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<p>Capítulo 14 Econômico-Financeiro da Relação Contratual Renan Fontana Ferraz Advogado. Pós-graduando em Direito Processual Civil pelo CESUSC. Graduado em Direito pela UFSC. Graduado em Administração Empresarial pela UDESC. 14.1. Alteração contratual para o restabelecimento do equilíbrio econômico-fi- nanceiro inicial do contrato A Lei n. 14.133/2021, da mesma forma como ocorria na Lei n. elenca hipóteses em que se admite a alteração dos contratos administrativos. O inciso I do artigo 123 da Lei n. 14.133/2021 lista aquelas alterações que podem ser promovidas unilateralmente pela Administração e inciso do mesmo dispositi- VO retrata as que podem ser promovidas por acordo entre as partes. Dentre estas figura aquela que visa a restabelecer equilíbrio inicial do contrato abalado em função da ocorrência de casos de força maior, fortuito ou do ou em decorrência de fatos imprevisíveis ou previsíveis de cias incalculáveis, que inviabilizem a execução do contrato tal como pactuado. De forma objetiva, equilíbrio econômico-financeiro do contrato adminis- trativo corresponde à relação entre os ônus e os bônus assumidos pelo contra- tado em face da Administração ao assinar determinado instrumento. Em outras palavras, corresponde à interdependência entre os encargos e custos decorrentes do contrato e a remuneração ao final auferida pelo particular para fornecimento de determinado produto ou serviço a um ente Público. Sempre que essa relação for abalada e descompassada pela ocorrên- cia daquelas hipóteses descritas na alínea d do inciso do artigo 123 da Lei n. 14.133/2021, as partes farão jus à alteração do contrato para restabelecimento do equilíbrio entre tais circunstâncias (ônus e bônus). 200</p><p>14.2. Momento em que a relação econômico-financeira inicial do contrato é es- tabelecida Ponto importante a ser observado é momento em que equilíbrio mico-financeiro da relação contratual é firmado e quais os parâmetros que devem ser observados para a apuração de eventual direito ao seu restabelecimento. Pois bem, os contratos administrativos são originados dos processos rios, lançados aos eventuais interessados em contratar com a Administração quan- do da publicação do instrumento convocatório. Embora particular e Administração passem a ser contraentes apenas com a assinatura do contrato administrativo, é ainda na licitação pública que equilíbrio econômico-financeiro da relação con- tratual é estabelecido. Isso porque instrumento convocatório é responsável por balizar tanto a elaboração do futuro instrumento contratual como também as propostas oferta- das pelos licitantes interessados em contratar com a Administração. É com base no instrumento convocatório que os licitantes podem analisar os custos e encar- gos da futura contratação e calcular os preços que serão necessários para que a remuneração lhe seja lucrativa. Portanto, embora a relação contratual seja selada pela assinatura do con- trato, é com o aceite da proposta elaborada com base no instrumento rio que o equilíbrio da relação é estabelecido. 14.3. Fundamentos para o direito ao reequilíbrio econômico-financeiro do contrato direito à manutenção do equilíbrio econômico-financeiro do contrato en- contra amparo constitucional no texto do inciso XXI do artigo 37 da Constituição Federal, que assegura a manutenção das condições efetivas de propostas ofere- cidas em licitações públicas: Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: [...] XXI ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, ser- viços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os con- correntes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica 201 indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.</p><p>Na Lei n. 14.133/2021, a possibilidade de alteração do contrato administra- tivo para restabelecimento do seu equilíbrio está prevista na alínea d do inciso do seu artigo 124, cujo teor é seguinte: Art. 124. Os contratos regidos por esta Lei poderão ser alterados, com as devidas justificativas, nos seguintes casos: [...] por acordo entre as partes: [...] d) para restabelecer equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato em caso de força maior, caso fortuito ou fato do ou em decor- rência de fatos imprevisíveis ou previsíveis de consequências incalculá- veis, que inviabilizem a execução do contrato tal como pactuado, res- peitada, em qualquer caso, a repartição objetiva de risco estabelecida no contrato. Para que contrato possa ser alterado em busca do reequilíbrio mico-financeiro da relação, faz-se necessária a ocorrência de fatos qualificados como de força maior, fortuito, do que nada mais é do que um ato lícito e extracontratual praticado pela Administração que onera demasiadamente a exe- cução do contrato, como aumento da carga tributária incidente na atividade ob- jeto da contratação, por exemplo - ou quaisquer outros fatos imprevisíveis ou pre- visíveis de consequências incalculáveis que inviabilizem a execução do contrato. Simplificando, para que os contratantes façam jus ao direito de restabelecer a equação é indispensável a ocorrência de um fato impre- visível ou previsível de consequências incalculáveis que onere demasiadamente uma das partes a ponto de inviabilizar a execução do contrato tal como firmado. 14.4. Inovações trazidas pela Lei n. 14.133/2021 em comparação à Lei n. 8.666/1993 Vale ressaltar que a alínea d do inciso do artigo 124 da Lei n. 14.133/2021 conta com nova redação se comparada à alínea d do inciso do artigo 65 da Lei n. 8.666/1993. Para melhor demonstrar a inovação trazida pela nova Lei, colhe-se dos referidos dispositivos, respectivamente: Art. 124 [...] - [...] d) para restabelecer equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato em caso de força maior, caso fortuito ou fato do prínci- pe ou em decorrência de fatos imprevisíveis ou previsíveis de consequ- ências incalculáveis, que inviabilizem a execução do contrato tal como pactuado, respeitada, em qualquer caso, a repartição objetiva de risco 202 estabelecida no contrato.</p><p>Art. 65 [...] [...] d) para restabelecer a relação que as partes pactuaram inicialmente entre os encargos do contratado e a retribuição da admi- nistração para a justa remuneração da obra, serviço ou fornecimento, objetivando a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato, na hipótese de sobrevirem fatos imprevisíveis, ou previsíveis porém de consequências incalculáveis, retardadores ou impeditivos da execução do ajustado, ou, ainda, em caso de força maior, caso fortui- to ou fato do configurando álea econômica extraordinária e extracontratual. Nota-se, na parte que importa para presente estudo, que a Lein. 14.133/2021 faz expressa ressalva à repartição objetiva de risco estabelecida no contrato, con- ceito não abordado pelo dispositivo constante da Lei n. 8.666/1993. Trata-se da matriz de riscos, cujo objetivo é alocar riscos e responsabilidades contratuais às partes, definindo desde já os ônus financeiros decorrentes de fatos supervenien- tes à formalização do instrumento. Afigura-se como mecanismo de suma impor- tância para estabelecimento do equilíbrio da contratação. A matriz de riscos, apesar de não prevista na Lei n. 8.666/1993, já vinha sendo aplicada no âmbito de diversas contratações públicas e encontra previsão expressa na Lei n. 13.303/2016, popularmente conhecida como Lei das Estatais. A Lei n. 14.133/2021, inclusive, repisa conceito de matriz de riscos já trazido no in- ciso X do artigo 42 da Lei n. 13.303/2016. É que disciplina inciso XXVII do artigo 6° da Lei n. Art. 6° Para os fins desta Lei, consideram-se: [...] XXVII matriz de riscos: cláusula contratual definidora de riscos e de responsabilidades entre as partes e caracterizadora do equilíbrio econô- mico-financeiro inicial do contrato, em termos de ônus financeiro decor- rente de eventos supervenientes à contratação, contendo, no mínimo, as seguintes informações: a) listagem de possíveis eventos supervenientes à assinatura do contra- to que possam causar impacto em seu equilíbrio econômico-financeiro e previsão de eventual necessidade de prolação de termo aditivo por ocasião de sua ocorrência; b) no caso de obrigações de resultado, estabelecimento das frações do objeto com relação às quais haverá liberdade para os contratados inovarem em soluções metodológicas ou tecnológicas, em termos de modificação das soluções previamente delineadas no anteprojeto ou no projeto básico; 203 c) no caso de obrigações de meio, estabelecimento preciso das frações</p><p>do objeto com relação às quais não haverá liberdade para os contra- tados inovarem em soluções metodológicas ou tecnológicas, devendo haver obrigação de aderência entre a execução e a solução predefinida no anteprojeto ou no projeto básico, consideradas as características do regime de execução no caso de obras e serviços de engenharia; A Lei n. 14.133/2021 conta com capítulo específico para tratar da matriz de riscos (Capítulo III), a qual merece atenção por parte dos estudiosos e daqueles que operam com licitações públicas e contratos administrativos. Para a presente análise, é importante ressaltar que, segundo artigo 22 da Lei n. 14.133/2021, a matriz de riscos poderá ser prevista no instrumento convoca- tório providência que pode ajudar em muito os licitantes na elaboração de suas propostas. Além disso, destaca-se que § 4° do artigo 103 da Lei n. 14.133/2021 prevê, com todas as letras, que a matriz de riscos é determinante para a defini- ção do equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato e, por fim, que § 5° do mesmo artigo 103 estabelece que, uma vez atendidas as condições previstas na matriz de riscos, será considerado mantido equilíbrio econômico-financeiro do contrato mesmo na ocorrência de circunstâncias imprevisíveis, ressalvadas as hipóteses de alteração unilateral determinada pela Administração e de au- mento ou redução de tributos diretamente pagos pelo contratante em decor- rência do contrato. Logo, a matriz de riscos é uma inovação trazida pela Lei n. 14.133/2021, que impacta diretamente nas questões relativas ao equilíbrio mico-financeiro inicial do contrato. Em razão disso, merece grande atenção. Mecanismos para a alteração dos preços estabelecidos no contrato admi- nistrativo Há três mecanismos disponíveis aos contratantes para a alteração dos pre- estabelecidos no contrato: revisão, reajuste e repactuação. Cada um deles detém suas particularidades, que serão mais bem especificadas a seguir. 14.5.1. Revisão de preços A revisão de preços do contrato é mecanismo mais usual para a manu- tenção do equilíbrio econômico-financeiro do contrato abalado em virtude das circunstâncias previstas na alínea d do inciso do artigo 124 da Lei n. 14.133/2021, ou seja, na ocorrência de casos fortuitos, de força maior ou do fatos im- previsíveis ou previsíveis de consequências incalculáveis que onerem excessiva- 204 mente uma das partes contratantes.</p><p>Nessas hipóteses, haverá a revisão dos preços estabelecidos no contrato para fazer frente ao incremento imprevisível de custos ou demais obrigações assu- midas pelo particular no fornecimento dos produtos ou serviços à Administração. Um exemplo seria aumento abrupto e anômalo dos preços de combustíveis em decorrência da escassez de petróleo no mercado mundial. 14.5.2. Reajuste de preços reajuste de preços, por sua vez, consiste na recomposição dos preços estabelecidos no contrato de acordo com a perda monetária inerente ao trans- curso de tempo. Ele decorre da variação natural de preços mercadológicos ou, em outras palavras, da inflação. Na Lei n. 14.133/2021, conceito está previsto no inciso LVIII do artigo 6° e consiste em uma "forma de manutenção do equilíbrio econômico-financeiro de contrato consistente na aplicação do índice de correção monetária previsto no contrato, que deve retratar a variação efetiva do custo de produção, admitida a adoção de índices específicos ou setoriais". O reajuste se dá pela aplicação de um indexador previamente estabele- cido no contrato e independe de avaliação específica acerca das alterações de preços nas atividades inerentes à execução do contrato. Seu objetivo nada mais é do que manter a remuneração do contrato conforme os índices previstos ini- cialmente, considerando a proposta oferecida no decorrer da licitação pública. Isso vale tanto para variações positivas como negativas, ou seja, tanto para a ocorrência de inflação ou deflação. A finalidade é, repita-se, manter a margem de lucro inicialmente pactuada. Vale ressaltar que § 7° do artigo 25 da Lei n. 14.133/2021 estabelece ser obrigatória a previsão de um índice de reajustamento de preço nos editais de lici- tações públicas, independentemente do prazo do contrato, que pode prevenir futuras discussões entre as partes contratantes, já que a prorrogação de prazos do contrato é bastante usual. reajuste de preços do contrato é periódico e não pode ser aplicado em prazo inferior a doze meses. Isso quer dizer que, para fazer jus ao reajuste, con- trato deve ter prazo igual ou superior a doze meses. Além disso, termo inicial para a contagem do interregno de doze meses para reajuste de preços deve ser a data em que as propostas foram elaboradas, mesmo que os contratos, por vezes, sejam firmados meses depois. Isso ocorre justamente porque a finalidade do rea- juste é manter os níveis de remuneração e de lucratividade previstos na contrata- ção, os quais são fixados quando da elaboração da proposta. Importante ressalvar que revisão e reajuste de preços são coisas diferentes. reajuste é automático, devido sempre que contrato completar doze meses, 205 e visa apenas à recomposição natural da perda monetária no passar do tempo.</p><p>Já a revisão visa ao reequilíbrio da relação econômico-financeira do contrato em decorrência de circunstâncias inesperadas. Para a revisão exige-se a comprova- ção de que fatos imprevisíveis influenciaram nos custos inerentes à execução do contrato, elevando-os, e que houve alteração objetiva e comprovada da relação econômico-financeira inicial do contrato. Para reajuste, 14.5.3. Repactuação de preços A repactuação de preços, por fim, tem como objetivo recompor equilíbrio econômico-financeiro do contrato em face das variações dos encargos trabalhis- tas incidentes na execução do contrato. Por isso, a repactuação de preços é apli- cável naqueles contratos que envolvem utilização intensa de mão de obra. Um exemplo seria contratos de prestação de serviço de limpeza. Da mesma forma como ocorre com reajuste, a repactuação de preços exige decurso de prazo de doze meses para se tornar aplicável, até porque os encargos trabalhistas também sofrem alterações anuais. Desse modo, a repactu- ação de preços também pressupõe que contrato tenha prazo igual ou superior a doze meses. O conceito foi trazido pelo legislador no inciso LIX do artigo 6° da Lei n. 14.133/2021, segundo qual a repactuação é a forma de manutenção do equilíbrio econômico-financeiro de contrato utilizada para serviços contínuos com regime de dedicação exclusiva de mão de obra ou predominância de mão de obra, por meio da análise da variação dos custos contratuais, devendo estar prevista no edital com data vinculada à apresentação das propostas, para os custos decorren- tes do mercado, e com data vinculada ao acordo, à convenção coletiva ou ao dissídio coletivo ao qual orçamento esteja vinculado, para os custos decorrentes da mão de obra. artigo 135 da Lei n. 14.133/2021 trata especificamente da repactuação de preços e elenca as exigências para a sua utilização na manutenção do equilíbrio dos contratos administrativos. dispositivo estabelece a vinculação da repactuação a duas datas, a depender do custo que será amor- tizado. Para os custos decorrentes do mercado, a data vinculada será a da apre- sentação da proposta. Para os custos de mão de obra, a data vinculada será a do acordo, convenção ou dissídio coletivo ao qual a proposta esteja vinculada. mesmo artigo 135 ainda estabelece que a repactuação poderá ser divi- dida em tantas parcelas quanto forem necessárias, que é importante se con- 206 siderado que um contrato pode abranger mais de uma categoria profissional e</p><p>também a alta probabilidade de as datas vinculadas serem diferentes. Em adição, dispositivo prevê que a repactuação deverá ser precedida de solicitação for- mal do contratado, a quem competirá apresentar documentação comprobatória e analítica da variação de custos. A repactuação e reajuste de preços divergem porque este visa à recom- posição do preço em razão da desvalorização da moeda e da variação geral de custos. A repactuação, por sua vez, faz frente ao incremento da remuneração de- vida a funcionários causado por dissídios ou convenções coletivas de trabalho. A repactuação de preços também se diferencia da revisão de preços. No entanto, ambas se assemelham de certo modo porque a repactuação também espelha um incremento objetivo e concreto nos custos inerentes à execução do contrato administrativo. 14.6. Formalização das alterações relativas aos preços do contrato Sempre que a Administração promover alterações unilaterais no contrato que aumentem ou diminuam os encargos do contratado, deverá igualmente res- tabelecer equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato, no mesmo termo aditivo que estabelecer tais alterações. É que estabelece artigo 130 da Lei n. 14.133/2021. Quando desequilíbrio na relação econômico-financeira for causado por outras circunstâncias, competirá ao contratado formular pedido para seu resta- belecimento, sempre durante a vigência do contrato e antes de eventual prorro- gação do seu prazo, conforme parágrafo único do artigo 131 da Lei n. 14.133/2021. A extinção do contrato, entretanto, não configura óbice para reconheci- mento do seu econômico-financeiro e nem impede que particular pleiteie perante a Administração. Nesses casos, contratado fará jus à indeniza- ção que deverá ser concedida por meio de termo indenizatório, considerando que não haverá possibilidade de aditamento contratual. Ainda vale ressaltar que, em que pese as alterações contratuais exigirem, em regra, a formalização de termo aditivo para que passem a surtir efeitos, artigo 132 da Lei n. 14.133/2021, em sua parte final, prevê a possibilidade de antecipação dos seus efeitos, em casos devidamente justificados, ocasião em que a alteração de deverá ser formalizada no prazo máximo de um mês. Tal previsão mostra-se bastante adequada e traz segurança principalmente aos particulares contratados, pois admite que alterações contratuais urgentes e verbais possam ser formalizadas em momento futuro, prática bastante usual no cotidiano das contratações públicas. Em situações assim, será assegurada a pos- terior formalização de termo aditivo e, consequentemente, de restabelecimento 207 do equilíbrio econômico-financeiro da relação.</p><p>Além disso, vale dizer que artigo 136 da Lei n. 14.133/2021 excepciona as meras alterações por reajuste de preço ou revisão de preço da regra de forma- lização de termos aditivos, já que elas não caracterizam alteração do contrato, podendo ser realizadas por simples apostila. de 208</p>