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<p>SÍNTESE: A BOA-FÉ COMO FUNDAMENTO E O SEU PAPEL NO CARÁTER DINAMICO DA RELAÇÃO OBRIGACIONAL</p><p>É possível trabalhar com ordenamentos jurídicos baseados em sistemas fechados ou abertos. O sistema fechado, típico do positivismo jurídico, limita o direito àquilo que é codificado pela autoridade legislativa, sem interferências externas de valores filosóficos, sociológicos ou econômicos. Já o sistema aberto, sustentado pela jurisprudência, reconhece a incompletude e a capacidade evolutiva do direito, permitindo maior flexibilidade e adaptação às mudanças sociais. Conceitos como a boa-fé objetiva exemplificam essa abordagem, permitindo que magistrados ajustem a aplicação do direito com base em valores sociais dinâmicos.</p><p>Judith Martins-Costa, renomada professora, destacou a importância das cláusulas gerais no direito brasileiro, caracterizando-as como disposições normativas com linguagem propositalmente aberta e vaga. Ela ressaltou a capacidade dessas cláusulas de permitir que juízes desenvolvam normas jurídicas ao utilizar elementos externos ao sistema para fundamentar suas decisões. Esses elementos, ao serem usados repetidamente, podem ser reintegrados ao ordenamento jurídico, garantindo o controle racional das sentenças e a ressistematização das normas.</p><p>Alguns temem que a adoção de cláusulas gerais em um sistema jurídico aberto possa levar a uma discricionariedade excessiva, criando um "direito dos juízes", um receio enraizado na tradição exegética francesa. No entanto, o julgamento do magistrado é fundamentado em fatos objetivos e alinhado aos princípios jurídicos e constitucionais, evitando decisões arbitrárias. As cláusulas gerais exigem que o juiz analise o caso em duas etapas: primeiro, estabelecendo a norma de dever conforme os fatos e princípios aplicáveis, e depois comparando a conduta real com a recomendada pelas circunstâncias. Embora essas cláusulas sejam uma concessão do positivismo à autonomia judicial, Franz Wieacker adverte que o problema reside na sua má utilização pelo legislador, especialmente em contextos de injustiça, onde podem ser manipuladas por pressões políticas e ideológicas.</p><p>6.3.2 Acepções da boa-fé objetiva</p><p>Existem duas acepções de boa-fé: objetiva e subjetiva. A boa-fé objetiva, aplicada no direito das obrigações, é um padrão ético de conduta que exige honestidade e correção nas relações jurídicas, garantindo a confiança legítima entre as partes. Ela pressupõe uma relação jurídica, padrões comportamentais adequados, e condições que geram confiança no negócio. Já a boa-fé subjetiva é um estado psicológico em que a pessoa acredita possuir um direito, mesmo que isso seja apenas aparente, devido à ignorância sobre os fatos. Essa forma de boa-fé é relevante no Código Civil, especialmente no Livro do Direito das Coisas em questões relacionadas à posse (Art.1.242), usucapião (Art. 1.242) e como elemento de apreciação de acessões e benfeitorias (Arts. 1.219 e 1.255).</p><p>A boa-fé objetiva é avaliada externamente, focando na correção da conduta de um indivíduo de acordo com padrões sociais, independentemente de sua convicção pessoal. O importante não é se a pessoa acreditava agir de boa-fé, mas se seu comportamento esteve em conformidade com a boa-fé. Esse princípio, fundamentado no interesse coletivo pela cooperação e lealdade, é uma fonte de obrigações que impõe aos contratantes a necessidade de agir de maneira ética, conforme as expectativas do homem comum. Em resumo, a boa-fé objetiva exige que as partes de uma relação obrigacional colaborem ativamente para garantir que os direitos e objetivos acordados sejam alcançados.</p><p>6. 3. 3 A boa-fé e o princípio da dignidade da pessoa humana</p><p>Um elemento crucial na consolidação de qualquer Estado Democrático de Direito, que assume a função de cláusula geral, capaz de influenciar e moldar todo o conjunto normativo.</p><p>As relações jurídicas podem ser divididas em dois níveis: afetivas e negociais. Nas relações afetivas, a dignidade da pessoa humana é garantida pela cláusula de comunhão plena de vida. Nas relações negociais, o princípio da boa-fé objetiva concretiza essa dignidade no direito civil, especialmente nas obrigações contratuais, respeitando os interesses legítimos das partes. As cláusulas gerais servem como uma "porta de entrada" para o princípio do respeito à pessoa no direito privado, sendo a boa-fé essencial para a confiança e convivência em sociedade.</p>