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Fernanda Mussalim e Anna Christina Bentes (Orgs ) - Introdução à Linguística, Vol 2 - Domínios e Fronteiras - Fernanda Mussalim e Anna Christina Bentes (Orgs ) (2021, Cortez Editora) - libgen li

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<p>Dados	Internacionais	de	Catalogação	na	Publicação	(CIP)</p><p>(Câmara	Brasileira	do	Livro,	SP,	Brasil)</p><p>INTRODUÇÃO	À	LINGUÍSTICA:	domínios	e	fronteiras,	vol.	2</p><p>Fernanda	Mussalim	e	Anna	Christina	Bentes	(Orgs.)</p><p>Capa:	aeroestúdio</p><p>Preparação	de	originais:	Nair	Hitomi	Kayo</p><p>Revisão:	Agnaldo	Alves,	Solange	Martins</p><p>Composição:	Linea	Editora	Ltda.</p><p>Coordenação	editorial:	Danilo	A.	Q.	Morales</p><p>Nenhuma	parte	desta	obra	pode	ser	reproduzida	ou	duplicada	sem	autorização</p><p>expressa	dos	autores	e	do	editor.</p><p>©	2000	by	Organizadoras</p><p>Direitos	para	esta	edição</p><p>CORTEZ	EDITORA</p><p>Rua	Monte	Alegre,	1074	–	Perdizes</p><p>05009-000	–	São	Paulo	–	SP</p><p>Tel.:	(11)	3864-0111	Fax:	(11)	3864-4290</p><p>E-mail:	cortez@cortezeditora.com.br</p><p>www.cortezeditora.com.br</p><p>Publicado	no	Brasil	–	2021</p><p>Para	Sírio	e	Inge</p><p>Que	nos	mostraram</p><p>Os	encantos	da	linguagem.</p><p>(As	Organizadoras)</p><p>O	homem	sentiu	sempre	—	e	os	poetas	frequentemente	cantaram	—	o	poder</p><p>fundador	da	linguagem,	que	instaura	uma	sociedade	imaginária,	anima	as	coisas</p><p>inertes,	faz	ver	o	que	ainda	não	existe,	traz	de	volta	o	que	desapareceu.</p><p>Émile	Benveniste</p><p>SUMÁRIO</p><p>APRESENTAÇÃO	À	8ª	EDIÇÃO</p><p>APRESENTAÇÃO</p><p>Sírio	Possenti</p><p>INTRODUÇÃO</p><p>Fernanda	Mussalim</p><p>Anna	Christina	Bentes</p><p>1.	SEMÂNTICA</p><p>Roberta	Pires	de	Oliveira</p><p>2.	PRAGMÁTICA</p><p>Joana	Plaza	Pinto</p><p>3.	ANÁLISE	DA	CONVERSAÇÃO</p><p>Ângela	Paiva	Dionísio</p><p>4.	ANÁLISE	DO	DISCURSO</p><p>Fernanda	Mussalim</p><p>5.	NEUROLINGUÍSTICA</p><p>Edwiges	Maria	Morato</p><p>6.	PSICOLINGUÍSTICA</p><p>Ari	Pedro	Balieiro	Jr.</p><p>7.	AQUISIÇÃO	DA	LINGUAGEM</p><p>Ester	Mirian	Scarpa</p><p>8.	LÍNGUA	E	ENSINO:	políticas	de	fechamento</p><p>Marina	Célia	Mendonça</p><p>SOBRE	OS	AUTORES</p><p>APRESENTAÇÃO	À	8ª	EDIÇÃO</p><p>A	obra	Introdução	à	Linguística:	domínios	e	fronteiras	(vols.	1	e	2)	foi	lançada</p><p>no	II	Congresso	Internacional	da	Associação	Brasileira	de	Linguística	(Abralin),</p><p>que	aconteceu	em	Fortaleza,	na	Universidade	Federal	do	Ceará	(UFC),	em</p><p>março	de	2001.</p><p>Com	a	participação	de	linguistas	brasileiros	de	várias	instituições	do	país,	os</p><p>dois	volumes	foram	organizados	de	forma	a	dar	acesso	aos	principais	objetos	de</p><p>estudo	e	às	principais	teorizações	das	diferentes	áreas	da	Linguística,	em	uma</p><p>linguagem	focada	no	público	de	graduação,	mas	sem	abrir	mão	do	necessário</p><p>rigor	acadêmico	na	apresentação	de	cada	uma	das	áreas	que	constituem	esse</p><p>campo	do	conhecimento.</p><p>O	trabalho	coletivo	e	engajado	dos	vários	autores	dessa	obra	resultou	na	sua</p><p>consolidação	como	uma	referência	no	Brasil:	um	material	imprescindível	para	a</p><p>formação	dos	profissionais	da	área	de	Letras	e	Linguística	e	também	um	guia	de</p><p>conhecimento	básico	do	campo	dos	estudos	da	linguagem,	que	figura	na</p><p>bibliografia	obrigatória	de	vários	programas	de	pós-graduação	no	país.</p><p>Para	nós,	organizadoras	da	obra	Introdução	à	Linguística:	domínios	e	fronteiras,</p><p>isso	tudo	é,	ao	mesmo	tempo,	uma	grande	alegria,	mas	também	uma	grande</p><p>responsabilidade.</p><p>A	atualização	da	obra	no	ano	de	seu	aniversário	de	dez	anos	foi	a	maneira	que</p><p>encontramos	para	celebrar	o	seu	sucesso	e,	ao	mesmo	tempo,	continuar	a</p><p>fornecer	um	material	de	formação	adequada	e	de	qualidade	no	campo	dos</p><p>estudos	linguísticos.</p><p>Essa	atualização	foi	feita	de	maneira	diversificada	e	contemplou	reformulações</p><p>pontuais	e/ou	reformulações	mais	gerais	de	grande	parte	dos	artigos.	Houve</p><p>desde	a	aplicação	do	acordo	ortográfico	e	correções	dos	originais,	até</p><p>atualizações	de	bibliografia,	exemplos	e	dados,	além	da	inserção	de	novos</p><p>conceitos	e/ou	reformulações	teóricas.	Foram	feitas	também	atualizações	das</p><p>informações	sobre	os	autores	e	uma	mudança	no	layout	da	capa,	conservando-se,</p><p>no	entanto,	as	cores	e	o	espírito	das	capas	originais.</p><p>Os	dez	anos	de	sucesso	editorial	e	de	reconhecimento	do	mérito	acadêmico	dessa</p><p>obra	devem-se	a	muitos:	autores,	editores,	colegas	e	leitores.	A	eles,	o	nosso</p><p>mais	sincero	agradecimento	e	a	reiteração	de	nosso	compromisso	com	o</p><p>fortalecimento	das	práticas	de	reflexão	sobre	a	linguagem	a	partir	de	uma</p><p>perspectiva	linguística.</p><p>Assim,	gostaríamos	de	agradecer,	mais	uma	vez,	a	todos	os	autores	que	se</p><p>dispuseram	a	colaborar,	há	dez	anos,	com	esse	projeto	e	que	também	se</p><p>dispuseram	a	colaborar	com	esta	atualização	da	obra.</p><p>Gostaríamos	de	agradecer	à	Cortez	Editora,	por	ter	acolhido	esta	obra	para</p><p>publicação	e	por	ter	sido	incansável	na	sua	divulgação	e	distribuição.</p><p>Agradecemos	também	aos	nossos	colegas	da	Linguística	e	aos	estudiosos	da</p><p>linguagem	em	geral,	que	consideram	que	esta	obra	deve	ser	lida	por	seus	alunos</p><p>de	graduação	e/ou	de	pós-graduação	em	Letras	e	Linguística	e/ou	em	outras</p><p>áreas	do	conhecimento.</p><p>E,	por	fim,	gostaríamos	de	agradecer	aos	nossos	leitores	de	todo	o	país,	por</p><p>terem	escolhido	nossa	obra	como	um	dos	inúmeros	companheiros	de	jornada	no</p><p>curso	de	sua	formação	profissional.</p><p>Sabemos	que	os	tempos	de	hoje	exigem	muito	mais	de	todos	nós,	profissionais</p><p>das	Letras	e	da	Linguística.	Por	sua	abrangência	e	objetividade,	acreditamos	que</p><p>esta	obra	continua	a	constituir-se	em	um	significativo	apoio	para	a	obtenção	de</p><p>uma	boa	formação	profissional	e	humana	no	campo	dos	estudos	da	linguagem,	já</p><p>que	a	questão	linguística	é,	atualmente,	uma	das	mais	importantes	agendas	da</p><p>educação	e	da	ciência	brasileiras.</p><p>Fernanda	Mussalim</p><p>Anna	Christina	Bentes</p><p>Organizadoras</p><p>Dezembro	de	2011</p><p>APRESENTAÇÃO</p><p>Prefaciar	um	livro	como	este	que	o	leitor	tem	em	mãos	não	é	uma	tarefa	que	se</p><p>cumpra	facilmente.	Por	duas	razões,	principalmente.	Em	primeiro	lugar,	não	é</p><p>obra	de	autor,	ou	seja,	sendo	uma	coletânea,	não	se	trata	de	um	livro	que	possa</p><p>ser	atribuído	a	uma	pessoa,	caso	em	que	os	prefácios	dedicam	parte	de	seu</p><p>espaço	para	celebrar	o	autor,	não	necessariamente	para	comentar	o	livro.	Em</p><p>segundo,	porque	se	trata	de	uma	obra	contendo	textos	sobre	Linguística,</p><p>destinada	de	certa	forma	à	sua	divulgação,	ou,	dito	de	outra	maneira,	destinada	a</p><p>propiciar	uma	introdução	não	trivial	a	um	campo	de	saber	já	veterano,	mas	para</p><p>muitos	completamente	desconhecido.</p><p>O	livro	trata	de	temas	bastante	conhecidos	nos	meios	mais	ou	menos</p><p>especializados,	mas	nada	—	eu	disse	“nada”,	não	disse	“pouco”	—	conhecidos</p><p>nos	meios	que	não	se	dedicam	especificamente	a	essas	questões,	por	mais	que</p><p>elas	lhes	sejam	afetas.	Este	poderia	bem	ser	o	caso	dos	críticos	literários,</p><p>antropólogos,	sociólogos,	cientistas	políticos,	psicólogos,	e	mesmo	psicanalistas.</p><p>Os	estudantes	que	chegam	à	universidade	repetem	e	confirmam	a	situação:	eles</p><p>não	têm	a	menor	familiaridade	com	as	questões	mais	banais	às	quais	se	dedica	a</p><p>Linguística,	a	despeito	de	longa	experiência	escolar	com	manifestações	variadas</p><p>e	relevantes	de	linguagem,	e	também	de	alguma	experiência,	frequentemente</p><p>dolorosa	e	quase	sempre	inútil,	com	gramáticas	(sempre	e	só	as	normativas).</p><p>Este	é	um	fato	curioso,	sobre	o	qual	se	deveria	meditar.	Todos	conhecem,	mesmo</p><p>os	que	se	devotam	apenas	ao	campo	das	humanidades,	e	mesmo	às	letras,</p><p>alguma	coisa	sobre	relatividade,	big	bang	e	universo	em	expansão,	DNA	e</p><p>clonagem.	No	mínimo.	Às	vezes,	equivocadamente,	é	verdade,	a	ponto	de</p><p>confundirem	a	relatividade	de	Einstein	com	o	relativismo	de	suas	convicções...</p><p>De	qualquer	forma,	nos	campos	da	Física	e	da	Biologia,	faz	tempo	que	a	escola	e</p><p>a	imprensa	diária	ultrapassaram	Newton	e	Mendel.	Mas	nunca	—	se	houver	pelo</p><p>menos	um	caso,	me	avisem	—	ultrapassaram,	nem	escola,	nem	imprensa,	nem</p><p>mesmo	o	ensaísmo	dos	finais	de	semana,	muito	menos	as	colunas	que	agora</p><p>assolam	a	mídia,	os	limiares	das	gramáticas	normativas	(a	única	exceção	são	as</p><p>menções	cansativas	a	um	texto	de	Jakobson	sobre	as	funções	da	linguagem)</p><p>quando	a	questão	são	as	línguas.	Ouvir	o	comentário	de	um	intelectual	ou	de	um</p><p>jogador	de	futebol	sobre	a	questão	é	exatamente	a	mesma	coisa.</p><p>Ora,	tais	gramáticas	estão	para	a	Linguística	mais	ou	menos	como	Galileu	está</p><p>para	a	Física	Moderna,	isso	se	considerarmos	de	maneira	otimista	e	generosa</p><p>apenas	os	tópicos	nos	quais	discutem	a	organização	interna	da	língua	e	sua</p><p>eventual	relação	com	o	mundo,	que	é	o	caso	da	herança	filosófica	das</p><p>gramáticas.	Quanto	ao	mais,	a	atitude	é	meramente	normativa,	pré-baconiana</p><p>nos	melhores	casos,	e	manual	de	etiqueta	—	ruim	—</p><p>porque	ele	tem	certas	propriedades	que</p><p>só	os	humanos	têm.	A	essas	propriedades,	que	definem	o	conteúdo	semântico	de</p><p>um	termo,	a	Semântica	Formal	dá	o	nome	de	intensão.	A	intensão	permite</p><p>alcançarmos	uma	classe	de	objetos	em	todos	os	mundos	possíveis.	O	conjunto</p><p>dos	homens	no	nosso	mundo	é	a	sua	extensão	nesse	mundo.	Você	certamente</p><p>percebeu	que	há	um	paralelo	com	os	conceitos	de	sentido	e	referência	que</p><p>definimos	no	início	deste	capítulo,	não?</p><p>No	caso	de	homem,	sua	extensão	são	os	vários	humanos	no	mundo,	as	entidades</p><p>extralinguísticas.	E	qual	seria	a	sua	intensão?	Suas	propriedades	essenciais.</p><p>Além	da	delicada	questão	filosófica	que	aí	se	esmiúça	—	afinal,	existem	mesmo</p><p>propriedades	essenciais?	—,	essa	abordagem	enfrenta	o	difícil	problema	de</p><p>determinar	com	certo	grau	de	segurança	quais	são	as	propriedades	necessárias	e</p><p>suficientes	para	que	algo	pertença	a	uma	certa	categoria.	Pergunte-se:	o	que	faz</p><p>uma	pessoa	ser	parte	da	categoria	HUMANO?	O	fato	de	compartilhar	com	todos</p><p>os	outros	seres	humanos	certas	propriedades	e,	ao	mesmo	tempo,	de	se</p><p>distinguir,	por	meio	dessas	propriedades,	de	todos	os	demais	seres.	Eis	a	resposta</p><p>da	Semântica	Formal	clássica.	Pare	um	instante	de	ler	e	pense:	mas	que</p><p>propriedades	são	essas?	A	questão	não	é	trivial	e	tem	recebido	as	mais	diferentes</p><p>respostas	ao	longo	dos	séculos.	Já	se	afirmou	que	a	categoria	HUMANO	se</p><p>define	pela	presença	de	duas	propriedades,	“ser	bípede”	e	“ser	implume”:</p><p>pertencer	à	classe	dos	humanos	é	ter	dois	pés	e	não	ter	penas.	De	fato,	essas</p><p>propriedades	permitem	distinguir	um	homem	de	um	cachorro	e	de	um	pato.	No</p><p>entanto,	é	muito	fácil	achar	exemplos	de	seres	humanos	que,	ao	menos</p><p>aparentemente,	não	preenchem	essas	condições.	Basta	imaginar	um	perneta;</p><p>alguém	com	uma	única	perna	continua	a	ser	humano	ou	não?	E	se,	por	uma</p><p>mutação	genética	qualquer,	um	ser	humano	nascesse	com	algumas	plumas,	ele</p><p>deixaria	de	ser	um	humano?	Já	deu	para	você	ter	uma	ideia	do	problema,	não?</p><p>Sem	dúvida	alguma	foi	Ludwig	Wittgenstein,	em	Investigações	filosóficas,</p><p>quem	problematizou	com	maior	maestria	o	problema	das	categorias.¹ 	Ele	se</p><p>perguntou	sobre	quais	seriam	as	propriedades	definidoras	da	categoria	jogo,</p><p>levando	em	consideração	os	vários	usos	que	essa	palavra	pode	ter.	Tente	se</p><p>lembrar	de	tudo	o	que	você	chama	de	jogo:	amarelinha,	palavra	cruzada,	vôlei,</p><p>damas,	solitário,	futebol.	E	agora	veja	se	você	consegue	descobrir	uma	única</p><p>propriedade	que	seja	comum	a	todas	as	atividades	que	denominamos	jogo,	isto	é,</p><p>uma	propriedade	necessária	porque	presente	em	todos	os	exemplos	de	jogo.	Se</p><p>você	disser	“divertimento”,	eu	retruco	com	roleta-russa.	Se	você	falar	em</p><p>“competição”,	eu	lembro	os	jogos	de	amarelinha	e	os	solitários.	Imaginemos,	no</p><p>entanto,	que	você	me	convença	de	que	a	propriedade	comum	a	todos	os</p><p>exemplos	de	jogo	seja	divertimento.	Mas	divertimento	é	uma	propriedade	tão</p><p>genérica	que	é	insuficiente	para	separar	a	classe	dos	jogos	de	outras	classes,</p><p>como	a	das	diversões.	Não	conseguimos	distinguir	jogo	de	divertimento	se</p><p>divertimento	é	o	traço,	já	que	há	coisas	divertidas	que	não	são	jogos:	ir	ao</p><p>cinema	é	divertido	e	não	é	um	jogo.	Parece	que	se	houver	uma	propriedade</p><p>comum	a	todos	os	usos	de	uma	palavra,	uma	propriedade	necessária,	ela	não	será</p><p>suficiente	para	delimitar	a	classe.	Com	base	nessa	constatação,	Wittgenstein</p><p>propôs	que	as	categorias	se	organizam	por	relações	de	semelhanças	de	família.</p><p>Os	usos	de	uma	mesma	palavra	se	assemelham	da	mesma	forma	que	os</p><p>membros	de	uma	família.	Não	é	necessário	que	os	membros	compartilhem	a</p><p>mesma	propriedade	para	pertencerem	todos	à	mesma	família,	nem	mesmo	o</p><p>sobrenome.</p><p>A	Semântica	Cognitiva	baseia-se	nessa	linha	de	pensamento	para	negar	a</p><p>abordagem	clássica	da	categoria.	Ela	se	ancora	fortemente	em	evidências</p><p>psicológicas	para	assegurar	a	posição	de	que	não	categorizamos	por	meio	do</p><p>estabelecimento	de	propriedades	necessárias	e	suficientes.	O	trabalho	de	Berlin</p><p>&	Kay	(1969)	sobre	as	cores	em	diferentes	línguas,	assim	como	as	pesquisas	de</p><p>Eleanor	Rosch	(apud	Lakoff,	1987)	apontam	para	fatos	que	contradizem	as</p><p>predições	da	categorização	por	propriedades	necessárias	e	suficientes.	Vejamos</p><p>um	exemplo.	Se	peço	para	você	me	dar	um	exemplo	de	pássaro,	você	com</p><p>certeza	não	vai	dizer	pinguim,	a	menos	que	você	seja	um	semanticista.	Por	que</p><p>não?	Por	que	as	pessoas	tendem	a	responder	perguntas	sobre	categorias	com</p><p>certos	elementos	e	não	com	outros?	Os	experimentos	de	Rosch	trouxeram	uma</p><p>resposta	a	essas	questões.	A	abordagem	formal	clássica	não	pode	dar	uma</p><p>explicação	para	esse	fato,	porque	para	ela	as	categorias	se	organizam	por</p><p>propriedades	necessárias	e	suficientes,	e,	se	é	assim,	então	todos	os	membros	de</p><p>uma	categoria	devem	ter	o	mesmo	valor.	Isso	significa	que	as	pessoas	deveriam</p><p>responder	aleatoriamente,	ora	pardal,	ora	pinguim,	ora	galinha	ao	meu	pedido	de</p><p>exemplo	de	pássaro.	Mas	não	é	isso	o	que	elas	fazem;	elas	respondem</p><p>preferencialmente	uma	subespécie	de	pássaro.	No	Brasil,	provavelmente</p><p>diríamos	pardal	e	muito	raramente	pinguim.²</p><p>Baseado	nesses	resultados,	formulou-se	a	hipótese	de	que	os	conceitos	se</p><p>estruturam	por	protótipos.	Em	outros	termos,	quando	classificamos	não</p><p>recorremos	ao	estabelecimento	de	condições	necessárias	e	suficientes,	mas	nos</p><p>escoramos	em	casos	que	são	exemplares,	que	são	os	mais	reveladores	da</p><p>categoria,	na	nossa	experiência	imediata.	É	por	isso	que	no	Brasil,	acredito,	a</p><p>resposta	seria	pardal	ao	pedido	de	exemplificação	de	pássaro:	convivemos	com</p><p>pardais.	Além	disso,	pardal	tem	propriedades	que	são	salientes	nos	pássaros,	e</p><p>que	pinguins	não	têm:	ele	voa	como	os	pássaros	em	geral.	As	categorias	se</p><p>estruturam,	pois,	por	meio	de	um	caso	mais	prototípico	que	se	relaciona	via</p><p>semelhanças	com	os	outros	membros	menos	centrais.	Pardal	é	o	membro	central</p><p>da	categoria	PÁSSARO,	ao	passo	que	pinguim	ocupa	posição	periférica.</p><p>Mas	como	é	que	a	criança	aprende	essas	categorias?	Ela	aprende	primeiramente</p><p>as	categorias	de	nível	médio,	porque	é	com	objetos	desse	tipo	de	categoria	que</p><p>temos	contato	físico	direto.	Mais	uma	vez	com	base	em	experimentos	da</p><p>Psicologia,	a	Semântica	Cognitiva	afirma	que	aprendemos	categorias	de	nível</p><p>básico	diretamente,	porque	elas	não	indicam	nem	as	categorias	mais	abstratas,</p><p>nem	as	categorias	mais	específicas.	Aprendemos	primeiro	e	diretamente</p><p>categorias	como	cachorro	e	mesa	e	só	posteriormente,	pelo	processo	de</p><p>metonímia,	as	categorias	genéricas	animal	e	móveis	e	as	particulares	como	boxer</p><p>e	mesa	de	cabeceira.	Da	mesma	forma	que	a	metáfora	é	o	processo	para	estender</p><p>os	esquemas	imagéticos,	a	metonímia	é	o	processo	para	estender	as	categorias.</p><p>Também	aqui	metonímia	não	se	refere	à	figura	de	linguagem	que	aprendemos</p><p>nos	manuais	de	retórica	ou	nas	gramáticas	tradicionais.	Trata-se	antes	de	um</p><p>processo	cognitivo	que	permite	criar	relações	de	hierarquias	entre	conceitos.	A</p><p>sentença	(37)	é	um	exemplo	de	metonímia:</p><p>(37)	O	governo	decretou	o	fim	do	seguro-desemprego.</p><p>É,	pois,	por	meio	dos	processos	cognitivos	da	metáfora	e	da	metonímia	que</p><p>estendemos	nossos	esquemas	e	categorias	para	além	das	nossas	experiências</p><p>físicas	imediatas	na	direção	da	abstração.</p><p>Intervalo	VIII</p><p>Procure	mostrar	que	a	propriedade	“voar”	não	é	nem	necessária	nem	suficiente</p><p>para	que	algo	pertença	à	categoria	AVE.</p><p>Procure	descrever,	a	partir	do	conceito	de	protótipo,	a	categoria	MÃE.</p><p>Explique	por	que	a	sentença	a	seguir	é	uma	metonímia:</p><p>(1)	A	Maria	saiu	com	o	seu	animal	de	estimação.</p><p>Vamos	agora	nos	contentar	em	apresentar	em	suas	linhas	gerais	a	abordagem</p><p>cognitiva	para	as	pressuposições.	Sobre	esse	assunto,	a	grande	contribuição	tem</p><p>sido	de	Gilles	Fauconnier	(1985).²¹	Esse	autor	parte	da	hipótese	de	que	na</p><p>interpretação	formamos	espaços	mentais,	estruturas	conceituais	que	descrevem</p><p>como	os	falantes	atribuem	e	manipulam	a	referência,	dentre	elas	as	descrições</p><p>definidas.	Em	conformidade	com	os	postulados	da	Semântica	Cognitiva,	o</p><p>significado	não	está	na	linguagem;	antes,	a	linguagem	é	como	um	método,	uma</p><p>receita,	que	permite	a	identificação	de	uma	estrutura	cognitiva	subjacente.	Para</p><p>dar	conta	da	referência,</p><p>Fauconnier	propõe	que	durante	a	interpretação</p><p>construímos	domínios	ou	espaços	mentais	nos	quais	ela	ocorre.	Suponha	a</p><p>sentença:</p><p>(38)	Júlio	César	conquistou	o	Egito.</p><p>Na	interpretação	de	(38)	criamos	um	espaço	mental	em	que	Júlio	César	se	refere</p><p>ao	personagem	histórico	na	nossa	mente	e	não	no	mundo.	O	que	ocorre	se</p><p>repentinamente	passamos	a	falar	do	personagem	de	Shakespeare,	como	na</p><p>sentença	(39)?</p><p>(39)	Na	peça	de	Shakespeare,	Júlio	César	conquistou	o	Egito.</p><p>Nesse	caso,	diz	Fauconnier,	abrimos	um	novo	espaço	mental,	em	que	Júlio	César</p><p>não	se	refere	ao	personagem	histórico,	mas	ao	ficcional,	mas	mantemos	relações</p><p>entre	eles.</p><p>É	a	partir	desse	arsenal	teórico	que	Fauconnier	propõe	uma	análise	distinta	das</p><p>pressuposições,	já	que	elas	nem	garantem	a	referência	a	entidades	no	mundo,</p><p>nem	são	procedimentos	argumentativos;	são	antes	entidades	mentais/cognitivas.</p><p>Sem	entrar	nos	detalhes,	retornemos	à	sentença	sobre	Maria	ter	parado	de	fumar,</p><p>a	sentença	(16).	Dissemos,	então,	que	a	sentença	veiculava	a	pressuposição	de</p><p>que	Maria	fumou	um	dia.	Mostramos	que	a	sentença	negativa	pode	ser	descrita</p><p>como	comportando	uma	ambiguidade:	ou	negamos	a	pressuposição,	Maria	não</p><p>fumava	antes,	ou	negamos	o	predicado,	Maria	não	parou	de	fumar.	Na</p><p>Semântica	Cognitiva,	a	pressuposição	é	descrita	como	significados	que	se</p><p>transferem	de	um	espaço	mental	para	outro.	No	caso	da	sentença	(16),</p><p>estaríamos	diante	de	dois	espaços	mentais:	um	em	que	está	a	informação	de	que</p><p>Maria	já	fumou;	outro	que	diz	que	ela	parou	de	fumar.	Quando	interpretamos,</p><p>acionamos	os	dois	espaços	mentais.	No	caso	de	negarmos	o	primeiro	espaço</p><p>mental,	isto	é,	Maria	nunca	fumou,	essa	informação	não	é	transportada	para	o</p><p>segundo	espaço	mental.	Já,	se	Maria	fumou	um	dia,	então	a	pressuposição	é</p><p>carregada	para	o	segundo	espaço	mental,	e	a	negação	incide	sobre	o	fato	de	ela</p><p>ter	parado	de	fumar.</p><p>O	mesmo	raciocínio	se	aplica	ao	caso	do	rei	da	França.	Formamos,	na</p><p>interpretação,	dois	espaços	mentais:	um	em	que	há	um	e	apenas	um	rei	da</p><p>França,	independentemente	de	haver	de	fato	um	rei	da	França,	isto	é,</p><p>independentemente	da	relação	de	referência.	Essa	sentença,	que	se	originou	no</p><p>espaço	mental	A,	ou	permanece	nesse	espaço	mental	(se,	por	exemplo,	negamos</p><p>que	há	um	único	rei	da	França),	ou	se	move	até	o	espaço	mental	B	(em	que	se</p><p>afirma	que	o	único	rei	da	França	é	careca)	e	se	torna	uma	pressuposição	de	B	—</p><p>nesse	caso,	a	negação	só	poderá	atingir	a	afirmação	de	que	ele	é	careca.</p><p>5.	UMA	RÁPIDA	CONCLUSÃO</p><p>Na	introdução	dissemos	que	nossa	intenção	era	apresentar	um	instrumental	que</p><p>já	faz	parte	do	campo	da	Semântica,	independentemente	do	modelo	adotado,	e</p><p>que	permite	mostrarmos	como	o	“mesmo”	fenômeno	ganha	diferentes</p><p>descrições.	Esse	é	o	caso	dos	problemas	levantados	com	relação	à	referência,	à</p><p>pressuposição,	às	definições	definidas,	à	categorização.	Ao	apresentarmos	como</p><p>esses	problemas	são	descritos	de	modos	diferentes,	queríamos	mostrar	as	linhas</p><p>mestres	dos	modelos	semânticos	atuais:	o	modelo	formal,	o	modelo	enunciativo</p><p>e	o	modelo	cognitivo.	Se	conseguimos	apresentar	esse	quadro	minimamente,</p><p>acreditamos	que	você,	leitor,	tem	condições	de	seguir	em	frente,	de	aprofundar</p><p>(veja	aí	uma	metáfora	para	a	Semântica	Cognitiva)	seus	estudos.	É	por	isso	que</p><p>apresentamos,	ao	longo	deste	capítulo,	várias	referências	bibliográficas	que</p><p>permitem	iniciar	um	estudo	menos	superficial	a	respeito	de	cada	um	dos</p><p>modelos	apresentados.	Contamos	ainda	ter	mostrado	que,	na	Linguística</p><p>contemporânea,	não	há	nem	uma	resposta	única	para	o	problema	do	significado,</p><p>nem	uma	metodologia	única	para	descrevê-lo.	Essa	pluralidade	de	modelos</p><p>transparece	também	no	fato	de	que,	muitas	vezes,	aquilo	que	é	problema	para</p><p>um	modelo	não	o	é	para	outro.	É	esse	o	caso	da	categorização,	que	interessa	à</p><p>Semântica	Formal	e	à	Semântica	Cognitiva,	mas	que	é	secundário	na	Semântica</p><p>da	Enunciação.</p><p>Finalmente,	se	não	for	esperar	demais,	esperamos	ter	deixado	o	leitor	com	a</p><p>“pulga	atrás	da	orelha”,	com	uma	certa	certeza	de	que	qualquer	descrição</p><p>semântica	está	necessariamente	engajada	numa	visão	da	linguagem,	o	que</p><p>implica	uma	explicação	para	a	relação	entre	linguagem	e	mundo,	linguagem	e</p><p>conhecimento.	Adotar	a	abordagem	da	Semântica	Formal	não	é	apenas	utilizar	o</p><p>instrumental	lógico	para	descrever	a	linguagem	—	o	que	em	si	poderia	ser	feito</p><p>por	quaisquer	das	abordagens	aqui	propostas	—,	mas	assumir	que	a	linguagem</p><p>natural	se	estrutura	logicamente	e	que	o	significado	é	uma	relação	entre	o</p><p>linguístico	e	o	não	linguístico.	Esses	são	pontos	de	discussão.	É	verdade	que	a</p><p>linguagem	tem	uma	estrutura,	mas	que	ela	seja	lógica...	Se	adotamos	o	ponto	de</p><p>vista	da	Semântica	da	Enunciação	ou	da	Semântica	Cognitiva,	jogamos	fora	a</p><p>ideia	de	que	a	verdade	tem	algo	a	ver	com	o	significado,	de	que	o</p><p>extralinguístico	tem	um	papel	na	fundamentação	do	significado.	Esse	também	é</p><p>um	postulado	polêmico.	Na	Semântica	da	Enunciação,	o	significado	é	descrito</p><p>nas	relações	de	dialogia,	de	argumentatividade.	Ele	não	serve,	pois,	para	apontar</p><p>algo	no	mundo	exterior,	mas	para	convencer,	para	seduzir	o	outro.	Enredado	na</p><p>linguagem,	não	há	como	transcendê-la.	No	modelo	da	Semântica	Cognitiva</p><p>também	abandonamos	a	ideia	de	verdade	como	dando	suporte	ao	significado,</p><p>porque	ele	está	no	corpo	que	vive,	que	se	move,	que	está	em	várias	relações	com</p><p>o	meio	e	não	na	correspondência	entre	palavras	e	coisas.</p><p>Que	a	heterogeneidade	pode	tornar	as	coisas	mais	complicadas	para	aqueles	que</p><p>querem	fazer	semântica	é	certo,	mas	ela	pode	também	ajudar	a	ver	que	talvez	a</p><p>linguagem	seja	de	fato	um	objeto	muito	complexo.	Tão	complexo	que	somente</p><p>deixando	coexistir	diferentes	abordagens,	somente	espiando	a	linguagem	por</p><p>diferentes	buracos	de	fechadura,	poderemos	um	dia	chegar	a	compreendê-la</p><p>melhor.</p><p>Respostas</p><p>Intervalo	I:	A	referência	de	a	capital	da	França	e	Paris	é	Paris,	o	objeto	no</p><p>mundo.	Atente	para	a	distinção	entre	linguagem	e	objeto.	A	referência	de	Paris	é</p><p>a	capital	da	França,	uma	sentença,	é	o	verdadeiro,	porque	no	nosso	mundo</p><p>Paris	é	a	capital	da	França.	Eis	alguns	exemplos	de	sentido	para	descrever	o</p><p>Rio	de	Janeiro:	Rio	de	Janeiro,	a	capital	do	Império,	a	cidade	do	Cristo</p><p>Redentor.</p><p>Intervalo	II:	1)	Há	várias	possibilidades	de	recortar	a	primeira	sentença:	ser</p><p>casado	com	(predicado	de	dois	lugares),	ser	casado	com	Maria	(predicado	de</p><p>um	lugar),	João	ser	casado	com	(predicado	de	um	lugar).	A	segunda	sentença	é</p><p>um	exemplo	de	predicado	de	um	lugar:	ser	brasileira.	Cuidado	aqui,	porque	não</p><p>é	possível	recortar	a	sentença	como	___	é	___,	pois	brasileira	não	é	um	nome</p><p>próprio,	não	tem	sentido	completo,	nem	referência,	e	o	verbo	ser	não	está</p><p>estabelecendo	uma	identidade,	mas	pertença	a	um	conjunto.	A	última	sentença</p><p>pode	ser	recortada	de	três	formas:	Oscar	é	jogador	de,	ser	jogador	de,	ser</p><p>jogador	de	basquete.</p><p>2)	Em	Todo	homem	é	casado	com	alguma	mulher,	para	todo	elemento	do</p><p>conjunto	dos	homens	corresponde	um	elemento	do	conjunto	das	mulheres.	Nesse</p><p>caso,	o	universal	tem	escopo	sobre	o	existencial.	Já	em	Um	homem	é	casado</p><p>com	todas	as	mulheres,	afirmamos	que	há	um	único	homem	que	é	casado	com</p><p>todos	os	elementos	do	conjunto	mulheres.	Nesse	caso,	o	existencial	tem	escopo</p><p>sobre	o	universal.	Finalmente,	na	última	sentença	temos	um	caso	de</p><p>ambiguidade,	porque	temos	dois	operadores	não	e	de	novo:	mais	uma	vez	Maria</p><p>não	está	grávida	—	ou	seja,	ela	nunca	esteve	grávida	antes,	e	dessa	vez,	de	novo,</p><p>ele	não	conseguiu	engravidar	—	ou	Maria	já	esteve	grávida,	mas	não	está</p><p>grávida	dessa	vez.</p><p>Intervalo	III:	A	sentença	João	não	escreveu	sua	tese	para	agradar	a	mãe	tem</p><p>duas	interpretações	por	causa	do	escopo	da	negação	—	isto	é	sua	amplitude:</p><p>(1)	João	não	escreveu	sua	tese	e	o	motivo	de	ele	não	ter	escrito	é	a	sua	mãe.</p><p>O	operador	de	negação	tem	escopo	sobre	o	evento	denotado	pelo	verbo.</p><p>(2)	João	escreveu	sua	tese	mas	o	motivo	não	foi	a	sua	mãe.</p><p>A	negação	tem	escopo	sobre	o	motivo.</p><p>Há	pressuposição	factiva	na	sentença	João	lamenta	a	morte	do	pai,	porque	para</p><p>ser	verdadeira	ou	para	ser	falsa	é	preciso	que	seja	verdade	que	o	pai	de	João</p><p>tenha	morrido.	Veja	que</p><p>se	negamos	a	sentença	João	não	lamenta	a	morte	do	pai</p><p>continua	a	ser	verdadeiro	que	o	pai	morreu.	Essa	é	a	pressuposição	factiva</p><p>quando	a	sentença	pressupõe	que	houve	um	evento.</p><p>Intervalo	IV:	Segundo	a	Semântica	da	Enunciação,	a	sentença	pode	comportar</p><p>uma	negação	polêmica	—	Meu	livro	não	foi	reeditado,	porque	não	tenho	livro	—</p><p>ou	uma	negação	metalinguística	—	Não	é	verdade	que	meu	livro	foi	reeditado.	A</p><p>sentença	exibe	a	seguinte	estrutura:</p><p>E1:	Eu	tenho	um	livro.</p><p>E2:	Este	livro	foi	reeditado.</p><p>O	enunciador	E3	pode	ou	negar	E1	ou	negar	E2.</p><p>A	Semântica	Formal	descreveria	esta	sentença	como	ambígua.	Num	caso,	a</p><p>negação	teria	escopo	sobre	a	pressuposição	de	que	eu	escrevi	um	livro;	no	outro,</p><p>ela	incidiria	sobre	a	afirmação	de	que	ele	foi	reeditado.	Fala-se	aqui	de	duas</p><p>formas	lógicas	distintas.</p><p>Intervalo	V:	A	primeira	sentença	é	um	caso	de	masSN,	porque	há	presença	de</p><p>um	enunciador	que	nega	a	fala	João	está	cansado,	e	outro	que	repara	a</p><p>descrição	dessa	fala:	João	está	deprimido.	Na	segunda	temos	um	masPA,	porque</p><p>a	primeira	sentença,	João	foi	ao	cabeleireiro,	nos	leva	a	imaginar	que	ele	cortou</p><p>o	cabelo,	precisamente	a	conclusão	que	é	negada	na	segunda	parte	da	sentença.</p><p>A	sentença	João	não	saiu	pode	comportar	diferentes	tipos	de	negação,</p><p>dependendo	do	encadeamento	discursivo	em	que	ela	aparece.	A	negação	pode</p><p>ser	descritiva	ou	metalinguística.	Se	você	acabou	de	me	dizer	que	João	saiu	e	eu</p><p>replico	com	a	sentença	em	questão,	temos	uma	negação	metalinguística.	O</p><p>mesmo	vale	para	a	negação	em	O	céu	não	está	azul	que,	dependendo	do</p><p>encadeamento	linguístico,	pode	ser	descritiva	ou	metalinguística.</p><p>Intervalo	VI:	Em	termos	argumentativos,	(1)	e	(2)	são	bastante	diferentes.	A</p><p>contribuição	de	sentido	proporcionada	pelo	até	está	no	fato	de	que	ele</p><p>pressupõe	uma	escala	de	valores,	em	que	o	presidente	do	Brasil	está	no	topo.	De</p><p>modo	que	a	sua	presença	é	um	argumento	para	a	conclusão	de	que	a	festa	foi</p><p>um	sucesso.</p><p>Na	sentença	(1)	seguinte,	argumenta-se	em	favor	da	tese	de	que	João	dormiu;	ao</p><p>passo	que	na	sentença	(2)	a	escala	argumentativa	vai	na	direção	do	argumento	de</p><p>que	João	não	dormiu.</p><p>Intervalo	VII:	As	sentenças	manifestam	a	presença	de	uma	metáfora	conceitual:</p><p>TEMPO	É	DINHEIRO,	tanto	que	podemos	gastá-lo,	economizá-lo,	empregá-lo</p><p>mal,	investir	nele...</p><p>Há	muitos	exemplos	que	confirmam	a	metáfora	conceitual	ARGUMENTAÇÃO</p><p>É	UMA	GUERRA.	Eis	alguns:	Vou	defender	minha	tese	hoje;	Use	todas	as	suas</p><p>armas	contra	os	argumentos	dele;	Ele	atacou	meu	ponto	de	vista.</p><p>Intervalo	VIII:	Há	aves	que	não	voam,	portanto,	voar	não	é	uma	propriedade</p><p>essencial	das	aves,	por	exemplo,	os	pinguins	e	as	galinhas.	Há	outras	coisas	que</p><p>voam	e	não	são	aves,	por	exemplo,	os	insetos	e	os	aviões.	De	onde	se	conclui</p><p>que	essa	propriedade	não	é	suficiente	para	caracterizar	a	categoria	AVE.</p><p>A	categoria	MÃE	se	organiza	ao	redor	da	ideia	de	progenitora	e	de	ser	aquela</p><p>que	cuida	da	criança,	a	provedora.	As	mães	não	biológicas	são	provedoras.</p><p>Há	metonímia	porque	animal	de	estimação	é	uma	categoria	superordenada	com</p><p>relação	à	categoria	de	nível	básico;	não	sabemos	se	é	cachorro	ou	gato	ou</p><p>qualquer	outro	animal	o	animal	de	estimação	da	Maria.</p><p>REFERÊNCIAS</p><p>BORGES,	J.	B.	Adjetivos.	Predicados	extensionais	e	predicados	intensionais.</p><p>Campinas:	Editora	da	Unicamp,	1991.</p><p>BARWISE,	J.;	COOPER,	R.	Generalized	quantifiers	and	natural	language.</p><p>Linguistics	and	Philosophy,	v.	4,	p.	159-219,	1981.</p><p>CHIERCHIA,	G.	Semântica.	Campinas/Londrina:	Editora	da	Unicamp/UEL,</p><p>2003.</p><p>DUCROT,	O.	Princípios	de	semântica	linguística	(dizer	e	não	dizer).	São	Paulo:</p><p>Cultrix,	1979.</p><p>______.	O	dizer	e	o	dito.	Campinas:	Pontes,	1987.</p><p>FAUCONNIER,	G.	Mental	spaces.	Cambridge:	MIT	Press,	1985.</p><p>FREGE,	G.	Lógica	e	filosofia	da	linguagem.	São	Paulo:	Cultrix,	1978.</p><p>GUIMARÃES,	E.	Texto	e	argumentação:	um	estudo	das	conjunções	do</p><p>português.	Campinas:	Pontes,	1991.</p><p>HAACK,	S.	Philosophy	of	logics.	Cambridge:	Cambridge	University	Press,</p><p>1978.</p><p>HEIM,	I.	The	semantics	of	definite	and	indefinite	NP’s.	Ph.D.	dissertation.</p><p>University	of	Massachusetts,	1982.</p><p>ILARI,	R.	Estruturalismo	e	semântica.	In:	MARI,	H.;	DOMINGUES,	I.;	PINTO,</p><p>J.	(Orgs.).	Estruturalismo:	memória	e	repercussões.	Rio	de	Janeiro:	Diadorim,</p><p>1995.</p><p>______.	Pela	primeira	vez,	e	suas	complicações	sintático-semânticas.</p><p>D.E.L.T.A.,	v.	14,	n.	especial,	p.	133-153,	1998.</p><p>ILARI,	R.;	GERALDI,	J.	W.	Semântica.	São	Paulo:	Ática,	1985.</p><p>KEMPSON,	R.	Teoria	semântica.	São	Paulo:	Zahar,	1980.</p><p>KOCH,	I.	Argumentação	e	linguagem.	Cortez:	São	Paulo,	1984.</p><p>LAKOFF,	G.;	JOHNSON,	M.	Metaphors	we	live	by.	Chicago:	The	Chicago</p><p>University	Press,	1980.</p><p>______.	Metáforas	da	vida	cotidiana.	Campinas:	Mercado	de	Letras,	2002.</p><p>LAKOFF,	G.	Women,	fire	and	dangerous	things.	What	categories	reveal	about</p><p>the	mind.	Chicago:	The	Chicago	University	Press,	1987.</p><p>LIMA,	P.	L.	C.	O	substantivo	cabeça	relacionado	à	razão/emoção	no	sistema</p><p>conceitual	do	inglês	e	do	português.	In:	Encontro	do	CELSUL,	II,	1997,</p><p>Florianópolis.	Anais...	Florianópolis:	UFSC,	1997,	p.	723-733.</p><p>LYONS,	J.	Semântica	I.	Lisboa:	Presença,	1977.</p><p>NEGRÃO,	E.	V.	Tem	uma	história	que	eu	quero	contar	que	começa	assim:</p><p>peculiaridades	de	uma	construção	existencial.	Cadernos	de	Estudos	Linguísticos,</p><p>n.	22,	p.	81-90,	1992.</p><p>OGDEN,	C.	K.;	RICHARDS,	I.	A.	O	significado	de	significado.	Um	estudo	da</p><p>influência	da	linguagem	sobre	o	pensamento	e	sobre	a	ciência	do	simbolismo.</p><p>Rio	de	Janeiro:	Zahar,	1976.</p><p>PAPADIMITRIOU,	C.	H.;	DOXIADIS,	A.;	PAPADATOS,	A.	Logicomix.	São</p><p>Paulo:	Martins	Fontes,	2010.</p><p>PIRES	DE	OLIVEIRA,	R.	Uma	história	de	delimitações	teóricas:	trinta	anos	de</p><p>Semântica	no	Brasil.	D.E.L.T.A.,	v.	15.	n.	especial,	p.	291-322,	1999.</p><p>PONTES,	E.	A	metáfora.	Campinas:	Editora	da	Unicamp,	1990.</p><p>PUTNAM,	H.	The	meaning	of	meaning.	In:	Language,	mind	and	knowledge.</p><p>Cambridge:	Cambridge	University	Press,	1975.</p><p>RUSSELL,	B.	On	denoting.	Mind	14,	p.	479-493,	1905.</p><p>SWEETSER,	E.	E.	From	etymology	to	pragmatics.	Cambridge:	Cambridge</p><p>University	Press,	1991.</p><p>TAYLOR,	J.	R.	Linguistic	categorization:	prototypes	in	linguistic	theory.</p><p>Oxford:	Oxford	University	Press,	1989.</p><p>VOGT,	C.	O	intervalo	semântico.	São	Paulo:	Hucitec,	1977.</p><p>1	Agradeço	às	organizadoras	a	oportunidade	de	reescrever	este	texto	após	10</p><p>anos	de	sua	primeira	publicação.</p><p>2.	Sobre	o	significado	de	“significado”,	o	texto	clássico	é	de	Ogden	e	Richards</p><p>(1976).</p><p>3.	Ver	Ilari	(1995).</p><p>4.	O	termo	“modelo”	é	utilizado	aqui	de	modo	informal,	como	se	ele	não	fosse</p><p>em	si	mesmo	problemático.	Sobre	a	semântica	no	Brasil,	ver	Pires	de	Oliveira</p><p>(1999).</p><p>5.	A	bibliografia	em	Semântica	Formal	é	extensa.	Manuais	introdutórios	em</p><p>português	são:	Kempson	(1980),	Ilari	e	Geraldi	(1985),	Chierchia	(2003).	Há</p><p>muitos	estudos	sobre	fenômenos	do	português	brasileiro	que	adotam	a</p><p>perspectiva	formal.	Ver,	entre	outros,	Ilari	(1998),	Negrão	(1992),	Borges	(1991).</p><p>6.	Indicações	de	respostas	aparecem	no	final	deste	capítulo.</p><p>7.	A	visão	mais	aceita	hoje	em	dia	sobre	quantificação	foi	proposta	por	Barwise</p><p>e	Cooper	(1981).</p><p>8.	Veja	um	retrato	de	Luís	XVI	em</p><p>http://www.dec.ufcg.edu.br/biografias/RFLuis16.html</p><p>9.	A	descrição	definida	ganhou	uma	nova	análise	após	o	doutoramento	de	Heim</p><p>(1982).	Nessa	abordagem,	a	descrição	definida	carrega	uma	pressuposição	de</p><p>familiaridade.</p><p>10.	Uma	biografia	divertida	do	Bertrand	Russell	e	que	faz	uma	revisão	da	sua</p><p>importância	para	a	lógica,	a	linguagem	e	a	matemática	é	um	quadrinho	recém-</p><p>publicado:	Logicomix.	Ver	Papadimitriou,	Doxiadis	e	Papadatos	(2010).</p><p>11.	Ver	o	capítulo	“Análise	do	Discurso”,	neste	volume.</p><p>12.	Há	as	teorias	de	coerência,	ver	Haack	(1978).</p><p>13.	Para	uma	introdução	à	Semântica	da	Enunciação,	ver	Ducrot	(1979,	1987).	A</p><p>Semântica	da	Enunciação	tem	contribuído	para	a	descrição	de	vários	fenômenos</p><p>semânticos	do	português	brasileiro.	Ver,	entre	outras	análises,	Vogt	(1977),	Koch</p><p>(1984),	Guimarães	(1991).</p><p>14.	Para	uma	descrição	desse	operador	argumentativo,	ver	Guimarães	(1991).</p><p>15.	Esse	marco	da	Semântica	Cognitiva	foi	traduzido	para	o	português	como</p><p>Metáforas	da	vida	cotidiana	(Lakoff	e	Johnson,</p><p>2002).	Para	uma	apresentação	da</p><p>Semântica	Cognitiva,	ver	Lakoff	(1987).	No	Brasil,	ver	os	trabalhos	de	Pontes</p><p>(1990)	e	Lima	(1997),	entre	outros.</p><p>16.	Ver	o	capítulo	“Sintaxe”,	no	volume	1	desta	obra.	O	fato	de	que	a	Semântica</p><p>Cognitiva	está	em	franca	oposição	ao	gerativismo	impõe,	como	o	leitor</p><p>perceberá	adiante,	a	discussão	sobre	aquisição	da	linguagem.	Sobre	este	último</p><p>tema,	ver	o	capítulo	“Aquisição	da	Linguagem”,	neste	volume.</p><p>17.	Na	Semântica	Cognitiva,	os	conceitos	e	esquemas	são	sempre	apresentados</p><p>em	caixa-alta.</p><p>18.	O	trabalho	de	Sweetser	(1991)	sobre	os	modais	em	inglês	é	talvez	uma	das</p><p>mais	brilhantes	peças	da	Semântica	Cognitiva.	Nesse	trabalho	ela	mostra,	por</p><p>evidências	etimológicas,	e	também	pelos	diferentes	usos	dos	modais,	que	sua</p><p>compreensão	se	sustenta	num	esquema	da	FORÇA.</p><p>19.	Ludwig	Wittgenstein	foi	um	dos	grandes	filósofos	da	linguagem	do	século</p><p>XX.	Há	muita	controvérsia	em	torno	desse	autor,	em	parte	porque	ele</p><p>aparentemente	alterou	radicalmente	sua	maneira	de	entender	a	linguagem.	No</p><p>Tractatus	Logico-Philosophicus	(1921),	a	linguagem	refletia	a	ordem	do	mundo;</p><p>nas	Investigações	Filosóficas	(1953),	a	linguagem	é	ação	no	mundo.</p><p>20.	Sobre	a	categorização,	ver	Taylor	(1989).</p><p>21.	Para	uma	descrição	detalhada,	ver	Fauconnier	(1985).</p><p>2</p><p>PRAGMÁTICA</p><p>Joana	Plaza	Pinto</p><p>1.	LINHAS	GERAIS</p><p>De	que	tratam	os	estudos	linguísticos	que	se	classificam	como	“pragmáticos”,	ou</p><p>pertencentes	à	área	da	Pragmática?	Essa	é	uma	pergunta	que	pode	gerar</p><p>respostas	tão	variadas	quanto	o	número	de	pessoas	que	se	dispuserem	a</p><p>respondê-la.	Um	número	muito	grande	de	trabalhos,	com	temas	e	objetivos	os</p><p>mais	diversos,	circula	nos	periódicos	e	outras	publicações	declaradamente</p><p>inseridos	no	domínio	da	Pragmática.	Pode-se,	no	entanto,	a	partir	de	um	grupo</p><p>mais	ou	menos	coeso	desses	estudos,	procurar	delimitar	a	Pragmática,	admitindo</p><p>a	diversidade.	Vamos	assim	tentar	compreender	um	pouco	da	história	da</p><p>constituição	dessa	área	tão	heterogênea,	procurando	ao	mesmo	tempo	evidenciar</p><p>o	que,	em	meio	a	diferentes	perspectivas,	torna	possível	reconhecer	certos	tipos</p><p>de	estudos	linguísticos	como	pragmáticos.</p><p>Mesmo	que	se	admita	a	variedade	presente	na	Pragmática,	também	se	deve</p><p>admitir	que	as	autoras	e	autores	desse	domínio	compartilham	certos</p><p>pressupostos.	Haberland	e	Mey	(1977),	editores	do	Journal	of	Pragmatics,	na</p><p>primeira	edição	desse	periódico,	afirmam	que	a	Pragmática	analisa,	de	um	lado,</p><p>o	uso	concreto	da	linguagem,	com	vistas	em	seus	usuários	e	usuárias,	na	prática</p><p>linguística;	e,	de	outro	lado,	estuda	as	condições	que	governam	essa	prática.</p><p>Assim,	em	primeiro	lugar,	a	Pragmática	pode	ser	apontada	como	o	estudo	do	uso</p><p>linguístico.	As	pessoas	que	a	estudam	esperam	explicar	antes	a	linguagem	do</p><p>que	a	língua.	Essa	afirmação	é	decorrente	da	dicotomia	clássica	saussureana</p><p>língua/fala:	Saussure	(1991)	defende	que	a	língua,	que	seria	o	objeto	de	estudo</p><p>da	Linguística	por	excelência,	é	a	linguagem	menos	a	fala,¹	enquanto	a</p><p>Pragmática	se	inicia	justamente	defendendo	a	não	centralidade	da	língua	em</p><p>relação	à	fala.	Em	outras	palavras,	a	Pragmática	aposta	nos	estudos	da</p><p>linguagem,	levando	em	conta	também	a	fala,	e	nunca	nos	estudos	da	língua</p><p>isolada	de	sua	produção	social.	Dessa	forma,	os	estudos	pragmáticos	pretendem</p><p>definir	o	que	é	linguagem	e	analisá-la	trazendo	para	a	definição	os	conceitos	de</p><p>sociedade	e	de	comunicação	descartados	pela	Linguística	saussureana	na</p><p>subtração	da	fala,	ou	seja,	na	subtração	das	pessoas	que	falam.</p><p>Um	segundo	ponto	acordado	entre	os	estudiosos	e	estudiosas	dessa	área	é	que	os</p><p>fenômenos	linguísticos	não	são	puramente	convencionais,	mas	sim	compostos</p><p>também	por	elementos	criativos,	inovadores,	que	se	alteram	e	interagem	durante</p><p>o	processo	de	uso	da	linguagem.	Numa	pequena	fita	cassete,	com	uma	gravação</p><p>curta	de	alguém	conversando	com	um	linguista,	vamos	escutar	trechos	do	tipo:</p><p>(1)</p><p>Entrevistadora:	Então	ela	largou	o	namorado?</p><p>Entrevistada:	Eu	vi	ela	largar...	largou	sim...	largou	a	ele...</p><p>Entrevistadora:	A	ele?</p><p>Entrevistada:	É,	a	ele,	sim;	a	ele...	largou	a	ele	aquela	vida	infeliz	que	eles</p><p>tinham	juntos...	largou	a	ele.</p><p>Repare	que	a	entrevistadora	tem	um	impasse	de	interpretação	da	fala	da</p><p>entrevistada	porque	esta	última	cria	uma	estrutura	“alterada”,	um	objeto	indireto</p><p>inesperado,	no	entanto	de	extrema	importância	para	o	entendimento,	não	só	do</p><p>que	a	entrevistada	queria	dizer,	mas	principalmente	das	possibilidades</p><p>expressivas	de	inovações	linguísticas.	O	que	vemos	aqui	não	é	poesia,	ou</p><p>variação	linguística.	Ainda	que	poesia	e	variação	expressem	esse	mesmo	tipo	de</p><p>situações	criativas,	esse	diálogo	(1)	é	a	prova	de	que	não	é	produtivo	descrever	a</p><p>linguagem	como	um	sistema	delimitável,	mas	sim	que	esta	deve	ser	trabalhada	a</p><p>partir	da	possibilidade	de	se	juntar	grupos	de	indícios	sobre	seu	funcionamento,</p><p>tendo	como	limite	possível	um	recorte	convencional,	não	justificado	por</p><p>qualquer	fator	inerente	à	linguagem.	Quando	a	análise	linguística	é	feita	em</p><p>outros	moldes,	trechos	como	de	(1)	são	descartados	como	erros	de	uso	do</p><p>sistema,	ou,	na	melhor	das	hipóteses,	exceção	—	“licença	poética”.</p><p>A	variedade	de	materiais	que	são	analisados	nas	publicações	aceitas	pelo	Journal</p><p>of	Pragmatics	nos	ajuda	a	perceber	que	linguistas	estão	se	dedicando	às	situações</p><p>de	“exceção”,	fundamentais	na	compreensão	da	linguagem	em	uso:	diálogos</p><p>colhidos	entre	falantes	de	uma	comunidade,	literatura,	poesia,	humor,	e	podemos</p><p>ler	mesmo	trabalhos	analisando	material	linguístico	visual,	como	cartuns	e</p><p>propagandas.</p><p>Explicar	a	linguagem	em	uso	e	não	descartar	nenhum	elemento	não</p><p>convencional:	esses	dois	pontos	comuns	aos	estudos	pragmáticos	formam	uma</p><p>linha	derivada	da	história	da	preocupação	com	o	uso	linguístico.	No	final	do</p><p>século	XIX,	a	Filosofia	iniciou	um	redirecionamento	na	forma	de	responder	a</p><p>suas	perguntas.	Desde	Kant,²	os	estudos	filosóficos	passaram	a	ser	entendidos</p><p>como	um	conjunto	de	critérios	para	avaliar	a	maneira	pela	qual	a	mente	é	capaz</p><p>de	construir	representações.	Mais	tarde,	então,	no	final	do	século	XIX,	os</p><p>estudos	filosóficos	cunharam	sua	variante	da	filosofia	kantiana,	defendendo</p><p>principalmente	que	representação	é	antes	linguística	do	que	mental,	e	que	se</p><p>deve	refletir	antes	em	filosofia	da	linguagem	que	em	crítica	transcendental.³</p><p>Assim,	objetivos	filosóficos	de	discutir	e	descrever	nossa	representação	do</p><p>mundo	respaldaram	um	movimento	em	direção	às	usuárias	e	usuários	da</p><p>linguagem,	acarretando	uma	tendência	análoga	no	âmbito	da	Linguística.	A</p><p>Pragmática	é	fruto	desse	movimento	em	direção	aos	problemas	relativos	ao	uso</p><p>da	linguagem,	por	isso,	ao	estudarmos	a	constituição	dessa	área,	devemos</p><p>acompanhar	também	um	pouco	da	história	dos	grupos	filosóficos	que	a</p><p>influenciaram.	Como	bem	afirma	Françoise	Armengaud	(2006,	p.	9),	a</p><p>Pragmática	é	“uma	das	mais	vivas	no	cruzamento	das	pesquisas	em	filosofia	e</p><p>em	linguística,	atualmente	indissociáveis”.</p><p>2.	OBJETOS	E	MÉTODOS	DA	PRAGMÁTICA</p><p>Como	a	Pragmática	é	uma	área	genericamente	definida	por	pesquisar	sobre	o	uso</p><p>linguístico,	os	temas	escolhidos	para	análise	são	amplos	e	variados.	Em</p><p>publicações	da	Pragmática	podemos	ler	estudos	teóricos	sobre	a	relação	entre</p><p>signos	e	falantes,	como	é	o	caso	do	estudo	de	Mey	(1985),	que	procura	debater	o</p><p>lugar	da	linguagem	na	sociedade,	de	uma	perspectiva	marxista,	discutindo	o</p><p>conceito	de	manipulação	linguística.	Também	encontramos	levantamento	de</p><p>aspectos	de	diálogos	entre	falantes	de	uma	mesma	comunidade	ou	comunidades</p><p>diferentes	(Verschueren	e	Bertuccelli-Papi,	1987).	Observe	o	diálogo	a	seguir:</p><p>(2)</p><p>A:	Você	viu	meu	rato	por	aí?</p><p>B	[apontando	um	rádio	ao	seu	lado]:	Está	aqui	o	rádio.</p><p>A:	Não,	é	o	rato	mesmo.	Meu	rato	de	borracha.</p><p>B	compreende	a	palavra	rato,	mas	considera	1º)	a	improbabilidade	de	alguém</p><p>estar	procurando	seu	próprio	rato	(!);	2º)	a	proximidade	concreta	[ao	seu	lado]	de</p><p>um	objeto	e	fonológica	da	palavra	que	se	refere	a	esse	objeto.	Assim,	uma</p><p>análise	pragmática	desse	diálogo	deve	considerar	tantos	aspectos	da	estrutura	da</p><p>própria	língua	quanto	aspectos	relacionados	ao	usuário	ou	à	usuária</p><p>(a	situação</p><p>que	ele/ela	vivencia).</p><p>Um	outro	tipo	de	tema	comumente	levantado	pelos	estudos	pragmáticos	são	os</p><p>funcionamentos	e	efeitos	de	atos	de	fala.	Atos	de	fala	é	um	conceito	proposto</p><p>pelo	filósofo	inglês	J.	L.	Austin	para	debater	a	realidade	de	ação	da	fala,	ou	seja,</p><p>a	relação	entre	o	que	se	diz	e	o	que	se	faz	—	ou,	mais	acuradamente,	o	fato	de</p><p>que	se	diz	fazendo,	ou	se	faz	dizendo.	Discutiremos	melhor	esse	conceito	na</p><p>seção	2.2.	Por	enquanto,	vale	ressaltar	que	alguns	estudos,	cada	qual	com	seu</p><p>critério,	procuram,	por	exemplo,	classificar	os	atos	de	fala	de	acordo	com	seus</p><p>efeitos.	É	o	caso	de	Benveniste	(1991),	que	pretende	classificar	os	atos	de	fala.</p><p>De	um	lado	teríamos	aqueles	atos	que	seriam	compostos	por	um	verbo</p><p>declarativo	jussivo	na	primeira	pessoa	do	presente	mais	uma	afirmação,	como:</p><p>(3)	Eu	ordeno	que	você	saia.</p><p>Ainda	que	ele	não	explique	detalhadamente	o	que	seriam	esses	tipos	de	verbos,</p><p>na	lista	dos	“declarativos-jussivos”,	Benveniste	inclui	ordenar,	comandar,</p><p>decretar,	o	que	nos	leva	a	perceber	esses	verbos	como	estabelecendo	uma	relação</p><p>entre	“declaração	de	uma	ação”	e	“jus	à	posição	de	autoridade	para	tal	ação”.</p><p>Assim,	ordenar	não	só	explicita,	“declara”	a	ação	feita	por	quem	fala,	como	este</p><p>deve	estar	apto	a	fazê-lo.	No	caso	do	exemplo	(3),	“ordenar”	é	o	verbo</p><p>declarativo-jussivo,	e	“você	saia”,	a	afirmação.	De	outro	lado,	Benveniste</p><p>propõe	outro	conjunto	de	atos	de	fala,	atos	estes	que	seriam	compostos	por	um</p><p>verbo	com	complemento	direto	mais	um	termo	predicativo,	tal	qual:</p><p>(4)	Proclamo-o	eleito	vereador.</p><p>Essa	classificação	proposta	por	Benveniste	não	é	a	única	e	mesmo	pode	ser</p><p>firmemente	contestada	(cf.	Ottoni,	1998).</p><p>O	mais	importante	é	se	perceber	que,	ao	selecionar,	entre	tantos	fenômenos	de</p><p>linguagem	em	uso,	quais	devem	ou	não	ser	estudados,	e	a	quais	perguntas	devem</p><p>ser	submetidos	tais	fenômenos,	os	autores	e	autoras	da	Pragmática	acabam	por</p><p>fazer	aparecer	suas	diferenças.	A	influência	de	grupos	filosóficos	nessas	seleções</p><p>de	objetos	e	métodos	é	patente	e	será	usada	aqui	para	delimitar	os	diferentes</p><p>grupos	de	estudos	pragmáticos.</p><p>São	três	os	grupos	principais	de	estudos.	O	pragmatismo	norte-americano,</p><p>influenciado	pelos	estudos	semiológicos	de	William	James;	os	estudos	de	atos	de</p><p>fala,	sob	o	crédito	dos	trabalhos	do	inglês	J.	L.	Austin;	e	os	estudos	pragmáticos</p><p>interdisciplinares,	com	preocupação	firmada	nas	relações	sociais,	de	classe,	de</p><p>gênero,	raciais	e	entre	culturas,	presentes	na	atividade	linguística.	Este	último</p><p>grupo	é	especialmente	diverso⁴	e,	sem	dúvida,	é	o	que	mais	tem	se	desenvolvido</p><p>nos	últimos	anos.</p><p>Vale	a	pena	observar	que,	entre	os	autores	e	autoras	que	são	referência	para	a</p><p>Pragmática,	também	estão	os	franceses	Oswald	Ducrot	e	Émile	Benveniste,	e	o</p><p>britânico	H.	P.	Grice.	Até	o	final	da	década	de	1980,	muitos	trabalhos	cuja</p><p>orientação	teórica	está	fundamentada	nesses	autores	incluíam-se	na	área	da</p><p>Pragmática.	Entretanto,	a	evolução	de	seus	trabalhos	conferiram-lhes	campos	de</p><p>estudos	e	métodos	hoje	separados	dos	pragmáticos.	A	Semântica	Argumentativa</p><p>e	a	Análise	da	Conversação	são	duas	áreas	de	estudo	outrora	participantes	do</p><p>movimento	que	integrou	componentes	pragmáticos	aos	estudos	linguísticos.</p><p>Neste	momento	histórico	da	Linguística,	são	mais	enriquecedoras	quando</p><p>estudadas	como	áreas	diferentes.	Mas	não	estranhem	a	leitora	e	o	leitor	se</p><p>encontrarem,	ainda	hoje,	os	nomes	desses	autores	associados	de	alguma	forma	à</p><p>Pragmática.⁵</p><p>2.1.	Pragmatismo	norte-americano</p><p>Foi	o	filósofo	norte-americano	Charles	S.	Peirce	o	primeiro	autor	a	utilizar	a</p><p>palavra	pragmatics,	no	seu	artigo	How	to	make	our	ideas	clear,	de	1878.	Peirce</p><p>exerceu	influência	sobre	vários	filósofos	e	assim	foram	divulgadas	suas	ideias</p><p>sobre	a	tríade	pragmática.	Essa	tríade	representa	a	relação	entre	signo,	objeto	e</p><p>interpretante.	O	que	Peirce	procurou	destacar	ao	postular	essa	tríade	foi	a</p><p>necessidade	de	se	teorizar	a	linguagem	levando-se	em	conta	o	que	sempre	foi</p><p>lembrado	na	Linguística,	ou	seja,	o	sinal,	mas	também	aquilo	a	que	este	sinal</p><p>remete	e,	principalmente,	a	quem	ele	significa.	Num	dos	trechos	de	sua	obra,</p><p>Peirce	explica:</p><p>[Os	que	se	dedicavam	ao	estudo]	da	referência	geral	dos	símbolos	aos	seus</p><p>objetos	ver-se-iam	obrigados	a	realizar	também	pesquisas	das	referências	em</p><p>relação	aos	seus	interpretantes,	assim	como	de	outras	características	dos</p><p>símbolos	e	não	só	dos	símbolos,	mas	de	todas	as	espécies	de	sinais.	Por	isso,</p><p>atualmente,	o	homem	que	pesquisa	a	referência	dos	símbolos	em	relação	aos</p><p>seus	objetos	será	forçado	a	fazer	estudos	originais	em	todos	os	ramos	da	teoria</p><p>geral	dos	sinais.</p><p>É	bom	ressaltar	que	a	ideia	da	tríade	pragmática	e	toda	a	teoria	que	a	acompanha</p><p>são	complexas.	Peirce	fez	um	trabalho	prolongado,	procurando	explicar</p><p>exaustivamente	os	componentes	de	sua	teoria	do	signo,	definindo	e	subdividindo</p><p>cada	um	dos	itens	para	explorar	ao	máximo	sua	capacidade	explicativa	e	seu</p><p>alcance	teórico	—	só	os	sinais	ele	subdividiu	em	dez	classes	principais!</p><p>Devemos	aqui	nos	deter	na	repercussão	de	seu	trabalho,	na	sua	proposta</p><p>principal	de	expor	todos	os	aspectos	da	relação	símbolo-objeto-interpretante.	Os</p><p>dois	principais	seguidores	de	Peirce,	e	que	passaram	adiante	interpretações	da</p><p>obra	deste	autor,	foram	William	James	e	Charles	W.	Morris.</p><p>Ao	travar	contato	com	o	círculo	de	filósofos	de	Viena,	Morris	sabe	da	proposta</p><p>de	Rudolf	Carnap	de	dividir	as	investigações	sobre	linguagem	em	três	campos:	a</p><p>Sintaxe,	que	trataria	da	relação	lógica	entre	as	expressões;	a	Semântica,	que</p><p>trataria	da	relação	entre	expressões	e	seus	significados;	e	a	Pragmática,	que</p><p>estaria	responsável	por	tratar	da	relação	entre	expressões	e	seus	locutores	e</p><p>locutoras.	Repare	que	essa	partição	ternária	lembra	muito	os	três	pontos	cruciais</p><p>da	significação	para	Peirce:	o	signo	propriamente,	em	Carnap	destacado	pela</p><p>ideia	de	que	uma	área,	a	Sintaxe,	poderia	tratá-lo;	o	significado,	ou	a	que	remete</p><p>o	signo,	tratado	na	Semântica;	e	a	pessoa	que	interpreta	o	signo,	tratado,	de</p><p>acordo	com	Carnap,	pela	Pragmática.	Essa	proximidade	entre	os	dois	raciocínios</p><p>entusiasma	Morris.	Em	1938,	Morris	atesta,	com	Foundations	of	the	theory	of</p><p>signs,⁷	a	doutrina	pragmática	de	Peirce,	e	defende	a	interdependência,</p><p>combatendo	a	hierarquização	dos	três	campos.	Assim,	Morris	mostra-se</p><p>fortemente	influenciado	pelo	grupo	de	empiricistas	de	Viena,	mas,	ao	mesmo</p><p>tempo,	busca	minimizar	a	força	da	separação	entre	os	três	campos	de	estudo,	o</p><p>que,	consequentemente,	afastaria,	na	prática	da	pesquisa	linguística,	os	três</p><p>elementos	da	tríade	pragmática.	Entretanto,	ainda	que	esse	gesto	de	Morris	seja</p><p>bastante	apropriado	ao	pensamento	de	Peirce,	é	forte	a	ascendência	do</p><p>empirismo	lógico	em	seu	pensamento,	fazendo	com	que	sua	obra	se	direcione</p><p>para	outros	caminhos,	como,	por	exemplo,	para	fundamentar	a	doutrina	da</p><p>ciência	unitária	defendida	pelos	empiricistas.</p><p>Seguindo	outro	caminho,	o	filósofo	William	James	aproveitou	de	Peirce	a	ideia</p><p>de	refletir	no	âmbito	da	filosofia	sobre	os	sinais	e	seus	significados.	Ao	escrever</p><p>o	ensaio	Philosophical	conceptions	and	practical	results,	em	1898,	vinte	anos</p><p>depois	de	Peirce	ter	utilizado	a	palavra	pragmatics,	James	cunha	pragmatism	e</p><p>inaugura	o	que	ficou	conhecido	como	Pragmatismo	norte-americano.	Mas	as</p><p>ideias	de	James	só	vieram	a	causar	impacto	no	século	XX,	sob	a	égide	de	novos</p><p>filósofos	empenhados	em	definir	a	filosofia,	e	também	a	linguagem	e	o</p><p>conhecimento,	como	uma	prática	social.	A	definição	mais	popular	de	James	é	a</p><p>de	verdade	como	“o	que	é	melhor	para	nós	acreditarmos”.	Essa	fórmula	é</p><p>bastante	polêmica.	Desde	Platão,	que	discutiu	com	certa	constância	a	questão	“A</p><p>que	se	pode	chamar	corretamente	verdadeiro	ou	falso?”,	a	maior	parte	dos	textos</p><p>filosóficos,	especialmente	influenciados	pela	lógica	clássica,	até	então	tinha</p><p>definido	verdade	como	um	conceito	que	está	fora	das	pessoas,	pois	o	que	é</p><p>verdadeiro	estaria	sempre	em	conformidade	com	o	mundo.	Desse	modo,	a</p><p>verdade	seria	suscetível	de	ser	encontrada	e	confirmada.	Esse	conceito	de</p><p>verdade	sempre	foi	extremamente	importante</p><p>para	a	definição	de	significado,</p><p>pois	a	conceitualização	deste	último	girava	em	torno	da	correspondência	entre	o</p><p>mundo	e	a	palavra.	William	James,	por	meio	de	sua	reflexão	filosófica	baseada</p><p>em	componentes	pragmáticos,	valoriza	a	pessoa	que	fala	como	detentora	do</p><p>próprio	significado,	já	que	a	verdade,	palavra-chave	na	compreensão	da	relação</p><p>entre	mundo	e	linguagem,	nada	mais	é	que	aquilo	que	todos	e	todas	nós,</p><p>inseridos/as	numa	comunidade,	queremos	que	ela	seja.	Repare	como	essa</p><p>posição	de	James	desloca	com	grande	força	o	tratamento	do	significado</p><p>linguístico,	porque	impele	o	debate	acerca	da	verdade	para	o	terreno	do</p><p>imprevisível:	as	pessoas	sociais.	No	momento	em	que	ele	relativiza	a	noção	de</p><p>verdade,	atinge	em	cheio	todo	o	discurso	sobre	a	possibilidade	de	conhecimento</p><p>de	fato,	pois	duvida	da	própria	ideia	de	confirmação	no	mundo	deste</p><p>conhecimento.</p><p>É	o	norte-americano	Willard	V.	Quine	quem	inicia	um	grande	empenho	em</p><p>prosseguir	as	ideias	pragmatistas	de	James	e	Peirce.	Quine,	como	Morris,</p><p>também	estuda	o	empirismo	lógico	do	Círculo	de	Viena,	mas	abandona	de	vez	o</p><p>vocabulário	logicista	e	reforça	muitas	das	ideias	de	Peirce,	reformulando-as	no</p><p>que	ele	chamou	de	pragmatismo	radical.	Sua	atitude	contra	a	tradição	lógica	é</p><p>ousada.	Com	Quine,	podemos	aprender	que	muitos	argumentos	utilizados	pela</p><p>Semântica	lógica	para	sustentar	a	exclusão	do	usuário	e	da	usuária	na	análise	do</p><p>significado	são	questionáveis	em	sua	própria	condição	de	argumento	válido.</p><p>Para	entendermos	o	radicalismo	da	proposta	pragmática	de	Quine,	devemos	nos</p><p>deter	um	pouco	na	questão	da	determinação	da	referência,	e	procurar	perceber</p><p>como	Quine	levanta	o	problema	de	que	determinar	o	objeto	referido	por	uma</p><p>expressão	é	uma	questão	muito	mais	séria	do	que	simplesmente	encontrá-lo	ou</p><p>não	no	mundo.	Muitas	dificuldades	podem	ser	levantadas	para	se	apontar	um</p><p>objeto	referido.	Quine	(1980),	defendendo	que	a	indeterminação	da	referência</p><p>permanece	não	importa	com	qual	tipo	de	expressão	referencial	estejamos</p><p>trabalhando,	apresenta	a	situação	do	uso	de	expressões	demonstrativas.	A</p><p>sentença</p><p>(5)	Esta	mesa	está	quebrada.</p><p>proferida	numa	situação	similar	à	ostensão,	não	deixa	de	produzir	perguntas:	o</p><p>que	está	sendo	referido	para	o	predicado	“está	quebrada”:	a	quina	da	mesa?	o	pé</p><p>da	mesa?	as	dobradiças?	Se	concordamos	com	Quine,	essas	perguntas	não	são</p><p>realmente	problemas	referenciais.	É	perfeitamente	aceitável,	do	ponto	de	vista	de</p><p>qualquer	falante,	que	permaneça	a	indeterminação	da	parte	da	mesa	que	está</p><p>quebrada.	A	apreensão	do	objeto	referido	fica	assim	fragmentada,	e	não	mais</p><p>transparente.</p><p>Com	exemplos	como	este,	Quine	está	defendendo	a	tese	de	que	a	referência	é</p><p>impenetrável,	no	sentido	de	que	não	se	pode	determinar	“com	toda	certeza”	o</p><p>alcance	da	expressão	referencial	no	mundo.	É	a	famosa	tese	da	inescrutabilidade</p><p>da	referência,	a	base	de	sua	visão	holista.	A	inescrutabilidade	da	referência	é	a</p><p>prova	cabal	de	que	as	discrepâncias	entre	significações	só	podem	ser	teorizadas	a</p><p>partir	da	sua	condição	pragmática.	Quine	(1968)	nos	explica	isso	mostrando	que</p><p>um	linguista	em	pesquisa	de	campo,	que	ouve	um	nativo	dizer	“gavagai”</p><p>apontando	para	um	coelho	que	passa,	só	pode	interpretar	pragmaticamente	esse</p><p>ato.	Nada	garante	que	“gavagai”	possa	ser	traduzido	como	“coelho”	ou	“parte	de</p><p>coelho”	ou	“coelho	andando”.	Sua	tradução	só	pode	ser	feita	a	partir	da	prática</p><p>linguística	que	o	produziu.</p><p>Outros	dois	estudiosos	do	Pragmatismo	norte-americano	que	se	destacam	são</p><p>Donald	Davidson	e	Richard	Rorty.	Ambos	admitem	créditos	por	suas	ideias	aos</p><p>trabalhos	dos	filósofos	James	Dewey	e	L.	Wittgenstein.	Estes	últimos	autores</p><p>acrescentaram	uma	perspectiva	historicista	aos	estudos	pragmáticos	norte-</p><p>americanos,	defendendo	que	as	investigações	dos	fundamentos	da	linguagem</p><p>podem	ser	consideradas	uma	prática	social	contemporânea.	A	Teoria	da</p><p>coerência	elaborada	por	Davidson	(1986),	e	respaldada	pelas	críticas	de	Rorty</p><p>(1994)	à	tradição	analítica⁸,	delineia	um	arcabouço	teórico	para	tratar	a	coerência</p><p>interna,	e	não	a	verdade,	como	o	elemento	que	sustenta	qualquer	sistema</p><p>interpretativo.	Sua	defesa	polemiza,	portanto,	em	torno	daquela	noção	clássica</p><p>de	verdade	que	citamos	anteriormente,	e	contrapõe-se	à	Teoria	da</p><p>Correspondência,	presente	na	definição	clássica	de	significado.	Essa	última</p><p>sustenta	que	sentenças	e	coisas	no	mundo	podem	ser	relacionadas	a	fim	de</p><p>calcular	valores	de	verdade	dessa	relação.	Para	Davidson,	se	há	coerência,	pouco</p><p>importa	o	valor	de	verdade	dessa	correspondência.	Dessa	forma,	o	que	Davidson</p><p>quer	mostrar	é	que	as	atitudes	proposicionais	de	uma	pessoa,	sua	fala,	crenças	e</p><p>intenções	são	verdadeiras	porque	existe	um	princípio	legítimo	que	diz	que</p><p>qualquer	uma	das	atitudes	proposicionais	do/a	falante	é	verdadeira	se	ela	é</p><p>coerente	com	o	conjunto	de	atitudes	proposicionais	desse/a	mesmo/a	falante.</p><p>Tomemos	um	exemplo:</p><p>(6)</p><p>A:	Estou	pensando	em	assistir	ao	carnaval	em	Olinda.	Você,	que	é	de	lá,	sabe	se</p><p>tem	muito	barulho?</p><p>B:	Não,	tem	polícia,	é	tudo	bem	organizado.</p><p>A:	A	polícia	não	deixa	ter	muito	samba?</p><p>B:	Não,	a	polícia	não	deixa	as	pessoas	bagunçarem	as	ruas.</p><p>A:	Não,	não	foi	isso	que	eu	quis	dizer.	Eu	não	estou	falando	de	barulho	como</p><p>bagunça,	estou	falando	de	barulho	de	batida	de	samba.</p><p>Esse	trecho	ilustra	o	que,	entre	linguistas,	é	conhecido	como	“mal-entendido”,</p><p>um	momento	no	diálogo	em	que	não	há	coincidência	de	interpretação	entre</p><p>participantes.	Muitos	estudos	têm	procurado	estabelecer	padrões	para	a</p><p>“resolução”	desses	chamados	mal-entendidos,	justificando,	por	exemplo	em	(6),</p><p>que	a	expressão	“barulho”	é	empregada	com	diferenças	culturais	suficientemente</p><p>marcantes	para	causar	diferença	também	na	interpretação	preferencial	de	tal</p><p>expressão.</p><p>Um	exemplo	deste	tipo	de	ideia	de	que	mal-entendidos	são	erros	e	devem	ser</p><p>resolvidos	é	um	texto	de	M.	Dascal	(1986)	chamado	A	relevância	do	mal-</p><p>entendido .	Não	se	iludam	pelo	título.	O	texto	de	Dascal	procura	responder	com</p><p>especial	ênfase	à	questão	sobre	a	relação	entre	entender	e	mal-entender.	De</p><p>acordo	com	esse	autor,	o	mal-entendido	relaciona-se	com	o	entender	na	medida</p><p>em	que	ambos	estão	ligados	a	camadas	de	um	esquema	conversacional	que	é</p><p>sempre	utilizado	pelos	interlocutores	e	interlocutoras	na	atividade	de	linguagem.</p><p>Dascal	pretende	mostrar	que	o	mal-entendido	deve	ser	tratado	como	um</p><p>fenômeno	importante	no	trabalho	com	a	linguagem.	Mas	ele	defende	que,	de</p><p>fato,	esta	relação	entre	entendimento/mal-entendido	é	importante	na	medida	em</p><p>que	revela	o	funcionamento	do	entendimento.	Dessa	maneira,	como	toda</p><p>dicotomia,	esse	par	não	passa	de	uma	hierarquia	camuflada,	em	que	o	mal-</p><p>entendido	é	um	“mau	funcionamento”	do	esquema	de	significação	harmônico.</p><p>Como	em	toda	hierarquia,	um	elemento	se	sobrepõe	ao	outro,	e,	sem	dúvida,</p><p>neste	caso,	não	é	o	mal-entendido	o	membro	positivamente	valorado	do	par.	Seu</p><p>enfoque	não	é	para	integrar	propriamente	o	mal-entendido	ao	esquema</p><p>interpretativo,	mas	sim	criar	um	mecanismo	que	o	evidencie	e	ao	mesmo	tempo</p><p>permita	corrigi-lo.	Podemos	compreender	que	Dascal	considere	“um	tanto</p><p>paradoxal”	defender	a	importância	do	mal-entendido	em	sua	análise:	a	relação</p><p>que	o	autor	defende	entre	entender	e	mal-entender	não	pode	efetivamente</p><p>integrar	o	segundo	elemento	ao	esquema	interpretativo;	ao	contrário,	sua</p><p>importância	“paradoxal”	está	em	ser	levado	em	conta	para	ser	eliminado.</p><p>Esse	texto	de	Dascal	nos	serve	de	exemplo	da	forma	como	têm	sido	tratados	os</p><p>fatos	linguísticos	que	resultam	no	mal-entendido:	intempéries	a	serem	corrigidas,</p><p>evitadas,	impedidas.	Quando	um	autor	como	Dascal	defende	que	se	deve	corrigir</p><p>um	mal-entendido,	é	porque	ele	pressupõe	que	a	noção	de	entendimento	deve	ser</p><p>mantida	intocada.</p><p>Mas	uma	análise	linguística	baseada	nos	debates	de	Davidson	e	Rorty	acerca	da</p><p>coerência	de	sistemas	interpretativos	ilumina	outros	ângulos	da	questão	do	mal-</p><p>entendido.	Por	que	pensar	em	“mal-entendido”	se	existe	apenas	coerência</p><p>interna	nos	sistemas	interpretativos?	Duas	pessoas	de	culturas	diferentes	podem</p><p>encontrar	dificuldades	em	manter	um	diálogo	produtivo,</p><p>sim.	Mas	também</p><p>pessoas	de	mesma	cultura	lidam	com	situações	como	a	anterior,	pois	cada	uma</p><p>encaminha	suas	interpretações	de	maneira	singular.	Teorizar	dessa	forma	sobre</p><p>linguagem	não	tem	nada	a	ver	com	pensar	que	cada	qual	diz	o	que	quer	e</p><p>entende	quem	puder.	A	ideia	de	coerência	interna	em	sistemas	linguísticos	nos</p><p>diz,	muito	mais	apropriadamente,	que	é	inadequada	a	argumentação	em	torno	de</p><p>“mal-entendido”,	pois	o	processo	que	acarreta	esse	fenômeno	desconcertante	dos</p><p>diálogos	cotidianos	é	parte	coerente	de	uma	interpretação,	e	não	deve	ser</p><p>encarado	como	“erro”	ou	“inadequação”	de	significado.</p><p>Dessa	forma,	podemos	afirmar	que	a	conversação	humana	é,	para	esse	grupo	de</p><p>estudos	da	Pragmática	mais	do	que	para	qualquer	outra,	uma	prática	linguística.</p><p>Prática	entendida	como	sempre	social,	e	no	sentido	que	colocou	James,	como</p><p>“aquilo	que	é	melhor	para	nós”,	no	caso,	falarmos,	praticarmos	como	linguagem.</p><p>O	Pragmatismo	norte-americano	oferece,	então,	bases	filosóficas	para	uma</p><p>análise	linguística	que	relacione	a	todo	momento	signo	e	falante,	antes	de</p><p>qualquer	coisa,	compondo	ambos	o	que	se	chama	de	fenômeno	linguístico.</p><p>2.2.	Atos	de	fala</p><p>G.	E.	Moore	assistiu	a	cursos	proferidos	por	Wittgenstein	e	definiu	o	pensamento</p><p>desse	autor	como	um	desvio	no	desenvolvimento	da	tradição	filosófica	(Silva,</p><p>1980).	O	que	ele	chamou	de	“desvio”	seria	um	encaminhamento	das</p><p>preocupações	dos	estudiosos	para	a	linguagem	corrente.	É	Moore	quem	faz</p><p>repercutir	entre	os	filósofos	da	Universidade	de	Oxford	esse	redirecionamento.</p><p>Autores	como	Gilbert	Ryle,	John	Langshaw	Austin	e	Peter	Frederick	Strawson</p><p>seguem	as	indicações	de	Moore	e	de	Wittgenstein	para	examinar	a	linguagem</p><p>corrente	como	fonte	de	solução	para	os	problemas	filosóficos.	É	o	movimento</p><p>que	ficou	conhecido	como	Filosofia	Analítica	ou	Filosofia	da	Linguagem</p><p>Ordinária,	e	que	tem	como	resultado	principal	para	os	estudos	linguísticos	os</p><p>Estudos	de	Atos	de	Fala.</p><p>Depois	do	impacto	do	ensaio	de	Ryle,	Systematic	misleading	expressions,	de</p><p>1932,	foi	aberto	o	espaço	para	se	debater	como	as	construções	gramaticais</p><p>podem	levar	a	confusões	lógicas	ineficientes	entre	filósofos	e	filósofas.	Na</p><p>esteira	dessa	abertura,	Austin	foi	quem	melhor	expôs	o	problema,	discutindo	a</p><p>materialidade	e	historicidade	das	palavras.	Seus	estudos	procuraram	refletir</p><p>sobre	a	possibilidade	de	uma	teoria	que	explicasse	questões,	exclamações	e</p><p>sentenças	que	expressam	comandos,	desejos	e	concessões.	Os	Estudos	de	Atos</p><p>de	Fala,	que	tem	por	base	conferências	de	Austin	publicadas	postumamente	em</p><p>1962	sob	o	título	How	to	do	things	with	words	(Austin,	1990),	concebem	a</p><p>linguagem	como	uma	atividade	construída	pelos/as	interlocutores/as,	ou	seja,	é</p><p>impossível	discutir	linguagem	sem	considerar	o	ato	de	linguagem,	o	ato	de	estar</p><p>falando	em	si	—	a	linguagem	não	é	assim	descrição	do	mundo,	mas	ação.</p><p>Uma	das	distinções	mais	importantes	feitas	por	Austin	nesta	sua	defesa	dos	atos</p><p>de	fala	é	entre	os	enunciados	performativos,	como	aqueles	que	realizam	ações</p><p>porque	são	ditos,	e	os	enunciados	constativos,	que	realizam	uma	afirmação,</p><p>falam	de	algo.	O	exemplo	abaixo:</p><p>(7)	Eu	te	batizo	em	nome	do	Pai,	do	Filho	e	do	Espírito	Santo.</p><p>é	um	enunciado	performativo	pois,	como	os	anteriormente	citados	(3)	e	(4),</p><p>“pratica”	uma	ação	enquanto	é	enunciado.	Somente	proferindo	“Eu	te	batizo”	é</p><p>que	o	padre	pode	batizar	alguém,	e	isso	é	o	que	caracteriza	a	performatividade.</p><p>Por	outro	lado,	Austin	propõe	a	existência	de	enunciados	constativos,	como	os</p><p>representados	pelo	exemplo	abaixo:</p><p>(8)	A	mosca	caiu	na	sopa.</p><p>Neste	caso	(8),	não	haveria	uma	ação	praticada,	ao	contrário,	a	ação	[a	mosca</p><p>cair	na	sopa]	já	ocorreu	e	provavelmente	por	isso	há	o	enunciado.	A	análise	dos</p><p>contrastes	entre	esses	tipos	de	enunciados,	o	performativo	e	o	constativo,	levou</p><p>Austin	a	prosseguir	no	raciocínio	e	aventar	a	separação	de	níveis	de	ação</p><p>linguística	através	de	enunciados.	Ele	propôs	chamar	atos	locucionários	aqueles</p><p>que	dizem	alguma	coisa;	atos	ilocucionários,	aqueles	que	refletem	a	posição	do/a</p><p>locutor/a	em	relação	ao	que	ele/a	diz;	e	atos	perlocucionários,	aqueles	que</p><p>produzem	certos	efeitos	e	consequências	sobre	os/as	alocutários/as,	sobre	o/a</p><p>próprio/a	locutor/a	ou	sobre	outras	pessoas.	Esses	três	níveis	atuam</p><p>simultaneamente	no	enunciado.	Para	entender	melhor,	vejamos	uma	rápida</p><p>análise:</p><p>(9)	Eu	vou	estar	em	casa	hoje.</p><p>Em	(9),	o	ato	locucionário	seria	o	conjunto	de	sons	que	se	organizam	para</p><p>efetivar	um	significado	referencial	e	predicativo,	quer	dizer,	para	efetivar	uma</p><p>proposição	que	diz	alguma	coisa	sobre	“eu”.	O	ato	ilocucionário	é	a	força	que	o</p><p>enunciado	produz,	que	pode	ser	de	pergunta,	de	afirmação,	de	promessa	etc.,	o</p><p>que,	neste	caso	de	(9),	fica	diluído	entre	uma	promessa	e	uma	afirmação,</p><p>dependendo	do	contexto	em	que	é	enunciado.	O	ato	perlocucionário	é	o	efeito</p><p>produzido	na	pessoa	que	ouve	o	enunciado:	efeito	de	agrado,	pois	gostaria	de</p><p>estar	mais	tempo	em	casa	com	quem	enunciou	(9);	ou	efeito	de	ameaça,	pois	vai</p><p>se	sentir	vigiada	por	aquela	presença	na	casa,	e	assim	por	diante.</p><p>Uma	constatação	importante	é	que	os	atos	de	fala	são	muitas	vezes	de	efeito</p><p>ambíguo,	podendo	expressar	tanto	uma	promessa	quanto	uma	ameaça,	e	assim</p><p>por	diante.	Para	solucionar	o	dilema,	falantes	costumam	se	basear	em	indícios</p><p>explicitados	no	momento	da	fala,	ou	amplamente	percebidos	na	relação	entre	as</p><p>pessoas	que	falam.	Dessa	forma,	podemos	dizer	que	os	atos	de	um	enunciado</p><p>ocorrem	simultaneamente,	são	relativos	ao	contexto	de	fala	e	às	pessoas	que</p><p>falam,	e	são	interpretáveis	com	uma	amplitude	muitas	vezes	difícil	de	ser</p><p>descrita	nos	limites	de	uma	análise	linguística.</p><p>Nos	cursos	que	deram	origem	à	obra	How	to	do	things	with	words,	Austin</p><p>dedica-se	principalmente	aos	verbos	performativos,	ligando	as	realidades	tanto</p><p>verbal	quanto	não	verbal.	O	grande	furor	causado	inicialmente	pela	ideia	de</p><p>performatividade	tinha	a	ver	com	a	impossibilidade,	ditada	pelo	próprio	Austin,</p><p>de	manter	a	distinção	verdadeiro/falso	para	esses	tipos	de	enunciados.	Em	1958,</p><p>num	encontro	de	Royaumont,	França,	um	filósofo	questionou	longamente</p><p>Austin,	argumentando	que	um	enunciado	performativo	poderia	ser	sim</p><p>verdadeiro	ou	falso	no	que	se	relaciona	àquele	que	fala,	ou	no	sentido	do	próprio</p><p>ato	em	si.	Austin	respondeu	de	forma	insistente:</p><p>Pode-se	dizer	de	um	ato	que	ele	é	útil,	que	é	conveniente,	que	ele	é	mesmo</p><p>sensato,	não	se	pode	dizer	que	ele	seja	true	or	false.	Qualquer	que	seja	ele,	tudo</p><p>que	posso	dizer	é	que	os	enunciados	desse	tipo	são	muito	mais	numerosos	e</p><p>variados	do	que	se	acreditava¹ .</p><p>Nesse	famoso	debate,	para	sustentar	a	impossibilidade	de	atribuição	de	valor	de</p><p>verdade	para	os	enunciados	performativos,	Austin	trata	de	mostrar	como	muitos</p><p>enunciados	com	aparência	de	constativos	são	de	fato	performativos,	como	é	o</p><p>caso	de	“Eu	te	digo	para	fechar	a	porta”.	Esse	seu	argumento	desvela	uma	outra</p><p>ousadia	de	Austin:	ele	próprio	jamais	sentiu	inteira	satisfação	com	a	distinção</p><p>constativo-performativo,	e	questionou-a,	chegando	mesmo	a	atestar	a</p><p>impossibilidade	de	sustentá-la.	“Austin	finalmente	estabelece	que	o	tal	de</p><p>constativo	nada	mais	era	de	fato	senão	um	performativo	mascarado”</p><p>(Rajagopalan,	1990,	p.	237).</p><p>Mas	os	estudos	austinianos	firmaram-se	na	Linguística,	de	fato,	pela	via	da</p><p>interpretação	de	John	Searle,	em	Speech	acts,	de	1969	(Searle,	1981).	O	trabalho</p><p>de	Searle	empenhou-se	no	sentido	de	produzir	um	acabamento	nas	inúmeras</p><p>reviravoltas¹¹	que	Austin	efetiva	em	sua	reflexão	sobre	a	linguagem.	Um</p><p>exemplo	disso	é	a	taxonomia	para	os	atos	de	fala	proposta	por	Searle,	que</p><p>inclusive	procurou	deixar	clara	a	distinção	entre	ato	ilocucionário	e	verbo</p><p>ilocucionário.	Searle	defendeu	que	os	atos	de	fala	possuem	um	componente</p><p>básico:	a	proposição,	o	que	orientaria,	por	meio	de	doze	“dimensões	de</p><p>variação”,	a	sua	classificação.	Austin,	por	seu	lado,	também	havia	arriscado</p><p>algumas	tentativas	taxonômicas,	mas	percebeu	cedo	uma	certa	falta	de	nitidez</p><p>para	essa	classificação¹².</p><p>Outros	autores,	como	Jacques	Derrida	(1991),	procuraram	ler	a	obra	de	Austin</p><p>com	consequências</p><p>bem	mais	radicais	e	problematizadoras	que	a	organização</p><p>proposta	por	Searle.	Para	autores	como	Derrida,	atos	de	fala	não	são	uma</p><p>simples	bipartição	entre	enunciados	constativos	e	enunciados	performativos,	ou</p><p>um	levantamento	de	níveis	de	ação	linguística.	Austin,	para	Derrida,	expõe	a</p><p>dimensão	ética	da	linguagem,	porque	leva	às	últimas	consequências	a	identidade</p><p>entre	dizer	e	fazer	e	insiste	na	presença	do	ato	na	linguagem,	e	não	aceita</p><p>separação	entre	descrição	e	ação.	Não	existe	assim	diferença	entre	“dizer”	(9)	e	a</p><p>ação	praticada	em	(9).	Quando	uma	pessoa	emite	(9),	ela	pratica	uma	ação,	e	não</p><p>descreve	algo	—	a	saber,	“o	fato	de	que	vai	ficar	em	casa	hoje”.	O	ato</p><p>locucionário,	aquele	que	diz	algo,	é,	portanto,	uma	abstração.	Os	diferentes</p><p>níveis	não	existem	senão	na	proposta	de	separação.	Derrida	assim	interpreta	o</p><p>conceito	de	performatividade:</p><p>O	performativo	não	tem	o	seu	referente	(mas	aqui	esta	palavra	não	convém	sem</p><p>dúvida,	e	constitui	o	interesse	da	descoberta)	fora	de	si	ou,	em	todo	o	caso,	antes</p><p>de	si	e	face	a	si.	Produz	ou	transforma	uma	situação;	opera¹³.</p><p>No	Brasil,	Rajagopalan	(1990,	1992,	1996,	1999)	tem	seguido	esta	linha	de</p><p>inquirição	de	Derrida	desde	o	início	da	década	de	1990	e	oferecido	resistência	à</p><p>“leitura	oficial”	de	Austin.	A	coletânea	recém-lançada	das	traduções	de	diversos</p><p>de	seus	artigos	(Rajagopalan,	2010)	será	sem	dúvida	mais	um	estímulo	para</p><p>leituras	austinianas	críticas	e	pujantes	em	língua	portuguesa.</p><p>Assim,	os	atos	de	fala	são	hoje	fonte	inesgotável	de	trabalhos	na	área	da</p><p>Pragmática,	mas	também	na	Linguística	em	geral.	Vale	lembrar	que	se</p><p>vasculharmos	outras	áreas	de	estudos	linguísticos	também	encontraremos</p><p>trabalhos	que	levam	em	conta	os	atos	de	fala	em	suas	análises,	especialmente</p><p>nos	estudos	do	Direito	e	na	Antropologia.	Não	se	pode	dizer	propriamente	que</p><p>todos	esses	trabalhos	são	seguidores	das	reflexões	austinianas;	mas	o	que	de	fato</p><p>ocorreu	foi	que	a	popularização	dos	trabalhos	de	Austin,	por	intermédio	de</p><p>leitoras	e	leitores	de	Derrida	e	da	divulgação	feita	por	Searle,	abriu	espaço	para	a</p><p>preocupação	com	uma	realidade	linguística	bastante	incômoda:	o	fato	de	que</p><p>aquilo	que	dizemos	tem	efeito,	altera	o	sentido	e	funcionamento	linguísticos.</p><p>No	início	da	década	de	1970,	até	as	famosas	árvores	gerativistas	incorporaram	os</p><p>atos	de	fala	em	seus	galhos.	Com	o	tempo,	esse	fenômeno	se	abrandou,	mas	a</p><p>leitora	e	o	leitor	vão	encontrar	em	muitos	trabalhos	menções	aos	Estudos	dos</p><p>Atos	de	Fala.	Na	Semântica,	na	Linguística	Textual,	na	Análise	Conversacional,</p><p>na	Análise	do	Discurso	e	em	muitos	outros	lugares,	para	criticar	ou	reverenciar,</p><p>para	ser	fiel	a	Austin	ou	para	lhe	fazer	“consertos”,	os	Estudos	de	Atos	de	Fala</p><p>têm	sido	tanto	instrumento	para	explicar	efeitos	da	linguagem	em	uso,	como	a</p><p>relevância	de	uma	promessa	ou	a	eficácia	de	uma	ordem,	como	no	caso	dos</p><p>trabalhos	de	Searle	(1981),	quanto	tem	sido	fonte	de	reflexão	não	somente	sobre</p><p>a	prática	do	uso	linguístico,	mas	principalmente	sobre	a	teorização	desta	prática,</p><p>como	no	caso	das	reflexões	de	Rajagopalan	(1990,	1992,	1996,	1999,	2010).</p><p>2.3.	Estudos	pragmáticos	interdisciplinares</p><p>Genericamente	definido	aqui	como	estudos	pragmáticos	interdisciplinares,	esse</p><p>grupo	de	pesquisas	pragmáticas	se	caracteriza	por	ser	um	híbrido	dos	dois</p><p>grupos	anteriores.	Híbrido	porque	podemos	encontrar	neste	grupo	autoras	e</p><p>autores	que	utilizam	ambos	os	métodos	descritos	anteriormente,	acrescentados</p><p>muitas	vezes	de	renovadas	leituras	do	Pragmatismo	norte-americano	ou	dos</p><p>Estudos	dos	Atos	de	Fala.	O	que	os	torna	diferentes	dos	demais	é	o	crédito	a</p><p>teorias	filosóficas	historicistas	e	culturalistas	que	estavam	em	situação	de</p><p>ausência	ou	de	pouca	expressividade	nos	dois	grupos	anteriores.	Haberland	e</p><p>Mey	(2002,	p.	1680),	no	editorial	de	25	anos	do	Journal	of	Pragmatics,	chamam</p><p>a	atenção	para	o	fato	de	que	esses	estudos	interdisciplinares	renovam	a	atenção</p><p>ao	que	antes	era	considerado	“extralinguístico”.</p><p>Desde	quando	os	estudos	marxistas	promovidos	em	todos	os	campos	das</p><p>chamadas	ciências	sociais	tomaram	conta	da	Europa,¹⁴	questões	relativas	ao</p><p>papel	da	linguagem	nas	relações	sociais	começaram	a	ser	levantadas	com	a</p><p>seriedade	e	a	sistematicidade	necessárias	para	firmar	um	novo	paradigma.	O</p><p>pano	de	fundo	dessas	questões	era	especialmente	a	luta	de	classes.	Isso	quer</p><p>dizer	que,	de	uma	maneira	geral,	muitos	autores	e	autoras	se	perguntavam	o	que</p><p>significaria	a	diferença	de	classe	social	para	as	práticas	linguísticas	entre</p><p>pessoas.	Outras	estudiosas	e	estudiosos,	que	não	seguiram	o	ímpeto	das</p><p>investigações	marxistas,	elaboraram	perguntas	sobre	as	perguntas	que	estavam</p><p>sendo	feitas	e	inauguraram	uma	linha	de	inquirição	para	avaliar	como	estava</p><p>sendo	tratado	o	problema	das	práticas	linguísticas	no	âmbito	da	Filosofia,	da</p><p>Linguística,	da	Etnologia	e	das	ciências	sociais	em	geral.	O	ponto	comum	é	sem</p><p>dúvida	o	reconhecimento	de	que	não	é	possível	abordar	questões	relativas	ao	uso</p><p>linguístico	sem	antes	reconhecer	a	inerente	dimensão	social	da	linguagem,	já	que</p><p>“a	pesquisa	em	pragmática	se	vê	inevitavelmente	envolvida	na	política	da</p><p>linguagem	e	na	não	menos	importante	política	linguística”	(Rajagopalan,	2010,</p><p>p.	40).</p><p>A	reavaliação	do	conceito	de	cooperação	é	um	exemplo	de	resultado	dessa	linha</p><p>de	inquirição.	De	acordo	com	Grice,	o	introdutor	desse	conceito,	para	haver</p><p>comunicação	seria	preciso	haver	cooperação	entre	usuárias(os).	Seria	possível</p><p>inclusive	levantar	os	princípios	que	regem	o	espírito	cooperativo	de</p><p>comunicação.	Grice	elaborou,	em	meados	da	década	de	1960,	um	quadro	de</p><p>implicaturas	conversacionais,	ou	seja,	de	regras	que	deveriam	estar	presentes	no</p><p>sucesso	de	todo	e	qualquer	ato	de	linguagem.¹⁵	Jacob	L.	Mey	(1987)	é	um</p><p>excelente	exemplo	de	como,	a	partir	da	Pragmática,	é	possível	questionar</p><p>severamente	a	cooperação	comunicativa:	ele	discute	como	a	noção	de</p><p>cooperação	sustenta	a	ideologia	da	“parceria	social”,	pois	apresenta	o	uso	da</p><p>linguagem	como	uma	parceira	igualitária	e	livre	entre	falantes.	Em	parceria	com</p><p>Harmut	Haberland,	Mey	(Haberland	e	Mey,	2002)	sustenta	que	deixar	a</p><p>condição	humana	de	fora	das	análises	impacta	negativamente	os	estudos</p><p>pragmáticos.</p><p>Seguindo	uma	linha	crítica	como	a	de	Mey,	atuais	pragmatistas	apostam	em</p><p>linguagem	como	trabalho	social,	realizado	com	todos	os	conflitos	consequentes</p><p>das	relações	na	sociedade.	Ou	seja,	os	conflitos	das	relações	entre	homens	e</p><p>mulheres,	entre	professor/a	e	aluno/a,	entre	brancos/as	e	negros/as,	ou	entre</p><p>judeus/judias	e	antissemitas,	podem	ser	identificados	linguisticamente.</p><p>Acredito	que	você	possa	perceber	facilmente	essa	linha	argumentativa	por	meio</p><p>da	análise	deste	mesmo	texto	que	você	está	lendo.	Algumas	pessoas,	ao	lerem</p><p>um	texto	como	este,	sentem	um	certo	desconforto	com	a	presença	constante	do</p><p>feminino	na	caracterização	genérica,	como	“estudiosas	e	estudiosos	da</p><p>Pragmática”,	o	que	significa	a	negação	de	que	o	masculino	possa	representar</p><p>tanto	homens	quanto	mulheres.	Outras	pessoas	talvez	não	se	sintam</p><p>desconfortáveis,	mas	ao	menos	estranham	essa	insistência.	Diante	dessas	reações</p><p>se	pode	perguntar:	por	que	manter	o	feminino	nas	caracterizações?	Não	pode	o</p><p>masculino	ser	o	genérico?	Muitos	estudos	pragmáticos	respondem	a	essas</p><p>perguntas	da	seguinte	forma:	existem	pesquisadoras	pragmatistas,	mulheres	que</p><p>estudam	e	produzem	materiais	de	qualidade	nos	estudos	introdutórios	da</p><p>Pragmática?	Sim;	só	para	citar:	Françoise	Armengaud	(2006),	Jenny	Thomas</p><p>(1995),	Marcella	Bertuccelli-Papi	(1993),	Brigitte	Schlieben-Lange	(1987).</p><p>Referi-las	pelo	masculino	é	ser	sexista,	ou	seja,	é	manter	simbolicamente	o</p><p>masculino	como	representante	mais	adequado	do	gênero	humano.	Em	trabalho</p><p>baseado	nas	Propostas	para	evitar	o	sexismo	na	linguagem,	publicado	pelo</p><p>Instituto	da	Mulher	da	Espanha,	lemos:</p><p>Quando	se	estabelecem	as	normas	linguísticas	de	uma	perspectiva	sexista,	se</p><p>prejudica	diretamente	as	mulheres	e	indiretamente	toda	a	sociedade.¹</p><p>Assim,	pragmatistas	dos	estudos	interdisciplinares,	preocupados/as	em	debater</p><p>os	conflitos	sociais	que	são	também	linguísticos,	devolvem	as	perguntas</p><p>com</p><p>outra:	por	que	não	tornar	visíveis	linguisticamente	homens	e	mulheres?	Como</p><p>aponta	Caldas-Coulthard	(2007,	p.	235),	“a	linguagem	ajuda	a	definir,	depreciar</p><p>e	excluir	as	mulheres	linguisticamente”.	O	desconforto	ou	estranhamento</p><p>produzido	por	uma	ação	assertiva	(a	de	se	textualizar	também	o	feminino	nas</p><p>caracterizações	de	estudiosos	e	estudiosas)	é	prova	de	que	conflitos	entre</p><p>homens	e	mulheres	podem	ser	identificados	linguisticamente,	se	se	considera	a</p><p>linguagem	como	um	trabalho	social	pleno	de	conflitos	sociais.</p><p>Qualquer	tentativa	de	descrição	da	linguagem	que	exclua	aspectos	sociais	é</p><p>considerada	inócua	e	ineficiente	para	a	pesquisa	pragmática.	A	linguagem	não	é,</p><p>portanto,	meio	neutro	de	transmitir	ideias,	mas	sim	constitutiva	da	realidade</p><p>social.	Não	sendo	“a	realidade	social”	um	conceito	abstrato,	mas	o	conjunto	de</p><p>atos	repetidos	dentro	de	um	sistema	regulador,	a	linguagem	é	sua	parte	presente</p><p>e	legitimadora,	e	deve	ser	sempre	tratada	nesses	termos.</p><p>Desde	a	Escola	de	Frankfurt,	com	os	trabalhos	de	Jurgen	Habermas	(2000)	sobre</p><p>a	ação	comunicativa	às	elaborações	da	desconstrução	de	Jacques	Derrida	(1991,</p><p>1998),	as	mais	diversas	formas	de	se	pensar	a	linguagem	como	parte	da	realidade</p><p>social,	e	não	seu	espelho,	estão	sendo	elaboradas.	Essa	diversidade,	se	não	ajuda</p><p>a	identificar	temas	e	métodos	pré-definidos	da	Pragmática,	pelo	menos	tem</p><p>impedido	a	exclusão	das	mais	variadas	formas	dos	fenômenos	da	linguagem.</p><p>Roy	Harris	(1981),	por	exemplo,	defende	que	somente	levando-se	em	conta	o</p><p>que	é	metodicamente	excluído	na	Linguística	tradicional	podemos	desmitificar</p><p>as	nossas	ideias	sobre	as	regras	de	funcionamento	da	linguagem.	Assim,</p><p>podemos	perguntar:	como	usos	inovadores	e	não	dicionarizados	de	palavras	ou</p><p>mesmo	estruturas	sintáticas	da	língua	são	tratados	nas	pesquisas?	Ou:	como	a</p><p>incoerência	de	ações	produzidas	por	atos	de	fala	são	relegadas	ao	plano	do	“mal-</p><p>entendido	a	ser	corrigido”?</p><p>Essas	exclusões,	quando	debatidas,	podem	dar	conta	de	problemas	que</p><p>atormentaram	linguistas	durante	muito	tempo.	Uma	garotinha	que	está	na	ponta</p><p>dos	pés,	com	o	mato	alcançando	seus	joelhos,	diz:</p><p>(10)	Olhe,	mãe,	vai	certinho	até	minhas	dobras!¹⁷</p><p>o	que	ela	quis	dizer?	A	mãe	sabe,	ainda	que	ela	nunca	tenha	ouvido	esse	uso	de</p><p>“dobras”.	E	nós	que	lemos	o	exemplo	também	o	compreendemos.	Uma	situação</p><p>como	esta	tem	sido	tomada	pela	Linguística	tradicional	como	exemplo	para	a</p><p>distinção	“necessária”	entre	conhecimento	linguístico	e	conhecimento</p><p>pragmático,	ou	conhecimento	contextual,	conhecimento	de	mundo	etc.,</p><p>resumidamente,	a	distinção	entre	conhecimento	linguístico	e	conhecimento</p><p>extralinguístico.	Assim,	o	problema	não	é	levado	a	sério,	pois	reduz	a	questão	a</p><p>decidir	entre	a	falta	de	conhecimento	linguístico,	ou	a	falta	de	conhecimento</p><p>extralinguístico.</p><p>Para	os	estudos	interdisciplinares	atuais,	a	questão	principal	é	“como	a	mãe	sabe,</p><p>se	esse	uso	não	é	devido?”.	Ou,	com	um	pouco	mais	de	crítica,	“como	o	uso	é</p><p>indevido	se	a	mãe	sabe?”.	Sendo	o	uso	da	linguagem	lugar	de	conflito,	ele	situa</p><p>também	negociações,	modificações,	recusas.	Isso	torna	inevitáveis	as	inovações,</p><p>e	mais	inevitável	ainda	que	para	se	falar	em	linguagem	tenha-se	que	falar	em</p><p>fenômenos	até	então	considerados	como	não	linguagem.	Esses	argumentos</p><p>enfrentam	a	constante	crítica	de	não	estarem	de	fato	“fazendo	Linguística”,	mas</p><p>sociologia,	antropologia,	ou	qualquer	outra	coisa	do	gênero.	Afinal,	em	que</p><p>interessariam	problemas	que	não	legitimam	a	ideia	de	Linguística	como	ciência</p><p>delimitada,	com	objeto	e	método	pré-definidos?	Dizer	que	linguagem	não	é</p><p>puramente	convencional	implica	assumir	a	impossibilidade	de	descrever	o</p><p>fenômeno	linguístico	inteira	e	sistematicamente.</p><p>O	contra-argumento	principal	a	essa	crítica	é	que	a	demarcação	dos	limites	entre</p><p>linguagem	e	mundo,	ou	entre	linguagem	e	sociedade	é	uma	tarefa	inglória	e</p><p>reducionista.	Em	outras	palavras,	pensar	que	incluir	aspectos	sociais	chamados</p><p>“extralinguísticos”	em	uma	análise	leva	ao	risco	de	não	se	“fazer	Linguística”,</p><p>desvirtuando	o	campo	sagrado	do	saber	sobre	a	língua,	é	o	mesmo	que	pensar</p><p>que	aulas	de	educação	sexual	vão	fazer	as	pessoas	terem	mais	relações	sexuais.</p><p>É	um	argumento	frágil	para	não	expor	a	própria	frustração	de	não	apreender	o</p><p>objeto	de	estudo	por	inteiro,	nos	moldes	do	positivismo	que	abriu	nosso	século</p><p>XX	e	foi	inspiração	para	a	fundação	da	Linguística.</p><p>Defendendo	essas	posições,	os	estudos	pragmáticos	interdisciplinares	seguem</p><p>procurando	ampliar	as	possibilidades	de	objetos	de	estudo	de	linguistas,</p><p>retirando	a	criatividade	do	nível	da	mera	estatística.</p><p>3.	DIVULGAÇÃO	E	IMPACTO	ATUAL	DA	PRAGMÁTICA</p><p>No	final	da	década	de	1970	e	início	da	de	1980,	a	Pragmática	começou	a	ser</p><p>levada	a	sério.	Nessa	época	os	estudos	que	vinham	discutindo	os	componentes</p><p>pragmáticos	da	linguagem	chamam	a	atenção	e	merecem	várias	publicações,</p><p>entre	periódicos	e	livros	inteiros.</p><p>Em	1977,	inúmeros	artigos	autoproclamados	pragmáticos	são	enviados	para</p><p>edição	no	recém-criado	Journal	of	Pragmatics,	que	abre	o	primeiro	espaço	de</p><p>prestígio	para	as	pesquisas	que	se	preocupavam	com	o	uso	linguístico.	Em	1978,</p><p>Jef	Verschueren	publica	a	primeira	bibliografia	comentada	sobre	Pragmática.</p><p>Logo	em	seguida,	em	1979,	Richard	Rorty	publica	o	seu	A	filosofia	e	o	espelho</p><p>da	natureza,	trazendo	novamente	para	as	rodas	filosóficas	as	ideias	de	William</p><p>James.	Dois	anos	depois,	em	1981,	inicia-se	a	edição	do	Language	and</p><p>Communication,	oferecendo	aos	leitores	e	leitoras	discussões	centradas	na</p><p>prática	linguística.	Nesse	mesmo	ano,	Roy	Harris	publica	The	language	myth,</p><p>questionando	a	ausência	sistemática,	nos	trabalhos	linguísticos,	de	perguntas</p><p>sobre	aspectos	criativos	da	linguagem	e	questionando	explicitamente	o	mito	da</p><p>“língua	como	sistema”.	No	Brasil,	Marcelo	Dascal	edita,	em	1982,	uma</p><p>coletânea	de	textos	filosóficos	clássicos	para	a	consolidação	da	Pragmática.	Já</p><p>pelos	meados	da	década	de	1980,	outros	trabalhos	com	perspectivas</p><p>completamente	diferentes,	como	de	Jacob	L.	Mey,	de	1985,	a	de	Françoise</p><p>Armengaud,	de	1985,	e	o	de	Brigitte	Schlieben-Lange,	de	1987,	se	acrescentam</p><p>ao	debate	em	torno	da	pergunta	“qual	o	objeto	da	Pragmática?”.</p><p>O	Journal	of	Pragmatics,	que	tinha	periodicidade	trimestral	em	seu	lançamento</p><p>em	1977,	dois	anos	depois	(em	1979)	já	era	bimestral	e,	dez	anos	depois,	em</p><p>1999,	passa	a	publicar	números	mensais.	A	virada	para	o	século	XXI	é,	portanto,</p><p>ainda	mais	promissora.	Em	2007,	um	novo	periódico	internacional	é</p><p>inaugurando,	o	Semantics	and	Pragmatics.	No	Brasil,	além	de	capítulos	em</p><p>livros	introdutórios	bem	divulgados,	a	tradução	do	livro	de	Armengaud	(2006)</p><p>lança	mais	uma	obra	para	a	difusão	da	Pragmática.</p><p>Está	inflamada	a	área	dos	estudos	pragmáticos.	A	atividade	linguística	ganha	um</p><p>espaço	cada	vez	mais	frequente	na	Linguística.	Trabalhos	discutem	a	relação	dos</p><p>signos	com	a	prática	da	linguagem	para	evidenciar	o	processo	inovador	da</p><p>conversação	humana.	Para	pragmatistas	que	se	dedicam	a	levantar	problemas</p><p>teóricos	do	estudo	da	linguagem,	questões	sobre	o	papel	da	linguagem	na</p><p>formação	do	sujeito,	sobre	a	noção	de	unicidade	e	identidade	linguísticas,	sobre</p><p>a	imprevisibilidade	e	a	criatividade	como	propriedades	linguísticas,	sobre	a</p><p>própria	condição	do	fazer	teórico	linguístico	não	podem	mais	ficar	relegadas	ao</p><p>plano	das	especulações.</p><p>Conforme	apontei	na	seção	anterior,	a	criatividade	é	uma	constante	na	realização</p><p>da	linguagem,	de	tal	modo	que	leva	a	negociações,	modificações,	recusas,	o	que</p><p>entre	sociolinguistas	é	conhecido	como	fenômenos	de	variação	e	mudança.¹⁸	Isso</p><p>leva	à	imprevisibilidade	no	sistema	descrito:	é	impossível	descrever	e/ou	prever</p><p>todas	as	estruturas	e	combinações	existentes	numa	língua.	É	fundamental</p><p>perguntar-se	como	o	signo	mantém	a	sua	unicidade,	como	continua	sendo	o</p><p>mesmo	através	de	repetições	tão	diferentes,	e	como,	ao	mesmo	tempo,	continua</p><p>a	ser	intercambiável,	como	se	sua	unidade	fosse	fragmentada,	fazendo,	perdendo</p><p>e	refazendo	todo	tempo	o	próprio	limite.	É	definidor	perguntar-se	o	que	é</p><p>identidade	linguística,	e	como	ela	se	produz,	tendo	em	vista	que,	ao</p><p>contrário	do</p><p>que	muitos/as	linguistas	pensam,	a	linguagem	não	reflete	o	lugar	social	de	quem</p><p>fala,	mas	faz	parte	desse	lugar	social:	“Identidade	não	preexiste	à	linguagem.</p><p>Falantes	têm	que	marcar	suas	identidades	assídua	e	repetidamente.”	(Cameron,</p><p>1995,	p.	17).	A	repetição	é	necessária	para	sustentar	a	identidade,	precisamente</p><p>porque	ela	não	existe	fora	dos	atos	de	linguagem	que	a	sustentam.</p><p>Temas	como	esses,	e	as	posições	teóricas	e	éticas	que	os	acompanham,	são</p><p>polêmicos	porque	estão	sendo	construídos	para	mostrar	que	o	uso	linguístico	não</p><p>é,	como	queria	Carnap,	um	dos	componentes	da	linguagem,	mas	a	única	forma</p><p>produtiva	de	se	pensar	os	fenômenos	linguísticos.	Dizer	é	fazer:	a	prática	social</p><p>que	chamamos	linguagem	é,	para	a	Pragmática	atual,	indissociável	de	suas</p><p>consequências	éticas,	sociais,	econômicas,	culturais.</p><p>3.1.	Emergências	de	questões	políticas</p><p>Em	disciplinas	variadas,	aspectos	linguísticos	são	sistematicamente	submetidos	a</p><p>exame	para	valorizar	sua	condição	de	constituinte	social.	As	variações	sintáticas</p><p>e	fonológicas	são	estudadas	pela	sua	significação	social	para	os/as	falantes.	O</p><p>bilinguismo	é	analisado	como	construtor	e	mantenedor	das	hierarquias	sociais</p><p>em	países	colonizados.	Os	relatos	de	mulheres	são	interpretados	no	que</p><p>transmitem	de	suas	autoimagens	e	das	imagens	que	o	universo	masculino	tem</p><p>delas.	O	ensino	de	línguas	é	analisado	à	luz	dos	processos	coloniais	e	de</p><p>globalização.</p><p>Para	pragmatistas	que	utilizam	dados	empíricos	em	seus	trabalhos,	questões</p><p>sobre	racismo	e	sexismo,	sobre	conflitos	socioeconômicos,	sobre	ética	ou	sobre</p><p>relações	de	poder	não	são	mais	consideradas	como	detalhes	surgidos	ao	acaso</p><p>em	pesquisas	centradas	na	língua	pela	língua.	Ao	contrário,	a	Pragmática	está</p><p>defendendo	um	quadro	de	pesquisa	sobre,	para	e	com	os	sujeitos	sociais;¹ 	um</p><p>quadro	metodológico	que	permita	aos	pesquisadores	e	pesquisadoras	interagirem</p><p>integralmente	com	suas	informantes	e	seus	informantes,	discutir	com	elas	e	eles</p><p>seus	interesses	e	avaliar	a	repercussão	de	afirmações	conclusivas	do	trabalho</p><p>teórico.</p><p>O	diálogo	tem	sido	muito	profícuo	também	para	encontrar	um	novo	quadro</p><p>teórico	para	os	estudos	da	linguagem.	Uma	leitura	interdisciplinar	do	alcance	dos</p><p>estudos	de	atos	de	fala	nos	leva	aos	trabalhos	de	linguistas	envolvidos(as)	em</p><p>explicitar	fundamentos	ideológicos	de	decisões	teóricas	e	descritivas	e	de	rever	a</p><p>construção	de	conceitos	na	Linguística.	Rajagopalan	(2010)	discute	amplamente</p><p>a	agenda	ideológica	das	“leituras	oficiais”	de	Austin	e	aponta,	ironiza	a</p><p>separação	entre	ensino	e	doutrinação	política:</p><p>Como	sabemos	onde	o	ensino	termina	e	a	doutrinação	assume	o	controle?</p><p>Qualquer	tentativa	de	traçar	uma	linha	de	demarcação	nítida	entre	essas	duas</p><p>coisas	exigiria	que	realmente	tivéssemos	uma	distinção	clara	entre	o	que	é</p><p>estritamente	acadêmico	e	o	que	é,	também,	político-ideológico.²</p><p>Pennycook	(2007,	p.	112),	em	parceria	com	Sinfree	Makoni	e	um	grupo	de</p><p>linguistas	em	diálogos	Sul-Sul,²¹	trabalham	para	mapear	os	“efeitos	de	língua”,</p><p>efeitos	de	atos	de	fala	sobre	língua	nas	práticas	de	pesquisa	e	ensino	mundo</p><p>afora,	“as	maneiras	como	as	línguas	se	materializam	através	dos	discursos”.</p><p>Esses	tipos	de	abordagens,	metodológicas	e	teóricas,	impulsionam	a	emergência</p><p>de	preocupações	políticas	e	apontam	o	futuro	da	Pragmática	como	uma	área</p><p>vigorosa	para	o	debate	ideológico	da	linguagem	como	ação,	representação,</p><p>espaço.</p><p>3.2.	Palavras	finais</p><p>No	estágio	de	desenvolvimento	atual	das	razões	filosóficas	que	a	formaram,	a</p><p>saber,	do	Pragmatismo	norte-americano,	dos	Estudos	de	Atos	de	Fala	e	dos</p><p>atuais	estudos	interdisciplinares,	esta	polivalente	área	da	Linguística	não	deixa</p><p>de	acompanhar	e	aprofundar	todas	as	implicações	teóricas	do	fato	de	que	as</p><p>manifestações	e	empregos	da	linguagem	são	paradoxalmente	dependentes	e</p><p>resistentes	às	usuárias	e	aos	usuários.	Nem	centro	nem	periferia	da	linguagem,</p><p>“falante”,	pela	óptica	da	Pragmática,	é	tanto	ator	ou	atriz	da	prática	linguística</p><p>quanto	participante	e	reprodutor/a	das	instabilidades	do	processo	de	vida	social</p><p>que	coordena	essa	ação.</p><p>Espero	que	o	leitor	e	a	leitora	possam	ter	compreendido	um	pouco	de	como	a</p><p>Pragmática	se	consolidou	como	a	ciência	do	uso	linguístico.	O	campo	não	se</p><p>esgota.	Muitos	ainda	são	os	temas	que	podem	ser	abordados	num	estudo</p><p>pragmático:	tanto	fenômenos	concretos,	quanto	a	própria	teorização	do	fazer</p><p>pragmático.	No	enfoque	pragmático,	o	interesse	por	cada	ponto	a	ser	analisado	é</p><p>sempre	um	ganho	quando	não	se	quer	deixar	de	fora	da	linguagem	quem	a	faz</p><p>existir:	nós	e	nossas	práticas	sociais.</p><p>REFERÊNCIAS</p><p>ARMENGAUD,	Françoise.	A	pragmática.	Trad.	Marcos	Marcionilo.	São	Paulo:</p><p>Parábola	Editorial,	2006.	(Col.	Na	ponta	da	língua,	8.)</p><p>AUSTIN,	J.	L.	Quando	dizer	é	fazer.	Palavras	e	ações.	Trad.	Danilo	Marcondes.</p><p>Porto	Alegre:	Artes	Médicas,	1990.</p><p>______.	Performativo-constativo.	Trad.	Paulo	Roberto	Ottoni.	In:	OTTONI,</p><p>Paulo	Roberto.	Visão	performativa	da	linguagem.	Campinas:	Editora	da</p><p>Unicamp,	1998.	p.	107-144.	(Col.	Viagens	da	Voz.)</p><p>BENVENISTE,	Émile.	A	filosofia	analítica	e	a	linguagem.	In:	______.</p><p>Problemas	de	linguística	geral	I.	Trad.	Maria	da	Glória	Novak	e	Maria	Luiza</p><p>Neri.	Campinas:	Pontes,	1991,	p.	294-305.</p><p>BERTUCCELI-PAPI,	Marcella.	Che	cos’è	la	pragmatica?	Milano:	Strumenti</p><p>Bompiani,	1993.</p><p>CALDAS-COULTHARD,	Carmen	Rosa.	Caro	colega:	exclusão	linguística	e</p><p>invisibilidade.	Discurso	&	Sociedad,	v.	1,	n.	2,	p.	230-246,	2007.	Disponível	em:</p><p>.</p><p>Acesso	em:	29	set.	2009.</p><p>CAMERON,	Deborah.	Verbal	hygiene.	London:	Routledge,	1995.</p><p>______	et	al.	Ethics,	advocacy	and	empowerment:	issues	of	method	in</p><p>researching	language.	Language	and	communication,	v.	13,	n.	2,	p.	81-94,	1993.</p><p>DASCAL,	Marcelo.	A	relevância	do	mal-entendido.	Cadernos	de	Estudos</p><p>Linguísticos,	Campinas,	n.	11,	p.	199-217,	1986.</p><p>______	(Org.).	Fundamentos	metodológicos	da	linguística.	Pragmática.</p><p>Campinas:	Ed.	Unicamp,	v.	IV,	1982.</p><p>DAVIDSON,	Donald.	A	coherence	theory	of	truth	and	knowledge.	In:	LEPORE,</p><p>Ernest	(Org.).	Truth	and	interpretation.	Oxford:	Blackwell,	1986.	p.	307-319.</p><p>DERRIDA,	Jacques.	Assinatura,	acontecimento,	contexto.	In:	______.	Margens</p><p>da	filosofia.	Trad.	Joaquim	Torres	Costa	e	António	M.	Magalhães.	Campinas:</p><p>Papirus,	1991.	p.	349-373.</p><p>DERRIDA,	Jacques.	Carta	a	um	amigo	japonês.	In:	OTTONI,	Paulo	(Org.).</p><p>Tradução:	a	prática	da	diferença.	Campinas:	Editora	da	Unicamp,	1998.	p.	19-25.</p><p>DOSSE,	François.	História	do	estruturalismo.	Trad.	Álvaro	Cabral.	São	Paulo:</p><p>Ensaio,	v.	I	e	II,	1993.</p><p>HABERLAND,	Hartmut;	MEY,	Jacob	L.	Editorial:	linguistics	and	pragmatics.</p><p>Journal	of	Pragmatics,	Amsterdam,	v.	1,	n.	1,	p.	1-12,	abr.	1977.</p><p>______.	Linguistics	and	pragmatics,	25	years	after.	Journal	of	Pragmatics,</p><p>Amsterdam,	v.	34,	n.	12,	p.	1671-1682,	dez.	2002.</p><p>HABERMAS,	Jurgen.	Uma	outra	via	para	sair	da	filosofia	do	sujeito	—	razão</p><p>comunicativa	vs.	razão	centrada	no	sujeito.	In:	______.	O	discurso	filosófico	da</p><p>modernidade:	doze	conferências.	Trad.	Luiz	Sérgio	Repa	e	Rodnei	Nascimento.</p><p>São	Paulo:	Martins	Fontes,	2000.	p.	411-453.</p><p>HARRIS,	R.	The	language	myth.	Oxford:	Duckworth,	1981.</p><p>MEY,	Jacob	L.	Poet	and	peasant:	a	pragmatic	comedy	in	five	acts.	Journal	of</p><p>Pragmatics,	Amsterdam,	n.	11,	p.	281-297,	1987.</p><p>______.	Whose	language?	A	study	in	linguistic	pragmatics.	Amsterdam:	John</p><p>Benjamins,	1985.</p><p>OGDEN,	C.	K.;	RICHARDS,	I.	A.	O	significado	do	significado.	Trad.	Álvaro</p><p>Cabral.	Rio	de	Janeiro:	Zahar,	1972.</p><p>OTTONI,	Paulo	Roberto.	Visão	performativa	da	linguagem.	Campinas:	Editora</p><p>da	Unicamp,	1998.	(Col.	Viagens	da	Voz.)</p><p>PEIRCE,	C.	Prolegomena	to	an	apology	for	pragmaticism.	Monist,	1906.</p><p>PENNYCOOK,	Alastair.	The	myth	of	English	as	an	international	language.	In:</p><p>MAKONI,	Sinfree;	PENNYCOOK,	Alastair	(Ed.).	Disinventing	and</p><p>reconstituting	languages.	Clevedon:	Multilingual	Matters,	2007.	p.	90-115.</p><p>PINTO,	Joana	Plaza.	As	armadilhas	da	referência	e	o	mal-entendido:	problemas</p><p>de	alguns	pressupostos	teóricos.	1998.	113	p.	Dissertação	(Mestrado	em</p><p>Linguística)	—	Instituto</p><p>nos	piores.	O	melhor</p><p>testemunho	desse	atraso	é	o	sucesso	de	pseudoprofessores	nos	meios	de</p><p>comunicação,	que	nada	mais	fazem	do	que	repetir	materiais	do	nível	das</p><p>apostilas	dos	cursinhos,	com	listas	de	“problemas”	de	uso	do	português	falado</p><p>julgado	à	luz	da	língua	escrita.	Faça	o	leitor	a	suposição	de	que	os	programas	e</p><p>as	colunas	sobre	música,	teatro	e	economia	sejam	do	mesmo	calibre,	e	o	atraso</p><p>saltará	aos	olhos	ainda	mais	claramente.	Em	resumo:	Linguística	é	uma	coisa	de</p><p>que	ninguém	ouviu	falar.	Daí	a	relevância	de	um	livro	como	este.	Mas	há	mais</p><p>razões.</p><p>Outra	observação	sobre	um	certo	atraso,	outra	justificativa	para	a	publicação</p><p>deste	livro:	quem	já	ouviu	falar	de	Linguística	(isso	se	vê	na	imprensa	e	às	vezes</p><p>em	departamentos	avançados)	supõe	que	ela	se	resume	à	arbitrariedade	do	signo,</p><p>às	relações	paradigmáticas	e	sintagmáticas	(quando	a	coisa	é	sofisticada,</p><p>menciona-se	outra	dupla	saussuriana,	sincronia	e	diacronia).	Frequentemente,	as</p><p>introduções	à	Linguística	—	disciplina	obrigatória	nos	cursos	de	Letras	—	não</p><p>ultrapassam	essa	leitura	mais	ou	menos	festiva	de	Saussure,	feita	em	algum</p><p>manual,	ou	em	apostila,	que	ninguém	é	de	ferro.</p><p>Assim,	este	livro	se	justifica	plenamente,	e	por	uma	só	razão,	embora	ela	tenha</p><p>sentidos	diferentes	em	diversos	domínios	sociais.	O	que	justifica	este	livro	é	sua</p><p>capacidade	de	produzir	uma	certa	ruptura.	No	caso	dos	intelectuais	vizinhos,	o</p><p>efeito	poderia	ser	o	da	atualização	mínima.	Seria	importante,	por	isso	mesmo,	no</p><p>entanto,	que	não	buscassem	no	livro	ferramentas	para	seu	trabalho.	Para	isso,	as</p><p>introduções	aqui	apresentadas	não	serviriam,	pois	se	trata	de	introduções.	Mas</p><p>ninguém	espera	que	façam	as	categorias	da	Linguística	aqui	oferecidas	em</p><p>embrião	render	em	seus	trabalhos.	Poderiam	instruir-se,	apenas,	mesmo	que</p><p>fosse	para	conversas	em	recepções.	Já	está	na	hora	de	não	se	ouvirem	mais</p><p>imprecações	grosseiras	sobre	erros	de	português,	avaliações	de	baixíssimo	nível</p><p>sobre	a	pronúncia	desta	ou	daquela	região,	preconceitos	ridículos	—	se	não</p><p>fossem	socialmente	excludentes	—	a	respeito	da	linguagem	corrente,	quer	se</p><p>trate	de	fala	popular,	quer	se	trate	de	línguas	de	menor	prestígio,	especialmente</p><p>quando	isso	se	deve	a	peculiaridades	estruturais	(que	não	se	diga	mais,	por</p><p>exemplo,	que	o	chinês	não	tem	sintaxe,	só	porque	sua	frase	não	se	organiza</p><p>como	a	do	francês).	Até	porque	essas	avaliações,	feitas	supostamente	de	algum</p><p>patamar	elevado,	depõem	muito	mais	sobre	a	ignorância	de	quem	as	faz	do	que</p><p>sobre	a	suposta	deficiência	dos	produtores	dos	fatos	linguísticos	comentados.</p><p>Um	segundo	nível	de	ruptura	em	que	este	livro	pode	atuar	é	em	relação	ao</p><p>estudante	de	Letras.	É	o	que	mais	importa.	De	fato,	nada	é	mais	necessário	do</p><p>que	eliminar	o	suposto	saber	do	aluno	de	colegial	em	relação	aos	fatos</p><p>linguísticos.	Em	primeiro	lugar,	a	ruptura	precisa	realizar-se	até	mesmo	em</p><p>relação	ao	que	sejam	fatos	linguísticos.	É	mais	ou	menos	sabido	que	os	fatos	não</p><p>se	oferecem	graciosamente	ao	estudioso,	que	cada	teoria	de	certa	forma	decide</p><p>sobre	eles	—	quais	e	como	são,	quais	os	mais	e	os	menos	relevantes	etc.</p><p>Nesse	domínio,	duas	questões	são	essenciais:	que	o	estudante	se	torne	capaz	de</p><p>ver	como	fatos	os	casos	de	variação;	em	segundo	lugar,	que	perceba	que	há</p><p>pesquisa	possível	em	língua	—	ou	melhor,	que	fazer	pesquisa	a	propósito	de</p><p>língua	não	equivale	a	consultar	gramáticas	e	dicionários	para	verificar	o	que</p><p>neles	consta	e	o	que	não	consta	neles.</p><p>Essas	são	apenas	as	primeiras	rupturas.	Talvez	as	mais	necessárias.	Mas,	além</p><p>disso,	cabe	verificar	minimamente	o	quanto	são	ricos	e	estão	sendo	cada	vez</p><p>mais	enriquecidos	novos	campos.	Por	exemplo:	pode-se	dizer	com	certeza	que</p><p>um	texto	não	é	uma	soma	de	frases,	que	propriedades	como	coesão	e	coerência</p><p>têm	dimensões	bastante	objetivas,	por	um	lado,	mas	relacionam-se	com</p><p>domínios	que	se	poderiam	dizer	interdisciplinares,	por	outro.	Assim,	mesmo	sem</p><p>poder-se	dizer	que	se	atinge	o	patamar	da	“objetividade”	nesse	domínio,	pode-se</p><p>dizer	com	certeza	que	a	categoria	decisiva	já	não	é	o	(bom	ou	mau)	gosto	do</p><p>leitor.</p><p>O	que	se	pode	dizer	do	texto	vale	para	outros	tantos	campos	relativamente</p><p>recentes:	as	novidades	relacionadas	a	questões	postas	pelo	estudo	do	discurso,</p><p>pela	Psicolinguística,	pela	Neurolinguística,	pelos	novos	problemas	(e	novas</p><p>propostas	de	saídas)	que	a	Linguística	propõe	ao	professor	e	educador	são</p><p>suficientemente	desafiadoras.</p><p>O	livro	deixará	claro	a	seu	leitor	o	quanto	a	linguagem	é	um	campo	de</p><p>experiências	riquíssimas,	quer	se	trate	de	abordar	os	aspectos	relativos	ao	que	se</p><p>poderia	chamar	de	seus	problemas	estruturais	(Fonologia,	Morfologia,	Sintaxe),</p><p>quer	se	trate	de	tematizar	suas	relações	com	outros	campos	de	saber.	Ou	com	o</p><p>mundo,	que	só	conhecemos,	de	fato,	ou	que	tentamos	conhecer,	por	meio	da</p><p>linguagem	—	de	alguma	linguagem.</p><p>Sírio	Possenti</p><p>INTRODUÇÃO</p><p>A	Linguística,	nos	dias	de	hoje,	conta	com	uma	vasta	bibliografia	de	estudos	no</p><p>campo,	desde	textos	mais	introdutórios	até	textos	de	grande	especificidade	e</p><p>aprofundamento.	Os	textos	introdutórios	já	existentes	são,	sem	dúvida	alguma,</p><p>bastante	esclarecedores.	O	que	justificaria,	então,	a	organização	de	uma	obra</p><p>como	esta,	que	se	propõe	a	introduzir	o	leitor	nos	estudos	da	Linguística?</p><p>Nosso	propósito	na	organização	desta	obra	é	o	de	preparar	o	terreno	conceitual</p><p>para	contatos	posteriores	com	materiais	que	analisem	o	fenômeno	da	linguagem</p><p>com	um	maior	grau	de	detalhe	e	aprofundamento,	além	de	tornar	acessível,	para</p><p>leitores	iniciantes	ou	não	especializados	em	Linguística,	as	relevantes</p><p>abordagens	sobre	o	fenômeno	da	linguagem.	No	intuito	de	realizarmos	tal</p><p>propósito,	concebemos	os	dois	volumes	de	Introdução	à	Linguística:	domínios	e</p><p>fronteiras,	buscando	aliar	os	seguintes	aspectos:</p><p>a)	uma	apresentação	geral	e	gradual	das	principais	áreas	da	Linguística	no</p><p>Brasil;</p><p>b)	uma	amostra	de	como	as	diversas	áreas	abordam	os	fatos	de	linguagem;</p><p>c)	uma	linguagem	acessível.</p><p>Com	base	nesses	três	aspectos,	procuramos	organizar	os	capítulos	de	forma	a</p><p>conferir	uma	certa	unidade	à	obra.	Assim,	de	um	modo	geral,	os	capítulos	estão</p><p>constituídos	da	seguinte	maneira:	(i)	histórico	da	área;	(ii)	bases	epistemológicas</p><p>da	área;	(iii)	diferentes	vertentes	da	área;	(iv)	análise	de	dados.	No	entanto,	em</p><p>função	da	especificidade	de	cada	área	e	do	próprio	estilo	e	visão	de	cada	autor</p><p>com	relação	ao	campo	apresentado,	os	capítulos	conferem	um	peso	diferenciado</p><p>aos	aspectos	acima	citados.</p><p>Com	relação	à	ordem	dos	capítulos,	não	optamos	pela	apresentação	das</p><p>disciplinas	seguindo	a	perspectiva	clássica,	que	perscruta	o	fenômeno	da</p><p>linguagem	partindo	dos	níveis	mínimos	de	análise	em	direção	aos	níveis</p><p>superiores.	Optamos	por	oferecer	ao	leitor	a	possibilidade	de	inicialmente</p><p>enxergar	o	fenômeno	linguístico	como	um	fenômeno	sociocultural,</p><p>fundamentalmente	heterogêneo	e	em	constante	processo	de	mudança.</p><p>Entendemos	que,	assim,	podemos	lhe	promover	uma	entrada	mais	significativa</p><p>no	terreno	das	necessárias	e	esclarecedoras	orientações	teóricas	formais	sobre	a</p><p>linguagem	humana.</p><p>Iniciamos	o	volume	1	desta	obra	com	o	capítulo	de	Sociolinguística	(partes	1	e</p><p>2)	porque	essa	área,	na	tentativa	de	compreender	a	questão	da	relação	entre</p><p>linguagem	e	sociedade,	postula	o	princípio	da	diversidade	linguística.	Além,</p><p>disso,	a	Sociolinguística	inscreve-se	na	corrente	das	orientações	teóricas</p><p>contextuais	sobre	o	fenômeno	linguístico,	orientações	teóricas	estas	que</p><p>consideram	as	comunidades	linguísticas	não	somente	sob	o	ângulo	das	regras	de</p><p>linguagem,	mas	também	sob	o	ângulo	das	relações	de	poder	que	se	manifestam</p><p>na	e	pela	linguagem.</p><p>O	capítulo	de	Linguística	Histórica	é	apresentado	na	sequência,	enfocando	os</p><p>processos	de	mudança	das	línguas	no	tempo.	Essa	sequência	se	justifica	porque</p><p>mudança	e	variação	linguística	encontram-se	estreitamente	relacionadas:	se	há</p><p>mudança	linguística	é	porque,	em	algum	momento	anterior,	ocorreu	o	fenômeno</p><p>da	variação.	Sendo	assim,	esperamos	que	estes	primeiros	textos	possam</p><p>esclarecer	para	o	leitor	dois	dos	mais	importantes	pressupostos	da	Linguística</p><p>moderna:</p><p>de	Estudos	da	Linguagem,	Universidade	Estadual	de</p><p>Campinas,	Campinas,	1998.</p><p>PROMUJER.	Hacia	un	curriculo	no	sexista.	Puerto	Rico:	Universidad,	1992.</p><p>QUINE,	W.	V.	Falando	de	objetos.	In:	RYLE,	Gilbert	et	al.	Ensaios.	2.	ed.	São</p><p>Paulo:	Abril	Cultural,	1980.	p.	117-131.	(Col.	Os	Pensadores.)</p><p>______.	Palabra	y	objeto.	Barcelona:	Labor,	1968.</p><p>RAJAGOPALAN,	Kanavillil.	Nova	Pragmática.	Fases	e	feições	de	um	fazer.	São</p><p>Paulo:	Parábola	Editorial,	2010.</p><p>RAJAGOPALAN,	Kanavillil.	Os	caminhos	da	pragmática	no	Brasil.	D.E.L.T.A.,</p><p>São	Paulo,	v.15,	n.	especial,	p.	323-338,	1999.</p><p>______.	O	Austin	do	qual	a	Linguística	não	tomou	conhecimento	e	a	Linguística</p><p>com	a	qual	Austin	sonhou.	Cadernos	de	Estudos	Linguísticos,	Campinas,	n.	30,</p><p>p.	105-116,	1996.</p><p>______.	A	irredutibilidade	do	ato	ilocucionário	como	fator	inibidor	do	êxito	das</p><p>tentativas	taxonômicas.	D.E.L.T.A.,	São	Paulo,	v.	8,	n.	1,	p.	91-133,	1992.</p><p>______.	Dos	dizeres	diversos	em	torno	do	fazer.	D.E.L.T.A.,	São	Paulo,	v.	6,	n.</p><p>2,	p.	223-254,	1990.</p><p>RORTY,	Richard.	A	filosofia	e	o	espelho	da	natureza.	Trad.	Antônio	Trânsito.</p><p>Rio	de	Janeiro:	Relume-Dumará,	1994.</p><p>SAUSSURE,	Ferdinand	de.	Curso	de	linguística	geral.	16.	ed.	Trad.	Antônio</p><p>Chelini,	José	Paulo	Paes	e	Izidoro	Blikstein.	São	Paulo:	Cultrix,	1991.</p><p>SCHLIEBEN-LANGE,	Brigitte.	Pragmática	linguística.	Madrid:	Gredos,	1987.</p><p>SEARLE,	John	R.	Os	actos	de	fala:	um	ensaio	de	filosofia	da	linguagem.	Trad.</p><p>Carlos	Vogt	et	al.	Coimbra:	Almedina,	1981.</p><p>SILVA,	Oswaldo	Porchat	de	Assis	Pereira	da	(Ed.).	Vida	e	obra:	Ryle,	Austin,</p><p>Quine,	Strawson.	In:	RYLE,	Gilbert	et	al.	Ensaios.	2.	ed.	São	Paulo:	Abril</p><p>Cultural,	1980.	(Col.	Os	Pensadores.)</p><p>THOMAS,	Jenny.	Meaning	in	interaction:	an	introduction	to	pragmatics.</p><p>London:	Longman,	1995.</p><p>VERSCHUEREN,	J.	Pragmatics:	an	annotated	bibliography.	Amsterdam:	John</p><p>Benjamins,	1978.</p><p>VERSCHUEREN,	J.;	BERTUCCELLI-PAPI,	Marcella	(Ed.).	The	pragmatic</p><p>perspective:	selected	papers	from	the	1985	International	Pragmatics	Conference.</p><p>Amsterdam:	John	Benjamins,	1987.</p><p>1.	Note	que	a	definição	de	linguagem	inicialmente	utilizada	pela	Pragmática	é</p><p>bastante	diversa	de	outras	áreas	da	Linguística	(cf.	outros	capítulos	deste</p><p>volume).	Essa	noção	inicial	de	linguagem	como	o	somatório	da	língua	mais	a</p><p>fala	é	própria	do	estruturalismo,	paradigma	de	estudos	sociais	iniciado	por</p><p>Ferdinand	de	Saussure,	e	inicialmente	divulgado	por	Roman	Jakobson,	na</p><p>Linguística,	e	Claude	Lévi-Strauss,	na	Antropologia	(Dosse,	1993).</p><p>2.	Immanuel	Kant	foi	um	filósofo	alemão	que	viveu	entre	1724-1804.	Exerceu</p><p>grande	influência	no	pensamento	ocidental,	procurando	caracterizar	os	limites,	o</p><p>alcance	e	o	valor	da	razão.</p><p>3.	Para	maiores	detalhes,	consultar	Rorty	(1994),	especialmente	a	Introdução	e	o</p><p>Capítulo	I.</p><p>4.	Em	versão	anterior	deste	capítulo,	identifiquei	este	grupo	como	“estudos	da</p><p>comunicação”,	mas	percebo	agora	que	a	diversidade	do	grupo	se	articula	não	em</p><p>torno	das	preocupações	com	a	comunicação	e	interação	social	como	eu</p><p>imaginava	outrora,	e	sim	em	função	da	interdisciplinaridade	de	suas	abordagens.</p><p>Como	observa	Rajagopalan	(1999,	p.	332):	“A	grande	variedade	de	assuntos</p><p>tratados	é	prova	de	que	a	Pragmática	mantém	vínculos	com	muitas	outras</p><p>disciplinas,	assim	como	muitas	das	demais	subáreas	dentro	da	Linguística”.</p><p>5.	Para	maiores	detalhes,	consultar	os	capítulos	“Semântica”	e	“Análise	da</p><p>Conversação”,	neste	volume.</p><p>6.	Peirce	(1906),	citado	em	Ogden	e	Richards	(1972,	p.	280).</p><p>7.	Citado	em	Schlieben-Lange	(1987).</p><p>8.	Tradição	analítica	é	entendida	aqui	no	sentido	de	Rorty	(1994)	como	aquele</p><p>vocabulário	filosófico	que	se	inicia	com	os	trabalhos	do	filósofo	alemão	Frege,	e</p><p>que	baseia	toda	a	argumentação	para	a	defesa	de	que	significar	é	representar	algo</p><p>que	está	fora	da	linguagem,	seja	fora	porque	está	no	mundo	concreto,	seja	fora</p><p>porque	está	no	“pensamento”	ou	“sentimento”,	entendidos	estes	últimos	como</p><p>conceitos	abstratos,	não	ligados	a	nenhuma	prática	cotidiana	de	linguagem.</p><p>9.	Uma	análise	detalhada	desse	texto	de	Dascal	(1986)	e	uma	discussão	mais</p><p>aprofundada	sobre	as	motivações	em	torno	da	manutenção	de	um	modelo</p><p>harmônico	de	“entendimento”	encontram-se	em	Pinto	(1998).</p><p>10.	Austin,	1998,	p.	132.</p><p>11.	Incluem-se	aí	os	questionamentos	de	Austin	sobre	o	valor	veritativo	dos	atos</p><p>de	fala,	ou	mesmo	suas	dúvidas	sobre	a	distinção	performativo-constativo.</p><p>12.	Para	um	debate	mais	aprofundado	sobre	a	questão	da	taxonomia	para	os	atos</p><p>de	fala,	ver	Rajagopalan	(1992).</p><p>13.	Derrida,	1991,	p.	363.</p><p>14.	Ver	outros	detalhes	sobre	os	estudos	marxistas	da	linguagem	no	capítulo</p><p>“Análise	do	Discurso”,	neste	volume.</p><p>15.	Para	maiores	explicações,	ver	o	capítulo	“Análise	da	Conversação”,	neste</p><p>volume.</p><p>16.	PROMUJER,	1992,	s.p.</p><p>17.	O	exemplo	é	de	Harris	(1981,	p.	152)	e	a	versão	em	inglês	é	a	que	se	segue:</p><p>“Look,	mummy,	it	comes	right	up	to	my	hinges”.</p><p>18.	Recomendo	que	o	leitor	busque	saber	mais	sobre	variação	e	mudança	e</p><p>repare	nas	diferenças	de	enfoque	entre	a	Pragmática	e	a	Sociolinguística.	Ver,</p><p>então,	o	capítulo	“Sociolinguística”	(partes	I	e	II)	no	volume	I	desta	obra.</p><p>19.	Para	maiores	detalhes,	consultar	Cameron	et	al.	(1993).</p><p>20.	Rajagopalan,	2010,	p.	139.</p><p>21.	Diálogos	Sul-Sul	são	aqueles	ocorridos	entre	pessoas	de	países	localizados</p><p>ao	Sul	no	mapa	tradicional	do	planeta.	São	diálogos	acadêmicos,	econômicos,</p><p>artísticos	etc.	O	grupo	liderado	por	Makoni	e	Pennycook	(2007)	inclui,	entre</p><p>outras,	a	contribuição	do	linguista	brasileiro	Lynn	Mario	T.	Menezes	de	Souza.</p><p>3</p><p>ANÁLISE	DA	CONVERSAÇÃO</p><p>Ângela	Paiva	Dionísio</p><p>1.	PARA	INÍCIO	DE	CONVERSA...</p><p>Os	estudos	mais	recentes	na	área	da	interação	verbal	definem	a	linguagem	como</p><p>uma	forma	de	ação	conjunta	(Clark,	1996;	Marcuschi,	1998a),	que	emerge</p><p>quando	falantes/escritores	e	ouvintes/leitores	realizam	ações	individuais,</p><p>coordenadas	entre	si,	fazendo	com	que	tais	ações	se	integrem,	formem	um</p><p>conjunto.	Usar	a	linguagem	consiste,	portanto,	em	realizar	ações	individuais	e</p><p>sociais.	Estamos	sempre	fazendo	algo	com	a	linguagem.	Conversar,	por</p><p>exemplo,	é	uma	atividade	social	que	desempenhamos	desde	que	começamos	a</p><p>falar.	No	dia	a	dia,	estamos	conversando	com	alguém,	convidando	alguém	para</p><p>conversar,	puxando	conversa	com	um	outro.	Na	década	de	1980,	em	nosso	país,</p><p>foi	lançado	o	primeiro	livro	nesta	área	com	o	título	Análise	da	Conversação,	de</p><p>autoria	do	professor	Luiz	Antônio	Marcuschi.	Segundo	esse	autor,	“a</p><p>conversação	é	a	primeira	das	formas	de	interação	a	que	estamos	expostos	e</p><p>provavelmente	a	única	da	qual	nunca	abdicamos	pela	vida	afora”.¹	Quando	se</p><p>diz	aqui	“conversação”	está	se	tratando	de	todas	as	formas	de	“interação	verbal”</p><p>existentes	em	nossa	sociedade,	embora	alguns	estudiosos	dessa	área	a	concebam</p><p>como	apenas	as	interações	verbais	face	a	face	em	que	há	“simetria	de	direitos	e</p><p>espontaneidade	na	realização	do	evento”.²	Ainda	segundo	esse	autor,</p><p>é	sugestivo,	portanto,	conceber	a	conversação	como	algo	mais	do	que	um</p><p>simples	fenômeno	de	uso	da	linguagem	em	que	ativa	o	código.	Ela	é	o	exercício</p><p>prático	das	potencialidades	cognitivas	do	ser	humano	em	suas	relações</p><p>interpessoais,	tornando-se	assim	um	dos	melhores	testes	para	a	organização	e</p><p>funcionamento	da	cognição	na	complexa	atividade	da	comunicação	humana.</p><p>Neste	contexto	a	língua	é	um	dos	tantos	investimentos,	mas	não	o	único,	o	que</p><p>permite	uma	análise	de	múltiplos	fenômenos	em	seu	entrecruzamento.³</p><p>A	Análise	da	Conversação	(AC)	consiste	numa	abordagem	discursiva	que	teve</p><p>origem	na	década	de	1960,	ligada	aos	estudos	sociológicos,	ou,	mais</p><p>especificamente,	à	Etnometodologia,⁴	com	os	trabalhos	de	Harold	Garfinkel,</p><p>Harvey	Sacks,	Emanuel	Schegloff	e	Gail	Jefferson.	Enquanto	os	sociólogos</p><p>reconhecem	que	a	conversação	nos	diz	algo	sobre	a	vida	social,	ao	procurarem</p><p>responder	a	questões	do	tipo	“como	nós	conversamos?”,	os	linguistas	da	Análise</p><p>da	Conversação	perguntam	“como	a	linguagem	é	estruturada	para	favorecer	a</p><p>conversação?”	e	reconhecem	que	a	conversação	nos	diz	algo	sobre	a	natureza	da</p><p>língua	como	fonte	para	se	fazer	a	vida	social	(Eggins	e	Slade,	1997).</p><p>Para	a	Etnometodologia,	os	analistas</p><p>devem	ser	sensíveis	aos	fenômenos</p><p>interacionais,	observando	detalhes	e	conexões	estruturais	existentes	no	processo</p><p>interativo.	Motivados	por	esses	princípios,	os	estudiosos	da	AC,	nestas	três</p><p>décadas	de	trabalho,	procuram	investigar	os	aspectos	essenciais	para	a</p><p>organização	do	texto	conversacional.	Hilgert	(1989)	aponta	três	níveis	de</p><p>enfoque	da	estrutura	conversacional:⁵</p><p>a)	macronível:	estuda	as	fases	conversacionais,	que	são	abertura,	fechamento	e</p><p>parte	central,	e	o	tema	central	e	subtemas	da	conversação;</p><p>b)	nível	médio:	investiga	o	turno	conversacional,	a	tomada	de	turnos,	a</p><p>sequência	conversacional,	os	atos	de	fala 	e	os	marcadores	conversacionais;</p><p>c)	micronível:	analisa	os	elementos	internos	do	ato	de	fala,	que	constituem	sua</p><p>estrutura	sintática,	lexical,	fonológica	e	prosódia.⁷</p><p>Dentre	as	razões	que	justificam	o	estudo	da	conversação,	podemos	apontar:	(i)	é</p><p>a	prática	social	mais	comum	do	ser	humano;	(ii)	desempenha	um	papel</p><p>privilegiado	na	construção	de	identidades	sociais	e	relações	interpessoais;	(iii)</p><p>“exige	uma	enorme	coordenação	de	ações	que	exorbitam	em	muito	a	simples</p><p>habilidade	linguística	dos	falantes”,⁸	(iv)	permite	que	se	abordem	questões</p><p>envolvendo	“a	sistematicidade	da	língua	presente	em	seu	uso	e	a	construção	das</p><p>teorias	para	enfrentar	essas	questões”.</p><p>Quando	estamos	conversando,	estamos	sempre	abordando	um	ou	mais	de	um</p><p>assunto,	um	ou	mais	de	um	tópico	discursivo,¹ 	não	importa	se	os	temas	são</p><p>sérios,	fundamentais	para	a	vida	dos	interlocutores,	para	o	bem-estar	do	país,	do</p><p>mundo	ou	se	estamos	“jogando	conversa	fora”.	O	importante	é	a	existência	de</p><p>algo	e	sobre	o	qual	duas	pessoas,	pelo	menos,	estão	conversando.	O	tópico</p><p>discursivo	pode	ser	definido	como	uma	atividade	em	que	há	uma	certa</p><p>correspondência	de	objetivos	entre	os	interlocutores	(Fávero,	1992)	e	em	que	há</p><p>um	movimento	dinâmico	da	estrutura	conversacional	(Jubran	et	al.,	1992),</p><p>fazendo	com	que	o	tópico	seja	um	elemento	fundamental	na	constituição	do</p><p>texto	oral.	A	organização	tópica	compreende	duas	propriedades	básicas,	que	são</p><p>a	centração	e	a	organicidade.	A	primeira	propriedade	diz	respeito	ao	conteúdo,</p><p>ou	seja,	diz	respeito	ao	falar-se	sobre	alguma	coisa,	enquanto	a	segunda	se	refere</p><p>às	relações	de	interdependência	que	são	estabelecidas	entre	os	tópicos	de	uma</p><p>conversação.</p><p>A	conversa	espontânea	se	constrói	a	cada	intervenção	dos	interlocutores,	ou	seja,</p><p>a	elaboração	e	a	produção	ocorrem,	simultaneamente,	no	mesmo	eixo	temporal.</p><p>É	uma	atividade	coprodutiva,	que	“nunca	se	pode	prever	com	exatidão	em	que</p><p>sentido	o	parceiro	vai	orientar	a	sua	intervenção”,¹¹	o	que	não	significa	que	sua</p><p>organização	seja	caótica	ou	aleatória.	As	contribuições	dos	falantes	devem</p><p>demonstrar,	de	alguma	forma,	uma	relação	com	o	curso	da	conversa,	pois	a</p><p>conversação	é	uma	atividade	semântica,	ou	seja,	um	processo	de	produção	de</p><p>sentidos,	altamente	estruturado	e	funcionalmente	motivado.</p><p>Durante	uma	conversação,	recorremos	frequentemente	a	enunciados	do	tipo</p><p>“isso	me	lembra”,	“por	falar	em”,	“agora”,	“mudando	de	assunto”,	“voltando	ao</p><p>assunto”	para	sinalizar	que	estamos	compartilhando	cognitivamente	da</p><p>interação.	Ainda	empregamos	enunciados	do	tipo	“desculpe	interromper	a</p><p>conversa	de	vocês,	mas...”	quando	nos	inserimos	em	interações	de	que	não</p><p>somos	participantes.	Marcuschi	(1998a)	destaca	que	“uma	conversação	fluente	é</p><p>aquela	em	que	a	passagem	de	um	tópico	a	outro	se	dá	com	naturalidade,	mas	é</p><p>muito	comum	que	a	passagem	de	um	tópico	a	outro	seja	marcada”.¹²	A</p><p>determinação	e	a	extensão	de	um	tópico	discursivo	depende	da	anuência	mútua</p><p>dos	interlocutores.	A	estrutura	tópica	serve,	portanto,	como	“fio	condutor	de</p><p>organização	discursiva”,	constituindo	um	traço	fundamental	para	“definir	os</p><p>processos	de	entrosamento	e	colaboração	entre	os	falantes	na	determinação	dos</p><p>núcleos	comuns”	e	para	“demonstrar	a	forma	dinâmica	pela	qual	a	conversação</p><p>se	estrutura”.¹³	Há	uma	linearidade	na	construção	do	tópico	discursivo,	que</p><p>garante	a	organicidade	da	interação,	pois	“o	conjunto	de	relevâncias	em	foco	em</p><p>dado	momento	vai,	paulatinamente,	cedendo	lugar	a	outros	conjuntos	de</p><p>relevâncias,	ligadas	a	aspectos	antes	marginais	do	tópico	em	desenvolvimento	ou</p><p>a	novos	conjuntos	de	mencionáveis	que	vão	sendo	introduzidos	a	partir	dos	já</p><p>existentes”.¹⁴	Observando	os	segmentos	(1)	e	(2)	a	seguir,	conclui-se	que	há</p><p>conversações	em	cada	um	deles	e	que	há	um	tópico	sobre	o	qual	se	constrói	a</p><p>interação.	No	segmento	(1),	dois	interlocutores	(Dora	e	Josué)	discutem	sobre</p><p>uma	viagem	a	ser	realizada	(tópico	discursivo)	e	no	segmento	(2),	os	três</p><p>interlocutores	[duas	mulheres	(M33	e	M34)	e	um	homem	(H28)]	discutem	sobre</p><p>o	comportamento	feminista-machista	de	M34	(tópico	discursivo).</p><p>No	que	diz	respeito	às	condições	de	produção,	é	clara	a	distinção	entre	as</p><p>interações.	Em	(1),	fragmento	do	roteiro	do	filme	Central	do	Brasil	(1998),	os</p><p>interlocutores	seguem	um	planejamento	discursivo	previamente	elaborado,	assim</p><p>como	acontece	nas	novelas,	nas	peças	de	teatro,	por	exemplo.	Esse	tipo	de</p><p>interação	simboliza	a	conversação	artificial.	Já	em	(2),	fragmento	de	uma</p><p>conversa	informal	entre	pessoas	conhecidas,	é	possível	perceber	que	a	interação</p><p>se	dá	de	forma	natural	e	informal,	tendo	em	vista	que	é	relativamente	não</p><p>planejada,	ou	seja,	a	construção	da	interação	vai	sendo	“planejada	e	replanejada</p><p>a	cada	novo	‘lance’	do	jogo	da	linguagem”.¹⁵	O	planejamento	ocorre	no</p><p>momento	da	interação,	ou	seja,	a	conversação	é	localmente	planejada.	Os</p><p>interlocutores	constroem	conjuntamente	a	interação,	caracterizando	a</p><p>conversação	como	uma	atividade	coprodutiva,	tendo	em	vista	que	eles	estão</p><p>empenhados	na	produção	do	texto	falado.	É	claro	que	em	Central	do	Brasil	os</p><p>personagens	também	estão	envolvidos	na	construção	de	sentido	da	interação,</p><p>porém	se	trata	de	uma	simulação	das	interações	reais,	naturais,	entre	os</p><p>indivíduos	na	sociedade	em	que	estão	inseridos.	O	objeto	de	estudo	da	AC	é</p><p>justamente	a	conversação	natural,	ou	seja,	aquelas	que	são	produzidas	em</p><p>situações	naturais.</p><p>É	importante	destacar	que	a	conversação	natural	apresenta	variedades	no	grau	de</p><p>formalidade.	Estabelecendo	uma	gradação	do	informal	para	o	formal,	podemos</p><p>observar	que	há	conversações	mais	informais,	como	as	conversas	espontâneas,</p><p>por	exemplo,	ao	lado	de	outras	bem	mais	formais,	como	as	conferências</p><p>acadêmicas.	Ao	abordar	as	diferenças	entre	fala	e	escrita,	Marcuschi	(1995)</p><p>assegura	que	essas	diferenças	se	dão	dentro	do	“continuum	tipológico	das</p><p>práticas	sociais	de	produção	textual	e	não	na	relação	dicotômica	de	dois	pólos</p><p>opostos”,¹ 	pois	as	estratégias	de	formulação	textual	que	determinam	o	contínuo</p><p>apresentam	variações	estruturais,	léxicas	e	sintáticas,	entre	outras,	que	são</p><p>responsáveis	pelas	semelhanças	e	diferenças	entre	fala	e	escrita.</p><p>2.	DADOS	ORAIS:	COMO	TRATÁ-LOS?</p><p>Antes	de	prosseguirmos	com	a	apresentação	e	análise	de	segmentos	de	textos</p><p>conversacionais,	faz-se	necessário	comentarmos	sobre	o	sistema	de	transcrição</p><p>empregado	nas	transcrições	dos	dados	orais.	Como	o	corpus	da	AC	deve	ser</p><p>constituído	por	conversações	produzidas	em	situações	naturais,	é	necessário	que</p><p>tais	conversações	sejam	gravadas	ou	filmadas,	para	que	o	analista,	após	a	sua</p><p>transcrição	e	observação,	possa	comprovar	suas	análises.	Essa	transcrição	deve</p><p>ser	a	mais	fiel	possível,	pois	“a	análise	tem	de	se	concentrar	necessariamente	na</p><p>produção	dos	interlocutores	e	nunca	em	interpretações	e	adaptações	do</p><p>pesquisador.	Nesse	sentido,	por	exemplo,	representaria	um	grave	equívoco	que	o</p><p>pesquisador	completasse,	com	base	em	sua	interpretação,	um	enunciado</p><p>incompleto	ou	incompreensível	da	gravação	ou	da	transcrição,	e	submetesse	essa</p><p>versão	à	análise”.¹⁷</p><p>No	livro	Análise	da	conversação,	mencionado	anteriormente,	é	apresentado,	no</p><p>capítulo	2,	um	sistema	de	transcrição	para	textos	falados.	Uma	das	observações</p><p>feitas	por	Marcuschi	(1986)	diz	respeito	ao	fato	de	“não	existir	a	melhor</p><p>transcrição”.¹⁸	De	acordo	com	os	objetivos	da	pesquisa,	o	analista	faz	a</p><p>transcrição	assinalando	o	que	é	fundamental	para	suas	análises.	É	necessário,	no</p><p>entanto,</p><p>que	a	transcrição	seja	legível	e	sem	sobrecarga	de	símbolos</p><p>complicados.	No	geral,	as	normas	para	transcrição	têm	seguido	as	orientações	do</p><p>Projeto	de	Estudo	Coordenado	da	Norma	Urbana	Linguística	Culta	(Projeto</p><p>NURC).	Essas	normas	estão	sintetizadas	no	Quadro	3.1.</p><p>Quadro	2.1</p><p>Normas	para	transcrição</p><p>Ocorrências Sinais</p><p>1.	Indicação	dos	falantes os	falantes	devem	ser	indicados	em	linha,	com	letras	ou	alguma	sigla	convencional</p><p>2.	Pausas ...</p><p>3.	Ênfase MAIÚSCULAS</p><p>4.	Alongamento	de	vogal :	(pequeno)	::	(médio)	:::	(grande)</p><p>5.	Silabação -</p><p>6.	Interrogação ?</p><p>7.	Segmentos	incompreensíveis	ou	ininteligíveis (	)	(ininteligível)</p><p>8.	Truncamento	de	palavras	ou	desvio	sintático /</p><p>9.	Comentário	do	transcritor ((	))</p><p>10.	Citações “	”</p><p>11.	Superposição	de	vozes [</p><p>12.	Simultaneidade	de	vozes [[</p><p>13.	Ortografia</p><p>A	AC	analisa	materiais	empíricos,	orais,	contextuais,	considerando	também	as</p><p>realizações	entonacionais	e	o	uso	de	gestos	ocorridos	durante	o	processamento</p><p>da	conversação.	Expressões	faciais,	entonações	específicas,	um	sorriso,	um	olhar</p><p>ou	um	maneio	de	cabeça	corroboram	com	a	construção	do	sentido	do	enunciado</p><p>linguístico	que	está	sendo	proferido,	ou,	ainda,	podem	substituir	um	enunciado</p><p>linguístico	no	processo	interacional	face	a	face.	As	conversas	espontâneas	que</p><p>construímos	cotidianamente	estão	repletas	dessa	mistura	do	verbal	e	do	não</p><p>verbal.	Steinberg	(1988)	sistematiza	os	recursos	não	verbais	normalmente</p><p>empregados	pelos	falantes	de	uma	dada	língua	numa	conversa	em:</p><p>a)	paralinguagem:	sons	emitidos	pelo	aparelho	fonador,	mas	que	não	fazem	parte</p><p>do	sistema	sonoro	da	língua	usada;</p><p>b)	cinésica:	movimentos	do	corpo	como	gestos,	postura,	expressão	facial,	olhar	e</p><p>riso;</p><p>c)	proxêmica:	a	distância	mantida	entre	os	interlocutores;</p><p>d)	tacêsica:	o	uso	de	toques	durante	a	interação;</p><p>e)	silêncio:	a	ausência	de	construções	linguísticas	e	de	recursos	da</p><p>paralinguagem.¹</p><p>Steinberg	(1988)	diz	que	a	paralinguagem	é	“uma	espécie	de	modificação	do</p><p>aparelho	fonador,	ou	mesmo	a	ausência	de	atividade	desse	aparelho,	incluindo</p><p>nesse	âmbito	todos	os	sons	e	ruídos	não	linguísticos,	tais	como	assobios,	sons</p><p>onomatopaicos,	altura	exagerada”.² 	Quanto	aos	gestos,	os	audíveis	estão	no</p><p>campo	da	paralinguagem,	enquanto	os	visuais	podem	ser	analisados	no	âmbito</p><p>da	cinésica.	Para	Steinberg,	os	atos	paralinguísticos	e	cinésicos	desempenham</p><p>funções	variadas	no	curso	da	interação	e	de	acordo	com	essas	funções	podem	ser</p><p>classificados	como	lexicais	(episódios	não	verbais	com	significado	próprio,</p><p>como	“Shhh”	para	indicar	“fique	quieto”);	descritivos	(“suplementam	o</p><p>significado	do	diálogo	através	dos	ouvidos	e	dos	olhos”);	reforçadores</p><p>(“reforçam	ou	enfatizam	o	ato	verbal”);	embelezadores	(movimenta-se	o	corpo</p><p>todo	para	realçar	a	fala);	e	acidentais	(aqueles	que	ocorrem	por	acaso,	sem	uma</p><p>função	semântica).	Dessa	forma,	a	interação	verbal	se	encontra	estruturada	em</p><p>uma	estrutura	tríplice	—	linguagem,	paralinguagem	e	cinésica²¹	—,	exigindo</p><p>dessa	forma	dos	analistas	da	oralidade	uma	postura	interdisciplinar,	uma	vez	que</p><p>esses	elementos	estruturam	a	sociedade	e	são	por	ela	estruturados.</p><p>Falamos,	portanto,	com	a	voz	e	com	o	corpo.	Por	isso,	o	sistema	de	transcrição</p><p>deve	contemplar	informações	que	assegurem	o	registro	desses	aspectos.	Para</p><p>exemplificar	o	que	estamos	afirmando,	vejamos	alguns	fragmentos	de	conversas</p><p>espontâneas,	examinando	a	inter-relação	entre	atos	linguísticos,	paralinguísticos</p><p>e	cinésicos	e	verificando	algumas	sequências	em	que	esses	atos	coocorrem.	Os</p><p>exemplos	de	(3)	a	(6)	foram	extraídos	de	Dionísio	(1998)	e	nos	mostram	como</p><p>são	construídas	indicações	de	pessoas,	de	objetos,	de	paisagens	presentes	no</p><p>momento	da	interação:</p><p>3.	COMO	A	CONVERSA	SE	ORGANIZA?</p><p>Desde	pequenos	estamos	convivendo	com	uma	regra	básica	da	AC,	pois	os	mais</p><p>velhos	nos	ensinam	que	devemos	falar	um	de	cada	vez.	Esperar	a	vez	para	falar</p><p>significa	esperar	a	ocorrência	de	um	lugar	relevante	para	a	transição	(LRT),	ou</p><p>seja,	esperar	por	marcas	como	pausas,	hesitações,	entonações	descendentes,	uso</p><p>de	marcadores	etc.,	na	fala	do	nosso	interlocutor.	Um	falante	pode	entregar	o</p><p>direito	de	fala	a	um	outro	por	meio	de	sinais	que	deixem	claro	que	ele	terminou</p><p>de	falar	ou	por	meio	de	um	convite	ao	outro	para	falar.	Em	outras	palavras,</p><p>manda	a	regra	que	só	após	a	conclusão	de	sua	“fala”	(de	seu	“turno”),	o	outro</p><p>interlocutor	deve	assumir	a	posição	de	falante.	Mas	basta	pensarmos	num	grupo</p><p>de	pelo	menos	três	amigos,	conversando	entre	si,	durante	um	encontro</p><p>descontraído	ou,	ainda,	nas	salas	de	aula	quando	o	professor	faz	uma	pergunta	à</p><p>turma	e	vários	alunos	respondem	ao	mesmo	tempo,	para	percebermos	que	esta</p><p>regra	não	é	seguida.	Frequentemente,	em	sala	de	aula,	estamos	dizendo	“vocês</p><p>falaram	ao	mesmo	tempo	e	eu	não	entendi	nada”	ou	“um	de	cada	vez”.	Por	outro</p><p>lado,	somos	capazes	de	participarmos	de	uma	interação	com	várias	pessoas	e	nos</p><p>entendermos	perfeitamente.	A	falta	de	organização	nesse	tipo	de	interação	é</p><p>apenas	aparente,	pois	a	harmonia	e	a	organização	nas	conversações	são	muito</p><p>relativas.</p><p>O	primeiro	trabalho	sobre	a	organização	de	turnos	conversacionais	foi	o	de</p><p>Sacks,	Schegloff	e	Jefferson	(1974).	Para	eles,	a	noção	de	turno	engloba	dois</p><p>sentidos:	(i)	o	de	distribuição	de	turno,	ou	seja,	qualquer	locutor	tem	o	direito	de</p><p>tomar	a	palavra	e	(ii)	o	de	unidade	construcional,	isto	é,	a	fala	elaborada	no</p><p>momento	em	que	um	indivíduo	toma	a	palavra	e	se	torna	um	falante.	Com	base</p><p>nesses	princípios,	pode-se	definir	turno	conversacional	como	cada	intervenção</p><p>dos	interlocutores	formada	pelo	menos	por	uma	unidade	construcional.</p><p>Marcuschi	(1986)	concebe	turno	como	“a	produção	de	um	falante	enquanto	ele</p><p>está	com	a	palavra,	incluindo	a	possibilidade	de	silêncio”,	mas	não	considera</p><p>turno	como	“a	produção	do	ouvinte	durante	a	fala	de	alguém,	embora	isto	tenha</p><p>repercussão	sobre	o	que	fala”.²²	No	exemplo	(2),	já	apresentado,	temos	22	turnos</p><p>conversacionais,	distribuídos	entre	os	três	interlocutores.	A	interação	é</p><p>constituída	por	meio	de	uma	relação	simétrica,	ou	seja,	todos	os	falantes</p><p>possuem	o	mesmo	direito	de	fala.	Os	turnos	podem	ser	identificados	de	acordo</p><p>com	os	falantes	no	esquema	a	seguir:</p><p>Os	turnos,	quanto	ao	desenvolvimento	do	tópico	na	sequência	conversacional,</p><p>podem	ser	nucleares	e	inseridos.	Os	nucleares	contribuem	substancialmente	para</p><p>o	desenvolvimento	do	tópico	discursivo,	pois	exigem	que	as	intervenções</p><p>subsequentes	estejam	relacionadas	com	o	turno	anterior.	No	exemplo	(2),	os</p><p>turnos	02,	03,	07,	08,	11,	12,	13,	14,	15,	17,	18,	19,	20	e	21	são	nucleares	porque</p><p>estão	dando	andamento	ao	tópico	(comportamento	feminista-machista	de	M34),</p><p>enquanto	os	turnos	04,	05,	06,	09,	10	e	16	são	turnos	inseridos	por	serem</p><p>produções	marginais	em	relação	ao	desenvolvimento	tópico	da	conversa,	apesar</p><p>de	colaborarem	para	esse	desenvolvimento,	exercendo	sempre	uma	função</p><p>meramente	interacional.</p><p>Dependendo	do	papel	desempenhado	por	cada	inserção	no	desenrolar	da</p><p>conversa,	os	turnos	inseridos	podem	ser	classificados	como	turno	de</p><p>esclarecimento,	turno	de	avaliação,	turno	de	concordância,	turno	de</p><p>discordância,	entre	outros.	Observando	os	exemplos	(2)	e	(7),	podemos	constatar</p><p>que	os	turnos	inseridos	também	sofrem	a	influência	do	tipo	de	interação,	pois	no</p><p>exemplo	(2),	por	se	tratar	de	uma	conversa	espontânea,	os	interlocutores</p><p>procuram	marcar	suas	posições	não	só	por	meio	de	concordâncias	(turnos	04,</p><p>05),	mas	também	de	discordâncias	(turnos	06,	16),	por	exemplo.	Já	no	exemplo</p><p>(7)	a	seguir,	por	se	tratar	de	uma	entrevista,	a	postura	da	documentadora	é</p><p>predominantemente	de	concordâncias,	com	apenas	uma	realização	de</p><p>esclarecimento,	com	a	função	de	testagem	das	informações	dadas.	A	transcrição</p><p>a	seguir	comprova	essa	classificação:</p><p>Outro	aspecto	relevante	na	organização	das	conversas	é	o	fato	de	ser	constituída</p><p>pelas	estratégias	de	gestão	de	turno	que	dizem	respeito	à	troca	de	falantes,</p><p>através	de	passagem	de	turno	e	de	assalto	ao	turno,	e	à	sustentação	da	fala.	No</p><p>primeiro	caso,	“a	troca	de	falantes	se	processa	segundo	a	presença	(passagem)</p><p>ou	ausência</p><p>(assalto)	de	pistas	de	LRT”.²³	Essa	troca	de	turno	pode	ser	requerida</p><p>pelo	falante,	quando	este	entrega	o	turno	de	forma	explícita,	ou	ainda	pode	ser</p><p>consentida,	isto	é,	quando	a	entrega	é	implícita.	Já	os	assaltos	ao	turno</p><p>constituem	uma	espécie	de	violação	de	uma	regra	básica	da	conversa,	que	é	falar</p><p>um	de	cada	vez.	Assim,	os	autores	concebem	essa	questão	da	seguinte	forma:</p><p>“no	assalto,	um	dos	interlocutores	invade	o	turno	do	outro,	sem	que	a	sua</p><p>intervenção	tenha	sido	solicitada	ou	consentida;	em	termos	funcionais,	verifica-</p><p>se	que	a	transição	de	um	turno	a	outro	ocorre	sem	que	haja	pistas	de	LRT.	O</p><p>assalto	pode	ocorrer	com	ou	sem	deixa”.²⁴	O	tipo	de	assalto	com	deixa	é	aquele</p><p>que	se	dá	durante	hesitações,	alongamentos,	entonação	descendente,	pausas</p><p>realizadas	pelo	falante	que	possui	o	turno.	O	assalto	sem	deixa	caracteriza-se	por</p><p>intervenções	bruscas,	provocando	sobreposição	de	vozes.	Para	Marcuschi</p><p>(1986),	a	ocorrência	de	sobreposições	e	de	falas	simultâneas	pode	provocar	um</p><p>“colapso”	na	interação.	Talvez	seja	esse	conhecimento	prévio	sobre	o</p><p>funcionamento	da	estrutura	da	interação	que	faz	com	que	um	dos	interlocutores</p><p>em	sobreposição	desista	do	turno	e	deixe	o	outro	assumi-lo,	como	se	verifica	no</p><p>exemplo	(2),	nas	linhas	13	e	14:</p><p>Retomando	do	exemplo	(2),	no	trecho	das	linhas	16	a	33,	constatamos	quatro</p><p>ocorrências	de	troca	de	falantes,	decorrentes	de	assalto	ao	turno.	Nas	linhas	19	e</p><p>20,	M33	assalta	o	turno	de	H28,	durante	uma	pausa,	e	nas	linhas	23	e	24	o</p><p>assalto	se	dá	durante	a	realização	provável	de	um	sinal	prosódico,	o	que</p><p>caracteriza	em	ambos	os	casos	um	assalto	com	deixa.	Já	nas	demais	ocorrências</p><p>de	assalto	ao	turno	(linhas	25	e	26,	29	e	30),	as	tomadas	se	dão	de	forma	mais</p><p>brusca,	tendo	em	vista	que	não	há	pistas	de	LRT,	caracterizando	o	assalto	sem</p><p>deixa.</p><p>Nos	contextos	de	assalto	com	deixa,	podem	ser	geradas	as	seguintes	situações:</p><p>(i)	o	interlocutor	assaltado	abandona	o	turno	e	o	interlocutor	assaltante	fica	com</p><p>o	turno,	como	em	(7),	quando	a	informante	assaltou	o	turno	da	documentadora</p><p>durante	um	alongamento:</p><p>(ii)	o	interlocutor	assaltado	não	abandona	o	turno	e	continua	a	comandar	a</p><p>interação,	como	em	(5),	pois	P01	em	sobreposição	ao	turno	de	H05,	durante	uma</p><p>pausa,	faz	uma	solicitação	de	esclarecimento,	mas	H05	se	mantém	no	turno	e</p><p>ignora	a	intervenção	de	sua	interlocutora:</p><p>(iii)	o	interlocutor	assaltado	perde	o	turno,	mas	o	recupera	em	seguida,	como	no</p><p>exemplo	(2),	já	que	H28	não	permite	que	M33	se	mantenha	com	o	turno	de	que</p><p>ela	tentou	tomar	posse:</p><p>A	segunda	estratégia	de	gestão	de	turnos	—	a	sustentação	da	fala	—	é,	na</p><p>realidade,	uma	tentativa	empregada	pelo	falante	para	garantir	a	posse	do	turno,</p><p>assinalando	à	sua	audiência	o	desejo	de	manter-se	na	conduta	do	diálogo.	Para</p><p>isso,	recorre	aos	marcadores	conversacionais,	aos	alongamentos,	às	repetições	e</p><p>à	elevação	da	voz.	Ainda	no	exemplo	(2),	podemos	verificar	que	no	turno	17,</p><p>linhas	21-23,	H28	realiza	quatro	pausas	e	usa	um	marcador	conversacional</p><p>(“veja	bem”)	para	assegurar	seu	turno,	enquanto	no	turno	20,	linhas	28-29,	por</p><p>exemplo,	a	falante	M33	mantém	seu	direito	de	fala	recorrendo	a	pausas	e</p><p>alongamento	de	vogal	(é:).</p><p>No	caso	das	entrevistas	formais,	a	exemplo	das	realizadas	pelo	NURC,	apesar	de</p><p>consistir	num	evento	conversacional,	que	apresenta	uma	estrutura	básica</p><p>pergunta	e	resposta,	unidade	mínima	dialógica,	semelhante	à	da	conversa</p><p>espontânea,	a	elaboração	do	turno	conversacional	apresenta	uma	distinção	nítida:</p><p>os	turnos	que	correspondem	às	respostas	tendem	a	ser	longos	e	não	sofrem</p><p>intervenção	do	interlocutor	no	sentido	de	tomar	o	turno.	No	exemplo	(8),	o	turno</p><p>do	documentador	contém	20	palavras,	enquanto	o	do	informante	tem	313.</p><p>Apesar	das	pausas,	dos	truncamentos,	das	hesitações,	dos	alongamentos,	ou	seja,</p><p>das	várias	deixas,	o	documentador	não	toma	o	turno,	pois	o	seu	papel	era</p><p>meramente	conduzir	a	interação,	numa	relação	assimétrica.</p><p>Nem	sempre,	porém,	é	essa	a	estrutura	da	entrevista,	pois,	dependendo	do</p><p>processo	de	interação	instaurado	entre	os	interlocutores,	tal	estrutura	pode</p><p>consistir	numa	estratégia	de	perguntas	e	respostas,	com	turnos	cujas	dimensões</p><p>estejam	mais	próximas	da	conversa	espontânea.	No	exemplo	(9),	que	se	encontra</p><p>a	seguir,	trecho	de	uma	entrevista	com	uma	empregada	doméstica,	percebe-se</p><p>que	a	entrevistada	(S)	limita-se	a	responder	exatamente	o	que	lhe	é	perguntado,</p><p>com	frases	curtas,	sem	demonstrar	interesse	em	desenvolver	mais</p><p>exaustivamente	a	pergunta	que	lhe	foi	endereçada.	A	exceção	dessa	postura	se</p><p>encontra	nas	linhas	de	08	a	14,	quando	a	entrevistada	procura	esclarecer	sobre	o</p><p>tempo	em	que	ela	acompanha	as	crianças.	No	entanto,	a	postura	assimétrica</p><p>permanece,	pois	o	tópico	discursivo	é	proposto	pela	entrevistadora	(I),	que</p><p>conduz	a	interação,	sem	permitir	que	haja	um	desvio	do	tema	da	entrevista.</p><p>4.	COMO	SE	ORGANIZAM	AS	SEQUÊNCIAS	NA	CONVERSAÇÃO?</p><p>Pergunta	(P)	e	resposta	(R)	compõem	a	unidade	fundamental	da	organização</p><p>conversacional,	ou	par	adjacente,	na	terminologia	de	Sacks,	Schegloff	e</p><p>Jefferson.²⁵	Mas	este	par	adjacente	pode	ter	“várias	formas	de	realização;	a	P</p><p>pode	ser	na	forma	interrogativa	direta,	mais	comum,	ou	na	indireta”,	e	as</p><p>respostas	também	podem	“ser	na	interrogativa”.² 	Urbano	et	al.	(1993)</p><p>abordam	essencialmente	dois	tipos	de	perguntas:	perguntas	fechadas	(sim/não)</p><p>e	perguntas	abertas	(sobre	algo).	O	primeiro	tipo	caracteriza-se	como	um</p><p>enunciado,	que	conduz	para	uma	resposta	que,	em	princípio,	se	constitui	de	um</p><p>sim	ou	de	um	não.	A	repetição	de	verbo	da	pergunta,	o	uso	de	back-channel,	o</p><p>uso	de	certos	advérbios	e	o	emprego	do	verbo	topicalizado	em	negativas	são</p><p>alguns	recursos	que	substituem	o	sim/não	nesse	tipo	de	pergunta.	As	perguntas</p><p>fechadas	têm	carga	semântica	e	as	respostas	consistem	apenas	numa</p><p>confirmação	ou	não	do	que	foi	questionado.	O	segundo	tipo,	as	perguntas</p><p>abertas,	contêm	marcadores	interrogativos	e	as	respostas	devem	estar</p><p>compatíveis	com	a	circunstância	expressa	no	marcador.	Esses	autores	lembram</p><p>ainda	que,	ao	se	realizar	um	conjunto	de	perguntas	simbolizando	um	todo,	a</p><p>tendência	é	a	elaboração	de	respostas	truncadas,	de	respostas	à	última	pergunta</p><p>ou	numa	ordem	preferencial	do	interlocutor.	Apresentaremos	um	fragmento	de</p><p>uma	entrevista	que	tinha	por	objetivo	verificar	como	homens	e	mulheres</p><p>caracterizam	a	própria	fala	e	a	fala	do	outro:</p><p>Analisando	o	exemplo	(10),	podemos	observar	que	as	perguntas	abertas	são</p><p>introduzidas	pelos	pronomes	como,	o	que,	que,	por	que,	alguma	e	o	advérbio	de</p><p>tempo	quando,	que	tendem	a	orientar	o	discurso	informante	quanto	à</p><p>autodescrição	da	fala.	Das	quatro	ocorrências	de	perguntas	fechadas,	verificamos</p><p>que	as	duas	primeiras	têm	uma	função	meramente	interacional,	pois	parecem</p><p>desnecessárias	do	ponto	de	vista	informacional,	já	que	as	respostas	dadas	às</p><p>perguntas	abertas	que	as	antecedem	são	claras	e	objetivas.	A	hipótese	da	função</p><p>interacional	justifica-se,	por	um	lado,	pelo	término	do	turno	do	entrevistado,</p><p>demonstrando	que	não	deseja	prolongar	sua	resposta	e,	por	outro	lado,	pela</p><p>insegurança	da	entrevistadora	em	conduzir	a	interação,	ao	parafrasear	as</p><p>respostas	do	informante.</p><p>5.	É	BOM	FALAR	SOBRE	MARCADORES	CONVERSACIONAIS,	NÃO	É?</p><p>Observando	as	conversações	apresentadas	neste	capítulo,	podemos	perceber	a</p><p>ocorrência	de	alguns	recursos	que	são	traços	característicos	da	fala,	como	em</p><p>(7),	por	exemplo,	em	que	a	informante	finaliza	seus	turnos	com	o	emprego	de</p><p>“não	é?”,	“entendeu?”,	procurando	interagir	com	sua	interlocutora.	Esta,	por	sua</p><p>vez,	participa	da	conversação	empregando	expressões	não	lexicalizadas</p><p>(“uhrum”)	e	expressões	estereotipadas	sinalizadoras	de	convergência	(“é	exato”,</p><p>“sim”,	“certo”).	Esses	recursos	são	chamados	de	marcadores	conversacionais</p><p>(MC).</p><p>Como	o	texto	oral	é	planejado	e	verbalizado	ao	mesmo	tempo,	os	interlocutores</p><p>podem	empregar	MCs	em	qualquer	ponto	da	interação,	desempenhando	funções</p><p>conversacionais	e	sintáticas.	Os	falantes	podem	inserir	MCs	no	início,	no	meio</p><p>ou	no	fim	de	turnos	ou	de	unidades	comunicativas	(UC).	São	denominadas	de</p><p>unidades</p><p>comunicativas	as	porções	informacionais,	ou	seja,	os	enunciados</p><p>conversacionais,	que	coincidem	ou	não	com	turnos,	orações	ou	atos	de	fala.</p><p>Segundo	Marcuschi	(1989),	“tal	como	a	frase	na	escrita,	a	UC	no	texto	oral	é	um</p><p>ponto	de	referência	dos	mais	diversos	fenômenos	linguísticos”.²⁷</p><p>No	exemplo	(2),	o	falante	H28,	no	turno	17,	emprega	dois	MCs:	“veja	bem”	no</p><p>início	da	UC	—	“veja	bem...	você	acha	assim	o	machismo	do	homem...”	—	e	“tá</p><p>entendendo?”	no	final	do	seu	turno,	que	também	coincide	com	o	término	da	UC</p><p>—	“você	acha	assim	o	machismo	do	homem...	mas	você	tem	que	analisar	assim</p><p>a	mulher	pode	ser	machista	pelo	lado	dela	tá	entendendo?”.</p><p>Com	funções	conversacionais,	os	MCs	são	produzidos	pelos	falantes	(aqueles</p><p>que	servem	para	dar	tempo	à	organização	do	pensamento,	sustentar	o	turno,</p><p>monitorar	o	ouvinte,	corrigir-se,	reorganizar	e	reorientar	o	discurso)	e	pelos</p><p>ouvintes	(aqueles	que	são	produzidos	durante	o	turno	do	falante	e	que	servem</p><p>para	orientar	o	falante	e	monitorá-lo	quanto	à	recepção,	por	meio	de	sinais	de</p><p>convergência,	como	“sim”,	“claro”,	“mhm”,	“ah	sim”;	de	indagação,	como</p><p>“será?”,	“mesmo?”,	“o	quê?”,	“é?”;	e	de	divergência,	como	“duvido”,	“não”,</p><p>“peraí”,	“calma”).</p><p>Os	interlocutores	podem	recorrer	a	marcadores	conversacionais	linguísticos</p><p>(verbais	e	prosódicos)	e	paralinguísticos	(não	verbais).	Os	MCs	verbais,</p><p>conjunto	de	partículas,	palavras,	sintagmas,	expressões	estereotipadas	e	orações</p><p>ou	ainda	expressões	não	lexicadas	(“ahã”,	“uhrum”,	“ué”)	“não	contribuem</p><p>propriamente	com	informações	novas	para	o	desenvolvimento	do	tópico,	mas</p><p>situam-no	no	contexto	geral,	particular	ou	pessoal	da	conversação”.²⁸	Os	MCs</p><p>prosódicos	(chamados	também	de	suprassegmentais),	apesar	de	sua	natureza</p><p>linguística,	são	de	caráter	não	verbal	(os	contornos	entonacionais,	as	pausas,	o</p><p>tom	de	voz,	o	ritmo,	a	velocidade,	os	alongamentos	de	vogais	etc.).	Dentre	eles</p><p>se	destacam	as	pausas	e	o	tom	de	voz	como	sendo	os	mais	importantes	para	as</p><p>análises	das	conversações.	Já	os	MCs	paralinguísticos	ou	não	verbais</p><p>estabelecem,	mantêm	e	regulam	a	interação,	por	meio	de	risos,	olhares,	gestos,</p><p>meneios	de	cabeça.</p><p>Quanto	às	formas	em	que	se	apresentam	os	MCs	linguísticos,	eles	podem	ser</p><p>divididos	em	quatro	grupos:</p><p>(i)	MCs	simples:	realizam-se	com	um	só	item	lexical	(“mas”,	“éh”,	“olha”,</p><p>“exatamente”,	“agora”,	“aí”,	“então”	etc.);</p><p>(ii)	MCs	compostos:	realizam-se	como	sintagmas,	geralmente	estereotipados</p><p>(“sim	mas”,	“bom	mas	aí”,	“e	então”,	“tudo	bem	mas”	etc.);</p><p>(iii)	MCs	oracionais:	realizam-se	como	pequenas	orações	(“eu	acho	que”,	“não</p><p>mas	sabe”,	“sim	mas	me	diga”,	“então	eu	acho	que”,	“porque	eu	acho	que”	etc.);</p><p>(iv)	MCs	prosódicos:	realizam-se	como	recursos	prosódicos	(entonação,	pausa,</p><p>hesitação,	tom	de	voz)	e	geralmente	acompanhados	por	algum	MC	verbal.</p><p>6.	COMO	SE	CONSTRÓI	A	COMPREENSÃO	NO	TEXTO	FALADO?</p><p>De	acordo	com	Marcuschi	(1998b),	“admite-se,	hoje,	que	a	compreensão,	na</p><p>interação	verbal	face	a	face,	resulta	de	um	projeto	conjunto	de	interlocutores	em</p><p>atividades	colaborativas	e	coordenadas	de	coprodução	de	sentido	e	não	de	uma</p><p>simples	interpretação	semântica	de	enunciados	proferidos”.² 	É	importante</p><p>salientar	que	colaboração	não	implica	consenso	ou	concordância,	mas	apenas	a</p><p>realização	de	ações	coordenadas.³ 	Quando	dois	ou	mais	indivíduos	participam</p><p>de	uma	conversação,	eles	estão	coordenando	conteúdos	e	ações,	ou	seja,	os</p><p>interlocutores	fazem	um	esforço	mútuo	para	construir	sentido,	isto	é,	para</p><p>construir	um	texto	coerente.	O	sucesso	de	uma	interação	face	a	face	está,</p><p>portanto,	atrelado	ao	processo	interacional	estabelecido	entre	os	participantes,</p><p>uma	vez	que	esses	se	envolvem	e	refletem	esse	envolvimento	num	esforço</p><p>coletivo,	buscando	a	construção	de	sentidos.	O	exemplo	(2)	exemplifica</p><p>claramente	a	distinção	entre	colaboração	e	concordância.	Os	três	interlocutores</p><p>realizam	ações	colaborativas	durante	toda	a	interação,	ou	seja,	todos	estão</p><p>engajados	no	processo	interacional.	No	entanto,	percebe-se	que	não	há	uma</p><p>concordância	entre	eles:	se	há	um	consenso	entre	M33	e	H28,	quanto	ao	fato	de</p><p>considerarem	M34	uma	dominadora,	uma	feminista	machista,	não	há	consenso</p><p>entre	eles	(M33	e	H28)	e	M34,	que	não	concorda	com	as	características	que	lhe</p><p>são	atribuídas.</p><p>Marcuschi	(1998b)	alerta	o	analista	de	interações	verbais	face	a	face	para	o	fato</p><p>de	que	“não	lhe	cabe	apenas	identificar	e	admitir	que	há	compreensão.	Ele	deve</p><p>dar	conta	da	seguinte	questão:	como	é	que	os	participantes	de	uma	interação</p><p>resolvem	suas	estratégias	e	processos	de	compreensão	de	forma	tão</p><p>competente?”.³¹	O	próprio	autor	apresenta	algumas	atividades	de	compreensão</p><p>na	interação	verbal,	a	partir	da	análise	de	materiais	do	corpus	do	NURC-SP.</p><p>Dentre	as	atividades	propostas,	serão	destacadas,	neste	artigo:	a)	a	negociação;</p><p>b)	a	construção	de	um	foco	comum;	c)	a	demonstração	de	(des)interesse	e	(não</p><p>)partilhamento;	d)	a	existência	e	diversidade	de	expectativas	e	as	marcas	de</p><p>atenção.</p><p>6.1.	Estratégia	1:	negociação</p><p>A	negociação	é	“aspecto	central	para	a	produção	de	sentido	na	interação	verbal</p><p>enquanto	projeto	conjunto”.³²	No	exemplo	(11),	citado	a	seguir,	nas	linhas	121	a</p><p>128,	a	troca	do	fonema	/p/	pelo	/t/	provocou	um	estranhamento	quanto	ao	nome</p><p>do	veículo	—	uma	Pampa	—,	já	que	havia	sido	entendido	por	M06	como</p><p>“tampa”.	O	riso	(linhas	127	e	130)	é	resultado	da	inadequação	terminológica,</p><p>pois	o	nome	de	um	objeto	(tampa),	associado	a	um	meio	de	transporte	não</p><p>parece	ser	coerente	para	M06.	M06	procura	checar	a	sua	compreensão	do	termo</p><p>e	M22	colabora	repetindo	o	nome	do	carro,	enfatizando	a	sílaba	que	desfaz	o</p><p>equívoco	(PAMpa).</p><p>Marcuschi	(1998b)	ainda	nos	chama	a	atenção	para	o	fato	de	que	“nem	tudo	é</p><p>negociável.	Por	exemplo,	não	negociamos	crenças	nem	convicções,	o	que	tem</p><p>consequências	por	vezes	relevantes	na	continuidade	de	um	tópico	e	pode	ditar</p><p>sua	‘morte’”.³³	O	exemplo	(12),	fragmento	de	uma	interação	longa,	na	qual	H05</p><p>apresentava	as	linhas	divisórias	do	lote	de	terra	da	sua	família,	demonstra	que	a</p><p>atitude	encontrada	por	H05	foi	abortar	o	tópico,	mediante	a	não	compreensão	de</p><p>P01	sobre	as	áreas	limítrofes.	H05	discorda	severamente	da	conclusão	(linhas</p><p>638-639)	a	que	P01	havia	chegado.	P01	percebe	que	seu	interlocutor	ficou</p><p>ofendido	e	brinca	com	seu	erro	(linha	640).	Tenta	voltar	à	questão	(linha	642),</p><p>mas	H05	muda	de	tópico,	encerrando	o	assunto	(linha	643).	P01	reconhece	que</p><p>não	há	condições	de	consenso	e	aceita	construir	um	novo	tópico	(linha	644).</p><p>6.2.	Estratégia	2:	construção	de	um	foco	comum</p><p>Uma	outra	atividade	de	compreensão	na	interação	verbal	diz	respeito	à</p><p>construção	de	um	foco	comum.	Como	argumenta	Marcuschi,	“numa	interação</p><p>face	a	face,	a	base	do	sucesso	das	trocas	é	a	presença	de	interesses	comuns	e</p><p>referentes	partilhados,	previamente	existentes	ou	construídos	no	processo	de</p><p>interação”.³⁴	Nos	exemplos	(7),	(8),	(9)	e	(10),	que	contêm	trechos	de	entrevistas,</p><p>pode-se	observar	que,	em	(7)	e	(8),	entrevistador	e	entrevistado	entram	em</p><p>sintonia	na	configuração	de	um	foco	comum,	pois	os	tópicos	sugeridos	são</p><p>desenvolvidos	pelos	entrevistados	com	interesse	e	atenção.	Já	em	(9)	e	(10),</p><p>percebe-se	que	os	entrevistadores	têm	um	esforço	maior	para	conduzir	as</p><p>interações,	pois	as	respostas	dos	entrevistados,	apesar	de	se	manterem	no	tópico</p><p>focalizado,	são	mais	sucintas	e	não	revelam	interesse	em	informar	além	do</p><p>mínimo	solicitado	nas	perguntas.</p><p>A	construção	desta	sintonia	referencial³⁵	nem	sempre	é	possível,	exigindo	de	um</p><p>dos	interlocutores	um	árduo	trabalho.	No	exemplo	(12),	é	possível	observar	o</p><p>esforço	de	ambos	os	interlocutores,	buscando	construírem	o	mapa	das	terras	de</p><p>H05.	Apesar	de	os	interlocutores	terem	interesses	comuns	(a	construção	do	mapa</p><p>das	terras	de	H05)	e	de	P01,	durante	a	interação,	demonstrar	concordância	ou</p><p>procurar	checar	suas	dúvidas	quanto	às	informações	dadas	por	H05,	não	foram</p><p>construídos	referentes	partilhados	no	processo	da	interação,	pois	a	pergunta</p><p>“então	eu	posso	dizê	que	a	linha	é	esse	caminho?	[não?”	(linha	637)	revela	a</p><p>falta	de	sintonia	referencial.</p><p>6.3.	Estratégia	3:	demonstração</p><p>de	(des)interesse	e	(não-)partilhamento</p><p>A	terceira	atividade	de	compreensão	apresentada	por	Marcuschi	(1998b)	é	a</p><p>demonstração	de	(des)interesse	e	(não-)partilhamento.	No	exemplo	(5),	verifica-</p><p>se	que	o	não-partilhamento	das	informações	vai	se	desfazendo	na	medida	em	que</p><p>a	interação	progride.	No	exemplo	(10),	o	informante	afirma	que	se	fiscaliza	mais</p><p>ao	falar	quando	está	na	companhia	da	documentadora.	Em	seguida,	ela	pergunta</p><p>o	porquê	dessa	fiscalização	e	ao	mesmo	tempo	propõe	uma	razão:	serem</p><p>professoras	de	língua	portuguesa.	O	argumento	proposto	é	aceito	imediatamente</p><p>por	seu	interlocutor	(linha	22).	Há	entre	os	interlocutores	interesses	comuns	e</p><p>conhecimento	partilhado.	Nem	sempre	os	interlocutores	possuem	os	mesmos</p><p>conhecimentos	ou	possuem	os	mesmos	interesses	sobre	os	tópicos.	Para	ilustrar</p><p>esta	afirmação,	será	apresentado	a	seguir	um	trecho	analisado	por	Marcuschi</p><p>(1998b),	que	exemplifica	uma	situação	típica	de	desinteresse	pelo	tópico	em</p><p>andamento.</p><p>³</p><p>Pode	ser	constatada,	neste	exemplo	(13),	a	construção	de	uma	relação	de	não</p><p>colaboração	tópica.	Os	interlocutores	discorrem	em	faixas	diferentes	(L1	na</p><p>faixa	séria	e	L2	na	faixa	não	séria).	L2	toma	no	sentido	literal	a	analogia	que	L1</p><p>propõe:	“boy	barato”-“rei	do	oeste”	e	provoca	em	L1	uma	reação	de	desagrado</p><p>(linha	675,	“não	tem	oeste	aqui”).	A	resposta	de	L2	revela	que	ele	estava</p><p>entendendo,	apenas	não	tinha	interesse	no	assunto.	Marcuschi	(1998b)	salienta</p><p>que	“trocas	deste	tipo	são	utilizadas	intencionalmente	para	produzir	humor	ou</p><p>então	construir	piadas	ou	chistes,	pois	mostram	interlocutores	jogando	em</p><p>campos	diversos,	sem	sintonia	cognitiva”.³⁷</p><p>6.4.	Estratégia	4:	existência	e	diversidade	de	expectativas</p><p>Um	encontro	entre	pelo	menos	dois	interlocutores	gera	expectativas	muito</p><p>diversificadas,	as	quais	estão	intimamente	relacionadas	ao	contexto,	às</p><p>condições	em	que	o	encontro	ocorre,	ao	conhecimento	partilhado,	às	diferentes</p><p>perspectivas	que	os	interlocutores	possuem.	Em	situações	interativas,	os</p><p>interlocutores	sempre	têm	expectativas	prévias	(às	vezes,	chegamos	até	a	ensaiar</p><p>o	que	vamos	dizer,	como	vamos	dizer,	simulamos	a	resposta	do	nosso</p><p>interlocutor;	e	quase	sempre	esses	ensaios	não	servem	para	nada	no	momento</p><p>real	da	interação).	Por	ter	expectativas	prévias,	o	falante	sempre	procura</p><p>estratégias	para	fazer	com	que	elas	ocorram,	bem	como	fica	atento	à	reação	do</p><p>seu	interlocutor.	A	interação	é,	pois,	um	“jogo	com	regras	dinamicamente</p><p>escolhidas,	por	isso	é	um	jogo	perigoso:	nem	sempre	se	escolhe	a	regra	certa”.³⁸</p><p>Nos	fragmentos	de	entrevistas	dos	exemplos	(8)	e	(10),	verificamos	que,	em	(8),</p><p>documentador	e	informante	parecem	ter	selecionado	bem	as	regras	do	jogo,	já</p><p>que	a	informante	constrói	o	seu	turno	enumerando	as	partes	da	carne	que	ela</p><p>mais	gosta	de	ter	em	casa,	assinalando	no	turno	aquela	de	que	mais	gosta.	Já	no</p><p>exemplo	(10),	o	informante	deixa	transparecer	um	certo	espanto	com	a	pergunta</p><p>da	documentadora,	através	do	emprego	de	uma	interjeição,	seguida	de	uma</p><p>pausa	e	um	riso	nervoso	(linha	02:	“eita...	((ri	demonstrando	nervosismo	)))”.</p><p>6.5.	Estratégia	5:	marcas	de	atenção</p><p>Durante	a	construção	de	uma	conversação,	são	de	importância	fundamental	os</p><p>sinais	enviados	pelos	interlocutores,	pois	dependendo	desta	sinalização	é</p><p>possível	avaliar	se	está	havendo	uma	boa	sincronia	ou	uma	má	sincronia	entre	os</p><p>interlocutores.	A	boa	sincronia	revela	maior	atenção	pelo	tópico	em	andamento	e</p><p>a	má	sincronia	revela	problemas	no	processo	interacional,	que	vão	desde	a	não</p><p>aceitação	do	tópico	até	a	não	compreensão	do	mesmo.	O	uso	de	marcadores</p><p>conversacionais,	o	uso	de	alguns	traços	prosódicos	(entonação,	mudança	de</p><p>altura	de	som,	alongamentos	de	vogais	etc.),	a	realização	de	alguns	gestos,	de</p><p>expressões	faciais	e	de	risos	são	marcas	que	informam	ao	falante	sobre	a</p><p>compreensão	do	que	está	sendo	dito	e	sobre	o	envolvimento	dos	seus</p><p>interlocutores	na	interação.	Observando	alguns	exemplos	analisados	previamente</p><p>neste	artigo,	verificamos	as	marcas	de	sintonia	entre	os	interlocutores,	como	o</p><p>uso	de	marcadores	conversacionais,	nos	exemplos	(5)	e	(7),	de	alongamentos	nos</p><p>exemplos	(10)	e	(12),	e	de	gestos	no	exemplo	(5).	Apesar	do	caráter	sucinto</p><p>dessas	análises,	é	possível	afirmar	que	muito	do	que	se	compreende	numa</p><p>interação	social	resulta	da	relação	construída	entre	os	interlocutores	e	da</p><p>contextualização	da	própria	interação.	Não	se	quer	com	isso	descartar	a</p><p>importância	da	linguagem	verbal,	mas	apenas	salientar	(i)	que	ao	falarmos	não</p><p>nos	utilizamos	apenas	de	uma	diversidade	de	linguagens,	mas	colocamos	em</p><p>conexão	indivíduos,	linguagens,	cultura	e	sociedade	e	que	(ii)	gestos,	expressões</p><p>faciais	e	tons	de	voz	são,	muitas	vezes,	mais	informativos	do	que	construções</p><p>linguísticas,	visto	que	a	“gramática	é	um	veículo	pobre	para	exprimir	os	sutis</p><p>padrões	de	emoção”.³</p><p>7.	E	PARA	ENCERRAR	A	CONVERSA...</p><p>No	Brasil,	a	Análise	da	Conversação	consiste	numa	linha	de	pesquisa	que	vem</p><p>sendo	praticada	sistematicamente	e	conta	com	uma	produção	editorial	que</p><p>abrange	transcrições	de	materiais	do	corpus	do	Projeto	de	Estudo	da	Norma</p><p>Linguística	Urbana	Culta	(NURC);	análises	de	textos	orais	realizadas	por</p><p>pesquisadores	brasileiros	sobre	diversos	temas	da	AC;	gramáticas	de	consulta</p><p>referentes	ao	português	falado,	utilizando	o	corpus	dos	NURCs;	além	de</p><p>dissertações	e	teses	apresentadas	nos	programas	de	pós-graduação	das</p><p>universidades	brasileiras.	Após	a	bibliografia,	o	leitor	poderá	encontrar</p><p>enumeradas	as	publicações	referentes	às	transcrições	de	textos	orais	do	corpus</p><p>do	NURC	e	aos	volumes	referentes	à	gramática	do	português	falado.	Uma	outra</p><p>conversa	que	poderá	ser	iniciada	a	partir	de	agora	será	entre	você	leitor	e	as</p><p>referências	bibliográficas	que	foram	aqui	apresentadas.	Certamente,	muitos</p><p>assuntos	virão	à	tona!</p><p>REFERÊNCIAS</p><p>BRAIT,	B.	O	processo	interacional.	In:	PRETI,	D.	(Org.).	Análise	de	textos</p><p>orais.	São	Paulo:	FFLCH/USP,	1995.	p.	189-214.</p><p>______.	Imagens	da	norma	culta,	interação	e	constituição	do	texto	oral.	In:</p><p>PRETI,	D.	(Org.).	O	discurso	oral	culto.	São	Paulo:	FFLCH/USP,	1997.	p.	45-</p><p>62.</p><p>CASTILHO,	A.	T.	(Org.).	Português	culto	falado	no	Brasil.	Campinas:	Editora</p><p>da	Unicamp,	1989.</p><p>CHAFE.	W.	Linguistic	differences	produced	by	differences	between	speaking</p><p>and	writing.	In:	OLSON,	D.;	TORRANCE,	N.;	HILDYARD,	A.	(Eds.).	Literacy</p><p>language	and	learning:	the	nature	and	consequences	of	reading	and	writing.</p><p>Cambridge:	Cambridge	University	Press,	1985.	p.	5-123.</p><p>CLARK,	Herbert	H.	Using	Language.	Cambridge:	Cambridge	University	Press.</p><p>1996.</p><p>______.	A	língua	falada	no	ensino	de	português.	São	Paulo:	Contexto,	1998.</p><p>DIONÍSIO,	A.	P.	A	interação	em	narrativas	orais.	Dissertação	(Mestrado)	—</p><p>UFPE,	1992.</p><p>______.	A	postura	interacional	do	narrador.	Trabalhos	em	linguística	aplicada,</p><p>Campinas,	n.	23,	p.	11-28,	1994.</p><p>______.	A	narrativa	conversacional	em	sala	de	aula.	Anais	do	I	Encontro</p><p>Nacional	sobre	Língua	Falada	e	o	Ensino.	Maceió,	UFAL,	1995,	p.	292-297.</p><p>______.	Imagens	na	oralidade.	Tese	(Doutorado)	—	UFPE,	1998.</p><p>DIONÍSIO,	A.;	HOFFNAGEL,	J.	Recursos	paralinguísticos	e	suprassegmentais</p><p>nas	narrativas	conversacionais.	In:	MAGALHÃES,	M.	I.	(Org.).	As	múltiplas</p><p>faces	da	linguagem.	Brasília:	Editora	da	UnB,	1996.	p.	503-514.</p><p>EGGINS,	S.;	SLADE,	D.	Analysing	casual	conversation.	London:	Cassell,	1997.</p><p>FÁVERO,	L.	L.	Coesão	e	coerência	textuais.	São	Paulo:	Ática,	1992.</p><p>GALEMBECK,	P.	et	al.	O	turno	conversacional.	In:	PRETI,	D.;	URBANO,	H.	A</p><p>linguagem	falada	culta	na	cidade	de	São	Paulo.	São	Paulo:	T.	A.</p><p>Queiroz/Fapesp,	v.	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Rethinking	linguistic	relativity.</p><p>Cambridge:	Cambridge	University	Press,	1996.	p.	115-129.</p><p>KOCH,	I.	A	inter-ação	pela	linguagem.	São	Paulo:	Contexto,	1992.</p><p>______.	Cognição	e	processamento	textual.	Revista	da	ANPOLL,	n.	2,	p.	35-44,</p><p>1996.</p><p>______.	O	texto	e	a	construção	dos	sentidos.	São	Paulo:	Contexto,	1997.</p><p>KOCH,	I.;	BARROS,	K.	(Orgs.).	Tópicos	em	linguística	de	texto	e	análise	da</p><p>conversação.	Natal:	EDUFRN,	1997.</p><p>MARCUSCHI,	L.	A.	Análise	da	conversação.	São	Paulo:	Ática,	1986.</p><p>______.	Marcadores	conversacionais	no	português	brasileiro:	formas,	posições	e</p><p>funções.	In:	CASTILHO,	A.	T.	(Org.).	Português	culto	falado	no	Brasil.</p><p>Campinas:	Editora	da	Unicamp,	1989.	p.	281-321.</p><p>______.	Sistema	mínimo	de	notações	reelaborado	para	as	transcrições	do	projeto</p><p>sobre	a	hesitação	na	língua	falada.	Recife,	1993.	(Mimeo.)</p><p>______.	Oralidade	e	escrita.	Conferência	pronunciada	no	II	Colóquio	Franco-</p><p>Brasileiro	sobre	Educação.	Natal,	UFRN,	26-28	de	junho	de	1995.</p><p>______.	Citação	de	fala	na	interação	verbal	como	fala	idealizada.	Actas	del	I</p><p>Coloquio	Latinoamericano	de	Analistas	del	Discurso.	Caracas,	Universidad</p><p>Central	de	Venezuela,	1997,	p.	187-202.</p><p>______.	Perspectivas	dos	estudos	em	interação	social	na	Linguística	brasileira</p><p>dos	anos	90.	Recife,	1998a.	(Mimeo.)</p><p>______.	Atividades	de	compreensão	na	interação	verbal.	In:	PRETI,	D.	(Org.).</p><p>Variações	e	confrontos.	São	Paulo:	FFLCH/USP,	1998b.	p.	15-45.</p><p>MILANEZ.	W.	Pedagogia	do	oral:	condições	e	perspectivas	para	sua	aplicação</p><p>no	português.	Campinas:	Sama,	1993.</p><p>OCHS,	E.	Narrative.	In:	DIJK,	T.	van	(Ed.).	Discourse	as	structure	and	process.</p><p>Discourse	Studies.	a	multidisciplinary	introduction.	London:	Sage,	v.	1,	p.	185-</p><p>207,	1997.</p><p>POLANYI,	L.	Conversational	storytelling.	In:	DIJK,	T.	van	(Ed.).	Handbook	of</p><p>discourse	analysis.	London:	Academic	Press,	v.	3,	p.	183-201,	1985.</p><p>PRETI,	D.	(Org.).	Análise	de	textos	orais.	São	Paulo:	FFLCH/USP,	1993.</p><p>______	(Org.).	O	discurso	oral	culto.	São	Paulo:	FFLCH/USP,	1997.</p><p>______	(Org.).	Variações	e	confrontos.	São	Paulo:	FFLCH/USP,	1998.</p><p>SACKS;	SCHEGLOFF;	JEFFERSON.	A	simplest	systematics	for	the</p><p>organization	of	turn-taking	for	conversation.	Language,	50,	p.	696-735,	1974.</p><p>SCHIFFRIN,	D.	Discourse	markers.	Cambridge:	Cambridge	University	Press,</p><p>1987.</p><p>STEINBERG,	M.	Os	elementos	não	verbais	da	conversação.	São	Paulo:	Atual,</p><p>1988.</p><p>TANNEN,	D.	Relative	focus	on	involvement	in	oral	and	written	discourse.	In:</p><p>OLSON,	D.,	TORRANCE,	N.;	HILDARD,	A.	(Eds.).	Literacy,	language,	and</p><p>learning:	the	nature	and	consequences	of	reading	and	writing.	Cambridge:</p><p>Cambridge	University	Press,	1985.</p><p>______.	Talking	voices:	repetiton,	dialogue,	and	imagery	in	conversational</p><p>discourse.	Cambridge:	Cambridge	University	Press,	1989.</p><p>URBANO,	H.	et.	al.	Perguntas	e	respostas	na	conversação.	In:	CASTILHO,	A.</p><p>T.	(Org.).	Gramática	do	português	falado.	As	abordagens.	Campinas:	Ed.</p><p>Unicamp/Fapesp,	v.	III,	p.	75-97,	1993.</p><p>PUBLICAÇÕES	DE	TRANSCRIÇÕES	DE	TEXTOS	ORAIS</p><p>A	linguagem	falada	culta	na	cidade	de	São	Paulo.	Elocuções	formais.</p><p>CASTILHO,	A.;	PRETI,	D.	(Orgs.).	São	Paulo:	T.	A.	Queiroz/Fapesp,	v.	I,	1987.</p><p>A	linguagem	falada	culta	na	cidade	de	São	Paulo.	Diálogos	entre	dois</p><p>informantes.	CASTILHO,	A.;	PRETI,	D.	(Orgs.).	São	Paulo:	T.	A.</p><p>Queiroz/Fapesp,	v.	II,	1988.</p><p>A	linguagem	falada	culta	na	cidade	de	São	Paulo.	Entrevistas.	PRETI,	D.;</p><p>URBANO,	H.	(Orgs.).	São	Paulo:	T.	A.	Queiroz/Fapesp,	v.	III,	1988.</p><p>A	linguagem	falada	culta	na	cidade	do	Rio	de	Janeiro.	Elocuções	formais.</p><p>CALLOU,	D.	(Org.).	Rio	de	Janeiro:	UFRJ/FJB,	v.	I,	1992.</p><p>A	linguagem	falada	culta	na	cidade	do	Rio	de	Janeiro.	Diálogos	entre</p><p>informante	e	documentador.	CALLOU,	D.;	LOPES,	C.	R.	(Orgs.).	Rio	de</p><p>Janeiro:	UFRJ/Capes,	v.	II,	1993.</p><p>A	linguagem	falada	culta	na	cidade	do	Rio	de	Janeiro.	Diálogos	entre</p><p>informante	e	documentador.	CALLOU,	D.;	LOPES,	C.	R.	(Orgs.).	Rio	de</p><p>Janeiro:	UFRJ/Capes,	v.	III,	1994.</p><p>A	linguagem	falada	culta	na	cidade	de	Salvador.	Diálogos	entre	informante	e</p><p>documentador.	MOTA,	J.;	ROLLEMBERG,	V.	(Orgs.).	Salvador:	Instituto	de</p><p>Letras	da	UFBa,	v.	I,	1994.</p><p>A	linguagem	falada	culta	na	cidade	de	Recife.	Diálogos	entre	informante	e</p><p>documentador.	SÁ,	M.	P.	M.	de;	CUNHA,	D.	C.	da;	LIMA,	A.	M.;	OLIVEIRA</p><p>JR.,	M.	(Orgs.).	Recife:	Universitária,	v.	I,	1996.</p><p>A	linguagem	falada	culta	na	cidade	de	Porto	Alegre.	Diálogos	entre	informante</p><p>e	documentador.	HILGERT,	J.	G.	(Org.).	Passo	Fundo/Porto	Alegre:</p><p>Ediupf/Universitária/UFRGS,	v.	I,	1997.</p><p>PUBLICAÇÕES	DE	GRAMÁTICAS	DO	PORTUGUÊS	FALADO</p><p>Gramática	do	português	falado.	A	ordem.	CASTILHO,	A.	T.	(Org.).	Campinas:</p><p>Unicamp/Fapesp,	v.	I,	1990.</p><p>Gramática	do	português	falado.	Níveis	de	análises	linguísticas.	ILARI,	R.</p><p>(Org.).	Campinas:	Unicamp/Fapesp,	v.	II,	1992.</p><p>Gramática	do	português	falado.	As	abordagens.	CASTILHO,	A.	T.	(Org.).</p><p>Campinas:	Unicamp/Fapesp,	v.	III,	1993.</p><p>Gramática	do	português	falado.	Estudos	descritivos.	CASTILHO,	M.	(Org.).</p><p>Campinas:	Unicamp/Fapesp,	v.	IV,	1996.</p><p>Gramática	do	português	falado.	Convergências.	KATO,	M.	(Org.).	Campinas:</p><p>Unicamp/Fapesp,	v.	V,	1996.</p><p>Gramática	do	português	falado.	KOCH,	I.	(Org.).	Campinas:	Unicamp/Fapesp,</p><p>v.	VI,	1996.</p><p>1.	Marcuschi,	L.	A.	Análise	da	conversação.	São	Paulo:	Ática,	1986,	p.	14.</p><p>2.	Marcuschi,	L.	A.	Perspectivas	dos	estudos	em	interação	social	na	Linguística</p><p>brasileira	dos	anos	90.	Recife,	1998a,	p.	7.	(Mimeografado.)</p><p>3.	Ibidem,	p.	6.</p><p>4.	A	Etnometodologia	“tem	como	objeto	de	estudo	(a)	as	atividades	práticas	do</p><p>cotidiano,	o	que	implica	(b)	o	caráter	empírico	desse	estudo,	além	disso,	supõe</p><p>(c)	um	princípio	de	organização	na	realização	dessas	atividades	pelos	membros</p><p>do	grupo	social”.	Hilgert,	J.	G.	A	paráfrase:	um	procedimento	de	constituição	do</p><p>diálogo.	Tese	de	doutorado.	PUC-SP,	1989,	p.	80.</p><p>5.	A	análise	desses	níveis	se	encontra	diluída	no	desenrolar	deste	capítulo.	Em</p><p>função	disso,	faremos	agora	apenas	uma	apresentação	mais	geral.</p><p>6.	Ver	o	conceito	de	atos	de	fala	no	capítulo	“Pragmática”,	neste	mesmo	volume.</p><p>7.	Hilgert,	J.	G.,	A	paráfrase,	op.	cit.</p><p>8.	Marcuschi,	L.	A.	Análise	da	conversação,	op.	cit.,	p.	5.</p><p>9.	Marcuschi,	L.	A.	Perspectivas	dos	estudos	em	interação	social	na	Linguística</p><p>brasileira	dos	anos	90,	op.	cit.,	p.	6.</p><p>10.	Uma	das	dificuldades	encontradas	pelos	analistas	da	conversação	se	refere	à</p><p>definição	do	termo	tópico	discursivo,	tendo	em	vista	o	“caráter	vago	e	amplo	do</p><p>significado	de	assunto,	e	do	consequente	grau	de	subjetividade	que	preside	a</p><p>própria	compreensão	dessa	noção”;	(...)	e	o	“fato	de	que	a	associação	de	assunto</p><p>e	tema	torna	a	explicação	circular,	na	medida	em	que	o	conceito	de	tema	carece,</p><p>igualmente,	de	uma	definição	precisa”	(Jubran,	C.	C.	A.	S.	et	al.	Organização</p><p>tópica	da	conversação.	In:	Ilari,	R.	(org.).	Gramática	do	português	falado.</p><p>Campinas:	Editora	da	Unicamp,	1992,	p.	360-361.)</p><p>11.	Koch,	I.	G.	V.	O	texto	e	a	construção	dos	sentidos.	São	Paulo:	Contexto,</p><p>1997,	p.	116.</p><p>12.	Marcuschi,	L.	A.	Perspectivas	dos	estudos	em	interação	social	na	Linguística</p><p>brasileira	dos	anos	90,	op.	cit.,	p.	14.</p><p>13.	Ibidem.</p><p>14.	Koch,	I.	G.	V.	O	texto	e	a	construção	dos	sentidos,	op.	cit.,	p.	116.</p><p>15.	Koch,	I.	G.	V.	O	texto	e	a	construção	dos	sentidos,	op.	cit.,	p.	63.</p><p>16.	Marcuschi,	L.	A.	Oralidade	e	escrita.	Conferência	pronunciada	durante	II</p><p>Colóquio	Franco-Brasileiro	sobre	Linguagem	e	Educação.	Natal,	UFRN,	26-28</p><p>de	junho	de	1995,	p.	14.</p><p>17.	Hilgert,	J.	G.	A	paráfrase,	op.	cit.,	p.	90.</p><p>18.	Marcuschi,	L.	A.	Análise	da	conversação,	op.	cit,	p.	9.</p><p>19.	Steinberg,	M.	Os	elementos	não	verbais	da	conversação.	São	Paulo:	Atual,</p><p>1988,	p.	3.</p><p>20.	Ibidem,	p.	5.</p><p>21.	Ibidem,	p.	16.</p><p>22.	Marcuschi,	L.	A.	Análise	da	conversação,	op.	cit.,	p.	89.</p><p>23.	Galembeck,</p><p>P.	et	al.	O	turno	conversacional.	In:	Preti,	D.;	Urbano,	H.	A</p><p>linguagem	falada	culta	na	cidade	de	São	Paulo.	São	Paulo:	T.	A	.</p><p>Queiroz/Fapesp,	1997,	v.	IV,	p.	75.	(Título	original,	1990.)</p><p>24.	Ibidem,	p.	78.</p><p>25.	Sacks,	Schegloff	eJefferson	(1974)	elaboraram	um	modelo	sobre	o	sistema</p><p>de	organização	da	conversação	com	base	na	tomada	de	turno.</p><p>26.	Marcuschi,	L.	A.	Análise	da	conversação,	op.	cit.,	p.	37.</p><p>27.	Marcuschi,	L.	A.	Marcadores	conversacionais	no	português	brasileiro:</p><p>formas,	posições	e	funções.	In:	Castilho,	A.	T.	(org.)	Português	culto	falado	no</p><p>Brasil.	Campinas:	Editora	da	Unicamp,	1989,	p.	288.</p><p>28.	Marcuschi,	L.	A.	Análise	da	conversação,	op.	cit.,	p.	62.</p><p>29.	Marcuschi,	L.	A.	Atividades	de	compreensão	na	interação	verbal.	In:	Preti,</p><p>D.	(org.)	Variações	e	confrontos.	São	Paulo,	FFLCH/USP,	1998b,	p.	15.</p><p>30.	Ibidem,	p.	21.</p><p>31.	Ibidem,	p.	19.</p><p>32.	Ibidem,	p.	19.</p><p>33.	Ibidem,	p.	19.</p><p>34.	Ibidem,	p.	21.</p><p>35.	“Sintonia	referencial”	é	um	termo	empregado	por	Marcuschi	(1998b).</p><p>36.	Marcuschi,	L.	A.	Atividades	de	compreensão	na	interação	verbal,	op.	cit.,	p.</p><p>25-26.</p><p>37.	Ibidem,	p.	26.</p><p>38.	Ibidem,	p.	30.</p><p>39.	Keller,	M.	C.;	Keller,	J.	D.	Imaging	in	iron,	or	thought	is	not	inner	speech.</p><p>In:	Gumperz,	J.;	Levinson,	S.	(Eds.).	Rethinking	linguistic	relativity.	Cambridge:</p><p>Cambridge	University	Press,	1996,	p.	118.</p><p>4</p><p>ANÁLISE	DO	DISCURSO¹</p><p>Fernanda	Mussalim</p><p>1.	A	GÊNESE	DA	DISCIPLINA</p><p>1.1.	Estruturalismo,	marxismo	e	psicanálise:	um	terreno	fecundo</p><p>Falar	em	Análise	do	Discurso	pode	significar,	num	primeiro	momento,	algo	vago</p><p>e	amplo,	já	que	toda	produção	de	linguagem	pode	ser	considerada	“discurso”.</p><p>No	entanto,	a	Análise	do	Discurso	de	que	vamos	falar	neste	capítulo	trata-se	de</p><p>uma	disciplina	que	teve	sua	origem	na	França	na	década	de	1960.</p><p>Para	entender	a	gênese	dessa	disciplina	é	preciso	compreender	as	condições	que</p><p>propiciaram	a	sua	emergência.	Maldidier	(1994)	descreve	a	fundação	da	Análise</p><p>do	Discurso	através	das	figuras	de	Jean	Dubois	e	Michel	Pêcheux.	Dubois,	um</p><p>linguista,	lexicólogo	envolvido	com	os	empreendimentos	da	Linguística	de	sua</p><p>época;	Pêcheux,	um	filósofo	envolvido	com	os	debates	em	torno	do	marxismo,</p><p>da	psicanálise,	da	epistemologia.	O	que	há	de	comum	no	trabalho	desses	dois</p><p>pesquisadores	com	preocupações	distintas	é	que	ambos	são	tomados	pelo	espaço</p><p>do	marxismo	e	da	política,	partilhando	convicções	sobre	a	luta	de	classes,	a</p><p>história	e	o	movimento	social.</p><p>É,	pois,	sob	o	horizonte	comum	do	marxismo	e	de	um	momento	de	crescimento</p><p>da	Linguística	—	que	se	encontra	em	franco	desenvolvimento	e	ocupa	o	lugar	de</p><p>ciência	piloto	—	que	nasce	o	projeto	da	Análise	do	Discurso	(doravante	AD).	O</p><p>projeto	da	AD	se	inscreve	num	objetivo	político,	e	a	Linguística	oferece	meios</p><p>para	abordar	a	política.	Vamos	compreender	de	que	maneira.</p><p>Na	conjuntura	estruturalista,	a	autonomia	relativa	da	língua	é	unanimemente</p><p>reconhecida.	Isso	porque,	devido	ao	recorte	que	as	teorias	estruturalistas	da</p><p>linguagem	fazem	de	seu	objeto	de	estudo	—	a	língua	—,	torna-se	possível</p><p>estudá-la	a	partir	de	regularidades	e,	portanto,	apreendê-la	na	sua	totalidade</p><p>(pelo	menos	é	nisso	que	crê	o	estruturalismo),	já	que	as	influências	externas,</p><p>geradoras	de	irregularidades,	não	afetam	o	sistema	por	não	serem	consideradas</p><p>como	parte	da	estrutura.	A	língua	não	é	apreendida	na	sua	relação	com	o	mundo,</p><p>mas	na	estrutura	interna	de	um	sistema	autônomo.	Daí	“estruturalismo”:	é	no</p><p>interior	do	sistema	que	se	define,	que	se	estrutura	o	objeto,	e	é	este	objeto	assim</p><p>definido	que	interessa	a	esta	concepção	de	ciência	em	vigor	na	época.</p><p>Um	exemplo.	O	estruturalismo	de	vertente	saussureana²	define	as	estruturas	da</p><p>língua	em	função	da	relação	que	elas	estabelecem	entre	si	no	interior	de	um</p><p>mesmo	sistema	linguístico.	Essa	relação	é	sempre	binária	—	ou	seja,	os</p><p>elementos	do	sistema	são	sempre	tomados	dois	a	dois	—	e	se	organiza	a	partir	do</p><p>critério	diferencial,	que	determina	que	todos	os	elementos	do	sistema	se	definem</p><p>negativamente.	Tomando	como	pares	os	fonemas	[p]	e	[b],	para	citar	um</p><p>exemplo	no	nível	fonológico,	pode-se	dizer	que,	quanto	ao	traço	de	sonoridade,</p><p>[p]	se	define	com	relação	a	[b]	por	ser	[-vozeado],	ou	seja,	[b]	é	um	fonema</p><p>vozeado	enquanto	[p]	é	desvozeado.	Por	sua	vez,	tomando	como	pares	os</p><p>fonemas	[p]	e	[t],	quanto	ao	lugar	de	articulação,	pode-se	dizer	que	[p]	se	define</p><p>como	[-dental]³	em	relação	a	[t].	Nessa	mesma	vertente,	o	significado	também	é</p><p>definido	a	partir	de	uma	relação	de	diferenças	no	interior	do	sistema.⁴	Por</p><p>exemplo,	o	signo	linguístico	“homem”	se	define	em	relação	ao	signo	linguístico</p><p>“mulher”,	do	ponto	de	vista	dos	traços	semânticos,	por	ser	[-feminino];	por	sua</p><p>vez,	com	relação	ao	signo	linguístico	“cachorro”,	o	signo	“homem”	se	define	por</p><p>ser	[-quadrúpede],	e	assim	por	diante.</p><p>A	Linguística,	assim,	acaba	por	se	impor,	com	relação	às	ciências	humanas,</p><p>como	uma	área	que	confere	cientificidade	aos	estudos,	já	que	esses	deveriam</p><p>passar	por	suas	leis	(é	nesse	sentido	que	ela	se	torna	uma	ciência	piloto),	em	vez</p><p>de	agarrarem-se	diretamente	a	instâncias	socioeconômicas.⁵	É	nesse	horizonte</p><p>que	se	inscreve,	por	exemplo,	o	projeto	do	filósofo	Althusser,	como	afirma</p><p>Maingueneau	(1990):	“a	linguística	caucionava	tacitamente	a	linha	de	horizonte</p><p>do	estruturalismo	na	qual	se	inscreve	o	procedimento	althusseriano”.</p><p>Em	Ideologia	e	aparelhos	ideológicos	do	estado	(1970/1974),	Althusser,	fazendo</p><p>uma	releitura	de	Marx,	distingue	uma	“teoria	das	ideologias	particulares”,	que</p><p>exprimem	posições	de	classes,	de	uma	“teoria	da	ideologia	em	geral”,	que</p><p>permitiria	evidenciar	o	mecanismo	responsável	pela	reprodução	das	relações	de</p><p>produção,	comum	a	todas	as	ideologias	particulares.	É	nesse	último	aspecto	que</p><p>reside	o	interesse	do	autor.</p><p>Ao	propor-se	a	investigar	o	que	determina	as	condições	de	reprodução	social,</p><p>Althusser	parte	do	pressuposto	de	que	as	ideologias	têm	existência	material,	ou</p><p>seja,	devem	ser	estudadas	não	como	ideias,	mas	como	um	conjunto	de	práticas</p><p>materiais	que	reproduzem	as	relações	de	produção.	Trata-se	do	materialismo</p><p>histórico,	que	dá	ênfase	à	materialidade	da	existência,	rompendo	com	a</p><p>pretensão	idealista	da	ciência	de	dominar	o	objeto	de	estudo,	controlando-o	a</p><p>partir	de	um	procedimento	administrativo	aplicável	a	um	determinado	universo,</p><p>como	se	a	sua	existência	se	desse	no	nível	das	ideias.	Para	o	materialismo,	“o</p><p>objeto	real	(tanto	no	domínio	das	ciências	da	natureza	como	no	da	história)</p><p>existe	independentemente	do	fato	de	que	ele	seja	conhecido	ou	não,	isto	é,</p><p>independentemente	da	produção	ou	não	produção	do	objeto	do	conhecimento</p><p>que	lhe	corresponde”.⁷</p><p>Um	exemplo:	no	modelo	econômico	do	capitalismo	(considerando	aqui	a</p><p>concepção	clássica	de	capitalismo,	tal	como	ele	foi	compreendido	pelas	teorias</p><p>marxistas),	as	relações	de	produção	implicam	divisão	de	trabalho	entre	aqueles</p><p>que	são	donos	do	capital	e	aqueles	que	vendem	a	mão	de	obra.	Esse	modo	de</p><p>produção	é	a	base	econômica	da	sociedade	capitalista.	Na	metáfora	marxista	do</p><p>edifício	social,	a	base	econômica	é	chamada	de	infraestrutura,	e	as	instâncias</p><p>político-jurídicas	e	ideológicas	são	denominadas	superestrutura.	Valendo-se</p><p>dessa	metáfora,	Althusser	levanta	a	necessidade	de	se	considerar	que	a</p><p>infraestrutura	determina	a	superestrutura	(materialismo	histórico),	ou	seja,	que	a</p><p>base	econômica	é	que	determina	o	funcionamento	das	instâncias	político-</p><p>jurídicas	e	ideológicas	de	uma	sociedade.	A	ideologia	—	parte	da	superestrutura</p><p>do	edifício	—,	portanto,	só	pode	ser	concebida	como	uma	reprodução	do	modo</p><p>de	produção,	uma	vez	que	é	por	ele	determinada.	Ao	mesmo	tempo,	por	uma</p><p>“ação	de	retorno”	da	superestrutura	sobre	a	infraestrutura,	a	ideologia	acaba	por</p><p>perpetuar	a	base	econômica	que	a	sustenta.	Nesse	sentido	é	que	se	pode</p><p>reconhecer	a	base	estruturalista	da	teoria	de	Althusser,	na	medida	em	que	a</p><p>infraestrutura	determina	a	superestrutura	e	é	ao	mesmo	tempo	perpetuada	por</p><p>ela,	como	um	sistema	cuja	circularidade	faz	com	que	seu	funcionamento	recaia</p><p>sobre	si	mesmo.</p><p>Como	modo	de	apreensão	do	funcionamento	da	ideologia,	o	conceito	de</p><p>aparelhos</p><p>ideológicos	de	Althusser	é	bastante	esclarecedor.	Retomando	a	teoria</p><p>marxista	de	Estado,	o	autor	afirma	que	o	que	tradicionalmente	se	chama	de</p><p>Estado	é	um	aparelho	repressivo	do	Estado	(ARE),	que	funciona	“pela</p><p>violência”	e	cuja	ação	é	complementada	por	instituições	—	a	escola,	a	religião,</p><p>por	exemplo	—,	que	funcionam	“pela	ideologia”	e	são	denominadas	aparelhos</p><p>ideológicos	de	Estado	(AIE).	Pela	maneira	como	se	estruturam	e	agem	esses</p><p>aparelhos	ideológicos	—	por	meio	de	suas	práticas	e	de	seus	discursos	—	é	que</p><p>se	pode	depreender	como	funciona	a	ideologia	(trata-se	sempre,	para	Althusser,</p><p>do	funcionamento	da	ideologia	dominante,	pois	mesmo	que	as	ideologias</p><p>apresentadas	pelos	AIE	sejam	contraditórias,	tal	contradição	se	inscreve	no</p><p>domínio	da	ideologia	dominante).</p><p>A	Linguística,	então,	aparece	como	um	horizonte	para	o	projeto	althusseriano	da</p><p>seguinte	maneira:	como	a	ideologia	deve	ser	estudada	em	sua	materialidade,	a</p><p>linguagem	se	apresenta	como	o	lugar	privilegiado	em	que	a	ideologia	se</p><p>materializa.	A	linguagem	se	coloca	para	Althusser	como	uma	via	por	meio	da</p><p>qual	se	pode	depreender	o	funcionamento	da	ideologia.</p><p>Poderemos	agora	melhor	compreender	a	afirmação	de	Maingueneau	(1990)</p><p>anteriormente	citada	—	“a	linguística	caucionava	tacitamente	a	linha	de</p><p>horizonte	do	estruturalismo	na	qual	se	inscreve	o	procedimento	althusseriano”</p><p>—	e	entender	também	por	que	é	que,	como	já	foi	dito,	presidem	o	nascimento	da</p><p>AD	o	marxismo	e	a	Linguística.	O	projeto	althusseriano,	inserido	em	uma</p><p>tradição	marxista	que	buscava	apreender	o	funcionamento	da	ideologia	a	partir</p><p>de	sua	materialidade,	ou	seja,	por	meio	das	práticas	e	dos	discursos	dos	AIE,	via</p><p>com	bons	olhos	uma	Linguística	fundamentada	sobre	bases	estruturalistas.	Mas</p><p>uma	Linguística	saussureana,	uma	Linguística	da	língua,	não	seria	suficiente;	só</p><p>uma	teoria	do	discurso,	concebido	como	o	lugar	teórico	para	o	qual	convergem</p><p>componentes	linguísticos	e	socioideológicos,	poderia	acolher	esse	projeto.</p><p>É	neste	contexto	que	nasce	o	projeto	da	AD.	Michel	Pêcheux,	apoiado	numa</p><p>formação	filosófica,	desenvolve	um	questionamento	crítico	sobre	a	Linguística</p><p>e,	diferentemente	de	Dubois,	não	pensa	a	instituição	da	AD	como	um	progresso</p><p>natural	permitido	pela	Linguística,	ou	seja,	não	concebe	que	o	estudo	do	discurso</p><p>seja	uma	passagem	natural	da	Lexicologia	(estudo	das	palavras)	para	a	Análise</p><p>do	Discurso.	A	instituição	da	AD,	para	Pêcheux,	exige	uma	ruptura</p><p>epistemológica,	que	coloca	o	estudo	do	discurso	num	outro	terreno	em	que</p><p>intervêm	questões	teóricas	relativas	à	ideologia	e	ao	sujeito.	Assim	é	que,	como</p><p>afirma	Maldidier	(1994),	o	objeto	discurso	de	que	se	ocupa	Pêcheux	em	seu</p><p>empreendimento	“não	é	uma	simples	‘superação	da	Linguística	saussuriana’”.⁸</p><p>A	Linguística	saussureana,	fundada	sobre	a	dicotomia	língua/fala 	—	a	primeira</p><p>concebida	como	sistêmica,	por	isso	objetivamente	apreendida;	a	segunda,	não</p><p>objetivamente	apreendida	por	variar	de	acordo	com	os	diversos	falantes,	que</p><p>selecionam	parte	do	sistema	da	língua	para	seu	uso	concreto	em	determinadas</p><p>situações	de	comunicação	—,	permitiu	a	constituição	da	Fonologia,	da</p><p>Morfologia	e	da	Sintaxe,	mas	não	foi,	segundo	Pêcheux	(1975/1988),	suficiente</p><p>para	permitir	a	constituição	da	Semântica,	lugar	de	contradições	da	Linguística.</p><p>Para	ele,	o	sentido,	objeto	da	Semântica,	escapa	às	abordagens	de	uma</p><p>Linguística	da	língua.¹ 	A	teoria	do	valor	de	Saussure	(1916/1974),	segundo	a</p><p>qual	os	signos	se	definem	negativamente,	subordina,	como	aponta	Brandão</p><p>(1998a),	a	significação	ao	valor,	de	onde	decorre	que	a	significação,	para</p><p>Saussure,	é	concebida	como	sistêmica.	Para	Pêcheux,	ao	contrário,	a	significação</p><p>não	é	sistematicamente	apreendida	por	não	ser	da	ordem	da	língua,	mas	da</p><p>ordem	do	discurso	e,	portanto,	do	sujeito,	e	sofrer,	assim,	alterações	de	acordo</p><p>com	as	posições	ocupadas	pelos	sujeitos	que	enunciam.	O	autor	retoma	esta</p><p>dicotomia	saussureana	para	inscrever	os	processos	de	significação	num	outro</p><p>terreno,	mas	não	concebe	nem	o	sujeito,	nem	os	sentidos	como	individuais,	mas</p><p>como	históricos,	ideológicos.	Assim	é	que	o	autor	propõe	uma	semântica	do</p><p>discurso	—	concebido	como	lugar	para	onde	convergem	componentes</p><p>linguísticos	e	socioideológicos	—	em	vez	de	uma	semântica	linguística,	pois	as</p><p>condições	sócio-históricas	de	produção	de	um	discurso	são	constitutivas	de	suas</p><p>significações.</p><p>Pode-se,	assim,	perceber	o	paralelismo	dos	projetos	althusseriano	e	da	AD.	A</p><p>Análise	do	Discurso,	demonstrando	uma	vontade	de	formalização	do	discurso	a</p><p>partir	da	proposta	de	Pêcheux	(1969/1990)	de	uma	análise	automática	do</p><p>discurso	(doravante	AAD),	oferecia	um	procedimento	de	leitura	que	relacionava</p><p>determinadas	condições	de	produção¹¹	—	“mecanismo	de	colocação	dos</p><p>protagonistas	e	do	objeto	do	discurso,	mecanismo	que	chamamos	de	‘condições</p><p>de	produção	do	discurso’”¹²	—	com	os	processos	de	produção	de	um	discurso.</p><p>Para	Pêcheux,	é	como	se	houvesse	uma	“máquina	discursiva”,	um	dispositivo</p><p>capaz	de	determinar,	sempre	numa	relação	com	a	história,	as	possibilidades</p><p>discursivas	dos	sujeitos	inseridos	em	determinadas	formações	sociais,	conceito</p><p>originário	da	obra	de	Althusser	(1970/1974),	que	designa,	em	um	determinado</p><p>momento	histórico,	um	estado	de	relações	—	de	aliança,	antagonismo	ou</p><p>dominação	—	entre	as	classes	sociais	de	uma	sociedade.	Assim	é	que	a	AD</p><p>intervém	como	um	componente	essencial	do	projeto	althusseriano	que	visava</p><p>definir	uma	ciência	da	ideologia	que	não	fosse	ideológica,	isto	é,	que	não</p><p>implicasse	uma	posição	ideológica	de	sujeito.	O	autor,	buscando	definir	uma</p><p>“teoria	da	ideologia	em	geral”	que	permitisse	evidenciar	o	mecanismo</p><p>responsável	pela	reprodução	das	relações	de	produção	comum	a	todas	as</p><p>ideologias	particulares,	vislumbrava	a	AAD	como	uma	possibilidade	empírica	de</p><p>realização	de	seu	projeto.	Do	mesmo	modo,	o	pensamento	althusseriano	também</p><p>é	determinante	na	fase	inicial	de	instituição	da	AD,	cuja	proposta	se	inscreve	no</p><p>materialismo	histórico.</p><p>Esperamos	ter	explicitado	até	aqui	o	palco	do	materialismo	histórico	e	do</p><p>estruturalismo	sobre	o	qual	surge	a	AD.	O	materialismo	histórico	e	o</p><p>estruturalismo	estabelecem	as	bases	não	só	para	a	gênese	da	AD	e	do	projeto</p><p>althusseriano	(o	conceito	de	“máquina	discursiva”	e	a	metáfora	do	edifício	social</p><p>evidenciam	isso),	mas	também	para	a	convergência	entre	esses	projetos.</p><p>Ainda	um	outro	elemento	compõe	o	quadro	epistemológico	do	surgimento	da</p><p>AD:	a	psicanálise	lacaniana.	Abordaremos	o	pensamento	lacaniano	procurando</p><p>evidenciar	como	ele	é	fundamental	neste	momento	inicial	de	fundação	da</p><p>Análise	do	Discurso.</p><p>A	partir	da	descoberta	do	inconsciente	por	Freud,	o	conceito	de	sujeito	sofre	uma</p><p>alteração	substancial,	pois	seu	estatuto	de	entidade	homogênea	passa	a	ser</p><p>questionado	diante	da	concepção	freudiana	de	sujeito	clivado,	dividido	entre	o</p><p>consciente	e	o	inconsciente.	Lacan	faz	uma	releitura	de	Freud	recorrendo	ao</p><p>estruturalismo	linguístico,	mais	especificamente	a	Saussure	e	a	Jakobson,	numa</p><p>tentativa	de	abordar	com	mais	precisão	o	inconsciente,	muitas	vezes	tomado</p><p>como	uma	entidade	misteriosa,	abissal.</p><p>Para	poder	trazer	à	tona	seu	material,	Lacan	assume	que	o	inconsciente	se</p><p>estrutura	como	uma	linguagem,	como	uma	cadeia	de	significantes¹³	latente	que</p><p>se	repete	e	interfere	no	discurso	efetivo,	como	se	houvesse	sempre,	sob	as</p><p>palavras,	outras	palavras,	como	se	o	discurso	fosse	sempre	atravessado	pelo</p><p>discurso	do	Outro,	do	inconsciente.	A	tarefa	do	analista¹⁴	seria	a	de	fazer	vir	à</p><p>tona,	através	de	um	trabalho	na	palavra	e	pela	palavra,	essa	cadeia	de</p><p>significantes,	essas	“outras	palavras”,	esse	“discurso	do	Outro”,	isto	é,	do</p><p>inconsciente,	lugar	desconhecido,	estranho,	de	onde	emana	o	discurso	do	pai,	da</p><p>família,	da	lei,	enfim,	do	Outro	e	em	relação	ao	qual	o	sujeito	se	define,	ganha</p><p>identidade.	Apoiado	em	alguns	critérios	do	estruturalismo	linguístico,	Lacan</p><p>aborda	esse	inconsciente,	demonstrando	que	existe	uma	estrutura	discursiva	que</p><p>é	regida	por	leis.	Decorrem	dessa	proposta	implicações	para	a	psicanálise.	A	que</p><p>mais	diretamente	interessa	à	AD	diz	respeito	ao	conceito	de</p><p>sujeito,	definido	em</p><p>função	do	modo	como	ele	se	estrutura	a	partir	da	relação	que	mantém	com	o</p><p>inconsciente,	com	a	linguagem,	portanto,	já	que,	para	Lacan,	“a	linguagem	é</p><p>condição	do	inconsciente”.¹⁵</p><p>Saussure,	como	já	apontado	anteriormente,	define	o	sistema	linguístico	a	partir</p><p>do	critério	diferencial,	segundo	o	qual	na	língua	não	há	mais	que	diferenças.</p><p>Sendo	assim,	não	se	pode	atribuir	aos	elementos	do	sistema	nada	de	substancial,</p><p>ou	seja,	não	se	pode	defini-los	por	eles	mesmos,	tomando	suas	características</p><p>independentemente	das	características	de	outros	elementos	do	sistema,	com	os</p><p>quais	pode	ser	tomado	em	relação.	Passa-se,	assim,	como	uma	consequência</p><p>inevitável	do	critério	diferencial,	ao	critério	relacional,	que	delimita	a	função	da</p><p>relação	entre	os	elementos	no	interior	do	sistema.	Dessa	remissão	entre	os</p><p>elementos	do	sistema	também	decorre	o	critério	do	lugar	vazio,	segundo	o	qual</p><p>cada	elemento	adquire	sua	identidade	fora	de	si,	já	que,	na	óptica	estruturalista,</p><p>são	as	diferenças	que	definem	os	elementos.	Essas	diferenças,	por	sua	vez,	não</p><p>são	intrínsecas	aos	elementos	e	nem	extrínsecas	a	eles,	mas	só	podem	ser</p><p>consideradas	a	partir	de	uma	posição	no	interior	do	sistema.	A	definição	de	cada</p><p>elemento	é	uma	definição	de	posição,	ou	seja,	a	sua	identidade	resulta	sempre	da</p><p>relação	que	um	elemento,	que	ocupa	uma	determinada	posição	inicial	no	interior</p><p>do	sistema,	mantém	com	outro	elemento,	que	ocupa	uma	posição	terminal:	o</p><p>fonema	[p],	ponto	inicial,	com	relação	ao	fonema	[b],	ponto	terminal;	o	fonema</p><p>[p],	ponto	inicial,	com	relação	ao	fonema	[t],	ponto	terminal,	por	exemplo.	A</p><p>identidade	resulta	sempre	dos	lugares	de	onde	são	tomados	os	elementos	na</p><p>relação	binária.	Trata-se	do	critério	posicional.</p><p>Desses	critérios	decorrem	implicações	para	o	conceito	lacaniano	de	sujeito</p><p>(Santiago,	1995),	ao	qual	não	se	pode	atribuir	nada	de	substancial,	pois	ele	só	se</p><p>define	em	relação	ao	Outro	(critérios	diferencial	e	relacional).	O	sujeito</p><p>dessubstancializado	não	está	onde	é	procurado,	ou	seja,	no	consciente,	lugar</p><p>onde	reside	a	ilusão	do	“sujeito	centro”	como	sendo	aquele	que	sabe	o	que	diz,</p><p>aquele	que	sabe	o	que	é,	mas	pode	ser	encontrado	onde	não	está,	no	inconsciente</p><p>(critério	do	lugar	vazio).	Assim,	a	identidade	do	sujeito	lhe	é	garantida	pelo</p><p>Outro	(inconsciente),	ou	seja,	por	um	sistema	parental	simbólico	que	determina	a</p><p>posição	do	sujeito	desde	sua	aparição.	Como	explica	Santiago	(1995),	“o	pai	e	a</p><p>mãe	deixam	de	ser	meros	semelhantes	com	os	quais	o	sujeito	se	relacionou	numa</p><p>dimensão	de	rivalidade	ou	amor,	para	se	tornarem	lugares	na	estrutura”,¹ 	como</p><p>se	o	sujeito	fosse	tomado	por	uma	ordem	anterior	e	exterior	a	ele.	Dessa	forma,	o</p><p>pai,	por	exemplo,	pode	surgir	sob	diferentes	formas	buscadas	no	imaginário	—</p><p>pai	complacente,	pai	ameaçador	etc.	—,	mas	pode	também,	ocupando	um	lugar</p><p>no	discurso	da	mãe,	tomar	formas	diferentes	—	pai	ausente,	pai	presente	etc.</p><p>(critério	posicional).</p><p>Essa	relação	entre	o	sujeito	e	o	Outro	se	apoia	na	oposição	binária	de	Jakobson</p><p>(1960/1970),	segundo	a	qual	um	remetente,	ocupando	uma	posição	inicial	no</p><p>processo	de	comunicação,	coloca-se	em	relação	comunicativa	com	um</p><p>destinatário,	que	ocupa	uma	posição	terminal	no	sistema	de	comunicação.</p><p>Jakobson	não	é	um	estruturalista	stricto	sensu,	pois,	além	de	considerar	os</p><p>interlocutores	do	processo	comunicativo	—	fato	completamente	discordante	do</p><p>estruturalismo	de	vertente	saussureana,	que	exclui	de	seu	campo	de	análise	a	fala</p><p>por	ser	do	âmbito	do	sujeito	—,	não	trata	do	sistema	linguístico	em	si,	das	regras</p><p>de	organização	da	língua	propriamente	ditas.	Jakobson	é,	por	vezes,	apontado</p><p>como	estruturalista	pelo	fato	de	abordar	o	processo	comunicativo	como	um</p><p>sistema	composto	de	elementos	—	remetente,	destinatário,	código,	mensagem,</p><p>contexto,	canal	—	que	se	relacionam	no	interior	de	um	sistema	fechado	e</p><p>recorrente,	como	um	circuito	comunicativo.</p><p>Pôde-se	perceber,	até	aqui,	em	que	sentido	Lacan	recorre	ao	estruturalismo,	mais</p><p>especificamente	a	Saussure	e	a	Jakobson.	No	entanto,	há	pontos	em	que</p><p>divergem	radicalmente	os	caminhos	do	estruturalismo	e	de	Lacan.	O	primeiro</p><p>deles	diz	respeito	à	inserção	do	sujeito	na	estrutura,	um	deslocamento	com</p><p>relação	ao	estruturalismo	saussureano	que,	num	certo	sentido	e	de	maneira</p><p>diferente,	Jakobson	também	realizara.	O	segundo	ponto	se	refere	à	maneira</p><p>como	é	concebida	a	relação	do	sujeito	com	o	Outro,	deslocamento	que	se	realiza</p><p>a	partir	da	concepção	do	processo	comunicativo	de	Jakobson.</p><p>Esclareçamos	o	primeiro	ponto,	mostrando	como	a	inserção	do	sujeito	no</p><p>sistema	afeta	a	sua	estrutura.	O	sujeito,	por	definir-se	na	relação	com	o	Outro</p><p>(inconsciente),	nada	mais	é	que	um	significante	do	Outro.	Mas,	por	ser	um</p><p>sujeito	clivado,	dividido	entre	o	consciente	e	o	inconsciente,	inscreve-se	na</p><p>estrutura,	caracteristicamente	definida	por	relações	binárias	entre	seus</p><p>elementos,	como	uma	descontinuidade,	pois	emerge	no	intervalo	existente	entre</p><p>dois	significantes,	emerge	sob	as	palavras,	sob	o	discurso.	Lacan,	assim,	não</p><p>assume	o	pressuposto	básico	do	estruturalismo,	de	completude	do	sistema,	já	que</p><p>o	sujeito	—	pura	descontinuidade	na	cadeia	significante	—	“descompleta”	o</p><p>conjunto	dos	significantes.</p><p>No	que	diz	respeito	ao	segundo	ponto,	Lacan	rompe	com	o	estruturalismo	ao</p><p>romper	com	a	simetria	entre	os	interlocutores.	Jakobson	atesta	uma	simetria</p><p>entre	esses	interlocutores	na	medida	em	que	não	considera	a	supremacia	de</p><p>nenhum	deles	sobre	o	outro.	Lacan	rompe	com	essa	simetria.	Para	ele,	o	Outro</p><p>ocupa	uma	posição	de	domínio	com	relação	ao	sujeito,	é	uma	ordem	anterior	e</p><p>exterior	a	ele,	em	relação	à	qual	o	sujeito	se	define,	ganha	identidade.</p><p>Feita	essa	breve	abordagem	de	alguns	aspectos	do	pensamento	lacaniano,</p><p>poderemos	agora	explicar	em	que	sentido	o	pensamento	lacaniano	é	fundamental</p><p>neste	momento	inicial	de	fundação	da	Análise	do	Discurso,	ou	seja,	em	que	se</p><p>pode	perceber	a	relevância	do	projeto	lacaniano	para	a	AD.</p><p>O	estudo	do	discurso	para	a	AD,	como	já	dito	anteriormente,	inscreve-se	num</p><p>terreno	em	que	intervêm	questões	teóricas	relativas	à	ideologia	e	ao	sujeito.</p><p>Assim,	o	sujeito	lacaniano,	clivado,	dividido,	mas	estruturado	a	partir	da</p><p>linguagem,	fornecia	para	a	AD	uma	teoria	de	sujeito	condizente	com	um	de	seus</p><p>interesses	centrais,	o	de	conceber	os	textos	como	produtos	de	um	trabalho</p><p>ideológico	não	consciente.	Calcada	no	materialismo	histórico,	a	AD	concebe	o</p><p>discurso	como	uma	manifestação,	uma	materialização	da	ideologia	decorrente	do</p><p>modo	de	organização	dos	modos	de	produção	social.	Sendo	assim,	o	sujeito	do</p><p>discurso	não	poderia	ser	considerado	como	aquele	que	decide	sobre	os	sentidos	e</p><p>as	possibilidades	enunciativas	de	seu	dizer,	mas	como	aquele	que	ocupa	um</p><p>lugar	social	e	a	partir	dele	enuncia,	sempre	inserido	no	processo	histórico	que	lhe</p><p>permite	determinadas	inserções	e	não	outras.	Em	outras	palavras,	o	sujeito	não	é</p><p>livre	para	dizer	o	que	quer,	mas	é	levado,	sem	que	tenha	consciência	disso	(e</p><p>aqui	reconhecemos	a	propriedade	do	conceito	lacaniano	de	sujeito	para	a	AD),	a</p><p>ocupar	seu	lugar	em	determinada	formação	social	e	enunciar	o	que	lhe	é	possível</p><p>a	partir	do	lugar	que	ocupa.	Como	afirma	Althusser	(1970):</p><p>A	ideologia	é	bem	um	sistema	de	representações:	mas	estas	representações	não</p><p>têm,	na	maior	parte	do	tempo,	nada	a	ver	com	a	“consciência”:	elas	são	na	maior</p><p>parte	das	vezes	imagens,	às	vezes	conceitos,	mas	é	antes	de	tudo	como	estruturas</p><p>que	elas	se	impõem	à	maioria	dos	homens,	sem	passar	por	suas	consciências.¹⁷</p><p>Tendo	até	aqui	descrito	o	terreno	em	que	se	funda	a	Análise	do	Discurso	—	um</p><p>terreno	em	que	se	relacionam	a	Linguística	e	as	Ciências	Sociais	—,	uma</p><p>questão	importante	se	coloca:	qual	a	especificidade	da	AD	neste	terreno?	É	o</p><p>que	procuraremos	responder	a	seguir.</p><p>1.2.	A	especificidade	da	AD</p><p>Como	aponta	Maingueneau	(1997),	o	campo	da	Linguística,	de	maneira	muito</p><p>esquemática,	opõe	um	núcleo	“rígido”	a	uma	periferia	de	contornos	instáveis,</p><p>que	está	em	contato	com	a	Sociologia,	Psicologia,	História,	Filosofia	etc.	O</p><p>núcleo	rígido¹⁸	se	ocupa	do	estudo	da	língua	como</p><p>que	todas	as	línguas	variam	e	que	todas	as	línguas	mudam.</p><p>Em	seguida,	começamos	a	explorar	as	áreas	que	fazem	parte	daquilo	que	é</p><p>tradicionalmente	concebido	como	a	descrição	gramatical	das	línguas	naturais.	Os</p><p>capítulos	de	Fonética,	Fonologia,	Morfologia	e	Sintaxe	possuem	a	tarefa	de</p><p>introduzir	as	perspectivas	teóricas	e	metodológicas	que	constituíram	a</p><p>Linguística	como	uma	ciência	autônoma	e	com	um	objeto	de	estudo	próprio,	ao</p><p>longo	do	século	XX.	Em	contato	com	esses	capítulos,	o	leitor	terá	a</p><p>oportunidade	de	escrutinar	o	fenômeno	linguístico	em	seus	diferentes	níveis	e,</p><p>também,	de	ter	acesso	a	um	olhar	predominantemente	formalista	em	relação	às</p><p>línguas	naturais.	Em	outras	palavras,	nesses	capítulos,	o	leitor	estará	entrando</p><p>em	contato	com	abordagens	que	propõem	um	número	restrito	de	princípios</p><p>firmes	e	seguros	que	são	utilizados	na	construção	positiva	do	conhecimento	das</p><p>línguas	e	da	faculdade	de	linguagem.</p><p>Finalizamos	o	primeiro	volume	com	o	capítulo	de	Linguística	Textual.	Essa	área,</p><p>que	tem	como	principal	interesse	o	estudo	dos	processos	de	produção,	recepção</p><p>e	interpretação	dos	textos,	reintegra	o	sujeito	e	a	situação	de	comunicação	em</p><p>seu	escopo	teórico.	Esse	movimento	faz	parte	de	um	esforço	mais	amplo	de</p><p>construção	de	uma	Linguística	para	além	dos	limites	da	frase.</p><p>Iniciamos	o	volume	2	apresentando	a	área	da	Semântica,	que	tem	como	objeto</p><p>de	estudo	a	questão	do	significado	e/ou	dos	processos	de	significação.	Esse	foi</p><p>um	tema	sempre	presente	em	outros	lugares	de	construção	do	conhecimento,	tais</p><p>como	a	Lógica,	a	Retórica,	a	Filosofia	e,	mais	recentemente,	a	Semiótica,	a</p><p>História,	a	Antropologia	e	as	Ciências	Cognitivas,	o	que	nos	sinaliza	para	o	fato</p><p>de	que	este	objeto	“transborda	as	próprias	fronteiras	da	Linguística”	e	nos	coloca</p><p>na	posição	de	ter	de	enfrentar	as	discussões	sobre	as	relações	entre	linguagem	e</p><p>mundo,	linguagem	e	conhecimento.</p><p>Os	capítulos	de	Pragmática,	Análise	da	Conversação	e	Análise	do	Discurso,	que</p><p>são	apresentados	na	sequência,	podem	ser	definidos,	de	maneira	geral,	como</p><p>aqueles	que,	a	partir	de	pressupostos	teóricos	diferenciados,	estabelecem</p><p>relações	com	a	exterioridade	da	linguagem,	problematizando	a	separação	entre	a</p><p>materialidade	da	língua	e	seus	contextos	de	produção.	Para	tanto,	essas	áreas</p><p>também	mobilizam	saberes	advindos	de	outros	campos,	tais	como	a	Filosofia	da</p><p>Linguagem,	a	Antropologia,	a	História,	a	Sociologia,	a	Psicanálise,	e	as	Ciências</p><p>Cognitivas,	proporcionando	ao	leitor	diferentes	olhares	em	relação	às	formas	de</p><p>construção	dos	sentidos,	de	nossa	subjetividade/alteridade	e	de	nossa</p><p>historicidade.</p><p>Com	o	capítulo	de	Neurolinguística,	continuamos	o	nosso	percurso	pelas	áreas</p><p>que,	pela	natureza	das	indagações	que	fazem,	são	constituídas	fundamentalmente</p><p>por	teorias	linguísticas	e	por	teorias	advindas	de	outros	campos	do	saber.	Em</p><p>outras	palavras,	“as	fronteiras	que	delimitam	os	objetos	de	estudo	destas	áreas</p><p>são	instáveis,	movediças”.	Os	capítulos	de	Neurolinguística,	Psicolinguística	e</p><p>Aquisição	da	Linguagem	se	distinguem	dos	outros	e	se	aproximam	entre	si	por</p><p>necessitarem	da	articulação	de	saberes	produzidos,	principalmente,	na</p><p>Linguística,	na	Psicologia	e	na	área	de	Neurociências,	para	que	sejam</p><p>respondidas	as	questões	elaboradas	em	seus	respectivos	campos	sobre	as</p><p>relações	entre	linguagem	e	cognição,	linguagem	e	cérebro,	enfim,	sobre	os</p><p>diferentes	modos	pelos	quais	os	sujeitos	adquirem,	organizam	e	reelaboram	o</p><p>conhecimento.</p><p>O	último	capítulo	deste	volume,	Língua	e	ensino:	políticas	de	fechamento,</p><p>tematiza	as	contribuições	que	alguns	importantes	pressupostos	teóricos</p><p>construídos	pela	ciência	da	linguagem	ao	longo	do	século	XX	podem	dar	para	o</p><p>ensino.	O	capítulo	apresenta	as	diferentes	concepções	de	gramática	que	norteiam</p><p>as	práticas	pedagógicas,	além	de	problematizar	as	atuais	práticas	de	leitura	e	de</p><p>produção	de	textos	na	escola,	proporcionando	ao	leitor	um	olhar	crítico	em</p><p>relação	aos	processos	de	“homogeneização	e	silenciamento	dos	sujeitos”,	tão	em</p><p>curso	nas	instituições	escolares.</p><p>Essa	explicação	sobre	a	disposição	dos	capítulos	na	obra	não	tem	o	objetivo	de</p><p>impor	uma	leitura	linear.	Dependendo	dos	seus	interesses	e	de	suas	questões,	o</p><p>leitor	poderá	elaborar	a	sua	própria	ordem	de	leitura.</p><p>Introdução	à	Linguística:	domínios	e	fronteiras	é	fruto	de	um	trabalho	coletivo,</p><p>resultante	de	uma	verdadeira	cooperação	entre	nós,	organizadoras,	entre	as</p><p>organizadoras	e	os	autores,	entre	os	autores	e	seus	diversos	interlocutores,	entre</p><p>nós	e	as	pessoas	que	acompanharam	mais	de	perto	o	projeto	ao	longo	desses</p><p>três	anos,	e	entre	nós	e	os	editores.	Esta	experiência	de	constante	diálogo	nos	foi</p><p>extremamente	valiosa	e	prazerosa.	Esperamos	que	nossos	leitores	também	se</p><p>beneficiem	da	estimulante	“atmosfera”	de	reflexão	sobre	a	linguagem</p><p>propiciada	pelo	trabalho	de	cada	um	dos	autores	desta	obra.</p><p>Aos	autores	e	autoras,	agradecemos	o	entusiasmo	com	que	se	engajaram	neste</p><p>projeto	intelectual,	a	tolerância	às	longas	conversas	teóricas	por	telefone	e	às</p><p>propostas	de	intervenção	em	seus	estilos	pessoais	de	escrita	e	pelos	textos	em	si,</p><p>que	se	constituem	em	brilhantes	contribuições	para	o	entendimento	da	ciência	da</p><p>linguagem	e	de	seus	tão	diversos	e	fascinantes	objetos.</p><p>Agradecemos	a	Sírio	Possenti	pela	gentileza	em	prefaciar	esta	obra,</p><p>colaborando,	com	seu	conhecimento	sobre	a	linguagem	e	sua	experiência	como</p><p>pesquisador	e	professor,	para	que	este	projeto	alcançasse	o	bom	nível	que</p><p>alcançou.	Agradecemos	também	à	Ingedore	Koch	que,	com	sua	reconhecida</p><p>autoridade	e	competência,	nos	presenteou	com	um	texto	de	apresentação	para	a</p><p>capa	desta	obra.</p><p>Gostaríamos	de	deixar	público	o	nosso	reconhecimento	aos	professores	Angel</p><p>Mori,	Aryon	Rodrigues,	Edwiges	Morato,	Erotilde	Pezatti,	Ester	Scarpa,	Helena</p><p>Brandão,	Ingedore	Koch,	Jairo	M.	Nunes,	João	Wanderley	Geraldi,	Kanavillil</p><p>Rajagopalan,	Luiz	Antônio	T.	Marcuschi,	Sírio	Possenti	e	à	pesquisadora	Helena</p><p>Britto,	por	suas	leituras	atenciosas,	que	contribuíram	de	forma	decisiva	para	a</p><p>concepção	e	organização	de	alguns	capítulos	desta	obra.</p><p>Temos	também	o	prazer	de	reconhecer	que,	nestes	tempos	difíceis	para	a</p><p>universidade	brasileira,	ainda	existem	espaços	institucionais	que	proporcionam</p><p>as	condições	para	que	um	projeto	dessa	natureza	seja	passível	de	ser	executado.</p><p>Assim,	agradecemos	ao	Instituto	de	Estudos	da	Linguagem	da	Universidade</p><p>Estadual	de	Campinas,	por	ser	uma	espécie	de	confortável	“lar”	acadêmico,	onde</p><p>tivemos	a	oportunidade	de	aprender	que	uma	formação	sólida	pode	e	deve	estar</p><p>aliada	a	compromissos	políticos	mais	amplos.</p><p>A	evolução	deste	livro	tem	um	débito	especial	para	com	Edwiges	Maria	Morato,</p><p>nossa	companheira	nesta	jornada	intelectual,	por	ter	participado	das	inúmeras</p><p>discussões	sobre	a	organização	dos	capítulos,	pelas	leituras	perspicazes	e</p><p>construtivas	de	alguns	deles	e	por	nos	ter	sempre	incentivado,	com	sua	amizade</p><p>sólida,	com	seu	brilhantismo	e	com	seu	compromisso	com	níveis	elevados	de</p><p>instigação,	a	acreditar	que	valia	a	pena.	Gostaríamos	ainda	de	agradecer	a	Ivana</p><p>Lima	Regis,	por	sua	amizade	e	por	ter	sido	uma	interlocutora	especial	em	todos</p><p>os	estágios	deste	trabalho,	e	a	Marcelo	Lemos	Silveira,	pelo	apoio	e</p><p>companheirismo.</p><p>Esperamos	que	este	livro	possibilite	ao	leitor	vislumbrar	a	ciência	da	linguagem.</p><p>Evidentemente,	não	tivemos	a	pretensão	de	esgotar	as	discussões	que	são	feitas</p><p>atualmente	nas	diferentes	áreas	apresentadas.	Ao	contrário,	Introdução	à</p><p>Linguística:	domínios	e	fronteiras	propõe-se	a	ser	uma	porta	de	entrada	para	o</p><p>campo	da	Linguística,	um	campo	vasto,	heterogêneo,	multidisciplinar,	que</p><p>consolida	seus	domínios	e	constrói	seus	objetos	de	estudo	a	partir	de	influências</p><p>intradisciplinares	e	de	uma	complexa,	mas	muito	produtiva,	rede	de	relações</p><p>com	outros	lugares	de	construção	do	conhecimento.</p><p>Fernanda	Mussalim</p><p>Anna	Christina	Bentes</p><p>Organizadoras</p><p>1</p><p>SEMÂNTICA¹</p><p>Roberta	Pires	de	Oliveira</p><p>1.	INTRODUÇÃO</p><p>Embora	não	seja	tarefa	fácil	definir	o	objeto	de	estudos	da	Semântica,	afirma-se</p><p>classicamente	que	seu	objeto	é	o	“significado”	das	palavras	e	das	sentenças.</p><p>se	ela	fosse	apenas	um</p><p>conjunto	de	regras	e	propriedades	formais,	ou	seja,	não	considera	a	língua</p><p>enquanto	produzida	em	determinadas	conjunturas	históricas	e	sociais.	A	outra</p><p>região,	de	contornos	instáveis,¹ 	ao	contrário,	“se	refere	à	linguagem	apenas	à</p><p>medida	que	esta	faz	sentido	para	sujeitos	inscritos	em	estratégias	de</p><p>interlocução,	em	posições	sociais	ou	em	conjunturas	históricas”.² 	A	Análise	do</p><p>Discurso	pertence	a	essa	última	região,	ou	seja,	considera	esse	último	modo	de</p><p>compreender	a	linguagem,	o	que	não	significa	que,	para	ela,	a	linguagem	não</p><p>apresente	também	um	caráter	formal,	como	apontava	o	próprio	Pêcheux</p><p>(1975/1988),	ao	afirmar	que	existe	uma	base	linguística	regida	por	leis	internas</p><p>(conjunto	de	regras	fonológicas,	morfológicas,	sintáticas)	sobre	a	qual	se</p><p>constituem	os	efeitos	de	sentido,	como	poderemos	observar	a	partir	da	análise	da</p><p>tira	que	se	segue:</p><p>Há	duas	maneiras	de	interpretar	o	enunciado	de	Stock	no	último	quadrinho:	que</p><p>há	vinte	anos	ele	vivia	fazendo	sexo	com	a	própria	noiva,	ou	então	que	há	vinte</p><p>anos	ele	vivia	fazendo	sexo	com	a	noiva	de	Wood,	seu	amigo.	Em	termos</p><p>essencialmente	linguísticos,	diríamos	que	o	que	permite	essa	ambiguidade	é	a</p><p>presença	do	pronome	possessivo	de	1ª	pessoa	“minha”.	Pelo	fato	de	ser	um</p><p>dêitico²¹	—	termo	que	permite	identificar	pessoas,	coisas,	momentos	e	lugares	a</p><p>partir	da	situação	de	enunciação	—,	possibilita	que	o	seu	referente	seja	tanto</p><p>Stock	quanto	Wood,	ou	seja,	permite	ao	leitor	que	ele	interprete	o	pronome</p><p>“minha”	como	referindo-se	à	noiva	de	Stock,	o	responsável	pelo	enunciado,	ou	à</p><p>noiva	de	Wood.	Isso	porque	poderíamos	nos	perguntar:	sobre	que	parte	do</p><p>enunciado	o	advérbio	“também”	da	expressão	“Eu	também”	incide?	Sobre	“Bete</p><p>Speed”	(eu	também	fazendo	sexo	com	a	Bete	Speed)	ou	sobre	“minha	noiva”	(eu</p><p>também	fazendo	sexo	com	minha	noiva)?	Em	outras	palavras,	qual	o	escopo²²	de</p><p>“também”?</p><p>Essa	primeira	análise,	referente	ao	funcionamento	da	língua,	explica	o	porquê	da</p><p>ambiguidade	na	tira,	mas	não	explica	por	que	achamos	graça	quando	Stock</p><p>enuncia	“Eu	também”	no	último	quadrinho.	Por	que	lemos	esta	tira	como	um</p><p>discurso	de	humor?	Devido	às	suas	condições	de	produção.	Produzido	para</p><p>circular	em	uma	sociedade	em	que	fazer	sexo	com	a	noiva	de	outro	seria	um</p><p>comportamento	bastante	fora	dos	padrões	morais	apresentados	como	adequados</p><p>a	seus	membros,	a	possibilidade	de	Stock	ter	feito	sexo	com	a	noiva	de	seu</p><p>amigo	gera	riso,	pois	coloca	Wood	em	uma	situação	bastante	constrangedora.	No</p><p>entanto,	este	mesmo	discurso	produzido	no	interior	da	comunidade	dos</p><p>esquimós,	por	exemplo,	não	geraria	riso,	pois,	segundo	os	costumes	dessa</p><p>comunidade,	quando	um	esquimó	recebe	um	visitante	em	sua	casa,	ele	oferece</p><p>sua	mulher	a	ele	como	sinal	de	hospitalidade.	Nesse	contexto,	portanto,	o</p><p>discurso	apresentado	nesta	tira	não	seria	de	humor,	seria	apenas	uma	conversa</p><p>corriqueira	entre	dois	amigos	que	relembram	fatos	do	passado.</p><p>A	ambiguidade	se	mantém	tanto	num	como	noutro	contexto,	mas	os	efeitos	que</p><p>ela	gera	são	diferentes,	e	são	justamente	esses	efeitos	de	sentido	que	interessam	à</p><p>Análise	do	Discurso.	No	caso	da	tira	em	questão,	a	pergunta	que	os	analistas	do</p><p>discurso	fariam	seria:	por	que	essa	ambiguidade	gera	riso?	Para	a	Análise	do</p><p>Discurso,	perguntar	somente	o	que	gera	a	ambiguidade	seria	muito	pouco,	essa</p><p>pergunta	já	seria	feita,	por	exemplo,	pela	Semântica	e	pela	Pragmática	(as</p><p>noções	de	escopo	e	de	dêixis,	mobilizadas	para	a	análise	da	tira,	pertencem,</p><p>respectivamente,	ao	quadro	teórico	dessas	duas	áreas	da	Linguística).	O	que</p><p>garante	a	especificidade	da	Análise	do	Discurso	é	a	formulação	de	uma	pergunta</p><p>subsequente	a	essa:	qual	o	efeito	dessa	ambiguidade?	A	resposta	a	essa	pergunta</p><p>reside	justamente	na	relação	que	os	analistas	do	discurso	procuram	estabelecer</p><p>entre	um	discurso	e	suas	condições	de	produção,	ou	seja,	entre	um	discurso	e	as</p><p>condições	sociais	e	históricas	que	permitiram	que	ele	fosse	produzido	e	gerasse</p><p>determinados	efeitos	de	sentido	e	não	outros.</p><p>É	preciso	esclarecer,	no	entanto,	ao	falarmos	da	especificidade	da	AD,	que	não</p><p>há	apenas	uma	Análise	do	Discurso,	esta	de	que	vimos	falando.	Como</p><p>decorrência	dessa	fronteira	instável	sobre	a	qual	se	situa	a	Análise	do	Discurso	e</p><p>em	função	da	disciplina	vizinha	com	a	qual	ela	privilegia	o	contato,	surgem</p><p>diferentes	“Análises	do	Discurso”.	Classicamente	considera-se	que,	se	uma	delas</p><p>mantém	uma	relação	privilegiada	com	a	História,	com	os	textos	de	arquivo,	que</p><p>emanam	de	instâncias	institucionais,	enquanto	uma	outra	privilegia	a	relação</p><p>com	a	Sociologia,	interessando-se	por	enunciados	com	estruturas	mais	flexíveis,</p><p>como	uma	conversa	informal,	por	exemplo,	têm-se	duas	“Análises	do	Discurso”</p><p>diferentes:	a	Análise	do	Discurso	de	origem	francesa,	que	privilegia	o	contato</p><p>com	a	História,	e	a	Análise	do	Discurso	anglo-saxã,²³	área	bastante	produtiva	no</p><p>Brasil,	que	privilegia	o	contato	com	a	Sociologia.</p><p>Atualmente,	no	entanto,	este	marco	divisório	não	é	tão	rígido	assim.	Possenti</p><p>(1996),	no	artigo	“O	dado	dado	e	o	dado	dado	(O	dado	em	análise	do	discurso)”,</p><p>faz	uma	consideração	a	esse	respeito,	apontando	que	a	diferença	entre	a	Análise</p><p>do	Discurso	de	origem	francesa	e	uma	análise	conversacional	não	precisa	ser</p><p>uma	diferença	de	dados,	mas	de	teoria:	“não	é	porque	os	eventos	de	discurso	de</p><p>tipo	‘linguagem	ordinária’	foram	objeto	de	descrições	‘conversacionais’	ou</p><p>‘intencionais’	que	eles	não	são	discursos,	que	eles	não	podem	ser	tomados	em</p><p>conta	numa	AD”.²⁴	Assim,	o	que	diferencia	a	Análise	do	Discurso	de	origem</p><p>francesa	da	Análise	do	Discurso	anglo-saxã,	ou	comumente	chamada	de</p><p>americana,	é	que	esta	última	considera	a	intenção	dos	sujeitos	numa	interação</p><p>verbal	como	um	dos	pilares	que	a	sustenta,	enquanto	a	Análise	do	Discurso</p><p>francesa	não	considera	como	determinante	essa	intenção	do	sujeito;	esta</p><p>considera	que	esses	sujeitos	são	condicionados	por	uma	determinada	ideologia</p><p>que	predetermina	o	que	poderão	ou	não	dizer	em	determinadas	conjunturas</p><p>histórico-sociais.	Essa	é,	entre	outras,	uma	das	diferenças	teóricas	entre	as	duas</p><p>linhas.</p><p>Apontamos,	de	maneira	bastante	geral,	diferenças	entre	a	Análise	do	Discurso	de</p><p>origem	francesa	e	a	de	origem	anglo-saxã.	No	entanto,	há	diferenças	no	interior</p><p>de	cada	uma	dessas	vertentes.	No	interior	da	Análise	do	Discurso	de	origem</p><p>francesa,	por	exemplo,	Fiorin	(1990)	aponta	diferentes	tendências.	Fazendo	uma</p><p>análise	do	que	foi	feito	no	Brasil	nas	últimas	décadas	em	termos	de	Análise	do</p><p>Discurso,	o	autor	apresenta	três	correntes	ordenadas	historicamente	e</p><p>apresentadas	a	partir	dos	interditos,	ou	seja,	a	partir	do	que	não	é	“permitido”</p><p>fazer	no	interior	de	cada	uma	delas.</p><p>A	primeira	corrente	“proibia	ocupar-se	do	funcionamento	interno	do	texto”,	sob</p><p>o	risco	de	ser	tachado	de	um	“direitista	do	campo	da	Letras”.	A	segunda	corrente</p><p>esboçava	um	interdito	contrário:	“é	preciso	ocupar-se	do	funcionamento	interno</p><p>do	texto”.²⁵	Fiorin	(1990)	analisa	esse	interdito	relacionando-o	com	a	“vitória”</p><p>do	capitalismo,	que	concebe	a	história	como	“contrato”,	ou	seja,	como	sendo</p><p>regida	pelos	mecanismos	internos	do	mercado.	Analogicamente,	na	Análise	do</p><p>Discurso,	os	mecanismos	internos	de	produção	do	sentido	é	que	serão</p><p>enfatizados.	Não	obedecer	à	interdição	dessa	segunda	corrente	significaria	pagar</p><p>o	preço	de	ser	considerado	“anacrônico”,	assim	como	neste	momento	é</p><p>considerado	anacrônico	o	universo	conceitual	marxista.	A	terceira	corrente,	que</p><p>representa	a	tendência	atual,	procura	eliminar	esses	dois	interditos	que	pesaram</p><p>sobre	a	AD	em	determinados	momentos	e	abordar	o	discurso	em	toda	a	sua</p><p>complexidade,	concebendo-o	como	um	objeto	linguístico	e	cultural.	Há,</p><p>entretanto,	apesar	dessas	divergências,	um	elemento	comum	entre	essas	Análises</p><p>do	Discurso,	e	esse	elemento	comum	diz	respeito	à	própria	especificidade	da</p><p>AD,	como	ressalta	Fiorin	(1990):	“o	que	é	específico	de	todas	essas	Análises	do</p><p>Discurso	é	o	estudo	da	discursivização”,² 	ou	seja,	o	estudo	das	relações	entre</p><p>condições	de	produção	dos	discursos	e	seus	processos	de	constituição.</p><p>Tendo	apresentado	o	palco	intelectual</p><p>—	ocupado	ao	mesmo	tempo	pelo</p><p>estruturalismo,	marxismo	e	psicanálise	—	sobre	o	qual	emerge	a	AD	e	mostrado</p><p>a	sua	especificidade,	passaremos	agora	a	apontar	duas	influências	decisivas	neste</p><p>primeiro	momento	de	fundação	da	AD,	no	que	tange	aos	seus	procedimentos	de</p><p>análise.	Trata-se	do	método	harrisiano	de	análise	e	das	gramáticas	gerativas.</p><p>1.3.	Procedimentos	de	análise:	a	contribuição	de	Harris	e	Chomsky</p><p>O	método	de	Harris	(1969)	seguia	o	rumo	das	análises	estruturalistas,	mas</p><p>ampliava	a	unidade	de	análise.	Propondo-se	a	analisar	o	texto,	concebe	tal</p><p>análise	como	uma	análise	transfrástica,	isto	é,	como	uma	análise	que	transpunha</p><p>o	limite	do	enunciado,	uma	vez	que	não	toma	como	unidade	de	análise	os</p><p>elementos	que	o	compõem,	mas	o	próprio	enunciado.	É	um	método	fundado</p><p>basicamente	na	linearidade	do	discurso;	o	autor	propõe	que	se	observe	a	ligação</p><p>entre	os	enunciados	a	partir	de	conectivos,	com	o	objetivo	de	equacionar	essa</p><p>linearidade	em	classes	de	equivalência.	Tomaremos	como	exemplo	ilustrativo	de</p><p>uma	análise	pautada	pelo	método	harrisiano	o	seguinte	discurso,	analisado	por</p><p>Osakabe	(1979,	p.	12-13):</p><p>(1)	O	menino	viu	o	belo	quadro	e	gostou	dele.	Mas	o	pintor	não	lhe	deu	o</p><p>quadro.</p><p>Segundo	o	autor,	esse	discurso,	já	na	forma	reduzida	por	transformações	e</p><p>equivalências	fornecidas	pela	gramática	da	língua,	poderia	ser	apresentado	da</p><p>seguinte	maneira:</p><p>(1’)	O	menino	viu	o	quadro.</p><p>O	quadro	era	belo.</p><p>O	menino	gostou	do	quadro.</p><p>(Mas)	o	pintor	não	deu	o	quadro	ao	menino.</p><p>Partindo	das	recorrências	e	da	distribuição	dos	elementos	de	cada	enunciado,</p><p>obtém-se	um	quadro	de	equivalências.	Por	exemplo,	o	verbo	ver	pode,	neste</p><p>contexto,	ser	tomado	como	equivalente	a	gostar,	e	assim	teríamos:</p><p>(2)	A:	1.	O	menino	viu	o	quadro.</p><p>2.	O	menino	gostou	do	quadro.</p><p>B:	O	quadro	era	belo.</p><p>(Mas)</p><p>C:	O	pintor	não	deu	o	quadro	ao	menino.</p><p>Como	resultado,	obteríamos	a	seguinte	forma	para	esse	discurso:</p><p>(3)	A1:</p><p>A2:</p><p>B:</p><p>(Mas)</p><p>C:</p><p>Ou	ainda,</p><p>(4)	A:</p><p>B:</p><p>(Mas)</p><p>C:</p><p>O	recurso	a	esse	método	pelos	iniciadores	da	AD	explica-se	por	um	certo</p><p>interesse	comum	em	produzir	uma	análise	da	superfície	discursiva:	Dubois	se</p><p>valia	desse	método,	como	relata	Maldidier	(1994),	como	“um	meio	de	fazer</p><p>aparecer	as	regularidades	significativas	dos	discursos	contrastados	pelo</p><p>corpus”,²⁷	ou	seja,	como	uma	forma	de	evidenciar	o	que	havia	de	regular,	de</p><p>constante	em	cada	um	dos	discursos	contrastados.	Para	Pêcheux,	por	sua	vez,	a</p><p>deslinearização	decorrente	das	transformações	—	(1)	e	(2)	—,	por	exemplo,</p><p>permitia	perceber	os	traços	dos	processos	discursivos	—	(3)	e	(4)	—,	ou	seja,	os</p><p>processos	pelos	quais	um	discurso	se	constituía	enquanto	tal.</p><p>Harris,	como	foi	possível	perceber,	restringe-se	a	uma	concepção	de	discurso</p><p>como	uma	sequência	de	enunciados.	Essa	definição	mostrou-se	insuficiente	para</p><p>os	propósitos	da	AD,	que	buscava	reintegrar	uma	teoria	do	sujeito	e	uma	teoria</p><p>da	situação.	Assim,	Pêcheux,	visando	a	construção	de	um	arcabouço	teórico	que</p><p>lhe	permitisse	isso,	passa	a	considerar	a	oposição	enunciação	e	enunciado.²⁸	A</p><p>primeira	se	refere	às	condições	de	produção	do	discurso	(é	neste	nível	que	será</p><p>possível	reintegrar	as	teorias	do	sujeito	e	da	ideologia),	que	permitiriam	a</p><p>elocução	de	um	discurso	e	não	de	outros,	isto	é,	refere-se	a	determinadas</p><p>circunstâncias,	a	saber,	o	contexto	histórico-ideológico	e	as	representações	que	o</p><p>sujeito,	a	partir	da	posição	que	ocupa	ao	enunciar,	faz	de	seu	interlocutor,	de	si</p><p>mesmo,	do	próprio	discurso	etc.;	e	o	segundo	se	refere	à	superfície	discursiva</p><p>resultante	dessas	condições.	O	procedimento	gerativista	de	análise,² 	já	bastante</p><p>difundido	na	época,	vem	ao	encontro	dos	interesses	de	Pêcheux.</p><p>Em	1957,	Noam	Chomsky,	aluno	de	Z.	Harris,	publica	Estruturas	sintáticas	e</p><p>coloca	em	questão	o	método	estruturalista	americano.³ 	Chomsky	postula	a</p><p>existência	de	um	sistema	de	regras	internalizadas	responsável	pela	geração	das</p><p>sentenças.	A	possibilidade	de	produzir	uma	análise	nesses	moldes	aponta	um</p><p>caminho	para	a	AD	reintegrar	as	teorias	do	sujeito	e	da	situação.	Numa	analogia</p><p>com	o	postulado	de	que	o	sistema	de	regras	é	responsável	pela	geração	das</p><p>sentenças,	propõe-se	a	noção	de	condições	de	produção,	responsável	pela</p><p>geração	dos	discursos.	Esse	conceito	de	condições	de	produção	é,	como	aponta</p><p>Orlandi	(1987),	básico	para	a	AD,	pois	elas	“caracterizam	o	discurso,	o</p><p>constituem	e	como	tal	são	objeto	de	análise”.³¹	Para	a	AD,	portanto,	a</p><p>enunciação	não	é	um	desvio,	mas	um	“processo	constitutivo	da	matéria</p><p>enunciada”,	afirma	a	autora.³²</p><p>É	este	último	procedimento	de	análise	que	será	produtivo	para	a	AD,	pois	será	a</p><p>partir	dele	que	ela	formulará	e	reformulará	seus	procedimentos	de	análise	e	seu</p><p>objeto	de	estudo,	que	definirão,	por	sua	vez,	o	que	chamamos	as	fases	da	AD.</p><p>2.	FASES	DA	AD:	OS	PROCEDIMENTOS	DE	ANÁLISE	E	A	DEFINIÇÃO</p><p>DO	OBJETO</p><p>A	primeira	época	da	Análise	do	Discurso³³	(doravante	AD-1)	explora	a	análise</p><p>de	discursos	mais	“estabilizados”,	no	sentido	de	serem	pouco	polêmicos,³⁴	por</p><p>permitirem	uma	menor	carga	polissêmica,	isto	é,	uma	menor	abertura	para	a</p><p>variação	do	sentido	devido	a	um	maior	silenciamento	do	outro	(outro</p><p>discurso/outro	sujeito).	Os	discursos	políticos	teórico-doutrinários,	como	um</p><p>manifesto	do	Partido	Comunista,	são	um	bom	exemplo.	Por	serem	mais</p><p>“estabilizados”,	pressupõe-se	que	tais	discursos	sejam	produzidos	a	partir	de</p><p>condições	de	produção	mais	estáveis	e	homogêneas,	isto	é,	no	interior	de</p><p>posições	ideológicas	e	de	lugares	sociais	menos	conflitantes:	o	manifesto</p><p>comunista	é	enunciado	do	interior	do	Partido	Comunista	e	representa	seus</p><p>possíveis	interlocutores	inscritos	neste	mesmo	espaço	discursivo.	Considere,</p><p>para	contrapor,	um	debate	político	de	que	estivessem	participando	marxistas	e</p><p>liberais.	Nessas	condições	de	produção,	o	discurso	do	Partido	Comunista</p><p>representaria	parte	de	seu(s)	interlocutor(es)	inscrito(s)	em	um	outro	lugar	social,</p><p>a	saber,	no	espaço	discursivo	liberal.	Neste	caso,	teríamos	uma	relação	mais</p><p>conflitante,	pouco	“estabilizada”.	Um	debate	não	seria,	portanto,	objeto	de</p><p>análise	da	AD-1.</p><p>Com	relação	aos	procedimentos	de	análise	da	AD-1,	eles	são	realizados	por</p><p>etapas,	apresentadas	a	seguir:</p><p>a)	primeiramente	se	seleciona	um	corpus	fechado	de	sequências	discursivas	(o</p><p>corpus	analisado	por	Simone	Bonnafous,³⁵	sobre	as	moções	do	Congresso	de</p><p>Metz	do	Partido	Socialista,	de	1979,	é	um	bom	exemplo);</p><p>b)	em	seguida,	faz-se	a	análise	linguística	de	cada	sequência,	considerando	as</p><p>construções	sintáticas	(de	que	maneira	são	estabelecidas	as	relações	entre	os</p><p>enunciados)	e	o	léxico	(levantamento	de	vocabulário);</p><p>c)	passa-se	depois	à	análise	discursiva,	que	consiste	basicamente	em	construir</p><p>sítios	de	identidades	a	partir	da	percepção	da	relação	de	sinonímia	(substituição</p><p>de	uma	palavra	por	outra	no	contexto)	e	de	paráfrase	(sequências	substituíveis</p><p>entre	si	no	contexto);</p><p>d)	por	fim,	procura-se	mostrar	que	tais	relações	de	sinonímia	e	paráfrase	são</p><p>decorrentes	de	uma	mesma	estrutura	geradora	do	processo	discursivo.</p><p>Têm-se,	então,	a	noção	de	“máquina	discursiva”:	uma	estrutura	(condições	de</p><p>produção	estáveis)	responsável	pela	geração	de	um	processo	discursivo	(o</p><p>processo	de	construção	das	moções	do	Congresso	de	Metz	do	Partido	Socialista,</p><p>de	1979,	por	exemplo)	a	partir	de	um	conjunto	de	argumentos	e	de	operadores</p><p>responsáveis	pela	construção	e	transformação	das	proposições,	concebidas	como</p><p>princípios	semânticos	que	definem,	delimitam	um	discurso	(o	do	Congresso	de</p><p>Metz	do	Partido	Socialista,	para	tomá-lo	como	exemplo).</p><p>Para	a	AD-1,	cada	processo	discursivo	é	gerado	por	uma	máquina	discursiva.</p><p>Assim,	diferentes	processos	discursivos	referem-se	a	diferentes	máquinas</p><p>discursivas,	cada	uma	delas	idêntica	a	si	mesma	e	fechada	sobre	si	mesma</p><p>(Pêcheux,	1983/1990).</p><p>Na	segunda	fase	da	AD³ 	(AD-2),	a	noção	de	máquina	estrutural	fechada	começa</p><p>a	explodir.	O	conceito	de	formação	discursiva,	elaborado	pelo	filósofo	Michel</p><p>Foucault	(1969/2004),	é	um	dos	dispositivos	que	desencadeia	esse	processo	de</p><p>transformação	na	concepção	do	objeto	de	análise	da	Análise	do	Discurso.</p><p>Faremos</p><p>uma	incursão	pelas	formulações	de	Foucault	em	torno	desse	conceito,	a</p><p>fim	de	delimitar	melhor	sua	abordagem	e,	ao	mesmo	tempo,	possibilitar	ao	leitor</p><p>que,	no	decorrer	da	leitura	deste	capítulo,	ele	possa	bem	distinguir	entre	as</p><p>concepções	foucaultiana	e	pecheutiana	de	formação	discursiva.</p><p>Foucault	(1969/2004),	em	seu	livro	Arqueologia	do	saber,	define	discurso	como</p><p>um	conjunto	de	enunciados	que	provém	de	um	mesmo	sistema	de	formação,	ou</p><p>ainda,	para	especificar	melhor,	define	discurso	como	sendo	constituído	por	um</p><p>número	limitado	de	enunciados	para	os	quais	se	pode	definir	um	conjunto	de</p><p>condições	de	existência.</p><p>Nesse	livro,	o	autor	dá	um	tratamento	extenso	ao	discurso,	uma	vez	que	a</p><p>arqueologia	proposta	por	ele	é	uma	modalidade	de	análise	do	discurso.	O</p><p>discurso,	nessa	obra,	tem	o	estatuto	de	uma	entrada	metodológica,	visto	que	o</p><p>alvo	das	reflexões	de	Foucault	não	é	o	discurso	em	si,	isto	é,	o	conjunto	de</p><p>enunciados,	mas	a	descrição	de	suas	condições	de	existência,	de	seu	sistema	de</p><p>formação,	ou,	melhor	dizendo,	da	formação	discursiva,	definida	como</p><p>um	conjunto	de	regras	anônimas,	históricas,	sempre	determinadas	no	tempo	e	no</p><p>espaço	que	definiram	em	uma	época	dada,	e	para	uma	área	social,	econômica,</p><p>geográfica	ou	linguística	dada,	as	condições	de	exercício	da	função</p><p>enunciativa.³⁷</p><p>Enunciado,	discurso	e	formação	discursiva	são,	pois,	conceitos	que,	em</p><p>Foucault,	reenviam	uns	aos	outros.</p><p>N’Arqueologia,	o	autor	se	propõe	a	realizar,	fundamentalmente,	duas	grandes</p><p>tarefas.	A	primeira	delas	consiste	em	liberar	terreno,	isto	é,	em	desfazer-se	de</p><p>categorias	que,	em	alguma	medida	reforçam:</p><p>i)	o	pressuposto	da	continuidade	histórica,	como	é	o	caso	das	noções	de	tradição;</p><p>de	influência;	de	desenvolvimento	e	evolução;	de	mentalidade	ou	espírito	de</p><p>época;</p><p>ii)	a	ideia	de	familiaridade,	que	sustenta	agrupamentos	(ciência,	literatura,</p><p>filosofia,	religião,	história,	ficção)	tomados	como	grandes	individualidades</p><p>históricas;</p><p>iii)	temas	que	condenam	a	análise	histórica	à	repetição,	tais	como	o	de	que	há,</p><p>para	além	de	qualquer	começo,	uma	origem	secreta;	e	o	de	que	todo	discurso</p><p>efetivo	repousaria	sobre	um	já	dito.</p><p>Uma	vez	suspensas	tais	categorias,	o	autor	passa	a	delinear	os	instrumentos	e	o</p><p>objetivo	fundamental	da	arqueologia	que	propõe.	Enquanto	método	de	análise</p><p>dos	discursos,	a	arqueologia	não	busca	ser	nem	interpretação,	o	que	implicaria</p><p>referir	o	discurso	às	coisas	ou	à	interioridade	da	consciência	de	um	indivíduo</p><p>(por	isso	Foucault	recusa	o	conceito	de	frase),	nem	tampouco	formalização,	o</p><p>que	implicaria	estabelecer	as	condições	gramaticais	e	lógicas	da	formação	dos</p><p>enunciados	(por	isso	recusa	o	conceito	de	proposição).	Diferentemente,	a</p><p>arqueologia	que	propõe	trata-se	de	uma	análise	histórica	das	condições	de</p><p>enunciabilidade	ou,	mais	especificamente,	trata-se	de	uma	análise	das	condições</p><p>de	possibilidade	que	fizeram	com	que,	em	determinado	momento	histórico,</p><p>apenas	alguns	enunciados	tenham	sido	efetivamente	possíveis	—	isto	é,	tenham</p><p>sido	efetivamente	produzidos	—	e	outros	não.	É	a	partir	dessa	perspectiva	que</p><p>Foucault	assume	o	enunciado	como	unidade	de	análise	e	busca	definir	as</p><p>formações	discursivas	a	partir	de	suas	regularidades.</p><p>Mas	que	regularidades	são	essas?	Para	esclarecer	essa	questão,	Foucault	delineia</p><p>quatro	hipóteses	que	fundamentam	a	arqueologia	que	propõe	enquanto	método</p><p>de	análise	dos	discursos.</p><p>Recusando	a	ideia	de	que	enunciados,	diferentes	em	sua	forma	e	dispersos	no</p><p>tempo,	formam	um	conjunto	quando	se	referem	a	um	único	e	mesmo	objeto,	isto</p><p>é,	rechaçando	a	ideia	de	que	a	unidade	dos	discursos	se	funda	na	unidade	do</p><p>objeto,	o	autor	formula	a	hipótese	de	que	cada	discurso	(por	exemplo,	o	discurso</p><p>clínico,	o	discurso	econômico,	o	discurso	da	história	natural,	o	discurso</p><p>psiquiátrico)	constitui	seu	objeto	e	o	elabora	até	transformá-lo	inteiramente,	de</p><p>modo	que	os	enunciados	de	um	discurso	remetem	não	a	um	correlato	que	lhe</p><p>imprime	sentido,	ou	a	um	referente	no	mundo	que	determina	seu	valor	de</p><p>verdade,	mas	a	um	referencial	constituído	pelas	regras	que	definem	as	condições</p><p>históricas	de	surgimento	de	um	objeto.	Com	base	em	seu	trabalho	desenvolvido</p><p>em	História	da	loucura	(1961/2008),	o	autor	esclarece	que	não	se	deve	tentar</p><p>identificar	um	objeto	(no	caso,	a	loucura)	único	e	perene,	mas	tentar	estabelecer</p><p>as	regras	que	determinaram	o	espaço	histórico-social	em	que	esse	objeto	se</p><p>constituiu	e	se	transformou.	Por	exemplo,	deve-se	tentar	explicar	por	que,	em</p><p>determinada	época,	começou-se	a	falar	de	determinados	comportamentos	em</p><p>termos	de	loucura	e	enfermidade	mental.</p><p>Na	análise	da	formação	dos	objetos,	Foucault	afirma	que	é	necessário:</p><p>a)	demarcar	as	superfícies	primeiras	de	emergência,	isto	é,	mostrar	onde	podem</p><p>surgir.	No	caso	da	psicopatologia	do	século	XIX,	o	autor	afirma	que	essas</p><p>superfícies	primeiras	de	emergência	dos	objetos	(que	fazem-nos	aparecer,</p><p>tornam-nos	nomeáveis	e	descritíveis)	foram,	muito	provavelmente,	constituídas</p><p>pela	família,	pelo	meio	do	trabalho,	pela	comunidade	religiosa,	pelo	grupo	social</p><p>próximo,	pela	arte	com	sua	normatividade	própria,	pela	sexualidade,	pela</p><p>penalidade;</p><p>b)	descrever	as	instâncias	de	delimitação,	que	distinguem,	nomeiam,	instauram</p><p>os	objetos.	No	século	XIX,	por	exemplo,	a	medicina	tornou-se	a	instância</p><p>superior	que,	na	sociedade	ocidental,	distinguiu,	designou,	nomeou	e	instaurou	a</p><p>loucura	como	objeto.	Mas,	além	da	medicina,	também	a	justiça	penal,	a</p><p>autoridade	religiosa,	a	crítica	literária	e	artística	tornaram-se	instâncias	de</p><p>delimitação	desse	objeto;</p><p>c)	analisar	as	grades	de	especificação,	que	se	referem	aos	sistemas	segundo	os</p><p>quais	se	separam,	se	opõem,	se	associam,	se	reagrupam,	se	classificam,	se</p><p>derivam,	por	exemplo,	as	diferentes	“loucuras”	como	objetos	do	discurso</p><p>psiquiátrico	do	século	XIX.	As	grades	de	especificação	desse	discurso,	segundo</p><p>Foucault,	foram	a	alma,	o	corpo,	a	vida	e	a	história	dos	indivíduos,	os	jogos	de</p><p>correlações	psicológicas.</p><p>Entretanto,	de	acordo	com	Foucault	(1969/2004),	a	consideração	dessas	três</p><p>instâncias	não	é	suficiente	para	se	analisar	a	formação	dos	objetos	e,	com	base</p><p>nesse	aspecto,	caracterizar	a	individualidade	de	um	discurso.	A	formação	dos</p><p>objetos	é	assegurada	pelo	conjunto	de	relações	estabelecidas	entre	essas</p><p>instâncias	—	de	emergência,	delimitação	e	especificação.</p><p>A	segunda	hipótese	formulada	pelo	autor	nasce	da	recusa	à	ideia	de	que	a</p><p>unidade	dos	discursos	se	funda	na	forma	de	seus	enunciados,	no	tipo	de</p><p>encadeamento	entre	eles,	ou	seja,	num	certo	caráter	constante	da	enunciação,</p><p>num	certo	estilo,	portanto.	Diferentemente,	Foucault	postula	que	apenas	se	pode</p><p>dizer	que	um	conjunto	de	enunciados	pertence	à	mesma	ordem	do	discurso,</p><p>caracterizando	o	modo	de	coexistência	desses	enunciados	(dispersos	e</p><p>heterogêneos),	descrevendo	o	sistema	que	rege	sua	repartição,	o	modo	como	se</p><p>transformam,	se	apoiam	uns	nos	outros,	se	supõem	ou	se	excluem,	se	revezam,</p><p>se	substituem.	Por	exemplo,	em	O	nascimento	da	clínica	(1963/2008),	o	autor</p><p>busca	demonstrar	que	a	unidade	do	discurso	clínico	não	decorre	da	unicidade	das</p><p>modalidades	enunciativas;	diferentemente,	sua	individualidade	provém	do</p><p>conjunto	de	regras	que	possibilitam	a	coexistência	de	diferentes	modalidades</p><p>enunciativas.	Essas	modalidades	enunciativas	diversas	e	o	lugar	de	onde	vêm</p><p>podem	ser	identificadas	a	partir	das	seguintes	questões:</p><p>a)	“quem	fala?”:	quem,	no	conjunto	de	todos	os	sujeitos	falantes,	tem	esta</p><p>espécie	de	linguagem?	/	qual	é	o	status	dos	indivíduos	que	têm	o	direito	de</p><p>proferir	semelhante	discurso?;</p><p>b)	“de	que	lugares	institucionais	se	fala?”:	de	onde	o	médico	obtém	seu	discurso,</p><p>e	de	onde	este	encontra	sua	origem	legítima	e	seu	ponto	de	aplicação	(o	hospital,</p><p>a	prática	privada,	o	laboratório)?;</p><p>c)	“de	que	posições	variadas	se	fala?”:	o	sujeito	questiona	a	partir	de	que	grade</p><p>de	interrogações,	ouve	a	partir	de	que	programa	de	informação?	/	ocupa	que</p><p>lugar	na	rede	de	informações	(no	ensino	teórico	ou	na	pedagogia	escolar;	no</p><p>sistema	da	comunicação	oral	ou	da	documentação	escrita)?	etc.</p><p>Foucault	(1969/2004)	esclarece	que</p><p>essas	diversas	modalidades	de	enunciação</p><p>não	estão	relacionadas	à	unidade	de	um	sujeito,	isto	é,	não	remetem	à	função</p><p>unificante	de	um	sujeito;	diferentemente,	manifestam	sua	dispersão	nos	diversos</p><p>status,	nos	diversos	lugares,	nas	diversas	posições	que	pode	ocupar	ao	exercer</p><p>um	discurso,	na	descontinuidade	dos	planos	de	onde	fala,	portanto.	Com	base</p><p>nesse	pressuposto	é	que	o	autor	postula	que	não	é	pelo	recurso	a	uma</p><p>subjetividade	psicológica	ou	a	um	sujeito	transcendental	que	o	regime	das</p><p>enunciações	de	um	discurso	é	definido,	mas	pelo	sistema	de	relações	por	meio</p><p>do	qual	todas	as	modalidades	de	enunciação	encontram-se	ligadas.	Deve-se,</p><p>pois,	definir	a	unidade	de	um	discurso	considerando	o	campo	de	regularidades</p><p>que	rege	essas	diversas	(e	dispersas)	modalidades	de	subjetividade.</p><p>A	terceira	hipótese	apresentada	pelo	autor	em	Arqueologia	do	saber	(1969/2004)</p><p>diz	respeito	à	formação	dos	conceitos.	Foucault	refuta	a	ideia	de	que	a	unidade</p><p>dos	discursos	se	funda	na	persistência	e	permanência	de	determinados	conceitos</p><p>e	defende	que	o	reconhecimento	dessa	unidade	decorre	da	descrição	da</p><p>organização	do	campo	em	que	os	enunciados	aparecem	e	circulam,	isto	é,	da</p><p>descrição	de:</p><p>a)	como	esses	enunciados	se	sucedem:</p><p>•	como	as	séries	enunciativas	se	ordenam	(por	inferência,	demonstração	etc.);</p><p>•	quais	são	os	tipos	de	dependência	enunciativa	(dependência	hipótese-</p><p>verificação,	lei	geral-caso	particular	etc.);</p><p>•	quais	são	os	esquemas	retóricos	(como	se	articulam	num	texto,	por	exemplo,</p><p>deduções	e	descrições).</p><p>b)	quais	são	suas	formas	de	coexistência,	que	incluem:</p><p>•	campo	de	presença:	todos	os	enunciados	já	formulados	em	alguma	parte	e	que</p><p>são	retomados	em	um	discurso,	a	título	de	pressuposto	necessário,	verdade</p><p>admitida,	raciocínio	fundado,	bem	como	todos	os	enunciados	discutidos,</p><p>criticados,	julgados,	rejeitados,	excluídos;</p><p>•	campo	de	concomitância:	enunciados	que	pertencem	a	tipos	de	discurso</p><p>diversos	e/ou	que	se	referem	a	domínios	de	objetos	inteiramente	diferentes,	mas</p><p>que	atuam	entre	os	enunciados	estudados,	valendo	como	confirmação	lógica,</p><p>princípio	geral,	modelos	transferíveis	a	outros	conteúdos	etc.;</p><p>•	domínio	de	memória:	enunciados	que	não	são	mais	admitidos,	nem	discutidos	e</p><p>que,	por	isso,	não	definem	mais	nem	um	corpo	de	verdades,	nem	um	domínio	de</p><p>validade,	mas	em	relação	aos	quais	são	estabelecidos	laços	de	gênese,	filiação,</p><p>transformação,	continuidade	ou	descontinuidade	histórica.</p><p>c)	quais	são	os	procedimentos	de	intervenção	que	podem	ser	aplicados	aos</p><p>enunciados,	e	que	aparecem:</p><p>•	nas	técnicas	de	reescrita:	as	que	permitiram,	por	exemplo,	aos	naturalistas	do</p><p>período	clássico	reescrever	descrições	lineares	em	quadros	classificatórios;</p><p>•	nos	métodos	de	transcrição	de	enunciados:	das	línguas	naturais	para	uma	língua</p><p>mais	ou	menos	formalizada	e	artificial,	por	exemplo;</p><p>•	nos	modos	de	tradução	dos	enunciados	quantitativos	em	formulações</p><p>qualitativas	e	vice-versa;</p><p>•	nos	meios	utilizados	para	aumentar	a	aproximação	dos	enunciados	e	refinar	sua</p><p>exatidão;</p><p>•	na	maneira	pela	qual	se	delimita	o	domínio	de	validade	dos	enunciados	(por</p><p>extensão	ou	restrição);</p><p>•	na	maneira	pela	qual	se	transfere	um	tipo	de	enunciado	de	um	campo	de</p><p>aplicação	a	outro	(por	exemplo,	a	transferência	da	caracterização	vegetal	à</p><p>taxinomia	animal);</p><p>•	nos	métodos	de	sistematização	de	proposições,	que	já	foram	formuladas</p><p>anteriormente	e	em	separado;</p><p>•	nos	métodos	de	redistribuição	de	enunciados	já	ligados	uns	aos	outros,	mas	que</p><p>são	recompostos	em	um	novo	conjunto	sistemático.</p><p>No	entanto,	mais	uma	vez,	Foucault	(1969/2004)	esclarece	que	toda	essa</p><p>descrição	não	é	suficiente	para	definir	a	unidade	de	um	discurso,	visto	que	o	que</p><p>permite	delimitar	o	grupo	de	conceitos	específicos	a	ele	é	a	maneira	pela	qual</p><p>todos	esses	diferentes	elementos	(relativos	à	organização	do	campo	de</p><p>enunciados,	à	configuração	desse	campo	e	aos	procedimentos	de	intervenção)</p><p>estão	relacionados	uns	aos	outros;	é	esse	feixe	de	relações	que	constitui	um</p><p>sistema	de	formação	conceitual.</p><p>Por	fim,	Foucault	apresenta	a	quarta	hipótese	de	seu	trabalho.	Refutando	o</p><p>pressuposto	de	que	a	unidade	dos	discursos	provém	da	identidade	e	da</p><p>persistência	de	determinados	temas,	o	autor	afirma	que	definir	essa	unidade</p><p>implica	definir	as	suas	possibilidades	estratégicas,³⁸	ou	seja,	implica:</p><p>a)	assinalar	os	pontos	de	difração	possíveis	do	discurso,	que	se	caracterizam</p><p>como:</p><p>•	pontos	de	incompatibilidade:	dois	objetos,	dois	tipos	de	enunciação	ou	dois</p><p>conceitos	podem	aparecer	no	mesmo	discurso,	mas	não	podem	entrar	em	uma</p><p>mesma	e	única	série	de	enunciados;</p><p>•	pontos	de	equivalência:	dois	elementos	incompatíveis	que,	por	responderem	às</p><p>mesmas	possibilidades	de	existência,	por	serem	formados	a	partir	das	mesmas</p><p>regras	e	se	situarem	em	um	mesmo	nível,	representam	uma	alternativa;</p><p>•	pontos	de	ligação	de	uma	sistematização,	que	possibilitam	que,	a	partir	de</p><p>pontos	de	equivalência	ou	incompatibilidade,	sejam	derivados	uma	série</p><p>coerente	de	objetos,	formas	enunciativas	e	conceitos,	com	outros	pontos	de</p><p>incompatibilidade	ou	equivalência.</p><p>b)	descrever	as	instâncias	específicas	de	decisão,	a	fim	de	explicar	as	escolhas</p><p>realizadas,	entre	todas	que	poderiam	ter	sido	feitas.	Descrever	tais	instâncias</p><p>implica:</p><p>•	explicitar	a	economia	da	constelação	discursiva,	isto	é,	o	papel	desempenhado</p><p>pelo	discurso	estudado	em	relação	aos	que	lhe	são	contemporâneos	e	vizinhos;</p><p>•	descrever,	entre	diversos	discursos,	relações	de	delimitação	recíproca,	isto	é,</p><p>quais	são	as	marcas	distintivas	(de	singularidade)	de	cada	um	deles,	perceptíveis</p><p>pela	diferenciação	de	seus	métodos,	instrumentos	e	domínio	de	aplicação.</p><p>c)	estabelecer	a	função	do	discurso	em	relação	às	práticas	não	discursivas.</p><p>Em	relação	a	essa	última	hipótese,	Foucault	(1969/2004)	também	afirma	que	a</p><p>individualidade	de	um	discurso	não	decorre	da	descrição	de	todos	esses	pontos</p><p>relativos	à	formação	das	estratégias.	Diferentemente,	a	individualização	de	um</p><p>discurso	decorre	do	sistema	de	formação	das	diferentes	estratégias	que	nele	se</p><p>desenrolam,	estratégias	essas	que	derivam	de	um	mesmo	jogo	de	relações.</p><p>Como	deve	ter	sido	possível	perceber	na	apresentação	dessas	quatro	hipóteses,	a</p><p>unidade	dos	discursos	não	decorre	de	um	plano	de	análise	específico,	ou	do</p><p>conjunto	de	todos	os	planos	de	análise	considerados,	mas	do	sistema	de	relações</p><p>entre	todos	eles.	É	considerando	esse	método	arqueológico	de	análise	do</p><p>discurso	que	Foucault	(1969/2004)	propõe	que	se	busque	descrever	os	sistemas</p><p>de	dispersão	em	suas	regularidades,	afirmando	que:</p><p>No	caso	em	que	se	puder	descrever,	entre	um	certo	número	de	enunciados,</p><p>semelhante	sistema	de	dispersão,	e	no	caso	em	que	entre	os	objetos,	os	tipos	de</p><p>enunciação,	os	conceitos,	as	escolhas	temáticas,	se	puder	definir	uma</p><p>regularidade	(uma	ordem,	correlações,	posições	e	funcionamentos,</p><p>transformações),	diremos,	por	convenção,	que	se	trata	de	uma	formação</p><p>discursiva.³</p><p>Dessa	perspectiva,	mais	de	um	discurso	pode	relevar	de	uma	mesma	formação</p><p>discursiva.	É	o	caso,	apenas	para	exemplificar,	do	discurso	da	gramática	do</p><p>século	XIX	e	do	discurso	da	biologia	do	mesmo	século.	Isto	porque	os</p><p>enunciados	(de	diversos	discursos)	se	submetem,	em	última	instância,	a	um</p><p>sistema	de	formação,	cujas	“regras	anônimas,	históricas,	sempre	determinadas</p><p>no	tempo	e	no	espaço”	definiram	“em	uma	época	dada,	e	para	uma	área	social,</p><p>econômica,	geográfica	ou	linguística	dada,	as	condições	de	exercício	da	função</p><p>enunciativa”	(Foucault,	1969/2004,	p.	133).	Evidentemente,	da	perspectiva</p><p>foucaultiana,	não	se	trata	de	um	espírito	de	época,	mas	de	condições	históricas</p><p>de	enunciabilidade.</p><p>Tendo	apresentado	a	noção	de	formação	discursiva	em	Foucault,	voltamos	ao</p><p>tópico	central	dessa	seção	(apresentação	das	fases	de	AD),	buscando	responder</p><p>em	que	sentido	a	noção	de	formação	discursiva	formulada	em	Arqueologia	do</p><p>saber	participa	do	processo	de	transformação	na	concepção	do	objeto	de	análise</p><p>da	Análise	do	Discurso.</p><p>Paul	Henry	(1990),	no	artigo	intitulado	“Os	fundamentos	teóricos	da	Análise</p><p>‘Análise	Automática	do	Discurso’	de</p><p>Michel	Pêcheux	(1969)”,	afirma	que</p><p>existem	muitos	pontos	de	contato	entre	o	que	Michel	Foucault	e	Michel	Pêcheux</p><p>elaboraram	em	suas	reflexões	sobre	discurso,	dentre	eles	—	e	talvez	o	ponto</p><p>mais	evidente	—	o	interesse	comum	que	partilhavam	pela	história	das	ciências	e</p><p>das	ideias.	Falar,	pois,	das	influências	do	trabalho	de	Foucault	sobre	as	reflexões</p><p>de	Pêcheux	—	mesmo	no	que	tange	especificamente	às	formulações	referentes	à</p><p>Arqueologia	do	saber	—	exigiria	paralelos	razoavelmente	extensos.⁴ 	Para	os</p><p>propósitos	deste	texto,	entretanto,	gostaríamos	apenas	de	pontuar	que	uma	das</p><p>contribuições	fundamentais	que	a	noção	de	formação	discursiva	desenvolvida</p><p>por	Foucault	traz	para	o	campo	da	Análise	do	Discurso	é	a	possibilidade	de	se</p><p>eliminar	o	problema	da	homogeneidade	na	constituição	dos	corpora</p><p>discursivos.⁴¹	O	campo	de	aplicação	da	noção	de	formação	discursiva</p><p>foucaultiana	extrapola	—	e	muito	—	um	discurso	produzido	a	partir	de</p><p>condições	de	produção	homogêneas	(concepção	de	discurso	formulada	na</p><p>primeira	fase	da	AD),	e	isso	será	decisivo	para	os	novos	horizontes	vislumbrados</p><p>pelas	reflexões	de	Pêcheux.</p><p>A	noção	de	formação	discursiva	é	acolhida	por	Pêcheux,	mas	reconfigurada	no</p><p>quadro	teórico	do	marxismo	althusseriano,	passando	a	constituir	a	tríade</p><p>formação	social,	formação	ideológica	e	formação	discursiva.	De	acordo	com</p><p>Pêcheux	e	Fuchs	(1975/1990),	toda	formação	social	se	caracteriza	por	uma	certa</p><p>relação	entre	as	classes	sociais	e	implica	a	existência	de	posições	ideológicas	e</p><p>políticas	que	se	organizam	em	formações,	que	mantêm	entre	si	relações	de</p><p>confronto	e	antagonismo,	de	aliança	ou	dominação.	A	esse	respeito,	os	autores</p><p>esclarecem	que	falarão	em	formação	ideológica</p><p>para	caracterizar	um	elemento	(esse	aspecto	da	luta	nos	aparelhos)	suscetível	de</p><p>intervir	como	uma	força	em	confronto	com	outras	na	conjuntura	ideológica</p><p>característica	de	uma	formação	social	em	dado	momento;	desse	modo,	cada</p><p>formação	ideológica	constitui	um	conjunto	complexo	de	atitudes	e	de</p><p>representações	que	não	são	nem	“individuais”	nem	“universais”	mas	se</p><p>relacionam	mais	ou	menos	diretamente	a	posições	de	classes	em	conflito	umas</p><p>com	as	outras.⁴²</p><p>Seguindo	Althusser,	Pêcheux	e	Fuchs	ainda	afirmam	que	o	discursivo	deve	ser</p><p>concebido	como	um	dos	aspectos	materiais	da	materialidade	ideológica,	ou,	em</p><p>outras	palavras,	afirmam	que</p><p>a	espécie	discursiva	pertence	ao	gênero	ideológico,	o	que	é	o	mesmo	que	dizer</p><p>que	as	formações	ideológicas	(...)	comportam	necessariamente,	como	um	de	seus</p><p>componentes,	uma	ou	várias	formações	discursivas	interligadas	que	determinam</p><p>o	que	pode	e	deve	ser	dito	(articulado	sob	a	forma	de	uma	harenga,	um	sermão</p><p>um	panfleto,	uma	exposição,	um	programa	etc.)	a	partir	de	uma	posição	dada</p><p>numa	conjuntura,	isto	é,	numa	certa	relação	de	lugares	no	interior	de	um</p><p>aparelho	ideológico,	e	inscrita	numa	relação	de	classes.⁴³</p><p>As	formações	discursivas,	portanto,	intervêm	nas	formações	ideológicas</p><p>enquanto	componentes	que	materializam	a	contradição	entre	diferentes	posições</p><p>ideológicas.	Assim,	uma	formação	discursiva	(doravante	FD)	não	pode	ser</p><p>concebida	como	homogênea	ou	como	um	espaço	estrutural	fechado,	visto	que,</p><p>pelo	fato	de	suas	condições	de	produção	serem	contraditórias,	ela	se	constitui</p><p>como	um	espaço	constantemente	invadido	por	elementos	que	vêm	de	outro</p><p>lugar,	de	outras	formações	discursivas.	Neste	sentido,	o	espaço	de	uma	FD	é</p><p>atravessado	pelo	“pré-construído”,⁴⁴	ou	seja,	por	discursos	que	vieram	de	outro</p><p>lugar	(de	uma	construção	anterior	e	exterior)	e	que	são	incorporados	por	ela</p><p>numa	relação	de	confronto	ou	aliança.	Uma	FD,	portanto,	é	constituída	por	um</p><p>sistema	de	paráfrases,	já	que	é	um	espaço	em	que	enunciados	são	retomados	e</p><p>reformulados	sempre	“num	esforço	constante	de	fechamento	de	suas	fronteiras</p><p>em	busca	da	preservação	de	sua	identidade”.⁴⁵</p><p>Nesta	segunda	fase	da	AD,	o	objeto	de	análise	passará	a	ser	as	relações	entre	as</p><p>“máquinas”	discursivas.	Vale	ressaltar,	no	entanto,	que	o	fechamento	da</p><p>maquinaria	ainda	é	conservado,	pois	a	presença	do	outro	(outra	FD)	sempre	é</p><p>concebida	a	partir	do	interior	da	FD	em	questão.</p><p>No	que	diz	respeito	aos	procedimentos	de	análise,	a	AD-2	apresenta	muito</p><p>poucas	inovações;	o	deslocamento	efetivo	que	se	dá	com	relação	à	AD-1	diz</p><p>respeito	sobretudo	ao	objeto	de	análise:	discursos	menos	“estabilizados”,	por</p><p>serem	produzidos	a	partir	de	condições	de	produção	menos	homogêneas.	O</p><p>“discurso	comunista	dirigido	aos	cristãos”,	corpus	de	análise	de	Courtine	(1981)</p><p>é	um	bom	exemplo.</p><p>A	desconstrução	da	maquinaria	discursiva	só	ocorrerá	mesmo	na	terceira	fase	da</p><p>Análise	do	Discurso⁴ 	(AD-3).	Essa	desconstrução	é	decorrente	de	um</p><p>deslocamento	que	ocorre	no	que	diz	respeito	à	relação	de	uma	FD	com	as	outras.</p><p>Na	AD-2,	o	“outro”	—	outra(s)	FD(s)	—	é	incorporado	pela	FD	em	questão,	que</p><p>mantém,	mesmo	sendo	atravessada	por	outros	discursos,	uma	identidade.	É</p><p>possível,	através	de	uma	análise	discursiva,	determinar	o	interno	e	o	externo	de</p><p>uma	formação	discursiva,	isto	é,	o	que	pertence	a	uma	ou	à(s)	outra(s)	FD(s).</p><p>Na	AD-3,	por	sua	vez,	adota-se	a	perspectiva	segundo	a	qual	uma	FD	está</p><p>sempre	dominada	pelo	interdiscurso,⁴⁷	a	ponto	de	Pêcheux	afirmar	que	a</p><p>formação	discursiva	só	pode	produzir	o	assujeitamento	ideológico	—	isto	é,	só</p><p>pode	levar	um	sujeito	a	ocupar	uma	posição	no	interior	das	relações	de	classes</p><p>sem	se	dar	conta	de	que	é	levado	a	isso	—,	na	medida	em	que	ela	está	de	fato</p><p>dominada	pelo	interdiscurso,	conceito	que	é	entendido	pelo	autor	como	sendo	o</p><p>conjunto	estruturado	das	formações	discursivas	ou,	ainda,	como	um	todo</p><p>complexo	com	dominante.	Essa	é	uma	das	formas	de	se	entender	uma	tese	cara	à</p><p>AD,	a	saber,	a	do	primado	do	interdiscurso	sobre	o	discurso:</p><p>(...)	toda	formação	discursiva	dissimula,	pela	transparência	de	sentido	que	nela</p><p>se	constitui,	sua	dependência	em	relação	ao	“todo	complexo	com	dominante”</p><p>das	formações	discursivas,	intricado	no	complexo	das	formações	ideológicas.⁴⁸</p><p>Essa	nova	postura	teórica	frente	ao	objeto	da	AD	exclui	definitivamente	a</p><p>possibilidade	de	se	considerar	a	FD	como	a	unidade	de	análise.	O	objeto	de</p><p>análise	da	Análise	do	Discurso	passa	a	ser	o	espaço	de	trocas	entre	formações</p><p>discursivas,	ou	ainda,	o	interdiscurso.</p><p>Os	trabalhos	de	Dominique	Maingueneau,	além	de	serem	bastante</p><p>representativos	dessa	nova	forma	de	se	conceber	o	objeto	da	AD,	ainda</p><p>desenvolvem	uma	concepção	de	interdiscurso	bastante	produtiva	e	operacional</p><p>para	o	analista	do	discurso,	na	medida	em	que	explicita	seus	diversos	níveis	de</p><p>funcionamento.	Em	Gênese	dos	discursos	(1984/2008),	o	autor	concebe	o</p><p>interdiscurso	a	partir	da	consideração	do	discurso	sob	o	duplo	ponto	de	vista	de</p><p>sua	gênese	e	de	sua	relação	com	o	interdiscurso,	o	que	significa	assumir	que	a</p><p>identidade	de	um	discurso	é	indissociável	de	sua	emergência	e	de	sua</p><p>manutenção	através	do	interdiscurso.	Ou	seja,	o	que	há,	a	princípio,	é	o</p><p>interdiscurso	(um	conjunto	de	formações	discursivas	em	relação),	de	modo	que	a</p><p>identidade	de	cada	FD	não	está	dada	a	priori,	mas	se	constitui	de	maneira</p><p>regulada	no	interior	de	um	interdiscurso.	Será	a	relação	interdiscursiva,	portanto,</p><p>que	estruturará	a	identidade	das	formações	discursivas	em	relação.	Um</p><p>postulado	como	esse	explode	definitivamente	o	procedimento	de	análise	por</p><p>etapas,	com	ordem	fixa,	tal	como	levavam	a	cabo	os	trabalhos	da	AD-1	e	da	AD-</p><p>2.</p><p>O	conceito	de	interdiscurso	apresentado	em	Gênese	dos	discursos⁴ 	é	um	dos</p><p>pontos	fortes	da	reflexão	teórica	de	Dominique	Maingueneau.	No	intuito	de</p><p>especificar	melhor	essa	noção,	que	considera	vaga	para	seus	propósitos,	o	autor</p><p>propõe	que	se	considere	o	interdiscurso	a	partir	da	tríade	universo	discursivo,</p><p>campo	discursivo	e	espaço	discursivo.</p><p>A	noção	de	universo	discursivo	diz	respeito	ao	conjunto	de	formações</p><p>discursivas	de	todos	os	tipos,	que	interagem	em	uma	conjuntura	dada.	Mesmo</p><p>não	sendo	possível	apreendê-lo	em	sua	globalidade,	trata-se	de	um	conjunto</p><p>finito	que	define	uma	extensão	a	partir	da	qual	serão	construídos	domínios</p><p>susceptíveis	de	serem	estudados,	a	saber,	os	campos	discursivos.</p><p>O	campo	discursivo	deve</p><p>ser	compreendido	como	sendo	um	conjunto	de</p><p>formações	discursivas⁵ 	com	mesma	função	social,	que	divergem,	entretanto,</p><p>quanto	ao	modo	pelo	qual	essa	função	deve	ser	preenchida.⁵¹	Em	uma	região</p><p>determinada	do	universo	discursivo,	tais	formações	discursivas	buscam</p><p>delimitar-se	reciprocamente,	por	meio	de	uma	relação	de	concorrência,</p><p>compreendendo	este	último	termo	de	maneira	mais	ampla,	de	modo	a	significar</p><p>tanto	afrontamento	aberto,	quanto	aliança,	neutralidade	aparente	etc.	O	recorte</p><p>em	campos	discursivos	não	define	zonas	insulares;	é	antes	uma	abstração</p><p>necessária	que	deve	permitir	abrir	múltiplas	redes	de	trocas.	A	delimitação</p><p>desses	campos	também	não	tem	nada	de	evidente,	mas	exige	do	analista	que	ele</p><p>faça	hipóteses	e	escolhas,	pautadas	tanto	na	materialidade	linguística	dos</p><p>supostos	discursos	que	se	encontram	em	relação,	como	nas	condições	de</p><p>enunciabilidade	de	tais	discursos,	condições	que,	por	sua	vez,	circunscrevem-se</p><p>historicamente.</p><p>É	no	interior	do	campo	discursivo	que	se	constitui	uma	FD,	e	sua	constituição</p><p>pode,	de	acordo	com	Maingueneau,	ser	descrita	em	termos	de	operações</p><p>regulares	sobre	formações	discursivas	já	existentes.	Essa	hipótese	nos	conduz	a</p><p>uma	outra	noção	definida	pelo	autor,	a	saber,	a	noção	de	espaço	discursivo,	que</p><p>deve	ser	compreendido	como	um	subconjunto	de	formações	discursivas	cuja</p><p>relação	o	analista	julga	pertinente	considerar	para	seu	propósito.	O	recorte	desse</p><p>subconjunto	deve	resultar	de	hipóteses	fundadas	sobre	um	conhecimento	dos</p><p>textos	e	sobre	um	saber	histórico	que	serão	confirmados,	ou	não,	no	decorrer	da</p><p>pesquisa.</p><p>Estas	três	noções	(universo,	campo	e	espaço	discursivos)	trazidas	para	o	interior</p><p>da	Análise	do	Discurso	por	Maingueneau	permitem	definir	zonas	de</p><p>regularidade	semântica	(o	campo	e	o	espaço),	no	interior	das	quais	pode	ser	mais</p><p>produtivo	o	tratamento	da	gênese	e	do	modo	de	coesão	entre	as	formações</p><p>discursivas	em	relação,	já	que	tais	zonas	de	regularidade	acabam	por	delimitar</p><p>rigorosamente	o	fenômeno	da	interdiscursividade	a	partir	de	condições	históricas</p><p>bem	especificadas.</p><p>Na	seção	que	se	segue,	faremos	a	análise	de	uma	crônica	a	fim	de</p><p>operacionalizar	uma	análise	de	texto	com	base	nos	pressupostos	da	AD.</p><p>Retomaremos	alguns	conceitos	já	apresentados,	além	de	apresentar	outros	ainda</p><p>não	abordados	(pelo	menos	de	forma	direta),	como	os	conceitos	de	sujeito	e</p><p>sentido.⁵²</p><p>3.	UMA	ANÁLISE</p><p>3.1.	Como	ler	um	texto:	em	pauta	as	noções	de	formação	ideológica,	formação</p><p>discursiva,	interdiscurso,	condições	de	produção,	heterogeneidade,	sujeito	e</p><p>sentido</p><p>Nesta	seção,	nos	debruçaremos	sobre	a	análise	de	um	texto	—	a	crônica	“Um	só</p><p>seu	filho”	de	Bráulio	Tavares,	publicada	no	Caderno	Mais	da	Folha	de	S.Paulo,</p><p>no	dia	l6	de	março	de	1997.	Antes,	porém,	é	necessário	esclarecer	que	o	texto,</p><p>para	a	AD,	não	é	concebido	como	uma	unidade	coerente	de	sentido,	tal	como	o</p><p>é,	por	exemplo,	para	a	Linguística	Textual.	A	relevância	do	texto	para	a	AD</p><p>“decorre	do	fato	de	que	cada	texto	é	parte	de	uma	cadeia	(de	um	arquivo)”,</p><p>decorre	de	ele	ser	concebido	“como	uma	superfície	discursiva,	uma</p><p>manifestação	aqui	e	agora	de	um	processo	discursivo	específico”.⁵³	Para	a	AD,	o</p><p>texto	faz	sentido</p><p>por	sua	inserção	em	uma	FD,	em	função	de	uma	memória	discursiva,	do</p><p>interdiscurso,	que	o	texto	retoma	e	do	qual	é	parte.	Ou	seja,	não	há	propriamente</p><p>texto,	concebido	como	uma	unidade;	o	que	há	são	linearizações	concretas</p><p>(materiais)	de	discursos.⁵⁴</p><p>Será,	pois,	desta	perspectiva	que	empreenderemos	a	análise	da	crônica.	Vale</p><p>ainda	esclarecer	que	a	escolha	por	este	material	de	análise	se	justifica	pela</p><p>própria	forma	como	a	crônica	é	construída,	de	maneira	bastante	interessante	para</p><p>um	primeiro	contato	com	alguns	dos	fundamentos	teóricos	da	AD.	Em	função</p><p>dos	objetivos	deste	capítulo,	não	consideraremos	aspectos	literários	do	texto	em</p><p>questão,	o	que	não	significa	que	não	os	reconheçamos.⁵⁵</p><p>Outra	questão	importante	a	esclarecer	é	que	empreenderemos	uma	análise</p><p>fundamentalmente	de	filiação	pecheutiana,	mobilizando	os	conceitos	de</p><p>formação	ideológica,	formação	discursiva,	interdiscurso,	condições	de	produção,</p><p>heterogeneidade,	sujeito	e	sentido.	Entretanto,	como	se	trata	de	um	texto	literário</p><p>e	não	de	um	texto	do	campo	político	(tipo	de	corpus	privilegiado	por	Pêcheux),</p><p>são	necessários	alguns	deslocamentos	teóricos.	Mais	efetivamente,	os</p><p>deslocamentos	necessários	são	aqueles	relacionados	às	noções	de	formação</p><p>ideológica	e	formação	discursiva.	Como	já	apresentado,	a	noção	de	formação</p><p>ideológica,	tal	como	mobilizada	em	Pêcheux	e	Fuchs	(1975/1990,	p.	166),	é</p><p>definida	como	sendo	um	conjunto	de	atitudes	e	representações	que	“se</p><p>relacionam	mais	ou	menos	diretamente	a	posições	de	classe	em	conflito	umas</p><p>com	as	outras”	(grifos	nossos).	A	formação	discursiva,	como	componente	da</p><p>formação	ideológica,	acaba	por	materializar	—	também	mais	ou	menos</p><p>diretamente	—	essas	posições	de	classe	em	conflito.	A	própria	formulação</p><p>desses	conceitos,	portanto,	abre	possibilidade	para	a	análise	de	corpora</p><p>discursivos	a	partir	dos	quais	se	podem	considerar	conjuntos	de	atitudes	e</p><p>representações	que	se	relacionam	menos	diretamente	a	posições	de	classe,	como</p><p>é	o	caso,	a	nosso	ver,	do	discurso	literário.⁵ 	Consequentemente,	a	noção	de</p><p>formação	discursiva	passa	a	ser	produtiva	também	em	campos	não	propriamente</p><p>(ou	diretamente)	político-social	ou	econômico.	Assumindo,	pois,	a	possibilidade</p><p>desse	deslocamento,	é	que,	na	análise	da	crônica	“Um	só	seu	filho”,</p><p>mobilizaremos,	da	perspectiva	pecheutiana,	as	noções	de	formação	ideológica	e</p><p>de	formação	discursiva,	focalizando,	a	partir	dessas	noções,	conflitos	e</p><p>contradições	ideológicas	decorrentes	do	embate	entre	diferentes	posições</p><p>discursivas.</p><p>Outras	perspectivas	discursivas	de	abordagem	dessa	crônica	poderiam	ser</p><p>empreendidas.	No	entanto,	como	este	capítulo	tem	o	intuito	de	apresentar	os</p><p>fundamentos	da	constituição	da	Análise	do	Discurso	enquanto	disciplina,	e	é</p><p>Pêcheux	quem	se	debruça	mais	arduamente	sobre	essa	tarefa,	colocando	a</p><p>questão	fundamental	da	AD,	a	saber,	como	ler	um	texto,	e	postulando	as	bases</p><p>para	uma	semântica	discursiva	que	seja	da	ordem	das	formações	discursivas	e</p><p>não	da	ordem	da	língua,⁵⁷	optamos	por	privilegiar	a	perspectiva	teórica</p><p>pecheutiana.</p><p>Tendo	feito	essas	considerações,	reproduzimos,	a	seguir,	a	crônica	a	ser</p><p>analisada.</p><p>Naquela	noite,	o	papa	atravessou	sua	recorrente	insônia	com	a	ajuda	de	algumas</p><p>páginas	do	tratado	ilustrado	de	Mary	D’Império	sobre	o	manuscrito	Voynich,	na</p><p>edição	de	luxo	de	1994.	Leu	até	que	os	nomes	de	John	Dee	e	Roger	Bacon</p><p>pareceram	misturar-se	e	seus	olhos	começaram	a	arder.	Usando	os	óculos</p><p>dobrados	para	marcar	a	página,	colocou	o	livro	sobre	a	mesa	de	cabeceira	e</p><p>apertou	o	botão	que	mergulhou	o	quarto	nas	trevas.	Fez	suas	orações	deitado,</p><p>autoindulgência	da	qual	teria	se	envergonhado	aos	60	anos,	mas	que	agora	já	lhe</p><p>parecia	um	direito	adquirido.	Também	lhe	sucedia	às	vezes	adormecer	antes	de</p><p>concluir	as	preces;	isso	também	não	o	inquietava	mais.	Pensava:	“Deus	enxerga</p><p>meu	coração;	ele	sabe	que	meu	pecado	não	é	este,	que	minhas	dívidas	são</p><p>outras”.</p><p>De	repente,	estava	sentado	no	alto	de	uma	montanha.	O	horizonte	imenso</p><p>estendia-se	à	sua	frente;	o	vento	era	frio,	mas	não	incomodava.</p><p>—	Este	foi	seu	último	dia	sobre	a	Terra	—	disse	uma	voz	ao	seu	lado.	Tens	agora</p><p>o	direito	de	fazer	um	último	pedido.</p><p>Ao	seu	lado	havia	uma	forma	que	a	princípio	ele	tomou	por	um	homem	de	pé,</p><p>depois	por	uma	árvore,	depois	por	uma	nuvem	vertical.	Seus	traços	podiam</p><p>corresponder	a	qualquer	uma	das	coisas,	e	ele	imaginou	que	aquilo	era	Deus.</p><p>—	Obrigado,	Senhor	—	disse.	Não	mereço	esta	graça.</p><p>—	Todos	os	homens	a	recebem	—	disse	a	voz.	Não	és	melhor	do	que	ninguém.</p><p>Sem	saber	o	que	responder,	ele	inclinou-se	mais	uma	vez.	Pensou:	“É	meu</p><p>último	dia	de	vida,	isto	não	deve	me	amedrontar;	é	como	quando	após	uma</p><p>refeição	alguém	retira	de	minha	frente	o	prato	vazio.	Por	que	me	rebelar,	se	já</p><p>fruí	o	que	me	interessava?”.</p><p>—	Olha	para	tua	mão	—	disse	a	voz.	O	que	mais	desejas?</p><p>Ele	fitou	a	palma	da	própria	mão:	viu	com	espantosa	nitidez	as	linhas	e	as</p><p>comissuras	da	pele,	viu	as	rugosidades,	o	intrincamento	têxtil	das	camadas</p><p>superpostas,	viu	o	fervilhar	da	matéria	viva	e	as	células	que	se	partiam	e	se</p><p>fundiam	umas	às	outras	como	gotas	d’água.</p><p>—	Nascer	de	novo	—	respondeu	ele,	sem	pensar.</p><p>—	Queres	voltar	ao	passado?</p><p>—	Quero	nascer	de	novo,	mas	no	futuro	—	retrucou.	Quero	nascer	sob	a	forma</p><p>de	outra	pessoa	e	saber	se	serei	novamente	seminarista,	e	padre,	e	cardeal,	e</p><p>papa.	Quero	que	algumas	destas	minhas	células	sejam	transplantadas	para	um</p><p>tubo	de	ensaio	e	dali	talvez	para	um	ventre,	de	onde	eu	renasça:	corpo,	rosto	e</p><p>mente	iguais	aos	que	tive	quando	nasci.	Código	genético	igual	ao	meu,	sem	a</p><p>interferência	abastardante	de	genes	de	uma	fêmea,	de	uma	parideira	intrusa.</p><p>Quero	que	meu	espírito	se	faça	carne,	mas	quero	ser	o	Pai	único	de	meu	Filho.</p><p>—	Para	quê?</p><p>Ele	ergueu-se	e	maravilhou-se	de	ver	que	mesmo	diante	de	Deus	podia	ficar	de</p><p>pé	quando	bem	entendesse	(“mas,	aí”,	pensou,	“é	o	último	dia”).	Olhou	o	vale</p><p>que	se	espalhava	lá	embaixo:	à	luz	roxa	que	vinha	do	céu,	distinguia	florestas,</p><p>mares,	arquipélagos,	cidades,	desertos	de	areia	intacta,	enormes	cordilheiras	de</p><p>gelo	rodopiando	devagar	em	águas	de	um	azul	metálico.	Cruzou	os	braços	e</p><p>virou-se	para	o	vulto.</p><p>—	Se	minha	alma	existe	está	ligada	sem	remissão	a	este	corpo	mortal.	Se	meu</p><p>corpo	se	repetir,	minha	alma	permanecerá	aqui	na	Terra.	De	novo	nascerei	e</p><p>serei	um	menino	que	irá	dançar	ao	som	de	pandeiros	e	rabecas;	de	novo	roubarei</p><p>frutas,	correrei	atrás	de	cães,	beijarei	a	boca	de	alguma	moça	de	tranças	louras.</p><p>De	novo	estudarei	o	latim	e	a	álgebra,	de	novo	andarei	anônimo	e	de	batina	por</p><p>entre	homens	arrogantes	que	não	suspeitarão	o	meu	futuro.	Farei	voto	de</p><p>pobreza	e	viverei	depois	como	um	monarca;	farei	voto	de	obediência	e	subirei</p><p>degrau	após	degrau	das	hierarquias	de	comando;	farei	voto	de	castidade...	e</p><p>quem	sabe	da	próxima	vez	terei	mais	sorte.</p><p>Lá	embaixo,	no	vale,	a	luz	crescia,	e	ele	já	enxergava	centenas	de	metrópoles	e</p><p>cada	janela	de	cada	casa,	e	cada	rosto	adormecido	por	trás	de	cada	janela.</p><p>—	Ninguém	teve	esta	segunda	chance	—	disse	a	voz,	mas	sem	tentar	persuadi-</p><p>lo.</p><p>—	O	que	pedem	os	homens,	então?</p><p>—	Pedem	dinheiro,	poder,	mulheres.	Pedem	oxímoros,	paradoxos:	juventude</p><p>eterna,	imortalidade	do	corpo...	Tu	pedes	que	teu	corpo	se	multiplique.	E	se,	em</p><p>vez	de	um,	fizerem	dois?	De	quantas	almas	irás	precisar?	E	se	fizerem	20,	200?</p><p>Ele	voltou	a	sentar-se.	Sabia	que	quem	acabara	de	fazer	aquele	pedido	não	era	o</p><p>ancião	calejado	pelos	debates	escolásticos,	o	erudito	capaz	de	enfrentar	a</p><p>teologia	e	a	metafísica	em	12	idiomas	e,	sim,	o	rapaz	que	em	uma	noite	de	febre</p><p>sentira	pela	primeira	vez,	no	pulsar	dos	próprios	gânglios,	a	semente	da	morte</p><p>crescendo	dentro	de	si.</p><p>—	Vai,	pede	—	disse	a	voz;	e,	sem	surpresa,	ele	soube	naquele	instante	que</p><p>aquela	voz	não	era	Deus.	Estendeu	a	mão	para	o	vulto,	e	tocou	nele.</p><p>O	camareiro,	que	se	chamava	Gesualdo,	encontrou-o	pela	manhã,	apalpou	a	pele</p><p>fria	de	seu	rosto,	viu	os	olhos	azuis	virados	para	o	teto.	Gritou	por	socorro	e	teve</p><p>a	preocupação	de	não	tocar	em	nada	no	quarto.</p><p>Nessa	crônica	é	possível	perceber	que	se	cruzam,	pelo	menos,	duas	questões</p><p>mobilizadas	pelo	autor	através	do	devaneio	do	Papa,	que	se	vê	diante	de	seu</p><p>último	dia	de	vida.	Antes	de	iniciarmos	esta	análise,	no	entanto,	gostaríamos	de</p><p>esclarecer	que,	ao	falarmos	em	devaneio	ou	discurso	do	personagem	Papa,</p><p>estaremos,	na	verdade,	sempre	nos	referindo	a	discursos	que	são	mobilizados</p><p>pelo	autor	por	meio	deste	personagem.	Neste	devaneio	é	delatado	um	conflito</p><p>entre	dois	posicionamentos,	um	religioso	e	outro	científico.	Suspenso	entre	duas</p><p>maneiras	de	conceber	a	sua	existência,	o	Papa	reflete	sobre	a	possibilidade	de</p><p>nascer	de	novo,	“sem	a	interferência	abastardante	de	uma	fêmea,	de	uma</p><p>parideira	intrusa”,	numa	referência	à	clonagem	de	seres	humanos,	mas	se	depara</p><p>com	um	conflito	espiritual:	“Tu	pedes	que	teu	corpo	se	multiplique.	E	se,	em	vez</p><p>de	um,	fizerem	dois?	De	quantas	almas	irás	precisar?”.</p><p>A	Análise	do	Discurso	considera	como	parte	constitutiva	do	sentido	o	contexto</p><p>histórico-social;	ela	considera	as	condições	em	que	este	texto,	por	exemplo,	foi</p><p>produzido.	Contextualizado	num	momento	histórico	em	que	a	clonagem</p><p>levantava	a	questão	da	ética	na	ciência,	nada	mais	representativo	desse	contexto</p><p>que	a	figura	do	Papa	como	contraponto	ideológico.	Por	meio	deste	personagem,</p><p>o	autor	presentifica	no	texto	o	posicionamento	religioso	católico	que	faz</p><p>oposição	a	uma	ciência	que	se	confronta	com	a	concepção	de	homem	como	ser</p><p>espiritual.	Se	este	contexto	for	ignorado,	todo	o	sentido	do	texto	é	alterado.	Basta</p><p>considerar	a	hipótese	de	este	texto,	por	exemplo,	ter	sido	escrito	no	século	XIX,</p><p>em	que	a	clonagem	de	seres	humanos	não	passava	de	pura	ficção	científica	e	não</p><p>era,	como	nos	dias	atuais,	uma	possibilidade	que	a	ciência	considera.	Este	texto</p><p>não	teria	o	estatuto	que	atribuímos	a	ele,	o	de	colocar	em	cena	um	conflito</p><p>ideológico	atual,	mas	lhe	seria	atribuído	o	estatuto	de	“ficção	científica”	por</p><p>abordar	fatos	inconcebíveis	ao	homem	da	época.	O	contexto	histórico-social,</p><p>então,	as	condições	de	produção,	constituem	parte	do	sentido	do	discurso	e	não</p><p>apenas	um	apêndice	que	pode	ou	não	ser	considerado.	Em	outras	palavras,	pode-</p><p>se	dizer	que,	para	a	AD,	os	sentidos	são	historicamente	construídos.</p><p>Nesta	crônica,	é	delatado	um	conflito,	um	confronto	entre	forças	ideológicas.	O</p><p>conflito,	materializado	na	alternância	das	posições	que	o	personagem	Papa</p><p>ocupa	durante	seu	devaneio	—	ora	desempenha	o	papel	de	autoridade	da	Igreja</p><p>Católica,	instituição	que	representa,	ora	ocupa	o	lugar	de	um	homem	comum</p><p>fascinado	pelas	promessas	da	ciência	de	sua	época	—,	é	caraterístico	de	posições</p><p>ideológicas	contrárias	uma	em	relação	à	outra	em	uma	conjuntura	dada,	ou	seja,</p><p>o	conflito	é	característico	de	um	embate	de	nossa	época.	O	texto,	portanto,	não</p><p>se	apresenta	como	um	conjunto	de	enunciados	unificados	por	posições</p><p>ideológicas	não	conflitantes,	como	algo	homogêneo.	Ao	contrário,	o	texto	se</p><p>constitui	de	posicionamentos	divergentes	cujas	fronteiras	se	intersectam	(o</p><p>próprio	devaneio	se	caracteriza	pela	ausência	de	uma	demarcação	definida	entre</p><p>uma	posição	e	outra);	o	texto,	nesse	sentido,	é	constitutivamente	heterogêneo,	de</p><p>modo	que	não	é	possível	definir	a	identidade	de	um	desses	posicionamentos	sem</p><p>remeter	ao	outro.</p><p>O	que	se	pode	dizer	do	devaneio	do	Papa?	Que	ele	representa	um</p><p>posicionamento	da	Igreja	Católica	com	relação	à	liberdade	do	homem	diante	da</p><p>própria	vida?	Que	ele	representa	as	possibilidades	que	a	ciência	moderna	oferece</p><p>ao	homem	de	ser	senhor	da	própria	vida?	Não	é	possível	optar	por	apenas	uma</p><p>das	hipóteses	sem	incorrer	no	risco	de	desconfigurar	o	sentido	do	texto.	O</p><p>devaneio	do	Papa	representa,	ao	mesmo	tempo,	o	posicionamento	católico	e	o</p><p>posicionamento	da	ciência	moderna,	ele	só	existe	na	verdade	porque	existe	um</p><p>conflito	ideológico,	ético	no	caso,	entre	as	duas	posições.	Como	já	apontado,</p><p>Pêcheux	e	Fuchs	(1975/1990)	falam	em	formação	ideológica	(FI)	para</p><p>caracterizar	este	confronto	de	forças	em	um	dado	momento	histórico.	Sendo</p><p>assim,	uma	formação	ideológica	comporta	necessariamente	mais	de	uma	posição</p><p>capaz	de	se	confrontar	uma	com	a	outra.	Na	verdade,	numa	formação	ideológica,</p><p>as	forças	não	precisam	estar	necessariamente	em	confronto;	elas	podem	entreter</p><p>entre	si	relações	de	aliança	ou	também	de	dominação.	A	ideia	de	confronto	foi</p><p>colocada	em	destaque	aqui	unicamente	em	função	do	texto	analisado.</p><p>O	conceito	de	formação	discursiva	(FD),	também	já	apresentado,	é	mobilizado</p><p>pela	AD	de	filiação	pecheutiana	para	designar	o	lugar	onde	se	articulam	discurso</p><p>e	ideologia.	Nesse	sentido	é	que	podemos	dizer	que	uma	formação	discursiva	é</p><p>governada	por	uma	formação	ideológica	(FI).	Como	uma	FI	coloca	em	relação</p><p>necessariamente	mais	de	uma	força	ideológica,	uma	formação	discursiva	sempre</p><p>colocará	em	jogo	mais	de	uma	posição	discursiva.	No	caso	da	crônica	analisada,</p><p>temos	interligados,	por	uma	relação	de	forças	contraditórias,	certo</p><p>posicionamento	da	ciência	moderna	e	o	posicionamento</p><p>religioso	católico.</p><p>Para	esclarecer	melhor	a	constituição	de	uma	formação	discursiva,	gostaríamos</p><p>de	analisar	uma	tira	de	Bill	Watterson:</p><p>Calvin,	o	personagem	menino	que	assume	o	papel	de	enunciador	do	discurso	“A</p><p>força	para	mudar	o	que	eu	puder,	a	inabilidade	de	aceitar	o	que	eu	não	posso	e	a</p><p>incapacidade	de	ver	a	diferença”,	enuncia	inscrito	em	uma	formação	discursiva.</p><p>Como	uma	FD	é	um	dos	componentes	de	uma	formação	ideológica	específica,	o</p><p>fechamento,	o	limite	que	define	uma	formação	discursiva	é	instável,	pois	ela	se</p><p>inscreve	em	um	espaço	de	embates,	de	lutas	ideológicas.	Assim,	uma	FD	não</p><p>consiste	em	um	limite	traçado	de	maneira	definitiva;	uma	FD	se	inscreve	entre</p><p>diversas	formações	discursivas,	e	a	fronteira	entre	elas	se	desloca	em	função	dos</p><p>embates	da	luta	ideológica,	sendo	esses	embates	recuperáveis	no	interior	mesmo</p><p>de	cada	uma	das	FDs	em	relação.	Vejamos	como	isso	se	dá	no	discurso	de</p><p>Calvin.</p><p>O	quadro	que	se	segue	foi-nos	apresentado	por	um	aluno	do	2º	ano	do	curso	de</p><p>Tradutor	e	Intérprete	da	Universidade	de	Franca,⁵⁸	por	ocasião	da	leitura	da</p><p>primeira	versão	deste	texto.	Nós	o	reproduzimos	aqui	como	uma	contribuição</p><p>para	a	explanação	do	conceito	em	questão.</p><p>FD FD	CRISTÃ</p><p>“A	força	para	mudar	o	que	eu	puder” A	força	para	mudar	o	que	puder	(objetiva	transformar)</p><p>“A	inabilidade	para	aceitar	o	que	eu	não	posso” A	habilidade	de	aceitar	o	que	não	pode	ser	mudado	(resignação	diante	dos	obstáculos	intransponíveis)</p><p>“A	incapacidade	de	ver	a	diferença” A	capacidade	de	ver	a	diferença	(aspira-se	à	sabedoria)</p><p>O	quadro	apresentado	mostra	o	discurso	de	Calvin	como	decorrente	de	um</p><p>embate	entre	duas	formações	discursivas,	a	“FD	cristã”,	enunciada	a	partir	de	um</p><p>lugar	ideológico	que	valoriza	a	convivência	pacífica	e	equilibrada	de	um	sujeito</p><p>consigo	mesmo	e	com	o	próximo,	e	a	“FD	neoliberal”,⁵ 	enunciada	a	partir	de</p><p>um	lugar	ideológico	que	valoriza	a	vida	pautada	pelos	desejos	pessoais	e</p><p>particulares	do	sujeito	(os	nomes	dados	às	FDs	são	bastante	“esquemáticos”,	no</p><p>sentido	de	rotularem	os	discursos;	foram	escolhidos	em	função	do	que	julgamos</p><p>ser	o	componente	semântico	mais	característico	das	FDs	em	questão	e	são	aqui</p><p>utilizados	apenas	para	fins	didáticos).	De	acordo	com	o	quadro,	um	mesmo</p><p>enunciado	pode	ser	compreendido	de	duas	maneiras,	dependendo	do	lugar</p><p>ideológico	de	onde	é	enunciado.	“A	força	para	mudar	o	que	eu	puder”	pode</p><p>significar	a	luta	por	uma	transformação	pautada	na	boa	vontade	e	na</p><p>solidariedade	cristãs	ou	uma	imposição	ditatorial	pautada	pelo	egocentrismo	e</p><p>individualismo.	Ao	mesmo	tempo,	enunciados	como	“A	inabilidade	para	aceitar</p><p>o	que	eu	não	posso”	e	“A	incapacidade	para	ver	a	diferença”,	que	parecem	nos</p><p>remeter	univocamente	à	“FD	neoliberal”,	no	quadro	são	apresentados	como	nos</p><p>remetendo	também	à	“FD	cristã”.	O	leitor	deve	estar	se	perguntando	por	quê.</p><p>Uma	breve	apresentação	do	conceito	de	heterogeneidade	discursiva	poderá</p><p>esclarecer	essa	questão.	Antes,	porém,	não	poderíamos	deixar	de	fazer	uma</p><p>referência	a	Bakhtin	(1929/1988),	que	apresenta	uma	noção	de	dialogismo	sobre</p><p>a	qual	se	funda	grande	parte	da	literatura	sobre	heterogeneidade	discursiva.</p><p>Bakhtin	(1929/1988)	considera	que	a	verdadeira	substância	da	língua	é</p><p>constituída	pelo	fenômeno	social	da	interação	verbal	e	que	o	ser	humano	é</p><p>inconcebível	fora	das	relações	que	o	ligam	ao	outro. 	Partindo	desse</p><p>pressuposto,	critica	a	concepção	de	língua	enquanto	estrutura,	argumentando</p><p>que,	ao	ser	tomada	como	alheia	aos	processos	sociais,	passa	a	não	ser	articulável</p><p>com	uma	prática	social	concreta,	com	a	história	e	tampouco	com	o	sujeito.</p><p>Segundo	Authier-Revuz	(1982),	um	paradigma	é	constante	nos	estudos	do</p><p>círculo	de	Bakhtin:	opõem-se	o	dialógico	ao	monológico,	o	múltiplo	ao	único,	o</p><p>heterogêneo	ao	homogêneo. ¹	O	dialogismo	do	círculo	de	Bakhtin,	no	entanto,</p><p>não	tem	como	preocupação	central	o	diálogo	face	a	face,	mas	diz	respeito	a	uma</p><p>teoria	de	dialogização	interna	do	discurso.	É	nesse	sentido	que,	para	Bakhtin,	o</p><p>discurso,	cujo	dialogismo	se	orienta	para	outros	discursos	e	para	o	outro	da</p><p>interlocução,	instaura-se	numa	perspectiva	plurivalente	de	sentidos,	bem	como	a</p><p>própria	palavra	que,	pelo	fato	de	ser	atravessada	por	sentidos	constituídos</p><p>historicamente,	não	é	monológica,	não	é	neutra,	mas	atravessada	pelos	discursos</p><p>nos	quais	viveu	sua	existência	socialmente	sustentada. ²</p><p>Recorrendo	a	este	conceito	de	dialogismo ³	concebido	pelo	círculo	de	Bakhtin,</p><p>Authier-Revuz	(1990)	indica	algumas	formas	de	heterogeneidade	mostrada	no</p><p>discurso,	formas	que	se	articulam	sobre	a	realidade	da	heterogeneidade</p><p>constitutiva	de	todo	discurso.	A	heterogeneidade	constitutiva,	segundo</p><p>Maingueneau	(1997),	não	é	marcada	em	superfície,	mas	a	AD	pode	defini-la,</p><p>formulando	hipóteses,	a	partir	do	pressuposto	da	presença	constante	do	Outro	na</p><p>constituição	de	uma	formação	discursiva.	Authier-Revuz	(1982)	aponta	três	tipos</p><p>de	heterogeneidade	mostrada:</p><p>a)	aquela	em	que	o	locutor	ou	usa	de	suas	próprias	palavras	para	traduzir	o</p><p>discurso	de	um	Outro	(discurso	relatado)	ou	então	recorta	as	palavras	do	Outro	e</p><p>as	cita	(discurso	direto);</p><p>b)	aquela	em	que	o	locutor	assinala	as	palavras	do	Outro	em	seu	discurso,	por</p><p>meio,	por	exemplo,	de	aspas,	de	itálico,	de	uma	remissão	a	outro	discurso,	sem</p><p>que	o	fio	discursivo	seja	interrompido;</p><p>c)	aquela	em	que	a	presença	do	Outro	não	é	explicitamente	mostrada	na	frase,</p><p>mas	é	mostrada	no	espaço	do	implícito,	do	sugerido,	como	nos	casos	do	discurso</p><p>indireto	livre,	da	antífrase,	da	ironia,	da	imitação,	da	alusão. ⁴</p><p>Essas	três	formas	de	heterogeneidade	mostrada	assinalam	a	presença	do	Outro</p><p>na	superfície	discursiva	de	maneira	diferente,	desde	formas	mais	evidentes	(a,	b),</p><p>que	Authier-Revuz	(1990)	classifica	como	heterogeneidade	mostra-</p><p>da	marcada,	até	a	forma	mais	complexa,	menos	evidente	(c),	em	que	a	voz	do</p><p>locutor	se	mistura	à	do	Outro,	e	que	a	autora	classifica	como	heterogeneidade</p><p>mostrada	não	marcada.	No	entanto,	independentemente	dessa	classificação,</p><p>todas	essas	formas	de	heterogeneidade	estão	ancoradas	no	princípio	da</p><p>heterogeneidade	constitutiva	do	discurso.</p><p>Retornando	agora	à	análise	da	tira	de	Watterson	apresentada	no	quadro,	ficará</p><p>mais	fácil	de	compreender	por	que	os	enunciados	“A	inabilidade	para	aceitar	o</p><p>que	eu	não	posso”	e	“A	incapacidade	para	ver	a	diferença”	são	apresentados</p><p>como	remetendo	também	à	“FD	cristã”.</p><p>Nos	dois	enunciados	há	a	marca	da	negação	—	o	prefixo	in	—,	uma	forma	de</p><p>heterogeneidade	mostrada	marcada	na	superfície	do	discurso.	Por	meio	desta</p><p>marca,	o	que	é	negado	é	justamente	o	discurso	que	é	apresentado	no	quadro</p><p>como	remetendo	à	“FD	cristã”:	“A	habilidade	para	aceitar	o	que	eu	não	posso”	e</p><p>“A	capacidade	para	ver	a	diferença”.	Assim,	a	negação	de	um	discurso</p><p>necessariamente	nos	remete	a	ele,	de	forma	que	ele	pode	ser	percebido	como	a</p><p>presença	do	“Outro”	no	interior	do	discurso	que	o	nega.</p><p>Já	o	enunciado	“A	força	para	mudar	o	que	eu	puder”,	como	já	dito</p><p>anteriormente,	também	remete	à	“FD	cristã”	e	à	“FD	neoliberal”,	mas	pela</p><p>presença	da	heterogeneidade	mostrada	não	marcada	na	superfície	discursiva.	É</p><p>no	espaço	do	sugerido	que	percebemos	esta	heterogeneidade,	é	em	função	da</p><p>relação	que	estabelecemos	entre	“A	força	para	mudar	o	que	eu	puder”	e	os</p><p>demais	enunciados	do	discurso	de	Calvin	que	percebemos	a	dupla	alusão	deste</p><p>enunciado.	Retomando	Maingueneau	(1997),	é	formulando	hipóteses	desse	tipo</p><p>que	podemos	perceber	a	presença	constante	do	Outro	na	constituição	de	uma</p><p>formação	discursiva,	que	podemos	perceber	a	realidade	da	heterogeneidade</p><p>constitutiva	do	discurso.	A	própria	Authier-Revuz	(1982)	considera	que	os	dois</p><p>níveis	de	heterogeneidade	mostrada,	a	marcada	e	a	não	marcada,	são,	na</p><p>verdade,	formas	linguísticas	de	representação	de	diferentes	modos	de	negociação</p><p>do	sujeito	falante	com	a	heterogeneidade	constitutiva,	sendo	a	heterogeneidade</p><p>mostrada	não	marcada	uma	forma	mais	arriscada	de	negociação	porque,	ao	jogar</p><p>com	a	diluição,	é	mais	dificilmente	controlada	pelo	sujeito.</p><p>Foi	possível	perceber,	então,	que	existe,	numa	formação	discursiva,	sempre	a</p><p>presença	do	Outro,</p><p>e	é	esta	presença	que	confere	ao	discurso	o	caráter	de	ser</p><p>heterogêneo.	O	quadro	apresentado	a	partir	da	análise	da	tira	de	Watterson	dá</p><p>visibilidade	a	esse	caráter	heterogêneo	do	discurso.	Apesar	de	Calvin	enunciar</p><p>de	um	lugar	ideológico,	digamos,	“neoliberal”,	os	embates	entre	este	lugar</p><p>ideológico	e	o	“cristão”	são	recuperáveis	no	interior	mesmo	da	FD.	Calvin,	ao</p><p>ironizar	o	discurso	cristão	negando-o	através	de	uma	paródia,	recupera-o	como</p><p>parte	constitutiva	do	discurso.	É	em	função	desse	modo	de	funcionamento</p><p>discursivo	que	Maingueneau	(1997)	—	considerando,	na	esteira	de	Pêcheux,	que</p><p>uma	formação	discursiva	não	pode	ser	compreendida	como	um	bloco	compacto</p><p>e	fechado,	mas	que	ela	é	definida	a	partir	de	uma	incessante	relação	com	o	Outro</p><p>—	afirma	o	primado	do	interdiscurso	sobre	o	discurso.	Para	ele,	como	já</p><p>dissemos	anteriormente,	a	unidade	de	análise	pertinente	não	é	o	discurso,	mas</p><p>um	espaço	de	trocas	entre	vários	discursos.	Os	diversos	discursos	que</p><p>atravessam	uma	FD	não	passam	de	componentes,	ou	seja,	em	termos	de	gênese,</p><p>tais	discursos	não	se	constituem	independentemente	uns	dos	outros	para	serem,</p><p>em	seguida,	postos	em	relação,	mas	se	formam	de	maneira	regulada	no	interior</p><p>de	um	interdiscurso.	Será	a	relação	interdiscursiva,	pois,	que	estruturará	a</p><p>identidade	das	FDs	em	questão.	A	AD-3	e	as	recentes	pesquisas	tomam,	como	já</p><p>apontado,	o	interdiscurso	como	um	pressuposto	teórico.</p><p>O	pressuposto	do	primado	do	interdiscurso	sustenta-se	muito	bem	na	crônica</p><p>“Um	só	seu	filho”,	pois	o	sentido	do	texto	não	pode	ser	apreendido	em	um</p><p>espaço	fechado,	dependente	de	uma	posição	enunciativa	absoluta	ou	de	outra,</p><p>mas	ele	deve	ser	apreendido	como	circulação	dissimétrica	de	uma	posição</p><p>enunciativa	à	outra.	Observemos	dois	trechos.</p><p>Quando	a	voz	pergunta	ao	Papa	qual	era	o	seu	último	pedido,	o	Papa,	depois	de</p><p>alguma	hesitação,	responde:</p><p>—	Quero	nascer	de	novo,	mas	no	futuro	—	retrucou.	Quero	nascer	sob	a	forma</p><p>de	outra	pessoa	e	saber	se	serei	novamente	seminarista,	e	padre,	e	cardeal,	e</p><p>papa.	Quero	que	algumas	destas	minhas	células	sejam	transplantadas	para	um</p><p>tubo	de	ensaio	e	dali	talvez	para	um	ventre,	de	onde	eu	renasça:	corpo,	rosto	e</p><p>mente	iguais	aos	que	tive	quando	nasci.	Código	genético	igual	ao	meu,	sem	a</p><p>interferência	abastardante	de	genes	de	uma	fêmea,	de	uma	parideira	intrusa.</p><p>Quero	que	meu	espírito	se	faça	carne,	mas	quero	ser	o	Pai	único	de	meu	Filho.</p><p>Nesse	trecho,	podemos	perceber	que	há	um	diálogo	incessante	entre	a	“voz”	da</p><p>ciência	—	“Código	genético	igual	ao	meu,	sem	a	interferência	abastardante	de</p><p>genes	de	uma	fêmea,	de	uma	parideira	intrusa.”	—	e	a	“voz”	da	religião	—</p><p>“Quero	que	meu	espírito	se	faça	carne,	mas	quero	ser	o	Pai	único	de	meu	Filho”.</p><p>A	posição	enunciativa	do	sujeito	do	discurso,	no	caso	o	personagem	Papa,</p><p>mobilizado	pelo	autor	como	responsável	por	esta	enunciação,	circula</p><p>dissimetricamente	pelo	espaço	interdiscursivo,	na	medida	em	que	ora	enuncia	de</p><p>uma	posição,	ora	de	outra.</p><p>O	mesmo	ocorre	quando	esse	personagem	faz	uma	reflexão	a	respeito	do	que	ele</p><p>voltaria	a	viver	se	nascesse	de	novo.	Atravessando	o	discurso	sobre	a	sua</p><p>trajetória	na	Igreja	Católica,	é	possível	perceber	a	presença	de	um	discurso	de</p><p>crítica	à	Igreja,	uma	vez	que	faz	referência	à	arrogância	de	alguns	de	seus</p><p>companheiros,	ao	mesmo	tempo	que	deixa	entrever	em	sua	fala	um	certo</p><p>sentimento	de	orgulho	e	desforra	ao	referir-se	ao	seu	brilhante	futuro:	“De	novo</p><p>estudarei	o	latim	e	a	álgebra,	de	novo	andarei	anônimo	e	de	batina	por	entre</p><p>homens	arrogantes	que	não	suspeitarão	o	meu	futuro”.</p><p>Nesses	dois	trechos,	o	personagem	ora	enuncia	de	um	lugar	ideológico,	ora	de</p><p>outro.	Os	trabalhos	mais	recentes	da	AD	não	considerariam	que	os	dois	polos</p><p>enunciativos	de	onde	enuncia	o	personagem	Papa	são	constituídos	a	priori	e	só</p><p>então	colocados	em	relação,	mas	que	essa	circulação	dissimétrica	de	uma</p><p>posição	enunciativa	à	outra	ocorre	devido	ao	fato	de	o	campo	discursivo</p><p>(Maingueneau,	1984/2008)	—	conjunto	de	formações	discursivas	com	mesma</p><p>função	social	que	se	encontram	em	concorrência,	aliança	ou	neutralidade</p><p>aparente	e	que	se	divergem	sobre	o	modo	pelo	qual	tal	função	deve	ser</p><p>preenchida	—,	no	qual	o	sujeito	do	discurso	se	inscreve	e	circula,	caracterizar-se</p><p>essencialmente	por	ser	um	espaço	interdiscursivo.	Do	ponto	de	vista	da	AD,</p><p>seria	possível	dizer	que	o	efeito	de	devaneio	do	sujeito-personagem	é	construído</p><p>sobre	a	possibilidade	de	circulação	entre	posições	enunciativas	que	o	campo</p><p>discursivo	oferece.</p><p>3.2.	A	noção	de	sentido	para	a	AD</p><p>Considerando	o	que	foi	apresentado	até	aqui,	seria	quase	redundante	dizer	que,</p><p>para	a	AD,	o(s)	sentido(s)	de	uma	formação	discursiva	depende(m)	da	relação</p><p>que	ela	estabelece	com	as	formações	discursivas	no	interior	do	espaço</p><p>interdiscursivo.</p><p>A	heterogeneidade	constitutiva	do	discurso	o	impede,	como	vimos,	de	ser	um</p><p>espaço	“estável”,	“fechado”,	“homogêneo”,	mas	não	o	redime	de	estar	inserido</p><p>em	um	espaço	controlado,	demarcado	pelas	possibilidades	de	sentido	que	a</p><p>formação	ideológica	pela	qual	é	governado	lhe	concede.	Uma	formação</p><p>discursiva,	apesar	de	heterogênea,	sofre	as	coerções	da	formação	ideológica	em</p><p>que	está	inserida.	Sendo	assim,	as	sequências	linguísticas	possíveis	de	serem</p><p>enunciadas	por	um	sujeito	já	estão,	em	alguma	medida,	previstas,	porque	o</p><p>espaço	interdiscursivo	se	caracteriza	pela	defasagem	entre	uma	e	outra	formação</p><p>discursiva.	Explicando	melhor:	as	sequências	linguísticas	possíveis	de	serem</p><p>enunciadas	por	um	sujeito	circulam	entre	esta	ou	aquela	formação	discursiva	que</p><p>compõem	o	interdiscurso.</p><p>O	devaneio	do	personagem	Papa	é	bastante	esclarecedor	nesse	sentido.	Ora	o</p><p>personagem	fala	a	partir	de	um	posicionamento	ideológico,	ora	de	outro.	Ora	é	o</p><p>representante	da	Igreja	Católica	diante	de	Deus	—	“Obrigado,	Senhor.	Não</p><p>mereço	esta	graça”	—,	ora	é	apenas	um	homem	moderno	atormentado	pela	ideia</p><p>da	morte	—	“Nascer	de	novo”.</p><p>Mas	não	seria	inverossímil	o	personagem	Papa,	mobilizado	pelo	autor	como</p><p>responsável	pela	enunciação,	pedir	para	nascer	de	novo?	É	justamente	neste</p><p>ponto	que	a	AD	se	mostra	bastante	esclarecedora.	Para	a	Análise	do	Discurso,	o</p><p>que	está	em	questão	não	é	o	sujeito	em	si;	o	que	importa	é	o	lugar	ideológico	de</p><p>onde	enunciam	os	sujeitos.	Em	outras	palavras,	no	espaço	interdiscursivo,</p><p>enunciando	do	interior	de	uma	formação	discursiva	de	cunho	ideológico	cristão-</p><p>católico,	o	personagem	jamais	poderia	pedir	para	nascer	de	novo.	Ao	fazer	esse</p><p>pedido,	o	que	ocorre	é	que	ele	deixa	de	enunciar	inscrito	em	uma	FD	de	cunho</p><p>cristão-católico	e	passa	a	enunciar	de	um	outro	lugar	ideológico,	estando</p><p>inscrito,	assim,	em	outra	formação	discursiva.	Dessa	forma,	apesar	do	caráter</p><p>constitutivamente	heterogêneo	do	discurso,	não	se	pode	concebê-lo	como	livre</p><p>de	restrições.	O	que	é	e	o	que	não	é	possível	de	ser	enunciado	por	um	sujeito	já</p><p>está,	em	alguma	medida,	demarcado	pela	própria	formação	discursiva	na	qual</p><p>está	inserido.	Os	sentidos	possíveis	de	um	discurso,	portanto,	são	sentidos</p><p>fortemente	condicionados	pela	própria	identidade	de	cada	uma	das	formações</p><p>discursivas	colocadas	em	relação	no	espaço	interdiscursivo.</p><p>No	entanto,	apesar	de	os	sentidos	possíveis	de	um	discurso	estarem	fortemente</p><p>condicionados,	eles	não	são	constituídos	a	priori,	ou	seja,	eles	não	existem	antes</p><p>do	discurso.	O	sentido	vai	se	constituindo	à	medida	que	se	constitui	o	próprio</p><p>discurso.	Não	existe,	portanto,	o	sentido	em	si,	ele	vai	sendo	determinado</p><p>simultaneamente	às	posições	ideológicas	que	vão	sendo	colocadas	em	jogo	na</p><p>relação	entre	as	formações	discursivas	que	compõem	o	interdiscurso.</p><p>Se	tomarmos	como	exemplo	a	própria	constituição	da	crônica	“Um	só	seu	filho”,</p><p>ou	melhor,	se	a	tomarmos	como	uma	metáfora	de	como	se	constitui	o	sentido</p><p>para	a	AD,	ficará	mais	fácil	de	compreender	a	noção	de	sentido.</p><p>O	sentido	(ou	os	sentidos)	da	crônica	não	é	dado	a	priori,	mas	vai	sendo</p><p>construído	à	medida	que	se	constrói	o	texto.	Não	se	tem	a	priori	com	muita</p><p>clareza	o	que	está	efetivamente	ocorrendo	com	o	personagem	Papa.	O</p><p>personagem	vai	se	constituindo	à	medida	que	o	texto	vai	sendo	construído</p><p>e,	por</p><p>sua	vez,	vai-se	construindo	o	sentido	do	texto	à	medida	que	se	dá	a	sua	própria</p><p>constituição.	Esse	sentido,	no	entanto,	não	é	qualquer	sentido,	mas	está,	de	certa</p><p>forma,	previsto	pelas	forças	ideológicas	colocadas	em	jogo	na	crônica.	A	AD</p><p>diria	que	os	sentidos	possíveis	para	esta	crônica	deslocam-se	entre	(e	aqui</p><p>diremos	de	maneira	bastante	esquemática	e	simplificadora,	apenas	para</p><p>exemplificar)	a	“formação	discursiva	da	ciência”	e	a	“formação	discursiva</p><p>católica”.	No	espaço	de	circulação	entre	essas	duas	formações	discursivas	é	que</p><p>residiria	o	sentido.	O	sentido,	portanto,	não	é	único,	já	que	se	dá	num	espaço	de</p><p>heterogeneidade,	mas	é	necessariamente	demarcado.</p><p>Um	outro	exemplo	que	pode	ser	esclarecedor	é	pensarmos	nas	propagandas</p><p>eleitorais	que	a	cada	quatro	anos	assistimos	pela	televisão.	Os	discursos	de	cada</p><p>partido	ou	político	não	são	elaborados	previamente	e	guardados	em	gavetas	até	a</p><p>data	prevista	para	serem	enunciados	na	TV.	Mas,	à	medida	que	vai	se	dando	o</p><p>embate	político	entre	partidos	e	candidatos,	os	discursos	vão	sendo	escritos,</p><p>reescritos,	e	os	sentidos,	então,	vão	sendo	constituídos	no	próprio	processo	de</p><p>constituição	dos	discursos.	Evidentemente,	não	são	quaisquer	sentidos	que	são</p><p>constituídos	a	partir	de	uma	formação	discursiva,	como	já	foi	dito	anteriormente,</p><p>mas	somente	aqueles	possíveis	pela	configuração	da	formação	ideológica	que</p><p>rege	determinado	discurso.	Assim,	considerando	o	contexto	político-histórico-</p><p>social	do	Brasil	nos	anos	de	1980,	por	exemplo,	dificilmente	ouviríamos	de	um</p><p>candidato	do	PT	algo	como	“Vamos	privatizar	os	setores	básicos	da	economia”</p><p>ou,	então,	de	um	candidato	do	PFL,	“Abaixo	a	privatização”.</p><p>3.3.	O	conceito	de	sujeito	na	AD</p><p>Não	fica	muito	difícil	de	prever,	considerando	o	percurso	que	fizemos	até	aqui,</p><p>de	que	maneira	a	subjetividade	é	concebida	pela	AD.	Para	abordarmos	essa</p><p>questão,	consideraremos	as	fases	da	AD	apresentadas	anteriormente,	já	que,</p><p>decorrente	de	cada	noção	de	discurso,	têm-se	diferentes	noções	de	sujeito.</p><p>Na	AD-1,	como	cada	processo	discursivo	é	gerado	por	uma	“máquina</p><p>discursiva”,	o	sujeito	não	poderia	ser	concebido	como	um	indivíduo	que	fala</p><p>(“eu	falo”),	como	fonte	do	próprio	discurso.	O	sujeito,	para	a	AD-1,	é	concebido</p><p>como	sendo	assujeitado	à	maquinaria	[para	utilizar	um	termo	do	próprio</p><p>Pêcheux	(1983/1990)],	já	que	está	submetido	às	regras	específicas	que	delimitam</p><p>o	discurso	que	enuncia.	Assim,	segundo	essa	concepção	de	sujeito,	“quem	de</p><p>fato	fala	é	uma	instituição,	ou	uma	teoria,	ou	uma	ideologia”. ⁵</p><p>Na	AD-2,	a	noção	de	sujeito	sofre	uma	alteração.	Não	existe	mais,	neste	segundo</p><p>momento,	a	noção	de	um	sujeito	marcado	pela	ideia	de	unidade,	tal	como	era</p><p>concebido	na	AD-1.	Diferentemente,	o	sujeito	passa	a	ser	concebido	como</p><p>aquele	que	desempenha	diferentes	funções	de	acordo	com	as	várias	posições	que</p><p>ocupa	no	espaço	interdiscursivo.	Dessa	forma,	na	AD-2,	“vigora	a	ideia	de	que	o</p><p>sujeito	é	uma	função,	e	que	ele	pode	estar	em	mais	de	uma”. 	No	entanto,	nesta</p><p>segunda	fase,	o	sujeito,	apesar	da	possibilidade	de	ocupar	diferentes	posições,</p><p>não	é	totalmente	livre;	ele	sofre	as	coerções	da	formação	discursiva	do	interior</p><p>da	qual	enuncia,	já	que	esta	é	regulada	por	uma	formação	ideológica.	Em	outras</p><p>palavras,	o	sujeito	do	discurso	ocupa	um	lugar	de	onde	enuncia,	e	é	este	lugar,</p><p>entendido	como	a	representação	de	traços	de	determinado	lugar	social	(o	lugar</p><p>do	professor,	do	político,	do	publicitário,	por	exemplo),	que	determina	o	que	ele</p><p>pode	ou	não	dizer	a	partir	dali.	Ou	seja,	este	sujeito,	ocupando	o	lugar	que	ocupa</p><p>no	interior	de	uma	formação	social,	é	dominado	por	uma	determinada	formação</p><p>ideológica	que	preestabelece	as	possibilidades	de	sentido	de	seu	discurso.</p><p>Com	relação,	portanto,	às	concepções	de	sujeito	da	AD-1	e	da	AD-2,	pode-se</p><p>dizer	que,	apesar	de	diferentes,	elas	são	influenciadas	por	uma	teoria	da</p><p>ideologia	que	coloca	o	sujeito	no	quadro	de	uma	formação	ideológica	e</p><p>discursiva	(Brandão,	1994).	Nesse	sentido	é	que,	para	a	AD,	não	existe	o	sujeito</p><p>individual,	mas	apenas	o	sujeito	ideológico:	a	ideologia	se	manifesta	(é	falada)</p><p>através	dele.</p><p>Na	AD-3,	por	sua	vez,	a	noção	de	sujeito	sofre	um	deslocamento	que	inaugura</p><p>uma	nova	vertente,	bastante	atual,	da	Análise	do	Discurso.	Compatível	com	uma</p><p>noção	de	discurso	marcado	radicalmente	pela	heterogeneidade	—	afirma-se	na</p><p>AD-3	o	primado	do	interdiscurso	—,	tem-se	um	sujeito	essencialmente</p><p>heterogêneo	e	descentrado.</p><p>Os	trabalhos	de	Authier-Revuz, ⁷	em	torno	dos	quais	se	desenvolve	essa	nova</p><p>vertente,	incorporam	descobertas	das	teorias	do	inconsciente,	que	consideram</p><p>que	o	centro	do	sujeito	não	é	mais	o	estágio	consciente,	mas	que	ele	é	dividido,</p><p>clivado	entre	o	consciente	e	o	inconsciente.	Inserido	nesta	base	conceitual,	o</p><p>sujeito	da	AD	se	movimenta	entre	esses	dois	polos	sem	poder	definir-se	em</p><p>momento	algum	como	um	sujeito	inteiramente	consciente	do	que	diz.	Nesse</p><p>sentido,	o	“eu”	perde	a	sua	centralidade,	deixando	de	ser	senhor	de	si,	já	que	o</p><p>“outro”,	o	desconhecido,	o	inconsciente,	passa	a	fazer	parte	de	sua	identidade.	O</p><p>sujeito	é,	então,	um	sujeito	descentrado,	constitutivamente	heterogêneo,	da</p><p>mesma	forma	como	o	discurso	o	é.	Para	Authier-Revuz	(1982),	a</p><p>heterogeneidade	mostrada	é	uma	tentativa	do	sujeito	de	explicitar	a	presença	do</p><p>outro	no	fio	discursivo,	na	busca	de	harmonizar	as	diferentes	vozes	que</p><p>atravessam	o	seu	discurso,	na	busca	pela	unidade,	mesmo	que	ilusória.</p><p>Apresentadas	as	concepções	de	sujeito	em	três	diferentes	fases	da	AD,	é	possível</p><p>perceber	que,	apesar	de	distintas,	elas	possuem	uma	característica	em	comum:	o</p><p>sujeito	não	é	senhor	de	sua	vontade;	ou	temos	um	sujeito	que	sofre	as	coerções</p><p>de	uma	formação	ideológica	e	discursiva,	ou	temos	um	sujeito	submetido	à	sua</p><p>própria	natureza	inconsciente.</p><p>É	preciso	salientar,	também,	que,	ao	contrapormos	uma	primeira	vertente	(AD-1</p><p>e	AD-2)	a	uma	segunda,	mais	atual,	o	fizemos	de	maneira	a	focalizar	apenas	os</p><p>aspectos	discriminadores	entre	essas	vertentes.	No	entanto,	Authier-Revuz,	ao</p><p>privilegiar	o	enfoque	da	dimensão	do	inconsciente	como	constitutiva	da</p><p>linguagem	e	do	sujeito,	não	deixa	de	concebê-los	—	linguagem	e	sujeito	—	no</p><p>interior	de	uma	perspectiva	discursiva	em	que	se	articulam	com	o	social	e,</p><p>portanto,	com	o	ideológico.	Por	sua	vez,	a	AD-1	e	a	AD-2,	ao	conceberem	o</p><p>sujeito	como	interpelado	pela	ideologia,	não	deixam	de	concebê-lo	também</p><p>como	um	sujeito	inconsciente.	Os	esquecimentos	1	e	2	de	que	tratam	Pêcheux	e</p><p>Fuchs	(1975/1990)	são	uma	evidência	disso.	Segundo	os	autores,	o	sujeito	se</p><p>ilude	duplamente:	a)	por	“esquecer-se”	de	que	ele	mesmo	é	assujeitado	pela</p><p>formação	discursiva	em	que	está	inserido	ao	enunciar	(esquecimento	nº	1);	b)</p><p>por	crer	que	tem	plena	consciência	do	que	diz	e	que	por	isso	pode	controlar	os</p><p>sentidos	de	seu	discurso	(esquecimento	nº	2).	Esses	dois	esquecimentos	estão</p><p>constitutivamente	relacionados	ao	conceito	de	assujeitamento	ideológico,	ou</p><p>interpelação	ideológica,	que	“consiste	em	fazer	com	que	cada	indivíduo	(sem</p><p>que	ele	tome	consciência	disso,	mas,	ao	contrário,	tenha	a	impressão	de	que	é</p><p>senhor	de	sua	própria	vontade)	seja	levado	a	ocupar	seu	lugar,	a	identificar-se</p><p>ideologicamente	com	grupos	ou	classes	de	uma	determinada	formação	social”. ⁸</p><p>O	personagem	Papa,	tal	como	foi	constituído	pelo	autor	da	crônica,	é	uma	boa</p><p>metáfora	de	como	se	constitui	o	sujeito	para	a	AD.	Exemplificaremos	aqui	a</p><p>constituição	desse	sujeito,	considerando-o	apenas	a	partir	das	perspectivas	da</p><p>AD-2	e	da	AD-3,	por	serem	essas	as	perspectivas	que	se	mostraram	mais</p><p>produtivas	no	campo	da	Análise	do	Discurso.</p><p>Na	perspectiva	da	AD-3,	diríamos	que	o	personagem	Papa	é	um	personagem</p><p>heterogêneo,	descentrado,	que	por	alguns	momentos	crê	que	tem	consciência	do</p><p>que	diz	—	“Nascer	de	novo”	—,	mas	que,	a	seguir,	se	depara	com	a	própria</p><p>inconsciência	—	“Sabia	que	quem	acabara	de	fazer	aquele	pedido	não	era	o</p><p>ancião	calejado	pelos	debates	escolásticos,	o	erudito	capaz	de	enfrentar	a</p><p>teologia	e	a	metafísica	em	12	idiomas”.	O	personagem	em	questão	é	uma</p><p>metáfora	de	um	sujeito	dividido	pela	própria</p><p>Abordagens	mais	recentes	entendem	que	seu	objetivo	é	descrever	a	capacidade</p><p>que	um	falante	tem	para	interpretar	qualquer	sentença	de	sua	língua.	Em</p><p>quaisquer	das	abordagens,	devemos	definir	o	conceito	de	significado.	O</p><p>problema	é	que	não	há	consenso	sobre	o	que	é	o	“significado”.	Uma	das</p><p>dificuldades	de	definirmos	esse	termo	se	deve	ao	fato	de	que	ele	é	usado	para</p><p>descrever	situações	de	fala	muito	diferentes.	Vejamos:	em	“Qual	é	o	significado</p><p>de	mesa?”,	indagamos	sobre	o	significado	de	um	termo,	mesa;	em	“Qual	o</p><p>significado	dessa	sua	atitude?”,	perguntamos	sobre	a	intenção	não	linguística	de</p><p>nosso	interlocutor.	Falamos	ainda	sobre	o	significado	de	um	livro,	o	significado</p><p>da	vida,	o	significado	do	verde	no	semáforo,	o	significado	da	fumaça	(“O	que</p><p>significa	aquela	fumaça?”)	e	sobre	muitos	outros	significados.	Abarcar	essas	e</p><p>outras	situações	de	uso	mina	o	próprio	projeto	de	se	construir	uma	teoria</p><p>científica	sobre	o	significado	nas	línguas	naturais.²	E	mesmo	delimitando	seu</p><p>alcance	ao	significado	que	o	falante	atribui	às	palavras	e	sentenças	de	sua	língua,</p><p>continua	válida	a	afirmação	do	filósofo	Hilary	Putnam	(1975,	p.	32):	“o	que</p><p>atrapalha	a	Semântica	é	ela	depender	de	um	conceito	pré-teórico	de</p><p>‘significado’”,	porque	não	sabemos	exatamente	o	que	é	o	significado.</p><p>Explicar	o	significado	—	e	essa	é	a	dificuldade	—	transborda	as	próprias</p><p>fronteiras	do	puramente	linguístico,	entre	outros	motivos	porque	ele	está</p><p>fortemente	ligado	à	questão	do	conhecimento.	Responder	a	como	é	que</p><p>atribuímos	significado	a	uma	cadeia	de	ruídos	implica	adotar	um	ponto	de	vista</p><p>sobre	a	aquisição	de	conhecimento.	É	o	significado	uma	relação	causal	entre	as</p><p>palavras	e	as	coisas?	Será	ele	uma	entidade	mental?	Ele	pertence	ao	indivíduo	ou</p><p>à	comunidade,	ao	domínio	público?	Essas	perguntas,	caras	ao	semanticista,</p><p>levam	inevitavelmente	a	enfrentar	a	espinhosa	relação	entre	linguagem	e	mundo</p><p>e	consequentemente	a	buscar	uma	resposta	sobre	como	é	possível	(se	é	que	é</p><p>possível)	o	conhecimento.</p><p>Se	não	há	acordo	sobre	as	questões	anteriormente	levantadas,	então	há	várias</p><p>formas	de	se	descrever	o	significado.	Há	várias	semânticas.	Cada	uma	elege	a</p><p>sua	noção	particular	de	significado,	responde	diferentemente	à	questão	da</p><p>relação	linguagem	e	mundo	e	constitui,	até	certo	ponto,	um	modelo	fechado,</p><p>incomunicável	com	outros.	O	Estruturalismo	de	vertente	saussureana,	por</p><p>exemplo,	define	o	significado	como	uma	unidade	de	diferença,	isto	é,	o</p><p>significado	se	dá	numa	estrutura	de	semelhanças	e	diferenças	com	relação	a</p><p>outros	significados.	Assim,	o	significado	de	uma	palavra	se	define	por	não	ser</p><p>outros	significados	—	mesa	se	define	por	não	ser	cadeira,	sofá	—	e	por	manter</p><p>com	esses	outras	semelhanças	—	eles	são	móveis.	Nessa	perspectiva,	o</p><p>significado	não	tem	nada	a	ver	com	o	mundo,	mesa	não	é	o	nome	de	um	objeto</p><p>no	mundo,	é	a	estrutura	de	diferença	e	semelhança	com	cadeira,	sofá.	Essa</p><p>abordagem	pode	levar	a	uma	posição	relativista,	já	que	cada	língua,	cada	sistema</p><p>de	diferenças,	institui	sua	própria	racionalidade.³	Para	a	Semântica	Formal,	o</p><p>significado	é	um	termo	complexo	que	se	compõe	de	duas	partes	objetivas,	o</p><p>sentido	e	a	referência.	O	sentido	do	nome	mesa	é	o	modo	de	apresentação	de	um</p><p>conjunto	de	objetos	no	mundo,	as	mesas.	Assim,	no	modelo	lógico,	a	relação	da</p><p>linguagem	com	o	mundo	é	fundamental	e	pouco	importa	as	relações	internas	ao</p><p>sistema.</p><p>Para	a	Semântica	da	Enunciação,	herdeira	do	estruturalismo,	o	significado	é	o</p><p>resultado	do	jogo	argumentativo	criado	na	linguagem	e	por	ela.	Diferentemente</p><p>do	estruturalismo,	mesa,	na	Semântica	da	Enunciação,	significa	as	diversas</p><p>possibilidades	de	encadeamentos	argumentativos	das	quais	a	palavra	pode</p><p>participar.	Seu	significado	é	o	somatório	das	suas	contribuições	em	inúmeros</p><p>fragmentos	de	discurso:	“Comprei	uma	mesa”,	“Senta	ali	na	mesa...”.	Estamos</p><p>fechados	nas	cadeias	linguísticas	e	não	há	lugar	para	o	mundo.	Para	a	Semântica</p><p>Cognitiva,	mesa	é	a	superfície	linguística	de	um	conceito,	o	conceito	mesa,	que	é</p><p>adquirido	por	meio	de	nossas	manipulações	sensório-motoras	com	o	mundo.	É</p><p>tocando	coisas	que	são	mesas	que	formamos	o	conceito	pré-linguístico	mesa	que</p><p>aparece	nas	nossas	interações.	Esse	conceito	tem	estrutura	prototípica,	porque	se</p><p>define	pelo	membro	mais	emblemático:	um	objeto	de	quatro	pernas	com	um</p><p>tampo.	Nessa	modelo,	o	significado	está	no	corpo.</p><p>A	pluralidade	de	semânticas	será	ilustrada	pela	apresentação	das	linhas	mestras</p><p>de	três	formas	de	fazer	semântica:	a	Semântica	Formal,	a	Semântica	da</p><p>Enunciação	e	a	Semântica	Cognitiva.	A	escolha	desses	modelos	procura	refletir</p><p>o	atual	estado	da	arte	em	Semântica	no	Brasil.⁴	Buscaremos	mostrar	como	um</p><p>fenômeno	linguístico,	a	pressuposição,	recebe	um	tratamento	diferenciado	em</p><p>cada	abordagem.	Na	sentença	“O	homem	de	chapéu	saiu”	há,	segundo	a</p><p>Semântica	Formal,	uma	pressuposição	de	existência	e	unicidade:	existe	um	e</p><p>apenas	um	indivíduo,	e	ele	é	homem.	A	Semântica	da	Enunciação	vê	nessa</p><p>mesma	sentença	a	presença	da	polifonia,	a	voz	de	mais	de	um	enunciador:	uma</p><p>fala	que	diz	que	há	um	único	indivíduo,	outra,	que	ele	está	de	chapéu	e	outra,</p><p>que	ele	saiu.	Finalmente,	a	Semântica	Cognitiva	descreve	a	sentença	a	partir	da</p><p>hipótese	de	que	na	sua	interpretação	formamos	espaços	mentais:	o	espaço	mental</p><p>em	que	há	um	único	homem.	Esperamos	que,	ao	final	deste	capítulo,	o	leitor	não</p><p>apenas	seja	capaz	de	diferenciar	esses	modelos	de	Semântica,	mas	consiga</p><p>manipulá-los	minimamente.</p><p>2.	A	SEMÂNTICA	FORMAL</p><p>Historicamente,	a	Semântica	Formal	antecede	as	demais	abordagens,	o	que	a</p><p>torna	o	referencial	teórico	e	o	grande	inimigo	a	ser	destruído.	Hoje	em	dia</p><p>falamos	em	semântica	formal	das	línguas	naturais	para	diferenciá-la	da	lógica.</p><p>Embora	sua	história	possa	ser	retraçada	até	Aristóteles,	a	semântica	formal	das</p><p>línguas	naturais	teve	início	na	década	de	1970	com	os	trabalhos	de	Barbara</p><p>Partee.	Seu	ponto	de	partida	é	a	crença	de	que	o	significado	das	sentenças	se</p><p>estrutura	logicamente.⁵	Para	ilustrar	relações	lógicas	retomemos	a	análise	de</p><p>Aristóteles,	um	pioneiro	neste	tipo	de	estudo.</p><p>Ao	analisar	o	raciocínio	dedutivo	presente	nas	sentenças	a	seguir,	Aristóteles</p><p>mostra	que	há	relações	de	significado	que	se	dão	independentemente	do</p><p>conteúdo	das	expressões.	Vejamos:</p><p>(1)	Todo	homem	é	mortal.</p><p>João	é	homem.</p><p>Logo,	João	é	mortal.</p><p>Se	garantirmos	que	as	duas	primeiras	sentenças,	chamadas	premissas,	são</p><p>verdadeiras,	concluímos	a	terceira.	A	primeira	premissa	afirma	que	o	conjunto</p><p>dos	homens	está	contido	no	conjunto	dos	mortais;	a	segunda,	que	João	é	um</p><p>elemento	do	conjunto	dos	homens.	Então,	necessariamente,	ele	é	um	elemento</p><p>do	conjunto	dos	mortais.	O	interessante	é	que	esse	raciocínio	se	garante	apenas</p><p>pelas	relações	que	se	estabelecem	entre	os	termos,	independentemente	do	que</p><p>homem	ou	mortal	significam.	Se	alterarmos	as	expressões	e	mantivermos	as</p><p>relações,	o	raciocínio	será	sempre	válido.	Experimente	verificar	se	o	raciocínio</p><p>seguinte	é	válido	e	justificar	sua	validade:	Todo	cachorro	tem	4	patas;	Bela	é	um</p><p>cachorro;	logo,	Bela	tem	4	patas.</p><p>Essas	são	relações	lógicas,	ou	formais,	porque	podemos	representá-las	por	letras</p><p>vazias	de	conteúdo,	mas	que	descrevem	as	relações	de	sentido.	Podemos,	pois,</p><p>dizer	que	“se	A	é	um	conjunto	qualquer	que	está	contido	em	um	outro	conjunto</p><p>qualquer,	o	conjunto	B,	e	se	c	é	um	elemento	do	conjunto	A,	então,	c	é	um</p><p>elemento	do	conjunto	B”.	Lógico,	não?!</p><p>A	definição	de	significado	que	ancora	as	pesquisas	em	semântica	formal	e	contra</p><p>a	qual	as	demais	semânticas	irão	reagir,	deve-se	ao	lógico	alemão	Gottlob	Frege</p><p>(1848-1925),	que	nos	legou	pelo	menos	várias	contribuições,	entre	elas:	a</p><p>distinção	entre	sentido	e	referência,	o	conceito	de	função,	a	primeira</p><p>compreensão	de	quantificador.	Para	ele,	o	estudo	científico	do	significado	só	é</p><p>possível	se	diferenciarmos	os	seus	diversos	aspectos	para	reter	apenas	aqueles</p><p>que	são	objetivos.	Ele	exclui	da	Semântica	o	estudo	das	representações</p><p>individuais	que	uma	dada	palavra	pode	provocar.	Ao	ouvir	o	nome	próprio</p><p>estrela	da	manhã,	formo	uma	ideia,	uma	representação,	que	é	só	minha,	uma</p><p>inconsciência.</p><p>Na	perspectiva	da	AD-2,	por	sua	vez,	diríamos	que	o	personagem	Papa	é</p><p>assujeitado	pelas	formações	discursivas	colocadas	em	relação	no	texto,	por</p><p>enunciar	apenas	o	que	já	está	previsto	por	estas	mesmas	FDs.	Assim,	o</p><p>personagem	enuncia	inscrito	num	espaço	discursivo	demarcado	pela	formação</p><p>ideológica	que	o	rege.	De	acordo	com	o	que	vimos	analisando	da	crônica	em</p><p>questão,	diríamos,	de	maneira	bastante	esquemática,	que	este	personagem</p><p>enuncia	inscrito	em	um	espaço	discursivo	que	coloca	em	uma	relação	de	conflito</p><p>dois	posicionamentos,	um	religioso	e	outro	científico;	enunciará,	portanto,</p><p>apenas	o	que	está	previsto	como	enunciados	possíveis	para	estas	FDs.</p><p>3.4.	As	condições	de	produção	do	discurso</p><p>A	dupla	ilusão	do	sujeito	de	que	tratam	Pêcheux	e	Fuchs	(1975/1990),	abordada</p><p>anteriormente,	é,	para	a	AD,	constitutiva	das	condições	de	produção	do	discurso.</p><p>Como	decorrência	dessa	dupla	ilusão,	manifestações	que	se	dão	no	nível	da</p><p>superfície	discursiva,	como	a	heterogeneidade	mostrada,	foram	interpretadas	por</p><p>Pêcheux	(1969/1990)	como	uma	evidência	dessa	relação	imaginária	que	o</p><p>sujeito	tem	com	o	próprio	discurso,	como	uma	manifestação	da	tentativa</p><p>(ilusória)	de	controlar	o	próprio	discurso.</p><p>Assim,	para	a	AD,	o	sujeito,	por	não	ter	acesso	às	reais	condições	de	produção</p><p>de	seu	discurso,	representa	essas	condições	de	maneira	imaginária.	É	o	que</p><p>Pêcheux	(1969/1990)	chama	de	jogo	de	imagens	de	um	discurso.</p><p>Reproduziremos	a	seguir	o	quadro	que	o	próprio	autor	apresenta:</p><p>A	fim	de	facilitar	a	compreensão	desse	quadro 	para	o	leitor,	vamos	apresentá-lo</p><p>dividindo-o	em	dois	blocos:</p><p>1.	A	imagem	que	o	sujeito,	ao	enunciar	seu	discurso,	faz:</p><p>a)	do	lugar	que	ocupa;</p><p>b)	do	lugar	que	ocupa	seu	interlocutor;</p><p>c)	do	próprio	discurso	ou	do	que	é	enunciado.</p><p>2.	A	imagem	que	o	sujeito,	ao	enunciar	seu	discurso,	faz	da	imagem	que	seu</p><p>interlocutor	faz:</p><p>a)	do	lugar	que	ocupa	o	sujeito	do	discurso;</p><p>b)	do	lugar	que	ele	(interlocutor)	ocupa;</p><p>c)	do	discurso	ou	do	que	é	enunciado.</p><p>Esse	jogo	de	imagens,	mesmo	estabelecendo	as	condições	de	produção	do</p><p>discurso,	ou	seja,	aquilo	que	o	sujeito	pode/deve	ou	não	dizer,	a	partir	do	lugar</p><p>que	ocupa	e	das	representações	que	faz	ao	enunciar,	não	é	preestabelecido	antes</p><p>que	o	sujeito	enuncie	o	discurso,	mas	este	jogo	vai	se	constituindo	à	medida	que</p><p>se	constitui	o	próprio	discurso.	Em	outras	palavras,	o	sujeito	não	é	livre	para</p><p>dizer	o	que	quer,	a	própria	opção	do	que	dizer	já	é	em	si	determinada	pelo	lugar</p><p>que	ocupa	no	interior	da	formação	ideológica	à	qual	está	submetido,	mas	as</p><p>imagens	que	o	sujeito	constrói	ao	enunciar	só	se	constituem	no	próprio	processo</p><p>discursivo.</p><p>Ainda	mais	uma	vez	nos	valeremos	da	metáfora	do	personagem,	agora	para</p><p>explicar	como	as	imagens	se	constituem	no	próprio	processo	discursivo.	O</p><p>discurso	do	sujeito-personagem	não	está	constituído	a	priori,	mas	vai	se</p><p>delineando	à	medida	que	ele	representa	a	voz	que	lhe	fala,	a	partir	das	imagens</p><p>que	faz	do	que	lhe	é	dito.	Assim,	por	exemplo,	num	primeiro	momento,	coloca-</p><p>se	como	um	sujeito	que	não	teme	a	morte	—	“É	meu	último	dia	de	vida,	isto	não</p><p>deve	me	amedrontar;	é	como	quando	após	uma	refeição	alguém	retira	de	minha</p><p>frente	o	prato	vazio.	Por	que	me	rebelar,	se	já	fruí	o	que	me	interessava?”	—,</p><p>mas	redefine	todo	seu	discurso	a	partir	da	imagem	que	faz	de	si	naquele</p><p>momento	—	“Ele	fitou	a	palma	da	própria	mão:	viu	com	espantosa	nitidez	as</p><p>linhas	e	as	comissuras	da	pele,	viu	as	rugosidades,	o	intrincamento	têxtil	das</p><p>camadas	superpostas,	viu	o	fervilhar	da	matéria	viva	e	as	células	que	se	partiam</p><p>e	se	fundiam	umas	às	outras	como	gotas	d’água”.	É	nesse	sentido	que	o	jogo	de</p><p>imagens	faz	parte	das	condições	de	produção	de	um	discurso,	na	medida	em	que</p><p>as	imagens	que	o	sujeito	vai	construindo	ao	enunciar	vão	definindo	e	redefinindo</p><p>o	processo	discursivo.</p><p>4.	CONSIDERAÇÕES	FINAIS</p><p>Abordamos	neste	artigo	o	que	julgamos	ser	fundamental	para	um	primeiro</p><p>contato	com	a	Análise	do	Discurso,	buscando,	ao	mesmo	tempo,	esclarecer,	por</p><p>meio	das	análises	aqui	apresentadas,	alguns	dos	conceitos	que	foram	colocados.</p><p>Queremos	ressaltar,	no	entanto,	que	este	texto	não	esgota	de	forma	alguma	as</p><p>questões	que	são	colocadas	pela	AD;	propõe-se	apenas	a	ser	uma	porta	de</p><p>entrada	possível	para	o	campo,	fornecendo	ao	leitor	alguns	subsídios	para	que</p><p>ele	possa	iniciar	seus	estudos	na	área.</p><p>Assim,	concluir	este	texto	significa	apenas	concluir	a	reflexão	que	fizemos</p><p>nestas	poucas	páginas,	já	que	muitas	questões	poderiam	ainda	ser	aqui</p><p>consideradas.	Optamos,	então,	por	concluí-lo	retomando	apenas	um	aspecto	já</p><p>abordado	neste	capítulo,	por	julgarmos	crucial	enfatizá-lo	ao	falarmos	em</p><p>Análise	do	Discurso:	sua	especificidade.</p><p>O	leitor	deve	ter	percebido,	ao	entrar	em	contato	com	os	conceitos	que	embasam</p><p>a	AD,	que	a	definição	de	todos	eles	se	fundamenta	sobre	uma	característica	em</p><p>comum,	que	chamaremos	aqui	de	constitutividade:	o	discurso,	o	sentido,	o</p><p>sujeito,	as	condições	de	produção	vão	se	constituindo	no	próprio	processo	de</p><p>enunciação.	E	não	poderia	ser	diferente.	A	AD,	ao	conceber	o	discurso	como</p><p>sendo	de	natureza,	ao	mesmo	tempo	linguística	e	sócio-histórica,	não	poderia</p><p>constituir-se	enquanto	disciplina	no	interior	de	fronteiras	rígidas,	que	não</p><p>levassem	em	conta	sua	intrínseca	relação	com	determinadas	áreas	das	ciências</p><p>humanas	—	como	a	História,	a	Sociologia,	a	Psicanálise	—	e	com	certas</p><p>tendências	desenvolvidas	no	interior	da	própria	Linguística	—	como	a	Semântica</p><p>da	Enunciação	e	a	Pragmática,	por	exemplo.</p><p>Devido	a	esse	caráter	eminentemente	“relacional”,	a	Análise	do	Discurso	se</p><p>apresenta	como	uma	disciplina	em	constante	processo	de	constituição,	de	onde</p><p>decorre	a	constitutividade	dos	próprios	conceitos	que	a	fundamentam.	Esse</p><p>caráter	“relacional”,	diriam	alguns,	poderia	colocar	a	AD	numa	situação	de</p><p>extrema	fugacidade.	No	entanto,	não	é	esse	o	perigo	que	a	espreita.	Na	verdade,</p><p>o	único	perigo	que	poderia	colocá-la	em	xeque	seria	o	de	não	reconhecermos	sua</p><p>especificidade	e	tentarmos	excluir	de	seu	campo	as	contradições,	em	vez	de</p><p>simplesmente	tentarmos	apreendê-las	na	materialidade	discursiva.</p><p>Se	o	leitor	tiver	apreendido	esse	caráter	da	Análise	do	Discurso,	terá</p><p>compreendido	sua	característica	fundamental.	O	mais	será	uma	questão	de</p><p>interesse	que,	obviamente,	esperamos	ter	despertado	com	esta	introdução.</p><p>REFERÊNCIAS</p><p>ALTHUSSER,	L.	Ideologia	e	aparelhos	ideológicos	do	estado.	Trad.	J.	J.	Moura</p><p>Ramos.	Lisboa:	Presença/Martins	Fontes,	1974.	(Título	original,	1970.)</p><p>AUTHIER-REVUZ,	J.	Heterogeneidade(s)	enunciativa(s).	In:	ORLANDI,	E.	P.;</p><p>GERALDI,	J.	W.	Cadernos	de	Estudos	Linguísticos.	Campinas,	Unicamp-IEL,</p><p>n.	19,	jul./dez.,	1990.</p><p>______.	Hétérogénéité	montrée	e	hétérogénéité	constitutive:	élements	pour	une</p><p>approche	de	l’autre	dans	le	discours.	DRLAV	—	Revue	de	Linguistique,	n.	26,</p><p>1982.</p><p>______.	Palavras	incertas:	as	não	coincidências	do	dizer.	Trad.	C.	R.	C.	Pfeiffer</p><p>et	al.	Campinas:	Editora	da	Unicamp,	1998.	(Título	original,	1992.)</p><p>BAKHTIN,	M.	Marxismo	e	filosofia	da	linguagem.	Trad.	M.	Lahud	e	Y.	F.</p><p>Vieira.	4.	ed.	São	Paulo:	Hucitec,	1988.	(Título	original,	1929.)</p><p>BENVENISTE,	E.	O	aparelho	formal	de	enunciação.	In:	______.	Problemas	de</p><p>linguística	geral	II.	Trad.	E.	Guimarães	et	al.	Campinas:	Pontes,	1989.	(Título</p><p>original,	1974.)</p><p>______.	O	homem	na	língua.	In:	______.	Problemas	de	linguística	geral.	Trad.</p><p>M.	G.	Novak	e	L.	Neri.	São	Paulo:	Companhia	Editora	Nacional/Edusp,	1976.</p><p>(Título	original,	1966.)</p><p>BRAIT,	B.	(Org.).	Bakhtin,	dialogismo	e	construção	do	sentido.	Campinas:</p><p>Editora	da	Unicamp,	1997.</p><p>______.	Análise	do	discurso:	balanço	e	perspectivas.	In:	NASCIMENTO,	E.	M.</p><p>F.	S.;	GREGOLIN,	M.	do	R.	V.	(Orgs.).	Problemas	atuais	da	análise	do	discurso.</p><p>Araraquara:	Editora	da	Unesp,	n.	1,	1994.</p><p>BRANDÃO,	H.	N.	A	subjetividade	no	discurso.	In:	NASCIMENTO,	E.	M.	F.	S.;</p><p>GREGOLIN,	M.	do	R.	V.	(Orgs.).	Problemas	atuais	da	análise	do	discurso.</p><p>Araraquara:	Editora	da	Unesp,	n.	1,	1994.</p><p>______.	Introdução	à	análise	do	discurso.	7.	ed.	Campinas:	Editora	da	Unicamp,</p><p>1998a.</p><p>______.	Subjetividade,	argumentação,</p><p>polifonia:	a	propaganda	da	Petrobrás.	São</p><p>Paulo:	Editora	da	Unesp,	1998b.</p><p>CERTEAU,	M.	de.	A	invenção	do	cotidiano:	1.	Artes	de	fazer.	3.	ed.	Tradução</p><p>de	E.	F.	Alves.	Petrópolis:	Vozes,	1998.	(Título	original,	1980.)</p><p>CHARAUDEAU,	P.;	MAINGUENEAU,	D.	Dicionário	de	análise	do	discurso.</p><p>São	Paulo:	Contexto,	2004.</p><p>COURTINE,	J-J.	Análise	do	discurso	político:	a	propósito	do	discurso	comunista</p><p>dirigido	aos	cristãos.	Revista	Langages,	n.	62,	1981.	(Tradução	de	Sírio	Possenti,</p><p>circulação	restrita.)</p><p>DUCROT,	O.	Esboço	de	uma	teoria	polifônica	da	enunciação.	In:	______.	O</p><p>dizer	e	o	dito.	Campinas:	Pontes,	1987.	(Título	original,	1984.)</p><p>FIORIN,	J.	L.	Tendências	da	análise	do	discurso.	Cadernos	de	estudos</p><p>linguísticos.	Campinas:	Unicamp-IEL,	n.	19,	jul./dez.,	1990.</p><p>FOUCAULT,	M.	História	da	loucura:	na	idade	clássica.	8.	ed.	São	Paulo:</p><p>Perspectiva,	2008.	(Título	original,	1961.)</p><p>______.	O	nascimento	da	clínica.	6.	ed.	Rio	de	Janeiro:	Forense	Universitária,</p><p>2008.	(Título	original,	1963.)</p><p>______.	A	ordem	do	discurso.	Trad.	L.	F.	de	A.	Sampaio.	3.	ed.	São	Paulo:</p><p>Loyola,	1996.	(Título	original,	1971.)</p><p>FOUCAULT,	M.	Arqueologia	do	saber.	7.	ed.	Trad.	L.	F.	Baeta	Neves.	Rio	de</p><p>Janeiro:	Forense	Universitária,	2004.	(Título	original,	1969.)</p><p>FREUD,	S.	Os	chistes	e	sua	relação	com	o	inconsciente.	Rio	de	Janeiro:	Imago,</p><p>1977.</p><p>GERALDI,	J.	W.;	ILARI	R.	Semântica.	5.	ed.	São	Paulo:	Ática,	1985.	(Série</p><p>Princípios.)</p><p>GRANGER,	G.	G.	Língua	e	sistemas	formais.	In:	SUMPF	et	al.	(Orgs.).</p><p>Filosofia	da	linguagem.	Coimbra:	Almedina,	1973.</p><p>GREGOLIN,	M.	do	R.	Foucault	e	Pêcheux	na	análise	do	discurso:	diálogos	e</p><p>duelos.	São	Carlos:	Claraluz,	2004.</p><p>HAROCHE,	C.	Fazer	dizer,	querer	dizer.	São	Paulo:	Hucitec,	1992.	(Título</p><p>original,	1983.)</p><p>HAROCHE,	C.;	HENRY,	P.;	PECHÊUX,	M.	La	semantique	et	la	coupure</p><p>saussuriense:	langue,	langage,	discours.	Langages,	n.	24.	Paris:	Didier-</p><p>Larrousse,	1971.</p><p>HARRIS,	Z.	Analyse	du	discours.	Langage,	n.	13.	Paris:	Didier	Larousse,	1969.</p><p>HENRY,	P.	Os	fundamentos	teóricos	da	“Análise	automática	do	discurso”	de</p><p>Michel	Pêcheux	(1969).	In:	GADET,	F.;	HAK,	T.	(Orgs.).	Por	uma	análise</p><p>automática	do	discurso:	uma	introdução	à	obra	de	Michel	Pêcheux.	Campinas:</p><p>Editora	da	Unicamp,	1990.</p><p>JAKOBSON,	R.	Linguística	e	poética.	In:	______.	Linguística	e	comunicação.</p><p>São	Paulo:	Cultrix,	1970.	(titulo	original,	1960.)</p><p>LAHUD,	M.	A	propósito	da	noção	de	dêixis.	São	Paulo:	Ática,	1979.</p><p>LÖWY,	M.	Ideologias	e	ciência	social:	elementos	para	uma	análise	marxista.	4.</p><p>ed.	São	Paulo:	Cortez,	1988.</p><p>MAINGUENEAU,	D.	Análise	do	discurso:	a	questão	dos	fundamentos.</p><p>Cadernos	de	Estudos	Linguísticos.	Campinas:	Unicamp-IEL,	n.	19,	jul./dez.,</p><p>1990.</p><p>______.	Gênese	dos	discursos.	2.	ed.	São	Paulo:	Parábola,	2008.	(Título	original,</p><p>1984.)</p><p>______.	Novas	tendências	em	análise	do	discurso.	3.	ed.	Campinas:</p><p>Pontes/Editora	da	Unicamp,	1997.	(Título	original,	1987.)</p><p>______.	Discurso	literário.	São	Paulo:	Contexto,	2006.</p><p>MALDIDIER,	D.	Elementos	para	uma	história	da	análise	do	discurso	na	França.</p><p>In:	ORLANDI,	E.	P.	(Org.).	Gestos	de	leitura:	da	história	no	discurso.	Trad.	B.	S.</p><p>Z.	Mariani	et	al.	Campinas:	Editora	da	Unicamp,	1994.</p><p>MARX,	K.;	ENGELS,	F.	A	ideologia	alemã.	Trad.	Luis	Cláudio	de	Castro	e</p><p>Costa.	São	Paulo:	Martins	Fontes,	1989.	(Título	original,	1946)</p><p>ORLANDI,	E.	P.	Análise	de	discurso:	princípios	e	procedimentos.	Campinas:</p><p>Pontes,	1999.</p><p>ORLANDI,	E.	P.	A	linguagem	e	seu	funcionamento:	as	formas	do	discurso.	2.</p><p>ed.	Campinas:	Pontes,	1987.</p><p>OSAKABE,	H.	Argumentação	e	discurso	político.	São	Paulo:	Kairós	Livraria	e</p><p>Editora	Ltda.,	1979.</p><p>PÊCHEUX,	M.	A	Análise	do	discurso:	três	épocas.	Trad.	J.	de	A.	Romualdo.	In:</p><p>GADET,	F.;	HAK,	T.	(Orgs.).	Por	uma	análise	automática	do	discurso:	uma</p><p>introdução	à	obra	de	Michel	Pêcheux.	Campinas:	Editora	da	Unicamp,	1990.</p><p>(Título	original,	1983.)</p><p>______.	Análise	automática	do	discurso	(AAD-69).	Trad.	E.	P.	Orlandi.	In:</p><p>GADET,	F.;	HAK,	T.	(Orgs.).	Por	uma	análise	automática	do	discurso:	uma</p><p>introdução	à	obra	de	Michel	Pêcheux.	Campinas:	Editora	da	Unicamp,	1990.</p><p>(Título	original,	1969.)</p><p>______.	Semântica	e	discurso:	uma	crítica	à	afirmação	do	óbvio.	Trad.	E.	P.</p><p>Orlandi	et	al.	Campinas:	Editora	da	Unicamp,	1988.	(Título	original,	1975.)</p><p>PÊCHEUX,	M.;	FUCHS,	C.	A	propósito	da	análise	automática	do	discurso:</p><p>atualização	e	perspectivas.	Trad.	P.	Cunha.	In:	GADET,	F.;	HAK,	T.	(Orgs.).	Por</p><p>uma	análise	automática	do	discurso:	uma	introdução	à	obra	de	Michel	Pêcheux.</p><p>Campinas:	Editora	da	Unicamp,	1990.	(Título	original,	1975.)</p><p>PÊCHEUX,	M.	et	al.	Apresentação	da	análise	automática	do	discurso.	In:</p><p>GADET,	F.;	HAK,	T.	(Orgs.).	Por	uma	análise	automática	do	discurso:	uma</p><p>introdução	à	obra	de	Michel	Pêcheux.	Campinas:	Editora	da	Unicamp,	1990.</p><p>(Título	original,	1982.)</p><p>PINTO,	J.	M.	Lacan	e	o	ideal	de	matema.	In:	MARI,	H.;	DOMINGUES,	I.;</p><p>PINTO,	J.	(Orgs.).	Estruturalismo:	memória	e	repercussões.	Rio	de	Janeiro:</p><p>Diadorim/UFMG,	1995.</p><p>POSSENTI,	S.	A	heterogeneidade	e	a	noção	de	interdiscurso.	Campinas,	[19--]a</p><p>(Mimeo.)</p><p>______.	Apresentação	da	análise	do	discurso.	Campinas,	[19_]b	(Mimeo.)</p><p>______.	Estruturalismos	não	estruturalistas.	In:	MARI,	H.;	DOMINGUES,	I.;</p><p>PINTO,	J.	(Orgs.).	Estruturalismo:	memória	e	repercussões.	Rio	de	Janeiro:</p><p>Diadorim/UFMG,	1995.</p><p>______.	O	dado	dado	e	o	dado	dado	(O	dado	em	Análise	do	Discurso).	In:</p><p>CASTRO,	M.	F.	P.	de	(Org.).	O	método	e	o	dado	no	estudo	da	linguagem.</p><p>Campinas:	Editora	da	Unicamp,	1996.</p><p>______.	Sobre	as	noções	de	sentido	e	de	efeito	de	sentido.	In:	POSSENTI,	S.;</p><p>CHACON,	L.	(Orgs.).	Cadernos	da	Faculdade	de	Filosofia	e	Ciências:	Análise</p><p>do	Discurso.	Marília:	Editora	da	Unesp,	v.	6,	n.	2,	1997.</p><p>______.	Teoria	do	discurso:	um	caso	de	múltiplas	rupturas.	In:	MUSSALIM,	F.;</p><p>BENTES,	A.	C.	(Orgs.).	Introdução	à	linguística:	fundamentos	epistemológicos.</p><p>São	Paulo:	Cortez,	2004.	v.	3.</p><p>POSSENTI,	S.;	MUSSALIM,	F.	Contribuições	de	Dominique	Maingueneau	à</p><p>Análise	do	Discurso.	In:	PAULA,	L.	de;	STAFUZZA,	G.	(Orgs.).	Da	análise	do</p><p>discurso	no	Brasil	à	análise	do	discurso	do	Brasil:	três	épocas	histórico-</p><p>analíticas.	Uberlândia:	Edufu,	2010.</p><p>SANTIAGO,	J.	Jacques	Lacan:	a	estrutura	dos	estruturalistas	e	a	sua.	In:	MARI,</p><p>H.;	DOMINGUES,	I.;	PINTO,	J.	(Orgs.).	Estruturalismo:	memória	e</p><p>repercussões.	Rio	de	Janeiro:	Diadorim/UFMG,	1995.</p><p>SAUSSURE,	F.	de.	Curso	de	linguística	geral.	Trad.	A.	Chelini	et	al.	São	Paulo:</p><p>Cultrix,	1974.	(Título	original,	1916.)</p><p>SEARLE,	J.	R.	Os	actos	de	fala:	um	ensaio	de	filosofia	da	linguagem.	Coimbra:</p><p>Almedina,	1981.</p><p>SILVA,	S.	M.	Morfologia:	(de)pendência	estrutural	sistemática.	In:	MARI,	H.;</p><p>DOMINGUES,	I.;	PINTO,	J.	(Orgs.).	Estruturalismo:	memória	e	repercussões.</p><p>Rio	de	Janeiro:	Diadorim/UFMG,	1995.</p><p>TAVARES,	Bráulio.	Um	só	filho	seu.	Folha	de	S.Paulo.	São	Paulo,	16	de	março</p><p>de	1997.	Caderno	Mais.</p><p>1	Agradecemos	a	Sírio	Possenti,	a	Anna	Christina	Bentes,	a	Edwiges	Morato,	a</p><p>Claudia	Bertelli	Reis	e	a	Cleudemar	Alves	Fernandes	pelas	contribuições	a	este</p><p>texto.</p><p>2.	Remetemos	o	leitor	à	obra	de	Saussure	(1916/1974),	Curso	de	linguística</p><p>geral,	considerada	a	obra	fundadora	da	Linguística	moderna	por	possibilitar	uma</p><p>abordagem	da	língua	a	partir	de	suas	regularidades	e,	assim,	defini-la	como	um</p><p>objeto	passível	de	análise	científica,	para	os	padrões	de	cientificidade	da	época.</p><p>3.	A	respeito	das	classificações	dos	fonemas,	remetemos	o	leitor	aos	capítulos</p><p>“Fonética”	e	“Fonologia”,	no	volume	1	desta	obra.</p><p>4.	Remetemos	o	leitor	ao	capítulo	“Semântica”,	neste	mesmo	volume.</p><p>5.	Löwy	(1988)	faz	um	interessante	estudo	da	história	das	ciências	sociais.</p><p>Remetemos	o	leitor	à	sua	obra	para	compreender	como	as	vertentes	filosóficas</p><p>—	positivismo,	historicismo,	marxismo	—	nortearam	os	critérios	de</p><p>cientificidade	de	cada	época,	critérios	que,	por	sua	vez,	nortearam	os	propósitos,</p><p>os	estudos	e	os	métodos	nas	ciências	humanas.</p><p>6.	Maingueneau,	D.	Análise	do	Discurso:	a	questão	dos	fundamentos.	Cadernos</p><p>de	Estudos	Linguísticos.	Campinas:	Unicamp-	IEL,	n.	19,	jul./dez.,	1990.	p.68.</p><p>7.	Pêcheux,	M.	Semântica	e	discurso:	uma	crítica	à	afirmação	do	óbvio.</p><p>Campinas:	Editora	da	Unicamp,	1988,	p.	74.	(título	original:	Les	vérites	de	la</p><p>Palice,	1975)</p><p>8.	Maldidier,	D.	Elementos	para	uma	história	da	Análise	do	Discurso	na	França.</p><p>In:	Orlandi,	E.	P.	(org.)	Gestos	de	leitura:	da	história	no	discurso.	Campinas:</p><p>Editora	da	Unicamp,	1994,	p.	19.</p><p>9.	Remetemos	o	leitor	ao	capítulo	“Fonologia”	no	volume	1	desta	obra,	que</p><p>também	aborda	esta	dicotomia.</p><p>10.	Possenti	(1995)	aponta	que,	para	Granger	(1973),	as	línguas	não	são	sistemas</p><p>formais,	mas	sistemas	simbólicos	que	contêm	um	sistema	formal,	pois	só	se</p><p>comportam	como	uma	estrutura	no	nível	fonológico;	nos	outros	domínios,</p><p>inclusive	nos	domínios	da	Morfologia	e	da	Sintaxe,	a	língua	falha	como</p><p>estrutura.</p><p>11.	Sobre	a	origem	do	termo	condições	de	produção,	ver	Brandão	(1998a).</p><p>12.	Pêcheux,	M.	Análise	automática	do	discurso	(AAD-69).	In:	Gadet,	F.;	Hak,</p><p>T.	(Orgs.)	Por	uma	análise	automática	do	discurso:	uma	introdução	à	obra	de</p><p>Michel	Pêcheux.	Campinas:	Editora	da	Unicamp,	1990,	p.	78.</p><p>13.	Para	Saussure	(1916/1974),	o	signo	linguístico	é	composto	de	significante	e</p><p>significado	compreendidos,	respectivamente,	como	imagem	acústica	(som	com</p><p>função	linguística)	e	conceito.	Remetemos	o	leitor	ao	capítulo	“Fonologia”	no</p><p>volume	1,	que	também	aborda	o	conceito	de	signo.</p><p>14.	Maingueneau	(1990)	aponta	uma	questão	interessante	com	relação	ao	uso	do</p><p>termo	análise:	“é	a	materialização	de	uma	certa	configuração	do	saber	em	que	o</p><p>termo	análise	funciona	ao	mesmo	tempo	sobre	os	registros	linguístico,	textual	e</p><p>psicanalítico”.	Pode-se	estender	esta	colocação	ao	termo	analista,	na	medida	em</p><p>que,	ainda	como	afirma	o	autor,	“a	escola	francesa	de	Análise	do	Discurso	se</p><p>afirma	como	uma	análise	(=	psicanálise)	aplicada	aos	textos”	(Maingueneau,</p><p>1990,	p.	69).</p><p>15.	Lacan	é	citado	em	Brandão,	H.	N.	Introdução	à	Análise	do	Discurso.	7.	ed.</p><p>Campinas:	Editora	da	Unicamp,	1998a,	p.	56.</p><p>16.	Santiago,	J.	Jacques	Lacan:	a	estrutura	dos	estruturalistas	e	a	sua.	In:	Mari,</p><p>H.;	Domingues,	I.;	Pinto,	J.	(Orgs.).	Estruturalismo:	memória	e	repercussões.</p><p>Rio	de	Janeiro:	Diadorim/UFMG,	1995,	p.	221.</p><p>17.	Althusser	(1970)	é	citado	em	Maingueneau	(1990,	p.	69).</p><p>18.	Ver	os	capítulos	“Fonética”,	“Fonologia”	e	“Sintaxe”,	no	volume	1,	e</p><p>“Semântica”,	no	volume	2.	No	que	diz	respeito	ao	capítulo	“Sintaxe”,	referimo-</p><p>nos	apenas	à	Sintaxe	Gerativa,	e,	em	relação	ao	capítulo	“Semântica”,	apenas	à</p><p>Semântica	Formal.</p><p>19.	Ver	no	volume	1	os	capítulos	“Sintaxe”	(referimo-nos	aqui	à	Sintaxe</p><p>funcional),	“Sociolinguística”	e	“Linguística	Textual”;	ver	neste	volume	os</p><p>capítulos	“Semântica”	(referimo-nos	aqui	à	Semântica	da	enunciação),</p><p>“Pragmática”	e	“Análise	de	Conversação”.</p><p>20.	Maingueneau,	D.	Novas	tendências	em	Análise	do	Discurso.	Campinas:</p><p>Pontes/Editora	da	Unicamp,	1997,	p.	11.</p><p>21.	Sobre	a	noção	de	dêitico,	ver	Lahud	(1979)	e	Geraldi	e	Ilari	(1985).</p><p>22.	Sobre	a	noção	de	escopo,	ver	Geraldi	e	Ilari	(1985).</p><p>23.	Sobre	a	Análise	do	Discurso	anglo-saxã	ver,	neste	mesmo	volume,	o	capítulo</p><p>“Análise	da	Conversação”	e,	no	volume	1,	o	capítulo	“Linguística	Textual”.</p><p>24.	Possenti,	S.	O	dado	dado	e	o	dado	dado	(O	dado	em	análise	do	discurso).	In:</p><p>Castro,	M.	F.	P.	de.	(org.)	O	método	e	o	dado	no	estudo	da	linguagem.	Campinas:</p><p>Editora	da	Unicamp,	1996,	p.	199.</p><p>25.	Fiorin,	J.	L.	Tendências	da	Análise	do	Discurso.	Cadernos	de	Estudos</p><p>Linguísticos.	Campinas:	Unicamp-IEL,	jul./dez.,	1990,	p.	175.</p><p>26.	Ibidem,	p.	174.</p><p>27.	Maldidier	(1994,	p.	21).</p><p>28.	Remetemos	o	leitor	aos	capítulos	“Semântica”	e	“Pragmática”	neste	mesmo</p><p>volume	para	uma	maior	compreensão	da	oposição	enunciado/enunciação.	Ver</p><p>também	Benveniste	(1974/1989)	e	Searle	(1981).	Vale	dizer,	no	entanto,	que	a</p><p>noção	de	enunciação	é	reinterpretada	pela	AD.	Neste	arcabouço	teórico,	a</p><p>enunciação	não	é	compreendida	como	a	situação	empírica	em	que	ocorre	o</p><p>discurso,	mas	como	estando	relacionada	à	imagem	que	o	sujeito	do	discurso,</p><p>inserido	em	determinadas	condições	sociais,	faz	das	condições	de	produção	de</p><p>seu	discurso.	Ver,	a	esse	respeito,	Pêcheux	e	Fuchs	(1975/1990).</p><p>29.	Remetemos	o	leitor	ao	capítulo	“Sintaxe”	no	volume	1	desta	obra,	e	aos</p><p>capítulos	“Aquisição	da	Linguagem”	e	“Psicolinguística”	neste	mesmo	volume.</p><p>30.	O	gerativismo,	apesar	do	rigor	de	sua	formalização,	é	interpretado	como	uma</p><p>ruptura	com	o	estruturalismo.	Posicionando-se	a	esse	respeito	em	entrevista	dada</p><p>a	Jean	Paris,	como	relata	Silva	(1995),	Chomsky	aponta	os	limites	do</p><p>estruturalismo,	afirmando	a	seu	respeito	não	ser	suficientemente	teórico,	por</p><p>deixar	de	pesquisar	os	processos	gerativos	subjacentes	que	determinam	as</p><p>estruturas	que	observa	e	estuda.</p><p>31.	Orlandi,	E.	P.	A	linguagem	e	seu	funcionamento:	as	formas	do	discurso.	2.</p><p>ed.	Campinas:	Pontes,	1987,	p.	110.</p><p>32.	Orlandi	(1987)	faz	uma	comparação	entre	as	diferentes	formas	de	a</p><p>Sociolinguística,	a	teoria	da	enunciação	e	a	Análise	do	Discurso	trabalharem</p><p>com	a	exterioridade.	Aponta	que	a	Sociolinguística	visa	a	relação	entre	o	social	e</p><p>o	linguístico;	a	teoria	da	enunciação	trata	da	determinação	entre	o	funcional</p><p>(enunciação)	e	o	formal	(enunciado);	a	AD	“procura	estabelecer	essa	relação	de</p><p>forma	mais	imanente,	considerando	as	condições	de	produção	(exterioridade,</p><p>processo	histórico-social)	como	constitutivas	da	linguagem”	(Orlandi,	E.	P.	A</p><p>linguagem	e	o	seu	funcionamento,	op.	cit.,	p.	111).</p><p>33.	Ver	Pêcheux	(1969/1990).</p><p>34.	Orlandi	(1987)	propõe	uma	tipologia	discursiva	classificando	os	discursos</p><p>em	três	tipos:	o	lúdico,	o	polêmico	e	o	autoritário.	Essa	classificação	é	feita,</p><p>entre	outras	coisas,	com	base	no	grau	de	reversibilidade	entre	os	interlocutores:</p><p>no	discurso	autoritário	esta	reversibilidade	tende	a	zero;	no	polêmico	ela	é</p><p>controlada;	no	lúdico	a	reversibilidade	é	total.	Optamos	no	texto	pela	utilização</p><p>da	expressão	“menos	polêmicos”	porque	queremos	enfatizar	apenas	esta</p><p>reversibilidade	que	possibilita,	de	acordo	com	seu	grau,	uma	menor/maior</p><p>abertura	para	a	variação	do	sentido	devido	a	um	menor/maior	silenciamento	do</p><p>outro	(outro	discurso/outro	sujeito),	de	onde	decorrem	discursos	menos/mais</p><p>“estabilizados”.	Ressaltamos,	portanto,	que	não	temos	aqui	a	intenção	de</p><p>classificar	discursos.</p><p>35.	Ver	Pêcheux	et	al.	(1982/1990)</p><p>36.	Ver	Pêcheux	e	Fuchs	(1975/1990).</p><p>37.	Foucault	(1969/2004,	p.	133).</p><p>38.	Foucault	(1969/2004,	p.	71)	esclarece	o	que	entende	por	estratégias:</p><p>“Discursos	como	a	economia,	a	medicina,	a	gramática,	a	ciência	dos	seres	vivos</p><p>dão	lugar	a	certas	organizações	de	conceitos,	a	certos	reagrupamentos	de	objetos,</p><p>a	certos	tipos	de	enunciação,	que	formam,	segundo	seu	grau	de	coerência,	de</p><p>rigor	e	de	estabilidade,	temas	ou	teorias.	(...)	Qualquer	que	seja	seu	nível	formal,</p><p>chamaremos,	convencionalmente,	de	‘estratégias’	a	esses	temas	e	a	essas	teorias.</p><p>O	problema	é	saber	como	se	distribuem	na	história.”</p><p>39.	Foucault,	1969/2004,	p.	43.</p><p>40.	Para	uma	relação	mais	pontual	entre	os	trabalhos	de	Michel	e	Foucault	e</p><p>Michel	Pêcheux,	ver	Gregolin	(2004).</p><p>41.	Para	uma	discussão	mais	aprofundada	sobre	essa	questão,	ver	Courtine</p><p>(1981).</p><p>42.	Pêcheux	e	Fuchs	(1975/1990,	p.	166).</p><p>43.	Ibidem,	p.	166-167.</p><p>44.	Sobre	a	noção	de	pré-construído,	ver	Pêcheux	(1975/1988).</p><p>45.	Brandão,	H.	N.	Introdução	à	Análise	do	Discurso,	op.	cit.,	p.	39.</p><p>46.	Ver	Maingueneau	(1997,	2008).</p><p>47.	Para	um	melhor	desenvolvimento	da	noção	de	interdiscurso,	ver	o	capítulo</p><p>“Teoria	do	discurso:	um	caso	de	múltiplas	rupturas”	do	volume	3	desta	obra.</p><p>48.	Pêcheux	(1975/1988,	p.	162).</p><p>49.	Para	uma	melhor	apresentação	dos	trabalhos	de	Dominique	Maingueneau,</p><p>ver	Possenti	e	Mussalim	(2010).</p><p>50.	No	Prefácio	da	edição	brasileira	de	Gênese	dos	discursos,	Maingueneau</p><p>afirma	que	o	termo	“formação	discursiva”	foi	utilizado	com	certa	“frouxidão”,	já</p><p>que	hoje	se	falaria	preferencialmente	em	posicionamento,	noção	que	deve	ser</p><p>compreendida	mais	precisamente	como	uma	identidade	enunciativa	forte,	um</p><p>lugar	de	produção	discursiva	bem	específico	no	interior	de	um	campo	(por</p><p>exemplo,	o	discurso	do	partido	comunista	de	tal	período).	Na	verdade	esse	termo</p><p>designa	“ao	mesmo	tempo	as	operações	pelas	quais	essa	identidade</p><p>enunciativa</p><p>se	instaura	e	se	conserva	num	campo	discursivo,	e	essa	própria	identidade”</p><p>(Charaudeau;	Maingueneau,	2004,	p.	392).</p><p>51.	Por	exemplo,	pode-se	falar	em	campo	político,	filosófico,	literário,	etc.</p><p>Considerando,	a	título	de	ilustração,	o	campo	literário,	pode-se	falar	em</p><p>formação	discursiva	modernista,	formação	discursiva	parnasiana	e	assim	por</p><p>diante.</p><p>52.	Para	uma	abordagem	mais	detalhada	destes	e	de	outros	conceitos	da	AD,	ver</p><p>o	capítulo	“Teoria	do	discurso:	um	caso	de	múltiplas	rupturas”	do	volume	3</p><p>desta	obra.</p><p>53.	Possenti,	2004,	p.	364.</p><p>54.	Ibidem,	p.	365.</p><p>55.	Para	uma	abordagem	discursiva	do	fato	literário,	remetemos	o	leitor	a</p><p>Maingueneau	(2006).</p><p>56.	Há,	entretanto,	a	possibilidade	de	se	considerar	que	a	literatura	mantém</p><p>relações	diretas	com	posições	de	classes	sociais.	Da	perspectiva	da	abordagem</p><p>marxista	do	fenômeno	literário,	as	obras	“devem	ser	lidas	como	um	‘reflexo’</p><p>ideológico	e,	portanto,	deformado	de	uma	instância	exterior	a	elas	que	os</p><p>determina	em	última	análise:	a	luta	de	classes”	(Maingueneau,	2006,	p.	21).</p><p>Lucien	Goldmann,	proeminente	representante	dessa	vertente,	reconhece	que	a</p><p>abordagem	marxista	do	fenômeno	literário	tem	o	mérito	de	oferecer	o</p><p>fundamento	científico	ao	conceito	de	visão	de	mundo,	ao	se	propor	a	integrar	o</p><p>pensamento	dos	indivíduos	ao	conjunto	da	vida	social,	realizando	uma	análise	da</p><p>função	histórica	das	classes	sociais.</p><p>57.	Pêcheux	reconhece	a	especificidade	da	língua	(que	tem	regras	próprias	de</p><p>funcionamento),	mas	limita	seu	domínio:	o	sentido,	conforme	afirma	Pêcheux</p><p>(1975/1988),	não	é	da	ordem	da	língua,	não	se	submetendo,	pois,	aos	seus</p><p>critérios.	A	Linguística	saussureana,	analisa	o	autor,	permitiu	a	constituição	da</p><p>Fonologia	da	Morfologia	e	da	Sintaxe,	mas	não	foi	suficiente	para	permitir	a</p><p>constituição	da	Semântica,	lugar	de	contradições	da	Linguística.	Para	ele,	o</p><p>sentido,	objeto	da	Semântica,	escapa	às	abordagens	de	uma	Linguística	da</p><p>língua,	já	que	a	significação	não	é	sistematicamente	apreendida,	devido	ao	fato</p><p>de	sofrer	alterações	de	acordo	com	as	posições	ocupadas	pelos	sujeitos	que</p><p>enunciam.	Nesse	sentido	é	que	Pêcheux,	considerando	que	as	condições	de</p><p>produção	de	um	discurso	são	constitutivas	de	suas	significações,	propõe	uma</p><p>semântica	do	discurso,	no	lugar	de	uma	semântica	da	língua.</p><p>58.	Agradecemos	a	Eugênio	Rodrigues	pela	contribuição.</p><p>59.	Na	versão	não	revista	e	ampliada	deste	capítulo,	havíamos	nomeado	esta	FD</p><p>como	“FD	individualista”.	Para	uma	melhor	adequação	à	ideia	de	posição</p><p>ideológica,	alteramos	para	“FD	neoliberal”.</p><p>60.	Remetemos	o	leitor	a	Brait	(1997),	uma	coletânea	de	artigos	que	apresenta</p><p>estudos	sobre	os	principais	conceitos	da	obra	bakhtiniana.</p><p>61.	Authier-Revuz	(1982)	é	citada	em	Brandão,	H.	N.,	Introdução	à	Análise	do</p><p>Discurso,	op.	cit.,	p.	52.</p><p>62.	Bakhtin	(1929/1988).</p><p>63.	Embora	ele	se	situe	na	perspectiva	da	Semântica	da	Enunciação,	cabe	citar</p><p>aqui	o	texto	de	Ducrot	(1984/1987),	“Esboço	de	uma	teoria	polifônica	da</p><p>enunciação”,	em	que	o	autor,	contestando	a	unicidade	do	sujeito	falante,	procura</p><p>mostrar	como	em	um	mesmo	enunciado	é	possível	detectar	mais	de	uma	voz.</p><p>Remetemos	o	leitor	ao	capítulo	“Semântica”,	neste	mesmo	volume,	para	maiores</p><p>informações.</p><p>64.	Authier-Revuz	(1982)	é	citada	em	Brandão,	H.	N.,	Introdução	à	Análise	do</p><p>Discurso,	op.	cit.,	p.	50.</p><p>65.	Possenti,	S.	Apresentação	da	Análise	do	Discurso.	Campinas,	[19--]b.</p><p>(mimeografado)</p><p>66.	Idem.</p><p>67.	Ver	Authier-Revuz	(1982,	1990	e	1998).</p><p>68.	Brandão,	H.	N.	Introdução	à	Análise	do	Discurso,	op.	cit.,	p.	89.</p><p>69.	Remetemos	o	leitor	a	Osakabe	(1979),	que,	além	fazer	uma	apresentação</p><p>bastante	esclarecedora	do	jogo	de	imagens	de	Pêcheux	(1969),	reestrutura	esse</p><p>quadro	mostrando	a	necessidade	de	se	considerar	os	atos	de	linguagem	como</p><p>pertinentes	às	condições	de	produção.	Assim,	teríamos	outra	representação:	“O</p><p>que	A	pretende	falando	dessa	forma?”.</p><p>5</p><p>NEUROLINGUÍSTICA</p><p>Edwiges	Maria	Morato</p><p>1.	INTRODUÇÃO:	UM	BREVE	PERCURSO	HISTÓRICO</p><p>A	Neurolinguística,	precedida	por	estudos	realizados	no	século	XIX,	tem	se</p><p>firmado	como	um	dos	mais	promissores	domínios	da	ciência	da	linguagem.</p><p>Inicial	e	tradicionalmente	pautada,	por	um	lado,	pelo	localizacionismo	estrito	e,</p><p>por	outro,	pelo	estruturalismo	linguístico,	a	Neurolinguística	tem	abrigado	nas</p><p>últimas	décadas,	como	veremos	neste	capítulo,	uma	agenda	heterogênea	de</p><p>questões	provindas	seja	de	modelos	biomédicos,	seja	de	modelos	psicossociais</p><p>sobre	nossa	vida	mental.</p><p>Um	incremento	da	discussão	epistemológica	no	campo,	especialmente	a	partir</p><p>dos	anos	1980,	é	possível	ser	observado	em	manuais	ou	livros-texto	publicados	a</p><p>partir	desse	período,	como	os	de	Lesser	e	Milroy	(1993),	Goodwin(2003),</p><p>Ahlsén	(2006).</p><p>Do	ponto	de	vista	da	demarcação	do	campo,	as	definições	e	as	descrições</p><p>concernentes	ao	interesse	teórico	e	metodológico	da	Neurolinguística</p><p>encontradas	na	literatura	da	área	revelam	que	as	fronteiras	que	delimitam	seu</p><p>objeto	—	as	relações	entre	linguagem,	cérebro	e	cognição	—	são	de	fato</p><p>movediças.	Assim,	não	é	de	estranhar	que	a	Neurolinguística,	enquanto</p><p>disciplina	do	conhecimento,	resulte	de	verdadeiros	clusters	de	influência,</p><p>integrando	em	torno	de	seu	objeto	diferentes	áreas	como	a	Linguística,	as</p><p>Neurociências,	a	Filosofia,	as	Ciências	Cognitivas,	a	Sociologia,	as	Ciências	da</p><p>Computação,	dentre	outras.	Com	isso,	tanto	áreas	das	ciências	humanas	e</p><p>sociais,	quanto	das	ciências	biológicas	e	da	saúde	encontram-se	representadas	na</p><p>agenda	científica	atual	da	Neurolinguística.	Como	podemos	definir,	então,	esse</p><p>campo	de	estudos?</p><p>Há	quem	atribua	o	início	da	Neurolinguística,	como	o	fazem	Bouton	(1984)	ou</p><p>Lecours	e	Lhermitte	(1979),	à	publicação,	em	1939,	do	livro	Le	Syndrome	de</p><p>Désintégration	Phonétique,	de	Alajouanine,	Ombredane	(neurologistas)	e</p><p>Durand	(foneticista).	Há	também	os	que	consideram	a	Neurolinguística	um	ramo</p><p>(Luria,	1976)	ou	um	subconjunto	(Hécaen,	1972)	da	Neuropsicologia,	o	que</p><p>significa	circunscrevê-la	ao	campo	de	estudo	das	perturbações	verbais</p><p>decorrentes	de	lesões	cerebrais.	Para	autores	como	Whitaker	e	Whitaker	(1976),</p><p>em	função	de	seu	complexo	objeto,	a	Neurolinguística	seria	uma	área</p><p>“francamente	interdisciplinar”	que	relaciona	linguagem	e	comunicação	humana</p><p>com	algum	aspecto	do	cérebro	ou	da	função	cerebral.</p><p>Posteriormente	aos	autores	mencionados	acima	e,	de	certo	modo,	consoante	a</p><p>essa	visão	mais	tradicional,	Caplan	(1987)	define	a	Neurolinguística	como	o</p><p>estudo	das	relações	entre	cérebro	e	linguagem,	com	enfoque	no	campo	das</p><p>patologias	cerebrais	e	na	relação	de	determinadas	estruturas	do	cérebro	com</p><p>distúrbios	da	linguagem.	Por	seu	turno,	Menn	e	Obler	(1990)	procuram	definir	a</p><p>área	por	meio	de	seu	objetivo,	que	é,	segundo	as	autoras,	teorizar	sobre	o</p><p>“como”	a	linguagem	é	processada	no	cérebro.</p><p>Mais	recentemente,	em	um	manual	de	Neurolinguística,	Ahlsén	define	a</p><p>Neurolinguística	como	o	estudo	da	relação	entre	diferentes	aspectos	da	função</p><p>cerebral	atinentes	à	linguagem	e	à	comunicação.	Para	a	autora,	que	não	limita	o</p><p>campo	a	estudos	atinentes	ao	contexto	patológico,	cabe	à	Neurolinguística</p><p>“explorar	como	o	cérebro	compreende	e	produz	linguagem	e	comunicação”</p><p>(Ahlsén,	2006,	p.	3).</p><p>Ainda	que	professem	diferentes	abordagens	relativas	a	distintos	modelos	e</p><p>construtos	teóricos	e	metodológicos,	todos	esses	autores	não	deixam	de</p><p>considerar	que	os	estudos	sobre	as	condições	de	linguagem	e	de	comunicação</p><p>após	algum	comprometimento	neuropsicológico	constituem,	provavelmente,	a</p><p>investigação	neurolinguística	mais	corrente	e	prolífera.</p><p>Parece	óbvio,	levando	em	conta	o	hibridismo	da	palavra,	que	Neurolinguística</p><p>diga	respeito	às	relações	entre	linguagem	e	cérebro	e	que	acione	dois	principais</p><p>campos	do	conhecimento	humano	para	explicá-las,	as	Neurociências	e	a</p><p>Linguística.	Isso	realmente	seria	um	truísmo	se	nós	não	tivéssemos	tantos</p><p>problemas	para	dar	conta	dos	complexos	processos	que	constituem	linguagem	e</p><p>cérebro,	bem	como	do	modo	de	funcionamento	de	ambos.</p><p>A	despeito	do	avanço	biotecnológico	encontrado	em	nossa	época,	muitas	das</p><p>indagações	a	respeito	das	relações</p><p>entre	linguagem	e	cérebro	ainda	permanecem</p><p>à	hora	atual,	como	as	referentes	à	constituição	daquilo	que	chamamos	de</p><p>conhecimento	ou	aos	fenômenos	cerebrais	envolvidos	nos	chamados	processos</p><p>cognitivos	superiores	(linguagem,	memória,	atenção	etc.).	Nossos	processos</p><p>cognitivos,	vale	lembrar,	já	se	mostraram	empiricamente	não	redutíveis	à</p><p>intimidade	do	tecido	neural,	tanto	por	meio	de	estudos	considerados</p><p>metodologicamente	invasivos	(como	os	córtico-eletrofisiológicos,	realizados	em</p><p>geral	em	ambiente	intracirúrgico),	quanto	não	invasivos	(como	os	que	utilizam</p><p>ressonância	magnética	funcional,	tomografia	por	emissão	de	fóton	único,</p><p>tomografia	por	emissão	de	pósitrons,	potencial	evocado	relacionado	a	evento).</p><p>Mesmo	depois	de	terminada	a	chamada	“década	do	cérebro”,	os	anos	1990,</p><p>ainda	não	podemos	prognosticar	entre	os	estudiosos	um	consenso	em	torno	das</p><p>correlações	estabelecidas	entre	linguagem	e	cérebro.	Assim,	um	bom	começo</p><p>para	entrever	as	relações	que	ambos	os	processo	mantêm	entre	si	—	e	nas	quais</p><p>intervêm	a	cultura,	as	práticas	ou	experiências	histórico-sociais,	o	contexto,	a</p><p>interação	—	é	verificar	o	que	estamos	entendendo	por	uma	e	outra	coisa.	A	partir</p><p>daí,	naturalmente,	não	escaparemos	da	Filosofia.	É	fundamentando</p><p>empiricamente	essa	questão	que	estaremos	“fazendo”	Neurolinguística.</p><p>Se	considerarmos	que	linguagem	e	cérebro	têm	uma	relação	(ou	seja,	não	são</p><p>uma	mesma	coisa	e	tampouco	são	coisas	logicamente	heterogêneas	entre	si),	de</p><p>que	ordem	ela	seria?	Haveria	uma	relação	de	causalidade	entre	ambos	os</p><p>processos	ou	sistemas	(na	medida	em	que	um	cérebro	“defeituoso”	causaria	uma</p><p>linguagem	ou	uma	mente	“defeituosa”)	ou	haveria	uma	relação	de	reciprocidade</p><p>entre	eles,	na	medida	em	que	a	estrutura	e	o	funcionamento	do	cérebro	podem</p><p>constituir	a	linguagem	e	da	mesma	forma	ser	por	ela	constituídos?</p><p>Embora	as	respostas	a	essas	questões	sejam	por	vezes	apaixonadas	e	parciais,	o</p><p>que	sabemos	na	atualidade	sobre	a	atividade	cognitiva	indica	que	há	na	verdade</p><p>entre	linguagem	e	cérebro	uma	relação	estreita,	baseada	na	influência	recíproca</p><p>entre	diferentes	áreas	do	Sistema	Nervoso	Central	e	vários	processos	cognitivos</p><p>com	os	quais	percebemos	e	interpretamos	o	mundo	de	várias	formas.</p><p>Linguagem	e	cérebro,	assim,	funcionariam	como	um	sistema	dinâmico	e</p><p>flexível,	cujas	regularidades	e	estabilidades	não	são	determinadas	a	priori	(ou</p><p>seja,	não	são	fixadas	ou	pré-determinadas	biologicamente;	não	obedecem	a</p><p>padrões	estáticos	e	homogêneos	de	existência).	Antes,	dependem	e	são</p><p>constituídos	por	diferentes	fatores	de	ordem	sociocognitiva	(cultural,	pragmática,</p><p>contextual,	interacional).</p><p>Tendo	isso	em	vista,	admitamos,	pois,	que	Neurolinguística	é	um	campo	de</p><p>arbitragem	interdisciplinar,	cujo	foco	é	o	estudo	das	relações	entre	linguagem,</p><p>cérebro	e	cognição;	admitamos,	ainda,	que	seu	objeto	diz	respeito,	a	um	só</p><p>tempo,	às	ciências	humanas,	às	neurociências	e	às	ciências	da	cognição.	A	partir</p><p>disso,	nosso	olhar	deve	estar	voltado	para	o	que	caracteriza	tal	campo	de</p><p>investigação,	para	o	legado	filosófico-científico	que	o	tem	constituído.	Em	boa</p><p>parte	por	assumir	pressupostos	e	métodos	próprios	à	Linguística	e	às</p><p>Neurociências,	a	Neurolinguística	está	sempre	colocada	frente	aos	modos	de	se</p><p>conceber	e	investigar	tais	relações:	em	que	termos	são	elas	estabelecidas?</p><p>1.1.	A	agenda	científica	da	Neurolinguística</p><p>Apesar	de	não	ter	um	programa	definido	de	forma	muito	precisa,	a</p><p>Neurolinguística,	grosso	modo,	caracteriza	um	campo	de	investigação	que	se</p><p>interessa	de	maneira	geral	pela	cognição	humana	e,	de	maneira	mais	específica,</p><p>pela	linguagem	e	por	processos	afeitos	a	ela,	direta	ou	indiretamente.</p><p>A	Neurolinguística	tem	sido,	pois,	um	lugar	de	estudo	do	processamento	normal</p><p>e	patológico	da	linguagem,	oral	e	escrita,	da	relação	entre	semiose	verbal	e	não</p><p>verbal,	da	semiologia	de	patologias	de	linguagem,	da	relação	entre	normalidade</p><p>e	patologia,	das	condições	de	reorganização	linguístico-cognitiva	após	dano</p><p>cerebral,	das	relações	entre	o	processo	de	aquisição	e	o	de	patologia	de</p><p>linguagem.	Um	lugar,	enfim,	de	proposição	de	construtos	ou	modelos	de</p><p>processamento	cerebral	da	linguagem	e	da	cognição.	Visto	assim,	o	programa</p><p>teórico-metodológico	da	Neurolinguística	tem	na	questão	do	Conhecimento	seu</p><p>problema	fundamental.</p><p>Enquanto	disciplina	híbrida,	a	Neurolinguística	tem	construído	sua	agenda</p><p>científica	assumindo	pressupostos	e	métodos	próprios	à	Linguística	e	às</p><p>Neurociências.</p><p>Da	tradição	e	da	agenda	mais	atual	dos	estudos	linguísticos,	a	Neurolinguística</p><p>mantém	o	foco	e	o	interesse	na	descrição	e	na	análise	da	estrutura,	organização	e</p><p>funcionamento	da	linguagem.	Isso	implica,	além	do	interesse	pelo	sistema</p><p>linguístico	e	seus	diferentes	níveis	de	constituição,	o	interesse	pela	estruturação	e</p><p>gestão	das	práticas	socioculturais,	pelo	contexto	de	produção	e	interpretação</p><p>linguística,	pelos	vários	modos	de	significação	não	verbais,	pelos	processos</p><p>cognitivos	com	os	quais	compreendemos	e	atuamos	no	mundo	(dentre	os	quais	a</p><p>memória,	a	atenção,	a	percepção,	a	gestualidade	etc.).</p><p>Da	tradição	de	estudo	das	Neurociências,	a	Neurolinguística	mantém	o	foco	e	o</p><p>interesse	em	um	conjunto	de	questões	às	voltas	com	o	velho	problema	mente-</p><p>cérebro:	como	o	cérebro	reage	ante	as	dificuldades	linguísticas	e	cognitivas	que</p><p>se	impõem	após	o	dano	neurológico?	Como	se	desenvolve	a	plasticidade</p><p>cerebral	e	como	ela	atua	no	desenvolvimento	e	no	declínio	cognitivo?	Como	as</p><p>crianças	desenvolvem	e	usam	a	linguagem?	Qual	é	a	responsabilidade	do</p><p>cérebro	em	relação	aos	processos	cognitivos,	e	qual	seria	a	responsabilidade</p><p>destes	em	relação	ao	cérebro,	sua	estrutura	e	seu	funcionamento?	Em	que</p><p>medida	é	possível	“visualizar”	substratos	cerebrais	do	processamento	linguístico</p><p>e	cognitivo?</p><p>Na	esteira	das	Neurociências,	assim	como	o	faz	em	relação	à	Linguística,	a</p><p>Neurolinguística	tem	se	servido	de	uma	complexa	e	variada	metodologia,	tanto</p><p>de	modo	quantitativo	e	experimental,	quanto	qualitativo	e	observacional:	estudo</p><p>da	linguagem	e	da	comunicação	após	lesões	cerebrais	por	meio	de	vários</p><p>recursos	metodológicos,	como	os	testes	diagnósticos,	a	observação	da	linguagem</p><p>e	da	comunicação	em	ambientes	naturais	de	produção,	as	simulações</p><p>computacionais,	a	elaboração	de	modelos	de	processamento	linguístico	e</p><p>cognitivo	por	meio	de	técnicas	cada	vez	mais	sofisticadas	(porque	funcionais	e</p><p>temporais,	não	apenas	estruturais)	de	imageamento	cerebral.</p><p>Tendo	em	vista	essa	dinâmica	e	híbrida	configuração	disciplinar	da</p><p>Neurolinguística,	é	possível	esboçar,	sem	chegar	a	exaurir	as	possibilidades	do</p><p>campo,	sua	agenda	científica	atual:</p><p>a)	estudo	do	processamento	normal	e	patológico	da	linguagem,	oral	e	escrita,	por</p><p>meio	de	modelos	ou	construtos	elaborados	no	campo	da	Linguística	e	no	das</p><p>Neurociências;</p><p>b)	estudo	da	repercussão	dos	estados	patológicos	no	funcionamento	da</p><p>linguagem	e	da	cognição,	com	base	na	sustentação,	refutação	ou	construção	de</p><p>teorias	linguísticas	e	cognitivas.	Associados	a	este	item	estão	a	(re)discussão	e</p><p>(re)análise	da	semiologia	tradicional	das	patologias	neurolinguísticas,	bem	como</p><p>da	tipologia	ou	classificação	de	quadros	nosológicos.	Os	dados	de	contextos</p><p>patológicos,	como	a	afasia	ou	a	Doença	de	Alzheimer,	por	exemplo,	por</p><p>implicarem	graus	variados	de	instabilidade	nos	processos	linguístico-cognitivos,</p><p>tornam-se	cruciais	para	qualquer	teorização	geral	sobre	o	funcionamento	da</p><p>linguagem	e	da	cognição	humana;</p><p>c)	estudo	das	condições	e	características	neurolinguísticas	do	bilinguismo	e	da</p><p>surdez.	Tanto	a	rediscussão	de	antigos	mitos	existentes	no	campo	dos	estudos</p><p>sobre	a	surdez	(como	o	relativo	à	idade	crítica	para	aquisição	da	linguagem	ou	a</p><p>uma	suposta	concretude	cognitiva	do	pensamento	do	indivíduo	surdo),	quanto</p><p>das	teses	sobre	a	natureza	monolíngue	ou	plurilíngue	do	cérebro	e	sobre	a</p><p>natureza	inata	ou	adquirida	da	competência	linguística,	identificam,	em	relação	a</p><p>este	item,	a	contribuição	relevante	da	pesquisa	neurolinguística;</p><p>d)	estudo	neurolinguístico	e	sociocognitivo	do	envelhecimento	e	da</p><p>neurodegenerescência,	como	a	Doença	de	Alzheimer.</p><p>Estão	associados	a	este</p><p>item	as	relações	entre	linguagem,	memória	e	consciência	no	contexto	normal	e</p><p>no	patológico,	a	discussão	acerca	de	vantagens	e	desvantagens	de	modelos</p><p>biomédicos	e	modelos	sociais	do	envelhecimento	normal	e	patológico,	as</p><p>caracaterísticas	e	relações	entre	fenômenos	linguísticos	e	cognitivos	no	contexto</p><p>do	envelhecimento	normal,	da	Doença	de	Alzheimer	e	das	afasias,	a	análise	de</p><p>discrepâncias	observadas	no	comportamento	dos	indivíduos	em	ambientes</p><p>fortemente	institucionalizados	e	em	ambientes	mais	naturais	de	produção	de</p><p>linguagem	e	interação;</p><p>e)	estudo	de	processos	de	significação	não	verbais,	com	destaque	para	a	relação</p><p>que	estes	mantêm	com	a	linguagem	e	com	o	contexto	comunicacional.</p><p>Associados	a	este	item	estão	os	estudos	de	processos	ou	estratégias</p><p>compensatórias	de	comunicação	e	os	estudos	sobre	a	dimensão	multimodal	da</p><p>linguagem	e	da	interação.	Este	item	diz	respeito	à	análise	de	contextos	não</p><p>necessariamente	patológicos	e	não	estritamente	verbais,	tais	como	os	que</p><p>focalizam	a	gestualidade,	a	música,	o	corpo	etc.;</p><p>f)	discussão	sobre	a	questão	do	método	de	investigação	neurolinguística.	Este</p><p>item	refere-se	à	questão	da	constituição,	visibilidade	e	tratamento	de	dados	—	o</p><p>que	inclui	o	problema	da	escolha	e	do	aperfeiçoamento	de	sistemas	de</p><p>transcrição	(linguística	e	mutimodal)	adequados	para	os	fenômenos	ou	processos</p><p>focalizados	nas	investigações.	A	questão,	assim,	recobre	múltiplas	preocupações:</p><p>teórica,	metodológica,	técnica,	ética,	jurídica,	tecnológica.</p><p>O	desenvolvimento	dessa	agenda	tem	permitido	que	a	teorização	produzida	pela</p><p>pesquisa	neurolinguística	retorne	à	Linguística	de	forma	extremamente	produtiva</p><p>em	relação	aos	interesses	gerais	da	ciência	da	linguagem.</p><p>A	análise	dos	dados	obtidos	no	contexto	patológico,	bem	como	o	estudo</p><p>sistemático	da	relação	entre	linguagem,	cérebro	e	cognição	em	diferentes</p><p>contextos	de	produção,	permite	diferentes	e	prolíferos	movimentos	teóricos:</p><p>colabora	para	o	entendimento	dos	processos	normais	de	aquisição	e</p><p>desenvolvimento	da	linguagem	e	da	cognição;	promove	a	construção	de	teorias</p><p>“pontes”	no	interior	da	própria	Linguística;	atua	na	relação	interdisciplinar	entre</p><p>a	Linguística	e	outras	disciplinas	do	conhecimento;	contribui	para	o</p><p>desenvolvimento	teórico	e	prático	de	atividades	clínico-terapêuticas,</p><p>desempenhando	também	um	importante	papel	social	ao	destinar	seus	interesses</p><p>científicos	à	diminuição	de	impactos	e	sofrimentos	derivados	das	patologias</p><p>cerebrais	e	ao	atuar	na	recepção	social	de	doenças	ou	circunstâncias	cujo	estigma</p><p>é	ainda	forte	entre	nós.</p><p>Não	é	de	se	estranhar,	portanto,	que	a	arbitragem	interdisciplinar	seja	o	vetor</p><p>epistemológico	que	sustenta	toda	e	qualquer	pesquisa	produzida	na	área.</p><p>Tanto	a	tradição	europeia,	que	identifica	a	Neurolinguística	com	os	estudos</p><p>afasiológicos	e	psicolinguísticos,	quanto	a	tradição	americana	de	inspiração</p><p>conversacional	e	aplicada,	que	a	identifica	com	a	fundamentação	de	práticas</p><p>clínico-terapêuticas	e	com	estudos	de	aspectos	comunicacionais	afetados	pela</p><p>patologia,	são	bons	indicadores	da	relevância	da	área	que,	cumpre	observar,	tem</p><p>se	desenvolvido	bastante	nos	últimos	anos	no	meio	acadêmico	do	País.</p><p>2.	DAS	CONDIÇÕES	DE	SURGIMENTO	DA	ANTIGA	AFASIOLOGIA</p><p>Ainda	que	seja	tradicional	apontar	o	século	XIX	como	aquele	que	propiciou	o</p><p>nascimento	da	Afasiologia	e	do	estudo	científico	da	correspondência	entre</p><p>cérebro	e	linguagem,	a	questão	sobre	a	representação	cerebral	da	linguagem	e	de</p><p>outros	processos	mentais	é	tão	antiga	quanto	a	Humanidade.</p><p>Desde	a	Antiguidade	(de	Hipócrates	a	Galeno),	focaliza-se	o	cérebro	como	o</p><p>órgão	da	sensação	e	da	inteligência.	Mesmo	antes	disso,	os	sacerdotes	egípcios</p><p>já	faziam	correlações	anátomo-clínicas	após	a	morte	de	indivíduos	doentes.</p><p>Apenas	no	século	XIX,	período	culturalmente	animado	pela	corrente	teórica</p><p>positivista,	chegamos	ao	estudo	“científico”	do	cérebro.	A	descoberta	das</p><p>localizações	cerebrais	e	os	primeiros	trabalhos	sobre	a	teoria	celular	da	rede</p><p>nervosa	datam	dessa	época</p><p>Se	é	bem	verdade	que	o	problema	corpo-mente	funda	toda	nossa	tradição</p><p>científico-filosófica,	o	problema	cérebro-linguagem,	de	sua	parte,	toma	forma</p><p>num	período	mais	recente,	mais	precisamente	no	início	do	século	XIX.	Esse</p><p>início,	chamado	Frenologia	(teoria	a	respeito	das	localizações	cerebrais	de</p><p>nossas	faculdades	mentais,	que	tem	por	base	a	observação	a	olho	nu	das	fossas</p><p>cranianas),	logo	alargou	seus	interesses	em	direção	aos	estudos	anátomo-</p><p>fisiológicos	mais	complexos	da	linguagem	e	seus	distúrbios.</p><p>Para	entendermos	o	nascimento	da	Afasiologia,	também	chamada	de</p><p>“Neuropsicologia	da	linguagem”	por	autores	franceses	(Hécaen	e	Dubois,	1969),</p><p>é	preciso	levar	em	conta	o	espírito	intelectual	dos	séculos	XVIII	e	XIX,	marcado</p><p>por	uma	crescente	e	grande	confiabilidade	na	ideia	de	ciência	e	no	gosto	por</p><p>antinomias	clássicas.	Nesse	contexto	intelectual,	encontramos	um	tipo	de</p><p>dualismo	biológico	(cérebro/mente)	que	marca	fortemente	a	Linguística	e</p><p>demais	ciências	ao	longo	de	todo	século	XX.</p><p>O	que	temos	ao	final	do	século	XIX,	de	fato,	é	um	perfeito	mosaico	de</p><p>inteligibilidades	construído	em	torno	do	empreendimento	positivista.	Trata-se	de</p><p>um	período	estimulante	para	as	descobertas	biológicas:	a	teoria	celular	já	tinha</p><p>avançado	no	século	anterior,	Darwin	publica	nesse	período	sua	obra	Origem	das</p><p>espécies,	a	Revolução	Industrial	torna-se	mais	do	que	uma	realidade	no	campo</p><p>das	ciências,	o	gosto	pelas	“origens”	insinua	uma	cultura	ocidental	etnocêntrica	e</p><p>expansionista,	passível	de	ser	observada	na	constituição	da	própria	Linguística,</p><p>bem	como	de	outras	ciências	que	à	época	se	firmavam	enquanto	tais.</p><p>Com	relação	ao	conhecimento	sobre	o	cérebro,	o	século	XIX	foi	de	fato</p><p>impressionante.	De	Galeno	(século	II)	até	a	Idade	Média	preponderou	a	Teoria</p><p>dos	Ventrículos,	responsável	pela	explicação	da	arquitetura	anatomicamente</p><p>determinante	de	três	faculdades	mentais:	a	memória,	a	razão	e	o	senso	comum</p><p>—	a	linguagem	praticamente	não	fazia	parte	das	evidências	de	sequelas	de</p><p>distúrbios	cerebrais	em	virtude	do	fato	de	que	ela	simplesmente	não	existia	para</p><p>os	estudiosos	(cf.	Marx,	1966;	Benton	e	Joint,	1974).	A	linguagem	era</p><p>“invisível”	porque	não	era	corpórea,	não	estava	localizada	no	cérebro.¹</p><p>O	interesse	pela	organização	cerebral	da	linguagem,	bem	como	pela	sua</p><p>realidade	cognitiva	surgiu	a	partir	do	momento	em	que	ela	passa	a	ser	“visível”</p><p>para	os	antigos	estudiosos	da	correlação	entre	comportamentos	humanos	e	áreas</p><p>corticais	lesadas,	por	volta	da	segunda	metade	do	século	XIX.	Antes	disso,</p><p>cumpre	lembrar,	os	fenômenos	que	de	alguma	forma	eram	afeitos	ou</p><p>relacionados	à	linguagem	eram	creditados	a	alguma	capacidade	intelectiva	do</p><p>homem,	como	a	percepção,	a	memória,	o	raciocínio,	a	inteligência.</p><p>De	fato,	toda	a	tradição	científico-filosófica	acerca	da	linguagem	a	toma	como</p><p>uma	espécie	de	exteriorização	de	conteúdos	mentais	que	seriam	subjetivados	e</p><p>aparentemente	inacessíveis	ao	investigador.	Afinal,	para	os	antigos,	a	linguagem,</p><p>essa	espécie	de	“dom	divino”	dado	homem	(portanto,	inata,	essencial,</p><p>verdadeira,	lógica)	não	se	confunde	com	a	realização	humana	(a	fala),	que	a</p><p>deforma,	e	sim	com	a	mente	(o	espírito),	que	a	contém.</p><p>A	falta	de	teorias-pontes	entre	a	Linguística	e	a	Neurologia	então	nascente	de</p><p>fato	contribuiu	para	que	os	estudos	linguísticos	sobre	a	afasia	e	sobre	outros</p><p>contextos	patológicos	não	acontecessem	ainda	no	século	XIX	(podemos	até</p><p>mesmo	aludir	a	um	desconhecimento	teórico	recíproco	entre	essas	duas</p><p>ciências).</p><p>Além	disso,	a	percepção	da	Linguística	como	mera	“ciência	auxiliar”	também</p><p>não	foi	favorável	à	colaboração	dos	linguistas	com	o	estudo	neuropatológico	das</p><p>afasias	que	então	despontava.	Somado	a	todos	esses	fatores,	lembramos	ainda</p><p>que	o	psicologismo	que	dominava	as	primeiras	explicações	sobre	as	afasias	de</p><p>certa	forma	também	inibia	a	incursão	dos	linguistas	no	campo	da	Afasiologia</p><p>(Françozo,	1987).</p><p>A	linguagem	só	veio	a	ter	uma	realidade	mental	(“mental”	significando	ou</p><p>reduzindo-se	ao	cerebral,	de	acordo	com	o	espírito	da	época)	e	um	estatuto</p><p>nosológico</p><p>(a	afasia)	apenas	no	século	XIX.	A	partir	daí,	consagrou-se	a	ideia	de</p><p>que	a	linguagem	tinha	uma	realidade	neurocognitiva	(isto	é,	era	concebida	como</p><p>um	processo	mental	e	estava	localizada	no	cérebro).</p><p>Se	a	questão	da	localização	cerebral	precisa	dos	processos	mentais	humanos	é</p><p>ainda	hoje	um	tema	discutível,	a	definição	da	responsabilidade	da	“área	de</p><p>Broca”	(isto	é,	a	região	situada	ao	pé	da	terceira	circunvolução	frontal	do</p><p>hemisfério	esquerdo)	frente	aos	processos	da	linguagem	articulada	significou,</p><p>sem	dúvidas,	um	avanço	do	reconhecimento	da	importância	da	comunicação</p><p>verbal	em	nossa	vida	mental.</p><p>A	descrição	sistemática	das	alterações	de	linguagem	decorrentes	de	lesões</p><p>cerebrais,	feita	inicialmente	por	médicos	neurologistas	(ou	por	anatomistas),	deu</p><p>origem	à	Afasiologia,	o	campo	de	estudo	das	afasias,	isto	é,	problemas	de</p><p>linguagem	decorrentes	de	lesão	focal	adquirida	no	Sistema	Nervoso	Central.</p><p>Quando	se	efetivou,	em	meados	da	década	de	1960,	o	estudo	linguístico	da</p><p>afasia	dizia	respeito	basicamente	à	sintaxe	(ou	melhor,	às	regularidades</p><p>gramaticais	e	às	regras	de	boa	formação	de	sentenças)	e	à	semântica	(ou	melhor,</p><p>às	representações	lógico-formais	de	sentenças).	A	fala,	em	seu	contexto	fonético,</p><p>ficou	de	fora	dos	problemas	afásicos	(como	estava,	no	início,	de	fora	da	própria</p><p>Linguística,	cumpre	lembrar),	já	que	era	considerada	uma	realização</p><p>simplesmente	motora	(o	que	equivale	a	dizer	não	simbólica,	ou	não	linguística).</p><p>Também	ficaram	de	fora	do	início	dos	primeiros	estudos	linguísticos	das	afasias</p><p>as	atividades	realizadas	pelos	falantes	em	situações	de	uso	efetivo	da	linguagem,</p><p>os	aspectos	socioculturais	a	ela	relacionados	e	as	práticas	discursivas	que	a</p><p>mobilizam.	Vale	ressaltar,	a	propósito,	que	foi	preciso	esperar	por	Roman	O.</p><p>Jakobson,	que	realizou	o	primeiro	estudo	propriamente	linguístico	das	afasias</p><p>(tendo	como	base	de	seu	trabalho	a	descrição	neuropsicológica	dos	fenômenos</p><p>afásicos	feita	pelo	neuropsicólogo	russo	Alexander	R.	Luria),	para	que	o	diálogo</p><p>entre	a	Afasiologia	e	a	teoria	linguística	se	tornasse	fecundo,	criativo	e</p><p>promissor.</p><p>3.	AFASIOLOGIA	E	NEUROLINGUÍSTICA</p><p>A	Afasiologia,	em	seu	início,	pode	ser	compreendida	como	o	campo	de	estudo</p><p>das	correlações	entre	linguagem	e	determinadas	áreas	do	cérebro	que	seriam	por</p><p>ela	responsáveis.	Dos	estudos	específicos	sobre	as	afasias	aos	estudos	de</p><p>processos	linguísticos	e	cerebrais	em	contexto	normal	ou	patológico,	deu-se	um</p><p>desdobramento	quase	natural.	Dessa	maneira,	precedida	por	trabalhos	realizados</p><p>há	mais	de	duzentos	anos,	com	base	na	colaboração	algo	tumultuosa	entre	a</p><p>ciência	médica	e	a	ciência	linguística,	nasce	a	Neurolinguística,	inicialmente</p><p>representada	por	uma	área	de	interesses	bem	determinada,	o	estudo	das	afasias,</p><p>ou	Afasiologia.	Ainda	que	a	Afasiologia	(ou	Linguística	Afasiológica,	na</p><p>expressão	de	Caplan,	1987)	não	totalize	o	interesse	teórico-metodológico	da</p><p>Neurolinguística	atual,	ela	é,	sem	dúvida,	o	seu	campo	de	investigação	mais</p><p>prolífero,	razão	pela	qual	damos	destaque	a	ele	neste	capítulo.</p><p>Embora	seja	tradicional	falar	que	a	Afasiologia	nasceu	com	o	médico	francês</p><p>Paul	Broca	em	1861,	quando	ele	descreveu	os	primeiros	casos	de	afasia	motora,</p><p>alteração	que	afetaria	basicamente	o	aspecto	expressivo	da	linguagem</p><p>(descrevendo,	entre	outros,	o	caso	do	paciente	Leborgne,	apelidado	“Tan-tan”</p><p>por	ser	esta	a	única	forma	expressiva	que	lhe	restara	para	se	comunicar	com	os</p><p>outros),	cumpre	salientar	que	quem	estabeleceu	propriamente	a	relação	entre</p><p>área	cerebral	lesada	e	manifestações	clínicas	de	pacientes	neurológicos	foi	Gall,</p><p>no	início	do	século	XIX,	fazendo	correlações	anátomo-clínicas	vistas	a	olho	nu</p><p>na	caixa	craniana.	A	propósito,	sua	peculiar	doutrina,	intitulada	“Anatomia	e</p><p>fisiologia	do	Sistema	Nervoso	em	geral	e	do	cérebro	em	particular”,	recebeu	o</p><p>nome	de	Frenologia	e	dizia	que	as	disposições	morais	e	intelectuais	dependiam</p><p>de	faculdades	inatas	e	distintas,	que	estariam	inscritas	no	cérebro.	Assim,	o	lugar</p><p>ontológico	da	alma	desviou-se	para	o	cérebro...</p><p>Coube,	pois,	ao	médico	e	anatomista	alemão	Franz	Joseph	Gall,	no	começo	do</p><p>século	XIX,	a	partir	dos	estudos	de	correlação	anátomo-clínica,	introduzir	a</p><p>linguagem	entre	as	faculdades	mentais	localizadas	no	cérebro,	e	coube	ao</p><p>médico	francês	Paul	Broca,	na	década	de	1860,	“localizá-la”	em	partes</p><p>circunscritas	do	Sistema	Nervoso,	a	qual	chamou	Área	de	Broca,	responsável</p><p>pela	linguagem	articulada,	pela	memória	das	palavras.</p><p>Quando	Broca	apresentou	o	“caso	Lerborgne”	(cuja	afasia	se	caracterizava</p><p>essencialmente	por	um	distúrbio	de	linguagem	articulada,	sem	problemas	de</p><p>compreensão	ou	de	outros	déficits	linguísticos	e	cognitivos),	de	certo	modo</p><p>reforçando	as	ideias	de	Gall,	passou-se	a	localizar	ao	pé	da	terceira</p><p>circunvolução	frontal	do	hemisfério	esquerdo	do	cérebro	(a	“área	de	Broca”)	a</p><p>sede	da	linguagem.	Ainda	que	sob	contestações,	essa	ideia	perdura	até	os	dias	de</p><p>hoje,	como	já	mencionamos.</p><p>Todavia,	a	descrição	do	caso	desse	paciente	de	Broca	tem	sido	alvo	de	muitas</p><p>críticas.	Internado	havia	20	anos	no	Hospital	Bicêtre,	em	Paris,	o	paciente</p><p>padecia	de	vários	males	mesmo	antes	de	ter	sofrido	uma	lesão	cerebral	(e	consta</p><p>que	não	teria	sido	apenas	uma	lesão,	o	que	enfraquece	ainda	mais	a	corrente</p><p>localizacionista,	que	relaciona	diretamente	área	cerebral	lesada	e	alteração	de</p><p>linguagem	e	de	outros	processos	cognitivos....).	Com	isso,	muitos	admitem,	não</p><p>sem	uma	ponta	de	ironia,	que	a	Afasiologia	tem	sua	origem	numa	espécie	de</p><p>malogro	ou	equívoco	clínico.	Além	disso,	como	diziam	os	críticos	da	corrente</p><p>localizacionista	(como	Sigmund	Freud,	que	escreveu	em	1891	uma	instigante</p><p>monografia	doutoral	sobre	as	afasias),	uma	coisa	é	localizar	no	cérebro	áreas</p><p>que,	prejudicadas,	perturbariam	a	linguagem	e	demais	processos	cognitivos;</p><p>outra	coisa	—	bem	diferente	—	é	localizar	de	maneira	precisa	a	linguagem	no</p><p>cérebro.	Somente	a	história	das	ideias	ou	a	filosofia	da	ciência	seriam	capazes	de</p><p>identificar	as	razões	da	manutenção,	até	os	dias	de	hoje,	de	um	paradigma</p><p>estabelecido	nessas	bases.</p><p>Já	à	época	do	nascimento	da	Afasiologia,	vários	autores	também	se	dedicavam	a</p><p>compreender	se	a	alteração	da	linguagem	nas	afasias	perturbava	o</p><p>comportamento	psicoafetivo	do	indivíduo,	ou	sua	inteligência.²</p><p>Associado	por	vários	autores	a	uma	alteração	de	memória,	de	maneira	explícita</p><p>ou	implícita,	o	distúrbio	de	fala	então	descrito	já	havia	sido	classificado	pelo</p><p>filólogo	alemão	Johann	Gesner,	no	século	XVIII,	como	“amnésia	da	fala”,</p><p>causada,	segundo	ele,	pela	inércia	de	conexões	entre	diferentes	partes	do	cérebro</p><p>(Ahlsén,	2006,	p.	13).</p><p>Em	trabalho	de	1825,	contrariando	a	tese	unitarista	segundo	a	qual	o	cérebro</p><p>participa	como	um	todo	e	não	de	maneira	especializada	e	específica	do</p><p>funcionamento	de	uma	determinada	função	mental,	Jean-Baptiste	Bouillaud,</p><p>aluno	de	Gall,	descreveu	dois	tipos	de	desordens	afásicas	relacionadas	a	lesões</p><p>no	lobo	frontal:	os	concernentes	aos	movimentos	da	fala	(relativos	à	capacidade</p><p>motora	de	articular	os	sons	da	fala),	e	os	concernentes	à	memória	de	palavras</p><p>(relativos	à	capacidade	mental	de	evocar	palavras).	Em	1898,	Albert	Pitres</p><p>descreveu	o	que	chamou	de	“afasia	amnésica”,	isto	é,	uma	dificuldade	de</p><p>nomear	objetos	e	encontrar	palavras	na	fala	espontânea	(Ahlsén,	2006,	p.	24).</p><p>Nessas	primeiras	descobertas,	linguagem	e	memória	são	fenômenos	associados</p><p>entre	si	nas	descrições	das	afasias;	contudo,	para	os	primeiros	afasiólogos,	a</p><p>primeira	não	seria	mais	do	que	mera	expressão	da	segunda.</p><p>O	distúrbio	de	linguagem	articulada,	descrito	nas	monografias	dos</p><p>neuropatologistas	do	século	XIX	e	chamado	inicialmente	de	afemia	por	Broca,	é</p><p>finalmente	denominado	de	afasia	após	o	médico	francês	Armand	Trousseau	usar</p><p>o	termo	pela	primeira	vez	em	1862.	A	propósito	dessa	questão	terminológica,</p><p>observa	Morato	(2010b,	p.	24):</p><p>No	mundo	clássico,	a	ideia	de	afasia	não	era	ligada	à	ideia	de	doença,</p><p>propriamente;	era	ligada	à	ideia	de	retórica,	de	mneumotécnica,	de	defesa	de</p><p>pontos	de	vista.	Era	ligada,	portanto,	à	ideia	de	logos,	não	apenas	de	realização</p><p>motora	da</p><p>fala	ou	do	pensamento	que	não	se	materializa.	Poderia	ser</p><p>considerado	afásico	aquele	desprovido	de	argumento	de	um	discurso	racional;</p><p>afásico	também	poderia	se	referir	àquele	de	quem	não	se	podia	falar.	A	ideia	de</p><p>afasia	e,	mais	ainda,	a	ideia	de	afemia,	assim,	está	ligada	à	ideia	de	infâmia,	ou</p><p>de	infame	(daí	o	fato	de	Trousseau	ter	recusado	o	termo	afemia,	originalmente</p><p>proposto	por	Broca	para	dar	nome	à	patologia	da	linguagem	articulada	que	de</p><p>forma	pioneira	descrevera	em	1861,	preferindo,	em	vez	disso,	o	termo	afasia).</p><p>Tal	sugestão	teria	sido	acatada	pelo	pai	da	Afasiologia,	em	correspondência</p><p>trocada	entre	ambos,	ainda	que	Broca	tenha	reivindicado	para	si	a	descrição	e	o</p><p>diagnóstico	da	doença	agora	renomeada	(cf.	Hécaen	e	Dubois,	1969).</p><p>Ainda	que	até	hoje	perdure	a	ideia	de	que	a	área	de	Broca	atua	de	maneira</p><p>importante	e	imprescindível	no	processamento	da	linguagem	articulada	houve,	à</p><p>época	do	médico	francês,	um	acirrado	debate	em	torno	de	um	arrazoado	ainda</p><p>vigente	entre	nós:	uma	coisa	seria	identificar	zonas	cerebrais	que	atuam	de</p><p>maneira	importante	na	linguagem	articulada,	de	modo	a	se	responsabilizar	por</p><p>suas	alterações	(como	as	afasias),	outra	coisa	bem	diferente	é	a	postulação	de</p><p>uma	localização	precisa	ou	estrita	da	linguagem	no	cérebro.</p><p>O	velho	localizacionismo,	ainda	que	corrente	dominante	por	muito	tempo,	não</p><p>parecia	já	no	início	da	Afasiologia	corresponder	à	explicação	definitiva	de	como</p><p>o	cérebro	se	estrutura	e	funciona.	De	todo	modo,	tampouco	o	associacionismo	ou</p><p>o	globalismo	conseguiram	firmar-se	como	corrente	explicativa	dominante	ou</p><p>consensual	nessa	época.</p><p>Ao	final	do	século	XIX,	o	localizacionismo	era	questionado	fortemente	por</p><p>autores	como	o	neurologista	britânico	John	Hughlings	Jackson	e	o	neurologista</p><p>austríaco	Sigmund	Freud.</p><p>Na	primeira	metade	do	século	XX,	vários	neurologistas	e	afasiólogos,</p><p>procurando	superar	os	limites	do	antagonismo	localizacionismo	(corrente	teórica</p><p>baseada,	em	termos	gerais,	na	ideia	de	que	as	funções	mentais	encontram-se</p><p>localizadas	em	determinadas	regiões	do	cérebro,	por	elas	responsáveis)	versus</p><p>globalismo	(corrente	teórica	baseada,	em	termos	gerais,	não	na	ideia	da	não</p><p>especialização	cerebral,	mas	sim	na	de	que	todo	o	cérebro,	de	forma	holística,	é</p><p>responsável	por	cada	uma	das	funções	mentais),	já	admitiam	que	o	cérebro	opera</p><p>em	concerto,	ainda	que	certas	regiões	pareçam	mais	importantes	do	que	outras</p><p>para	a	constituição	e	funcionamento	das	funções	mentais.</p><p>Ligados	a	esse	pensamento	crítico,	encontramos	autores	identificados	com	a</p><p>“moderna	Neuropsicologia”,	como	Constantin	von	Monakov,	Henry	Head,	Kurt</p><p>Goldstein	e	Alexander	Romanovich	Luria.	Para	eles,	o	cérebro	obedecia	a	uma</p><p>lei	hierárquica	de	organização	das	funções	mentais,	resultante	de	uma	longa</p><p>trajetória	filogenética,	isto	é,	de	uma	evolução	biológica	e	cultural	da	espécie</p><p>humana.</p><p>Embora	importantes	estudiosos	dessa	mesma	época	esboçassem	críticas	à	tese	do</p><p>localizacionismo	(ou	tese	da	correlação	direta	entre	zona	cerebral	e	função</p><p>mental),	como	o	médico	e	neuroatanomista	Jean-Martin	Charcot	e	seu	então</p><p>discípulo	Sigmund	Freud,	foi	preciso	esperar	o	século	XX	para	que	a	tese</p><p>funcionalista	—	segundo	a	qual	o	cérebro,	assim	como	a	linguagem	e	demais</p><p>processos	cognitivos,	se	estrutura	como	um	sistema	funcional	complexo	—	se</p><p>consolidasse	de	forma	a	implicar	mudanças	teóricas	e	metodológicas</p><p>importantes	no	campo	das	Neurociências.</p><p>A	noção	de	sistema	funcional	complexo	foi	introduzida	no	campo	da</p><p>Neuropsicologia	por	Alexander	Romanovich	Luria	(1981).	Por	ela	se	entende</p><p>que	as	diferentes	partes	do	Sistema	Nervoso	Central	(portanto,	do	cérebro)</p><p>funcionam	de	maneira	integrada,	trabalhando	em	concerto	em	distintos	níveis	de</p><p>complexidade	hierárquica	da	atividade	cognitiva.	Para	o	autor,</p><p>toda	atividade	mental	humana	é	um	sistema	funcional	complexo	efetuado	por</p><p>meio	de	uma	combinação	de	estruturas	cerebrais	funcionando	em	concerto,	cada</p><p>uma	das	quais	dá	sua	contribuição	peculiar	para	o	sistema	funcional	como	um</p><p>todo.	(Luria,	1981,	p.	23)</p><p>Com	base	nessa	concepção	integrativa,	dinâmica	e	plástica	da	estrutura	e	do</p><p>funcionamento	cerebral,	a	afasia	é	concebida	não	apenas	como	um	problema	de</p><p>articulação	da	fala,	mas	também	como	uma	alteração	do	sistema	linguístico</p><p>como	um	todo	(fala,	audição,	leitura	e	escrita),	ainda	que	os	sintomas	possam	se</p><p>manifestar	de	forma	seletiva	(mais	semânticos	ou	mais	sintáticos,	por	exemplo).</p><p>De	todo	modo,	essa	concepção	sistêmica	e	funcional	do	cérebro	implica	uma</p><p>nova	forma	de	se	conceber	os	distúrbios	cognitivos.	A	afasia,	compreendida</p><p>inicialmente	como	um	problema	de	fala	articulada	ou	um	problema	de</p><p>linguagem	interna,	passa	a	ser	vista	como	um	problema	de	metalinguagem,	o	que</p><p>traz	à	tona	a	relação	do	falante	com	a	produção	e	a	interpretação	da	linguagem	e</p><p>da	comunicação,	com	os	aspectos	verbais	e	não	verbais	da	significação.</p><p>A	partir	do	momento	em	que	passa	a	situar-se	na	Linguística,	a	antiga</p><p>Afasiologia	—	atualmente,	Neurolinguística	—	pode	projetar	de	maneira</p><p>interessante	antigas	indagações	filosóficas	sobre	o	sentido,	a	representação,	o</p><p>conhecimento,	o	pathos,	a	memória	etc.	Pode,	sobretudo,	voltar-se	para	a</p><p>Linguística	de	modo	a	assumir	seus	pressupostos	e	métodos	próprios,	por	vezes</p><p>criando	teorias-pontes	entre	distintos	domínios	da	própria	ciência	da	linguagem,</p><p>como	a	Psicolinguística,	a	Sociolinguística,	a	Pragmática,	a	Análise	da</p><p>Conversação,	a	Linguística	Textual,	a	Linguística	Cognitiva,	a	Análise	do</p><p>Discurso.</p><p>4.	AS	PRIMEIRAS	TEORIZAÇÕES	SOBRE	AS	AFASIAS	E	A	LINGUAGEM</p><p>PATOLÓGICA</p><p>O	conhecimento	a	respeito	das	afasias	dá-se	inicial	e	predominantemente	no</p><p>campo	das	ciências	médicas.	Métodos	investigativos	utilizados	à	época	do</p><p>nascimento	da	Afasiologia,	como	a	correlação	anátomo-clínica,	a	entrevista</p><p>anamnésica	e	os	protocolos	diagnósticos	estão	na	base	da	investigação	clínica</p><p>ainda	vigente.</p><p>Vimos	que	os	primeiros	a	diagnosticar	e	classificar	as	afasias	foram	os	próprios</p><p>médicos	que	as	descreveram	a	partir	do	que	exibiam	seus	pacientes.	Na</p><p>realidade,	as	classificações	vigentes,	em	sua	maioria,	não	divergem	entre	si	e</p><p>reafirmam	de	certa	forma	descrições	e	concepções	tradicionais.</p><p>Desde	a	primeira	metade	do	século	XX	os	linguistas	passaram	a	estudar	as</p><p>afasias	com	o	intuito	de	testar	ou	comprovar	suas	teorias.	Dessa	forma,	a</p><p>Afasiologia	tornou-se	uma	importante	fonte	de	dados	para	o	desenvolvimento	da</p><p>teoria	linguística.</p><p>Se	a	falta	de	uma	ciência	da	linguagem	obrigou	os	primeiros	afasiólogos	a</p><p>levarem	em	conta	o	bom	senso	e	a	intuição	na	análise	da	linguagem	em</p><p>contextos	patológicos	(à	maneira	de	Jacques	Lordat	ou	Armand	Trousseau,	por</p><p>exemplo,	que	faziam	inúmeras	observações	interessantes,	embora	algo</p><p>subjetivistas,	a	respeito	das	implicações	da	afasia	na	linguagem	cotidiana	e	na</p><p>vida	prática	de	seus	pacientes),	a	institucionalização	inicial	do	estudo	das	afasias</p><p>no	terreno	da	Medicina	do	século	XIX	fez	com	que	fosse	afastado	tudo	aquilo</p><p>que	envolvesse	aspectos	socioculturais,	contextuais	e	psicoafetivos	da</p><p>linguagem.	O	que	se	recusava	à	época,	em	função	da	concepção	positivista	de</p><p>ciência,	era	a	“exótica”	inclinação	filosófica	que	o	estudo	das	afasias	suscitava.³</p><p>A	distinção	entre	língua	e	fala,	central	no	nascimento	da	Linguística,	por	sua	vez,</p><p>conduziu	os	estudos	da	afasia	em	direção	ao	estudo	da	língua,	concebida	como</p><p>sistema	abstrato,	autônomo,	homogêneo	e	inato,	dissociado	da	fala	ou	das</p><p>atividades	que	com	ela	fazem	os	falantes.	Esta	concepção	de	língua	ajustava-se	à</p><p>veiculada	nos	estudos	afasiológicos	iniciais,	que	a	consideravam	uma	espécie	de</p><p>representação	do	pensamento.	Com	isso,	a	afasia	acabava	sendo	definida	não</p><p>como	um	problema	de	linguagem	em	toda	a	sua	abrangência,	mas	basicamente</p><p>como	um	problema	relativo	a	aspectos	internos,	subjetivados,	representacionais,</p><p>mentais:	em	suma,	como	um	problema	de	“linguagem	interna”	(Françozo,</p><p>1987).⁴</p><p>Foi	preciso	que	a	forte	distinção	língua/	fala	fosse	diluída	de	algum	modo	para</p><p>que	aqueles	objetos	considerados	“heteróclitos”	por	Saussure	à	época	do</p><p>nascimento	da	Linguística	(ou	seja,</p><p>os	falantes,	suas	atividades,	os	aspectos</p><p>histórico-culturais	que	configuram	os	usos	da	linguagem	etc.)	passassem	a	ser</p><p>incorporados	ao	estudo	da	linguagem.</p><p>A	tradição	estruturalista	dividiu	as	afasias	em	dois	grandes	tipos:	não	fluentes	e</p><p>fluentes,⁵	anteriores	e	posteriores,	motores	e	sensoriais.	Os	primeiros	têm	como</p><p>características	principais	problemas	de	expressão	oral	e/ou	escrita	(como</p><p>alterações	fonético-fonológicas,	estereotipias,	perserverações,	disprosódias,</p><p>parafasias	—	sobretudo	fonológicas	—,	fala	telegráfica,	agramatismo,	falta	de</p><p>iniciativa	verbal,	alteração	de	linguagem	escrita,	apraxia	buco-lábio-lingual)	e</p><p>são	creditados	a	lesões	na	parte	anterior	do	córtex	cerebral.	Os	segundos	têm</p><p>como	características	a	ausência	de	déficits	articulatórios,	a	presença	de</p><p>problemas	de	compreensão	oral	e/ou	escrita	e	a	alteração	nos	aspectos</p><p>semânticos	da	linguagem	(como	anomias,	dificuldades	de	evocar	ou	selecionar</p><p>palavras,	parafasias	—	sobretudo	semânticas	—,	circunlóquios,	confabulações).</p><p>Os	problemas	perceptivos	e	gestuais	são	mais	frequentes	e	numerosos	nesse	tipo</p><p>de	afasia,	que	é	creditado	a	lesões	na	parte	posterior	do	córtex	cerebral.</p><p>Sem	maiores	especificações,	esse	é	o	quadro	geral	das	classificações	das	afasias,</p><p>que	acaba	por	orientar	a	classificação	de	síndromes	neurológicas	distintas,	como</p><p>as	demências,	por	exemplo.	Tanto	os	neuropsicólogos	quanto	os	neurolinguistas</p><p>têm	tentado	colocar	tal	quadro	à	prova	mediante	outras	e	distintas	descrições	e</p><p>análises	de	fenômenos	afásicos.	Contudo,	novas	descrições	e	explicações</p><p>acabam	sendo	“encaixadas”	nas	velhas	classificações	de	maneira	ad	hoc.	O	fato</p><p>é	que,	sob	contestações	de	toda	ordem,	elas	continuam	a	vigorar,	sobretudo</p><p>quando	evocadas	para	serem	aplicadas	ao	contexto	clínico-terapêutico.</p><p>4.1.	Sobre	as	afasias:	o	problema	do	escopo	do	termo</p><p>A	afasia	tem	sido	definida	tradicionalmente	como	uma	alteração	de	linguagem</p><p>oral	e/ou	escrita	causada	por	um	comprometimento	cerebral	adquirido</p><p>decorrente	de	acidentes	vasculares	cerebrais	(isquêmicos	ou	hemorrágicos),</p><p>traumatismos	crânio-encefálicos,	tumores.	Em	relação	à	etiologia,	os	quadros</p><p>neurológicos	aos	quais	pertencem	as	afasias	estão	associados	(muitas	vezes	de</p><p>maneira	integrada)	a	doenças	cardíacas,	diabetes,	tabagismo,	hipertensão,</p><p>alcoolismo,	sedentarismo.</p><p>A	afasia	pode	e	geralmente	é	acompanhada	de	alterações	de	outros	processos</p><p>cognitivos	e	sinais	neurológicos,	como	a	hemiplegia	(paralisia	de	um	dos	lados</p><p>do	corpo),	a	apraxia	(distúrbio	da	gestualidade),	a	agnosia	(distúrbio	do</p><p>reconhecimento),	a	anosognosia	(falta	de	consciência	do	problema	por	parte	do</p><p>sujeito	cérebro-lesado)	etc.	Não	se	trata	de	afasia,	assim,	alterações	de</p><p>linguagem	que	se	manifestam	nas	psicopatologias	(como	a	esquizofrenia	ou	o</p><p>autismo),	nas	deficiências	mentais	e	auditivas	ou	nas	demências,	ou	mesmo	nas</p><p>amnésias	(Morato	et	al.,	2002).</p><p>Esta	definição	restringe	a	concepção	de	afasia	a	um	problema	de	linguagem</p><p>derivado	de	uma	lesão	focal	no	hemisfério	cerebral	esquerdo.	Além	isso,	entende</p><p>que,	por	ser	um	sintoma	diagnóstico,	a	afasia	—	e,	portanto,	o	distúrbio	de</p><p>linguagem	que	ela	representa	—	integra	um	determinado	conjunto	de	critérios	de</p><p>diagnose	(cf.	Ahlsén,	2006,	p.	101).	A	propósito,	ressalta	Morato	(2010b,	p.	40):</p><p>A	atual	investigação	das	afasias	no	campo	da	Neurolinguística	e	no	da</p><p>Neuropsicologia	não	deixa	de	ser	marcada	pela	influência	do	método	clínico</p><p>iniciado	no	século	XIX:	a	correlação	anatomoclínica,	a	entrevista	anamnésica</p><p>dirigida	e,	mais	posteriormente,	a	psicometria	são	elementos	que	normalmente</p><p>funcionam	como	base	da	semiologia	ou	sintomatologia	da	síndrome	afásica,</p><p>base	por	sua	vez	do	diagnóstico	e	da	prescrição:	“Ao	dar	um	rótulo	ao	problema</p><p>espera-se	diminuir	a	ansiedade	da	ignorância.	A	nomeação	de	doenças	envolve</p><p>classificação,	promove	o	prognóstico	e	indica	a	terapia”	(Porter,	1994,	p.	365).</p><p>Após	o	dano	cerebral,	a	qualidade	de	vida	do	sujeito	cérebro-lesado	será</p><p>proporcional	à	intensidade	do	impacto	da	afasia.	Este	dependerá,	entre	outras</p><p>coisas,	do	grau	de	extensão	e	importância	do	comprometimento	lesional,	da</p><p>etiologia	da	afecção	(AVC,	TCE,	tumor	etc.),	das	sequelas	neurológicas	e</p><p>neurolinguísticas	resultantes	(afasia,	agnosia,	hemiplegia,	apraxia	etc.)	e	das</p><p>características	do	próprio	sujeito	(idade,	atividade	sócio-ocupacional,	interesses</p><p>culturais,	escolaridade,	habilidades,	humor	etc.),	bem	como	da	forma	como	ele	e</p><p>seus	familiares	ou	amigos	reagem	a	isso	tudo.</p><p>Na	prática,	com	quais	dificuldades	se	deparam	em	geral	as	pessoas	afásicas,	que</p><p>podem	apresentar	dificuldades	motoras	(como	hemiplegias)	e	sensoriais	(como</p><p>agnosias	e	apraxias)?</p><p>Do	ponto	de	vista	da	linguagem	oral	e	escrita,	podem	faltar-lhe	as	palavras	de</p><p>maneira	importante	(anomias,	dificuldades	de	selecionar	ou	evocar	palavras),</p><p>resultando	muitas	vezes	em	substituições	ou	trocas	inesperadas	e</p><p>incompreensíveis	de	palavras	inteiras	ou	de	partes	delas	(são	as	parafasias,	que</p><p>têm	diversas	naturezas:	fonético-fonológicas,	semânticas,	morfológicas).	Sua</p><p>fala	pode	ser	permeada	por	longas	pausas	ou	hesitações,	muitas	vezes	seguidas</p><p>de	desalentado	abandono	do	turno	de	fala	ou	do	tópico	conversacional,	bem</p><p>como	da	perda	do	“fio	da	meada”.	Pode	também	acontecer	de	sua	fala	resultar</p><p>muito	laboriosa	(alterações	apráxicas,	fonoarticulatórias)	ou	ter	um	aspecto</p><p>“telegráfico”,	em	função	de	dificuldades	de	ordem	sintática	(como	o</p><p>agramatismo)	ou	semântico-lexical	(como	as	dificuldades	de	encontrar	palavras).</p><p>Ainda	pode	acontecer	de	o	indivíduo	afásico	ter	dificuldades	para	objetivar	ou</p><p>“controlar”	os	sentidos	e	a	forma	de	expressá-los,	tendo	em	vista	os	contextos	e</p><p>as	regras	pragmáticas	e	conversacionais	que	presidem	a	utilização	da	linguagem.</p><p>O	afásico	pode	“infringi-las”	ao	confabular	(isto	é,	produzir	falsas	informações</p><p>ou	falsas	memórias),	ao	produzir	circunlóquios,	ao	apresentar	uma	fala</p><p>jargonafásica	(isto	é,	uma	fala	permeada	de	abundantes	parafasias	de	diversas</p><p>naturezas),	ao	atuar	de	maneira	irrelevante	com	relação	à	atividade	referencial	(e</p><p>aos	fatores	de	coesão,	de	coerência,	de	progressão	tópica)	e	à	atividade</p><p>inferencial	(subentendidos,	implícitos	etc.).</p><p>É	interessante	ressaltar	que	esses	aspectos,	em	muito	semelhantes	ao	que	ocorre</p><p>no	contexto	“normal”,	extrapolam	o	terreno	do	sistema	linguístico	e	atingem	a</p><p>chamada	exterioridade	da	língua,	como	os	contextos	de	uso	da	linguagem,	as</p><p>normas	sociais	que	presidem	a	produção	e	a	interpretação	da	linguagem,	a</p><p>coexistência	de	processos	de	significação	verbais	e	não	verbais	nos	atos</p><p>comunicativos	etc.</p><p>A	partir	da	integração	de	elementos	e	fatores	tidos	como	intra	e	extralinguísticos,</p><p>a	afasia	se	exibe	de	maneira	mais	radical	como	uma	questão	discursiva,	isto	é,</p><p>não	redutível	aos	níveis	linguísticos	ou	à	língua	e	seus	mecanismos	internos	de</p><p>constituição.	Envolve	o	funcionamento	da	linguagem	e	os	processos	de	alguma</p><p>maneira	a	ele	associados;	envolve,	dessa	maneira,	práticas	linguísticas	e</p><p>sociocognitivas	que	caracterizam	as	mais	diversas	rotinas	e	práticas</p><p>significativas	humanas.</p><p>A	maneira	como	se	lida	social	e	subjetivamente	com	a	afasia	condiciona,	de</p><p>certa	forma,	a	sorte	dos	que	com	ela	convivem.	Isso	acaba	por	influenciar</p><p>fortemente	o	processo	de	(re)construção	linguístico-cognitiva	ou	a	possibilidade</p><p>de	adaptação	ou	reinserção	sócio-ocupacional	de	sujeitos	afásicos:	“Nesse	caso,</p><p>a	afasia	deixa	de	ser	apenas	uma	questão	de	saúde,	uma	questão	linguística,	uma</p><p>questão	cognitiva.	A	afasia	torna-se	uma	questão	social”	(Morato,	2000,	p.	65-</p><p>66).</p><p>Em	1875,	M.	Legroux	definia	a	afasia	como	“perversão	da	faculdade	normal	de</p><p>exprimir	ou	compreender	as	ideias	pelos	signos	convencionais”.	A	origem</p><p>anatômica	parece	dar	a	essa	linguagem	uma	morbidez	indiscutível	(daí	a</p><p>medicalização,	o	organicismo,	a	psicologização	etc.).</p><p>Herdeira	do	logocentrismo	greco-latino,	a	cultura	ocidental,	ao	vigiar</p><p>severamente	as	formas	de	dizer	ou	falar,	acaba	por	caracterizar	a	perda	ou	a</p><p>alteração	da	linguagem	como	um	“escândalo”	intolerável,	como	se	o	pathos	não</p><p>fosse	constitutivo	também</p><p>da	ideia	de	normal	(algo	abordado	com	agudeza	por</p><p>autores	como	Sigmund	Freud,	George	Canguilhem	e	Michel	Foucault).	Como</p><p>afirma	Roy	Porter	(1993),	a	“doença	põe	a	linguagem	sob	tensão”.	Daí	se	vê	a</p><p>preocupação	com	o	sintoma,	com	a	nosologia,	com	a	forte	distinção	entre	o</p><p>normal	e	o	patológico:	“uma	doença	nomeada	é	uma	doença	quase	curada”.	A</p><p>pessoa	que	se	torna	afásica,	em	função	dessa	idealização	(da	linguagem,	do</p><p>falante,	da	saúde	etc.),	acaba	por	conviver	com	um	estigma	muitas	vezes</p><p>devastador.</p><p>As	afasias	têm	sido	definidas	como	alteração	da	capacidade	de	realizar</p><p>operações	metalinguísticas	(cf.	Jakobson,	1954/1981)	ou	como	perda	ou</p><p>alteração	da	metalinguagem	(cf.	Lebrun,	1983).	O	que	estaria	alterado	ou</p><p>perdido	no	caso	dos	afásicos	credita-se	a	um	domínio	cognitivo	ou	mental	da</p><p>competência	linguística	de	que	os	indivíduos	seriam	dotados	para	se	servir	de</p><p>recursos	linguísticos	com	os	quais	representam	e	categorizam	os	objetos	e</p><p>estados	de	coisas	do	mundo.	No	sentido	que	lhe	dá	Chomsky	(1970,	p.	52),	trata-</p><p>se	de	uma	capacidade	inata	e	mental	que	temos	para	falar	e	compreender	a</p><p>linguagem:	“O	conhecimento	de	uma	língua	—	a	‘competência	linguística’,	no</p><p>sentido	técnico	deste	termo	—	implica	que	dominamos	esses	processos</p><p>gramaticais”.</p><p>Contudo,	indaga	Morato	(2010b,	p.	32-33),	em	relação	a	esse	ponto:</p><p>Se	a	perda	da	capacidade	metalinguística	que	caracterizaria	as	afasias	disser</p><p>respeito	à	perda	de	uma	competência	ligada	ao	conhecimento	(psicológico)	que</p><p>teria	o	indivíduo	acerca	dos	recursos	a	serem	processados	na	produção	e	na</p><p>compreensão	de	objetos	linguísticos	com	os	quais	é	possível	referir	e	interpretar</p><p>o	mundo,	como	explicar	os	fatos	linguísticos	descritos	e	analisados	no	âmbito</p><p>deste	volume	—	que	nos	mostram	precisamente	várias	formas	ou	dimensões	da</p><p>competência	relativamente	à	linguagem	(e	à	cognição)?	Como	analisar	esses</p><p>fatos	a	não	ser	por	um	deslocamento	teórico	que	permita	repor	no	estudo	da</p><p>linguagem	e	da	cognição	aqueles	elementos	tidos	como	“heteróclitos”	para	a</p><p>tradição	estruturalista	e	cognitivista,	tais	como	o	aspecto	intersubjetivo,	cultural</p><p>e	histórico	das	atividades	que	desenvolvem	os	indivíduos	em	sua	vida	social,	a</p><p>forma	contextualizada	pela	qual	emergem	e	se	desenvolvem	os	processos	de</p><p>significação	verbais	e	não	verbais,	a	dimensão	dialógica	própria	das	práticas</p><p>linguísticas,	a	construção	multimodal	e	interacional	do	sentido,	a	forma	dinâmica</p><p>e	distribuída	do	processamento	da	fala	e	dos	processos	cognitivos?</p><p>Como	é	possível	observar,	deparamos-nos	com	um	problema	sério	nessa</p><p>tentativa	de	divisão	de	águas.	Porém,	se	fugirmos	do	beco	sem	saída	da</p><p>dicotomia	língua-fala,	bem	como	da	oposição	interno-externo	em	relação	à</p><p>linguagem,	admitiremos	que	a	afasia,	sendo	um	problema	de	linguagem,	afeta</p><p>tanto	a	estrutura	da	língua	quanto	seu	funcionamento.	Assim,	vários	são	os</p><p>processos	e	níveis	de	descrição	que	devem	ser	levados	em	conta	na	compreensão</p><p>da	linguagem:	não	apenas	os	fonético-fonológicos,	lexicais	e	sintáticos,	mas</p><p>também	os	pragmáticos,	os	sociolinguísticos,	os	textuais,	os	discursivos.	Além</p><p>disso,	outros	processos	cognitivos,	com	suas	realidades	semiológicas</p><p>particulares,	devem	também	ser	considerados	no	processamento	da	linguagem</p><p>em	uso:	memória,	emoção,	gestualidade,	percepção	etc.</p><p>Assim,	voltamos	ao	ponto	de	nossa	discussão	acerca	das	polêmicas	que</p><p>encerram	os	debates	ainda	vigentes	sobre	os	limites	acerca	da	correlação	direta</p><p>entre	área	cerebral	e	função	linguística.</p><p>4.2.	O	estudo	das	afasias	no	âmbito	da	Linguística:	as	reflexões	pioneiras	de</p><p>Jakobson</p><p>O	primeiro	linguista	que	se	dedicou	sistematicamente	ao	estudo	das	afasias	foi	o</p><p>moscovita	Roman	O.	Jakobson,	tendo	por	base	a	classificação	neuropsicológica</p><p>feita	por	outro	eminente	cientista	russo,	Alexander	R.	Luria	(que	estipulou	seis</p><p>formas	básicas	de	afasia:	eferente,	aferente,	sensorial,	dinâmica,	semântica	e</p><p>amnésica).	Para	Luria,	lembremos,	as	afasias	afetam	distintamente	os	aspectos</p><p>motores	e	sensoriais	(expressivos	e	receptivos)	implicados	nas	tarefas	de</p><p>articular	e	compreender	a	linguagem,	que	pode	ser	alterada	de	forma	seletiva	em</p><p>suas	diferentes	funções	(fala,	audição,	leitura	e	escrita)	e	modalidades	(oral	e</p><p>escrita).</p><p>Jakobson,	ao	longo	de	sua	vasta	obra,	focalizou	as	afasias	de	um	ponto	de	vista</p><p>linguístico	no	contexto	do	estruturalismo	e	do	funcionalismo.	“Aphasia	as	a</p><p>linguistic	topic”	(1953)	e	o	célebre	“Dois	tipos	de	linguagem	e	dois	tipos	de</p><p>afasia”	(1954)	são	dois	artigos	complementares	que	representam	a	reflexão</p><p>jakobsoniana	a	respeito	das	afasias	nos	anos	1950.</p><p>Em	outros	trabalhos,	como	“Metalanguage	as	a	linguistic	problem”	(1956)	e</p><p>“Linguística	e	Poética”	(1960),	dedicados	à	descrição	do	sistema</p><p>comunicacional,	o	autor	evoca	a	noção	de	metalinguagem	—	a	capacidade</p><p>autorreflexiva	da	linguagem	de	voltar-se	sobre	si	mesma,	tanto	sobre	sua</p><p>estrutura,	quanto	sobre	seu	uso	—	para	analisar	a	presença	das	operações</p><p>metalinguísticas	no	uso	cotidiano	da	linguagem.</p><p>Ao	se	dedicar	às	afasias,	Jakobson	estava,	na	verdade,	interessado	em	construir</p><p>uma	teoria	geral	da	linguagem,	uma	teoria	que	a	explicasse	no	seu	todo:</p><p>aquisição,	funcionamento,	estrutura,	alteração	etc.	Para	o	autor	(1954/1981),</p><p>justamente	por	ferir	a	norma,	a	gramaticalidade,	os	padrões	estruturais	e</p><p>funcionais	da	língua,	as	afasias	dariam	solidez	empírica	à	sua	teorização	sobre	o</p><p>funcionamento	da	linguagem	de	um	modo	geral	(e	da	sua	aquisição	pela	criança,</p><p>de	um	modo	particular).</p><p>A	partir	dessa	primeira	incursão	linguística	(já	que	as	anteriores	nada	mais</p><p>fizeram	do	que	coadjuvar,	digamos	assim,	as	investigações	de	médicos	e</p><p>neuropatologistas),	passou-se	a	admitir	que	os	linguistas	(e	a	Linguística)	em</p><p>muito	contribuiriam	para	uma	melhor	descrição	da	semiologia	e	do	diagnóstico</p><p>das	afasias.</p><p>Na	prática	(isto	é,	na	teoria),	Jakobson	ampliou,	tendo	como	pano	de	fundo	o</p><p>estruturalismo	e	o	funcionalismo	linguístico	(sob	sua	forma	mais	produtiva,	o</p><p>Círculo	Linguístico	de	Praga),	algumas	das	ideias	de	Ferdinand	de	Saussure,</p><p>considerado	o	pai	da	Linguística.	No	entendimento	dos	tipos	de	afasia	descritos</p><p>em	termos	neuropsicológicos	por	Luria,	Jakobson	trabalhou	teórica	e</p><p>metodologicamente	com	dicotomias	clássicas,	estabelecendo	dois	grandes	eixos</p><p>de	relações	(simbólicas)	inicialmente	projetados	um	sobre	o	outro	e</p><p>posteriormente	inter-relacionados:	duas	formas	de	organização	da	linguagem,</p><p>sintagmática/metonímica	(responsável	pela	combinação	de	unidades)	e</p><p>paradigmática/metafórica	(responsável	pela	seleção	de	unidades).	Esta</p><p>combinação	conferiria	unidade	linguística	ao	sistema	de	linguagem.	Nas	afasias,</p><p>segundo	o	autor,	“um	ou	outro	desses	dois	processos	é	reduzido	ou	totalmente</p><p>bloqueado”	(1954/1981,	p.	55).</p><p>Lembrando	a	tradição	saussuriana,	as	explicações	de	Jakobson	partem	do</p><p>princípio	de	que	o	falante	não	apenas	opera	com	unidades,	mas	também	com</p><p>unidades	em	relação,	isto	é,	em	cadeia	linguística.	Estas	combinações	são</p><p>chamadas	de	sintagmas	e	são	qualificadas	como	relações	in	praesentia	(como	as</p><p>estruturas	sintáticas).	Haveria	ainda	uma	outra	classe	de	relações,	só	que	entre</p><p>entidades	que	têm	entre	si	algo	de	comum.	São	chamadas	de	paradigmáticas	e</p><p>são	qualificadas	como	relações	in	absentia	(como	classes	morfológicas	e	campos</p><p>lexicais).</p><p>Mais	no	início	de	seus	estudos	sobre	as	afasias,	Jakobson	(1954/1981)	era	mais</p><p>fortemente	comprometido	com	o	pensamento	luriano,	chegando	mesmo	a</p><p>afirmar	que	haveria	correlação	entre	lesões	anteriores	e	transtornos	de</p><p>codificação,	assim	como	entre	lesões	posteriores	e	transtornos	de	decodificação.</p><p>A	hipótese	de	Jakobson	era	de	que	as	duas	formas	do	eixo	estariam	na</p><p>dependência	de	estruturas	cerebrais	diferentes;	embora	ambas	possam	atuar	de</p><p>maneira	integrada	na	comunicação,	são	relativamente	independentes.</p><p>Considerando,	posteriormente,	que	nem	sempre	os	linguistas	estão	atentos	para	a</p><p>natureza	sistêmica	e	funcional	dos	dois	processos	(metafórico-</p><p>paradigmático/metonímico-sintagmático)	que	estão	interligados	por	uma	relação</p><p>de	“predominância”	no	uso	da	linguagem,	Jakobson	(1960/1981)	chega</p><p>vez</p><p>que	ela	depende	de	minha	experiência	subjetiva	no	mundo.	O	estudo	desse</p><p>aspecto	do	significado	cabe	à	Psicologia.	À	Semântica	cabe	o	estudo	dos</p><p>aspectos	objetivos,	isto	é,	aqueles	que	estão	abertos	à	inspeção	pública.	Sua</p><p>objetividade	é	garantida	pela	uniformidade	de	assentimento	entre	os	membros	de</p><p>uma	comunidade.	Eu	e	você	temos	representações	distintas	de	estrela	—	você</p><p>talvez	a	associe	a	um	sentimento	nostálgico,	eu,	à	euforia	das	viagens	espaciais</p><p>—,	mas	compartilhamos	o	sentido	de	estrela,	já	que	sempre	concordamos</p><p>quando	alguém	diz	estrela	apontando	um	certo	objeto	no	céu	que	reconhecemos</p><p>como	estrela.	Nós	também	concordamos	em	discordar	do	uso	de	estrela	para	se</p><p>referir	à	lua,	a	menos	que	estejamos	diante	de	algum	tipo	de	uso	indireto	da</p><p>palavra	ou	de	um	engano.	O	sentido	de	um	nome	próprio	como	estrela	da	manhã</p><p>é	o	que	nos	permite	alcançar,	falar	sobre,	um	certo	objeto	no	mundo	da	razão</p><p>pública,	o	planeta	Vênus,	a	sua	referência,	que	também	é	pública	porque	todos</p><p>temos	acesso	ao	mesmo	objeto.</p><p>O	sentido	é	o	caminho	que	nos	permite	chegar	a	uma	referência	no	mundo.</p><p>Frege	(1978)	precisa	dessa	distinção	porque	sem	ela	não	é	possível	explicar	a</p><p>diferença	entre:</p><p>(2)	A	estrela	da	manhã	é	a	estrela	da	manhã.</p><p>(3)	A	estrela	da	manhã	é	a	estrela	da	tarde.</p><p>A	sentença	(2)	é	uma	tautologia,	uma	verdade	óbvia	que	independe	dos	fatos	no</p><p>mundo.	Daí	seu	grau	de	informatividade	tender	a	zero.	Já	em	(3),	afirmamos</p><p>uma	igualdade,	cuja	veracidade	deve	ser	verificada	no	mundo.	Se,	de	fato,	aquilo</p><p>que	denominamos	estrela	da	manhã	é	o	mesmo	objeto	que	denominamos	estrela</p><p>da	tarde,	então,	quando	aprendemos	que	a	estrela	da	manhã	é	a	estrela	da	tarde</p><p>aprendemos	uma	verdade	sobre	o	mundo:	que	podemos	nos	referir	ao	planeta</p><p>Vênus	de	pelo	menos	duas	maneiras	diferentes.	A	sentença	(3)	expressa	uma</p><p>verdade	sintética,	isto	é,	uma	verdade	que	só	pode	ser	apreendida	pela	inspeção</p><p>de	fatos	no	mundo,	por	isso	ela	pode	nos	proporcionar	um	ganho	real	de</p><p>conhecimento.	Ela	exprime	uma	descoberta	da	Astronomia:	a	estrela	da	manhã</p><p>não	era,	como	se	pensava	desde	os	gregos,	uma	estrela	diferente	da	estrela	da</p><p>tarde,	mas	o	mesmo	planeta	Vênus.	Estrela	da	manhã	e	estrela	da	tarde	são	dois</p><p>caminhos/sentidos	para	se	chegar	à	mesma	referência,	o	planeta	Vênus.</p><p>Só	conseguimos	explicar	a	diferença	entre	as	sentenças	(2)	e	(3)	se	distinguimos</p><p>sentido	de	referência:	embora	ambas	as	sentenças	tenham	a	mesma	referência,</p><p>elas	expressam	pensamentos	diferentes.	Se	o	sentido	é	o	caminho	que	nos</p><p>permite	alcançar	a	referência,	quando	descobrimos	que	dois	caminhos	levam	à</p><p>mesma	referência,	aprendemos	algo	sobre	esse	objeto,	sobre	o	mundo.	Todos	nós</p><p>já	experimentamos	a	sensação	de	entusiasmo	quando	de	repente	descobrimos</p><p>que	3	+	3	é	o	mesmo	que	10	–	4.	Ao	tomarmos	consciência	da	igualdade,</p><p>descobrimos	dois	caminhos,	dois	sentidos,	para	alcançarmos	a	mesma	referência,</p><p>o	número	6.	Uma	mesma	referência	pode,	pois,	ser	recuperada	por	meio	de</p><p>vários	sentidos.	Considere	a	cidade	de	Florianópolis.	Podemos	nos	referir	a	ela</p><p>por	meio	de	diferentes	sentidos:	a	cidade	de	Florianópolis,	Florianópolis,	a</p><p>capital	de	Santa	Catarina,	a	antiga	Nossa	Senhora	do	Desterro...	Você	certamente</p><p>já	viveu	a	experiência	de	descobrir	que	Florianópolis	é	a	capital	de	Santa</p><p>Catarina,	isto	é,	de	falar	de	um	objeto,	a	cidade	de	Florianópolis,	de	modos</p><p>distintos.	Atente	para	a	distinção	entre	linguagem	e	mundo:	Florianópolis	e</p><p>Florianópolis.</p><p>Para	esclarecer	a	diferença	entre	sentido	e	referência,	Frege	propõe	uma	analogia</p><p>com	um	telescópio	apontado	para	a	Lua.	A	Lua	é	referência:	sua	existência	e</p><p>propriedades	independem	daquele	ou	daquela	que	a	observa.	Ela	pode,	no</p><p>entanto,	ser	olhada	a	partir	de	diferentes	perspectivas,	e	observá-la	de</p><p>determinado	ângulo	pode	nos	ensinar	algo	novo	sobre	ela.	A	imagem	da	Lua</p><p>formada	pelas	lentes	do	telescópio	é	o	que	tanto	eu	quanto	você	vemos.	Essa</p><p>imagem	compartilhada	é	o	sentido.	Ao	mudarmos	o	telescópio	de	posição,</p><p>vemos	uma	face	diferente	da	mesma	Lua,	alcançamos	o	mesmo	objeto	por	meio</p><p>de	outro	sentido.	Lembremos	que	a	imagem	mental	que	cada	um	de	nós	forma</p><p>da	imagem	objetiva	do	telescópio	está	fora	dos	interesses	da	Semântica.</p><p>O	sentido	só	nos	permite	conhecer	algo	se	a	ele	corresponder	uma	referência.</p><p>Em	outros	termos,	o	sentido	permite	alcançarmos	um	objeto	no	mundo,	mas	é	o</p><p>objeto	no	mundo	que	nos	permite	formular	um	juízo	de	valor,	isto	é,	que	nos</p><p>permite	avaliar	se	o	que	dizemos	é	falso	ou	é	verdadeiro.	A	verdade	não	está,</p><p>pois,	na	linguagem,	mas	nos	fatos	do	mundo.	A	linguagem	é	apenas	um</p><p>instrumento	que	nos	permite	alcançar	aquilo	que	há.	Por	isso,	para	Frege,	mas</p><p>não	para	a	Semântica	Formal	contemporânea,	sentenças	que	falam	de</p><p>personagens	fictícios	carecem	de	valor	de	verdade.	Uma	sentença	ficcional,	por</p><p>exemplo	“Papai	Noel	tem	a	barba	branca”,	não	pode	ser	cognitiva,	porque	ela</p><p>não	se	refere	a	um	objeto	real.	Hoje	em	dia,	com	a	Semântica	de	Mundos</p><p>Possíveis,	temos	uma	outra	compreensão	dos	objetos	fictícios,	eles	existem	em</p><p>outros	mundos	que	não	o	mundo	do	falante.</p><p>Intervalo	I</p><p>Se	você	entendeu	bem	essa	história	de	sentido	e	referência,	diga	qual	a</p><p>referência	de:	a	capital	da	França,	Paris,	Paris	é	a	capital	da	França.	A	seguir</p><p>descreva	a	cidade	do	Rio	de	Janeiro	através	de	diferentes	sentidos.</p><p>Para	Frege	(1978),	um	nome	próprio	deve	ter	sentido	e	referência.	Florianópolis</p><p>e	a	capital	de	Santa	Catarina	são	dois	nomes	próprios	porque	têm	sentido	e	nos</p><p>permitem	falar	sobre	um	objeto	no	mundo,	a	cidade	de	Florianópolis.	Os	nomes</p><p>próprios	são	saturados	porque	eles	expressam	um	pensamento	completo	e</p><p>podemos,	por	meio	deles,	identificar	uma	referência.	Há,	no	entanto,	expressões</p><p>que	são	incompletas,	que	não	nos	possibilitam	chegar	a	uma	referência,	porque</p><p>não	expressam	um	pensamento	completo.	Esse	é	o	caso	da	expressão	ser	capital</p><p>de.	Além	disso,	é	fácil	notar	que	a	expressão	ser	capital	de	é	recorrente	em</p><p>inúmeras	sentenças:</p><p>(4)	São	Paulo	é	a	capital	de	São	Paulo.</p><p>(5)	São	Paulo	é	a	capital	de	Santa	Catarina.</p><p>(6)	Florianópolis	é	a	capital	de	Santa	Catarina.</p><p>(7)	Florianópolis	é	a	capital	de	São	Paulo.</p><p>As	sentenças	anteriores	são	nomes	próprios	porque	elas	expressam	um</p><p>pensamento	completo	e	têm	uma	referência.	Em	(4)	e	(6),	a	referência	é	a</p><p>verdade,	já	que	no	nosso	mundo	São	Paulo	é	a	capital	de	São	Paulo	e</p><p>Florianópolis	é	a	capital	de	Santa	Catarina;	em	(5)	e	(7),	a	referência	é	o	falso.	A</p><p>expressão	ser	capital	de,	que	se	repete	nas	sentenças	acima,	é	insaturada,	porque</p><p>não	expressa	um	pensamento	completo.	Para	tanto,	ela	precisa	preenchida	em</p><p>dois	lugares:	um	que	a	antecede,	outro	que	a	sucede.	Esses	vazios	são	chamados</p><p>argumentos.	A	expressão	insaturada	chama-se	predicado.	O	predicado	ser	capital</p><p>de	é	um	predicado	de	dois	lugares,	porque	há	dois	espaços	a	serem	preenchidos</p><p>por	argumentos:	______	ser	capital	de	______.	Podemos,	no	entanto,</p><p>transformá-lo	em	um	predicado	de	um	lugar:	______	ser	a	capital	de	São	Paulo,</p><p>por	exemplo.	Você	conseguiria	recortar	diferentes	predicados	de	um	lugar	a</p><p>partir	das	sentenças	de	(4)	a	(7)?	São	Paulo	é	a	capital	de______;	Florianópolis	é</p><p>a	capital	de______;	______	é	a	capital	de	Santa	Catarina	são	alguns	exemplos.</p><p>O	contraste	que	Frege	constrói	é,	pois,	entre	funções	incompletas,	isto	é,	aquelas</p><p>que	comportam	pelo	menos	um	espaço	e	pedem,	portanto,	pelo	menos	um</p><p>argumento,	e	argumentos	que	denotam	uma	referência	em	particular.	Uma</p><p>expressão	insaturada	combinada	com	um	argumento	gera	uma	sentença,	que	é</p><p>uma	expressão	completa/saturada,	um	nome	próprio,	que	tem	como	referência</p><p>um	valor	de	verdade,	isto	é,	o	verdadeiro	ou	o	falso.	Podemos	entender	o</p><p>predicado	como	uma	máquina,	que	toma	elementos	ou	que	os	relaciona.	Em	(4),</p><p>o	predicado	ser	capital	de	relaciona	São	Paulo	com	São	Paulo,	gerando	o	nome</p><p>próprio,	São	Paulo	é	a	capital	de	São	Paulo,	que	tem	sentido,	expressa	um</p><p>pensamento,	e	tem	uma	referência,	a	verdade.</p><p>O	predicado	pode	ser	preenchido	por	um	nome	próprio,	como	nos	exemplos</p><p>dados,	mas	ele	pode	também	ser	preenchido	por	uma	expressão	quantificada,</p><p>que,	intuitivamente,</p><p>a	afirmar</p><p>que	não	há	entre	eles	uma	forte	divisão	de	águas.	O	autor	discute	essa	questão	na</p><p>análise	dos	eixos	de	reações	substitutivas	(metafóricas)	e	de	reações	predicativas</p><p>(metonímicas).	A	reflexão	jakobsoniana	assinala	que	as	afasias	são	um	bom</p><p>lugar	para	a	análise	funcional	da	linguagem,	já	que	perturbariam	de	maneira</p><p>seletiva	esses	dois	eixos	responsáveis	por	todo	seu	funcionamento	simbólico.</p><p>Para	Jakobson,	a	metalinguagem	é	deficiente	nos	afásicos	que	apresentam	uma</p><p>desordem	de	similaridade;	nesse	caso,	apesar	das	instruções	do	interlocutor,	os</p><p>indivíduos	afásicos	não	podem	responder	à	palavra	estímulo	com	uma	palavra</p><p>ou	uma	expressão	equivalente	e	carecem	da	capacidade	de	construir	proposições</p><p>equacionais.	Com	isso,	o	contexto	mostra-se	decisivo	neste	tipo	de	distúrbio,</p><p>pois	o	individuo	apoia-se	na	contiguidade	para	contornar	seus	problemas</p><p>relativos	ao	processo	de	decodificação.	A	função	metalinguística,	aquela	em	que</p><p>se	usa	a	linguagem	para	falar	sobre	a	linguagem	(isto	é,	o	código	ou	o	sistema</p><p>linguístico),	seria	da	ordem	da	fala,	e	é	concebida	apenas	como	expressão</p><p>externa	de	conteúdos	internos	ou	do	pensamento.	Para	Jakobson,	ao	que	parece,</p><p>metalinguagem	e	função	metalinguística	são,	na	realidade,	operações	distintas</p><p>(cf.	Morato,	2005).</p><p>Para	ilustrar	minimamente	o	teor	da	argumentação	de	Jakobson,	tomemos	uma</p><p>distinção	que	decorreria,	segundo	o	autor,	da	consideração	do	eixo</p><p>paradigmático/sintagmático,	relacionado	aos	problemas	de	decodificação	e</p><p>codificação	da	linguagem.</p><p>No	processo	de	decodificação	da	linguagem,	o	contato	inicial	do	falante	é	com	o</p><p>contexto	linguístico	e	depois	com	seus	constituintes.	O	inverso	dar-se-ia	na</p><p>codificação,	em	que	a	primeira	etapa	diz	respeito	à	seleção	dos	termos	para	que,</p><p>na	etapa	posterior,	seja	possível	combiná-los.</p><p>Ao	processo	de	codificação	subjaz	a	relação	de	contiguidade	(que	opera	através</p><p>da	combinação	das	unidades	linguísticas	entre	si,	a	precedente	determinando	a</p><p>consecutiva	e	esta	a	posterior).	Este	é	o	processo	que	determina	o	contexto</p><p>verbal.	Na	afasia	motora,	um	tipo	muito	recorrente,	este	seria	o	problema	básico</p><p>(isto	é,	uma	desordem	de	combinação	e	de	contexto	que	se	manifestaria	no	nível</p><p>fonológico	através	da	dificuldade	no	uso	de	grupo	de	fonemas,	na	construção	da</p><p>sílaba	e	na	transição	de	um	fonema	a	outro).	Em	termos	de	produção	verbal,	o</p><p>que	se	nota	é	a	ausência	quase	total	dos	conectivos	que	constituem	o	contexto</p><p>gramatical	e	a	permanência	de	palavras	com	conteúdo	lexical:	a	isso	a	literatura</p><p>afasiológica	tem	reservado	um	termo,	“fala	telegráfica”.</p><p>Distanciando-se	paulatinamente	em	suas	reflexões	dos	interesses	anátomo-</p><p>clínicos	da	Neuropsicologia,	Jakobson	passa	a	descrever	ainda	uma	série	de</p><p>dicotomias	que	estariam	na	base	do	funcionamento	comunicativo	da	linguagem,</p><p>tais	como:	limitação/desintegração	(aplicada	à	situação	na	qual	há	alteração	dos</p><p>processos	de	combinação	e	seleção	de	constituintes	que	compõem	a	sentença);</p><p>sequenciação/simultaneidade	(aplicada	à	situação	na	qual	há	alteração	da</p><p>ordenação	ou	da	possibilidade	combinatória	dos	constituintes,	tal	como	ocorre</p><p>nas	afasias	eferentes	ou	nas	afasias	amnésicas,	bem	como	à	situação	na	qual	há</p><p>perturbação	de	seleção	de	traços	distintivos	que	compõem	um	fonema,	tal	como</p><p>ocorre	nas	afasias	aferentes).</p><p>Além	de	representar	uma	espécie	de	marco	no	estudo	das	afasias,	as	reflexões	de</p><p>Jakobson	também	tiveram	o	mérito	de	incentivar	o	interesse	dos	linguistas	pelas</p><p>patologias	e	de	apontar	propriedades	comuns	tanto	às	afecções,	quanto	à</p><p>aquisição	de	língua	materna	e	demais	fatos	de	linguagem	ordinária.</p><p>A	teorização	formulada	por	Jakobson	não	deixou,	contudo,	de	sofrer	críticas	no</p><p>que	diz	respeito	ao	potencial	explicativo	de	sua	classificação	linguística	dos</p><p>distúrbios	afásicos.	A	propósito,	na	obra	Nouveau	dictionaire	encyclopédique</p><p>des	sciences	du	langage,	Ducrot	e	Schaeffer	assim	comentam	os	estudos	de</p><p>Jakobson	sobre	as	afasias:	“Malgrado	o	interesse	do	empreendimento	de</p><p>Jakobson,	essas	distinções,	entretanto,	permanecem	muito	gerais	para	darem</p><p>conta	da	variedade	de	operações	perturbadas	nos	diferentes	tipos	de	afasia”</p><p>(1995,	p.	528	—	nossa	tradução).</p><p>5.	UMA	PERSPECTIVA	INTERACIONISTA	EM	NEUROLINGUÍSTICA</p><p>Tomada	em	um	sentido	largo,	a	perspectiva	sociocognitiva	destaca	dentre	seus</p><p>postulados	os	seguintes	aspectos:	i)	a	linguagem	é	indissociável	de	outros	fatores</p><p>e	propriedades	da	cognição	humana;	ii)	a	linguagem	é	resultado	de	uma</p><p>imbricação	de	fatores	externos	e	internos,	como	os	relativos	às	propriedades</p><p>biológicas	e	cognitivas	dos	seres	humanos	e	os	relativos	às	práticas	da	vida	em</p><p>sociedade	e	às	experiências	socioculturais	dos	indivíduos.	Tais	aspectos,	de</p><p>maneira	distinta,	estão	presentes	no	desenvolvimento,	na	restrição	ou	na</p><p>reorganização	tanto	de	processos	de	aquisição,	quanto	de	alteração	da</p><p>linguagem.</p><p>Nessa	perspectiva,	a	pergunta	sobre	a	cognição	não	é	uma	indagação	direta	sobre</p><p>a	relação	linguagem-mundo,	mas	sim	sobre	como	nós	usamos	a	linguagem</p><p>enquanto	forma	constitutiva	de	mediação	dessa	relação.	Para	essa	perspectiva,	a</p><p>cognição	é	um	resultado,	e	não	um	antecedente	da	atividade	interacional	dos</p><p>indivíduos	com	o	mundo	sociocultural.	Esse	entendimento,	forte	desde	os	anos</p><p>1980,	está	de	alguma	forma	presente	na	concepção	de	cognição	e	de	linguagem</p><p>como	atividades	situadas	e	coletivas.</p><p>Como	afirma	Tomasello	(1999/2003),	nossa	cognição	não	se	tornou	possível	via</p><p>mera	adaptação	biológica,	mas	sim	por	aprendizado,	transmissão	e	construção</p><p>evolutivo-cultural.	Tal	percurso	evolutivo	não	se	deu	somente	de	forma</p><p>cumulativa,	mas	sim	de	forma	psicossocial,	por	meio	de	sistemas	de</p><p>representação	dos	quais	a	linguagem	é,	sem	dúvida,	o	exemplo	mais	radical.	Esta</p><p>é,	à	maneira	de	Vygotsky	(1934/1987),	uma	tese	forte	a	respeito	da	sociogênese</p><p>da	cognição	humana,	intersubjetiva	e	perspectival,	como	assinala	Tomasello</p><p>(1999/2003),	a	partir	do	que	se	pode	estabelecer	um	quadro	relacional	entre	o</p><p>biológico	e	o	cultural.</p><p>Uma	das	teses	da	perspectiva	sociocognitiva	(cf.	Salomão,	1999)	refere-se	à</p><p>centralidade	da	linguagem	e	da	interação	social	na	constituição	da	cognição</p><p>humana.	A	Neurolinguística	cria	um	terreno	propício	a	essa	abordagem	ao	se</p><p>instanciar	entre	os	vários	domínios	da	Linguística	pós-estruturalista.</p><p>Se	o	primeiro	passo	da	antiga	Afasiologia	do	século	XIX	em	direção	à</p><p>Linguística	foi	a	descrição,	a	semiologia	e	a	classificação	das	afasias	em	termos</p><p>linguísticos,	o	segundo	passo,	condição	para	que	se	expandisse	sob	a	forma</p><p>híbrida	denominada	Neurolinguística,	foi	levar	em	conta	o	arcabouço	teórico-</p><p>metodológico	da	ciência	da	linguagem.</p><p>É	dentro	dessa	preocupação	teórica	que	a	Neurolinguística,	para	além	da</p><p>descrição	de	processos	gramaticais	(prosódicos,	fonológicos,	morfológicos,</p><p>semânticos,	sintáticos)	relativos	ao	sistema,	procura	sustentação	nos	construtos</p><p>teóricos	da	Linguística,	de	modo	a	transcendê-la.	Na	área	da	Pragmática	e	da</p><p>Análise	da	Conversação,	a	Neurolinguística	procura	sustentação	para	o	estudo	da</p><p>estruturação	e	da	gestão	da	interação,	bem	como	da	competência	linguística	e</p><p>comunicativa	dos	falantes;	para	o	reconhecimento	e	a	manipulação	das</p><p>chamadas	“leis	conversacionais”	e	das	intenções	dos	interactantes;	para	o</p><p>reconhecimento	e	a	manipulação	de	normas	pragmáticas	que	orientam	o	uso</p><p>social	da	linguagem,	bem	como	a	produção	e	a	interpretação	de	inferências	e	dos</p><p>vários	atos	de	fala	presentes	na	comunicação.</p><p>Do	mesmo	modo,	é	a	preocupação	com	a	estrutura	e	o	funcionamento	da</p><p>linguagem	que	leva	a	Neurolinguística	à	Linguística	Textual	e	aos	estudos	da</p><p>textualização	e	da	referenciação	(Koch,	2002,	2004;	Marcuschi,	2007,	2008;</p><p>Cavalcante	et	al.,	2005;	Koch,	Morato	e	Bentes,	2005),	bem	como	ao	estudo	das</p><p>relações	formais	e	discursivas	entre	fala	e	escrita	(Marcuschi,	2001),	dos</p><p>diferentes	aspectos	do	contexto	que	emolduram	a	significação	linguística	(Koch,</p><p>2002;	Van	Dijk,	2008;	Hanks,	2008)	e	da	constituição	dinâmica	dos	gêneros</p><p>textuais	orais	e	escritos	(Hanks,	2008;	Marcuschi,	2008;	Koch	e	Elias,	2006;</p><p>Bentes	e	Rezende,	2008).</p><p>A	Neurolinguística</p><p>indica	uma	quantidade.⁷	Vejamos	alguns	exemplos:</p><p>(8)	Alguma	cidade	de	Santa	Catarina	é	de	origem	alemã.</p><p>(9)	Todos	os	homens	são	mortais.</p><p>(10)	Todos	os	meninos	amam	uma	professora.</p><p>Em	(8),	afirmamos	que	há	uma	cidade	de	Santa	Catarina	tal	que	ela	é	a	capital</p><p>daquele	Estado,	embora	a	sentença	não	especifique	que	cidade	é	essa.	Algum	é</p><p>um	quantificador	existencial	que	afirma	que	a	intersecção	entre	o	conjunto	das</p><p>cidades	de	SC	e	o	conjunto	das	cidades	de	origem	alemã	não	é	vazia,	há	pelo</p><p>menos	um	elemento	que	é	ao	mesmo	tempo	cidade	de	SC	e	cidade	de	origem</p><p>alemã.	Em	(9)	temos	um	quantificador	universal	todos	que	afirma	que	o</p><p>conjunto	dos	homens	está	contido	no	conjunto	dos	mortais.	Na	sentença	(10)</p><p>temos	a	presença	de	dois	quantificadores	combinados:	o	universal	(todos)	e	o</p><p>existencial	(uma).	Essa	sentença	pode	ter	duas	interpretações;	ela	é	ambígua:</p><p>para	todo	aluno	há	pelo	menos	uma	professora	que	ele	ama	—	trata-se	de	uma</p><p>leitura	distributiva	—	ou	há	uma	única	professora	que	todos	os	alunos	amam.	No</p><p>primeiro	caso,	o	quantificador	universal	antecede	o	existencial;	no	segundo,</p><p>inverte-se	a	situação	de	modo	que	o	existencial	tem	escopo	sobre	o	universal.</p><p>O	modo	como	os	operadores	se	combinam	gera	diferentes	interpretações.	Essa</p><p>interação	de	operadores	—	os	quantificadores	são	operadores	—	explica	a</p><p>chamada	ambiguidade	semântica.	Considere	a	sentença:</p><p>(11)	O	João	não	convidou	só	a	Maria.</p><p>Você	consegue	enxergar	duas	interpretações?	A	sentença	(11)	descreve	duas</p><p>situações	bem	distintas:	ou	o	João	só	não	convidou	a	Maria,	ou	o	João	não	só</p><p>convidou	a	Maria,	mas	também	outras	pessoas.	Utilizamos	diferentes	entonações</p><p>para	veicular	um	ou	outro	significado.	Essa	dupla	interpretação	é	explicada	pelo</p><p>modo	como	se	combinam	os	operadores	não	e	só:	ou	o	não	atua	sobre	o	só,</p><p>gerando	não	só;	ou	o	só	atua	sobre	o	não,	produzindo	só	não.	Essa	relação	em</p><p>que	um	operador	atua	sobre	um	certo	domínio	denomina-se	escopo:	na	primeira</p><p>leitura,	o	operador	só	tem	escopo	sobre	a	negação;	na	segunda,	é	a	negação	que</p><p>tem	escopo	sobre	o	só:	“O	João	não	só	convidou	a	Maria”.</p><p>Intervalo	II</p><p>1.	Considere	as	seguintes	sentenças.	Recorte-as	segundo	os	conceitos	de</p><p>predicado	e	argumento	em	Frege:</p><p>a)	João	é	casado	com	Maria.</p><p>b)	Maria	é	brasileira.</p><p>c)	Oscar	é	jogador	de	basquete.</p><p>2.	A	partir	dos	conceitos	de	quantificador	universal	e	existencial	e	da	noção	de</p><p>escopo,	descreva	as	sentenças	abaixo:</p><p>a)	Todo	homem	é	casado	com	alguma	mulher.</p><p>b)	Um	homem	é	casado	com	todas	as	mulheres.</p><p>c)	A	Maria	não	está	grávida	de	novo.</p><p>Considere	agora	a	sentença:</p><p>(12)	O	rei	da	França	é	careca.</p><p>Ela	se	compõe	de	um	nome	próprio,	o	rei	da	França,	e	de	um	predicado	de	um</p><p>lugar,	ser	careca.	Nosso	problema	é	o	sintagma	nominal	o	rei	da	França,	que</p><p>chamamos	de	descrição	definida.	Uma	descrição	definida	caracteriza-se	por	ser</p><p>uma	expressão	nominal	introduzida	por	um	artigo	definido.	Como	veremos,	há</p><p>diferentes	maneiras	de	analisarmos	a	descrição	definida.	Na	abordagem	formal,	a</p><p>controvérsia	diz	respeito	ao	conteúdo	semântico	veiculado	pela	descrição.</p><p>Pergunte-se:	a	sentença	em	(12)	é	falsa	ou	verdadeira?	Leve	em	consideração</p><p>que	não	há,	no	momento	atual,	rei	da	França.	Essa	sentença	proferida	em	1780</p><p>na	França	seria	falsa,	porque	a	descrição	definida	denotaria	Luís	XVI,	que	não</p><p>era	careca.⁸	Mas	é	hoje	em	dia?	Ela	é	falsa	ou	verdadeira?	Há	duas	respostas:</p><p>uma	que	descende	de	Frege	e	entende	que	se	não	há	uma	referência	para	a</p><p>descrição	definida,	a	sentença	não	tem	valor	de	verdade	—	não	faz	sentido</p><p>afirmar	de	algo	que	não	existe,	que	ele	é	careca	ou	não	—	e	outra	que	vem	de</p><p>Bertrand	Russell,	para	quem	o	artigo	definido	é	um	quantificador	e	na	situação</p><p>atual	a	sentença	é	falsa.</p><p>Na	tradição	de	Frege,	a	descrição	definida	carrega	uma	pressuposição:	a</p><p>pressuposição	de	que	há	um	único	indivíduo	que	é	rei	da	França.	Em	outros</p><p>termos,	a	sentença	(12)	expressa	um	pensamento	completo,	mas	para	atribuirmos</p><p>a	ela	um	valor	de	verdade	é	preciso	que	a	pressuposição	de	que	há	um	único	rei</p><p>da	França	seja	verdadeira.	Essa	pressuposição	não	é	semântica.	Frege	mantém</p><p>que	se	a	pressuposição	fosse	semântica,	então	a	negação	da	sentença	seria</p><p>ambígua.	Vejamos:</p><p>(13)	O	rei	da	França	não	é	careca.</p><p>Se	a	pressuposição	fosse	semântica,	afirma	Frege,	então	(13)	significaria	ou	que</p><p>não	existe	um	único	indivíduo	que	é	rei	da	França	ou	que	há	um	único	rei	da</p><p>França	e	ele	não	é	careca.	No	entanto,	intuitivamente,	(13)	só	significa	que	ele</p><p>não	é	careca.	Isto	é,	a	pressuposição	de	que	existe	um	único	indivíduo	que	é	rei</p><p>da	França	se	mantém	inalterada	na	negação,	por	isso	ela	não	se	confunde	com	o</p><p>conteúdo	da	sentença. 	Essa	solução	de	Frege	caminha	paralelamente	à	sua</p><p>análise	sobre	os	seres	imaginários,	como	o	Batman:	sentenças	em	que	uma	das</p><p>suas	expressões	se	refere	a	seres	ou	coisas	que	não	têm	existência	têm	sentido,</p><p>mas	não	têm	referência.	Elas	não	são	nem	verdadeiras	nem	falsas.</p><p>Bertrand	Russell	(1905)	propõe	outra	análise	da	descrição	definida.	Ele	trata	o</p><p>artigo	definido	como	um	quantificador.¹ 	Assim,	o	conteúdo	semântico	da</p><p>sentença	em	(12)	é:	existe	um	e	apenas	um	indivíduo	que	é	rei	da	França	e	ele	é</p><p>careca.	Como	já	vimos,	os	operadores	podem	se	combinar.	Dado	que	tanto	o</p><p>artigo	definido	quanto	o	não	são	operadores,	esperamos	que	eles	estabeleçam</p><p>diferentes	relações	de	escopo.	A	sentença	(13)	seria,	portanto,	ambígua:	a</p><p>negação	pode	ter	escopo	sobre	o	artigo	definido,	e	teremos	a	forma	lógica	(14),</p><p>ou	o	artigo	definido	tem	escopo	sobre	a	negação,	e	a	forma	lógica	será	(15):</p><p>(14)	[não	[existe	um	apenas	um	indivíduo	tal	que	[ele	é	rei	da	França]	e	[é</p><p>careca]]]</p><p>(15)	[existe	um	e	apenas	um	indivíduo	tal	que	[ele	é	rei	da	França]	e	[não	[é</p><p>careca]]]</p><p>A	proposta	de	Russell	trata	a	existência	e	a	unicidade	como	partes	do	conteúdo</p><p>da	sentença.	Nesse	caso,	proferir	a	sentença	(12)	hoje	em	dia,	quando	não	existe</p><p>rei	da	França,	é	afirmar	uma	falsidade.</p><p>Independentemente	dessa	controvérsia,	a	Semântica	Formal	considera	que	há</p><p>pressuposição	quando	tanto	a	verdade	quanto	a	falsidade	da	sentença	dependem</p><p>da	verdade	da	sentença	pressuposta.	Há	muitos	tipos	de	pressuposição.	A</p><p>sentença	(16)	contém	uma	pressuposição,	mas	dessa	vez	não	se	trata	de	uma</p><p>pressuposição	de	existência	e	unicidade:</p><p>(16)	Maria	parou	de	fumar.</p><p>Para	podermos	atribuir	um	valor	de	verdade	a	essa	sentença,	devemos	aceitar</p><p>que	a	pressuposição	que	Maria	fumava	é	verdadeira.	A	sentença	é	falsa	se	ela</p><p>não	parou	de	fumar	e	verdadeira	se	ela	parou.	Se	Maria	nunca	fumou,	então	ter</p><p>parado	de	fumar	é	algo	que	simplesmente	não	se	aplica	a	ela	e	a	sentença	não	é</p><p>nem	verdadeira	nem	falsa.</p><p>Intervalo	III</p><p>A	partir	das	noções	de	escopo	e	operador,	descreva	a	ambiguidade	presente	na</p><p>sentença	a	seguir:</p><p>(1)	João	não	escreveu	sua	tese	para	agradar	a	mãe.</p><p>Determine	se	há	pressuposição	na	sentença	abaixo	e	justifique	sua	resposta.	O</p><p>melhor	teste	para	a	pressuposição	é	negar	a	sentença	e	avaliar	qual	informação</p><p>se	mantém	inalterada:</p><p>(2)	João	lamenta	a	morte	do	pai.</p><p>A	década	de	1970	conheceu	uma	explosão	de	trabalhos	sobre	a	pressuposição.</p><p>Salienta-se,	dentre	eles,	o	trabalho	de	Oswald	Ducrot	que,	certamente</p><p>influenciado	pelos	trabalhos	de	Émile	Benveniste	e	pela	escola	francesa	de</p><p>Análise	do	Discurso,¹¹	se	opõe	veementemente	ao	tratamento	que	a	Semântica</p><p>Formal	oferece	para	a	pressuposição	em	particular	e	para	o	significado	em	geral.</p><p>Suas	críticas	e	análises	possibilitaram	a	formação	de	um	outro	modelo:	a</p><p>Semântica	da	Enunciação.</p><p>3.	A	SEMÂNTICA	DA	ENUNCIAÇÃO</p><p>A	visão	de	linguagem	que,	segundo	Ducrot,	subsidia	a	Semântica	Formal	é</p><p>inadequada	porque,	argumenta	o	autor,	ela	se	respalda	num	modelo</p><p>informacional,	em	que	o	conceito	de	verdade	é	externo	à	linguagem.	Na</p><p>Semântica	Formal,	a	linguagem	é	um	meio	para	alcançarmos	uma	verdade	que</p><p>está	fora	da	linguagem,	o	que	nos	permite	falar	objetivamente	sobre	o	mundo	e,</p><p>consequentemente,	adquirir	um	conhecimento	seguro	sobre	ele.	É	possível	que	o</p><p>conceito	de	referência	em	Frege	esteja	mesmo	revestido	de	tal	realismo:	a</p><p>metáfora	do	telescópio	deixa	claro	que	o	objeto	descrito,</p><p>a	Lua,	não	é	uma</p><p>função	da	descrição	dada,	do	sentido.	É	o	nosso	conhecimento	da	Lua	que</p><p>depende	do	sentido.	Vemos	a	mesma	Lua	a	partir	de	pontos	de	vista	diferentes,</p><p>não	vemos	luas	diferentes.	A	diferença	é	sutil,	mas	necessária	para	distinguirmos</p><p>entre	semânticas	ditas	objetivistas	ou	realistas,	que	postulam	uma	ordem	no</p><p>mundo	que	dá,	ao	menos	em	certa	medida,	conteúdo	à	linguagem,	e	semânticas</p><p>mais	próximas	do	relativismo,	que	acreditam	que	não	há	uma	ordem	no	mundo</p><p>que	seja	dada	independentemente	da	linguagem	e	da	história.	Só	a	linguagem</p><p>constitui	o	mundo,	por	isso	não	é	possível	escapar	dela.	A	Semântica	da</p><p>Enunciação	certamente	se	inscreve	nessa	perspectiva,	mas	há	abordagens</p><p>formais	que	não	se	vinculam	a	uma	metafísica	realista.¹²</p><p>Para	a	Semântica	da	Enunciação,	a	referência	é	uma	ilusão	criada	pela</p><p>linguagem.	Estamos	sempre	inseridos	na	linguagem,	moscas	presas	na	garrafa.</p><p>Os	dêiticos	—	expressões	cujo	conteúdo	depende	da	remissão	à	externalidade</p><p>linguística,	os	pronomes	isto,	eu,	você,	por	exemplo	—	que	nos	dão	a</p><p>sensação/ilusão	de	estar	fora	da	língua.	Estamos,	no	entanto,	sempre	fechados</p><p>nela	e	por	ela.	A	Semântica	Formal,	diz	Ducrot,	cai	na	ilusão,	criada	pela	própria</p><p>linguagem,	de	que	ela	se	refere	a	algo	externo	a	ela	mesma,	de	onde	ela	retira	a</p><p>sua	sustentação.	A	linguagem,	afirma	Ducrot,	é	um	jogo	de	argumentação</p><p>enredado	em	si	mesmo;	não	falamos	sobre	o	mundo,	falamos	para	construir	um</p><p>mundo	e	a	partir	dele	tentar	convencer	nosso	interlocutor	da	nossa	verdade,</p><p>verdade	criada	pelas	e	nas	nossas	interlocuções.	A	verdade	deixa,	pois,	de	ser	um</p><p>atributo	do	mundo	e	passa	a	ser	relativa	à	comunidade	que	se	forma	na</p><p>argumentação.	Assim,	a	linguagem	é	uma	dialogia,	ou	melhor,	uma</p><p>“argumentalogia”;	não	falamos	para	trocar	informações	sobre	o	mundo,	mas	para</p><p>convencer	o	outro	a	entrar	no	nosso	jogo	discursivo,	para	convencê-lo	de	nossa</p><p>verdade.¹³</p><p>Essa	diferença	de	concepção	da	linguagem	surte	efeitos	na	forma	como	os</p><p>fenômenos	semânticos	são	descritos.	Tomemos	a	questão	da	pressuposição.	Se	a</p><p>linguagem	não	se	refere,	se	a	referência	é	interna	ao	próprio	jogo	discursivo,</p><p>então	também	a	pressuposição,	seja	ela	existencial	ou	de	qualquer	outro	tipo,	é</p><p>criada	pelo	e	no	próprio	jogo	de	encenação	que	a	linguagem	constrói.	A</p><p>pressuposição	não	pode	ser	uma	crença	em	algo	externo	à	linguagem.	É	porque</p><p>falamos	de	algo	que	esse	algo	passa	a	ter	sua	existência	no	quadro	criado	pelo</p><p>próprio	discurso.	Nas	versões	mais	atuais	da	Semântica	da	Enunciação,	o</p><p>conceito	de	pressuposição	é	substituído	pelo	de	enunciador.	Um	enunciado	se</p><p>constitui	de	vários	enunciadores	que,	por	sua	vez,	formam	o	quadro	institucional</p><p>que	referenda	o	espaço	discursivo	em	que	o	diálogo	vai	se	desenvolver.	A</p><p>pressuposição,	um	enunciador	presente	no	enunciado,	situa	o	diálogo	no</p><p>comprometimento	de	que	o	ouvinte	aceita	essa	voz	pressuposta.	De	tal	sorte	que</p><p>negá-la	é	romper	o	diálogo,	criando	um	discurso	polêmico.</p><p>Retornemos	ao	exemplo	do	rei	da	França	ser	careca.	Quando	enunciamos	(12),</p><p>comprometemos	nosso	ouvinte	com	o	fato	de	que	há	um	e	apenas	um	rei	da</p><p>França.	O	enunciado	é	polifônico	porque	encerra	várias	vozes.	Na	enunciação	de</p><p>(12),	o	locutor	põe	em	cena	um	diálogo	entre	enunciadores.	Vejamos:</p><p>(17)	O	rei	da	França	é	careca.</p><p>E1:	Há	um	e	apenas	uma	pessoa.</p><p>E2:	Essa	pessoa	é	rei	da	França.</p><p>E3:	Essa	pessoa	é	careca.</p><p>Essa	estrutura	polifônica	deixa	claro	que	há	dois	tipos	de	negação.</p><p>Diferentemente	do	que	ocorre	na	proposta	de	Russell,	a	sentença	em	(17)	não	é</p><p>ambígua.	O	que	ocorre	é	que	o	ouvinte	pode	realizar	diferentes	tipos	de	negação:</p><p>ele	pode	negar	o	enunciador	E1,	nesse	caso	estamos	diante	de	uma	negação</p><p>polêmica;	mas	ele	pode	negar	o	posto,	o	enunciador	E3,	nesse,	caso	temos	uma</p><p>negação	metalinguística.	Vejamos	a	análise	do	exemplo	(16),	retomado	aqui	em</p><p>(18):</p><p>(18)	Maria	parou	de	fumar.</p><p>E1:	Maria	fumava.</p><p>E2:	Maria	não	fuma	mais.</p><p>A	enunciação	de	(18)	põe	em	jogo	um	enunciador	que	afirma	que	Maria	fumava</p><p>antes,	trata-se	do	pressuposto,	e	outro	que	diz	que	ela	já	não	fuma	mais,	o	posto.</p><p>Se	negamos	a	fala	do	primeiro	enunciador,	realizamos	uma	negação	polêmica;	se</p><p>negamos	o	posto,	uma	negação	metalinguística.</p><p>Assim,	as	diferentes	leituras,	explicadas	como	ambiguidade	estrutural	pela</p><p>Semântica	Formal,	são,	para	a	Semântica	da	Enunciação,	explicadas	lançando</p><p>mão	do	conceito	de	polissemia;	em	outras	palavras,	um	mesmo	enunciado	se</p><p>abre	num	leque	de	significados	diferentes,	mas	relacionados.	A	Semântica</p><p>Formal	resolve	o	problema	da	ambiguidade	por	meio	do	conceito	de	escopo,</p><p>enquanto	na	Semântica	da	Enunciação	a	noção	de	escopo	não	tem	lugar	e	o</p><p>problema	se	resolve	via	a	hipótese	de	que	há	diferentes	tipos	de	negação.	O	que</p><p>explica	as	diferentes	leituras	da	sentença	(19)	é	a	presença	de	uma	série	de</p><p>enunciadores	e	diferentes	tipos	de	negação.</p><p>(19)	O	rei	da	França	não	é	careca.</p><p>(19’)	E1:	Há	apenas	um	rei	da	França.</p><p>E2:	Ele	é	careca.</p><p>E3:	E1	é	falsa.</p><p>(19”)	E1:	Há	apenas	um	rei	da	França.</p><p>E2:	Ele	é	careca.</p><p>E3:	E2	é	falsa.</p><p>Não	se	trata	de	uma	diferença	estrutural,	até	porque	nessa	abordagem	não	há</p><p>forma	lógica.	A	pressuposição,	na	Semântica	da	Enunciação,	se	resolve	pela</p><p>hipótese	da	polifonia	e,	portanto,	da	existência	de	diferentes	enunciadores,	e	a</p><p>ambiguidade	se	desfaz	pela	determinação	de	diferenças	de	uso	das	palavras:	o</p><p>não	polêmico	e	o	não	metalinguístico.</p><p>Eis	outro	exemplo.	Em	resposta	a	alguém	que	diz	que	meu	carro	está	mal</p><p>estacionado,	posso	retrucar:</p><p>(20)	Não,	meu	carro	não	está	mal	estacionado	(porque	eu	não	tenho	carro).</p><p>Nesse	caso,	estou	fazendo	uso	da	negação	polêmica,	afinal	estou	negando	o</p><p>quadro	criado	pela	fala	do	meu	interlocutor,	na	medida	em	que	nego	o</p><p>enunciador	que	afirma	a	existência	de	um	único	carro	que	seja	meu.	Imagine</p><p>agora	a	mesma	situação,	só	que	dessa	vez	o	locutor	tem	um	carro:</p><p>(21)	Não,	meu	carro	não	está	mal	estacionado	(porque	está	bem	estacionado).</p><p>Essa	é	a	negação	metalinguística:	o	locutor	retoma	a	fala	do	outro,	que	aparece</p><p>na	voz	de	um	enunciador	que	afirma	que	o	carro	está	mal	estacionado,	para</p><p>negá-la,	mas	aceita	o	enunciador	que	afirma	que	o	falante	tem	apenas	um	carro.</p><p>A	sentença	(21)	pode	ser	descrita	da	seguinte	forma:</p><p>(21’)	E1:	Você	tem	um	único	carro.</p><p>E2:	Esse	carro	está	mal	estacionado.</p><p>E3:	A	fala	de	E2	é	falsa.</p><p>Ducrot	distingue	ainda	um	terceiro	tipo	de	negação,	a	negação	descritiva.	Nela	o</p><p>locutor	descreve	um	estado	do	mundo	negativamente;	portanto,	na	sua</p><p>enunciação	não	há	um	enunciador	que	retoma	a	fala	de	outro	enunciador</p><p>negando-a.	Na	enunciação	de	(22),	o	locutor	está	descrevendo	um	estado	do</p><p>mundo	utilizando	a	negação:</p><p>(22)	Não	há	uma	nuvem	no	céu.</p><p>Nesse	caso,	não	há	a	retomada	da	fala	de	outro,	mas	a	apresentação	negativa	de</p><p>uma	descrição.	Evidentemente,	não	é	possível	definirmos	o	tipo	de	negação	sem</p><p>levarmos	em	consideração	os	encadeamentos	discursivos	em	que	a	enunciação</p><p>ocorre.	(22)	poderia	comportar	uma	negação	polêmica,	desde	que	ela	ocorresse</p><p>em	outro	contexto.	Vale	notar	que	para	a	Semântica	da	Enunciação	não	há</p><p>sentença,	entidade	cujo	sentido	não	depende	do	contexto	em	que	ela	é	dita,	mas</p><p>enunciações,	singularidades	enunciativas	que	formam	cadeias	discursivas.</p><p>Intervalo	IV</p><p>1.	Utilizando	o	arcabouço	teórico	da	Semântica	da	Enunciação,	descreva	as</p><p>leituras	possíveis	do	enunciado	“Meu	livro	não	foi	reeditado”.	A	seguir	descreva</p><p>a	ambiguidade	por	meio	da	noção	de	escopo	da	Semântica	Formal.</p><p>A	negação	é,	pois,	um	fenômeno	de	polissemia	que,	como	dissemos,	define-se</p><p>por	identificar	usos	distintos	que	são	relacionados.	Outro	exemplo	de	polissemia</p><p>é	televisão,	que	designa	tanto	o	aparelho	quanto	a	rede	de	transmissão.	A	mesma</p><p>estratégia	de	multiplicação	de	sentidos	aparece	na	descrição	que	a	Semântica	da</p><p>Enunciação	propõe	para	o	conectivo	mas.	Para	a	Semântica	Formal	não	há</p><p>diferença	semântica	entre	e	e	mas.	Na	forma	lógica,	ambos	fazem	o	mesmo:</p><p>garantem	que	a	sentença	complexa	é	verdadeira	se	e	somente	se	as	partes	que	a</p><p>compõem	também	forem	verdadeiras.	Assim	as	sentenças:</p><p>(23)	João	passou	no	concurso	e	não	foi	contratado.</p><p>(24)	João	passou	no	concurso	mas	não	foi	contratado.</p><p>exprimem	o	mesmo	conteúdo	semântico:	as	sentenças	João	passou	no	concurso	e</p><p>João	não	foi	contratado	são	verdadeiras.	A	diferença	de	significado	é	explicada</p><p>pela	Pragmática.	Como	dissemos,	a	Semântica	da	Enunciação	dispensa	a</p><p>hipótese	de	forma	lógica.	A	diferença	é	descrita	pela	postulação	de	que	e	e	mas</p><p>são	dois	itens	lexicais	distintos.	Ducrot	dá	um	passo	além	afirmando	que	há	dois</p><p>mas	que,	em	português,	são	homônimos,	porque	têm	a	mesma	representação</p><p>sonora	e	escrita.	O	espanhol	e	o	alemão	são,	no	entanto,	línguas	em	que	a	cada</p><p>mas	corresponde	uma	palavra	diferente:	em	espanhol,	pero	e	mas;	em	alemão,</p><p>sonder	e	aber.</p><p>Na	Semântica	da	Enunciação	distinguem-se,	pois,	dois	sentidos	de	mas:	o	masPA</p><p>e	o	masSN.	O	masPA	se	caracteriza	por	apresentar	um	raciocínio	inferencial	do</p><p>tipo:	a	primeira	sentença	nos	leva	a	supor	uma	certa	conclusão	e	essa	conclusão</p><p>é	negada	pela	segunda	sentença.	Retornemos	ao	exemplo	(24):	a	afirmação	de</p><p>que	João	passou	no	concurso	nos	leva	a	imaginar	que	ele	será	contratado.	A</p><p>conclusão,	suscitada	pela	primeira	sentença,	é	negada	pela	segunda	em	que	se</p><p>afirma	que	ele	não	vai	ser	contratado.</p><p>O	masSN	estabelece	outra	relação	semântica.	Nele,	a	primeira	sentença	nega</p><p>fortemente	uma	fala	que	supostamente	a	antecede,	e	repara,	na	segunda	sentença,</p><p>o	que	foi	dito	na	primeira.	Tomemos	a	sentença	(25):</p><p>(25)	Pedro	não	está	triste,	mas	ensimesmado.</p><p>Essa	sentença	se	decompõe	numa	série	de	enunciadores.	Um	enunciador	afirma</p><p>que	Pedro	está	triste	(E1:	Pedro	está	triste).	Essa	fala	é	negada	pelo	segundo</p><p>enunciador	(E2:	E1	é	falsa).	E	um	terceiro	enunciador	descreve	o	estado	de</p><p>Pedro	(E3:	Pedro	está	ensimesmado).</p><p>Intervalo	V</p><p>Diga	se	o	mas	presente	nas	sentenças	abaixo	é	PA	ou	SN.	Justifique	a	sua</p><p>resposta:</p><p>(1)	João	não	está	cansado,	mas	deprimido.</p><p>(2)	João	foi	ao	cabeleireiro,	mas	não	cortou	o	cabelo.</p><p>Construa	cadeias	discursivas	em	que	a	negação	nos	seguintes	exemplos	receba</p><p>diferentes	interpretações:</p><p>(1)	O	João	não	saiu.</p><p>(2)	O	céu	não	está	azul.</p><p>A	Semântica	da	Enunciação	também	se	consagrou	por	ter	iniciado	a	descrição	de</p><p>fenômenos	que	até	pouco	tempo	resistiam	a	um	tratamento	formal:	as	gradações</p><p>—	presentes	em	O	café	não	está	frio,	está	morno	—,	e	as	escalas	argumentativas.</p><p>Vejamos	um	caso.</p><p>Considere	o	par	de	sentenças	a	seguir:</p><p>(26)	João	comeu	pouco.</p><p>(27)	João	comeu	um	pouco.</p><p>Segundo	a	Semântica	da	Enunciação,	não	seria	possível	analisar	formalmente</p><p>essas	sentenças	porque	em	termos	informativos	elas	veiculam	o	mesmo</p><p>conteúdo;	suas	condições	de	verdade	são	exatamente	as	mesmas:	elas	são</p><p>verdadeiras	se	João	não	comeu	muito.	No	entanto,	sabemos	intuitivamente	que</p><p>elas	não	são	equivalentes,	porque	não	podemos	substituir	uma	pela	outra.	Ao</p><p>contrário,	há	contextos	específicos	para	o	uso	de	cada	uma	dessas	formas,	o	que</p><p>significa	dizer	que	seus	encadeamentos	discursivos	são	distintos.</p><p>Imaginemos	a	situação	de	um	moleque	que	está	ameaçado	pelo	pai:	se	não</p><p>comer,	não	brinca.	O	pai	pergunta	para	a	mãe:	“E	o	Joãozinho,	comeu?”.</p><p>Supondo	que	a	mãe	saiba	da	ameaça,	se	ela	responde	com	(26),	sua	fala	vai	na</p><p>direção	de	que	ele	não	comeu:	se	ele	comeu	pouco,	então	ele	está	mais	próximo</p><p>de	não	comeu.	E	o	coitado	do	Joãozinho	fica	sem	brincar.	Se	a	mãe	responde</p><p>com	(27),	sua	fala	vai	na	direção	de	comer:	se	ele	comeu	um	pouco	(um	tanto	de</p><p>comida),	então	ele	caminha	na	direção	de	comeu.	E,	portanto,	ele	pode	brincar.	A</p><p>hipótese	é	de	que	os	operadores	pouco	e	um	pouco	direcionam	diferentemente</p><p>uma	mesma	escala	de	comer,	que	vai	de	comer	muito	a	não	comer:	um	pouco</p><p>direciona	a	escala	no	sentido	de	comer	e	pouco	no	de	não	comer.</p><p>Se	a	semântica	da	enunciação	analisa	sempre	em	termos	de	argumentação,	então</p><p>a	fala	da	mãe	com	um	pouco	vai	na	direção	de	comer	e,	portanto,	é	um</p><p>argumento	a	favor	do	menino	sair	para	brincar,	ao	passo	que	com	pouco	a</p><p>estrutura	argumentativa	é	inversa	e	ele	não	brinca.</p><p>Intervalo	VI</p><p>Em	termos	de	valor	de	verdade,	as	sentenças	a	seguir	são	idênticas.	No	entanto,</p><p>do	ponto	de	vista	argumentativo,	elas	se	comportam	de	forma	bem	diferente.</p><p>Procure	descrever	a	contribuição	de	sentido	proporcionada	pelo	até	nas</p><p>sentenças:</p><p>(1)	O	presidente	do	Brasil	esteve	na	festa.</p><p>(2)	Até	o	presidente	do	Brasil	esteve	na	festa.¹⁴</p><p>A	partir	da	análise	de	“pouco”	e	“um	pouco”	reflita	sobre	o	par:</p><p>(1)	João	dormiu	um	pouco.</p><p>(2)	João	dormiu	pouco.</p><p>4.	A	SEMÂNTICA	COGNITIVA</p><p>A	Semântica	Cognitiva	tem	como	marco	inaugural	a	publicação,	em	1980,	de</p><p>Metaphors	We	Live	By,	de	George	Lakoff	e	Mark	Johnson.¹⁵	Embora	bastante</p><p>recente,	esse	modelo	semântico	conta	hoje	com	a	participação	de	diversos</p><p>pesquisadores,	trabalhando	nos	diferentes	níveis	de	análise	da	linguagem,	da</p><p>Fonologia	à	Pragmática.	Parte-se,	nesse	modelo,	da	hipótese	de	que	o	significado</p><p>é	central	na	investigação	sobre	a	linguagem,	chocando-se,	portanto,	com	a</p><p>abordagem	gerativista,	que	defende	a	centralidade	da	sintaxe.¹ 	A	forma	deriva</p><p>da	significação	corpórea,	da	interação	do	corpo	com	o	ambiente,	inclusive	o</p><p>social.	O	corpo	está	na	mente;	ele	a	estrutura.	Daí	a	Semântica	Cognitiva	se</p><p>inscrever	no	quadro	do	funcionalismo.</p><p>Ela	se	opõe	explicitamente	ao	que	Lakoff	denomina	Semântica	Objetivista,</p><p>aquela	que,	segundo	o	autor,	prega	que	o	significado	se	baseia	na	referência	e	na</p><p>verdade,	que	entende	verdade	como	correspondência	com	o	mundo	e	que</p><p>acredita	na	existência	de	apenas	uma	maneira	objetivamente	correta	de	associar</p><p>símbolos	e	mundo.	É	inadequado	associar	essa	visão	à	Semântica	Formal,</p><p>embora	seja	esse	o	alvo	das	críticas	de	Lakoff,	um	dissidente	do	gerativismo.	A</p><p>Semântica	Cognitiva	quer	combater	a	ideia,	de	fato	presente	em	algumas</p><p>abordagens	formais,	de	que	a	linguagem	está	numa	relação	de	correspondência</p><p>direta	com	o	mundo.	O	significado,	afirma	a	Semântica	Cognitiva,	nada	tem	a</p><p>ver	com	pareamento	entre	linguagem	e	mundo.	Antes,	ele	emerge	de	dentro	para</p><p>fora,	do	corpo	para	o	mundo,	e	por	isto	ele	é	motivado.	A	significação	linguística</p><p>emerge	de	nossas	significações	corpóreas,	dos	movimentos	de	nossos	corpos	em</p><p>interação	com	o	meio	que	nos	circunda.</p><p>Estaria,	então,	a	Semântica	Cognitiva	mais	próxima	dos	postulados	da	Semântica</p><p>da	Enunciação,	que	insiste	que	o	significado	é	o	resultado	dos	jogos</p><p>argumentativos	na	linguagem?	Sim,	se	levarmos	em	consideração	o	fato	de	que</p><p>ambas	negam	a	hipótese	da	referência.	No	entanto,	diferentemente	da	Semântica</p><p>da	Enunciação,	a	Semântica	Cognitiva	não	se	baseia	na	crença	de	que	não	há</p><p>mundo,	não	há	exterioridade,	a	não	ser	aquela	constituída	pela	própria</p><p>linguagem,	nem	na	crença	de	que	a	linguagem	é	um	jogo	de	argumentação.	Ela	é</p><p>uma	abordagem	realista;	um	realismo	experiencialista,	diz	Lakoff,	que	se	afasta</p><p>do	relativismo.	A	hipótese	central	de	que	o	significado	é	natural	e	experiencial	se</p><p>sustenta	na	constatação	de	que	ele	se	constrói	a	partir	de	nossas	interações</p><p>físicas,	corpóreas,	com	o	meio	ambiente	em	que	vivemos.	O	significado,</p><p>enquanto	corpóreo,	não	é	nem	exclusiva,	nem	prioritariamente	linguístico.</p><p>A	criança,	na	história	da	aquisição	contada	pela	Semântica	Cognitiva,</p><p>inicialmente	aprende	esquemas	de	movimento	e	categorias	de	nível	básico.	Por</p><p>exemplo,	a	criança	se	move	várias	vezes	em	direção	a	certos	alvos.	Desses</p><p>movimentos,	emerge	um	esquema	imagético	cinestésico	(uma	memória	de</p><p>movimento)	em	que	há	um	ponto	de	partida	do	movimento,	um	percurso	e	um</p><p>ponto	de	chegada.	Esse	esquema,	que	surge	diretamente	de	nossa	experiência</p><p>corpórea	com	o	mundo,	ancora	o	significado	de	nossas	expressões	linguísticas</p><p>sobre	o	espaço.	Nessa	perspectiva,	o	significado	linguístico	não	é	arbitrário,</p><p>porque	deriva	de	esquemas	sensório-motores.	São,	portanto,	as	nossas	ações	no</p><p>mundo	que	nos	permitem	apreender	diretamente	esquemas	imagéticos	espaciais</p><p>e	são	esses	esquemas	que	dão	significado	às	nossas	expressões	linguísticas.</p><p>Esquemas	mais	básicos	são	obviamente	independentes	da	linguagem.</p><p>Nossos	deslocamentos	de	um	lugar	para	outro,	que	ocorrem	quando	ainda	não</p><p>falamos,	estruturam	um	esquema	imagético,	e,	portanto,	não	proposicional.</p><p>O</p><p>esquema	de	deslocamento	Lakoff	denomina	CAMINHO¹⁷	e	pode	ser</p><p>esquematizado	como	a	seguir:</p><p>A	(fonte	do	movimento) B	(alvo	do	movimento)</p><p>Muitos	outros	esquemas	derivam	diretamente	de	nossas	experiências	corpóreas</p><p>no	mundo.	Por	exemplo,	o	esquema	de	estar	dentro	e	fora	de	algum	lugar,</p><p>chamado	RECIPIENTE;	o	esquema	de	balanço,	BALANÇO,	aprendido	em</p><p>nossos	ensaios	para	ficar	em	pé.	São	esses	esquemas	que	dão	sentido	às	nossas</p><p>interações	linguísticas.	A	linguagem	é	uma	manifestação	desses	esquemas,	como</p><p>atestam	as	sentenças	a	seguir:</p><p>(28)	Fui	do	quarto	para	a	sala.</p><p>(29)	Vim	de	São	Paulo.</p><p>(30)	Estou	em	Florianópolis.</p><p>(31)	Nasceu	no	Brasil.</p><p>O	que	dá	sentido	às	sentenças	(28)	a	(31)	não	é	uma	relação	de	correspondência</p><p>com	o	mundo,	nem	uma	relação	de	dialogia	com	um	outro	construindo</p><p>encadeamentos	discursivos,	mas	o	fato	de	que	em	(28)	e	(29)	está	presente	o</p><p>esquema	imagético	CAMINHO,	e	em	(30)	e	(31),	o	esquema	RECIPIENTE.</p><p>Esses	esquemas,	organizações	cinestésicas	diretamente	apreendidas,	carregam</p><p>uma	memória	de	movimentação	ou	de	experiência.	É	essa	memória	que	ampara</p><p>nosso	falar	e	pensar.	Por	isso,	o	significado	é	uma	questão	da	cognição	em	geral,</p><p>e	não	um	fenômeno	pura	ou	prioritariamente	linguístico.	A	linguagem	articulada</p><p>não	é	mais	que	uma	das	manifestações	superficiais	da	nossa	estruturação</p><p>cognitiva,	que	lhe	antecede	e	dá	consistência.</p><p>Mas	nem	todos	os	nossos	conceitos	resultam	diretamente	de	esquemas</p><p>imagético-cinestésicos.	Basta	lembrarmos	o	conceito	de	argumentação	para</p><p>notarmos	que	não	há	um	esquema	sensório-motor	que	o	ancore	diretamente.	Há,</p><p>pois,	domínios	da	experiência	cuja	conceitualização	depende	de	mecanismos	de</p><p>abstração.	A	Semântica	Cognitiva	privilegia	dois	mecanismos:	a	metáfora	e	a</p><p>metonímia.	A	metáfora	define-se	por	ser	o	mapa	(um	conjunto	de</p><p>correspondências	matemáticas)	entre	um	domínio	da	experiência	e	outro</p><p>domínio.	Vamos	examinar	algumas	sentenças	sobre	o	tempo:</p><p>(32)	De	ontem	para	hoje,	o	José	ficou	doente.</p><p>(33)	A	conferência	foi	de	segunda	a	sábado.</p><p>Se	observarmos	essas	e	outras	sentenças,	notaremos	que	nosso	conceito	de</p><p>tempo	se	estrutura	via	o	esquema	espacial	do	CAMINHO:	nos	deslocamos	no</p><p>tempo	ou	com	o	tempo	em	direção	ao	futuro.	Nesse	sentido,	as	sentenças	(32)	e</p><p>(33)	são	metafóricas,	porque	nelas	o	tempo	é	conceituado	a	partir	de</p><p>correspondências	com	o	esquema	espacial.	Falamos,	pensamos	e	agimos	sobre	o</p><p>tempo	como	se	ele	fosse	uma	linearidade,	como	uma	reta	direcionada	para	o</p><p>futuro.	De	tal	sorte	que	há	o	ponto	de	partida	do	movimento	temporal,	ontem	em</p><p>(32),	segunda	em	(33);	um	percurso,	o	tempo	decorrido	entre	os	dois	pontos;	e</p><p>um	ponto	de	chegada,	hoje	em	(32),	sábado	em	(33).</p><p>Nas	sentenças	(32)	e	(33),	o	esquema	CAMINHO	foi	mapeado	para	o	domínio</p><p>do	tempo.	Ele	pode,	no	entanto,	ser	mapeado	para	outros	domínios.	É	esse</p><p>esquema	que	utilizamos	para	expressar	passagens	de	um	estado	emocional	a</p><p>outro,	como	na	sentença	(34)	a	seguir.	Ele	também	está	presente	na	estruturação</p><p>de	nosso	conceito	de	transferência	de	posse,	como	em	(35):</p><p>(34)	João	foi	de	mal	a	pior.</p><p>(35)	João	deu	este	presente	para	a	Maria.</p><p>Já	deve	estar	claro	que	não	apenas	o	termo	“metáfora”	tem	um	sentido	especial</p><p>na	Semântica	Cognitiva,	mas	principalmente	que	nesse	modelo	nosso	falar	e</p><p>pensar	cotidianos	são,	na	sua	maior	parte,	metafóricos.	Metáfora	não	são	aquelas</p><p>sentenças	que,	na	escola,	aprendemos	a	classificar	como	metáfora.	A	sentença</p><p>Maria	é	uma	flor	é	uma	metáfora	linguística	para	a	Semântica	Cognitiva,	porque</p><p>expressa	uma	maneira	fantasiosa	de	falar,	não	uma	metáfora	conceitual.	A</p><p>metáfora,	para	a	Semântica	Cognitiva,	é	um	processo	cognitivo	que	permite</p><p>mapearmos	esquemas,	aprendidos	diretamente	pelo	nosso	corpo,	em	domínios</p><p>mais	abstratos,	cuja	experimentação	é	indireta.	É	por	isso	que	as	sentenças	de</p><p>(32)	a	(35)	são	metafóricas.	Nelas	há	o	mapeamento	de	um	domínio	mais</p><p>concreto	da	experiência,	o	domínio	organizado	pelo	esquema	imagético</p><p>CAMINHO,	na	conceituação	de	domínios	da	experiência	que	são	mais	abstratos,</p><p>o	tempo,	o	estado	de	saúde,	a	posse.	Nesses	exemplos,	percebemos	a	ubiquidade</p><p>da	metáfora.</p><p>A	propriedade	fundamental	da	metáfora	é	preservar	as	inferências	do	domínio</p><p>fonte	no	domínio	alvo,	desde	que	não	haja	violação	da	estrutura	inerente	ao</p><p>domínio	alvo.	Se	mapeamos	o	esquema	CAMINHO	no	tempo,	então	podemos</p><p>esperar	que	nesse	domínio	se	estabelece	uma	organização	espacial	em	que	as</p><p>inferências	do	espaço	se	mantêm.	Trata-se	da	Hipótese	da	Invariância.	Por</p><p>exemplo:	se	eu	vou	daqui	para	ali,	e	esse	esquema	é	mapeado	no	tempo,	então	eu</p><p>também	devo	poder	me	mover	no	tempo	de	um	ponto	de	partida	A	em	direção	a</p><p>um	ponto	B.	Se	entre	os	pontos	espaciais	A	e	B	há	posições	intermediárias,	então</p><p>também	entre	o	ponto	A	e	B	na	linha	do	tempo	há	pontos	intermediários.	Além</p><p>de	explicar	as	inferências,	essa	hipótese	procura	justificar	o	fato	de	que	há</p><p>aspectos	que	não	são	mapeados.	Podemos	mapear	o	espaço	no	tempo,	mas	certas</p><p>relações	espaciais	serão	bloqueadas	por	causa	da	própria	estrutura	do	tempo.	Eis</p><p>o	realismo!	Assim,	não	podemos	dizer	Chegou	atrás	da	hora.</p><p>Como,	então,	se	explica	a	estrutura	de	inferência	apresentada	no	primeiro</p><p>exemplo	deste	texto,	reproduzido	a	seguir?</p><p>(36)	Todo	homem	é	mortal.</p><p>João	é	homem.</p><p>Logo,	João	é	mortal.</p><p>Essas	sentenças	refletem	a	presença	do	esquema	imagético	RECIPIENTE,	em</p><p>que	há	recipientes	nos	quais	podemos	entrar	e	sair	ou	colocar	e	tirar	coisas.	A</p><p>base	corpórea	que	a	sustenta	é	estarmos	sempre	em	algum	lugar	e	nosso	próprio</p><p>corpo	ser	um	recipiente.	Assim,	entendemos	a	primeira	premissa	como	“o</p><p>recipiente	que	contém	homens	está	dentro	do	recipiente	dos	mortais”;	“João	está</p><p>dentro	do	recipiente	dos	homens”.	Enfatizando,	é	o	nosso	corpo	que	dá	sentido</p><p>para	as	relações	lógicas.</p><p>A	título	de	exemplo	da	metodologia	de	análise	na	Semântica	Cognitiva,</p><p>apresentamos	uma	possibilidade	de	descrição	do	conectivo	mas.	Sua	descrição</p><p>inicia	com	um	levantamento	de	suas	várias	possibilidades	de	uso.	Uma	pesquisa</p><p>etimológica,	resgatando	a	história	desse	conectivo,	seria	também	interessante.</p><p>Considere	como	dado	a	sentença	(25),	Pedro	não	está	triste,	mas	ensimesmado.</p><p>Etimologicamente,	segundo	Vogt	(1977),	mas	deriva	da	expressão	latina	magis</p><p>quam,	que	estabelece	a	comparação	de	superioridade:	isso	é	mais	do	que	aquilo.</p><p>Se	adotamos	a	hipótese	de	que	os	usos	mais	antigos	são	aqueles	mais	próximos</p><p>do	físico,	então	é	o	esquema	corporal	do	BALANÇO	que	dá	sustentação	ao	mas:</p><p>pesamos	duas	coisas	e	a	balança	pende	para	uma	delas.	No	caso	do	exemplo</p><p>(25),	a	balança	pende	para	o	lado	do	ensimesmado:	se	pesamos	os	dois,	Pedro	é</p><p>mais	ensimesmado	do	que	triste.	Uma	vez	estabelecida	que	essa	é	a	base	física,</p><p>resta-nos	dar	conta	de	suas	extensões	metafóricas.¹⁸</p><p>Intervalo	VII</p><p>Considere	as	sentenças	a	seguir:</p><p>(1)	Gastei	cinco	horas	para	chegar	aqui.</p><p>(2)	Economizei	duas	horas	por	este	caminho.</p><p>Descreva	essas	sentenças	a	partir	do	arcabouço	teórico	proporcionado	pela</p><p>Semântica	Cognitiva.</p><p>Ache	exemplos	que	confirmem	a	existência	da	metáfora	conceitual</p><p>ARGUMENTAÇÃO	É	UMA	GUERRA.</p><p>Dissemos	que	há	dois	primitivos	na	teoria	da	Semântica	Cognitiva:	os	esquemas</p><p>imagéticos	e	as	categorias	de	nível	básico.	Sobre	os	primeiros	já	falamos	e</p><p>mostramos	que	eles	se	estendem	via	metáfora.	Resta-nos	agora	tratar	das</p><p>categorias	de	nível	básico.	Sua	discussão	é	importante	porque	ela	toca	numa</p><p>questão	cara	à	Semântica	Cognitiva:	a	categorização.</p><p>Mas	qual	é	o	problema	da	categorização?	É	explicar	que	critérios	necessários	e</p><p>suficientes	permitem	que	um	dado	exemplar	faça	parte	de	uma	certa	categoria</p><p>(ou	conceito).	Ilustremos	esse	problema:	como	é	que	determinamos	que	um</p><p>indivíduo	particular	pertence	à	classe	dos	homens?	Como	é	que	sabemos	que</p><p>João	é	humano?	Na	visão	tradicional,	aquela	que	se	encontra	na	Semântica</p><p>Formal	clássica,	um	termo	genérico	como	homem	não	se	refere	a	um	indivíduo</p><p>em	particular,	mas	a	todos	os	indivíduos	que	possam	ser	alcançados	por	meio	de</p><p>certas	propriedades,	necessárias	e	suficientes,	instanciadas	por	homem.	Sabemos</p><p>que	João	pertence	à	classe	dos	humanos</p>

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