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O contexto sociocultural atual e as principais questões para pensar a Igreja hoje Questão inicial: Quais experiências eclesiais você traz para esse curso? Da carta a Diogneto • Dai a cada um o que lhe é devido: o imposto a quem é devido; a taxa a quem é devida; a reverência a quem é devida; a honra a quem é devida (Rom 13,7). Os cristãos residem em sua própria pátria, mas como residentes estrangeiros. Cumprem todos os seus deveres de cidadãos e suportam todas as suas obrigações, mas de tudo desprendidos, como estrangeiros. Obedecem as leis estabelecidas, e sua maneira de viver vai muito além das leis. • Tão nobre é o posto que lhes foi por Deus outorgado, que não lhes é permitido desertar” (5,5; 5,10;6,10). Os cristãos não diferem dos demais homens pela terra, pela língua, ou pelos costumes. Não habitam cidades próprias, não se distinguem por idiomas estranhos, não levam vida extraordinária. Além disso, sua doutrina não se encontra em pensamento ou cogitação de homens desorientados. Também não patrocinam, como fazem alguns, dogmas humanos. • Qualquer terra estranha é pátria para eles; qualquer pátria, terra estranha. Tem a mesa em comum, não o leito. Vivendo na carne, não vivem segundo a carne. Na terra vivem, participando da cidadania do céu. Obedecem às leis, mas as ultrapassam em sua vida. Amam a todos, sendo por todos perseguidos. E quando entregues à morte, recebem a vida. Na pobreza, enriquecem a muitos; desprovido de tudo, sobram-lhes os bens. São desprezados, mas no meio das desonras, sentem-se glorificados. Difamados, mas justo; ultrajados, mas benditos, injuriados prestam honra. • Fazendo o bem são punidos como malfeitores; castigados, rejubilam-se como vivificados. Os judeus hostilizam-nos como alienígenas; os gregos os perseguem, mas nenhum de seus inimigos pode dizer a causa de seu ódio. Para resumir, numa palavra, o que é a alma no corpo, são os cristãos no mundo: como por todos os membros do corpo está difundida a alma, assim os cristãos, por todas as cidades do universo. “O falar cristão de Deus não poderá jamais ser proposto sem de algum modo se situar em relação ao mundo ao qual se dirige: se não fizesse esse esforço não passaria de ulterior forma de silêncio da Palavra. Motivando seu sentido diante dos contextos em que ecoa, a palavra cristã aprende a linguagem dos homens, fala as palavras do tempo, a fim de que nelas se torne presente a perene novidade de mensagem”. (FORTE, Bruno. Para onde vai o Cristianismo? p. 80 ) A pós-modernidade • Momento incógnita da nossa história, no qual encontramos dificuldade para definir o tempo presente. Uma fluidez? • Herança de um processo de “secularização” (separação Igreja e sociedade) desde a modernidade. • Momento de crises constantes: moral, fé, economia, ecologia, política, religião etc. • Aceleradas transformações culturais. • Passagem da especialização para a fragmentação e complexificação dos saberes e das relações com as coisas e as pessoas. “ ‘Geralmente percebido como positivista, tecnocêntrico e racionalista, o modernismo universal tem sido identificado como a crença no progresso linear, nas verdades absolutas, no planejamento racional de ordens sociais ideais e com a padronização do conhecimento e da produção’. O pós- moderno, em contraste, privilegia ‘a heterogeneidade e a diferença como forças libertadoras na redefinição do discurso cultural’. A fragmentação, a indeterminação e a intensa desconfiança de todos os discursos universais ou (para usar um termo favorito) ‘totalizantes’ são o marco do pensamento pós-moderno”. (HARVEY, Condição pós- moderna, p. 19). A pós-modernidade • O pensamento atual considera “caducas” e “superadas” as questões modernas (por exemplo: verdade absoluta, moral universal, supremacia da razão etc). Rejeição às metanarrativas e aos “grandes relatos”. • A racionalidade está longe de se impor uniformemente em todos os registros da vida social. • Relativismo pertinente e multiculturalidade. • Cisão com a tradição. O passado não importa e o futuro não interessa. O que existe é o presente. • O ser humano é legislador da própria vida e capaz de determinar as orientações do mundo que o rodeia. Diferenças esquemáticas entre modernidade e pós-modernidade MODERNIDADE PÓS-MODERNIDADE Projeto Acaso Hierarquia Anarquia Domínio / Logos Exaustão / Silêncio Raiz / profundidade Rizoma / superficie Origem, causa Diferenças, vestígios Objeto de arte / arte acabada Performance / processo artístico Criação / totalização / síntese Descriação / desconstrução / antítese Centração Dispersão Sintoma Desejo HASSAN, The Culture of Postmodernism, p. 123-124 Religião e a pós-modernidade • A pós-modernidade produziu um universo de incertezas. • A dinâmica de avanço implica que sempre se suscite crise, gerando um vazio social e cultural, consequência da mudança de sentido. • “A experiência do tempo e do espaço se transformou, a confiança na associação entre juízos científicos e morais ruiu, a estética trinfou sobre a ética como foco primário de preocupação intelectual e social, as imagens dominaram as narrativas, a efemeridade e fragmentação assumiram precedência sobre verdades eternas e sobre a política unificada e as explicações deixaram o âmbito dos fundamentos materiais e político-econômicos e passaram para a consideração de práticas políticas e culturais autônomas”. (HARVEY, Condição pós- moderna, p. 293). Religião e a pós-modernidade • Passamos da “morte de deus” (modernidade) para a criação de vários deuses (pós-modernidade). • No final do milênio passado, havia uma procura pela religião por medos diversos do fim das coisas. No momento, predomina uma sede religiosa por uma busca de sentido existencial. • Em períodos turbulentos, os sistemas religiosos tradicionais e as práticas religiosas alternativas readquirem uma grande atração sobre os indivíduos. • “Retorno do religioso” ou “revanche divina” como designação do desenvolvimento dos movimentos espiritualistas. Religião e a pós-modernidade • Quanto mais há incertezas no porvir, mais há proliferação de seitas. • A crença escapa ao controle das grandes igrejas e instituições religiosas. As instituições não predominam sobre o indivíduo. • A descrição da religião se organiza a partir da tendência geral à individualização e à subjetividade das crenças. • Muitos vivem sem religião, mas de “sensibilidade” ou de “tradição” católica. Há a diminuição da fronteira entre os católicos e os não- católicos, entre os religiosos e os não religiosos. • Na nossa realidade brasileira, há o crescimento dos “crentes não praticantes”. Afirmam ser cristão, mas não tem relação com as instituições. Religião e a pós-modernidade • Os indivíduos fazem valer sua liberdade de escolha, cada qual retendo para si as práticas e as crenças que lhe convêm. • A religião individual gera um trânsito religioso e denominacional. A pessoa faz uma “colagem” de experiências religiosas. • As novas gerações se opõem às antigas gerações. Há lacunas diferentes e enormes entre uma geração e outra, elas representam verdadeiras rupturas culturais. • Os pais rejeitam transmitir alguma fé para os filhos e deixam para eles a escolha da religião. Os próprios pais não têm mais certezas de fé ou vivem crenças pessoais distinta das instituições. Religião e a pós-modernidade • Antes a religião se apresentava com um núcleo a ser crido e aceito pelo fiel. Agora, ela chega como respostas às necessidades subjetivas e demandas a serem satisfeitas. • Religião como agência de serviços especializados. • Devido à orientalização do ocidente, há uma tendência à adesão para grupos espiritualistas menos discursivos, que consideram o divino de forma impessoal e imanente para o auto aperfeiçoamento individual. Religião e a pós-modernidade • “Deus, outrora menos vivo do que se acreditou, está menos morto do que se diz”. (Jean Delumeau) • Na pós-modernidade não se perde religião. Perde-se, sim, o efeito global e totalizante da religião. • Como fenômenosocial, cultural e histórico, as instituições e os movimentos religiosos encontram-se em perpétua transformação. Tanto as posições religiosas quanto as seculares necessitam de se modificar reflexivamente, apreendendo contributos recíprocos para os diversos assuntos do homem e da sociedade. “Não se trata de descobrir e aderir a uma verdade existente fora de si, mas de experimentar - cada um por si - sua própria verdade. Nenhuma autoridade pode, em questão espiritual, definir qualquer ortodoxia ou ortopraxia impondo-a do exterior ao indivíduo. O objetivo buscado é o aperfeiçoamento de si, aperfeiçoamento que não diz respeito à realização moral do indivíduo, mas ao seu acesso a um estágio superior de ser. Este auto aperfeiçoamento é acessível através de práticas psicocorporais que se servem de variadas técnicas oferecidas pelas instituições espirituais e místicas”. HERVIEU-LÉGER, O peregrino e o convertido, p. 143). Cristianismo e pós-modernidade Aqui, neste ‘aquém’ da subjetividade desconstruída, encontramo-nos sós e ao mesmo tempo acompanhados. Sós em nossa liberdade pensante e acompanhados na sensibilidade de outros corpos. Sós no luto, mas acompanhados de nossos mortos e dos vivos a que com pena e com gozo, entremesclados sempre, mal conhecemos e amamos. (...) Um lugar que não é lugar, um sentido que é sem sentido, um ser que não é ente nem super ente, mas abismo do ser. (...) Teremos de dar esse salto no vazio: uma fé que não é crença que se engana anelando possuir um objeto de latria, mas fé que é confiança incondicional no outro. Uma esperança que não espera nada e, no entanto, dá tudo na aposta de um amanhã. Um amor que não é correspondido porque não tem medida, mas só sabe ser pura doação. Tal será o lugar para falar da revelação divina no meio dos escombros da pós- modernidade. (MENDOZA-ÁLVAREZ, Deus Ineffabilis, p. 42-44). O cristianismo morrerá? • Questão sobre o futuro do cristianismo desde pensadores europeus, sobretudo, no início do milênio. • O cristianismo “está mudando de endereço”, deixando a Europa e indo para a Ásia, África e América. • A descristianização da Europa não significa um declínio do cristianismo. Muitas pessoas pensam a fé cristã com a cabeça europeia. • O cristianismo, especialmente em sua versão católica, é alvo de denúncias de sua páginas negras, desconsiderando as grandes contribuições dadas à humanidade: o patrimônio artístico, as universidades, as escolas, os trabalhos filantrópicos, os hospitais etc. As grandes igrejas cristãs estão hoje confrontadas com dois movimentos que afetam seu estatuto histórico e seu funcionamento tradicional: por um lado, uma proliferação do religioso seja em agrupamentos evangélicos e carismáticos, seja em uma busca pessoal, às vezes qualificada de “bricolagem”, porque bebe em um fundo religioso planetário; por outro lado, uma secularização da sociedade cada vez mais evidente. Esses dois movimentos andam em sentidos opostos. DELUMEAU, Jean. À espera de uma aurora, p. 178. O cristianismo morrerá? • Em 1939, os três países católicos do mundo eram a França, a Itália e a Alemanha. Hoje em dia são o Brasil, o México e as Filipinas. A maior parte dos católicos está na América Latina. • Colocando o cristianismo na escala do tempo, ele é recém-chegado na história. Ainda estamos aprendendo a originalidade singular do cristianismo. • O século XX foi um século de muitas perseguições aos cristãos e de muitos mártires. • Novas formas de vivência da fé cristã surgem para entusiasmar os fieis: Taizé, pentecostalismo e o movimento carismático, JMJ, novas formas de vida comunitária etc. Dados do IBGE sobre a religião no Brasil Fé cristã no Brasil • O Brasil ainda é a maior nação católica do mundo, mas, na última década, a Igreja teve uma redução da ordem de 1,7 milhão de fieis, um encolhimento de 12,2%. • Se em 1970 havia 91,8% de brasileiros católicos, em 2010 essa fatia passou para 64,6%. Quem mais cresce são os evangélicos, que, nesses quarenta anos saltaram de 5,2% da população para 22,2%. O aumento desse segmento foi puxado pelos pentecostais, que se disseminaram pelo país na esteira das migrações internas. A população que se deslocou era, sobretudo, de pobres que se instalaram nas periferias das regiões metropolitanas. Nesses locais, os evangélicos construíram igrejas no vácuo da estrutura católica. Fé cristã no Brasil • De acordo com o censo de 2010, a Assembleia de Deus é o maior segmento evangélico, com 12 milhões de fiéis, e a segunda maior Igreja do Brasil, atrás da Igreja Católica. Em comparação com a igreja Universal do Reino de Deus, por exemplo, que perdeu 228 mil fiéis nos últimos 10 anos e hoje tem 1,8 milhão de arrebanhados, a Assembleia de Deus prega valores morais mais rígidos. • O contingente de católicos foi reduzido em todas as regiões. O Norte foi onde houve a maior redução relativa dos católicos. Fé cristã e outras religiões no Brasil • Quanto à faixa etária, a proporção de católicos foi maior entre as pessoas com idade superior a 40 anos. Segundo o estudo, isso é decorrente de gerações formadas durante os anos de hegemonia católica. Já os evangélicos pentecostais têm sua maior proporção entre as crianças e os adolescentes, sinalizando uma renovação da religião. • O grupo com idade mediana mais velha é o dos espíritas (37 anos) que cresceu na última década e chegou a 3,8 milhões de pessoas, sobretudo nas regiões Sudeste e Sul. Os espíritas são os que apresentaram melhores indicadores, como a maior proporção de pessoas com nível superior completo (31,5%). • Brasil: os que se declaram sem religião: no censo de 2000 eram quase 12,5 milhões (7,3%). No censo de 2010, ultrapassam os 15 milhões (8,0%). Pluralismo religioso no Brasil • O Brasil está passando por uma mudança de hegemonia entre os dois grupos cristãos (católicos e evangélicos), ao mesmo tempo em que aumenta a pluralidade religiosa, pois cresce e diversifica a proporção das filiações não cristãs. Fé cristã no Brasil • Dados da Pesquisa de Orçamento Familiar (POF), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), revelaram, na semana passada, que evangélicos de origem que não mantêm vínculos com a crença saltaram, em seis anos, de insignificantes 0,7% para 2,9%. Em números absolutos, são quatro milhões de brasileiros a mais nessa condição. Essa é uma das constatações que estatísticos e pesquisadores estão produzindo recentemente, às quais ISTOÉ teve acesso, formando um novo panorama religioso no País. (Janeiro, 2017) • Isso só é possível porque o universo espiritual está tomado por gente que constrói a sua fé sem seguir a cartilha de uma denominação. Se outrora o padre ou o pastor produziam sentido à vida das pessoas de muitas comunidades, atualmente celebridades, empresários e esportistas, só para citar três exemplos, dividem esse espaço com essas lideranças. (Istoé, Janeiro, 2017) Fé cristã no Brasil Fé cristã no Brasil EXERCÍCIO PARA PRÓXIMA AULA • Como pensar a Igreja hoje? Qual a sua(s) questão(ões) para o curso? • Elaborar um texto/ensaio contendo a(s) questão(ões) contextualizada(s) no nosso momento sociocultural. • Considerar também outras realidades não mencionadas na apresentação. Outras questões para o curso • Os ministérios na Igreja e as relações hierárquicas. • A presença feminina na Igreja. • Atenção às especificidades de algumas partes da Igreja (por exemplo: Amazônia, Oriente Médio etc). • Discurso moral sexual humanizante. • Dialogar com os novos desafios mundiais: desigualdade social, crise migratória, ecologia, novos conflitos mundiais etc. • “Des-europeizar” a Igreja católica: estruturas flexíveis, consideração pelas especificidades locais etc.