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Técnicas de Pesquisa, Entrevista e Reportagem Material Teórico Responsável pelo Conteúdo: Prof.ª Me. Flavia Daniela Pereira Delgado Revisão Textual: Prof.ª Esp. Kelciane da Rocha Campos O Nascedouro da Notícia: A Pauta • Definição de Pautas e para que Elas Servem; • Os Cinco Tipos de Pauta; • Sugestões de Pautas e onde Encontrá-las; • Execução das Pautas. • Compreender o conceito de pauta e seus objetivos; • Conhecer como as pautas nascem e como elas se organizam e sua importância no processo jornalístico de produção de reportagens. OBJETIVO DE APRENDIZADO O Nascedouro da Notícia: A Pauta Orientações de estudo Para que o conteúdo desta Disciplina seja bem aproveitado e haja maior aplicabilidade na sua formação acadêmica e atuação profissional, siga algumas recomendações básicas: Assim: Organize seus estudos de maneira que passem a fazer parte da sua rotina. Por exemplo, você poderá determinar um dia e horário fixos como seu “momento do estudo”; Procure se alimentar e se hidratar quando for estudar; lembre-se de que uma alimentação saudável pode proporcionar melhor aproveitamento do estudo; No material de cada Unidade, há leituras indicadas e, entre elas, artigos científicos, livros, vídeos e sites para aprofundar os conhecimentos adquiridos ao longo da Unidade. Além disso, você também encontrará sugestões de conteúdo extra no item Material Complementar, que ampliarão sua interpretação e auxiliarão no pleno entendimento dos temas abordados; Após o contato com o conteúdo proposto, participe dos debates mediados em fóruns de discus- são, pois irão auxiliar a verificar o quanto você absorveu de conhecimento, além de propiciar o contato com seus colegas e tutores, o que se apresenta como rico espaço de troca de ideias e de aprendizagem. Organize seus estudos de maneira que passem a fazer parte Mantenha o foco! Evite se distrair com as redes sociais. Mantenha o foco! Evite se distrair com as redes sociais. Determine um horário fixo para estudar. Aproveite as indicações de Material Complementar. Procure se alimentar e se hidratar quando for estudar; lembre-se de que uma Não se esqueça de se alimentar e de se manter hidratado. Aproveite as Conserve seu material e local de estudos sempre organizados. Procure manter contato com seus colegas e tutores para trocar ideias! Isso amplia a aprendizagem. Seja original! Nunca plagie trabalhos. UNIDADE O Nascedouro da Notícia: A Pauta Definição de Pautas e para que Elas Servem Olá, alunos! Sejam muito bem-vindos à nossa disciplina. Sou a professora Flávia Delgado e neste espaço vamos discutir questões sobre apuração, entrevista, pesquisa e reportagem, este último um dos gêneros jorna- lísticos por excelência! É o momento de conhecermos mais os meandros da prática da profissão e esta é uma das disciplinas mais definidoras do fazer jornalístico. E nós vamos começar falando sobre o nascedouro da reportagem: as pautas! Costumamos dizer que em jornalismo quem não tem pauta é pautado. Em ou- tras palavras, quem não tem a capacidade de “farejar” fatos com potencial para se tornarem notícia, nem consegue estar antenado ao que de mais importante acontece na sociedade, acaba sempre em desvantagem e sendo orientado pelos jornalistas ou veículos que o façam com mais talento e/ou rapidez, já que boas ideias de pauta precisam também ser ágeis para se tornarem uma reportagem. Como já sabemos, não há nada pior para um jornalista do que sair em desvan- tagem em relação à concorrência. Afinal, o furo jornalístico, a boa sacada de uma pauta criativa e inovadora, é o “sonho dourado” de todo profissional de imprensa. Figura 1 Fonte: iStock/Getty Images Antes de tudo, é importante conceituarmos pauta. Nilson Lage explica que a denominação pauta aplica-se a duas coisas distintas. A primeira se refere ao plane- jamento de uma edição ou parte da edição (nas redações estruturadas por editorias – geral/cidades, política, economia, esportes etc.) com a listagem dos fatos a serem cobertos no noticiário e dos assuntos a serem abordados em reportagens, além de eventuais indicações lógicas e técnicas: ângulos de interesse, dimensão pretendi- da da matéria, recursos disponíveis para o trabalho, sugestão de fontes etc. Já a segunda diz respeito a cada um dos itens desse planejamento quando atribuído a um repórter. Aí o repórter vai se “apropriar” jornalisticamente do assunto, mais precisamente a partir do momento em que a este profissional tenha cabido a apu- ração daquele fato. O repórter poderá dizer, então, “a minha pauta”, quer a tenha recebido como tarefa, quer a tenha proposto. 8 9 Trocando em miúdos, em regra geral pauta é uma proposta de reportagem, um projeto de cobertura. Geralmente é um texto recebido pelo repórter assim que ele chega à redação (quando o veículo é diário) para trabalhar – é a “missão” do dia1. A periodicidade do veículo determina a frequência com que um repórter assume uma pauta. Trata-se do exercício mais importante – e talvez o mais difícil – que todo aspi- rante a jornalista deve fazer como uma rotina inerente à profissão. Mas façamos uma viagem no tempo. Quando será que as publicações jornalísticas passaram a adotar a prática da pauta? Veículos impressos sempre planejaram suas edições. Mas este procedimento padronizado e hoje corriqueiro em qualquer meio de co- municação é relativamente recente na história do jornalismo. Coube às revistas o papel de precursoras no seu uso. A razão é que revistas, ao contrário de jornais, não têm o compromis- so de cobrir todos os assuntos de sua área de abrangência – devem selecioná-los sob pena de ter fantástico excesso de produção – e perda de investimento. A obrigação de selecionar ressalta a importância do planejamento da edição. Além disso, matérias de revista são feitas a partir de enfoques editoriais específicos, que precisam ser considerados previamente [...]. A Revista Time, pioneira em seu gênero e uma das primeiras a organizar-se como indústria de informação, realiza sema- nalmente desde o início do século XX sua reunião de pauta, presentes os editores de área e o editor-chefe. As matérias são então programa- das, não apenas em relação aos fatos a serem apurados, mas principal- mente à linha de orientação do texto. (LAGE, 2005, p. 29-30.) No Brasil, a pauta generalizou-se nos anos 50, com a reforma editorial e grá- fica dos jornais Última Hora2 e Diário Carioca3, no Rio de Janeiro, então a meca do jornalismo da época. O Jornal do Brasil chegou a publicar sua pauta diária nos anos 60, uma rotina que durou pouco tempo, porque na época se dizia que isso ajudava os jornais concorrentes. Antes da instituição da pauta, apenas as matérias principais ou de interesse da direção do jornal eram programadas. O noticiário do dia a dia dependia da produ- ção dos repórteres que cobriam setores. Estes se obrigavam a trazer diariamente sua cota de textos, o que significava, na prática, ter uma programação de notícias frias ou reportagens adiáveis para os dias de menor atividade (o que hoje chama- mos também de “matéria de gaveta” ou “matéria stand by”). De certa maneira, o planejamento da edição era descentralizado. 1 Ou missões, já que é raro um repórter de veículo diário receber apenas uma única pauta para executar em cada dia de trabalho. 2 Jornal fundado por Samuel Weiner com o patrocínio de Getúlio Vargas, que buscava apoio na imprensa para seu segundo governo (1951-1954), chegou a formar uma rede nacional de jornais, com tiragem diária de mais de 700 mil exemplares, até ser liquidado nos anos que se seguiram ao golpe militar de 1964. 3 De perfil político conservador, fechou em 1965 e revolucionou a maneira brasileira de escrever para jornal. Introduziu a técnica do lead, além de uma série de reformas de modernização do texto jornalístico rumo à objetividade, tal qual já o fazia o jornalismo americano. 9 UNIDADE O Nascedouro da Notícia: A Pauta Costumamos dizer no jargão jornalístico:a pauta caiu, quando por qualquer motivo não é possível realizá-la. Seja porque estava errada, porque o que previam não aconteceu por algum motivo ou não se consegue apurá-la com os recursos dis- poníveis. Boas pautas são aquelas que dão origem a matérias que devem sair com destaque e, supostamente, acrescentam ao currículo do repórter. Mas a verdade é que no cotidiano jornalístico nem todas as pautas rendem re- portagens dignas de chamada de capa ou de prêmio Esso4 – referem-se a aconte- cimentos rotineiros de uma cidade. Nem por isso seu papel deve ser desprezado e o repórter ignorar sua importância. Para conhecer os principais prêmios de jornalismo atualmente no Brasil e América Latina, acesse o link: https://goo.gl/wcP66D.Ex pl or Costumamos dizer que repórter de verdade nunca volta para a redação de mãos vazias. Pauta recebida é pauta cumprida, ao menos no que depende do trabalho de um repórter de verdade. É claro que às vezes a equipe de pauta erra – pautas lacônicas ou imprecisas é um inferno na vida dos repórteres, que podem ser atrapalhados e perderem tempo por estas falhas. A pauta deve, tanto quanto possível, disponibilizar as informações para a preparação da matéria. Deve também avaliar o tempo necessário à apu- ração adequada, tendo em vista o que se pretende, em termos de apro- fundamento e exatidão. Isso significa que o editor ou pauteiro precisa ter experiência de reportagem, noção das dificuldades que podem surgir no trabalho e avaliação correta dos profissionais com quem trabalha”. (LAGE, 2005, p. 43.) Conheci uma jornalista que certa vez saiu da redação com uma pauta sobre o início do verão em um domingo. A cidade era litorânea, então a ideia era que o repórter construísse a matéria na rua, achasse os personagens na praia – e convenhamos, personagem nunca falta nestas situações – vendedores, famílias locais, turistas, gente que corre e pratica algum esporte à beira mar, hotéis na orla... mas a repórter voltou para a redação e deixou o seguinte bilhete para o pauteiro: “A pauta caiu. Porque choveu”. Ora, pois a ironia meteorológica era justamente a notícia a ser explorada... Mesmo o tempo não colaborando muito e o sol tendo dado lugar à chuva, quem foi à praia nesse primeiro cinzento dia da nova estação mais quente mesmo assim? Qual a ex- pectativa de quem depende do verão para lucrar? E o que diz a meteorologia para os próximos dias? Aí estava a matéria! Muitas vezes a pauta prevê uma coisa e acontece outra, é verdade, os imprevistos ocorrem o tempo todo no mundo do jornalismo. Mas também o repórter precisa ter jogo de cintura, cabe a ele ter visão e enxergar além 4 Prêmio ExxonMobil de Jornalismo, conhecido até 2014 como Prêmio Esso de Jornalismo ou simplesmente Prêmio Esso, é a mais importante distinção conferida a profissionais de imprensa no Brasil. 10 11 do que está previsto, do óbvio, e “salvar” o assunto. Isso é ser jornalista de verdade. Não preciso nem dizer como a redação passou a encarar aquela profissional dali em diante... e que ela também teve vida curta na reportagem. É importante que se frise: o êxito de uma pauta depende essencialmente de quem a executa. O trabalho de montagem da pauta não é apenas o de seguir um roteiro de apuração e apresentar um texto correto. Como qualquer roteiro de pesquisa, envolve imaginação, insight: a partir dos dados e indicações contidos na pauta, a busca de um ângulo que permita revelar uma realidade, a descoberta de aspectos de coisas que poderiam passar despercebidas. Um pauteiro e sua equipe de produtores de pauta precisam ter esta capacidade. Costumo dizer para meus alunos que até em páginas de classificados é possível perceber um determinado movimento ou momento da sociedade e, por consequên- cia, apurar se temos ali ou não uma possibilidade de pauta. Por exemplo: excesso de anúncios de vendas de motos usadas a preços muito baixos pode significar um aque- cimento no mercado de motocicletas novas. E um bom pauteiro pode perceber isso muito antes de uma associação represen- tativa das fabricantes ou de lojistas lhe co- municar esse fato por meio de releases de sua assessoria de imprensa. Isso é ter faro jornalístico! Então, não é ofensa nenhuma (ao contrário, é um elogio) dizermos que determinado jornalista é um ótimo fareja- dor de pistas, um caça-fatos. Vamos lembrar que foi justamente graças a essa inquietação na busca por uma pauta que já aconteceram reportagens históricas, como as dos repórteres Bob Woodward e Carl Bernstein, que nos anos 70 publicaram uma série de reportagens históricas no jornal Washington Post, que resultaram na renúncia do então presi- dente americano Richard Nixon e um prêmio Pullitzer de jornalismo para a dupla. A história foi publicada em livro e adaptada ao cinema em 1976 pelo diretor Alan Pakula – e é considerado o “pai de todos os filmes sobre jornalismo”. Para assistir os vídeos, acesse os links a seguir: • Trailer original do fi lme “All the president’s men”: https://youtu.be/DC3YFyah_Yg; • Entrevista (em inglês) dos repórteres: https://youtu.be/cOwjLJA6R44. Ex pl or Na pauta devem estar previstas indicações de entrevistas, locais e, às vezes, caminhos da abordagem e investigação, bem como histórico do assunto a ser en- focado e o porquê da escolha dos entrevistados. Em televisão, por exemplo, a pauta costuma ser bem mais exaustiva que em ou- tras mídias, visto que o produtor que a elaborou precisa “adiantar” a vida do repór- ter, que terá pouquíssimo tempo para construir a reportagem, gravar sua passagem etc., visto que o deadline em TV é bem mais apertado que o impresso (e ingrato!), por exemplo. Mas isso é assunto que veremos mais para frente. Figura 2 Fonte: iStock/Getty Images 11 UNIDADE O Nascedouro da Notícia: A Pauta Para sugerir pautas, é preciso exercitar várias capacidades básicas do jornalis- mo. Citemos algumas delas: ler e estar antenado ao que acontece na sua rua, no seu bairro, na sua cidade, no seu país..., o que nos leva às próximas capacidades: descobrir com o que é notícia, hierarquizar informação, prever etapas de apura- ção (falaremos mais sobre apuração no tópico acerca da pesquisa) e antecipar a edição do material (imaginar como será a reportagem, que título ela terá, se há boas imagens para acompanhá-la etc.). Lembremos que notícia, segundo definição do Manual de Redação da Folha de S. Paulo, são todos os fatos de incontestável interesse geral e de interesse público ou que provoquem comoção pública, ou modifiquem a dinâmica das re- lações entre instituições e seus integrantes. Ou que atendam a certos critérios de noticiabilidade ou valor-notícia. Regra geral, pauta tem que ter novidade, precisa ter relevância ou precisa ser interessante – de preferência ser dotada das três características simultaneamente. E para que serve uma pauta? O primeiro objetivo de uma pauta, como já men- cionamos, é planejar a edição – até porque mesmo que não aconteça nada não previsto em determinado dia, por exemplo no domingo de uma editoria política ou na segunda-feira de uma editoria de esportes – cada veículo precisa circular notícias no dia seguinte. E o planejamento tem todas as vantagens do ponto de vista da administração. Garante interpretação dos eventos menos imediata, emocional, intempestiva. Permite a gestão adequada dos meios e dos custos a serem utilizados e investidos em uma reportagem (pensem nos equipamentos de TV que precisam ser deslo- cados em coberturas televisivas, por exemplo. No caso do impresso, permite a viabilização de pesquisa prévia para ampliar a cobertura, a produção de ilustra- ções e a concentração de recursos em matérias consideradas de interesse maior, deslocando pessoal, financiando viagens e contratando serviços, facilitando a vida do departamento financeiro). Para além da logística do cotidiano, normalmente elas são dotadas de três utili- dades jornalísticas básicas: • Propor uma reportagem: quando o repórter quer sugerir uma reportagem. • Orientar um repórter:quando o editor pede que o repórter apure uma história. • Orientar a edição: os jornalistas da produção passam por escrito, para os da edição, a lista de histórias que estão sendo feitas no dia. Uma pergunta recorrente entre os focas é: qual é a fórmula para se obter uma boa pauta? Trabalhei anos com uma jornalista que costumava dizer que o feeling de um jornalista deve ser como uma antena, sempre ligada no universo 12 13 e apta a captar sinais de notícia, seja onde for. Pare agora mesmo e olhe ao seu redor – há uma infinidade de assuntos em todos os lugares com aptidão para se tornarem notícia. Então, seja literalmente como uma “antena”, que capta noite e dia possíveis notícias – onde quer que elas estejam! Figura 3 Fonte: iStock/Getty Images E quem sugere as pautas? Pode ser o próprio repórter, que, durante uma cober- tura, descobre algo novo. No final do dia, antes de ir embora, deixa uma pré-pauta: uma sugestão para o pauteiro, com um breve resumo do caso. Também pode ser o pauteiro ou o editor, que tem uma ideia de matéria ou de nova abordagem sobre um fato que o jornal já vem cobrindo. Também pode ser uma fonte, que liga para o repórter ou para o pauteiro. Ou ainda um acon- tecimento pré-agendado: pode ser sugerido por um release ou ser algo que o repórter ou pauteiro marcaram na agenda. Regra geral, a pauta pode ser quente (um furo, notícia imprevista, assunto do momento) ou fria (acontecimentos previstos, cujas pautas podem ser feitas em deter- minadas datas padrão). Mas alguns autores pormenorizam a divisão em mais tipos. Os Cinco Tipos de Pauta Segundo Ana Estela de Sousa Pinto, no livro “Jornalismo Diário”, podemos assim categorizar as pautas: a) a que cobre um factual, o hardnews, aqueles acontecimentos que rapidamente envelhecem e que geralmente não se podem prever: um avião que acaba de cair, a renúncia de um presidente, a morte de uma celebridade, uma bala perdida que atinge uma criança, a eclosão de uma guerra. b) a que desdobra um fato: uma grande empresa fabricante de brinque- dos anuncia que vai recolher vários modelos que estão com defeito. Repórter propõe pauta sobre como crianças reagem à perda de brin- quedos queridos (mesmo que temporária). 13 UNIDADE O Nascedouro da Notícia: A Pauta c) a que usa um fato como gancho: motivado pelos projetos que pro- põem aumentar penas de prisão ou impedir que presos sejam beneficia- dos por redução de pena, um repórter sugere mostrar o que acontecerá com o sistema penitenciário se mais gente ficar por mais tempo presa. Ou ainda: a partir de um incêndio e o desmoronamento de um prédio no centro da cidade, vamos apurar a situação de outros prédios invadi- dos na cidade que podem ser cenário de um novo acidente por conta das más condições de conservação. d) a que parte de investigação independente ou de uma sacada, da análise inteligente de um episódio ou de um momento: o repórter vai às principais ruas comerciais da cidade e verifica que a metade de- las não tem lixeiras, ou percorre as principais avenidas e constata que 90% das bocas de lobo são entupidas. e) a que surge do contato próximo com uma fonte: estudos exclusi- vos, planos de governo que são passados só a um repórter porque a fonte confia nele, entrevista exclusiva com um político que decide falar sobre esquema de corrupção a um veículo de comunicação. Os releases produzidos e enviados pelas assessorias de comunicação são uma forma de sugestão de pauta para as redações. Aliás, é uma forma bastante utilizada pelos jornalistas, que todos os dias recebem centenas deles, mas é preciso tomar uma série de cuidados antes de transformá-los em pauta. É importante nunca publicar um release antes de checar, apurar e escrever seu próprio texto. Outro cuidado é sempre se perguntar o que o release não diz, ou seja, como cobrir o assunto criticamente. Afinal, release não tem compromisso com a verdade dos fatos. Foi escrito por um assessor para dar visibilidade a um fato empresarial de seu assessorado! E ainda: quando for pautado para um evento oficial, ligue o senso crítico ao má- ximo. É preciso pesquisar, ler e se informar antes de entrevistar qualquer pessoa – o necessário para firmar os pés e não levar rasteiras, especialmente de autoridades ou políticos. Há também técnicos e especialistas que podem perceber nossa falta de conhecimento e podem blefar ou dar informações falsas. Mas se estivermos informados o suficiente para argumentar, prevaleceremos. PINTO (2009, p. 67) cita um exemplo pessoal sobre como essa dica é impor- tante e pode evitar dissabores e episódios vergonhosos, tanto para jornalistas quan- to para veículos de comunicação. Outro motivo para não usar release como notícia é manter o respeito às fontes. Veja o que conta uma leitora do meu blog, assessora de imprensa, cujo trabalho era analisar, no dia seguinte, como cada veículo havia tra- tado os releases que as assessorias mandavam. Ninguém citava a fonte e alguns repórteres ainda ASSINAVAM os textos, como se tivessem escrito cada linha. Uma vez a prefeitura soltou um release sobre a inauguração de uma obra (praça se não me engano). Que seria realizada no finalzinho da tarde. No dia seguinte, pelo menos dois jornais publicaram ‘foi inau- gurada ontem, com a presença de fulano e sicrano, a praça tal’. Só que a inauguração havia sido adiada: não acontecera! Ah, mas a lição não valeu muito... pois meu trabalho revelou que a prática de publicar release na íntegra continuou, mesmo depois desse fato absurdo! 14 15 E qual a diferença entre uma pauta e pré-pauta? A pré-pauta exige pesquisa inicial para virar pauta. Uma boa hipótese (por exemplo, correspondência não é mais a maior fonte de renda dos Correios) pode se transformar numa boa pauta, mas apenas depois que tivermos levantado os números de faturamento dos Cor- reios com cada tipo de atividade e percentuais que cada um representa – corres- pondências, cobranças, loterias, venda de objetos etc. Sem esta pesquisa inicial, temos apenas uma pré-pauta. É fácil saber se você tem uma pauta ou uma pré-pauta: veja se consegue dar um título que afirme algo. Se conseguir, é pauta. Se ainda estiver só na interrogação, é uma pré-pauta. No link a seguir, exemplos de pré-pautas elaboradas por alunos do treinamento do jornal Folha de S. Paulo e comentários sobre como podem evoluir para o status de pauta. Disponível em: https://goo.gl/v3Lwdh. Ex pl or Sugestões de Pautas e onde Encontrá-las Para facilitar essa reflexão, vamos enumerar aqui algumas formas pelas quais temos contato com possíveis pautas: • a partir de reclamação de leitores do jornal; • via release recebido das diversas assessorias de imprensa; • a partir do enredo de um filme, teatro ou outra obra ficcional; • a partir de um problema de um conhecido ou algo que tenha acontecido com você mesmo; • por meio da observação de um colega de redação; • em um post nas redes sociais ou em vídeos viralizados em sites de comparti- lhamento na internet (como Youtube); • a partir de matéria publicada por jornal ou revista (não necessariamente de grande circulação, pode ser até em jornal de bairro, de sindicato etc.); • a partir de um anúncio nos classificados ou de uma efeméride5 ; • a partir do arquivo da pauta; • a partir de outras matérias da própria emissora ou concorrência. Vamos tomar como exemplo a efeméride sazonal clássica no jornalismo econô- mico, o dia das mães, considerado a segunda melhor data para o comércio depois 5 Efemérides são fatos relevantes lembrados ou comemorados em um determinado dia ou ainda a sucessão cronológica de datas e seus respectivos acontecimentos. 15 UNIDADE O Nascedouro da Notícia: A Pauta do Natal. Todos os anos, vemos matérias sobre expectativas de vendas, não é mesmo? O pauteiro já se programa para este tipo de reportagem que se repete todos os anos - ainda que com variações. O mesmo ocorre no fim do ano sobre a variação de preços para produtos da ceia natalina, o valor do chocolate antesda Páscoa, o valor das flores em novembro por causa do dia de finados e por aí vai. Figura 4 Fonte: iStock/Getty Images Existem ainda as efemérides pontuais relativas a fatos do passado e que ense- jam reportagens que levam à comemoração, reflexão e/ou balanço na sociedade – é o caso das reportagens especiais sobre os 60 anos do golpe militar em 2014. Veja outros exemplos em algumas imagens de capas de revistas e jornais a seguir: Figura 5 Fonte: Divulgação Para conferir as imagens, acesse os links a seguir: • Veja: https://goo.gl/h3Bixs; • Diário do Pará: https://goo.gl/rmVy4E. Ex pl or 16 17 As revistas semanais Istoé e Veja trazem na capa reportagens que resultaram de pautas calcadas em relevantes efemérides mundiais (seis décadas do Movimento Estudantil na França, cem anos da Revolução Russa, respectivamente) com reper- cussões sobre a cultura, política, economia, costumes, pois são veículos nacionais. Já o Diário do Pará estampa na capa uma efeméride histórica anual – o aniversário de fundação da cidade de Belém, visto que há um interesse mais local. Um exemplo de pauta baseada em uma efeméride – um ano depois dos bombardeios atômicos americanos sobre o Japão (que culminaram na rendição do país às nações do eixo e selaram o fim da Segunda Guerra Mundial) são as reportagens publicadas na revista New Yorker, que depois viraram livro, de John Hersey. A bomba atômica matou 100 mil pessoas na cidade japonesa de Hiroshima, em agosto de 1945. Naquele dia, depois de um clarão silencioso, uma torre de poeira e fragmentos de fissão se ergueu no céu de Hiroshima, matando e lesando japoneses para sempre. Quarenta anos mais tarde, Hersey voltou à cidade e escreveu o último capítulo da história dos hibakushas - as pessoas atingidas pelos efeitos da bomba. O livro Hiroshima permitiu que o mundo avaliasse o inacreditável poder destrutivo das armas nucleares e a terrível implicação do seu uso e se tornou um clássico dos livros-reportagens – tema que abordaremos nas próximas aulas. Execução das Pautas Salvo exceções - quando algum fato quente acontece inesperadamente - geral- mente as pautas do dia de hoje já foram previamente organizadas pelo pauteiro e sua equipe de produção no dia anterior. Em redação de rádio, TV e internet, normalmente a equipe de produção de pautas é uma só e atende a toda a redação, dividindo-se em turnos de trabalho (nas grandes emissoras ou cabeças de rede cada programa pode ter seu próprio núcleo de produção). Já nos jornais, cada editoria tem sua equipe de pauta/pauteiro. Faz parte da rotina deste setor da redação ligar para fontes e fazer checagem de condições de estradas, defesa civil, Polícia, Corpo de Bombeiros (procedimento que chamamos de “ronda”), pesquisar nas redes sociais, ler, assistir e ouvir a con- corrência (por isso muitas vezes no passado esse setor também era chamado de “rádio escuta”), entre outros procedimentos de “caça” à notícia. Até o início dos anos 2000, os pauteiros organizavam diariamente em pastas físicas do tipo sanfonadas tudo aquilo que poderia virar notícia, garimpando fatos e organizando cada dia em uma aba na qual se depositavam material escrito, recorte de jornais, enfim, dados para apuração de cada pauta. 17 UNIDADE O Nascedouro da Notícia: A Pauta Mas hoje a tecnologia parece ter abolido esse costume e os pauteiros têm ge- ralmente na intranet das emissoras/jornais/revistas/sites um banco de dados para cada matéria prevista no futuro – ao longo dos dias, a página vai sendo completada com as pesquisas, estatísticas e apurações diversas, além dos agendamentos de en- trevistas com as fontes (o que pode ser escrito ou por meio de links). Assim, na data do evento o repórter pode acessar e encontrar nesse ambiente, na data prevista, tudo de que precisa para seu trabalho. Para organizarem este “cardápio”, no entanto, antes é necessário que acon- teça o rito das reuniões de pauta, um encontro entre equipe de pauta, editores, chefes de reportagem e repórteres (se estiverem disponíveis para tal), em que cada integrante apresenta sua sugestão de cobertura e as chefias aprovam ou vetam os assuntos. A partir dessa reunião é que a equipe de pauta trabalha na organização dos assuntos. É importante lembrar que a pauta foi criada para facilitar a vida do repórter e não para amarrá-la ou engessá-la - até porque é na rua que a notícia acontece e esse traço de novidade infelizmente quem está na redação nem sem- pre é capaz de capturar com a mesma precisão que a equipe de reportagem, que sente o calor dos acontecimentos na rua. Pautas de notícias bem produzidas e que auxiliem corretamente a equipe de reportagem devem conter essencialmente os seguintes itens: 1. Nome e contextualização do entrevistado, com seus contatos telefônicos, e-mail e endereço de encontro para a entrevista (com todos os pontos de referência necessários para o encontro). 2. Informações de infraestrutura – recursos e equipamentos necessários e outras exigências para cobertura (vamos a um lugar alagado: “leve botas”; vamos à entrega de um prêmio: traje específico; precisa de credencial: pauta já providen- ciou, basta retirar com o chefe de reportagem etc.). 3. Justificativa(s), ou gancho(s), para escolha do entrevistado: apontar as razões que indiquem por que a pessoa merece ser entrevistada nesta reportagem. 4. Além da questão central a partir da qual será construído o material (defini- do no gancho), quais outras questões básicas podem orientar a entrevista/ apuração? Estas podem ser definidas na forma de perguntas a serem dirigidas ao entrevistado. 5. Outros entrevistados: além do personagem principal, quem falará na reportagem. 6. Outras fontes de apuração: a pauta pode indicar também, para além dos outros entrevistados, sites, livros, vídeos, áudios etc. como outras fontes a ajudarem na construção do perfil (quando possível e se o deadline permitir). A pauta pode ser redigida em um texto corrido ou em tópicos, mas fundamen- talmente é necessário que responda aos aspectos acima - independentemente da ordem como eles forem organizados. 18 19 Espero que tenha gostado e aprendido sobre a base do trabalho de uma reda- ção, que é a pauta. Agora você tem elementos suficientes para entender por que ela é chamada de nascedouro da notícia. A seguir, minhas recomendações quanto a material complementar ao nosso – livros e filmes importantes. Nos vemos nas aulas audiovisuais e espero você na próxima unidade da disciplina. Até mais! 19 UNIDADE O Nascedouro da Notícia: A Pauta Material Complementar Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade: Livros All the President’s Men BERNSTEIN, Carl; WOODWARD, Bob. All the President’s Men. Simon & Schuster, 1974. 1968: o ano que não terminou VENTURA, Z. 1968: o ano que não terminou. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1988. Hiroshima HERSEY, J. Hiroshima. São Paulo: Companhia das Letras, 2002. Filmes Todos os Homens do Presidente Todos os Homens do Presidente. Ano: 1976. Produtora: Warner Bros. Tempo: 136 minutos. Diretor: Alan J. Pakula 20 21 Referências ALTMANN, F. A arte da entrevista. São Paulo: Boitempo, 2004. BAHIA, J. História da imprensa brasileira. Rio de Janeiro: Mauad, 2015. BIAL, P. Crônicas de repórter. Rio de Janeiro: Objetiva, 1996. BULHÕES, M. Jornalismo e literatura em convergência. São Paulo: Ática, 2007. CAPUTO, S. G. Sobre entrevistas: teoria, prática e experiências. Petrópolis: Vozes, 2015. DANTAS, A. Tempo de reportagem. São Paulo: Leya, 2012. DIMENSTEIN, G; KOTSCHO, R. A aventura da reportagem. São Paulo: Summus, 1990. ERBOLATO, M. L. Técnicas de codificação em jornalismo. São Paulo: Ática, 1991. FOLHA DE SÃO PAULO. Manual de redação. São Paulo: Publifolha, 2010. FLORESTA, C; BRASLAUKAS, L. Técnicas de reportagem e entrevista: roteiro para uma boa apuração. São Paulo: Saraiva, 2009. FUSER I. A arte da reportagem. São Paulo: Scritta, 1996. GROTH, O. O poder cultural desconhecido: fundamento das ciênciasdos jornais. Petrópolis: Vozes, 2011. LAGE, N. A reportagem: teoria e técnica de entrevista e pesquisa jornalística. Rio de Janeiro: Record, 2005. LIMA, E. P. Páginas ampliadas: o livro reportagem como extensão do jornalismo e da literatura. Barueri: Manole, 2009. MARCONDES FILHO, C. A saga dos cães perdidos. São Paulo: Hackers Editores, 2000. MELO, J. M. de. A opinião no jornalismo brasileiro. Petrópolis: Vozes, 1994. NASCIMENTO, P. C. do. Técnicas de redação em jornalismo: o texto da notícia. 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