações do transcendente na fenomenologia de</p><p>Edmund Husserl. Filoso�a Unisinos, v. 13, n. 1, p. 30-38, jan.-abr. 2012. Disponível em:</p><p>http://revistas.unisinos.br/index.php/�loso�a/article/view/fsu.2012.131.03/798. Acesso em: 28</p><p>jul. 2021.</p><p>WITTGENSTEIN. L. Tractatus logico-philosophicus. São Paulo: Companhia Editora Nacional,</p><p>1968.</p><p>é narrativa plausível.</p><p>Segundo Marilena Chauí (2000, p. 32), um mito é uma narrativa sobre a origem de alguma coisa</p><p>(dos astros, da Terra, dos homens, das plantas, dos animais, do fogo, da água, dos ventos, do</p><p>bem e do mal, da saúde e da doença, da morte, dos instrumentos de trabalho, das raças, das</p><p>guerras, do poder etc.). A palavra mito vem do grego, mythos, e deriva de dois verbos: do verbo</p><p>mytheyo (contar, narrar, falar alguma coisa para outros) e do verbo mytheo (conversar, contar,</p><p>anunciar, nomear, designar). Para os gregos, mito é um discurso pronunciado ou proferido para</p><p>ouvintes que o recebem como verdadeiro porque con�am naquele que narra, o que se assemelha</p><p>ao que aconteceu com o povo judeu em relação aos seus profetas. É uma narrativa feita em</p><p>público, baseada na autoridade e na con�abilidade da pessoa do narrador. E essa autoridade</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>está relacionada ao fato dele ter testemunhado diretamente o que está narrando ou recebido a</p><p>narrativa de quem testemunhou o ocorrido.</p><p>Os gregos tiveram muitos narradores de mitos, mas os que mais se destacaram foram dois:</p><p>Homero e Hesíodo. Homero é considerado o poeta da nobreza e Hesíodo o poeta dos</p><p>camponeses, do homem simples, do trabalhador. Homero é reconhecido como o primeiro</p><p>educador da humanidade, pois transmitiu à civilização ocidental, por meio dos seus poemas</p><p>épicos – a Ilíada, com 15.693 versos, e a Odisseia, com 12.110 – modelos, protótipos de homens</p><p>virtuosos que �caram imortalizados e foram seguidos desde então.</p><p>Ele era um poeta cego, estrangeiro, possivelmente de Esmirna e supõe-se que tenha nascido</p><p>entre os séculos VIII e IX a.C. Homero enfatizou as virtudes como a lealdade, a amizade, a</p><p>justiça, a �delidade, a coragem, a hospitalidade etc. Note que, de acordo com o exposto na</p><p>Odisseia, de Homero (FREDERICO, 2012), a hospitalidade também era considerada virtude</p><p>antigamente, enquanto humildade, por exemplo, que é considerada virtude no pensamento</p><p>cristão, não era virtude para os gregos, mas fraqueza (CHAUÍ, 2000, p. 449). Fica claro, então, que</p><p>as virtudes podem variar circunstancial e temporalmente.</p><p>Os poemas de Homero têm algumas peculiaridades que não se encontram nos mitos de outros</p><p>povos, tais como:</p><p>senso de harmonia, proporção, limite e medida;</p><p>não se limita a narrar os fatos, buscando as suas causas, embora ainda em nível mítico-</p><p>fantástico;</p><p>procura apresentar a realidade de modo abrangente: deuses e homens, céu e terra, guerra e</p><p>paz, bem e mal, alegria e dor, ou seja, a totalidade dos valores que regem a vida humana</p><p>(REALE; ANTISERI, 2003).</p><p>Para os gregos, o mundo, necessariamente, seguia uma ordem pré-estabelecida, ou seja, nem os</p><p>homens e nem os deuses conseguiam fugir dela. Esse fato é ilustrado na �gura das Moiras (ou</p><p>parcas para os romanos; aquelas que costuravam o �o do destino de todos, homens e deuses.):</p><p>Cloto, Láquesis e Átropos (Nona, Décima e Morta para os romanos) ou, ainda, na tragédia de</p><p>Édipo.</p><p>______</p><p>Exempli�cando</p><p>Você acredita em destino? Ou acredita que tudo acontece por acaso? As nossas decisões já</p><p>estão previamente determinadas? Ou temos liberdade para tomá-las? Temos como saber sobre</p><p>isso com exatidão, com a mesma precisão matemática? Ou nunca saberemos?</p><p>Há quem defenda tanto uma quanto outra dessas alternativas, ou seja, é uma temática existente</p><p>há muito tempo sobre a qual até hoje não há consenso.</p><p>______</p><p>Hesíodo: poeta grego da Antiguidade</p><p>Embora Homero seja muito lembrado quando nos referimos à mitologia grega, não podemos nos</p><p>esquecer de Hesíodo, pois ele também foi importante e in�uente na sociedade do seu tempo. O</p><p>poeta legou-nos duas obras signi�cativas: Teogonia e O trabalho e os dias. Em Teogonia,</p><p>Hesíodo relata o nascimento dos deuses e como eles coincidem com partes do universo e os</p><p>fenômenos do cosmo. Dessa forma, a teogonia se torna cosmogonia, ou seja, explicação mítico-</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>poética e fantástica da gênese do universo e dos fenômenos cósmicos, a partir do caos</p><p>originário, que foi o primeiro a se gerar. Esse pensamento foi abrindo caminho para a posterior</p><p>cosmologia �losó�ca, que, em vez de usar a fantasia, buscou racionalmente um princípio</p><p>primeiro, a origem (arquê) a partir da qual tudo foi gerado.</p><p>Hesíodo foi trapaceado por seu irmão que subornou os juízes �cando com toda a herança que</p><p>deveria ser dividida. Diante disso, o poeta vai sustentar que a verdadeira virtude não é se tornar</p><p>herói de guerra, mas vencer na vida à custa de trabalho duro e esforço honesto e digno. Esse é o</p><p>tema do seu outro poema, O trabalho e os dias, no qual, em sintonia com a mentalidade grega</p><p>vigente, a�rma alguns princípios que seriam de grande importância para a constituição da ética</p><p>�losó�ca e do pensamento antigo em geral. Nessa obra, Hesíodo exalta a justiça como valor</p><p>supremo tornando-a até conceito ontológico, além de moral e político.</p><p>Hesíodo. Fonte: Wikipédia.</p><p>Percebemos que alguns elementos da mitologia já começam a fornecer condições para que o</p><p>pensamento caminhasse em direção à plausibilidade e à logicidade. Ou seja, a razão, o lógos</p><p>começa a preponderar.</p><p>Ao fato de a �loso�a ter nascido na Grécia foram atribuídas duas explicações: houve quem</p><p>defendesse que ela teria surgido repentinamente e sem nenhuma in�uência de outros povos e</p><p>aqueles que defenderam que ela teria se originado a partir da in�uência externa – pois a Grécia</p><p>encontrava-se estrategicamente em uma encruzilhada de muitas nações e culturas e, por isso,</p><p>teria conseguido sintetizar as diversas visões de mundo vigentes naquela época, ocasionando o</p><p>surgimento da �loso�a. A primeira versão recebeu o nome de Milagre Grego e a segunda recebeu</p><p>o nome de In�uência Oriental. Contudo, hoje nenhuma delas é muito bem aceita.</p><p>O que mais se aceita é que a �loso�a foi criação do gênio helênico, ou seja, não derivou de</p><p>estímulos das civilizações orientais, embora tenham vindo do Oriente alguns conhecimentos</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>cientí�cos, astronômicos e matemático-geométricos, que os gregos souberam repensar e recriar</p><p>em dimensão teórica, enquanto os orientais os concebiam em sentido prevalentemente prático.</p><p>Assim, se os egípcios desenvolveram e transmitiram a arte do cálculo, os gregos,</p><p>particularmente a partir dos Pitagóricos, elaboraram uma teoria sistemática do número; e se os</p><p>babilônios �zeram uso de observações astronômicas particulares para traçar as rotas para os</p><p>navios, os gregos as transformaram em teoria astronômica orgânica (REALE; ANTISERI, 2003).</p><p>O surgimento da �loso�a</p><p>Quando se trata, portanto, de entender como aconteceu o surgimento da �loso�a, o que mais se</p><p>aceita é que a Grécia reuniu as fontes e condições que favoreceram tal surgimento: um novo</p><p>modo de compreender e explicar o mundo. A �loso�a teria, então, surgido na Grécia porque</p><p>justamente ali formou-se uma temperatura espiritual particular e um clima cultural e político</p><p>favoráveis. As fontes das quais derivou a �loso�a helênica foram: a poesia, a religião e as</p><p>condições sociopolíticas adequadas (REALE; ANTISERI, 2003).</p><p>De acordo com Marilena Chauí (2000), as condições históricas que proporcionaram o surgimento</p><p>da �loso�a foram:</p><p>as viagens marítimas: que permitiram o contato com outros povos e outras explicações de</p><p>mundo, gerando questionamentos sobre as explicações míticas;</p><p>a invenção do calendário, da moeda e da escrita alfabética: a utilização de um calendário</p><p>que gerou a percepção de que a natureza tinha um ciclo e que nem tudo derivava do</p><p>capricho dos deuses. Além disso, essas três iniciativas impulsionaram o pensamento</p><p>abstrato;</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>o surgimento da vida urbana e a criação da política: que favoreceram o debate, a</p><p>argumentação e a percepção de que criar leis também podia ser uma prerrogativa humana</p><p>e não exclusividade divina.</p><p>Pode-se dizer que o contexto para o surgimento da �loso�a estava pronto e isso incluía um</p><p>enfraquecimento gradual dos elementos míticos e as ideias de que a composição do cosmos era</p><p>unicamente de elementos naturais; que havia</p><p>uma ordem no mundo, regida pelo lógos (razão);</p><p>que a matéria (natureza, physis) seria eterna, ou seja, que não teve começo e não terá �m,</p><p>portanto, que não houve o momento da criação; que o tempo é circular e cíclico, ou seja, que de</p><p>tempos em tempos, tudo se repete; que tudo se relaciona ao arquê (primeiro princípio); e, por �m,</p><p>a ideia de que o próprio homem é um microcosmo também regido pelo logos.</p><p>______</p><p>Assimile</p><p>Entre os fatores que impulsionaram o surgimento da �loso�a estão os seguintes elementos: a</p><p>compreensão de que a verdade deve ser justi�cada racionalmente, um discurso público e</p><p>dialogado, baseado na troca de opiniões com argumentos persuasivos; o uso da escrita</p><p>alfabética; as viagens marítimas e a evolução do comércio e do artesanato; a crença de que</p><p>havia uma substância básica que estava por trás de todas as transformações na natureza e a</p><p>busca por leis naturais que fossem eternas. Baseados nessas ideias, os gregos �zeram uma</p><p>retomada dos temas da mitologia grega, mas de forma racional, formulando hipóteses lógico-</p><p>argumentativas.</p><p>______</p><p>Dessa forma, compreende-se que a diversidade e a organização dos fenômenos naturais têm</p><p>uma explicação própria do mundo da natureza e que pode ser compreendida racionalmente, ou</p><p>logicamente. Assim, a �loso�a surge com uma proposta diferente, uma maneira de ver e</p><p>interpretar o mundo original. Marilena Chauí (2000, p. 16) nos lembra que:</p><p>A �loso�a não é ciência: é uma re�exão crítica sobre os procedimentos e conceitos</p><p>cientí�cos. Não é religião: é uma re�exão crítica sobre as origens e formas das</p><p>crenças religiosas. Não é arte: é uma interpretação crítica dos conteúdos, das formas,</p><p>das signi�cações das obras de arte e do trabalho artístico. Não é sociologia nem</p><p>psicologia, mas a interpretação e avaliação crítica dos conceitos e métodos da</p><p>sociologia e da psicologia. Não é política, mas interpretação, compreensão e re�exão</p><p>sobre a origem, a natureza e as formas do poder. Não é história, mas interpretação do</p><p>sentido dos acontecimentos enquanto inseridos no tempo e compreensão do que</p><p>seja o próprio tempo. Conhecimento do conhecimento e da ação humanos,</p><p>conhecimento da transformação temporal dos princípios do saber e do agir,</p><p>conhecimento da mudança das formas do real ou dos seres, a �loso�a sabe que está</p><p>na História e que possui uma história. (CHAUÍ, 2000, p. 16)</p><p>Tales de Mileto e seguidores</p><p>O primeiro �lósofo foi Tales de Mileto (625-558 a.C.), para quem tudo se inicia a partir da água,</p><p>ou seja, ela é o início (arquê, ou arché, ou arkhé) de tudo. Seus seguidores, contudo, embora</p><p>discordassem de que fosse a água, concordavam com a ideia de que deveria existir um arquê.</p><p>Para Anaximandro de Mileto (610-547 a.C.) o arquê era o ápeiron, algo in�nito, insurgido e</p><p>imortal. Anaxímenes de Mileto (585-528 a.C.) postulou que esse ápeiron fosse o ar (pneuma</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>ápeiron). Para Pitágoras de Samos (580-497 a.C.), tudo poderia ser reduzido a números, pois as</p><p>coisas manifestariam externamente a estrutura numérica que lhes fosse inerente. Nesse sentido,</p><p>um número não seria, apenas, uma unidade quantitativa, mas teria, também, uma forma, uma</p><p>�gura e, por isso, os números seriam o princípio de onde emanaria toda a natureza. Para</p><p>Xenófanes de Cólofon (570-475 a.C.), o arquê é a terra; para Anaxágoras de Clazômena (500-428</p><p>a.C.) os corpos compõem-se de homeomerias (partes iguais, semelhantes); para Empédocles de</p><p>Agrigento (490-435 a.C.), o mundo seria constituído por quatro princípios: água, ar, terra e fogo; e</p><p>para Demócrito de Abdera (460-370 a.C.), a realidade é constituída de átomos, in�nito número de</p><p>corpos, invisíveis pela pequenez e pelo volume, incriados, indestrutíveis e imutáveis.</p><p>Tales de Mileto. Fonte: Wikipédia.</p><p>Os principais problemas discutidos pelos pré-socráticos foram a cosmologia, um estudo acerca</p><p>da ordem presente no mundo (aquilo que hoje chamamos de “leis da física”) – a palavra kosmos,</p><p>signi�ca ordem, na língua grega; e questões relacionadas à física – Physis em grego é natureza e</p><p>a maioria desses �lósofos escreveram livros intitulados Sobre a natureza. Entre os pré-socráticos</p><p>destacam-se Heráclito de Éfeso (540-470 a.C.) e Parmênides de Eleia (530-460 a.C.), que mudam</p><p>o conteúdo da re�exão �losó�ca. Eles não trataram diretamente do arquê, mas da possibilidade,</p><p>ou não, de conhecermos as coisas. Para Heráclito, não é possível conhecermos, pois tudo está</p><p>mudando o tempo todo, caracterizando-se como cético, mas Parmênides discordava e defendia</p><p>que a mudança é apenas aparente, pois as coisas mantêm a sua essência. Desse modo, o</p><p>primeiro a�rma o devir (mudança) e o segundo o ser. Portanto, com Heráclito e Parmênides, duas</p><p>novas problemáticas iniciaram-se: uma relacionada ao ser, a ontologia (ser em grego é to on,</p><p>transliterado para o alfabeto latino como ontos, daí a origem do termo ontologia: estudo do ser);</p><p>e outra relacionada ao conhecimento, a gnosiologia (gnose em grego é conhecimento) ou</p><p>epistemologia (episteme, em grego, é ciência).</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>Sócrates e a democracia ateniense</p><p>No século V a.C. temos o período de esplendor máximo da democracia ateniense, conhecido</p><p>como “Século de ouro” ou “Século de Péricles”. Atenas havia vencido a guerra contra os Persas e</p><p>isso fez com que os seus costumes passassem por profundas transformações (MELLO, 1976, p.</p><p>39-40). A democracia permitia que o debate de questões de interesse público se realizasse na</p><p>ágora (praça), permitindo a percepção de que o próprio homem poderia ser a fonte da lei e que</p><p>para vencer os debates era necessário ter clareza das ideias e bons argumentos. Assim, foi com</p><p>o intuito de ensinar retórica (falar bem, persuadir com eloquência) aos �lhos da nobreza, que</p><p>surgiram os so�stas (sophos, sábio).</p><p>Eles se autointitulavam “mestres da sabedoria” e foram os primeiros a cobrar para ensinar. Os</p><p>so�stas �caram rotulados negativamente, considerados quase sinônimo de impostor ou</p><p>demagogo devido ao fato de não terem compromisso com a verdade – apenas com a arte de</p><p>convencer os adversários, com uma boa argumentação – e por defenderem que tudo era relativo,</p><p>tudo era convenção. Contudo, o fato de deslocarem a re�exão cosmológica para a antropológica</p><p>(antropós em grego é homem, ou seja, estudo sobre o homem, nesse caso, especi�camente,</p><p>como o homem pode ser feliz) foi considerado um aspecto relevante do pensamento so�sta. Os</p><p>so�stas também deram início, re�exivamente, a mais dois problemas �losó�cos: a ética e a</p><p>política. No campo da ética, eles associaram a felicidade a uma vida de prazer, poder e riqueza.</p><p>No campo da política, a�rmavam que essa área da atividade humana era fruto de uma</p><p>convenção, um acordo. Sócrates, Platão e Aristóteles discordaram de tais a�rmações.</p><p>______</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>Re�ita</p><p>Os so�stas privilegiaram a re�exão sobre o ser humano e a conquista da felicidade mais do que</p><p>a cosmológica. Para eles, o homem seria feliz caso desfrutasse de prazer, poder e riqueza.</p><p>Certamente essas coisas são muito boas, mas será que existe necessariamente uma conexão</p><p>entre elas e o desfrute da felicidade?</p><p>______</p><p>Os so�stas são contemporâneos de Sócrates, o qual iniciou os seus estudos com eles, mas que</p><p>depois acabou rompendo por não concordar com uma série de pensamentos sustentados pelos</p><p>so�stas. Entre as principais contribuições de Sócrates está o fato de superar o relativismo dos</p><p>so�stas a�rmando a existência da verdade e da essência de tudo como uma razão de ser. O seu</p><p>compromisso com a verdade se �rmou ainda mais depois que Querefonte, seu amigo de</p><p>infância, consultou o oráculo da pitonisa no templo de Apolo, em Delphos, buscando saber quem</p><p>seria a pessoa mais sábia do mundo e recebeu de pitonisa a resposta de que era Sócrates.</p><p>Quando informado desse fato, procurou se certi�car conversando com todas as pessoas que</p><p>poderiam ser consideradas sábias.</p><p>A partir dessas conversas, Sócrates percebeu que tais pessoas, acreditavam tudo saber, mas</p><p>ignoravam que havia algo a mais do que sabiam, en�m, elas desconheciam</p><p>a própria ignorância.</p><p>Sócrates percebeu que ele sabia tanto quanto essas pessoas, mas, além disso, sabia que não</p><p>conhecia tudo, ou seja, tinha algo a mais: a consciência de sua ignorância. Daí vem a sua</p><p>conhecida frase:</p><p>Para Chauí (2000), no entanto, essa frase faz parte do método socrático que por meio de</p><p>perguntas, mostrava às pessoas que elas não tinham respostas para aquilo que acreditavam que</p><p>sabiam. Quando pediam a resposta a Sócrates, ele dizia que também não sabia e a�rmava “só</p><p>sei que nada sei”, mostrando que a consciência da ignorância é o começo da �loso�a. Sócrates</p><p>não queria a opinião, queria a essência das coisas, pois, segundo ele, a opinião muda, mas a</p><p>essência permanece. Assim, ele entendia que sua missão era ajudar os homens a viver bem,</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>encontrando a sabedoria e a virtude, ou seja, a sua preocupação não era com os princípios</p><p>supremos do universo, mas com o valor do conhecimento humano (MONDIN, 1982).</p><p>Desse modo, Sócrates adotou como lema a frase que se encontrava do pórtico do templo de</p><p>Apolo, em Delphos: “Homem, conhece-te a ti mesmo”. Por meio de perguntas, Sócrates</p><p>procurava mostrar como as opiniões não se sustentavam – atitude conhecida como ironia,</p><p>sinalizando que Sócrates se subestimava propositalmente (ABBAGNANO, 2007, p. 585) – e</p><p>levava as pessoas a re�etir por conta própria (maiêutica, em grego, é parir, dar à luz). Sócrates</p><p>dizia que a sua missão era ajudar as pessoas a dar à luz as suas ideias (ABBAGNANO, 2007, p.</p><p>637). Mas esse método (dialético) incomodava muita gente, pois trazia à tona as suas vaidades.</p><p>Com isso, ele começou a angariar adversários.</p><p>“Considerava que a sua missão era expor a ignorância dos outros quanto à verdadeira</p><p>natureza dessas virtudes (justiça, coragem e bondade) e era conhecido por</p><p>constranger os sábios da época ao revelar a confusão implícita em seus</p><p>pensamentos morais” (LAW, 2008, p. 242).</p><p>______</p><p>Assimile</p><p>O método socrático é a dialética que se subdivide em dois momentos: a ironia, palavra que</p><p>signi�cava, naquela época, interrogatório; e a maiêutica, palavra que signi�ca parto, dar à luz. A</p><p>mãe de Sócrates era uma parteira e, por isso, ele diz ter a mesma missão de sua mãe: ela</p><p>ajudaria as mulheres a darem à luz aos seus �lhos e ele ajudaria as pessoas a darem à luz as</p><p>suas ideias.</p><p>______</p><p>Para Sócrates, a essência do homem é a sua alma (psykhé, em grego) e a alma, para ele, é a</p><p>razão, a consciência. A busca do bem, do belo e do verdadeiro, seria a essência da alma. Quem</p><p>conhece o bem, pratica-o, assim, só age mal quem ignora o bem. Essa tese é conhecida como</p><p>“racionalismo ético”. O homem deve conhecer e praticar o bem, buscando a virtude – a</p><p>excelência, aquilo que é melhor. Segundo Sócrates,</p><p>“não é das riquezas que nasce a virtude, mas das virtudes nasce a riqueza”</p><p>(PESSANHA, 1999, p. 57).</p><p>As virtudes da alma se manifestam no autodomínio,</p><p>“no domínio de si mesmo nos estados de prazer, dor e cansaço, no urgir das paixões</p><p>e dos impulsos” (REALE, 1990, p. 91).</p><p>Trata-se de fazer a racionalidade prevalecer sobre a animalidade, tornar a alma senhora do</p><p>corpo. Somente quando age desta maneira o homem estaria, segundo Sócrates, sendo</p><p>verdadeiramente livre.</p><p>Sócrates foi acusado de corromper a juventude e não acreditar nos deuses da cidade (segundo</p><p>Reale e Antiseri [2003], a verdadeira causa era ressentimento e manobra política) e por isso foi</p><p>levado à julgamento e condenado à morte. Ele �cou um mês na prisão esperando a morte e</p><p>numa madrugada foi acordado por Críton, um discípulo rico que, após subornar os guardas, o</p><p>incitava a fugir. Mesmo tendo sido injustamente condenado ele se recusou a fugir, alegando que</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>não conseguiria conviver com a consciência de ter agido mal. Tomou o copo de cicuta e morreu</p><p>na presença de grande parte de seus discípulos.</p><p>Sócrates teve muito discípulos e entre eles podemos citar Antístenes (fundador do cinismo),</p><p>Euclides, o grande geômetra, e Platão, o primeiro pensador a criar um sistema �losó�co. Muito</p><p>do que se sabe sobre Sócrates foi devido aos escritos de Platão, relatados, sobretudo, nas obras</p><p>Apologia de Sócrates e A república e O banquete.</p><p>Conclusão</p><p>Depois do exposto, retomamos o problema apresentado esperando que tenha �cado mais claro</p><p>que é possível conhecer/interpretar o mundo de diversas maneiras e em cada época tem</p><p>prevalecido um determinado tipo de conhecimento. Mas os conhecimentos suplantados não</p><p>desaparecem, eles continuam existindo concomitantemente com os demais. Portanto,</p><p>poderíamos a�rmar que todos tratam da mesma realidade a partir de óticas diferentes.</p><p>O mito, enquanto um modo de explicar o mundo que antecede a �loso�a e a ciência foi a</p><p>explicação do mundo dominante por, aproximadamente, duzentos anos no chamado mundo</p><p>ocidental (os mitos começam com Homero no século XIII a.C. e a �loso�a surgiu no século VI</p><p>a.C.). Depois disso, a �loso�a passou a ser a explicação mais aceita e assim permaneceu por,</p><p>aproximadamente, novecentos anos. Posteriormente a religião se serviu da �loso�a para a</p><p>teologia e tornou-se a explicação dominante por uns mil anos. A ciência, a partir de Galileu Galilei</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>e do Iluminismo, suplantou a religião e, já há uns quinhentos anos, é a explicação com maior</p><p>legitimidade na atualidade.</p><p>A religião possui dogmas (verdades de fé inquestionáveis) e a ciência possui axiomas (verdades</p><p>cientí�cas). A �loso�a não possui uma verdade pré-estabelecida, mas constrói as suas bases</p><p>pelo questionamento, pelo diálogo, pelo consenso e pelo entendimento. A sua metodologia é se</p><p>orientar por tudo aquilo que é compreensível racionalmente e que tem clareza, nexo, lógica (a</p><p>palavra “lógica”, por exemplo, se origina de logos, de onde também se origina o su�xo “logia”,</p><p>presente em muitas áreas do conhecimento, tais como biologia, antropologia, psicologia etc.).</p><p>Assim, é uma prerrogativa do pensamento �losó�co o respeito pelo ponto de vista do outro e o</p><p>modo de vida do diferente, en�m, que se aceite a pluralidade social e política. Nesse sentido,</p><p>quem é apegado às suas ideias não será um bom �lósofo, pois o verdadeiro �lósofo jamais se</p><p>considera detentor de verdades eternas. Desse modo, “verdades eternas”, “verdades</p><p>inquestionáveis”, “verdades irrefutáveis” são termos que não coadunam com a postura �losó�ca.</p><p>As a�rmações de Shakespeare, do livro do Gênesis e de Higgs denotam que somos os nossos</p><p>pensamentos, os nossos projetos, os nossos anseios, en�m, a essência do ser humano é aquilo</p><p>que passa por sua racionalidade, por sua mente. O homem é o seu pensamento. Tal como já nos</p><p>de�niu Aristóteles, ou seja, “animais racionais” e como nos lembrou Descartes, em seu clássico</p><p>“penso, logo existo”. Desse modo, mais uma vez podemos nos convencer de que o contexto em</p><p>que nos encontramos, a época em que vivemos, os relacionamentos que estabelecemos, os</p><p>conhecimentos que adquirimos, e assim por diante, vão repercutir naquilo que nos tornamos.</p><p>Assim, à �loso�a, portanto, cabe indagar a vida, a sociedade e os valores estabelecidos;</p><p>questionar a realidade de modo crítico e profundo para que possíveis incongruências sejam</p><p>resolvidas e uma sociedade mais justa e perfeita possa, progressivamente, ser projetada e</p><p>estabelecida, de acordo com os sãos princípios da moral e da razão. Essa está entre as maiores</p><p>contribuições que recebemos dos grandes �lósofos.</p><p>Aula 3</p><p>Ciência</p><p>Introdução da Aula</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>Qual é o foco da aula?</p><p>Nesta aula, você conhecerá a de�nição de Ciência e o que alguns pensadores relatam acerca</p><p>desta área do conhecimento.</p><p>Objetivos gerais de aprendizagem</p><p>Ao longo desta aula, você irá:</p><p>demonstrar o que é Ciência e seus aspectos;</p><p>analisar a busca da verdade de Platão;</p><p>identi�car quem foi Francis Bacon, Galileu Galilei e Karl Popper.</p><p>Situação-problema</p><p>Nesta aula abordaremos mais uma modalidade de conhecimento, sendo ela, hoje, considerada a</p><p>mais convincente, a mais útil e a mais promissora. É aquela que mais tempo toma dos bancos</p><p>escolares o que mostra a</p><p>sua valorização. Estamos nos referindo à ciência, uma forma de</p><p>conhecimento que se propõe abordar o “como”. Como o mundo surgiu, como a luz se propaga,</p><p>como nos tornamos o que somos hoje, como as coisas funcionam e assim por diante. Segundo</p><p>alguns �lósofos, a ciência não se propõe re�etir sobre a essência do mundo (com indagações</p><p>como: por que o mundo existe?), não trata de questões transcendentais (Deus, por exemplo), não</p><p>aborda temáticas exclusivamente ideais ou utópicas, mas trata daquilo que é real, concreto,</p><p>mensurável, veri�cável, demonstrável etc.</p><p>A ciência foi gestada no ventre da �loso�a e só no começo da idade moderna se tornou</p><p>emancipada. Praticamente todos os �lósofos pré-socráticos, desde Tales até Demócrito,</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>contribuíram com a ciência em algum aspecto. Platão e Aristóteles contribuíram com diversas</p><p>áreas da ciência, tais como a psicologia, a antropologia, a astronomia, a física, a biologia etc.</p><p>Para demonstrar que �loso�a e ciência caminhavam juntas, podemos lembrar que Galileu Galilei,</p><p>o pai da ciência moderna, apesar de médico, matemático e astrônomo, lutou por muito tempo</p><p>para adquirir o título de �lósofo. Ele dizia:</p><p>“estudei mais anos de �loso�a do que meses de medicina e como sou considerado</p><p>médico, nada mais justo do que ser também considerado um �lósofo” (ROVIGHI,</p><p>1999, p. 48).</p><p>De acordo com a compreensão dos iluministas a fé não estaria mais dando conta de explicar o</p><p>funcionamento do mundo e, para eles, com base, na razão, a ciência poderia assumir esse</p><p>propósito. Porém, hoje há quem questione se a ciência também não acabou por se distanciar</p><p>dessa incumbência (HABERMAS, 2009).</p><p>Diante disso, apresentamos a nossa situação-problema. Vamos re�etir a partir da a�rmação feita</p><p>por William Shakespeare (1564-1616) em sua peça Hamlet. Nela, ele sustenta que</p><p>“há mais mistérios entre o céu e a terra do que supõe nossa vã �loso�a”</p><p>(SHAKESPEARE, 2005, p. 36).</p><p>Será que tais mistérios ainda persistem? Será que a ciência realmente dará conta deles? Ou será</p><p>que quanto mais conhecermos mais perceberemos que ainda há muito mais para ser conhecido?</p><p>Desse modo, vamos analisar as especi�cidades da ciência, como se dá a relação entre ciência e</p><p>técnica, qual parâmetro pode nos sinalizar que está havendo progresso cientí�co e, por último, se</p><p>há a possibilidade de a ciência acabar, também, incorrendo numa espécie de mito do</p><p>cienti�cismo.</p><p>Por meio desta aula, esperamos contribuir com a sua re�exão e melhor compreensão do mundo,</p><p>com o seu conhecimento e, consequentemente, com o seu crescimento acadêmico e humano.</p><p>Aspectos da ciência</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>Existe uma disciplina chamada História da ciência que busca mostrar como o conhecimento</p><p>cientí�co surgiu e como foi se desenvolvendo ao longo do tempo. É consenso entre os</p><p>estudiosos dessa área que o mito gesta a �loso�a e a �loso�a gesta a ciência. O caráter</p><p>cientí�co dessa re�exão �losó�ca nascente está na busca de compreensão do mundo a partir da</p><p>razão. Os gregos não faziam experiências, sua ciência era feita a partir da observação e da</p><p>re�exão.</p><p>A experimentação começou a fazer parte do método de aquisição de novos conhecimentos a</p><p>partir de Francis Bacon (1561-1626) e Galileu Galilei (1564-1642). Francis Bacon é o pai do</p><p>método experimental e Galileu Galilei é o pai da ciência moderna. A experimentação é</p><p>acrescentada, sem excluir a observação e a re�exão, a �m de permitir maior universalização aos</p><p>conhecimentos cientí�cos.</p><p>Entre as especi�cidades da ciência estão os princípios da objetividade, universalidade e da</p><p>aplicabilidade, que buscam tornar o conhecimento neutro, universal e necessário. Esse aspecto</p><p>universal pode ser facilmente observado nas ciências naturais. Por exemplo, a água entra em</p><p>ebulição quando atinge 100º celsius estando ao nível do mar. Isso signi�ca que essa explicação</p><p>pode ser identi�cada e aplicada em vários lugares e em momentos diferentes sem que haja uma</p><p>mudança explicativa. O aspecto da objetividade tem a ver com a exatidão, com a positividade.</p><p>Outro exemplo para ajudar: a soma dos ângulos internos de um triângulo é 180º. Portanto, o</p><p>resultado da soma precisa ser, necessariamente, 180º, não pode ser 179º e nem 181º. O oposto</p><p>ao universal é o particular, e o oposto do necessário é contingente (ao acaso, acidentalmente).</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>Um dos caminhos é a dedução, ou método dedutivo. Esse é um método que parte de uma</p><p>a�rmação geral e dela extrai conclusões particulares, aplica algo que é compreendido</p><p>universalmente aos casos particulares. Por exemplo, se todo cisne é branco, �ca sem sentido</p><p>perguntarmos qual é a cor do cisne que morreu na manhã de ontem. É um método utilizado pela</p><p>matemática, sendo, as suas fórmulas um exemplo por excelência.</p><p>Outro caminho para novos conhecimentos é a indução, ou método indutivo. Esse método faz o</p><p>percurso contrário do anterior; pois ele parte de observações particulares – de muitas delas, por</p><p>sinal – para então extrair uma lei universal. Por exemplo, jogam-se vários objetos para cima e se</p><p>observa que todos eles caem ao chão. Então, conclui-se que todo objeto jogado ao alto tende a</p><p>seu ponto de repouso. Perceba que não foram jogados todos os objetos, mas, mesmo assim,</p><p>infere-se tal a�rmação.</p><p>______</p><p>Assimile</p><p>A palavra “caminho” em grego é οδος (transliterado para hodos) e signi�ca “para”, “por meio de”,</p><p>também é μετα (meta), portanto, método é, etimologicamente, um “caminho para”, ou seja, um</p><p>percurso que se faz, aqui, no caso, para alcançar o conhecimento verdadeiro. É bastante comum</p><p>que cada corrente �losó�ca tenha um método diferente.</p><p>______</p><p>Mas esses dois métodos não foram os primeiros existentes. Possivelmente, o primeiro tenha</p><p>sido o método dialético. Esse método começa com Heráclito de Éfeso (540-470 a.C.), segundo o</p><p>qual “a guerra é a mãe de todos os seres”, ou seja, o confronto, o embate entre as coisas: o frio e</p><p>o quente, a luz e a treva, a alegria e a dor, o doce e o amargo etc. Quem mais propagou o método</p><p>dialético foi Sócrates (470-399 a.C.) e, para ele, a dialética acontecia por meio da discussão de</p><p>pontos de vistas diferentes. A dialética exige muita maturidade e autocontrole, pois os</p><p>debatedores não podem ser apegados aos seus pontos de vistas mais do que à procura da</p><p>verdade. Nesse processo, dialética lhes permitia a percepção da fragilidade de suas opiniões e</p><p>os levaria a querer lapidá-las para se aproximarem mais da verdade.</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>Para Sócrates, nós devemos amar a verdade e buscá-la sempre, o que não signi�ca defendê-la, já</p><p>que isso pressupõe que a temos, e a postura de um sábio é não se considerar dono da verdade, o</p><p>detentor dela, e sim desejá-la ardentemente. Nesse sentido, cabe ao verdadeiro �lósofo sugerir,</p><p>supor, re�etir, questionar, mas não a�rmar. Talvez por isso, Sócrates fazia questão de deixar claro</p><p>que não sabia tudo e que, também, não se incomodava em terminar um diálogo sem chegar a</p><p>uma conclusão. Quando isso acontecia, esse diálogo era considerado aporético (sem</p><p>conclusão).</p><p>A busca da verdade – Platão</p><p>Platão retomou a discussão iniciada por Heráclito e Parmênides – em que o primeiro a�rma que</p><p>tudo muda (devir), e o segundo diz que a mudança é aparente e que as coisas mudam sem,</p><p>contudo, perderem sua essência – e defendeu que a busca da verdade sobre o mundo requer</p><p>que teorizemos sobre ele baseados mais em conceitos do que naquilo que percebemos pelos</p><p>nossos sentidos. Isso porque, segundo ele, os sentidos nos permitem acesso ao mundo sensível,</p><p>mas esse é um mundo que muda constantemente – a verdade para os gregos não comporta</p><p>mudanças, então, em um mundo mutável, jamais conseguiremos encontrá-la (CHAUÍ, 2000). Os</p><p>conceitos, por outro lado, só existiriam em nossa cabeça e permaneceriam sempre os mesmos.</p><p>Nesse sentido, se eles são imutáveis, então, aqui, a verdade se torna mais acessível. Talvez a</p><p>árvore que nos permitiu chegarmos ao conceito de árvore nem exista mais, mas isso não é</p><p>relevante, já que, uma vez tendo chegado ao conceito das</p><p>coisas, essas podem mudar, ou deixar</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>de existir, que o conceito permanecerá em nossa mente. Platão não usa propriamente o termo</p><p>“conceito”, ele usa o termo “ideia” (a propósito, ele o criou), mas com a intenção de indicar “forma</p><p>pura”.</p><p>Para Platão, conhecimento é crença verdadeira e justi�cada. Assim sendo, na busca de</p><p>justi�cativa para o conhecimento verdadeiro, ele criou a teoria dos dois mundos, um deles</p><p>sensível (ou material) e o outro inteligível (ou das ideias). O mundo sensível é o mundo da ilusão,</p><p>das sombras, do engano e da mudança (é o interior da caverna relatada no livro VII de A</p><p>República); o mundo inteligível é o mundo da certeza, da luz, da verdade e da constância (é o</p><p>mundo fora da caverna) (PLATÃO, 1999).</p><p>Discordando de seu mestre, Aristóteles sustenta a ideia de que não existiriam dois mundos, mas</p><p>apenas um, ou seja, ele não se apresenta um dualista como Platão. Ao falarmos em dois</p><p>mundos, é importante você ter em mente que estamos falando do mundo sensível (material,</p><p>físico, dos objetos) e o dos conceitos (mundo inteligível). Quando nós conversamos sobre as</p><p>coisas, aquilo que permite que consigamos nos entender são os conceitos, e eles são imutáveis.</p><p>Por exemplo, a casa que permitiu que você entendesse o conceito de casa pode ser que nem</p><p>exista mais, mas isso agora é indiferente, pois você extraiu um conceito sobre ela e o carregará</p><p>em sua mente.</p><p>Ao a�rmar a existência de um único mundo, mostra-se necessário explicar o movimento que,</p><p>aqui, não signi�ca se mexer, signi�ca nascer, crescer, viver e morrer. A mudança (leia-se</p><p>movimento), dirá Aristóteles, faz parte da natureza das coisas, pois todas elas se encontram</p><p>nesse mundo de dois modos:</p><p>em ato e em potência (REALE; ANTISERI, 2003, p. 194).</p><p>O ato indica o modo como as coisas estão no momento em que elas são apreendidas</p><p>e a potência indica a possibilidade que as coisas têm de se tornar diferentes</p><p>(crescendo, envelhecendo, etc.), sem deixar de ser elas mesmas. Nesse sentido, a</p><p>potência é como uma energia intrínseca (inerente) que as coisas carregariam dentro</p><p>de si, pois todas as coisas do mundo teriam um τέλος (télos é �m, �nalidade,</p><p>propósito) e elas tenderiam a realizar esse télos. O télos de todas as coisas é a busca</p><p>da realização do seu bem (REALE; ANTISERI, 2003, p. 341).</p><p>Assim, uma semente, por exemplo, tem uma �nalidade: ela foi feita para tornar-se uma planta e</p><p>naturalmente tenderá a isso. Existe um mecanismo interno que a impulsiona para cumprir com</p><p>essa �nalidade. Dessa forma, não haveria nada no mundo que não tivesse uma �nalidade, um</p><p>propósito, uma razão de ser.</p><p>______</p><p>Exempli�cando</p><p>O ato é o modo como as coisas se encontram aqui e agora e a potência é a possibilidade delas</p><p>se tornarem diferentes. Talvez o melhor exemplo seja a semente. Supostamente ela não foi feita</p><p>para ser apenas uma semente, pois com as condições adequadas pode (“pode” é possibilidade, é</p><p>potência) tornar-se uma planta. Resumindo, uma semente na sua mão, em ato, é apenas uma</p><p>semente, já em potência, é uma planta.</p><p>______</p><p>Aristóteles entende que a ciência é conhecimento verdadeiro e causal, portanto, para se</p><p>conhecer seria preciso buscar a causa daquilo que se pretende conhecer. Além de estar no</p><p>mundo em ato e potência, todas as coisas teriam quatro causas:</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>material, formal, e�ciente e �nal. A primeira refere-se à matéria que compõe o objeto</p><p>em questão; a segunda ao formato que isso tem; a terceira diz respeito a quem</p><p>originou, quem é o seu autor; e a quarta o motivo desse algo existir, a sua �nalidade</p><p>ou o seu �m. A mais importante das quatro, segundo Aristóteles, é a causa �nal</p><p>(REALE; ANTISERI, 2003, p. 196).</p><p>Para o �lósofo, as quatro causas agem sobre a substância, sobre aquilo que é constitutivo,</p><p>indissociável do ser, que é a sua realidade primeira ou fundante. Essa substância tem algo sem o</p><p>qual ela deixaria de ser ela mesma, isto é, tem uma essência (no caso do ser humano, a essência</p><p>é a racionalidade, pois somos de�nidos como “animais racionais”) e tem, também,</p><p>características secundárias, ditas acidentais. Acidente é aquilo que não é parte constitutiva de</p><p>algo, cuja ausência não faz este algo deixar de ser o que ele é (como a nossa altura, a cor da</p><p>pele, a cor dos olhos, etc.).</p><p>Método experimental de Francis Bacon</p><p>A ciência, ou a epistemologia, foi um dos assuntos que mais dominou os círculos acadêmicos no</p><p>início da Idade Moderna, e o primeiro a se dedicar a ele foi Francis Bacon. Bacon dá tanto valor à</p><p>experiência na aquisição do conhecimento que �cou conhecido como “pai do método</p><p>experimental”. Esse intelectual entendia que, à medida em que vamos vivendo, acabamos</p><p>assimilando algumas ideias equivocadas que passam a di�cultar a nossa compreensão de</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>mundo (REALE; ANTISERI, 2004, p. 269). Tais equívocos, ou enganos, provenientes de ideias</p><p>preconcebidas, Bacon chamou de ídolos e os classi�cou em quatro tipos:</p><p>ídolos da tribo: ilusões provenientes da espécie a qual pertencemos;</p><p>ídolos da caverna: ilusões oriundas do nosso próprio modo de ver o mundo;</p><p>ídolos do fórum: ilusões originadas do nosso convívio com as demais pessoas</p><p>(os ídolos do fórum também podem ser encontrados com outras</p><p>nomenclaturas: feira, mercado ou praça; eles parecem remeter-nos à ideia de</p><p>aglomeração de pessoas);</p><p>ídolos do teatro: ilusões provocadas pelas teorias �losó�cas, cientí�cas,</p><p>religiosas, políticas, etc.</p><p>Visando a superação de tais enganos, Bacon propõe o método experimental:</p><p>“exame detalhado dos diversos casos particulares e a relação entre eles que leva à</p><p>conclusão geral, ou seja, ao conhecimento. A esse procedimento denomina-se</p><p>indução” (ABRÃO, 1999, p. 190).</p><p>Para ele, o conhecimento cientí�co sempre se ergue sobre si e avança �rme e cumulativamente,</p><p>descobrindo leis e tornando invenções possíveis. Assim, o conhecimento cientí�co permite que</p><p>as pessoas façam coisas que, antes, não poderiam ser feitas demonstrando que saber é poder</p><p>(AA. VV., 2011, p. 110). O conhecimento, o saber, de acordo com Bacon, têm uma aplicabilidade,</p><p>um uso prático que permite transformar a natureza e o mundo. Na antiguidade, essa mentalidade</p><p>não se fazia presente. O lema de Francis Bacon é “saber é poder”. Não o saber contemplativo,</p><p>mas o instrumental, aquele que possibilita dominar a natureza em benefício humano. Com isso</p><p>ele aliou ciência e técnica. A sua principal obra é Novum organum.</p><p>______</p><p>Re�ita</p><p>Na década de 1970, diante de tantas crises – entre as quais podemos citar a “crise do petróleo”</p><p>–, �cou mais evidente que os recursos naturais não renováveis, ou seja, os esgotáveis, requerem</p><p>mais atenção e cuidado. Desse modo, o pensamento de Bacon, o qual legitimava o uso do</p><p>conhecimento para a transformação da natureza, de modo a satisfazer às necessidades</p><p>humanas, foi aos poucos cedendo espaço para uma visão de desenvolvimento sustentável.</p><p>Entendeu-se que o homem poderia estar comprometendo as condições de vida da espécie</p><p>humana.</p><p>Será que, pautados nessa visão, poderíamos a�rmar que o conhecimento humano denota</p><p>evolução contínua? Caso você tenha interesse em aprofundar essa temática pesquise mais</p><p>sobre o Princípio responsabilidade, de Hans Jonas.</p><p>______</p><p>Disciplina</p><p>INTRODUÇÃO À FILOSOFIA</p><p>Francis Bacon. Fonte: Wikimédia.</p><p>O método baconiano para alcançar a verdade consiste em fazer uma rigorosa observação dos</p><p>fenômenos naturais e submetê-los à experiência, pois, segundo Bacon, é dela que nasce a</p><p>verdade. Os passos para evitar os equívocos seriam:</p><p>1. observação;</p><p>2. organização racional dos dados coletados;</p><p>3. explicações gerais por meio de hipóteses;</p><p>4. repetidas experimentações para comprovar/descartar as hipóteses.</p><p>______</p><p>Assimile</p><p>Bacon faz uma comparação entre os racionalistas (chamados por ele de dogmáticos), os</p><p>empíricos (empíricos antigos) e os novos empíricos. Diz ele:</p><p>Aqueles que lidaram com as ciências, ou foram homens de experimentos, ou homens</p><p>de dogmas. Os homens de experimentos são como as formigas, só coletam e usam o</p><p>que coletaram;</p>

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