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Cleyton Gomes Carneiro
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Cleyton Gomes Carneiro
HERMENÊUTICA
BÍBLICA
1ª Edição
Sobral/2017
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SUMÁRIO
Palavra do Professor autor
Sobre o autor
Ambientação à disciplina
Trocando ideias com os autores
Problematizando
Unidade de estudo 1: A Hermenêutica e suas propriedades
Conceito de Hermenêutica
O uso da Hermenêutica em diferentes áreas do saber
A Hermenêutica bíblica
Definições de Hermenêutica bíblica
Necessidade e propósito da Hermenêutica bíblica
Unidade de estudo 2: a compreensão bíblica
As dificuldades na interpretação bíblica
A dualidade divino-humana das Escrituras
A Bíblia como livro divino
A Bíblia como livro humano
Unidade de estudo 3: A Hermenêutica bíblica
Regras práticas da hermenêutica bíblica
Regra áurea: a bíblia interpreta a bíblia
A interpretação gramatical
Observações acerca da interpretação gramatical
A interpretação histórica
A interpretação teológica
A interpretação teológica e os gêneros literários
Gêneros literários do Antigo Testamento
Gêneros literários do Novo Testamento
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Unidade de estudo: 4 Figuras de linguagem
O que é uma figura de linguagem?
Por que se utilizam figuras de linguagem?
As figuras de linguagem acrescentam cor e vida
As figuras de linguagem chamam a atenção
As figuras de linguagem tornam os conceitos abstratos mais concretos
As figuras de linguagem ficam mais registradas na memória
As figuras de linguagem sintetizam uma ideia
As figuras de linguagem estimulam a reflexão
Como saber se uma expressão apresenta sentido figurado ou literal?
A linguagem figurada é oposto da interpretação literal?
Alguns tipos de figuras de linguagem
As figuras de linguagem que transmitem comparação
As figuras de linguagem que transmitem substituição
As figuras de linguagem que transmitem omissão ou supressão
As figuras de linguagem que transmitem exageros ou atenuações
As figuras de linguagem que transmitem incoerências
Como devemos interpretar as figuras de linguagem?
Descobrir se existe alguma figura de linguagem
Descobrir a imagem e o objeto na figura de linguagem
Especificar o elemento de comparação
Não presumir que uma figura sempre signifique a mesma coisa
Sujeitar as figuras a limites por meio da lógica e da comunicação
Unidade de estudo 5: A Hermenêutica e suas habilidades
A Hermenêutica e a necessidade da aplicação
Listas de erros hermenêuticos frequentes
Auxiliares para uma boa hermenêutica
Explicando melhor com a pesquisa
Leitura Obrigatória
Saiba mais
Pesquisando com a Internet
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Vendo com os olhos de ver
Revisando
Autoavaliação
Bibliografia
Bibliografia Web
Vídeos
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Palavra do professor
Quando pensamos em interpretação das Escrituras é importante sempre
termos em mente que de uma maneira ou outra qualquer um que leia a Bíblia e fale
algo sobre ela já se apresenta como um intérprete. Por isso, é indispensável que o
teólogo e estudioso da Bíblia conheça corretamente as ferramentas de compreensão
do texto bíblico, a fim de poder se mostrar eficiente em seu trabalho hermenêutico.
O hermeneuta bíblico precisa ser consciente de que sua tarefa não diz
respeito somente ao trabalho textual, mas lida ainda com pessoas, já que a única
finalidade de entender a Bíblia são para torná-la clara e significante para si mesmo e
aos outros.
É muito comum que a maioria dos indivíduos em suas igrejas acredite que
entende bem a Bíblia, e que a maior parte do que lhe é dito é tudo verdade, no
entanto, é bem verdade que apenas poucos desses têm alguma noção de como
entender o que esse livro diz. Por isso, cabe ao estudioso ser sensato e conduzir
seu público por meios claros que o auxilie também a caminhar sozinho rumo ao
descobrimento das verdades da fé, e se torne maduro.
Não deve ser atitude do estudioso nem a arrogância nem o orgulho
pretensioso de si mesmo e suas possíveis qualificações, pelo contrário, deve ser
cordato e paciente procurando sempre responder com equidade aos que se lhe
apresentam questões-problemas. É bem provável que as pessoas comumente
sejam hostis, afinal, nunca é fácil lidar com os pontos essenciais da fé, religião e
crenças das pessoas, principalmente quando esses podem ser abalados.
Todavia, por isso, sua disposição deve ser de oração e mais estudos,
mantendo sempre a humildade, confiando que a única e verdadeira recompensa
vem daquele que é o Senhor das Escrituras.
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Desejo que você seja iluminado, fortalecido diariamente e conduza muitos à
compreensão da Palavra de Deus.
O autor!
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Sobre o autor
Cleyton Gomes Carneiro. Mestrando em
Filosofia pela Universidade Federal Ceará
(UFC). Graduando em Filosofia pela
Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA).
Pós graduado em Psicopedagogia Institucional
e Clínica pelo Instituto Superior de Teologia
Aplicada (INTA). Bacharel em Teologia pelo
Instituto Superior de Teologia Aplicada (INTA).
Licenciado em Pedagogia pela Faculdade de
Teologia de Boa Vista (FATEBOV).
Atualmente, professor temporário da rede estadual de ensino no Estado do Ceará.
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Ambientação à disciplina
O que é Hermenêutica Bíblica?
Diz respeito ao processo organizado e baseado em princípios gerais de
interpretação de texto, porém, com especificidades de compreensão das Escrituras
bíblicas. Tal especificidade se deve ao fato de a Bíblia ser tida como palavra
inspirada e revelada por Deus, o que a torna um livro ímpar.
A hermenêutica bíblica é a tarefa de todo estudioso sério das Escrituras, pois
é o meio pelo qual se pode entender a vontade de Deus para os tempos bíblicos e
contextualizá-la à realidade atual.
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Trocando ideias com os autores
Prezado estudante, você agora é convidado a conversar com os autores das
obras indicadas abaixo, fazendo uma reflexão sobre a Hermenêutica Bíblica.
Para aprofundamento do assunto, sugerimos a leitura destas obras que
abordam os conceitos necessários à compreensão do conteúdo referente à
disciplina Hermenêutica Bíblica.
Você encontra dificuldades para ler e até entender o Antigo
Testamento? Neste livro, o Dr. Brown oferece um guia
simples para a leitura do Antigo Testamento. Cada livro é
introduzido com uma explicação do contexto e a sua
mensagem principal, destacando palavras-chave e temas
importantes. Ele apresenta a importância do Antigo
Testamento, tirando lições práticas para a vida do cristão
hoje.
BROWN, Raymond. Entendendo o Antigo Testamento: esboço, mensagem e
aplicação livro por livro. São Paulo: Shedd, 2004.
“Entendes o que lês?” Esta pergunta foi feita por Filipe, há
muitos anos, a um eunuco, alto oficial da rainha da Etiópia, que
estava lendo o livro de Isaías sem nada compreender. Lucas
narra em Atos a resposta desafiante do eunuco: “Como posso
entender se não há ninguém para me explicar?”.
O tempo passou, mas o desafio continua, pois hoje não são
poucos que, a exemplo do eunuco, admitem não conseguir entender a Bíblia. Foi
pensando nessas pessoas que Gordon Fee e Douglas Stuart escreveram este livro.
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Nesta nova edição, o leitor desfrutará de um livro totalmente atualizado. Inclusive
com o acréscimo de um capítulo que trata sobre a questão da tradução da Bíblia e o
uso das diversas versões para a tarefa da interpretação bíblica.
FEE, Gordon D.; STUART, Douglas. Entendes o que lês?: Um guia paraé oposta da interpretação literal?
Não devemos achar que o sentido figurado seja o oposto do sentido literal. O
sentido figurado transmite a verdade literal, ou seja, o autor apenas escreveu a
mensagem literal de outra forma, para reforçar seu sentido; mas, os fatos são
literais. Não devemos confundir com a alegorização (Alegorizar é procurar algum
significado oculto no texto. Uma alegorização é uma história contada). Por exemplo,
quando dizemos: “Fulano virou um bicho quando soube”, claro que não quer dizer
que virou um animal, mas ficou furioso. Porém a verdade é literal, seja falando de
uma forma ou de outra.
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Alguns tipos de figuras de linguagem
As figuras de linguagem que transmitem comparação
Símile – É uma comparação que lembra outra explicitamente. Pedro usou um símile
quando disse que “… toda carne é como a erva…” (1 Pe. 1.24). Jesus também fez
uso do símile quando disse: “… eu vos envio como cordeiros para o meio de lobos”.
A dificuldade dos símiles é descobrir as semelhanças entre os dois elementos. Em
que aspecto a carne é como a erva. De que forma os cristãos são como cordeiros?
Metáfora – É uma comparação em que um elemento representa outro, sendo que os
dois são essencialmente diferentes. Em uma metáfora a comparação está implícita.
Temos um exemplo disso em Isaías 40.6: “Toda a carne é erva”. Note que é
diferente da expressão em 1 Pedro, acima. Jesus comparou seus seguidores ao sal:
“Vós sois o sal da terra” (Mt. 5.13). Quando Jesus afirmou: “Eu sou a porta” (Jo.
10.7-9), “Eu sou o bom pastor” (vv. 11-14) e “Eu sou o pão da vida” (6.48), ele
estava fazendo comparações. O leitor é levado a pensar de que forma Jesus
assemelha-se a tais elementos.
Hipocatástase – Não é uma figura de linguagem tão conhecida, mas também faz
uma comparação, na qual a semelhança é indicada diretamente. Davi, no Salmos
22.16, disse: “Cães me cercam…”. Ele não estava se referindo aos caninos, mas sim
aos seus inimigos. Os falsos mestres também são chamados de cães em Filipenses
3.2, e lobos vorazes em Atos 20.29. Em João 1.29, João Batista fez uso de uma
hipocatástase, quando exclamou: “Eis o Cordeiro de Deus”.
As figuras de linguagem que transmitem substituição
Metonímia – A metonímia consiste em trocar uma palavra por outra. Por exemplo,
quando afirmamos que o Congresso tomou uma decisão, queremos dizer que os
deputados e senadores tomaram a decisão. Pode ser também que a causa seja usada
em lugar do efeito. Os opositores de Jeremias disseram: “…vinde, firamo-lo com a
língua…” (Jr. 18.18). Como seria absurdo produzir ferimentos com a língua, é claro que
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eles estavam referindo-se a palavras. Em Atos 11.23, temos outro exemplo quando fala
de Barnabé: “…e, vendo a graça de Deus…”. O sentido aqui só pode ser o do efeito da
graça, pois a graça, na realidade não pode ser vista. Temos exemplos de substituição
de elementos relacionados ou semelhantes. quando Paulo disse: “Não podeis beber o
cálice do Senhor…” (1 Co. 10:21), ele não estava se referindo ao cálice propriamente
dito, mas sim ao conteúdo do cálice. Quando o Senhor disse para Oséias que “a terra se
prostituiu…”, a palavra terra diz respeito à
população.
Sinédoque – É a substituição do todo pela parte, ou da parte pelo todo. Em Lucas
2:1, a Bíblia nos diz que o imperador César Augusto emitiu um decreto de que
deveria ser feito o censo “do mundo todo”. Ele falou do todo, mas estava se referindo
ao Império Romano. É óbvio que Provérbios 1:16 – “…os seus pés correm para o
mal…” – não significa que somente os pés corriam para o mal. Os pés são a parte
que representa o todo. Áquila e Priscila arriscaram suas próprias cabeças (Rm 16:4).
Nesta sinédoque, “suas cabeças” representa suas vidas, o todo.
Personificação – É a atribuição de características ou ações humanas a objetos
inanimados, a conceitos ou animais. A alegria é uma emoção atribuída ao deserto,
em Isaías 35:1. Isaías 55:12 fala de montes cantando e árvores batendo palmas. A
morte personifica-se em Romanos 6:9 e em 1 Coríntios 15:55.
Antropomorfismo – É a atribuição de qualidades ou ações humanas a Deus, como
ocorre nas referências aos dedos de Deus (Sl. 8:3), a seus ouvidos (31:2) e a seus
olhos (2 Cr. 16:9).
Antropopatia – Esta figura de linguagem atribui emoções humanas a Deus, como
vemos em Zacarias 8:2: “…tenho grandes zelos de Sião”.
Zoomorfismo – Se o antropomorfismo atribui qualidades humanas a Deus, o
zoomorfismo atribui características animais a Deus (ou outros). Em Salmos 91:4,
faz-se referência a penas e asas. Jó descreveu o que ele considerou como ira de
Deus contra ele quando disse: “...contra mim rangeu os dentes…” (Jó 16:9).
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Apóstrofe – É uma referência direta a um objeto como se fosse uma pessoa, ou
uma pessoa ausente ou imaginária, como se estivesse presente. O salmista
empregou um apóstrofe em Salmos 114:5: “Que tens, ó mar, que assim foges?…”
Miquéias fala diretamente à terra, em Miquéias 1:2: “Ouvi, todos os povos, prestai
atenção, ó terra…”. Em Salmos 6:8, o salmista fala como se seus inimigos
estivessem presentes: “Apartai-vos de mim, todos os que praticais a iniquidade…”.
Eufemismo – Consiste na substituição de uma expressão desagradável por outra
mais suave. Falamos da morte mediante eufemismos: “passou desta para melhor”,
“bateu as botas”. A Bíblia fala da morte dos cristãos como um adormecimento (At.
7:60; 1 Ts. 4:13-15).
As figuras de linguagem que transmitem omissão ou supressão
Elipse – é uma supressão de uma palavra facilmente subentendida. É a omissão
intencional de um termo facilmente identificável pelo contexto ou por elementos
gramaticais presentes na frase. Em 1 Co. 15:5, “os doze”, representa “os doze
apóstolos”.
Pergunta retórica – Uma pergunta retórica é aquela que não exige resposta; seu
objetivo é forçar o leitor a respondê-la mentalmente e avaliar suas implicações.
Quando Deus perguntou para Abraão: “Acaso para Deus há algo muito difícil?…”
(Gn. 18:14), ele não esperava ouvir uma resposta. A intenção era que o patriarca
refletisse mentalmente. Paulo fez uma pergunta retórica em Romanos 8:31: “… se
Deus é por nós, quem será contra nós?”. Estas perguntas são formas de se
transmitir informações.
As figuras de linguagem que transmitem exageros ou atenuações
Hipérbole – É uma afirmação exagerada em que se diz mais do que o significado
literal, com o objetivo de dar ênfase. Vejamos em Deuteronômio 1:28 a resposta dos
espias israelitas sobre a tomada de Canaã: “”…as cidades são grandes e fortificadas
até os céus…”
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Litotes – É uma frase suavizada ou negativa para expressar uma afirmação. É o
oposto da hipérbole. Quando dizemos: “Ele não é um mau goleiro”, na realidade
queremos dizer que ele é um goleiro muito bom. Esta atenuação dá ênfase à frase.
Em Atos 21:39, Paulo disse: “… eu sou judeu, natural de Tarso, cidade não
insignificante”, quis dizer que Tarso era uma cidade importante.
Ironia – É uma forma de ridicularizar indiretamente sob a forma de elogio.
Geralmente vem marcada pelo tom de voz da pessoa que fala, para que os ouvintes
percebam. Por isso, às vezes é difícil saber se algo escrito é, ou não, uma ironia. O
contexto nos ajuda a perceber isso. Por exemplo Mical, filha do rei Saul, disse a
Davi: “… que bela figura fez o rei de Israel…” (2 Sm. 6:20). O versículo 22 nos
mostra que o sentido pretendido era o oposto, ou seja, o rei havia se humilhado
agindo daquela maneira. Em 1 Reis capítulo 18, no episódio de Elias contra os
profetas de Baal, vemos que Elias ironizou a Baal várias vezes.
Pleonasmo – Consiste na repetição de palavras ou no acréscimo de palavras
semelhantes. Atos 2:30 quer dizer literalmente “Deus lhe havia jurado com
juramento”. Como para nossa língua é uma repetição desnecessária a NTLH (Nova
Tradução na Linguagemde Hoje) traduziu sem esta repetição.
As figuras de linguagem que transmitem incoerências
Oxímoro – Consiste na combinação de dois termos opostos ou contraditórios.
Quando falamos, por exemplo, “um silêncio eloquente”, empregamos um oxímoro.
Em Fp. 3:19, Paulo diz que a glória dos inimigos de Cristo está em sua infâmia; em
Romanos 12:1 somos desafiados a sermos “sacrifícios vivos”.
Paradoxo – É uma afirmação aparentemente absurda ou contrária ao bom senso.
Um paradoxo não é uma contradição; é simplesmente algo que parece ser o oposto
do que em geral se sabe. Jesus utilizou muitos paradoxos em seus ensinos. Um
deles nos diz que quem quiser salvar sua vida deve perdê-la. Os humilhados serão
exaltados. O maior no reino de Deus é o menor. Se você quiser viver então morra.
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Como devemos interpretar as figuras de linguagem?
A linguagem figurada é composta por “figuras de linguagem”, que servem
como elementos de estruturação da linguagem. É o oposto da linguagem literal, que
utiliza as palavras no seu verdadeiro significado.
Descobrir se existe alguma figura de linguagem
Às vezes, a figura de linguagem não é reconhecida no texto, causando um
grande problema de interpretação. Quando Paulo falou sobre suportar as
adversidades como um bom soldado, competir com um atleta e receber os frutos da
safra como um fazendeiro (2 Tm. 2:3-6), ele não estava instruindo soldados, atletas
ou fazendeiros.
Quando Jesus disse: “Não deis aos cães o que é santo, nem lanceis para os
porcos as vossas pérolas…” (Mt. 7:6), não estava se referindo a cães ou porcos
literalmente. Cães e porcos eram considerados animais impuros. Portanto o que
deve ser entendido aqui é que não devemos confiar as coisas santas aos ímpios.
Em Jó 38:7, não devemos entender que as estrelas realmente cantam.
Devemos entender que a criação se alegrou com a obra criadora de Deus
(personificação).
Por outro lado, às vezes uma declaração normal é confundida com figura de
linguagem. Em Amós 4:9, não há motivo para crermos de se tratar de adversidades
espirituais, pois de fato essas coisas aconteceram.
Descobrir a imagem e o objeto na figura de linguagem
Em certos casos, ambos são evidentes no versículo, como acontece em
Isaías 8:7. A princípio pode-se ficar na dúvida se a inundação é real ou figurada. A
resposta está no verso seguinte. Portanto, podemos afirmar que a imagem são as
águas impetuosas e o objeto é o rei da Assíria. Contudo, algumas vezes, o objeto
não é especificado e pode até ser confundido. Foi o que aconteceu com as palavras
de Jesus em João 2:19: “Destruí este santuário…”. Santuário era a imagem e os
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leitores (e ouvintes) pensaram que o objeto fosse o templo de Herodes, quando na
realidade, Jesus estava falando de seu próprio corpo.
Especificar o elemento de comparação
Muitas vezes a imagem está expressa, porém, o objeto embora não esteja
explícito, é indicado pelo contexto. Em Lucas 5:34 não diz que o noivo é Jesus, mas
o significado está implícito, já que no verso seguinte Jesus diz que o noivo seria
tirado deles.
Não presumir que uma figura sempre signifique a mesma coisa
Em Oséias 6:4, o orvalho simboliza a brevidade do amor de Judá, enquanto
em 14:5 fala da benção do Senhor sobre Israel.
Sujeitar as figuras a limites por meio da lógica e da comunicação
Quando Jesus falou para a igreja de Sardes “…virei como um ladrão…” (Ap.
3:3), não quis dizer que viria para roubar. No caso, o elemento de comparação é que
viria repentinamente. Quando Jó falou das “colunas” da terra se estremecendo (Jó
9:6), estava falando das montanhas, não como se a terra se apoiasse em colunas.
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A HERMENÊUTICA E
SUAS HABILIDADES
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CONHECIMENTO
Entender as regras da Hermenêutica para que a compreensão da Bíblia consiga
atingir a edificação, pessoal e da igreja.
HABILIDADE
Identificar os erros cometidos usando adequadamente a hermenêutica.
ATITUDE
Desenvolver as regras da hermenêutica usando o livro sagrado através da
interpretação adequada.
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A Hermenêutica e a necessidade da aplicação
O motivo de todo o trabalho desenvolvido pelo intérprete das Escrituras é
apenas um: a edificação, pessoal e da igreja. Portanto, não adianta gastar tempo
para compreender o que dizem as Escrituras e ficarmos apenas no entendimento
que não causa mudanças na vida das pessoas. Toda a análise da Palavra de Deus
deve nos conduzir à edificação. Os modos de chegarmos à edificação são por meio
da aplicação coerente do que pudemos entender no texto bíblico.
Uma simples repetição da narrativa é um método expositivo insuficiente e
ineficaz. Sozinho, tal método conduz a uma “mensagem”, mensagem que
pode ter tido aplicabilidade para os crentes à época em que foi escrita, mas
deixa de ser pertinente aos de hoje. Há necessidade, pois de um método
expositivo que torne as porções narrativas da Escritura aplicáveis aos
crentes de nossos dias sem fazer o texto dizer algo que o primitivo autor
não tinha em mente (VIRKLER, 2001, p. 164).
Não basta apenas interpretar e entender o texto, mas torná-lo relevante às
pessoas que o ouvem hoje. Por isso, é imprescindível que o intérprete tenha em
mente a maneira pela qual transmitirá sua compreensão a respeito das Escrituras.
Abaixo segue um quadro da maneira como Zuck enxerga a necessidade da
aplicação do texto bíblico:
Fonte: ZUCK, 1994, p. 23.
EDIFICAÇÃO
EXPOSIÇÃO
(com exortação)
HOMILÉTICA OU PEDAGOGIA
(princípios de transmissão do conteúdo)
CORRELAÇÃO
TEOLÓGICA
APLICAÇÃO
INDIVIDUAL
EXEGESE
(compreensão do conteúdo)
OBSERVAÇÃO
(sondagem do conteúdo)
HERMENÊUTICA
(princípios de compreensão
do conteúdo)
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O intérprete das Escrituras estuda com o objetivo de ser edificado e levar a
outros a edificação pela compreensão e aplicação da fé bíblica. Portanto, toda a
aplicação deve ser fundamentada na interpretação. Por isso, pular as etapas
interpretativas e ir direto à exposição é, além de desleixado, muito perigoso, pois se
o que se expõe não condiz com a intenção do autor original, o expositor transmitirá
apenas especulações e desvios doutrinários, éticos e práticos.
Segundo Zuck (1994), o intérprete ao transmitir o texto, seja pelo ensino ou
pregação, visando à aplicação para edificação, deve sempre considerar que sua
aplicação esteja fundamentada na interpretação do texto bíblico, e, por isso, deve
descobrir a atitude que o autor esperava que seu público tivesse ao receber seus
escritos, por exemplo, o que Paulo desejava que os coríntios fizessem ao receber
alguma de suas cartas. Para a aplicação cabe também a criatividade do expositor
diante da interpretação, ou seja, deve basear suas aplicações em coisas que sejam
comuns tanto aos primeiros leitores bíblicos como ao público atual, pois isso facilita
o entendimento dos ouvintes. O pregador ou mestre precisa entender que a atuação
de Deus não depende de como ou o que ele faz, se a exposição e aplicação forem
coerentes às Escrituras Deus agirá conforme Sua vontade soberana. Desse modo é
importante que o estudioso entenda os princípios existentes no texto e entenda
como eles se aplicam à realidade atual. Não adianta apenas que se aplique o texto,
mas que ele se torne relevante aos dias de hoje. E acima de tudo, devemos estar na
dependência do Espírito Santo, confiar que somos apenas instrumentos os quais ele
usa, mas que todo o convencimento e transformação que possam ser causados nos
ouvintes vêm unicamente dele.
Listas de erros hermenêuticos frequentes
Silva (2000) apresenta uma lista de erros hermenêuticos que são cometidospor intérpretes descuidados. A atenção e dedicação ao trabalho de interpretação das
Escrituras são indispensáveis, qualquer deslize pode criar desvios doutrinários e até
heresias que perduram na mente e vida de pessoas por séculos.
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Para conhecer com profundidade a Palavra de Deus, é preciso conhecer as regras
de hermenêutica, pois são por meio dessa ciência que são estabelecidos os
princípios, leis e métodos de interpretação.
a) Personalização: Assumir que alguma ou todas as partes da Bíblia
aplicam-se a você de uma forma que não se aplicam a ninguém mais. ("O
que a mula de Balaão diz a mim é que eu falo demais"). Erro também
conhecido como individualização.
b) Universalização: Assumir que uma coisa única ou incomum na Bíblia
aplica-se a todos igualmente. “Todos nós temos nossos Getsêmanis."
lugar de agonia e de salvação. Erro também conhecido como
generalização.
c) Espiritualização: Assumir que eventos e fatos têm sua aplicação concreta
em alguma verdade religiosa além do que eles realmente dizem. ("A
adorável estrutura do templo de Jerusalém nos encoraja a ter nossa
própria vida bem ordenada.").
d) Moralização: Assumir que princípios para a vida diária podem ser
derivados de qualquer passagem. ("Podemos aprender muito sobre
criação de filhos observando como o pai do filho pródigo tratou com seu
filho teimoso.") ("Os egípcios se afogaram no mar Vermelho porque
vacilaram. Você não pode vacilar e ainda esperar ter sucesso nesta vida.")
e) Exemplarização: Assumir que porque alguém fez alguma coisa na Bíblia,
isso seja um exemplo para nós seguirmos. ("Para aprender como contar
histórias no sermão, vamos examinar como Jesus contava histórias.")
("Vejamos como Jesus chamou os discípulos e que isso seja um modelo
para nosso evangelismo.") ("O que podemos aprender sobre adversidade
a partir de como os israelitas suportaram seu tempo de escravidão no
Egito?").
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f) Alegorização: Assumir que os componentes de uma passagem têm
significado somente como símbolos de verdades cristãs. ("O 'amado' é
Cristo; a 'amada' é a Igreja; as 'filhas de Jerusalém' são as Escrituras.")
g) Tipologização: Assumir que algumas personagens ou coisas concretas
são mencionadas para prenunciar outras personagens ou coisas
concretas e mais importantes. ("Josué tinha o mesmo nome de Jesus,
como um conquistador ele aponta para 'O Conquistador'.") ("Esdras veio
ao seu povo de longe; entrou em Jerusalém montado em um jumento;
orou nas ocasiões de crise; ensinou o que para muitos era uma nova lei;
purificou a nação etc. Sua vida aponta diretamente para o Salvador.")
h) Falácia da raiz: Assumir que o/um significado original de uma palavra
acompanha seu uso. ("Ser santo significa ser separado.") [cf. amor =
sentimento/amante = parceiro sexual/amador = não profissional].
i) Confusão de gênero: Assumir que as regras de interpretação para um
gênero literário aplicam-se a outro. ("A parábola de Jesus dos
trabalhadores na vinha contém sete perspectivas úteis sobre o valor do
trabalho duro.") ("O salmo 23 nos ensina como cuidar daqueles que estão
sob nossa autoridade.") ("De acordo com Deuteronômio 33, se nós
confiamos em Deus nunca teremos falta de nada.") ("Mas Provérbios
promete que se honrarmos a Deus seremos bem quistos por todos!")
j) Transferência de totalidade: Assumir que todos os significados possíveis
de uma palavra ou frase a acompanham sempre que ela é usada,
("cabeça” [kephalê], é claro, significa 'fonte' aqui, assim como em uma
referência de Xenofonte à fonte de um rio.").
k) Argumento a partir do silêncio: Assumir que tudo que é relevante para
uma questão é mencionado na Bíblia toda vez que a questão é
mencionada. ("Note que Paulo não condena o sexo pré-nupcial em
nenhum lugar em suas cartas.").
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l) Argumento a partir da autoridade: Assumir que as opiniões de
"especialistas" ou de grande parte deles deve ser correta. ("Smith, que
dedicou sua vida ao estudo de Rute, deve estar correto...") ("Já que isso é
sustentado por poucos eruditos, não parece defensável.").
m) Confusão Israel-Igreja: Assumir que aquilo que se aplica ao Israel bíblico
também se aplica à igreja. ("Podemos aprender como disciplinar crianças
impertinentes a partir dessa lei sobre apedrejar filhos desobedientes.").
n) Confusão Israel-nações modernas: Assumir que coisas que se aplicam
ao Israel bíblico também se aplicam às nações modernas ("De acordo com
2Crônicas 7.14, se orarmos e nos arrependermos Deus sarará o Brasil.").
o) Confusão Israel bíblico-Israel atual: Assumir que o Estado secular atual
chamado de Israel no Oriente Médio é o Israel mencionado na Bíblia.
("Como podemos apoiar os sauditas se eles são inimigos do povo
escolhido de Deus?").
p) Falsa combinação: Juntar duas passagens ou afirmações de forma a
produzir uma conclusão híbrida. ("Em Mateus 25 Jesus chama o inferno
de trevas exteriores e também de fogo, então o fogo do inferno deve ser
algum tipo de fogo divino especial que não emite nenhuma luz. E possível
senti-lo, mas não vê-lo.").
q) Confusão de figura de linguagem: Incapacidade de entender as muitas
expressões não literais na linguagem humana, especialmente as
metáforas. ("Imagine a massiva escala de criação de gado leiteiro e
apicultura cananitas que levou Canaã a ser chamada de terra que mana
leite e mel.").
r) Equívoco: Confundir um termo ou conceito com outro termo ou conceito
não entendendo assim seu significado. ("I Tessalonisenses 5 diz para
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'abster-se de toda aparência do mal' então não podemos nem pedir
informações sobre endereços para uma prostituta.").
s) Falsa pressuposição: Basear todo ou parte de um argumento ou
conclusão sobre pressuposições incorretas. ("A mente hebraica pensava
de forma concreta; a mente grega era abstrata. É por isso que o AT tem
mais rituais e o NT mais símbolos.").
Ferramentas auxiliares para uma boa hermenêutica
Segue abaixo uma lista comentada, porém, não exaustiva de algumas
ferramentas indispensáveis ao intérprete para auxiliar em seu trabalho de
compreensão do texto sagrado. Nas referências se encontram livros básicos sobre o
estudo da hermenêutica, os mesmos foram citados nesta apostila, no entanto, são
muito úteis para o melhor desenvolvimento das capacidades hermenêuticas, já que
eles contêm exemplos os quais demonstraram melhor como funciona a arte de
interpretar o texto sagrado.
a) Várias traduções da Bíblia: Não se trata de Bíblias de estudo, mas apenas
de traduções diferentes do texto bíblico para o português.
● Revista e Atualizada (RA): Ela é uma das versões bem aceitas pelo
público católico e protestante. Sua tradução se baseou no Texto Crítico
ao invés do Textus Receptus. Foi o resultado de treze anos de trabalho
de cerca de trinta revisores, baseando-se no chamado Texto Crítico de
manuscritos mais antigos do Hebraico e Grego que estavam
disponíveis à época. Quanto à linguagem, procurou-se um equilíbrio
entre a linguagem erudita e a popular.
● Revista e Corrigida (RC): Uma das características da RC é sua
linguagem clássica, praticamente erudita. Essa tradução preza pela
equivalência formal, ou seja, procura reproduzir no texto traduzido os
68
aspectos formais do texto bíblico em suas línguas originais (Hebraico e
Grego). O texto grego que serviu de base foi o Textus Receptus. Seu
texto tem como base, além das traduções das línguas originais, uma
revisão e correção a partir da Bíblia inglesa King James.
● Bíblia de Jerusalém (BJ): uma bíblia católica, todavia com uma
linguagem considerada excelente por muitos estudiosos,
principalmente no texto do Antigo Testamento.
● Nova Versão Internacional (NVI): tradução do texto diretamente das
línguas originais hebraico, aramaico e grego. Alguns criticam a
tradução do Antigo Testamento,mas aprovam bem o Novo.
● Nova Tradução na Linguagem de Hoje (NTLH): traz uma linguagem
moderna, simples e contextualizada do texto bíblico, ela pode ser
situada entre tradução e paráfrase.
● A Mensagem: produzida por Eugene Peterson um pastor e estudioso
Norte Americano, não se trata de uma tradução, mas exclusivamente
de uma paráfrase do texto bíblico. O trabalho não foi desenvolvido para
ser usado como material básico de estudo, mas para auxiliar na
evangelização de pessoas em comunidades pobres e com baixo índice
de alfabetização. Contudo, pode ajudar o estudioso e expositor na
aplicação dos textos bíblicos.
b) Dicionários bíblicos:
● Diversos Autores. Dicionário bíblico ilustrado crescer. Editora
Geográfica. - O Dicionário Bíblico Crescer busca guiar o leitor a um
exame cuidadoso da Bíblia, proporcionando uma abrangente rede de
informações sobre conceitos teológicos, fatos, personagens bíblicas,
lugares, plantas, animais, costumes, entre outros elementos. Possui
diversas ilustrações e fotos coloridas que ajudam a esclarecer temas
bíblicos importantes.
69
● Charles F. Pfeiffer. Dicionário Bíblico Wycliffe. CPAD. - O Dicionário
Bíblico Wycliffe proporciona uma vasta rede de informações sobre
nomes e lugares mencionados na Bíblia bem como aspectos
doutrinários, históricos, e pontos importantes do cenário bíblico.
Artigos são escritos por mais de 200 líderes conservadores,
estudiosos evangélicos.
● J. D. Douglas. O novo dicionário da Bíblia. Vida Nova. - O Novo
Dicionário da Bíblia se mantém, há décadas, como a mais completa
fonte de informações para quem deseja pesquisar sobre história e
cultura dos tempos bíblicos, dados sobre arqueologia, geografia,
zoologia e botânica, costumes dos povos da Bíblia, reis, profetas,
personagens em geral, nações e impérios ligados à história bíblica.
Inclui ainda análise muito útil como introdução para cada livro das
Escrituras.
c) Dicionários teológicos
● R. Laird Harris; Gleason L. Archer Jr.; Bruce K. Waltke. Dicionário
Internacional de teologia do Antigo e Novo Testamento. Vida Nova.
- é uma obra sem paralelo no contexto teológico evangélico e
indispensável para todo aquele que se baseia no principal ponto de
partida da hermenêutica histórico-gramatical: entender o sentido
pretendido do texto.
● Justo González. Breve dicionário de teologia. Hagnos. - Seu
propósito não é dizer tudo quanto se possa sobre cada tema, mas tão-
somente o necessário para poder ler e entender livros e tratados
teológicos, nos quais os termos que são explicados aqui aparecem de
maneira repetitiva. Portanto, este dicionário é uma ferramenta para
estudantes que começaram cedo, e para os quais agora oferecemos
este livro.
70
● Elias Soares de Moraes. Dicionário etimológico de nomes bíblicos.
Vida Nova. - Nesta obra Elias Soares apresenta o resultado de suas
pesquisas sobre a origem, a etimologia e o significado de mais de
4.200 nomes de pessoas, rios, cidades, deuses e mitos. O autor refuta,
com sabedoria e sólidos argumentos, o ensino da Quebra de Maldição
Hereditária, crença que tem colocado muitos crentes debaixo da culpa
negativa ao afirmar que suas lutas e adversidades são resultados dos
pecados dos antepassados ou dos significados negativos de seu
nomes".
● Daniel G. Reid (editor). Dicionário Teológico do Novo Testamento.
Vida Nova. - Nos seus mais de 130 verbetes, o DTNT trata dos
seguintes aspectos: todos os livros do NT; temas teológicos relevantes;
acontecimentos decisivos da época do NT; questões de antecedentes
histórico-culturais e métodos de estudo associados ao NT. Além disso,
inclui recursos como diagramas e tabelas, um glossário de termos
técnicos e uma bibliografia para cada assunto abordado.
d) Atlas Bíblica
● Tim Dowley. Atlas Vida Nova da Bíblia e da história do cristianismo.
Vida Nova. - Obra inédita e atualizada apresenta uma riqueza de
informações sobre acontecimentos dos tempos bíblicos e sobre o
desenvolvimento histórico da igreja. São 160 mapas e 50 fotos
coloridas, abrangendo o mundo bíblico e dois mil anos de história da
igreja. Todos os mapas foram produzidos por computador, com muita
clareza e exatidão.
e) Comentários bíblicos
● Série Cultura Bíblica. Introdução e comentário: Antigo e Novo
Testamento. Vida Nova. - Comentários homiléticos e exegéticos,
versículo por versículo. Trazem amplas introduções a cada livro.
71
● Hernandes Dias Lopes. Coleção Comentários Expositivos Hagnos.
Hagnos. – Coleção de 31 livros.
● Diversos Autores. Comentários do Novo Testamento. Cultura Cristã.
- A série foi construída com o propósito de ajudar o estudante da Bíblia
a obter mais profundidade e clareza. Cada volume da série apresenta
introdução e esboço, uma tradução crítica, comentário e aplicação.
● Russel N. Champlin. Comentários versículo por versículo do Antigo
e Novo Testamento. Hagnos – são muito bem elaborados,
principalmente o do Novo Testamento que conta com o texto grego, a
tradução e o comentário.
f) Outros
● Russel N. Champlin. Enciclopédia de Bíblia, teologia e filosofia.
Hagnos. – Uma obra extensa e exaustiva, indispensável para todo
estudioso das Escrituras.
● Norman Geisler; Thomas Howe. Manual Popular de Dúvidas,
Enigmas e "Contradições" da Bíblia. Mundo Cristão. – Este livro é
resultado de mais de 40 anos de pesquisas e esforços no sentido de
fortalecer a fé dos que creem, e esclarecer as dúvidas e
incompreensões dos que não creem na Bíblia como Palavra de Deus.
Nele o leitor poderá encontrar rapidamente respostas e elucidação
para mais de 800 passagens difíceis da Bíblia, de Gênesis a
Apocalipse.
72
73
Explicando melhor com a pesquisa
Sugerimos a você a leitura do artigo, Significado de Linguagem figurada. Este estudo
tem por objetivo aprofundar o conhecimento sobre o que seja linguagem figurada,
que consiste em uma ferramenta ou modalidade de comunicação, que utiliza figuras
de linguagem para expressar um sentido não literal de um determinado enunciado.
GUIA DE ESTUDO:
Após a leitura do artigo, faça uma resenha crítica, apontando suas ideias
e comparando com o que leu.
https://www.significados.com.br/linguagem-figurada/
74
Leitura Obrigatória
Muitas vezes, ao buscar o sentindo nos
textos bíblicos, intérpretes lançam mão de
soluções hermenêuticas atraentes,
supostamente requintadas e verossímeis,
mas que no final se revelam solapadas por
falácias ou sofismas que constituem
perigosas armadilhas no caminho que
conduz à correta compreensão do texto,
podendo causar o desastre hermenêutico.
Tais armadilhas são denunciadas e
desarmadas com perícia e segurança pelo
autor. São armadilhas vocabulares, gramaticais, lógicas, históricas e de pressuposto,
que, se conhecidas e evitadas, permitem que o trabalho de interpretação seja
realizado com muito mais qualidade e bem menos riscos.
CARSON, D. A. Os perigos da interpretação bíblica: a exegese e suas falácias. 2.
ed. São Paulo: Vida Nova, 2000. 144 p. ISBN 85-275-0055-8.
GUIA DE ESTUDO
Após a leitura do livro, faça uma autoanálise crítica sobre o material e em seguida
poste no ambiente virtual.
75
Pesquisando com a Internet
A partir da leitura realizada do material, pesquise na internet um artigo que aborde o
assunto A Hermenêutica e suas propriedades. Em seguida, faça uma resenha
usando os apontamentos colhidos na pesquisa e analisar no material, fazendo
sempre um argumento sobre o que foi detectado,
76
Saiba mais
Com o avanço tecnológico têm surgidoferramentas de auxílio à interpretação
das Escrituras que facilitam muito o trabalho do intérprete. Abaixo, seguem alguns
sites que podem ajudar na hora de fazer as análises textuais, gramaticais e muitos
outros auxílios.
O site http://www.hermeneutica.com traz vários estudos, pregações,
mensagens e aulas, além de apresentarem na prática muitas interpretações textuais.
Seguindo a mesma linha, mas com vários textos bem sistemáticos temos o
http://solascriptura-tt.org em que os estudos e interpretações são baseados na Bíblia
Literal do Texto Tradicional e no TextuReceptus.
Outro site indispensável é o http://www.bibliaonline.com.br, lá há diversas
versões e línguas de Bíblias, antigas e atuais, para visualização e cópia gratuitas.
Nele também é possível colocar versões lado a lado e fazer comparações. Mas se
quer um dicionário bíblico de graça, este link resolve seu problema
http://biblia.com.br/dicionario-biblico.
Para seguir um estudo mais avançado e entrar para a análise de textos em
grego, há também algumas ferramentas que podem lhe ajudar. O primeiro é o
http://www.biblehub.com, aqui você encontra um dos melhores dicionários de grego,
o Strong, completo. Também pode verificar os termos diretamente nos textos
bíblicos e ainda comparar com a versão literal traduzida palavra por palavra, bem
como usar uma Bíblia interlinear online, e muitas outras utilidades.
Porém, se você não entende bem o grego, vai aqui uma ajuda excelente
http://www.gregodiario.com, neste síte você tem diariamente aulas sobre como
aprender sozinho o grego bíblico, além de várias dicas de como interpretar alguns
textos difíceis.
http://www.hermeneutica.com/
http://solascriptura-tt.org/
http://www.bibliaonline.com.br/
http://biblia.com.br/dicionario-biblico
http://www.biblehub.com/
http://www.gregodiario.com/
77
Vendo com os olhos de ver
Assista à palestra com o Dr. Augustus Nicodemus, sobre: Como interpretar a
Bíblia.
Guia de estudo:
Após assistir ao vídeo, faça uma resenha sobre o que compreendeu, em
seguida poste no ambiente virtual.
https://www.youtube.com/watch?v=jJ9UUi_36Dc
https://www.youtube.com/watch?v=jJ9UUi_36Dc
78
Revisando
A Hermenêutica Bíblica é uma das áreas da Hermenêutica Geral. A ocupação
da hermenêutica bíblica é a Escritura e sua compreensão. A hermenêutica é a arte e
ciência da interpretação de textos. Quando referida à Palavra de Deus, seu papel é
analisar quais os melhores métodos que o estudioso bíblico deve utilizar para chegar
ao verdadeiro sentido do texto sagrado. Há vários métodos desenvolvidos por
estudiosos da Bíblia, e todos esses possuem algum valor, no entanto, o método
utilizado pelos teólogos reformadores foi o método histórico-gramatical.
O método histórico-gramatical visa entender o texto em seu contexto bíblico,
ou seja, qual o significado e sentido do texto para o autor bíblico que o escreveu,
qual seu propósito e o que visava ao dedicar seus escritos a determinados
destinatários.
A importância de se envolver com o estudo da interpretação bíblica é que de
uma maneira ou outra qualquer um que leia a Bíblia sempre acaba por interpretá-la;
o problema é que se não segue nenhum método para compreendê-la,
consequentemente, estará mais propenso a cometer equívocos. Enquanto, que um
estudioso dedicado se munirá de ferramentas que o auxiliarão a cada vez mais se
aproximar de uma análise coerente com o que realmente condiz o texto.
Para se entender melhor o texto é necessário perceber as dificuldades que
existem no caminho interpretativo. Cada situação que o intérprete trata decorre de
uma época diferente da sua, com costumes, língua e estilo textual específicos de um
tempo que já não existe mais. Além disso, há a limitação humana diante da própria
revelação dada por Deus. Portanto, o estudioso das Escrituras deve respeitar esses
problemas e tentar transpô-los aos poucos e cada vez mais.
O modo pelo qual o estudioso transporá os abismos hermenêuticos é por
meio da análise textual da língua original, analisando parágrafos, frases e palavras,
então verificando isso com o texto completo, ou seja, o livro ou carta em questão, e
79
conseguinte verificar o contexto maior, isto é, toda a teologia do autor específico,
verificar o pensamento testamentário, por fim, o que toda a Bíblia diz. Também
precisa recorrer a dicionários, léxicos, comentários e livros introdutórios.
Acima de tudo, o foco do hermeneuta é a aplicação bíblica. Não adianta
estudar e interpretar para apenas aumentar o conhecimento. A aplicação é que o
conduzirá à prática da fé e também seus ouvintes, por meio da exposição.
80
Autoavaliação
1- Qual a finalidade da interpretação bíblica?
2- Como conciliar a Bíblia enquanto livro antigo, porém, atual?
3- Em que sentido a hermenêutica pode interferir na fé cristã?
4- Qual deve ser a atitude do estudioso frente a não compreensão do ouvinte diante
de uma interpretação correta, mas que vai contra o que comumente eles creem?
5- Oração e hermenêutica possuem alguma ligação?
81
Bibliografia
BERKHOF, Louis. Princípios de interpretação bíblica: um estudo cuidadoso de um
meio que o Espírito da verdade emprega para conduzir seu povo em toda a verdade.
São Paulo: Cultura Cristã, 2013.
FEE, Gordon D.; STUART, Douglas. Entendes o que lês?: um guia para entender a
Bíblia com o auxílio da exegese e da hermenêutica. 2 ed. São Paulo: Vida Nova,
1997.
OSBORNE, Grant R. A Espiral hermenêutica: uma nova abordagem à
interpretação bíblica. São Paulo: Vida Nova, 2009.
SILVA, Cássio Murilo Dias da. Metodologia de exegese Bíblica. São Paulo:
Paulinas, 2000.
VIRKLER, Henry A. Hermenêutica avançada: princípios e processos de
interpretação bíblica. São Paulo: Vida, 2001.
ZUCK, Roy B. A interpretação bíblica. São Paulo: Vida Nova, 1994.
82
83
84entender a
Bíblia com o auxílio da exegese e da hermenêutica. 3.ed. São Paulo: Vida Nova,
2011.
A maioria dos cristãos tem a Bíblia em alta estima, aceitando-
a como a Palavra de Deus, entretanto, poucos concordam que
entendê-la seja uma tarefa fácil. Todavia, a Bíblia nos foi dada
como instrumento de revelação da verdade e não para mantê-
la ou torná-la obscura.
A interpretação bíblica,com meio de descobrir a verdade da
Bíblia, leva em conta os desafios da hermenêutica bíblica,
considerando suas dificuldades, examina a história dessa
disciplina e explica termos e conceitos essenciais ao bom exercício hermenêutico,
sempre abordando a Bíblia na qualidade de Palavra inspirada, manejando-a com
“reverência e santo temor”.
ZUCK, Roy B. A interpretação bíblica. São Paulo: Vida Nova, 2005.
Guia de estudo:
Após a leitura das obras, faça uma síntese das ideias e identifique algumas
semelhanças e diferenças entre elas. Se esses conceitos são diferentes, em
que consistem tais diferenças? E se são semelhantes, em que consistem tais
semelhanças?
14
Problematizando
Quando se estuda hermenêutica aparecem vários problemas que precisam
ser respondidos com sinceridade pelo próprio estudante, caso isso não aconteça
sempre ficará uma lacuna no pensamento trazendo à lembrança de que algo não
está bem. O principal destes questionamentos trata da importância do estudo das
ferramentas de interpretação bíblica. De fato é necessário seguir todos estes
princípios? É mesmo preciso analisar o texto tão detalhadamente? Como posso me
certificar de que após toda dedicação, minha interpretação estará coerente com a
intenção do autor bíblico?
Além disso, surgem os problemas de ordem existencial, pois, se eu me dedico
a entender o texto sagrado com horas a fio de estudo e depois outros com nenhum
estudo ou dedicação possuem mais proeminência e liberdade de ensino, de fato vale
a pena me desgastar tanto? Não seria melhor nivelar por baixo, já que a maior parte
do estudado é impossível de ser mencionado de uma só vez aos ouvintes?
Compensa estudar tanto e depois ser ignorado ou tido como aquele que se tornou
crítico?
Apesar de tudo isso, há ainda os problemas que dizem respeito ao próprio
texto. Como posso entender a Bíblia como a Palavra de Deus? Como selecionar os
textos que são ou não aplicáveis à atualidade? O que qualifica ou desqualifica uma
interpretação? De que modo posso me desenvolver cada vez mais a fim de seguir
uma intepretação textual coerente? Como analiso o contexto histórico bíblico e se é
possível haver aplicações diretas do texto bíblico à nossa realidade?
15
A HERMENÊUTICA E
SUAS PROPRIEDADES
1
CONHECIMENTO
Entender o sentido real da Hermenêutica e seu uso na disciplina de Teologia.
HABILIDADE
Aplicar a Hermenêutica para que se tenha uma melhor compreensão e interpretação
dos textos.
ATITUDE
Desenvolver técnicas para compreender um texto através do uso da Hermenêutica.
16
17
Conceito de Hermenêutica
A palavra “hermenêutica” deriva do termo grego hermeneutike, que por sua
vez deriva do verbo hermeneuo, significando: arte de interpretar os livros sagrados e
os textos antigos. De modo geral e mais abrangente, fala da teoria da interpretação
de sinais e símbolos de uma cultura e a arte de interpretar leis.
Segundo registra a história, Platão, o famoso filósofo da Grécia antiga, foi o
primeiro a empregar a palavra como termo técnico. Desde então, a palavra sugere a
arte de interpretar escritos antigos e atuais, sejam de ordem espiritual ou das
ciências e do direito. Para esse fim, existe a hermenêutica com um sentido mais
geral.
Além da hermenêutica geral como arte de interpretar os fatos da história, da
profecia, da poesia e das leis, há ainda outro tipo de hermenêutica, é aquela a qual
particularizamos como “Hermenêutica sagrada”, ligada essencialmente à
compreensão e interpretação da Palavra de Deus. Somente quando reconhecemos
o principio da inspiração divina da Bíblia é que podemos conservar o caráter
teológico da Hermenêutica sagrada.
O uso da hermenêutica em diferentes áreas do saber
A disciplina de hermenêutica não é própria da área teológica, é usada
também em várias outras áreas. Na verdade ela é uma matéria indispensável ao
curso de Direito. Por meio dela as leis e usos dessa são interpretados, seja pelo
advogado, pelo promotor, pelo juiz ou por qualquer um magistrado a quem caiba o
ofício de entender algum aspecto legislativo. Também é usada nas áreas de
linguística e filosofia, na primeira segue com a noção básica de interpretação de
textos em que o intérprete tenta analisar as particularidades de um texto para se
compreender os objetivos e intenções do autor. Na segunda, a hermenêutica é tida
de um modo especial, por isso chamada por alguns de hermenêutica filosófica, já
que sua ocupação é basicamente compreender textos filosóficos, os quais
dependem de uma disposição e capacidade específica por parte do intérprete; a
hermenêutica filosófica se preocupa em compreender, inclusive, como os próprios
métodos interpretativos funcionam, e ainda depende de cada círculo interpretativo no
18
qual se desenvolveu alguma filosofia. Por fim, as regras hermenêuticas também são
usadas para analisar e interpretar livros antigos, seja devido ao idioma (ou dialeto)
ou mesmo para a compreensão contextual em que o artefato (Artefato é um produto
ou objeto desenvolvido a partir de uma produção mecânica e para uma finalidade
específica), foi desenvolvido. Nesse caso, até mesmo a arqueologia e geografia
podem se utilizar da hermenêutica.
Para melhor compreensão dos conceitos de hermenêutica filosófica acesse o
estudo Maria Luísa Portocarrero Silva, Conceitos Fundamentais de Hermenêutica
Filosófica, disponível em: http://www.uc.pt/fluc/lif/conceitos_herm
A Hermenêutica Bíblica
A Bíblia se enquadra na maioria dos usos de hermenêutica. É um livro antigo
em idioma e dialetos específicos, com textos de vários tipos e estilos diferentes, nos
quais existem narrativas de povos com culturas e costumes próprios, que
desenvolveram todo um aparato jurídico baseado em um sistema religioso. A Bíblia
é vista pelas linhas ortodoxas do Cristianismo e Judaísmo como sendo inspirada por
Deus. Por isso, recebe o status especial de verdade absoluta e autoridade divina
sobre tudo que ali é tratado, com particularidades em cada vertente cristã. Devido à
inspiração bíblica as regras hermenêuticas seguem alguns pontos de maneira bem
peculiar para se analisar os textos do Antigo e Novo Testamento.
Sobre a Bíblia como livro inspirado conferir, GEISLER, L. N.; NIX, W. E. Introdução
a Bíblia: como a Bíblia chegou até nós. São Paulo: Vida Nova, 1997.
Após nos certificarmos do uso da hermenêutica e sua particularidade quanto
às Escrituras surge a pergunta:
O que é e do que trata à hermenêutica?
http://www.uc.pt/fluc/lif/conceitos_herm
19
Definições de Hermenêutica Bíblica
O termo “hermenêutica” é originário do deus grego Hermes, este era o
mensageiro dos deuses do Olimpo. Daí os estudiosos se apegarem a seu nome
para formularem a palavra hermenêutica, que a princípio tinha a intenção de alguém
que poderia decodificar ou interpretar uma mensagem especial de outrem.
A hermenêutica bíblica é a ciência e a arte da interpretação das Escrituras.
Ciência, pois pode ser estudada e compreendida; arte, porque deve ser posta em
prática e desenvolvida. De acordo com Berkhof (2013, p. 9) “podemos defini-la como
a ciência que nos ensina os princípios, as leis e os métodos de interpretação” os
quais são postos em exercício pelo intérprete. Para Osborn (2009, p. 25) elaé a
“ciência que define os princípios ou métodos para a interpretação do significado
dado por um autor específico”.
É por meio da hermenêutica bíblica que o intérprete compreenderá o que foi
deixado no texto bíblico e pode ou não ser contextualizado à realidade atual. A
interpretação bíblica é a ferramenta pela qual o estudioso das Escrituras atua como
teólogo, tanto para o desenvolvimento de uma teologia bíblica, quanto para a
estruturação da teologia sistemática. Ainda é tarefa do estudioso o ensino e a
pregação da Palavra, o que, nesse caso, diz respeito à atuação desse no contexto
da igreja em meio à sociedade. Por isso Osborne (2009, p. 26) afirma que a tarefa
hermenêutica acontece em três níveis: o exegético, que trata da significação do
texto propriamente dito, ou seja, extrair do texto apenas o que se encontra nele; o
devocional, ou a aplicação do que se é compreendido por meio da exegese; o
homilético, o que implica em compartilhar a compreensão do texto com outras
pessoas.
- A teologia bíblica trata da compreensão específica dos textos bíblicos a partir do
contexto em que foram produzidos, de acordo com a intenção de cada autor bíblico.
- A teologia sistemática é a organização de temas ilustrados nas Escrituras, os
quais o teólogo trata de descobrir e compreender qual parte dos textos bíblicos se
interpreta e fortalece uma teologia mais ampla, apesar da época e intenção dos
escritores bíblicos.
20
- O termo exegese significa “tirar” ou “extrair algo” e nesse caso diz respeito ao texto
bíblico. O contrário é a eisegese, que implica “colocar” ou “adicionar” alguma coisa
ao texto bíblico. (Cf. FEE, G. D.; STUART, D. Entendes o que lê? 2 ed. São Paulo:
Vida Nova, 1997. p. 19.
Para Virkler (2001) a hermenêutica bíblica está vinculada a todas as áreas de
estudos bíblicos e teológicos, sem ela é impossível desenvolver qualquer conteúdo
relevante a respeito da fé cristã e das Escrituras. Ele demonstra isso da seguinte
maneira:
Fonte: (VIRKLER, 2001, p. 11)
Necessidade e propósito da Hermenêutica Bíblica
De acordo com Zuck (1994), todos que se propõe a ler as Escrituras,
inevitavelmente farão algum tipo de interpretação destas, pois a Bíblia não é um livro
em que o leitor possa se manter passivo, ainda que por uma mera leitura. Portanto,
de qualquer modo todo o leitor será um intérprete, mesmo que negue isso. O que
resta saber sobre os leitores da Palavra de Deus é se esses são bons ou maus
intérpretes do texto bíblico.
Segundo Osborne (2009), a importância da hermenêutica está no fato de ela
capacitar o indivíduo para que ele saiba interagir com o texto bíblico em seu contexto
em busca do significado inspirado por Deus de modo que as Escrituras se tornem
relevantes ao homem na atualidade, do mesmo modo como elas falaram com seus
leitores originais. É por meio da interpretação da Bíblia que o caminho entre a
realidade de ontem e a realidade do contexto bíblico será encurtado para que o texto
Teologia
Bíblica
Estudo do
cânon
Crítica
textual
Crítica
histórica
Hermenêutica
(exegese)
Teologia
Sistemática
21
se abra cada vez ao estudante e intérprete. Quanto mais o intérprete se envolver em
sua capacitação dos estudos hermenêuticos, mais ele chegará próximo ao
entendimento do que os autores bíblicos quiseram transmitir aos leitores de suas
épocas.
Como bem lembra Fee & Stuart (1997), no que tange à interpretação das
Escrituras não há originalidade, e o trabalho do intérprete não é alcançar ineditismo,
mas acima de tudo,
o alvo da boa interpretação é simples: chegar ao “sentido claro do texto.” Ε o
ingrediente mais importante que a pessoa traz a essa tarefa é o bom-senso
aguçado. O teste de uma boa interpretação é se expõe o sentido do texto. A
interpretação correta, portanto, traz alívio à mente bem como uma aguilhoada
ou cutucada no coração (FEE; STUART, 1997, p. 14).
A hermenêutica é essencial para a compreensão do ensino correto da Bíblia,
sem as ferramentas necessárias é impossível que haja o entendimento real. O mais
comum é que se façam interpretações pessoais, sem nem mesmo chegar a
compreender o que realmente o texto quer transmitir. Nesse sentido, um
questionamento deve aparecer: Será que Deus deixou sua Palavra para que cada
um a entendesse como bem quisesse?
Se a resposta for positiva todo o estudo interpretativo é em vão. No entanto,
se a resposta for negativa, todo desprendimento e disposição que possamos dedicar
a entendermos o texto sagrado ainda é pouco.
Todos aqueles que são vocacionados para o serviço da Palavra devem ter a
hermenêutica bíblica como algo de extrema importância. Berkhof anota quatro
razões para isso:
1. Só o estudo inteligente da Bíblia vai lhes fornecer o material necessário
para a elaboração de sua teologia.
2. Cada sermão que eles pregam tem a obrigação de ter uma base
exegética sólida. Esse é um dos maiores anseios de nossos dias.
3. Na instrução dos jovens da igreja e na visitação familiar, eles são,
muitas vezes, chamados inesperadamente para interpretarem passagens da
22
Escritura. Nessas ocasiões, um entendimento satisfatório das leis de
interpretação irá ajudá-los substancialmente.
4. Será parte de suas tarefas defender a verdade contra os ataques da
Alta Crítica. Mas, para que possam fazer isso de maneira eficaz, devem
saber como lidar com ela (BERKHOF, 2013, p. 10).
23
A COMPREENSÃO
BÍBLICA
2
CONHECIMENTO
Compreender a linguagem bíblica.
HABILIDADE
Identificar as etapas Bíblicas para que haja uma interpretação coerente das
Escrituras.
ATITUDE
Realizar estratégias de compreensão dentro do estudo bíblico vivenciado através da
Escrituras Sagrada.
24
25
2 As dificuldades na interpretação bíblica
A Bíblia é um livro muito antigo, escrito em uma linguagem já não usada mais,
além disso, teve vários autores com pensamentos e personalidades bem distintas
uns dos outros, em épocas e costumes totalmente diferentes dos atuais. Tudo isso
faz com que o texto bíblico se torne um livro de muita dificuldade para se interpretar.
Segundo Zuck (1994), existem seis abismos que dificultam a interpretação da
Bíblia: o abismo cronológico, o geográfico, o cultural, o gramatical (linguístico), o
literário e o sobrenatural. Estes seis abismos representam a profundidade de nossa
realidade diante da realidade bíblica. Portanto, o intérprete não pode simplesmente
mergulhar nesses abismos esperando alcançar um fundo e com isso entender tudo o
que há nas Escrituras, pois as respostas não se encontram lá. O trabalho do
estudioso é de, pelas ferramentas hermenêuticas, criar pontes que o auxiliem a
transpor o abismo e encontrar as relações entre o “lá” e o “hoje”. Quanto mais
habilidoso se torna o intérprete em sua tarefa interpretativa, tanto mais entenderá o
que o texto bíblico representa.
Cada um destes abismos pode ser assim compreendido:
1. Cronológico: diz respeito à extensão de tempo entre nossa realidade e a
dos autores e escritos bíblicos;
2. Geográfico: a diferença das terras bíblicas da época seja em extensões de
demarcações ou mesmo de como houve alterações na própria condição
da terra, plantações, etc.;
3. Cultural: os costumes, roupas, hábitos, tudo isso representava um povo
que já não existe mais e que vivem de um modo completamente diferente
de qualquer povo que conhecemos hoje;
4. Linguístico: tanto o grego quanto o hebraico bíblicos são considerados
línguas mortas e que já não sabemos nem mesmo a pronúncia correta
dessas. Há expressões, vícios de linguagem e tantos outros artifícios
linguísticos que tudo isso dificulta nossa compreensãodo que trata o texto
bíblico;
26
5. Literário: os estilos de escrita da época e o estilo pessoal de cada autor
são traços difíceis, e até, impossíveis de serem reconstituídos na
atualidade. Do mesmo modo as figuras de linguagens e as características
de construção de textos se diferenciam muito do que conhecemos;
6. Sobrenatural: este abismo tem a ver com nossa identificação diante de
Deus, e nossa relação ao pecado. O pecado embotou a mente do ser
humano, e por mais que estejamos salvos e iluminados pela ação do
Espírito Santo, ainda padecemos à fraqueza e os limites desta natureza
humana. A confusão, o orgulho, as dúvidas, tudo isso nos dificulta o
entendimento das Escrituras.
Portanto, a interpretação coerente das Escrituras é uma tarefa árdua e
apenas por meio do exaustivo trabalho de conhecimento das ferramentas
hermenêuticas é que poderemos caminhar cada vez mais para transpormos os
abismos que nos separam tanto do texto bíblico quanto seu contexto. Apenas
quando nós chegamos à outra margem é que vemos mais claramente o que o texto
tem a nos dizer, não é certeza que chegaremos do outro lado em todos os assuntos,
mas quanto mais perto chegamos mais nos tornamos esclarecidos sobre o que de
fato os autores bíblicos disseram sobre a vontade de Deus deixada nas Escrituras.
Como bem diz Osborne (2009, p. 31) “o único meio de conferir genuína
autoridade à nossa pregação e à vida cristã diária é lançar mão da hermenêutica,
para assim unir o máximo possível nossa aplicação à nossa interpretação e garantir
que a interpretação, por sua vez, esteja em harmonia com a essência do texto”.
A dualidade divino-humana das Escrituras
Encontra-se entre as dificuldades de interpretação das Escrituras sua dupla
natureza: divina e humana. Isso implica que quem deseja interpretá-la corretamente
necessitará ter clareza sobre essa dualidade e respeitá-la do modo devido.
27
A Bíblia como livro divino
Por natureza divina, a Bíblia é um livro especial, único e totalmente diferente
de todos os demais, pois ela representa a verdadeira vontade de Deus através da
história e por meio de documentos escritos, os quais foram mantidos até nossos
dias. Mas, ao contrário, a Bíblia não é Deus e nem digna de adoração ou prestação
de culto. Entender isso é compreender que os métodos hermenêuticos a serem
usados para interpretar a Palavra de Deus não podem ser usados aleatoriamente e
nem de modo desleixado, pelo contrário, eles precisam seguir regras que
possibilitem a compreensão do que é o sentido da vontade Deus, e ao mesmo
tempo fazer isso com a máxima habilidade possível.
Quando dizemos que a Bíblia é a palavra de Deus e, portanto, um livro divino,
estamos afirmando que ela, nos seus escritos originais (autógrafos), é a Palavra de
Deus, e não as diversas traduções que foram sendo formadas durante o tempo pós-
escritos. Por isso, o intérprete deve se envolver sempre em conhecer o sentido
original desses escritos e a intenção dos autores ao escreverem os textos sagrados.
Assim é preciso entender que “os princípios de interpretação, no tocante a seus
elementos básicos, essenciais, não são invenção do homem nem fruto de seu
esforço ou de suas habilidades” (Stuart apud Zuck, 1994, p. 70), mas são princípios
universais dos quais todo o ser humano depende para uma verdadeira
compreensão, inclusive, de sua prática social diária, visto que, quem se comunica
quer entender e ser entendido, e nesse sentido, todos carecemos das ferramentas
de interpretação, o mesmo para entendermos a Bíblia como Palavra de Deus, pois
nela é Deus falando conosco.
A Bíblia como livro inspirado por Deus é o modo pelo qual o Deus superior
resolveu usar para falar conosco, seres limitados e inferiores. Ele usou uma maneira
para que nós pudéssemos compreender Sua Vontade. Por isso, inspirou sua
Palavra, e delegou a homens escrevê-la, mesmo sem estes saberem o alcance da
mesma. Por isso Pedro diz “... homens falaram da parte de Deus movidos pelo
28
Espírito Santo” (2 Pedro 1. 21). E, por isso, escreveram aquilo que Deus os orientou
a escreverem.
Por ser Palavra de Deus o intérprete precisa ter plena consciência e
convicção de que ela é inerrante (que não é errante; fixo, imóvel), ou seja, não
possui, em seus autógrafos originais, erro algum ou contradição que contradiga
qualquer um dos ensinamentos nela contidos. Do mesmo modo é uma fonte
indiscutível da autoridade divina, tudo o que nela está escrito é a vontade e
ordenança de Deus para Seu povo, e meio de juízo para os que não o recebem, por
isso cabe a nós compreendê-la em toda a sua integridade. Ainda é necessário saber
que a Bíblia é uma única unidade, apesar do tempo que levou para ser escrita e
organizada, ela toda é Palavra de Deus e, portanto, verdadeira e coerente em tudo
que apresenta; é o principal meio de intepretação de si mesmo, isto é, a Bíblia
interpreta a Bíblia. É preciso que fique claro ao intérprete que a Bíblia trata da
vontade de Deus sobre toda a humanidade, e esta vontade foi sendo demonstrada
gradualmente por meio de séculos até que, em Cristo, ela fosse completada. A isso
os teólogos chamam de “revelação progressiva”; esta revelação fala ao ser humano
de acordo com sua realidade, tais como as leis que foram dadas a Israel, mas
apenas de modo temporário, e não alcança a realidade da igreja; exemplo, a
circuncisão.
Se o intérprete tem consciência de que a Bíblia é um livro divino, deve
também estar consciente que é um livro que não contém todas as respostas e nem
as respostas para todas as coisas. Da mesma maneira que ela mesma não nos diz
tudo sobre vários assuntos dos quais ela mesma trata, ou seja, a Bíblia é um livro de
mistérios, portanto, quem busca entender a vontade de Deus por meio das
ferramentas hermenêuticas deve iniciar sempre com uma posição respeitosa e
disposta a se calar diante de pontos os quais terá apenas que entender que, talvez,
jamais compreenderá.
A Bíblia como livro humano
A Bíblia é um registro escrito e histórico organizado durante séculos por
homens comuns, por meio de uma linguagem e idiomas falados em suas épocas.
29
Desse modo, é relevante lembrar que tais homens não tinham nada que os
tornassem especiais ou superiores a qualquer outra pessoa, o único fator que os
diferenciou foi o fato de que Deus os tenha escolhido para escreverem Sua vontade.
Além disso a Bíblia também foi escrita para seres humanos, e por isso em linguagem
compreensiva, de acordo com a realidade e necessidades de quem a leria.
Segundo Cate
A premissa fundamental da intepretação é que Deus é um Deus de senso,
não de contra-senso. Quero dizer com isso que tudo o que Deus revelou por
intermédio de seus primeiros porta-vozes deve ter sido entendido tanto por
estes quanto por seus ouvintes. [...] Do prisma humano, o próprio fato de
dispormos de uma Bíblia é sinal de que ela realmente fazia sentido para as
pessoas. Ela comunicou-lhes algo” (CATE apud ZUCK, 1994, p. 72).
Assim, o intérprete deve se firmar no fato de que, os autores humanos que
escreveram a Bíblia tinham tanto interesse que seus leitores os entendessem em
sua época, quanto qualquer pessoa em qualquer outra época, do mesmo modo que
qualquer um de nós desejou que ambos entendam nossos próprios escritos. Muitos
estudiosos tendem a interpretar as Escrituras de diversos modos, porém, se
levarmos em consideração a intenção do autor ao escrever o texto, nos resta apenas
perceber que, acima de qualquer entendimento que possamos ter, precisa
prevalecer a compreensão literal do que o texto apresenta. Ninguém ao receber uma
carta fica imaginando o que haverá de oculto entre aquelas linhas, ao ponto que se
esqueça da mensagem clara já exposta na carta. Logo, o intérprete precisa olhar
para a Palavra de Deus na mesma posição daqueles, e entender como seele
mesmo fizesse parte da realidade destes.
Munido desse entendimento o estudioso da Bíblia precisa entender que o
contexto das Escrituras aconteceu em lugares específicos, com pessoas reais que
viviam em comunidades, com costumes próprios, linguagem comum a um povo,
dependiam de um contexto histórico e geográfico o qual conheciam e
compartilhavam. Podemos falar ainda nas disposições do próprio autor do texto,
que carregava consigo suas capacidades intelectuais, seu estilo literário, seus
próprios costumes e realidade de vida. Inevitavelmente, tudo isso afetou cada texto
das Escrituras. O que a torna um livro digno de compreensão humana por meio do
30
senso comum da lógica e da comunicação, sem invenções que não possam ser
comprovadas como sendo integradas aos escritores ou leitores bíblicos.
31
A HERMENÊUTICA
BÍBLICA
3
CONHECIMENTO
Entender as regras da Hermenêutica dentro da sua prática de estudo.
HABILIDADE
Identificar as etapas da hermenêutica e seu uso na interpretação coerente das
Escrituras.
ATITUDE
Saber usar as etapas da hermenêutica corretamente e chegar à compreensão do
estudo das Escrituras com clareza.
32
33
Regras práticas da Hermenêutica Bíblica
Através do estudo da hermenêutica os ensinamentos da Bíblia passa a ser
mais compreensível se assim aplicarem corretamente suas regras. Elas são
baseadas nas "normas de linguagem" que conduziram a comunicação por escrita
nos tempos bíblicos.
Regra áurea: a Bíblia interpreta a Bíblia
“A Bíblia interpreta a Bíblia”, esta é uma frase de Lutero que tipificava toda a
relação das Escrituras com a Reforma Protestante. Essa também é a principal regra
a se tratar quando se pretende interpretar o texto Bíblico.
A Bíblia é a única fonte totalmente confiável para se entender o que nela está
escrito. Não possuímos qualquer outro texto inspirado além dos que foram aceitos e
canonizados no Antigo e Novo Testamento, principalmente, pelos protestantes – já
que a igreja católica inseriu material com lendas e fábulas, os quais claramente se
contradizem com o texto totalmente bíblico. De acordo com Berkhof (2013, p. 42) “a
Bíblia não foi feita, mas cresceu, e a composição dos seus muitos livros marca os
estágios de seu desenvolvimento progressivo. Ela é, em última análise, o produto de
uma mente única, a corporificação de um único princípio frutífero que se ramifica em
várias direções”.
Afirmar que a Bíblia interpreta a si mesma é o mesmo que dizer que todas as
partes das Escrituras foram escritas sem fugir o eixo da vontade de Deus que,
apesar de todo o tempo proposto para a organização das Escrituras, permanece do
primeiro livro até o último.
Portanto, o intérprete precisa ter claro para si mesmo a maneira como o texto
bíblico se envolve e desenvolve-se como fonte primordial de sua própria
compreensão. Primeiramente, qualquer texto que lermos na Escritura se relaciona
diretamente com o contexto textual próximo, isto é, os versículos imediatamente
anteriores e posteriores ao que lemos. Conseguinte, se relaciona com os capítulos
que tratam do mesmo assunto dentro do livro ou carta. Então, em sentido mais
34
amplo aborda todo o livro ou carta no qual está inserido. Porém, também é preciso
situá-lo seja no Novo ou Antigo Testamentos, e como estes se interdependem um do
outro. Por fim, toda a Bíblia deve ser analisada para a compreensão de um único
texto.
Qualquer fonte que usemos para compreender as Escrituras que não seja a
própria Bíblia deve ser usada com cuidado.
Um dicionário em nossa língua, ou comentários bíblicos deve ser empregado
com cautela. Por exemplo, o autor X afirma que a palavra Y foi usada por algum
escritor bíblico, e ele ao estudar sobre os povos da Fenícia descobriu uma palavra
semelhante, e acredita que ela se encaixa perfeitamente no contexto o qual aparece
no texto bíblico, logo, ele afirma: “o texto bíblico tem raízes fenícias, e, assim sendo,
esse texto implica tal coisa que antes não era conhecida”. Esse erro etimológico é
mais comum do que se imagina, o mesmo acontece quando pegamos palavras
bíblicas e tentamos compreender a partir de nosso dicionário em português, pois,
apesar de termos uma tradução bíblica, ela foi escrita em línguas com conceitos e
significados, muitas vezes, diferentes dos que aparecem em nossos dicionários.
Portanto, o intérprete deve ter claro em sua mente que a maior e melhor fonte
mais confiável de autoridade interpretativa das Escrituras é ela mesma em seu
contexto. Quando aparecem textos os quais são de difícil compreensão, e o próprio
contexto geral do texto bíblico não nos oferece a interpretação em nenhuma escala,
o mais provável é que tenhamos de aceitar que não há interpretação plausível sobre
o texto. Muitas vezes, fontes externas podem ajudar, mas nunca resolver
definitivamente a análise textual.
A interpretação gramatical
Conscientes de que a Bíblia interpreta a si mesma, é necessário sabermos
que o trabalho de compreensão é unicamente nosso enquanto intérpretes, pois a
interpretação não aparece sozinha, e somos nós quem buscamos entender o que diz
o texto e como ele se aplica à nossa realidade.
35
A Reforma Protestante retomou o processo de interpretação histórico-
gramatical das Escrituras, rejeitando todos os métodos alegóricos e a autoridade da
igreja católica como única digna de interpretar a Bíblia. Agora, cada um, a partir do
protestantismo, por meio das regras hermenêuticas, poderia interpretar e conhecer a
Palavra de Deus pessoalmente. Que fique claro, o protestantismo não autorizou
ninguém a entender a Bíblia a seu bel prazer, mas, pelo contrário, qualquer um que
se interessasse poderia descobrir o sentido único e literal da Escritura por si mesmo.
A interpretação gramatical diz respeito à exegese propriamente dita. Exegese
implica em retirar do texto aquilo que ele nos fornece, seu objetivo é “descobrir o que
o texto diz e quer dizer, e não lhe atribuir outro sentido” (ZUCK, 1994, p. 114). Como
em qualquer texto, os pensamentos por meio da escrita são formulados por
palavras, frases, parágrafos e, enfim, o texto em sua plenitude, e a Bíblia não é
diferente.
O modo de compreendermos as Escrituras por meio da análise gramatical é
necessário tratarmos o texto da seguinte maneira:
a) Parágrafos: blocos de pensamentos que expressam um sentido dentro do
texto;
b) Frases: afirmações por meio de conclusões e argumentos que ajudam a
desenvolver um bloco de pensamento (parágrafo);
c) Palavras: a unidade mais básica de um texto, as palavras por si mesmas
não nos informam o sentido de um texto, por isso precisam ser analisadas
a partir do contexto em que foram usadas.
Primeiramente, buscamos entender um bloco de pensamento do autor, não
necessariamente um capítulo como aparece devido em nossa Bíblia, mas,
escolhemos um parágrafo que apresente um objetivo ou problema demonstrado pelo
autor bíblico.
Exemplo: “Não ameis o mundo nem as coisas que há no mundo. Se alguém amar o
mundo, o amor do Pai não está nele; porque tudo que há no mundo, a
concupiscência da carne, a concupiscência dos olhos e a soberba da vida, não
procede do Pai, mas procede do mundo” (1 Jo 2.15, 16).
36
A partir do texto resumimos o pensamento do autor em uma sentença breve,
o que poderia ser: “Quem ama o mundo e suas coisas, não há o amor de Deus
nele”. Uma compreensão básica pode nos levar a entender que João está
lembrando a seus leitores de que a principal razão de ser do cristão é serem amados
por Deus, e este amor o conduz a Ele e não a satisfazer-se nesta vida terrena.
Depois de entendermos o parágrafo passemos às frases (sentenças,afirmações). “Não ameis o mundo nem as coisas que há no mundo”. João, aqui, é
categórico, e chama a atenção com um imperativo a seus leitores. “Se alguém amar
o mundo, o amor do Pai não está nele...”, isso é uma comprovação, quem recebeu o
amor de Deus não se envolve com o mundo. “...porque tudo que há no mundo, a
concupiscência da carne, a concupiscência dos olhos e a soberba da vida, não
procede do Pai, mas procede do mundo.”, então João esclarece que coisas são
essas, isto é, trata-se de algo que se encontra na pessoa e não fora dela, não é o
que se vê, mas como se enxerga; não diz respeito ao que se deseja, porém, como
se deseja e a qualidade que se dá a tal necessidade. Então, ele finaliza reforçando o
início de sua sentença.
Após analisar o parágrafo e suas sentenças o intérprete passa a verificar as
palavras que o escritor bíblico usou para transmitir sua intenção a seus leitores.
Nesse caso, uma palavra de extrema importância no parágrafo é o termo “mundo”.
Precisamos verificar em um dicionário bíblico seu significado. Descobriremos que
João empregou o vocábulo grego kosmos, o qual foi traduzido em nossas versões
por “mundo”. No entanto, a definição deste conceito vai muito além de dizermos: “o
planeta terra é o mundo”. Nesse caso, kosmos implica também tudo o que foi criado,
e ainda o mesmo sistema que rege a criação. No pós-queda a regência do mundo
passou a ser o pecado, e é exatamente disso que João trata no texto acima. Amar o
mundo é ser regido por um sistema pecaminoso que envolve a vontade da carne,
dos olhos e da vida, e então, o indivíduo não é conduzido pelo amor de Deus.
37
O exemplo demonstrado configura apenas de modo básico como o intérprete
deve proceder em sua análise gramatical do texto bíblico, e, portanto, a
interpretação apresentada não configura uma hermenêutica definitiva.
Após a análise no texto propriamente dito deve-se avançar à compreensão do
texto no contexto do livro ou carta, nos demais escritos do mesmo autor, por fim no
Novo Testamento e Antigo Testamento.
Observações acerca da interpretação gramatical
Segundo Berkhof (2013), o intérprete deve ter sempre em consideração que a
análise de palavras isoladas deve ser conduzida com cuidado, pois a intenção do
autor foi desenvolvida por meio das sentenças em um bloco de pensamento, e as
palavras foram utilizadas de modo a organizarem tal pensamento, portanto, para o
escritor bíblico elas só fazem sentido no contexto em que elas foram usadas.
O significado etimológico (língua original) das palavras deve ser visto com
cuidado e não se deve gastar muito tempo com ele, já que nem sempre fornece a
compreensão necessária para a intepretação do texto. Já “o significado atual de uma
palavra tem muito mais importância [...]. Para interpretar corretamente a Bíblia, ele
deve ter conhecimento dos significados que as palavras adquiram no curso do
tempo e do sentido em que os autores bíblicos as usaram” (BERKHOF, 2013, p. 54).
Também é indispensável que o intérprete procure conhecer as palavras
sinônimas mencionadas pelos autores bíblicos, tanto palavras que se repetem são
importantes, quantos termos que possuem significados semelhantes. De acordo com
Zuck (1994, p. 122), “perceber a diferença entre uma palavra e seus sinônimos pode
ajudar a reduzir o número de significados possíveis”.
Deve ser levado em consideração, a premissa maior de interpretação das
Escrituras, isto é, “a Bíblia interpreta a Bíblia”, nesse caso, implica dizer que muitas
vezes o próprio autor pode ter esclarecido o significado de muitas palavras que ele
mesmo usou, e até mesmo explicar passagens completas em outra ocasião. Por
isso, é de suma importância que o estudioso se preocupe com o contexto, para só
38
então lançar mãos de ferramentas fora da própria Bíblia. Por exemplo, dentro dos
escritos joaninos encontramos o termo logos, que para este autor possui um
significado extremamente importante de quando aparece em várias outras
passagens das Escrituras, portanto, é necessário que o hermeneuta entenda o que
João quer dizer com logos, e não, ir buscar nos escritos de Platão o significado
dessa palavra.
Toda palavra apresenta apenas um significado dentro do contexto em que ela
aparece, portanto, não se deve imaginar que por um termo possuir vários modos de
uso em uma língua que eles foram utilizados pelo escritor dentro de um mesmo
contexto. Por exemplo, quando dizemos “A paixão de Cristo” e, “Assistir séries é
minha paixão”, percebemos claramente que em cada frase o vocábulo “paixão” se
apresenta de uma maneira diferente, desse modo entendemos que na primeira frase
implica “sofrimento” e na segunda sentença “algo de que se gosta muito”; e de modo
algum imprimiríamos o sentido de um no outro. Logo, o mesmo não deve ser feito
com os termos bíblicos, mas cada um deve respeitar seu significado único de acordo
com o contexto em que foi usado.
A interpretação histórica
Interpretação Histórica também conhecida por alguns estudiosos como
Interpretação cultural ou histórico-cultural.
A Bíblia é propriamente um livro histórico, por isso, deve-se ter consciência ao
interpretá-la de que seu conteúdo diz respeito à história, e, portanto, apenas pode
ser entendida à luz da história. Segundo Berkhof (2013, p. 87), “as interpretações
gramatical e histórica [...] são sinônimas. As leis especiais da gramática [...] foram o
resultado das suas (dos autores) circunstâncias peculiares: e só a história pode nos
levar de volta a essas circunstâncias”.
De acordo com Fee & Stuart (1997, p. 23), “a questão mais importante do
contexto histórico, no entanto, tem a ver com a ocasião e o propósito de cada livro
39
bíblico e/ou das suas várias partes”. Isso implica em afirmar que a história mais
importante é a que está contida nos textos bíblicos e não a história dos povos aos
quais ela está relacionada. Por exemplo, os povos mencionados nas Escrituras
como: judeus, babilônicos, assírios etc, devem ser levados em consideração para
interpretação principalmente no que a própria Bíblia diz a respeito deles, qualquer
fonte secundária a ser observada deve estar submissa à Escritura. Desse modo, se
algum ponto da história geral se contradiz ao texto bíblico, este último precisa de
maior consideração. A ocasião e a realidade tanto do autor quanto dos leitores são
primordiais dentro do contexto histórico da própria Bíblia. Do mesmo modo, o
propósito pelo qual o livro ou carta foi escrito deve ser tido em conta como uma
finalidade dentro da história, e não no que tange a seu alcance à nossa realidade. A
intenção histórica dos escritos era transmitir um propósito a seus leitores
específicos, por isso, o único sentido que podemos encontrar é o sentido do autor.
Consideremos, então, que um texto jamais significará aquilo que nunca significou,
mas terá o único significado pelo qual foi escrito em dado momento da história.
Ao se fazer a interpretação histórica o hermeneuta deve analisar
primeiramente quem é o autor do livro. Em muitos casos o perfil do escritor está
apresentado no contexto da Escritura, seja em seu próprio texto ou em outros livros
da Bíblia, mas em alguns casos o que se tem é uma tradição a respeito da autoria
de determinados escritos bíblicos. Por exemplo, muitas cartas do apóstolo Paulo não
aparecem seu nome ou identificação, porém, a tradição da igreja, isto é, os primeiros
pais eclesiásticos identificaram Paulo nesses escritos. Quais foram as fontes deles?
Em alguns casos são pessoas que tiveram contato com o apóstolo dos gentios, e em
outros, não sabemos. Já quanto à carta aos Hebreus não há identificação alguma de
quem tenha sido seu autor, nem mesmo a tradição descobriu isso, mas, apesar de
não termos o nome do autor da epístola, ainda é possível traçar seu perfil; por
exemplo, podemos saber que oautor era alguém que entendia muito bem a história
e costumes judaicos, inclusive as Escrituras dos judeus.
O intérprete precisa descobrir o máximo possível sobre o perfil do escritor
bíblico, desde suas qualificações pessoais, como profissão até sua formação familiar
e intelectual. Também deve descobrir quais as condições sociais do autor, sejam
40
as de nascimento ou as atuais, isto é, quando escreveu seu texto. É importante que
descubra em qual circunstância geográfica ele estava ao produzir seu escrito,
incluindo qualquer coisa que possa interferir em seu pensamento ou linguagem. Por
exemplo, quando Paulo estava na prisão usou diversos termos que tratam de
liberdade e cadeias. A ocasião política também é um fator muito importante, caso o
autor esteja em um lugar no qual o evangelho não é permitido politicamente, isso
demonstraria uma grande diferença para outro local onde o evangelho tem portas
abertas. Ou mesmo se o autor estiver passando por problemas como uma invasão
inimiga à sua nação, como Jeremias. Isso poderia influenciar diretamente sua
condição emocional, e consequentemente seus escritos. Cabe ao intérprete, ainda,
entender em que tipo de situação religiosa o escritor bíblico está vivendo, se ela é
favorável a ele ou se o afeta de modo negativo. Exemplo disso era a condição de
Daniel na Babilônia, em alguns momentos vemos a religião do local agindo contra
sua pessoa, e em outros momentos a mesma religião lhe atribuindo virtudes.
Outros pontos relevantes sobre o histórico de um livro dizem respeito à data
de composição do texto bíblico e ao mesmo tempo quanto à situação de como esses
foi formado. Cabe aqui lembrar que muitos profetas do Antigo Testamento, como:
Jeremias, Isaías e outros, antes de produzirem seus livros proféticos relataram ao
povo por meio do discurso todo o conteúdo que apenas posteriormente se tornaria
um documento para a posteridade. Nesse caso, é importante que o intérprete
identifique, se possível, como esse desenvolvimento se deu.
Importante!
Cabe aqui lembrar que o texto deixado por seus autores tinha um propósito
peculiar ao qual o escritor bíblico visava alcançar, e é esse objetivo que o estudioso
deve descobrir. Por fim, também cabe ao intérprete descobrir quem era o público a
quem o texto se destinava.
Era muito comum que os escritores bíblicos adaptassem seus textos à
realidade de seu público, tornando assim seu texto compreensível aos que o lessem.
Logo, as particularidades históricas dos receptores são de extrema importância, se
razoável nas mesmas esferas em que se analisou o perfil do autor.
41
Segundo Berkhof (2013), quando se trata da interpretação histórica deve-se
levar em consideração as fontes internas, a Bíblia propriamente dita, e tentar
responder à pergunta: “o que a Bíblia diz?”. Então, apenas depois, considerar as
fontes externas, ou mais precisamente, todas as inscrições que se relacionam
diretamente com o contexto histórico bíblico do Antigo e Novo Testamento, bem
como os manuscritos antigos ainda existentes, por fim, os autores antigos que
relataram sobre assuntos os quais tratam as Escrituras.
A importância de se conhecer a amplitude do contexto histórico bíblico é tão
indispensável que Sproul afirma:
A não ser que acreditemos tenha a Bíblia caído do céu de pára-quedas,
escrita com uma pena celestial numa língua celestial curiosa,
exclusivamente adequada como instrumento de revelação divina, ou então
que foi ditada por Deus direta e imediatamente, sem referência a nenhum
costume regional, estilo ou perspectiva, seremos obrigados a encarar os
abismos culturais (históricos). Isto é, a Bíblia retrará a cultura (história) de
sua época” (SPROUL apud ZUCK, 1994, p. 90 – parênteses nosso).
A interpretação teológica
Até o momento os dois métodos de interpretação anteriores auxiliavam a uma
compreensão direta do texto bíblico, este ponto, no entanto, trata de como
desenvolver o sentido do que dizem as Escrituras e apresentá-lo em seu aspecto
teológico, bíblico e/ou sistemático.
Por interpretação teológica entende-se aquela, que em sentido rigoroso,
extrapola os conceitos bíblicos e os organiza a partir do pensamento desenvolvido
em cada autor bíblico (teologia bíblica), bem como por meio de temáticas que podem
ser compreendidas como existentes em toda a Escrituras (teologia sistemática), por
exemplo, Pneumatologia (estudo sobre o Espírito Santo) e Cristologia (estudo sobre
a pessoa e obra de Cristo).
A hermenêutica teológica é o que forma o corpo doutrinário e guia as ações
práticas da vida de igreja, ou seja, é o que de fato edifica uma comunidade cristã. Se
o intérprete falha em desenvolver uma teologia consistente com as Escrituras, então,
42
em certo sentido terá uma igreja deficiente. Porém, se o intérprete, junto à igreja, se
envolve em cada vez mais compreender as Escrituras e formularem um modelo
bíblico para viverem de acordo com a fé cristã, poderão contemplar uma
comunidade local saudável.
Segundo Berkhof (2013, p. 101), “a Escritura contém muita coisa que não
encontra explicações na História e nem nos autores secundários, mas somente em
Deus como Auctor primarius”. Vários assuntos que nos ajudam a entender o
desenvolvimento da revelação divina não são possíveis de serem explicados apenas
estudando os textos bíblicos nos termos histórico e gramatical, muitos destes
dependem de uma outra via interpretativa. Por exemplo, como entendemos o que é
a Bíblia, sua inspiração, como isso se deu e sua formação, se nada disso se
encontra de modo reunido e organizado nas Escrituras, mas, na maior parte esse
material foi sendo desenvolvido durante toda uma trajetória à parte das Escrituras,
mesmo que em comunidades cristãs. No caso da compreensão a respeito da
Trindade, da humanidade-divindade de Cristo, da personalidade do Espírito Santo,
sobre os acontecimentos e envolvimentos escatológicos à realidade cristã, ou
mesmo em relação à constituição antropológica, homem e mulher em suas
faculdades principais. Nenhum desses temas são encontrados em apenas um lugar
da Bíblia, mas, através de um estudo sério, estudiosos perceberam que a teologia
cristã está contida no pensamento de cada autor sagrado.
Na interpretação teológica a Bíblia é vista em sua unidade, nesse sentido,
cada tema, seja a partir de cada autor, ou no todo das Escrituras, parte
primeiramente de entender o pensamento de um tempo, seja de um livro em seu
todo, ou de um Testamento em sua integralidade, ou mesmo da Bíblia em sua
completude; ao mesmo tempo em que as relações entre cada parte da Palavra de
Deus também se reúnem e se auxiliam na compreensão do todo teológico.
Para Berkhof (2013), além de uma análise dos temas teológicos e do
pensamento dos autores bíblicos, podemos levar em consideração o sentido místico
da teologia. Apesar de muitos estudiosos rejeitarem a ideia de uma teologia mística
em detrimento de uma teologia puramente literal, ele afirma que de maneira
43
moderada as Escrituras parecem permitir que houvesse, em muitos casos, um senso
que permite ao intérprete enxergar pontos que o autor quis transmitir, mas não ficou
evidente logo de cara. Por exemplo, os casos em que os autores do Novo
Testamento interpretaram textos do Antigo de modo místico. Podemos notar ainda a
relação de vida espiritual e biológica, ou ainda da natureza com Deus e/ou a
humanidade. Nada da própria natureza define Deus, mas muito dela demonstra uma
autoria divina de toda a criação. Visualizarmos a mão de Deus agindo com controle
e cuidado sobre a realidade. A relação entre o viver individual e o viver da
comunidade da fé através da poesia. Ou mesmo a esperança de todos estarmos
caminhando para uma realidade superior e invisível aos nossos olhos. A teologia
mística não é uma produção independente da Bíblia, mas umacompreensão que o
intérprete pode alcançar por meio da meditação nas Escrituras; claro, sem extrapolar
ou se contradizer com aquilo que já é a verdade.
O sentido místico da Bíblia não é limitado a qualquer livro da Bíblia nem a
qualquer uma das maneiras fundamentais de revelação de Deus como, por
exemplo, a profecia. Ele é encontrado em vários escritos bíblicos, nos livros
históricos, nos poéticos e também nos proféticos (BERKHOF, 2013, p. 107).
A interpretação teológica e os gêneros literários
Como já mencionado anteriormente, a Bíblia possui vários tipos diferentes de
literatura, às quais denominamos de gêneros literários. O estudioso da Bíblia precisa
inteirar-se de que ler as cartas paulinas não é a mesma coisa que ler os livros
históricos do Antigo Testamento; fazer um estudo no livro de Salmos é bem diferente
de analisar o Apocalipse de João. Conhecer os gêneros literários das Escrituras é
entender as particularidades interpretativas de cada um desses gêneros, e se não
nos damos conta dessas singularidades em cada um deles acabamos por achar que
todos possuem uma mesma perspectiva na interpretação. Segue uma lista desses
gêneros e uma breve apresentação das particularidades hermenêuticas de cada um:
44
Para uma melhor análise de cada um destes gêneros recomendamos a leitura de
FEE, G. D; STUART, D. Entendes o que lês? 2 ed. São Paulo: Vida Nova, 1997.
Neste livro os autores trabalham todas as regras hermenêuticas a partir deste
modelo de estruturação da interpretação das Escrituras pelos gêneros literários.
Partem sempre do método histórico-gramatical.
Gêneros literários do Antigo Testamento
a) Narrativas: como já mencionamos, a Bíblia é um livro histórico, portanto, falar
em narrativas é o mesmo que dizer história, porém não no sentido geral, mas
por tratarem da realidade de indivíduos específicos em circunstâncias
específicas. O objetivo, como afirmam Fee & Stuart (1997, p. 64), “é mostrar-
nos Deus operando na Sua criação e entre seu povo. As narrativas O
glorificam, ajudam-nos a entendê-lo e dar o devido valor a Ele, e nos dão um
quadro da Sua providência e proteção. Ao mesmo tempo, [...] são
importantes para nossas vidas”. Toda narrativa, como em uma peça teatral,
mas da vida real, possuem “trama, enredo e personagens”. Segundo os
mesmos autores, as Narrativas, as quais pertencem principalmente ao Antigo
Testamento existem em três níveis: 1) Superior, que diz respeito ao plano
completo de Deus sobre toda a humanidade; 2) intermediário, que trata da
centralização de Israel enquanto nação escolhida por Deus em cumprimento
de seu plano maior; e 3) inferior, ou sobre a vida individual de cada pessoa
dentro dos níveis anteriores. Diante de tudo isso o que deve ser observado é
o plano superior de Deus, e não apenas as histórias dos homens, a Bíblia não
existe por causa de suas vidas, ou mesmo suas vidas existem por causa das
Escrituras, mas a história que é mencionada na Palavra de Deus tem o único
interesse de transmitir a vontade maior de Deus em seu plano para toda a
humanidade.
b) As leis: é impossível ler toda a Escritura e não se deparar com as leis
veterotestamentárias. A maior dificuldade aparece, hoje, na era cristã, quando
nos perguntamos se a legislação do Antigo Testamento também deve ser
seguida pela igreja cristã. As leis dadas a Moisés claramente se referiam à
aliança de Deus com o povo de Israel, e essas leis foram para que se
cumprissem o propósito divino para aquele momento específico em que
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tratava com a humanidade. A não ser que alguma lei tenha sido restaurada no
Novo Testamento, elas não são para a igreja. Os Dez Mandamentos, por
exemplo, tem praticamente todos os seus mandamentos restaurados e se
espera que a igreja os siga. [ Alguns grupos religiosos como os Adventistas
do Sétimo Dia e outros, entendem que todos os mandamentos do decálogo
permanecem na Nova Aliança, inclusive o sábado, o quarto mandamento].
Então, logicamente, segue-se que não devemos cometer adultério tanto
quanto não devemos ter outros deuses. Sobre as demais leis periféricas, se
elas dizem respeito a questões morais, estão diretamente ligadas ao
Decálogo, portanto, devem ser observadas. Todavia, leis rituais e culturais
não são ordenanças para a igreja, tais como, não cozer o filhote do cabrito no
leite de sua mãe. O que precisamos entender agora é que as leis do Antigo
Testamento continuam sendo a Palavra de Deus, inspirada por ele, porém,
elas não são mandamentos de Deus para a igreja, exceto nos casos em que
foram reformadas por Cristo ou pelos apóstolos.
c) Profecia: longe de serem livros que discorrem sobre adivinhações, os
escritos proféticos tratam da vontade de Deus concretizada sobre Israel, o
desenvolvimento de Seu plano sobre a humanidade, e do cumprimento deste
mesmo plano. De certo modo os livros proféticos são obras de esperança. Os
profetas falavam em prol de Deus, para que o povo conhecesse Sua vontade
e se arrependesse, ou em outros casos, aceitasse os acontecimentos os
quais Deus queria que eles passassem. Contudo, as profecias imediatas a
Israel diziam respeito a eles, e não se aplicam, enquanto profecia, à igreja. No
máximo, elas podem conter aplicação à mudança de vida para nossos dias.
As profecias messiânicas se cumprem em Cristo, e nas profecias
escatológicas. As profecias que se cumprem na igreja se realizaram em Atos,
logo no início da manifestação da comunidade cristã. Portanto, as profecias
para o cristão, são acima de tudo uma confirmação e reforço à fé de que
todas as coisas estão patentes diante de Deus, e Ele tem o controle de todas
elas.
d) Salmos: os Salmos se enquadram na qualidade de poesias judaicas. Eles
são os textos do Antigo Testamento mais próximos de quem os leem, já que
tratam de questões de fórum íntimo, de necessidades, sofrimentos, alegria e
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arrependimento. Os Salmos, muitas vezes, são orações de contrição ou de
celebração, em outros momentos se tratam de louvores a Deus. De certa
maneira quem os lê se relaciona com o autor. Tratam do relacionamento do
homem com o Senhor. Eles são poemas musicais, e por isso têm a intenção
de tocar as emoções de quem os leem. Desse modo, devemos ser
conscientes de que os Salmos não se aplicam diretamente à vida da igreja ou
à nossa enquanto indivíduos, porém, eles nos auxiliam a compreender o
nosso próprio relacionamento diante de Deus, a partir da vida de tantas outras
pessoas. A partir deles podemos perceber que não somos os únicos que
enfrentamos dificuldades em nossas vidas, mas mesmo assim podemos nos
manter confiantes na grandiosidade de Deus.
e) Sabedoria: os livros de sabedoria são Provérbios e Eclesiastes, e em parte o
livro de Jó. Eles tratam de ditos de sabedorias que tinham a intenção, não de
serem leis, mas orientações às pessoas. A maioria deles é aplicável até nos
nossos dias, não implica que devem ser seguidos à risca, mas apenas como
auxílio em determinadas situações da vida. Por isso, devem ser lidos não de
modo isolado, mas no todo. Precisamos entender o plano geral do livro, por
exemplo, de Provérbios e aí compreender o que cada um está afirmando.
Gêneros literários do Novo Testamento
f) Evangelhos: esse gênero é uma exclusividade do cristianismo, e os que o
desenvolveram foram chamados de evangelistas, não no sentido de
pregadores, mas no sentido especial daqueles que escreveram os
Evangelhos. Eles tratam a respeito da vida e obra de Cristo, não de modo
biográfico, já que não intencionam transmitir cada detalhe sobre Jesus. Mas,
acima de tudo os Evangelhos pretendem ser obras que discorrem a respeito
do plano específico de Deus sobre a salvação por meio de Cristo dispensada
a toda a humanidade. Os próprios Evangelhos, afirmam Fee & Stuart (1997),
são hermenêuticos, consiste em compreensões dos ensinos de Cristo que seaplicaram à realidade das igrejas do primeiro século. Para entendermos e
aplicarmos os Evangelhos à igreja de hoje precisamos analisar o contexto
histórico daquelas primeiras igrejas e como elas mesmas aplicaram esses
escritos. Os Evangelhos são quatro dimensões e perspectivas diferentes de
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um mesmo tema: O Salvador esperado que trouxe a salvação. Por isso,
qualquer interpretação desse gênero parte desta última afirmativa.
g) Parábolas: são contos reais ou não, mas que geralmente tratam de
acontecimentos reais e possíveis. Há algumas parábolas no Antigo
Testamento, porém, o palco desse gênero são os Evangelhos, mais
propriamente as palavras de Cristo. Muitos pensam, erroneamente, que Jesus
usou as parábolas para confundir as pessoas, no entanto, Fee & Stuart (1997)
afirmam que na verdade quando Cristo disse que as parábolas eram mistérios
(Marcos 4.10-12), este termo estava ligado não a coisas ocultas, mas a um
sentido de enigma, ou “quebra-cabeça”, e esses não poderiam ser entendidos
apenas em parte, mas em seu todo. Desse modo, o que Jesus realmente
disse é que apenas aqueles que andassem com ele o tempo todo e ouvisse a
maior parte dos Seus ensinos seriam aqueles que de fato poderia entendê-lo,
pois apenas esses teriam todas as peças necessárias para responder ao
enigma ou organizar o “quebra-cabeça” de Sua mensagem. Para se
interpretar uma parábola é necessário descobrir os pontos de referência,
isto é, aquele ponto que se trata do grande momento da parábola; o
importante não é a história em si, mas o que ela causa. Outro ponto relevante
é a identificação do auditório, ou seja, para quem a Parábola é dirigida. A
mensagem da parábola não está no significado das partes, na verdade elas
no final se tornam até irrelevantes, o mais importante é que nos coloquemos
na posição daqueles que ouvem a parábola e nos identifiquemos com o
questionamento principal que a parábola faz. A partir deste questionamento é
que poderemos compreender e aplicar a parábola à nossa realidade.
h) Apocalipse: novamente lembramos que há literatura apocalíptica no Antigo
Testamento, no entanto, o Apocalipse de João é uma obra completa que trata
deste assunto. A literatura apocalíptica não é exclusividade da Escritura, na
verdade existem vários outros livros sobre o gênero. Todavia, apenas o
escrito bíblico trata desse assunto a partir da ação do Messias e Sua salvação
sobre a igreja. A dificuldade de se entender o livro de Apocalipse reside no
fato de muitos não saberem se se trata de um livro literal ou em sentido
figurado. No entanto, também precisamos entender, ele se apresenta por
meio de figuras de linguagem. Sobre as figuras de linguagem neste livro
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necessitamos saber que, ou elas são interpretadas no próprio livro (no
contexto textual) ou a partir de literatura confiável e próxima a era cristã, ou
então tudo que dissermos sobre essas serão apenas especulações. O
Apocalipse de João é uma junção de três tipos literários: carta, profecia e
apocalíptico. Portanto, o intérprete deve levar em consideração que ele é
ocasional, é preditivo quanto à igreja e às últimas coisas, e tem o interesse de
manter a esperança no cumprimento do plano eterno de Deus. Não é possível
entender esse gênero fora de seu próprio contexto histórico, textual e
gramatical.
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FIGURAS DE LINGUAGEM
4
CONHECIMENTO
Compreender as figuras de linguagens existentes.
HABILIDADE
Identificar as figuras de linguagem
ATITUDE
Saber usar as figuras de linguagem dentro dos textos da Bíblia para que haja uma
compreensão das Escrituras.
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O que é uma figura de linguagem?
Figura de linguagem é simplesmente uma palavra ou frase usada fora de
seu emprego ou sentido original.
Por que se utilizam figuras de linguagem?
As Figuras de linguagem são utilizadas para ressaltar a mensagem.
Podemos considerar como recursos tanto na fala ou na escrita para tornar o
conteúdo de maneira mais significativa, fazendo com que a mensagem tenha um
sentido especial como se estivesse sendo dita de maneira normal.
As figuras de linguagem acrescentam cor e vida.
“O Senhor é a minha rocha” (Sl. 18:2) é uma forma viva de se dizer que podemos
confiar no Senhor, pois Ele é forte e inabalável.
As figuras de linguagem chamam a atenção.
O interesse do ouvinte ou leitor é despertado. Isso fica nítido na advertência de
Paulo em Fp. 3:2, cuidado com esses cães.
As figuras de linguagem tornam os conceitos abstratos mais concretos.
A frase: “por baixo de ti estende os braços eternos” (Dt. 33:27) certamente transmite
uma ideia mais concreta do que “O senhor te sustentará”.
As figuras de linguagem ficam mais registradas na memória.
A afirmação de Oséias “Como vaca rebelde se rebelou Israel…” (Os. 4:16) é mais
fácil de lembrar do que se tivesse escrito: “Israel é extremamente teimoso”.
As figuras de linguagem sintetizam uma ideia.
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Elas captam a ideia de forma mais abreviada, elas dizem muito em poucas palavras.
A famosa metáfora: “O Senhor é meu Pastor…” (Sl 23:1) nos transmite rapidamente
a ideia do cuidado de um pastor com suas ovelhas.
As figuras de linguagem estimulam a reflexão.
As figuras de linguagem levam o leitor a parar e pensar. Quando lemos Salmos 52:8
– “quanto a mim, porém, sou como a oliveira verdejante, casa de Deus…” – somos
desafiados a meditar nas semelhanças que essa símile nos traz à mente.
Como saber se uma expressão apresenta sentido figurado ou
literal?
Em geral, uma expressão está em sentido figurado quando destoa do
assunto, ou quando não combina com os fatos, experiência ou observação. Quando
o Cleber Machado narra um jogo de futebol e diz que o “Porco” venceu o “Leão”, não
quis dizer realmente que um porco (animal) venceu um leão (animal), mas sim que o
Palmeiras venceu o Sport, ou seja, naquele contexto (futebol) faz todo sentido.
As regras abaixo nos ajudam a identificar as figuras de linguagem.
a) Adote sempre o estilo literal das passagens, a menos que haja boas razões
para não fazê-lo. Por exemplo, quando João disse que 144.000 serão selados
– 12.000 de cada uma das 12 tribos de Israel – não há razão para não
respeitarmos o sentido normal, literal (Ap. 7:4-8).1 No entanto, no verso
seguinte o apóstolo faz menção do “Cordeiro” (v. 9), o que, obviamente é uma
referência a Jesus, não a um animal, como João 1.29 deixa claro;
1
Neste exemplo pode haver aqui uma figura sim, haja vista que estamos diante de uma
impossibilidade, pois as 12 tribos já não existem desde que as tribos de Israel do Norte foram
dispersas no cativeiro Assírio em 722 a.C.
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b) Se o sentido literal resultar numa impossibilidade, o sentido verdadeiro é o
figurado. O Senhor disse para Jeremias que o havia posto como “coluna de
ferro e por muros de bronze”(Jr. 1:18);
c) O sentido é o figurado se o literal resultar em um absurdo, como no caso das
árvores baterem palmas (Is. 55:12);
d) Adote o sentido figurado se o literal sugerir imoralidade. Com seria um ato de
canibalismo comer a carne de Jesus e beber seu sangue, é evidente que ele
estava usando o sentido figurado (Jo. 6:53-58);
e) Veja se a expressão figurada vem acompanhada de uma explicação literal.
Aqueles que dormem (1 Ts. 4:13-15) logo em seguida são chamados de “os
mortos” (v. 16);
f) Às vezes uma figura é realçada por um adjetivo qualitativo, como Pai celeste
(Mt. 6:14), “o verdadeiro pão” (Jo. 6:32), a pedra que vive (1 Pe. 2:4). Isso
indica que o substantivo anterior não deve ser entendido em seu sentido
literal.
A linguagem figurada