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84 EMÍLIA VIOTTI DA COSTA para quem a liberdade de religião parecia um atentado à ordem católica existente no Brasil.55 Sua irreverência em matéria reli- giosa sugere influência de Voltaire. Afirmava que a “religião que convida à vadiação e faz do celibato uma virtude é uma planta venenosa no Brasil”, comentando que o catolicismo convém mais a um governo despótico do que a um constitucional.56 Irônico, observava que os legisladores e os padres, querendo fazer do ho- mem o que a natureza não queria que ele fosse, fizeram-no mau e atribuíram sua maldade ao pecado original, mas se ele fosse sempre o que a natureza o destinou seria sempre bom.57 Convicto da bondade natural do homem, concluía: “Deixai-o sair do caos de instituições contraditórias que fazem de sua prudência, hipo- crisia, da sua felicidade, obra do acaso e do crime, e vereis que o homem é mais bom que mau”. Ao lado dos liberais também estava na sua abominação aos títulos de nobreza. A ele, como a Feijó, líder liberal e seu inimi- go político, repugnariam os títulos tão ansiosamente disputados por fazendeiros, negociantes, altos funcionários, membros da magistratura, a quem D. Pedro distribuía títulos a mãos cheias. Muitos dos seus companheiros no “Apostolado” seriam mais tar- de titulados: Joaquim Carneiro de Campos receberia, em 1824, o título de marquês de Caravelas; Manuel Jacinto Nogueira da Gama seria visconde com grandeza, conde, em 1825, e, em 1826, marquês de Baependi; Estevão de Rezende, barão com grandeza em 1825, conde em 1826, e marquês de Valença em 1845; Miguel Calmon du Pin e Almeida, visconde com grandeza desde 1817, marquês de Abrantes em 1854; José Severiano Maciel da Costa, visconde em 1825 e marquês de Queluz em 1826; Felisberto Caldeira Brant, marquês de Barbacena, visconde com grandeza em 1825 e marquês em 1826. Dificilmente estes homens veriam com bons olhos quem escarnecia dos títulos, recusando-se a aceitá-los, referindo-se à nobreza com visível desprezo, repro- vando-lhe a ignorância, os “sórdidos interesses” e o servilismo. Em janeiro de 1826, já no exílio, reprovando as recentes con- 55 Anais da Assembléia Constituinte, 1823, sessões de 7, 8, 9, 29 e 30 de outubro e 6 de novembro. 56 Ms. Museu Paulista, doc.242. 57 Ibidem, doc.346. DA MONARQUIA À REPÚBLICA 85 cessões de títulos, escrevia: “Para o ano estarão guardados os tí- tulos de Duques e Príncipes do Império que eu aconselharia que não se dessem sem concursos, para que os patifes pudessem mos- trar autêntica e legalmente que os merecem, por serem os mais alcoviteiros, ladrões e bandalhos, não só do Grande Império dos Trópicos, mas do Universo inteiro; ao mesmo tempo, porém, conheço que seriam tantos os concorrentes e as provas tão volu- mosas que para se dar sentença seria preciso um século’’.58 Com igual virulência combatia o luxo e o espírito mercantil: “o luxo custa mais do que vale, empobrece muitos para enriquecer a poucos, sacrifica mil vidas para dar poucos prazeres e os que mais se lhe entregam acabam no fastio e indiferença”;59 “Quando o espírito mercantil predomina, quando se avalia cada ação como cada mercancia, vendem-se os talentos e virtudes e todos são mercadores e ninguém é homem”.60 Repugnava-lhe a solução republicana. Ao mesmo tempo, considerava que não havia condições para implantação de regi- me absolutista num país da América onde “as únicas classes exis- tentes eram ricos e pobres” sendo a nobreza “enfatuada e passageira”, estando o clero “satisfeito com o usufruto de seus benefícios” que ninguém lhe disputava.61 Optava pelo sistema monárquico constitucional, não sem duvidar, às vezes, que ele viesse a funcionar eficientemente num país “dividido em pro- víncias distantes, isoladas, com costumes e pretensões diversas, uma povoação heterogênea e dispersa”. De onde sairia, “de um país por ora pobre e arruinado pela escravidão e a guerra, o ouro necessário para satisfazer o luxo de uma corte e de uma nobreza nova e sem cabedais?”. Onde estavam “os palácios e ainda as estradas por onde rodem as carroças de casa Imperial?”.62 Na realidade, esse estudioso erudito, formado no convívio europeu, impregnado de idéias ilustradas, pertencendo à elite econômica e cultural do país, desconfiando da massa de mestiços, negros 58 Cartas Andradinas, José Bonifácio de Andrada e Silva, Anais da Bibliote- ca Nacional do Rio de Janeiro, 1814, p.32. 59 Mss. Museu Paulista, doc.246. 60 Ibidem, doc.246. 61 Ibidem, doc.228. 62 Mss. IHGB, doc.4864. 86 EMÍLIA VIOTTI DA COSTA livres e escravos, sonhava com uma “aristocracia republicana”, um governo dos “sábios” e “honrados”.63 Desconfiando dos “anarquistas”, perseguindo os represen- tantes das tendências ultraliberais, José Bonifácio desagradava aos conservadores pelo seu próprio liberalismo. A estes não pa- receria segura a liderança de um homem que, entre suas anota- ções, incluía uma observação, provavelmente pensando em transformá-la em artigo constitucional, em que afirmava: “Todo cidadão que ousar propor o restabelecimento da escravidão e da nobreza será imediatamente deportado”, e que redigia uma “Me- mória contra a Escravidão”, com a intenção de apresentá-la à Assembléia Constituinte, propondo a cessação do tráfico, a emancipação gradual dos escravos, criticando o latifúndio.64 Formado na Europa, onde vivera até a meia-idade, parecia- lhe pouco compreensível a estrutura econômica do país, basea- da na grande propriedade e no braço escravo. Desejava desenvolver o trabalho livre, a colonização e a imigração, a pe- quena propriedade, a mecanização da lavoura. Tinha diante dos olhos o modelo da economia européia em vias de industrializa- ção. Aborrecia-o o monopólio de terras por proprietários que as deixavam incultas, em prejuízo da nação, manifestando-se favo- rável ao confisco das que não se achassem cultivadas. Nas ins- truções do Governo Provisório de São Paulo aos deputados da província às Cortes portuguesas, incluíra um artigo sobre a polí- tica de terras, recomendando que todas as terras dadas em sesmarias que não se achassem cultivadas revertessem aos bens nacionais, deixando-se aos donos das terras somente meia légua quadrada, com a condição de começarem logo a cultivá-la, me- dida que, se aprovada, afetaria diretamente os especuladores de terras e os fazendeiros em geral, habituados a inverter seus capi- tais na compra de terras e escravos. A política de terras preconizada por José Bonifácio não preten- dia ser revolucionária: apoiava-se nos textos das Ordenações (Or- denação, livro 4º, título 43), recomendando obediência ao espírito das leis tradicionais cuja intenção fora impedir a concentração de terras nas mãos de pessoas sem cabedais, e inibir a especulação. 63 Mss. Museu Paulista, doc.233. 64 Edgard de Cerqueira Falcão, op. cit., v.II, p.99, 160. DA MONARQUIA À REPÚBLICA 87 Nessa questão não estava sozinho. Outros havia, embora em pequeno número, que, inspirados no modelo europeu, aponta- vam igualmente os inconvenientes do latifúndio e do trabalho escravo, preconizando, sem sucesso, o desenvolvimento da pe- quena propriedade. Em 1814, Francisco Solano Constâncio, no Observador Lusitano ou Coleção Literária, Política e Comercial, recomendava que se facilitassem as compras, as vendas e a re- partição de terras sugerindo medidas indiretas que obrigassem os proprietários a cultivá-las.65 No entanto, se o confisco de bem das classes privilegiadas, nobreza e clero, levado a efeito pelos revolucionários franceses de 1789, atendeu na França aos interesses da classe revolucionária, a burguesia francesa, desejosa de proceder à redistribuição de terras, no Brasil tal medida pareceria inoportuna aos proprietários de ter- ras, que constituíam a parcela mais importante da sociedade e que assumiram a liderança do movimento da Independência, ao lado de exportadores e traficantes de escravos cujos interesses estavam intimamente relacionados com os do latifúndio. A esses tampouco interessava, nesse momento, a política contra a escravidão e a favor da colonização que José Bonifácio preconizavajá nas Instru- ções do Governo Provisório anteriormente referidas, em que exi- gia “cuidados da legislatura sobre melhorar a sorte dos escravos, favorecendo a sua emancipação gradual” e a “conversão de ho- mens imorais e brutos em cidadãos ativos e virtuosos, vigiando sobre os senhores dos mesmos escravos para que estes os tratem como homens e cristãos e não como brutos animais”, de acordo com os princípios expostos nas cartas régias de 23 de março de 1688 e 27 de fevereiro de 1798. Ressalvava que tudo isso se de- via fazer “com tal circunspecção” que os miseráveis escravos não reclamassem esses direitos “com tumultos e insurreições que podem trazer cenas de sangue e de horrores”.66 65 Francisco Solano Constâncio, Observador Lusitano ou Coleção Literária Política e Comercial, tomo 1, p.87, apud Maria Beatriz Marques Nizza, Metodologia da história do pensamento: um estudo concreto – o pensamen- to de Silvestre Pinheiro Ferreira, 1769. São Paulo, 1967, p.88-9. Tese (Doutoramento) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo. 66 Venâncio Neiva, op. cit., p.94-5. b) V, F, F, V c) V, F, V, V d) V, F, F, F e) F, V, V, F 29 - (UFRN) No dia 10 de fevereiro de 1944, uma crônica publicada no jornal O Diário retratou aspectos do cotidiano da cidade de Natal, nos seguintes termos: “Meio displicente o cronista entrou no café. [...] tipos de uma outra raça, a que a uniformidade das fardas cáquis emprestava um tom militar, enchiam as mesas. [...] A algaravia que se falava era estranha. [...] Sobre a fala de alguns quepes, o brasão de Suas Majestades Britânicas, ou as iniciais simbólicas da RAF canadense. A maioria, porém, era de gente da América [...]. O cronista olhou para os lados, curioso. Brasileiro, ele apenas. Sim, também as pequenas garçonnettes [...]. No entanto, aquele era um simples e muito nortista ‘café’ da rua Dr. Barata, por mais que a paisagem humana se mesclasse de exemplares de terras diferentes...” Apud PEDREIRA, Flávia de Sá. Chiclete eu misturo com banana: carnaval e cotidiano de guerra em Natal. Natal: EDUFRN, 2005. p. 217. Considerando-se o fragmento textual acima e as informações históricas sobre o período a que ele se refere, é correto afirmar: a) Pela proximidade com a África e por ter sediado importantes bases militares dos Estados Unidos, Natal foi alvo de esporádicos ataques das tropas da Alemanha. b) Os natalenses passaram a rejeitar, paulatinamente, os hábitos dos estrangeiros, como os estilos musicais norte-americanos, o uso de roupas informais e de palavras da língua inglesa. c) O início da guerra e a ameaça de bombardeios aéreos mudaram o clima de festa em que Natal vivia e acirraram, ainda mais, as rivalidades entre brasileiros e norte-americanos. d) A presença de um grande contingente de militares de outros países e a circulação de moeda estrangeira agitaram, de forma significativa, a vida da outrora pacata Natal. 30 - (UDESC SC) O Oeste catarinense – bem como outras partes do interior do Brasil, nas primeiras décadas do século XX – constituía-se alvo de preocupação dos governos estadual e federal, que viam a necessidade de eliminar os considerados “vazios demográficos” no País e fazer com que as fronteiras econômicas, geográficas e culturais coincidissem com as fronteiras políticas. Assinale a alternativa incorreta sobre a ocupação do Oeste catarinense e as preocupações das quais era alvo. a) O Oeste catarinense foi palco de muitas disputas. Inicialmente, entre Portugal e Espanha; depois, entre Brasil e Argentina e, por fim, entre Paraná e Santa Catarina, quando só então se definiu que o território pertencia ao Estado catarinense. Para manter o território conquistado era preciso “povoá-lo”, e, para tanto, investiu-se em um intenso processo de colonização. b) A preocupação em ocupar o Oeste catarinense foi também desdobramento do projeto de nacionalização do governo federal, levado a cabo nas primeiras décadas do século XX. Dentro desse projeto, e no contexto da “Marcha para o Oeste”, a ocupação das fronteiras deveria atender à necessidade de estabelecer e desenvolver rapidamente as condições para a nacionalização, a organização social, econômica e de segurança das regiões de fronteira e dos sertões. c) A ocupação da região também revelava o empenho do governo estadual em impor sua autoridade sobre os poderes locais, em torno dos quais gravitavam grupos rivais e outros tantos conflitos remanescentes da Guerra do Contestado (1912-1916). d) Mesmo que, historicamente, a região Oeste tenha sido habitada por populações indígenas e mais tarde também por caboclos, os governantes a viam como uma grande área abandonada, com escassa população e que, por isso, necessitaria de efetiva colonização, de preferência imigrantes europeus e seus descendentes, para garantir a sua posse. e) Até a década de 1940, o Oeste catarinense era completamente despovoado, era de fato um “vazio demográfico”. Os poucos habitantes existentes pertenciam a comunidades argentinas e paraguaias remanescentes do período em que a região ficou sob o controle desses países. A não integração dessas comunidades ao projeto nacional (negavam-se a falar português e adotar hábitos da cultura nacional e catarinense) colocava em risco a segurança nacional, por isso a necessidade de expulsá-las e ocupar a região apenas com catarinenses. 31 - (FGV) “A revolta paulista, chamada Revolução Constitucionalista, durou três meses e foi a mais importante guerra civil brasileira do século XX(...) Sua causa era praticamente inatacável: a restauração da legalidade, do governo constitucional. Mas seu espírito era conservador: buscava-se parar o carro das reformas, deter o tenentismo, restabelecer o controle do governo federal pelos estados.” CARVALHO, J.M. de, Cidadania no Brasil: o longo caminho. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, p. 100. A respeito da situação política brasileira no início da década de 30, é correto afirmar: a) A maior parte da oligarquia paulista havia aderido à Revolução dirigida por Getúlio Vargas ansiando por uma modernização no país que envolvesse uma reforma eleitoral, a centralização política federal e o reconhecimento dos direitos trabalhistas. b) Apesar de derrotada militarmente, a revolta acabou levando à convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte com novas regras eleitorais, como o voto secreto que dificultava a ocorrência de fraudes e o direito de voto para as mulheres. c) A maior parte da oligarquia paulista acabou por articular-se com Luís Carlos Prestes, exdirigente da coluna Prestes-Miguel Costa, que havia aderido ao comunismo e tornara-se a principal liderança política do Partido Comunista. d) Os paulistas defendiam um amplo programa nacionalista e procuravam garantir o retorno da normalidade democrática quebrada com o movimento revolucionário de 1930, que representava os interesses dos setores oligárquicos dos diversos estados da federação. e) A Revolução Constitucionalista foi inicialmente uma revolta da oligarquia paulista e sofreu, posteriormente, um processo de radicalização política que levaria à intensificação de greves e manifestações populares em todo o país, em prol da democracia. 32 - (UFAC) “É impossível dissociar Oscar Niemeyer de Brasília. *...+ Niemeyer foi escolhido para projetar todas as edificações monumentais da nova capital por decisão de Juscelino Kubitschek. Prefeito de Belo Horizonte, no início dos anos 1940 ele já havia pedido ao arquiteto desenhos para as principais instalações da Pampulha, um novo bairro da cidade. Juscelino viu sua realização estampada nos jornais, nas revistas e nas principais publicações de arquitetura do mundo. Entendeu, rapidamente, que a arquitetura de Niemeyer, por ser popular e de qualidade, podia trazer ganhos políticos. Juscelinoqueria o mesmo para a capital federal. [...] Era necessário criar um novo monumentalismo que simbolizasse ao mesmo tempo uma sociedade jovem, ousada, dinâmica e democrática.” VEJA: Brasília 50 anos. São Paulo: Abril, n. 2138, nov. 2009, p.62. Acerca dos elementos culturais e das transformações dos espaços que constituíram a atual capital federal, entendemos que: a) Significou o endividamento e crescimento do país, com a criação de uma obra monumental, cujo objetivo era a síntese das metas de campanha de Jango. b) Tinha por função, além de promover o deslocamento do eixo de poder político para a região central do Brasil, propiciar a ligação entre distintas regiões do país, com a criação de infraestrutura. c) Expressou a criação de um patrimônio cultural tombado pelo NAFTA. d) Representou desperdício do erário público, resultando na Revolução de 1930. e) A construção de Brasília visava a atender as disposições da Constituição dos Estados Unidos do Brasil (1946), e também era a representação do desenvolvimento do litoral brasileiro. 33 - (UEFS BA) [...] o fenômeno industrial da primeira fase republicana teve grande importância para a sociedade brasileira: criou condições para o desencadeamento do processo de industrialização nos períodos subsequentes e revelou que a antiga estrutura socioeconômica colonial estava sendo afetada nas suas bases. (NADAI; NEVES, 1995, p. 294). A análise do texto e os conhecimentos sobre a história econômica da República brasileira permitem afirmar que o processo de industrialização, no Brasil,