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<p>AULA 3 MOD 8 POSITIVISMO OU ESCOLA METÓDICA</p><p>Professor: DR. JOÃO MUNIZ JÚNIOR</p><p>SUMÁRIO</p><p>1. Os Metódicos e a História como Ciência</p><p>2. O que queriam os metódicos?</p><p>Os Metódicos e a História como Ciência</p><p>As Teorias da História são fruto do seu tempo e não é diferente quando nos debruçamos sobre A Escola Metódica, cujos pensadores serão chamados de “metódicos” ou, ainda, “positivistas”, uma alcunha que ao longo dos anos acabou recebendo certa carga de depreciação entre seus críticos, como veremos adiante. Todavia, aqui não nos valeremos das aspas, uma vez que utilizamos ambas as expressões como equivalentes, tanto o termo metódico quanto o positivista.</p><p>A Escola Metódica nasce no contexto de uma Europa fervilhante sob os efeitos das Revoluções Industriais e dos reflexos do Iluminismo. Em um primeiro momento, é no cenário alemão que os metódicos iniciam os seus postulados teóricos, alcançando, em seguida, a França, local em que finca raízes e se consolida. Alguns pensadores de ambos os países formam a base sob a qual se erguerá o edifício teórico do positivismo, nomes como Langlois, Seignobos, Ranke, Fustel de Coulanges, entre outros.</p><p>De uma maneira geral, para esses teóricos, a metodologia da pesquisa histórica seria o elemento fulcral da produção historiográfica, com o objetivo de atingir um grau de disciplina tal que fosse universal e científico. Para tanto, era necessário que se criasse uma metodologia capaz de dar conta de uma forma de conhecimento, o histórico, passível de ser considerado universal de maneira a priori.</p><p>Cabe ressaltar, desde já, que muitas das contribuições teórico-metodológicas do positivismo, apesar de mais tarde terem sido colocadas sob forte ataque crítico, foram de grande importância como fundamentos da história praticada na contemporaneidade. Todavia, com o advento da Escola dos Annales, em especial a crítica feroz de Lucien Febvre contra o chamado cientificismo dos metódicos, uma onda de antagonismo se formou contra o positivismo, que passa a ser visto de maneira caricata.</p><p>Como dito, anteriormente, o contexto em que surge a Escola Metódica é o do avanço da produção industrial, um cenário de debate filosófico intenso e de enorme valorização da Ciência. Nesse ínterim, fazia sentido pensar a História como uma Ciência. O ambiente na Alemanha, na França, era de fascínio com o que se poderia comprovar, empiricamente, com os números, com aquilo que pudesse ser considerado universal, um terreno fértil para que a História passasse a ser concebida a partir do ponto de vista da dialética e da teleologia.</p><p>A Escola Metódica expõe seu projeto em dois textos, considerados verdadeiros programas, o primeiro, um manifesto, assinado por Gabriel Monod, ao lançar a Revista Histórica em 1876; e o segundo, o manual de Langlois e Seignobos, de 1898. Esses dois textos podem ser considerados seminais para a fundação, desenvolvimento e propagação do plano de atuação dos metódicos.</p><p>O que queriam os metódicos?</p><p>A ideia central no projeto de História da Escola Metódica é a defesa de que toda produção historiográfica deveria ser pautada por uma investigação científica que se distanciasse de qualquer especulação filosófica ou metafísica. Por conseguinte, buscava-se ao máximo a objetividade inconteste no âmbito da história. No intento de alcançar tais ambições, os metódicos se dedicavam ao desenvolvimento de técnicas rigorosas no levantamento de fontes, na crítica interna e externa dos documentos, na organização das atribuições do profissional de história.</p><p>Nesse período, os historiadores positivistas são convidados a participar de reformas realizadas no ensino superior, passam a ocupar cadeiras em novas universidades, editam coleções, preparam programas e elaboram livros didáticos destinados aos alunos do ensino básico. No interior de um contexto de um espírito patriótico de formação de estados nacionais, a História passa ser vista como aliada na construção de um passado que fornecesse as bases para tais projetos nacionalistas.</p><p>Os historiadores metódicos da França, desse período, são devedores conceituais e teóricos das propostas de uma história como disciplina científica aos estudiosos alemães, sobretudo, a Leopold von Ranke, considerado por muitos o pai da história científica, cuja autenticidade como uma Ciência poderia ser atestada por elementos formais, tais como o uso de fontes confiáveis e citações e as ligações com a Academia, lugar social de produção de um conhecimento científico.</p><p>Para os positivistas, não haveria nenhuma relação de interdependência entre o profissional, historiador, no caso, e o objeto de análise, ou fato histórico. Ou seja, havia uma idealização do historiador como um indivíduo imune às condicionantes sociais, o que o tornaria imparcial na lida com os acontecimentos.</p><p>O trabalho do historiador, para os metódicos, passava por uma função mecanicista. O ponto central a ser observado seria que o historiador deveria registrar o fato histórico de maneira neutra, sem intervenções de ordem pessoal. Para tanto, o profissional deveria cotejar um número razoável de dados, coletados de documentos considerados fidedignos, tais como os oficiais, de Estado. Em seguida, a partir da coleta e relação, o relato histórico, como que com vida própria, passaria a fazer sentido interpretativo.</p><p>Não há espaço para reflexões de ordem teórica, pois isso abriria espaço para especulações, o que prejudicaria o trabalho realizado, uma vez que tais investidas de ordem mais filosófica introduziriam elementos alheios e até mesmo nocivos ao entendimento dos fatos.</p><p>A história, do ponto de vista dos metódicos, deveria ser capaz de atingir um nível de objetividade tal que pudesse conhecer a verdade da história. Ou seja, para os positivistas, não só era possível, mas necessário, que se chegasse à verdade dos fatos. Essa verdade estaria contida nos documentos, porta-vozes de um passado que se revelaria a um historiador comprometido com a verdade e munido de objetividade e imparcialidade.</p><p>A fim de alcançar essa verdade dos fatos contida nas fontes, os esforços eram direcionados aos documentos escritos, considerados fundamentais, uma vez que para a Escola Metódica, sem documentos não haveria história. O cerne de toda a metodologia de análise seria, portanto, o tratamento dado às fontes escritas. Vamos, a seguir, traçar algumas considerações sobre as etapas do método positivista de tratamento das fontes.</p><p>A primeira etapa é a “Heurística”, que consiste na prospecção e identificação das fontes; em seguida, deve-se reunir, fazer a triagem e a classificação dos documentos, por meio de listas, tabelas, inventários, índices remissivos. Sendo que as fontes manuscritas são as consideradas de enorme valor para a pesquisa.</p><p>Finalizada a etapa heurística, é chegada a hora da “Crítica externa e interna dos documentos”. A chamada “Crítica externa” acontece como passo inicial, pois é a partir dela que se determina a veracidade ou não do documento. Ou seja, se, virtualmente, nessa etapa já se conclui que a fonte é fraudulenta, não confiável ou passível de descarte, nem se avança para a crítica interna. Assim, a crítica externa é subdividida em três etapas:</p><p>1. erudição ou autenticidade, que seria o momento de avaliar se o documento é verdadeiro ou falso;</p><p>2. restituição ou veracidade, que nada mais seria do que o trabalho de restaurar a fonte ao seu estado original; e, por fim,</p><p>3. procedência ou localização, que tem como objetivo determinar a data, o local, a autoria e a origem do documento.</p><p>1erudição ou autenticidade, que seria o momento de avaliar se o documento é verdadeiro ou falso;</p><p>2restituição ou veracidade, que nada mais seria do que o trabalho de restaurar a fonte ao seu estado original; e, por fim,</p><p>3procedência ou localização, que tem como objetivo determinar a data, o local, a autoria e a origem do documento.</p><p>Após chegar à conclusão de atestação da veracidade do documento, passa-se à “Crítica interna” do mesmo. Nessa etapa, duas fases se seguem:</p><p>1. hermenêutica, que seria a interpretação, ou seja, a busca em apreender</p><p>a mensagem contida nas fontes, seu conteúdo e os seus propósitos, para tanto, seria de fundamental importância o domínio da língua original dos documentos, e um conhecimento profundo do período em que tal fonte fora produzida, bem como da cultura e sociedade nas quais se inseria;</p><p>2. crítica de sinceridade, essa fase final da crítica interna busca avaliar se o conteúdo da fonte sob análise pode ser considerado confiável, para tal, é exercida a crítica de exatidão, que faz um levantamento da capacidade do autor do documento de ter ou não acesso, no momento em que produzia o documento, aos fatos constantes de sua narrativa, para chegar a essa conclusão, o historiador metódico deveria comparar o documento em foco com outros que teriam sido aprovados em todas as etapas de análise crítica e, assim, concluir sobre a efetividade ou não da sinceridade da fonte.</p><p>Hermenêutica</p><p>Que seria a interpretação, ou seja, a busca em apreender a mensagem contida nas fontes, seu conteúdo e os seus propósitos, para tanto, seria de fundamental importância o domínio da língua original dos documentos, e um conhecimento profundo do período em que tal fonte fora produzida, bem como da cultura e sociedade nas quais se inseria;</p><p>Crítica de sinceridade</p><p>Essa fase final da crítica interna busca avaliar se o conteúdo da fonte sob análise pode ser considerado confiável, para tal, é exercida a crítica de exatidão, que faz um levantamento da capacidade do autor do documento de ter ou não acesso, no momento em que produzia o documento, aos fatos constantes de sua narrativa, para chegar a essa conclusão, o historiador metódico deveria comparar o documento em foco com outros que teriam sido aprovados em todas as etapas de análise crítica e, assim, concluir sobre a efetividade ou não da sinceridade da fonte.</p><p>A etapa final do processo de análise das fontes seria as chamadas “Operações sintéticas”, que se subdividem em cinco fases:</p><p>1. Comparar os vários documentos encontrados a fim de se construir um determinado fato em particular;</p><p>2. Organizar os dados isolados em quadros panorâmicos (economia, grupos sociais, produção agrícola, tributação, diplomacia);</p><p>3. Organização das análises, seja com base na dedução ou na analogia, a fim de estabelecer as relações entre os fatos e preencher as lacunas documentais;</p><p>4. Seleção de fatos relevantes no montante de acontecimentos ao alcance do saber do historiador a partir das fontes (essa seria uma das mais importantes e determinantes ações do profissional, segundo os metódicos, pois influiria nos resultados das análises futuras);</p><p>5. Esboço de algumas generalizações interpretativas, mas sem a pretensão de saciar a busca por respostas.</p><p>Apesar das críticas que o positivismo recebe, principalmente dos Annales, é válido notar que alguns procedimentos de análise de documentos ainda são importantes na contemporaneidade da produção do conhecimento histórico. Assim, determinar as origens das fontes, o entendimento do seu conteúdo, a comparação com outros documentos do mesmo período que tratam do mesmo assunto, em suma, as críticas interna e externa, de certa maneira, não podem ser sumariamente descartadas. Evidentemente que, na atualidade em que estamos, não se busca mais a verdade, no singular, dos fatos, mas sim, em que medida a produção de um documento nos possibilita compreender melhor o contexto histórico, social, cultural, político, econômico que tornou possível a sua produção.</p><p>Não se trata mais de uma crença na infalibilidade das fontes, que falariam por si mesmas, mas na interpretação do profissional de história sobre essas fontes. Podemos, brevemente, tomar sob foco o arquivo pessoal de Nelson Werneck Sodré, sob guarda da Biblioteca Nacional. Nesse acervo, há algumas centenas de cartas trocadas entre esse historiador com algumas dezenas de figuras da nossa intelectualidade até entre os anos 1930-40 e 1990.</p><p>É possível identificar uma série de temáticas entre essas missivas: vida cultural, política nacional e internacional, intelectuais, projetos editoriais, vida familiar, pesquisa histórica, recepção a obras de sua autoria, entre outras. Se tomarmos somente as cartas que tratam da recepção de livros assinados por Nelson Werneck Sodré, percebemos que o titular do acervo guardou com cuidado dezenas de missivas em que sua obra é avaliada de maneira extremamente positiva.</p><p>Com isso, poderíamos supor que o autor foi sempre muito bem recebido pela crítica. Todavia, não podemos nos fiar somente com base naquilo que ele próprio armazenou sobre si, é necessário contrapor a outras fontes, que talvez nos tragam novas noções, virtualmente, negativas sobre a sua obra.</p><p>Mas uma questão interessante, mais importante talvez do que determinar se Sodré foi ou não uma unanimidade, seria: quais os motivos que teriam levado o autor a guardar com tanto esmero avaliações positivas sobre si mesmo, visto que em grande parte da sua trajetória demonstrara aversão ao culto de si mesmo?</p><p>Percebe-se que desviamos o foco da veracidade do documento, importante, sem dúvidas, mas não se encerra aí o trabalho do historiador. Quando questionamos as razões para Nelson Werneck Sodré ter mantido com tamanha dedicação um acervo sobre si mesmo, avançamos sobre um terreno que os metódicos pouco ou nada se aventuravam: o da interpretação histórica, o da proposição de hipóteses, não se limitando a tão somente narrar os fatos, os acontecimentos.</p><p>Em suma, percebe-se que o método pensado e proposto pelos positivistas objetivava a encontrar a verdade dos fatos e, para isso, em primeiro lugar, seria necessário determinar a veracidade das fontes, consideradas a única via de acesso segura para o passado tal como foi. O historiador, munido de fontes confiáveis e de um comportamento neutro, após obedecer a todas as etapas de verificação das mesmas poderia, então, sintetizar os documentos a fim de constituir um fato histórico.</p><p>Sendo assim, não há espaço para a elaboração de explicações, para relações causais, interpretativas, para constituição de hipóteses. O historiador metódico limitava-se a ser um narrador do acontecimento, neutro, impassível perante o desenrolar dos acontecimentos.</p><p>Nesta aula estudamos:</p><p>· Os Metódicos e a História como Ciência</p><p>· O que queriam os metódicos?</p><p>2</p><p>image1.png</p><p>image2.jpeg</p><p>image3.jpeg</p>