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Prévia do material em texto

Este livro e o resultado da esporência acumulada 
por Nilce San Anna Martins em indmeros cursos 
ministrados na Faculdade de Filosólia, Letras € 
Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. 
Destina-se especialmente 4 estudantes de faculdades 
de letras é à professores de português, imas é 
também de grande utilidade a todos que ve 
interessam pelo estudo da nossa lingua. 
Nele a autora concilou 4 parte teórica da matéria, 
estrálda de ampla bibliografia, Com uma 
esemplificação adequada e atraente bascada em 
autores ropresentativos da literatura em lingua 
portuguesa 
Partindo da comcettuação de estilistica (e 
discorendo sobre o seu aparecimento, à variedade 
de conceitos de estilo, a estilintica huncional & 
estrutural, esdilintica e pefórica), & aubira eodmina d 
estilistea do som [uimbaliamo fonético, potencial 
espresivo dos fonemas, som de valo csprenina, 
onomatopéia, prosodemas, ortografia), a estilistica 
da palavra (léxico, palavras gramaticais é honicais, 
tonalidades emotivas das palavras, snonimia é 
estilo, esiilintica mortológical a estilística da frade 
enpressividade e estrutura da irase, à ordem dos 
termos. estrutura melódica da frase, concordância), 
a estiliatica da enunciação (objetividade e 
subjetividade, combinação de enanciados de 
locutores difecentos, e oulros aspectos da estilisthéno 
da enunciação) apresentando no Final extensa 
sugestão de textos para amblige estilintica), 
a | | | 
ACOMPANE Erg 
nilee sanCanra martins 
introdução 
estilística 
UI COS 
TR: [SUS q 
vii ' 
13 ANEC] Na] 
ORIVWAS 
| É 
re 
er, 
0 
A ESTILIS 
Prosedem 
2] 
y 
s ou troços suprassegmento 
Acento de intensidade e duração 
2 Entoação . 59 
2.6 3 Simais de pontuação é entoação Topa 
Exemplificação complementar para exer 
Bibliografia. qe a ER (1 
Ortografia. 
Conceituação de léxico ... 
Palavras gramaticais .. 
Eae Ped ge CR OTPETS É OO RE ERR 
Tonalidades emotivas das palavras 
3.4.1 Palavras de te gnificado afetivo... see 
3.4.2 Palavras que exprimem julgamento 
3.4 3 Palavras com elemento avaliativo sobreposto ao signifi- 
cado nuclear 
4 4 Sentido avalianvo reli icipnado a afixo; 
3.4.5 Palavras evocalivas 
Ses Estrangeimnsmos oSbEERAES a 80 
ERG PE “Ba 
a pa . 85 
87 
aco BB 
PA RR, 
As imagens segundo Bally ... assess 91] 
: o. 94 
97 
rr, 
l 
3 
Indigenismos .. .. 
caísmos cas tecer 
ronalismos 
346 A indi gem figurada....... 
346.1 
346.2 
346.3 A formulação do símile e da metáfora 
346.4 As funções expressivas da metáfora . 
3.4 6.53 A metonimi 
346.6 A smédoque ..... ssces 
Sinonímia e estilo 
3 
As denominações imagem e metáfora. 
a (0) 
102 
pa pai 103 
5.1 Dilerenças entre sinônimos RR ses 4105 
35.2 A uti 
À estilística morfolopia ... 
zação dos sinônimos .. espadas ESEE VE E 
, TA rage panda Lo 
A perspectiva da esulística morfológica .. " LO 
36.2 A expressividade relacionada com a flexão de gênero 
e número. RE ENESEaRÃA «111 
A torm aci wras TREs 
A derivação sufixal ; 
ad 
=
 
[ud 
EssIva 2 A derivação ref 
3 A derivação imprópt 
3.634 A prefixação ... us cas o el 
A denvação parass 
cr 
3.636 A composição. Amálgamas . ,.. o | 
A supressão de prefixos e a desmontagem de 
palavras .. 
Exemplificação complementar pard exercicio ..... Re 
Dio ralo eteapiasa E id E saci 
Th 
DA FRASE 
msiderações 
espressividade ligada à estrutura da frase 
42 1 O conceito de fr: 
2 A frase completa... . gldes EVER 
4221 A frase comple 
4222 A frase 
A. 
B subordinação .. asc TS 
A extenção dos períodos . escoa 
incompleta... ss us mms RR 
Frases de dois membros. 
Frases de um só membro 
Frases fragmentár 
sl 
ehpée segundo alguns hngúistas; 
eb H 
Vicente Garcia de Die BO. 
Halhday e Hasan. 
| Guimarães Rosa para os diferen- pi 
ir 
tes casos de clipse 
Pleonasmo ....... ce Debriees antigas 
25.1 E xemplificação dos casos de pleonasmo enume- 
rados por Mattoso Câmara. .. .. se. 
2.6 Anacóluto . REI SUE EE 
4.2.7 Partículas de realce .. RE TI 
E] 
werê ordem dos termos na frase 
431 
4.3.2 A ordei 
433 A posição do advérbio 
dos termos no sinti 
PERGIS eee cume ERR e Ea (a E casa 
JMPÃexa cus. esa iria ca rii iiu E 
á 
AÇÃO! maos DErEE EO Pr 137 
em pros: 
so direto 
à 3.3.1 Casos particulares de discurso direto 
+ Os verbos de 
5 O discurso IN 
5 Anáhse dos » 
536.1 R 
o JR 4d Rr Gu ES R 
3 3.6.3 Josué Gui 
| José É 
Etta Pessoa 
NOTA PRÉVIA E 
AGRADECIMENTO 
Este livro, que resultou da experiência acumulada em sucessi- 
vos cursos de Estilística da Língua Portuguesa, ministrados na Fi 
culdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade 
de São Paulo, nos níveis de graduação e pós-graduação, destina-se, 
de modo particular, a estudantes das Faculdades de Letras e a pro- 
fessores de português e, de modo geral, a todos que se interessam 
pelo estudo de nossa língua 
Empenhei-me em conciliar a parte teórica, extraída de ampla 
bibliografia, com exemplificação adequada e atraente, selecionada 
em autores representativos da literatura em língua portuguesa. Sen- 
do a matéria de considerável amplitude, não foi fácil condensá-la 
nos limites de um manual, Ciente de que este pode apresentar mut- 
tas falhas, receberer de bom grado as observações e crític 
estores de boa-vontade. 
dos 
A todos os que me mcentivaram na realização deste trabalho e, 
especialmente, aos colegas Antomo da Silveira Mendonça, Dino 
Preti, Edith Pimentel Pinto, Valter Kehdi, que me proporcionaram a 
valiosa colaboração de inteligentes sugestões, a expressão do meu 
reconhecimento. 
Nilce Sant'Anna Martins 
"
=
 NOTA À 2º EDIÇÃO 
Esta 2º edição, revista com todo o cuidado, recebeu alguns acrés- 
cimos. Foram incluídos textos para estudo, os quais, na edição ante- 
nor, só eram sugeridos. O índice remissivo localiza termos de natu- 
reza metalingúística que não constam no sumário À relação dos 
autores citados remete aos passos em que são mencionados ou uti- 
lizados em exemplificação e inch as referências bibhográficas das 
obras literárias não arroladas na bibliografia que encerra cada capí- 
tulo 
Muitos são os agradecimentos que desejo expressar Aos pro- 
fessores e estudantes que acolheram o meu trabalho em suas aulas. 
Aos colegas e escritores que, como Elisa Gurmarães, Francisco 
Gomes de Matos, Nelly Carvalho, Amador Ribeiro Neto c Enéias 
Athanazio, muito me honraram com suas valiosas resenhas, em que 
assinalam as características do livro, apontando aspectos positivos 
e sugenndo algumas alterações. A todos que, valorizando o meu 
esforço e vontade de ser útil, me enviaram, em cartas simpálicas e 
estimulantes, suas opiniões, geralmente desvanecedoras. Confesso 
a munha grande satisfação ao receber as mensagens dos mestres Sil- 
vio Elia, Paul Teyssier, Elias José, Darcy França Denófrio, Moema 
de Castro e Silva Olival, Maria Ignez Guimarães, José Augusto Car- 
valho, Geralda Júlia de Aquino, Manoel Cardoso, José Antônio 
Senna, este último, que até então não conhecia, fez, com paciência 
e meticulosidade exemplares, o levantamento de numerosos erros 
uipográficos e, também, de alguns de minha responsabilidade, c essa 
atenção propiciou-nos O início de uma amizade que muito prezo 
Sou partcularmente agradecida ao caríssimo Professor Segismundo 
Spina, pela conversa longa e proveitosa que mantivemos na FFLCH, 
da USP, a respeito deste trabalho, na qual, mais uma vez, ele de- 
monstrou seu entranhado interesse pelos estudos relacionados à lin- 
gua portuguesa. Agradeço ainda ao jovem colega e amigo Evair 
Dias Batista a ótima ajuda na revisão da Inbliografia e na orgamza- 
ção do índice remissivo e arrolamento dos autores citados 
N.5.M 
1.4 CONCEITUAÇÃO DE ESTILÍSTICA 
Tê ja pergunta a ão se responde 
Pode-se dizer, como princípio de explicação, 
a das discipl as voltadas para os fenômenos da 
1, tendo por objeto 0 € to, O que remete à outra embara- 
cani ível pergunta e o que é estilo!mais científica à dis 
E, ar Fra 
E 
E E 
E 
e po - 
[O4. [ul, ajustadas à idéia de redondez (v.z bola, ovo. rotundoY, das ciplina. Ele divide as funções expressivas da matéria fômca — obje 
h s 
Eu h É vm E 
consoantes laterais em cuja emissão O ar escoa pelos cantos da boca to da Fonoeslilísica — em funções identificadoras do emissor 
e que se ajustam à idéia de Tluidez (vg. líquido, luz, luar). Duas temoliva. caracterizadora e dialetal) e funções desempenhadas pela 
palavras cuja articulação inuta bem os atos significados são beijo & mensagem (impressiva, fática e metalinguística) Afirma que as fun- 
suspiro, dispensando qualquer comentário 
ções expressivas da linguagem formam um sislema codificado cujos 
signos são em número finito e neste domínio as incertezas da 
decodificação são tão numerosas quanto no das funções referen- 
Cialis Um repertónio dos signos fonoestulísticos está em curso, de- 
vendo ainda ser precisado o inventário dos fonoestilemas (conjunto 
de traços fonoestilísticos) e das regras de sua orgamzação. 
Enquanto não se tem esse inventário preciso, vejamos alguns 
Grammont explica a comelação som-idéia abstrata pela facul- 
dade de nosso cérebro de associar. comparar, classificar idéias, co- 
locando num mesmo grupo conceitos intelectuais e Impressões 
fornecidas pelos sentidos, de modo que as idéias mais abstratas são 
associadas a idéias de cor, som, odor. dureza, moleza, peso: daí di- 
»ermos idéias graves, ligeiras, negras, Juminosas, largas, profurn- Ae pena e ; 
5 5 : fi Pp f valores expressivos dos fonemas, selecionados entre os que citam 
das, pensamentos doces, amargos; coração leve, Iristeza pesada, 3rammont e Morter, Tess E 
iai E E ini da rammont e Moner, ressaltando que tais valores só se apreendem 
etc. À comparação é intelivível graças a uma série de associações, 
com mais mtidez na cadeia É : 
traduz-se uma impressão intelectual por uma impressão sensorial , idez na cadeia falada — palavras, Irases, textos — Sor 
aan na impresse a por uma umpresset : brétudo quando os fonemas são repetidos e postos em evidência 
A linguagem comum fornece elementos para traduzir Impressos 
audíveis através de impressões dadas por outros senudos ela distin- 
gue sons claros, graves. agudos, duros. Às vogais são ditas claras, 220 POTENCIAL EXPRESSIVO DOS FONEMAS 
agudas, graves, escuras, brilhantes, às consoantes, Secas, edluras, 
Epa 
doces, moles Assim, uma vogal escura poderá traduzir uma idéia 2.2 1 A EXPRESSIVIDADE DAS VOGAIS 
escura e uma vogal grave uma idéia grave O que podemos dizer é A — Vogais orats 
que se trata de uma mpótese, de uma elucubração engenhosa a Tes- [a] — Sendo o fonema mais sonoro, mais livre, de todo O nos- 
perto de algo que não se pode comprovar objetivamente. so sistema fonológico, o [a] traduz sons fortes, nítidos é reforçs 
28 
| 29 
a impressão auditiva das consoantes que acompanha Esse valor 
pode ser sentido em mterjeições. onomatopéias e palavras que su- 
gerem. 
— risadas, vozes altas, animadas, tagarehee: ah, ah, ah; quá- 
qud-quá, blá-blá-blá; gargalhada, algazarra, maitaca, ma- 
fraca; 
— batidas bem audíveis: pá. pá. pá; plaft; craque Este valor é 
bem exemplificado no verso de Bilac, tantas vezes citado, 
em que, juntamente com consoantes oclusivas, realça a mar- 
cha de hipopótamos: “Batem pausadamente as patas com- 
passadas” (Poesias, em Obra reunteda, p. 144). 
A sonoridade do [a] presta-se à transferência para idéias de 
claridade, brancura, amplidão, alegria, ete., O que se pode 
sentir em palavras como” claro, alvo, vasto, alto, alvorada, 
madrugada, catarata (cascata), baoheã, etc Veja-se como 
Bilac aproveita o potencial dessa vogal nesta quadra do 
poema “Sonho”. 
“Há por tudo a alegria e o rumor de um norvado. 
Em torno a cada mnho anda bailando uma asa 
E. como sobre um leito um alvo cortinedo, 
Alva; a luz do luar cai sobre a tua casa " (Poestas. em Obra 
reunida, p 168) 
Entre os muitos recursos poéticos do poema “D Briolanja”, de 
Eugêmo de Castro (vocabulário precioso, rimas raras, repetições. 
etc |, encontramos os jogos de sonoridade, com destaque da vo- 
gal [a] 
“Dona Briolanja vai com suas aras 
Sob as cor de mósto vesperais olaias . 
Eis que chega à beira da cascata tara 
Cuja água canta sonora, sem tara 
Ei-la que se assenta, cheia de torpor, 
Entre as suas aias postas em redor. 
Eis que diz a uma 'Meus chapins, desca 
Unge meus pés brancos com cheirosos bálsamos, 
NOS. 
E diz à segunda. “Vai, e na cascala, 
Enche de água viva meu copo de prata 
3) 
E diz à terceira “Dá-me, ó minha ala, 
O meu alvo lenço, leve, de cambraa: 
(Obras poéncas, v.l,p 07-58) 
No poema “A lavadeira” Cassiano Ricardo associa 
pureza e salvação à brancura, exprimindo essas idéias pela repet- 
ção da vogal [a] 
“E munha alma, salva, 
ficará mais alva 
do que a estrela d'alva!” 
Antologia poética, p. 57) 
As demais vogais constituem duas séries — anterior [61]. [6]. [1] 
e posterior [6], [5], [u]; as de valor esulístico mais explorado são 
[le (ul. 
As vogais da série anterior são próprias para exprimir sons agu- 
dos, estridentes, ajustando-se seu valor ao significado de pala- 
o como grito, trilo, apito, plo, riso, timido, estrídulo, estrépito, 
JETTO. 
sentam denominação adequada graças à vogal [1). grilo, buzina, 
campainha, stno, pífano, violino. 
— O estreitamento do conduto bucal na produção do [1] se coa- 
duna com a expressão de pequenez, estreiteza, agudez: mínimo, mant, 
estrito, fio, fino, espinho, formiga Alguns dos valores expressos 
pelo dimunutivo (em «nho, -um, «to, -ilho) se relacionam com a 
vogal tônica do sufixo. A agudez (segundo Moner) pode ser de ordem 
moral, intelectual: ironia, agonia, perfídia, malícia, sutil, mesqui- 
nho, conho. 
Certos seres, objetos, que produzem sons dessa natureza apre- 
Exemplos do aproveitamento da expressividade do [1] temos em: 
“Na gaiola de ouro 
um canário pálido trila um pio fino 
tro como um fio de ouro” 
(G de Almeida, Toda a poesta, t IV, p 148) 
O [é] tem também um excelente efeito na indicação da estri- 
dência. 
“Cantos bárbaros de pajés em poracés batendo os pés” 
(€ Ricardo, “Ladainha” 
2 
«Martim Cererê, p. 33) 
A vogal [6], intermédia entre o [6] e o [1], é mais neutra, discre 
não oferecendo expressividade marcante 
pe 
- A série posterior tem a possibilidade de irmtar sons profun- 
dos, cheios, graves, ruídos surdos, e sugere idéias de fechamento, 
redondeza, escuridão, tnsteza, medo, morte. 
— Entre os vocábulos que sigmficam ruídos surdos, temos, por 
exemplo bufo, urro, zurro, glupit, MrIrIO, GUELAMIE, SUSSUFTO, 
barulho, estouro, rouco, estrondo. 
— As idéias acima mencionadas podem encontrar-se em dco, 
soco ralo, globo, tubo, gruta, cafua, choro, dor, temor, pavor, torvo, 
urvo; jururu, fúnebre, luto, túmulo, vitivo 
Entre os muitos exemplos de motivação do significado pela 
frequência de vocábulos com vogais posteriores, pode ser lembrado 
o seguinte fragmento de Guilherme de Almenta. 
“O sol é uma bola de enxofre fervendo 
pondo empolhas 
redondas como gemas de ovos entre as folhas 
das laranjeiras” 
(Toda a poesia, 4. IV, p. 148) 
Se nestes versos a profusão de posteriores se prende à idéia de 
redondeza, no doloroso soneto de Cruz e Sousa — “Vida obscura” — 
as palavras mais fortemente motivadas ajustam-Se à expressão do 
sofrimento, e algumas delas ganham relevo pela posição em fim de 
versos e pela nma (a, dj 
“Ninguém sentiu o teu espasmo obscuro, 
Ó ser humilde entre os humildes seres 
Embrtagado, tonto dos prazeres, 
O mundo para ti for negro e duro 
Atravessaste no silêncio escuro 
A vida presa a trágicos deveres 
E chegaste ao saber de altos saberes 
Tornando-te mais simples e mais prro 
Ninguém te viu o sentimento inquieto, 
Magoudo, oculto é aterrador. SECreto, 
Que o coração te apunhalou no mundo. 
Mas eu, que sempre te segui OS passos, 
Sei que cruz infernalprendeu-te às braços 
E o teu suspiro como fot profundo!” 
(Poestas completas. p. 169) 
EB — Vogais nasais 
A ressonância nasal torna as vogais aptas a exprimir sons vela- 
dos, prolongados (zunzim, =umbido, ron ron, gongo. trimn-trim, tan- 
a 
sê 
ger plangericasugenr distância, lentidão, moleza, melancolia (on- 
ge, fonginque, distante, bento, brondeo, manso, dengue, pronto 
lamento). 
Vejamos alguns exemplos bonitos da adequação da nasalidade 
às idéias referidas. 
' Fernão Dias Paes Leme agoniza Um lamento 
Chora longo, a rolar na longa voz do vento. 
Mugem solurnamente as águas. O céu arde. 
Transmonte fulvo o sol” (Bilac, Poesias, em Obra réuni- 
da, p 231) 
Guilherme de Almeida observa no poema “Rumba” a relação 
A sons nasais das denominações das danças da América e sua 
olência de fundo africano, fazendo largo e sugestivo uso de você- 
bulos nasalados. 
“Há um mesmo som nasa) e fundo pos nomes de todas as 
demças 
dolentes da América rumba, samba, tango 
São ecos africanos: molambos dos tantans que vêm 
dos pandeiros roucos do Congo roncando lã longe... 
Rumba - Samba... Tango Mambo” 
(Toda a poesia, UV, p 166) 
Muito dk ES dAs Muito do tom elegíaco do soneto XIX de Alphonsus de Gui- 
maraens provém das nasalidades espalhadas em vocábulos vários e 
nas formas verbais da 14 pessoa do plural do presente, da 3º do 
plural do futuro, e do gerúndio 
“Hão de chorar por ela às cinamomos, 
murcheando as Nores ao tombar do dia. 
Dos laranjais hão de car os pomos, 
Lembrando-se daquela que os collua 
As estrelas dirio: Ai! nada somas, 
Pois ela se morreu, silente e [na .., 
E pondo os olhos nela Como poros, 
Hão de chorar a irmã que lhes sorria, 
A Lua, que lhe foi mãe carinhosa, 
Que a viy nascer e amiar, há de envolvê-la 
Entre línios e pétalas de rosa. 
Os meus sonhos de cunor serão defuntos . 
E os arcanjgos dirão no azul, ao vê-la, 
Pensando em mim — Por que não vieram juntos?” 
(Poesia sunbolista, p 271) 
2) 
2.2 2 EXPRESSIVIDADE DAS CONSOANTES 
— As consoantes oclusivas, pelo seu traço explosivo, momen- 
tânco, prestam-se à reproduzir ruídos duros, secos, de batida 5, A 
das, passos pesados, como vimos nos exemplos citados ai na 
(“batem pausadamente “) e de Cassiano Ricardão ( ; pajés em 
poracés ..”). Saltente-se que as surdas ([p), [t), [k]) dão uma im- 
pressão mais forte, violenta, do que as sonoras (bl), (dl, [gul). VAR 
palavras iniciadas por consoante oelusiva bilabial são empregadas 
como interjeições, exprimindo uma explosão de in espanto, 
raiva, indignação Papagaio! Ora bolas! Pipocas! Porra: Pô! Puxa! 
Em vocábulos depreciativos a oclusiva pode ter uma explosão mais 
acentuada por conta do estado emocional do falante; burro, besta, 
bandido, pateta, paspalho, bruto, estúpulo, tonto (bb, pp, LD. 
São numerosas as onomatopéias com tais fonemas tan, tan, 
tan, rataplã; pum! toc-toc, ele. A bela composição de pedi 
Junqueiro — “A molemnha” — deve uma parte da sua graça, do peu 
encanto, ao perfeito aproveitamento da onomatopéia toc, toc, pe 
lhada pelos versos a sugenr não só os passos, mas toda a atividade 
da santa velhinha de oitenta anos e do bu crinho seu companheiro. 
“Pela estrada plana, toc, toc, toe, 
Guia o jumentinho uma velhinha errante, 
Como vão ligeiros, ambos a reboque, 
Antes que anoiteça, toc, Loc, LOC, 
A velhinha atrás, o jumentito adiante! 
Toc. toc, é tarde, moleinnha santa! 
Nascem as estrelas, vivas, Em cardume .. 
Toc. toc, toc, e quando o galo canta, 
Logo a moleirinha, tõc, se levanta 
Pra vestir os netos, pra acender o lume . 
(Os simples. p. 23-4) 
Além de sugerir ruídos ou objetos que Os produzem (estalo, 
estrépito, estampido, trote, pancada, grito; chicote, taca, prio 
estadulho, trabuco), as oclusivas surdas, conforme Monter, conv m 
à evocação de seres, coisas, atos, qualidades e sentimentos ligados 
às idéias de força é intensidade déspota, tirano, ditador, Titã, 
potestade, prepotência, prepotente, possante, bruto, implavúvel, 
tempestd te, trovão, furacão, tapa, bofetão, ele. no 
Bilac explora a combinação de oclusivas e vibrantes para tran 
mitir os ruídos de guerreiros em luta 
id 
jo os índios! Retumba o eco da bruta serra 
Ao tropel . E o estridor da batalha reboa 
(Poesias, em Obra reunida, p 231) 
As consoantes constriivas, peló seu caráter contínuo, suge- 
rem sons de cena duração, bem como as coisas & fenômenos que 08 
produzem 
As labiodentais [f] e [v] imitam sopros, podendo ter valor cx- 
pressivo em vocábulos como voz, vento, fala, fofoca, flaflo (vocá- 
bulo criado por Guimarães Rosa: “o flaflo de vento agarrado nos 
buntis”, G sertão, p. 233) São as consoantes labiodentais que re- 
forçam à idéia do vento simbolizando o fluir da vida nos versos da 
“Canção do vento e da minha vida”, de Manuel Bandeir 
“OQ vento vara as folhas, 
O vento vama os frutos, 
O vento varria as flores .. 
E a minha vida ficava 
Cada vez mais cheira 
De frutos, de flores, de folhas ” 
(Poesta completa e prosa, p. 256) 
- Os sons sibilantes podem ser imitados também pelas 
labiodentars (fium!), mas o são sobretudo pelas alveolares [s] e [z] 
sibilo, assovio, silvo, cicto, soluço, suspiro, zuntr, cumbir. Gonçal- 
ves Dias traduz por uma sucessão de sibilantes e labiodentais as 
vozes do vento em: 
“Nas ondas mendaces 
Senti pelas faces 
Os silvos fugaces 
Dos ventos que amei ” 
(“IJuca-Pirama”, Cantos, em Obras poéicas,L Hp 23) 
As formas alatinadas mendaces € fuguces não só atendem ao 
esquema rímico dessa parte do poema, mas têm uma função 
mutativa, sem mencionar o tom mais requintado que conferem. 
No belo soneto “Vila Rica”, Bilac nos dá este exemplo de apro- 
veitamento das sibilantes 
“A neblina, roçando o chão, cicia, em prece, 
Como uma procissão espectral que se move 
(Tarde, em Obra reunida, p- 269) 
— Às [rncanvas palatais recebem também a denominação de 
chiantes pela sugestão de chvado chita, xixi, cochucho, esgutcho, 
repuxo, leva, chusma, enxame Ao falar da palavra que brota cheia 
a
 
Pr 
de indignação da cólera justa, Rui Barbosa aproxima às sonorida- 
des da metáfora que emprega. “ ea palavrasa, rechinando, 
esbrascando, chispando como O metal candente dos seios da forna- 
lha” (Escritos e discursos seletos, p 664) 
O atnto sugerido pelos sons palatais pode ligar-se à idéia de 
imitação, desagrado, desgosto, como se sente no verso micial de 
“Consvada”, de Manuel Bandera “Quando a Indesgjada das gen 
tes chegar” (Poesia completa e prosa, p. 307) 
No já citado poema de Cassiano Ricardo, “A k vadeira”, temos 
uma parte em que os sons palatais musturados com oclusivas expri- 
mem idéias negativas. 
“No dia em que eu tiver 
de lavar minhas culpas. 
meu coração já sujo 
de saudade e esperança, 
de óleo, tinta ou ferrugem, 
pra roxo, ora verde, 
não irei a uma igreja 
como um caramujo 
nem subirer a escada 
da Penha, tão de pedra 
para os meus pobres joelhos” 
Guimarães Rosa combina as palatais com à vibrante [R], que 
também exprime atnto, neste passo. “Chu-da! Chu-da ... TUge O TIO, 
como chuva deitada no € ão” (Sag, p 66) 
“O deslizar, o fluir, o rolar, podem exprimir-se pelas constritivas 
laterais [1], [Ih] e pelas vibrantes [RJ] e [r] 
No seu elaborado poema in fanul “Jogo de bola”, Cecília Mei- 
reles joga com poucas palavras em que. além do colorido movimento 
das vogais, se repetem as consoantes [1 [RI]; [r] associadas às oclusiv 
[p] e [b]. mais algumas consoantes Cujo valor expressivo também é 
sigmficativo, como O [im] e o [2]. Consegue assim uma motivação 
bem apreensível do singelo tema, de modo que o leitor sente, pelos 
fonemas e pelo ritmo, 05 pulos e vaivéns das bolas coloridas. 
A bela hola 
rola; 
a bela bola do Raul. 
Bola amarela, 
ada Atabela. 
A do Raul, 
azul. 
16 
Rola a amarela 
e pula a azul, 
A bola é mole, 
é mole e rola. 
A bola é bela, 
é bela e pura 
E bela, rola e pula, 
é mole, amarela, azul. 
A de Raul é de Arabela, 
E ade Arabela é de Raul.(Ou isto ou aquilo, em Obra poética, p. 125) 
A Í luéne la que mais fi equenteme nté se indica I - los fonemas 
alerais é à SHENCIosa flu =MCLd dz da ; : | to 5 CRC | lu como este Verse de Jscal 
k Tanto brilhava a luz da lua clara 
Que para ti me fui encaminhando- 
(Poesia simbolista, p 1353 
A vibrante dupla [R], sozinha ou em grupo com oclusivas, se 
ajusta à noção de vibração, atrito, rompimento, abalo, como se gde 
enter nos vocábulos rachar, ranger, rasgar romper, roer, Fe EP 
ranhar, arrancar; estropiar, estraçalhar, troar, ete. Bilac se vale de 
dd pi [R] imcial para exprimur sentimentos fortes, de ódio 
E CTi : 
| 
Mas lembro Em sangue e fel, o coração me escorre 
Ranjo os dentes, remordo os punhos, rujo em fúria 
Odeio! Que fazer, para a vingança? — Morre 
(Poesias, em Obra reunida, p. 256) 
ae eenniran s Im], In], [nh]. ditas moles, doces, se 
am com as palavras é enunciados em que prevalece a idéia 
de suavidade, doçura, delicadeza, como. ameno, manso, mole, me 
o ni méEIgO, rd nel, menino, ninar, harmonta, Me- 
namusgo, minho, sonho, etc, A suavidade das consoantes nasais 
E SC . a = E a r Eid q! 
“ sensivelmente para a doçura da “Cançãozinha de ninar” 
Cecília Meireles 
O mar o convalescente mira 
Que pera, que pera no seu anrar! 
Corno Quer Marora, SUSpira, 
“quem tem medo de se enamorar. 
7 
Água, que pareces um ramo de flores, 
O nome dos humanos amores 
mora na espuma do miar 
(Obra poética, p 164) 
Aí estão, pois, expostas algumas das possibilidades expresst- 
vas dos fonemas, que os poetas tão bem sabem aproveitar. Sem dé- 
vida. toda esta matéria é extremamente subjetiva, imprecisa, difi- 
cilmente classificável com certa exatidão, sendo preciso evitar €X- 
cessos imaginativos sem apoio nas qualidades físicas dos sons 
5.34 INSISTÊNCIA EM SONS 
A expressividade dos fonemas poderia passar despercebida, se 
os poetas não Os repetissem a fim de chamar atenção para à sua 
correspondência com o que exprimem Muitas vezes à repetição 
deles pode não ser de natureza simbólica ou onomatopéica, mas Ler 
outras funções como realçar determinadas palavras, reforçar O lia- 
me entre dois ou mais termos, OU anda contribuir pará a unidade de 
um texto ou parte dele Pode ser ainda um processo lúdico que cre 
harmomia e seja agradável ao ouvido 
As repetições fômicas podem apresentar diferentes uipos, Sem- 
do um pouco variável a sua classificação. Trataremos da aliteração, 
da assonância, do homeoteleuto € da mma, da anominação e da 
paronomásia, lembrando que não são elementos da língua, mas pro- 
cessos da linguagem expressiva pará aprovetar e valorizar às sono- 
ridades do sistema fonológico 
2 3.) ALITERAÇÃO EASSONÂNCIA 
Aliteração é a repetição insistente dos mesmos sons COnso- 
nantais, podendo ser eles imiCHAS, OU integrantes da sílaba tônica, 
ou distribuídos mais regularmente em vocâbulos próximos. Há 
quem inclua nã aliteração a repetição de vogais na sílaba muçial de 
duas ou maus palavras. À repetição vo -álica em sílabas tônicas é à 
assonância; mas à mesma vogal pode aparecer não acentuada, pro- 
longando a insistência, como nestes exemplos: 
“Tíbios Flauuns finíssimos gritavam” (Bilac, Poesias, em 
Obra reunida, p. 160) 
“Terá surpreendido o segredo da terra pelos ouvidos 
fmissimos das suas raizes?” 
(Manue! Bandeira, Poesia completa e prosa, P 194) 
A alreração é um processo generalizado em línguas de todas 
as épocas, podendo ser uma exigência de versificação em certos 
upos de poesia, como à germânica medieval 
38 
Num estudo sobre a alteração em Os Lusíadas, Saw Ali revela 
que não ocorrem na epopéia alterações acumuladas e fatigantes 
como nos poetas latinos antigos (Emo, por exemplo), que elas são 
entreméadas de vocábulos que não alteram e que as aliterações 
imediatas, sem algum termo de perméeio, nunca excedem a grupos 
de duas palavras, mais frequentemente substantivo e ad eivo | as 
co fio, gente generosa; molesta norte, noite negra, ctc.j Ocorre 
também a aliteração entre a sílaba átona final de uma palavra e a 
tônica imcial de outra (povo vão, sede dura; linda dama) que, diga- 
se de passagem, não soa nada bem, sendo mesmo apontada como 
um defeito de estilo sob o nome de parequema Dentre os numero- 
sos exemplos de versos camonianos com aliterações, arrolados por 
Said Ah, encontram-se os seguintes, que são dos mars belos” 
“Bramindo o negro mar de longe brada” (V, 38) 
“Em tempo de tormenta e vento esquivo, 
De tempestade escura e triste pranto” (V, 18) 
“Ouvi! que não vereis com vãs façanhas, 
Fantásticas, fingidas, mer firosas 
Louvar os vossos . (1,11) 
“Abraçados, as almas soltarão 
Da fermosa e misérrima prisão” (V, 48) 
Na estrofe imçial do “I-Juca-Pirama” 
“No mero das rabas de amenos verdores, 
Cercadas de troncos — cobertos de flores, 
Alreiam-se os teros de alhva nação,” 
(Obras poéticas, 1. 2, p 18) 
Observamos nos dois primeiros versos a alteração da oclusiva 
dental nos vocábulos da cesura (tabas e troncos), à aliteração com 
cobertos é mais discreta, por ser tona a sílaba -tos; já no terceiro 
verso 0 lt] se repete nas sílabas tônicas, enfatizando a idéia de im- 
portância e altivez da nação timbira. 
Como já foram apresentados vários exemplos de alteração é 
ússonancia na poesia (alguns mesmo em que 05 dois recursos apa- 
recem somados), ao serem expostos os valores expressivos dos 
fonemas, é oportuno mencionar agora a frequência desses recursos 
na prosa de Guimarães Rosa Amiudadamente altera ele duas pala- 
vras hgadas sintaucamente (sujeito/verbo, verbo/objeto, verbo/ad 
vérbio, substantivo/adjetivo ou adjunto, termos coordenados ou de 
igual função). 
“Ferveram faces "(Sag. p. 321) 
boi berra.“ (Ubsp 57) 
Ty 
“E os pretos vendem a vida pela festa do Congado. (Ih. 
p. 259) 
Quebrando a frase feita dar a vida, o escritor a revitaliza, € à 
alteração acentua à novidade da expressão: nm 
“ “e o punhal parou pontã diantinha da goela do dito (6. 
sertão, p 116) o E 
“Pora assim desde menino, uma meninice à louca e à lar- 
a da: 
pa : : 
sa. de filho único de pai pancrácio (Sag., p. 324) 
e apóuca..? S 81) 
a uta pose e roupa pouca (Sag., p. Sl 
ao! 
finas falripas” 
“mísero mu”; “rumo reto”; “lombo longo 
' Dat 
(sintagmas extraídos de passos vários de Sagarana) “Pata 
n nasso é passo “ (Sag, p. 64) e peito, passo e passo (od! . o 
“O Remaldo cra tão galhardo garboso (G. sertão, p. 116) 
Menos frequentes, mas de modo algum raras, são as assonâncias 
que também servem para estreitar palavras em sequencia 
“vagalume bagudo” (Sag, P 28) 
“burro casmurro” (Jb., p 170) 
“pretume sujo” (1b, p. 65) , 
“gárrulas maitacas” Ub., p 353) | | 
“— () senhor é poderoso, é dono do choro dos outros 
(lb. p 300) 
Juito comum é a alteração € à assonância aparecerem 
combinad 
= 
“um chuí chocho - um fio” (Ub., p 31) 
“Quando nós famos chegando, ela berrou, um berro bom- 
to de buzina, que era todo cantado e só no fim era que 
gemia “ Ub.,p 54) 
Bonito exemplo de alteração acompanhada de variação VOca- 
lica é ; ada aa 
: “Mas nós passávamos, feito flecha, feito faca, feito fogo 
Ev leo dr abas 
(G. sertão, p. 228) 
2.3 2 HOMEOTELEUTO E RIMA 
A regelição de sons no final das palavras é des arado e si 
mes diversos" honieoteleuto (final igual”), rima, eco, sem que seje 
hem precisa a distinção entre os termos. na an 
Uma distinção que parece satisfatória é a segun Es ear 
teleuto é o aparecimento de uma terminação igual em pala a el 
«umas. sem obedecer a um esquema regular, ocorrendo jus A 
mente numa frase Ou num verso OQ eferto estilístico e à y Rã 
realçar a correlação entre às palavras em que se dá, podendo t: 
bém, em certos casos, contribuir para a harmonia imitativa, Alguns 
exemplos 
“Que querem ao lago aziago manhas ânsias, brisas fortum- 
tas? (Fernando Pessoa, Obra poética, p 109) 
“O sol cresce, amadurece” (G. Rosa, Sag, p 3) 
“Eu não podia, por ler de ret .. (Jd., G. sertão.p: 222) 
O homeoteleuto é bastante comum na enumeração, em que os 
termos coordenados apresentam a mesma flexão 
duas léguas do arraial, na grande estrada do norte, os seus 
cálculos acharam conclusão ” (Jd., Sag., p. 143). 
Por amor ao homeoteleuto, Machado de Assis emprega o 
arcaísmo nado na sequência de parucípios deste passo 
“À memória trazia-lhe o sabor do perigo passado. Eis aqui a 
terra encoberta, os dous filhos nados, criados e amados da 
fortuna” (Esaú e Jacó, em Obra completa, v 2, p. 972) 
O eco é um homeoteleuto não intencional, não estético, que se 
costuma considerar um vício de linguagem, o qual se deve à al- 
ta frequência de determinadas terminações ou sufixos da língua 
(-ar, -ado, -ente, -ento, -do, «dade, etc ), Atnbm-se também o nome 
de eco a jogos sonoros de reiteração com efeitos estéticos, como na 
frase de Guimarães Rosa: E o cavalão, tão, lão, pôs pernas para 
diante e o corpo para trás (.. )(G. sertão, p. 325). 
A rima é à coincidência de sons, geralmente finais de palavras 
(alguns falam também em rima alterante, incial), que se dá na poe- 
sia, em conformidade a um esquema mais ou menos regular É, pois, 
o homeoteleuto empregado como recurso poético, desempenhando 
várias funções: 
aja função hedonistica de agradar o ouvido pela repetição de 
sons em determinados intervalos; 
bj a função decorativa, sendo um luxo de expressão, um re- 
quinte de elaboração (conforme escreveu Bilac; “No verso de ouro 
engasta a rima, / Como um rubim” (Poesias, em Obra reunida, p. 90); 
c) a função expressiva de realçar as idéias contidas nas pala- 
vras em que ocorre, 
d) a função estrutural de relacionar as palavras que a apresen- 
tam, bem como de contribuwr para a unidade do texto e para a faci- 
lidade de sua memorização (cf. S Levin). 
Melo Nóbrega (Rima e poesia), estudando à impressionante 
multuplcidade de aspectos da cuma, classifica-a em numerosos u- 
pos, citamos a classificação quanto 4os sons comeidentes: altera 
dl 
da. atônica, consonântica, assoante toante. mecompleta, con- 
soante, rica, ampliada, idêntica, equivoca Entretanto, não cabe ag 
comentar cada um dos tpos Sahente-se apenas que os tipos mais 
usados são a rima consoante, em que há coincidência de fonemas à 
partir da vogal tônica dos vocábulos (pranto/canto) é à rima toante, 
em que só coircidem as vOSaIS, tônicas e postômcas (lindo/cinco). 
Há poetas que se contentam com rimas modestas, de termina- 
ção cormiqueira — as chamadas rimas pobres E o caso de Gonçalves 
Dias. Outros buscam terminações raras, em palavras pouco usadas, 
de diferentes classes gramaticais ou mesmo combinações vocabulares 
(descalça-mos/bálsamos, do texto já citado “D. Bnolanja”) São as 
rimas chamadas ncas e preciosas. Pamastanos € simbolistas busca- 
vam rimas requintadas, poetas modernos têm adotado posições varta- 
das no tocante à rima, ora abandonando-a, ora preferindo a rima 
toante, ora criando rimas sofisticadas, ora, também, a rima vulgar, 
que. aliás, não deixa de aparecer mesmo em textos bem trabalhados 
Do parnasano Bilac, talvez o melhor exemplo de elaboração 
tímica seja O soneto “Inania verba”, especialmente à 2a estrofe: 
“Ah! quem há-de exprimir, alma impotente e escrava, 
O que a boca não diz, o que a mão não escreve” 
— Ardes, sangras, pregada à tua cruz, e, em breve, 
Olhas, desfeito em lodo, o que té deslumbrava .” 
(Poesias, em Obra reunida, p. 166) 
Note-se que os quatro vocábulos finais de versos apresentam 
sons comuns Entre escravaideslumbrava e brevefescreve temos 
rima consoante, rica-ou ampliada pela consoante [R], que antecede 
a voval tônica, entre escrava/escreve € breverdeslumbrava temos à 
coincidência de várias consoantes (rima consonântica) e alternância 
da vogal a/e. 
Cecília Mexreles, que revela o mais delicado apuro em todos OS 
aspectos da técnica poética, apresenta extraordinária riqueza no uso 
da nma. Sente-se o seu gosto pela rima toante, que combina plena- 
mente com o tom velado, suave, discreto da sua poesia. Na “Canção 
do meio do campo” ela combina a mma consoante (ampliada ou 
não) com a rima toante” 
“[ 4 vai, sem qualquer palavra 
segundo o pranto, 
pequeno arado que lavra 
ão grande campo. 
Torvos pássaros dos ares 
gritam sombras 
aos caminhos singulares 
que o sonho apronta, 
Ô terra tão delicada 
que estás sofrendo, 
não é nada, não é nada: 
setas de vento 
No dia da primavera, 
longe anda o corvo 
E a flor mostrará como era 
seu grito morto” 
(Retrato natural, em Obra poética, p 313) 
Num melancólico e belissimo poema, Cecíha entremeia nos ver- 
sos soltos ou brancos (sem riina) algumas rimas mito sutis: duas 
com anagrama (alicração na ordem dos fonemas) e uma quase e É 
voca (de palavras iguais), que se destacam por sua finura E 
“Eu não tinha este rosto de hoje, 
“Assim calmo, assim triste, assim magro 
nem estes olhos tão vazios, | 
nem o lábio amargo, 
Eu não tinha estas mãos sem força, 
tão paradas € frias € mortas; 
eu não tinha este coração 
que nem se mostra 
Eu não der por esta mudança, 
tão simples, tão certa, tão fácil, 
— Em que espelho ficou perdida 
a minha face *” 
(Viagem, em Obra poética, p. 84) 
Guilherme de Almeida faz também malabansmos com as n- 
mas que ele próprio intitula paupérrimas, riquíssimas € símilere- 
mas Estas últimas, por serem mais frequentes (certamente não tan- 
to quanto as consoantes), merecem uma referência, mesmo di 
o poeta mamlfestava certo orgulho pela sua utilização. SH cimas 
incompletas, nem consoantes, nem apenas toantes. visto que além 
das vogais, há um elemento consonantal comum. São Eai los 
verdefrede, pántanostcâniaros, concha/monja (neste caso de a 
alternância da palatal surda com a sonora homorgânica) Sir aid 
ilustração o poema “Epígrafe”, das Canções gregas, o qual Se divie 
de em duas partes, uma com simil-rima e outra com rimas consoan 
tes pouco comuns. E ni 
43 
“Eu perdi minha frauta selvagem 
entre os câmços do lago de vidro 
Juncos inquietos da margem; 
peixes de prata e de cobre bruntdo 
que viveis na vida móvel das águas; 
cigarras das árvores altas, x a 
folhas mortas que acordais ao passo alípede das mnfas, 
algas, 
lindas algas limpas. 
— se encontrardes 
a frauta que eu perdi, vinde, todas as tardes, | 
debruçar-vos sobre ela! E ouvireis Os segredos 
sonoros, que os meus lábios e os meus dedos 
deixaram esquecidos entre . 
os silêncios anscos do seu ventre. 
(Toda a poesia, LIV; p 11-2) 
2 3.3ANOMINAÇÃO 
A anominação consiste no emprego de palavras derivadas do mes- 
mo radical = Em uma mesma frase ou em frases mais ou menos próxi- 
mas. Muitas vezes a anominação é um tipo de pleonasmo, como em 
“Sonho sonhado em chão duro” (C. Ricarde M Cererê, p. Só), die 
“O joelho exausto que, contra a vontade, ajoelha a y de Carva ' 
Poemas e canções. p. 88). No seu “Caso pluvioso”, Car NR parada 
de Andrade emprega numerosos termos denvados de ida (ou da 
forma launa pluvia), havendo maior acúmulo no dístico 
=
 
“Chuvadeira maria, chuvadonha, 
Chuvinhenta, chuvil pluvimedonha o 
(Viola de bolso, em Poesia e prosa, p. 709) 
| 
Monteiro Lobato também aproveita ludicamente à pon 
ção, criando derivados, neste gracioso trecho em que descreve o 
reino das Águas Claras. “E canários cantando é berja-flores pegam 
do flores, & camarões camaronando e caranguejos is 
tudo que é pequenino e não morde pequeninando e is mordendo. 
(Reinações de Narizinho, em Obras completas, p. 21). 
2.3 4 PARONOMÁSIA 
aid 
Há quem dê à denominação paronomásia uia a Gr 
abrangente — o de qualquer identidade de fonemas entre Ai ou 
mais palavras Pode-se considerar paronomásia (cl. por expna o 
o Dicionário de Literatura de J P. Coelho) como à figura pela qua 
dA 
sc aproximam, na frase, palavras que oferecem sonondades análo- 
gas com sentidos diferentes. À paronomásia é um jogo de palavras, 
um trocadilho, de que pode resultar um efeito humorístico, mas 
que ocorre também em textos poéticos como no poema “Oração nosaco de Mangaratiba”, de Manuel Bandeira: 
“Nossa Senhora me dê paciência 
Para estes mares para esta vida! 
Me dê paciência pra que eu não caia 
Pra que eu não pare nesta existência 
Tão mal cumprida tão mais comprida —» 
Do que a restinga de Marambaia! 
(Poesia completa e prosa, p. 215) 
pi .PCOMBINAÇ ÃO DOS DIFERENTES RECURSOS SONOROS 
No poema “Um sonho” (Oaritos, XD), Eugênio de Castro acu- 
mula, com raro virtuosismo, todos os recursos que vimos comen- 
tando Er-lo, com o corte de umas poucas estrofes. 
Na messe, que enlourece, estremece a quermesse 
O sol, o celestial girassol, esmorece ... 
E as cantilenas de serenos sons amenos 
Fogem fludas, Mundo à fina flor dos fenos .. 
Às estrelas em seus halos 
Brilham com brilhos sinistros . 
Cornamusas e crotalos, 
Citolas, citaras, sistros. 
Soam suaves, sonolentos, 
Sonolentos é suaves, 
Em suaves, 
Suaves, lentos lamentos 
De acentos 
Oraves, 
Suaves . 
Flor! enquanto na messe estrémece à quermesse 
E o sol, o celestial girassol esmorece, 
Derxemos estes sons tão serenos e amenos, 
Fujamos, Flor! à flor destes Nondos fenos .. 
soam vesperais as Vésperas . 
Uns com bnlhos de alahastros, 
Outros louros como nésperas, 
No céu pardo ardem os astros .. 
Como aqui se está bem! Além freme a quermesse 
Não sentes um gemer dolente que esmorece” 
São os amantes delirantes que em amenos 
+ 
Beijos se beijam, Flor! à [or dos frescos fenos-. 
eus lábios de cinábrio, entreabre-os! Da quermesse 
O rumor amolece, esmarece, ESMOTECE 
Dá-me que eu beije os teus morenos € amenos 
Peitos! Rolemos, Flor! à flor dos flóreos fenos 
Três da manhã. Desperto incerto ... E essa quermess 20 
E a Flor que sonho”? e o sonho? Ah! tudo isso esmorece! 
No meu quarto uma luz luz com lumes amenos, 
Chora o vento lá fora, à flor dos flóreos fenos 
(Obras poéticas, . I, p. 58-61) 
Observemos alguns dos jogos sonoros tão requintadamente ela- 
borados pelo poeta luso: 
a) a sequência das palavras terminadas em -esse (-ece), que 
podemos classificar como homeoteleuto, sugere os alegres ruídos 
da festa, 
b) a alteração do [m] e do In], acompanhados das vogais [al, 
[e] e [o], traduz a impressão de suavidade provocada pelos cantos; 
c) a assonância do [1] tanto vale para sugenr O cintilar das es- 
trelas como os sons dos instrumentos musicais, 
d) as sílabas nasais correspondem a sons prolongados, atenua- 
dos: e as repetições de palavras, em posições diversas, criam um 
ntmo langue, embalador, 
e) as aliterações do [f] se ajustam ao sopro da brisa que faz 
ondear os fenos; e a alteração do [1] dá a sensação do Fluir da luz; 
f) em vários casos a aliteração se associa à anominação (or, 
florido, flóreo), com ênfase na significação do lexema, 
£g) várias rimas € homeoteleutos são do tipo precioso, ocorren- 
do entre palavras raras ou uma combinação de palavras vesper as! 
nêsperas, lábios/cinábrio/entreabre-os 
| 
Todas essas explorações de sonondade, mais o vocabulário raro, 
exemplificam os extremos a que chegaram os poetas sumbolistas na 
sua busca de musicalidade. E essa musicalidade encantatória, de 
fato, nos envolve e nos arrebata num puro deleite estético 
Não só a linguagem literária, mas também a popular, a gíria. os 
“slogans” publicitários devem parte de sua força expressiva aos re- 
cursos de sonoridade É o caso das expressões idiomáticas, frases 
feitas, provérbios e frases de propaganda que se seguem: dedo-duro 
idedar. dedurar); bater papo; pagar o pato, dar dous dedos de 
prosa; ser bom de bico, andar ao deus-dará, fiar fino, por jua 
força, por paus e por pedras, às mil maravilhas, de cabo a rabo, 
“ú 
de fio à pavio; aos trancos e barrancos, sem eira nem beira, pro- 
meter mundos e fundos, quem com ferro fere, com ferro será feri- 
do, quem não tem cão caça com gato, o comer é o coçar, tudo está 
no começar, de hora em hora Deus melhora; casamento e morta- 
tha nocéu se talha, de boas celas as sepulturas estão cheias, não 
dá quem tem mas quem quer bem, boa romaria faz quem em casa 
fica em paz, cesteiro que faz um cesto faz um cento, a galinha 
onde tem os ovos tem os olhos; quem o alheio veste na praça o 
despe; quem sabe sobe, escureça e apareça ( propaganda de 
bronzeador), o que pinta de novo, pinta na tela da Globo... 
2.3.6 APROVEITAMENTO ESTILÍSTICO DA GAMA VOCÁLICA 
Se a repetição de fonemas é um recurso expressivo vahoso, 
não se deve esquecer que a variedade, especialmente da gama 
vocálica, também constitui importante procedimento estético. É a 
riqueza de sonoridades um dos requintes artísticos de muitos dos 
famosos versos de Bilac, como estes do soneto “Língua portuguesa”: 
“Última flor, do Lácio, inculta e bela, 
Es, a um tempo, esplendor e sepultura, 
Ouro nativo, que na ganga impura 
A bruta mina entre os cascalhos vela ..” f 
(Tarde, em Obra reunida, p 240) 
2.4 A ONOMATOPÉIA 
Nas considerações a respeito da expressividade dos fonemas e 
dos diversos tipos de repetição dos mesmos em palavras diversas 
do enunciado, apareceu vánias vezes O termo enomatepéia. É con- 
veniente ver agora um pouco mais desse fenômeno linguístico, tão 
sedutor e discutido, que até serviu de fundamento a uma teoria so- 
bre a origem da linguagem. Tal teoria foi convincentemente refuta- 
da por Karl Bihler no artigo “A onomatopéia e a função representa- 
uva da linguagem”. Ele demonstra que a hnguagem é essencialmen- 
te representativa, com signos arbitrários, e a onomaltopéia ou pintu- 
ra sonora é apenas “uma tolerância da linguagem” e não poderia ter 
dado origem a ela. Búhler argumenta com pesquisas de antropólogos 
que afirmam que à onomatopéia só aparece em línguas já formadas. 
Num sentido mais lirmtado, onomatopéia significa a reprodu-) 
ção de um ruído — ou mais modestamente a tentativa de imitação de! 
um ruído por um grupo de sons da linguagem. É a transposição na 
língua articulada humana de gritos e ruídos inarticulados. Como os 
sons da linguagem humana têm certas qualidades e os da natureza 
47 
outras, não é possivel uma reprodução exata, mas apenas aproxama- 
da — muitas vezes mera sugestão — da mesma forma que um instru- 
mento musical não pode imitar perfertamente O ruído de outro (um 
piano, por exemplo, só pode dar a impressão de um tambor) À 
linguagem traduz os sons da realidade dentro das suas possibilida- 
des. daí haver diferenças entre as onomatopéias de línguas diferentes 
para a reprodução de sons Iguais Pode-se dizer que as onomatopéias 
(grande parte delas pelo menos) têm o seu tanto de convencional € 
são aprendidas como outros elementos da língua e não recriadas 
espontaneamente por cada falante. 
2.4.1 NÍVEIS DE ONOMATOPEIA 
É oportuno aproveitar aqui o ensindmento 
valho (Teoria da linguagem) a respeno das « 
derando o caráter acidental ou permakentçÃias onomatopéias € a 
sua natureza não-representativa, bem como à possibilidade de etas 
se exicalizarem, tornando-se palavras dotadas de comportamento 
sintático, temos: 
a) Sons inutativos produzidos acidentalmente pelo homem, com 
caráter momentâneo e individual, constituem uma imagem intencio- 
nal do som natural. Podem voltar a repetr-se em situação seme- 
lhante e então valer como sinal (natural e intencional). Às onoma- 
topéras criadas por esentores ficam frequentemente restritas à UM 
único emprego ou a poucos mais À ori ginalidade de Guimarães 
Rosa é acentuada neste aspecto. Entre os muitos exemplos de 
onomatopéias acidentais por cle criadas, podem ser lembrados: 
Herculano de Car- 
omatopéias. Consi- 
“Tinha dado o vento, caíam uns pingos grossos, chuva 
quente (...) O vento vuvo. vaiv o vify . (Manuelzão .., 
p. 18) 
“Fra uma coruja pequena, coruja batuqueira É | quando a 
gente vinha ela dava um grito fexo — um barulho de chiata' 
“Quícce'kiklkakik! .. e entrava no buraco.” (Ib., p. 70) 
“ os alegres tuns - choveram nos pés de mamão e fize- 
ram recreio, aos pares, sem sustar 0 alarido -srel-rreil! rrrl- 
crrill” (Sag.o p 353) 
1)Onomatopéias propriamente ditas — objeto sonoro de confi- 
guração definida e valor significativo constante, embora impréciso, 
dentro de uma determinada comunidade hngiúística, constituído, mais 
frequentemente, por uma combinação de sons correspondentes aos 
fonemas da língua dessa comunidade: zás, pum, punha, dlum-dlão, 
ilim-tlim, tic-tac, éte. Estes objetos já são apresentações simbólicas 
48 
e convencionadas, mais ou menos integradas no sistema fônico de 
uma determinada língua. Seu grau de integração é vanável al- 
gumas são exatamente correspondentes às estruturas das alien 
significativas da língua, outras apresentam combinações de fone: 
tea não ocorrem nas palavras do idioma: diim-dlão, tehubum, 
As formas desses dois tipos não constituem verdadeiras pala- 
VIAS, não estando integradas no sistema léxico-gramatical dá lin- 
gua, são sinais inanalisáveis sgnificativamente, quase totalmente 
desutuídos de valor denotalivo próprio; representam globalmente 
uma situação e não desempenham função na frase, equivalendo cada 
uma delas a toda uma frase, como as interjeições 
o Tais onomatopéias são de largo uso na fala das crianças, ado- 
lescentes, ou de pessoas emolivas em geral, bem como na literatura 
infantil e nas histórias em quadrinhos, que exigem o gs de 
sugestão em textos mínimos. Monteiro Lobato usa-as com bastante 
eficiência, como meio de despertar a fantasia dos lemtores e fonaE 
mais vivas, concretas e nimadas as partes narradas “ .a menina 
não fazia outra coisa senão chupar jabuticaba ... Escolha as e 
bonitas, punha-as entre os dentes e toque E depois do toque uma 
engolidinha de caldo e plufe! caroço fora E toque, oque pl e 
toque, plufe, lá passava o dia inteiro na árvore” (Resfia Ea t 
Narizinho, em Obras completas, p. 34) e 
Também os poetas, mais moderadamente, se utilizanrdeste tipo 
de onomatopéia, conforme o exemplo de Guerra Junqueiro, de pá- 
ginas atrás, mas o tipo de que mais sc valem é o da onomatopéia 
complexa, de que se falará mais adiante (harmonia imitativa) 
4 c) Se o significante onomatopéico passa a desempenhar um 
papel sintático na frase e recebe uma categoria gramatical, já te- 
mos uma forma lexicalizada € não uma ômoniatopéra pro e 
te dita O mas comum é a Onhomatopéia tornar-se sobEtaniivo ou 
verbo A palavra onomatopéica é uma verdadeira palavra; seja qual 
for o seu valor conotativo, denota o objeto que significa also e- 
nha função na frase, como os substantivos pio, uvo, estalo ia 
ho, ou verbos como rifimtar, bimbalhar zumbir, etc. Tais palavias 
e ligadas ao seu sigmuficado em razão de convenções ce, de: 
Ee cone de seu valor conotativo, exercem função represen 
Aos tipos de onomatopéra desertos por Herculano de Carvalho 
deve ser acrescentada a que Rodrigo Sá Nogueira (Estudos sobre as 
enometopéias) chama fonético-ideológica, a qual consiste na ii 
49 
TTTO 
tação de um som, não só por sílabas ou palavras isoladas, mas por 
frases: hém-te-vi, tô-fraco, fogo-apagou, que denominam as aves 
pela sua voz. Guimarães Rosa nos oferece este bonito exemplo. 
[Os passopretos] “Vão assaltar a rocinha; mas, antes, piam 
e contrapiam, ameaçando um hipotético semeador 
- Finca, fin-ca, qu'eu“ranco"! qu'eu “tranco”. "(Sag,p 122 
2.4 2 HARMONIA IMITATIVA 
Em se tratando de Esulística, não se pode deixar de refenr um 
sendo mais amplo atribuído ao termo vnomatopéia: é o de har- 
monia imitativa, que se estende ao longo de um enunciado, de um 
fragmento de prosa, de um poema, e que resulta dum aglomerado 
de recursos expressivos: peculiaridades dos fonemas, repetições de 
fonemas, de palavras, de sintagmas ou frase, do ritmo do verso ou 
da frase. Mattoso Câmara (Contribuição . ) analisa os efeitos ad- 
miráveis que Manuel Bandeira, no poema “Os sinos”, tra dos va- 
lores fônicos, cnando uma orquestração onomatopéica que, além 
de traduzir as sonoridades dos diferentes sinos, simboliza a jitenst- 
dade dos sentimentos do pocta. 
« oferece um 
se destaca SO- 
Euclides da Cunha, na descrição da vaqu ada, 
parágrafo de admurável harmoma imitativa, gm qu 
bretudo o papel das consoantes oclusivas. 
“De repente estruge ao lado um es, fdulo tropel de cas- 
cos sobre pedras, um estrépito de galhos estalando, um 
estalar de clufres embatendo; tufa nos ares, em novelos, 
uma nuvem de pó, rompe, a súbitas, na clarer embolada, 
uma ponta de gado, e. logo após, sobre o cavalo que esta- 
ca esbarrado, O vaquerro, tenso nos estribos . "(Os ser 
tões, p. 102-3) 
Poetas do Modernismo escreveram numerosos poemas Ono- 
matopaicos reproduzindo ruídos e vozes das mais variadas: máqui- 
nas. fábricas, trens, cachoeiras, danças, pássaros, sapos. grilos, etc 
Entre os que mais comparecem nas antologias estão, por exemplo, 
“Brasil”, de Ronald de Carvalho; “O trem de ferro”, “Os sapos”, 
“Berimbau”, de Manuel Bandeira; “Rumba”, de Guilherme de 
Almeida; “A festa no palácio verde”. de Ofélia e Narbal Fontes, ete 
Aqui vai um fragmento do “Trem de Alagoas”, de Ascenso Ferreira, 
em que sobressai como recurso onomatopaico, entre vários outros, 
o próprio ritmo dos versos. 
50 
O sino bate, 
o condutor apita O apito, 
solta o trem um grito 
põe-se logo a caminhar . 
Vou danado pra Catende, 
vou danado pra Catende, 
vou danado pra Catende 
com vontade de chegar .. 
Mergulham mocambos E 
nos mangues molhados, 
moleques, mulatos, 
vêm vê-lo passar 
Adeus! 
— Adeus! 
Mangueiras, coqueiros, 
cajuciros em flor, 
cajueiros com frutos 
já bons de chupar . 
— Adeus morena do cabelo cacheado! 
Mangabas maduras, 
mamões maduros, 
mamões amarelos, 
que amoóstram molengos 
as mamas macias 
pra a gente mamar. 
(Cana caiana, p 65) 
Alguns autores (Rodrigo de Sá Nogueira, por exemplo PestSideram 
também como onomatopéia a adequação dos sons ao sentimento fãs 
presso, numa só palavra ou numa frase Mas aqui já temos uma 
extrapolação do sentido usual da palavra, sendo preferível lr em 
sugerência sonora, resultante de fina elaboração estética, encontra- 
da, sobretudo, nos poemas simbolistas. 
Fa 
2 SALTERAÇÕES FONÉTICAS 
A Estlísuca fônica deve tratar também das alterações fonéti- 
cas dos vocábulos, desde que apresentem algum valor ex pressivo 
Os metaplasmos — pôr supressão, acréscimo (ou adjunção, cl a Re- 
tórmica Geral), por troca (supressão e adjunção, cf. a mesma obra) e 
por permuta — que se venficaram na transformação do léxico latino 
5] 
para o português, correspondem a tendências ainda vigentes na lin- 
gua, perceptíveis na fala popular e conbidas na língua culta. E o que 
mostram formas populares como arvre (árvore )caspro (áspero), Xcra 
(xícaray, pobrema (problema), gúentar (aguentar), maguncr (uma- 
ginar), legite (legítimo), preambos (preâmbulos), esipra (ersipela), 
ridico (ndículo): abastar (bastar), alembrar Uembrar), apos (pois), 
embonecrado (embonecado), bules (bule), gaifo (garfo), almário 
(armário), carça (calça), rauba (tábua), estauta (estátua), enterter 
(entreter), bicabornato (bicarbonato), ele. 
2.5 | ALTERAÇÕES FONÉTICAS EM AUTORES REGIONALISTAS 
Nos textos de autores regronalistas encontramos formas popu- 
lares que têm a função de evocar O nível cultural das personagens 
ou marcar a língua arcaica das zonas rurais ou do sertão. Em Gui- 
marães Rosa, além das formas populares, encontramos alterações 
fonéticas feitas pelo autor para reforçar o leor expressivo das pala- 
vras. Assim, para sugerir o canto da cigarra, ele repete a primçãa 
sílaba do verbo síbilar (em analogia talvez çom sussurrark Aoma 
cigarra sissibila” (Sag., p. 247). Outro acgêscimo de teog/noma- 
topéico é xamenxame. “E também se desabhlando de lá, ydmenxame 
de abelhas bravas” (G sertão, p. 438). fomo novg/processo de 
superlativo, Guimarães Rosa repete à síldba imcia/de mudos. * . 
espiei os três outros . . intugidos até entãt, mu mudos” (P. estó- 
rias, p. 12). 
O acréscimo de fonemas no interior de vocábulo é bem mais res- 
trito e não deve consuturr inovação do escritor, mas formas ouvidasdá 
gente da roça Podem ser citados Os exemplos. serepeme (“cobra 
serepente malina”, O. sertão, p. 138), murucego (morcego) = nomes 
próprios como Silivana (Silvana, personagem do conto “Duelo”, de 
Sagarana), Fulorêncio (Florêncio), Quelemém (Clemente), persona- 
gens de Grande sertão: veredas 
No final de certas palavras invantáveis encontramos O acréscimo 
de um /s/. “foras de norma” (6 sertão, p 174), nuncas ( bp 383, 
“indas que requeimasse a pele” (1b., p. 333) É possível que se trate de 
formas arcaicas ainda usadas no seu estado natal De qualquer forma, 
É o mesmo caso de antes que se formou de ante + s, e de entonces 
Mais frequentes são os casos de supressão de som nas várias 
partes dos vocábulos Da mesma forma que se acrescenta, suprime- 
se o [a] micial: “Dianta, Leofredo!” (Saga p. 21) O. feito entre 
madrugar e manhecer” (6. sertão, p. 39) Agus a alteração aproxi- 
mou formalmente as palavras semanticamente relacionadas. tornan- 
52 
do-as alierantes e com igual número de sílabas “. uma fala que 
ele dred'avagarava” (Jb., p. 200). “Não se disse guavai” (Ih, p 75) 
- a aférese do [a] (de água) e a aglutinação do substantivo ao verbo, 
mediante a umdade do acento, transformou a locução num só vocá- 
bulo de sentido negativo, equivalente à nada. coisa nenhuma, não 
se deu nenhum aviso O verbo usufruir, perdendo a vogal incial, 
torna-se mais próximo do seu antônimo sofrer “Sobrestive um mo- 
mento, fechados os olhos, sufruia aquilo com outras nynhas for- 
ças” (Ih, p. 221) O verbo deixar, que é muitas vezes muulado na 
língua falada popular, aparece nos textos rogianos gômo: der-stá 
(deixa estar — Sag., p. 341), “= X'cu cá ver o Arcabgr. mano-velho 
“(G. sertão. p. 414). 
A supressão da vogal átona (pre- ou postônica) é comum” 
matloragem (matalotagem), escrafunchar (escarafunchar), partagem 
(parolagem), maga (leriaga), etc. O vocábulo víbora na variante 
bibra combina-se pleonasticamente com cobra, constituindo locu- 
ção alterante: “e o que me picou for uma cobra bibra” (G. sertão, 
p 307) 
Dos casos de perda de som final, vale ser lembrada a apócope 
da vogal precedida de [1]. como em“ .. aliracol” (G sertão, p. 340) 
e em“. gol d'alguma cachaça” (CG. sertão, p. 336) 
A forma diminutiva em -im, machim, passarim, largamente 
documentada por Manucl de Oliweira Paiva em D Guidinha do 
poço, goza da estima do esentor mineiro. Mary Lou Daniel levan- 
tou mais de sessenta exemplos em Corpo de baile (João G. Rosa - 
rravessia irerária, p 56). À apócope de outros sons resulta na mes- 
ma terminação paravun (patavina), assassim (assassino), musselim 
(musselina), Dradorum (Deodorina — Diadorma — Diadorim). A 
supressão de sons finais produz outras formas mais inusitadas como: 
destim (deslinde), amofim (amofinado), embevez (embevecido), 
estrupiz (estrupício), macambuz (macambúzio), (Estes exemplos 
fotam transentos da obra de Mary Lou Damel acima citada, p. 56 
7 ) Diabo, usado interjtivamente, aparece sem a última silaba numa 
fala do bronco Hermógenes: —“Diá!”, o Hermógenes rosnou. “Deu 
a fúria nesses, butcl” (GG. sertão, p. 163) À forma simônima bute 
(usada no NE, conforme abonação de J. Lins do Rego em Usina, p 
168) confirma a deturpação do vocábulo 
Formas que se devem à troca de fonemas (por vocalização, 
nasalação, dissimilação, etc.) são numerosas no criador de Diadorm, 
em geral conferindo um tom arcaico, que é também regional e po- 
pular, quando não um realce ou ênfase “O Hermógenes fez o pau- 
te. É o demômio quem pune por ele. “ (G, sertão, p. 53). “Ele tinha 
54 
o conspeito tão forte, que, perto deje, até o doutor, o padre e o nico, 
se compunham” (4b., p. 37) “Agoga tomavam mais ânsia de saber o 
que era que iam decidir os mana tas“ (db. p. 205) (pauto— usado pelos românticos, condena- 
do pelos parnasianos, por deixar o verso frouxo. Em certos 
casos 0 hiato pode ser um recurso de expressividade para 
realçar determinada palavra, ou para obrigar a emitir o ver- 
so num tom pausado (cf Celso Cunha) Numa mesma es- 
trofe da “Canção do tamoio”, de Gonçalves Dias, encontra- 
mos dois exemplos de hiato: 
“Um dia vivemos! 
+04 hofmem/ que é! forte 
Não teme da morte 
Só teme fugir; 
No/ arco que entesa 
Tem certa uma presé 
Quer seja tapuia, 
Condor ou tapir” 
(Poestas americanas, em Obras poéticas, 1. 2, p. 42) 
Celso Cunha cita como exemplo de artificialismo no evitar os 
hiatos este Verso de Hermes Fontes: 
“Luz é é sa ú de, e) trç va é in cer te, za, é ânsia e, = al 
| 
— Encontros intravocabulares — no interior dos vocábulos te- 
mos a possibilidade de um hiato tornar-se ditongo, passando uma 
bg (l1] ou [u]j a semivogal; reduzem-se assim duas sílabas a uma 
só. É o que se chama sinérese, de que são exemplos” 
“Como um choro de prata algente o | luar | escorre” (Bilac) 
| É 3456 78 9 d0 dE 
[war] 
“Poe fa, escrevestes versos sobre a gyreia!” (G, de Almeida) 
Il 2 345 67 8 HO 
[pwe] 
que, 
[e 
Os autores que tratam de versificação falam também no caso 
oposto, em que um ditongo se desdobra em hiato, o que vem a ser à 
diérese São dados exemplos de palavras com um grupo vocálico 
que se pode pronunciar como hiato ou como ditongo crescente, como 
glacial, predade. Se as duas emissões são possíveis e normais, não 
temos sinérese nem diérese, se apenas uma pronúncia é normal, a 
56 
outra conshituirá um metaplasmo (simérese ou diérese), O exemplo 
que mais comumente encontramos como de diérese é o da palavra 
saudade Ca, a forma com huato (4 sílabas se-w-de-de) representa 
um momento da sua evolução fonética, Depois, em certa faixa de 
tempo, a pronúncia vacilava entré hiato e ditongo, sendo hoje nor- 
mal este último, que é um ditongo perfeito. Camões empregou a 
palavra com 4 sílabas, no terceiro verso do soneto 81 
“Aquela tnste e leda madrugada, 
cheia toda de mágoa e de piedade 
enquanto houver no mundo saudade 
quero que seja sempre celebrada 
(Rimas, p. 157) 
Garrett, na invocação do Camões, usa à forma ditongada no 
verso | e com hiato no verso 5, provavelmente com alguma inten- 
ção expressiva, além da preocupação com a métrica 
“[Sauldade! gosto amargo de infeli 
Delicioso pungir de acerbo espinho, 
Que me estás repassando o intimo perto 
Com dor que os seios "alma dilacera 
— Mas dor que tem prazeres — Sa[úldade!” 
(Camões, Canto 1, 1) 
Na verdade, a diérese contraria à tendência da lingua. que 
reduzir os hiatos. À preferência pela forma com hiato pode cor- 
responder a um desejo de ênfase, pela dilatação da pronúncia do 
vocábulo. 
2.6 PROSODEMAS OUTRAÇOS SUPRASSEGMENTAIS 
De grande interesse estilísico são os valóres expressivos liga- 
dos aos prosodemas ou traços su sesmentais, os quais afetam 
um segmento mais extenso que o fonema — sílaba, mortema, pala- 
vra, sintagma ou frase São eles 6 acento, a duração, a altura, a en- 
toação. Nenhum prosodema tem existência independente, pois afe- 
ta necessariamente um segmento da cadeia da fala, e só pode ser 
defimdo em relação às unidades vizinhas daquela que afeta (cf. Di- 
ciondrio de linguística, de Dubois) 
O acento de intensidade e à entoação têm [unção no sistema 
fonológico do português. Serve 0 acento, pela sua posição no vocá- 
bulo, a uma função distintiva (vg. fábrica. substantivo/fabrica, VEr- 
bo). O emprego de palavras iguais com diferente acentuação numa 
mesma frase constitur um jogo de bom efeito expressivo, como nes- 
= 
57 
ta frase do jornalista Geraldo Forbes a respesto do advogado Sobral 
Pinio “Não recua ante a récua! (O Estado de S. Paulo, 15-4-84). 
A entoação caracteriza o po de frase lógica; afirmativa/ 
interrogauiva, como — O aluno fez o trabalho./ O aluno fez o tra- 
balho”, 
prestam a funções expressivas importantes. 
2.6 | ACENTO DE INTENSIDADE E DURAÇÃO 
O acento de intensidade ou de energia, comumente chamado 
acento tônico, consutur um recurso estilísico quando: 
“a sílaba em que recai é pronunciada com intensidade e dura- 
ção exageradas, produzindo um efeito de ênfase ou uma descarga 
emocional. “Que desgraça!” “Isto é fantástico!” 
A duração. que não tem função fonológica no português, mas 
tão-somente expressiva, na língua escrita pode ser marcada pela 
repetição dos grafemas. rrrolar, num exemplo de G Rosa (Sup, 
p. 201): goo0000000l, em textos vários sobre futebol, No conto “A 
Cruz de Ouro”, Montero Lobato vale-se da repetição vocabular 
com a duração progressiva da vogal tônica, para que uma persona- 
gem ironize a concepção do amor de meninas ingênuas: “Se pudés- 
semos, nós que temos experiência da vida, abrir os olhos dessas 
marrposinhas tontas .. Mas é inútil Escasqueta-se-lhes na cabeça 
que o amor, 0 amoor, o amooor é tudo na vida, € adeus ” (Cidades 
mortas, em Obras completas, p 147). 
— uma sílaba normalmente átona ou subtônica é pronunciada 
com uma energia e duração inusitadas: “É um bandido!” “Que mi- 
serável"” “Ela é maravilhosa!” É o chamado acento de insistência 
emocional, havendo também o acento de insistência intelectual, que 
frisa uma diferença lógica (v.g. verbo entransitivo). 
Tratando do acento emocional, Cressot transcreve uma expli- 
cação de Charles Bruneau: “Exprimimos foneticamente nossas Emo- 
ções deslocando à acento de intensidade de uma ou várias palavras 
significativas ” (Le style .,p 44). Parece que, pelo menos em por- 
tuguês, não se trata de deslocamento de acento, visto que à silaba 
normalmente tônica não deixa de sé-lo, o acento emocional não 
elimina o acento disuntvo. bandido, por exemplo, não passa à ser 
palavra proparoxítona com a intensificação da primeira sílaba No 
tem “Acento de insistência e emocional” de sua Moderna gramáti- 
ca portuguesa, Evanildo Bechara diz" “Como bem acentua Roudel, 
a causa essencial do fenômeno do recuo do acento parece ser a falta 
58 
de sincronismo entre à emoção e sua expressão através da lingua- 
gem. À emoção se adianta à palavra e reforça a voz desde que as 
condições fonéticas O permitam” (p. 62). O termo recuo parece 
insatisfatório O acento emocional pode somar-se ao ntelectivo (caso 
a) ou ficar-lhe paralelo, em outra sílaba, chamando-nos a atenção 
justamente como algo acrescido ao acento obrigatório (vaso b). 
Importante valor expressivo tem o acento no verso, como fator 
rítmico, marcando as tônicas poéticas, e também dando relevo às 
palavras em que recai, com a valorização do simbolismo sonoro, 
como se pode sentir nos versos do “Pequenino morto”, de Vicente 
de Carvalho: 
“Tange o sino, tange, numa voz de choro, 
Numa voz de choro tão desconsolado , ” 
(Poemas e canções, p. 45) 
Lembre-se que, no verso, o acento métrico pode não corres- 
ponder exatamente ao acento tônico do vocábulo isolado, e às vezes 
um mesmo verso admite mais de uma dicção. O verso de Bilac, 
“Rios. chorais amarguradamente”, pode ser lido com acentos dife- 
rentes, tomando-se como acentos poéticos uma ou duas subtônicas 
do longo advérbio 
— amarguradamente — o acento da sílaba -mar- corresponde ao 
do radical primeiro «amargo; o verso fica com a seguinte acentuação 
Rios, choráis amárguradaménte 
— amarguradamento — o acento da sílaba -ra- corresponde ao 
do radical derivado -amergurado, o verso fica com a estrutura sáfica 
(acentos na dº e & sHabas); é à lettura de Mattoso Câmara 
Rios, choráis amargurádaménte. 
— amarguradamente — acentuam-se as três sílabas, ficando 0 
vocábulo com mimo jâmbico: 
Rios, choráis amárgurádameénte 
O poeta deixou ao lestor as três possibilidades, todas dentro 
das variedades do decassílabo. 
Como a versificação tem sido bem estudada, não é necessário 
repisar explicações. A bibliografia deste capítulo inclui algumas 
obras em que 0 leitor poderá encontrar ensinamentos mais amplos. 
2 6.2ENTOAÇÃO 
Como ensina Samuel GihGaya [Elementos de forénca gene- 
ral), entoação é a curva melódica que a voz descreve ao pronunciar 
palavras, frases e orações. Ela resulta da vanação da altura musical 
dos sons, dependendo essa altura do número de vibrações das cor- 
das vocais por segundo A altura está em estreita relação com a 
y 
im 
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1005) OBSE|NotHe ap eipej ens semana “seipos sens wo odugjuodsa 
OSINISIP ON “Elojo3 E OuIO) *sogdonio SEP vessardxa E Gpnjalgos 
JEZUapeIro 22420 ojuníuos nas UI? SEPEISJE SEAINO SEP EULO] 
“sopeuequasur gl so onb op sosoJsumu sreui uwio242d sOAgeuIg|axa 
socuped so “osmbisd opeiso nos O uiaquiri SEUL JOjnIo] Op 
oonsinSui [AI O OS OBU EjDAdI OBÍpOJjUA V apepiaissoldxa ap orou 
um 2 eumo e pano eum op ogóisodsuei W TAIssaldxo Posng eum 
ESPUI [EULIOU OsINISIp Op EOIpOjoui EAIMO Epo) op opóeuLIo pop no 
cuadexo O oLÍeojo ep osusun paded op eiUgtasuoa euIo) as onb 
apepiarssaidxa Ep orujuop o epsoge 2s opuenh opriaugos q, -u0Z7] 
id 2p sacjejpuod su ogs 021d9] a1S2p 0429] 009 seunuodo 
(Err douta 2p opyo) apmuzanf essou op snapruas 
op semded 2 Sase1] SE JI[RA OPUIZEJ 19] 2 JENO Op UIBARISOS stop so 
onkuod — apespuy ap ooues,] OJay oGupoy ap Z0A eu 2tu-medago 
“jausBiag ejej 2 ade opuenh aquauediouud 'sonno 'soduito vo na 
10d SONp OBS al Sour ajoreuy 2p soysan SOLID “OSIDA à esoId 
Ota] Sa4] opuenh puouruimid 2 EIPpUCA [PnuriA 'PILMSO “oprapuy 
ap OLIFIA 9P Z04 E Ono OW0OS 0ÍNO CISq OEO[ OP Bife ZO0A 
UID BINHIA| ASSIANO DS OLUOD 2 “SISSY AP OPELRIN Oo] Opuend [rio 
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denação — subordinação), à entoação desempenha o papel da sinta- 
xe falha. No plano lingúístico o papel da entoação é uma função 
inversa da gramancabdade do discurso. No plano fonoestilístico O 
papel da entoação é uma [unção direta do estado psíquico, real ou 
fingido” (Essas de phonostylistique, p 40). 
2.6 3 SINAIS DE PONTUAÇÃO É ENTOAÇÃO 
Os simais de pontuação ajudam a reconstituir a entoação que o 
autor pode ter pretendido para o seu texto, mas são muito pobres em 
relação à riguíssima gama de tons da voz humana. 
O ponto final, a vírgula, o ponto-e-vírgula, o travessão, Os pa- 
rênteses, os pontos de interrogação e de exclamação, as reticências 
sugerem diferentes inflexões, mas têm em comum a indicação de 
uma pausa, precedida de queda, suspensão ou elevação da voz (cl. 
Cressot, Le style. ,p 50) Dado o seu valor afetivo, além do exelu- 
sivamente lógico, ligado à sintaxe, a pontuação não segue regras 
absolutas, é varia muito com os esentores, sendo alguns mais pró- 
digos e outros mais econômicos com relação a esses sinais. Alguns 
esentores utilizam sinais reiterados (!!!, 277) ou combinados (?!, 
799111) no esforço de sugenr a intensidade da surpresa e do espanto 
ou da perplexidade c da dúvida. Nas histórias em quadrinhos esses 
sinais aparecem em profusão, sendo, por vezes, o medo sugerido 
por pontos de exclamação tremidos Se uma personagem permane- 
ce em silêncio, mas se quer indicar a sua expressão fissonômica. 
podem ser usados apenas esses sinais de atetividade. Sirva de exem- 
plo este passo do conto “O espião alemão”, de Monteiro Lobato 
- ( ) Mas que a Alemanha pôs o seu olho de águia em 
laoúça, disso não resta à menor dúvida. Aqui muito em segredo 
o confessamos hoje: andaram espiões por lá, 
Ea su t 
- Sum, espiões, e dos piores. Andaram rondando a cidade. 
tomando plantas. tirando desenhos — (Crdades mortas, em 
Obras completas, p 166) 
Os poetas românticos usaram e abusaram do travessão — bem 
como de exclamações e reticências — para enfatizar suas idéias & 
emoções. Valham como exemplo estes versos do “Cântico do 
Calvário”, de Fagundes Varela: 
“Eras a glónia — a inspiração, — a pátria, 
O porvir de teu pai! Ah! no entanto, 
Pomba, = varou-te a flecha do destino! 
e 
Astro, — engoliu-te o temporal do norte! 
Teto, — caiste! — Crença, já não vives! 
Como eras lindo! Nas rosadas faces 
Tinhas ainda o tépido vestígio 
Dos beijos divinais, — nos olhos langues 
Brilhavao brando raio que acendera 
A bênção do Senhor quando o deixaste! 
E cu dizia comigo. — teu destino 
Será mais belo que o cantar das fadas 
Que dançam no arrebol, — mais triunfante 
Que o sol nascente derribando go nada 
Muralhas de negrume! .. Irás lão alto 
Como o pássaro-rer do Novo Mundo! 
(Grandes poetas românticos .., p. 874) 
A supressão de sinais de pontuação esperados também pode 
ter efeito estilístico, inclusive permutir mais de uma leitura. Guima- 
rães Rosa, Bernardo Élis e outros dão-nos exemplos da supressão 
de vírgula entre adjenvos que modificam um mesmo substantivo, 
talvez para sugerir o quanto as qualidades mencionadas estão fun- 
didas ou correlacionadas. 
as a 
adonde tem vagarosos grandes nos, de água sempre 
tão clara aprazível” (G. sertão, p. 20) 
“Ele unha de ser sério severo nos exemplos " (Manuelzão 
«po lT) 
“. q bela loura jovem e elástica senhora tinha como di- 
versão .." (B Éhs, Seleta, p. 157) 
Em Macunaíma são frequentes as enumerações com nomes de 
coisas da mesma espécie sem a separação por vírgulas. 
Para sugerir 0 luxo dos pensamentos de uma personagem, al- 
guns autores suprimem ou reduzem drasticamente Os sinais de pon- 
luação, ficando os pensamentos numa massa de orações, que só 
termina com um ponto final depois de uma, duas ou mais páginas. 
Dois exemplos, com algumas diferenças quanto ao processo de pon- 
tuação, podem ser lembrados: o “Monólogo de Tuguinha Batista”, 
de Aníbal Machado, dividido em dois imensos períodos, sem ne- 
nhum sinal de pontuação, a não ser Os pontos que os encerram, 
“Sebasttána”, capítulo do livro À idade do serrote. de Munlo Men- 
des, todo ele numa só sequência, mas com à emprego de vírgulas. 
Entretanto, sem maiores dificuldades, o lertor vai recebendo os pensa- 
63 
mentos, separando as orações e impregnando-as de entoação 
e apreendendo a sua afetividade, Segue um fragmento do “Mo- 
nólogo” 
“Não Mundinha pra Zona Sul eu não vou já disse que não 
vou pra lá não Beisy que não quero me perder e cá no meu 
subúrbio eu sou Tuquinha Batista TB meu nome em toda par- 
te eu quase choro agradecida T.B, nos muros TB. no tronco das 
árvores no mamoeiro na porta da igreja como largar minha gente 
ficar longe das letras do meu nome não Mundinha não me ten- 
Les mais estou quase noiva isto é não estou mas meu noivo vem 
vindo já apareceu na bola de cristal a cartomante disse que por 
enquanto ele aparece só pra ela todo dourado nadando num 
fundo azul e que é parecido com Clark Gable mas eu queria 
que ele parecesse com aquele que viajou no pingente (..)” 
(A morte da porta-estândarte ..p 106) 
Pedro Nava introduz uma inovação colocando o ponto de nter- 
rogação no interior da frase e separando termos normalmente lga- 
dos por subordinação: 
“O principal encanto dessa prima Ano-Novo estaria no 
cabelo? de azeviche; na pele? de camélia; nos imensos olhos” 
ou era? naquele seu jerto especial de falar sempre rindo e ba- 
tendo sílabas com o mesmo som dos pingentes de cristal dos 
lustres antigos ” 
(Chão de ferro, p 164) 
Nos dois primeiros casos, seria talvez a sua intenção indicar 
com o ponto interrogativo o tom mais alto da linha melódica da 
frase e assim destacar os atributos como remanescentes de uma ora- 
ção adjetiva explicativa: “ no cabelo? — (que era) de azeviche; na 
pele? — (que era) de caméla”. O ponto depois de olhos é normal e o 
último, depois de era, deve marcar o tom mais alto da interrogação 
Enfim, a inovação provoca certa perplexidade 
2.7 ORTOGRAFIA 
Sendo uma convenção estabelecida, cujas regras precisamos 
aprender e adotar, a ortografia é extenor à Estilística Contudo, sem- 
pre é possível abrir algumas brechas, aproveitar alguma vacilação 
no uso, violar de algum modo a norma. No caso do português, te- 
mos o uso das letras que foram abohidas e exercem um certo tasci- 
nio, têm um poder de sugestão qualquer, principalmente a de aristo- 
cracia e nostalgia do passado, lembrando a escrita de uma tradição 
recuada no tempo. Para muitos, grafias como as de Chrystina, 
Ga 
Cynthia, Yvonne, Elizabeth, Katia, Anna, Haydée, parecem mais 
distintas, tradicionais ou sofisticadas do que as formas vigentes na 
atualidade, É claro que muitos conservam em seu nome uma grafia 
antiga, porque assim foram registrados, mas há às que ainda hoje 
querem que o escrivão registre o filho com o nome escrito com 
algum sinal estranho ao atual alfabeto. Os baianos não consentiram 
que o nome do seu Estado sofresse reforma ortográfica, o que serta 
uma quebra da tradição é, por isso, se fez a exceção, distinguindo- 
se o mero acidente geográfico baia do nome próprio Balna Carlos 
Drummond de Andrade defendeu numa crônica o retorno das três 
letras abolidas (K, W, Y) é, em outra, relata a sedução que sobre ele 
exercia o y do nome de Álvaro Moreyra 
“Fon-fon, Seleta, emprestados por adultos amigos no inte- 
cor fixaram minha atenção naquele y que tomava um cero 
senhor Moreyra diferente de todos os outros Moreiras, sem 
dúvida mais sutil do que eles. Naquele y e naquelas reticências 
que davam à frase um prolongamento vago, entre nevoento e 
musical, ressonância em surdina, a matizar-lhes o sentido que 
o ponto-final faria talvez demasiado explícito” (Cadeira de 
balanço, em Poesia completa e prosa. p 1144) 
A palavra lírio, que nunca deveria ser escrita com y (por ongi- 
nar-se do latim Jiliwm), era grafada com essa letra por alguns que 
achavam que ela correspondia à forma da flor. 
O emprego das maiúsculas, fora dos casos regulamentados pelo 
Acordo Ortográfico, pode sugerir resperto, admiração, sentimento 
religioso ou cívico, acatamento da autoridade (Peu, Mestre, Sacer- 
dote. Pátria, Presidente, Senador, ete ) Muito à propósito podem 
ser lembrados os seguintes versos de Drummond: 
Distinção 
O Pai se escreve sempre com P grande 
em letras de respeito e de tremor 
se é Pa da gente. E Mãe, com M grande. 
O Pai é imenso. A Mãe. pouco menor. 
Com ela, sim, me entendo bem melhor 
Mae é muito mais fácil de enganar. 
(Razão, eu ser, de mais aberto amor.) 
(Menino antigo, em Poesta e prosa, p. 582) 
A maiúscula pode ainda sugerir uma personificação, uma 
idealização, ou à intenção de uma profundeza metafísica. Estes 
55 
empregos são encontrados em profusão nos poemas simbolist: 
como “Visão”, de Cruz e Sousa: 
“Nova de Satanás, Arte maldita, 
Mago Fruto letal e proibido, 
Sonâmbula do Além, do Indefinido 
Das profundas paixões, Dor infimta, 
Astro sombrio, luz amarga e aflita, 
Das Ilusões tantálico gemido, 
Virgem da Noite, do luar dordo, 
Com toda a tua Dor oh! sé bendita!” 
(Poestas completas, p 111) 
O costume tradicional de iniciar os versos com maiúscula parece 
ser mais uma forma de marcar o texto poético com um aspecto gráfico 
solene, afastando-se da prosa; a renúncia ao processo prende-se à idéia 
de que a poesia não está numa extenorização gráfica, num procedi- 
mento mecânico O uso de minúscula no início dos nomes próprios 
revela rebeldia à tradição, desprezo do convencionalismo, desejo de 
chamar a atenção por uma pretensa onginalidade (cf Harm Meyer, À 
maniscula, problema ortográfico e semântico, p. 165-90) 
Curioso exemplo do emprego emocional da minúscula como 
signo de desprezo, ódio, temos numa carta de Gonçalves Dias em 
que se refere ao episódio da chamada Questão Christie e escreve 
Inglaterra com + minúsculo. Vale a pena transcrever o trecho porque 
constitui interessante documento do nacionalismo do brasileiro, re- 
voltado com a posição humilhante de sua pátria 
(3 “Não poderemos livrar-nos dos insultos da inglaterra; 
mas o Brasil compreenderá que pode haver dignidade no sofri- 
mento Com o abuso da força insulta-se, mas não se desonra 
ném a um indivíduo, & menos a uma nação Que abusem, e a tal 
ponto que se rasgue nas ruas a casaca ao brasileiro que lrouxer 
objeto de fabricação inglesa. Fique em boa hora essa semente 
de ódios para o futuro. Nem sempre seremos o que somos, nem 
eles, o queNeste capítulo, que tem o caráter de odução à Estilística 
à língua portuguesa, serão mencionadas algumas das ten- 
tativas de definir estilo e, à seguir, os principais estudos que, no 
rer de nosso século, se têm realizado sob a denom ÇÃO de 
emos, € será estudada a O, SOb que aspect 
balho. 
1.1 A VARIEDADE DE CONCEITOS DE ESTILO 
A palavra estil 
cteristicas particu 
dhcaa tudo que possa apresentar 
as coisas mais b rés, ais e concretas às 
ais altas criações artísticas, lem u modesta. Des 
atim um 
escrever sobre ta 
pstrum 
ut 
“o «as 
do de CSCICy 
No 1 têm sido tão numerosas as defini 
p 
elas se fundamental 
lomínio da Imgus 
s de estilo que vários linguistas Lê ado assificá-las de 
lo com os entér Assim, Cieorges 
nin (Introdução à linguistic 
três grupos. 1) as que consideram estilo como 
ÇÃO, 
tação. Nils Enk Enkvist (Lina 
upos" |) estil "COMO ddtçi 
estilo co 
onjunto de carai 
rma, ela 
mostra a dificuldade de tais classificações 
dem melurr escolha, desvio ( ação, conotação, o que 
Acrescente-se que, dos teóricos da Estlística, alguns só cons 
deram o estilo na língu Y 
usos da lingua: alguns relacionam o estilo ão autor, outros à obra, 
inda ao leitor, que reage ao texto lnerário; alguns se con- 
centram na forma da obra ou do enunciado, outros na totalidade 
lorma-pensamento. 
Dentre as inúmeras definições e explicações do fenômeno do 
estilo, arrolamos algumas que se encontram na bibliografia indica- 
da no final do capítulo, especialmente nas obras já referidas de 
Mounin e Enkvist e nos livros de Guiraud. Fica ão leitor a tentativ 
de encaixá-las nos grupos mencionados, bem como a seleção das 
que lhe parecerem mais satisfatórias 
uterár 1a, Outros O conside ram nos diversos 
Quiros 
“O estilo é o homem” (Buffon) 
“O estilo é o pensamento. (Rémy de Gourmont) 
“O estilo é a obra)” (RA Sayce) 
expressão inevitável e orgânica de um mod 
individual de experiênc (Middleton Murray) 
“Estilo É O (ue É peculrar e diferencial numa fal; 
Alonso) 
“Esgulo é 
(Dámaso 
“stilo é a qualidade do enunciado, resultante de uma es 
colha que faz, entre os elementos constitutivos de uma dada 
| aquele que a emprega em uma circunstância determin 
da” (Marouzeau) 
'O estilo é compreendido como uma ênfase (expressiva, 
, OU estética) acrescentada à informação veiculada pela 
estrutura un gnistica sem alte ção € de Ena, O que quer di- 
ser que a líng “(Riffaterre) 
“O estilo de um texto é o conjunto ER probabilidades con- 
textuais dos seus Lens linguísticos.” fp Hill) 
stilo é surpresa” (Kibédi Varg 
“Estilo é expectativa les ada ataca) 
Estilo É o que está ente nas mensagens em que há 
gem por ea wesma” (Idem) 
“Estilo é o aspecto do enunciado que resulta de uma esco 
lha dos meios de expressão, determinada pela n 
elaboração da mens 
reza e pelas 
intenções do individuo que fala ou escreve” (Gurraud) 
Estilo o conjunto objetivo de características forr 
oterecidas por um Lex 
trumento Í ralidades do ato específico 
tm produzido” (Herculano de C; 
| como resultado da adaptação do ins- 
Vaquie EUISicO ds | 
transcende do plano Vi “Est À linguagem qu 
para carrear a emoção e à vontade” (Mattoso Câmar: 
Como um fecho a esta sóre de definições, cada qual com sua 
a validez, e muitas delas com pontos comuns, sejam lembra- 
s pertinentes ponderações de Georges Moun 
esto] É um fenômeno humano de grande complexi- 
dade. É a resultante hngúísuca de 
múltiplos ( ): Se algum dia se chegar a atribuir ao estilo uma 
mula. há-de ser uma fórmula extremamente complexa. To- 
a conjunção de fatores 
das as reduções lapidares da definição do estilo só podem ser e 
permanecer como empobrecimentos unilaterais. Não damos 
muda por findas as nossas tentativas para compre ender o por- 
quê do efeito que certas obras têm sobre nós. Nesta encruzilhada 
to poema NOS onde talvez compreendamos por que é que ce 
envolve e nos possui e nos toca de determinada maneira, tem 
de causas lngiísticas formais, Ju havel uma convergenc 
psicanalíticas, históricas, 
sociológicas, Inerária indubitavelmente o conjun- 
to que poderá dar conta dessa coisa ainda muito misteriosa Que 
por que é que certas mensagens produzem 
mas também de causas psicológ 
ser 
é a função poétic 
em nós efeitos incomensuráveis com os de aii 15 as OUITAS Es 
jensagem que quotidianamente recebemos. 
2.9) Untrodução à linguística, p 15 
O APARECIMENTO DA ESTILISTICA 
Embora a palavi destilísitoa já fosse usada no século XIX, é no 
século XX que ela passa a designar uma nova disciplina ligada à 
jística. Tomando o lugar deixado pela Retórica (de que se dir; 
Esulística surge nas primeiras alguma coisa no final do capítulo), 
décadas do século XX, graças sobretudo a dois mestres que lideram 
duas correntes de grande importância: Charles Bally (1863-194 
doutrinador da Esulística da língua, e Leo Spitzer (1887-1960), fi- 
gura exponencial da Estilística literári 
ICA DA LINGUA 
Ampliando o campo de estudo do seu mestre Ferdinand 
les Bally volta-se 
a serviço d 
Saussure, iniciador da Linguística mo Ferr Ci 
ngua falada, da lin 
amanicalizada, Jex1- 
para Os aspeclos ateuvos da 
va, Csfx NHnci, IIS vida humana, tímgua 
possuidora de um sistema expressivo cuja descrição deve 
sera tarefa da Estilist Cnhãoe Bally cont ino da língua baseado 
apenas na gramálica normativa e nos textos literár 
uma visão parcial da lín 
so qual « 
o corresponde 
do que às pessoas usam nas múltiplas atividades de sua vida social é 
psíquic: 
ua, de um tipo de língua que fr 
As suas idéias são desenvolvidas numa série de ensaios 
reunidos no livro Le lengage er la vie é também no Tratté de 
styiistique française, no qual expõe o seu método e o aplica ao 
francês. Bally distingue duas faces da linguagem — a intelectiva ou 
lógica e a afetiva; estuda os efeitos da afetividade no uso da língua: 
examina os meios pelos quais o sistema impessoal da língua (estu- 
dado por Saussure) é convertido na maténa viva da fala humana, 
Ele foi o primeiro a distinguir com precisão o conteúdo hngiúístico 
do conteúdo estilístico, a informação neutra do suplemento subjeti- 
vo u ela acrescentado, mostrando que um mesmo conteúdo pode SEI 
expresso de diferentes modos Os efeitos expressivos, pelos quais o 
ser humano manifesta seus sentimentos e atua sobre o seu seme- 
lhante, são classificados em naturais (manifestações de prazer e 
desprazer, de admiração e desaprovação, processos de intensifica- 
ção das idéias) e evocativos (que sugerem certo meio social ou cel 
la epoca e aparecem, por exemplo, na língua famihar, na gíria, na 
lingua profissional, na hteránia, etc.). Note-se que Bally não se vol- 
ta para o discurso (“parole”), o uso individual da língua, mas para O 
sistema expressivo da língua coletiva (“langue”) Para ele “ 
Estilística estuda os fatos da expressão da linguagem, orzanizada 
do ponto de vista do seu conteúdo afetivo, isto é. expressão dos 
fatos da sensibilidade pela linguagem e a ação dos fatos da lingua 
n sobre a sensibilidade”. (Trairé, p. 16) 
Bally inicia, assim, a Estilística da língua ou da expressão lin- 
guistica, que se ocupa da descrição do equipamento expressivo da 
língua como um todo, opondo a sua Estilística ao estudo dos esti- 
los individuais e afastando-se, portanto, da literatura 
Alguns dos seus continuadores, como ] Marouzeau e M 
Cress discordam em alguns pontos da sua posição Marouzeau ( 
à Esuliística um € uque mais individual, deslocando-a do sistema 
para o discurso. À língua é, segundo ele, um repertório de possibili 
dades, um fundo comum posto à disposição dos usuários que O uti- 
lizam conforme suas necessidades de expressão, praticando sua es 
isto é, o estilo, na medida que lhe permutem as leis da lingua 
Tanto Marouzeau como Cressot voltam-se p 
considerando-a o domímo por 
o | 
RI] 
1 liter: 
xcelênc 
s se acumulam os re 
Tr Cd, porque nas 
UISOS CXPrESSIVOS, FIÇOS É 
uzeau, no Précissão; e da inglaterra tudo é preferível a sua amizade.” 
(Carta escrita ao Barão Guilherme Capanema em Dresde, 21 
de junho de 1863 Correspondência, p. 356). 
Como sc vê, nem os grandes espírmos escapam de cert; 
infantilidades . 
Completando este capítulo, acrescentamos uma série de ver- 
sos, frases ou breves trechos em prosa, para que sejam apreciados, 
reconhecidos e comentados vários recursos fônicos que neles se 
encontram 
[ao] 
2.8 EXEMPLIFICAÇÃO COMPLEMENTAR PARA EXERCÍCIO 
ed 
6 
E trouxeram o jongo 
sotumo como um grito notumo . 
E o urucungo que é um resmungo ... 
E o cabelo enrediço ... do feitiço. 
(C Ricardo, “Noite na terra”, M Cererê, p. 43) 
. Clâmides frescas, de brancuras frias, 
Finissimas dalmáticas de neve 
Vestem as longas árvores sombrias, 
Surgindo a Lua nebulosa e leve . 
(Cruz e Sousa, “Lua”, Poestas completas, p. 37) 
Esse cornóide deus funambulesco 
Em torno ao qual as Potestades rugem 
Lembra os trovões, que tétricos estrugem, 
No riso alvar de truão carnavalesco. 
(ld , “Majestade caída”, !b., p. 60) 
Sente-se ainda o harmonioso canto 
Da came virginal, clara c rosada 
(ed., “Beleza morta”, bh, p 39) 
Mais claro e fino do que as finas pratas 
O som da tua voz deliciava ... 
Na dolência velada das sonatas 
Como um perfume a tudo perfumava 
(Jd , “Cristais”, !b., p. 51) 
No imenso Mar maravilhoso, amargos, 
Marulhosos murmurem compungentes 
Cânticos virgens de emoções latentes, 
Do sol nos mornos, mórbidos letargos ... 
(Id , “Sonata”, Ih. p 59) 
Andorinha lá fora está dizendo 
— “Passei o dia à toa, à toa!” 
Andorinha, andorimha, minha cant 
Passei a vida à toa, à toa. 
(M, Bandeira, Poesia completa e prosa, p 2 170) 
A Tolha de papel ampara, 
é apara limpa e clara, 
é mais triste! 
10. 
«Nove horas e trinta. | 
que sc entrega sem saber 
se O sangue é linta, 
se à letra é tumbre 
ou cicatriz 
(ka Brunhilde Launto, Canteiro de obras. p 30) 
Vamos ver quem é que sabe 
soltar fogos de 8. João” 
Foguetes, bombas, chuvinha 
chios, chuveiros, chiando 
chuando 
chovendo 
chuvas de fogo! 
Chá-Bum! 
Jorge de Lima, Poesia, 1, p 86) 
E o sino da Igrejinha com voz fina de menina 
tem dlim-diins 
para o batismo dos pimpolhos. 
ara os mortos: devagar — DLIM-DLIM 
é como um choro de menino, compassado 
sem 
tim 
Ud., ib., p. 99) 
remeerro trinta. É um bumico, que vem 
sozinho, puxando o carroção Patas em marcha matemática, andar 
consciencioso e macio ele chega de sobremão” 
(6. Rosa, Sap., p 69) 
Alguma anta assobiava, assovio mais fino que o relincho-rin- 
cho dum poldrinho. 
(d.. G sertio, p 63) 
Para extraviar as multucas, a gente quermava folhas de arapavaca 
Aquilo bonito, quando tição aceso estala seu fim em faíscas — & 
labareda dalalala 
Ud,1b,p 238) 
: O arraial era o mais monótono possível... As noites, prncipal- 
mente, impressionavam. Casas no escuro, rua deserta. Raro, O 
pataleio de um cavalo no cascalho O responso pluralíssimo dos 
sapos. Grios Ginlimnhos e bezertos fonfonado 
(il, Seg, p. 258) 
[Ta] 
16. 
18. 
19 
(Sete-de-Quros) Fora comprado, dado, trocado e revendido, 
vezes, por bons e maus preços . Vinha-lhe de padrinho jogador 
de truque a úluma ntitulação, de baralho, de manilha, mas, vida 
a fora, por amos c anos, outras vera, sempre involuntariamente 
(Sap.;p 3) 
Mas, nem bem Sinoca terminav 
dentro, trambulhavam, emendados, ti 
Ud. ib,p. 18) 
.« € já, morro abaixo, chão a | 
ês trons de trovões. 
Mas os vaqueiros não esmorecem nos cias e cantigas, porque z 
borada ainda tem passagens imquictantes: ... 
— Eh, boi lá! . Eh-ê-8-eh, boi! . Tou! Tou! Tou .. 
As ancas balançam, e as vagas de dorsos, das vacas e tou- 
ros, batendo com as caudas, mugindo no meio, na massa 
embolada, com atritos de couros, estralos de guampas, estron- 
dos e baques, e o berro queixoso do gado junqueira, de chifres 
imensos, com muita tristeza, saudade dos campos, querência 
dos pastos de lá do sertão . 
(Jd, ib.,p 23) 
Então, uma voz nsonha, leve, uma voz ainda sem tormento, vI- 
nha cantando, cada vez mais perto: 
“Sorvelinho, sorvelão, 
sorvetinho de ilusão, 
quem não tem duzentos réis 
não toma sorvete, não” 
Uma pausa de uns três ou quatro passos.Depois: 
“Sormrrvete, atá! 
Olha a fama do bom sorvete. 
simbá!” 
(C. Meireles, Olhinhos de gato, p 46) 
Lá vão, lá vão os burnnhos do bonde, com suas lindas campai- 
nhas ao pescoço. A viagem é toda por dentro dessa música ... — 
lewe-ligue, Hene-ligue, ligne-ligue ... 
O homem do bonde dá um assovio estridente. que estreme- 
ce acrança e os burros 
E as patas dos animais batem nas pedras — tão direitinhas! — 
plec, plec, plec Mas de vez em quando o clhucote dá uma volta 
pelo ar, e estala em cima deles Que dor! 
Udab,p 57) 
20. Passa-lhe pelo pescoço a correntinha, onde tinem as tetéras. 
(ld, ibsp 
29 BIBLIOGRAFIA 
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Sapir, Edward Linguistica como ciência Trad de J Mattoso Câmara Jt Rio de 
Janeiro, Lavrana Acadêmica, 1960 
3.4 ESTILÍSTICA DA PALAVRA 
3.1 CONCEITUAÇÃO DE LÉXICO 
A Estilística léxica ou da palavra estuda os aspectos expressi- 
vos das palavras ligados aos seus componentes semânticos e 
morfológicos, os quais, entretanto, não podem ser completamente 
separados dos aspectos sintáticos é contextuais 
Os atos de fala resultam da combinação de palavras segundo as 
regras da língua. Só teoricamente se separam léxico (palavras) e 
gramática (regras), visto que mesmo as palavras que têm um signi- 
ficado real, extralinguístico, só funcionam no enunciado com a agre- 
gação de um componente gramatical, 
Há dificuldade em precisar o conceito de léxico. De acordo 
com Josette Rey-Debove (“Lexique et dictionnare” — Le langage), 
o léxico pode ser concestuado de três maneiras 
a) Conjunto de morfemas de uma língua, sendo os morfemas 
unidades sigmficativas minimas, presas ou livres, de natureza lexical 
ou gramatical. Os morfemasde natureza lexical (que também são 
designados como radicais, semantemas, lexemas) constituem clas- 
se aberta, com possibilidade de acréscimos e perdas: os de natureza 
gramatical (também chamados gramemas) constituem classe fecha- 
da, estabelecida, restrita. 
Esta concertuação é considerada de difícil aceitação por ser a 
frase formada de unidades codificadas mais altas, que são, em gran- 
de parte, a combinação de dois ou mais morfemas. 
bj Conjunto de palavras de uma língua. Este é O conceito tra 
dicional, que tem como imagem o dicionário. É insatisfatório pela 
imprecisão do que se deve considerar palavra. (A defimção mais 
geralmente aceita é a de forma livre que não pode ser dividida em 
formas livres menores; uma forma livre mínima é capaz de atuar 
como uma elocução completa.) Este concerto de léxico implica a 
divisão das palavras em lexicais e gramaticais, encontráveis nos 
dicionários, mas é discutível se as formas livres gramaticais são 
realmente palavras, visto que muntas delas não podem atuar como 
elocuções completas 
c) Conjunto de unidades ou palavras de classe aberia de uma 
língua, podendo-se considerar essas unidades os morfemas lexicais 
ou as palavras lexicais À aceitação deste conceito exigiria que a 
distinção entre conjuntos abertos € fechados fosse precisa, “e não 
da ordem dó mais ou menos” 
Não eres portanto, uma conceituação plenamente satisfa- 
tória de léxico, é tomada, neste trabalho, a tradicional (b), sendo o 
termo palavra empregado conforme o seu uso comum, apesar de 
condenado por muitos lingilistas por ser desprovido de ngor cientí- 
fico. (Mattoso Câmara adota no sentido amplo o termo vocábulo, 
distinguindo vocábulos lexicais ou palavras, que encerram seman- 
tema, e os gramaticais. que são meramente morfemas ) 
Nos estudos da linguagem é, porém, inevitável certa impre- 
cisão de termos é impossível um rigor científico no tratamento 
de fatos como expressividade, subjetividade, poeticidade, desvio 
de norma, conotação e outros igualmente vagos. Temos de nos con- 
formar com a tentativa de esclarecer ou compreender um pouco 
melhor os fenômenos, sem a pretensão de definições e classifica- 
ções mgorosas. Assim sendo, serão focalizadas neste capítulo as 
possibilidades expressivas da nossa língua (valores expressivos que 
se sobrepõem à comunicação racional, lógica, de fatos ou idéias) 
das duas espécies de palavras mencionadas: as gramaticais e as 
lexicais 
3 2 PALAVRAS GRAMATICAIS 
Além das denominações referidas (morfemas, gramemas), em- 
pregam-se também as denominações palavras-formas, palavras va- 
us e instrumentos gramancais (ou não-palavras). Sua sigmfica- 
ção só é apreendida no contexto linguístico, daí dizer-se que é 
intrahngúística ou interna. Diz-se também (cf Ulmann, Semâniica, 
Pp. 94) que são palavras sinsemánticas, por serem significativas quan- 
do acompanhadas de outras, em oposição às autossemáânticas — as 
lexicais —, que têm significação por si mesmas As palavras grama- 
cais são pouco numerosas. mas de altíssima frequência nos enun- 
ciados, desempenhando funções de grande importância, que tenta- 
remos enumerar sem a pretensão de exaustrvidade e de muto ngor 
Sua função pode estar relacionada com o ato de enunciação. com a 
organização do discurso ou texto, ou com a estruturação da frase 
Elas servem, pois, para 
— relacionar o enunciado com a situação de enunciação, indi- 
cando os participantes da comunicação, o espaço & o tempo em que 
ela se dá. São os dêsicos (err, tir, É suas vanantes, aqui, af, agora, 
possessivos e demonstrativos referentes à |2e à 2º pessoas, etc); 
2 
— E 
— substituir ou referir algum elemento presente no enunciado 
São us nero ou representantes (ele, demonstrativos não relacio- 
nados à lie à 2º pessoas, etc ), 
- anal os nomes, transformando-os de elementos do pa- 
radigma ou palavras de dicionário em termos da frase. São os 
determinantes, como, por exemplo, o artigo, pronomes adjetivos, 
numerais; 
— Indicar quantidade e intensificação (numerais, pronomes in- 
defimdos quantitativos, advérbios quantitativos), 
— relacionar palavras no sintagma (preposições) e orações na 
frase (conjunções e pronomes relativos), 
— estabelecer coesão textual, seja dentro de uma frase, seja en- 
tre frases diversas (anafóricos, conjunções). 
OQ emprego das palavras gramaticais diz respeito, portanto, à 
sintaxe e à organização textual, seguindo regras mais ou menos fi- 
xas. Entretanto, sempre há possibilidade de uma alteração ou viola- 
ção das regras para um efeito expressivo. Palavras gramaticais po- 
dem perder, em certos empregos, esse valor gramatical e tornar-se 
meros elementos de realce ou ainda receber um valor nocional, apro- 
ximando-se das palavras lexicais Também palavras lexicais podem 
perder seu valor nocional, gramaticalizando-se. 
Serão apresentados neste tópico, mais a título de exemplificação, 
alguns valores expressivos de palavras gramaticais, não sendo pos- 
sível aqui um estudo mais exaustivo ou profundo Cabe lembrar 
que alguns gramáticos como Evanildo Bechara, Gladstone Chaves 
de Melo, Celso Cunha e outros chamam a atenção para diversos 
empregos afetivos de palavras gramaticais. Também Rodngues Lapa, 
na sua Estilísica da língua portuguesa, examina do ponto de vista 
da expressividade as diferentes classes de palavras 
No seu estudo “Expressões de situação”, Said Ali procura ex- 
plicar o sentido e a possível gênese de empregos de partículas como 
mas, emdo; agora; sempre, ufimal, pons. pois sun, pois não; se, pois 
se, etc., com valor diferente do “gramatical” Explica o autor as 
expressões de situação como “expressões concisas, alheias, talvez, 
à parte informativa, mas capazes de conseguir intutos que palavras 
formais não conseguiriam”, Tais “recursos de linguagem nos aco- 
dem com uma presteza espantosa, cada qual em seu lugar”, sem que 
os analisemos, quer quando os empregamos, quer quando os ouvi- 
mos. “São meios de expressão já do domínio do subconsciente ” 
“Não são fruto do acaso. Têm explicação, mas oferecem muita difi- 
culdade ao estudo. Fazem, ou fizeram parte de perisamentos laten- 
tes. É preciso restaurá-los, restabelecê-los em palavras e então se 
verá como essas expressões de situação, expressões restantes. vêm 
73 
a figurar juntamente com as idéias e pensamentos que se enun- 
ciam regularmente” (Metros de expressão e alterações semânticas, 
p. 30-31) 
Entre os casos de palavras gramaticais que se empregam com o 
valor de realce temos os advérbios cá, lá, «qui, enfatizando formas 
pronominais: “Eu cá sei das minhas dificuldades ” “Aqui comigo é 
preciso tudo muito certinho” “Eles lá resolveram o caso” Maior é 
o desvio de significação quando lá entra em expressões de cunho 
negativo. “Sei lá o que ele quer” “Vê lá que ele trabalha”, ou 
concessivo: “Vá lá que ele não ajude, mas pelo menos não atrapa- 
lhe”. Alr combinado com até constitui uma expressão superlativante 
bem enfática: “Feia até ah, Coitadinha!” (M Lobato, D. Quixote 
das crianças, em Obras completas, p. 79), “Estóico até ali” (R. de 
Queiroz, 100 crômeas escolhidas,p. 277) 
O processo de nôminalização, que permite a transformação de 
qualquer vocábulo em substantivo, faz de palavras gramaticais 
cormqueiras e apagadas, embora importantíssimas, palavras lexicais 
de cunho afetivo. Eu como substantivo assume um significado com- 
plexo, sugerindo tudo que constitui o nosso ser, à nossa personali- 
dade, a nossa impertância. É o que vemos no título (tema) da crômi- 
ca de Rachel de Quesroz “Nosso cu maravilhoso” (100 crônicas ..., 
p. 118). Cassiano Ricardo usa o pronome substantivado no plural 
exprimindo as mutações por que passou: 
“Um dia conversarei com os meus mortos 
E todos os que morri (08 muitos cus que eu fui) 
reunidos inquietos sófregos cada qual com um meu rosto 
na mão 
me contarão (sua) à minha história” 
(João Torto e a fábula, p 65) 
Níão substantivado pode substituir um substantivo como nega- 
tiva, recusa,remetendo mais vivamente a um enunciado em que 
teria aparecido com valor adverhial: “Seu não irredutível deixou- 
me decepcionado”. 
Guimarães Rosa antepõe o artigo a certas palavras gramaticais 
criando um efeito de estranheza: 
“Acho que nem dormia, comia o nada, nada, às pressas, 
piava o tempo todo” (G. sertão, p 185) 
“Me pareceu que daí adiante, a partir disso, o tudo era para 
só ser a desatinada domdice ” (Jb.. p. 185) 
“Osalguns faltavam, dos que eram para se reunir al. 
(bp. 167) 
7d 
Cujo, que como relativo é marca da língua culta, substantivado 
é popular, com tom pejorativo: 
“Certa ocasião, passava eu na fazenda do Pedrinho; quan- 
do apareceu por lá o Joãozinho Cigano — botaram esse apelido 
no cujo, à toa não for .. (M, Palménio, Vila. ,p 202) 
Guimarães Rosa emprega-o também como vocalivo, em refe- 
rência à um animal: 
“— Fecha essa queixada, cujo, que isto não é comida, não, 
é freio” (Sag, p: 50) 
Bastante explorado é o tom depreciativo dos pronomes neutros 
tudo, isto, 1sso, aquilo, referentes a pessoas: 
“— Arrenego! Deus me perdoe Pois é aquilo que prega 
hoje? . “ (MA. de Almeida, Memórias de um Sargento 
p. 98) 
“Hoje é essa meninada que a gente vê —- e tudo atrás de 
sinecuras” (M Palmério, Vila .., p, 202) 
Mas, conforme 0 contexto e a entoação, a forma neutra pode 
valer por um enaltecimento. 
“— Isto, rapazes, é fidalgo que, quando um pobre de Cristo 
escalavra a perna, lhe empresta à égua, e vas ele ao lado mais 
duma légua a pé, como foi com o Solha! Rapazes! isto é fidal- 
go para a gente ter gosto!” (Eça de Queiroz, Hustre Casa de 
Ramires, em Obra completa, v. Ip 1.381) 
Isto, aquilo são também empregados como expletivos ou pa- 
lavras sem função sintática e de valor impreciso: 
“E, aquilo, ele chorava sem parar, e de um sentir que fazia 
pena” (6. Rosa, Sag., p. 55) 
Isto substantivado assume a noção de quantidade, grande ou 
insignificante, pressupondo um gesto ilustrativo 
“E Paulo teve de contar a história toda. à luta com à 
surubim, o upa até dar com ele na canoa, à esto de piranha que 
aguntou” (M. Palmério, Vila . . p. 59) 
“Não chegaram a trocar um isto de prosa e se entenderam ” 
(lb, p 236) 
Alguém perde muito do seu caráter indefindo e ganha uma 
conotação valorizadora na expressão “ser alguém na vida” e pode 
ser usado em expressão indireta, dirigida a uma pessoa presente: 
“Alguém vai me emprestar um dinheirinho . 
Os artigos e certos pronomes adjetivos podem absorver o sen- 
tido de um modificador do substantivo que acompanham, o qual é 
75 
omitido por ser óbvio, ou por não se encontrar o termo satisfatório 
Com o artigo indefimdo são comuns construções como “Foi de uma 
audácia!” em que está implícito um adjetivo intensificador Ma- 
chado de Assis dá um bom exemplo desse emprego neste passo das 
Memórias póstumas de Bris Cubas: 
“Ai é que ecra um desfiar de anedotas, de ditos, de pergun- 
tas, & men estalar de risadas que mnguém podia ouvir porque 
o lavadouro ficava muto longe de casa” (Obra completa, v. 1, 
p. 526) 
O artigo definido também pode formar um sintagma com ex- 
pressão adjeuva superlativa latente “Ele é o professor!” pode sig- 
mficar que se trata do professor por excelência, a quintessência dos 
professores. No ensaio de Octávio Paz “O enigma das línguas” (tra- 
dução), encontramos este ótimo exemplo: “Sem linguagem não há 
sociedade, sem sociedade não há linguagem. É este, para mim, um 
dos grandes enigmas da história humana. Ou melhor: o enigma” 
(Supl. “Cultura”, O Estado de 8. Paulo, 15-4-R4, p. 6) 
Cada, tal, que, aquele e outros também assimilam um termo 
caracterizador em construções como: “Você arranja cada negócio!” 
“Disse tais tohces!” “Que dia, meu Deus!” “Aquela mulher!” O de- 
monstrativo é em certos empregos o equivalente enfático do artigo: 
“Índia pataxó, aquela mãe que tem, capaz de todas as raivas” 
(Adonias Filho, As velhas, p. 10) Em aquela podemos sentir uma 
qualificação do caráter da mãe, “mulher de gênio forte”, “fora do 
comum”, etc. 
Entre as palavras nocionais gramaticalizadas, com redução do 
seu valor conceitual, temos expressões usadas como nexos compa- 
rativos, como nos exemplos seguintes: 
“Os [namorados] dagui ficam só de mãos dadas, feito uns 
santos ..” (R. de Queiroz, 100 crônicas ... p 10) 
“ o pessoal do bonde rindo que era ver uns demônios . 
Ub..p. 211) 
“E o pezinho calçado de branco era um sapato de cetim 
escritinho” (Luís Jardim, O bor aruá, p. 46) 
“Seu Alexandre fala direitinho um missionário” (G Ra- 
mos, Alexandre e outros heróis, p. 54) 
Os exemplos apresentados, embora não muito numerosos em 
relação aos que se encontram na linguagem comum ou na literária, 
indicam que muitos valores expressivos se ligam às palavras gra- 
maticais, existindo um sistema expressivo paralelo ao sistema pura- 
mente gramatical. Uma boa parte da Estulística pode ser denomuna- 
70 
da graménica afenva, como Dâmaso Alonso achava que devia de- 
nominar-se a Estilística de Bally 
A a 
3.3 PALAVRAS LEXICAIS nc fai 
As palavras lexicais, também chamadas lexicográficas, nocio- 
nais, reais, plenas, mesmo isoladas, fora da frase, despertam em 
nossa mente uma representação, seja de seres, seja de ações, seja de 
qualidades de seres ou modos de ações Diz-se que elas têm signifi- 
cação extralinguísuca ou externa, visto que remetem à algo que está 
fora da língua e que faz parte do mundo físico, psíquico ou social. 
São em número muto grande, indeterminável, pois constantemen- 
le se formam novas palavras ou se tomam emprestadas palavras de 
outras línguas; também outras vão deixando de ser usadas, ficando 
apenas no dicionário, até que se esqueçam de todo. É por essa pos- 
sibilidade constante de renovação do léxico de uma língua que as 
palavras lexicais se dizem de inventário aberto São palavras lexi- 
"ais os substantivos (que são a classe mais aberta às novas criações 
e empréstimos), os adjetivos e os advérbios deles derivados ou a 
eles correspondentes, os verbos que exprimem ação e processo men- 
tal (excluídos, portanto, os auxiliares e os de ligação, que são pala- 
vras gramaticais). Lembre-se que as palavras lexicais não entram 
no discurso apenas com o seu valor nocional, mas são investidas de 
uma função sintática e têm de ser acompanhadas de gramemas — as 
desinências flexionais de número, gênero. pessoa, tempo e modo - 
e muitíssimas delas são formadas com afixos. Quando à noção gra- 
matical indispensável não corresponde nenhuma forma lingiística, 
costuma-se dizer que há morfema zero. Os morfemas, como já se 
viu, são ainda necessários para o relacionamento das palavras, sen- 
do a colocação considerada também um morfema (morfema 
posicional) 
Quanto à significação das palavras — assunto de acentuada com- 
plexidade — pareceu-nos conveniente aproveitar o que ensina Tatiana 
Slama-Cazacu, na obra Lenguaje y contexto: existe em cada pala- 
vra, tal como na língua, algo que lhe imprime determinada constân- 
cia e que impede o seu emprego arbitrário. É o núcleo convencional 
ou sigmficativo fundamental, adquirido no quadro da expenência 
social. Qualquer palavra, por complexa que seja a gama de suas 
variações semânticas, pode ser reduzida a este núcleo imcial que 
constitum à própria base de agrupamento semântico. à “unidade na 
variedade”, e que assegura a estabilidade relativa do léxico da lin- 
gua, necessária para a compreensão mútua, Desprovida deste nú- 
77 
cleo com função de base, a língua correna o risco de converter-se 
em um caos de significados sempre novos Ninguém pode dar às 
palavras sentidos inteiramente “pessoais”, segundo seu agrado. Os 
diferentes sigmficados móveis e cambiantes, os sigmficados figura- 
dos, por exemplo, se desenvolvem a partir do significado central e 
fundamental, que é estável, e cimenta por isso os outros significados 
secundários da palavra. A língua oferece amplas possibilidades de 
continuar criando, para as mesmas palavras, novos significados. As 
notas particulares, casuais,em geral desaparecem depois de seu 
emprego concreto e momentâneo, mas, quando o sentido novo 
corresponde a uma necessidade de expressão mais extensa, pode 
penetrar no vocabulário e finalmente tornar-se essencial para todos 
(cf p. 202-5) 
A autora faz uma distinção entre significado e sentido O sig- 
nificado existe na palavra pertencente ao léxico da língua, é a noção 
da palavra e contém latências para casos particulares; no mecanis- 
mo concreto da comunicação, a noção se individualiza, torna-se mais 
precisa pela indicação do caso particular, se enriquece, se completa, 
torna-se O sentido que a palavra adquire para uma certa pessoa que 
a emprega em uma situação específica, sendo que se amplia mais 
ainda pelos diversos elementos afetivos. O sentido é, pois, a reali- 
dade que aparece na prática da linguagem, como fato complexo é 
variável, o significado é uma parte necessária e muito importanté 
dele, mas não é a única. O senudo depende dos diversos aspectos da 
personalidade de cada um e pode variar em diferentes momentos. 
Diz-se que o sentido é denorarivo se a palavra designa determinado 
ser, ação, qualidade, circunstância, com valor exclusivamente 
referencial, se o sentido contém algum valor particular, subjetivo, 
já se toma conotatrvo. 
A definição de palavra dada por Tatiana Slama-Cazacu, sintet- 
zando as suas considerações, é a seguinte: “A palavra é um signo 
sonoro, que contém um núcleo significativo, que se atualiza e se 
completa pelo seu aparecimento em um conjunto de linguagem con- 
creta. As palavras exprimem a realidade justamente porque podem 
moldar ou completar o sigmficado conforme a situação” (p. 209) 
3 4 TONALIDADES EMOTIVAS DAS PALAVRAS 
Os elementos emolivos que entram na constituição do sentido 
das palavras são de máximo interesse para a Estilística. A tonalida- 
de afetiva de uma palavra pode ser inerente ao próprio significado 
78 
ou pode resultar de um emprego particular, sendo perceptível no 
enunciado em razão do contexto, ou pela entoação (enunciado oral), 
ou por algum recurso gráfico, como aspas, grifo, maiúsculas/mi- 
núsculas, tipos de impressão, c outros (enunciado escrito), 
3.4.1 PALAVRAS DE SIGNIFICADO AFETIVO 
São aquelas cujo lexema exprime emoção, sentimento, um es- 
tado psíquico O lexema pode receber vogal temática, desinência 
ou afixo que o atualize como substantivo, adjeuvo, verbo ou advér- 
bio, podendo assim haver cognatos emotivos das várias classes de 
palavras lexicais. Sirvam de exemplo as séries: amor, amar, amoro- 
so, amorosamente; ódio, odiar; odroso, odiento, odiosamente, tris- 
te, tristeza, tristemente, entristecer; medo, medroso, medrosamen- 
te, amedrontar, etc. Mas nem sempre existe toda uma famíha, assu- 
mindo o lexema uma ou duas formas, como ojeriza, xodó (enxo- 
dozar), gana, quizalta, enguiziar, etc. 
Através do adjetivo o falante caracteriza emocionalmente o ser 
de que fala; através do substantivo abstrato destaca o sentimento, a 
qualidade, o estado, apresentando-os com mais realce, menos pre- 
sos ao ser, como se pode ver nestas frases: 
A menina triste me comoveu, 
A tristeza da menina me comoveu. 
A tristeza sempre me comove. 
A possibilidade de alternar o adjetivo com o substantivo abs- 
trato (completado por substantivo preposicionado ou por determi- 
nante) é um recurso estilístico de forte efeito, como se observa nes- 
tes versos de Raul de Leoni: 
“Penduro na tristeza dos meus lábios 
coisas alegres que não são minhas” 
(Luz mediterrânea, p. 83) 
Essa “tristeza” quase concreta, a ponto de nela se “pendura- 
rem” palavras, histórias maravilhosas, é mais impressiva do que 
seria a de “nos meus lábios tristes”, que também seria um toméeio, 
em vez de “eu, triste, digo coisas alegres . " 
3.4,2 PALAVRAS QUE EXPRIMEM JULGAMENTO 
São também carregadas de afetividade as palavras que expri- 
mem um julgamento pessoal. Predominam neste caso os adjetivos 
que atribuem qualidades positivas/negatrvas, valorizadoras/ depre- 
criativas, que podem ser distribuídas semanticamente no campo de 
bom/mau, e igualmente os substantivos abstratos, verbos e advér- 
bios a eles correspondentes Feio/borito, covardefcorajoso, genero- 
sofavaro, dehcado/grosseiro, nteligentefestúpido, gracioso/de- 
79 
senxabido, etc, são exemplos de adjenvos em que o elemento afenvo 
É inerente ao sigmficado básico (cf. Ullmann, Semântica, p. 275). 
Desnecessário é lembrar que tais adjetivos tanto podem ser de nível 
popular (bacana, legal, mucho, fajuto, etc.) como erudito (íncito, 
excelso, pustlânime, pérfido, ctc.). 
à 4 3 ELEMENTO DEAVALIAÇÃO 
O elemento de avaliação pode não constituir o significado fun- 
damental da palavra, mas estar anexado a ele. Trata-se de sigmfica- 
dos complexos em que se pode senur a coexistência de um valor 
substantivo ou verbal mais um valor adjetivo ou adverbial Assim. 
em palácio, mansão, à idéia de “edificio”, “moradia”, se aderem as 
idéias de “grandeza”, “luxo”, “riqueza”, e outras que podem ser 
conotações mais pessoais, em esbanjar, o significado de “gastar” 
está alargado pelo de “excessivamente, insensatamente”, que 
corresponde à sua expressividade Outros exemplos de palavras de 
teor afetivo com um traço significativo de avaliação temos em: ralé, 
antro, escória, bugiganga, quinguilharia, badulaque, cafundo, 
rábula, chartatão, grenha, pança, calhambeque, geringonça; adu- 
far, bisbilhotar, saracotear, intrometer-se, malbaratar, tapear, etc 
3 4 4 SENTIDO AVALIATIVO RELACIONADOA AFIXO 
O elemento avalrarivo pode ser acrescentado a um lexema por 
um sefiro ou prefixo Se política, gente, povo, podem empregat-se 
sem tonalidade emotiva em contextos intelectivos, já politicagem, 
polinquice, polticalha, gentinha, gentalha, gentarada, gentama, 
povinho, povão, populaça, populacho, poviléu, são carregados de 
valor pejorativo. À língua portuguesa É muito peca em afixos Fes- 
ponsáveis por uma derivação emotiva de considerável amplitude A 
formação de vocábulos de teor expressivo será tratada, com o rele- 
vo que merece, num capítulo à parte — a Esulística morfológica. 
3 4.5 PALAVRAS EVOCATIVAS 
A tonalidade emotiva de um grande número de palavras se deve 
a associações provocadas pela sua origem ou pela variedade lm- 
gúística à que pertencem. São as palavras de poder evocativo, con- 
forme as classificou Bally. São os estrangemsmos, os arcaísmos, os 
termos dialetais, os neologismos, às expressões de gíria, os quais 
não só transnutem um significado, mas também nos remetem a uma 
época, a um lugar, a um meio social ou cultural 
34.5.1 Estrangeirtsmos — podem ser empregados por força do 
relacionamento entre os povos, quando os nomes das coisas im- 
au 
—
 m
m
.
 
portadas as acompanham (verba seguuntur rem) e, neste caso, não 
têm praticamente valor expressivo É o caso de batom, ruge, magui- 
lagem, maiô, mantô, xorte (short), têms, futebol, basquete, teipe 
(tape), ctc., que, como qualquer outra palavra, poderão ter, confor- 
me o emprego, um valor expressivo, mas não por serem estran- 
geirismos; são palavras já incorporadas ao léxico português é cuja 
procedência grande parte dos falantes ignora. Há expressividade 
quando o estrangemsmo dá à fala ou ao texto um toque de exotismo, 
quando contribui para dar autenticidade à referência a outras lerras 
e ouiras gentes, ou ainda quando a palavra estrangeira, pela sua 
consultuição sonora, parece mais motivada que a vemácula, 
No seu famoso poema “4 mosca azul”, Machado de Assis em- 
prega o termo poleá, originário de uma língua da Índia (o malaiala) 
“Um poleá que a viu, espantado e tristonho, 
um polcá perguntou; 
“Mosca, esse refulgir, que mais parece um sonho, 
Dize, quem for que to ensinou” 
(Obra completa, v HI. p. 161) 
A expressividade da palavra poleá está não só no seu significa- 
do de pessoa da mais baixa casta da Índia, mas também na sua capa- 
cidade de evocar o país, com a sua organização social-religiosa, 
trazendo para o texto, que oferece uma atmosfera de sonho e fanta- 
sa, alguma coisa do exotismooriental, para o qual contribuem tam- 
bém os nomes próprios China, Indostão, Grão-Mogol, Vichnu, em- 
pregados em outros versos. É, insistindo no efeito que o vocábulo 
deveria provocar, o pocta O repete numa construção pleonástica. 
Pedro Nava, que ostenta vasto vocabulário, constituído de pa- 
lavras de diversos níveis e de múltipla procedência, vale-se de 
estrangeirismos pelos vários motivos acima apontados Observe-se 
a força da expressão italiana neste passo de Chão de ferro 
“Carcamano pra valer, carcamano pé de chumbo, olhos 
marítimos, chapelão, cachimbo de louça, bigodarra, faccia fe- 
race” (p. 280) 
Uma americana, mãe de um colega seu de ginásio, é relembrada 
com o auxílio, muito espontâneo e pitoresco, de numerosas expres- 
sões inglesas” 
“Eu adorava essas visitas clandestinas a Mrs Spector, sua 
nice cup of tea cortada dum pingo de leite, seus cakes. suas tor- 
radas, suas frutas cristalizadas e o cheiro dos cigarros bout de rose 
que ela fumava. Porque ela fumava, o que me enchia de mais 
Sl 
assombro que a harmoma de sua voz rouca, tue consentia sem- 
pre que uvéssemos mais leite, mais chá, ves dear. mais torta, 
mais biscoito, mais cake, surely dear, mais manteiga, mais doce, 
why not? my dear. . O Moses exultava, orgulhoso de sua mãe, 
do modo comoela nos recebia e nos gavava” (Balão carvo,p 155) 
Note-se também a incorporação do galicismo gavava (não re- 
gistrado no Aurélio), de gaver, “dar comida em excesso” 
Entre os casos em que O termo estrangeiro parece oferecer maior 
expressividade que o vernáculo, pode ser citado o emprego da for- 
ma aportuguesada do francês crisser, que, pelos seus fonemas, se 
ajusta à idéia de atrito e à harmonia imitativa da frase: 
“Suas aléias eram irregulares, sinuosas, cheias dum casca- 
lho moído que crissava sob as solas ” (Chão de ferro, p 159) 
Numa passagem em que evoca a mocidade passada em Belo Ho- 
nzonte, Nava emprega um arcaísmo (para sugerir o passado distante) c 
um galicismo (que se ajusta à alusão aos versos de Villon) 
“Vinde a mim! ruas do passado, vinde a mim! com os vos- 
sos nomes de poetas do passado ... Rua Gonçalves Dias . Rua 
Cláudio Manuel .., Rua Santa Rita Durão . . Onde estais” ruas 
dantanho com vossas flores de neve e vossas moças do tempo 
jadis, Bertas, Beatrizes .” (Baú de ossos, p. 114) 
Num tom irômico de modernidade e jovialidade, Carlos Drum- 
mond de Andrade se vale de alguns vocábulos do inglês na crôme: 
“Dnnk”: 
“Mas o Barata — ponderamos — não é propriamente crítico 
hterário, e, como observa o professor Afrânio Coutinho, há uma 
dire diferença entre reviewer e crítico” 
E pouco adiante, como que brincando com a palavra-téma da 
crônica: 
“Trangúilizamo-la a nosso respeito. não escrevemos so- 
bre livros, não frequentamos bares, não a convidaríamos para 
drincar” (Poesia completa e prosa, p 952) 
Nota-se na passagem o contraste levemente humorístico entre 
a brincadeira do neologismo e o tom algo solene da primeira pessoa 
do plural em vez do singular, bem como do pronome enclífico. 
Certos estrangeinismos, sobretudo em forma popularizada, e com 
alteração metafórica ou metonímica, têm valor pejorativo E o caso de 
bife. empregado em referência aos ingleses, por terem a pele clara 
avermelhada. Machado de Assis nos dá o cunoso exemplo deGodemes, 
resultante da exclamação usada pelos ingleses God damn you 
82 
“Que os levasse o diabo os ingleses! Isto não ficava direito 
sem irem eles barra fora Que é que a Inglaterra podia fazer- 
nos? Se ele encontrasse algumas pessoas de hoa vontade. era 
obra de uma noite a expulsão dos ls godemes 
(Memórias .... em Obra completa, p 598) 
Atualmente é grande a tolerância com os termos estrangeiros, 
inevitáveis pela maior comunicação entre os povos. Expressões in- 
glesas como know-how, open (market), over (night), black ou! 
(blecaute), black-rie, numa nice, gay, vip, rush, ticket, hobby, relax, 
siress, slogan, best-seller, new-look, up-to-date. fulltume, etc., mes- 
mo conservando a grafia estrangeira, estão bem populanzadas e são 
de emprego corrente, variando as palavras e a intensidade do seu 
uso conforme as áreas de atividade: economia, propaganda, cine- 
ma, esporte, etc. O comércio, numa apelação ao nosso preconceito 
de que o que é estrangeiro é melhor ou mais “chigue”, dá mais 
“status”, abusa na adoção de termos alienígenas para designar lojas 
e produtos. No final do século XIX e nas primeiras décadas do XX, 
entretanto, à preocupação purista dos gramáticos e filólogos levava 
à condenação acerba dos estrangeirismos, particularmente os 
galicismos, por ser a influência francesa a que então dominava Numa 
crônica de 7-3-1889, Machado de Assis ironiza, com sua peculiar 
finura e acurdade aos fatos da língua, às intentos do forjador de 
neologismos estúrdios, Dr. Castro Lopes, de salvar o vernáculo 
“Não estou brincando. Nunca comi croguetres, por mais 
que me digam que são boas, só por causa do nome francês. 
Tenho comido e comerei filer de boeuf, é certo, mas com restri- 
ção mental de estar comendo fombo de vaca. Nem tudo, po- 
rém, se presta a restrições; não poderia fazer o mesmo com as 
bouchées de dames, por exemplo, porque bocados de senhoras 
dá idéia de antropofagia, pelo equivoco da palavra Tenho um 
chambre de seda, que ainda não vesti, nem vestirer, por mais 
que o uso haja reduzido a essa simples forma popular a robe de 
chambre dos franceses 
Entretanto há nomes que, vindo embora do francês, não 
tenho dúvida em empregar, pela razão de que o francês apenas 
serviu de veículo, são nomes de outras línguas. E todo o mal 
não é a origem estrangeira, mas francesa, O próprio Dr Castro 
Lopes se padecer de spleen, não há de ar pedir o nome disto ao 
general Luculo, tem de sofrê-lo em inglês. Mas é inglês” 
(Obra completa, v Hp 517) 
a 
83 
3.4.5.2 Indigenismos — Por cunoso paradoxo, os empréstimos 
à língua dos nossos selvagens são de alto teor hterário nos poemas 
de Gonçalves Dias e nos romances indiamistas de Alencar, especial- 
mente em Iracema. Assim, a palavra marabá, que Gonçalves Dias 
encontrou na Crônica da Companhia, do P. Vasconcelos, com a 
explicação de ser usada para designar filho “de mustura”, inspirou- 
lhe uma de suas mais belas composições, considerada uma “cantiga 
d'armmgo”, visto que é uma jovem que lamenta ser rejertada pelos 
guerreiros da sua tribo, por sua condição de nascimento evidencia- 
da na cor de sua pele, cabelos e olhos. A palavra, além de constituir 
o título do poema, nele se repete seis vezes (em todas as estrofes 
impares), no pungente anátema “Tu és marabá”, “que sou marabá”, 
c é ainda mais destacada pela sua posição em final de verso e pela 
rima com outras palavras tupis. Tupá, anajá, cajá (cf. G Dias, Foe- 
sas americanas, em Obras poércas, L. 2, p. 38-9). 
No “I-Juca-Pirama” os tupinismos são de cunho tão erudito 
quanto os arcaísmos e latinismos Assim, maracás, embira, enduape, 
canitar, cauum, tvirapeme, muçurana, pragas, tacape, taba, se asso- 
ciam a formas alatnadas como ignavos, ignotos, coma, ignóbil, 
ufano, mendaces, plácido, acerbo, vil, precípite, tacuuro, exício, 
imbele, vesano, miserando e a arcaísmos como trigança (pressa), 
tedo, umtgos, mesquinhos (arcaismo semântico = “nfelizes”), nado 
(nascido), para constituir o jargão Interário do poeta. 
Nos romances indianistas de Alencar (que, como Gonçalves 
Dias, compulsou todas as obras dos cronistas e historiadores que 
trataram dos nossos silvicolas), os vocábulos tupis têm, ao lado dos 
latinismos e de recursos rítmicos e sintáticos, a função de conferir à 
prosa uma peculiar ressonância poética, o que se pode comprovar 
por este excerto do capítulo X de Iracema 
“Na cabana silenciosa, medita o velho pajé Iracema está 
apoiada no tronco rudo, que serve de esteio Os grandes olhos 
negros. ( .) estão naqueles olhares longos e trêmulos enfiando 
e desfiando os aljófares das lágrimas, que rorejam as faces, 
A ard pousada no pirau fronteiro, alonga para sua formosa 
senhoraos verdes tristes olhos. Desde que o guerreiro branco 
pisou a terra dos tabajaras, Iracema a esqueceu, 
69 
Se repetia o mavioso nome da senhora, O sorriso de frace- 
ma já não se voltava para ela ( ) 
Triste dela! à gente rupi a chamava jandata, porque sem- 
pre estrugia os campos com seu canto fremente Mas agora ( .) 
Sd 
não parecia mais a linda jandata, e sim o fero urutau que so- 
mente sabe ECMEI. 
O sol remontou a umbria das serras, seus raios douravam 
apenas o viso das eminências. 
A surdina merencória da tarde, precedendo o silêncio da 
noite começava de velar os crebros rumores do campo” (p 77) 
Um escritor do nosso século, Adomas Filho, retoma o proces- 
so de semear nos textos em que aparecem personagens indígenas 
vocábulos de sua língua. Do romance As velhas, cujas personagens 
mais relevantes são índios pataxós, é este fragmento Lrágico-lírico 
em que a velha Tan Januária relembra o amor que à uniu a Pedro 
Cobra. 
“Fenda, os braços sangrando dos espinhos, o blusão de 
Seabrão me cobrindo o corpo, o gosto do sangue ainda na bo- 
ca. Eu assim estava, pobre, suja e triste. Ele veio à mim, então, 
para acariciar os meus cabelos soltos. Senti aquelas mãos gros- 
sas e pesadas que se tornaram leves c macias. E dos cabelos 
desceram e me puxaram contra o seu peito de homem Impos- 
sível dizer, hoje, qual o coração que batia mais forte, se o meu 
ou o dele. Talvez o dele porque, sem conter-se, exclamou com 
enorme alegra: 
— Cunhã puranga” (p. 14) 
A exclamação de Pedro Cobra se traduz por “moça bonita” 
A maioria dos vocábulos usados pelas personagens pataxós é tra- 
duzida ou explicada através de um aposto, como nestes exemplos: 
“O sol, nosso uaract, podia faltar semanas seguidas por- 
que chuva e cacau casavam (b.. p. 23) 
“A auimi, a velha, Tar Januária, prende os olhinhos de 
sagúim no rosto da filha” (Jb, p 30) 
34.5.3 Os arcaísmos — favorecem a evocação do passado, a 
recriação de uma atmosfera solene ou pitoresca. Poetas E romancis- 
tas do Romantismo, que procuraram reviver os tempos medievos, 
valeram-se de numerosos vocábulos colhidos em velhos documen- 
tos, destacando-se Alexandre Herculano com sua prosa elogiiente, 
grandiosa, e Garrett com as singelas composições do Romanceiro 
Gonçalves Dias, nas Sextilhas de Frei Antão, tentou uma lingua- 
gem artificialmente arcaica, em que utiliza arcaísmos fonéticos (as- 
peito, istromento, sembrante, ifante, etc ) e léxicos, Isto é, palavras 
que caíram de uso (bruxas cadimas = ardilosas, destras, pajens € 
vartetes = criados) 
85 
Eça de Queiroz, afastando-se, em parte, do seu objetivo realis 
ta de descrever a sociedade portuguesa do seu tempo, dá a sua visão 
da época medieval nas vidas de santos (cf São Cristóvão). e. nº'A 
Hustre Casa de Ramires, encaixa uma novela medieval que vai sen- 
do escrita pela personagem principal, Gonçalo Ramires Ostenta 
uma preocupação de pormenores e uma erudição até um pouco can- 
sativa para os leitores da atualidade, acumulando arcaísmos refe- 
rentes a costumes e coisas medievais. 
Machado de Assis, mesmo sem escrever sobre tempos antigos, 
revela um leve pendor por termos arcaicos. Conforme declara no 
enssio “Instinto de nacionalidade”, considerava proveitoso à estu- 
do dos clássicos, para “desentranhar deles mil nquezas, que, à força 
de velhas se fazem novas Nem tudo tinham os antigos, nem tudo 
têm os modemos; com os haveres de uns e outros é que se enriquece 
o pecúlio comum” (Obra completa, v. HI, p. 809), Entre os arcaís- 
mos das Memórias póstumas de Brás Cubas podem ser lembrados: 
arruído, algures, alfim, azo, carpir (chorar), desazo, defesos (proi- 
bidos), gamenhos (janotas, malandros), garção, mor, tristura. 
Cecília Meireles usa arcaísmos não só na recriação do ambien- 
te mineiro do século XVIII, no Romanceiro da Inconfidência 
(almocafre — espécie de enxada; donas e donzelas, rosalgar — 
arsémco, conde injido — infiel; mirso, raso, holanda, bretanha — 
tecidos diversos; mazombos — filhos de portugueses nascidos no 
Brasil; furrtel — militar de baixa categoria; serentns do paço — sa- 
raus; brostar — bordar, omar, etc.) mas também os apresenta como 
integrantes da nostalgia do passado e do infimto, da suave melan- 
colia do vago e do intemporal Sinta-se o efeito do vocábulo nado 
inascido) nestes versos do “Cantar saudoso”: 
“Tangedoras de idades antigas, 
pelo tempo andadas, 
todo o campo é nado das vossas cantigas 
Das vossas cantigas, todo o mar é nado, 
tangedoras idas! 
Pura eternidade foi vosso recado” 
(Mar absoluto, Obra poénca, p 271) 
Já Drummond, em crônica vazada num tom de delicioso hu- 
mornsmo, relembra os tempos antigos (não tão antigos como os me- 
dievais, nem os da Inconfidência, mas de umas tantas gerações atrás). 
com a sua rotina, seus hábitos estabelecidos e falar estereotipado, e 
vai desfiando, bem emendadinhas, as frases festas com cabedal ex- 
pressivo de toda gente, algumas amda em uso, outras já esquecidas. 
Só 
ÉEactônica “Antigamente”, do livro Caminhos de João Brandão, da 
qual aqui var o primeiro parágrafo; 
“Antigamente, as moças chamavam-se mademorselles e 
eram todas mimosas e muto prendadas Não faziam anos" com- 
pletavam primaveras, em geral dezoito Os janotas, mesmo não 
sendo rapagões, faziam-lhes pé-de-alferes, arrastando a asa, 
mas ficavam longos meses debaixo do balaio. E se levavam 
tábua, o remédio era urar o cavalo da chuva e ir pregar em outra 
freguesia, Às pessoas, quando corriam, antigamente, era para 
tirar o pai da forca, e não caíam de cavalo magro. Algumas 
jogavam verde para colher maduro, e sabiam com quantos paus 
se faz uma canoa O que não impedia que, nesse entrementes, 
este ou aquele embarcasse em canoa furada. Encontravarr al. 
guém que lhes passava manta e azulava, dando às de Vila-Diogo” 
(Poesta e prosa, p. 1318) 
A “Carta pras Icamiabas”, de Macunaíma, é um excelente exem- 
plo de pasiche da hnguagem antiquada, artificial, satirizando os 
puristas do começo do século que abusavam de velharias. 
Abundantes são 0s arcaismos de Guimarães Rosa, não sendo 
fácil, entretanto, distingui-los dos regionalismos, das expressões 
antigas que permaneceram vivas na fala do povo do interior minci- 
ro. Entre os arcaísmos fonéticos podem ser citados: aspeito, 
crrcunspeito, conspeito, pauto (pacto), imigo, metzinhas, mor, fulão, 
beltrão, sicrão. Entre os morfológicos e léxicos: nonada (ninhana, 
coisa sem importância), nana, nanje (não), aravia (linguagem de- 
turpada, inintehgível). alveitar (veterinário), certil (motda de pou- 
co valor, porção mínima), suso dito (dito acima, anteriormente), 
sabença (saber), triaga (ternaga, remédio), pertar (subornar), avença 
(acordo), tença e impêndio (pensão, ajuda em dinheiro dada pelo 
Estado), teúdr (forte), etc (Talvez por analogia com teúdo, o escri- 
tor usa grandetido, sofreúdo ) Um arcaísmo “bem arcaico mesmo” 
é sendos (“para/de cada um”) que se encontra neste passo *... dois 
vaqueiros moravam com sua mulher e seus filhos. em sendas çasi- 
nhas muito perto uma -da outra” (= dois vaqueiros moravam ... cada 
um em sua casinha). (No Urubuquagua ..,p 224) 
3454 Os regionalismos — permitem a evocação de certos as- 
pectos de determinada parte do País, produzindo efeitos diferentes 
conforme o ouvinte ou lertor seja ou não dessa região Se for, o 
regionalismo, por comum e natural, pode passar despercebido; caso 
cle esteja distante do seu torrão, ouvindo a expressão aprendida na 
infância, poderá ela despertar-lhe várias reminiscências. Se à ou- 
87 
vinte-leitor não for da região, ouvindo a expressão que não lhe é 
habitual, sentirá o sabor de algo pitoresco ou exótico 
Na literatura, são sobretudo os romancistas que se utilizam de 
expressões dialetais, seja porque lhes ocorrem espontancamente, 
seja porque têm a intenção de imprimir a chamada cor local às suas 
narrativas No século XIX, escritores como Taunay (Inocência) € 
Manuel de Oliveira Paiva (D Guidinha do Poço) coloriram a fala depersonagens ou do próprio narrador com frequentes expressões re- 
gionais. No começo do século XX, no período pré-modermsta, 
Monteiro Lobato e Valdomiro Silveira uulizaram-se do linguajar 
caipira com fins esulísicos e contribuíram para sua documentação 
(Amadeu Amaral, em O dialeto caipira, toma numerosas abona- 
ções dos dois contistas). Simões Lopes, no sul, faz o mesmo nos 
Contos gauchescos e lendas do sul. Já no Modernismo, José Amé- 
neo de Almeida, José Lins do Rego, Graciliano Ramos, Rachel de 
Queiroz deram a conhecer a todo o país peculiaridades da fala nor- 
destina. Guimarães Rosa, Mário Palmério, Bernardo Éls, Carmo 
Bernardo enriquecem também a literatura regional com obras que 
têm como cenário as terras de Minas e de Goiás, e que encerram 
muitos traços da fala do seu povo 
Uma das obras em que as expressões populares, regionais, são 
aproveitadas com mais graça € pitoresco, reproduzindo a fala sabo- 
rosa do nordestino, são as histórias folclóricas do loroteiro Alexan- 
dre, narradas por Graciliano Ramos (Alexandre é outros heróis). 
Nela encontramos expressões como angerinos (tocadores de gado), 
cassaco (trabalhador de estrada ou de engenho), obrigação (famí- 
lia), copiar ou copiá (do tupi copiara, varanda da casa), caritó (pe- 
quena prateleira escavada na parede), quengo (cabeça), emboança 
(lorota), zurtó (atarantado, aturdido), gastura (mal-estar, aflição), 
cadência (jeito, inteligência), escuro da peste (escuro dos diabos) 
sarapatel (barulho, confusão), etc. 
Para não deixar de referir pelo menos uma obra de hteratura 
portuguesa em que os regionalismos têm importante papel estilísti- 
co, lembramos O Malhadinhas, de Aquilino Ribeiro, obra admirá- 
vel por múltiplos aspectos, entre os quais a vivacidade da Imgua- 
gem, que, segundo depomento de Josué Montello, era muito apre- 
ciada por Guimarães Rosa (cf. Supl “Cultura”, O Estado de S Pau- 
lo, 12-1-86, p 5). 
* 
—— 34.5 5 A gíria. — Entre as hnguagens especiais, que evocam 
determinadas classes sociais ou grupos profisstonais, é a gíria a que 
oferece maiores possibilidades expressivas, traços afetivos mais in- 
tensos. Diz Mattoso Câmara que a gíria assinala o estilo na lingua- 
88 
gem popular, é o aspecto poético da linguagem falada. Dino Pret, 
que estudou a gíria em váries-ensaros reumdos no hvro- A gíria é 
outros temas, ressalta que a gíria tanto pode ser uma forma de defe- 
sada população marginal, como uma mamfestação de agressividade 
da juventude, um reflexo do conflito das gerações O vocabulário 
inicialmente restrito a um grupo pode generalizar-se, passando en- 
tão a fazer parte do-dialeto social popular À necessidade de força 
expressiva faz que a linguagem gíria se renove constantemente, já 
que as expressões de uso intenso são sujeitas a rápido desgaste. 
No presente século, a gíria passou a ter acolhida na literatura, 
evocando os meios populares dos grandes centros urbanos. Um 
mestre no aproveitamento dos termos gírios, que aparecem em fra- 
ses curtas e ágeis, é João Antômo. Grande conhecedor da lingua- 
gem do povo (e da culta, também, certamente), retrata ele, com 
realismo e vivacidade, a vida das camadas mais baixas da socieda- 
de, dos malandros, dos jogadores de smuca, dos frequentadores de 
botequins, dos moradores da boca-do-lixo, dos marginais, enfim. 
O seu léxico é em grande parte constituído de palavras de forte 
tonalidade pejoratva, como: gororoba (comida rum), charia (con- 
versa enganosa), muquinto (boteco ou hotel de má fama), piranha 
(prostituta), etc Muitos dos termos não são ainda dicionarizados, 
sendo seu sentido sugendo pelo contexto. É óbvio que só o texto 
pode atestar 0 efero expressivo dos vocábulos, sirva, pois, de ilus- 
tração este pequeno trecho do conto “Lcão-de-chácara”, em que 
um porteiro de boate fala da sua vida, do seu oficio, das pessoas 
que pertencem ao seu ambiente: 
“Quem me vê aqui montando guarda do lado de fora da 
casa, levando frio nas pernas e no lombo, curtindo madrugada 
com este quepe na cabeça, parrudo mas jeitoso, pode me jul- 
gar um pé-de-chinelo sem eira nem beira. Plantado como um 
dois de paus Um porteirinho mixuruco e só Falando claro, 
até gosto que se pense assim: minha dissimulação é dos sete 
capetas Enquanto pareço um maria-judia e um merduncho, 
vou mexendo minhas arrumações e tenderepás, que só o meu 
povo, os cabras sarados da noite, os boiquiras das malandrices, 
os mamociros muito acordados é que sabem. A minha gente” 
(Ledo-de-chácara, p. 8) 
Também na literatura infantil, à partir de Monteiro Lobato, se 
explora a expressividade da gíria. que dá um cunho de espontanei- 
dade à fala das personagens infantis e adolescentes e diminut a 
distância entre a língua escrita c a falada, mas não deixa também de 
imprimir, às vezes, um tom de vulgandade um pouco excessivo. 
49 
Lygia Bojunga Nunes, autora de grande sucesso no gênero, 
detentora de numerosos prêmios, inclusive o mternacional Hans 
Chnstan Andersen (que corresponde ao Nobel na hteratura imfan- 
ul), maneja com muita naturalidade expressões populares e de gí- 
na, criando para suas personagens, dotadas de intensa sensihilida- 
de, uma linguagem vibrante, graciosa, rica de teor afetivo. Compro- 
vamos a afirmação com algumas frases de À bolsa amarela, ditas ou 
escritas pela menina Raquel, que não se sentia compreendida e aceita 
no âmbito familiar e se refugiava no mundo da imaginação, até que 
encontrou a solução para seus problemas 
“Levei uns cascudos que eu vou te contar. (...) fui cedo pra 
cama porque vi logo que 1a dar galho. () Fui dormir na maior 
fossa de ser criança podendo tão bem ser gente grande” (p. 14) 
“Eu não tô acreditando que essa transa toda é só pra ter um 
papo. 
“Meu pai e minha mãe viviam rindo, andavam de mão dada, 
era uma coisa muito legal da gente ver” (p. 18) 
“Mas não era música antiga não. era uma música tão quente 
que todo o mundo ficou logo ligado e deixou tudo que tava 
tazendo pra ir pro meio da casa dançar Faziam uns passos 
bacanas, riam, cantavam, cada um curtindo a Farra mais que o 
outro” (p. 98) 
Elhane Ganem, apresentando no livro Corsas de menino alguns 
pivetes cariocas, insere em certas passagens termos da linguagem 
marginal, dos quais organiza pequeno glossário. (V.g fazer caxanga 
= fumar; gumba = pedaço de cigarro; ter máfia = ser malandro, 
experiente; xorra = furto de carteira, etc.) 
TS 4.6 LINGUAGEM FIGURADA 
O mais importante fator de afetividade é certamente o emprego 
da linguagem figurada,! seja da metáfora e da metonímia, em que as 
palavras assumem um sentido mais afastado do significado funda- 
mental, seja das figuras de construção é pensamento (metataxes e 
metálogismos, cf. a Retórica Geral) em que as palavras envolvidas 
assumem um relevo ou conotação especial Observe-se que é prati- 
amente impossível delimitar o valor expressivo das figuras apenas 
(11 Cómo não consta neste trabalho um capítulo interramente dedicado à lingua 
gem figurada, este tópico será desenvolvido um pouco desproporcionalmente 
em relação a outros, a fim de apresentar 1 
mos relevantes, 
rmações e considerações que julga- 
90) 
à palavra; mesmo que, em certas metáforas, a expressividade se 
concentre em determinada palavra, ela só é apreendida pela relação 
sintático-semântica dessa palavra com outras Alhás, muito tem sido 
discutida à consideração da metáfora como figura de palavra ou do 
enunciado (cf. obras de Paul Ricoeur e Trêne Tamba-Mecz). 
Por ser tão intenso o poder expressivo da linguagem figurada, 
É que a Retónca lhe deu tanto destaque, nela concentrando, no seu 
período final, o principal de sua atenção, caso, por exemplo, de P 
Fontamer (Les figures du discours) Sendo considerados os tropos 
(metáfora, metonímia, sinédoque, antonomásia, etc ) as figuras por 
excelência, a eles se restringiram alguns retóricos, dentre os quais 
se destaca Dumarsais. E, sendo a metáfora o mais importante dos 
tropos, a ela se tem consagrado vastíssima bibhografia, em que se 
contamobras recentes de avantajada amplitude, como sejam La 
métaphore vive, do filósofo Paul Ricoeur, que discute as inúmeras 
teorias surgidas para explicar a metáfora, de Anstóteles à atualida- 
de, e Metaphor and thought (Andrew Ortony et al.), reunão de 
estudos de vários autores, com diferentes enfoques sobre o tema, 
que é “um problema multidimensional”. Max Black, um dos cola- 
boradores, diz no primeiro ensaio que “o extraordinário volume de 
arigos e livros sobre o assunto produzidos nos últimos quarenta 
anos sugere que ele é mexaurível” (p. 20) 
As figuras de linguagem — que a Retórica clássica descrevia 
como sendo “os traços, as formas ou os torneios mãis ou menos 
notáveis e de um efeito mais ou menos feliz, pelos quais o discurso, 
na expressão das idéias, dos pensamentos, se afasta mais ou menos 
do que teria sido a expressão simples e comum” (Fontanier), e que 
a Neo-retórica, mais simplificadamente, considera alterações da lin- 
guagem (metáboles) — são importantes não só na linguagem literá- 
ria, mas também na linguagem do povo, que tem a sua retórica in- 
tutiva, Já Dumarsais dizia, com evidente exagero, que se fazem 
mais metáforas num dia de feira do que numa sessão da Academia. 
Em geral, as metáforas populares (tão frequentes na gíria) são me- 
nos surpreendentes e requintadas e se repetem até se desgastarem, 
ao passo que as metáforas dos artistas são originais, imprevistas e, 
o mais das vezes, não se repetem, ficando restritas a um verso, uma 
frase Daí a distinção feita por Fontamer entre metáforas de uso e de 
invenção 
3.4.6.1 As imagens segundo Bally — Bally defende a tese de 
que as raízes da linguagem hterária mergulham no falar de todos. 
no qual cla vem se abeberar como em uma fonte de Juventa (cujas 
2] 
águas unham o poder de restituwr a juventude) Explica o lingihsta 
suíço que as figuras de linguagem resultam da necessidade expres- 
siva e se devem à incapacidade de nosso espírito de abstrair. de 
apreender um conceito, de conceber uma idéia fora do contacto com 
a reahdade concreta. Assimilamos as noções abstratas aos objetos 
de nossa percepção sensível, porque é o único meio de que dispo- 
mos para delas tomar conhecimento e torná-las intehgíveis aos ou- 
tros. Ele vê à metáfora como uma comparação em que o espírito, 
induzido pela associação de duas representações, confunde num só 
termo a noção caracterizada e o objeto sensível tomado como ponto 
de comparação (este homem é uma raposa = este homem é astuto 
como uma raposa) Estas associações são fundadas sobre vagas ana- 
logias, por vezes muito lógicas, mas elas revelam que o sujeito 
pensante extrai das suas observações da natureza exterior imagens 
para representar aquilo que o seu cérebro não consegue apresentar 
sob a forma de abstração pura. 
Evitando a expressão classificar, por lhe parecer que uma clas- 
sificação rigorosa É incompatível com a natureza dos fatos da hn- 
guagem, Bally agrupa em três tipos principais as expressões figura- 
das, em que o elemento sensível, concreto, se apresenta em graus 
diferentes: 
4) Imagens concretas, sensíveis, imaginativas, que evocam um 
quadro que a imaginação individual completa à sua vontade. Ex. 
“Le vent enfle sa grande voix.* (O vento engrossa sua grande voz — 
o vento sopra forte). Podemos acrescentar: “Ela apreciava o casacão 
da noite” (G, Rosa, R estórias, p 21) “De repente, na altura, à 
manhã gargalhow um bando de maitacas passava, tinundo quizos, 
partindo vidros, estralejando de mr” (ld. Sag., p. 352) 
b) Imagens afenivas — tem-se o vago sentimento de uma ima- 
gem, há uma impressão produzida, anda que não se imagine um 
quadro; há uma espécie de resíduo afetivo, que salva a imagem e à 
impede de desfazer-se na abstração. Há um elemento afeuvo que 
pode variar de indivíduo para indivíduo, que é o que subsiste da 
imagem antes concreta O exemplo dado é “Le malade baisse de 
Jour en jour” (O doente declina dia a dia) São acrescentadas ex- 
pressões como “uma verde velhice”, “uma magra compensação”, 
“abafar um goto”, “você me paga” (= eu me vingarei), encontradiças 
na linguagem familiar Podem melwr-se nesse grupo metáforas de 
uso frequente em português, como as de frases feitas do tipo ver 
estrelas (sentir muina dor), carr des nuvens (ler um espanto), sorri- 
so amarelo (sem graça). quebrar um galho (resolver um problema), 
laços de amizade, calor da conversa, ele 
92 
€) Imagens mortas — não há mais imagem, nem sentimento de 
imagem, a não ser do ponto de vista histórico; estamos na abstração 
pura, só a percebemos por uma operação intelectual Remontando- 
se à origem de uma palavra abstrata qualquer, cuja etimologia é 
conhecida, há sempre um momento em que se entra no mundo con- 
creto, visto ser o espírito humano incapaz de definir as noções puras 
senão por pontos de comparação tirados do mundo extenor. As ima- 
gens apagadas ultrapassam em número todas as outras, sendo a 
metáfora um processo de economia lingiiística que torna desneces- 
sária a criação de novas palavras. Por essa razão é que Bally diz que 
a cimologia é a arte de ressuscitar metáforas. Sirvam de abonações: 
aprender(de apprehendere, “segurar ”), explicar(de explicare, “des- 
dobrar”), enpgrístia (angustia, “lugar estreito, apertado”), condor, 
candura (candor, “brancura”). Exemplo interessante é o de escrii- 
pulo, do latum serupulu, que designava uma pedrinha usada para 
pesar coisas pequenas, passou depois a designar a honestidade do 
negociante que não quena causar ao freguês o menor prejuízo, ge- 
neralizando-se o seu sentido para o de “meticulosidade”, “zelo”. 
“senso moral” “Si non é vero é ben trovato . “Quem dá aexplica- 
ção é Antenor Nascentes (Dicionário etimológico resumido) O exem- 
plo de metáfora morta dado por Bally é “correr um grande perigo”. 
Há murtos casos de palavras que se empregam no sentdo metafór- 
co sem que tenhamos consciência da metáfora, embora as mesmas 
palavras se usem em sentido não-figurado. É o caso de cortar a 
palavra a alguém, quebrar o silêncio, matar o tempo, morrer o 
assunto, o leito do rio, a boca da caverna, os ramos da ciência, um 
argumento forte, uma dor leve, etc Não é fácil, muitas vezes, dizer 
se uma metáfora já está morta ou se ainda conserva alguma afetividade, 
Em resumo, as imagens concretas são apreendidas pela imagi- 
nação, as atetivas pelo sentimento ou pelos sentidos c as mortas por 
uma operação intelectual A expressão imagem viva (em oposição a 
mmagem morta) compreende os dois primeiros tipos A aplicação do 
nome afetivas para o segundo lipo não quer dizer que a imagem 
concreta seja desprovida de valor afetivo, pois o sentimento não 
está ausente quando a imaginação funciona. 
Bally trata ainda das mmagens detalhados, lembrando que quanto 
máis uma imagem é amplificada em pormenores, mais cla é concre- 
ta, sensível, umaginativa, mais repousa numa criação individual, 
Assim, quando Castro Alves diz, no “Navio negreiro” 
“O mar, por que não apagas 
Co'a esponja de tas vagas 
De teu manto este borrão” 
(Os escravos, em Obra completa, p 248) 
“sa 
ele persomifica o mar, que tem um manto (superficie) manchado por 
um horrão (o navio de escravos), o qual deve ser apagado (eliminado) 
com uma esponja (as vagas) 
Outro fato importante lembrado por Bally é que as ima- 
gens gastas podem ser rejuvenescidas pelos artistas, venficando-se 
a tendência da língua literária de estetizar os processos da lin- 
guagem corrente Quando Cecíha Meireles fala de “o arroio que 
canta espumas/em suas lajes detrado” (Romancerro, em Obra poé- 
Hca, p. 535), além da bela imagem sinestésica em que se fundem o 
som e à visão das águas, temos a renovação da imagem morta de 
leito de rio 
Guimarães Rosa renova um grande número de frases feitas de 
teor metafórico desgastado; às vezes pela troca de uma ou outra 
palavra, outras vezes com alterações maiores, mas mantendo a es- 
trutura da frase. 
“Amava-a com toda a fraqueza do seu coração” (Tuta- 
méia,p 21) 
“O sol morre paratodos, o rubro” (1h, p. 123) 
“Tanto vai à nada a flor, que um dia se despetala” (Jb.,p. 17) 
(Tanto vai o cântaro à fonte, que um dia se quebra ) 
“Então que, um quebrou o ovo do silêncio”. (4h, p. 111) 
“Já valente me levantei, achei a tramontana” (Jb., p 128) 
Também Machado de Assis usou do recurso: 
“Assim quando Sofia chegou à janela que dava para o jar- 
dim, ambas as rosas nram-se a pétalas despregadas 
(Quincas Borba, em Obra completa, v. 1, p. 761) 
34.62 As denominações imagem e metáfora Como se pôde 
ver, Bally, que desdenha a preocupação de nomenclatura da Retóri- 
ca, usa o termo imagem com o mesmo sentido de metáfora. Alás, a 
conceituação de imagem e metáfora, e a distinção entre uma e ou- 
tra, está longe de ser uniforme 
Carlos Bousono declara em sua obra Teoria de la expresión 
poeta 
“Los lratadistas han diferenciado sempre à la imagen de la 
metáfora, y ambas, de la comparación o símil. Empiezo por decla- 
rar que nosotros no entraremos en esos distingos, por aparecérsenos 
como puramente cuantitativos, al basarse en la mayor o menor 
intensidad de la transposición, Usaremos aqui, pues, esos términos 
como smónimos, lo qual quiere decir que entre la metáfora, la imagen 
y el símil ha de mediar alguna fundamental comcidencia Y, en efecto, 
Ud 
es así: lo que tienen en común esas tres posibilidades del decir es 
que todas ellas suponen una comparación, y precisamente este hecho, 
la existencia de una comparación disungue a las metáforas y a sus 
equivalentes, los símiles e imagenes, de otros fenómenos afines” 
(p. 139-40) Interessa-lhe distinguir à imagem tradicional, em que 
há, com uma base objetiva, uma semelhança fisica ou moral, iden- 
idade de valor, da metáfora contemporânea, irracional, em que há 
semelhança emocional, os termos aproximados despertando um sen- 
timento semelhante Parecem ser deste tipo as imagens que Murilo 
Mendes emprega ao falar de um dos seus professores: “ moreno, 
nervoso, cabelos inspirados, olhos de pinguepongue ( ) atraem- 
no até as pessoas de coração mivpe. mas não lhe agrada munto o céu 
açucarado” (A idade do serrote, p 161) 
Stephen Ullmann, no capítulo “À natureza das imagens”, em 
Lenguaje v estilo, toma o termo imagem como o mais geral (figura 
de linguagem que exprime alguma semelhança ou analogia), abran- 
gendo metáfora e símile, e observa que, embora em casos mais ra- 
ros, também a metonímia pode constituir imagem, como em “la 
surface azurée du silençe” (Proust, “a superfície azulada do silên- 
cio”, em que se pode entender silêncio por “água silenciosa”). 
Jimann aponta as seguintes características da imagem: 
a) A semelhança que expressa deve ter uma qualidade concreta 
e sensível. Normalmente ou os dois termos de uma imagem são 
concretos, ou O primeiro é abstrato e o segundo concreto 
Entretanto, encontramos alguns símiles em que o segundo ter- 
mo é que é abstrato; a raridade do caso aumenta a expressividade e 
também o termo abstrato, pela sua vaguidão e limitação, pode con- 
ferir uma idéia de maior amplitude. Sirvam de exemplos estes dois 
passos: 
“Só depois é que sofreu pelo filho, horroroso de magro e 
mais frágil do que a virtude” (Mário de Andrade, “Piá sofre..”, 
em Contos de Belazarte. p 126) 
“Uma grande concha, gemedora, ( . ) vinda parar ah, tão 
longe do mar como de uma saudade” (6. Rosa, Manuetzão..., 
p. 108) 
b) Deve ter algo de surpreendente e snesperado; deve produzir 
um efeito de assombro, pela revelação de algo comum entre duas 
experiências aparentemente dispares 
c) Deve ter certo frescor e novidade, anda que não seja neces- 
sário a imagem ser absolutamente onginal, mas, se sua força expres- 
siva se debihtou com a repeução, o escritor terá que rejuvenescê-la 
e infundir-lhe nova vida, Parece bem o caso da imagem de manto, 
us 
capa € smônimos, para céu, nuvem, mar, noite, que até já apareceu 
em alguns exemplos anteriores Cecilia Meireles retoma a imagem 
e, acrescentando-lhe novos pormenores, obtém forte efeito de 
visualidade: 
“Treva da noite, 
lanosa capa 
nos ombros curvos 
dos altos montes 
aglomerados.” 
(Romancerro, em Obra poética, p. 547) 
Prerre Caminade examina, em sua obra Image et métaphore, as 
concepções diferentes dos dois termos entre certos autores do sécu- 
lo XX (poetas e lingúistas), e dá, na conclusão, as definições anta- 
gônicas de imagem e metáfora, que discute e entica, Vejamos ape- 
nas algumas das afirmações. a imagem, como a compreenderam 
sobretudo os surrealistas, é a aproximação arbitrária de dois ou mais 
significantes cujos significados não têm nenhuma relação inteligi- 
vel para o senso comum e a lógica anstotélica. É uma criação pura 
do espírito, um dado da imaginação livre, do inconsciente, do trra- 
cional. 4 priondade é dada aos significantes. Ela é literal, intra- 
duzível, irredutível a um sentido lógico e não remete senão a si 
mesma, 
A metáfora é o emprego de um sigmficante com um significa- 
do secundário ou a aproximação de dois ou mais significantes, és- 
tando, nos dois casos, os significados associados por semelhança, 
contigiidade, inclusão. À metáfora resulta de uma busca, da qual 
participam a sensibilidade 2 a rmaginação, controladas pelo espiri- 
to crítico do poeta, Ela faz o jogo complexo do sigmficante e do 
significado; pode ser traduzida. parafraseada, pois é um desvio em 
relação à linguagem comum, transferência ou mudança de sentido. 
Transmite uma mensagem complexa semanticamente polivalente. 
Caminade ressaha certas ambizundades ou contradições nas tco- 
nas estudadas e afirma que em nossa época as teorias da imagem e 
da metáfora se interpenetraram. Defendendo a prevalência da metá- 
fora sobre à imagem, não recusa o irracional, mas não acerta que ele 
seja um absoluto e que se faça dele um culto; argumenta que min- 
guém pode aproximar-se do menor elemento da poesia sem estar 
impregnado da idéia de que nela se encarna uma dialética do irracio- 
nal e do racional, do mental e do sensível, do arbitrário e do justo = 
tanto mais que à linguagem articulada, a Única que existe em poe- 
sia, é um campo dialético A metáfora sintetiza o sensivel, o afetivo 
Eli 
eo mental e nela se encontra todo o maravilhoso da sensibilidade e 
da linguagem (cf p. 135-40). 
Cabe ainda dizer que uma estudiosa mais recente das figuras 
tradicionalmente denominadas tropos, metáfora, comparação e rma- 
gem, considerando a dificuldade em distinguir o que precisamente 
caberia à cada uma dessas denominações usadas como sinônimos 
ou quase sinônimos, preferiu ficar com à denominação genérica 
figura ou sentido figurado, numa obra em que explica, com dados 
da linguística, as relações semânticas c sintáticas entre os termos 
que entram numa figura. Trata-se de Irêne Tamba-Mecz na obra Le 
sens fpuré 
3.4.6.3 A formulação do símile e da metáfora, ou da imagem, 
no sentudo de Ullmann. 
Quer no símile, quer na metáfora, temos duas representações, 
dois elementos relacionados por traços significativos mais ou me- 
nos comuns No símile essas representações se apresentam com 
maior independência, cada uma com sua significação preservada, 
na metáfora clas aparecem estrestamente relacionadas, sendo que 
na metáfora pura ou por substituição as representações se fundem, 
eo termo omitido pode ou não ser reencontrado no contexto. 
AJ O símile se distingue da comparação gramatical, intensiva, 
por relacionar termos de diferente nível de referência, isto é, termos 
de natureza diferente. Na frase “O jegqunbá é mais alto do que o 
ipê”, temos uma comparação gramatical, porque se comparam duas 
coisas da mesma ordem de referência Mas, quando se diz “O ho 
mem era forte como um jequitibá”, estabelece-se uma aproximação 
entre elementos de diferente natureza, havendo, portanto, um símile, 
ou comparação qualitativa, assimilativa ou metafórica. 
No simile podemos ter quatro elementos explícitos. 0 compa- 
rado ou termo real (homem), 0 comparante, ou termo irreal, imagi- 
nário, metafórico (Gequitibá), o análogo, queexplicita o ponto co- 
mum entre os dois termos (forte) e o nexo gramatical (como). 
A anábse estilística das magens basera-se na nalureza desses 
elementos, sobretudo dos dois primeiros, mas também os oulros 
devem ser levados em conta 
Na masioria dos casos, o análogo, ou fundamento do símile, 
fica implícito, pois ele pode ser apreendido pelo ouvinte/leitor; ou 
pode ser um tanto vago, dificil de precisar, ficando ao encargo do 
leitor completar, pela sua imaginação, o que o autor quis dizer Mas, 
em certos casos, a clareza ou a ênfase leva o falante a apresentá-lo; 
e, sendo ele um adjetivo, mutas vezes a comparação vale como um 
meio de intensifiçá-lo, Exemphficando 
97 
“O negro é tranquilo como uma árvore” (Drummond, 
Contos de aprendiz, em Poesia e prosa, p. 840) 
“Mas concreto como uma anta, (. ) o cotado” (6. Rosa, 
P estórias, p. 59) 
Na linguagem falada essas comparações intensificadoras são 
frequentíssimas, e pelo seu pitoresco e exagero podem assinalar a 
afetividade do falante Alguns exemplos “Velho come o tempo”, 
“Surdo como uma porta”, “Teso como um cabo de vassoura”, “Liso 
como sabão”, “Sábio como um dicionário”, “Pálido como a morte”, 
etc. Em certas expressões o comparante ressalta a ironia: “Sutil como 
um elefante”. 
O nexo comparativo mais usual é como, mas são numerosos 
os formeios equivalentes, inclusive palavras nocionais como ver 
bos, sendo alguns mais característicos da linguagem popular (gue 
nem, feito) e outros da linguagem culta (tal, à semelhança de, aná- 
logo a): 
aj “Estrondeavam pragas. gual um bafo do inferno” José 
Aménco, A bagaceira, p. 193) 
b) “E pega no mãozão cascudo, pesando tal um caminhão de 
tora” (M Palméno, Vila ..., p. 90) 
“) “Rua mesmo, uma só: começando na igreja e acabando no 
cemitério, tal e qual a vidinha do povo que mora lá” (dd ,ib,p 23) 
d) “Isso de querer-bem da gente é que nem avenca peluda, que 
murcha e, depois de tempo, tendo água outra vez fica verde” (G. 
Rosa, Sag . p. 216) 
2) “Ela agarrou na mão, no braço dele, olho veio vindo e ficou 
saltado na frente dele ferro holofote verde” (M. de Andrade, Contos 
de Belazarte, p. 83) 
1 “Os olhos dela brilhavam reproduzindo folha de faca nova” 
(G Rosa, Urubuguagõa, p 140) 
g)“As palavras, agora, lembranro trote de um cavalo” (Adomas 
Filho, Corpo vivo, p. 27) 
h)“Lupérciodeva idéia de um demônio" (M Lobato, Negrinha, 
p 291) 
1) “E o santarrão do Tadeu recusaria tal posto em circunstân- 
cias qudlogas? (Ciro dos Anjos, Alemanha, p 13) (Entende-se: 
análogas a estas ) 
j À preposição de é para o substantivo o que como é para O 
adjetivo o elemento introdutor de um membro comparativo “Co- 
ração de pedra” — coração duro como pedra: “saúde de ferro” = 
saúde resistente como o ferro Tal formulação está na fronteira entre 
a metáfora e o sítmle 
Ss 
Embora com menor frequência, de aparece também em cons- 
truções Upicamente comparativas, esquiva lendo exatamente a como. 
“Es alva de línos” (G Dias, Poesias americanas, em Obras 
poémncas, 1. Tp 39) 
“(jo meganha da surra amanheceu morto, duro de pe- 
dra, roxo de defunto” (JC de Carvalho, O coronel e o 
lobisomem, p. 153) 
BjA metáfora A metáfora pode ocorrer com substantivos, ad 
jJetivos e verbos, mas é a metáfora de substantivo que se apresenta 
em formulações diversas. Na metáfora de substantivo tem-se a rela- 
ção entre dois substantivos (A, termo real; B, termo imaginário), 
entre os quais se encontram traços comuns (semelhança), descober- 
tos pelo escritor quando se trata de expressão original, 
a) O termo imaginário ou metafórico B é um predicativo do 
sujeito ou do objeto direto; 
“O memno é um retalho de hungarés” (M. de Andrade, 
Os filhos da Candinha, p. 167) 
“E. ) eu mesmo, para mum mesmo, sou uma gaveta fecha- 
da, uma rocha compacta, um abismo” (G Corção, Lições 
de abismo, p. 235) 
“Considero os homens equações do terceiro grau — equa- 
ções psicológicas, está claro” (M, Lobato, Negrinha, em 
Obras completas, p 160) 
(A = objeto direto. homens; B = predicativo do objeto: 
equações ..) 
bj O termo metafórico B constitui um aposto do termo À, pos- 
posto (A,B) ou anteposto (B,A) 
“OQ livro — esse audaz guerreiro 
Que conquista o mundo inteiro 
Sem nunca ter Waterloo 
(Castro Alves, Obra completa, p 89) 
“Ao lado, rente, um cão de fila, o Sargento Hermenegildo” 
(M Palmério, Chapadão, p. 323) 
c) O termo metafórico, justaposto ao termo comparado, sem 
pausa, forma com ele como que um substantivo composto, poden- 
do os dois termos ser ou não hgados por hifen (AB) 
“Apaziguavam-no seus olhos-paisagem ” (G Rosa, 
Tutaméia, p. 22) 
“ÔÓ só suspiro! O timbres 
das tuas palavras líinos"” 
(6. de Almeida, Tode a poesta, U VIL p. 32) 
[EL 
Haroldo de Campos cita numerosos exemplos desses compos 
tos metafóricos usados por Sousândrade, poeta da época romântica 
que, por antecipação, usou muitas inovações que só se tornariam 
mais frequentes no Modermsmo. Entre os exemplos apresentados 
no ensaio “Sousândrade, o terremoto clandestino”, temos: muvens- 
sonhos, moças-aves, sorriso-dardo, olhar-paraíso, frase-aroma, etc. 
d) O termo metafórico antecede o comparado ao qual é ligado 
pela preposição de. o fardo da vida = a vida é um fardo, 
“( .J as borboletas da esperança volteavam diante dele...” 
(M. de Assis, Quincas Borba, em Obra completa, v. 1, 
p. 790) 
“Germinarão as sagradas sementes 
Das gotas de suor, das lágrimas ardentes” (Bilac, Poesias, 
em Obra reunida, p 234) 
(As gotas de suor, as lágrimas ardentes são como se- 
mentes que germinarão, o esforço, o sofrimento não fo- 
ram inúteis.) 
e) O único elemento da metáfora presente na frase é o metafó- 
neo B. Este tupo de metáfora — chamado metáfora em ausência ou 
metáfora pura — requer que o contexto dê alguma indicação que 
leve a compreender a substituição, sem o que a metáfora equivale a 
uma charada, o que, aliás, é comum na poesia hermética. Este escla- 
recimento pode ser um adjetivo que acompanha o termo metafóri- 
co, O termo substituído pode estar no contexto e o termo metafóri- 
co ser remendo a ele por um anafónico (artigo definido ou pronome 
demonstrativo). 
Nestes versos do poema “Motivo”, de Cecília Meireles, 
“Irmão das coisas fugidias, 
não sinto gozo nem tormento. 
Atravesso noites e dias 
no vento” 
vento é um termo metafórico sem correspondente expresso, que po- 
demos interpretar como sonho, devaneio, atividade espiritual. Na 
estrofe final: 
“Sei que canto. E a canção é tudo. 
Tem sangue eterno a asa rimada. 
E um dia sei que estarei mudo: 
- mais nada” (Viagem, em Obra poética. p. 81) 
o substantivo metafórico asa, que lembra o que voa, passa e é pre- 
cário, modificado pelo adjetivo ritmada, já sugere o verso, a can- 
ção, a Poesia, que, entretanto, tem sangue (substância) ererno 
HO 
Neste passo de Machado de Assis, o substantivo metafórico re- 
laciona-se a um outro da oração anterior mediante o demonstrauvo: 
“Vinham de estar com Aires no teatro, uma noite, matando 
o tempo, Conheceis este dragão; (..) (Esaú e Jacó, em 
Obra completa, v. 1, p. 987) 
f) Em poesia é comum o termo A da metáfora estar no título e à 
metáfora consutuir uma apóstrofe como no soneto “A montanha”, 
de Bilac 
“Calma, entre os ventos, em lufadas chers 
De um vago sussurrar de ladainha, 
Sacerdotisa em prece, o vulto altcias 
Do vale, quando a noite se avizinha” (Tarde, em Obra 
reunida, p 246) 
Nas metáforas lexicalizadas, mortas, o termo B substitui o ter- 
mo A, com perda do teor expressivo; a metáfora torna-se um pro- 
cesso denominativo (catacrese) como, por exemplo, em minhocão 
(elevado na cidade de São Paulo), orelhão (telefone), borboleta 
(catraca ou roleta dos ônibus), tartaruga (saliência nas ruas para 
forçar os carros a diminuírem a velocidade), etc. 
g) As metáforas de adjetivo e de verbo se caracterizam pela 
madequação lógica ou não-pertinência ao substantivo com que se 
relacionam sintaticamente. Na linguagem corrente são inúmeros os 
empregos metafóricos de adjetivos c verbosde sh lisit que française, e Cressol, 
m Le srvle ei ses techniques, analisam os procedimentos expressi- 
rários, mas não fazem estudos de obras ou de autores. Ofere 
erária, permanecendo n método de deserção da linguagem | 
Linguística do que à Literatura nFrEsos 
várias obras se lgam a ess No domínio da ling 
orrente Manuel Rodrigues Lapa, em sua Estilística da lingua por- 
esa (1945), segue bem de perto a linha de Bally, estudando valo- 
s expressivos do vocabulário português, das várias classes de pa 
lavras, e de algumas construções sintáticas, com mais relevo da con- 
irregular, Com certa frequência, dirige-se, em tor 
aos leitores que se iniciam na arte de escrever, imprimindo ao 
u trabalho um cunho didático e normativo, que não se enquadra 
na Estilística desentiva. Sua obra tem, principalmente, um fim 
práuco, de modo que ele não se detém em aspectos teóricos como à 
a portugues 
e con E 
onceituação de estilo ou Estilística 
Mattoso Câmara Jr ocupa-se de Estilística em várias partes de 
suas obras, mas é sobretudo na Contribuição à alística portu- 
puesa (1952) que trata das possibilidades expressivas de nos: 
pua. A sua concepção de Estilística apóia-se nas três funções da 
linguagem, de Karl Buhler. representação, expressão e apelo (A 
representação corresponde à linguagem intelectiva, e a expressão 
manifestação psíquica e o apelo ou atuação sobre o outro cormes- 
pondem à linguagem afetiva de Bally ) Mattoso Câmara considera a 
Esulística uma disciplina complementar da Gramática, pois enquanto 
esta estuda a língua como meio de representação, a Estilística estu- 
a língua como meio de exprimir estados psíquicos (expressão ) K 
ou de atuar sobre o interlocutor (apelo). À Lingiiísica em seu senti- 
do amplo abrange a Gramática e a Esulistica, e em seu sentido res 
into apenas a Gramática. A função essencial da língua é a represen- 
mental da realidade, mas o seu sistéma é alterado pelos Lag 
tes com o fim de exprimir emoções e de influir sobre as pessoas 
É, pois, esse uso da língua que ultrapassa o plano intelectivo que 
ele considera estilo, conforme a sua defimição já apresentada. Mat- 
toso Cãl uma parte das possibilulades expressivas 
do Português, dando uma amostragem « 
ara trata 
» que podem ser os estudos 
estlísticos, sendo o seu estudo bem mais restrito que 05 de Cressol 
de ser de nível elevado e de consulta obr- e Marouzeau, sem deixe 
atória pelos que estudam Português em nível universitário 
Merece ainda ser mencionado o En 
gua portuguesa, de Gladstone Chaves de Melo, em que o Aut 
antes de examinar os aspectos estilísticos da língua, tece considera- 
lstica da lin Te é 
te 
ções sobre diversas teor » fazendo a defesa da linha de Bally, que 
as modernas correntes deixam intocada”. tp. 4) 
| 2.2 A ESTILÍSTICA COMO SOCHOLINGUÍSTICA 
Entre os ingúistas ingleses voltados para a Estilística, é opor 
tuno mencionar aqui Dar id Crystal e Derek Davy, que, embora não 
se prendam à corrente imciada por Bally, apresentam alguns pontos 
comuns Segundo estes autores (Investik ating English Stvle, 1969), 
1 disciplina acadêmica que estuda cientificamente 
1, e a Estilística é uma parte dessa disciplina que estud: 
certos aspectos da variação lingiiística. A língua não é um todo ho- 
ituações que se nos apresentam em 
nossa vida social, usamos diferentes varie: dades de linguagem. Quan- 
do falamos à uma cri 
a Lingiiística é 
hnguage Lê 
mogêneo, pois nas diferentes 
nça, por exemplo, usamos uma linguagem 
diferente da que usamos com u mos com 
uma pessoa da família mos da mesma forma que 
ao conversarmos com alguém de pouca intimidade A Inguagem de 
uma carta é diferente da de um ensaio científico, sen 
de um discurso político, e assim por « 
adulto; quando conver: 
ão nos expres 
de um sermão da 
ante. Cabe à Estilística estu 
dar as variedades, quer da língua falada, quer da língua escrita, ade- 
quadas às diferentes situações e própnias de diferentes clas 
ciais. Para estes autores Estilística é Sociolingiiística, e pode ser útil 
0S S0- 
a muita gente ão sociólogo, ao psicólogo, ao filósofo. ao crítico 
terário, às pessoas comuns, enfim, a todos os interessados no uso 
da linguagem na sociedade 
Os autores reconhecem que o primeiro passo na análise estilística 
reensão dos traços estilísticos — É forçosamente intuitivo, mas o 
estilólogo deve falar objetivamente sobre eles. Procuram fornece! 
um método de análise que poss: eressados na 
investigação do comportamento lingiiístico, considerando ser ne- 
ssário cuidar do treinamento de analistas. Entre os textos que eles 
analisam não incluem nenhum texto hterár o, explicando que, pela 
sua complexidade, a hinguagem literária só deve ser analisada em 
etapa postenor, dado o seu car ater mimético, especialme nte na prosa 
de ficção, a linguagem literária pode incluir características de to- 
os tipos de linguagem e, por 1sso, só deve ser analisada 
quando os tipos mais simples e específicos já tenham sido adequa- 
damente descritos e os analistas devidamente 
dos 08 01 
einados 
ISTICA Li RA 
ande corrente da Estilístio 
Leo Spitzer, também chan 
À outra g éCalierdria, Imcis | por 
da idealista (por se prender à filosofia 
á 
idealista de B. Croce e K. Vossler), psicológica (por lhe interessar a 
psicologia do escritor) e genérica (por pretender chegar à gênese 
"em, da obra hterária). Spitzer declara ter recebido na universi 
dade uma sólida formação humanística, que contudo não corres- 
expectativas: o divórcio dos estudos lingúísticos e ideu a su 
literários, ambos norteados por uma visão historicista, deixou-o de- 
cpcionado e daí nasceu-lhe a ambição de e er uma ponte 
entre a Filologia é a Literatura, que sena a Estilística. 
A Estilísnca de Spitzer parte da reflexão, de cunho psicologis- 
sobre os desvios da linguagem em relação ao uso comum; uma 
alteração do estado psíquico normal provoca um afas- moção, um 
nento do uso lingúístico normal; um desvio da linguagem usual 
pois, indício de um estado de espírito não-habitual. O estilo do 
escritor — a sua maneira individual de expressar-se — reflete o seu 
ndo interior, a sua vivência Spitzer concebeu um método de es 
lo de estilo que chamou “círculo filológico”. Consistia, bem re- 
sumidamente, no seguinte. inicialmente la e reha, paciente e con 
fiantemente, uma obra de grande artista, pois a escolha do autor já 
à aças à intuição, encontrava um traço 
“sulísico significativo que servia como ponto de partida para à pe- 
netração no centro da obra, isto é, o espírito do autor, o princípio de 
associação de ho pormenor a OUITOS permitia pd] apreensão 
interna, enfim levava à 
pressupõe uma valoraç 
COCS 
do princípio criador, da forma 
totalizadora da obra. E esse princípio criador devia ser con 
pelos múltiplos aspectos da obra. Uma marca dos trabalhos de Spitzer 
foi o pensamento de que a intenção do autor é algo específico, defi- 
nido e, em princípio, encontrável Dotado de excepcional acuidade 
a e de vastíssima cultura, Spitzer em- le observação, de intuição 1 
preendeu trabalhos de valor, principalmente pisa autores franceses 
(Rabelais, Racine, La Fontaine, Diderot, Proust, etc.). Seus estudos 
adaptações doi seu método à na: são Ee 
tureza espe ecifica de cada obra estudada, e não se apresentam em 
uma ih coesiva. À obra mais acessível para um contacto com 
tuitulada Lingivística é Estilística de Spitzer é a coleção de ensaios 
1istória hterária. 
á Ench Auerba 
ável cultura, empreendeu uma obra 4 
mais vasto, o mais abrangente, o mais profundo 
estlo que já se produziu” (cf. Graham Hough), combinando a abor 
nica com a diacrônica A sua obra Mimese — a 
representação da realidade na literatura ocidental (1946) contém 
rem um espaço de 3 000 
(1892-19571, dono também de incom 
irantesca, considerada 
erudito estudo de 
dagem sinc 
vinte ensaios sepr rados sobre textos « LLC Écomo palavras ocas, 
cardter reto, nota preta, mesada gorda, mreligência aguda, lixar 
os nervos, arrotlar grandeza, SUBAar Os empregados, retalhar o tnt= 
migo, etc. Como exemplos literários, temos. 
“[O método] É como a elogiiência, que há uma genuína e 
vibrante, de uma arte natural e fericeira, e outra tesa, engo- 
mada e chocha” (M de Assis, Memórias, em Obra completa, 
v. 1,p:523) 
“(.. ) desembainhava um olhar afiado e comprido” ( .) d., 
tb., p. 577) 
“Mas se sentia com a consciência engordada, tranquilo, 
perfeitamente” (G Rosa, Sag ,p 154) 
“O sol cresce, amadurece ” (Jd.. ab.. p. 120) 
hj Um caso de metáfora de bom efeito expressivo é aquele em 
que aparecem coordenados dois termos subordinados a um terceiro, 
sendo um deles empregado em sendo próprio e outro em sentido 
figurado. Machado de Assis usou-o várias vezes, sendo o exemplo 
mais citado “Marcela amou-me durante quinze meses & onze con- 
tos de réis . ” (Memórias, em Obra completa, p 534). Outros 
exemplos 
fo! 
“Sentiu O empurrão, e não se zangou: concertou 0 sobre- 
tudo e a alma, e lá foi andando tranguilamente” (Id , Quincas 
Borba, em Obra completa, v. 1, p 721) 
“Tudo esqueceu, tudo desapareceu. agora que ambos se acha- 
vam insulados pelo carro e pelo escândalo” dd. ib, p 768) 
“. je a razão não é só dos anos longos e grisalhos " 
Ud, Esaú e Jacó, p. 1004) 
3.4.6.4 As funções expressivas da metáfora têm sido objeto de 
classificações diversas, como se pode ver nos estudos de Ullman, 
Walter de Castro (Metáforas machadianas) e outros. Digamos ape- 
nas que as metáforas têm o poder de apresentar as idéias concreta é 
sinteticamente, podendo não só intensificar como dissimular os fa- 
tos. Na atribuição de juízos de valor cla se presta admiravelmente 
ao exagero, quer na exaltação, quer na depreciação, e tem um papel 
importante na expressão da ironia A não ser na linguagem científi- 
ca, em que é evitada o quanto possível, pelo seu caráter de impreci- 
são e subjetividade, cla está em todos os usos da linguagem. com os 
mais variados graus de expressividade e impacto. E mesmo as me- 
táforas mais pobres, mais desgastadas, sempre indicam que o falan- 
te tenta dar às suas palavras um mínimo de emoção e vivacidade. 
34.6.5 A metonímia, que se dá apenas com o substantivo, é a 
figura pela qual uma palavra que designa uma realidade A é substi- 
tuída por outra palavra que designa uma realidade B, em virtude de 
uma relação de vizinhança, de coexistência, de interdependência, 
que une A e B, de fato ou no pensamento (cf. Henri Morier) Essa 
associação dos dois termos é uma relação objetiva, externa, no es- 
paço e no tempo, e a mudança de sigmficado pode ser vista como 
um deslizamento de referência, sendo geralmente explicável por 
elipse (cf. Michel Le Guern). 
Embora não apresente o imprevisto da metáfora, a metonímia, 
pela sua concisão, faz ver rapidamente os fatos em sua essência, daí 
a sua força expressiva e o seu teor emocional, 
Considere-se este exemplo de Machado de Assis: “Elisiário 
sacou o botão de coral e disse que me fosse calçar com ele.” (Pági- 
nas recolhudas, em Obra completa, v TE, p. 591). Entendemos pron- 
tamente que Elisiário, dando o botão de coral à outra personagem, 
disse-lhe que o vendesse e com o dinheiro obtido comprasse sapa- 
tos É a expressão densa, com salto de certas etapas, que dá origina- 
lidade e vigor à frase (cf. Ullmann) 
No passo seguinte, de Murilo Mendes, a metonímia, que subs- 
utui o termo concreto por um abstrato, acentua a dramaticidade da 
afirmação. 
to 
“[Dudu] .. é um resto de pessoa, um resto de roupa, um resto 
de nome. Saberá ler? Não, a fome é sempre analfabeta” (Idade 
do serrote. p. 34) 
Se o autor tivesse dito em termos lógicos “Os miseráveis que 
passam fome são sempre analfabetos”, ficaria o fato emocional, mas 
a linguagem em nada o sublinharia. 
Outro belo exemplo de metonímia em que as etapas que me- 
deitam à causa (chuva) e o efeito (boa colheita) são suprimidas com 
grande força expressiva, temos nestes versos de Victor Hugo tradu- 
zidos por Castro Alves: 
“A nuvem carregada, espanto do marujo, 
Que a vela mal abriga, 
Para o trabalhador, que vê crestado o campo, 
É o saco da espiga” 
(Hinos do Equador, em Obra completa, p 585) 
No conto “A ala”, de Eça de Queiroz, temos uma frase em que 
a metonímia do símbolo pelo ser simbolizado traduz admuiravel- 
mente a situação da jovem rainha que, morto o esposo em combate, 
unha de reinar numa hora de perigo. O povo, tanto quanto ela, sen- 
ua-se apavorado e desprotegido, pois “Uma roca não governa como 
uma espada” (Obras de Eça de Quetroz, v. 1, p. 776). 
Neste outro exemplo, de Guimarães Rosa, uma consequência do 
ato praticado com o instrumento assume o realce de sujeito da frase: 
“O rumor da tesoura grande podava as roseiras.” (P estórias, p. 54) 
É uma construção impressionista que realça a sensação auditi- 
va, em detrimento da visual, 
3.4.6.6 A sinédoque, cuja inclusão entre os casos de metonímia 
ou cuja distinção da metonímia se discute, é a troca de palavras com 
significado de diferente extensão, havendo entre elas uma relação 
de inclusão Mesmo um autor como Michel Le Guern, que distin- 
gue a sinédoque da metonímia (mas só no caso da parte pelo todo), 
lembra que não se deve exagerar a diferença entre uma e outra. 
Demais, mesmo a distinção entre as duas figuras e a metáfora não é 
absoluta, havendo casos em que elas se associam 
A parte que na sinédoque é destacada do todo é, em geral, a que 
tem mais relevância no fato expresso. Assim. quando o espectro da 
“Donzela assassinada” diz, referindo-se ao pai 
“Ai pobre mão de loucura 
que mataste poramar”” (C Meireles, Romancerro, em Obra 
poénuca, p. 419) 
o assassínio é aimbuído à mão e não ao homem, porque foi com a 
mão que ele lhe cravou o punhal 
tos 
Machado de Assis tem um interessante conto (“O contrato”) 
em que as personagens masculinas, os namorados das meninas Laura 
e Josefa, são vagamente apresentadas por um traço particular - olhos, 
bigode, gravata —, daí resultando um tom jocoso e superficial. Tam- 
bém no Esaú e Jacó há uma passagem, mais breve, em que o mesmo 
recurso é utilizado para referir o desinteresse de Flora por outros 
rapazes que não fossem os gêmeos Pedro e Paulo. 
“Mais de um rapaz consumiu o tempo em se fazer visto € 
atraído dela Mais de uma gravata, mais de uma bengala, mais 
de uma luneta levaram-lhe as cores, os gestos € os vidros, sem 
obter outra coisa que a atenção cortês e acaso uma palavra sem 
valor” (Obra completa, v. 1, p. 1036) 
Note-se que a sinédoque é múltipla. rapaz/gravata/cores; 
bengala/gestos, luneta/vidros, 
A sinédoque e a metonímia são importantes no estilo de 
José Cândido de Carvalho, como se observa neste passo 
“Como estivesse por assim dizer em solidão, com meia 
dúzia de saias debaixo de telha, resolvi fazer prudência ..” (O 
coronel .,p 48) 
É oportuno notar que as figuras de palavras comentadas — me- 
táfora, metonímia e sinédoque — com grande fregiência constituem 
uma personificação, a qual se pode considerar como um tipo de 
metáfora, por ser uma alteração do traço significativo (sema) inani- 
mado para animado, ou não-humano para humano. 
Não cabendo neste tópico o exame mais extenso das figuras de 
linguagem que impregnam as palavras de uma tonalidade emotiva, 
e pretendendo apenas apresentar alguns casos exemplificadores, pas- 
samos a tratar de outro fato léxico de considerável importância para 
o estilo, e bastante relacionado com os matizes expressivos, que é a 
smnonimia. 
7 3.5 SINONÍMIA E ESTILO 
Afirma-se comumente que não existem sinônimos perfeitos, 
palavras intercambiáveis em todos os contextos. Na verdade, de 
pouca utilidade seriam duas ou mais palavras que executassem exa- 
tamente o mesmo papel, que exprimissem exatamente o mesmo sen- 
Udo, amesma nota ex pressiva Se 1sso, cventualmente, chega aacon- 
tecer, uma delas acaba sendo abandonada. Dentre uma constelação 
de palavras que têm um mesmovalor referencial, temos a possibili- 
toa 
dade de escolher a que, por uma peculiaridade determinada, mais se 
ajusta ao pensamento, ao contexto em que se deve Inserir. 
Marouzeau focalizou com bastante acuidade e justeza a ques- 
tão dos sinônimos neste passo do seu Précis de stvlishque française: 
“Não é senão uma meia verdade afirmar, como se faz hoje por 
reação, que numa língua não há verdadeiros sinônimos. Ou pelo 
menos é uma verdade que precisa ser explicada. O que é verdadeiro 
é que há entre as palavras diferenças outras que as de significado: 
diferenças de tom, valor, expressividade, afetividade, idade, origem, 
possibilidade de emprego, de construção, etc. De duas palavras di- 
tas sinômmas, uma tem qualidades que a outra não tem, de sorte 
que as condições de emprego não são as mesmas para uma e para 
outra” (Segue uma exemplificação que interessa mais especialmente 
ao francês ) 
O autor observa que a definição de uma palavra é a resultante 
de todo um conjunto de características. Cada palavra tem sua área 
de emprego, mas estas áreas não são justaponíveis; elas comportam 
toda espécie de interferências, de cavalgamentos, com exclusões e 
coincidências, a simonímia é frequentemente real, mas é limitada e 
sujeita a condições (cf. p 108-9). 
3.5.1 DIFERENÇAS ENTRE SINÔNIMOS 
Ullmann, acertando a possibilidade da completa sinonímia em 
alguns casos muito restritos como nas linguagens técnicas, reco- 
nhece que o assunto se toma complicado na linguagem usual, pela 
imprecisão, pela ambigindade, pelas tonalidades múltiplas das pa- 
lavras. E transcreve 0 esquema em que W E. Collinson tentou sinte- 
tizar as diferenças mais típicas entre sinônimos. 
A. À primeira distinção apresentada é uma diferença objetiva: 
um termo é mais geral que O outro: recusar (ing. refuseYrejeirar 
(repect) Podem ser acrescentados exemplos em que, embora haja 
diferença de significado, o termo mais geral substiur comumente o 
mais específico É o caso dos hiperômimos: carro/automóvel; rou- 
bofurto; crimehomicídio, morreriperecer; cortar/decepar, ampu- 
tar; pagamento ordenado, salário, soldo, honorários; paquider- 
mefelefante, rinoceronte 
B A segunda distinção é relativa à intensidade, podendo abran- 
ger sigmficados objetivos e emotivos. repudrar (repuchate )/rejettar 
(reject) Acrescento exemplos nossos berrar/gritar, suplicarípe- 
dir; mourejaritrabalhar; obeso/gordo; miserável'pobre, desgraça 
dorinfehz, gargalhar/ririsorrir, adoraramar gostar; caostconfu- 
sdo/desordem. 
05 
C, A terceira distinção — quanto ao teor emonvo (rejeitar/declr- 
nar) pode ser reunida à quarta — reor avaltarivo (aprovação ou cen- 
sura). pareo, fregaH heftveconônuco feconemiea! J-vutros-exem- 
plos: abandonarídenxar, maniaco'sistemárico; beatotreligioso; vi- 
cloidefeiro; estróina/gastador; covarde/timido; esqueléticolmapro, 
gane'vontade 
Como a intensidade muitas vezes se confunde com uma avali- 
ação de cunho emotivo, a distinção entre os últimos itens refendos 
não é nítida, 2? um mesnioparvde palavras pode caber mos dois — - 
D. Entre as diferenças relativas aos valores evocativos temos 
a) Um termo é mais profissional (técnico) que outro: óbito 
(decease morte (death). ou: cirurgiaoperação, Mebotonia/san- 
gria, escabiose/sarna, abdômenbarriga; alcoólatra, dipsomania- 
covbeberrão; homicidadassassino. 
b) Um terno-é-mais literário que outro-passemento tpassue 
morte (death). Aqui a exemplficação é muito vasta: corcel/cavalo; 
aura, zéfiro/brisa; ósculo/beijo; pélago/oceano; linfa/água; pomo/ 
fruto; lábaro/bandeira; mádidotimido, falaz/enganador, pusilã- 
mumetcovarde, venusto/belo, lobrigar/entrever; vituperaricensurar; 
locupletarfenriquecer, encher. 
c) Um termo é mais coloquial ou mais vulgar que outro: ba- 
gunça/desordem; grana/edinheiro; bóia/comida, cangalhas/óculos; 
bate-bocaldiscussão; jamegão assinatura; pifartquebrar. deixar de 
Junciongr, pão-eduro, cainho, unha-de-fomefavaro, usurário; cur 
trígozar; escafeder-seifugir, meganha, milicofsoldado, miluar; 
gringo/estrangeiro 
d) Um termo é mais local ou dialetal que outro, vasqueiro/ 
escasso; perco implicâneia, quicéfaca; quengorcabeça; jerimum/ 
abóbora; fifóllamparna; wéadsiringente; sanga/regaro; prenda/ 
moça, namorada, china, chinocaíndia, concubina, prostituta. 
No caso do português, temos, ainda, as diferenças entre Portu- 
gal e Brasil, como: 
Portugal Brasil 
peão pedestre 
parvo bobo 
boléia carona 
miúdo criançã 
elétrico bonde 
comboio trem 
106 
E A essas diferenças podem ser acrescentadas ainda as que se 
devem à origem diversa, variando a frequência de uso 
diáfano (grego) transparente (latim) 
pénpio (grego) circunavegação (latim) 
açafate (árabe) cesto (laum) 
alcândora (árabe) | poleiro (de polo + erro; polo, do laum = 
animal novo, frango) 
urupema (tupi) peneira (latim) 
tacape (tupi) clava (latim) 
sul (germânico) meio-dia (latim) 
norte (germânico) — setentrião (latim) 
leste (germânico) — onente (latim) 
oeste (germânico) ocidente (latim) 
A determinação da diferença de um sinônimo para outro é ex- 
tremamente dificil e delicada, e os dicionários de que dispomos, 
mesmo os intitulados de sinônimos, são muito deficientes. De um 
modo geral, sentimos os matizes diferenciais entre grande número 
de sinônimos, mas não conseguimos precisar a distinção. Os 
estulistas, com o seu sentimento c conhecimento da língua, conse- 
guem desentranhar da abundância lexical os termos que melhor con- 
vêm a cada caso Admiramos o ajuste vocabular de um texto, mas 
não temos idéia da luta que o autor travou com as palavras para 
chegar ao bom resultado Machado de Assis, no primoroso conto 
“O cônego ou a metafísica do estilo” (Varias histórias), nos dá uma 
admirável alegoria do que é o trabalho do consciente e do subcons- 
ciente para 0 encontro de um substantivo e de um adjetivo que se 
ajustem tão bem quanto um casal feliz. 
3.5.2 A UTILIZAÇÃO DOS SINÔNIMOS 
Ullmann aponta duas categorias na uulização dos sinônimos, a 
da seleção e a da combinação: 
— na primeira, um só termo é escolhido num paradigma ou con- 
junto simonímico, para atender à emoção, à harmonia, ao tom geral 
do conjunto As alterações que os estilistas fazem, ao rever os seus 
textos, ilustram a preocupação na escolha do melhor termo, mas 0 
lertor, que não tem acesso aos originais, não chega a perceber que 
houve todo um trabalho de seleção em relação aos sinônimos ófere- 
cidos pela língua. 
107 
— na segunda categoria, vários termos que exprimem uma idéia 
podem ser utilizados num mesmo texto, em contacto uns com os 
outros, numa segiência, gradativa ou não, ou apresentados em in- 
tervalos 
Os sinônimos em série podem indicar que o autor não achou 
que qualquer deles sozinho exprimisse bem o seu pensamento ou 
podem ser um recurso de ênfase, de insistência numa idéia. que 
deve ser salientada em vários matizes, Não sendo a sinonímia exa- 
la, difícil é disungui-la, em muitos textos, da enumeração, em que 
se acumulam termos de um mesmo campo semântico, mais ou me- 
nos próximos. 
Os sinômmos em intervalos correspondem à busca de varia- 
ção, ao mesmo tempo que contribuem para a coesão do discurso, 
para o seu colorido e vigor 
A combinação de sinônimos é um recurso utilizado em enunci- 
ados de todo tipo, mas é principalmente nos textos dissertativos, em 
que predomina a intenção de argumentar, persuadir, que ela é mais 
explorada, como se pode ver nos sermões de Vieira ou nos discur- 
sos e artigos de Rui Barbosa. Sirva de exemplo este fragmento de 
um artigo em que o político-artista comenta o nome escolhido para 
um novo jornal O Eco. Conforme observação acima, a sinonímia 
aparece associada à enumeração, ambas concorrendo para a ênfase 
da idéia desenvolvida: 
“Não será, de certo, um nome novo, nem há de pretender 
ao mérito da originalidade Mas é, na sua singeleza e brevida- 
de, um nome bem inspirado, bem achado e bem agoirado, um 
nome de fehz expressão e excelentes promessas: todo um pro- 
gramanuma só palavra 
O eco não mente, nunca mentiu, não pode mentir. estam- 
pa, duplica, repercute os sons, os rumores, as vozes; recolhe do 
ambiente, e transporta, alonga, renova as impressões, as vibra- 
ções, as comoções da atmosfera dá aos contactos é aos cha- 
ques, às quedas e aos sustos uma enunciação alada, veloz, ins- 
tantânca como a dos raros luminosos, descobre os ruídos sutis. 
escava Os segredos recônditos, reúne os gemidos esparsos, e 
das leves ou grandes ondas, abafadas no solo, escondidas nas 
trevas, disseminadas no ar, forma as largas ressonâncias, os 
brados, os clamores, que ammam o espaço, abalam a terra, anun- 
ciam O tempo 
(Antologia, p 29) 
Num discurso em que critica o governo de Hermes da Fonseca, 
comparando a política brasileira, pela sua capacidade de engohr leis, 
fts 
E
i
s
 
negócios e orçamentos, a um engolidor de espadas, Rui usa, em 
intervalos, as seguintes expressões pará designar esse comparânte: 
traga-espadas, peloniqueiros, charlatões de feira, saltimbanco, ar- 
hsta, pargantão, engole-espadas.Para espada, usa: espadarrão, 
carana; sabre, chonfalho, lâmina, perigosos instrumentos de guer- 
ra. E há ainda toda uma série sinonímica para a referência de gar- 
ganta (1h, p. 165-7). 
Vejamos agora a sinonímia em outro nível de linguagem. João 
Antômo, que, como já se disse, tem amplo conhecimento da lingua- 
gem gíria, desfia em seus textos smônimos deveras numerosos para 
cerias iúbias que causam impressão mas forte ou que têm papel 
muito significativo na vida das pessoas. No livro Casa de loucos. a 
sinonímia para referir os doentes mentais é vastíssima, Veja-se este 
trechinho: 
“O diretor do sanatório, Dr Arres, psiquiatra magro, qua- 
renta anos, alto, tem uma bigodeira vasta, na moda Fala-se 
que, de tanto lidar com malucos, acabou meio zureta, ma- 
tusqueta, tantã, lelé, prado, pancada, pmeil, com o seu cacoe- 
te de estalar os dedos como se chamasse cães invisíveis” (p 
128) 
Toda a smonímia popular para “dinheiro” parece ter sido reu- 
nida neste parágrafo em que a personagem Paulinho Perna Torta 
relata as agruras € virações de sua menimce: 
“Eu bem podia me virar na Estação da Luz, Também ren- 
da lá Fana al muito freguês de subúrbio e até de outras cida- 
des, Franco da Rocha, Perus, Jundiaí. Descidos dos trens, 
marmiteiros ou trabalhadores do comércio, das lojas, gente do 
esentório da estrada de ferro, todo esse povo de gravata que 
ganha mal Mas que me largava 0 carvão, O mocó, a gordura, O 
maldito, o tutH, O pororô, o mango, O vento, a granuncha A 
seda, a gala, a grana, a garolina, O capim, o concreto, o abre- 
canunho, à cobre, a neta, à manieiga, O agndão o puldo OQ 
postivo, 0 algum, O dinheiro Aquele um de que eu precisava 
para me agientar nas pernas sujas, almoçando banana, pastéis, 
sanduíches E com que pagava para dormir a um canto com os 
vagabundos lá nos escuros da Pensão do Triunfo” 
(Ledo-de-chácara, p. 63-4) 
Pedro Nava nos dá um curioso exemplo de como o uso despro- 
positado de sinônimos pode tomar-se um eficaz recurso humorist- 
co. Refere-se ele à instrução militar dada por um capitão que tinha o 
cacoete de falar usando sempre pares de sinônimos; após transcrever 
um exemplo apresentado pelo seu colega Pedro Dantas, Nava prosse- 
[om 
gue na sua própria reminiscência e recriação do discurso do ins- 
trutor 
“A bala, ou projétil, sai, ou parte, do fuzil, ou arma. Quan- 
do o homem, ou soldado, ouve ou escuta, o silvo, ou ruído. da 
bala ou projétil, joga-se, ou atira-se, por terra, ou chão Com 
numerosas variantes ouvi essa técnica de defesa ou proteção, 
que o infante, ou praça, devia empregar, ou usar, ao primeiro 
sibio de Tefrega; outombate Era deitar mrediatamente-e con- 
tra-atacar dessa posição, tentando de todos os modos extermi- 
nar, ou matar, O inimigo, ou adversário. Devia-se mirar cuida- 
dosamente o crânio, mandar bala no dito, e se a distância era 
grande, não permitindo requintes de pontana, tentar-se-ta acertar 
no centro, ou meio, da silhueta, ou vulto, e destarte, ou assim, 
era certo, ou seguro, atingir, ou fenr, o abdome, ou ventre Nestes 
casos o soldado era sempre posto fora de combate e morria 
depois — porque aquilo era peritonite certa. Forrados dessas 
noções sumárias, todos passávamos a nos julgar estrategos e 
táucos da maior competência ..” 
(Chão de ferro, p. 90) 
Af tem, pois, o leitor uma boa cópia de exemplos a que aplicar 
à teoria da diferenciação dos sinônimos. . 
3,6A ESTILÍSTICA MORFOLÓGICA 
3 6.1 4 PERSPECTIVA DA ESTILÍSTICA MORFOLÓGICA 
No capítulo XI (“Uma indagação sem resposta cabal”) do En- 
saio de estilística da língua portuguesa, Gladstone Chaves de Melo 
declara não ver perspectiva de uma Estilística morfológica, visto 
que na morfologia o sistema da língua se revela mais firmemente 
estabelecido e o emprego das diferentes formas flexionais Já não se 
restringe à morfologia, mas penetra no domímo da sintaxe Reco- 
nhece a possibilidade de examinar-se a expressividade de certas 
tormações de palavras — particularmente as anômalas, más consi- 
dera esse estudo pouco relevante em razão de a maioria das novas 
tormas não chegarem a integrar-se na língua 
Achamos, entretanto, que os aspectos morfológicos da língua 
são muito importantes para a linguagem expressiva e que devem ser 
estudados, ainda que apareçam permeados com a semântica € à sin- 
taxe Aliás, que valores expressivos podem ser sentidos fora da fra- 
se ou do discurso, se é a frase a umdade do discurso, se só falamos 
Ho 
por meio dela? Mas nem por 1sso à expressividade da frase ou do 
enunciado deixa de dever aos valores fômicos e mórficos. 
A udéia de que vocábulos que não se incorporam na língua não 
têm interesse estilístico é bem discutível, Primeiramente, porque 
não podemos antever o destino dos vocábulos forjados por um es- 
critor ou uma pessoa qualquer. Demais, eles evidenciam as 
potencialidades dos processos de renovação do léxico e dos ele- 
mentos formadores (lexemas é morfemas), que são integrantes da 
língua Ainda que as novas palavras tenham existência efêmera, elas 
revelam um meio de o falante realizar o seu desejo de expressividade 
Muitas delas são realmente de emprego restrito, e não poucas se 
limitam a uma ou outra ocorrência, da mesma forma que as metáfo- 
ras que se criam para um único enunciado. Mas, pela sua novidade, 
causam um inegável efeito expressivo que não se pode menosprezar 
362 AEXPRESSIVIDADE RELACIONADA COMA FLEXÃO DE GÊNERO 
ENUMERO 
Realmente, poucas brechas encontra a expressividade no do- 
mimo do gênero e do número, mas algumas existem. À mais signi- 
ficaniva, quanto ao gênero, é a dos substantivos uniformes, que se 
referem a seres sexuados (substantivos comuns de dois gêneros e 
epicenos). Há uma tendência popular a criar formas analógicas que 
estabeleçam a duplicidade genérica; daí formas como sujeita, npa, 
chefa, membra (de uma imslituição), presidenta, caçulo, monstra, 
gêmia, diaba, demônia, indrivídua, corso, criaruro, perxa, gafanhota, 
onço, corujo, etc Madrasta, empregado como adjetivo, pode apre- 
sentar o masculino madrasto (destino madrasto) 
Monteiro Lobato, nas pegadas do seu mestre Camilo, usa uma 
forma masculina de crrança “Pára aí, homem de Deus! Do contrá- 
no acabas contando a história de um que chegou a dar à luz um 
crianço! ..” (Cidades mortas, em Obras completas, p. 121). 
Nomes próprios de entidades mitológicas ou históricas podem 
receber um feminino jocoso. O mesmo Lobato, na sua hteratura 
infantil, usa formas como Netuna, Pégasa, Ciganta Frestona, 
Floriana Peixota. Por vezes, é a forma anômala, popular de um 
feminino que se reveste do tom pejorativo, como acontece com 
Visconda (de Lobato); ou alemoa, cidadona (cidadã) 
Murilo Mendes ecra um femimno erudito para centatro; “Eu 
era singularmente atraído pela figura de Adelaide tocando nova 
centanresa civilizada, fazia um só corpo com a harpa, hipnotizava O 
instrumento, depois unia-se-lhe, matéria e espírito incorporando-se 
no espaço” (Àidade do serrote,p 102) 
!1 
Nomes que normalmente apenas se usam no singular podem 
receber no plural uma conotação particular, É o caso dos nomes 
próprios em emprego figurado: Prometeus, Tânitalos, Mavortes (usa- 
dos por Cruz e Sousa), os Cíceros. os Dantes, os Cartões (ou calãos), 
us quixotes, etc. Tais plurais indicam indivíduos que possuem às 
qualidades que mais celebrizaram as personagens; alguns classifi- 
cam a figura como sinédoque (mdivíduo pela espécie), outros como 
metáfora (relação de semelhança) Também nomes geográficos apa- 
recem pluralizados com valor expressivo: “rr para as Europas”, “por 
esses Brasis” alora, diz-se comumente. De Mánio de Andrade é este 
exemplo. “Não parece bem Brasil... Está com jeito da gente andar- 
mos turistando pelas Áfricas e Ásias do atraso inglês, francês, italia- 
no, não se: que mais. Todos os atrasos da conveniência rmperialis- 
ta (Os filhos da Candinha, p. 102). Neste outro passo de Mário de 
Andrade, o nome próprio plural se adjetiva: “Os chefes perrepistas 
se reuniram, confabularam, bem pedros-segundos” (Jb., p. 130) 
Nomes não-contáveis ou abstratos, empregados no plural, as- 
sumem também sentidos diversos Em céus e terras do Brasil o 
plural serve para aliar as idéias de imensidão e variedade. É também 
enfático, mas de tom afetuoso, o plural de açucar neste passo de 
Guimarães Rosa “Tratem com os açúcras este homenzinho nosso, 
( J"(Manuelzão .., p. 45). 
Como observa Jesus Belo Galvão, frequentemente se utiliza o 
plural de nomes para revelar pouco-caso, indiferença por alguma 
coIsa OU pessoa; uns ares, umas tiradas, umas partes, umas poses, 
fumos, fumaças, intimidades, exageros, etc. Entre outros, é citado 
este bom exemplo de Manuel Antônio de Almeida, “Um colega de 
Leonardo, miudinho, pequenino e com fumaças de gaiato, e O sa- 
cristão da Sé, sujeito alto, magro c com pretensões de elegante” 
(Lingua e expressão..., p. 186) 
José Cândido de Carvalho também emprega o plural para efe- 
tos de ênfase ou de humorismo, como neste passo; 
“Sempre aparelhado de cerimônias e educações, desceu em 
direitura da caixa de peçonha. 
— Com licença, com licença” (O coronel e o lobisomem, p. 55). 
Neste passo de Machado de Assis' “Mediancira não era melhor 
que concubina, e eu tinha-a baixado a esse oficio à custa de obsé- 
quios e dinheiros” (Memórias... em Obra completa, p. 585), 0 plu- 
ral de dinheiro, além de estabelecer a simetria com obségutos, indi- 
ca como se Tépepia a Lransação 
t12 
A personagem de Guimardes Rosa (Zé Bebelo) que proclama 
“O que imponho é educar e socorrer as infâncias deste sertão!” está 
concretizando o substantivo, fazendo-o equivaler a crianças, mas o 
plural inusitado do abstrato é mais enfático e assinala melhor a ten- 
dência grandiloquente do sertanejo (G. sertão, p. 300). 
Uma das peculiaridades estilísticas da poesia de Cruz e Sousa 
é o gosto pelo plural de nomes abstratos, com valor de amplifica- 
ção, infinitude: “Soluçam hipocondnas”, “azuis diafanidades”, 
“Dolências beethovínicas”. Veja-se como os exemplos se acumu- 
lam nesta quadra. 
As próprias mocidades e infâncias 
Das cousas têm um esplendor infindo 
E as mortalidades g as distâncias 
Estão sempre florindo e reflorindo 
(Poestas completas, p. 152) 
Lembremos ainda que um jogo de palavras munto do gosto do 
Pe. Vieira era o do singular e plural de uma mesma palavra, tendo, 
em alguns casos, o singular o valor mais abstrato. “A causa princi- 
pal de se não perpetuarem as coroas nas mesmas nações e famílias é a 
injustiça, ou são as injustiças, como diz a Escritura Sagrada” (Carta 
ao rei D. Afonso VI, em Presença da literatura brasileira, v. I, p. 
66) “Perde-se o Brasil, Senhor, porque alguns ministros de Sua 
Majestade não vêm buscar o nosso bem, vêm buscar os nossos bens” 
(Ap Rodrigues Lapa, Estilística da lingua portuguesa, p. 126). 
3.6.3 4 FORMAÇÃO DE PALAVRAS 
Os processos de formação de palavras, essenciais ao enrique- 
cimento lexical, vêm atendendo às necessidades expressivas de fa- 
lantes e escritores, desde os começos da língua, como também acon- 
tecia no latim; no latim vulgar inúmeras palavras foram acrescidas 
de sufixos (cor-coratio, spes-sperantia, ovis-ovicula, natura- 
naturitia, etc.). Autores de poesias satíricas, farsas, comédias (v.g., 
Gil Vicente, Antônio José da Silva) obtiveram efeitos humorísticos 
utihzando-se da derivação. Mas é a partir do século XIX que 
ficciomstas e poetas, de Portugal e do Brasil, passaram a explorar 
mais intensamente o léxico virtual, reunindo radicais e afixos em 
novas formas. No Modernismo acentua-se o gosto pelos neologis- 
mos derivados e compostos, chegando-se ao auge com Guimarães 
Rosa. 
Já no item 4 do capítulo das tonalidades emotivas, a resperto da 
avaliação expressa através de prefixos e sufixos. referimo-nos à 
FE 
derivação emotiva. Vamos examinar agora um pouco mais detida- 
mente as possibilidades expressivas dos vários processos de forma- 
ção lexical. Daremos poucos exemplos em frases no desenvolvi- 
mento desta explicação, deixando-os para o final do capítulo, para 
que sejam aproveitados como exercício de venficação da conotação 
de cada caso E, logicamente, não vamos relacionar todos os sufi- 
xos e prefixos (que se encontram nas gramáticas), mas apenas cha- 
mar a atenção para as possibilidades expressivas de alguns deles 
363.14 derivação sufixal. É a sufixação o processo de maior 
vitalidade, quer pelo grande número de sufixos da língua (mais de 
uma centena), quer pela variedade de conotações que muitos deles 
permitem sugenr 
Comecemos por mencionar a multiplicidade de valores afetivos 
dos sufixos de diminutivo E aumentativo 
O diminutivo pode exprimir, por um lado, a apreciação, o can- 
nho, a delicadeza, a ternura, à humildade, a cortesia, e. por outro 
lado, a depreciação, o desdém, a irritação, a ironia, a gozação, a 
hipocrisia Está na fala de todos, cultos ou ignorantes, e só não 
aparece com um tom afetivo nos textos esertos que têm por meta a 
objetividade e. portanto, só admitem o diminutivo nocional, expri- 
mindo a idéia de tamanho pequeno, sendo que, em muitos casos de 
diminutivo erudito, mesmo à idéia de pequenez passa desperce- 
bida (glóbulo, opúsculo, espátula). Dos sufixos diminutivos (inho, 
«tto, -tco, -ete, precedidos ou não da consoante de ligação — z —, 
-ejo, -elho, -ho, -im, -ola, etc.) o que predomina, de longe, é (a)inho, 
que tanto aparece em formas de substantivo como de adjetivo. Tam- 
bém se encontra um diminutivo enfático, em linguagem coloquial, 
em palavras gramaticais — advérbios, pronomes: agorinha, depres- 
sinha, longinho, enciminha, quaseznho, quasinho, assinzinho, 
unzinho, estezinho, tudinho, nadinha. Os diminutivos com formas 
verbais são raros e, fora chuviscandinho, que é mais ou menos ge- 
neralizado, têm um tom artificial; Mário Palmério dá o exemplo de 
um “vem vindozinho” (Vila dos Confins, p 374), Guimarães Rosa 
de “ensinaznho” (Manuelzão, , p. 45), sorriuzinho (Noites ,p 
215) Acrescentamos que, além dos sufixos de uso popular, normal, 
acima citados, os sufixos eruditos -ulo, -culo, -tsculo (régulo, 
mestrículo. grupúsculo), desviados do seu emprego científico, po- 
dem ter também seu papel expressivo. 
Grande parte dos casos de diminutivo consiste em acentuar um 
valor afetivo já contido no lexema, ou a atmosfera lírica de um enun- 
ciado. Assim vemos como Antônio Nobre acumula diminutivos em 
versos de intensa autocompaixão, atribuídos à sua ama: 
RE! 
se» 
Séas hoje é aquilo: tem os olhinhos sumidos, 
/ Tag faltinhos de cor, os cabelos compridos, | 
E tosse tanta vez! já arqueia das costas... ' R 
Só falta vê-lo desadinho) de mãos postas! 
Cortadinho!/ (Só, p 208) o 
Leo Spitzer observa que os diminutivos revelam uma ternura 
com odioma, um enamoramento da língua que acarcia as palavras 
como se fossem pessoas (Ap. Amado Alonso, Estudios lingiiísticos). 
Com palavras que já ericerram uma idéia de pequenez, de del-cadeza ou graça, de algo agradável, enfim, o diminutivo pode valer 
como uma intensificação afetuosa (lindinho, fininho, miudinho, en- 
graçadinho, santinho, verdinho, clarinho, ete.). Com palavras que 
exprimem algo lamentável, triste, o diminutivo acrescenta a 
conotação de dó, simpatia (pobrezinho, doentinho, desgraçadinho, 
etc ). Com palavras cuja significação é desfavorável, o diminutivo 
pode equivaler a uma atenuação tolerante, compreensiva, a uma 
brincadeira (fernhe, bobinho, burrinho, vellinho, ladrdozinho, 
malandrinho, pestnha, etc.) É óbvio que essas conotações, sem- 
pre imprecisas, dependem do contexto ou da situação, uma mesma 
forma de diminutivo podendo assumur valores opostos, como mur- 
lherzinha, que tanto pode ser expressão de carinho como de imitação 
e desprezo. 
O aumentativo. mais frequentemente, tem valor pejorativo, 
acrescentando ou reforçando um sentido de depreciação, porque 
aquilo que é de tamanho excessivo é geralmente visto como feio, 
ndículo, grotesco, desagradável (narigão, narigança, cabeção, 
vozão, vozeirão, mulheraça, bigodarra, gramáticorra, etc.). Os 
adjetivos desvalorizadores, com um sufixo aumentativo, são forte- 
mente agressivos (bestalhão, grandalhudo, estupidarrão, etc.). Mas 
como a linguagem afetiva foge a toda lógica, o mesmo sufixo 
aumentativo pode ser também valorizador, sahentando a solidez, a 
força, o valor, a conveniência, um atributo adnurável (rapagão, 
companheirão, amigão, casamentão, dinheirão, negocião, lugarão, 
etc) O sufixo -dgo indicador de “agente” tem comumente sentido 
pejorativo (mandão, chorão, pidão, fujão, etc ). Na atualidade o 
aumentativo está em voga na denominação de estabelecimentos ou 
produtos comerciais (Varejão, Sacolão, Lixão, Quindão) 
Muitas vezes, à um mesmo lexema se acrescentam dois sufixos 
que se reforçam ou que contrastam, estabelecendo uma combina- 
ção curiosa 
its
a
i
 
- dois sufixos de diminutivo ou de aumentativo dinheirinho- 
snho, senhorinhazinha, baronetezinho, fedelhozinho, santarrão, 
beiçorraça, fradalhão, 
— um sufixo de diminutivo e outro de aumentativo: rabdozinho, 
sozinhão, homenzarrinho (usados por Guimarães Rosa), 
— um sufixo de coletivo e outro de diminutivo ou aumentativo 
treharadinha; bigodarrama, 
— um sufixo de coletivo envolvido por dois de diminutivo: 
ticharinhadinha (M Palmério) 
Exprimindo idéia de quantidade, grandeza, os sufixos coler- 
vos podem também carregar uma conotação afetiva, valorativa ou 
depreciativa, conforme o caso (dinherrama, gadame, gentalha, 
sentarada, mulherio, desgracetra, desgraçalhada, dentaria, 
molecoreba) 
Dos sufixos de superlativo — que têm a função específica de 
enfatizar, exagerar — -fsstno é o normal e -érrumo (-rimo) só deveria 
aparecer em adjetivos terminados em -re, na forma erudita tomada 
do laum, paupérrimo, celebérrimo, macérrimo, mas, sendo mais 
raro, tem efeito expressivo maior e daí ter passado a superlativar 
qualquer adjetvo: bacanérrimo, elegantérrimo, chatérrimo, 
bebedérrimo, catoleguérrimo; Guimarães Rosa cria forma ainda mais 
anômala. pobrepérrimo. 
Na gína, está sendo usado, recentemente, com valor de super- 
lativo o sufixo numeral -ésimo, provavelmente por influência de 
enésimo: gostosésuno, elegantésimo, Pode ser um modismo passa- 
geiro, mas não é impossível que se generalize 
Nos dias de hoje nota-se uma tendência para o superlativo 
prefixal, sobretudo com super: superliberal, supersevero, super- 
inteligente, arquibondoso, ultrafácil, hipervaidoso. Num artigo de 
jomal encontramos esta “hper-superlativação”: “seu super-hiper- 
ultra magnífico agente”, 
Muito expressivo é o emprego do sufixo superlativo com pala- 
vras não suscetíveis de gradação: mulheríssima, filhíssimos, 
ndozíssimo, cervejíssima. Em combinações expressivas, alguns au- 
tores por vezes misturam superlativo relativo e absoluto, como nes- 
te passo de Rachel de Queiroz: “Era assim que cu datava as cartas 
para minha avó: “Santa Maria de Belém do Grão Pará” O nome 
mais belíssimo do mundo “ (Caçador de tatu, p. 112) 
Bom elenco constituem os sufixos formadores de substantivos 
abstratos, uns mais eruditos (ao gosto dos simbolistas, como 
lactescências, resplandescências...), Outros neutros, outros mais po- 
pulares. Na verdade. o efeito não resulta só do sufixo, mas da sua 
HH 
combinação com o lexema, e um mesmo sufixo pode sugenr valo- 
res diversos Dos que podem acrescentar (não obrigatoriamente, m- 
SISLMOS) UM tom pejorativo, jocoso, proresco, um tom de recrimi- 
nação, lembramos -rce, -18me, -agem, -ança, -ção (ação repetida), 
«dade, -mento mesmice, gramatiquice, literatice; granfinismo, es- 
nobusmo, sabetudismo, pdodurismo, bom-mocismo, mau-caratismo, 
poetagem, granfinagem, ciganagem; festança, gastança, comilan- 
ça, roubança; falação, nventação, desbocação, perguntação, per- 
guntidade, azulidade; desbocamento, pererecamento, comimento, 
(Os exemplos foram colhidos de autores vários ou da hnguagem 
Comum 
Dos sufixos adjetivais o mais produtivo talvez seja -oso, quer 
com valor referencial, quer com valor expressivo (sapeso, pagui- 
dermoso, milmaravilhoso) Destacam-se também pela sua potencia- 
idade pejorativa -udo, -ento, -engo, -esco, -eiro. unhudo, opintúdo, 
bannudo, choramingudo; hustoriento, filhenta, bazofento, touci- 
nhento, amarelento; mulherengo, motengo: livresco, soldadesco, 
brutesco, bugresco, boleresco; faroletro, panegiriqueiro, eletoreiro, 
Algumas locuções como sem graça, sem vergonha, dão orgem 
a vários derivados, ora esentos num só vocábulo, ora com hífen 
SEM -PRACICE (sengrácice), sengraceira, SENI-ERACETA, SERI-BROCES, 
sem-vergonhice (senvergonhuce), senvergonheira, senvergonhagem, 
senvergonheza. 
Na linguagem poéuca, os sufixos ale -teo(em proparoxítonos) 
são de largo emprego braço eternal (Castro Alves), céu lirtal, pu- 
reza hostial, raios fluídicos, visões volápicas, tantálicos sonhos 
(Cruz é Sousa), 
Caso interessante é o sufixo -dide, que, tendo ongem científica, 
com o sigmficado de “semelhante”, “aspecto ou forma de”, “fami- 
ha ou classe”, conforme se vê em palavras como gedide (sólido que 
tem a forma semelhante à da Terra). eltpsóide (semelhante à elipse), 
antropótde (semelhante ao homem), etc, assumiu uma conotação 
pejorativa na linguagem comum. Talvez a idéia negava do lexema 
de termos como creiinóide, negrówle, tenha contaminado o sufixo, 
permitindo-lhe empregos como gramaticóide, burróide, zebróide, 
mulitde, sentimentalóide, etc. 
A substituição de um sufixo, já normalmente agregado a um 
lexema, por outro pode servir a um fim humorístico ou também 
línco, O que tem sido um procedimento muito frequente nos autores 
modernos. Assim é que José Cândido de Carvalho usa covardismo, 
preditetesmo, qedmiramento, vizinhagem, bonitura, graveza, por 
LIZ 
covardia, predileção, admiração, vizinhança, bomteza, E ravidade, 
adjetivos que aparecem com feição renovada pelo sufixo são: 
susprrento, tristento, cativosa, brincalhista, sanguinaz, galhofista, 
por suspiroso, tristonho, cativante, brincalhão, sanguinário, 
ralhofeiro, etc. Algumas dessas formas devem ser de uso popular. 
Cruz e Sousa alterna o emprego de formas como sidéreo/sideral, 
brumal/brumoso, titânico!titâneo, flóreo/flórido e outras 
Num trecho de Grande sertão. veredas encontramos todas es- 
tas vanantes de frio (subst.): friúme. frior, friagem, fruira (p 320) 
A busca de maior efeito expressivo leva também a acrescentar, 
a um adjetivo primitivo, um sufixo que lhe dê mais corpo e o tome 
foneticamente mais adequado à sua significação ou lhe confira um 
tom jocoso ou enfático. Neste caso o sufixo prefendo é -eso, ocor- 
rendo também -al, «sta, -dZ: sujoso, severoso, severista, iristoso, 
soberboso, ricoso, humildoso, humanal, amarelal, etc. (exemplos 
de José Cândido de Carvalho e Guimarães Rosa), 
Na formação dos verbos predominam as formações neológicas 
com «er -car e «s2ar, sendo a base da formação tanto um substant-vo simples como um composto. cigarrar (fumar). pstcologar, sa- 
batinar, logicar, geniar (zangar). malufar, papagatar, quiabar, colsar, 
estressar, lua-de-melar. betramarar., fox-trotar, cartãopostalizar, 
banderranacionalizar, borboletear bobear, patetear, golear(de gol) 
Os neologismos em -izar se intensificam no século XIX, quer na 
prosa, quer na poesia. Em Camilo, por exemplo, encontramos 
problemizar, mordomizar, planizar e outros Em Cruz e Sousa, 
sublimizar, tantalizar, Ntanizar, 
Os verbos cujo lexema é acrescido de um sufixo diminutivo, 
iêm geralmente uma conotação afetiva; escrevinhar, cuspinhar, 
cuspilhar, tossicar, manquitar, espumutar, mordiscar, etc. 
Existe um só sufixo adverbial -mente (originário de um stbs- 
tantivo), mas como funciona! Na linguagem normal só forma ad- 
vérbios a partir de adjetivos (na forma feminina), havendo lingiirs- 
tas que consideram o advérbio em mente um adjeuvo em incidên- 
cia verbal (cf. Pottier). Na linguagem de intenção expressiva, O su- 
fixo -mente é também acrescentado a um substantivo. Já Carmlo 
escrevia: “Ela resistiu lucreciamente” pasto é, à maneira virtuosa de 
Lucrécia (Eusébio Macário) 
Eça usa animalmente, Mário de Andrade tamanduamente, e 
assim também outros Mas quem vai mais longe no uso do sufixo, 
hgando-o não só ao substantivo (coraçdomente, mortemente, 
madrugadamente), mas ainda a advérbios e locuções, é Guimarães 
118 
“e 
Rosa, murtas dessas formas soam estranha e desagradavelmente: 
quasemente, aposmente, depoismente, maismente, sempremente, mil 
vezes-mente, com-fome-mente. Em Pedro Nava encontramos à 
adverbializaçãodo sintagma reatro clássico, “Levantou-se, quebrou 
“-teatroclassicamente contra o joelho a flecha de apontar o quadro- 
negro, atirou seus pedaços ao chão e foi-se embora...” (Chão de 
Jerro.p 32). 
3.632 A derivação regressiva. A derivação regressiva, 
deverbal, que consiste na formação de substantivos com o radical 
de um verbo é uma vogal temática (-a, -€, -0), é também um valioso 
processo de formação vocabular, dando origem a palavras mais bre- 
ves, que tanto podem ser da língua padrão, como da popular Mui- 
tos verbos têm dois ou mais substantivos cognatos, farmados com 
sufixo ou sem ele, os quais geralmente apresentam uma diferença 
de sentido ou de emprego. em alguns casos o derivado regressivo é 
o mais antigo, em outros o sufixal. pagamento/paga, pago; susten- 
tação/sustento, levantamento/evante, abatimento/abate, tratamen- 
roftrato; conservação conserva, vendagem/venda, apelação/ape- 
lo, etc 
Na fala popular estão sempre aparecendo novos derivados re- 
gressivos, como: dar um chego (chegada), haver um agito (agita- 
ção), estar num sufoco (sufocação, aperto) Mário Palmério e Gui- 
marães Rosa documentam essa formação em palavras que nos cha- 
mam a atenção. Engambelo, o acanho da cozinha (a pequenez), O 
atrapalho (atrapalhação), o frovõo, O desconfio (descontiança), são 
exemplos colhidos em Mário Palmério, o vibro das violas, o fervo 
da dança, o abafo do calor, o oscilo de gritos, são alguns dos muitos 
exemplos de Guimarães Rosa 
Casos há em que se elimina o sufixo já tradicionalmente incor- 
porado no substantivo ou adjetivo, trata-se de uma derivação por 
redução que, a nosso ver, se poderia classificar como regressiva 
denominal. Dela resultam palavras bem populares, com viva 
conotação pejorativa: portuga (português), ertsipa (ersipela), 
comuna (comunista), flagra (flagrante), balzaca (balzaquiana), reaça 
(reacionário), proleta (proletário), rabiugo (rabujento), sorumbo (so- 
rumbático) Uma forma despojada do sufixo que encontramos em 
nível de claboração estéuca é fúúscino, i. e, fascínio ou fascinação, 
usada várias vezes por Murilo Mendes É provável, também, que 
seja um empréstimo do italiano 
Um pouco diferente é a abreviação, consistente na omissão de 
um dos elementos de um vocábulo composto, ou O corle mais ou 
menos arbitrário do vocábulo. foro (fotografia), moto (motocicle- 
ty 
ta), pornô (pornografia ou pornográfico), expô (exposição), decô 
(decoração), derma (dermatologista), rebu (rebuliço), bisa (bisa- 
vo), nat (natalício). Muitas dessas abreviaturas são importações de 
outras línguas, como francês ou inglês. E há diferenças no emprego 
de umas e outras, sendo as formas reduzidas geralmente emprega- 
das em casos particulares, come cine (antes do nome do Cinema), 
nat (na linguagem afetada da crônica social), bisa (na hnguagem 
familiar, infantil), e assim por diante 
ea 
3.6.3.3 A derivação imprópria Este processo de produção 
vocabutar realmente não diz respeito à morfologia, uma vez que as 
palavras não sofrem alteração formal, tendo apenas uma mudança 
de sentido que acompanha uma alteração de seu emprego « de sua 
classe, como em “Já estava no ralvez de chover” (“na possibilidade, 
na iminência de chover”, G. Rosa, Urubuquaquá, p. 76). O caso 
mais generalizado é o da substantivação, que pode ocorrer com pa- 
lavras de qualquer classe, através de um determinante fariigo, pos- 
sessivo, demonstrativo, numeral, indefinido) ou função sintática 
própnia de substantivo Menos comum é o emprego de substantivo 
como adjetivo ou de adjetivo como advérbio Trata-se, pois, de fato 
semâniico-sintático 
36.34 À prefixação Como já foi dito, a prefixação oferece 
menos-possibilidades expressivas que a derivação sufixal. Grande 
parte dos prefixos é de natureza erudita (gregos e latinos), sendo de 
uso maior na linguagem científica ou culta. Ao contrário dos sufi- 
xos, os prefixos não mudam a classe das palavras a que se ligam, 
sendo menos intensa a alteração que acarretam. Mas Os Escritores 
criativos conseguem com eles formações originais € sugestivas 
Assim Ramalho Orgão (esertor português contemporâneo e ami- 
go de Eça de Queiroz) logra excelente efesto com o uso do prefixo 
co- neste passo carregado de iroma. “A pena deste orador, assim 
como a do seu co-irmão e co-magro na poesia (...) É que a presente 
lei não tenha para a mulher nem uma disposição, nem um acróstico, 
nem um madrigal” (As farpas, XI, p. 34) 
Pedro Nava usa O prefixo entre para criar, com o particípio 
presente de matar, um bom substituto para o erudito fratricida: “Es- 
tremeci de horror com os irmãos entrematantes, Rui, Guanes e 
Rostabal” (Balão cativo, p. 165) 
Neste exemplo de Guimarães Rosa, deve-se em boa parte aos 
prefixos a impressão dolorosa que causa a personagem “Tão ma- 
gro, trestriste, tão descriado, aquele memno já devia ter prática de 
todos os sofrimentos” (G. sertão, p 299) 
120 
O prefixo des-, indicativo de múltiplas idéias — negação, oposi- 
ção, separação, afastamento, divisão, supressão, e em alguns vocábu- 
los até de intensificação (desinfeliz) —, é com certeza 0 prefixo mais 
produtivo, mais popular, e desde as cantigas de escúrnio já revelava 
a sua vitalidade. (Nas cantigas do jogral Lourenço encontramos, por 
exemplo, desloar, desloador, desfazer, desdizedores — Lapa, Canti- 
gas d'escárnio.) Dando um pequeno salto do século XII ao XX, 
encontramos em José Cândido de Carvalho um apreciador do prefi- 
xo, que o emprega em palavras como despresença, desbeneficro, des- 
medrosa, desesquecido, desimportante, desamizade, deseducação, 
despossuída, desganhar (em O coronel e o lobisomem). Não raro apa- 
rece em formas expressivas criadas pelo povo e até pelas crianças: des- 
viver descomer desnascer, descasar, desengordar, despreferência, cite. 
Bis-, tri», tres-, re-, indicando repetição, multiplicação, inten- 
sificação, têm originado mintos vocábulos de efeito estilístico: bis- 
ótimo, his-ver, trilegal, treslouco, tresfuriar, regrosso, rebeijar (de 
autores diversos). Encontramos em Guimarães Rosa numerosas pa- 
lavras com o elemento intensificador arre arreglória, arretriste, 
arrepoeira, arrelegue. Discute-se o que seria esse elemento: alguns 
o consideram a interjeição arre anexada ao vocábulo; outros nele 
vêem o próprio prefixo re- com o acréscimode um a protético. 
Se super- e outros prefixos sinônimos servem para exagerar uma 
qualidade (super-rico, hiper-simpático, supra-sumo, ultra-sônico, 
sobrecheio, arquimiltonário), sub- tem o poder oposto de rebaixar, di- 
minuir, desvalorizar: subliteratura, subvida, subnitrido, sub-humano 
Cassiano Ricardo tira o máximo de expressividade dos prefi- 
xos antônimos sub- e sobre- para exprimir o contraste das condi- 
ções de vida do homem moderno, nos poemas “Subsolo”, “Sobre- 
mesa”, como se pode apreciar nestes versos” 
ir 
Este o subsolo Já sobre o solo 
onde moram a manga-rosa E 
os subvivos, Os a mesa lauta, 
sublocatários, a sobremesa; 
mundo sublunar os sobretudos 
subsolar os sobretaxas : 
sub-reptício mais os sobrados Y 
Submundo tudo o que sobra 
dos dicionários de sobrepeso, 
policiais de sobrecarga, 
sobre os subvivos 
do subsolo, 
(Os sobreviventes, p 116-7) 
A
 
Também o prefixo semi- exprime um julgamento afetivo de 
redução. semivida, semiboa. 
Em linguagem mais referencial, sobretudo burocrática, não vem- 
se impondo como prefixo: não-aceilação, não-apresentação. 
3635 A derivação parassintéica. Esta formação, em que se 
juntam, simultaneamente, a um radical, um prefixo e um sufixo, é 
muito importante na produção de verbos O valor expressivo dos 
verbos assim formados está mais no próprio lexema ou no seu sen- 
udo conotativo, mas a transferência da categoria nominal para a 
verbal acrescenta as potencialidades significativas da flexão verbal 
Os prefixos (a-, e-, em-, en-, es-) têm papel puramente gramatical, 
não-expressivo. A maroria dos verbos parassintéticos se forma ape- 
nas com a vogal temática e as desinências verbas apadrinhar, 
efeminar, embonecar, enfurnar, esgoelar, esmigalhar, Em alguns 
casos esses elementos se aglutinam a um sufixo nominal (-alho, 
-aço, -1ço), resultando verbos de teor mais expressivo emporcalhar, 
avacalhar, esmurraçar, esbranquiçar, etc Alguns sufixos (-car, 
-ejar, -ecer) acarretam à noção de aspecto (mudança, início, repet- 
ção): assenhorear-se, esbravejar, engrandecer 
A possibilidade de combinar um mesmo lexema com diferen- 
tes afixos, por diferentes processos de derivação ou pelo mesmo 
processo, ocasiona a formação de dois ou mais verbos, com matizes 
sigmficativos especiais. Assim" rarvarenrarvecer, branquear/em- 
branquecer, esbranquiçar, verdejartesverdear, burrficar/embur- 
recer, emburrar Consideremos o primeiro par, em que há uma dife- 
rença de aspecto. Na sua descrição da queimada, Castro Alves op- 
Lo por FELIVERTE 
A queimada! A quemada é uma fornalha! 
A rara — pula; o cascavel — chocalha... 
Raiva, espuma o tapar! 
(Obra completa, p 278) 
Raiva está bem adequado ao verso, mdicando o pleno desen- 
volvimento da fúria do animal, não o início ou progressão Demais, 
a constutuição fônica da forma, com o acento na sílaba inicial, com 
consoante vibrante forte e ditongo, apresenta uma motivação sono- 
ra mais sensível do que a de enraivece 
= 36364 composição -Amalgamas Entrando na formação dos 
compostos dois lexemas, dois elementos de sigmficação extralin- 
gúística, são eles mais fortemente motivados que os derivados Assim. 
[lá 
nos exemplos seguintes, os elementos combinados indicam o sentido 
do conjunto: passatempo, quebra-cabeça, leva-traz, vaivém, fila- 
bóia, caça-dotes, espera-marido (curso), conversa-mole, sorte-gran- 
de, quebra-quebra, boca-suja, etc. Por vezes se perde ou se ignora 
a motivação pé-de-moleque, amor-perfeito, pão-de-ló. 
Os compostos eruditos (com radicais gregos e latinos), de uso 
bem mais restrito na língua falada, só são motivados para os que 
têm instrução suficiente para identificar os elementos da composi- 
ção. datilografia (dánlo = dedo, grafia = escrita), pseudônimo 
(pseudo = falso, ônimo = nome), puertcultura (pueri = da criança, 
cultura = criação, cuidado), genulexo (gent = joelho, flexo = do- 
brado), etc. Na língua hterária clássica os compostos eruditos eram 
bem mais fregiientes que na atual. Citamos: grandíloquo, 
suaviloquência, armipotente, fgnifero, forríssono, aligero, celerê 
pede, alvinitente, etc 
Grande número dos compostos populares deve sua força cx- 
pressiva a uma metáfora ou metonimia, sobrepondo-se a motivação 
semântica à morfológica Bons exemplos são expressões como as 
seguintes, que se usam largamente caradura, cara-de-pau, lingua- 
de-trapo, bate-papo, dois-dedos-de-prosa, puxa-saco, pé-de-bor, 
pé-de-valsa, pé-de-meia, pé-frio, quebra-galho, unha-de-fome, ca- 
beça-de vento, vira-casaca, pau-mandado, manda-chuva, dedo- 
duro, testa-de-ferro, ele 
Um composto pode condensar uma frase feita, uma locução 
popular ou usual, como nestes exemplos de Pedro Nava “Não digo 
isto como moralista nem roncando de catolicão-já-era” (Balão 
cativo, p. 308) “Era domingo-sol-li-fora... (Balão cativo, p. 332). 
Toma-se, pois, difícil distinguir os compostos por justaposição das 
locuções ou frases feitas que têm uma unidade de sentido sujeito 
de maus bofes (mau), médico das dúzias (sem valor), negócio da 
Cíuna (bom). menina do chifre furado (levada), mulher de cabelinho 
nas ventas (brava), homem de duas caras (falso), etc. A grafia é 
variável, ora se escrevendo as palavras separadamente, ora se hgan- 
do por hifen 
Caso muito interessante de composição, em grande voga na 
linguagem do nosso século — a partir do Modernismo — é o dos 
amálzamas, também ditos palavras entrecruzadas, palavras-mon- 
tagem, compostos fantasistas, mois-valise (para os Iranceses), pa 
lavras port-manteau (expressão criada por Lewis Carroll) Consis- 
tem clas na fusão de duas palavras que têm alguns fonemas co- 
muns, os quais propiciam a soldagem. A sua formação revela eria- 
uvidade, espírito, e sua força expressiva resulta da síntese de signt- 
123 
ficados e do inesperado da combinação Prestam-se sobretudo à lhn- 
guagem do humor. da brincadeira, mas em alguns casos podem ter 
um tom lírico até refinadamente estético De Guimarães Rosa, cer- 
lamente o maior criador, entre os nossos esentores, de palavras do 
gênero, tomemos o exemplo deste passo: “... e carregado o rosto, gra- 
ado tão sumetido, q coitado, as mãos calosas, de enxadachim” (P 
estórias, p. 59). Fundindo os vocábulos entadae espadachim, ou subs- 
utwndo no vocábulo existente o elemento espada por enxada, o au- 
tor faz ver, pelo neologismo, a personagem como um herói obscuro, 
cuja arma na inglória luta pela subsistência era a prosaica enxada 
De Pedro Nava, merece ser citado este exemplo da fusão de 
deleite e leitura: “.. lia ele próprio € nessa deleitura, de repente se 
perdia, 1a continuando, levado pela cadência do idioma e pela medi- 
da” (Chão de ferro, p. 15) 
A Guimarães Rosa devem-se, entre outros, estes novos termos 
que apresentamos isolados, mas só são devidamente apreciados den- 
tro do contexto: desafogaréu, lugubrulho, embrevecido (instante), 
pstqurartista, dikgentil, tumultroada. 
Da linguagem comum, da imprensa, da propaganda, da televi- 
são, citamos lixerarura, tranguilômetros, América Latrina, flumi- 
neiro (pessoa da região fronteiriça de Minas ce Rio de Janeiro), 
oligarcia (oligarquia de Garcia Neto, ex-governador de Mato Gros- 
s0), pijânio (de pijama e Jânio), etc 
Também na poesia encontramos modernamente felizes empregos 
de amálgamas, como neste belo poema de Gilberto Mendonça Teles. 
Falavra 
Ainda sei da fala e sei da lavra 
e sei das pedras nas palavras dspedras. 
E ser que o leito da linguagem leixa 
pedregulhos na letra 
E como o logro 
da poeira na louça ou como o lixo 
nos baldios do livro 
Ainda sei da língua e sei da linha 
do luxo e suas luvas, amaciando 
os calos e os dedais 
E sei da fala 
e do ato de lavrá-la na felevra 
(Poemas reunidos, p 30) 
Note-se quantos recursos expressivos (além dos amálgamas — 
fala — palavra — lavra — falavra, pedras = ásperas — dspedras) se 
associam para sugerir a sutileza e complexidade da criação poética. 
3.6.3 7 Supressão de prefixose desmontagem de palavras. Uma 
das experiências morfológicas de Guimarães Rosa consiste em su- 
primir o prefixo de alguns vocábulos, como um metaplasmo: * a 
antiga, forme e enorme casa” (2 estórras, p. 87) (disforme, descon 
forme?“ . as sombras das grotas e a montanha prodigiosa a vanecer- 
se sobre asas” (P estórias, p. 82) 
Ainda mais ousada é a desmontagem de palavras separando os 
seus elementos. É um verdadeiro ludismo. “... e os três filhos . 
zarrões homens” (Tutaméia, p; 33). O sufixo anteposto ao substan- 
tivo é transformado em adjetivo. Ouiros casos: 
“Mas nofrágio da barca, de novo respeitado, quieto” (Tutaméia, 
p. 39) Decompondo o vocábulo naufrágio, o esentor substitui nai 
por barca, e faz de frágio um novo vocábulo. 
“O coelhinho . queria brincar, sessepe, serelé, coelhinho da 
silva” (Manuelzão.... p: 15) A desmontagem de serelepe produz 
admirável efeito inutativo. 
Ao expor os diversos processos de formação de palavras, tive- 
mos a preocupação de escolher, de preferência, exemplos que, mes- 
mo isolados, apresentam um teorexpressivo. Passamos agora a trans- 
crever certo número de frases em que se encontram palavras de 
matizes afetivos vánios, que possam ser utilizadas para comentário 
e exercício de reconhecimento dos recursos de expressividade do 
âmbito lexical. 
3.7 EXEMPLIFICAÇÃO COMPLEMENTAR PARA 
EXERCÍCIO 
| O caboclo refletiu um bocado, até que por fim uma idéia lhe 
dluminou a cara. (M. Lobato, Cidades mortas, em Obras com- 
pletas, p. 55) 
2. A natureza pós-lhe na cabeça um tablóide homecopático de inte- 
ligência, um grânulo de memória, uma pitada de raciocínio — e 
plantou a cabeleira por cima (Jd , ib., p 59) 
3 Por isso nascem capelas / no mudo espanto dos matos, / onde 
rudes homens duros / depositam seus pecados (Cecília Merre- 
les, Romanceiro. em Obra poética, p 413) 
4. olhos muto juntos e murto miúdos parecendo um trema sobre 
o Tdo dorso do nariz (P Nava, Baú de ossos, p. 202) 
5. O homem olhou-me longamente dentro dum silêncio abóbada. 
db. p. 202) 
à As flores rimam na ponta / dos galhos pelos caminhos. (6 de 
Almeida, Toda a poesta, 1. VII, p. 41) 
125 
x, 
7 Um dos cães, mordido e vencido, foi levar a sua fome a outra 
parte (M de Assis, Memórias, cem Obra completa, v. 1, p. 627) 
& (Deixa-me tirar a gravata e desabotoar o colarinho. Não se pode 
ter murta energia com a civilização à roda do pescoço ..), (F. 
Pessoa, Poesias de À, de Campos. em Obra completa, p. 272) 
à Oh magnânimo Ulisses, tu certamente partes! O desejo te leva 
de rever a mortal Penélope, e o teu doce Telêmaco, que deixaste 
no colo da ama quando a Europa correu contra a Ásia c agora já 
sustenta na mão uma lança temida. (Eça, Contos, em Obras de 
Eça de Queiroz, v |, p 830) 
10. Então a deusa ergueu para ele, com composta serenidade, o es- 
plendor largo dos seus olhos verdes (Jd. 1b,p 822) 
1. A turma do seu Marra bate njo, de picareta, atacando no paredão 
“= pedrento a brutalidade cinzenta do gneiss (G. Rosa, Sag., p. 70) 
112º Era assim o todo de Sinhozinho Língua chorona, vista que só 
- via defeitura. Mas Deus Nosso Senhor nunca deu poder de 
vivência a um sujeito de tamanha bondade, tão servido de ino- 
cências. (J.C, de Carvalho, O coronel e o lobisomem, p. 21) 
13. E o dia era um bazar onde havia banquedos, /bolas de juá, pe- 
nas de arara ou papagaio; idia-palhaço oferecendo os seus tuca- 
nos de veludo /Arvores-carnaval que jogavam entrudo. (C. 
Ricardo, “Mãe-preta”, em M. Cererê, p. 65) 
«14. Damião olhou para a pequena, era uma negrinha, magricela, um 
frangalho de nada, com uma cicatriz na testa e uma quermadura 
na mão esquerda (M. de Assis, Várias lrstórias, em Obra com- 
£ pleta,v H,p 579) 
+15, Um negrinho, que tinha também. Assinzinho, regulava por uns 
“ sete anos, um uguinho de gente preta (G. Rosa, Sag ,p 55) 
16. Que mundo de bichos! que despropósito de papões roncando, 
mauars juruparis sacis e boitatás nos atalhos nas socavas nas 
cordas os morros furados por grotões donde gentama saía mui 
to branquinha, branquissima, de certo a filharada da mandioca 
(M de Andrade, Macunaíma, p. 51) 
17. E que viessem os sacanas todos, paraguaios, argentinos, uru- 
guaros, o resto da gringalhada e as Guianas de contrapeso. (P. 
=, Nava, Baú de ossos, p 65) 
fis) Se seu Tônho Inácio houvesse destroçado as ordens, na hora do 
“afobo e corre-corre da saída da fazenda! . Mas não: no quente 
mM do alcança-alcança. do pega-pega, do mata-mata. a ocastão não 
*| era de discutir mandado nem de escolher obrigação (M 
Palménio, Chapadão, p 92) 
[Zó 
e
]
 
19. . abraçou-a para afirmar, esmurrando e mordendo o ar, com fe- 
rocidade, que nada, nada, nada, nada, nadinha de nadíssima, 
nadissimizíssima, podia acontecer a ela. 4 U Ribeiro, Viva o 
povo brasileiro, p, 371) 
20. E tão modesto papúsculo, incapaz de tentar o bisturi de um ci- 
rurgião, não enfeava o seu proprietário. (G. Rosa, Sag., p. 139) 
21 Alhmentava-a uma dupla energia, de mulher e de homem: 
evadâmica. (M. Mendes, Idade, p. 114) 
22. E fica muito pau pra mim estar de agradandinho por cartas sub- 
- terrâneas. (M. de Andrade, Cartas a Alceu... p 45) 
23, Cabra facinoroso, avelhantado já. embora ostentasse todo 0 vi- 
gor duma juventude sempiterna... (M de Andrade, Freção, “Nos- 
sos clássicos”, p. 106) 
24 Para o tnio do Peva era Ti'Pio o Recolhe-ovos, o Deita-ninhada, 
o Mata-piolho, o Varre-galimheiro, o Pega-frango, o Arruma- 
minho, o Traz-quirera, o Rebenta-cupim, o Espanta-cachorro — 
modalidades várias dum alto espírito de providência. (M Lobato, 
Cidades mortas, em Obras completas, p 263) 
25 Oresto é pátria-latejo e vomitório porque-me-ufanista. (P. Nava, 
Balão cativo, p . 171) 
26 O mato - vozinha mansa — aciouava. (G. Rosa, Notes. ,p. 134) 
27... tornou a vê-la enorme como Palas Atena armada de tridente 
gigantesco com que tnferira numa só pancada o calcário da 
Acrópole, cavando três poços jorrantes cada junto de outro. (P 
Nava, O círio perfeito, p. 81) 
28 Se alguns se perderam no anãonimato, como dizíamos, é por- 
que não encontraram a fórmula certa, pensei (Aníbal Macha- 
do, À morte da porta-estandarte ... p. 129) 
29 E, desisundo do elevador, embriagatinhava escada acima. (G 
Rosa, Tutaméia, p. 104) Bia Aee e Es 
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128 
4.A ESTILÍSTICA DA FRASE 
4.1 CONSIDERAÇÕES GERAIS 
A sintaxe, que relaciona, combina as palavras na frase, é, so- 
bretudo, atividade criadora, pertencendo tanto ao domímo gramalti- 
cal como ao do estilo, e talvez, mais a este, conforme muitos têm 
afirmado, 
Se, no nível fonético, se podem escolher determinados fonemas 
para produzir uma onomatopéia, não há possibilidades de um fa- 
lante criar novos fonemas; e, fora do caso marginal da onomatopéia, 
os fonemas já se encontram combinados nas palavras do léxico, ou 
nos lexemas e morfemas, e as alterações fonéticas em vocábulos 
são determinadas pelas próprias tendências da língua, e 
ranssimamente constituem inovações individuais. Na escolha do 
léxico o falante já goza de uma liberdade bem mais ampla, mas 
recebe da comunidade hngiiística praticamente todo o seu vocabu- 
lário Aqueles que formam novas palavras valem-se de elementos 
da língua, combinando-os segundo determinados processos, lam- 
bém próprios da língua, e as alterações semânticas, em geral, tam- 
bém preservam alguns traços ou semas do significado nuclear. 
Na sintaxe. quem fala ou escreve escolhe entre os tipos de fra- 
se, obedecendo a um número mais ou menos restrito de regras rigi- 
das Á dupla escolha do padrão sintático e do léxico corresponde a 
criatividade da frase, tendo o falante a possibilidade de produzir, 
em número infimto, frases novas e compreensíveis. 
Saliente-se que é a frase que veicula os valores expressivos em 
potencial nas palavras, as quais, somente nela, têm o seu sentido 
explicitado e adquirem o seu tom particular — neutro ou afetivo 
Observa Winifred Nowottny, no livro The language poets use, que a 
sintaxe, embora seja pouco notada pelo lestor, é o fundamento da 
arte do poeta. “Frequentemente ela suporta um edifício poético ela- 
borado por muitos outros recursos poéticos e 0 leitor se contenta 
em acreditar que estes outros meros são a causa do seu prazer, mas 
quando uma passagem repousa principalmente na sintaxe, espe- 
cialmente atuante ecartística, a fim de causar seu efeito, o lenore o 
críico, que não esperam que a sintaxe seja mais que um serviçal! 
necessário e mofensivo, mantendo aberta a porta para o desfile de 
[28 
palavras, ficam em dificuldade para compreender por que a passagem 
os afeta bem como para fazer justiça à elaboração artística” (p. 10) 
Baseando-se no aspecto usual da língua, na competência mé- 
dia dos usuários, estabelece o gramático o retrato da normalidade 
lingúística — o qual não deixa de ser uma medida subjetiva de com- 
petência, já que é o gramánico que determina essa competência mé- 
dia, guiado pelas suas intuições. 
Os desvios da norma podem estar acima ou abaixo da compe- 
tência média que a gramática estabelece. podem ser criações expres- 
sivas de artistas (inovações estilísticas) ou podem ser inadequações 
de falantes inaptos. Pode ainda suceder que o artista se valha destas 
madequações para fins estulísticos. 
À Estilística sintática interessa a consideração dessa norma — 
dos tipos de frase que se podem formar — e os desvios dela que 
constituem traços originais € expressivos 
4.24 EXPRESSIVIDADE LIGADA À ESTRUTURA DA 
FRASE 
4.2.1] O CONCEITO DE FRASE 
Convém precisar o concerto de frase, Já que 0 termo aparece 
com diferentes sigmficações. 
Bally explhea a frase como forma de comunicação de pensa- 
mento caracterizada por uma melodia, podendo o pensamento ser. 
um julgamento de fato (verdadeiro ou falso), um julgamento de 
valor (bom ou mau) ou uma volição (algo desejável ou indesejá- 
vel), (cf. Lingusrique générale et lingustique française, cap I, p. 
35-42) 
Mattoso Câmara, citando outros linguistas, também considera 
a frase como a umidade do discurso, marcada por uma entoação ou 
tom frasal, que lhe assinala o começo e o fim A frase não tem es- 
trutura gramatical própria, podendo ter uma formulação extensa 
e elaborada ou ser apenas uma interjeição, vagamente articula 
da (Hum!), mas tem uma estrutura fônica particular, sendo a en- 
toação que faz a frase (Princípios de lungiiística peral, cap. XI, 
p. 162-4) 
Como unidade de comunicação, a frase exprime um sentido, 
encerra um conteúdo, que corresponde à sua função. A frase que 
realiza fundamentalmente à função representativa é a frase declara- 
Uva, em que o emissor exprime um fato que a seu juízo é verdadeiro 
ou falso, é marcada por entoação descendente que corresponde ao 
30 
ponto final A frase que reahza a função emotiva, em que 0 falante 
deixa transparecer sentimentos variados, geralmente hgados à ad- 
muração ou reprovação, à apreciação ou depreciação, é principal- 
mente a frase exclamativa, com entoação ascendente. A frase que 
realiza a função apelauva é, por excelência, a imperativa, em que o 
falante exprime um fato desejável ou indesejável numa ordem, num 
pedido, numa súplica; acompanha-a uma entoação descendente mais 
acentuada que a da declarativa. Por exprimir algo que o falante de- 
seja ou não e certamente considera bom ou mau, a oração imperati- 
va é simultaneamente apelativa e emotiva. Também a frase 
interrogativa, de entoação variável conforme tenha ou não palavra 
interrogativa, é simultaneamente emotiva (exprime o desejo do lo- 
cutor de saber alguma coisa, podendo 1r de uma discreta curiosida- 
de a uma intensa ansiedade) e apelativa (atua sobre o interlocutor 
do qual se espera uma resposta) Daí Halliday incluir as duas fun- 
ções — emotiva e apelativa — numa só função, a interpessoal, que se 
raracteriza pela modalidade. Comparem-se as seguintes frases e veja- 
se como a entoação (ou pontuação na escrita) as distingue: 
— OQ menino trabalha. (Fato verdadeiro, entoação descen- 
dente, frase declarativa) 
— O menmo trabalha! (Fato que causa admiração, apreciação; 
entoação ascendente: frase exclama- 
tiva) 
- O menino trabalha? (Fato que se quer esclarecer como ver- 
dadeiro ou falso; entoação ascenden- 
te; frase interrogativa) 
— Ó menino, trabalha. (Fato desejável, ordem; pausa após o 
vocativo, curva melódica mais acen- 
tuada no verbo, elevação e queda mais 
intensas; frase imperativa) 
À entoação do português anda não está satisfatoriamente estu- 
dada, só recentemente começando a ser fetas pesquisas mais am- 
plas a seu respeito. 
Muitos dos nossos gramáticos reservam a denominação de ora- 
ção para a frase de estrutura binária, composta de sujeito e predicado 
A frase pode, portanto, ser ou não oração, ser completa Ê incomple- 
ta, explícita e implícita 
Um discurso ou texto pode ser constituído por uma só frase, 
como vemos em “slogans” publicitários (“Dê o seu calor a quem 
tem frio”), em provérbios (CA ociosidade é a mãe de todos os vi- 
13] 
cios”) ou em composições poéticas muito breves, como o haicai 
“Consolo”, de Guilherme de Almeida 
“A noite chorou 
à bolha em que, sobre a folha, 
o sol despertou ” (fode a poesta, t. Vip 134) 
O mais comum, porém, é que um discurso se constitua de mais 
de uma frase, havendo entre clas elementos de coesão como con- 
junções, vocábulos anafóricos, elipse, vocábulos repeudos, sinôni- 
mos ou pertencentes a um mesmo campo de significação. Neste 
caso, a frase não é totalmente independente, do ponto de vista semân- 
Lico; a comunicação que elatransmite pode não ser bastante em si 
mesma (cf Haliday e Hasan, Cobesson im English), 
Consideremos esta introdução do conto “O pito do reverendo”, 
de Monteiro Lobato: 
“Itaoca é uma grande família com presunção de cidade, 
espremida entre montanhas, lá nos confins do Judas, precisa- 
mente onde o demo perdeu as botas Tão isolada vive do resto 
do mundo, que escapam à compreensão dos forasteiros muitas 
palavras e locuções de uso local, puros itaoquismos. Entre eles 
este, que seriamente impressionou um gramático em trânsito 
por ah: Maria, dá cá o pito! 
Usado em sentido pejorativo para expressar decepção ou 
pouco caso, e aplicado ao próprio gramáuco, mal descobriram 
que ele era apenas isso e não “influência política”, como o su- 
punham, descreve-se aqui o fato que lhe deu ongem E pede-se 
perdão aos gramáticos de má morte pelo crime de introduzir a 
anedota na tão sisuda quão circunspecta ciência de torturar 
crianças e ensandecer adultos” (Cidades mortas, em Obra com 
pleta, p 43) 
A coesão semântica se estabelece nas duas primeiras frases pela 
indicação da situação de Itaoca (“espremuda entre montanhas .. 1s0- 
lada... do resto do mundo”) No restante do fragmento temos várias 
referências de ordem metalinguística: “palavras e locuções de uso 
local, Haoquismos”, “usado em sentido pejorativo para expressar .””, 
“gramático” (em três frases), “fato que lhe deu origem” (isto é, 
etimologia da expressão), classificação do fato como “anedota”; e, 
fechando o parágrafo, a defimção abominadora da gramática: “tão 
sisuda. ciência 7. Relacionando às dois aspectos — o geográfico 
e o lingúístico — temos os cognatos “Itaoca” e “taoquismos” 
Anafóricos que estabelecem coesão entre frases são: eles (itao- 
quismos), este (itaoquismo); al! (em Itaoca) (e frase), “ao próprio 
gramático” (2º $), que remete ao emprego anterior do vocábulo (Ie 
132 
5). Outros anafóricos funcionam no interior de uma mesma frase: 
ele (gramático), isso (gramático), he (ao itaoquismo). 
A conjunção e coordena os dois últimos períodos. 
A ehpse interfrasal apareçe na 2º frase “Tão isolada vive”, 
subentendendo-se ela, Itaoca, e anda nas orações paruciprais “Usado 
em sentido,, e aplicado ” (o taoquismo), 
42.2 A FRASE COMPLETA 
Passemos agora aos pos de frase quanio à sua constituição ou 
integridade e vejamos os seus valores estilísticos mais gerais. 
422.1A frase completa simples tem um só verbo principal, que 
pode ser de significação gramatical ou de significação nocional. 
O verbo de significação gramatical é o verbo de ligação ou 
copulativo, basicamente o verbo ser, que integra o predicado nomi- 
nal, cuja palavra significauva é um nome — substantivo ou adjeti- 
vo =, o qual indica um atnbuto do sujeito. O verbo copulativo é o 
veículo dos elementos gramaticais: modo, tempo, pessoa, número; 
o aspecto é indicado por verbos diferentes: se ser indica o aspecto 
da duração indeterminada, constante, estar indica à duração limita- 
da (“Eu não era ministro, eu estave ministro”, frase de um ministro 
ao deixar Seu cargo); permanecer mdica a conunuidade, andar, à 
repeução; tornar-se, ficar virar a mudança, O passar a ser; púreces, 
que exprime a semelhança, uma impressão pessoal ou a falta de 
certeza do falante, corresponde mais a uma modalidade. 
As frases de predicado nominal podem ter valor intelectual quan- 
do exprimem um fato, uma classificação, uma definição ou uma 
descrição objetiva. 
— O sol é uma estrela (Classificação) 
— Estrela é o astro que tem luz própria (Definição) 
- À terra é redônda (Descrição objetiva) 
Frases deste tipo, como lembra Darbyshire, têm desempenha- 
do importante papel na história da civilização, sendo fundamentais 
no domínio das ciências e da filosofia Elas permitem que as pes- 
soas entendam as coisas de que os outros falam, são afirmações 
sobre à natureza existencial dos seres, ammais, homens, deuses 
(cf. A grammar of style, p 7-8) 
As frases de predicado nominal têm valor emotivo quando se 
prestam à expressão de julgamentos de valor (“A vida é bela”, “Este 
pocta é um gêmo”) ou quando veiculam imagens que constituem 
defimções fantasiosas, modos pessoais de interpretar a realidade 
(“O campo é o minho do poeta ",“A poesia é uma luz, e à alma — 
uma ave” = Castro Alves) 
133 
Falsas ou verdadeiras, objetivas ou subjetivas, tais frases trans- 
mitem o esforço humano para compreender, explicar, ordenar 0 
mundo e a vida, os fenômenos e as abstrações. 
Os verbos de significado nocional, extralinguísuco, podem fi- 
car restritos do sujeito ou estabelecer uma relação entre O sujeito & 
outro ser, conforme sejam intransitivos ou transitivos. 
Nas frases de verbo intransitivo fala-se de um sujeito isolado, 
cuja ação fica restrita a cle próprio, não se estendendo a outros seres 
ou ao seu ambiente, Temos nesta classe verbos que exprimem os 
lenômenos existenciais (viver nascer, crescer, morrer, sofrer), ma- 
nifestações emocionais (chorar rir suspirar, gemer), processos 
mentais (pensar sonhar raciocinar) ou emissões de voz (gritar, 
falar, cantar, rosnar; tetir, balbucur), anda nela se incluem verbos 
de movimento, podendo-se indicar ou não o lugar em que se dá a 
deslocação do sujeito (15, chegar, caminhar, correr, dançar, nadar, 
voar, pular fugir viajar). 
Há pontos comuns entre o predicado nominal e o predicado 
com verbo intransitivo, já que ambos são voltados para o sujeito. 
Predicados nominais que exprimem estado ou mudança de estado 
podem alternar com predicados verbais, sendo os verbos derivados 
de adjetivos. 
Os campos estavam verdes Os campos verdejavam. 
O rapaz ficou mudo O rapaz emudeceu 
A memna está magra. À menma emagreçeu 
Também temos os casos de verbos intransiivos que podem al- 
termnar com os verbos estar ou ser em locução com seu particípio. 
Eu desanimei. Eu estou desanimado, 
O professor cansou, O professor está cansado 
Seu pai morreu Seu pai está morto. 
Chegou o momento de partir. É chegado o momento de 
partir 
É claro que há matizes diferenciadores, especialmente de as- 
pecto, mas é justamente isso que é importante: a expressividade 
peculiar de cada construção 
Nas frases de verbo transitivo já temos o sujeito relacionado a 
outro ser — o objeto, o ser denotado pelo sujeito projeta-se sobre o 
ser denotado pelo objeto. As frases com verbo transitivo exprimém 
o dinamismo da vida, com seres em todos os tipos de relacionamen- 
to — físico, emocional, social. Assim 
[34 
As plantas produzem alimentos. 
O ladrão arrombou o cofre 
O vento derrubou a rosa 
Os pais amam os filhos. 
A freira consolou o doente. 
Os mestres educam as crianças. 
Os maus políticos enganam os elestores. 
Frases com verbos transitivos têm, pois, à função de comuni- 
car o que se passa num mundo em que os seres atuam uns sobre os 
outros, e de cuja atividade resultam produtos e efeitos que se refle- 
tem na vida de uns ou outros 
Os verbos transitivos indiretos igualmente estabelecem rela- 
ções, sendo o seu objeto ligado por preposição. Numa conceituação 
mais restrita, objeto indireto é apenas o beneficiário da ação. Com 
grande frequência o verbo que se constrói com objeto indireto tem 
também objeto direto, sendo um exemplo típico dessa estrutura o 
das orações com o verbo dar (Dei um brinquedo à criança). 
Halliday comprova a relação da transitividade do verbo (num 
sentido amplo de construção do sintagma verbal) com a realidade, 
com a tradução da experência da vida, analisando trechos de um 
romance em que o homem das priscas eras é apresentado em dois 
momentos da sua evolução: no primeiro momento o homem apare- 
ce isolado, com ação quase nula sobre a natureza; a narrativa se 
constrói com a predominância de verbos intransitivos (de movi- 
mento, sobretudo): no segundo, o homem já está mais integrado 
num grupo, mais atuante em seu meto, então os verbos transitivos 
passam a ser mais numerosos. (“Linguisuc function and literary 
style: an inguiry into the language of William Golding'sanos, do Velho Testamento e da Odisséia até os irmãos Goncourt é 
Virgima Woolf. O objetivo da obra é nada menos que apreender os 
vários modos por que a expenência dos homens. histónic i 
moral e religiosa, tem sido representada em forma hterária nas vá- 
rias fases da cultura ocidental, Cada ensaio tem a densidade e parti- 
cularndade de um erudito arigo individual, mas o conjunto é dinigi- 
lo por um só propósito e dele emerge um padrão coerente e não 
forçado. À conexão entre as observações 5 hngiúísticas sobre vocabu 
lário ou sintaxe e as demais considerações a que elas conduzem é 
sempre clara. Auerbach é um historiador da cultura e chega a con- 
clusões de grande alcance e generalidade, mas estas consider ÇÕES 
são sempre apoiadas com segurança em uma base lingl istica (cf. 
Graham Hough). No dizer de Victor Manuel Aguiar e Silva, “em 
vez do nexo entre estilo e sentimento que encontramos na teoria 
spitzeriana, aparece em Auerbach a vinculação entre estilo e ideo- 
logia, entre estilo e concepção da reahdade” (Teoria da hreratura. 
p. 595). 
Na corrente da Esulística hterária deve ser mencionada tam- 
bém a doutrina de Dámaso Alonso. poeta, fi ólogo e lingiista espa- 
nhol A sua obra Poesta espanhola inclui capítulos teóricos, em que 
o Autor expõe suas idéias estilísticas, e estudos de vários poetas do 
Século de Ouro (Garcilaso de la Vega, Góngora. Fray Luis, Lope de 
Vega. San Juan de la Cruz). Dámaso Alonso faz a apologia da 
Estilísca literária. que deve ser considerada “irmã mais velha e 
guia de toda estilística da fala usu lheira”, sendo a 
diferença entre fala usual e fala interána questão de matiz e grau, O 
objeto da Esulística é bem amplo, glob: brangendo “o imagina 
tivo, O afetivo e o conceitual” A obra literária caracteriza-se pela 
umeidade, por ser “um cosmi 
obra lite 
Le não sua bor 
um universo fechado em si”. Toda 
iria encerra um mistério e sua compreensão depende basi- 
camente da mtuição, podendo-se, entretanto, estudar cientificamente 
os elementos significativos presentes na linguagem. Só merecem 
estudo as grandes obras hterárias, “aquelas produções que nascem 
de uma intuição, quer poderosa, quer dehcad ms Sempre nten 
ra intuição semelhan 
te à que lhes deu origem”. A obra move-se, pois, entre duas in 
LU tualizadora do 
e que são capazes de suscitar no 
ções: a intuição criadora do autor é à intuição 
tor (p 38). 
Há (ainda para D. Alonso) três modos « 
hterária, marcados por um crescente gi 
feno 
mpreender a obra 
| O prim 
ocura analisar nem ecxteric 
IrO É de pre 
[8Ri COMU. LLC 
impressões. É uma 
al SUAS 
MELTÇÃO totalizadora, que se tor no proces 
tura e que reproduz a intuição totalizadora que deu on 
ra, isto é. a intuição do autor. Esta leitura, cujo objetivo 
zer, é o fundamento das outras espécies de conheci- ano co 
O segundo grau de compreensão é o do crítico, cujas qualida 
de lertor são excepcionalmente desenvolvidas, tendo ele uma 
ceptiva mais intensa e mais extensa que a comum: apacidade 1 
ítico exerce uma atividade expressiva, comunicando as imagens 
ntvas recebidas. Ele transmite suas reações de modo cnativo 
+, sem explicar o como e o porquê da produção da obra. À 
rítica é uma arte. Dámaso Alonso aceita a críica impressionista, 
ejeita a história literária convencional 
o da obra literária é o da tentat- O terceiro grau de compreens 
va de desvendar os mistérios da criação de uma obra e dos efeitos 
tores Surge aqui a intenção de explicar cienti- essa obra sobre os | 
mente os fatos artísticos, sendo essa abordagem científica 
listica 
O poema se nos apresenta como uma sucessão temporal de sons 
(os significantes) vinculada a um conteúdo espiritual (o significa 
do) Dámaso Alonso atribu a significante e significado conceitos 
diferentes dos de Saussure. Para ele o significante não é apenas “a 
sem acústica”, mas O Som físico também; e o sigmficado não é 
n mero conceito, mas uma complex: - 
Juir emoção, afetividade, volição, à tencionalidade, imaginação. 
A é gado ao significado total B por nu 
carga psíquica que pode in- 
O significante tota 
merosos nexos parciais. Além dos nexos verticais, há os hori- 
ZoOntais. 
1, a estrofe, 
rso, o vocábulo, € no significantes parciais O ritmo, à ent 
cão. a sílaba, o acento O significado total é a representação da rea- 
lidade e os significados parciais são os múltiplos elementos senso- 
TIaIS, ep e conceptuais que essa ds comporta. 
s séries de nexos verticais (a, — b,) e horizontais (a, ... ds), 
b.) é que constituem o poema como um O ganismo Fa pia 
nente complexo e delicado A primeira função da Estilísuca é 
retas e, sendo estes muinto Inve stigar as relações entre os € lementos pé 
numerosos. selecionar os mais relevantes e reveladores, É necessá- 
) no acrescentar que Dámaso Alonso se mostra pessimista quanto aí 
A 
alcance da Estilística na apreensão da essência do pc 
parece um mistério indevassável, 
Como a de Spitzer, a Estlísica de Dãmaso Alonso é psico: 
logista, atribuindo papel preeminente à intuição Enquanto Spitzer 
se mostrava mais preocupado com a manifestação do autor na obra 
Dámaso Alonso se sente m 
ma, que lhe 
is espicaçado pelo mistério da cria- 
ção poética, pela pergunta. O que é o poema? O que é a obra li- 
teránia? 
Outro estilólogo espanhol, Ama +Alonso, mais otimista quanto 
às possibilidades da Eshlística, apresenta as duas correntes que vi- 
mos examinando como complementares e não distintas A pri- 
meira Estilísica, a da lingu de 
natureza linguística: dos indícios que se sobrepõem aos signos, do 
cuida dos recursos expressivi 
lado afetivo, ativo, imaginativo e valorativo das formas da língua. 
Tais valores expressivos tanto se encontram na língua falada como 
na literária. Essa primeira Estilística é a base de uma outra de maior 
amplitude, a Estilística lierári “fala”, por ser de 
cunho individual) A tarefa da Estilística hterária é examinar como 
ou da obr a (Ou c 
é constituída a obra literária e considerar o prazer estético que ela 
provoca no leitor, quer dizer, o que interessa à Estilística literária é 
natureza poética do texto Traços linguísticos, dados históricos, 
ideológicos, sociológicos, psicológicos, geográficos, folclóricos, 
etc, a visão de mundo do autor, tudo se engloba no valor estético 
da obra, que está impregnado do próprio prazer do autor ao criá-la 
que var suscitar no leitor um prazer correspondente. Cabe à 
Estilísuica, “nova disciplina filológica”, procur aquilatar e re- 
icar os métodos convementes para fazer estudos ri 
Per HCO. 
O conceito de estilo comporta para Amado Alonso a mesma 
duplicidade Em sentido mais restrito, estilo é o uso especial do 
idioma pelo autor, uma mestria ou virtuosismo idiomálico como 
parte da construção Em sentido amplo, estilo é toda a revelação do 
artista, é o homem, conforme a expressão de Buffon “le style c'es 
Chomme mêm: 
Alicia Yllera, traçando a história crítica das idéias estilísucas 
(Esnilística, poérica e semiótica literária), depois de expor a posi- 
ção de Amado Alonso, salienta a sua importâne 
rosos do 
+ mostrando que 
ele não só sintetiza as principais tendências de autores que o prece- 
deram como também prenuncia cerios aspectos da Estulística estru- 
tural moderna ou da Semiótica literária. A Bally se prende a sua 
lorativos 
da inguagem A Spilzer a sua compreensão do estilo como revela- 
concepção dos elementos afetivos, ativos, imazimativos e v 
Et) 
nem Ao estruturalismo, à preocupação com o modo de 
distinção entre signo (referên À Semióti 
encional ao objeto) & indício (expressão, sugerência 
construção da O 
cia lúgica, 
15 [0] 
À esses ilustres representantes da Estilística Ineránia deve-se 
scentar ainda Helmut Hatzfeld, esulólogo a quem se deve, além 
de importantes ensaios, o levantamento e a crítica de vastíssima 
rafia da Estúlística aplicada às leraturas românicas. Na sua 
bem como nas de Dâmaso e Amado Alonso, se bascia à 
obra de José Luis Martín, Crítica estilística,The 
inheritors”, Explorations in the funchons af language.) 
Um tipo de predicado complexo, simultancamente verbal e no- 
minal, é o que se pode explicar como resultado da fusão de dois 
predicados ou de duas orações São exemplos de alguns casos 
- Às crianças brincavam contentes 
As crianças brincavam 
As crianças estavam contentes. 
Encontrei Maria doente 
[35 
Encontre: Maria. 
Maria estava doente. 
-— As eranças otviam a história, atentas. 
-— As crianças, atentas, ouviam a lustória. 
As crianças ouviam a história 
As crianças estavam atentas. 
O adjetivo predicativo do sujeito altema frequentemente com 
o advérbio, trando os estilistas proveito dessa dupla possibilidade 
" 
No conto “Entre à neve”, em que descreve em múltiplas constru- 
ções o cair da neve. na qual morre um pobre lenhador, Eça de Queiroz 
usa ora uma, ora oulta das duas construções mencionadas: 
“A neve cafa, levemente: 
“A neve ia caindo direita c vaga,” 
“A neve caía triste” 
“A neve caía desfeita e branca)” 
“A neve caía, contínua, silenciosa” 
(Prosas bárbaras, em Obras de Eça de Queiros, p. 
569-75) 
Note-se que a existência ou não de pausa acarreta diferenças 
nas duas construções, que podem desdobrar-se em outras duas. (A 
neve caia levemente/ A neve caía, levemente. A neve caía leve/ A 
neve caia, leve ) 
Também entre o sujeito e o verbo dos vários tipos de frase 
existe a possibilidade de haver ou não uma pausa. Quer dizer, à 
ligação entre os dois elementos da frase pode apresentar graus, va- 
nando a estrutura rítmica: 
— O menino brincava. 
— O memno, brincava. /O menino, ele brincava 
No primeiro caso os dois termos estão bem soldados, const- 
tundo um só segmento rítmico No segundo, estando os dois ter- 
mos separados por pausa, em dois segmentos rílmicos, temos uma 
estruturação menos lógica, muitas vezes considerada “erro”. Neste 
caso sahenta-se o valor do sujeito como tema (sujeito psicológico). 
É como se se dissesse: “Quanto ao menino. ele brincava”, ou como 
se se estivesse respondendo a uma pergunta. “Que fazia o mem- 
no "E o menino, que fazia ele?” 
136 
Frequentemente à segmentação é acompanhada de uma inver- 
são e de um pleonasmo “Ele é meio esquisito, este memno” A 
segmentação é um procedimento eminentemente expressivo, em que 
ambas as partes ganham relevo e é usual na língua falada, não é 
apenas o sujeito que se pode destacar do predicado, mas qualquer 
termo da oração que se tome como tema do enunciado, o que se 
verá no tópico da inversão 
Os diferentes padrões da frase ssmples, caracterizados pela na- 
tureza do verbo, seriam, teoricamente, suficientes para representar- 
mos e comentarmos toda a realidade física, psíquica ou social que 
observamos, bem como imaginamos. Mas O nosso discurso, além 
de extremamente monótono, sena antieconômico, com répetições 
forçadas, e não explicitaria muitas das relações lógicas entre os fatores 
expressos pelas frases em segiência. A combinação de orações dentro 
de uma mesma frase, permitindo construções variadas, multiplica 
as opções disponíveis na elaboração textual. 
422.2 Frase complexa. Como os termos da oração, as orações 
que entram numa frase também apresentam maior ou menor grau 
de dependência e coesão. 
A — Na coordenação, as orações se apresentam uma após ou- 
tra, cada qual com independência de construção, uma não fazendo 
parte da outra. A coesão entre elas pode ser apenas de natureza se- 
máântica, sem vocábulo com a função específica de estabelecer ne- 
xo é a coordenação assindénica. Numa frase como: “O professor 
falava, os alunos ouviam” — cada oração é completa, mas elas estão 
semanticamente ligadas porque professor é alunos, falar e ouvir 
são palavras com uma correlação de sentido, são ligadas também 
pela entoação, pois só a segunda termina com o tom de cadência 
característico da conclusão da frase declarativa; demais, os verbos 
se referem a um mesmo momento, estando ambos no imperfeito do 
indicativo Se o sujeito dos verbos é o mesmo, normalmente é apa- 
gado na segunda oração, e também em outras, se houver, sendo a 
ehpse um fator de coesão: “O professor falava, gesticulava, obser- 
vava 05 alunos)” 
A construção assindética é mais comum na lingua oral, tem um 
tom maus espontâneo, menor rigor lógico; é mais ágil, sugere a si- 
multaneidade ou a rápida seguência dos fatos. É construção apre- 
criada por Graciliano Ramos, do qual tomamos estes exemplos. 
“Amaro fungava, resmungava, franzia a cara cabeluda 
fância, p 270) 
[37 
“As vezes minha mãe perdia as arestas e a dureza, anima 
va-se, quase se embelezava” (Jh p. 80) 
“Jerônimo abriu a estante, entregou-me sorrindo O 
Guarani, convidou-me a voltar, frangqueou-me as coleções to- 
das” (Jb., p. 259) 
Se a coesão entre as orações é reforçada por um nexo = a con- 
junção coordenativa =, temos a coordenação sindénica. A conjun- 
ção mais frequente é e, cujo valor fundamental é o de reumir fatos 
que se acrescentam (daí a classificação de aditiva), mas que pode 
estabelecer várias outras relações que se apreendem pela própria 
significação das orações. Em: “O professor falou e os alunos não 
ouviram” e tem o valor de mas, visto que há idéia de oposição entre 
as orações. 
No caso de se sucederem mais de duas orações coordenadas, o 
mais comum é o aparecimento da conjunção apenas antes da últ- 
ma. De cunho mais estilísico é a total ausência de conjunção 
(assíndeto) ou a sua repetição a partir da segunda oração (polissínde- 
to). O polissíndeto é construção essencialmente enfática, visto que 
destaca cada uma das orações Sua força expressiva é plenamente 
explorada nesta estrofe de Bilac, que introduz a exaltação de Fernão 
Dias Pais Leme. 
“E é uma ressurreição! O corpo se levanta: 
Nos olhos, já sem luz, a vida exsurge e canta! 
E esse destroço humano, esse pouco de pó, 
Contra a destruição se aferra à vida, e luta, 
E treme, e cresce, e brilha, e afia o ouvido, e escuta 
A voz, que na soldão só ele escuta, -só” 
(Poesias, em Obra reunida, p. 233) 
Monteiro Lobato, concluindo a descrição do salão de baile do 
Príncipe Escamado, associa o polssíndeto a um tipo de repetição 
encadeada (cujo nome retórico é anadiplosc) para obter o máximo 
de ênfase: 
“O salão parecia um céu aberto. ( ) Flores em quantida- 
de trazidas e arrumadas por beija-flores Tantas pérolas soltas 
no chão que até se tornava difícil o andar Não houve ostra que 
não trouxesse a sua pérola, para pendurá-la num galhinho de 
coral ou jogá-la al como se fosse cisco. E o que não era pérola, 
era or e o que não era flor era nácar, e o que não era nácar era 
rubi e esmeralda e ouro e diamante. Uma verdadeira tontura de 
beleza!” (Reinações de Nartznho, em Obras completas, p 21) 
138 
É oportuno observar que a coordenação (justaposição de ele- 
mentos de igual natureza) se dá não só entre as orações de um pe- 
riodo ou frase, mas também entre termos equivalentes da oração 
entre as frases do discurso Nos exemplos acima vemos a coesão 
interfrasal assinalada pelo conectivo e no 1º e 3º versos de Bilac é 
na 5º frase de Lobato No passo seguinte, Graciano usa a conjun- 
ção entre dois períodos, entre dois substantivos de igual função, 
mas deixa soltas as orações coordenadas do segundo período; 
“As vezes procurava na carta os lugares que o ladrão terri- 
vel percorrera. E o mapa crescia, povoava-se, riscava-se de es- 
tradas por onde rodavam caleças e diligências” (Infância, p 
241) 
Parodiando o estilo bíblico, com as suas frases de ladainha, 
Carlos Drummond de Andrade imcia pela conjunção e todos os pa- 
rágratos da crônica “Capítulo do Gênesis” — os quais são também 
numerados como verbetes — e emprega predominantemente ora- 
ções coordenadas aditivas com o mesmo conectivo: 
| Eo Senhor. vendo que os homens não melhoravam, antes 
se tornavam piores, decidiu mandar-lhes uma chuva de adver- 
tência, e com 1sso lhes manifestava seu enfado, é que outro 
dilúvio não estaria fora de suas cogitações 
2. E à chuva começou a carr, à princípio alegre com seu 
destinode chuva. Insistente depois, e zangada, fazendo almr à 
morada dos homens. 
3 E os caminhos se encheram de lama, e na lama passa- 
vam cadáveres de criancinhas com suas bonecas; e também 
boiavam corpos de velhos e de moços na eflorescência do 
amor. 
4. E as águas cumpriram seu serviço e se retiraram ao ca- 
bo de um dia, e quedou sobre a Terra uma dor feita de mil 
dores. 
(A bolsa e a vida, em Poesia e prosa, p 1161-2) 
B — Na subordinação, que também se dá entre termos da ora- 
ção e entre orações da período, há uma relação de dependência ou 
regência, portanto uma relação mais estreita do que na coordena- 
ção A oração subordinada é um termo da oração subordinante, equi- 
valendo a um substantivo, ou adjeuvo, ou advérbio Todos os fa- 
lantes empregam os diversos casos de subordinação: entretanto, a 
construção de um período mais longo, em que predomine a subor- 
dinação, em que as idéias apareçam adequadamente relacionadas, 
RE 
requer maior domiímo da língua, maior trabalho de raciocimo E 
também a leitura de um longo período, com riqueza de orações su- 
bordinadas, exige do leitor uma capacidade de compreensão mais 
desenvolvida. Os estudantes que penaram para aprender a análise 
sintática, com todos os casos de coordenação e subordinação (que 
algumas vezes não se distinguem nitidamente), com os seus varia- 
dos conectivos ou formas verbais próprias, têm bem uma idéia da 
rede de opções que a língua oferece para a tradução do pensamento 
São tantas as particularidades dessas construções que os próprios 
gramáticos encontram dificuldade em descrevê-las e classificá-las 
cabalmente. Sirva de exemplo o caso das orações correlativas, em 
que alguns gramáticos vêem um processo sintático diferente da 
coordenação e da subordinação. Outros, como Mattoso Câmara, 
as enquadram nesses processos, uma frase como “Não só mentu 
como também roubou” é coordenativa, mais enfática do que “Men- 
tiu e roubou”, Frases do tipo “Trabalha tanto que não tem tempo 
para ganhar dinheiro”, em que a correlação é de causa e consegiuên- 
cia, se incluem na subordinação. (A Nomenclatura Gramatical Bra- 
sileira, que teve por objetivo proporcionar certa uniformidade no 
ensino da gramática, adotou à segunda opção.) 
Outro ponto de denominação gramatical que parece oportuno 
mencionar, pois freguentemente aparece em análises estilísticas, é o 
da parataxe e da hipotaxe, Esses termos são frequentemente empre- 
gados como sinônimos de coordenação e subordinação, na estrutu- 
ra do período (v g. Mattoso Câmara e Gladstone Chaves de Melo) 
No Dicionário de Lingtiística de Dubois encontramos, porém, ex- 
plicação diferente, “A parataxe é um processo sintáico que consis- 
te na justaposição das frases sem explicitar, seja por uma partícula 
de subordinação, seja por uma partícula de coordenação, a relação 
de dependência que existe entre elas, num enunciado, num discurso 
ou numa argumentação: isto é, em termos de gramática gerativa, 
sem proceder ao encaixe de uma frase na outra, nem coordenar uma 
à outra. Existe parataxe quando tivermos, por exemplo, “Este ho- 
mem é hábil, ele vencerá”. por oposição à hiporaxe, que constituem 
as frases “Este homem vencerá porque é hábil”, “Esse homem é há- 
bil, por 1sso vencerá”, “Este homem é hábil e ele vencerá”. etc” O 
verbete acrescenta que também se fala de justaposição por oposição 
à subordinação e à coordenação Portanto, a paralaxe tanto compre- 
ende os casos de coordenação assindética, como os casos em que 
uma construção formalmente coordenada (ou justaposta) estabele- 
ce uma relação de dependência (causa, consequência, por ex.) que 
poderia ser expressa por subordinação. é um tipo de construção 
140 
menos dominada pela lógica, particularmente encontradiço na lingua- 
gem oral Também o termo hipotaxe, conforme a explicação trans- 
crita, não corncide com subordinação, mas corresponde à explherta- 
ção da relação de dependência por uma partícula, 
Sahentando as potencialidades expressivas dos processos de 
relacionamento das orações no período, deixamos de citar os nume- 
rosos casos que eles imcluem, pois se encontram arrolados nas 
gramáticas ou obras sobre smtaxe, quanto ao exame dos dife- 
rentes valores estilísticos que eles comportam, é tarefa extensa & 
árdua que está acima das intenções deste trabalho. Limitamo-nos, 
pois, a exemplificar a variedade de matizes na expressão de uma 
relação sintática, lembrando possíveis construções para a idéia de 
oposição. 
Por coordenação, temos: 
— orações justapostas (parataxe): “Falou, falou, nada disse.” 
— orações hgadas por e: “Fez muitos beneficios é só recebeu 
ingratidão.” 
— orações ligadas por conjunção adversativa; à conjunção de 
uso corrente é mas, que pode ser subsutuída por outras mais 
enfáticas e menos espontâneas: porém, entretanto, no entan- 
to, contudo, todavia, não obstante. “A moça linha muitas 
qualidades, mas faltava-lhe a principal, a bondade” 
Por subordinação, temos as orações chamadas concessivas, que 
podem ter formulação bastante variada, com diferentes graus de 
intensidade e índice de ocorrência. 
— com a conjunção embora ou equivalentes (anda que, mes- 
mo que, se bem que, posto (que), apesar de que). “Embora 
sofra muito, não se queixa.” Construndo-se com subjunt- 
vo, este tipo já é menos comum na língua falada popular. 
Machado de Assis gostava muito da construção com pesto, 
seguido ou não de que (“O código, posto que velho, valia 
por trinta novos..” “As parelhas arrancavam os olhos à gen- 
te; todas pareciam descer das rapsódias de Homero, posto 
fossem corcéis de paz” — Esaú e Jacó, em Obra completa, 
v Ip. 1015e 1040). 
— com verbo no infinitivo precedido de preposição. apesar 
de, q despeito de, não obstante, com, sem. “Apesar de ter 
tudo, não é feliz” A construção com com é mais hterária, 
clássica, “Com ser um país muito extenso, o Brasil não é 
uma potência” “Sem ser neo, vive folgadamente ” 
tdl 
= com verbo no gerúndio, geralmente precedido de alguma 
palavra que explicite a idéia de oposição. “Sendo eu seu ami- 
go, não confia em mim” “Mesmo estudando bastante, não apren- 
deu muito” “Trabalhando, embora sem descanso, não progre- 
du na vida” 
— o verbo de ligação ou o auxiliar podem ser omitidos, ficando 
apenas o predicativo “Torturado embora, não denunciou os 
companheiros” 
— com predicativo anteposto + que + verbo de ligação no sub- 
Juntivo, temos uma construção enfática. “Pobres que seja- 
mos, sempre temos alguma coisa para dar” 
= com antensificadores como por mais que, por menos que, 
por muito que, por pouco que, constroem-se também frases 
em que a oposição é bastante enfatizada “Por mais que me 
expliquem esse problema, não consigo entendê-lo” “Por 
muto que tenha errado, merece perdão” 
Outras construções poderiam ainda ser citadas, mas bastam estas 
para comprovar quantas possibilidades de escolha tem o usuário da 
língua para ajustar a expressão ao seu pensamento. Uma 
exemplificação mais completa dos meios de exprimir as diferentes 
relações entre as idéias ou fatos encontra-se na excelente obra de 
Othon Moacir Garcia, Comunicação em prosa moderna. 
42.23 A extensão dos períodos Um aspecto importante liga- 
do à estruturação do período é o da sua extensão. Não só importa o 
número das orações que se agregam, como também a extensão de 
cada uma e dos termos que as constiluem. São as combinações de 
segmentos mais breves ou mais longos que produzem o mtmo do 
discurso, de suma importância para envolver o leitor ou ouvinte. 
A preferência por períodos mais curtos ou mais amplos, pela 
simetria ou assimetria dos seus membros, está relacionada com o 
gosto pessoal do escritor, com o estilo em voga na sua época, e 
anda com o gênero da composição O período solene, em que se 
encadeiam múltiplas orações, em que se desfiam cnumerações, rico 
de modulações, atende (ou atendia) melhor à grandiosidade da epo- 
péia ou à veemência apelativa da oratória. O período breve é mais 
concorde com a simplicidade do texto didático, com a espontanei-dade das manifestações emotivas ou com a vivacidade dos diálo- 
gos, com o tom despretensioso da crônica. É claro que essa genera- 
lização pode ser invalidada por exceções 
Na época clássica, por influência da hteratura latina, predomi- 
nou o gosto pelas construções elaboradas, majestosas. Haja vista 
Os Lusíadas, em que não é raro um período ultrapassar a estrofe de 
Id2 
oito versos, ou os sermões de Vieira, em que a necessidade de per- 
suadir e arrebatar leva à amplificação do período, quer pela coor- 
denação, quer pela subordinação. Entretanto, nem só de períodos 
arrastados se fez a literatura clássica, alternando-se frases longas 
com outras breves, para que o contraste quebrasse a monotonia & 
valorizasse umas e outras. Rui Barbosa, que confessava ter sido a 
influência de Vieira a mais intensa em sua formação hteránia, é en- 
tre nós o autor de períodos mais amplos e pomposos, com abundan- 
tes enumerações, repetições, paralelismos. Sirva de exemplo de 
período inchado, em que também se patenteia a volúpia pelo voca- 
bulário precioso, o fragmento do discurso proferido pelo parlamen- 
tar no Senado Federal (13-10-1886) no qual ressalta todo o horror 
do vício de um colega que lhe havia feito críticas 
“De todas as desgraças que penetram no homem pela 
algibeira, e arruínam o caráter pela fortuna, a mais grave é, sem 
dúvida nenhuma, essa. O jogo, o Jogo na sua expressão mãe, O 
Jogo na sua acepção usual, o jogo propriamente dito; em uma 
palavra. o jogo, os naipes, os dados, a mesa verde. 
Permanente como as grandes endemias que devastam a 
humanidade, universal como o vício, furivo como o crime, 
solapado no seu contágio como as Invasões purulentas, corruptor 
de todos os estímulos morais como o álcool, ele zomba da de- 
cência, das leis c da polícia, abarca no domínio das suas ema- 
nações a sociedade inteira, nivela sob a sua deprimente igual- 
dade todas as classes, mergulha na sua promiscuidade indife- 
rente até os mais baixos volutabros do lixo social, alcança no 
requinte das suas seduções as alturas mais aristocráticas da in- 
teligência, da riqueza, da autoridade; inutiliza gêmeos; degrada 
principes, emudece oradores; atrra à luta política almas azeda- 
das pelo calisusmo habitual das paradas infelizes, à família 
corações degenerados pelo contacto cotidiano de todas as im- 
purezas, à concorrência do trabalho diumo os náufragos das 
noites tempestuosas do azar, e não raro a violência das indig- 
nações furiosas, que vêm estuar no recinto dos parlamentos, é 
apenas a ressaca das agitações e dos destroços das longas ma- 
drugadas do cassino” 
(Antologia, p. 59) 
Note-se o predomínio da coordenação e dos segmentos lon- 
os, em méio dos quais algumas orações breves adquirem relevo 
“mutiliza gênios, degrada príncipes; emudece oradores”) 
No século XIX, a prosa romanesca passa por acentuada evolu- 
ção A frase longa, grave, de Herculano. por exemplo, começa a dar 
Id3 
lugar a uma frase mais breve e arejada nas Hergens me anta terra, 
de Garrett, acentuando-se a sua renovação, por procedimentos vá- 
ros. com os escritores do Realismo Emesto Guerra da Cal analisa 
magistralmente a frase de Eça de Queiroz, demonstrando as suas 
inovações sintáticas e rítmicas (Língua é estilo de Eça de Queiroz). 
O nosso Machado de Assis elege a frase curta, ou constituída de 
membros curtos quando um pouco mais esparramada, como veícu- 
lo do seu humor € ironia. Basta tomar qualquer página de suas obras 
para verificar O que se afirmou. Veja-se este excerto das Memórias 
póstumas de Brás Cubas 
Capítulo XXIV — Curto, mas alegre 
“Fiquei prostrado. E contudo era eu. nesse tempo, um fiel 
compêndio de mvialidade e presunção. Jamais o problema da 
vida e da morte me oprimira o cérebro; nunca até esse dia me 
debruçara sobre o abismo do Inexplicável Faltava-me o essen- 
cial, que é o estímulo, a vertigem . 
Para lhes dizer à verdade toda, eu refletia as opiniões de 
um cabelereiro, que achei em Módena, e que se distunguia por 
não as ter absolutamente Era a flor dos cabeleireiros, por mais 
demorada que fosse a operação do toucado, não enfadava nun- 
ca. Ele intercalava as penteadelas com muitos motes & pulhas, 
cheios de um pico, de um sabor... 
Não tinha outra filosofia Nem eu” 
(Obra completa, v 1, p. 543) 
O Modemismo leva ao máximo essa tendência de enxugar à 
frase, como se pode ver em obras de Antômo de Alcântara Macha- 
do. Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Anibal Machado e ou- 
tros que manipularam a frase brevíssima do estilo telegráfico com 
graça e vivacidade, contrabalançando a pobreza sintática com ou- 
tros meios expressivos. Observe-se este fragmento do Jodo Ternu- 
ra, de Aníbal Machado, em que os fatos são apresentados do ponto 
de vista do menino, embora a narração se faça em terceira pessoa 
“EECB O trem chegou, medonho. Parou por favor. Era 
agudo e comprido. Estava impossível na plataforma Soprava 
de ruiva. E vinha doido da poeira do sertão. 
Puseram Temura dentro Ele fez barulho, os passageiros 
de guarda-pó abriram os olhos vermelhos Homens quermados 
que vinham do fundo do Brasil, Não tinha moça 
Um apito. À paisagem começa a cirandar Os bambuais 
devagar, o mandiocal correndo, à guarita de Maria do Carmo 
numa clucotada, e mamãe, coitada, ficando longe! ..” (Pp 46) 
Ida 
Passada a fase mais revolucionária do movimento modernista 
a frase vai ganhando extensão mais normal e, na atualidade, embora 
haja grande vanedade, pode-se dizer que 0 mais comum é a frase 
curta, mas não telegráfica. (Na prosa, porque na poesta 0 caso é 
diverso.) No seu romance publicado em 84, Viva o povo brasileiro 
joão Ubaido Ribeiro constrói períodos bem longos, sobretudo nas 
falas de personagens preocupados em ostentar cultura 
4 2.3 FRASE INCOMPLETA 
Já no texto de Anibal Machado encontramos algumas frases 
que não podem ser submetidas à análise sintática, não se estruturando 
em sujeito e predicado E assim passamos à consideração da frase 
incompleta, também denominada imorgâmica, inarticulada, elíptica 
o seu entendimento exige certos dados contidos na situação de 
enunciação ou no comexto bngiístico. A frase incompleta pode apre- 
sentar vários graus de implicitação e de afetividade; no caso de não 
ser uma simples informação concisa, a redução da estrutura lógica 
determina a concentração do conteúdo — e da sua carga emotiva — 
no termo ou termos EXPpressos. 
Partindo das frases com menos elementos impíícitos para as 
mais condensadas, temos: 
| 4 2.3.1 Frases de dois membros, cuja relação se percebe mas 
não é formalizada por nenhum vocábulo (alguns autores as chamam 
idirremas). Bastante comqueira é a construção do bpo: Bona, esto 
mentna, que exprime o mesmo fato da frase completa: Esta menina 
é bonita. Dispensado o verbo copulativo (sem valor nocional e não 
necessário para indicar as noções de tempo, modo, número e pessoa 
as duas primeiras fornecidas pelo contexto ou situação € as outras já 
conúdas nos termos presentes), dá-se reaice tanto ao adjetivo como 
ao substantivo, mudando-lhes a colocação habitual é separando-os 
por pausa, que marca o ponto em que a entoação, de ascendente, 
passa à descendente. 
Muntos provérbios e frases sentenciosas têm a sua expressividade 
realçada por essa construção, a ausência de verbo tornando-os 
utemporais, de valor permamente, umversal. Assim, Cada macaco 
em seu galho é mais impressivo que seria Cada macaco deve ficar 
cm seu galho. E claro que a força expressiva está mais no sentido 
metafórico e valor tradicional, popular, da frase feita, mas a estrutv- 
vm também é importante. 
Muntas das frases deste tipo apresentam um paralelismo que 
aventua uma idéia implícita de causa, consequência, oposição, tem- 
po, etc. 
id5 
Muito nso, pouco siso 
Filhos criados, trabalhos dobrados 
Palavras loucas, orelhas moucas. 
Casa de ferreiro, espeto de pau 
Rei morto, rei posto. 
4.2.3.2 Frases de um só membro, cujo sentido se completa com 
um segundo membro não expresso mas inerenteno contexto ou na 
situação (Às frases deste po de cunho predominantemente emotivo, 
dão alguns autores a denominação de monorremas, que outros €s- 
tendem a todas elas.) 
Encontramo-las em | : 
— imformações sumárias, avisos, anúncios: 
Fechado para almoço. 
Homens trabalhando. 
Casa à venda. 
Rua sem saída 
Note-se que o termo pode ser formado de mais de uma palavra, 
havendo um núcleo e um modificador As frases deste tipo, 
frequentísssmas em placas, tabuletas, faixas, etc. que encontramos 
nas ruas das cidades ou nas estradas, têm função simultaneamente 
referencial e conativa: comunicam € advertem. 
- ordens, proibições. advertências (função conativa predomi- 
nante): 
Silêncio, 
Atenção. 
Não fumar. 
— títulos de obras, matérias jornalísticas, ele. 
Dom Casmurro O Pensador 
“Queda da inflação” “Os menores abandonados 
— anotações sucintas. 
Cartas por responder Ofícios enviados 
Chuva. Tédio Solidão. 
— saudações, fórmulas de cortesia” 
Bom dia Adeus 
Muito obrigado. Com licença. 
Prazer em conhecê-lo. 
— Interjeições, exclamações. 
Chi! Oba! Ufa! Credo! Caramba! Papagaio! 
Socorro! Fogo! Ladrão! 
Bandido! Idiota! 
Contado do velho! Pobrezinho do menmo! 
Que delícia! Que horror! 
[46 
A disunção entre exclamações e intereções nem sempre é bem 
nítida, visto que palavras nocionais se transformam em interjeições 
Se o valor nocional desaparece ou se atenua, prevalecendo a mami- 
lestação emotiva, temos interjeição (Bolas! Pipocas! Diabo! Vir- 
gem! — Virge, vige, tche!). Nas exclamações as palavras anda con- 
servam um valor nocional conotatrvo, ainda que mais ou menos 
reduzido (Bacana! Cachorro!) 
Como já sc disse, tais exclamações concentram a manifestação 
emotiva, pois O falante, possuído por uma emoção, não se detém 
pará raciocinar e construir uma frase lógica. Mas quem escreve um 
texto não abusa de tal upo de frase, a não ser em mensagens de tom 
intencionalmente agressivo ou passional. 
Essas frases unimembres, frequentíssimas na inguagem colo- 
quial, são também bastante empregadas na literatura modema. Ma- 
chado de Assis construiu com elas todo um pequeno capítulo das 
Memórias póstumas de Brás Cubas, evitando com a concisão e O 
movimento dos sintagmas nominais o tom sentimental que pode- 
na ter uma deserção de cenas de velório e enterro (Capítulo XLV/ 
Notas) 
Também em poesias descritivas e narrativas se encontram es- 
sas séries de frases unimembres, produzindo efeito de rapidez, de 
enfoque sucessivo dos traços mais significativos das coisas, das pes- 
suas, dos cenários, dos lances mais importantes da ação ou dos acon- 
tecimentos. 
Cecília Meireles relaciona os múltiplos aspectos do ambiente 
lísico e cultural de Minas, em que se iam disseminando as idéias 
libertárias, utilizando quase exclusivamente a frase morgâmica. No 
porma “Romance XXI ou Das idéias” as frases são constituídas 
= por um só substantivo (“Escadas. Boticas Pontes Conver- 
sas *) 
por um substantivo com modificadores (CA altá muralha das 
serras” “Novo mundo que começa. 
tos, / que, de olhos smistros, velam”) 
por dois ou mais substantivos coordenados, acompanhados 
ou não de adjuntos (“Carros, liteiras douradas, cavalos de 
crna aberta”) 
Os fragmentos seguintes do poema (que é mais ou menos lon- 
“E os mimigos aten- 
EO) mostram como, de uma seguência de frases desarticuladas, pode 
resultar um texto denso, um painel sintético de uma região e de uma 
época, com alguma reflexão histórica: 
A vastidão desses campos. 
Acalta muralha das serras. 
ld 
As lavras inchadas de ouro. 
Os diamantes entre as pedras 
Negros, índios e mulatos. 
Almocafres e gamelas. 
Os rios todos virados 
Toda revirada, a terra. 
Capitães, governadores, 
Padres, intendentes, poetas. 
Pátios de seixos. 
Escadas Boticas. 
Pontes Conversas 
Gente que chega e que passa 
E as idéias. 
Amplas casas. Longos muros. 
Vida de sombras inquiectas. 
Orgulhosos sobrenomes. 
Intrincada parentela. 
Bastardias. Desavenças. 
Emboscadas pela treva. 
Sesmarias. Salteadores. 
Emaranhadas invejas. 
O clero. A nobreza. O povo 
E as idéias. 
Sengzalas. Tronco. Clbata 
Congos Angolas. Benguel; 
Ó imenso tumulto humano! 
E as idéias 
As verdades e as quimeras 
Outras leis, outras pessoas. 
Novo mundo que começ: 
Nova raça. Outro desuno 
Planos de melhores eras 
E os inimigos atentos, 
que, de olhos sinistros, velam 
E os alerves. E as denúncias 
E as idéias 
(Obra poética, p 444-6) 
148 
423.3 Frases fragmentárias Incluem-se nesta categoria fra- 
ses incompletas que são fragmentos destacados de outras frases me- 
diante a entoação, a sua significação depende do relacionamento 
com as frases, de que se destacaram. Assim, neste exemplo de Ber- 
nardo Élis' 
“Na outra rua tocavam piano. Monotonamente” (Seleta, p. 3). 
o advérbio monotonamente só se justifica ao ser ligado à expres- 
são verbal tocavam piano Outra explicação é considerar que houve 
na segunda frase a elipse do termo subordinante tocavam piano O 
fato estilístico é que o termo destacado ganha um relevo muito maior 
do que teria integrado normalmente na construção lógica. Compa- 
rando a frase citada com “Na outra rua tocavam piano monotona- 
mente”, sentimos que esta exprime uma constatação e a outra um 
Julgamento. Diferentes complementos, adjuntos e orações apare- 
cem construindo frase fragmentária, havendo em certos casos a re- 
petição de um termo empregado. Outros exemplos: 
“Eu estuo e quebro-me de amor. Por todos os homens “ 
(Mário de Andrade, Cartas a Manuel Bandeira, p 19) 
“Dois dias de carnaval são meus. Quero estar livre e só. 
ara gozar e para observar” (Jd, tb, p. 56) 
“Ele se deixava amar (...) e namorava uma donzela bem, 
com vagas idéias de casamento. Que nunca se concretizou, é 
claro.” (Rachel de Queiroz, Caçador de tatus, p 144) 
“.. for assim que me encaminhei para o undiscovered 
country de Hamlet, sem as ânsias nem as dúvidas do moço 
príncipe, mas pausado e trôpego, como quem se retira tarde do 
espetáculo Tarde e aborrecido” (Machado de Assis, Memó- 
ras , em Obra completa, v.I,p 512) 
4.2.4 ELIPSE 
Tendo mencionado que as frases incompletas são também cha- 
madas elípticas e tendo aventado a explicação das frases fragmen- 
tárias mediante a elipse, convém fazer algumas considerações so- 
bre essc fato linguístico, para o qual se dão explicações diferentes 
U que para uns é chpse, para outros já não é. Houve tempo em que 
vs gramáticos explicavam abusivamente por ehpse todas as frases 
que não apresentassem explicitamente todos os termos necessários 
a uma expressão absolutamente lógica do pensamento e, em suas 
ses, tentavam enxertar nas frases termos que consideravam 
úmidos pelos autores. Modernamente condena-se esse abuso, mas 
a conceituação de elipse não é precisa nem homogênea. (Assim, no 
caso da comparação. há os que consideram a parte do comparante 
149 
como uma oração subordinada elípuca e há os que a consideram 
como um adjunto adverbial.) 
4241 A elipse segundo alguns lingiustas 
A) Charles Bally, no Traité de stylistique française, considera 
a ehpse um meio de expressão resultante da ausência de elementos 
lingiísticos que a mente não procura mais restabelecer Os elemen- 
los ausentes não são apenas sintáticos, podendo ser fonemas, síla- 
bas, palavras, orações. (Equivalentes aos exemplos franceses de Bally 
são os seguintes: pra = para, xicra = xícara, sarisfa = satisfação, 
xavê = deixa ver; multt = multinacional; pedido = pedido de casa- 
mento, salário = salário mínimo; Ah, se arrependimento matasse! 
= Eu não estana vivo sc arrependimento matasse. ) 
A elipse pode explicar-se por 
— WO Expressão hesttante ou truncada do pensamento. 
“Eu só queria...” 
“É de uma beleza 
Neste caso a entoação é de suspensão ou reticência. Mas em “É 
de uma beleza” e “Fazia um frio!” à entoação é diversa, com um 
matiz afenvo de intensidade, estando o adjetivo não expresso ab- 
sorvido pelo artigo. 
= mínimo esforço ou economia linguística: uma parte daex- 
pressão completa torna-se o expoente do conteúdo total da idéia, de 
modo que o resto da expressão, que se torna inútil, é sacrificado. É 
o caso de definições que ongimam substantivos: automóvel por car 
ro automóvel, sobretudo por agasalho que se usa sobre todas as 
roupas. É também o caso de inúmeras metonímias: cristais = copos 
de cristal, bronze = sino ou estátua de bronze; favana = charuto 
feito em Havana, barão = nota com o retrato do Barão do Rio Bran- 
co, etc. 
— movimentos afetivos: as locuções frascológicas da lngua- 
gem exclamanva adquirem seu verdadeiro caráter pela imervenção 
de uma elipse. “Não é possível! Como?! Você aqui” “Fora!” “En- 
graçadinho. ” São as elipses deste tipo, que servem à função emotiva, 
as que mais interessam à Esulística concebida como estudo da ln- 
guagem afetiva. 
Na Linguistique gênérale et linguistique française, Bally dis- 
úngue a elipse situacional (COlhe!” — em que o falante chama à 
atenção do interlocutor para alguma coisa da situação, “Você quer 
tinto ou branco”— em que o falante tem à sua frente garrafas de 
vinho) e a elipse gramancal em que se subentende, em um determi- 
nado lugar no discurso, um signo que figura no contexto, antes ou 
depois (“Mme. X tem dois filhos, um. de seis anos, outro de 
[50 
1 tê 
quatro ” *— Aonde você vai? — . À umversidade” “Você vai ao 
teatro? — Estou querendo ” “Teremos dois . ou três meses de es- 
pera”), 
B) Vicente Garcia de Diego apresenta no capítulo “Economia 
hngúística y brevedad”, da sua obra Linguística general y espafio- 
ta, iteressantes considerações sobre a chpse. Define-a como a bre- 
vidade de expressão com relação à expressão lógica desdobrada em 
todos os seus elementos. É uma propensão do pensamento humano 
e uma lei imperiosa da linguagem, talvez a mais transcendental na 
sua vida A agilidade simplificadora do entendimento, aparando o 
supérfluo, é que faz a língua fácil e expressiva. Se nossos pensa- 
mentos devessem, em cada caso, ser expressos com todo seu con- 
teúdo e com todas as relações que os prendem uns aos outros, a 
comunicação pela linguagem se tomana impossível. E a graça da 
chpse, além da sua ligeireza de forma, consiste sobretudo no misté- 
ro da reconstrução, que permite soluções diversas mas coinciden- 
tes À breviloquência ou laconismo pode ser propensão de síntese 
mental, como as fórmulas sentenciosas de conteúdo imenso ou à 
abreviação ocasional em situações rápidas, em que é óbvio eliminar 
o facilmente subentendido, 
Os casos de elipse arrolados por García de Diego são pratica- 
mente os mesmos arrolados por Bally 
CC) MA.K. Halliday e Rugaiya Hasan, no livro Coheston in 
Engiish, estudam a elipse como procedimento da função textual, 
isto é, como fator de coesão entre orações e períodos, e consideram- 
na como substituição de um termo da oração precedente por zero 
(Bally também fala em construção com representante zero, na 
languestique) Há chpse em frases e orações (sentences, clauses) 
cuja estrutura é tal que pressupõe algum item precedente, o qual 
serve como fonte da informação que falta É elíptico o item que 
deixa lacunas estruturais específicas para serem preenchidas com 
elementos de outra parte. A elipse só ocorre quando alguma coisa 
que é estruturalmente necessária é deixada sem dizer; sente-se que 
a frase está incompleta. Como a substituição (por um pronome, por 
ex ), a elipse é uma relação no texto e na maioria dos casos o item 
pressuposto está na parte precedente do enunciado. São estudados 
três casos de elipse: nominal, verbal e oracional. 
- Na elipse nominalo núcleo do sintagma nominal é absorvido 
por outro elemento do sintagma (determinante, numeral, adjetivo). 
Um grupo nominal elíptico pressupõe um anterior que não o é, daí 
a chpse ser coesiva (“Convider cinco amigos para jantar, mas dois 
não puderam vir”). 
151
— Na elipse verbal há duas possibilidades — elipse do elemento 
lexical e elipse do elemento modal (auxiliar) 
“O que você estava fazendo” “— Lendo” (ehpse do au- 
xihar) 
“ Você estava lendo” “— Estava” (echpse do elemento le- 
xical) 
A chpse verbal é característica de todos os textos, falados e 
esentos, & constitui um meio suhl é flexível de criar discurso varia- 
do e intrincado Ela é sempre acompanhada da omissão de outros 
elementos da oração (sujeito, objeto, ete.). 
— A elipse oracional ocorre em respostas com sim ou não, no 
discurso reportado, em interrogações indiretas em resposta a inter- 
rogações diretas, em afirmações indiretas, como nos exemplos se- 
guintes. 
“— Ele chegou?" “- Sim)” 
“— Ele vem jantar?” “= Não disse” (Não disse se vinha jan- 
mn se 
tar.) 
“— Quem quebrou este copo?" “— Não ser” (Não sei quem que- 
brou este copo.) 
“— Esta manga está madura. Eu sei pela sua cor” (Eu sei que 
esta manga está madura pela sua cor ) 
Embora restrinjam a elipse aos casos em que a parte elíptica 
seja recuperável no próprio contexto, os autores mostram como é 
complexo o mecanismo da elipse e estendem-se no seu exame em 
um substancioso capítulo de 82 páginas (Cap IV). 
Das lições desses mestres podemos concluir que elipse é a bre- 
vidade da expressão resultante de alguma coisa que se deixou de 
dizer, ou por se ter dito em outra frase, oração ou sintagma, ou por 
outra razão de ordem afetva ou estética. A frase elíptica escapa à 
estrutura da frase lógica, explícita, sendo que os elementos omiti- 
dos podem ser recuperáveis no contexto ou supridos pelo racioci- 
mo, pela suposição, com base no confronto com a estrutura frásica 
normal e também no sentido geral do enunciado 
Em muitos casos, nem há necessidade de pensar no que foi 
omitido, tão claro se mostra o significado, tão natural é a frase 
Noutros, a chpse faz que a frase soe estranha, exige que o leitor a 
considere mais detidamente para compreendê-la. Guimarães Rosa 
é certamente o autor que mais audaciosamente se vale do recurso da 
chpse, com efeitos vanados. concisão, vigor, choque, eufemismo e 
ritmo insólito Seguem-se, devidamente classificados, exemplos 
tomados de obras suas, uns mais surpreendentes c ousados, outros 
mais comuns. 
152 
4.2 4.2 Exemplos de Guimardes Rosa para os diferentes casos 
de chipse 
A — Elipse de termo recuperdvel no contexto 
É o caso das lacunas estruturas ou substituição por zero, de 
Halhday e R Hasan. São casos comuns, sem inovação pessoal, mas 
importantes para aligeirar a linguagem. 
a) Elipse nominal — de substantivo ou pronome em funções 
VALAS, 
“Os mangues da outra margem jogam folhas vermelhas na 
corrente. Descem como canoinhas Param um momento ah 
naquele remanso” (Sag.. p. 192) 
Neste exemplo, a elipse exige do leitor um pouco de atenção, 
pois na frase anterior há dois substantivos no plural que poderiam 
ser retomados como sujeito dos verbos descem e param; cera de es- 
perar que o termo omitido fosse o sujeito da oração anterior (man- 
gues = árvores), mas o sentido do enunciado nos faz compreender 
que a elipse é de folhas 
Re 
“Quando o Bento Porfírio veio a conhecer a prima de- 
Lourdes, ela já estava casada com o Alexandre Foi só ver e 
ficar gostando. E cla também ” (Sag.. p. 189) 
Na segunda frase, tanto o sujeito como o complemento dos 
verbos estão na frase anterior e não há nenhuma dificuldade em 
entender que “For só o Bento Porfino ver a prima de-Lourdes e 
ficar gostando dela” Na terceira frase já a chpse é do predicado 
iverbo + complemento) “E ela também ficou gostando dele ” 
b) Elipse verbal 
“O negrinho se endereça a ele, mas agora com requintes 
de suavilogiência” (Sag , p. 208) 
Aqui a chpse do verbo na oração coordenada é quase obrigató- 
naço menos usual seria a repetição, poderíamos ter também a subs- 
uluição pelo verbo vicário fazer: “ agora o faz com requintes ” 
muito menos elegante 
“Soropita se desgostava, não podia deixar de, se eles to- 
dos também viessem” (Noites... p. 27) 
Nesta frase, com à oração principal desdobrada pela parataxe, 
temos à elipse do elemento lexical na segunda oração, figurandoapenas o auxiliar com a respectiva preposição. À frase sem segmen- 
tação e sem clpse poderia ser. “Soropita não podia deixar de des- 
gostar-se se eles todos viessem.” 
Em muitos casos à elipse verbal gera uma frase fragmentária 
(ul. já dor dito): 
a! 
tes, 
um 
“Bento ficou sério. Até mais simpático” (Sag, p 189) 
Elipse muito comum é a que se dá nos diálogos, em que o 1m- 
terlocutor só retoma de uma pergunta ouvida o essencial à resposta 
“— Você tem certeza de que o Bento Porfiro está morto? 
— Mortisssmo Morreu em flagrante” (Sag.. p 194) 
c) Elipse de termo relacionado com o sentido de um termo 
CXpresso. 
“Da gameleira ou do ingazeiro, desce um canto, de repen- 
te, triste, triste, que faz dó. E um sabiá ” (Sag., p 188) 
Entende-se perfeitamente que é o sabiá que solta o canto triste, 
podendo-se supor para a explicação lógica: “É um-sabiá o pássaro 
do canto triste ” 
B — Elipse de termo não usado no contexto 
a) À elipse de palavras nocionais é rara, mesmo em escritor 
inovador como Guimarães Rosa, à não ser os casos já comuns de 
substantivação de adjetivo. Vejamos alguns exemplos expressivos 
— “Num tão apartado, menino-pequeno de vaqueiro, em 
antes de aprender a falar, aprendia a latir com os cachorros ” 
(Notes ., p. 16) 
Não podemos considerar apartado como substantivo por estar 
precedido do advérbio intensivo tão, Pensamos na eclipse de lugar, a 
menos que se subentenda ermo, empregado em oração mais acima. 
— “Vá-se a camisa, que não o dela dentro” (Tut, p 39) 
Entendemos “ .. que não o corpo que está dentro dela” O subs- 
tantivo corpo (ou peito) ficou absorvido pelo artigo o (que se pode 
considerar pronome demonstrativo igual a aquilo) e da oração 
adjetiva se omitiram o relativo sujeito e o verbo estar Na adaptação 
da frase feita (“Vão-se os anéis, figuem os dedos”) o escritor deixou 
intocada à estrutura da primeira oração, alterando apenas a segunda 
parte; quanto ao teor metafórico, só o contexto esclarece melhor. 
No exemplo abaixo foi elidido o substantivo dia depreensível 
pela isotopia com manhã 
“Já de manhã, no seguinte, ocultando, caçou jeito de apren- 
der a respeito daquelas matérias ” (Noites ,p.21) 
Exemplo de ehpse eufemística temos em. 
“Tu vendeu a mulher, é capaz de vender até hósuas de 
Deus, seu filho de uma!” (Sag . p 102) 
A chpse do adjetivo se evidencia por um intensificador como em 
“Eu acho que nunca vi espigas de milho tão como as de 
lá” (lb, p 73) 
154 
“- Ei, Túho, cada vez mais, hein (db, p. 71) 
Ambas as falas são do personagem Lalino, empenhado em com- 
pensar com amabilidades a má impressão da sua pouca disposição 
para o trabalho. No primeiro exemplo é fácil apreender um adjetivo 
valorizador para espigas (grandes, granadas, bonitas, boas). No 
segundo o termo subentendido é mais difícil de precisar (forte, fe- 
liz, disposto”), a frase tem mais o valor fático de estabelecer uma 
comunicação amistosa. 
A chpse de verbo significativo ocorre com verbo de elocução, 
facilmente suprido por outros elementos característicos do discur- 
so direto: 
“E arrebatou-me a borracha, com rudeza quase: 
— Não faz isso, que você está tirando a terra toda de redor 
dos pés de couve” [Sag., p. 207) 
“- Mato sujos e safados — o velho” (P. estórias, p. 164) 
“Mas Damásio: 
—- Vosmecê declare” (Jb., p. 120) 
bjA eclipse de palavras gramaticais é a que geralmente ocorre, 
visto que a relação ou determinação que elas exprimem é dedutível 
da própria significação dos termos expressos 
— Artigo. o emprego do artigo é bem mais sutil do que comu- 
mente sé pensa, resultando matizes variados da sua presença ou 
ausência, conforme bem ensina Rodrigues Lapa, na sua Estilística. 
Os onginais corrigidos pelos escritores ou as diferentes edições 
das suas obras revelam suas vacilações no emprego do artigo; tro- 
ca de artigo definido por indefinido ou vice-versa, supressão 
ou acréscimo da partícula indicam como é dificil estabelecer re- 
vras para o seu uso E, se se tomar um autor como Guimarães 
Rosa, aí é que o desafio de regulamentação se torna mais crítico 
Vejamos alguns exemplos em que os nossos hábitos sentem a omis- 
são do arigo, talvez por representarem outra norma, regional ou 
popular 
“Tiros que o senhor ouviu foram de briga de homem não” 
(6. sertão, p 9) 
“Mulher perguntou se ele queria beber gol, se doente esta- 
va” (Noites. ; p 20) 
“Ali mesmo, para cima do curral, vez pegaram um tatu 
peba” (Manuelzão .p 139) 
“Viera-lhe a moça, primor, mais vaga e clara que um pen- 
samento ” (Tutaméia, p 17) 
135 
Na última frase, o substantivo abstrato primor desacompanhado 
de artigo, aproxima-se mais do adjetivo, parecendo a construção 
um cruzamento das duas construções habituais: a moça, um pri- 
mor fa Moção, primorosa. 
— Entre os exemplos de elipse de preposição temos' 
“Também que lá, medo ao veneno, a gente tem de pastar 
com completa cautela..." (Sag ,p 87) 
“— Chica, vai chamar Mãe, ela ver quanta beleza.” 
(Manuelzão.., p. 54) 
Muito frequente é um adjunto ou predicativo aposto, consti- 
tuído de substantivo + adjetivo, que não se prende formalmente ao 
substantivo modificado. A.R Sayce chama a tal construção acusativo 
absoluto, sentindo a ausência de um subordinante verbal (tendo, 
mostrando). Mais frequente é apontar-se a ehpse de uma preposi- 
ção (de, com). É o caso de 
“Tomezinho, que tinha ido à cozinha espiar, agora vinha, 
olhos desconfiados, escondendo na mão alguma coisa” (Ma- 
nuelzão. ., p. 9) 
“Umas moças, cheirosas, limpas, os claros nsos bomitos, 
pegavam nele, o levavam. “ (Manuelzão. , p. 8) 
— À chpse da conjunção subordinativa, que pode ser um recur- 
so de elegância na linguagem culta, é bastante frequente na fala dos 
sertanejos rosianos, 
que: “Todos achavam não valia a pena” (Notes ., p 17) 
se: “> Quiser dar o recado, dá Não quiser, faz de conta” 
(Sag., p. 84) 
como se: “Diadorim me olhava — eu estivesse para trás da 
lua” (6. sertão, p. 230) 
como. “Ta tãozinha de bonita, simples delicada, branqui- 
nha uma princesa” (Notes ., p. 39) 
quando “-— Chegasse em casa, uma estória ao Dito ele 
contava” (Manuelzão .., p. 48) 
— D advérbio de negação pré-verbal é muntas vezes apagado, 
ficando apenas a negação pós-verbal, o que é comum na hnguagem 
popular 
“— Tenho tempo hoje não, moça” (Noites. « p 19) 
“Nem era interesseira, pedia nada” (dh, p 19) 
- O verbo de ligação aparece omilido em construções esporá- 
dicas que não se enquadram no tipo visto de dirrema ou construção 
bimembre, em dois tempos, como em, 
156 
“Lá ele alguma criatura para tração” (6 sertão, p. 407) 
“Aquele silêncio, que pior que uma alanda” (6. sertão, 
p 207) 
Também verbos de sigmficação muito pobre, verbos ditos anódinos 
(cf Othon M. Garcia), podem ser ormitidos sem prejuízo da compreen- 
são. Apenas a frase foge ao esquema normal. 
chente” (Sag, p 258: pode-se entender: havia, tinha, vinha ) 
“Ágora, aos domingos, só aos domingos, gente como en- 
Para encerrar este tópico sobre a chpse. é interessante lembrar 
que no conto “Desenredo”, de Tutaméia, aparecem duas elipses part- 
cularmente impressivas. Trata-se de dois parágrafos constituídos tão- 
somente pela conjunção mas e pelo advérbio mais. O primeiro é inter- 
mediário entre parágrafos que narram uma situação de felicidade e 
outra de transtorno, o segundo está entre frases que indicam os esfor- 
ços crescentes da personagem Já Joaquim para recuperar a felicidade 
juntamente com a reputação da mulher amada. E bem o caso da graça, 
do mistério da reconstrução, de que fala Garcia de Diego 
4.2 5 PLEONASMO 
Se, pela elipse, podem ser dispensados elementos da frase sem 
que esta deixe de ser compreensível, é porque outros elementos 
têm, em parte, a possibilidade de exprimir ou sugerir os valores dos 
elementos omitidos. Por outras palavras, É porque a língua encerra 
um certo nível de redundância, sujeito a diminuições e a aumentos. 
Considera-se redundância (em sentido não estritamente técni- 
co)o fato de uma informação ser transmitida por uma quantidade 
de signos linguísticos superior ao essencialmente necessário (cf 
Potticr, Le langage). Embora supérfluos, os elementos redundantes 
iêm a sua razão de ser, visto que compensam as perturbações na 
transmissão de mensagem (ruídos) A redundância ocorre em todos 
os níveis da linguagem (fônico, semântico, morfossintático), per- 
mitindo a compreensão da mensagem, mesmo quando algumas 
umdades são prejudicadas, quando há erros e desvios. (Um estudo 
do francês escrito moderno revelou a existência de um nível de 35% 
de redundância global, conforme consta na Retórica Geral ) 
A noção de grau nórmal de redundância da língua faz parte da 
competência dos usuários Sentimos a sua redução na elipse e o seu 
aumento no pleonásmo 
Cláudio Brandão (Sintaxe clássica portuguesa) define pleonas- 
mo como o emprego supérfluo de palavras e frases cujo sentido já 
está expresso num dos elementos da frase ou cuja função já figura 
no contexto da oração. E distingue o pleonasmo semântico, em que 
q sentido de uma palavra se repete em outra (ver com os olhos, 
157 
remoçar de novo), € o pleonasmo sintático, em que uma mesma 
função é desempenhada por mais de um elemento, tendo eles a mesma 
referência (Vima-lo a ele A mim ninguém me engana ) 
Bally considera pleonasmo gramatical, obrigatório, a exigên- 
cia da língua de que uma mesma noção seja expressa duas ou mais 
vezes no mesmo sintagma. (Assim, em as meninas engraçadinhas 
temos três marcas de gênero e de número para o mesmo referente ) 
Esse pleonasmo gramatical é, portanto, a redundância normal da 
língua, Pleonasmo vicioso é o que se deve à ignorância do sigmifi- 
cado exato ou da etimologia das palavras (do tipo hemorragia de 
sangue, decapitar a cabeça, etc ). E expressivo é o pleonasmo que 
enfatiza as idéias transmitidas. Portanto o pleonasmo tanto pode ser 
um valioso recurso de estilo, imprimindo vigor, vivacidade ao pen- 
samento, como pode ser uma excrescência grosseira, vulgar, que 
danifica a frase. O entério para distinguir esses dois upos pleonásticos 
é, pois, muto subjetivo e variável. Na linguagem elaborada dos 
estilistas o pleonasmo aparece mais parcimontosamente, enquanto 
é abundante na fala tosca, mas muitas vezes saborosa e pitoresca 
dos incultos Guimarães Rosa usa à larga de pleonasmos, muitos 
dos quais se poderiam considerar escandalosamente viciosos, para 
dar ênfase à fala dos seus sertanejos. (Por exemplo “O Patori. 
unha matado assassinado um rapaz“) (Mantelzão .p 61) 
4.2 5 LAproveitando a orientação de Mattoso Câmara no Dicio- 
nário de Filologia e Gramárica, tentaremos ordenar diversas apre- 
sentações do pleonasmo em exemplos de autores diversos. 
A) Sequência de termos coordenados mais Ou menos simônimos: 
“Viram que uma outra também se fora ajuntando, crescen- 
do. sem que eles reparassem, e era enorme agora, guaçu, macota, 
gigantesca! amavam 0 João! adoravam João!” (M de Andrade, 
“Jaburu malandro”, Contos de Belazarte, p. 39) 
“Tem o gado de ir demais moroso respeitado, por não 
achacar, não afracar, não sentir” (G, Rosa, Tutaméia, p. 167) 
Na frascologia popular encontramos numerosas expressões 
plzonásticas binárias como belo e formoso, sem dó nem piedade, 
são e salvo, teres e haveres. 
B) Termos ligados por subordinação 
a) substantivo é adjunto 
— epíteto de nalureza 
“Todos nus e da cor da escura treva 
(Camões, Lus V,30;4p C Brandão) 
158 
“Ó mar salgado, quanto do teu sal 
são lágrimas de Poriugal!” 
(F. Pessoa, Mensagem, em Obra poética, p. 16) 
(Note-se a convergência de recursos expressivos destes 
dois versos: assonância, metonímia, pleonasmo, após- 
trofe, personificação, hipérbole) 
- epíteto cognato: 
“Que horror dos horrorósos horrores! estou com a cara no 
chão..” (M. de Andrade, Cartas a Onevda, p 244) 
“o morto mordo é matado não agnde mais” 
(G Rosa, G sertão, p. 261) 
b) substantivo e verbo 
“Á escundão mais se escurece com as nuvens negras) 
(Adomas E. Corpo vivo, p. 98) 
“E sorria o sorriso descuidoso dos invencíveis (M. Lobato, 
Os t2 trabalhos de Hércules, 1, em Obras completas, 
p. 69) 
c) verbo principal + parucípio 
“Achasse um empréstimo, comprava adquindo um bom 
cavalo de sela” (6. Rosa, Sag , p. 249) 
dy verbo + adjunto adverbial 
“Ainda lá está, assaz mal cuidada contudo, lá o vi com 
estes olhos pecadores no corrente mês de julho de 1883" 
(Garrett, Viagens, p. 185) 
“> Vou aquilatar, vou ver de vista própria” (J.C de Carva- 
lho, O coronel, p 144) 
duas ou mais palavras negativas 
“Ninguém não vê (..) nem um pé de cana” (]. Lins do 
Rego, Menino de engenho, p 28) 
“Tia Nastácia nunca, nunca jamais queimou o feijão nem 
coisa nenhuma” (M. Lobato, O pica-pau amarelo, em 
Obras completas, p 144) 
pm, 
“a 
Cj Como pleonasmo sintático (cf. Cláudio Brandão) temos dois 
termos exercendo a mesma função (um substantivo e um pronome 
ou dois pronomes), Grande parte dos pleonasmos sintácos estão 
ligados aos processos de segmentação e inversão da frase. 
“A passada injúria à vossos conselheiros a atnbui sempre, 
que não a vós” (A. Herculano, Lendas e narrarvas, p. 272) 
“Educação, só a limham os nobres * (M, Lobato, His- 
tória do mundo.. , em Obras completas, p. 181) 
Note-se que o termo destacado no início da frase e depois reto- 
mado por um pronome fica bem enfatizado e a frase tem um vigor 
159 
bem maior do que teria a construção lógica — direta, não pleonástica 
e não segmentada 
a) Muito frequente é ficar o termo-tema destacado por pausa e 
retomado por pronome demonstrativo. 
“À podenga negra, essa sumiu-se por tal arte, que ninguém 
no castelo lhe tornou a pôr a vista em cima” (A Herculano, 
Lendas e narrativas, p 14) 
“Deus, esse, minha nea, está longe” (Eça, Primo Basílio, 
ap. Guerra da Cal, p 207) 
“OQ rei causador de tudo, esse sacudu os ombros” (M. 
Lobato, História do mundo. . em Obras completas, p. 250) 
b) Na língua antiga era fregiente o plgonasmo com o possessi- 
vo, principalmente para evitar ambigindade. O uso diminuiu mas 
ainda no século passado e no atual se encontram exemplos 
“Sara aceitava com opressivo silêncio estas deliberações e 
não ousava perguntar a Jorge qual seria o seu destino dela” 
(Camilo € Branco, ap Rocha Lima, Gramática) 
(D Plácida) “Quena ser casada. Sabia muito bem que a mãe 
não o fora, e conhecia algumas que tinham só o seu moço delas” 
(M. de Assis, Memórias . , em Obra completa, v. 1, p. 583) 
Guimarães Rosa apresenta essa construção entre os seus ar- 
"aísmos e por vezes aproxima os dois possessivos. 
estavam sem saber como voltar para suas casinhas 
deles" (Manuelzão .. p. 18) 
“Parecia que aqueles olhos seus dele ram sair, se esticar 
para fora .” (No Urubuguaqua.., p. 15) 
4,2.6ANACOLUTO 
Se o termo que imcia a frase fica sem função sintática própria. ser- 
vindo apenas como co-referente de um pronome mais ou menos próxi- 
mo, temos a quebra de construção a que se dá o nome de anacoluto. Exem- 
plo encontrado em numerosas gramáticas é o de Manuel Bandeira: 
“Eu, que era branca e linda, eis-me medonha e escura” 
(Poesta completa e prosa, p. 126) 
Sousa da Silveira faz um belo comentário estilístico desse ana- 
coluto, resumindo primeiramente o episódio mitológico retomado pe- 
lo poeta. (Tendo vencido a Minerva numa competição, a exímia 
tecedeira Aracne foi transformada pela vingativa deusa em Aranha ) 
Diz o filólogo: “A oposição entre os adjeuvos branca e escura, hn- 
ta e medonha, faz ressaltar a perversidade da vingança: o anacoluto 
tao 
“eu. eis-me”. com a mudança abrupta da construção, pinta a mudan- 
ça operada pela metamorfose, As formas pronominais eu, sujeito, é 
me, objeto, salientam os dois estados, avivando o seu contraste: eu, 
sujeno, a atividade, à satisfação de ser bela é hábil; me, objeto, o re- 
sultado da ação cruel mostrado na vitima, no objeto dela. “cis-me me- 
donha e escura” (Lições de português, p. 272) 
O anacoluto era frequente na língua arcaica e também na clás-sica, como neste exemplo de Vieira, citado por Cláudio Brandão, 
entre muitíssimos outros, 
“Santo Amtômeo, (...) abru-lhe Deus um dia 08 olhos para 
que visse neste mundo o que nós não vemos” (Sintaxe clássica 
portuguesa, p. 810) 
Mais tarde, passou a ser visto pelos puristas como construção 
defeituosa, não recomendável. É, entretanto, uma construção es- 
pontânea, viva, que põe em relevo o tema do enunciado, isto é, O 
sujeito psicológico. Nas construções comuns o sujeito psicológico 
comede com o sujeito gramatical No anacoluto eles são diferentes. 
Garrett, que usa nas Viagens na minha terra bastantes frases 
segmentadas e pleonástcas, procurando uma frase mais coloquial, 
menos tensa é refletida, exemplifica também as frases anacolúticas, 
como 
“Joaninha que, pouco a pouco, se habituara âquele viver 
de perigos c incertezas, de dia para dia lhe 1a crescendo o âmt- 
e 
mo, aguerrindo-se” (Viagens, p 135) 
Um dos melhores exemplos de anacoluto, pela simplicidade e 
pelos efeitos estilísucos, parece-nos este de Gonçalves Dias, na 
“Canção do tamoio” 
“Oy forte, o cobarde 
Seus feitos inveja 
De o ver na peleja 
Garboso e feroz;” 
(Poesias americanas, em Obras poéncas, | 2. p. 43) 
O termo forte, a que se relacionam os pronomes sews c o, ganha 
força expressiva por encabeçar o verso e por ficar anteposto ao seu 
MONO. 
Dos modemos escritores brasileiros, talvez seja Rachel de 
Queiroz quem mais usa o anacoluto, bem ajustado a sua prosa de 
tom coloquial, com raros artifícios. Das [00 crônicas escolhidas 
destacamos estes dois exemplos. 
tó! 
“D. Mundinha, criados es filhos. sozinha em casa com o 
seu velho, davam-lhe nostalgias da maternidade, de crian 
pequenas” (p 51) 
“Sim, apátrida, renegado, exilado voluntário, enojado da 
bagunça nacional, você lhe dói o peito de saudade (..)” (p 167) 
Pelos exemplos transentos, vê-se que o anacolúto é também um 
pleonasmo, talvez se explique melhor dizendo que o anacoluto está na 
quebra da estrutura sintática e o pleonasmo na presença de dois você- 
bulos para uma idéia 
4.2 7 PARTÍCULAS DE REALCE 
Examinando a expressividade ligada à estrutura da frase, é pre- 
ciso mencionar certas partículas destituídas de valor nocional e sin- 
tático, mas portadoras de valor expressivo, comumente chamadas 
partículas de realce ou espontaneidade, ou ainda expletivos. Mattoso 
enumera os seguintes Casos, que apresentamos com outra 
exemplificacão: 
a) um pronome adverbial: 
— resterando um complemento já enunciado (caso de pleo- 
nasmo sintático já visto) 
— reportando ao falante, como objeto indireto, um processo 
verbal que logicamente nada tem que ver com ele, mas no 
qual ele está emocionalmente implicado. É o dativo ético 
ou de interesse. 
“— E vocês também não me voltem mortos Quero-os 
bem vivinhos e perfeitos” (M. Lobato, O Minotauro, em 
Obras completas, p. 84) 
“— Há mil anos que a senhora me anda a dar com essa 
porcaria de porta no focinho das cigarras É (Jd, Remia- 
ções... p. 2H) 
O pronome me está ligado no primeiro exemplo à preocupação 
de D Benta com o risco que os participantes da aventura pela Grécia 
heróica iam correr; no segundo, à indignação de Emília com a atitu- 
de da formiga da fábula. 
bj um pronome reflexivo com verbos intransitivos: 
“Pois ela se morreu silente e fria” 
(A. de Guimaraens, soneto XIX, já transcnto) 
“Daí, caminhou primeiro até de costas, fugiu-se, entrou 
outra vez no mato” (O Rosa, 6 sertão, p 221) 
ci um advérbio como dd, bem, assim 
“Vocês são brancos, lá se entendam” (frase feita) 
162 
dj a partícula que: 
— Em Interação 
“Bem que sabe o que eu quero dizer” (G Rosa, Sag, p 200) 
em função copulativa em lugar de e 
“[O herói] Chegou perto da veada, olhou que mais olhou, e deu 
um grito desmaiando” (M. de Andrade, Macunaíma, p 23) 
na expressão é que (fo, era, etc.) 
“Ele é que mal podia encobnr a tristeza profunda que O 
minava ” (M. de Assis, Memórias . em Obra completa, 
v Ip 592) 
“Era a munha Infância que ressurgia, fresca, travessa e lou- 
ra” (Id. 1b., p. 588) 
“Você viveu com os ciganos, Manuel Fulô? Me conta como 
foi que for” (G Rosa, Sag.; p. 264) 
A locução destaca o termo que a antecede e pode ser separada, 
CisSO CM que O verbo ser concorda com o substantivo que O segue. 
“As rosas é que são belas, 
Os espinhos é que picam 
Mas são as rosas que caem, 
São os espinhos gue ficam” (quadra popular citada por 
Rocha Lima) 
No exemplo seguinte Guimarães Rosa recheia a frase de exple- 
tivos 
“O que eu acho é que é o seguinte. que este homem não 
tem crime constável” (6 sertão, p 205) 
hum deles é necessário. traduzindo-se o mesmo pensamento 
por “Eu acho o seguinte: este homem não tem crime constável” 
Além desses casos relacionados por Mattoso Câmara podem 
iurescentar-se, 
1) o verbo ser (é, era, for), precedido ou não de mas; 
“Ele está mas é enganando o companheiro!” (G. Rosa, 
Sar. p 133) 
“O sr está é adivinhando uma tenção” Ud. Manuel 
do ,p 29) 
“Só deu fé daquela tristeza toda for quando viu a mãe 
chorando “ (Jd. Sag., p. 299) 
by agqualo, isso 
Fino em autores portugueses como brasileiros encontramos 
Wim demonstrativo neutro sem valor déitico nem anafórico, constt- 
bidi o mais uma forma expletiva 
ta
— Fot ao Morenal com a D. Mana, Aquila naturalmente 
foram para casa das Gansosos passar a noite” (O erme do pa- 
dre Ámeiro, em Obras de Eça de Queiros, V. IR p. 193 
“OQ gigante isso já estava fumando de tão danado.” (Mário 
de Andrade. Macunaíma, p. 68) 
c) No esulo superabundante de Guimarães Rosa, muitas pre- 
posições, advérbios, conjunções são ampliados em locuções pelo 
acréscimo de partículas supérfluas É provável que essa prolixidade 
tenha sido observada pelo escritor na fala do sertanejo, mas em 
muitos casos a frase se torna entravada, desarmoniosa. Eis algumas 
locuções que causam estranheza é parecem um tanto excessivas: 
“À chuva de certo vinha de toda parte, de em desde por tá, 
de todos os lugares que tinha” (Manuelzão.., p. 23) 
“Falasse, os outros então aí era que acreditavam a mor- 
tezinha dele certa, acostumada” (Id, ib., p 30) 
“Conheço seu mando, de em desde demeninozinho” (Noi- 
tes, p 156) 
Como se vê, o escritor procura levar a extremos tanto a dimi- 
nução da redundância pela elipse, como o aumento pelo pleonasmo 
é pelos expletivos. 
4.3 AORDEM DOS TERMOS NA FRASE 
A ordem dos termos é um aspecto de máxima relevância para a 
feição estilística da frase e do texto, visto que determina o mimo e a 
valorização de idéias e sentimentos, propiciando efeitos variados 
Na disposição dos vocábulos na frase, há padrões impostos 
pela língua, mas há também, sobretudo no português, uma margem 
de iberdade que é largamente aproveitada para a expressividade; 
assim sendo a colocação sintático-gramatical e a colocação estilística 
se coordenam e complementam (cf Mattoso Câmara, Dicionário). 
Cabe aqui lembrar as indagações que Dâmaso Alonso levanta a 
respeito da ordem das palavras, enfatizando as dificuldades que o 
seu estudo anda enfrenta: 
“Em primeiro lugar, o que é que se chama a “ordem das 
palavras"? Não é, certamente, uma cadeia de ferro na qual se 
fixou para sempre a respectiva sucessão dos elos . Mais ainda 
uma mesma pessoa emprega ordens de palavras de upo muito 
diferente conforme o ouvinte a quem se dinge, a intenção EX- 
pressiva em um momento dado, ou a intensidade dos senti- 
mentos que expressa Repito agora, que é a 'ordem das pala- 
tód 
vras"7 Quantas são às ordens possíveis em cada idioma, segun- 
do as necessidades expressivas de quem fala (ou escreve)? Qual 
ou quais têm sido as possibilidades de colocação das palavras 
em castelhano” Quais as diferenças entre a língua literária e a 
vulgar? E entre a prosa e o verso? Estudou-se alguma vez este 
problema desde a hteratura medieval até os nossos dias, pas- 
sando pelo renascimento, pelo barroco, pelo nevclassicismo e 
pelo romantismo”? Quando se responder a estas perguntas se 
poderá falar com algum motivo do que é o gênioda língua em 
relação à colocação das palavras Tudo o mais serão afirma- 
ções a priori” 
(D. Alonso, À língua poética de Góngora, ap. IL 
Mantin, Crítica estilística, p. 313) 
Não obstante ser intrincada a problemática, serão feitas algu- 
mas considerações sobre a colocação dos termos nos sintagmas e 
dos sintagmas na oração. Quanto à colocação das orações no perío- 
do, assunto deveras complexo e extenso, não cabe nas proporções 
deste trabalho Diga-se apenas que algumas subordinadas têm co- 
locação mais ou menos fixa, como as substantrvas, enquanto outras 
admitem colocação vária (anteposição, posposição ou intercalação 
na principal), e que oferece possibilidades diferentes da valonza- 
cão das idéias, lembre-se também que um mesmo tipo de subordi- 
nada, conforme a conjunção introdutória, pode ter colocação diver- 
“a, (Por exemplo, a causal com como é anteposta, com porque, 
perimente posposta: “Não venceu porque não tinha talento” (“Como 
não tinha talento, não venceu” No primeiro caso dá-se mais relevo 
à principal, no segundo à causal.) 
4 3 A ORDEM DOS TERMOS NO SINTAGMA NOMINAL 
No sintagma nominal temos determinantes que aparecem nor- 
mulmente antes do determinado e outros que aparecem depois. O 
artigo não admite nunça à posposição, mas os demonstrativos, os 
possessivos, os indefinidos e os numerais, em casos especiais po- 
dem ser pospostos, os adjetivos especificativos e os pátrios normal- 
mente se pospõem ao substantivo; é os adjetivos qualficativos tan- 
to se podem pospor como antepor, com sentidos diversos ou com 
mutiz afetivo paricular De modo geral, coloca-se antes do substan- 
tivo o adjetivo que exprime valor apreciativo (uma bela idéia, uma 
comovente dedicação) e coloca-se depois o adjetivo que enuncia 
particularidade que caracteriza o objeto, definindo-o, distinguindo- 
vide outros, classificando-o (homens ignorantes, fama internacio- 
nal, tecidos finos, musica clássicas Mas nada se pode estabelecer 
165 
de preciso, pois a colocação depende da preferência do falante, da 
natureza do discurso, da constituição fônica do substantivo e do 
adjetivo, do seu emprego em sentido literal ou figurado, etc 
Montero Lobato, sempre muto interessado em questões esti- 
lísticas, comenta em carta ao amigo Godofredo Rangel a questão da 
colocação do adjetivo e observa a preferência de Euclides da Cunha 
pelo adjetivo posposto como um dos fatores do vigor do seu estilo 
(Barca de Gleyre, em Obras completas, p. 312) 
O capítulo HI da segunda parte de Os sertões, O famoso capi- 
tuló a respeito do sertanejo, oferece farta comprova ção da observa- 
ção de Lobato, 
“É o homem permanentemente fatigado. 
Reflete a preguiça invencível, a atonia muscular perene, 
em tudo: na palavra remorada, no gesto contrafeito, no andar 
desaprumado, na cadência langorosa das modinhas, na tendência 
constante à imobilidade e à quietude 
(...) 
Colado ao dorso deste [cavalo], confundindo-se com ele, 
graças à pressão dos jarretes firmes, realiza a criação bizarra de 
um centauro bronco: emergindo inopinadamente nas clareiras; 
mergulhando nas macegas altas, saltando as ipueiras; vingando 
cômoros alçados; rompendo, célere, pelos espinheirais 
mordentes; precipitando-se, a toda brida, no largo dos tabulei- 
ros “ (Os sertões, p. 94-35) 
A colocação absolutamente predominante do adjetivo antes do 
substantivo sá é encontrada em casos bem excepcionais. O mais co- 
mum é que num texto se misturem adjetivos pospostos e antepostos, 
em proporções variáveis. mas quase sempre predominam os pospos- 
tos. No capítulo [ de Iracema, introdução acentuadamente poética 
do romance, os adjetivos pospostos são pouco menos numerosos 
que os antepostos. Se temos expressões tão emotivas como verdes 
mares, líquida esmeralda, alvas praias, branca alcíone, Srágil le- 
nho, tênue lágrima, etc. temos também vaga unperuosa, tez bran- 
ca, rochedo pátrio, lufada intermitente, eco vibrante, vagas revoltas, 
enseada amiga (Note-se que o vocábulo posposto É quase sempre 
mais extenso, ou da mesma extensão do anteposto.) Nos demais 
capítulos, os adjeuvos pospostos são geralmente em maior número, 
Havendo dois ou mais adjeuvos, as possibihdades de distribui - 
ção aumentam consideravelmente, podendo ficar todos depois ou 
antes do substantivo, ou ser divididos, conforme mais convenha ao 
ritmo desejado. Na linguagem poética encontramos, também, ante- 
166 
posto ao substantivo o adjunto preposicionado. Observe-se na es- 
trofe seguinte de Cruz e Sousa a distribuição dos adjetivos é a ante- 
posição dos adjuntos com preposição 
“Do teu perfil os tímidos, incertos 
Traços indefinidos, vagos lraços, 
Deixam, da luz nos ouros e nos aços, 
Outra luz de que os céus ficam cobertos” 
(Poesias completas, p 42) 
4.3.2 A ORDEM DOS TERMOS NO SINTAGMA VERBAL 
No sintagma verbal é vormal que o auxiliar anteceda q verbo 
principal Mas quando se quer enfatizar o verbo principal, ele pode 
ser antecipado, quer na linguagem falada, geralmente com segmen- 
tação da frase, quer na linguagem poética. 
E comum dizermos. “Fugir você não pode” “Morrer, quem é 
que quer?” “Trabalhando ele não está” É bastante comum o verbo 
ter sido empregado antes 
Na poesia encontramos à forma nocional (lexycali anteposta ao 
auxihar em construções bem menos espontâneas como: 
“Oh! ver não posso este labéu maldito!” (C. Alves, Obra 
completa, p. 199) 
“O prisioneiro, cuja morte anseiam 
Sentado está” (G. Dias, Poesias americanas, em Obras 
poéticas, t. 2, p. 20) 
“Por fim, quando de todo a vida desertando 
Foi à extinta cidade, e, lúgubre, espalmando 
As asas negras no ar, parou sinistra e horrenda 
A morte, teve um fim a peleja tremenda 
E o incêndio começou” (Bilac, Poesias, em Obra reini- 
eta, p. 108) 
4334 POSIÇÃO DO ADVÉRBIO 
O advérbio ou locução adverbial tem posição mais ou menos 
fixa ou bastante vanável, dependendo da sua significação. Os advérbr- 
“» intensificadores, que se incluem num sintagma nominal, modifi- 
cando adjetivo ou particípio (muto bonita, demasiado tosco, suficten- 
temente preparado), são normalmente antepostos, Os advérbros que 
contêm uma determinação precisa se pospõem ao verbo (chegar nes- 
peradamente, agiu lealmente, chorar desesperadamente) De um mo- 
do geral; o advérbio apresenta grande biberdade de colocação, cessa li- 
bordado aumenta seo advérbio se refere a toda a frase, indicando o qul- 
jumento do falante a respeito do fato que enuncia Se se quiser acres- 
[õ? 
centar a uma frase como “O homem perdeu todos os seus bens” 0 ad- 
vérimo desgraçadamente, há quatro possibilidades de encare” 
Desgraçadamente, o homem perdeu todos Os seus bens. 
O homem, desgraçadamente, perdeu todos Os seus bens. 
O homem perdeu, desgraçadamente, todos os seus bens. 
O homem perdeu todos os seus bens, desgraçadamente. 
4 3.4A COLOCAÇÃO NORMAL DOS TERMOS NA ORAÇÃO a; 
A colocação normal ou predominante dos termos na oração € 
considerada a seguinte. sujeito — verbo — objeto direto — objeto in- 
direto ou sujeito — verbo de ligação — predicativo. É a chamada 
ordem direta. Temos, porém, alterações dessa ordem consagradas 
pelo uso e tornadas quase uma exigência gramatncal, como em ora- 
ções interrogativas, passivas pronominais, orações de verbo 
unipessoal e outros casos que a gramálica enumera. 
4.3 SASALTERAÇÕES DA ORDEM “DIRETA” 
As alterações da ordem “dyreia” receberam da retórica às demo- 
minações de lupérbato, anástrofe, singquise, prolepse. Como a distin- 
ção entre umas e outras não coincide entre Os autores nem costuma Her 
satisfatoriamente clara, é preferível ficar apenas com a denominação 
genérica de inversão, pois o que mais interessa não é à nomenclatura, 
mas as possibilidades do arranjo das palavras € o seu L€OF EXPressivO. 
A inversão, processo de colocar em evidência um termo que se 
deseja privilegiar, rompe a monotonia da ordem usual, podendo 
favorecer um mimo mais adequado ou propiciar um Lom mais ele- 
gante; na poesia, pode atenderà imposição da métrica ou da rima, 
além da intenção de ênfase. Nos poemas sem rima da poesia tradi- 
cional é comum haver maior emprego de inversão, que se torna 
marca da linguagem poética 
Convém distinguir, com Bally, a inversão afetiva da linguagem 
comum — um realce dado ao tema da frase —, que é espontânea, 
natural, da inversão retórica, usada na poesia mais pomposa. São 
inversões de caráter afetivo, não estélico, construções como: 
É um encanto essa criança. 
Bobo ele não é. 
Dinheiro cu não tenho. 
Desse professor ninguém gosta. 
Casar ele não quer 
Em trabalhar poucos pensam 
Em casa você não o encontra 
Com grosseria não se consegue nada 
168 
São frases constutuídas de dois membros, separados por uma 
pausa maior ou menor (com virgula ou sem ela), recebendo o mem- 
bro deslocado — Se não os dois — um relevo especial 
Como exemplo de inversão artificial, própria da linguagem 
poética, mais elaborada, podem servir estes versos de Gonçalves 
Dias, que não chegam, entretanto, a ser obscuros: 
“O que nos resta pois? — Resta a saudade, 
Que dos passados dias 
De mágoas e alegrias 
Bálsamo santo extrai consolador” (Novos cantos. em 
obras poéticas, |, |. p 333) 
É no último verso, em que o verbo fica posposto ao objeto 
direto e entre os dois adjetivos, que mais se sente a manipulação da 
ordem vocabular. 
Stephen Ullmann examina, num tópico do livro Lenguaje v 
estilo, valores expressivos do deslocamento do sujerto em francês, 
mencionando os seguintes: ênfase, dilação e incerteza, patetismo, 
ar de acabamento, ironia e paródia, impressionismo Mostra que, 
mesmo numa língua em que a inversão é muito limitada, ela consti- 
tus valioso recurso EXpressivo, 
4 3.6 Para dar uma idéia da Esulística da inversão em portu- 
guês, procuraremos ordenar os casos encontrados no romance Cor- 
po vivo, de Adonias Filho, em que a inversão, ao lado da elipse, é 
privilegiada para conferir um tom vigoroso e dramático à frase cur- 
ta, incisiva, tensa. E essencialmente na sintaxe que repousa a força 
desse estilo que nos transmite todo o impacto de lances violentos e 
patéticos. 
Os sintagmas nominais são na grande maioria muito breves, 
sendo os adjetivos adjuntos, aliás muito escassos, quase exclusiva- 
mente pospostos, Sejam os descritivos, objetivos (chuvisco miúdo, 
relva fria, farrapos molhados), sejam os de natureza emotiva ou 
avaliativos (olhar tríste, coração alegre, ordem rispida) Mais nu- 
UETOSOS SÃO OS adjetivos predicanvos, apostos vu com verbo de 
ligação explícito. Sua colocação será vista no tópico referente ao 
predicado, 
Dentre os poucos casos de mais de um adjetivo para um subs- 
tantivo, com colocação expressiva, temos. 
“Fita-o com interesse, ao tipo que tem mãos de mulher, 
rurvos os cabelos enormes” (p. 53) 
O segmento assinalado, solto na frase, o que é um traço do 
veio do escritor, Consútui uma construção bimembre. em que se 
169 
pode sentir o adjeuvo rvos como predicativo de os cabelos enor- 
mes O fato é que essa característica da personagem fica bem 
enfatizada pela segmentação da frase Se o Autor tivesse optado por 
uma frase mais logicamente articulada, como “Fita com interesse O 
tipo que tem mãos de mulher e enormes cabelos ruivos”, a força 
expressiva seria bem mais reduzida, É jotalmento diverso o Timo, 
de modulação continuada, menos chocante 
O adjetivo aparece anteposto a um intensivo, em ordem pouco 
usual, em “Ofegante cada vez mais, Leonel já não vê, não percebe, 
não sente.” (p. 70) 
Sirva para exemplificar as frases de ordem direta o parágrafo 
micial da primeira parte de Corpe vivo" 
“Tudo começou no sábado Lembrou-me a mulher, quan- 
do jantâvamos, que o compadre Januário nos esperava na se- 
gunda-feira, lá, na fazenda dos Limões Teríamos o domingo 
para atravessar a colina e, Deus não mandasse o contrário, dor- 
miríamos em casa de Alonso, nos banaos da Jussara. O roteiro 
da mulher foi seguido. Saímos domingo cedo, vencemos à co- 
lina, e noitinha batíamos na porta de Alonso. Era um casebre 
na estrada que unha os fundos no rio. Alonso não tardou a 
acender o candeeiro e logo a Sinhá, sua mulher, serviu a janta. 
Joana. minha mulher, contou que iamos aos Limões a cham ado 
de Januário. “O mundo é muito grande — Alonso disse — mas 
querem as terras de Januário”. Do meu retiro, nas Canoas, ain- 
da não ouvira falar naquilo. E inúmeras foram as perguntas que 
fiz Alonso respondeu a todas, esclarecendo que os Bilá, após 
certas brigas com Januário, tinham jurado lhe tomar as terras. 
O cacau novo de Januário começava a dar frutos Aquelas ter- 
ras valiam ouro é os Bilá nham um exército no nfle Que 
Deus guardasse o compadre Januário!” (p. 5) 
As poucas inversões que aí temos não chegam a causar estranhe- 
za Lembrou-me a mulher é uma inversão discreta, natural E intúme- 
ras foram as perguntas que fiz é também uma inversão relativamente 
usual em que se enfatiza O predicativo Quanto aos adjuntos adver- 
biais noitinha, do mew retiro nas Canoas, após certas brigas com 
Januário, sendo termos móveis, nem devem ser considerados casos 
de inversão, da mesma forma que a subordinada condicional (com 
elipse da conjunção) Deus não mandasse o contrário 
Em O roteiro da mulher for seguido (oração passiva) e em 
Alonso disse (oração intercalada), à ordem direta (sujesto-verbo) é 
menos comum que a inversa (verbo-sujeito) 
170 
Entre as orações de ordem direta menos usual que a indireta, 
encontradas no decorrer da narrativa, temos as de verbo imtransitivo 
ou de verbo transitivo com pronome apassivador 
“Tempo não sobra para a espera..” (p 70) 
“Mulheres e meninos vivem ali..” (p 79) 
“Movimento algum se percebe, " (p 95) 
O fato estlístico não é a ordem inversa, mas a menos usual. 
Vejamos agora casos diversos de inversão que constituem fa- 
tos estilísticos, que contribuem para marcar a expressão artística de 
Adomas. 
A. Predicado nominal 
a) Verbo — predicativo — sujeito: 
“E de palha a aspereza dos cabelos quando secam com o 
pó da terra” (p. 97) 
“Era de bicho a sua pobreza” (p. 50) 
b) Predicativo — verbo — sujeito. São muito numerosos os 
exemplos deste tipo de inversão. 
“Amarga é a saliva quando os olhos se tórmam mais ver- 
des” (p. 109) 
“Negra como a noite era a sua pele. “ (p 29) 
“Três são os candeeiros que iluminam a sala” (p 76) 
'Sua foi a vontade de hmpá-los com os dedos” (p. 84) 
“ Malva! — dele é a voz” (p 99) 
“Moço eta que barba não tinha e de cigano sua pele mo- 
rena” (p 78) 
No último exemplo temos três inversões, sendo que o desloca- 
mento do predicativo moço (o sujeito oculto é um companheiro) 
separou-o do pronome relativo da oração adjeuva 
c) Em construções dirremáticas modificador (predicatvo) 
— substantivo: 
“Grossa, a saliva nas bocas” (p. 87) 
“Endurecidos, em Cajango, todos os músculos” (p 118) 
“Impassíveis, mesmo, apenas as pedras” (p. 87) 
d) Predicativo — sujeito = verbo: 
“Ençada, naquele momento, a montanha estava” (p 91) 
B Predicado verbal 
a) Verbo — sujeito: 
“Cantará a mulher para alegrar as noites. Brlharão as 
fogueiras nos olhos verdes” (p. 65) 
171 
Em algumas frases o sujeito posposto é separado por vírgula, 
podendo-se sentir como um aposto do pronome sujeito elíptico. 
“Ah estã, a mulher” (p. 97) 
“Luta por ganhar tempo, o bugre, e daquele minuto para 
a frente sua raiva não mais estancarã” (p 108) 
b) Verbo = objeto direto — sujeito; 
“Esperava-o a serra, tromba de mil voltas na arrancada 
para o céu.” (p. 1) 
Nesta bela frase o autor deu preferência à divisão em dois seg- 
mentos (verbo — objeto — sujeito // aposto); se empregasse a or- 
dem direta, havena três segmentos (a serra // tromba... // espera- 
va-0). Na construção usada, a metáfora recebeu maior destaque, 
vomadindo o final do periodo com a culminância do sigmficado: a 
frase foi crescendo, subindo como a serra. 
c) Sujeito — objeto direto — verbo: 
“Ele tudo vira, nós saberíamos depois” (p 8) 
“O sivo da cobra, enrodiihada em seu próprio pescoço,que propõe um mêto- 
do de análise estilísuca da obra lterári 
1.3 A ESTILÍSTICA FUNCIONAL E ESTRUTURAL 
Em meados do século, a Estilística (ainda que com outra deno- 
ração) se desenvolve, em grande parte, baseada nos estudos de 
Roman Jakobson (1896-1983). A Estilística se diz funcional, quan- 
apresentação do relacionada às funções da linguagem, conforme z 
que delas fez o autor checo; diz-se estrutural quando se baseia nas 
relações dos elementos do texto 
Re hzando-se em 1958, na Universidade de Indiana. Estados 
Unidos, uma conferência interdisciplinar sobre o Estilo (cujos tra- 
balhos foram reumdos no volume organizado por Thomas A. Sebeok 
uage), Jakobson apresentou o trabalho “Linguística 
mu refe 
Srvle in lang 
'oética”, que, traduzido para numerosas línguas, Se LOr 
rência praticamente obrigatória nos estudos da linguagem, não lhe 
pe 
altando, contudo, críticas e restrições. 
Rejertando os termos Estnlfstica é Estilo, demasiado impreci- 
sos e prejudicados pelo uso indiscriminado, Jakobson os substitui 
por Poénca e Função Poética, respecuvamente. O objeto da Poét- 
ca é esclarecer o que é que faz da mensagem verbal uma obra de 
arte; a disunção do que é anístico do que não é artístico. À Poética 
é uma parte da Linguística, pois se ocupa de estruturas lingúísti 
cas Mas em que se distinguem o objeto da Poética e o objeto da | dr 
gúística? Como distinguir a linguagem poética da linguagem comum” 
de comunicação em que concor- Jakobson parte do processe 
rem seis fatores, dispostos no conhecido esquema. 
aro 
Contacto 
Códiro 
4 cada u desses fatores cu respond uma função lingúística, 
As lunções se realizam simultaneamente, podendo-se notar a rele- 
vância de uma em relação a outras, em diferentes enunciados. fato 
que permite distinguwr vários tipos de hnguagem (comum, científi 
ca, convencional, lírica, épica, publicitár « CL.) 
| 0) pendor para o contexto (a realidade, a informação) constitui 
a tunção referencial. (Esta função recebe de outros autores nomes 
diversos: representativa, denotativa, cognitiva, nocional, intelectr 
ideacional.) 
E] 
A função resultante do pendor para o emissor é à emotiva (ou 
a), cuja realização mais pura é a interjeição. É função 
centrada no locutor, sendo, portanto, evidenciada pelos pronomes e 
formas verbais da |º pessoa 
A função que incide sobre o destinatário (2º pessoa) é a conativa 
(a apelativa, de Biihler), realizada principalmente pelo vocativo é 
pelo imperativo, 
A funç 
A 
ligada ao canal é a fática, que diz respeito ao contacto 
entre emissor e receptor É uma função básica, que fica subjacente a 
outras, pois, se não houver contacto, não há comunic ição. Ela apa- 
rece quase isolada quando não se transmite conteúdo de qualquer 
relevância quando se visa a verificar se o canal está funcionando 
(Você está me ouvindo), quando se estabelece um contacto (Bom 
dia, Oi) ou quando se encerra o mesmo (Até logo, Tchau). As crian. 
ças que anda não aprenderam a falar já mamfestam o desejo de 
contacto através de sons que não constituem linguagem propnia- 
mente dita, ou seja, linguagem articulada. 
Voltando-se a comunicação para 
código o objeto da comunic 
própria linguagem, sendo o 
ção, ou o referente particular do enun 
ciado, tem-se a função metalingúística Esta função pode ser consi- 
derada implícita nas mensagens em que se nota que o emissor. ao 
lazer sua escolha entre os meios de expressão, fez alguma reflexão 
de ordem hngiúística. Em todo texto literário, que pressupõe uma 
urada seleção dos meios expressivos, a função metalingúística 
está subjacente, incorporada à função poética. 
A função poética, que vem a ser o pendor para a própria men 
sagem, correspondendo à sua elaboração como um fim em E MES- 
ma, pode sabrepor-se às demars funções, ou minda estar presente no 
texto sem ser à de m ur proeminência Jakobson refere-se nã 
concomitância das funções como à su; 
poética aque 
só à 
hierarquia. Considera obra 
“que a função poética tem a primazia, e Pos 
parte da Lingiúística que trata da função poétic 
Ca d 
Ss SUAS relações 
as outras funções da linguagem 
de Ballv. podemos dize 
icentra na Função emotiva 
AprOX mando a teoria de Jakobson « 
ara esl Estilística se enquanto 
suagem em relação com a função intelectiva (referencial). para 
a Est 
ção poélica com as demais funções. Podemos também aproximar 
stica, ou Poéuca, se concentra na relação da fun obs: 
ressado, como vimos, sobretudo 
lingua- 
son de Amado Alonso, i 
w poéuco do texto literário. À teoria das funções d 
| prendem-se também os estudos da Linguística da enunciação, 
a que nos referimos no capítulo 5 
Para explicar a realização da função poética, Jakobson entra na 
estruturação da frase e do texto (Esnlística estrutural), lembrando 
os dois modos fundamentais do comportamento verbal: a seleção 
ixo paradigmático) e a combinação (eixo sintagmático). Para 
exemplificar ele toma uma frase tão simples como “O menino dor- 
Sendo o tema da mensagem “uma criança”, for escolhido o 
nos (bebê, nenê, infante, guri, substantivo menmo entre smômemos 
tc.) e para comentar o tema um dos verbos aparentados (dorme. 
coclula, repousa, etc) As duas palavras escolhidas se combinam 
a cadera falada. A seleção se dá na base da equivalência, da simila- 
rnidade, podendo ser também na base da dissimilaridade (smonímia/ 
antonímia), enquanto a combinação, a construção da sequência re- 
usa sobre a contigiiidade. Ele formula então o princípio da fun- 
ção poética: “A função poética progeta o princípio da equivalência 
do eixo da seleção sobre o eixo da combinação. Quer dizer que 
equivalência, que é própria dos paradigmas da língua, é transposta 
para o sintagma, que é elemento da fala, do discurso, o qual é 
o de elementos de natureza diferente: por comumente constitu 
exemplo, o sintagma nominal constituído de artigo — adjetivo — 
substantivo, com número de sílabas c acentuação geralmente di- 
versos. Jakobson dá como exemplo de equivalência na segiiência à 
célebre frase de César: Ven, vidi, vici E explica: “E a simetria do 
três verbos dissilábicos, com a consoante inicial e a vogal final idên- 
ticas, que dá esplendor à mensagem lacônica da vitória de César” À 
repetição de fonemas em palavras diversas (rima, alteração, etc.) 
de um mesmo padrão vocabular (palavras com número de sílabas € 
posição de acento equivalentes), a série simonímica, os antônimos, 
a repeução de um mesmo segmento metóúico (pé métrico, verso), à 
simetria, o paralehsmo, são, pois, exemplos de equivalências trans 
Úénc postas para a se do discurso, constituindo recursos poéticos 
Pode-se observ 
reza formal do texto, não cheg 
entretanto, que esse princípio, MuLO preso dm 
4 abranger todos os caracleres da 
linguagem poética. 
A especificidade estilística depende, pois, de uma relação das 
formas no interior da mensagem (cf. Dâmaso Alonso), é é esta esti 
tura do texto (que não se deve confundir com a estrutura do códi 
que o pesquisador deve determinar A Estilística estrutu 
que o valor estlístico « 
1) 
salienta 
É Sua posição no selo 
de um sistema. Todo signo pertence a duas estruturas, a do código 
que define seu lugar numa categoria (estrutura paradigmática), e 
e um signo depende « 
da mensagem, na qual ocupa uma posição determinada (estrutura 
sintagmática). Dai as duas possibilidades: estudar a forma do signc 
em relação ao texto ou em relação ao sistema lingiiístico a que per 
tence, estudar os efeitos expressivos realizados no texto ou estudar 
os recursos expressivos em potencial na língua. 
Jakobson mostra que o efeito poéiico repousa sobre uma com- 
binação das duas estruturas: a análise da mensagem não deve dis- 
pens j a análise do sistema, do código. O efeito de um vocábulo 
depende não só da frase, do contexto em que se encontra, como da 
tonalidade significativa que se sentea João Caro não despertaria” (p 92) 
dj Objeto direto — (sujeito) — verbo: 
“Piedade ele não sentia” (p. 85) 
“As matas alravessara sem pressa.” (p. 73) 
“E o riso não prende ao lembrar-se. (p. 75) 
e Objeto direto composto reparado, parte antes do verdo, 
parte depois: 
“Ferramentas e sementes irouxeram, machados é Tacões, 
também pano e pólvora” (p. 74) 
€) Objeto indireto — (sujeito) — verbo — (objero direto): 
“.. ao índio o padrinho levara o menino, a ele cabendo a 
guarda” qp. 31) 
“Ao pai dg Leonel entregou um dos níles “ (p 71) 
Sujeito — objeto múireto — verbo: 
“Alguns ao bando se uniram nos povoados, os sem di- 
nhexo, desiludidos com a aventura do cacau)” (p. 46) 
objeto indireto — verbo — sujeito: 
“Mo diabo pertencia à terra que não as fivesse” (p 86) 
Er 
E
 
C. Predicado verho-nominal 
A colocação do predicativo do sujeito no predicado verho- 
nominal é bastante variável, podendo ficar antes ou depois do su- 
Jeito ou do verbo 
“Imóvel, tão parado quanto o seu rifle, padrinho Abílio 
escuta” (po 118) 
“O tropeiro, imóvel, volta a escutar a noite” (p. 27) 
tra 
“Para a vida ou à morte, iria que mulher nascera para 
aquele homem” (p. 80) (que = pois. porque) 
“À vDZ ressurge, leve como uma semente, como se esti- 
vesse a ser plantada no chão” (p. 26) 
D A colocácio do adjunto adverbial, como já se disse, é tam- 
bém móvel No texto de Adonias Filho é bastante fregqueme sua 
posição no início da frase, quando merece certa ênfase 
“Em seus dedos, de uma para outra mão, as balas vão € 
voltam (p 101) 
“Em Arataca a gente vivia” (p 559 
“Cem vezes eu já vio inferno” (p. 10) 
E. Períodos compostos 
Quanto à disposição das orações no período, 0 que mais chama 
à menção no esnlo de Adonias Filho é o gosto pelas orações pa- 
ratáticas e pelo encaixe das subordinadas segmentando a oração 
principal. 
a) parataxe 
“Os pés se agitam, é nervoso o seu movimento” (p 26) 
“Era uma casa alegre. fique você sabendo” (p 28) 
“Éramos quatro homens à procura de Cajango, a selva a 
dez passos, em seu bojo ele devia viver” (p 33) 
“A notícia chegou a seus ouvidos, é verdade” (p 31) 
oração entrecortada pela intercalação de uma subordinada: 
“O avanço, se vier, será pela frente “ (p 69) 
“Em Itabuna, quando cheguei, já se falava no massacre” 
(p 31) 
“No chão, o sol batendo, vira as manchas de sangue” (p. 29) 
“E saberá, ao destar-se, que a folhagem não é macia co- 
mo o corpo da mulher” (p 92) 
Aí estão, pois, exemplificadas muitas das possibilidades de ar- 
nuno das palavras nas frases. Como estas são de estrutura smples, 
é principalmente à inversão que lhes imprime a ênfase necessária à 
poderosa narrativa, bem como a origimaidade distintiva do autor. 
Concluímos que mesmo com um léxico modesto e com certa 
sequidão se pode criar prosa artística pela eficaz mampulação da 
sintaxe Não devemos, contudo, desprezar a contribuição de certas 
liguras que não cabem neste tópico, como o símile e a repeução, a 
espaços, de algumas frases mais significativas. 
b 
=
 
4 3.7 Creio que um estudo, por mais sucinto que seja, do valor 
estilisuco da inversão, não pode ficar sem ao menos umas linhas de 
[73 
referência a Gumarães Rosa. Encontram-se neste eseritor inver- 
sões bem mais ousadas, que extrapolam os limites mais Ou menos 
estabelecidos das variedades da colocação; muitas das suas frases 
violentam a sintaxe portuguesa, podendo dizer-se que fazem parte 
da sua expernmentação lingúísuca, E às vezes essa violência não 
passa do deslocamento inusitado de um só termo, como se pode ver 
nestes exemplos: 
“O homem sem aspecto tenta agora parecer-se com outro 
— um desses velhos bos ou conhecidos nossos, deles à mais 
silencioso” (P estórias, p 50) 
“A Moça trazia à água, vinha com nas duas mãos o copo 
cheio às beiras “ (lb. p 34) 
“De quase alvura enxuta de apim . (Jd., p. 145) 
“Tinha o nome dela, levantado sozinho, feito prendida no 
tope do chapéu branquinha flor” (Tutaméia, p. 170) 
Cada frase tem a sua peculiaridade expressiva, mas podemos 
dizer que, de um modo geral, a inversão dá relevo maior ao termo 
deslocado e propicia, além do efeito de estranheza, um ritmo 
impressivo. 
4.4 A ESTRUTURA MELÓDICA DA FRASE 
Como já foi dito, a frase é uma forma de comunicação do pen- 
samento caracterizada por uma melodia ou entoação; a linha meló- 
dica da frase resulta das variações de altura do tom laríngeo que 
incidem sobre uma segiência de sílabas — palavra ou seqtiência de 
palavras Na palavra isolada (que não é frase) o tom se confunde 
com o acento de intensidade; é só na frase que à entoação tem o seu 
valor próprio, que pode ser de ordem intelectual, disunguindo os 
upos de frase, ou afeuvo, denotando estado emotivo do falante ' 
A entoação tem as suas unidades, que são os segmentos meló- 
dicos, podendo uma frase ser constituída de uma ou muntas dessas 
unidades Cada segmento é uma porção mínima do discurso, com 
forma musical determinada e tem a sua parte significativa dentro do 
sentido total da frase. 
Convém distinguir unidade melódica de grupo de intensidade. 
sendo este uma palavra ou grupo de palavras com um só acento 
intensivo (ex o meu filho; muitos amigos; estes dois livros) A umi- 
CNAS informações conudas neste capíulo baseiam-se nas obras de T Navarro To- 
más (Manual de entondción esparolal e de S Gili Gaya [Elementos de fonética 
general) 
174 
dade melódica pode ser formada de um ou mais grupos de intensi- 
dade (ex “o meu filho/mais velho). Uma frase como “O meu filho/ 
mais velho/estuda/medicina/em Campinas” tem cinco grupos de 
intensidade e duas unidades melódicas. Dentro da unidade melódi- 
ca, O tom passa de um grupo intensivo a outro como passa de uma 
silaba a outra dentro da palavra. É uma curva indivisível num mes- 
mo giro de voz 
As unidades melódicas podem ser marcadas por pausas lógi- 
cas, respiratórias ou expressivas. Na escrita usam-Se os sinais de 
pontuação para separar segmentos melódicos, mas nem todos os 
segmentos são separados graficamente 
A extensão de uma umidade melódica pode variar de uma pala- 
vra monossilábica a um conjunto de cerca de quatorze, quinze síla- 
bas Em português a extensão predominante está por volta de sete 
silabas As frases simples de sete, oito sílabas constituem uma só 
unidade, a menos que sc faça uma pausa expressiva ou enfática. Nas 
frases de sete a quatorze silabas há vacifação na divisão, podendo 
ser ditas numa só unidade, sem pausa, ou em duas unidades, As 
trases com mais de quinze sílabas se dividem em duas ou mais uni- 
dades. Sendo a unidade melódica predominante a de seis a oito 
silabas, explica-se que o verso mais popular seja o de sete sílabas 
Os versos mais longos, de dez, onze, doze sílabas, dividem-se em 
hemistíquios, que geralmente correspondem a unidades melódicas, 
Não há critério na divisão das unidades, havendo certa margem 
interpretação pessoal Algumas divisões possíveis são: sujer- 
to destacado como tema, termos sintáticos de certa extensão (sújei- 
to, predicado, objetos, adjuntos adverbiais); aposto, vocativo; ele- 
mentos de enumeração, orações coordenadas; orações subordina- 
dus. Às palavras enlaçadas numa mesma unidade apresentam nexo 
' ico mais estreito. 
Cada segmento melódico termina por uma inflexão de voz, que 
pode ser de tom Nyais OU menos elevado pu mais ou menos grave. A 
frase declarativa termina sempre por um tom mais grave, caracteri- 
sundo-se por esse abaixamento da voz Muitas frases se dividem 
cm duas partes: à primeira, que termina pelo tom mais alto, recebe 
o nome de prótase, e à segunda, marcada pelo tom descendente, o 
de apúdose A prótase é a parte que cria a expectativa, a curiosida- 
de, 4 lensão; na apódose se desfaz essa tensão Esta estrutura é um 
futor importante da expressividade e pode ser bem observada nos 
provérbios e frases dirremáticas, como 
175 
Mass vale quem Deus ajuda // do que quem cedo madruga. 
Voz do novo 1 voz de Deus 
A frase é simétrica se a prótase e a apódose têmem confronto com outros vo- 
cábulos equiva entes. Aplicando essas considerações ao verso de 
Bilac: “O ângelus plange ao longe em doloroso dobre”, pode-se 
dizer que o valor expressivo de plange, por exemplo, está no vocá- 
bulo em confronto com chora, toca, OU OULTO que poderia ocupar a 
mesma posição, mas esse valor é intensificado pelo seu relaciona- 
ento com ángelus é longe, que contêm fonemas com ' ns, sendo 
especialmente expressivos os fonemas nasais, que sugerem som 
prolongado, distante, lamentoso. 
Esquematizando a doutrina, tem-se 
| paradigmáticas - categoria 
As estruturas do signo são | do sistema Iingiísuco 
:b) sintagmáticas — posição no 
LENTO 
dos meios expressivos em po 
A Estilística pode tratar | tencial na língua 
'b) dos eleitos alcançados pelo 
Sel USO NO LEXDO 
E oportuno salientar que Jakobson valoriza o papel da gramá- 
tica no texto poêlico, negando a idéia + igente no seu tempo de estu- 
dante de que as idéias e o conteúdo emocional constitui ma essên- 
caco valor do texto Para ele as questões do verso, de sua matéri 
sonora e a problemática gramatical são indissolúveis e de reual im- 
td 
portância. Às categorias gramaticais repetidas ou contrastantes têm 
função de composição, daí o seu cuidado de descobrir o perhl gra 
cal de um texto e valorizar o seu efeito artístico (cf Diálogos, 
110) 
outros autores que seguem a Estilística estrutural temos 
Vel Riffaterre (Estilística estrutural) e Samuel Levin (Estru- 
guísticas em poesta) 
Riffaterre consic Estilísuca estudo exclusivo da mensa 
n, negando a pertinência estilística do sistema (o que se pode 
era 
considerar uma posição radical contestável). O esulo é fato resul- 
tante d; forma da mensagem e repousa sobre uma dupla série de 
procedimentos uns decorrentes de uma convergência (paralelismo, 
ocação de elementos linguísticos equivalentes — fônicos e se- 
mânticos — em posições equivalentes), e outros decorrentes dum 
ntraste dos signos. Os signos não têm valor absoluto, mas um 
valor resultante de uma oposição é contacto com oulros signos. So- 
mente no contexto é que se atuahza o valor expressivo Ponto im- 
portante da teoria de Riffaterre é a ênfase dada ao lertor; o estudo do 
estilo só pode ser definido em função do leitor, sendo destituída de 
inência estilística toda referência ao autor. Os estudos estilísticos 
levem ter por base, portanto. depormentos de leitores diversos, crí 
ticos, pessoas de alguma cultura literária. 
Samuel Levin, aplicando o princípio da função poética de 
Jakobson, procura descrever as estruturas linguísticas que distin- 
guem a linguagem da poesia da linguagem comum. Toda a sua ten- 
pH 
tativa de descrição tem por núcleo a estrutura que ele chama 
oplamento (“coupling ) e que consiste no seguinte: duas formas 
“quivalentes — seja pelo som, seja pelo sentido — dispostas na cadeia 
falada em posições equivalentes. O acoplamento é, pois, a conver- 
sência (v Riffaterre) de duas equivalências, uma de posição e outra 
de natureza (fonética ou semântica), e constitui um modo de 
integração e de amplificação do poema A rima é o exemplo mais 
claro de acoplamento, visto que palavras com coincidência de sons 
são apresentadas em posição equivalente (conforme os esquemas 
runáticos das composições de forma fixa). O emprego de smônimos, 
ntônimos, de palavras com alguma correlação de sentido em post- 
ções equivalentes está no mesmo caso E também o metro (sequen- 
aa fônica com determinado número de sílabas e acentos, que se 
e). Enfim, são acoplamentos reproduz texto com certa regularidac 
as construções que apresentam algum tipo de par lelismo. 
Embora considerando que o acoplamento é uma das estruturas 
importantes em poesia, reconhece Levin que por si só ele não expl- 
:5 
a unificação do poema. E, em relação ao grau desejável do seu 
emprego em poesia, adverte que seria um erro concluir que quanto 
mais acopl mentos se encontrem m poema tanto melhor será ele. 
Pelo contrário, poderá ser um poema banal O efero do processo 
depende da ação e interação srmultânea de todos os outros fatore 
que atuam sobre o poema. Depois de expor o seu método, Levin 
aplica-o na análise de um soneto de Shakespeare, mas esclarece 
não pretender uma interpretação global do texto, e sim uma de- 
monstração do papel desempenhado pelo acoplamento Na conclu- 
são da análise diz ser a sua função principal unificar o texto e faci- 
litar a sua memorização, 
"ara deixar mais claras estas idéias formuladas pela Estilística 
estrutural, tomemos o exiguo texto de um haicai de Guilherme de 
Almeida, “Pensamento 
O ar A folha. A 
No lago, um círe 
No rosto, uma ruga, 
(Toda a poesia, t. VI, p 131) 
O texto, de 17 sílabas poéticas, é formado por 5 frases nomi- 
nais, havendo, portanto, equivalên 1 estrutural: as três primeiras 
com a sobriedade de artigo defimdo mais substantivo, e as duas 
últimas, um pouquinho mais desenvolvidas, iniciadas por um 
sintagma nominal preposicionado com a idéia de lugar, destacado 
por pausa, Estes sintagmas preposicionais apresentam uma equiva- 
lência de sentido, visto que designam uma superfície e os sintagmas 
que a eles se seguem indicam a linha, o traço que se forma nas 
superfícies. Temos, portanto, equivalência de posição e equiva 
lência de significado, o que vem a ser um acoplamento. Note-se 
também a equivalência dos artigos, defimdos nas três frases do pri- 
meiro verso e nos sintagmas adverbiais, e indefinidos nos sintagmas 
subordinantes do 2º e 3º versos, Quebrando levemente a simetn 
entre o segundo e o terceiro versos, o substantivo círculo, que ocu- 
pa o centro do “círculo” formado pelo poema, é o úmico acompa- 
nhado de adjetivo Representando por X o smtagma nominal for- 
mado por artigo definido e substantivo e por Y o sintagma com 
artigo indefindo, por p à preposição e por À o adjetivo, tem-se este 
esquema que evidencia à equivalência estrutural: 
AAA. 
PATA 
pA,Y 
16 
Outros acoplamentos de posição/natureza observamos em. jo 
lhae fuga, que, além de estarem em posição equivalente, relacio 
nam pela ahteração do /f/ e pela vogal final comum tique se pode 
jar rima atômica); associam-se ainda pelo sentido, já que € su 
- como símbolo do pensamento. Fuga vera a fuga da folha pelo 
acopla-se anda a ruga pela rima e pela posição final no verso No 
colocadas no início gundo verso temos uma rima entre palavi 
no fin 
so apresenta ainda O acoplamento rostoíruga, que tem à alitera- 
(equivalência por oposição): no lago/vago. O terceiro 
a do dr, o mesmo número de sílabas, a mesma posição do acen 
1. € ainda se encontram em relação metonimica (ruga = laço do 
rosto). 
A anáhse das equivalências e convergências da sintética compo 
sição revela como elas ennquecem o poder sugestivo das pala- 
atol 
1.4 ESTILÍSTICA E RETÓRICA 
Como for visto, a Esulística despontou nas primeiras décadas 
leste século como uma disciplina de intenção mais ou menos 
científica, sem o objeuvo prático de ministrar conselhos ou normas 
quem fala ou escreve. Contudo, ela não pode ser col ipletamente 
desligada de estudos sobre a expressão linguística feitos em sect 
los anteriores, a saber, a Retórica, que se ocupou da linguagem para 
fins persuastvos e artísticos 
O desenvolvimento da hteratura pressupõe uma atividade re- 
flexiva em torno dos recursos expressivos da língua e não se pode 
onceber a culminância dos poemas homéricos sem imaginar por 
às deles uma longa tradição do cultivo da linguagem, anda que 
não se tenham conservado documentos teóricos comprobatórios. A 
acentuada valorização da palavra, do discurso, que impregna as la- 
las dos heróis homénicos (ressalte-se, por exemplo, ser a facúndia 
1 dos altos predicados de Ulisses) nos laz crer numa retórica 
ssistemática, bem anterior à de Corax e Tísias, apontados como os 
meiros mestres da arte do discurso (século V a.€.). Diz Cícero, 
sm sua obra Brutus, que foram esses dois homens os primeirosà 
reunir alguns preceitos teóricos do discurso argumentaivo no em- 
penho de ajudar os proprietários de terras da Sicília a defenderem 
us direitos violados por tiranos. Anterormente, anda que muitos 
n fal: 
ue se sabe, tinha segundo um método definido de arte. 
ordenada e curdadosamente, nin houvessem esforçado 
À e e SU 
Atmbun-se a um discípulo de Tísias = Górgias (séculos ViVaCja 
[7 
introdução da Retórica em Atenas, onde floresceu com os sofistas. 
Valornzando a destreza verbal, a apresentação convincente dos ar- 
gumentos, Górgias não manfestava preocupação quanto à veraci- 
dade dos fatos, razão por que a sua Retórica se tornou óbjeto de 
críucas. Essa irresponsabilidade moral passa a ser condenada, rei- 
vindicando-se para a Retórica um papel mais nobre que da sim- 
ples persuasão. Visto o discurso como o fundamento da sociedade 
humana, o meto pelo qual o homem expressa sua sabedoria, a edu- 
cação para o bom uso da palavra é defendida como a mais benéfics 
e desejável. Esse ideal seria mais tarde defendido magnificamente 
por Cícero, bem como por Quintiliano, e continuado pela Idade 
Tédia e pelo Classicismo, desempenhando importante função 
educativa. Alguns dos diálogos de Platão censuram a Retórica pela 
possibilidade do uso de técnicas persuasivas para fins desonestos € 
apresentam uma redefinição da Retórica, defendendo o primado da 
sabedona e da verdade sobre a habilidade verbal A sabedoria é o 
princípio e o fim da eloquência 
É, porém, Aristóteles quem escreve um verdadeiro tratado — A 
retórica (possivelmente em 339-338 a.C.) 
ensinamentos, discutindo, analisando, ordenando todos os aspec- 
tos da arte do discurso, de maneira prática e percuciente Segundo 
José Luis Marin, que traça um bom histórico dos estudos retóricos é 
-stilísticos, das suas remotas ongens até o século XX, Aristóteles 
não só conclui toda uma era da crítica, como também começa outra: 
acrítica literária ocidental. Os dois livros de Aristóteles, À retórica 
e A poética, formam os dois pilares em que se fundou a crític: 
tradicional do Ocidente, até chegar a Charles Bally (Crítica 
estilística, p. 90) 
Aristóteles dá particular relevo às provas da causa em questão 
e procura mostrar que a Retórica, não menos que a Lógica, tem sua 
própria espécie de rigor intelectual. A Retórica é primariamente uma 
técnica de argumentação, mais do que de ornamentação Ao tratar 
do estilo, afim 
obra extensa, fértil em 
ser a clareza, que se alcança pelo emprego dos 
termos próprios, a sua principal virtude: “Se o discurso não tornar 
manifesto o seu objeto, não cumpre a sua missão” O orador deve 
adequar o estilo às diferentes situações, evitando tanto o estilo ras- 
tesro como o empolado A elegância de linguagem pode ser obtida 
principalmente pela metáfora, que “é o meio que mais contribui 
para dar ao pensamento clareza, agrado e um certo ar estrangeiro” 
(cf. p. 2093. Sahenta também a importância do epíteto e do diminu- 
tivo, aconselhando, contudo, a moderação no uso d 
Muito pert 
já 
um e outro 
“ntes são também as considerações sobre b mimo, O 
LS 
1 concorre para que o discurso ganhe majestade e realize a sua 
ode comover O discurso deve ter rimo, mas não metro, pois 
caso se tornaria poema São comentados os valores rítmicos 
le vários tipos-de frases, as construções antitéticas, simétricas, sem- 
com fartos exemplos Os últimos capítulos da Retórica lratam 
us p tes do discurso, suas finalidades c É racterísticas. 
Na Poética, que é pouco postenor à Rei árica e que nos chegou 
imcompleta, Aristóteles trata da conceituação de poesia como imi- 
tação da realidade (mimese), dos gêneros poéticos (tragédi e epo- 
péia, sobretudo) e da elocução poética, mencionando aspectos co- 
muns à oratóri 1, Como a clareza; refere-se aos desvios da linguagem 
omum que tomam à linguage m da poesta mais elevada, e enfatiz 
pecialmente o valor da metáfora. “É importante saber empregar a 
propósito cada uma das expressões por nós assinaladas, nomes e 
importância do estilo metafórico. Isto só. 
não é possível tomar de outrem, constitui a caracterísica dum 
rico engenho, pois descobrir metáforas apropriadas equivale a ser 
capaz de perceber as relações “ (Cap. XAIN. 
Com o seu gêmo classificatório, Anstóteles ordena, divide, sub- 
livide os múltiplos elementos da arte oratória e da poética, mas 
não se detém numa classificação pormenorizada das figuras de hn- 
guagem Seriam os retóricos posteriores que iriam multiplicar as 
observações sobre os fenômenos da expressão, elevando incessante- 
rente o número das denominações c complicando a sua classifi- 
ão O estudo da elocução chegará a sobrepor-se ao das de- 
vor todavia é 
mais partes da Retórica (invenção, disposição, ação c memória), 
ficando ela confinada às figuras do discurso (cf Fontaner, Les fi 
ures du discours), quando não aos trópos (cf. Dumarsais, Traité 
es [rópes) 
Nos grandes retôncos do Classicismo, a Retórica já se con- 
lundira com à Poética, oferecendo onentaç 
n geral e estabelecendo critérios pa 
para a elaboração li- 
o julgamento das 
ÚDTAs 
Com a profunda mudança de idéias que se dá a partir do século 
XVIII (Romantusmo), com a valorização do individual e repúdio de 
15 estabelecidas e da imitação como princípio artísuco, a Re- 
tórica car em desprestígio, passa até a ser ridicularizada. Mutto con 
para isso a obsessão da nomenclatura, da classificação pe- 
la classificação, que fazia do texto literário n pretexto para a idei 
e denominação das figuras, com prejuízo da emoção e 
1 prazer que ele deveria proporcionar. Charles Bally, por exem- 
assificar aquilo que a para 
ele chama simplesmente “calegonas expressivas” com termos téc- 
micos rebarbativos é pedantes e que não designam tipos defini 
dos “Se uma terminologia é necessária, é preciso refazê-la, para 
nús, que só procuramos à razão de ser c as Formas n iturais & ex- 
pressivas das asi nossa classificação será muito mais sim- 
ples” (Trauté, p. 187 ) Não obstante os repetidos ataques à nomencla- 
tura retórica, termos como metáfora, metonímia, onomatopéia, 
prosopopéia, alegoria, hipérbole, anacoluto, zeugma, etc. cont 
nuaram a ser usados, não tendo sido nem substituídos nem dispen 
sados. 
Por volta dos anos sessenta, pode-se presenciar um movimento 
de revalorização da Retórica, uma nova avaliação da sua contribui- 
ção ao estudo dos fatos da linguagem. Prerre Gui ud, depois de 
apresentar as linhas principais que nortearam a Retó 
nie e tantos séculos de desenvolvimento, dá um balanço do seu 
legado: “A Retórica é a Estilística dos antigos, É uma ciência do 
estilo, tal como então se podia conceber uma ciência: 
ca nos seus 
A análise que 
nos legou do conteúdo da expressão corresponde ao esquema da 
linguística moderna. língua, pensamento, locutor As figuras de 
dicção, de construção e de palavras definem a forma lingúística em 
seu tríplice aspecto fonético, sintático e léxico, as figuras de pensa- 
mento, forma do pensamento, os gêneros, à situação e as intenções 
d 
gênuos — muito menos do que se poderia julgar à primeira vista — 
mas de todas as disciplinas antigas, é a que melhor merece o nome 
de ciência, pois a amplidão das observações, a sutileza da análise, 
precisão das de 
alante. Alguns dos seus aspectos podem parecer-nos 1n- 
ições, o rigor das classificações constituem um 
estudo sistemático dos recursos da linguagem, cujo equivalente não 
se encontra em qualquer dos outros conhecimentos daquela época” 
A estilística, p. 36: La styhistique, p. 20). E possível que esse jul- 
gamento seja excessivamente favorável, mas é inegável a importân- 
cia da contribuição da Retórica para o conhecimento dos fatos da 
linguagem em £ ger 
guagem liter 
ticular. 
e) | (visto que as figuras não são exclusivas da lhn- 
a) e da linguagem artisticamente elaborada em par- 
Obras modernas que tralam da Retúnca com profundeza c amph-tude consideráveis são Elementos de retórica literária, de Hemrich 
Lausberg (Elementer der Literarischen Rhetorik, Múnchen, 1949, 
1963; tradução portugue 1965) e Drctonnaire de Poctique et de 
Rhétorique, de Henn Moner (1º ed. 1961; 2º ed aum. 1975 
31) 
s autores, como Roland Barthes, Gerard Genette, J. Co 
Perelman e L. Olbrecht-Tyteca, entre outros, têm re- 
do os estudos retóricos em obras de real importância. Grande 
tem tido a retomada da Retórica em nova base crentifi- 
por um grupo de professores da Unmversidade de Litge, Bélgica, 
Rhétorique gênérale. Os autores (J. Dubois, F Edehme, J. 
M. Klinkenberg, P Minguet, F. Pire e H. Trinon) propõem-se a es- 
função retórica (denominação que preferem à função poéti- 
lakobson), considerando que essa função implica alterações 
as da linguagem, e denominam metábole todo tipo de mu- 
a de um aspecto qualquer da linguagem” Essas mudanças se 
adram em quatro tipos. as alterações da expressão (significantes) 
ão os meraplasmos (alterações de palavras) e metataxes (i crações 
de frases), as alterações de conteúdo (significado) são os merasse- 
1 
dar-se por supressão, por adjunção ou acréscimo, ou por supressão- 
lavras) e metalogismos (frases). Essas alterações podem 
de elementos hngiiísticos (alterações substanciais), OU 
orrer na ordem dos elementos (alterações relacionais). Os 
gISMOS — que correspondem As figl s de pensamento - não 
10s elementos linguísticos, mas afetam a gica do enuncia- 
do, A descrição das figuras retóricas ou metáboles se baseia em 
tos operatórios não muito precisos, de difícil defimção, a 
r grau zero, desvio, marca, redundância, autocorreção e 
nte O resumo do item 2 (conceitos operatórios) do capítulo 
uma hgeira idéia da orientação da obra e do seu objeto: 
“Em resumo, a retórica é um conjunto de desvios suscetíveis 
tocorreção, isto é, que modificam o de redun 
1 língua, transgredindo regras, ou inventando outras no- 
vas. O desvio criado por um autor é percebido pelo leitor graças 
ja marca, é em seguida reduzido graças à presença de um inva- 
rante (OQ) conjunto dessas operações, tanto às que se desenvolvem 
| produtor como as que têm lugar no consumidor, produz um efei 
jo estético específico, que pode ser chamado ethos e que é o ver- 
dadeiro ij o da comunicação artística. A descrição completa de 
LI à figura de retórica deve então obrigatoriamente comportar a de 
»u desvio (operações consututivas do desvio), a de sua marca, a de 
uu invariante e a de seu ethos” (p 66-67). (Entretanto o estudo 
mais desenvolvido do ethos não chegou a entrar nesse volume.) 
A Retórica Geral tôma exemplos, não murto mumerasos, quer 
ra, quer da jornalística E uma obra sobrecarre- 
que exige do leitor certo urocímio nos estudos lin 
Fetóricos 
1.5 CONSIDERAÇÕES FINAIS 
Sendo muto numerosos os autores que So ocuparam ou que se 
vêm ocupando de Estilística e Retórica, apresentando novas idéias 
e teonas, e não sendo a imienção deste trabalho fazer um fmstórico 
minucioso do seu desenvolvimento, muitos estudiosos de vulto, co- 
mo Roland Barthes, Carlos Bousono, Gérard Genette e outros, não 
foram mencionados Acreduiamos, entretanto, que a sínicse upre- 
sentada seja suficiente para dar idéia das teorias principais, bem 
como da complexidade e da importância da maléria. 
Pela incursão fera através das obras mais significauvas da Es- 
Ulística e da Retórica, pode-se ver que noções fundamentais da pri- 
meira já se encontravam na segunda, como a de desvio e escolha, 
das variedades de hnguagem conforme a situação ou estado emoti- 
vo do falante, da expressividade, e do efeito suscitado no leitor ou 
ouvinte 
A Estilística tem um campo de estudo mais amplo que o da 
Retórica: não se limitando ao uso da linguagem com fins exclusiva- 
mente Inerários, interessa-se pelos usos linglísticos corresponden- 
tes às diversas funções da linguagem, seja na investigação da poeti- 
cidade, seja na apreensão da estrutura textual, seja na determinação 
das peculiaridades da linguagem devidas a fatores psicológicos e 
Sociais. 
As várias teorias estilísticas, cada qual com à sua contribuição, 
podem ser compreendidas em dois grupos: as que consideram O 
fenômeno estilístico como objeto de pesquisa em si mesino, c as 
que o consideram como o meio privilegiado de acesso à interioridad 
A primeira é à Estilísica de expressão ou linguística, à 
segunda, a do indivíduo, a literária. Em ambos os casos se reconhe- 
ce na linguagem uma função representativa (intelectva, referencial, 
denotativa), que diz respeito a um conteúdo objetivo, nocional, e 
uma função expressiva, apoiada na primeira, que diz resperto a um 
comteúdo subjetivo, o qual constitui o fato estilisuco, atingindo su 
intensidade máxima na língua hterária (cf P Barucco, Eléments é 
stylistique). 
do escrili 
O caráter científico da Estilisica — Ou à sua pretensão de alin- 
gr o estatuto de ciência — advém do seu objevo de explicar os usos 
da linguagem que ultrapassam a função puramente denotativa, Com 
mator exaudão e sem à propásio normativo que caractentou a Re- 
tórica, Contudo, não se logrou ainda um método rigoroso que asse- 
gure sua condição de ciência e o seu objeto não está salisfatoriamente 
delimitado 
O estudo que ora apresentamos trata da EXpres avidade da lin- 
pum POrtugue isto É, Os meios que ela oferece aos que falam ou 
serevem para manifestarem estados emotivos e julgamentos de va- 
lor, de modo a despertarem em quem ouve ou lê uma reação tam- 
n de ordem afetiva 
Seguimos, pois, a inha descritiva, imciada por Bally, com apro- 
tamento das lições de mestres diversos, especialmente Jakobson, 
arte literária com os elementos Ingúisticos. 
lentemente, só será apresentada uma parte do universo expres- 
to bem relacionou 
vo de nossa lingua, sendo impossível, mesmo em obra de maior 
rção e ambição, apresentar a totalidade (ou quase) dos recur- 
os que constituem o seu potencial, mesmo porque esse potencial 
sá em constante TenóvaçÃão. 
Embora com alguma freguência se examinem fatos de lingua- 
im, é principalmente dos textos literários que são toma- 
dos exemplos que permitem deduzir as possibilidades estilísticas 
Toco 
do português nos três níveis. fonético, léxico, sintático. Esses exem- 
plos são forçosamente destacados do seu contexto, o que impede 
que se perceba a plena extensão do seu valor expressivo, relaciona- 
do a outros elementos da rede estilística Entretanto, pela indicação 
das obras de que foram extraídos, poderá o leror Ir ao texto original 
nos casos que lhe despertem maior interesse. 
Os procedimentos expressivos, de natureza vária, que apare- 
“m combinados na sequência do discurso, são examinados separa- 
damente nos diferentes capítulos por motivo didático Mas muitos 
exemplos tomados para ilustrar um determinado fato, podem ser 
aproveitados para observação de outras particularidades que nel 
unvergem Nos três capítulos dedicados à Estilística fônica, léxica 
“ sintática, são estudados respectivamente os valores hgados à so- 
oridade, à significação e à formação das palavras, à constituição 
das frases; no capítulo final, são focalizados alguns aspectos do 
discurso. particularmente os processos de citação e de apresenta- 
da fala nas narrativas de ficção. Enquanto neste predomina à 
Estlística da enunciação, nos outros tem mais destaque a Estilística 
do enunciado. 
Não tem este trabalho a pretensão de ensinar os leitores a es- 
i-los na formação de um estilo, tampouco visa à ver OU OrIEen 
rálises Irterárias integrais. Seu objetivo é despertar maior cons- 
ciência das imensas possibilidades de expressão da nossa língua, 
as quais têm sido desenvolvidas e exploradas pelos seus milhões de 
ários O conhecimento da língua do ângulo da expressividade 
constúui o p sso InIcIdÍ para a compreensão e valoração dos textos 
literários. Como bem diz Guiraud,“sem ser o objeto nem o fim 
único ds 
seus efeitos é a tarefa maior do estilólog 
se Es O estudo dos valores EXPRESSIVOS e de 
» à ponto de partida in- 
i ] E 1 Va Es T 
de toda crítica de estilo” (Essais de stviistique, p. (9). dispensáve 
| 6 BIBLIOGRAFIA 
Alonso. Amado. Materia med M 
de Darcy Dar 
Arte retórii 
e Ouro [s.d.] 
Ench. Mimese To da rei 
a EDUSP, Trad de George Spe Perspec k 
Marcel Le 
hriques 
i ja Cn 
Derek Day Y Im 
lisconurs. Intr. de 
ol. “Que 
Mestre Jo 
ichda. P; 
] Mis ne 646). (4 e 
ten Sed 
rs 
Jakobson, Roman é Po 
1 5ã01 
Mourier, Henr 
p 
f 
EA 
Exenonna 
Trelh 
+ 1967 
sesa Rio de Ja- 
Paris, PUF 
Anne Armcei 
e MIT Press, 1964. 
2.4 ESTILÍSTICA DO SOM 
2.1 A ESTILÍSTICA DO SOM O U FÔNICA | 
Também chamada Fonoesulística, trata dos valores expressi- 
vos de natureza sonora observáveis nas palavras € nos enunciados. 
Fonemas e prosodemas (atento, entoação, altura e TitMO) dead 
em um complexo sonoro de extraordinária importância na função 
emotiva € poética. 
| 
Ei pr de permitir a oposição de duas palavras — função Esgtine 
uva — a matéria fônica desempenha uma função expressiva que E 
deve a particulandades da articulação dos fonemas, às suas que I- 
dades de umbre, altura, duração, intensidade. Os sons da tingua — 
como outros sons dos Seres — podem provocar-nos tma dr 
de agrado ou desagrado € ainda sugerir idéias, impressões. e Ro 
como o locutor profere as palavras da lingua pode também « ao 
ciar estados de espírito ou traços da sua personalidade. Evidente” 
mente, essas Impressões € sugestões oferecidas pela matéria EA 
são recebidas de maneira diversa conforme as pessoas São 08 nd 
tas que trabalham com à palavra, poetas € atores, us e EE 
apreendem o potencial de PS dos sons e que deles 
ae so mais refinado. 
O caisicoiá que à fonologia expressiva ainda estava por ser 
iniciada (na ocasião em que escrevia o ensaio “Estulísica y hingúis- 
nica veneral”, incluído em El lenguaje Y ta vida), quando já tinha 
prontos os materiais básicos, em vista do avanço da Fonologia tin- 
gúísuca, Bally faz esta ponderação. “Não há dúvida de que na pé: 
téria fônica se escondem possibilidades expressivas. Deve se nar 
tender como tal tudo que produza sensações musculares € aRisças: 
sons articulados e suas combinações, jogos de tumbres vocál IC 08; 
melodia, intensidade, duração dos sons, repetição, assonância € 
alterações, silêncios, ele Na linguagem, estas impressões fônicas 
permanecem em estado latente enquanto O significado ço paris 
afeuvo das palavras em que figuram sejam indiferentes ou Opostos 
a esses valores, mas brotam quando há concordância. Assim, junho 
à Fonologia propramente dita há lugar para uma Fonologia E A 
siva, que pode trazer munta luz à primeira analisando O que gi E 
o unstinto: que há uma correspondência entre Os contimentos e 0 
efeitos sensoriais produzidos pela linguagem” (p. 101) 
20 
Entre os autores que mais se dedicaram ao exame da 
expressividade dos elementos sonoros, destacam-se Maurice 
Graymonte Hen Moner, Ambos, como Bally, salientam que os 
fonemas apresentam potencial expressivo, de acordo com a nature Ea 
za de sua articulação; mas as idéias que sugerem só se percebem 
quando correspondem à significação das palavras ou da frase; quer 
dizer, seu valor latente só é posto em relevo pela significação “A 
expressividade de um elemento sonoro ou articulatório — diz Morier 
no verbete sobre consoantes do seu Diertonnare de Poénque er de 
Rhétorique — provém de um encontro feliz. Um ou outro dos 
caracteres constitutivos do fonetismo da palavra considerada deve 
ser à imagem-de-um-ou outro aspecto do significado. É o sentido 
que serve de filtro, recusando os valores fonéticos sem relação com 
os elementos do significado e exaltando os valores concordes,” As- 
sim, o potencial de “escundão” da vogal /u/ se aproveita em escut- 
ro, noturno, mas é recusado em luz, dismo. Apomando-se em Evan 
Fonagy. Morier fala em metáfora fonética, em face da intersecção 
de um sigmficado e de um significante. TNa metáfora semântica 
ócorre a intersecção de dois significados: o de um comparante e o 
de um comparado ) 
Adaptando a explicação dada por Moner para o vocábulo fran- 
cês sifile ao nosso assovio, podemos dizer que as noções de ruído 
agudo, de produção de sopro e de nota aguda encontradas no signi- 
ficado, correspondem à consoante de ruído agudo [s], ao fonema 
produtor de sopro [v], e à vogal de nota aguda [1] do sigmficante, o 
que se pode representar graficamente do seguinte modo: 
significado significante 
“ruído agudo” - consoante de ruído agudo 
“produção de sopro”. “fonema produtor de sopro 
“nota aguda” vogal de nota aguda 
Outras noções que a palavra possa conter e outros fonemas 
que a integram ficam de fora da intersecção expressão-conteúdo. A 
formá assobio perde a sugestão de sopro contunuado pela troca da 
fricatva pela gelusive 
Quando hão há nenhuma correspondência entre o significante 
e o sqgnificado pos sons e a antitulação-da palavra têm expressivida- 
de zero; havendo então a “arbitrariedade” da palavra, conforme 
27 
Saussure. Havendo alguma correspondência, há a “motivação so Essa questão do simbolismo fonético tem sido objeto de pes- 
nora”, uma-das propriedades da linguagem poénca No seu empe- quisas de lingúistas (v g. E. Saprr) e de psicólogos (cf Dotartalvi) 
Estica e, : E 
A 
sea o à E ia . E: E 
nho pela motivação, os poetas acumulam em seus versos os funemas mas já poetas e Leóricos antigos mostraram-se sensiveis à ela. W 
E = 
E ê 
.. 
& fa E E a E 
mais próprios à pôr audiivamente em luz a idéia a exprimir. E um Porag cita uma passagem da tragédia As Eumênides, de Ésquilo 
dos recursos para que a mensagem valha por si mesma, não apenas em que o fonema [R] é aproveitado na caracterização dos sons pro- 
pelo seu valor referencial, conforme Jakobson, 
duzidos por essas divindades que se conduziam como cães de caça 
ET ; 
(cf Elmundo maravilloso del le je à Cícero e Oui ; 
Walter Potzig; em sua bbra El mundo maraviltoso del teriguae, 
ste EEE E | lenguaje, p 36). Cícero e Quintihano 
disungue na neutralização do caráter arbitrário do som linguístico mas, o fonema [ml foi ch À io ca ri O a 
neutralização. (tl in Minde 
g hamado “hitter set picos 
três aspectos, à saber:-a imttação sonora, a transferência sonora € à can UI E META MÃES 8-0 [RJ] “uttera 
ds dd Libldio dane alia EE anna”. Numerosos escritores modemos têm testemunhado sua sen- 
correspondência articulatória À primera se dá na onomatopéia, 
sibilidade aos sons da lí 
Es 
eta arc E FERE : aos sons da língua em passagens metalinguísticas. Sirvi 
ém que se procura traduzir sons sarados através dos sons da língua. dvoaanio ste fi 5 5. E 
pe aa 
à E 
exemplo este ragmento de Munlo Mendes, a respeito de um leão 
A segunda ocorre pela sugestão de impressões sensortáis não audi- que marco ua infância “ E ê 
nei o bi . 
wu a sua infância “O nome do leão era Marruzko Esses 
tivas através dos sons linguísticos; € O Caso. por exemplo, da suges- dois erres, com o zê azedo e o ká Ê SS 
o claridade nólá repetição da vo val [a] (v g. em cascata c lára) ; 5. zé azedo e o ká cortante, mais o urto do u no centro, 
ão de claridade pela Ff ição da VOZ (VE-E » e ! formavam um composto que me aterronzava” (A tdade do serrote. p 29) 
eu de escuridão pela vogal [u] (vg. em furna escura), de suavidade Dos autores que mais recentemente se têm ocupado da Esnlí 
i : istulis- 
pela consoante nasal (v.g. musgo mácio). A terceira resulta de uima tica fômica, deve ser mencionado PR. Léon, que nos seus E sais d 
a E Pt da 
: é s seus Essais de 
correspondência entre os movimentos articulatónios da produção do phonostylistique comenta os estudos mais umportantes realizados 
A 
Ea E ENT aa " adaç [A 
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E e mo -: 
som é a idéia que exprime; é o caso das vogais arredondadas [6], sobre a matéria € procura dar uma orientação

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