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W BA 01 34 _V 3. 0 COMUNICAÇÃO POPULAR E COMUNITÁRIA 2 Beatriz Helena Ramsthaler Figueiredo Londrina Editora e Distribuidora Educacional S.A. 2024 Comunicação Popular e Comunitária 1ª edição 3 2024 Editora e Distribuidora Educacional S.A. Avenida Paris, 675 – Parque Residencial João Piza CEP: 86041-100 — Londrina — PR Homepage: https://www.cogna.com.br/ Diretora Sr. de Pós-graduação & OPM Silvia Rodrigues Cima Bizatto Conselho Acadêmico Alessandra Cristina Fahl Ana Carolina Gulelmo Staut Camila Turchetti Bacan Gabiatti Camila Braga de Oliveira Higa Giani Vendramel de Oliveira Gislaine Denisale Ferreira Henrique Salustiano Silva Juliana Schiavetto Dauricio Juliane Raniro Hehl Mariana Gerardi Mello Nirse Ruscheinsky Breternitz Coordenador Giani Vendramel de Oliveira Revisor Daniela de Queiroz Picchiai Editorial Beatriz Meloni Montefusco Carolina Yaly Márcia Regina Silva Paola Andressa Machado Leal Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)_____________________________________________________________________________ Figueiredo, Beatriz Helena Ramsthaler Comunicação popular e comunitária/ Beatriz Helena Ramsthaler Figueiredo, – Londrina: Editora e Distribuidora 2024. Educacional S.A., 2024. 32 p. ISBN 978-65-5903-569-4 1. Fundamentos. 2. Democratização. 3. Processo. I. Título. CDD 321.8 ______________________________________________________________________________________ Raquel Torres – CRB 8/10534 F475c © 2024 por Editora e Distribuidora Educacional S.A. Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida ou transmitida de qualquer modo ou por qualquer outro meio, eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia, gravação ou qualquer outro tipo de sistema de armazenamento e transmissão de informação, sem prévia autorização, por escrito, da Editora e Distribuidora Educacional S.A. https://www.cogna.com.br/ 4 SUMÁRIO Apresentação da disciplina __________________________________ 05 Fundamentos Básicos da Comunicação _____________________ 07 Comunicação Popular e Comunitária em ambientes analógico e digital ________________________________________________________ 21 Participação. Meios de Comunicação. Democratização da Comunicação ________________________________________________ 35 A comunicação em rede e a democratização do acesso à informação __________________________________________________ 45 COMUNICAÇÃO POPULAR E COMUNITÁRIA 5 Apresentação da disciplina Nesta disciplina, vamos mergulhar nos estudos que compreendem a comunicação popular e comunitária. Trata-se de um universo repleto de possibilidades e que nos leva a uma experiência de reflexão e prática no exercício do pensamento crítico. Este estudo está orientado por questões sociais fundamentais pautadas pela democratização do acesso à comunicação, criando mecanismos, dispositivos e práticas de comunicação que garantem a liberdade de expressão e a construção de espaços de diálogos entre sujeitos sociais e a própria comunidade. A comunicação popular e a comunicação estão sempre em um campo de disputas porque em uma sociedade mediada pelo discurso, detém o poder quem detém os meios de promoção e produção de conteúdo midiático. Criar projetos de comunicação que pretendam amplificar e dar voz a grupos sociais historicamente silenciados é prática de resistência socialmente engajada porque possibilita que coloquemos as vozes menos favorecidas em espaços de poder. Projetos de comunicação popular e comunitária podem ser desenvolvidos com os mais variados fins, mas têm em comum o objetivo de atender a uma demanda de determinado grupo ou espaço social. Podem ser criados para diversos tipos de suportes, sejam eles analógicos ou digitais, e seu alcance depende do meio de comunicação escolhido e dos objetivos pretendidos pelo projeto. 6 É um universo sedutor de estudos porque amplia o campo de trabalho do profissional e possibilita a autonomia necessária para criação de projetos independentes e que podem vir a ter grande impacto social. Aproveite as aprendizagens! 7 Fundamentos Básicos da Comunicação Autoria: Beatriz Helena Ramsthaler Figueiredo Leitura crítica: Daniela Picchiai Objetivos • Compreender os mecanismos sociais que orientam as práticas de comunicação. • Refletir sobre o poder da comunicação em âmbito social e político. • Analisar as características básicas do fazer comunicacional. 8 1. Fundamentos da comunicação humana Em um mundo mergulhado em rede, em que todos temos voz ativa diante dos novos processos de comunicação, é fato que esta pauta se torna urgente e relevante. A comunicação é assunto atemporal, mas que se modifica com a agilidade do mundo contemporâneo. A vida, depois do advento da internet e da rápida evolução tecnológica, se modifica a cada dia. Depois da popularização da I.A. (inteligência artificial), a velocidade das mudanças ficou ainda mais intensa. Tudo muda o tempo todo. E nós, como lidamos com isso? Sob o âmbito profissional, a atualização passa a ser pauta de extrema necessidade. O mundo de ontem não é mais o mundo de hoje. Estar atento aos processos de mudanças no campo comunicacional é tarefa imprescindível ao profissional que pretenda exercer uma atividade na área. Comunicação é política e é poder. Detém o controle de uma sociedade quem souber se comunicar com ela. Comunicação é um campo de disputas. Qual é o discurso hegemônico que controla a sociedade contemporânea? Quais são os discursos na contramão do sistema? Como dar voz aos invisibilizados e marginalizados? Como disputar o espaço de poder com a elite econômica brasileira? Questione-se o tempo todo. O nosso campo de estudos reside na inquietação. Quem detém o conhecimento sobre o campo da comunicação, detém o poder diante de um ou mais grupos sociais. A comunicação é matéria- prima na relação social. Estamos diariamente inundados de textos comunicacionais que têm por objetivo mediar, controlar, incitar, provocar respostas de comportamento, informar, entreter; enfim, gerir o campo das relações sociais das sociedades contemporâneas. 9 A comunicação popular ou comunitária é uma resposta social diante das relações comunicacionais que por anos foram mediadas apenas por grandes empresas (como os principais canais de televisão ou jornais e revistas impressos). Comunicação comunitária, como o próprio nome diz, é um espaço de conquista de dada comunidade que garante autonomia e poder a determinado grupo social diante de pautas que se mostram urgentes, sejam elas no campo político, social, cultural, de saúde ou de entretenimento. Comunicação comunitária é poder. Dar acesso à informação de forma responsável e consciente é papel importante da comunicação, mas não esqueçamos que o acesso à informação não significa, necessariamente, que esta informação será compreendida. Há muitas variáveis para que alcancemos o objetivo de comunicar. 2. Conceito de comunicação O campo da comunicação é extenso e abarca questões dos estudos sociais e políticos, tornando-se um conteúdo transversal que abraça conhecimentos da psicologia social, da filosofia, dos estudos da linguagem, do marketing e dos mais novos e avançados estudos de mídia e tecnologia. Falar de comunicação é “abraçar o mundo” com o intuito de compreendê-lo e de transformar esse conhecimento adquirido em potência geradora de controle, manutenção ou transformação social. Para nos aventurarmos nesta viagem é preciso que comecemos a pensar no que compreende efetivamente o ato de se comunicar. Ora, eu me comunico quando digo alguma coisa para alguém. Mas 10 será que a comunicação se dá apenas pela fala? Comunicamo-nos o tempo todo e por várias e inúmeras maneiras, porém devemos pensar cuidadosamente nesse processo para melhor entendê-lo. Os estudos que tratam dos processos comunicacionais no decorrer da história são abarcados pelo campo das teorias da comunicação. Estas teoriasanalisam a área da comunicação social sob várias óticas. As teorias mais conhecidas são a teoria hipodérmica, a teoria funcionalista, a teoria culturológica e a teoria crítica e os estudos culturais. Também podemos falar das escolas. Nos estudos da teoria da comunicação encontraremos a Escola de Chicago, a Escola de Palo Alto, a Escola Canadense, a Escola Francesa, a Escola Alemã e a Escola Inglesa. Há ainda uma linha de estudos da teoria da comunicação em âmbito nacional. A corrente chamada de folkcomunicação foi pautada pelo teórico Luiz Beltrão de Andrade Lima, durante a década de 1960. A teoria mais simples que pretende explicar o processo comunicativo diz que temos, em qualquer situação de comunicação, pelo menos um emissor, um receptor e uma mensagem (Figura 1). O emissor seria aquele que emite a mensagem. O receptor seria aquele que recebe a mensagem. A mensagem seria o conteúdo emitido, o texto pronunciado, aquilo que é dito. Porém, esse processo compreende também outras variáveis. É preciso levar em conta a existência de ruídos, que são mais do que simplesmente sons que atrapalham o processo de comunicação. 11 Figura 1 – A comunicação pressupõe pelo menos um emissor e um receptor Fonte: Shutterstock.com. A mensagem é construída a partir de um determinado código que poderia ser definido como um conjunto de sinais organizados segundo um padrão preestabelecido. Este documento que você agora lê é um suporte de comunicação organizado a partir de um código comum ao autor e ao leitor. É por isso que ao ler este documento você consegue compreender o que lê. Se em vez da língua portuguesa este documento tivesse sido publicado em russo, talvez você tivesse dificuldade para compreender o que está escrito. Teríamos então um ruído gravíssimo em nosso processo de comunicação. Há mais um elemento para construirmos esta leitura, ainda básica, do processo de comunicação. É o que chamamos de “canal de comunicação”. Como esta comunicação se dá? É uma comunicação direta, ou seja, entre duas pessoas que se encontram frente a frente? Ou é uma comunicação que se dá por meio de telefone, internet, televisão, texto impresso ou por uma emissora de rádio? Estes são canais de 12 comunicação. É o suporte em que a comunicação se efetiva. Cada meio de comunicação tem características próprias que também devem ser entendidas para que possamos potencializar o processo comunicacional. Outro elemento a se levar em conta é a compreensão do repertório de quem emite e de quem recebe a mensagem. Iniciamos a nossa disciplina dizendo que hoje somos vozes ativas, ou seja, não estamos passivamente aguardando o texto que desejam que consumamos, sem que queiramos interagir com a informação que recebemos. Você já ouviu falar do termo “comunicação de massa”, não é? O que seria esse conceito? Você já pensou a esse respeito? Inicialmente, quando criado no início do século XX, esse conceito pretendia abordar a ideia de uma comunicação advinda do rádio, da televisão e do cinema (os chamados novos meios de comunicação) que poderiam alcançar um público maior do que a minoria alfabetizada. Apesar de aparentemente ser similar ao uso que fazemos do conceito atualmente, ele já não tem a mesma carga de significação histórica, em razão de novos tipos de suporte (como a internet) que criaram uma relação de comunicação, menos hierárquica e mais horizontal. Outra questão a se pensar em relação à importância desse tema diz respeito à influência do campo da comunicação em nosso comportamento. A comunicação pode ditar regras, moda ou nos influenciar diante de escolhas. Mas onde essa história começa? É preciso que tenhamos em mente que são inerentes ao homem a capacidade e a necessidade de comunicação. Desde a pré-história o homem não só criou sistemas próprios de comunicação como também deixou registros que se tornaram documentos para a humanidade. Eles pintaram paredes de cavernas e rochas, imprimindo marcas e símbolos que continham certa intenção narrativa. 13 O processo de comunicação humana foi evoluindo conforme o desenvolvimento das sociedades e atingiu o ápice com o desenvolvimento da prensa (1455), que possibilitou a reprodução de textos e o desenvolvimento da própria história da comunicação e, dentro desse escopo, a própria história da informação e da imprensa. Porém, foi com o desenvolvimento tecnológico que se possibilitou criar, ainda no contexto global, suportes como o rádio (1900) e posteriormente a televisão (1924). Durante o desenvolvimento das sociedades, outras tecnologias vão, aos poucos, transformando a nossa relação com esses meios. Com o advento da internet, que se popularizou a partir do final do século XX, tornamo-nos ainda mais autônomos e, nesse processo, fomos capacitados para a interação. Isso fez com que aquela antiga fórmula que afirma que o processo de comunicação se dá a partir de emissor se tornasse ainda mais complexa. Hoje dizemos que o protagonismo não está mais no emissor, mas no receptor da mensagem, e devemos estar atentos a um novo processo que se naturaliza nessa relação: o feedback (retorno) gerado pelo receptor da mensagem que se dá, cada vez mais, de forma imediata e instantânea. Atualmente, o desenvolvimento da I.A. (inteligência artificial) nos possibilita entrar em mundo ainda mais potente. A comunicação começa a deixar as telas e ganha as coisas. A internet das coisas é uma realidade. 3. Filosofia da linguagem Diante desta introdução, vale dizer que se tornam também fundamentais os estudos que envolvem a linguagem, afinal a linguagem é o instrumento principal de qualquer processo de comunicação humana. Há diversos caminhos acadêmicos para nos aprofundarmos no campo da linguagem, porém, dentro da proposta de estudos aqui apresentada, 14 algumas de nossas possibilidades são abraçadas pelo campo de estudos da filosofia da linguagem. Podemos considerar que os estudos da filosofia da linguagem surgiram ainda na Grécia Antiga, com Platão e Aristóteles. Este campo é apontado por muitos pesquisadores modernos como um dos principais para a compreensão dos fenômenos filosóficos porque compreende o estudo da linguagem, que seria a expressão ou forma que damos às ideias e crenças. Quando pensamos em linguagem, falamos da relação entre seres vivos e, especificamente, da nossa relação enquanto seres humanos. É a linguagem um suporte de comunicação básico para que as relações humanas possam acontecer. O ser humano, aliás, é considerado o ser vivo que desenvolveu os mais complexos códigos de comunicação. Estes códigos fazem parte justamente do estudo da linguagem. É preciso reforçar que existe mais de um tipo de linguagem e não apenas a verbal (oral ou textual). O texto é apenas um dos suportes da linguagem. Há interessantes discussões acerca dos estudos da linguagem no campo da comunicação televisiva. A televisão se utiliza de linguagem verbal, porém são fortes o apelo e as estratégias de uso de linguagem não verbal, uma vez que o meio audiovisual potencializa o uso do corpo como instrumento de comunicação para além da fala. Na televisão, tudo no corpo comunica. Podemos falar de linguagem não verbal (visual) porque os símbolos e as imagens também comunicam (Figura 2). Você já pensou no quanto os símbolos exprimem textos que geram em nós a compreensão da mensagem? Um semáforo vermelho nos diz “pare” sem precisar falar ou escrever em letras de forma, uma placa de trânsito nos fala o que 15 devemos, podemos ou não podemos fazer diante dela, e placa não fala, mas sinaliza, simboliza o texto que é aprendido a partir do repertório adquirido. Figura 2 – Comunicação não verbal: quando você vê esta placa, sabe o que ela indica sem precisar do texto verbal para explicá-la, não é? Fonte: Shutterstock.com. Podemos falar, ainda, quando o assunto é linguagem não verbal, daquilo que convencionamos chamar de linguagem corporal, afinal, nosso corpo comunica. Em contato com o ambienteemitimos uma série de informações que o transformam, porém somos também o tempo todo transformados por ele, pois recebemos informações do ambiente externo que influem na percepção deste corpo no espaço em uma relação tensionada entre corpo e ambiente. 16 Diante disso, fica claro que não nos interessa simplesmente o significado literal de determinado grupo de palavras. Para essa compreensão, temos os dicionários. O que interessa para o campo da filosofia da linguagem é, por exemplo, o significado que uma palavra adquire em determinados contextos. O estudo da filosofia nos leva a um olhar que torna mais complexa a relação entre palavra e significado. É preciso compreender qual a carga de significações de determinada palavra em cada grupo social que a expressa. Essa variação de significação não acontece apenas de um grupo para o outro, mas também de um território para outro, de uma cultura para outra, enfim, há palavras que ganham carga de significação diferente daquela que pode ser exprimida na compreensão de um termo consultado em qualquer dicionário. Diante do exposto, torna-se ainda mais complexo o estudo do campo da comunicação comunitária. É preciso que saibamos fazer escolhas a partir de um repertório de informações necessárias. Não é apenas a necessidade de comunicação que envolve um processo como este. É preciso que consigamos enxergar todas as variáveis do processo comunicacional para que possamos posteriormente potencializar a capacidade comunicacional de nossos projetos de comunicação popular e comunitária. Quanto mais aprofundarmos o olhar para o campo dos estudos da comunicação, maiores se tornam as chances de potencializarmos o nosso projeto de comunicação comunitária. Saber e compreender o poder da comunicação midiática, que em processos de repetição e imitação formam, moldam e mediam as relações sociais, torna o pesquisador autônomo e emancipado. 17 Há um elemento social preponderante para entendermos a relação com os meios de comunicação em nosso país. Foi-nos ensinada, por décadas, uma relação de confiança com os meios. Quanto maior a influência do veículo de comunicação, maior é a nossa relação de subordinação àquela verdade aparente. Vale destacar mais dois conceitos: o conceito de meio de comunicação e o conceito de veículo de comunicação. Você percebe diferenças? Meio de comunicação é o tipo de suporte ou canal (por exemplo, televisão, rádio, internet). Já o veículo de comunicação é a empresa, grupo ou instituição que veicula a informação ou mensagem comunicacional (por exemplo, no meio televisivo, podemos citar os veículos Globo, SBT, Record, Bandeirantes etc.). Diante da reflexão acerca desta relação de dependência que os veículos de comunicação despertam em nós, torna-se possível também percebermos que a comunicação, dentro de nosso contexto cultural, é um campo de regulação social e de fortes tensões políticas. 4. Conclusão No contexto dos estudos da comunicação comunitária há um necessário entendimento da etimologia do conceito de comunicação. O termo “comunicação” traz em sua raiz a representação simbólica da ideia de comunidade, pois trata-se de palavra de origem latina, derivada do termo communicare, que traz em sua significação a ideia de partilhar ou tornar comum alguma coisa. Isso significa dizer que o ato de comunicar subentende em sua raiz a ideia de partilhar conhecimento ou informação. Quem comunica, compartilha uma ideia, seja ela qual for. E o que está na base da ideia de 18 comunidade? Comunidade seria o espaço do compartilhamento comum de experiências. Olhe a ideia de “compartilhar” também na raiz do que entendemos por comunidade. Há diálogo entre o uso que fazemos de ambos os conceitos. Comunidade é palavra que deriva do termo em latim communitas, que tem por objetivo definir aquilo que é comum a determinado grupo. É aquilo que nos identifica, é aquilo que partilhamos em comum. A mais simples ação de comunicação comunitária poderia ser, por exemplo, um carro de som que faça o papel do que chamamos popularmente de “rádio itinerante”. Pode-se também pensar na impressão de jornais ou panfletos informativos que, impressos e reproduzidos por meios simples (à mão ou em xerox), distribuídos com certa periodicidade, também ganham caráter de comunicação comunitária. Pode-se pensar ainda na organização de uma emissora de rádio que atenda à determinada demanda local (porém, tenha muito cuidado com o estudo da legislação brasileira nesse quesito – a esse respeito, pesquise a Lei nº 9.612/98). Transmitir um sinal através de ondas de rádio é fácil, mas fazer isso sem as devidas tramitações legais é crime. Pode-se pensar em uma rádio web que possibilite a transmissão de uma programação de rádio pela internet de forma legal e livre. Pode- se pensar também em um programa em vídeo web, ou seja, um canal de conteúdo audiovisual transmitido pela internet. Ou ainda, em uma ou mais redes sociais transmitindo conteúdos por meio da criação de um perfil no X, no Instagram ou no TikTok, ou na criação de página no Facebook. Lembre-se sempre: o campo da comunicação é fundamental para que possamos preservar a autonomia de determinado sujeito ou grupo social. 19 Conectando à realidade: exemplos práticos A palavra comunicação traz em seu conceito raiz a ideia de partilhar, assim como o conceito de comunidade. Isso nos faz perceber que esses campos estão intimamente ligados, apesar de algumas vezes nos serem apresentados como campos de conflito e oposição. • Exemplo prático pertinente: imagine você criando com um grupo de amigos de seu bairro um grupo de WhatsApp para trocar experiências e criar soluções para melhoria do convívio com o espaço geográfico de seu entorno. Com o tempo vocês conseguem detectar que existem demandas comuns que podem ser pleiteadas se este grupo se organizar para veicular informações, trocar impressões, informar e resolver problemas coletivos. Vocês então criam uma página em rede social e dão a ela um nome criado especialmente para este projeto, que surge com o intuito de comunicar e partilhar ideias, informações e experiências. Com o tempo, os moradores começam a perceber que esta página não é apenas um projeto de meia dúzia de jovens, mas tem uma função importante e socialmente relevante para aquela comunidade. Os gestores locais começam a enxergá-la e passam a se preocupar com o reflexo de suas ações diante de um novo sistema de comunicação que surge a partir desta experiência. • Impacto e resultados: Criar um meio de comunicação que atenda às demandas locais; Desenvolver uma prática de organização social em torno de uma proposta de comunicação comunitária; Dar visibilidade a uma população comumente marginalizada e invisibilizada pela sociedade hegemônica. 20 Referências CAMPOS, Maria Alice; MELO, Mario Jefferson Leite. Anões na terra dos gigantes: a comunicação comunitária televisiva no Brasil. Lisboa: Frenavatec, 2017. FIGUEIREDO, Beatriz H. R. Comunicação e cultura: diálogos e tensões por trás da cena. Curitiba: Appris, 2016. GONSALEZ, Alexandra. Jornalismo Comunitário. São Paulo: Contexto, 2022. 21 Comunicação Popular e Comunitária em ambientes analógico e digital Autoria: Beatriz Helena Ramsthaler Figueiredo Leitura crítica: Daniela Picchiai Objetivos • Compreender o conceito e os valores contidos na comunicação comunitária e popular. • Refletir a respeito das práticas de comunicação comunitária. • Analisar experiências no campo da comunicação comunitária e popular. 22 1. Formas para desenvolver a comunicação popular e comunitária Partindo do pressuposto de que um projeto de comunicação comunitária pretende criar um meio de comunicação entre os próprios indivíduos que compõem um determinado grupo social, é preciso que tenhamos, antes de qualquer coisa, interesse em conhecer quais as reais demandas e condições do grupo que será alcançado pelo projeto. Para criar um canal de comunicação via redessociais precisamos entender, por exemplo, qual é o acesso que seu público tem à internet. Algo que parece simples e comum a todos pode ser o ruído mais grave da comunicação proposta. A realidade brasileira não é simples de ser lida, as enormes diferenças sociais e econômicas impõem barreiras profundas para o processo comunicacional. Veicular uma mensagem não é o suficiente para que a comunicação aconteça. O receptor da mensagem precisa recebê-la com qualidade e precisa também conseguir decodificá-la. Neste ponto residem os erros mais comuns no planejamento de uma ação de comunicação comunitária. As pessoas escolhem muitas vezes aquilo que está mais “à mão” (pelo meio mais fácil ou mais barato), sem analisar o que implica sua escolha diante daquele grupo ou indivíduo social que receberá sua mensagem. Lembre-se de que o protagonismo não está mais em quem fala (o emissor), mas em quem recebe e como recebe a mensagem (o receptor). Ter consciência disso modifica todo o processo de comunicação porque integra o outro como personagem principal da ação. 23 No Brasil, a pesquisadora Cicilia Peruzzo defende que a comunicação comunitária é fundamental para mobilizar a conscientização das pessoas sobre seu próprio direito de se comunicar. Mas, para isso acontecer de fato, as populações que a desenvolvem precisam passar por um processo de tomada de consciência, ou de mobilização, até se aproximarem dos meios de comunicação. Quando isso ocorre, o emissor e o receptor, sendo pertencentes a uma mesma comunidade, conseguem se apropriar de assuntos e linguagens próprias, que fazem sentido para aquele grupo específico de pessoas. Dessa forma, o emissor não terá o olhar da mídia tradicional, de enxergar o receptor apenas como alguém que será “informado” sobre alguma notícia, sem se importar sobre a relevância, ou a compreensão, do que foi veiculado para aquele indivíduo. (Gonzales, 2022, p. 38) A comunicação pode ser realizada de forma analógica ou digital. Se a internet parece o meio mais fácil (Figura 1) de alcançar o público (e muitas vezes é), também outros meios simples podem se mostrar eficazes. Um carro de som que faça o papel do que chamamos popularmente de “rádio itinerante” pode atender à demanda de seu projeto. Ou talvez aquele velho conhecido jornal mural pode ser o ideal para atender aos interesses que orientam o seu projeto. 24 Figura 1 – A Internet como suporte de projetos de comunicação comunitária Fonte: Shutterstock.com. O importante é termos claro o nosso objetivo com a criação de um projeto de comunicação comunitária, lembrando que a comunicação comunitária tem sempre por elemento norteador a ideia de atender a uma demanda de um grupo social determinado, uma comunidade ou um bairro, por exemplo. Também é preciso definirmos com clareza quem é o nosso público e qual é a forma mais eficiente de alcançá-lo. Pode-se, por exemplo, pensar na organização de uma emissora de rádio que atenda a determinado contexto geográfico (porém, tenha muito cuidado com o estudo da legislação brasileira nesse quesito). Transmitir um sinal através de ondas de rádio é fácil, mas fazer isso sem as devidas tramitações legais é crime. Outra opção é a criação de uma rádio web que possibilite a transmissão de uma programação de rádio pela internet de forma legal e livre. 25 Os podcasts também são ótimas opções. Com plataformas streaming que garantem a sua distribuição, eles podem ser um ótimo caminho para que a comunicação atenda a um grande público. Produções audiovisuais podem ser também a opção. Gravar e editar vídeos não é mais tarefa tão árdua, e pode ser realizada apenas com um celular em mãos (Figura 2). Figura 2 – Gravação com celular como opção de forma de comunicação Fonte: Shutterstock.com. Também podemos pensar em textos escritos que tenham por suporte as redes sociais, um blog ou um portal de notícias criado para atender àquela determinada localidade ou grupo social. O texto escrito também pode estar em um jornal impresso, simples, realizado por meio de reprodução em larga escala (fotocópia) e distribuído mão a mão, em dada localidade. 26 Os meios analógicos exigem sem dúvida um maior investimento, porém se o público a que se destina a comunicação tem maior facilidade de acesso às práticas analógicas, não as descarte. Lembre-se do que falamos de quem é o protagonista da ação de comunicação: o público receptor da mensagem. 2. O conteúdo no campo da comunicação comunitária Também é preciso pensar no conteúdo a ser transmitido. Criar um sistema de comunicação comunitária, seja ele qual for, exige que tenhamos certa periodicidade na disponibilização de conteúdo para que consigamos criar a cultura do acesso a esse canal de comunicação. As pessoas precisam compreender que dentro de determinado período poderão acessar um novo conteúdo, criando assim um processo de educação para o consumo da informação. A repetição da experiência pelo grupo social possibilita que ele desenvolva um comportamento de consumo cotidiano daquela informação. É preciso destacar que é muitas vezes pela repetição de determinado padrão que as pessoas são educadas. A gente aprende pela repetição, por isso na escola, quando crianças, repetimos tantas vezes as mesmas atividades. É parte do processo de mudança de comportamento e aprendizagem a repetição de um padrão que desejamos que seja internalizado. Outro ponto fundamental nessa construção diz respeito ao tipo de conteúdo que podemos transmitir em um processo de comunicação comunitária. É fato, e já pontuado, que uma ação de comunicação comunitária nasce de determinada demanda. Então, antes de tudo, é preciso se certificar se o conteúdo elaborado e veiculado atende especificamente a demanda identificada como objeto principal do projeto de comunicação. 27 Há um conteúdo central que será o norteador da ação e poderá também haver conteúdos secundários, porém não menos importantes. Se você deseja criar uma emissora de rádio para discutir os problemas cotidianos de determinada comunidade, a sua programação não precisa se limitar à abordagem exclusiva dos problemas. Você pode, por exemplo, inserir um conteúdo cultural com transmissão musical, entrevistas, dicas de programação cultural local e anúncios de comerciantes que atendem a região, entre outras opções. Esse conteúdo secundário é muitas vezes considerado tão importante quanto o objeto central de seu projeto. Isso porque é no consumo daquilo que enquadramos como entretenimento que se dá a fidelização de um público. 3. Credibilidade na comunicação comunitária Outra questão interessante e importante é a credibilidade do veículo de comunicação. O cuidado com a notícia é parte fundamental para a construção de uma relação de confiança. Especificamente no rádio, o ouvinte tende a criar uma relação íntima com o locutor, o que faz com que a segurança na informação possa ser reforçada a partir da relação entre ouvinte e locutor. Lembre-se de que criar audiência é um processo de conquista e, por assim ser, dificilmente você terá um resultado imediato. Você precisa planejar seu projeto sabendo que para a resposta ideal é preciso tempo. Respeitar o tempo do receptor para que ele internalize a relação com determinado veículo de comunicação é parte importante para o sucesso do projeto. Mas o que seria o conteúdo central de um projeto de comunicação comunitária? 28 Há inúmeras possibilidades de pensarmos nisso, mas podemos destacar que o que orienta a comunicação comunitária é justamente a procura por atender às necessidades cotidianas de uma determinada comunidade que, ao organizar um canal de comunicação, poderá vir a ganhar voz em âmbito mais amplo na relação com o espaço social que a circunda. Assuntos aparentemente pequenos, como a necessidade de uma iluminação em via pública, uma calçada deteriorada que pode causar acidentes aos pedestres que passam pela localidade ou mesmo campanhas de conscientizaçãoa favor da vacina, da prevenção contra a dengue, e outras de cunho educacional, podem ser a pauta principal da ação de comunicação, ganhando maior amplitude e importância do que fatos cotidianos que impactam para além do território compreendido pelo projeto. É importante frisarmos que a comunicação comunitária atende mais às demandas de locais do que as globais. 4. Ética profissional e comunicação comunitária Quanto maior o repertório cultural, maiores serão as possibilidades de desenvolvimento criativo diante de qualquer proposta de exercício intelectual. Também a postura ética deve ser uma preocupação constante do profissional de comunicação. Vivemos em uma sociedade em que o imediatismo e as paixões ganham erroneamente o protagonismo em nosso consumo de informação. As redes sociais e os dispositivos de comunicação instantânea se tornaram uma armadilha para a verdade e os fatos. O profissional de comunicação tem o dever de averiguar a veracidade da informação antes de compartilhá-la. Aliás, este é um dever cidadão. Um descuido pode significar um risco à vida de alguém. 29 Como bem define Gonzales (2022), “o jornalismo como campo profissional tem uma relação intrínseca com a promoção da cidade, da democracia e do direito à informação”. Ter consciência do papel que assumimos quando resolvemos por desenvolver uma ação de comunicação comunitária é fundamental, seja o projeto uma ação de jornalismo cidadão, de educação para a comunicação, de comunicação interna ou mesmo de criação de um veículo de mídia alternativa e independente. Seja qual for o seu objetivo no campo da comunicação popular e comunitária, lembre-se de que seu papel é fazer comunicação da comunidade para a comunidade. Responsabilidade social, repertório cultural, ética e senso crítico são os quatro elementos orientadores para o profissional de comunicação comunitária. A qualidade da notícia não pode ser esquecida no cotidiano muitas vezes de tempo escasso e de enorme concorrência. A qualidade da informação é parte fundamental de seu trabalho. Verifique, pesquise, leia, analise e consulte mais de uma fonte. Uma opinião formada apenas pelo consumo de notícias veiculadas por uma determinada emissora de televisão não é a sua opinião sobre os fatos, mas a reprodução dos interesses e da visão da emissora de origem da notícia. Ouça e leia em mais de um veículo de comunicação, compreenda quais são os filtros que fazem com que uma mesma notícia chegue de forma diferente em cada meio, procure lembrar que comunicação é um campo de disputas, não se deixe ser massa de manobra. Análise. Pense. Estude. Você terá um papel fundamental à frente de um meio de comunicação popular e comunitária. Assuma essa responsabilidade. 5. Conclusão A atuação profissional em projetos de comunicação comunitária é um desafio porque exige uma constante atualização, uma procura 30 incessante pela formação de repertório cultural plural, uma percepção apurada dos direitos sociais e respeito às diferenças, uma postura ética na construção do conteúdo a ser veiculado e um exercício diário em busca da verdade dos fatos. É preciso coragem e atenção, mas é também importante concebermos que esta ação tem um impacto coletivo muito grande e necessário para determinada comunidade. Trata-se de um trabalho bastante sedutor porque desperta no profissional o amor à pesquisa e resulta em uma ação que garante à comunidade o direito à informação e a amplificação de vozes que, individuais, talvez não alcançassem o impacto que podem vir a alcançar quando organizadas de forma coletiva. Lembre-se de escolher cuidadosamente qual será o suporte de comunicação de seu projeto. Ele pode ser uma emissora de radiodifusão analógica, uma rádio web, um portal de notícias, uma rádio itinerante, um jornal mural, um perfil ou página em rede social, um canal no YouTube ou plataforma similar, um podcast, um panfleto informativo, entre outras possibilidades. É claro que o ambiente digital prevalece sobre as escolhas, afinal, a distribuição é rápida, muitas vezes gratuita, o alcance está nas mãos das pessoas pelo celular e você tem a seu favor uma cultura que supervaloriza a internet e seus dispositivos. A internet se tornou um vício e muitas vezes figura nas pautas médicas por seu impacto na vida das pessoas. Com todas as variáveis que nos fazem viver em um país com desigualdades profundas, ainda somos milhares e milhares de pessoas conectados 24 horas pela rede mundial de computadores. Nossos celulares se tornaram um cérebro fora do corpo (alguns teóricos dizem, inclusive, que os celulares são hora parte do corpo, como uma prótese). 31 Apesar das desigualdades de renda e de qualidade de vida, em tempos de comunicação imediata em um mundo cada vez mais digitalizado, nos parece surreal que alguém não tenha acesso à internet, às redes sociais e aos aplicativos de mensagens instantâneas – um universo virtual que se tornou viciante. Aliás, já existe até nome (e tratamento) para esse vício bastante contemporâneo: a nomofobia, medo irracional de ficar incomunicável pela falta do celular, a principal ferramenta de comunicação com a web. (Gonzales, 2022, p. 11) Em relação ao conteúdo da comunicação, é interessante que ele seja organizado em pautas. Toda a informação deve ser verificada, e a forma com que é transmitida deve ser pensada cuidadosamente, levando em conta o público que receberá a mensagem. Às vezes o que parece óbvio para você exige uma explicação cuidadosamente elaborada para que o outro possa compreender. Cuide bem de quem recebe o conteúdo e traga o público para interagir e participar do processo comunicacional. É preciso criar canais de comunicação direta entre o emissor e o receptor das mensagens para que você possa atender a demanda do grupo social para o qual resolveu criar o seu projeto de comunicação comunitária. Criar e promover canais de comunicação popular ou comunitária envolve planejamento, capacidade de gestão e reflexão constante sobre o campo da comunicação. Aprofundar os estudos no campo da comunicação possibilita a criação de projetos sólidos e de grande potencial social. Conhecer histórias que se tornaram referências no campo nos ajuda a construir o olhar para um projeto particular ou coletivo no exercício de observação da experiência do outro. Comunicação popular e comunitária é um fazer em mão dupla e para o bem coletivo. Consciência, respeito e ética são as bases para uma ação de sucesso. 32 Conectando à realidade: exemplos práticos Responsabilidade social, repertório cultural, ética e senso crítico são os quatro elementos orientadores para o profissional de comunicação comunitária. • Exemplo prático pertinente: imagine que você foi chamado para a criar uma emissora de rádio comunitária. O grupo de moradores que idealizou a ideia deseja que você assuma a coordenação do projeto, afinal, eles sabem que você tem um conhecimento digital muito grande, pois você vive conectado à internet. Qual seria o seu primeiro passo? Pensar no conteúdo? Na estrutura? Por onde começar? O primeiro passo seria, com certeza, o levantamento da legislação que orienta a criação de rádios comunitárias, porque um projeto desse precisará estar legalizado e orientado pelos parâmetros jurídicos que regem o campo. Para isso, o importante é estudar a Lei nº 9.612/98 que institui o serviço de radiodifusão comunitária. Tendo clareza da legislação, é preciso montar a emissora e então começar a pautar o conteúdo que será cotidianamente veiculado. Talvez um perfil em rede social o ajude na divulgação da emissora e abra uma possibilidade de contato direto com a sua audiência. Também um número de WhatsApp para o qual as pessoas possam mandar denúncias e ideias de pautas seja importante. Compor a equipe, pois ninguém faz nada sozinho, alinhar o papel de cada um e dividir com todos as preocupações diante dos elementos norteadores da comunicação comunitária é necessário – é precisoque estejam todos alinhados aos valores que nortearão o projeto. • Impacto e resultados: Criar um meio analógico de comunicação comunitária tendo os meios digitais como apoio à ação; 33 Desenvolver reflexões sobre responsabilidade em relação ao conteúdo a ser veiculado, orientando a equipe para uma postura que responda aos valores do projeto; Estudar a legislação que compreende o campo da comunicação comunitária em radiodifusão. Referências CAMPOS, Maria Alice; MELO, Mario Jefferson Leite. Anões na terra dos gigantes: a comunicação comunitária televisiva no Brasil. Lisboa: Frenavatec, 2017. FIGUEIREDO, Beatriz H. R. Comunicação e cultura: diálogos e tensões por trás da cena. Curitiba: Appris, 2016. GONSALEZ, Alexandra. Jornalismo Comunitário. São Paulo: Contexto, 2022. 34 35 Participação. Meios de Comunicação. Democratização da Comunicação Autoria: Beatriz Helena Ramsthaler Figueiredo Leitura crítica: Daniela Picchiai Objetivos • Compreender a relação entre comunicação e participação em âmbito social. • Refletir a respeito da relação entre direito à informação e comunicação social. • Analisar as práticas de comunicação de massa sob a lógica da democratização e do direito à comunicação. 36 1. A comunicação influencia o nosso cotidiano Você já pensou acerca do papel que a comunicação assume na vida da gente? Tudo à nossa volta comunica. Ao acordar, você será inundado de mensagens se abrir o aplicativo preferido de notícias, se acessar sua rede social, se ligar o rádio, se abrir a janela e encontrar em frente à sua casa um outdoor (aqueles grandes painéis publicitários de rua), se entrar em uma estação de metrô de uma grande cidade, ou mesmo se ligar a televisão. Em todos os lugares haverá textos que pretendem comunicar algo a você. A recepção de cada uma dessas mensagens se dará de forma mais ou menos eficiente segundo o seu repertório, interesse e disponibilidade ao recebê-las, mas é fato que elas chegarão até você. Vivemos em uma sociedade que está mergulhada em processos comunicacionais que têm, entre outros interesses, uma forte tendência a nos fazer consumidores de algo, seja de um produto, de um serviço, de uma ideia ou de uma ideologia. Os textos que estão colocados na sociedade são, em grande parte, altamente persuasivos e exigem da gente uma capacidade de interpretá-los e filtrá-los segundo os nossos interesses e valores. Apesar de hoje estarmos menos dependentes da televisão, ela ainda é o meio de comunicação de massa mais eficiente neste processo de sedução pela mensagem. Aliás, fica a reflexão: você já pensou na importância da televisão em seu cotidiano? Já percebeu como até nossas casas são arrumadas em função deste aparelho transmissor de ideias e mensagens? (Figura 1) 37 Figura 1 – Arrumamos a casa em função do aparelho de televisão Fonte: Shutterstock.com. Já pensou na dependência que temos deste meio? Muitas vezes sequer estamos na sala, mas somos capazes de mantê-la ligada dias inteiros. O ruído dela nos toca e, se não podemos estar ali sentados, absorvidos por aqueles textos audiovisuais, queremos apenas ter a sensação de ouvi- los. A televisão se faz presente o tempo todo em nossa vida. Mesmo se dissermos “eu não vejo televisão”, podemos ampliar a análise sobre o conteúdo consumido e verificaremos que, mesmo que você não veja televisão, você consome diariamente o conteúdo gerado por ela, seja em aplicativos de notícias, seja acompanhando os fatos ocorridos no reality do momento, seja interagindo nas redes sociais e conversando com amigos sobre novelas, séries ou a última fofoca acerca da vida do famoso do momento. A TV media a nossa relação social. 38 Por isso dizemos que a televisão não se faz presente apenas quando temos a possibilidade de ligar o aparelho televisor, ela se faz presente no consumo de conteúdos mesmo quando o que temos à nossa frente é a tela de um computador conectado à internet. Elizabeth Bastos Duarte é uma pesquisadora que aborda especificamente o tema dos estudos sobre televisão e que propõe uma interessante comparação entre tempo, televisão e cinema. Ela diz que: A televisão ritma nossos dias e nossos anos. A sessão de cinema suspende o tempo social, a televisão estrutura nossa temporalidade, nossa vida. Mas esse objeto está longe de ser considerado com a seriedade que merece. (Duarte, 2004, p. 7) É possível compreender facilmente o que ela quer dizer com isso, basta olharmos para nós mesmos. Quando vamos ao cinema, temos o tempo “suspenso” durante o período em que estivermos ali absorvidos pela grande tela. O cinema é uma espécie de “pausa” em nossa vida, porém é preciso entendê-lo também como um meio eficiente de comunicação. A televisão organiza a nossa rotina. 2. Participação e comunicação comunitária No contexto contemporâneo, os estudos da comunicação comunitária ganham, a cada dia, mais importância. O processo de participação popular nos campos social e político é diariamente fortalecido. A participação na produção de conteúdo em processos comunicacionais ditos “alternativos” se faz cada dia mais presente, e essas movimentações e organizações populares ganham um importante e significativo espaço no campo da comunicação. 39 O processo de comunicação democrática subentende o direito à relação não apenas de receptor de conteúdo, mas também do produtor e do disseminador de mensagens e ideias. Faz parte de um contexto democrático o direito a “poder dizer”, além do direito de “poder receber” (ouvir e ver). Comunicar está para nós no campo daquilo que nos é garantido por direito, e há também a responsabilidade diante daqueles para quem comunicamos algo. É preciso refletir a respeito da responsabilidade de quem assume o papel de comunicador. Quando se estuda jornalismo, por exemplo, muito se fala da necessidade primordial de que o jornalista se mantenha sempre imparcial diante da notícia. Quando se estuda publicidade, muito se fala dos valores éticos e morais que precisam ser cuidadosamente preservados para que não ultrapassemos limites em nome das estratégias que têm por objetivo o incentivo ao consumo. Porém, vale aqui uma reflexão a respeito dos campos de atuação do jornalista e do publicitário. No Brasil, será mesmo que essas premissas básicas são constantemente respeitadas? É fato que não. Há muitos outros interesses políticos e econômicos em jogo nas relações empresariais que envolvem o campo da comunicação em nosso país. Por isso tudo, a prática participativa faz-se ainda mais fundamental. Participação é direito do cidadão em uma relação social de base democrática. Porém, a participação é um comportamento que precisa ser ensinado e exercitado. Culturalmente, no Brasil, exercitamos muito pouco nosso direito à participação. Historicamente não temos uma boa relação com a cultura participativa. Talvez seja por causa dos anos que passamos sob um regime militar que arrancou à força os nossos direitos. Talvez seja porque somos mesmo uma democracia ainda jovem. 40 Para muitos cidadãos brasileiros, a única ação no campo da participação política é o voto (Figura 2), que só se dá por ser obrigatório. E por que o voto, que é um direito, se mantém ainda obrigatório? Estamos engatinhando no campo democrático e há muito a aprendermos a respeito da nossa força e das formas de participação dentro de um contexto efetivamente democrático. É preciso que nos façamos cada vez mais presentes diante das decisões de cunho político e social no país. Só assim haverá possibilidade de efetivas mudanças. Figura 2 – O voto como participação ativa e democrática Fonte: Shutterstock.com. Podemos afirmar que a internet nos tirou da posição cômoda de apenas “receber” aquilo que nos era ofertado no campo da comunicação. A relação cotidiana com a internet fez com que desenvolvêssemos um comportamento mais participativo. Agora desejamos mesmo é ter preservado o nosso direito a interagir. 41 É nesse contexto que muitacoisa à nossa volta rapidamente se altera e, dentre outros temas, começamos a adotar para nós mesmos discussões como a que chamamos de “democratização da comunicação”. 3. A democratização da mídia Mas, afinal, o que é essa conversa que trata da “democratização da mídia”? Há algum, tempo a sociedade e o governo vêm discutindo a necessidade de repensar as leis que regulam a área midiática no Brasil, assim como também a regulamentação da internet (outra discussão de enorme importância). Assuntos polêmicos e duramente combatidos por grandes empresas do ramo da comunicação que, muitas vezes de forma tendenciosa, noticiam discussões acerca do tema como tentativas governistas de censurar o sistema de comunicação brasileiro. Trata-se de assuntos polêmicos, porém essenciais de serem debatidos. Segundo estudos que deram origem ao primeiro projeto de lei que pretendia a democratização da mídia ainda na primeira década dos anos 2000, o que seria esta proposta? E o que há de censura, como afirmaram repetidas vezes alguns veículos de comunicação? A ideia de democratizar a mídia está explicitada como uma desarticulação de indivíduos que ocupam cargos políticos e que são, ao mesmo tempo, donos de empresas midiáticas. Muitos de nossos políticos hoje são donos de canais de televisão, de jornais impressos e de emissoras de rádio, entre outros meios. A proposta primordial apresentada por esse projeto de lei é a de que um político passaria, a partir da aprovação da lei, a não mais poder exercer cargo político e ser, ao mesmo tempo, dono de um veículo de comunicação. Aliás, você sabia que uma emissora não é uma empresa privada? Emissoras de rádio e televisão são concessões públicas e, por isso 42 mesmo, devem atender ao interesse público na mesma proporção que atendem ao interesse do proprietário de determinada empresa midiática. Este é outro ponto que pretende garantir a nova lei: que as cotas de programação sejam equilibradamente divididas para atender aos interesses sociais (com programação do campo social e comunitário), aos interesses públicos de governo (com conteúdo estatal) e aos interesses privados do detentor do direito de transmissão (o “dono” da emissora). Outra proposta é acabar com aquilo que se chama de “propriedade cruzada”. O conceito de propriedade cruzada no contexto do estudo das novas propostas de regulamentação da mídia diz respeito à concentração de poder de algumas empresas e conglomerados midiáticos diante de diferentes meios de comunicação (uma mesma empresa é detentora de poder diante de um número determinado de emissoras e retransmissoras de sinal de televisão, de rádio etc.). O artigo 220 da Constituição Brasileira proíbe os monopólios e oligopólios diretos e indiretos, porém, no Brasil, o direito à exploração dos meios de comunicação que servem ao país está nas mãos de poucas famílias que detêm o poder de uma gama variada de veículos de comunicação de largo alcance. 4. Considerações finais Democratizar os meios de comunicação é um processo político que exige esforço e pressão popular porque é uma briga com grandes e conservadoras forças políticas. Mas é essencial que se faça. Países de diversas partes do mundo já o fizeram. 43 A lei (Lei nº 4.117/1962) que regula o campo das telecomunicações no Brasil é antiga. Data da década de 1960. Nascida no contexto da Ditadura, é uma lei que precisa urgentemente ser revisitada. Democratizar significa dar acesso. A ideia é que o espaço para o conteúdo nacional possa ser preservado nos meios de comunicação. Também está no projeto o fortalecimento da comunicação do Estado por meio das emissoras educativas e dos meios de comunicação comunitários. A intenção é que se consiga uma melhor distribuição das concessões públicas para que tenhamos uma balança mais equilibrada no que diz respeito aos espaços de comunicação do Estado, da iniciativa privada e das comunidades. Será que um dia poderemos ter uma consulta pública e uma discussão consciente sobre a regulamentação da mídia no Brasil? Conectando à realidade: exemplos práticos Sendo a comunicação um direito previsto na Constituição Federal, é importante que a gente exercite um olhar mais amplo para os veículos de comunicação de nosso país para que passemos a enxergá-los como concessões públicas e não apenas como empresas privadas que têm por objetivo o lucro acima de todas as coisas. • Exemplo prático pertinente: imagine que você é responsável pela criação de um projeto de programação de conteúdo de um novo canal de televisão. De característica não comercial, este canal passou por um processo de licitação para obter a concessão pública para o seu funcionamento. Quais seriam as bases deste canal para que a construção de sua programação obedecesse ao direito à informação por parte da população conforme previsto na Constituição Federal? Quais seriam 44 os mecanismos de interação social que você proporia para a gestão de conteúdo do canal? Como ouvir às necessidades e demandas das pessoas? • Impacto e resultados: Exercitar a capacidade de pensar o conteúdo de comunicação respeitando o direito e interesse social; Desenvolver reflexões acerca da participação social no aspecto da criação e desenvolvimento de conteúdo para mídia; Estudar a legislação que compreende o campo da comunicação social no Brasil. Referências DUARTE, Elizabeth Bastos. Televisão – ensaios metodológicos. Porto Alegre: Sulina, 2004. MATTOS, Sérgio. História da televisão brasileira: uma visão econômica, social e política. Petrópolis: Vozes, 2010. FIGUEIREDO, Beatriz H. R. Comunicação e cultura: diálogos e tensões por trás da cena. Curitiba: Appris, 2016. GONSALEZ, Alexandra. Jornalismo Comunitário. São Paulo: Contexto, 2022. 45 A comunicação em rede e a democratização do acesso à informação Autoria: Beatriz Helena Ramsthaler Figueiredo Leitura crítica: Daniela Picchiai Objetivos • Compreender como se dá a influência do desenvolvimento tecnológico no campo do consumo da comunicação social. • Refletir a respeito das mudanças comportamentais, fruto do desenvolvimento social e tecnológico. • Pensar em como a tecnologia contribui para o desenvolvimento da prática profissional no campo da comunicação. 46 1. Tecnologia e comunicação na vida cotidiana O desenvolvimento das tecnologias sempre foi responsável direto por grandes transformações sociais. Com a invenção da máquina de escrever (no final do século XIX), e posteriormente do computador (na segunda metade do século XX), pudemos perceber uma primeira e clara agilização dos processos comunicacionais. A criação do primeiro veículo automotor (no início do século XX) encurtou distâncias. As experiências com ondas eletromagnéticas e a posterior criação do rádio revolucionaram a nossa relação com os tímidos processos de comunicação do início do século XX, e a criação e popularização da televisão virou a nossa rotina de cabeça para baixo. A sensação de aceleração do tempo é o primeiro impacto trazido pelo desenvolvimento das tecnologias. O século XX pode ser considerado o século da primeira grande revolução advinda da tecnologia. Se começamos o século encantados com os 13 km/h que um carro alcançava na estrada (Figura 1), chegamos na metade do século levando o homem a conhecer a Lua e terminamos o século fazendo clonagem de ovelhas. Porém, esse desenvolvimento não nos leva sempre às melhores escolhas. Também desenvolvemos a bomba atômica e destruímos gerações com os efeitos dela. 47 Figura 1 – Os primórdios do desenvolvimento automobilístico: um Ford 1896 Fonte: Shutterstock.com. Adentramos o século XXI com outras grandes experiências que transformam, dia a dia, a nossa forma de nos relacionarmos com o mundo. A popularização da internet sem fio, o desenvolvimento de aparelhos tecnológicos cada vez menores, a possibilidade de acessarmos a internet sem a necessidade de uma tela, o metaverso, a inteligência artificial e outras grandes ideiasque ainda se farão reais modificam nossa forma de nos relacionarmos com o tempo e o espaço e, como consequência, modificam também a forma como nos relacionamos com a comunicação. 2. Tecnologia e dependência É fato que a tecnologia transforma o cotidiano. Ela reconfigura o nosso tempo e as nossas relações. Temos a clara sensação de que o 48 tempo está mais curto. As atividades não cabem mais em um único dia de trabalho. Mas essa sensação de que o relógio roda mais rápido nada mais é do que reflexo de uma sociedade absorvida por sólidos processos mediados pela tecnologia. O cotidiano era mais simples. Vivíamos antes um dia de cada vez, e fazíamos uma coisa de cada vez. Atualmente, estamos absorvidos por uma lógica que nos exige sermos absolutamente integrados a sistemas múltiplos. Fazemos mil coisas ao mesmo tempo, e o mercado exige um sujeito social adaptado ao contexto das ferramentas e dos dispositivos tecnológicos. Somos hoje novos sujeitos sociais. Podemos procurar por exemplos do cotidiano para pensarmos em como a tecnologia muda a vida da gente e muda a nós mesmos. A tecnologia nos torna dependentes. Estes tempos lembram-nos daqueles velhos filmes de ficção científica em que se previa que no “futuro” (o nosso presente) o ser humano estaria rendido à máquina. Talvez um dia a sociedade aprenda a lidar melhor com os suportes tecnológicos, porém é fato que estaremos a cada dia mais e mais absorvidos por uma sociedade que também a cada dia estará mais e mais adaptada a processos tecnológicos e, sem dúvida, absolutamente conectada à rede. O celular, quando surgiu, era visto como um “tijolão” (Figura 2), um aparelho grande que foi reduzindo em tamanho e aumentando em importância nos anos que se seguiram. 49 Figura 2 – O primeiro celular, também chamado de Mobile Phone Motorola Fonte: Shutterstock.com. Atualmente somos tão dependentes dele que não podemos esquecê- lo em casa, pois a sensação é de que deixamos parte de nós mesmos para trás. Ele se tornou parte do corpo; uma extensão ao corpo a que está acoplado. Para ele transferimos parte de nossas capacidades. Hoje, por exemplo, poucos de nós têm na memória números de telefone. Transferimos essa memória para o celular. Este pequeno aparelho guarda todos aqueles telefones que antes sabíamos de cor. A importância desse aparelho é tanta que não dormimos mais sem ele ao lado. Ele nos mantém conectados em 100% de nosso tempo. Até para o banho o celular agora nos acompanha. E isso é porque não adentramos em um campo em que a dependência se torna vício e, consequentemente, doença. Falamos apenas do espaço em que ainda caminhamos dentro daquilo que convencionamos chamar de 50 “normalidade”. Em uma leitura social contemporânea, é “normal” essa dependência. Algumas situações são apontadas como incômodas. Uma situação cotidianamente criticada é aquela em que vemos um grupo de amigos em uma mesa de restaurante e todos os membros do grupo estão absolutamente seduzidos pelas telas de seus celulares. Eles estão e não estão juntos naquele ambiente. 3. A vida on-line e off-line Pesquisas recentes falam que não devemos mais separar vida on-line de vida off-line como se fossem leituras de duas vidas separadas em um único ser humano. O ser humano atual é on e off-line ao mesmo tempo. Parece uma conversa filosófica, não é? Mas é essencial para entendermos o potencial das redes virtuais no campo dos estudos da comunicação. Somos parte da rede agora. A rede já não pode mais ser considerada uma escolha externa a nós mesmos. Sendo parte, estamos mais absorvidos do que nunca por todos os textos que ela emana. Quando falamos disso, estamos falando de outra dependência para além do aparelho celular: é a dependência da internet. Precisamos estar conectados como se, ao escolher não estar na rede, estivéssemos perdendo fatos, experiências e momentos imprescindíveis. A sensação de estarmos fora do ar pela falta de um sinal é quase a mesma sensação de estarmos perdendo algo. Este também é um comportamento novo e que vem sendo estudado por pesquisadores do campo. A internet nos traz a constante sensação de algo que passou pelos vãos dos dedos e que, ao fazer uma escolha, renunciamos a outras tantas que poderiam ser até melhores. Essa sensação de sermos insaciáveis é natural, mas se potencializa com a relação em rede porque agora estamos o tempo todo sendo incitados a estar em algum lugar e, na rede, essa sensação 51 é sempre a de que esse “lugar” não é onde “estamos agora”. Queremos sempre o outro lugar. A “sensação de estarmos perdendo algo” é um comportamento da vida contemporânea que vem sendo estudado por vários especialistas. A este fenômeno eles deram o nome de “FOMO”, sigla em inglês que se origina do termo Fear of Missing Out (que significa “medo de perder alguma coisa”) e tem sido campo de contínuos estudos. Podemos voltar novamente aos filmes de ficção científica. Eles nos mostravam um futuro em que poderíamos ser “onipresentes” e estar em mais de um lugar ao mesmo tempo. Este futuro se faz presente. Os filmes viraram uma representação simbólica de uma realidade que se dá por meio das telas. Hoje estamos em vários ambientes ao mesmo tempo e, quando não mais se separa vida on-line e off-line, somos nós mesmos presentes na rede social (interagindo, postando ou compartilhando), na vida presencial, em uma conversa privada com um amigo ou um grupo, em programas de mensagem instantânea. Nesse contexto, voltamos a algumas teorias como a que alguns sociólogos chamam de “não lugar”. Há lugares no cotidiano em que estamos sem estar. A rua seria um exemplo de um “não lugar”. Passamos pela rua, mas geralmente não estamos nela. O corpo passa. A cabeça está em outro lugar e, com o suporte dos dispositivos tecnológicos, isso se torna ainda mais fácil. Aeroportos, rodoviárias e espaços de passagem são também exemplos de não lugares. Estamos sem estar. As redes também reconfiguram as nossas relações sociais. Amigos hoje não são, única e exclusivamente, aquelas pessoas que desfrutam conosco momentos de intimidade. Amigos hoje podem ser absolutamente virtuais e serem amigos sem nunca terem estado juntos. Reconfiguramos o significado da relação de amizade. 52 Reconfiguramos a nossa compreensão do que é público e do que é privado a tal ponto que nos interessa ver o que fazem pessoas fechadas em uma casa, em programas de televisão transmitidos em âmbito nacional, como se olhássemos pela fechadura. Esses são os chamados reality shows. Assim também publicitamos experiências que seriam do campo privado, como a foto de um braço recebendo medicamento na veia quando estamos doentes no hospital, a informação de que vamos tomar banho, a foto da comida na mesa da sala de jantar. Tudo se torna público, e nessa ânsia por termos um minuto de fama, tornamo- nos celebridades dentro do contexto de nosso perfil em rede social. Fotografamo-nos e damos publicidade às selfies como se fôssemos pessoas públicas a divulgar nossa intimidade ao mundo. Assim também reconfiguramos o significado da palavra “curtir”. Antes curtíamos algo que achávamos legal. Hoje curtimos para dizer que vimos. Às vezes um amigo publica em rede social uma notícia triste, como a morte de um animal de estimação ou de um familiar, a informação de que perdeu o emprego ou qualquer outra situação desagradável, e os amigos “curtem” a postagem. Eles não curtem para dizer “que legal”, mas para dizer “eu vi o que você falou”. Ser visto na rede nos conforta. 4. Considerações finais Podemos utilizar o ambiente virtual e as práticas do cotidiano para potencializar o campo da comunicação no espaço profissional. Porém, vale pensar um pouco a respeito das bases da comunicação entre pessoas para falarmos de técnicas comunicativas em âmbito profissional antes de chegarmos novamente às relações com a tecnologia. 53 Se tenho dificuldade de falar em público, preciso procurar entender um pouco mais de oratória.Oratória é um campo de estudos que bebe de fontes da antiguidade clássica. Os grandes governantes da Grécia Antiga já faziam aulas e treinamentos em oratória para potencializar discursos públicos. Um dos ensinamentos dos sofistas é que não importa “o que” você fala, mas “como” você fala. Se detecto que tenho problemas com uma boa escrita, preciso procurar urgentemente suprir essa necessidade. Aprender a escrever bem é tarefa fundamental para qualquer que seja o campo de atuação que envolva o ato de se comunicar. Posso aprender a escrever bem em aulas particulares de gramática e língua portuguesa, em cursos de redação ou simplesmente exercitando a leitura. Ler nos ensina a escrever. Se você souber falar bem e escrever bem, qualquer que seja a ferramenta de comunicação que você escolha para aplicar sua capacidade comunicacional, esta será bem recebida. Se você investir em compreender as potencialidades dos canais de comunicação escolhidos, você terá então grande sucesso na empreitada. Por meio desta leitura, podemos concluir que as novas tecnologias são responsáveis por uma grande revolução em nosso cotidiano social. Precisamos aprender a potencializar o uso que podemos fazer delas. A comunicação, por ser um espaço de poder, é sempre um campo de tensões de forças e interesses políticos. É preciso cuidado ao se relacionar com o conteúdo oferecido por grandes canais de comunicação. Questionar e exercitar o olhar para mais de uma fonte de informação se faz necessário para a construção de uma postura crítica em relação ao campo social e da comunicação. Com os novos dispositivos tecnológicos que conseguem, entre outras coisas, criar textos e reproduzir imagens e sons que sequer existem, precisamos exercitar ainda mais a nossa 54 capacidade de averiguar e investigar a verdade. Trabalhar com comunicação exige responsabilidade. Conectando à realidade: exemplos práticos Responsabilidade social, ética e compreensão dos desafios impostos pelas novas tecnologias orientam a prática do profissional de comunicação comunitária. • Exemplo prático pertinente: imagine que você mantém uma página em uma rede social com o objetivo de informar o cotidiano da localidade onde reside, debater questões urgentes para a comunidade local e denunciar todo tipo de prática ilícita no local. Em determinado dia, você recebe uma notícia de um rapaz com determinadas características físicas que tem entrado nas residências e realizado pequenos furtos como botijão de gás, bicicletas e outros objetos. Algumas horas depois de receber esta informação, antes mesmo de noticiá-la, um vídeo do suspeito em que ele parece confessar os crimes é enviado pelo seu WhatsApp. Agora você tem um material completo em mãos. Seu papel seria o de publicar a notícia antes que mais alguém seja prejudicado com a ação deste rapaz? Claro que não! É preciso checar as informações antes de reagir diante do impacto que qualquer texto possa causar a você. A reação sem a averiguação dos fatos já causou até morte de inocentes. Verificar a veracidade da denúncia analisar os fatos, investigar, levantar informações e evitar publicar dados pessoais, vídeos e fotos que não sejam oficiais (neste caso, apresentadas pela polícia) poderá evitar danos irreversíveis na sua vida e na vida das pessoas que muitas vezes se veem envolvidas em notícias caluniosas. Lembre-se de que a inteligência artificial quando mal utilizada também pode forjar a realidade. 55 • Impacto e resultados: Comunicar com responsabilidade e consciência; Desenvolver a averiguação dos fatos, definindo fontes oficiais e alinhando práticas investigativas; Constituir um repertório cultural que compreenda, inclusive, o conhecimento da prática jornalística no campo da comunicação social para aplicação diante da sua realidade. Referências CAMPOS, Maria Alice; MELO, Mario Jefferson Leite. Anões na terra dos gigantes: a comunicação comunitária televisiva no Brasil. Lisboa: Frenavatec, 2017. FIGUEIREDO, Beatriz H. R. Comunicação e cultura: diálogos e tensões por trás da cena. Curitiba: Appris, 2016. GONSALEZ, Alexandra. Jornalismo Comunitário. São Paulo: Contexto, 2022. 56 Sumário Apresentação da disciplina Fundamentos Básicos da Comunicação Objetivos 1. Fundamentos da comunicação humana 2. Conceito de comunicação 3. Filosofia da linguagem 4. Conclusão Referências Comunicação Popular e Comunitária em ambientes analógico e digital Objetivos 1. Formas para desenvolver a comunicação popular e comunitária 2. O conteúdo no campo da comunicação comunitária 3. Credibilidade na comunicação comunitária 4. Ética profissional e comunicação comunitária Marcador 7 Referências Participação. Meios de Comunicação. Democratização da Comunicação Objetivos 1. A comunicação influencia o nosso cotidiano 2. Participação e comunicação comunitária 3. A democratização da mídia 4. Considerações finais Referências A comunicação em rede e a democratização do acesso à informação Objetivos 1. Tecnologia e comunicação na vida cotidiana 2. Tecnologia e dependência 3. A vida on-line e off-line 4. Considerações finais Referências