Prévia do material em texto
A CLÍNICA COM CRIANÇAS AULA 5 Profª Marianne Bonilha CONVERSA INICIAL Nesta etapa, vamos começar abordando a interconsulta profissional, seu conceito e sua aplicação em diferentes âmbitos de contato interprofissional, na prática da psicanálise. Na sequência, refletiremos sobre a posição dos pais na psicanálise com crianças, a importância da implicação destes no processo de tratamento do filho. Ainda dentro desse assunto, vamos conhecer aspectos essenciais da primeira entrevista com os pais. Compreenderemos a importância e o formato da entrevista devolutiva com estes, após o período diagnóstico e, por último, o planejamento de finalização do tratamento, encerrando com a entrevista de alta. Os objetivos é de que o leitor: • Conheça a interconsulta profissional e saiba realizá-la; • Compreenda a importância e a função dos pais para a consecução da psicoterapia infantil; • Aprenda a realizar a entrevista inicial com os pais; • Aprenda a realizar a entrevista devolutiva; • Saiba planejar a alta da criança e realizar a entrevista final com os pais. TEMA 1 – PSICANÁLISE COM CRIANÇAS E INTERCONSULTA PROFISSIONAL O uso da psicanálise com crianças está relacionado, em muitas situações e contextos, além da demanda da própria família, e, algumas vezes, independente da demanda desta, com a demanda de terceiros. Seja em consultórios, clínicas multiprofissionais, hospitais, escolas, o psicanalista estabelecerá parcerias de cuidado e atenção à infância com outras áreas de saber, exercendo a interconsulta profissional. A interconsulta é a troca de pareceres entre profissionais; refere-se ao ato de receber (ouvir a opinião de alguém) e emitir, trocar, discutir e planejar (a própria opinião) (Alamy, 2013). Ela é um recurso técnico que permite a circulação de conhecimento entre diferentes áreas de saber, contribuindo para compreensão, tratamento e manejo abrangente da saúde global da criança. A prática da interconsulta requer o contato direto com o solicitante e manejo cuidadoso em cada passo da execução. O recebimento da demanda inclui a realização de perguntas como: a. Quem pediu? b. Por que pediu (as motivações)? c. O contexto mais amplo em torno da demanda e do motivo da demanda. d. Qual a percepção que o profissional solicitante tem acerca da reação da família quanto à demanda? Quanto ao período intermediário da resposta formal do pedido, quando necessário, é possível o contato com o solicitante descrevendo os recursos que estão sendo utilizados na avaliação e pontos que já se revelam importantes e que podem, antecipadamente à resposta final, contribuir para a imediata condução conjunta do caso. Na interconsulta devolutiva, o psicanalista deve fornecer o parecer diagnóstico de forma fundamentada, com uma descritiva clara dos termos utilizados, facilitando a compreensão do solicitante para conclusão do caso ou planejamento dos próximos passos (direção do tratamento, novos encaminhamentos, reuniões conjuntas). Conforme mencionado anteriormente, a interconsulta poderá estar inserida num âmbito multi, inter ou transdisciplinar. No formato multidisciplinar, o paciente é atendido por vários profissionais que não interagem e que trabalham isoladamente, ainda que um tenha ciência do trabalho do outro. Na perspectiva interdisciplinar, existe o encontro dos profissionais e a troca de conhecimento acerca do paciente; as informações promovem uma atuação complementar. No atendimento transdisciplinar, os conhecimentos misturam-se de forma que um tem acesso às informações do outro. Existe uma consonância na compreensão sobre o paciente, numa visão integradora e ação conjunta (Alamy, 2013). TEMA 2 – O LUGAR DOS PAIS NA PSICANÁLISE COM CRIANÇAS Esse tema, certamente, configura-se crucial para a consecução do trabalho com a criança. Ainda que os psicanalistas não tenham a profissão regulamentada e um código de ética, há de estar alinhado com o que se espera de um psicólogo na mesma função. A participação dos pais ou do responsável legal no tratamento de menores de idade é tema disposto no art. 8º do Código de Ética Profissional do Psicólogo (2005). Esse artigo regula a obrigatoriedade do profissional em obter autorização de, pelo menos, um dos pais, ou responsável para a realização de atendimento sistemático de criança, adolescente ou interdito. O trabalho psicanalítico com a criança somente acontece a partir da permissão dos pais (Stürmer, 2009). Essa permissão, além do óbvio caráter legal, tem a dimensão transferencial dos pais com o profissional. Trata-se, aqui, da confiança, de supor que o analista detém um saber, tornando possível a partir dessa crença que o trabalho psíquico ocorra. Transferência simbólica que vai permitir abrir espaço de fala, por meio da escuta. José Attal (1998) diz que “é um fato de experiência constatar que a criança nunca vai mais além daquilo a que seus pais autorizam”. O psicanalista deve saber que, nas entrevistas, os pais e a criança se entrelaçam em um campo transferencial único. A posição de dependência da criança em relação aos pais vai além das necessidades básicas de sobrevivência do real do corpo, ela se refere também a uma necessidade subjetiva. Como foi falado em contéudos anteriores, as referências constitutivas da criança passam pelas referências dos pais, passam pelo sintoma parental. As ideias, crenças, fantasias que vêm dessa família referenciam a posição da criança neste mundo. A clínica infantil maneja uma dupla transferência, a da família e a da criança. A família, ao demandar o trabalho emocional para o filho, enfrenta uma ferida narcísica, no quanto este representa uma parte de si próprio. Esse processo implica aos pais falarem da própria história. Segundo Berardino (2011), essa quebra narcísica é uma experiência de castração porque se, por um lado, a demanda dirigida ao analista é a confiança de cuidado deste filho a alguém que pode ajudá-lo, essa mesma demanda representa uma falha, uma impossibilidade de cuidado com a criança. A formação do vínculo dos pais com o profissional começa no recebimento da demanda, no acolhimento do sofrimento e das preocupações que carregam com relação ao filho. O pedido velado feito por estes ao psicanalista é a restituição do filho ideal. Berardino (2011) diz que os pais devem renunciar à criança narcísica que o filho representa para propiciar o surgimento da subjetividade do filho é um difícil exercício para os pais, que precisam, nestas entrevistas, serem sustentados e, ao mesmo tempo, conduzidos a enfrentar esta questão. Sem isto, não há possibilidade de análise. Com isso, considera-se necessário dar lugar à criança idealizada pela família, escutar as ideias em torno desse ideal narcísico relacionado à história deles próprios, para abrir espaço para a criança da realidade, a que vem ao consultório. É necessária a implicação da própria família, uma reflexão acerca da influência exercida na organização psicológica e no desenvolvimento da criança. A ausência dessa reflexão pode contribuir para o abandono do tratamento. É imprescindível a participação de ao menos um dos pais ou responsáveis em todo o processo de tratamento, seja com crianças ou adolescentes. Deixar os pais à parte do tratamento apenas suscitará fantasias e resistências que poderão criar impasses ou impedimentos no processo de tratamento. Manter encontros periódicos com os pais auxilia a diminuição das fantasias persecutórias, bem como, ao se aproximar da história familiar, entendendo sua dinâmica, faz com que venham à tona segredos ou aspectos ocultos, que vão se evidenciando na medida em que é construída uma relação de confiança. Estar atento às manifestações resistenciais dos pais ajudará a prevenir abandonos e fortalecerá a relação com o analista (Stürmeret al., 2009). É necessário ouvir as queixas e incômodos dos pais, auxiliar a entender a dinâmica da família e da criança em questão, ao mesmo tempo que se deve identificar qual a demanda da criança e qual a demanda de seus pais, quais são as fantasias e expectativas, o que esperam do tratamento e se possuem condições para efetivá-lo. O trabalho com os pais, ao longo do tratamento, pode seguir de várias formas, inclusive com sessões que reúnam a família inteira, conforme a especificidade de cada caso. Isso exige do psicanalista uma postura flexível, fazendo-se valer de soluções abertas e criativas, já que modalidades variáveis de inclusão de pais e demais familiares podem se mostrar benéficas em muitos casos. A presença dos pais oferece uma ótima oportunidade de observar como cada família interage, quais são os mecanismos defensivos predominantes, se existem aspectos dissociados e identificados projetivamente de uns membros nos outros (Stürmer et al., 2009). A clínica infantil pode abranger duas vias de trabalho: uma é a análise individual com a criança, pois mesmo que questões da neurose parental estejam presentes, o paciente tem sua particularidade subjetiva, passível de inúmeros conflitos e de intenso sofrimento. Isso significa um trabalho quanto à posição subjetiva do paciente frente ao desejo de seus pais, de quem deverá se separar (Siquier; Salzberg, 2002). Outra é escutando os pais, periodicamente, disponibilizando espaço de trabalho de ansiedade, ambivalências, dúvidas, auxiliando-os no enfrentamento da análise do filho. É parte da competência terapêutica auxiliá-los a compreender suas fantasias a respeito da criança e das mudanças que o tratamento poderá ocasionar, para que as suportem e as aceitem (Siquier; Salzberg, 2002). À medida que o trabalho individual com a criança caminha, processando- se a retificação subjetiva, pode ocorrer uma minimização dos sintomas por parte desta e uma consequente elaboração de conflitos do paciente com relação ao meio familiar. Isso pode acarretar um reposicionamento de angústias advindas da família, que antes estavam concentradas no paciente e depois retornam ao grupo familiar. Neste caso, uma importante função do sintoma da criança não cumpre mais seu papel, provocando um mal-estar, já que os conflitos e angústias parentais perderam seu ponto de convergência e representância. Se as modificações do filho forem sentidas como demasiado ameaçadoras para os pais e para a configuração familiar vigente, e tal aspecto não for trabalhado, a continuidade do atendimento da criança pode ser ameaçada por faltas, atrasos ou desistência do tratamento. A escuta dos pais pelo analista da criança tem por função, no primeiro momento, redimensionar os elementos que configuram o problema que motivou a procura pela análise. Num segundo tempo, os encontros passam a regular os efeitos do trabalho com a criança junto aos pais. Não se trata de responder à demanda no sentido de dizer o que fazer, aconselhando esses adultos a agir desta ou daquela maneira, mas proporcionar a eles um espaço de deslocamento de suas angústias, reposicionando-os em relação ao problema que enfrentam (Silva; Rudson, 2017). TEMA 3 – A PRIMEIRA ENTREVISTA COM OS PAIS O encontro inicial com o analista é sempre permeado por angústias e culpas dos pais, variando em intensidade. Por mais que a decisão de procurar um psicanalista tenha sido pensada e amadurecida pelos pais, as situações e os fatos que envolvem e mobilizam maior ansiedade, às vezes, são evitados por estes na primeira entrevista, pois geram desconforto e, provavelmente, estão relacionados intimamente à problemática da criança. Os pais devem ser ouvidos com toda atenção e acolhimento necessários para que se sintam à vontade para contar sobre os motivos da busca de atendimento para o filho. “O analista deve ter a sensibilidade de não conduzir as entrevistas como interrogatórios, pois, dessa forma, poderá contribuir para as resistências e ansiedades, parecendo mais um investigador formulando um inquérito acerca das condutas da família” (Stürmer, 2009). Atitudes e posturas compreensivas e empáticas, por parte do analista, auxiliam no estabelecimento de uma confiança inicial, proporciona maior conforto aos pais para que falem de temas delicados, mas fundamentais para a compreensão da situação atual. Abordar e explorar de forma precoce as possíveis dificuldades dos pais relacionadas ao sintoma do filho pode levar a um incremento das resistências, ocasionando, muitas vezes, interrupções e abandonos repentinos. Em alguns casos, o término pode se dar ainda na fase das entrevistas iniciais, não oportunizando ao psicanalista sequer a possibilidade de abordar as angústias subjacentes, por serem demasiado intensas. A escuta deve permitir a circulação das associações e comunicações entre o analista e a família, permitindo a livre expressão. Podendo-se trilhar com perguntas pertinentes relacionadas ao discurso do familiar. Na primeira entrevista, é primordial, ainda, que sejam questionados os motivos da consulta. Caso o paciente tenha sido levado em função de encaminhamento de outro profissional, deve-se questionar a percepção da família com relação a isso. Deve-se questionar o motivo da consulta, explorar a queixa do familiar, possibilitar que a família estabeleça uma demanda e ponderar as intenções e expectativas com relação ao tratamento. Aberastury (1982) indica que não convém finalizar a entrevista sem ter conseguido os dados básicos de que necessita antes de ver a criança, sendo eles: 1. motivo da consulta, manifesto ou latente; 2. história da criança; 3. como transcorre um dia de sua vida atual, um domingo ou feriado e o dia do aniversário; 4. como é a relação dos pais entre si, com os filhos e com o meio familiar imediato. É possível, ao final da primeira entrevista, retomar o motivo da consulta, relembrar os aspectos que surgiram relacionados à queixa, pontuar as impressões que saltaram na percepção do analista, possibilitando à família uma reflexão e reorganização a respeito da demanda psicológica. As entrevistas iniciais é o período no qual se faz necessário compreender dados globais do paciente, os quais incluem elementos do funcionamento e organização da família em termos de hábitos, rotinas, valores, assim como elementos do funcionamento psíquico da criança, no que diz respeito à estruturação psíquica da criança, mecanismos de defesas predominantes, recursos egoicos, fantasias e integração ou não das instâncias psíquicas. Esse momento inicial com os pais apresenta uma trilha de significantes, por meio das associações, que se repetem e se articulam, contextualizando a problemática do caso sobre o paciente e a família. No método psicanalítico esse período de entrevistas iniciais é caracterizado por uma conversa, onde o psicanalista ouve, faz e responde perguntas. Da mesma forma que no atendimento do paciente adulto, a escuta do inconsciente, pelo método da associação livre, permite ao analista perceber os pontos de conflitos, as resistências, repetições…, com o tratamento de crianças, na primeira entrevista com os pais, pode-se também identificar o entrecruzamento de questões dos pais nos sintomas das crianças. Compõe ainda neste começo, aspectos do setting e do contrato de trabalho que precisam ser esclarecidos, pois organizam o funcionamento, os combinados e o valor das sessões. 3.1 O estabelecimento do setting e o contrato de trabalho A delimitação do setting implica tanto na postura do analista, em seu aspecto ético (disponibilidade de escuta), como nos combinados feitos com a família ou responsável. Na primeira entrevista, preferencialmente no início da sessão, explica-se: • O método de trabalho. • O sigilo profissional. • Os combinados acerca da duração e periodicidade das sessões.• Planejamento da entrevista devolutiva após a avaliação (esclarecendo que o sigilo é resguardado, que a comunicação se refere ao parecer diagnóstico). • A duração do tratamento. • Os combinados quanto aos honorários. O posicionamento claro por parte do analista quanto a forma de trabalho, esclarecendo sobre o método, contribui para segurança no profissional e para o vínculo de confiança, necessários para o estabelecimento da transferência. Uma clara diferença entre a atuação de psicanalistas e de psicólogos é a restrição do uso de testes psicológicos. Psicanalistas e outros psicoterapeutas não têm autorização legal para o uso de testes formais de avaliação e diagnóstico de personalidade que são privativos de psicólogos. A principal função do psicanalista é analisar e não testar. O diagnóstico do psicanalista se dá sob a transferência, avaliando as relações do sujeito com a linguagem, o lugar do sintoma da criança para os pais e para ela mesma. Vale ainda ressaltar que a posição do psicólogo, utilizando testes, coloca-o numa posição de mestria, no lugar daquele que detém um saber; suprimindo o saber do paciente. O psicanalista avalia a estrutura psíquica enquanto o psicólogo, em aplicação de testes, avalia determinadas funções do egoicas. O psicanalista contribui para reflexão, compreensão e orientação de pais, professores, médicos, juízes e demais profissionais sem emissão de documentos formais/legais. TEMA 4 – A ENTREVISTA DEVOLUTIVA Na psicanálise, o diagnóstico refere-se às estruturas psíquicas e os tipos clínicos destas, serve para indicar o caminho do tratamento, não para a rotulação do sujeito (Oliveira; Neves, 2012). O psicodiagnóstico pode ter vários objetivos, mas a sua finalidade é a compreensão do sujeito com relação ao sintoma que apresenta e as repercussões implicadas em sua manifestação. O psicodiagnóstico revela o funcionamento psíquico da criança, articulado ao meio familiar, delineia características das inter-relações. Tosin (2005) sugere que, na devolutiva com a família, tudo o que foi visto e ouvido seja retomado para ajudar a criança e a família a perceber os sentimentos envolvidos, os significados que possuem, mostrando o funcionamento quanto aos aspectos que facilitam e os que dificultam seu desenvolvimento. A tônica da devolutiva deve ser as possibilidades do sujeito e não as dificuldades. Os pais devem ser tratados com objetividade, esclarecendo dúvidas, apontando possibilidades para algumas dificuldades. Uma devolutiva confusa, mal organizada, reverte-se em dificuldade no manejo com os pais. Pode-se provocar uma reação negativa frente as informações e o abandono definitivo do tratamento. A entrevista devolutiva (Cunha, 1986) com a família, pode iniciar com a informação sobre as condições psíquicas da criança, com uma descrição psicodinâmica que esclareça a necessidade e a importância do tratamento para o desenvolvimento global. Na descrição, deve-se apontar características da estrutura de personalidade da criança, podendo-se utilizar termos técnicos, explicando o sentido das palavras utilizadas, para que não ocorram mal- entendidos. Pode-se organizar a comunicação por aspectos da personalidade manifestados na área emocional, social, física. A comunicação deve iniciar por aspectos positivos e, depois, inserir os pontos críticos com relação aos sintomas e conflitos. Salienta-se o cuidado para que o sigilo quanto às sessões da criança seja respeitado, restringindo-se ao parecer diagnóstico e não um relatório das sessões. Após a exposição do parecer, abre-se espaço para as percepções, perguntas, comentários e reações dos pais. É um momento de reflexão em que o psicanalista auxilia na apreensão das informações, assinalando, perguntando, pontuando. O sintoma da criança refere-se também ao meio familiar, o que permite dizer que, assim como na primeira entrevista, os pais experienciam uma quebra narcísica, na entrevista devolutiva, tal vivência reedita-se. Nessa sessão, é necessário que, baseado no parecer realizado, aponte- se a necessidade do tratamento, se este for o caso. Aponta-se ainda os objetivos da direção do tratamento, a perspectiva prognóstica, se esta for possível de ser feita. 4.1 Atendimentos durante o processo de tratamento É precisamente a constatação das ligações e dos pactos estabelecidos entre pais e filhos que implica a necessidade de escutar os pais em entrevistas durante a análise da criança. Se os pais estão implicados no sintoma do filho, precisamos, também, ajudá-los a identificar suas dificuldades relacionadas a este. As entrevistas com os pais podem ser esporádicas, considerando as nuances, necessidades e objetivos de cada caso, por um convite do próprio analista ou a pedido dos pais. Conforme aponta Mannoni (1977), a disponibilidade de abrir espaço de fala para os pais contribui para o desaparecimento progressivo de palavras que mantém a criança numa posição sintomática. O pressuposto de que pais e filho estão implicados entre si leva, necessariamente, a admitir que, no setting psicanalítico, os pais estão sempre presentes por meio do discurso da criança, podendo, a partir do espaço aberto pelo analista, tomar a palavra, reconhecer- se. Nos casos em que os pais ou um deles procuram insistentemente o psicanalista com o pretexto de falar do filho, não devemos esquecer que essa insistência pode ser indício de que existe algum problema pessoal "mascarado" pelas dificuldades da criança (Priszkulnik, 1995). Pode-se atender o pedido, pois a escuta permite que a pergunta, colocada por meio da “problemática do filho”, abra possibilidade de questionamentos e reflexões que implica pessoalmente o familiar no sintoma da criança. TEMA 5 – A ENTREVISTA DE ALTA COM A FAMÍLIA O processo de alta pode se iniciar com a percepção do analista acerca das condições psíquicas da criança, considerando os objetivos traçados no tratamento desta, bem como o desenlace da transferência, devendo ser pensado com o paciente. A alta de um paciente é também um ato analítico, ele produz efeitos no paciente e na família, podendo surgir resistências e inseguranças. O processo de alta, ou seja, o término do tratamento só pode ser compreendido por meio de uma decisão conjunta das partes envolvidas: paciente/analista e pais. O psicanalista deve observar se o paciente apresenta sinais de elaboração psíquica e crescimento emocional e, principalmente, a relação com o próprio sintoma. Num segundo movimento, após paciente e analista conversarem, os pais são inseridos nessa reflexão e, somente após uma decisão conjunta (psicanalista, paciente e pais), programa-se a data de encerramento, agendando-se no último dia a entrevista de alta. Stümer et al (2009) sugerem a ideia da finalização do tratamento podendo vir do paciente, dos pais, do psicanalista, ou, ainda, das três partes envolvidas quando há uma melhora visível e clara que justifique um término terapêutico. Muitas vezes, ocorre o que chamamos término combinado, quando uma das partes, geralmente os pais, anunciam a decisão de encerrar o processo, sendo combinado um período para trabalhar com criança o processo de separação e a despedida do analista. Términos a pedido também podem ser o final de um processo produtivo e de crescimento (analista ainda apontasse conteúdo a ser trabalhado). Falcão (2016) aponta aspectos a serem considerados para a indicação de alta da criança: • Do ponto de vista da criança, • possuir uma capacidade de lidar com o mundo pulsional, tanto do ponto de vista da libido amorosa quanto da destrutiva: interações do id com o eu, processos primários e secundários e avaliação das ações do supereu; • apresentar uma labilidade dinâmica entre os processos primários e secundários; • esbatimento dos sintomas que perturbavam o desenvolvimento psicossexual; • tercapacidade de insight, ao mesmo tempo compreendendo que possa desaparecer em função do recalque; • incorporar o brincar proporcionado pela experiência analítica, expandindo-o na vida da criança; • manter internalizada a capacidade de se identificar com a função analítica: os investimentos do analista e seu trabalho interpretativo acrescidos dos investimentos da criança se constroem como uma identificação a essa função; • adquirir a autonomia necessária de acordo com sua faixa etária; • ter capacidade de trocas afetivas familiares e sociais. O término combinado e programado permite uma preparação para do desenlace entre o paciente e o analista, um período para elaborar a separação e o término do tratamento. Na entrevista de alta, o analista pode iniciar a sessão retomando o motivo e a demanda do trabalho, relembrar as características psicológicas iniciais da paciente, o processo do tratamento (quanto à dinâmica psíquica) e as condições atuais que permitem a alta. Esta sessão pode ser feita em conjunto, paciente, pais e psicanalista, favorecendo a expressão e a percepção de todos, acerca do tratamento e o término deste. NA PRÁTICA Uma das preocupações mais frequentes de analistas iniciantes ou de estudantes de psicologia ou psicanálise com relação à entrevista psicológica refere-se ao encadeamento das perguntas a serem feitas. Essa preocupação impede o estudante ou o profissional de escutar atentamente o que está sendo dito. Muitas vezes, a preocupação “O que é que eu vou perguntar agora?” torna- se o centro da atenção, prejudicando o processo de escuta. Muito mais do que se preocupar com a próxima pergunta ou colocação, a lógica necessária deve ser de querer entender mais sobre o que os pais estão falando. Na primeira entrevista, as perguntas em torno da queixa inicial são fundamentais para a entrada no trabalho. O que está acontecendo? Como está acontecendo? Desde quando começou? O que pensam estar associado a tal problema? Qual a percepção do familiar sobre a problemática? Permitindo que as colocações dos pais fluam livremente, sem que se prejudique o curso associativo para que as organizações inconscientes apareçam. Estas, entre outras possibilidades, podem ajudar a construir uma primeira percepção (hipótese) sobre o caso, no entanto, a utilização deve ser aplicada pela pertinência do encadeamento. Ou seja, não adianta a utilização forçada e descontextualizada de perguntas, elas devem ter relação ou conexão com o encadeamento discursivo. Trata-se de se despreocupar com relação à própria performance e se ocupar do outro. Outro ponto que merece ser exemplificado, dentro da temática dos pais, são as queixas com relação ao filho e pedidos de como agir com ele, que de fato denotam a desorientação do adulto. Se essa demanda não recebe resposta imediata e serve de possibilidade para que os pais comecem a falar da vida deles, aos poucos surge “outra” dificuldade, a dificuldade deles em relação à própria vida. O manejo do atendimento permite que possa se processar um reposicionamento quanto à queixa que motivou a busca por um psicanalista (que não vai se restringir somente à primeira entrevista). O pai ou a mãe tem possibilidade de se reconhecer e se rever, reorganizando-se com relação a si próprio e ao filho. Muitas vezes, o familiar acaba admitindo espontaneamente: “não é só meu filho que precisa de análise, eu também”. FINALIZANDO Nesta etapa, conhecemos a atuação interprofissional de profissionais da área psi (psicólogos, psicoterapeutas, psicanalistas, psiquiatras) por meio da interconsulta, sua forma de execução e manejo. A qual pode ser realizada em consultórios particulares, clínicas, escolas, postos de saúde, hospitais etc. Conhecemos as condições iniciais dos pais da criança frente à busca por tratamento psicanalítico; refletimos e ponderamos a importância do contato inicial, por meio da primeira entrevista e delimitamos a estrutura da primeira entrevista. Aprendemos como, após terminar o psicodiagnóstico, realizar a entrevista devolutiva com os pais, elaborando a comunicação do parecer de forma clara, organizada e objetiva. Compreendemos a possibilidade de escuta esporádica dos pais, durante o tratamento da criança. Por último, pensamos sobre o período próximo à alta da criança, a definição, a programação e o formato da entrevista final. REFERÊNCIAS ABERASTURY, A. Psicanálise da criança: teoria e técnica. Porto Alegre: Artmed. 1982. ATTAL, J. Transferência e final de análise com criança. In: A criança e o psicanalista. Rio de Janeiro: Companhia das Letras, 1998. BERARDINO, L. As entrevistas preliminares na psicanálise com crianças. Revista Associação Psicanalítica de Curitiba, 2011. CASTRO, K. de. As etapas da psicoterapia com crianças. In: CASTRO, M. et al. Crianças e adolescentes em psicoterapia: a abordagem psicanalítica. Porto Alegre: Artmed, 2009. CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA (CFP). Código de ética profissional do psicólogo. Brasília, DF, 2005. KUPFER, M. Pais: melhor não tê-los?. In: ROSEMBERG, A. (Org.). O lugar dos pais na psicanálise de crianças. São Paulo: Escuta, 2002. MANNONI, M. A criança atrasada e a mãe. 2. ed. Lisboa: Moraes, 1977. PRISZKULNIK, L. A criança e a psicanálise: o "lugar" dos pais no atendimento infantil. Psicol. USP, São Paulo, v. 6, n. 2, p. 95-102, 1995. Disponível em: . Acesso em: 22 mar 2023. script=sci_arttext&pid="S217648912017000100004"&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: .22 mar. 2023. SILVA, A.; RUDGE, A. Os pais no tratamento psicanalítico de crianças. Trivium, Rio de Janeiro, v. 9, n. 1, p. 23-35, jun. 2017. Disponível em: