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Autor: Prof. Mário Luiz Miranda Colaboradores: Profa. Vanessa Santhiago Prof. Marcel da Rocha Chehuen Lutas: Aspectos Pedagógicos e Aprofundamentos Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 6/ 04 /1 8 Professor conteudista: Mário Luiz Miranda Natural de São Paulo, é mestre em ciências, desde 2012, pela Escola de Educação Física e Esporte da Universidade de São Paulo (USP) e graduado, em 2004, em Educação Física na Universidade Paulista (UNIP), onde atua como coordenador pedagógico, desde 2006, e professor nas disciplinas de Aprendizagem e Desenvolvimento Motor e Lutas: Aspectos Pedagógicos e Aprofundamentos, da qual é o líder acadêmico. Exerce docência para cursos de pós-graduação na disciplina de Teoria de Aprendizagem Motora, por meio de Ensino a Distância (EaD) em Instituição de Ensino Superior (IES): Estácio de Sá, Universidade Municipal de São Caetano do Sul e Grupo Ser Educacional, na Universidade Maurício de Nassau. Seus principais trabalhos publicados versam sobre: A iniciação no Judô: relação com o desenvolvimento infantil; Efeitos do uso da instrução verbal e demonstração por vídeo na aprendizagem de uma habilidade motora do Judô; estudos de prática formalizada de kata (rotinas de aprendizagem de golpes da modalidade de Judô), com título Práctica y caracterización de las katas por profesores y árbitros de Judô experimentados, Psychological, physiological, performance and perceptive responses to Brazilian Jiu-Jitsu combats e livro sobre Respostas psicofisiológicas da arbitragem de Judô: efeitos da experiência dos árbitros e do nível das competições. Também participou da elaboração dos livros-texto do curso de EaD da UNIP nas disciplinas de Crescimento e Desenvolvimento Humano e Aprendizagem e Desenvolvimento Motor. É árbitro internacional de Judô pela Federação Internacional de Judô e atua como coordenador e palestrante de cursos de arbitragem pela Federação Paulista de Judô. © Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Universidade Paulista. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) M672e Miranda, Mário Luiz. Lutas: Aspectos Pedagógicos e Aprofundamentos / Mário Luiz Miranda – São Paulo: Editora Sol, 2018. 196 p., il. Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e Pesquisas da UNIP, Série Didática, ano XXIV, n. 2-099/18, ISSN 1517-9230. 1. Lutas na educação física. 2. Fundamentos técnicos. 3. Medidas e avaliação. I. Título. CDU 796.8 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 6/ 04 /1 8 Prof. Dr. João Carlos Di Genio Reitor Prof. Fábio Romeu de Carvalho Vice-Reitor de Planejamento, Administração e Finanças Profa. Melânia Dalla Torre Vice-Reitora de Unidades Universitárias Prof. Dr. Yugo Okida Vice-Reitor de Pós-Graduação e Pesquisa Profa. Dra. Marília Ancona-Lopez Vice-Reitora de Graduação Unip Interativa – EaD Profa. Elisabete Brihy Prof. Marcelo Souza Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar Prof. Ivan Daliberto Frugoli Material Didático – EaD Comissão editorial: Dra. Angélica L. Carlini (UNIP) Dra. Divane Alves da Silva (UNIP) Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR) Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT) Dra. Valéria de Carvalho (UNIP) Apoio: Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD Profa. Betisa Malaman – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos Projeto gráfico: Prof. Alexandre Ponzetto Revisão: Kleber Nascimento Vitor Andrade Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 6/ 04 /1 8 Sumário Lutas: Aspectos Pedagógicos e Aprofundamentos APRESENTAÇÃO ......................................................................................................................................................7 INTRODUÇÃO ...........................................................................................................................................................7 Unidade I 1 LUTAS NO ESPORTE EDUCAÇÃO ...................................................................................................................9 1.1 Definições ................................................................................................................................................ 10 1.1.1 Lutas ..............................................................................................................................................................11 1.1.2 Artes Marciais na Antiguidade .......................................................................................................... 12 1.1.3 Defesa Pessoal e as Artes Marciais na atualidade ..................................................................... 15 1.1.4 Modalidades de Esporte de Combate ............................................................................................. 27 2 LUTAS, ARTES MARCIAIS E AS MODALIDADES DE ESPORTE DE COMBATE NA EDUCAÇÃO ATUAL ................................................................................................................. 32 2.1 Contato corporal natural humano: brincadeiras turbulentas ............................................ 32 2.2 Diferenças entre briga e Luta .......................................................................................................... 35 3 FUNDAMENTOS TÉCNICOS DAS LUTAS .................................................................................................. 38 3.1 Princípios de domínio e de confronto ......................................................................................... 45 4 LUTAS NO CONTEXTO DA EDUCAÇÃO FÍSICA....................................................................................... 53 4.1 Jogos de Combate ................................................................................................................................ 57 4.2 Bullying e as Lutas ............................................................................................................................... 60 4.3 Lutas e interdisciplinaridade ............................................................................................................ 63 4.4 O papel do profissional de Educação Física e as Lutas.......................................................... 64 4.5 Lutas brasileiras ..................................................................................................................................... 66 4.5.1 A Capoeira .................................................................................................................................................. 66 4.5.2 As Lutas africanas ................................................................................................................................... 78 4.5.3 Outras Lutas indígenas brasileiras .................................................................................................... 79 4.6 Ensino nas Lutas ................................................................................................................................... 82 4.6.1 Aprendizado motor em Lutas ............................................................................................................ 83 4.6.2 Psicomotricidade nas Lutas ................................................................................................................ 86 4.6.3 Classificação das tarefas motoras nas Modalidades de Esportes de Combate e Artes Marciais ................................................................................................ 89 Unidade II 5 LUTAS NO ESPORTE PARTICIPATIVO ........................................................................................................ 97 5.1 Segurança pessoal no uso cotidiano ............................................................................................da busca de seu conhecimento em todos os espectros de atividades humanas, sejam elas científicas, filosóficas, culturais ou sociais. Além disso, ela deve servir para que o sujeito tenha condições de entender sua atuação em sociedade, que seja um ator influente no exercício da cidadania e para que possa exigir seus direitos de maneira a alcançar suas demandas por meio da atuação reflexiva, persistente, ponderada e no âmbito da lei e da humanidade. A disciplina de Lutas se interliga diretamente a esses conceitos e por isso é parte primordial complementar para manifestar a gênese educacional essencial para a construção de indivíduos comprometidos com altruísmo, benevolência, bem-estar social, econômico, cultural e principalmente a convivência pacífica. Pelas razões expostas, vai-se considerar, nesse momento, como se fundamenta a aplicação das Lutas por meio da Educação Física no contexto educacional, em qualquer âmbito da sociedade. 2.1 Contato corporal natural humano: brincadeiras turbulentas A essência humana é construída por uma incessante capacidade de Lutar em vários campos de expressão corporal. Como os animais, somos moldados para enfrentar situações que possam determinar nossa sobrevivência. Apesar de dependermos mais de nossos genitores e ascendentes nos primórdios de nossa existência do que a maioria dos animais em geral, determinados atos são constitutivos de nosso crescimento e desenvolvimento. Algumas aproximações corporais frequentes e com contato físico intenso são usuais entre as crianças e parecem divertir e trazer componentes desenvolvimentistas importantes para a socialização e as autodescobertas. Vejam as figuras a seguir que comparam essas atividades entre animais e humanos: Figura 19 – Ursos jovens em brincadeira de Lutar 33 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 6/ 04 /1 8 LUTAS: ASPECTOS PEDAGÓGICOS E APROFUNDAMENTOS Figura 20 – Crianças em brincadeiras agitadas Figura 21 – Brincadeiras turbulentas: parece Wrestling infantil Figura 22 – Duas crianças brincando de Lutar (Severin Nilsson, Nordiska Museet, Suécia, entre 1880/1910) 34 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 6/ 04 /1 8 Unidade I Figura 23 – Gatos brincando de Lutar Figura 24 – Brincadeiras de força entre crianças – cabo de guerra humano Não se pode deixar de destacar que as crianças, espontaneamente, mostram atividades de contato corporal com tentativas de domínio físico, de supremacia corpórea e de agitação corporal com empurrões, agarramentos e até contatos contundentes. Manifestações de jogos de força, desequilíbrios e abarcamentos são bastante comuns. Elas são classificadas como brincadeiras turbulentas, próprias da irrequietude infantojuvenil. A característica principal dessas revelações animadas e de intensidade controlada entre seus participantes apresenta o afloramento do sorriso e da diversão (MORAES; OTTA, 2003). Outro fator importantíssimo é que a brincadeira começa de modo lúdico, isto é, espontâneo e fluente, sem imposições. Deve-se aproveitar dessa característica natural que provém das crianças e púberes, estudantes dos ciclos fundamentais e médios nas escolas, e associar o desenvolvimento dos melhores atributos da disciplina de Lutas como questão para a ampliação e construção de valores psicomotores e psicossociais. Brincadeiras turbulentas são atividades de grande solicitação imediata e promovem vários disparos de impulsos nervosos para se solucionarem problemas advindos da própria situação, não necessariamente esperada, mas que provoca uma instantânea sensação de poder ou de limitação, contudo sem que se possa sentir perdido ou que não se espere a cooperação do companheiro. 35 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 6/ 04 /1 8 LUTAS: ASPECTOS PEDAGÓGICOS E APROFUNDAMENTOS As ações executadas nas brincadeiras são livres de ferramentas, instrumentos ou necessidade de regras rigorosas, mas também são conjuradas de comum acordo em momentos que levam a circunstâncias bastante divertidas e aproveitáveis. O potencial de prejuízo ou possíveis lesões se dilui pelas próprias relações de afinidade. Despontam autolimitações instintivas pelo entendimento mútuo das condições de corporeidade próxima. Por meio das brincadeiras turbulentas acontece o desenvolvimento da coordenação motora generalizada, o aumento de tonicidade muscular e a coordenação visomotora. O aprendizado é mútuo e aparece a regulação de emoções. O contato físico parece melhorar o envolvimento entre os pares participantes e demonstra trazer oportunidades de interação, descobertas corporais e de encorajamento para enfrentar situações de oposição e contrariedade. O brincar é para valer, mas assume conotação de interatividade pelo comportamento físico e psicossocial recíproco (SANTOS; DIAS, 2010). Essa disposição do ser humano em manter contato corporal favorece a compreensão de que se podem diferenciar situações em que não há controle emocional daquele que se estabelece como calculado e lógico. Assim, no próximo item se fará uma distinção essencial entre os conceitos de briga e de Luta, fundamental para a compreensão do emprego das atividades de Lutas no universo educacional esportivo. 2.2 Diferenças entre briga e Luta Muitas situações cotidianas parecem trazer à tona sentimentos exasperados provindos de desgoverno emocional e total falta de racionabilidade. A sociedade atingiu circunstâncias críticas de envolvimento quase que exclusivas para a sobrevivência contemporânea, com o trabalho assumindo papel de intensa pressão e cobrando frequentes resultados dos indivíduos. Além disso, as coletividades cresceram e as cidades comportam quantidades excessivas de pessoas e espaços reduzidos, provocando deslocamentos cada vez mais intensos e congestionados, os quais trazem constantes perdas de tempo de lazer e de convívio reflexivo. Valores e princípios foram alterados e muitos não se acomodam de maneira a enfrentar novas realidades nas composições familiares, inovações tecnológicas, novidades nas mais diversas situações econômicas, no isolamento social, na insegurança urbana, na falta de solidariedade e na correria das necessidades criadas pelo imediatismo e pelo consumismo. Adicionalmente podem-se mencionar as intermináveis falhas nos processos e atuações políticas, nas quais os governos estão demorando muito para responder às demandas sociais e resolver problemas que minimizem as condições de dificuldades para se atingir condições mais igualitárias, mais civilizatórias e com justiça, ocasionando incertezas, precariedades e falta de confiança. Devido às condições descritas, é fato encontrarmos ocorrências frequentes de desencontros emocionais; pessoas são levadas a estresses máximos e agem sem poder racionalizar momentos tão instantâneos, que se transformam em explosões de fúria e impulsividades sem limites. São comuns histórias de indivíduos que se engalfinham em ruas, transportes coletivos, lojas, supermercados etc. Essas ações de se atracar por algo que não se enquadra na faculdade da lógica humana, com total perda de identidade e com investidas primitivas para se solucionar conflitos comuns, são chamadas de brigas. 36 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 6/ 04 /1 8 Unidade I As brigas configuram ações tomadas por quem sofreu sequestro emocional, isto é, perdeu a noção de se colocar no lugar do outro e assume uma identidade que toma conta do seu ser, um sentimento impulsivo que domina a razão (GOLEMAN, 1996). Em suma, brigar é uma atitude bruta e incivil, desprovida de coerência e baseada em sentimentos, isto é, aparece por intermédio das perdas racionais; a emoção toma conta do que se faz, sem qualquer justificativa razoável. Usualmente vemos em competições de Jiu-Jitsu painéis e faixas com os seguintes dizeres: “Quem Luta não briga”. Essa máxima de origem pública se estabeleceu até como lema deprojetos sociais por meio da prática de esportes recreativos com professores de Tae kwon do e o Karatê, além de outros esportes de combate e Artes Marciais. Tal pensamento surge da institucionalização da regra de conduta, na qual o respeito ao oponente em qualquer situação deve ser o ponto primordial do relacionamento humano, o domínio dos anseios deve ser permanente e o autocontrole exercido na sua mais profunda empatia. Aqui a regra principal é ceder para vencer, ousar, porém saber dosar, portanto, prevenir o conflito é um modo inteligente de se Lutar. Evitar a desordem e manter a propriedade emocional traz condições de reflexão e tomada de decisão adequada, correspondente ao círculo equitativo da razão. Como nos lembra Aristóteles (1973), “A verdade está no justo meio”. O ser deve se envolver veementemente em seu meio social e buscar a veracidade das relações humanas através da reflexão pura. A Luta é racional, a briga é emocional. Na briga age-se por instinto e obtêm-se resultados desastrosos, em que o indivíduo submerge a si mesmo e se arrasta para atitudes sem precedentes e com total ausência de ponderação, trazendo consequências muitas vezes irrecuperáveis. Brigas por desejos e pensamentos que se formam como dogmas pessoais se transformam em batalhas públicas com consequências desastrosas, como se podem ver nas brigas de torcidas nos estádios. Figura 25 – Brigas de torcida: a paixão supera a razão Em muitas das Modalidades de Esporte de Combate, como no Judô Olímpico e no Tae kwon do, e em todas as Artes Marciais que preservam as tradições mais clássicas, é obrigatória a saudação inicial e final, salientando a ligação de respeito, ética e aceitação das regras estabelecidas entre os combatentes. 37 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 6/ 04 /1 8 LUTAS: ASPECTOS PEDAGÓGICOS E APROFUNDAMENTOS Aqui se lembra que não se está Lutando contra alguém, mas se está lutando com alguém. As regras do combate devem ser seguidas à risca para o bom entendimento e desenvolvimento de ambos os Lutadores. O respeito traz a consideração e compreensão de que ambos estão desempenhando suas melhores qualidades, dentro das regras, e sempre nos mais altos valores éticos e humanos. Sabe-se que hoje você pode vencer, porém amanhã poderá ser a vez de seu adversário. O que vale não ter mais ninguém para medir seu desempenho? Como poderei melhorar se não tenho desafios? Figura 26 – Saudação entre os Lutadores nas Artes Marciais: respeito e ética Figura 27 – Regras no Boxe: respeito ao oponente As Lutas têm trazido aos seus praticantes a clara capacidade de se manter e aprender o autocontrole, caso contrário se admitirá enfrentar situações irreversíveis de perda de domínio e desarranjo emocional, sem possibilidade de recuperação. É fácil imaginar que um Lutador de Boxe ou de Tae kwon do aprende 38 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 6/ 04 /1 8 Unidade I a suportar constantes percussões sobre suas faces. Caso ajam por instinto e reajam a um soco de maneira estabanada, vão, seguramente, tomar mais um soco decisivo, porque não conseguem visualizar e racionalizar as condições de enfrentamento e, por conseguinte, perderão a Luta. Esses atletas se preparam, não brigam, mas sim Lutam, e procuram refletir sobre todos os abalos sofridos e igualmente acerca de seus costumes. A prática de Lutas ajuda a preparar seus praticantes a suportarem as pressões que provêm do aprendizado das próprias Lutas e suas maneiras de enfrentamento. O estudo de Lima (2000) menciona que a prática do Wushu (Kung Fu) nas escolas provoca maior aproximação nas afinidades sociais, como empatia, sociabilidade e respeito interativo. Outra pesquisa importante que vale a pena referendar aqui é a de Diniz e Del Vecchio (2013), que mostra que a prática do Tae kwon do, no projeto “Quem Luta não briga”, da secretaria municipal da cidade de Pelotas – RS, proporciona comportamentos positivos em relação ao exercício de relacionamento humano como: consideração pelos mais velhos, irmãos, pais, aumenta a tolerância frente às diferenças, melhora a convivência por meio de demonstração de maior solidariedade e a redução significativa da agressividade verbal e física nas escolas. 3 FUNDAMENTOS TÉCNICOS DAS LUTAS Cada Modalidade de Esporte de Combate, Arte Marcial ou Lutas em geral demonstram movimentos corporais bastantes variados e próprios. Eles são chamados de fundamentos técnicos, gestos técnicos ou técnicas de combate. As técnicas de combate mudaram de acordo com os objetivos a serem alcançados e se basearam em situações estudadas, treinadas e utilizadas ao longo da história humana, e foram se aprimorando conforme as necessidades de cada povo, civilização ou sociedade. Os gestos de combate são tantos quantos se podem empregar na combinação articular do corpo humano e que tenham por finalidade atingir, dominar, envolver, imobilizar, recuperar-se no confronto, bater, golpear, constringir, segurar e limitar a ação do adversário. Esses fundamentos incluem o uso de todas as partes do corpo por si, sejam membros superiores, inferiores à cabeça e tronco ou aliadas com implementos – armas que produzam efeitos extensivos que venham ao encontro dos objetivos da modalidade ou da Luta. Em resumo, os gestos técnicos devem levar à função primordial buscada nas Artes Marciais e modalidades esportivas de combate: tirar o equilíbrio do oponente e manter o próprio equilíbrio durante toda a disputa. Por meio da construção de categorias de movimentos, pode-se compreender melhor a grande variedade de golpes e fundamentos técnicos existentes nos mais diversos confrontos corporais para Defesa Pessoal e disputas competitivas. Assim, podemos relacionar algumas técnicas empregadas em Lutas corporais em geral: quedas controladas, socos, chutes, esquivas, cotoveladas, cuteladas, pegadas, estocadas, joelhadas, cabeçadas, abraçadas, restrições articulares, estrangulamentos, imobilizações corporais, projeções, rasteiras, pontapés etc. As quedas controladas são práticas de aterrissagens específicas, que têm como objetivo principal a proteção dos órgãos vitais. Seus três princípios fundamentais são: • O posicionamento das articulações e os movimentos respectivos, os quais têm como característica favorecer a fluidez dos movimentos. 39 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 6/ 04 /1 8 LUTAS: ASPECTOS PEDAGÓGICOS E APROFUNDAMENTOS • A ampliação da área de contato corporal com o local de queda, cuja ação visa minimizar a pressão e o impacto e, assim, distribuir a energia da projeção recebida pelo corpo. • A recuperação do equilíbrio para aprumar o corpo perante o oponente a fim de trazer a melhor posição de defesa ou contra-ataque e, desse modo, retomar sua posição na Luta. Observe algumas quedas controladas nas figuras a seguir, verifique que elas podem ser variadas à frente, de maneira direta ou por meio de rolamentos, lateralmente ou para trás. Serão mostrados exemplos de prática de quedas controladas comumente treinadas no Judô, no Jiu-Jitsu e no Aikido. No primeiro quadro, mostram-se somente quedas controladas efetuadas para trás, iniciando-se com as práticas a partir da posição sentada, depois agachada e por fim em posição totalmente ereta em pé. No segundo quadro, apresentam-se as quedas de modo lateral e frontal direta e com o rolamento do corpo; tais quedas devem ser feitas com ambos os lados, aumentando o domínio corporal do praticante e ampliando sua segurança e confiança. Figura 28 – Quedas controladas para trás 40 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 6/ 04 /1 8 Unidade I Figura 29 – Quedas controladas lateralmente e para frente As Modalidades de Combate e Artes Marciais que mais se utilizam das quedas controladas são: Judô, Jiu-Jitsu, Aikidô, Luta Greco-romana, Luta Livre Olímpica – Wrestling, Karatê, Sumô, Sambo, Schwingen – Luta suíça,Kurashi, Glima (Islândia e países nórdicos), Bayiridax (Mongólia) e Luta Turca. Socos, cuteladas e dedadas são ataques efetuados com as mãos, ou parte final da extremidade superior do braço, sobre seu adversário, ou até mesmo o cúbito, no caso das cotoveladas. Usa-se a parte hipótenar, o punho cerrado, isto é, a flexão total de todas as falanges proximais, médias e distais, as partes internas ou externas laterais da mão com o dorso estendido, a parte frontal dos dedos também com o dorso distendido e com as falanges médias e distais flexionadas. A força do soco provém da somação de energia cinética desde o movimento de flexão dos tornozelos, rotação do quadril e tronco, circundução do ombro e extensão do braço. A rotação do tronco soma maior eficiência do soco, aumentando em até 40% a sua potência. A musculatura que concentra essa energia cinética é a do tríceps. 41 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 6/ 04 /1 8 LUTAS: ASPECTOS PEDAGÓGICOS E APROFUNDAMENTOS As cuteladas efetivadas pelo contato súbito e incisivo da parte exterior da mão produzem efeitos devastadores na região da cabeça e do pescoço, como se fosse uma faca cortante, bem como as joelhadas e cotoveladas. Veja a seguir figuras que demonstram alguns dos fundamentos aqui mencionados. Figura 30 – Soco direto no Boxe Figura 31 – Joelhada no Muay Thai 42 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 6/ 04 /1 8 Unidade I Figura 32 – Cotovelada no rosto, golpe da Defesa Pessoal israelense – Krav Maga Os chutes e pontapés são acometimentos efetuados com os pés e também as pernas. Podem ser de modo frontal, lateral, semicircular, por detrás (coice) e com saltos. Executa-se com o calcanhar, com o dorso do pé, com a região plantar, ou mesmo com os ossos da tíbia e fíbula. Consta a seguir um exemplo de chute lateral com a região plantar, na Modalidade Tae kwon do. Figura 33 – Chute lateral Tae kwon do Pegadas e abraçadas são técnicas de segurar o corpo ou o uniforme do oponente para que se estabeleça a Luta em si. No Judô e no Jiu-Jitsu, é obrigatória a pegada para que se caracterize a Luta. Na Luta Greco-romana e no Wrestling, as pegadas são efetuadas corporalmente. A seguir constam algumas outras ações técnicas das Lutas: a pegada pelas mãos no corpo do Lutador de Luta Greco-romana com abraçada simultânea, a imobilização do Judô, a pegada no judogi, uniforme de Judô, e a simultânea projeção no Judô, além do estrangulamento no Jiu-Jitsu. 43 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 6/ 04 /1 8 LUTAS: ASPECTOS PEDAGÓGICOS E APROFUNDAMENTOS Figura 34 – Pegada/abraçada na Luta Greco-romana Figura 35 – Imobilização no Judô Figura 36 – Pegada e projeção no Judô 44 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 6/ 04 /1 8 Unidade I Lembrete Queda controlada é aquela efetuada por quem é projetado/arremessado, de modo a dominar os efeitos que se sucederiam sobre o corpo. Figura 37 – Estrangulamento no Jiu-Jitsu Esquivas e fugas são desvios corporais para afastar, evitar ou aproveitar-se dos golpes adversários. A ginga da Capoeira é considerada um modo de preparação de escape dinâmico dos ataques do oponente. Os movimentos pendulares dos Lutadores de Boxe, os giros corporais no Judô, do Wrestling e do Sumô são exemplos de esquivas eficientes e que se configuram em uma maneira de enfrentamento bastante hábil e de alta qualidade técnica corporal. A háptica é a capacidade de percepção e responsividade tátil por meio de implementos, equipamentos, uniformes etc. Os praticantes de Lutas que exigem a empunhadura de armas, como a Esgrima, o Nunchaku, o Wushu e o Kendô procuram, com extrema destreza, perceber como serão os próximos movimentos de seu oponente, por meio de sensações transmitidas pelos instrumentos de Luta. Em modalidades como o Judô, por causa do uso do judogi, do Jiu-Jitsu, também por causa do uniforme, e do Sumô, devido ao uso do mawashi – sunga de seda que permite ser a causa de captura corporal de um oponente em contato com o outro lutador, existe a háptica. A háptica é a responsividade tátil do corpo por meio da vestimenta de combate, isto é, uniforme, equipamento obrigatório da Luta, que se transforma em transmissor de informações. Essas condições então favorecem a condução de informações, por intermédio das pegadas realizadas nessas vestimentas, para que se possam tomar decisões respectivas aos golpes, defesas e contra-ataques, seja pelo atacante, seja pelo defensor. Ainda nas modalidades cujo uso de armas é permitido, verificam-se fundamentos técnicos como o possível corte, a perfuração e as estocadas, porém não mais efetivas no sentido de serem causas para letalidade, pois se empregam uniformes e equipamentos de proteção bastante eficientes. Esportes como a Esgrima e o Kendô apresentam essas técnicas de toques por implementos. 45 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 6/ 04 /1 8 LUTAS: ASPECTOS PEDAGÓGICOS E APROFUNDAMENTOS 3.1 Princípios de domínio e de confronto Como se percebe, com certa facilidade de compreensão, há as mais distintas Lutas praticadas no mundo todo. Cada qual possui muitos elementos próprios de ações de contundência, de constrição, de supressão ou eliminação, desse modo fica difícil estabelecer uma metodologia de ensino que possa ser tão densa e tão técnica no âmbito da Educação Física e da iniciação esportiva. O aprofundamento técnico é muito abrangente, devido à grande complexidade de movimentos e combinações que se estabelecem para o exercício das Lutas, de tal maneira que se possam aprender todos os pormenores de cada uma. Desse modo, ressalva-se que o aprimoramento técnico exige muitos anos de prática e dedicação, precisando de capacitação física e motora aliada às habilidades necessárias para cada modalidade esportiva de Lutas. O refinamento na execução e autonomia de movimentos exige grande dedicação, muitas horas de prática, repetição, aperfeiçoamento, estudos, conhecimento intenso e experiência. Assim, desponta a questão: como ensinar Lutas no âmbito da Educação Física? Sabe-se e fica evidente que nas grades curriculares dos cursos de Educação Física não há tempo suficiente para se examinar todas as Lutas, praticá-las a fundo e com a determinação que exigem para obter o seu requinte. Por essa razão, organizaram-se alguns conjuntos de estudo para que se pudesse atender uma gama compreensiva de Lutas, sem a necessidade de se concentrar em uma única modalidade. Sugere-se a primeira divisão de estudos pelo agrupamento de fundamentos ou categorias, titulado como princípio de domínio. Depois, o segundo grupo de observações refere-se aos estudos técnicos que procuram compreender como se efetuam os enfrentamentos de cada modalidade, e é designado como princípio de confronto. Os princípios de domínio são categorizados no campo do controle de ações, fundamentos técnicos e gestos específicos das modalidades de Lutas que efetivamente produzam resultados nos quais se determinem pontuação eficaz, triunfo ou superioridade absoluta no combate, conforme compatível e aceito no âmbito que cabem nas regras de cada modalidade. Os princípios de domínio classificados para fim de estudo na disciplina de Lutas são três: o agarre, o toque – com ou sem armas – e, por fim, a varredura. O agarre demonstra o envolvimento corpóreo entre os lutadores de modo que se tomem para si os segmentos corporais, imobilizando e restringindo sua atuação natural, fazendo com que o oponente não possa se livrar do controle imposto pela atuação segura e imponente. Os fundamentos que se alinham a esse princípio são: as pegadas, as puxadas, as empunhaduras, os empurrões, as abraçadas, as projeções, os arremessos, os estrangulamentos, as restrições articulares (torções), as imobilizações, os aprisionamentos, os apertos e os enlaces. Ele é executado tanto com os membros superiorescomo com os inferiores, além do tronco, e também por intermédio de suas possíveis combinações. O uso de implementos é raro, mas podemos citar cordas e faixas como possíveis elementos para enrolar partes corporais e causar efeitos de enlaces, aprisionamentos e estrangulamentos. O toque é constituído por fundamentos técnicos bastante intensos, porque procuram desestabilizar o lutador antagonista, efetuando-se movimentos incisivos contra o corpo do adversário. Os toques visam percutir com tamanha dimensão, causando choque ou uma colisão efetiva contra quem se está 46 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 6/ 04 /1 8 Unidade I Lutando. Mãos, dedos, pés, pernas, joelhos, cabeça, cotovelos e ombros são protagonistas de ações de toques, bem como o uso de espadas, facas, clavas, lanças, chicotes e outros implementos. Varreduras, por sua vez, são gestos técnicos particulares efetuados com as mãos, os braços, os pés e as pernas e procuram colocar os adversários no solo de tal maneira que eles sejam disseminados ao chão, sendo arrematados, perdendo seu equilíbrio rapidamente. Nelas observa-se que a caída do lutador, em geral, é em decúbito dorsal, como se fosse cortado por uma foice de um trabalhador rural e, assim, assolado de costas, a exemplo dos lavradores, que ceifam a cana-de-açúcar e os caules caem subitamente. Os lutadores que recebem uma varredura eficiente perdem o equilíbrio tão rapidamente sem poder saber como caíram, apenas percebendo que foram lançados ao solo de modo imediato e sem mais tempo suficiente para se restabelecer. As rasteiras, as ceifadas e os arrastes são os golpes mais característicos desse princípio de domínio. A seguir pode-se ver uma rasteira em pé, da Capoeira e uma ceifada com as mãos, usada no Judô, Karatê, Jiu-Jitsu, MMA e Luta Livre Olímpica – Wrestling, fundamentos técnicos que se caracterizam por meio do princípio de domínio da varredura. Figura 38 – Rasteira em pé na Capoeira Figura 39 – Arraste das pernas com emprego das mãos 47 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 6/ 04 /1 8 LUTAS: ASPECTOS PEDAGÓGICOS E APROFUNDAMENTOS Observe o quadro a seguir que relaciona os princípios de domínio, suas características, os fundamentos mais comuns e alguns exemplos de Modalidades de Combate que as utilizam. Quadro 3 – Princípios de domínio, fundamentos, características e modalidades respectivas Domínio Fundamentos/Aplicações Características MEC/AM/Lutas Agarre Pegada Projeção Estrangulamento Restrição articular Arremesso Imobilização Empunhadura etc. Tomar para si Envolver Segurar Aprisionar Restringir Torcer Apertar Judô Sumô Sambo Luta Greco-romana Jiu-Jitsu Wrestling Glima Luta turca Kurashi MMA Toque sem armas Cutelada Soco Dedada Chute Pontapé Cotovelada Cabeçada Joelhada Ombrada Coice Choque Percussão Contundir Colisão Pancada Contato Batida Karatê Tae kwon do Muay Thai Boxe Savate Capoeira Sanshou Kickboxing Kali Silat Krav Maga MMA Toque com armas Estocada Perfuração Corte Açoite Bater Trespassar Furar Dividir Fender Desfigurar Dilacerar Esgrima Kendô Nunchaku Wushu Jogo do pau Maculelê Varreduras Rasteiras Arrastes Varridas Navalhadas Raspagem Assolar Deitar ao solo Derrubar Derruir Ceifar Varrer Capoeira Sambo Judô Karatê Jiu-Jitsu MMA Ao se enfrentar um oponente e de acordo com as regras instituídas, os Lutadores procuram essencialmente, e isso ocorre em todas as Lutas, manter seu equilíbrio e tirar o de seu adversário, por meio dos fundamentos técnicos de ataques, golpes, defesas, bloqueios, esquivas e, ao mesmo tempo, salvaguardar sua posição, com o uso de estratégias de combate e adaptabilidade. 48 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 6/ 04 /1 8 Unidade I Durante uma confrontação, sabe-se que seu oponente deve ser atingido ou dominado, mas ao mesmo tempo seu adversário está procurando o mesmo contra você. Portanto, durante o embate medem-se habilidades para o correto emprego de forças, técnicas, posicionamentos e muda-se a maneira de se opor às dificuldades enfrentadas. Nas Lutas, Modalidades de Esporte de Combate, Artes Marciais e Defesa Pessoal os combatentes podem se valer de recursos corporais próprios ou instrumentais específicos para a disputa. A propriedade agonística dos combates pode ser realizada de maneira a enfrentar oposição corporal direta – uso do próprio corpo como instrumento de ofensiva e defensiva, ou oposição indireta – por meio de dispositivos e instrumentos próprios da modalidade (espadas, bastões, nunchaku, varas, lanças, cordas etc.). São exemplos de modalidades de enfrentamento por meio de oposição corporal direta: Judô, Karatê, Wrestling, Sumô, Tae kwon do, Muay Thai, Savate, Boxe, Jiu-Jitsu etc. Já a Esgrima, o Kendô, o Nunchaku e a Luta de bastões são alguns gêneros que envolvem o enfrentamento por intermédio da oposição corporal indireta. O enfrentamento nas disputas corporais é fundamentado em três pilares competitivos, que são utilizados de acordo com as características de cada Lutador e da tática e adequabilidade a ser executada durante o combate, os quais determinam atitudes bastante evidentes para quem observa a contenda. O primeiro são os ataques ou acometimentos, assinalados por golpes decisivos e com intenção de se obter imediato sucesso competitivo. Competidores que preferem investir contra o oponente possuem estratégia de Luta associada à sua agressividade contundente; creem que unicamente empregar o golpear intenso é a melhor maneira de causar dissabores ao opositor e acabar com o confronto rapidamente. Exemplos de Lutadores que possuíam esse jeito de afrontar seus adversários eram o americano Mike Tyson, campeão mundial no Boxe, o turco Servet Tazegul, medalhista olímpico do Tae kwon do, o holandês Ramon Dekkers, campeão mundial do Muay Thai e o judoca brasileiro, medalhista olímpico, Tiago Camilo, que se lançavam veementemente contra seu adversário, deferindo com sucesso uma quantidade de golpes abundantemente elevada. O segundo alicerce do enfrentamento são as defesas e os bloqueios, os quais são atos de proteção contra as agressões recebidas, pois interpõem a continuidade da ação de ataque, evitando que atinjam sua finalidade. Os bloqueios objetivam descontinuar a ação do opositor e assim proteger e possibilitar o próprio resguardo físico. Os bloqueios inutilizam os ataques. Lutadores que se valem dessa prática de defender e bloquear se apropriam de uma estratégia de cautela adequada às suas possibilidades físicas e técnicas, preferindo causar dificuldades aos atacantes ao impedir suas ações, até que percebam alguma falha e por meio de contra-ataques consigam executar um golpe crucial. Lembramos do judoca brasileiro, bicampeão mundial de Judô, João Derly, o qual se utilizava de bloqueios e defesas primeiramente para depois aplicar um golpe fulminante no adversário. Também o americano Muhammad Ali, campeão mundial dos pesos-pesados do Boxe, cujos bloqueios extremamente precisos contra seus adversários ficaram marcados na história, como na Luta contra Joe Frazier, em 1975, em Manila, nas Filipinas. Ainda acentuamos Natália Falavigna, competidora brasileira 49 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 6/ 04 /1 8 LUTAS: ASPECTOS PEDAGÓGICOS E APROFUNDAMENTOS de Tae kwon do medalhista mundial e olímpica, que usava com muita propriedade as defesas para depois desferir o contra-ataque. Por fim, destacamos uma propriedade competitiva de combate excepcionalmente perspicaz, a pedra angular das Lutas, Artes Marciais, das Modalidades de Esporte de Combate e da Defesa Pessoal, o enfrentamento por meio das esquivas, fundamento técnico que possibilita apresentar as principais capacidades dos maiores Lutadores do mundo, pois exige excepcional aptidão motora de antecipação corporal. A esquiva não é umadefesa, pois não propõe o bloqueio da ação do oponente, mas faz com que os seus ataques sejam desperdiçados. A ação e energia executadas pelo atacante são dissipadas. Consequentemente, o atacante, em seu ímpeto de aplicação do golpe, fica propenso a perder seu equilíbrio corporal, ao desgaste físico e emocional, e desse modo vai tendo a potência e autoestima consumidas. Ao não conseguir incidir sobre seu antagonista, nota que não acertará seu oponente de maneira absoluta, percebendo a ruína de seus planos de vitória e perdendo a concentração, quando então se expõe mais facilmente aos contra-ataques do adversário. Lutadores que se utilizaram com grande competência da esquiva em seus combates foram: o brasileiro Éder Jofre, bicampeão mundial de Boxe, campeão mundial de Boxe, o americano Evander Holyfield e o brasileiro Lyoto Machida, campeão mundial do Ultimate Fighting Championship. Ainda citamos o americano Bruce Lee, do Jeet Kune Do, que usava as esquivas com grandiosa velocidade para derrotar seus adversários, e o russo Alexey Yakimenko, Esgrimista de sabre, que usa a esquiva para propiciar posições e circunstâncias excelentes para seu contra-ataque fulminante. Enfim, Lutar é enfrentar pressões imediatas e contínuas. Para tal, é preciso grande capacidade motora física condicionante, competência motora coordenativa de movimentos, preparação psicológica, estratégica e o poder de adaptabilidade instantânea. Todas essas características, considerando-se aspectos táticos, foram assumidas de modo a se configurar como princípios de confronto. Então, foram determinados estudos de enfrentamento ou, como já titulamos anteriormente, os princípios de confronto; eles foram sistematizados respectivamente de acordo com as condições de emprego e características da modalidade e os temperamentos dos atletas, pois uns preferem Lutar mais próximos e outros estarem mais distantes. Os princípios de confronto visam instituir condições de adaptabilidade posicional, de distanciamento e de temporalidade a partir de antecipação de movimentos, esquema corporal (tamanho de segmentos articulares), grau de liberdade articular e probabilidades e disponibilidades de movimentação nas Lutas. Observação Grau de liberdade corporal, segundo Bernstein (1967), refere-se às possibilidades de combinações de movimentos entre o tamanho dos segmentos ósseos e as angulações das articulações. São princípios de confronto: o distanciamento corporal e as estratégias de Luta. O espaço sugerido para se propor a melhor distância entre os combatentes depende muito das características da Luta a ser 50 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 6/ 04 /1 8 Unidade I realizada, pois a aproximação ou o afastamento entre os Lutadores está sujeito aos golpes que podem ser efetuados, às regras da modalidade e às defesas e esquivas possíveis de serem efetuadas. Lutas, Modalidades de Esporte de Combate, Defesa Pessoal e Artes Marciais nas quais o envolvimento corporal exige muita proximidade entre os combatentes, por exemplo, as de agarre, caracterizam-se pelo princípio de confronto como de curta distância. Já as modalidades que empregam os toques com os segmentos corporais, como mãos, braços, pés e pernas se distinguem por serem designadas pelo princípio de confronto de média distância e, ao se empregarem armas e implementos como uma extensão corporal, para atingir seu oponente, trazem a marca do princípio de confronto de longa distância. Veja a seguir algumas figuras com exemplos dos princípios e as modalidades respectivas. Figura 40 – Judô: Luta de aproximação (curta distância) Figura 41 – Karatê: uso de segmentos corporais como precursores (média distância) 51 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 6/ 04 /1 8 LUTAS: ASPECTOS PEDAGÓGICOS E APROFUNDAMENTOS Figura 42 – Kendô: emprego de implementos (longa distância) Figura 43 – As espadas conferem maior distanciamento entre os esgrimistas Obviamente um Lutador treina e se dedica para aprimorar suas qualidades mais proeminentes e procura diminuir suas deficiências em algumas das condições de enfrentamento aqui descritas. Com a finalidade de oferecer uma organização didática para se compreender a utilização e as especificidades dos princípios de confronto, mostra-se na tabela a seguir a relação desses aspectos de enfrentamento com exemplos de Lutas, Artes Marciais, Modalidades de Esporte de Combate e Defesas Pessoais: 52 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 6/ 04 /1 8 Unidade I Quadro 4 – Princípios de confronto, especificidades e exemplos de Modalidades de Esporte de Combate, Defesas Pessoais, Artes Marciais e Lutas em geral Distância Característica Especificidade Exemplos de Lutas, DP, AM e MEC Curta Oponentes muito perto um do outro. Aproximação. Ajuntamento. Lutas de agarre ou com muita proximidade corporal. Oponentes enganchados. Esquivas por giros e afastamentos corporais. Bloqueios com quadril e tronco. Jiu-Jitsu Judô Sumô Luta Greco-romana Wrestling Glima Schwingen Sambo Yağli güres Krav Maga Ving Tsu Kurashi Bayiridax Média Adversários mais distantes, usando como medida o tamanho de seus segmentos corporais envolvidos nas ações de ataques. Golpes e afastamentos relativos a acertar e não ser acertado. Bloqueios com os próprios segmentos corporais. Esquivas: giros, aproximação, afastamento e háptica. Boxe Muay Thai Tae kwon do Karatê Savate Capoeira Longa Lutadores mais distantes, atuando pelo alcance dos utensílios de ataque. Ataques por meio de implementos e armas. Esquivas corporais e por meio da háptica. Bloqueios com os instrumentos da Luta. Esgrima Kendô Nunchaku etc. Constam a seguir imagens que mostram esquivas e bloqueios que foram bem-sucedidos. Figura 44 – Esquiva para trás – escape do chute no Muay Thai 53 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 6/ 04 /1 8 LUTAS: ASPECTOS PEDAGÓGICOS E APROFUNDAMENTOS Figura 45 – Bloqueio de chute no MMA Considera-se que a utilização dos princípios de domínio e de confronto das Lutas, Artes Marciais e Modalidade de Esporte de Combate constituem uma gama bem variada de fundamentos técnicos e o seu emprego no esporte exige grande responsabilidade, porque podem causar danos importantes naqueles que recebem seus ataques e são atingidos. Sabe-se que no esporte de hoje as competições são conduzidas por regras muito rígidas e as lesões e prejuízos são circunscritos às situações mais acidentais e à falta de preparo esportivo do que pela atividade em si. Vamos discutir isso mais adiante ao apresentarmos a terceira unidade relativa ao esporte competitivo, pois lembramos que nesta primeira unidade deste livro-texto se está preconizando as Lutas no Esporte Educação. Assim, chegamos a um ponto de questionamento: como usar todo esse vasto espectro de possibilidades motrizes, psicossociais, cognitivas e suas combinações a fim de proporcionar a compreensão dos elementos das Lutas para a educação e formação aos seus aprendizes e iniciantes? A seguir serão apresentados dados para direcionar o profissional da Educação Física a examinar possibilidades da utilização de elementos das Lutas, Artes Marciais e Modalidades de Esporte de Combate e Defesas Pessoais para contribuir na construção educacional. 4 LUTAS NO CONTEXTO DA EDUCAÇÃO FÍSICA O esporte escolar brasileiro aponta para ser importante instrumento de ativação a fim de intervir a favor do desenvolvimento humano. Veja a declaração contida no portal do ministério do esporte brasileiro: A finalidade do esporte escolar é o desenvolvimento integral do homem como ser autônomo, democrático e participante. Embora resguardando seu significado educativo, e os objetivos do projeto político-pedagógico de cada instituição, deve ter tratamento diferenciado dependendo de sua especificidade como objeto de estudo da Educação Físicaou como atividade complementar da escola. Caracterizado como espaço de intervenção e de direito social, o esporte escolar deve enriquecer e ampliar o currículo, 54 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 6/ 04 /1 8 Unidade I garantindo a gestão democrática e participativa e a elevação da qualidade de ensino. Precisa abranger a educação básica, pública e privada, e tratar seu conteúdo sob a perspectiva da inclusão. O foco é a elevação dos índices de frequência, o compromisso com a qualidade e a universalização do acesso às práticas do acervo popular e erudito da cultura corporal (MINISTÉRIO DO ESPORTE, [s.d.]). Valores como o mérito obtido pelo esforço, respeito pelos seus próximos, criação de autonomia, a construção do conhecimento e exercício da cidadania, com plena consciência de seus deveres e consumação de seus direitos são qualidades do ser humano que devem ser, permanentemente, praticadas na aplicação da disciplina de Educação Física, trabalhando o corpo pelo movimento (BRASIL, 1997). Como é possível usar as Lutas como meio educacional no mundo atual? Veja a descrição contida no PCN da Educação Física: As Lutas são disputas em que o(s) oponente(s) deve(m) ser subjugado(s), mediante técnicas e estratégias de desequilíbrio, contusão, imobilização ou exclusão de um determinado espaço na combinação de ações de ataque e defesa. Caracterizam-se por uma regulamentação específica, a fim de punir atitudes de violência e de deslealdade. Podem ser citados como exemplo de Lutas desde as brincadeiras de cabo de guerra e braço de ferro até as práticas mais complexas da Capoeira, do Judô e do Karatê (BRASIL, 1997). Figura 46 – Cabo de guerra: combate coletivo para tirar o equilíbrio da equipe adversária O criador do Judô, mestre Jigoro Kano, teve por norma que as Lutas consistiam a melhor maneira de realizar uma atividade física educacional, se devidamente organizadas e com elementos que permitissem a seus praticantes as executarem sempre em segurança, sobretudo por trazerem noções essenciais ao desenvolvimento físico, cognitivo e psicossocial (MIRANDA, 2004). 55 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 6/ 04 /1 8 LUTAS: ASPECTOS PEDAGÓGICOS E APROFUNDAMENTOS As Lutas seriam a base da Educação Física, em sua concepção primeira como atividade física para tornar o corpo saudável. Ao se exigir de cada combatente a manutenção de seu equilíbrio e a tentativa de se tirar o equilíbrio do adversário, constroem-se condições para o desenvolvimento de capacidades motoras coordenativas, cognitivas e psicossociais. As capacidades motoras coordenativas são formadas pelo desempenho do sistema nervoso central (SNC) no controle de ações e na coordenação motora que envolve a recepção sensorial, a sua análise e o emprego efetivo por meio das respostas motoras necessárias para sua atuação, tais como: o próprio equilíbrio, o ritmo, a agilidade, a competência visomotora, a capacidade tátil-motora, a noção espacial, o esquema corporal, a lateralidade e a ambidesteridade, a orientação dimensional e a disposição espaçotemporal. Ao se buscar a adaptabilidade frente aos desequilíbrios que são infligidos ao Lutador e nas mais variadas tentativas motrizes de combinações de movimentos e gestos específicos e complexos, deve-se de modo muito eficaz propiciar a integração dos sistemas visual, auditivo, tátil e proprioceptivo de tal modo a disparar impulsos nervosos que ajustem a seleção e o mecanismo de resposta motora. Dessa maneira, será criada a melhor combinação musculoarticular, a qual fará frente aos desafios motores e responderá de modo eficaz ao que se deseja alcançar. Já no domínio cognitivo, e ao mesmo tempo em que age nas áreas motoras e emocionais, se provocam, na perspectiva intelectual, as seguintes qualidades na prática das Lutas: favorecimento do treinamento da mente para a reflexão, a antecipação e respectiva tomada de decisões, a ampliação da percepção e atenção, além de promover a manutenção e o aprofundamento da concentração. Essas propriedades são obtidas pelos desafios impostos concomitantemente pelos Lutadores entre si e também ao dualismo ação e reação corporal para a manutenção de sua estabilidade corporal e autoestima, aliadas aos desejos de enfrentamento de situações peculiares como mostrar ao adversário sua faculdade de manter sua posição de igualdade. Por fim, simultaneamente, no campo psicossocial, e devido à intensa interatividade corporal e troca constante de estímulos físicos imediatos e contundentes por meio dos gestos técnicos específicos das Lutas, começa-se a propiciar a construção de conduta de respeito ao seu opositor. De forma adicional se aprendem os limites de atuação corporal, em especial pela experiência de ser desafiado a superar resistências ou ataques imprevisíveis e impostos instantaneamente pelo seu confrontante. A vivência corporal integrativa agrega a corporeidade própria e conjunta, aplica e recebe uma diversidade de informações corpóreas que estimulam a percepção do outro, da sua importância e dos limites de atuação quanto ao autocontrole e aprendizado da contenção social (MIRANDA, 2004). Obviamente, o papel do professor deve ser intenso, participativo e atuante, convidando o aprendiz a compreender sua função de ator importante na construção dessas capacidades motoras coordenativas, cognitivas e psicossociais. O docente deve manter-se bem atento, pois Lutas e Modalidades de Esporte de Combate expostas pela mídia fantasiosa, sensacionalista e exagerada, exercem fascínio pela plástica visual e pela exposição de certo domínio corporal, pelo qual determinado indivíduo, em situações específicas, subjuga a outro ser. Não se deve considerar o sentido da vida imposto somente por representações nas quais se 56 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 6/ 04 /1 8 Unidade I deturpam as atribuições das Lutas, propagando que somente os mais fortes podem mais e que o fim seja o de causar dano deliberado, pois assim seria o mesmo que briga, incitando à violência. O intercâmbio corporal, a combinação de gestos técnicos, as descobertas das próprias limitações e potencialidades precisa ser o pensamento de orientação do professor aos seus aprendizes de Lutas. As Lutas, no seu argumento mais denso, são instrumentos de excelência para o desenvolvimento integral do ser humano, a partir do fato de que devem ser mostradas como significado da conjunção equilibrada entre o uso da máxima eficiência, com a maior habilidade de execução e o mínimo dispêndio de energia física. Dominar, conter ou sobrepujar seu opositor, não significa eliminá-lo, mas momentaneamente, e em determinada ocasião, a demonstração singular de superação de resistências circunstanciais. Muitas Artes Marciais evoluíram, destacando que o adversário que se contrapõe às suas ideias, o qual resiste aos seus ataques e impõe limites em sua atuação física ou psicossocial, não deve ser desprezado nunca. Contudo, ao mesmo tempo, deve ter reconhecida a sua importância, pois seus estímulos corporais serão essenciais para se obter o próprio aprendizado. Adicionalmente, chama-se a atenção para o fato da mistificação da aplicação dos fundamentos das Lutas nas aulas de Educação Física. Existe certo esoterismo nas relações dos instrutores e praticantes de Lutas, com o mundo da educação, na tentativa de preservar uma aura de complexidade acima da realidade. O professor de Educação Física deve se aprofundar nas pesquisas e estudar os elementos de construção das capacidades coordenativas e psicomotoras inerentes das técnicas usadas nas mais variadas Lutas e, desse modo, adaptar os conteúdos para os objetivos de estruturação da vivência corporal que permita a plena identificação com as distinções dos aspectos cognitivos, psicossociais, físicos e motrizes. Chama-se a atenção para o fato de que a utilização de especialistas ficaria mais bem reservada à complementaçãoespecífica de informações apropriadas à cultura de particularização ao rendimento esportivo, e não à área educacional. Um olhar abrangente sobre a metodologia de ensino recomenda que se aproveite de sequências pedagógicas, após análises das modalidades cujas ações motoras mais proeminentes sejam demasiadamente complexas. Deve-se primeiramente pesquisar e compreender seus componentes em separado, efetuando plano de ensino que molde o aprendizado por encadeamento progressivo e avaliações respectivas, sempre em consonância com os objetivos pretendidos e estipulados pelo plano de aula e de estudo. Saiba mais Para mais informações relacionadas ao princípio da aprendizagem do Judô, leia: MIRANDA, M. L. A iniciação no Judô: relação com o desenvolvimento infantil. 2004. Monografia (Graduação em Educação Física). Instituto da Saúde, Universidade Paulista, São Paulo, 2004. 57 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 6/ 04 /1 8 LUTAS: ASPECTOS PEDAGÓGICOS E APROFUNDAMENTOS Além disso, como as Lutas possuem o componente de concepção do pensamento dedutível e hipotético, com fundamentos de estratégias e táticas, para atender os parâmetros de diferenciação e demonstração de contestações esportivo-culturais, ou mesmo competitivas, recomenda-se o emprego dos Jogos de Combate. As disputas por meio dos Jogos de Combate vão além do tradicional cabo de guerra e devem permitir a influência corporal mútua e implicar aprendizado efetivo. Chegamos, então, na proposta de execução prática a qual auxilia o profissional da Educação Física a propiciar atividades que constroem caminhos seguros e bastante fáceis de serem empregados para o desenvolvimento inicial das Lutas. Essas atividades se associam às práticas mais indicadas pelos profissionais acadêmico-científicos para estabelecer parâmetros de consolidação de elementos físicos e habilidades motoras que ajudam no processo de construção do aprendizado das Lutas e ao mesmo tempo evitam a especialização precoce. Como já mencionamos, tais práticas são designadas de Jogos de Combate, cujas características descreveremos a seguir. 4.1 Jogos de Combate Os Jogos de Combate são organizados por contendas nas quais o uso do corpo é instrumento de oposição e são extremamente úteis para a descoberta de potencialidades físicas e interação com o outro (CARTAXO, 2010). Essas contraposições agonísticas estabelecem regras de respeito, compreensão das próprias restrições físicas e, especialmente, incitação ao juízo de valor para tomar decisões imediatas, e ainda, o mais importante, de modo preciso e exercendo o exercício do cumprimento dos princípios de conduta frente ao seu próximo e de contenção. As atividades praticadas na execução dos Jogos de Combate se caracterizam por interposição de elementos adquiridos das modalidades esportivas de combate, Artes Marciais e Defesa Pessoal, mas não são usados com seus fins últimos, os quais primeiramente visariam atingir efeitos mais contundentes, implicando resultados que poderiam causar desconfortos mais acentuados. No momento, procuram-se elementos por meio das Lutas para formar cidadãos e propiciar descobertas educativas. Ou seja, contrariamente aos alcances mais categóricos, utilizar-se-ão de aspectos relativos, que serão aproveitados para construir um acervo motor variado e propiciarão experiências interativas muito positivas e de caráter prático para o emprego na vida em sociedade. Os Jogos de Combate exigem a edificação de capacidades físicas como força, flexibilidade, resistência e velocidade e geram condições para o exercício das capacidades motoras coordenativas já citadas. Destacam-se várias dessas capacidades coordenativas que são desenvolvidas pelos Jogos de Combate. Inicialmente, coloca-se como a principal competência coordenativa o equilíbrio, que exerce função primordial no controle de atos motores humanos e, em seguida, a agilidade, possibilitando apreender os conhecimentos sobre como dominar a rapidez na execução das ações corporais e mudá- las instantaneamente. Depois chamamos a atenção para a disposição de noção espaçotemporal, adquirindo a ciência dos controles motores e julgamentos de deslocamentos corporais em relação ao espaço e tempo de realização. Incorpora-se à ambidesteridade, que determina o emprego igualitário e com qualidade idêntica das ações motoras pelos membros posicionados nos hemisférios anatômicos: 58 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 6/ 04 /1 8 Unidade I esquerdo e direito. Por fim, as aptidões viso, tátil e perceptivo-motora, cujas características provêm de reações a partir da recepção de estímulos enviados e analisados pelo respectivo sistema sensório-motor. No aspecto cognitivo, ressaltamos que a necessidade de se avaliar continuamente as ações às quais somos submetidos pelos adversários provoca intensificação das respostas baseadas no tempo de reação e da capacidade de antecipação, intensificando o raciocínio rápido para adotar deliberações e determinar escolhas momentâneas. No campo emocional, os Jogos de Combate, sutilmente, possibilitam que as pessoas sofram ínfimas pressões de perdas súbitas e suportem condições de inferioridade, de detrimentos dissimulados e ausência da condição de se sentirem superiores. Durante os Jogos cada momento é uma história, pode-se estar vencendo e no instante seguinte ser derrotado. Descobre-se que a habilidade de um suplanta a força de outrem. A ansiedade na realização de ações sem as devidas precauções, e tecnicamente mal executadas, pode levar a condições cada vez mais instáveis e deixar o indivíduo em situação progressivamente mais delicada e sujeito a sofrer mais desequilíbrios e perdas. Portanto, vão se estabelecendo parâmetros mais importantes para se aferir a necessidade de autocontrole e contenção emocional, a fim de que se possa alcançar objetivos e obter sucesso na coletividade. Ainda no aspecto psicossocial, nos Jogos de Combate percebe-se que as superioridades corporais podem ser incertas e mutáveis. Em uma Luta compreende- se que nunca estamos no controle absoluto do momento, que as mudanças são variáveis e constantes. Isso possibilita a formação de indivíduos mais conscientes para serem precavidos, que tenham um trato mais entusiástico e cordial diante das condições familiares, profissionais e sociais. O indivíduo vai se descobrindo e compreendendo suas potencialidades, aprende que na vida existem limitações as quais deve se inteirar e precisa tentar superar ou, então, evitá-las para que não tomem conta de sua existência. A seguir serão disponibilizadas fotos com alguns exemplos de Jogos de Combate de fácil execução e compreensão, os quais estimulam bastante a interatividade corporal, excitam a tomada de decisão imediata e incitam a aproximação física. Figura 47 – Luta do sapo: tentativa de desequilíbrio dinâmico em posição agachada 59 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 6/ 04 /1 8 LUTAS: ASPECTOS PEDAGÓGICOS E APROFUNDAMENTOS Figura 48 – Luta do saci: tentativa de desequilíbrio apoiada em um pé só Figura 49 – Jogo do tocar no ombro dinamicamente 60 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 6/ 04 /1 8 Unidade I Figura 50 – Jogo do desentoca o tatu Figura 51 – Jogo do empurra-empurra de costas 4.2 Bullying e as Lutas Percebe-se pelas descrições anteriores a importância da prática das Lutas no contexto do Esporte Educação. Valores sociais e cognitivos, além dos físicos-motores, são disponibilizados pela riqueza da interatividade corporal, dos desafios a serem superados quando nos achamos diante de demandas decisivas, as quais envolvem a manutenção de nossa modéstia, autoestima e da posição de avaliação de nosso progresso e desempenho das habilidades motoras e da capacidade de inteligência. 61 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 6/ 04 /1 8 LUTAS: ASPECTOS PEDAGÓGICOSE APROFUNDAMENTOS Os grupos adolescentes e infantojuvenis se espelham em costumes e códigos que acontecem ao seu redor. Dessa maneira, é de suma importância promover tais valores nessas faixas etárias para construção de seres mais afinados com a convivência igualitária, respeitosa e que gere o sucesso cordial e do bem- estar dos indivíduos. No entanto, nem sempre nos deparamos com crianças e jovens de temperamento afável e tampouco cujas condições de educação familiar ou que envolvem sua vizinhança tragam ou despertem esses valores e, por conseguinte, agem de maneira a realizar, imitar, perpetuar e praticar atos, os quais se desvirtuam da convivência afetivo-social aceitável. Assim sendo, nas escolas e no dia a dia de adolescentes e no universo infantojuvenil, existem práticas de constantes afrontas, que são relativas ao emprego de imposições, as quais surgem de características das mais diversas da índole humana não domada e incoerente com a vida em sociedade, tais como: liderança exacerbada, ordenação de constrangimento para cumprir atividades que sirvam a interesses imperiosos próprios, autoritarismo e coação e sujeitar seus pares a efetuar práticas e tarefas não condizentes com o bem-estar e a paz de espírito. Surge o intimidador, que impede que seu semelhante, visto como subalterno, possa agir com naturalidade e atingir o seu próprio progresso e disposição na coletividade. É comum saber-se que, rotineiramente, em escolas e quaisquer outras comunidades, existam obras de repressão, opressão, agressões, atos de violência, supressão de liberdade, retirada de valores e coação nos aspectos: físico, moral, social e psicológico. Essas ações são chamadas de bullying, termo que derivou da literatura inglesa, o qual se pode traduzir com bastante conveniência para abranger tamanha capacidade negativa de atuação social com a palavra em português: intimidação. A intimidação é realizada por indivíduos que primam pelo desprezo aos seus próximos e acreditam serem superiores, agindo de maneira arrogante, impositiva, violenta e causando distúrbios. Usualmente, atuam intimidando indivíduos que não estão preparados para enfrentar situações de chantagens, extorsões, ameaças e bravatas, pessoas que não sabem lidar com pressões sociais e são de natureza mais compassiva e introvertida. Equivocadamente, diretores de escolas, professores e a mídia em geral acreditam que a prática de Lutas na escola ou nas sociedades poderia trazer mais incitação a atos violentos, mas já mencionamos trabalhos acadêmicos anteriormente nos quais o exercício das Lutas aumenta as qualidades de integração social e de solidariedade. A causa principal é a compreensão de que somos todos potencializados para exercer movimentos que possam trazer condições de enfretamento a qualquer ação intimidante cujo objetivo seja nos colocar em posição inferior. Simplesmente, para enfrentar os intimidadores, pode-se fazer o uso de habilidades físicas, baseadas em técnicas específicas, as quais não possuem características ou a necessidade de que haja o emprego da força física. Como já citado, um dos fundamentos básicos de enfrentamento, utilizado nas Lutas, é a esquiva, que se baseia em possibilitar a saída do raio de ação de ataque do adversário. Com isso, o opositor exerce uma ação na qual desperdiçará sua energia e concentração. Caso a ação seja realizada de modo exasperado, comum nas ações de bullying físico, a esquiva deixará o executor em posição de perda de equilíbrio, pois sua energia será perdida. 62 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 6/ 04 /1 8 Unidade I Ela é executada em todas as modalidades de Lutas, assim todos os seus praticantes terão necessariamente de passar pelo seu aprendizado durante a prática. Os praticantes adquirem a esperteza de seu uso no aspecto físico e vão além, aplicando-a no trato social, pois conseguem se desvencilhar de afrontas e abusos verbais ou morais e encarar seus insultantes, ignorando os ultrajes e deixando-os em posição grotesca. O praticante de Lutas e dos Jogos de Combate facilmente não liga para palavras fúteis e de baixo calão, injúrias ou ofensas, pois não o atingem, sabedor que esses insultos não têm sentido, uma vez que possui uma vida correta e honesta, e assim age de modo a deixar passar a energia negativa provinda de indivíduos despreparados para o convívio coletivo. Ao agir assim, o agressor se torna impotente e fica totalmente sem ação, pois não houve reação e suas falácias foram jogadas ao vento, sem significação alguma. Portanto, acostumado a lidar com as pressões das Lutas e agir com racionalidade no aspecto físico, o praticante de Lutas, e em especial dos Jogos de Combate, fortalece vínculos com uma condição de seres mais centrados e dispostos ao diálogo e de solução de problemas por meio do consenso e da harmonia. Esses praticantes são bastante determinados e psicologicamente fortes e decididos, não hesitam em tomar atitudes definitivas e categóricas. Observação Bullying é a intimidação exercida por sujeito opressor por meio de agressões violentas ou sutis, físicas e psicológicas, praticando coerção e tratando os outros como subalternos. Por outro lado, os indivíduos que exercem a intimidação e não possuem controle emocional e os quais partem para a agressão de seus pares, ao começarem a prática de Lutas, veem-se diante de praticantes mais avançados e precisam aprender a lidar com a superioridade desses agentes interativos. Destarte, eles precisam de maior necessidade de se precaver, de tomar decisões mais racionais e intuem que sempre existirá a possibilidade de alguém lhe ser superior e impor decisões e posições desconfortáveis. Também, ao se depararem com praticantes mais avançados, não poderão agir de modo exasperado e partir para ações súbitas e ataques inconsequentes, sem levar em conta que existe alguém que tem mais poderes e habilidades desenvolvidas. Por um lado, o praticante mais avançado se utilizará de recursos, como a própria esquiva e habilidades mais complexas, sobrepujando e fazendo seu oponente se render ao seu domínio. Por sua vez, o intimidador vai aprendendo a se conter e a tomar ciência de sua posição social, controlando seus impulsos e agindo de modo mais refreado e compreensivo, de acordo com as regras da boa convivência. Percebe-se que os Jogos de Combate são instrumentos muito úteis na construção de hábitos de conduta e formação de uma pessoa com caráter dinâmico, proativo, respeitoso e ciente de seus deveres e direitos. Consequentemente, as Lutas são ferramentas educativas de grande valor humano e que podem trazer vantagens e benefícios que minimizam a manifestação do bullying nas escolas e comunidades. 63 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 6/ 04 /1 8 LUTAS: ASPECTOS PEDAGÓGICOS E APROFUNDAMENTOS 4.3 Lutas e interdisciplinaridade De acordo com Klein (1990), interdisciplinaridade vem a ser genericamente a unificação das ciências, integração do conhecimento e também a junção de saberes disciplinares. Nota-se que o conceito está intimamente ligado à cultura e às vivências sociais e necessidades humanas. O ser humano se vê diante das mais variadas oportunidades de autorrealização, mas deixa escapar possibilidades de compreensão e conexão com a sua vizinhança e de participar ativamente de seu mundo. Isso ocorre não por sua culpa exclusiva. Ordinariamente a família, a política, as comunidades e o setor educacional têm apresentado muitas deficiências na formação do caráter pessoal e social. Mais nitidamente, adverte-se para o insuficiente aprofundamento das vinculações racionais que façam as crianças e os adolescentes se envolverem em maior participação social, política e construção de seu conhecimento e sua autonomia. Ou seja, não se estão dando condições para os jovens inteirarem elementos em seus estudos que os façam conter uma maior compreensão da realização humana nos aspectos individuais e coletivos.Daí a importância da interdisciplinaridade na Educação Física e, como temos chamado a atenção, no Esporte Educação. A partir da atuação do profissional da educação e da saúde, ou seja, o profissional da Educação Física, o conceito de interdisciplinaridade deve ser imensamente usado na edificação de seres mais cientes de sua importância na sociedade e o mais saliente: tomar consciência de seus deveres e direitos. Como já citamos, as Lutas fizeram e fazem parte do cotidiano humano desde a sua existência, desde os primórdios da civilização, e se atrelam com a cultura de modo intenso e interagente. Repete-se aqui que cada civilização possui uma maneira de Lutar própria baseada em seus costumes e tradição corporal e instrumental. Fica evidente e significante ressaltar que o ensino de Lutas propicia e estimula a ampliação de estudos interdisciplinares. Pode-se usufruir da riqueza de informações, aspectos culturais como costumes, mitologia, vestimentas e movimentos próprios, práticas que abrangem crenças associando deuses, atividades marciais e implementos de combate, significados dos movimentos e o que pretendiam alcançar, ritualização de caracteres: saudações, sentido da honra, coragem e obediência. A abundância de palavreados empregados em academias, competições, arbitragem e seus significados também é expressiva, pois se veem relacionados com idiomas dos quais partiram sua sistematização mais proeminente. Como exemplo, pode-se citar: Judô (japonês), Kung Fu (chinês), Esgrima (francês), Wrestling (inglês americano), Capoeira (tupi-guarani), Boxe (inglês), Muay Thai (tailandês) etc. Adicionalmente, por meio dos estudos sobre a prática de Lutas, pode-se fazer associação com a política e os momentos específicos de diversos povos, tais como: estratégias de combate na defesa de território, busca de víveres e valores comerciais e de sobrevivência, além de mostrar seu emprego pelos imperadores e reis para festivais de Lutas que visavam celebrações, entretenimento e cerceamento de manifestações coletivas. 64 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 6/ 04 /1 8 Unidade I As pesquisas sobre participação competitiva, atuação motivacional e ansiedade também se relacionam com as Modalidades de Esporte de Combate e com as Artes Marciais e seus praticantes. Como se pode notar, as Lutas têm íntima ligação com as ciências humanas, como a Geografia, Sociologia, História, Filosofia, Psicologia, Logística, Teologia e Linguagem. No campo das ciências naturais, ressaltamos: organização das características de funcionamento do corpo, alterações hormonais, angulações articulares e rapidez de execução motriz, posicionamento corporal, controle do corpo, uso da força e da velocidade, combinação de capacidades condicionantes e coordenativas, deslocamentos, amplitudes corporais, lesões no esporte e treinamentos. Além disso, estudos e práticas para a formalização dos aprendizados na iniciação esportiva em relação ao desenvolvimento físico, motor, cognitivo e afetivo-emocional. Portanto, percebe-se que a disciplina de Lutas se alia de modo bastante próximo às disciplinas de Matemática, Física, Química, Biologia, Anatomia, Biomecânica, Fisiologia, Medidas e Avaliações, Aprendizagem Motora etc. A troca entre a disciplina de Lutas e as outras áreas educacionais deve ser mútua e fartamente aproveitada no âmbito educacional. A coexistência precisa ser atraente e proporcionar a conglobação dos desempenhos humanos em sociedade. A referida disciplina se constitui, enfim, em uma ferramenta imprescindível para aplicação nas aulas de Educação Física, trazendo bases de formação indispensáveis para que o indivíduo possa compreender mais intimamente o porquê de a Luta ser um atributo intrínseco da condição humana. Consequentemente observa-se que o profissional de Educação Física necessita se incorporar aos conceitos, princípios e características das Lutas de modo a unificar com outras disciplinas formativas os extraordinários valores das ciências naturais e humanas. Aproveita-se o ensejo para discutir como tal profissional pode se preparar para inserir o conteúdo de Lutas por meio do Esporte Educação. 4.4 O papel do profissional de Educação Física e as Lutas A mídia sensacionalista criou uma imagem de esoterismo e inacessibilidade acerca das modalidades de combate, Artes Marciais e Lutas, enfatizando-as como atividades fechadas, de grande dificuldade motriz e impenetrável. Destaca-se nos meios de comunicação que as práticas de Artes Marciais sempre são versadas apenas por alguns excepcionais personagens e que os resultados são sangrentos e devastadores. Ressalta-se a impressão tortuosa de que Lutadores e artistas marciais possuem habilidades consagradas, e tão desenvolvidas, que podem se apoderar de quaisquer ações e reações humanas, sendo seres intransponíveis, inacessíveis ou até verdadeiras divindades. Por esses motivos midiáticos, a população em geral acabou intitulando uma conotação equivocada das Lutas, impressionando-se deveras com a complexidade dos movimentos executados e a sensação de estarem a anos-luz de sua concepção. Não se pode negar que os golpes e as ofensivas nos combates são realmente muito rápidos e decisivos, dando a impressão que muitos não seriam capazes de realizá-los. 65 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 6/ 04 /1 8 LUTAS: ASPECTOS PEDAGÓGICOS E APROFUNDAMENTOS Obviamente isso ocorre, como se sabe, acadêmica e cientificamente, pois nossas crianças e jovens não têm tido oportunidades motoras e acesso ao exercício combativo corporal planejado, tampouco têm sido estimulados e motivados para seu aprendizado e entendimento. Adicionalmente, a metodologia específica e aprofundada das Lutas exige a sua prática em espaços mais exclusivos. Esses lugares são apresentados, e até considerados como sagrados, verdadeiros santuários ou templos e recintos restritos. Lembra-se também que as competições são efetuadas sobre tatames, tapetes especiais, ringues, tablados de Luta e estrados protegidos. Por outro lado, os aprendizados de elementos fundamentais das Lutas e da prática dos Jogos de Combate não exigem especializações tão densas assim, como já se mencionou anteriormente. Enfim, essas condições incabíveis parecem distanciar e afetar as pessoas comuns que se sentem temerosas em terem de se deslocar para ambientes nos quais poderiam se sentir mais inseguras diante do desconhecido legendário. Por mais incrível que possa parecer, os profissionais de Educação Física estão bastante coligados às considerações descritas de como veem as Artes Marciais e Lutas. Sentem-se despreparados, sem confiança e hesitantes na aplicação da disciplina de Lutas como Esporte Educação. A razão para isso é a falta de envolvimento que professores de Educação Física têm nas fundamentações das práticas corporais de Lutas. Essa é uma deficiência remota das aulas de Educação Física dentro da educação no Brasil, pois infelizmente muitos docentes, por questão de conveniência e acomodamento profissional, não se dão ao interesse de promover as práticas corporais de combate. Usam desculpas de falta de espaço, falta de material e desconhecimento técnico. Tudo isso tampouco se justifica, conforme se tem exposto até o momento. Faz-se relevante que as grades curriculares dos cursos da área desmistifiquem essas condições de falta de vontade e acomodação e promovam o conhecimento extraordinário das práticas corporais de combate, em especial por meio de Jogos de Combate e interdisciplinaridade educacional. A disciplina de Lutas deve ser abrangente e direcionar o estudante de nível superior, moldando as concepções mais contemporâneas da educação e incorporadas com os aprendizados corpóreos da Educação Física. Esses aprendizados estão diretamente relacionados à promoção e ao aumento das habilidades motoras e capacidades físicas para a saúde e o bem-estar, o entendimento do movimento como instrumento de motivaçãopara a inteligência e a interatividade social e afetiva. É preciso se preocupar em ampliar sua ciência acerca das Lutas e sua aplicação na Educação Física. Obviamente, um profissional de Educação Física deve possuir uma boa base dos fundamentos usados nas Lutas e aprofundá-los por meio de estudos e pesquisas. Durante os estudos universitários, é impossível ao estudante adquirir a técnica apurada de cada Luta, pois já vimos que são centenas, talvez milhares, espalhadas nas mais diversas culturas. Já realçamos que para ser um expert, ou seja, perito em uma Luta específica ou quaisquer outras atividades esportivas particulares, precisa-se muito treinamento e dedicação exclusiva. O acadêmico, por outro lado, pode incrementar os seus saberes por meio de visitas a academias de Artes Marciais e clubes que promovem as 66 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 6/ 04 /1 8 Unidade I modalidades esportivas de combate, assistir competições, acessar livros e artigos científicos. O estudante universitário pode ainda debater as características que circundam o mundo formidável das Lutas como a violência, o contato corporal, o respeito, a tolerância, o autocontrole etc., apresentar trabalhos, práticas como componente curricular, planejando e disponibilizando aulas com elementos sobre as Lutas. Um profissional de Educação Física deve esquematizar as aulas de Lutas por meio de literatura apropriada, aliada à criatividade e a elevados objetivos educacionais, provocando questionamentos e argumentações. Os instrumentos contidos na disciplina de Lutas são muito abrangentes. Eles têm sido constantemente confundidos como atividades violentas e pouco usadas na educação escolar e como Esporte Educação. O profissional de Educação Física tem obrigação de desmistificar esses conceitos e aplicar a riqueza das características das práticas de Lutas para o bem comum. Faz-se necessário que o profissional se complete e preencha esse espaço na educação brasileira. Os PCN foram um marco importante para ampliação do emprego das Lutas na Educação Física e os professores de Educação Física devem se apropriar das Lutas como instrumentos importantes para a ampliação educacional infantojuvenil. Basta ver as recomendações sobre atividades de oposição e a Luta da Capoeira, a qual possui uma variedade de subsídios que se associam a história e cultura corporal no Brasil. A seguir, aproveita-se dessa indicação e vai-se explorar o aparecimento e a manifestação dessa Luta brasileira e de outras atividades corporais de combate indígenas nativas da terra brasilis. 4.5 Lutas brasileiras Não podemos perder as origens e as Lutas que fizeram parte do cotidiano indígena e das linhagens de combates que prosperaram e se perpetuaram na nossa cultura. O Brasil atualmente possui cadastrado pelo Censo realizado em 2010, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 305 etnias indígenas, alcançando aproximadamente 897 mil indivíduos (IBGE, 2012). Muitos prélios foram praticados em nosso território, e tinham alegorias próprias e distintas, das quais podemos apresentar um pouco de suas expressões. Lutas entre tribos e contra invasores externos europeus – portugueses, franceses e holandeses – principalmente, foram relatadas por alguns historiadores, artistas e mercenários que habitaram nossas terras desde o descobrimento pelos portugueses, em 1500 EC. 4.5.1 A Capoeira A Capoeira é a Luta mais conhecida do Brasil. Hoje é considerada patrimônio cultural imaterial da humanidade, conforme se certifica pela citação da Unesco. A Roda de Capoeira foi inscrita na Lista Representativa do Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade da Unesco. O anúncio foi feito hoje (25/11/2014), na 9ª Sessão do Comitê Intergovernamental para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial, comandado por José Manuel Rodríguez 67 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 6/ 04 /1 8 LUTAS: ASPECTOS PEDAGÓGICOS E APROFUNDAMENTOS Cuadros (Peru) e aberta no último dia 24/11 na sede da Organização em Paris, França (UNESCO, 2014). A palavra Capoeira, é consenso entre os etnólogos, pertence à origem tupi-guarani. O Padre José de Anchieta cita no livro original A Arte da Gramática da Língua mais Usada na Costa do Brasil, editado em 1595, as palavras kaá (mato) e poêra (o que foi). O vocábulo também se associa à outra designação guarani caápuéra, que significa “mato ralo” ou “mato renascido”, conforme descreve Frederico G. Edelweiss, no livro de Teodoro Sampaio, O Tupi na Geographia Nacional, de 1901. Saiba mais Para obter um aprofundamento em relação aos vocábulos, recomenda- se a leitura integral da obra: SAMPAIO, T. O Tupi na geographia nacional. São Paulo: Typ. da Casa Eclectica, 1901. Disponível em: . Acesso em: 2 abr. 2018. Antenor de Veras Nascentes (1886-1992) diz que a ave de nome Capoeira está ligada à origem da Luta. A ave uru (odontophorus capueira – spix), cujo macho é muito ciumento, trava Lutas violentas com o rival que ousa entrar em seus domínios e ataca com muita agilidade (os movimentos se assemelham aos da Capoeira) (NASCENTES, 1935). Há também outra proposta que provém do termo português mais antigo relativo ao nome de um cesto para guardar capões (galináceos castrados e aves novas): chamado de capoeyra, atualmente capoeira mesmo, encontrado em todos os dicionários de língua portuguesa, que eram usados em barcas, mercados e fazendas. O vocábulo então passou do objeto para a atividade realizada pelos capões, que batiam cabeça e brigavam, ou seja, “brigavam ou divertiam-se” dando cabeçadas, divertiam-se na Capoeira. Para vários outros autores, a adesão do nome provém da designação dos cestos de taquara fechado para engaiolar pássaros capões e aves, chamado de Capoeira. Diziam os escravos: “vamos sair da Capoeira”. Assim como a origem do termo é bastante discutida, a procedência da Luta segue os mesmos padrões e existem vertentes diferenciadas para se determinar sua ascendência. A origem da Luta Capoeira é largamente debatida e conflitos de autenticidade têm sido levantados frequentemente. Ela indiscutivelmente ficou conhecida devido à sua atuação preponderante pelos escravos negros como um combate afrodescendente. 68 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 6/ 04 /1 8 Unidade I Vejamos a seguir o que diz Hahner: A Capoeira começou como um tipo diferente de defesa e diversão entre os escravos africanos no Brasil, já que eram proibidos de usar armas de fogo e espadas (armas de seus senhores), para se defender e dar chutes em seus adversários. Tornou-se mais tarde uma forma de Luta organizada e mortal nos maiores centros urbanos do século XIX, especialmente no Rio de Janeiro, Salvador e Recife. Durante todo o século XIX e início do século XX, apesar de ser ilegal a prática da Capoeira, os grupos Capoeiras foram frequentemente utilizados por chefes políticos locais para assegurar vitória nas eleições: dissolviam comícios de adversários, criavam desordens e intimidavam os eleitores. Na primeira metade do século XX, a Capoeira se transformou em um esporte com aparência de dança, tornando-se uma importante expressão de nosso folclore (HAHNER, 1993). Porém, outros autores têm indicado que a Capoeira já era praticada pelos nativos aqui presentes, em especial os da etnia tupi-guarani. Vários relatos de Lutas ferozes travadas entre europeus e os aborígines brasileiros mencionam que estes efetuavam movimentos bastantes mirabolantes com alegorias físicas que estendiam o corpo e dificultavam as tentativas de dominação. Eram muito ágeis e inacreditavelmente ligeiros. Algumas narrativas sugerem extrema flexibilidade e movimentação em forma de esquivas muito eficientes em confrontos corporais. No livro de Guilherme Theodoro Pereira de Mello (1908) sobre a música no Brasil, Música no Brasil: Desde os Tempos Coloniais98 5.2 Segurança pública e a prática participativa nas Lutas .......................................................100 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 6/ 04 /1 8 5.3 Lutas e a promoção da saúde........................................................................................................102 5.4 Idosos e as Lutas .................................................................................................................................105 5.5 As Lutas virtuais ..................................................................................................................................110 6 LUTAS E RECREAÇÃO ...................................................................................................................................116 6.1 Lutas na recuperação de dependentes químicos ..................................................................122 Unidade III 7 LUTAS NO ESPORTE DE RENDIMENTO ..................................................................................................130 7.1 O estudo da Biomecânica nas Modalidades de Esporte de Combate ...........................132 7.1.1 Os deslocamentos nas Modalidades de Esporte de Combate ........................................... 135 7.1.2 Capacidades motoras condicionantes e suas consequências ............................................ 137 7.1.3 Equilíbrio nas Modalidades de Esporte de Combate ..............................................................141 7.1.4 Torque e alavancas nas Modalidades de Esporte de Combate .......................................... 142 7.2 Aspectos fisiológicos nas Modalidades de Esporte de Combate.....................................148 7.3 Perda deliberada de peso ................................................................................................................154 8 MEDIDAS E AVALIAÇÃO EM MODALIDADE DE ESPORTE DE COMBATE ..................................155 8.1 Medidas fisiológicas ..........................................................................................................................156 8.2 Medidas subjetivas .............................................................................................................................157 8.3 Avaliação de medidas motoras e físicas ...................................................................................158 8.4 Metodologia de treinamento para Modalidades de Esporte de Combate ..................159 8.4.1 Periodização ........................................................................................................................................... 162 8.5 Lesões nas Modalidades de Esporte de Combate ..................................................................163 8.6 Arbitragem nas Modalidades de Esportes de Combate ......................................................165 8.7 Características psicológicas ............................................................................................................167 7 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 6/ 04 /1 8 APRESENTAÇÃO A disciplina Lutas: Aspectos Pedagógicos e Aprofundamentos tem intenção de ser uma ferramenta valiosa para contribuir com o desenvolvimento do estudante de Educação Física, em especial, apresentar instrumentos que permitam ao futuro professor empregar todos os seus abrangentes recursos pedagógicos, com o intuito de incrementar aspectos físicos, cognitivos e psicossociais de seus praticantes. Desse modo, a disciplina caminhará para introduzir elementos de construção de importantes valores da área da Educação Física e esportes: discorrerá sobre aspectos relacionados às ciências humanas, isto é, entender o comportamento humano diante do aprendizado e exercício das Lutas, e as ciências naturais, ou seja, a compreensão no emprego dos elementos de natureza anatômica, mecânica e fisiológica na prática das Lutas. A disciplina visa dar suporte à formação integral do universitário e versará de modo abrangente a tudo que se relacione ao universo das Lutas. INTRODUÇÃO A humanidade tem se deparado com as Lutas desde os tempos mais remotos. Atualmente elas estão cada vez mais difundidas no contexto social, econômico, político e esportivo. Assim, a disciplina Lutas vem ao encontro da necessidade de o futuro professor se envolver com a aplicação de seus fundamentos nas aulas de Educação Física para iniciação esportiva, lazer, promoção e conscientização da saúde, autoconhecimento e de alto rendimento esportivo, e relacioná-los com elementos sociais, educativos e o progresso individual e coletivo. O conteúdo a ser oferecido nesta publicação transcorrerá por associação com outras áreas do conhecimento humano, pois abordaremos a filosofia e a sociologia das Lutas, a classificação motora e o aprendizado expansivo de seus gestos técnicos, os estudos biomecânicos, a aplicação dos princípios básicos da fisiologia e da metodologia de treinamento para os praticantes de Lutas. O leitor vai encontrar subsídios para formalizar um acervo importante sobre história, origens, metodologias de instrução formativa, preparação generalizada e fundamentos científicos que permitam sua atuação nas áreas de introdução técnica-esportiva das Lutas e, adicionalmente, a captação do universo de informações acadêmicas necessárias para sua futura especialização em aplicação desportiva competitiva. Portanto, é essencial que no Ensino Superior de Educação Física se possa analisar a disciplina de Lutas em um conjunto abrangente de aplicações (DEL VECCHIO; FRANCHINI, 2006). A dimensão e as especialidades das Lutas são tamanhas e exigem adaptações particulares para o seu estudo e compreensão. Logo, vamos direcionar três unidades específicas para nossa apresentação: 1º) as Lutas no contexto do Esporte Educação – formação e iniciação esportiva, vinculada ao princípio do desenvolvimento esportivo e à construção da cidadania; 2º) do Esporte Participativo – recreacional e saúde e, por fim, 3º) do Esporte de Rendimento – competição e preparação esportiva profissional. 8 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 6/ 04 /1 8 Observação Usaremos AEC para nos referir a Antes da Era Comum e EC para Era Comum. A Era Comum se inicia com o ano I do calendário gregoriano. Observação As seguintes palavras serão escritas nesta publicação sempre em maiúsculas: Luta(s), Artes Marciais, Modalidades de Esporte de Combate, Defesa Pessoal, Esporte Educação, Esporte Participativo e Esporte de Rendimento. 9 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 6/ 04 /1 8 LUTAS: ASPECTOS PEDAGÓGICOS E APROFUNDAMENTOS Unidade I 1 LUTAS NO ESPORTE EDUCAÇÃO Primeiramente se faz necessário relembrar a definição de Esporte Educação e seus aspectos mais contemporâneos e, para isso, vamos discorrer de forma breve sobre o aparecimento de atividades esportivas humanas. O esporte (ou as atividades pré-esportivas) é um fato real, que aconteceu de modo indispensável na sociedade humana desde os tempos mais remotos. Em especial, o nascimento do esporte combativo decorreu, essencialmente, da necessidade do ser humano em sistematizar os movimentos instintivos da Luta, da espontaneidade corporal, e se fundamentou nas vertentes primitivas da natureza humana relativas à manutenção de sua própria sobrevivência. É fato que para chegarmos aonde chegamos como sociedade organizada, o enfrentamento prévio com predadores foi constante, e graças à manifestação da inteligência o ser humano se sobressaiu de modo incomparável diante de todas as ameaças que o colocavam em risco de se transformar em alimento de animais maiores e carnívoros. Além disso, a organização social e o desenvolvimento de armas auxiliaram bastante no estabelecimento de uma posição mais confortável frente aos seus inimigos mais imediatos. Na verdade, podemos descrever essas manifestações corporais de defesas e ataquesaté o Primeiro Decênio da República, há menção sobre a Capoeira ter raízes indígenas, dos autóctones que aqui habitavam o nosso solo, a terra brasilis. A descrição está contida na página 108: “é o jogo da Capoeira, arte da Esgrima de origem indígena, em que estuda a ofensiva e defensiva na briga [...]”. Também se apresentam no livro de Léry (1961), missionário francês, descrições acerca das manifestações corporais indígenas contendo colocações que os indígenas brasileiros das etnias Uetacás e Tupis-guaranis, em confrontos contra outras tribos e invasores europeus, usavam de artimanhas estranhas. O autor ainda cita as ações como “furibundas cambalhotas” e movimentos rápidos e coléricos, muito velozes e que os índios não se deixavam acertar nos conflitos corpo a corpo, pelo emprego de estrepolias, saltos, meneios e circulações ao redor do oponente (LÉRY, 1961). Corrobora com esses escritos as declarações de Nieuhoff (1988), que relatava as Lutas dos nativos brasileiros nas regiões potiguares e pernambucanas. Seus descritos dispunham que os índios se reuniam em círculos e moviam os corpos como animais, batendo as mãos e percutindo os pés no chão, aproximando-se com ataques por golpes de pernas e cotoveladas e se afastando rapidamente com saltos e giros. Uma das referências mais contundentes sobre a origem indígena da Capoeira é a descrição dada pelo teólogo e historiador holandês Gaspar Barléu (Caspar van Baerle) no livro Rerum per Octennium in Brasilia (BARLÉU, 1940), o qual conta sobre a passagem de oito anos do governador Maurício de 69 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 6/ 04 /1 8 LUTAS: ASPECTOS PEDAGÓGICOS E APROFUNDAMENTOS Nassau e alerta sobre as Lutas dos índios Tapúias. Seus relatos mencionam que as Lutas se davam por meio de uma roda de autóctones em que dois participantes se enfrentavam com pernadas, cotoveladas, cabeçadas e movimentos que lembravam animais em combate. Outra referência acerca da origem das Lutas indígenas brasileiras é a exposição de Soares (2001) citando Plácido de Abreu, que afirma, em 1866, ser a Capoeira uma Luta que se criou entre nós e dificilmente pertence ao universo africano, que não conhecia os movimentos da Capoeiragem. Essa afirmação contemporiza com as do antropólogo austríaco Gerhard Kubik (1994), especialista em movimentos musicais, linguagens e manifestações corporais africanas e suas influências na cultura brasileira, que estranha a conotação Capoeira de Angola, pois alega que não existem Lutas ou danças que se pareçam com os movimentos da Capoeira nesse país. O luso Martim Afonso de Souza, nos idos de 1532, atracou pelas costas brasileiras para efetivar as distribuições das capitanias hereditárias e em sua armada estava o seu irmão e escrivão, Pero Lopez, que menciona assistirem a Lutas dos indígenas nas praias, com movimentos de grande agitação, lépidos, e que se pareciam com tentativas, antes de tudo, de enganar o adversário. Ao mesmo tempo lembramos as referências mais atuais sobre a arte dos índios da etnia Guarani, chamada de xondaro, também conhecido como jogo da esquiva, a armadilha, a artimanha enganadora, como cita Santos (2017), em sua dissertação acerca dos movimentos Guaranis. Nessa obra, ele traz à baila que vários outros autores, estudiosos da cultura Guarani, fazem comparações e equalizam as esquivas do xondaro com as da Capoeira. A esquiva dos Guaranis incita o adversário a se equivocar, a errar, a provocar o erro, assim como a ginga da Capoeira. Um dos fatos mais relevantes é que uma comissão de brasileiros esteve em 24 de abril de 1966, com a participação atuante do mestre Pastinha, no Primeiro Festival de Artes Negras no Dakar, no Senegal, e este voltou afirmando de modo convicto que a Capoeira não tinha origens africanas. O próprio mestre Pastinha declarou: “Pastinha foi à África pra mostrar Capoeira do Brasil”, como cita Vidal de Souza Reis (2004, p. 203). O mestre Pastinha é bastante contraditório, pois muitas vezes afirmou que a Capoeira era de origem africana. Quando se certificava que essa afirmação não era autenticada corretamente, trocava de opinião, em seguida afirmava que a Luta teria vindo de Angola, e depois logo se contestava, afiançando ser brasileira. Saiba mais Recomenda-se assistir o vídeo que se relaciona com o mestre Pastinha e a Capoeira. PASTINHA! Uma vida pela capoeira. Dir. Antônio Carlos Muricy, 1998. 52 minutos. 70 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 6/ 04 /1 8 Unidade I Aparentemente, como lembra Rego (1968), em um dos maiores ensaios sobre a Capoeira Angola, não tem como haver consistência em se afirmar que a Luta veio da África. Esse autor alega que a Capoeira havia sido idealizada nas terras brasileiras e a partir da chegada dos escravos negros se misturou aos movimentos corporais que daqui precediam de origens afras. Dão-se, então, como mais certa e segura, as constatações de que a Capoeira foi apresentada aos escravos negros que aqui chegaram, recepcionaram-na, aceitaram-na e a mestiçaram, e criou-se um novo órgão vivo que fez e participa da história brasileira. Ela se incorporou à realidade dos negros escravos, foi assim tomando forma e se expandiu nessa comunidade como ferramenta de manifestação e de identidade contra a opressão escravagista. 4.5.1.1 Origem da escravatura africana A vinda de negros escravos ao Brasil decorreu da facilidade com que os portugueses encontraram tribos inteiras escravizadas pelas guerras internas nas nações africanas e das conquistas muçulmanas na África. Os indivíduos aprisionados dos grupos nativos vencidos em guerras contra outras tribos também afras eram sistematicamente usados como escravos. A própria África escravizava os filhos de suas terras. Infelizmente essa foi uma prática comum desde os primórdios das civilizações e os grandes impérios sempre se pautaram por haverem tido marcadamente condescendido ao adestramento escravo em suas histórias (LOVEJOY, 2012; COSTA E SILVA, 2011). Veja na figura grafitada, esculpida há aproximadamente 4 mil anos, a seguir, que os norte-africanos egípcios já escravizavam os núbios africanos. Figura 52 – Mercado de escravos – Museu Arqueológico de Bologna, Itália O agenciamento de homens e mulheres escravos estava densamente propagado pelo continente africano e assim permaneceu por vários séculos. Desde os egípcios, que escravizaram os núbios e os povos Yorubá, da Nigéria e do Benim, e os Ashanti, de Gana, Togo e Costa do Marfim; eram exemplos de nações de etnias negras especializadas em comercialização de escravos e sua economia era voltada e comandada para esse fim (COSTA E SILVA, 2011). 71 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 6/ 04 /1 8 LUTAS: ASPECTOS PEDAGÓGICOS E APROFUNDAMENTOS Mesmo antes de serem comercializados, os povos subjugados de todo o continente africano de quaisquer etnias tornavam-se cativos por vários motivos: • Aprisionado após guerras entre tribos desse continente. • Pena pela condenação por roubo, homicídio, bruxaria e infidelidade. • Confisco de pessoas: elas eram apreendidas como garantia para o pagamento de dívidas. • Sequestro individual ou de um pequeno grupo nos assaltos às pequenas aldeias. • Barganha de um membro do grupo por alimentos e comida. • Remuneração a outro líder tribal. • Captação de mulheres para servirem como esposas. 4.5.1.2 O tráfico escravagista Os portugueses organizaram o contato com mercados escravagistas africanos a partir da finalização das Cruzadas. O objetivo era obter mão de obra barata para fornecer aos empregadores portugueses e enviar às suas colônias e dominações. Eles encontraram um vasto mercado de escravos largamente praticado e bastante amplo. Catarina de Médici (1507-1578), rainha de Portugal, autorizou o tráfico de escravos oriundos da África e isso estimulou sua comercialização para além dos limites do continente africano, com maior participaçãoe dominação dos europeus, em especial, dos próprios portugueses, pois se tornaram exímios navegadores e donos de frota naval bem armada e com grande conhecimento geopolítico da época. Com o tráfego de escravos extremamente ativo, na condução de mão de obra sem custos elevados, tornou-se comum as tribos africanas e os conquistadores islâmicos venderem seus prisioneiros aos portugueses, ingleses e demais representantes de nações colonizadoras como franceses, espanhóis, belgas e holandeses. Tais povos deram continuidade a esse pernicioso tirocínio para aumentar a presença de trabalhadores que servissem aos seus interesses colonizadores e exploradores. A princípio, os escravos eram levados sempre por via marítima para Portugal e outros países europeus e, em seguida, igualmente ao Brasil e às ilhas colonizadas. Várias pátrias africanas foram representadas na chegada dos escravos ao Brasil, dentre as quais se destacaram as que vinham da costa atlântica africana. Os Bantus trazidos para cá vieram de regiões que atualmente são: Angola, República do Congo, República Democrática do Congo, Moçambique e Tanzânia. Eles povoaram massivamente os estados do Rio de Janeiro e de Minas Gerais, além da zona da mata, no Nordeste. Adicionalmente, Nagôs, Jejes e Malês e indivíduos de outros países do oeste africano foram incorporados como populações escravizadas que aportaram nas cidades brasileiras. Esses trabalhadores escravos eram essencialmente designados para as culturas: canavieira, cafeeira, cacaueira, 72 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 6/ 04 /1 8 Unidade I do tabaco e da extração da madeira (pau-brasil). Com um pouco de “sorte”, as mulheres negras afras, em geral, podiam ser direcionadas a afazeres caseiros e de mucamas. 4.5.1.3 Palmares e a prática guerreira da época escravagista O uso de escravos no Brasil se tornou prática comum entre líderes, fazendeiros e políticos. Sabe-se que até Zumbi dos Palmares, chefe negro quilombola, o qual se localizou em Alagoas, em 1675, possuía grande liderança na organização do maior dos Quilombos, tinha grande poder e possuía grande número de serviçais afros e seus descentes escravos, os quais eram capturados nas saídas das fazendas canavieiras. Estes trabalhavam como cativos na sociedade dos Palmares. Somente os negros que chegassem livres e sozinhos ao Quilombo não eram escravizados. Um dado curioso e importante (porém não totalmente referenciado pela literatura) salienta que Zumbi havia, possivelmente, estudado português e era distinto combatente corporal, possuindo bons conhecimentos de Lutas e com muita experiência em estratégias militares. Esse dado parece ter proporcionado a construção de grandes guerreiros nas Lutas contra a dominação portuguesa e a tentativa de se invadir o Quilombo dos Palmares. Talvez daí tenha se organizado essa Luta, específica de resistência e de confronto às dominações lesivas e humilhantes que se imputavam aos negros que por aqui ancoraram. Desde os tempos mais remotos da história brasileira e a partir da presença dos indivíduos negros africanos que aqui aportaram, compreende-se que o povo negro teve de Lutar arduamente pela sua liberdade e conquistar seus direitos como cidadão na sociedade brasileira. Sem equívocos, as práticas de guerras tribais e suas atividades corporais no exercício da liberdade e aquisições civis foram mescladas pelas diversidades corporais e tão ricas em elementos físicos e motores. Forjaram-se de maneira a constituir uma identidade comum aos cativos e daí, com a mistura de povos autóctones também escravizados, os quais possuíam formas de combates peculiares, encaixaram- se elementos motrizes e houve a apropriação à Capoeira. Uma Luta para Defesa Pessoal, defesa da liberdade, defesa da dignidade para se adotar como ser e certificar sua posição humana. Figura 53 – Capoeira (Augustos Earle, 1824) 73 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 6/ 04 /1 8 LUTAS: ASPECTOS PEDAGÓGICOS E APROFUNDAMENTOS A Capoeira se instituiu de valores corporais múltiplos e se identificou com movimentos amoldados e bem precisos, com grande ordem no aspecto de choque anatômico (por meio de chutes, cuteladas e cabeças) e, portanto, pôde empreender a possibilidade de êxito no enfrentamento com os capatazes dos engenhos e fazendas, para ganharem as fugas dos cativeiros. Os compassos frenéticos de percussão, ora batucados, ora tocados no berimbau, provocavam seus praticantes a realizarem saltos mirabolantes e movimentos ágeis e embutiam grande mobilidade de braços e pernas, além de movimentos rápidos com a cabeça e molejo do tronco. Adicionalmente, oscilavam o corpo, alternando a base de apoio dos pés, jogando uma das pernas para trás, trocando de direção e posição, constantemente, caracterizando a ginga. Grande desenvoltura e velocidade eram marcas da realização dos chutes saltados e das rasteiras sagazes. Praticar nas senzalas era proibido e, invariavelmente, os escravos eram vigiados pelos capatazes. Para não parecer que estavam treinando para a Luta, disfarçavam a sua prática em ritmos dançantes, do mesmo modo provenientes das danças tribais afras, e que ainda se encontravam resguardados e transmitidos de geração em geração. Os negros africanos cativos costumavam usar roupas brancas e, quanto maior a habilidade do praticante, menos sujeira se adquiria na vestimenta, dando a entender que o praticante estava bem adaptado aos movimentos de ordem de Luta. Dotada de grande diversidade de movimentos, o mestre Pastinha (1988) afirma que “sem dúvida a Capoeira Angola se parece a uma galante dança na qual a ginga provocante mostra a formidável flexibilidade dos capoeiristas”. Ainda, segundo ele (1988, p. 21), “A Capoeira Angola é, antes de tudo, Luta e Luta violenta”. Portanto, sabemos que se trata de Luta e disso não se duvida ou se questiona, apenas se constata. Segue ainda lembrando que, apesar de violenta, a Capoeira é perfeitamente controlada e isso a diferencia: o capoeirista deve ser pacífico e previdente. A característica principal se funde com a de outras Lutas, a Capoeira é para ser treinada, interiorizada e seu praticante deve se distinguir pelo domínio e autocontrole. Além desses apontamentos sobre a Capoeira e seu emprego adequado pela sociedade, houve tempos instáveis e desordem de valores na prática dessa modalidade de Luta. A libertação dos escravos atirou ao relento milhares de negros que se viram abruptamente sem condições de vida e estabilidade social, como se vai professar adiante. 4.5.1.4 O período imperial e a prática da capoeira – delinquência e militarismo. Capoeira – Luta marcial brasileira A Capoeira como prática delinquente e irresponsável seguiu com certa frequência dentro das malhas urbanas policiais a partir de 1850, por esse motivo ficou proibida como manifestação pública desde o código penal de 1890. Deve-se lembrar que a libertação dos escravos se deu em 13 de maio de 1888. Vários ex-escravos não tinham emprego e aumentaram a massa de pessoas sem abrigo e sem condições de sobrevivência (TONINI, 2008). 74 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 6/ 04 /1 8 Unidade I Vale salientar que por interesse regido pelo militarismo, necessário para o embate na guerra contra o Paraguai de 1866 até 1871, recrutaram-se diversos negros para as fileiras do exército de Duque de Caixas. Esses indivíduos foram reconhecidos como Lutadores aguerridos, pois usavam sua experiência como capoeiristas, logrando êxito e domínio sobre seus adversários na confrontação corporal. Após o término da guerra, os soldados brasileiros foram reconhecidos como bravos defensores da nação. Esses mesmos soldados negros, os quais possuíam habilidades da Capoeira, foram distinguidos como heróis e receberam diversas honrarias militares. Passaram da alcunha de ameaçadores urbanos para defensores da pátria (SOARES, 2001). No entanto, aqueles libertos cujasqualificações foram desprezadas e que tinham domínio da Capoeira tinham-na como único instrumento de valor para alcançar posicionamento social. Alforriados, não conseguiram se estabelecer às novas restrições econômicas, de ocupação laboral, condições e possibilidades existentes, acabaram procurando alternativas marginais, formando facções de assaltantes, guarda-costas de políticos, grupos de intimidação e malandragem (LUNA; KLEIN, 2006). Capoeiristas contratados, em geral ex-escravos, e os mesmos que Lutaram nas fileiras do exército brasileiro na Guerra do Paraguai, com grande habilidade na prática dessa Luta, serviram aos políticos conservadores (monarquistas) contra os liberais e seguidores dos ideais republicanos. Pode-se comparar sua atuação com a dos samurais japoneses, que por vários séculos conviveram fielmente com os senhores feudais e governantes no Japão, usando suas técnicas de Luta para protegê-los de ataques de inimigos e adversários, mediante pagamento e recebimento de comodidades políticas e sociais. A partir da Proclamação da República, então, a prática da Capoeira sofreu declínio substancial por servir como escudo de proteção aos políticos conservadores. Os liberais viam seus praticantes como seguidores das ideias mais conservadoras. Desse modo, esses políticos provocaram o surgimento da repressão, colocando em voga leis que limitavam a manifestação da Capoeira e motivaram novamente o conceito de que capoeiristas eram agentes turbulentos, causadores de desordem e cujas habilidades eram válidas para intimidarem, causarem tumulto e gerarem desordem. O que em alguns casos não era totalmente absoluto, mas serviram de propósito para a coibição de sua prática, expansão e exercício público (SOARES, 2001). Vandalismo e tumultos provocados por meio da Capoeira foram associados às maltas (bandos de arruaceiros e navalhistas), que agiam como capangas públicos e sem medo de manifestar suas atuações e atitudes, deixando claro sua disposição e o que estavam fazendo, isto é, agirem em favor de seus senhores políticos, os quais serviram desde 1850 até os idos de 1930. Arrastões ou andar em grupos causando desordem e baderna eram continuamente coligadas aos capoeiristas delituosos, o que acabou por criar imagem desprezível e antipatia contra seus praticantes (TONINI, 2008). A transformação social das grandes cidades brasileiras, na metade do século XIX e início do século XX, em especial naquelas onde se concentraram os capoeiristas, Rio de Janeiro, Salvador e Recife, acabou por intimidar as práticas motoras e culturais advindas da prática da Capoeira. 75 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 6/ 04 /1 8 LUTAS: ASPECTOS PEDAGÓGICOS E APROFUNDAMENTOS A Capoeira só deixou de ser ilícito penal em 1941, por meio do Decreto nº 3.199, no governo de Getúlio Vargas. A lei instituía normas para a organização desportiva no Brasil e estabelecia a Confederação Brasileira de Pugilismo, com o Departamento Nacional de Luta Brasileira (Capoeiragem). Figura 54 – Johann Moritz Rugendas, Danse de la Guerre, 1835 Mesmo que não organizada especificamente para o fim militar, não se pode afirmar que tenha sido criada nos Palmares para servir de preparação bélica. Muitos alegam que ela foi largamente usada nos confrontos da guerra contra o Paraguai, e a Capoeira tornou-se oficialmente arte marcial brasileira. O reconhecimento nacional de que a Capoeira pode ser designada como Luta marcial brasileira foi proclamado em 1973, quando o presidente militar Emílio Garrastazu Médici liberou o registro da Capoeira como arte marcial. 4.5.1.5 Aspectos gerais da Luta da Capoeira e características de sua transformação a partir do século XX A Capoeira se caracteriza por grande astúcia motora, aliada à necessidade de tomada de decisão momentânea e eficaz. Seu exercício é impetuoso, ela se modifica de modo instantâneo, ação e reação num constante vaivém defensivo e ofensivo. Os tipos de Capoeira são Angola, do Mestre Pastinha (Vicente Ferreira Pastinha, 1889-1981) e Regional, do mestre Bimba (Manoel dos Reis Machado 1899-1974). Recentemente também se fala em Capoeira contemporânea. A Angola é mais habitual na Bahia, com movimentos mais lentos, ritmados e rasteiros, enquanto a Regional prevaleceu em Goiás, onde surgiu; atualmente é a mais praticada no sul e sudeste do Brasil, com movimentos super-rápidos, incisivos, impetuosos e agudos, com acrobacias e saltos. A Capoeira Regional possui mesclas com elementos de Lutas ocidentais, como as pernadas do savate e golpes provindos da Luta Greco-romana, do Judô e do Jiu-Jitsu. 76 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 6/ 04 /1 8 Unidade I Saiba mais Para mais informações a respeito da Capoeira e do mestre Bimba, veja: MESTRE BIMBA, a capoeira iluminada. Dir. Luiz Fernando Goulart, 2005. 78 minutos. Os fundamentos mais comuns são: ginga, cabeçada, rabo de arraia, chapa de costas e de frente, rasteira, cutelada de mão e meia-lua. Além desses citados, na Capoeira de Angola, também há: armada, aú, benção, tapona, cabeçada, negativa (esquiva abaixada), tesoura, queixada, armada e martelo, mais comumente encontrados na Capoeira Regional e com forte contundência. Acredita-se que a Capoeira Regional possui mais de 120 golpes. A ginga se parece com uma dança, mas não é. Na Capoeira, ela é a malícia, a esperteza no enfrentamento. Essa maneira inteligente de enganar o oponente se fundamenta na permuta constante das bases dos pés, com o molejo corporal. Pode-se então preparar golpes, mudar de direção rapidamente e ludibriar o oponente e enfim conduzir a Luta para melhor desferir a contundência apropriada. Figura 55 – Ginga na Capoeira 77 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 6/ 04 /1 8 LUTAS: ASPECTOS PEDAGÓGICOS E APROFUNDAMENTOS Figura 56 – Golpe armada pulada Figura 57 – Movimento do aú Várias descrições têm trazido à tona Lutas africanas que se misturaram às raízes indígenas da Capoeira. O continente africano teve civilizações importantes, como Kush-Núbia, Kemet e o Egito dos faraós, os quais possuíram determinadas formas de batalhas e movimentações corporais correspondentes. Provavelmente trouxeram contornos ao que se chama de Capoeira atualmente. 78 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 6/ 04 /1 8 Unidade I 4.5.2 As Lutas africanas Várias Lutas originadas das danças tribais guerreiras africanas parecem ter trazido algum alcance às ações técnicas da Capoeira de modo generalizado, obtendo-se uma miscigenação extraordinária, que culminou no surgimento de uma Luta organizada e que se fez eficaz na defesa da liberdade e da dignidade humana. Obviamente, os escravos carreados aqui tiveram oportunidades de trazer tradições de movimentos, danças e brincadeiras de Lutas de suas infâncias. Além disso, muitos escravos afros haviam sido treinados em prélios de preparativos guerreiros para enfrentar disputas tribais, educados para desafios de afirmativas masculinas e mostrar virilidade, ajuntados a ritos de passagem da adolescência em direção à vida adulta e aprovação para contrair o casamento. Apresentaremos a seguir algumas das Lutas que possivelmente afetaram a formação da Capoeira como a conhecemos na atualidade. • Luta Bate-coxa: era um duelo no qual especialmente negros fortes e altos disputavam a supremacia masculina, por meio de golpes desferidos sobre as coxas e com intuito de derrubar o adversário ao solo. Os choques inevitavelmente aconteciam além das coxas, mais usualmente nas partes inferiores das pernas, nos joelhos, causando bastante prejuízo aos participantes. O objetivo era assolar o oponente, que, uma vez caído ao chão, perdia o combate. • Luta Batuque: o pai de mestre Bimba, Luiz Cândido Machado, era exímio Lutador de batuque e essa talvez seja uma das Lutas que afetaram a criação da Capoeira, pois era muito usada pelos africanos, os quaispor aqui desembarcaram e conseguiram passar algumas influências motrizes que nela derivaram. O batuque tinha “orquestra” composta de: berimbau, pandeiro, ganzá, tambores e outros instrumentos. A Luta era uma demonstração de equilíbrio por parte de um dos Lutadores, que recebia os ataques efetuados também com as coxas de seu adversário. Era primordial a colocação das mãos sobre os órgãos genitais para a sua proteção. Essas pancadas e baques nas coxas tinham por finalidade tirar o equilíbrio do oponente. Os golpes mais usados eram baú, raspa ou rapa, que consistia em bater frontalmente com suas coxas nas do Lutador obstante. Outros ataques eram chamados de banda armada e encruzilhada, em que o atacante se jogava com as duas pernas em direção às pernas do adversário fazendo uma cruz de carreira ou tesoura. Os defensores mais hábeis conseguiam se conservar em uma perna só, trocando rapidamente de apoio para manutenção do equilíbrio. • Luta de Kamangula: de origem africana do Sudão, era Luta com socos, mãos abertas e aplicações de pancadas com os braços. Porém, poucos indivíduos dessa área do continente africano atracaram por estas localidades. • Luta Bassula: praticada nos países com mar e praias, em geral sobre as areias, com objetivo de derrubar e imobilizar o rival. Parecer ter sido pouco executada no Brasil, somente pelos primeiros escravos que chegaram aqui provenientes de Luanda, Angola. É uma Luta com a finalidade de agarrar e derrubar seu oponente por meio de varreduras (semelhante ao Judô e Sambo). 79 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 6/ 04 /1 8 LUTAS: ASPECTOS PEDAGÓGICOS E APROFUNDAMENTOS • Luta Dança das Zebras ou N’Golo: disputa ritualística das nações Bantu e Mucope para poder receber uma jovem em casamento – as garotas eram escolhidas para casar com idade entre 12 e 15 anos e os pretendentes precisavam combater e vencer para conseguir matrimoniar a noiva oferecida pelos pais. Eram usadas cabeçadas e chutes. Os pontapés e solavancos eram desferidos com um ou dois pés, apoiando-se as mãos no solo. O concorrente que caísse primeiro ou desistisse seria eliminado da contenda e o vencedor desposava a jovem. • Luta do Bode: Luta muito antiga afrontada entre homens que se dispunham a dar cabeçadas, para atacar e tentar abater seu opositor, assim como fazem os bodes nas disputas entre machos pelas fêmeas. Era muito violenta e sua prática levava frequentemente à morte de um ou dos dois competidores. Os ferimentos igualmente eram bastante graves e sua prática foi caindo em desuso. Sua origem parece vir das Lutas de animais como girafas, que geralmente dão pescoçadas para disputar as fêmeas, e os gnus, os quais se batem com as cabeças e os chifres, assim como os bodes, muito comuns na África. Dado um panorama geral sobre a Capoeira e seus contornos, não se pode deixar de citar outras Lutas de silvícolas brasileiros, que estão ganhando mais notoriedade em nossa educação e cultura atuais. 4.5.3 Outras Lutas indígenas brasileiras Os povos indígenas brasileiros são designados por suas características idênticas às dos povos encontrados pelos europeus, durante suas incursões na Ásia. Acredita-se que é plausível que os primeiros nativos brasileiros vieram desses mesmos povos que emigraram para o continente americano por volta de 12,5 a 11 mil anos atrás, pelo istmo do Panamá. De modo geral, e como todos os povos humanos, possuíam suas práticas guerreiras que visavam à proteção de seus indivíduos, sua existência e seus territórios. Aqui no Brasil, a Fundação Nacional do Índio (Funai) catalogou alguns tipos de Lutas que são disputadas pelos indígenas brasileiros. Combates corporais fazem parte da cultura habitual dos povos aborígines brasileiros em diversas manifestações e práticas específicas a cada um dos povos, apresentando semelhança e distinções de acordo com suas tradições. Os festivais mais agregadores e amplos nos quais se verificam as práticas de Lutas são os jogos indígenas e o Festival Quarup. Em 2015, houve a concretização dos Jogos Mundiais Indígenas realizados no Brasil, com participação de povos de vinte países distintos. O Festival Quarup visa festejar as tradições indígenas e integrar os povos índios. Tem como base celebrar os antepassados e fortalecer experiências nativas, políticas e sociais. Nesses contatos as Lutas fazem parte de cerimônias que exaltam os ascendentes e os mortos, além de salientar a capacidade varonil dos jovens combatentes. Nos jogos indígenas ocorrem disputas de cabo de guerra e combates corporais bastante acirrados, em especial pode-se citar com destaque a Huka-Huka. A Huka-Huka se constitui de um combate corporal entre dois Lutadores, que permeia, antes de tudo, a condição de celebração, respeito ao oponente e conscientização da superioridade de outrem na disputa. Eventualmente possui um árbitro, ou melhor, o dono ou chefe da Luta, que pouco interfere, geralmente se 80 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 6/ 04 /1 8 Unidade I limita a dar início à contenda e chamar os batalhantes. Os oponentes se posicionam frente a frente, fazem movimentos circulares em sentido horário, vão se aproximando, entreolham-se e ficam imediatamente de joelhos, agarrando seus corpos mutuamente e tentando derrubar o adversário de costas. Observe a seguir a foto do contato corporal já efetivado na Luta Huka-Huka: Figura 58 – Luta de Huka-Huka no Quarup Uma das características importantes que se nota em suas disputas é que aquele que derruba o oponente não se sente vencedor, mas responsável em ter atingido a condição de ter reverenciado seus ancestrais. Os Lutadores, após o término do combate, saem abraçados e sorrindo, sem manifestação de vitória ou triunfo sobre o opositor. Não parece existir o sentimento de inferioridade pelo derrotado, nem de dominação pelo vencedor. Parece haver a sensação, análogo ao que acontece em todas as Lutas de que “Hoje posso ter vencido, mas amanhã meu adversário poderá me vencer”. Na Huka-Huka destaca-se outro aspecto muito significante. A aceitação do melhor, como em um jogo de xadrez. Quando um enxadrista percebe que não terá mais condição de continuar o enfrentamento, por estar em posição totalmente desfavorável e já definitivamente derradeira, abandona o jogo, derrubando o seu rei. Aqui, o competidor que consegue pegar a perna de trás do opositor demonstra conseguir uma vantagem extrema e o apreendido já desiste de continuar o combate. A Huka-Huka é muito encontrada comumente como sendo de origem da região norte, adjunta ao centro-oeste brasileiro. Outra Luta a ser referenciada é a Luta Marajoara, praticada em alguns estados do nordeste e norte do Brasil, em especial pela maioria da população indígena do Maranhão, Piauí e principalmente na Ilha do Marajó, no Amapá, onde atualmente é exercida por vaqueiros e fazendeiros. A Luta Marajoara é uma peleja corporal, a qual se disputa sobre solo de argila ou terra batida molhada, assim reduzindo o risco de lesões. Seu objetivo é levantar o adversário, derrubá-lo e mantê-lo 81 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 6/ 04 /1 8 LUTAS: ASPECTOS PEDAGÓGICOS E APROFUNDAMENTOS deitado de costas sobre o solo. Abraçadas com envolvimento de todo o corpo são as bases do combate, com a consequente derrubada dos competidores. Não se tem dados concretos para determinar a origem exata desta Luta, mas ela provavelmente surgiu da mistura entre as Lutas de agarre indígenas com as Lutas africanas baseadas nas “marradas”, isto é, naquelas praticadas com intuito de se prenderem os corpos e lançá-los ao solo. A história tem se referenciado pela atuação mais precedente da tribo Aruá, como precursora da cultura Marajoara e consequentemente dessa Luta, além da participação da cultura indígena dos Nheengaíbas. Adicionalmente, as influências de europeus, judeus, fenícios e andinos que habitaram a região parecem ter afetadoa cultura Marajoara, transformando os costumes e essa Luta em uma propriedade multicultural (GABBAY, 2009; SCHAAN, 2015). Atualmente a Luta Marajoara está regulamentada e tornada competitiva entre caboclos ou mamelucos (miscigenação provinda de um índio com um branco), cafuzos (mistura entre um índio e um negro africano), mulatos (miscigenação entre europeu branco e um africano negro), descendentes brancos, negros e indígenas. Outra Luta a ser mencionada é a Idjassú, um estilo de combate que provém dos índios Karajá do Tocantins. Ela tem início com os Lutadores se enfrentando em pé, diferentemente do que ocorre na Huka-Huka, e exige técnicas de abraçadas completas pela cintura, que devem levar o adversário ao solo. Um fator marcante é que após derrotar seu oponente, o vencedor sai cantando, dança e abre os braços imitando uma ave. Ainda apresenta-se a Aipenkuit, mais uma Luta de agarre na cintura, iniciada em pé, na qual se deve derrubar o opositor por meio dos arremessos corporais. Ela é protagonizada pelo povo indígena Parakáteye-Gavião, da região do Pará, e dos Tapirapé e Xavante, do Mato Grosso. Não existe um juiz tradicional para essa modalidade, e sim um observador/orientador indígena que seria chamado de dono da Luta, cabendo aos atletas reconhecer a derrota, a vitória ou o empate. Não há prêmio para o vencedor da Luta em todas as etnias praticantes deste esporte. Há reconhecimento e respeito. Xondaro é a Luta da esquiva e da malícia, tem por intuito provocar o participante para que não seja atingido. A sua concepção procede dos Guaranis e já a citamos como uma Luta muito observada por vários estudiosos como a precursora principal da Capoeira. Seu objetivo é desviar de ataques e não se deixar atingir, mais do que atingir ou abordar ataques diretos ao seu oposto. Muitas demonstrações dos Guaranis apresentam um ator principal no centro de um círculo de participantes que provoca a todos a escaparem dos golpes. Narrativas de seus descendentes descrevem que o xondaro era praticado para formação guerreira e vão além, dizendo que os mais hábeis desviavam do lançamento de flechas e lanças com extrema destreza. Outra modalidade indígena de combate que se assemelha com a Capoeira é o Maraná, natural dos nativos potiguares, os quais fazem combates entre os jovens em torno de uma roda. Os Lutadores podem ou não empregarem armas e usam de saltos e rodopios, além de agredirem seu antagonista com cotoveladas e pernadas e imitarem animais; os derrotados, em geral caídos ou nocauteados, são zombados com gritos e giros pelo vencedor. Esses mesmos íncolas também se enfrentam com tacapes e 82 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 6/ 04 /1 8 Unidade I aquele que acertar primeiro o opositor ganha a Luta. Às vezes, os ferimentos são de raspão e mais leves, em outras oportunidades causam maiores danos, com sangramentos e fraturas. Também há a Briga de galo, Luta primitiva da tribo Manchineri, do Acre. Os oponentes se colocam com o tronco um pouco inclinado até a cintura, semiflexionam os joelhos e se dão as mãos por trás das coxas. A partir dessa posição, devem empurrar seu opositor somente com o corpo, tentando colocá-lo para fora de um círculo. Aplicada aos adolescentes para desenvolverem equilíbrio e força. Por fim, do povo Pataxó, temos a Luta Derruba toco, realizada em festividades. É executada em um espaço bem amplo, um círculo de 8 metros de diâmetro. Existe um toco posicionado ao centro do círculo e os adversários devem realizar pegadas nos braços e, abraçados, tentar puxar, empurrar e movimentar seu oponente de modo a direcioná-lo para que derrube o toco com seu corpo. É uma Luta muito extenuante. Como regras gerais somente se podem usar dois empurrões e puxadas até que se derrube o toco. Não se pode largar subitamente o adversário em cima do toco, levantá-lo, estrangular, passar rasteiras ou usar outro artifício qualquer para obter êxito. Vimos uma variedade bastante ampla de Lutas, sejam brasileiras, ou sejam de outras civilizações, e as riquezas culturais e corporais que as envolvem. Percebe-se uma abundância de elementos motrizes que se destacam e trazem o admirável que as Lutas possuem: a complexidade e as habilidades respectivas. A seguir propõem-se dados balizares para que possam ser exercidas em sua plenitude e satisfação de acordo com suas características. 4.6 Ensino nas Lutas Basicamente permanecem algumas maneiras tradicionais de se ensinar Lutas e elas se enfatizam em meios e conceitos mais ou menos parecidos, são eles: a demonstração do mestre de gestos técnicos e fundamentos, golpes e técnicas usados na modalidade, sem explicações de quando ou como será regida na Luta; ocorre em seguida a repetição desses gestos de modo sistemático, sem haver compreensão prática do uso do fundamento, isto é, exercita-se sua execução simples e sem a problemática da Luta em si. Depois, dá-se a inicialização gradativa dos combates; geralmente se treina com vários companheiros de níveis diferenciados. Por fim, acontece a compreensão das formas sequenciais e rotinas de execução pré-determinadas. Ressalta-se que tarefas motoras em Lutas não são de simples aproximação inicial e exigem do principiante uma necessária fundamentação motora apropriada à complexidade da prática de Modalidades de Esporte de Combate e Artes Marciais. Lembrete Gesto técnico e fundamento esportivo se definem como sendo habilidades motoras combinadas com alto grau de especificidade de determinada modalidade. 83 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 6/ 04 /1 8 LUTAS: ASPECTOS PEDAGÓGICOS E APROFUNDAMENTOS 4.6.1 Aprendizado motor em Lutas Ao se dar início ao aprendizado motor, cada gesto novo é uma nova experiência motriz (MAGILL, 2000). O aprendiz deve já ter tido experiências motoras apropriadas de acordo com o seu desenvolvimento, isto é, precisa estar preparado para desenvolver e adquirir as habilidades de Lutas apropriadamente. Faz-se importante chamar atenção ao fato de que Modalidades de Esporte de Combate, Lutas e Artes Marciais exigem combinação de movimentos com elevada carga de sincronia e sinergia motriz. As ações de combate, a serem impetradas para a conquista com êxito nos confrontos e práticas de Lutas, partem de princípios de ativação musculoesquelética combinatória com elevado grau de complexidade e precisão motora. Também são necessárias condições para combinar movimentos associados com percepção ambiental, execução de práticas de ação e reação instantâneas, bem como o entendimento direto da justaposição corporal agonística entre dois seres humanos e as consequências de seus atos efetivados sobre o corpo de seu oponente. Observação Sincronia: sequência harmônica e precisa de movimentos. Sinergia motriz: ação cooperativa e concisa entre segmentos articulares, o encéfalo e suas aptidões respectivas. As informações sobre os aspectos de iniciação esportiva baseiam-se em diversas teorias, que de forma geral descrevem as idades mais apropriadas para a realização de movimentos locomotores, manipulativos e estabilizadores, suas combinações e posteriormente os mais específicos e complexos. Como afirma Weineck (1999, p. 113), “cada faixa etária pode ser utilizada para uma função didática específica e para o desenvolvimento de aptidões próprias”. Considerando as propostas de desenvolvimento perpetradas por muitos estudiosos, em especial do desenvolvimento motor, como as de Gallahue (2003), Edson de Jesus Manoel (1994) e Von Hofsten (2004), o desenvolvimento apresenta etapas distintas que são caracterizadas por aquisição de propriedades motoras associadas a cabimentos cognitivos e conformidades afetivo-sociais. Conforme lembra Hofsten (2004), o desenvolvimento motor vai tomando espaço, combinando-se aos elementos de ativação da percepção e do ambiente que cerca o indivíduo, isto é, há um engate de situações orgânicas e circunstanciais que possibilitam o aumentodas múltiplas coordenações corporais. As ações apropriadas possibilitam as conquistas motrizes e trazem mais oportunidades ao crescimento do repertório motor. As crianças e os jovens precisam de atividades físicas e movimentar-se para o bem de seu desenvolvimento psíquico e físico. Dessa maneira, a educação física é uma necessidade para o desenvolvimento integral, portanto o Esporte Educação é uma ferramenta imprescindível ao progresso físico, motor, psicossocial e cognitivo do ser humano. Atividades físicas na infância e na juventude (e sempre) são altamente recomendáveis. Porém, deve-se levar em consideração que crianças e púberes ainda se encontram em crescimento, submetidos a alterações físicas, psíquicas e sociais muito significativas. 84 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 6/ 04 /1 8 Unidade I Pode-se notar que o treinamento intensivo e abrangente, como o de muitas modalidades esportivas, e aqui se ressaltam as das Modalidades de Esporte de Combate e Artes Marciais, é capaz de provocar distúrbios no desenvolvimento do organismo infantil e uma consequente redução de tolerância aos estímulos. As pausas para recuperação na infância e juventude são de grande importância. Weineck (1999, p. 355) afirma que “a adaptação dos músculos é realizada em um período relativamente rápido”, enquanto cartilagens, tendões e ligamentos requerem muitas semanas. Complementando essa explicação, Foss e Keteyian (2000) advertem para o fato de que em crescimento, a maturação da placa epifásica (local nos ossos longos, onde se processa o crescimento ósseo) deve ser respeitada, já que extremos de atividade física (lesões, uso excessivo, fratura por contato induzido, entre outros) podem vir a resultar em interrupção do crescimento, devido à possibilidade de calcificação precoce. A intensidade deve ser controlada e, além disso, movimentos motores complicados em sua execução, característicos das Lutas, tampouco serão compreendidos pelas crianças. A maturação dos movimentos é conseguida pela maior maturidade biológica. Observa-se que dominando os movimentos de forma mais precisa, a criança poderá executar uma especialização mais profunda; entretanto, pode-se afirmar que ainda não se deve partir para gestos técnicos muito complexos, sobretudo como se observam claramente no contexto das Modalidades Esportivas de Combate. Os estágios do desenvolvimento motor, estudados cientificamente, permitem estruturar planos em longo prazo, respeitando a cada momento a adaptação do organismo da criança de forma saudável, para que possam mais adiante estar preparadas para as competições. Gomes (2002, p. 171) lembra que “frequentemente, os treinadores não consideram a faixa etária ótima para atingir resultados e inadmissivelmente forçam a preparação de seus atletas”, sem pensar na maturidade de seu desenvolvimento motor, sua saúde e seu futuro como atleta. Ao lado das preocupações com tipo, intensidade e frequência do treinamento, levando-se em consideração a idade do praticante, Weineck (1999, p. 109) propõe que “a melhor idade para o aprendizado mais especializado inicia-se por volta dos 10 anos de idade”, baseado no fato que o desenvolvimento adquirido possibilita às crianças um maior domínio sobre o seu corpo. Movimentos complexos já podem ser apresentados, treinados de modo a vivenciar e experimentar novas composições motoras, e então aprendidos e mais bem julgados nessa idade. A capacidade de aprendizado deve ser gradativamente observada e instigada, possibilitando as máximas atribuições e os desafios motores a serem realizados pelos principiantes de acordo com sua faixa etária e desenvolvimento. Sugere-se ao professor a tarefa de estar atento para aquilo que a literatura científica descreve como importante para a realização de um programa de iniciação esportiva, de forma a respeitar os limites de desenvolvimento infantil e proporcionar a formação integral da criança para o seu pleno desenvolvimento motor, afetivo, social e cognitivo. O docente deve ter em mente que é um mentor, orientador e direcionador de atividades que visem o desenvolvimento global do indivíduo. Nas Modalidades de Esportes de Combate e Artes Marciais e iniciação esportiva em Lutas, seja dentro ou fora da academia, clube ou escola, a função primordial de um profissional 85 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 6/ 04 /1 8 LUTAS: ASPECTOS PEDAGÓGICOS E APROFUNDAMENTOS de Educação Física é que a criança seja preservada para poder cumprir com a sua respectiva formação e transformar-se em um adulto saudável e virtuoso. As Lutas, consequentemente, serão constituídas em componentes importantes para a formação da cultura corporal do jovem e do adulto. As atividades motoras mais diferenciadas e intricadas, com os fundamentos técnicos esportivos especializados, são largamente encontradas nas Modalidades de Esporte de Combate e nas Artes Marciais. Em geral, esses gestos técnicos são mais bem compreendidos e construídos a partir de 13 ou 14 anos, no início da adolescência, quando já existe uma formação motora bastante abrangente, com especialização de movimentos e consequentes ajustes motores para ações mais emaranhadas. Além disso, o indivíduo possui capacidade de pensamento hipotético e de probabilidade associadas à maior faculdade de empatia e interatividade psicossocial, fatores iniciais importantíssimos na prática desportiva. É óbvio que muitos principiantes começam a praticar modalidades de Lutas bem antes da idade inicial adolescente, e o professor deve estar muito bem preparado para não pular etapas de formação motora, provocar especialização precoce e tampouco causar danos físicos motores, emocionais e intelectuais. Atividades de iniciação na especialização esportiva podem ser aproveitadas, com o emprego de estratégias justas e apropriadas. Por exemplo, crianças de 7 e 8 anos podem receber estímulos que os levem a efetuar exercícios os quais poderão ser posteriormente usados para a prática desportiva em esportes de combate. Sugere-se a imitação de movimentos de animais, que os levem a realizar arrastes corporais, giros, mergulhos à frente com rolamentos, ações de pegar, puxar, empurrar, quadrupedar, equilibrarem-se e moverem-se com variação de direção. A seguir destacamos crianças imitando o andar de ursos, uma prática de grande importância no universo da coordenação motora geral, e depois outras figuras mostrando atividades conjuntas e individuais de arraste sobre a grama. Figura 59 – Crianças imitando o andar de ursos: coordenação motora geral 86 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 6/ 04 /1 8 Unidade I Figura 60 – Arrastando-se sobre a grama Figura 61 – Rastejamento junto ao solo O profissional de Educação Física inserido no universo das Lutas e preocupando-se em ampliar o acervo motor de seus educandos pode também provocar a execução de gestos fundamentais, usando de estímulos unilaterais e ambidestros. Adicionalmente, gerar descobertas dos esquemas corporais, da noção espacial e orientação diretiva, sem a necessidade de absoluta precisão, e ainda promover deslocamentos circulares, retilíneos, em arcos, saltitos nas pontas dos pés, rastejamentos, agarres e pegadas. Também pode utilizar de deslocamentos para alcançar e bater em bexigas com membros superiores e inferiores, pular sobre cordas, fazer quedas controladas de modo mais simples e sem intensidade de excessivo impacto e promover exercícios de tentativas para segurar o colega e, por sua vez, tentar escapar, torcer panos e cordas etc. A combinação motora surge naturalmente e a particularização dos fundamentos das Lutas vai se construindo de modo espontâneo. 4.6.2 Psicomotricidade nas Lutas Como anteriormente mencionado, as Artes Marciais e as Modalidades de Esportes de Combate possuem sofisticação de ações coordenativas, com combinação decisiva de movimentos articulares, que permitem explorarde maneira proeminente capacidades de atuação motora, as quais proporcionam ampla plasticidade de execução e necessitam de tenacidade nos treinamentos e grande concentração mental, exigindo controles motores de diversos graus de liberdade musculoarticulares. 87 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 6/ 04 /1 8 LUTAS: ASPECTOS PEDAGÓGICOS E APROFUNDAMENTOS Devido a essa complexidade de movimentos, o ensino das técnicas e habilidades nas Lutas necessita de aprofundamento teórico-prático, muito estudo e vivência permanente. O mais importante é que se compreenda que as ações são possíveis e requerem determinação de quem deseja obter elevado nível de habilidade. Observação Psicomotricidade é expressão de um pensamento por intermédio de ato motor preciso, econômico e harmonioso (AJURIAGUERRA, 1983). A psicomotricidade pressupõe o indivíduo na busca de eficiência motriz, com domínio de todos os elementos constituintes da ação. As Lutas se relacionam com diversos aspectos psicomotores, como: disponibilidade corporal, simplicidade biomecânica articular, aptidão para as diversas características da coordenação motora, energia interior e noção do esquema corpóreo. A disponibilidade corporal é a presteza/agilidade que se necessita para agregar as tensões musculares ao comportamento motor desejado. O controle da necessidade de força, contenção e conservação de posicionamento é essencial para que se atinja a ação indispensável. A simplicidade biomecânica exige a eficácia de atuação motora; com o mínimo de dispêndio de energia e desempenho decisivo da técnica de movimento; não se pode permitir que haja reação do adversário ao se efetivar um confronto, pois golpes precisos e finalização imediata são as tônicas capitais nas Modalidades de Esporte de Combate e das Artes Marciais. Por sua vez, as capacidades coordenativas são demandas de reação proporcionadas pelos estímulos sensoriais exteroceptivas: visão, tato, olfato, audição, paladar e háptica. Marcantemente, nas Lutas pode-se notar que capacidades coordenativas como reação visomotora e tátil-motora e a háptica são comumente usadas para se tomar decisões ao se enfrentar um oponente que queira lhe atingir, arremessar ou derrubar. A condição de orientação e a noção de espaço são essenciais ao aprendizado de Lutas, pois são requeridos deslocamentos ágeis e precisos, tanto em relação ao opositor, quanto à área de combate na qual se disputa a Luta. A orientação espacial se associa ao tempo de execução e análise de se aproximar ou se afastar de seu oponente. Essas capacidades coordenativas são essenciais nas decisões relativas aos princípios de confronto, pela obrigação em postar-se diante do concorrente de modo a controlar a extensão de seu desempenho ou dos implementos usados na disputa como espadas, bastões, lanças etc. O equilíbrio dá consistência à postura de enfrentamento e possibilita a melhor alocação corporal para efetivar golpes, contragolpes e recuperar o domínio do contexto de uma disputa. Além disso, outra capacidade coordenativa importante é a velocidade de reação motora, associada à antecipação. Essas características coordenativo-motoras são pautadas em estratégias de ação que sustentam os princípios de confronto organizados pela execução das esquivas e desvios. Adicionalmente, após um ataque desferido pelo opositor, essas competências arranjam caminhos para favorecer a tomada de 88 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 6/ 04 /1 8 Unidade I decisão mais válida à efetivação ofensiva, sempre nas condições mais favoráveis, porque desestabiliza o conjunto de atos pretendidos pelo adversário. O controle de energia interior relaciona-se com a conveniência das emoções provocadas pela ingerência do Lutador sobre o domínio corpóreo diante de seu adversário, decorrente das tentativas contínuas de tentar a submissão ou desestabilizar sua harmonia e equilíbrio físicos, psicomotriz e também emocional. O praticante de Artes Marciais aprende a reprimir ansiedades ou a se deixar enfraquecer diante do sucesso do adversário. Pode-se comparar a energia interior ao autocontrole corporal, não consentindo que reações psicoemocionais interfiram em seu plano de ação ou em sua capacidade de reação. A noção da extensão física ou esquema corporal é uma característica significante, porquanto dá competência ao praticante de Modalidades de Esporte de Combate e de Artes Marciais para perceber seus contornos anatômicos, conferir sua medida de força, ajustar as dimensões do confronto, adaptar planos e estratégias de Luta. Nota-se que no aprendizado de movimentos característicos das Lutas estimula-se a construção de aspectos de relação com os sentidos, de maneira especial, o acréscimo da compreensão perceptivo- motora e sensitivo-motora. A captação perceptivo-motora provém das excitações recebidas e decodificadas pelo cérebro a partir dos estímulos exteriores, já mencionados. Esses estímulos ambientais criam as sensações, que, devidamente interpretadas pelo centro nervoso humano, tornam-se percepções. As se efetuar uma técnica de Artes Marciais, constroem-se caminhos de impressões que levam à formação de fatores de movimento e que se relacionam aos fatores psicomotores. Desse modo, organizam-se dois planos de ação motora, chamados de planos de adaptação. Inicialmente aparece o plano de adaptação perceptivo-motor, o qual prepara a tomada de consciência do corpo em relação ao movimento específico das técnicas e golpes das Artes Marciais. Com a prática e a repetição contumaz das técnicas ao longo do tempo, surge o plano de adaptação sensitivo-motor, que manifesta as adaptações inconscientes, todavia rápidas e precisas, dispondo-as de modo preciso, harmonioso e eficaz. Lembrete Capacidades coordenativas são potencialidades motoras que podem ser desempenhadas, pela relação direta das sensações recepcionadas e processadas pelo SNC, e o controle motor ordenado para realizar uma ação. Portanto, as Artes Marciais e as Modalidades de Esporte de Combate, ao se valerem de atos que induzem à psicomotricidade, permitem a propriedade completa da disposição corporal, do tempo de reação e controle tônico. O ser atinge um determinado estado de integração com as obrigações impostas pelo seu oponente, pela constituição da atividade motora ativa, reacional e 89 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 6/ 04 /1 8 LUTAS: ASPECTOS PEDAGÓGICOS E APROFUNDAMENTOS psicossocial atribuídas pelas circunstâncias do embate e pela condição repetitiva do gesto técnico que proporciona autonomia motriz. No mundo das Modalidades de Esporte de Combate e das Artes Marciais, podem-se verificar todos esses acondicionamentos coordenativos, de dois jeitos diferentes. O primeiro exige a exclusiva demonstração de gestos técnicos por meio individual ou com companheiros, com ou sem a utilização de armas e implementos. São rotinas e configurações executadas dinamicamente e estruturadas para se manter tradições das modalidades e suportar suas características mais representativas. O segundo modo são os combates em si, o enfrentamento corpo a corpo decisivo para se obter pontos e condições decisivas. Assim, faz-se necessário classificar essas maneiras de se exercer as Modalidades de Esporte de Combate e as Artes Marciais em tipos de tarefas para a melhor aplicação da metodologia de prática e do aprendizado. A classificação dessas tarefas é condicionada ao ambiente no qual são realizadas e a previsibilidade de tomada de decisão. 4.6.3 Classificação das tarefas motoras nas Modalidades de Esportes de Combate e Artes Marciais O Lutador deve entender que em um confronto se toma a forma do combate e desenvolvem-se características respectivas ao modelo de realização das Lutas: o combate propriamente dito, o qual envolve um concorrente. Esse modelo permite se mostrar um ambiente mutável, inconstante e incerto (FRANCHINI, 2010).Figura 62 – Luta de Wrestling: o que vou fazer? O que meu adversário vai fazer? Observa-se que as Modalidades Esportivas de Combate, as Artes Marciais e as Lutas em geral, provocam demandas específicas de respostas. Cada Lutador vai em busca de seus objetivos e toda ação gera uma reação contrária. Qualquer gesto que vise desestabilizar, golpear e derrubar seu adversário 90 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 6/ 04 /1 8 Unidade I poderá implicar respostas distintas, tais como: tentativa de resistir ao empuxe ou aproximação, desvios e escapes, contra-ataques e contragolpes, aproveitamento da ação executada e da força empregada para aplicar uma técnica de decisão. A metodologia de ensino é mais livre, com a prática da Luta em si, e assim os principiantes vão construindo bases de posicionamento motriz, mental e emocional de modo a provocar a arquitetura de uma maior autonomia e aumento nas decisões motoras. Essas tarefas motoras constantes das práticas de Lutas, em geral, são jogos de oposição corporais extremamente dinâmicos, que possibilitam permanente imprevisibilidade motora. Desse modo, caracterizam-se como tarefas motoras abertas, pois não se pode com precisão absoluta determinar, integralmente, as ações humanas que procedem de seu adversário em todos os momentos da disputa competitiva. Tampouco saber se ataques, defesas e esquivas realizados surtirão o efeito desejado naquela situação. Na iniciação esportiva e na Educação Física escolar, é importante que se empreguem as atividades de Lutas como Jogos de Combate, proporcionando a concepção de enfrentar situações de confrontação e possibilitar o exercício de adaptação instantânea e formação de atitudes confiantes e determinantes. Aqui a prática indica efetuar a Luta e assim poder se Lutar. Por outro lado, apresentam-se possibilidades no exercício demonstrativo das Lutas que são efetivadas sem que haja considerações impostas por opositores. Nesse caso, o indivíduo mostra suas capacidades de entendimento e profundidade na realização motora de movimentos motrizes de ataques e defesas, sem que exista um oponente. Faz-se a apresentação com precisão e rigorosidade motriz. Esse modelo é circunscrito a um padrão de execução, é seguro, sequencial e predeterminado. Eles são destacados como tarefas motoras fechadas. Essas tarefas não recorrem a decisões a serem tomadas de modo reativo, pois são demonstrações combinadas ou treinadas com movimentos predeterminados, com ou sem parceiros, por exemplo, as rotinas de execuções denominadas katas, poomses e katis, do Judô e Karatê, Tae kwon do e Wushu, respectivamente. Podem e devem ser usadas para se desenvolver conceitos de posicionamento, de habilitação de ações mais complexas de modo sequencial e sincronismo pedagógico, de estruturação de movimentos rítmicos, formação de esquema corporal, coordenação motora, controle de energia e fundamentação do equilíbrio anatômico e compreensão das posturas corporais e essência de cada Luta. Essa metodologia é mais analítica e sequencial. Nessa condição, a Luta é imaginária e os movimentos são produzidos em séries ordenadas e possuem grande plasticidade motora. Observe na sequência as figuras mostrando as quebradeiras do Tae kwon do coreano, uma tarefa motora fechada; e depois um movimento do kati, do Wushu chinês, outra tarefa totalmente previsível, isto é, em ambiente estável de realização. 91 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 6/ 04 /1 8 LUTAS: ASPECTOS PEDAGÓGICOS E APROFUNDAMENTOS Figura 63 – Quebradeira Tae kwon do – tarefa motora fechada Figura 64 – Kati do Wushu com armas e em grupo A classificação das tarefas motoras em abertas e fechadas permite estruturar e organizar as práticas das atividades, além de direcioná-las de acordo com os interesses do praticante e as percepções do professor para iniciação e prosseguimento de aulas e respectivos objetivos a serem alcançados. As instruções iniciais à introdução de modalidades de combate devem seguir os parâmetros indicados pela ciência da aprendizagem motora, assim os primeiros contatos com os principiantes acontecem por meio de demonstrações de golpes e técnicas. Os principiantes inicialmente tentam captar a imagem e o conceito geral do movimento. Com a reprodução sistemática, fixam a técnica de modo estável. Com as atividades de minicombates diversificam-na ao enfrentarem ambientes instáveis e variantes. 92 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 6/ 04 /1 8 Unidade I Saiba mais Veja o artigo sobre aprendizagem de uma técnica de Judô, realizada por meio da demonstração do professor, e as instruções verbais comparadas ao efeito durante o uso do vídeo. MIRANDA, M. L. Efeito do uso da instrução verbal e demonstração por vídeo na aprendizagem de uma habilidade motora do Judô, cap. 11, p. 100-109, 2009. In: TEIXEIRA, et al. (Orgs.) Especialização em aprendizagem motora. São Paulo: Departamento de Biodinâmica do Movimento do Corpo Humano da Escola de Educação Física e Esporte da Universidade de São Paulo, v. 2, 2009. Disponível em: . Acesso em: 23 mar. 2018. Aqui se reforçam os necessários cuidados para que se respeitem as etapas do desenvolvimento motor e se sigam as sequências pedagógicas apropriadas. Movimentos complexos podem ser divididos em partes e criativamente treinados separadamente, considerando sua conjunção posterior ao domínio de cada componente integrante da técnica. Parte-se da intenção de se começar pelos elementos mais simples e ir até os mais complexos, construindo fases apropriadas. Exemplo de aplicação Partindo-se do conteúdo apresentado, que tal fazer uma reflexão e propor atividades baseadas em Modalidades de Esporte de Combate para a promoção do aprendizado de fundamentos técnicos das Lutas? Como usar os elementos de enfretamento da prática de Lutas para se preparar contra as adversidades sociais, políticas e profissionais? Resumo O esporte é o meio de instrução que apresenta larga utilidade educacional formativa. O Esporte Educação foi criado com intuito de atender às mudanças mais ativas que acontecem sistematicamente na sociedade e visa incentivar o desenvolvimento de crianças e adolescentes, por meio dos elementos motores provindos das mais variadas modalidades esportivas. Ele se introduz categoricamente por meio da Educação Física e se apresenta como promotor da coeducação e inclusão social. Dentre os mais variados ramos do conhecimento universitário a serem debatidos pelos estudantes de Educação Física, destaca-se a disciplina de Lutas: Aspectos Pedagógicos e Aprofundamento. 93 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 6/ 04 /1 8 LUTAS: ASPECTOS PEDAGÓGICOS E APROFUNDAMENTOS O termo Luta está inerentemente coligado à condição humana. Lutas são desafios ancestrais e atuais, pois se relacionam à própria sobrevivência, busca territorial, procriação, proteção de sua prole e liderança social. Elas aparecem de modo genérico na mídia e são amplamente noticiadas no esporte, em especial pelas modalidades do MMA, Boxe profissional e das modalidades olímpicas: Judô, Tae kwon do, Karatê, Luta Greco-romana, Wrestling, Boxe amador e Esgrima. O vocábulo passa a ter interpretações diferenciadas quando o colocamos em diferentes contextos. No conteúdo social, Luta torna-se sinônimo de conquista a ser alcançada, seja no âmbito corporal, político ou socioeconômico, lembrando que somente se legitima pelo exercício da ética essencial humana. Desse modo, é uma atividade consciente e planejada, caso contrário se intitularia como briga, isto é, atividade irracional, baseada necessariamente no descontrole emocional. Também se apresenta como Defesa Pessoal, relacionada à propriedade corporal e tática para se enfrentar ações e acometimentos referentes à segurança pessoal. No plano das atividades militares,as Lutas se tornaram Artes Marciais, pois derivam de estratégias e excelência de ações corporais e com armas, voltadas para as guerras, exaustivamente utilizadas na Antiguidade. Atualmente, Artes Marciais também sofreram mudanças de interpretação, devido à evolução social humana, às influências filosóficas e religiosas e, portanto, transformaram-se em atividades físicas corporais de combate, direcionadas ao autoconhecimento e à elevação pessoal. No Esporte de Rendimento, Luta se converte em Modalidade de Esporte de Combate, isto é, atividades com ênfase no alto rendimento esportivo profissional. Existe uma gama muito grande de modalidades singulares de Lutas, derivadas de civilizações e povos distintos. Para serem mais bem compreendidas e atenderem à formação universitária, usou-se de classificações acadêmicas que facilitam a compreensão, o estudo e a aplicação da riqueza de elementos coordenativos corporais, dos muitos valores para o desenvolvimento cognitivo, como as inteligências múltiplas e dos meios significativos de interatividade afetivo-social. Apresentam-se, primeiramente, as categorizações quanto ao princípio de domínio. O inicial é o agarre, por meio de gestos técnicos da pegada, dos estrangulamentos, das restrições articulares, imobilizações, projeções etc. O segundo princípio de domínio é o toque, baseado em fundamentos de ataques com os próprios segmentos corporais, tais como: socos, chutes, cotoveladas, cuteladas etc., e os golpes com armas, como estocadas, cortes, perfurações etc. Por fim, o último princípio: a varredura, com suas respectivas rasteiras e arrastes com pernas e mãos. 94 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 6/ 04 /1 8 Unidade I Outra classificação empregada está relacionada como princípio de confronto. Sua primeira categoria é chamada de ajuste de distância; seus consequentes distanciamentos são: curto, médio e longo. A segunda classe é denominada modo de enfrentamento, ela é composta de ataques, defesas e esquivas. O ser humano sempre perpetra aproximações e disputas corporais: procura-se manter seu equilíbrio e ao mesmo tempo retirar o do seu adversário. Em uma analogia com animais, os homens em seu universo infantojuvenil se pautam pela interatuação corporal, comumente chamada de brincadeira turbulenta. A partir desse conceito, desde as civilizações mais antigas, as Lutas fazem parte da sua natureza educativa. Além das competições nos Jogos Olímpicos, as Lutas eram voltadas para a preparação guerreira, ética, política e defesa dos templos, assim exigiam bastante de seus praticantes. Atualmente, respeitando-se as etapas cientificamente propostas do desenvolvimento físico, cognitivo e psicossocial, empregam-se atividades correlatas que promovem princípios e valores educacionais de maneira extremamente eficaz: os Jogos de Combate, os quais envolvem os enfrentamentos, a conscientização física, o aprendizado pelo movimento, a disposição empática no trato pessoal, a perspicácia e a tomada de decisão. Jogos de Combate são ricos em variantes de desafios motores, auxiliam para que se evite a especialização precoce, divertem e promovem as potencialidades individuais. A riqueza cultural que envolve a prática das Lutas possibilita sua ampla atuação na Educação Física e, por conseguinte, no Esporte Educação, proporcionando ilimitadas ações de interdisciplinaridade. Basta verificar os componentes lendários, históricos, anatômicos e biomecânicos para se perceber sua empregabilidade educacional. Desde as Lutas mais remanescentes, que se têm ciência do mundo ocidental e oriental, passando pela evolução das Artes Marciais e do interesse e sucesso nas modalidades esportivas de combate, sabe-se que o universo das Lutas é deveras global. Tomando-se por conta a nossa história, as Lutas indígenas brasileiras como a Huka-Huka e a Capoeira possuem uma extensa diversidade de elementos para promover reflexão sociocultural e instrução corporal, além de, consequentemente, trazer vasto conhecimento sobre nossos costumes e tradições e favorecer a interdisciplinaridade. 95 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 6/ 04 /1 8 LUTAS: ASPECTOS PEDAGÓGICOS E APROFUNDAMENTOS Exercícios Questão 1. (Enade 2016, adaptada) Ao analisar o planejamento pedagógico das modalidades Karatê e Judô de uma escola de esportes, o coordenador esportivo que supervisiona a equipe de professores verificou que, nas turmas de 6 a 10 anos, o processo de ensino-aprendizagem era voltado prioritariamente para o aprimoramento das técnicas que fazem parte dessas modalidades através de programas essencialmente especializados. Com base nessa situação, avalie as afirmativas a seguir e a relação proposta entre elas. I – O coordenador esportivo deverá convocar uma reunião com os professores da equipe para discutir o processo de ensino-aprendizagem dos alunos e propor a reestruturação do planejamento pedagógico das referidas modalidades Porque II – As crianças submetidas precocemente a treinamentos especializados podem vir a apresentar transtornos psicológicos, lesões e esgotamento prematuro. A respeito dessas afirmativas, assinale a alternativa correta. A) As afirmativas I e II são proposições verdadeiras, e a II é uma justificativa correta da I. B) As afirmativas I e II são proposições verdadeiras, mas a II não é uma justificativa correta da I. C) A afirmativa I é uma proposição verdadeira, e a II é uma proposição falsa. D) A afirmativa I é uma proposição falsa, e a II é uma proposição verdadeira. E) As afirmativas I e II são proposições falsas. Resposta correta: alternativa A. Análise das afirmativas Justificativa: a afirmativa I é correta, pois o coordenador esportivo tem um papel importante na montagem da metodologia de ensino em conjunto com os professores e na supervisão da execução destas atividades propostas nas diferentes faixas etárias. A afirmativa II é correta, pois nesta faixa etária (6 a 10 anos) o treinamento especializado pode trazer diversos prejuízos físicos, psicológicos e sociais aos respectivos alunos. Adicionalmente, a afirmativa II é uma justificativa da I, pois caso não ocorra uma reestruturação do planejamento, os alunos podem apresentar os prejuízos supracitados. 96 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 6/ 04 /1 8 Unidade I Questão 2. (Enade 2004, adaptada) As Lutas são um conteúdo da Educação Física a ser desenvolvido pelos profissionais nas suas atividades em diferentes locais, como academias, clubes, escolas etc. Embora não sejam um objeto de estudo exclusivo da Educação Física, têm sido elemento constante de tal campo de atuação. Por outro lado, as Lutas têm sido alvo de severas críticas, especialmente em virtude do desenvolvimento dos chamados pit boys (rapazes que se utilizam do aspecto físico e técnico das artes marciais para praticarem atos de violência). Neste sentido, aulas e treinamentos podem ser um espaço de contribuição para formação educacional e físico-técnica do aluno, cabendo ao professor: A) Estimular a tolerância e a convivência, mantendo a exclusividade do direito de ministrar aulas de artes marciais. B) Permitir à população, embora restritamente, conforme o desempenho atlético, o acesso às aulas de artes marciais. C) Traçar um perfil sociométrico e psicológico de seus alunos para aferir a possibilidade de um deles tornar-se um pit boy. D) Facilitar a inserção social da população, estimulando-a a praticar artes marciais para aprender a se defender quando sofrer um ato de violência. E) Facilitar a inserção social dos excluídos, inclusive os que têm comportamento agressivo, e utilizar suas aulas para estimular, além do desempenho atlético, a sociabilidade. Resolução desta questão na plataforma. 97 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 6/ 04 /1 8 LUTAS: ASPECTOS PEDAGÓGICOS E APROFUNDAMENTOS Unidade II 5 LUTAS NO ESPORTEPARTICIPATIVO O Esporte Participativo engloba uma variedade prazerosa de atuação no campo das atividades físicas e tem o objetivo de instigar a população a tomar parte e persistir na prática esportiva como cultura corporal. Tubino (2010) apresentou o Esporte Participativo direcionado às expressões físicas e motoras oriundas das modalidades esportivas que se relacionem com intenções de se buscar divertimento e interação social, associando e contribuindo aos propósitos de desenvolvimento pessoal. Um fator que desperta estima é que o Esporte Participativo visa alcançar uma variedade bastante ampla de militantes, não impondo condições de idade e social, sujeitos com necessidades especiais, gênero etc. Os equipamentos nos quais se realizam o Esporte Participativo também são muito flexíveis. Observa- se que parques, praças, academias, clubes, praias, terrenos, escolas e instituições de nível superior (atividades de extensão comunitária em espaços ociosos e fins de semana) etc. são lugares que devem ser amplamente usados para possibilitar o desempenho do Esporte Participativo. O envolvimento pessoal em grupos com objetivos comuns, o convívio, a experimentação, a troca de conhecimentos, a sociabilidade e os saberes interativos são características importantíssimas que se destacam. É muito corriqueiro verificar-se colegas de trabalho, familiares, comunidades de idosos, de policiais, de regiões com carência social, estudantes e demais grupos sócio-interativos que se juntam e se envolvem em muitas atividades esportivas realizadas aos fins de semana, após o término das suas atividades profissionais e estudantis, para efetivação do lazer e recreação. Por meio do Esporte Participativo, busca-se o comportamento social que provoque influências mútuas, desperte conscientização e aceitação social, dissemine a cidadania e explique as condições de se atingir melhores condições de comunicação humana e presença em sociedade, debata as responsabilidades familiares, contemplativas, políticas, educacionais, deveres e direitos iguais. As particularidades intrínsecas das Lutas auxiliam no desenvolvimento integral do ser pela contínua troca de desafios por meio de influência mútua; exige-se que a prática seja desempenhada com seus colegas, ao lado de seus companheiros e através das críticas construtivas de todos os participantes. Os intercâmbios corporal, mental e psicossocial são permanentemente exigidos. 98 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 6/ 04 /1 8 Unidade II As Lutas envolvem o contato corpóreo humano, as condições de trocas anatômicas são muito próximas, e necessita-se do uso de estratégias de atuação, pensamento hipotético, aceitação das próprias limitações, emprego das potencialidades físicas, da racionalidade e do domínio afetivo-emocional. Daí certifica-se a grande utilidade das Lutas no Esporte Participativo, auxiliando na construção de indivíduos mais influentes, centrados, os quais possuem ainda maior autocontrole emocional no universo da cidadania. Percebe-se que a disciplina de Lutas é muito atraente para ser usada como ferramenta de efeito no Esporte Participativo. 5.1 Segurança pessoal no uso cotidiano Vários historiógrafos descreveram a necessidade que os monges tinham de se defenderem dos ataques de saqueadores de seus templos. Os escritos mais conhecidos expõem o monge budista indiano, Bodhidharma, 527 d.C., como precursor da criação de métodos de Defesa Pessoal que permitiram aos religiosos protegerem seus bens. Os procedimentos mais especializados dessas realizações corporais foram criados por meio de técnicas baseadas em movimentos de ataques e defesas que eram feitos por vários animais (ASHRAFIAN, 2014). Os samurais foram outra classe de guerreiros e estudiosos que aprofundaram o treinamento de técnicas de Lutas, em especial com uso de espadas e outros implementos, além da utilização de golpes e técnicas que pudessem submeter seus adversários apenas com o emprego das mãos, contra atacantes equipados com armas de corte. A casta dos samurais entendeu a importância da prática dos exercícios conjuntos de Defesa Pessoal para instigar os seus praticantes a refletirem a respeito da necessidade de estabelecer relações com seus adversários e respeitá-los. Essa prática conjunta marca notadamente a obrigação de perceber que os seus oponentes é que vão propiciar condições de apontar suas debilidades, permitirão que se descubram alternativas de tomada de decisão diante dos desafios impostos e possibilitarão aprofundar o conhecimento sobre a própria melhora em todos os níveis de atuação do ser. É notável que em épocas remotas várias Artes Marciais e Lutas se difundiram mais como atividades de Defesa Pessoal. É imprescindível atentar que tempos contemporâneos, infelizmente, ainda propiciam grande incidência de acometimentos, assaltos e violência urbana, os quais afetam diretamente a população em geral. Desse modo, muitas pessoas procuraram academias e clubes especializados nessas Lutas para poderem exercer seus direitos de defesa em caso de ataques e brutalidades cotidianas. Obviamente, o papel do professor no treinamento foi e sempre será fundamental para a construção de equilíbrio emocional daqueles que desejam se utilizar de meios de autodefesa. Portanto, chama-se a atenção para o fato de que essas atividades de Artes Marciais e Lutas, praticadas sem intuito competitivo, propiciam ampla sociabilidade e permitem reunir muitas pessoas com interesses comuns na prática desportiva voltada para a segurança pessoal. O esporte, aperfeiçoado em combates corpóreos, volta-se para engrandecer o ser humano na busca de ideais de participação na convivência sadia, que elevem sua autoestima e que tragam autoconhecimento e melhores relações interpessoais. 99 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 6/ 04 /1 8 LUTAS: ASPECTOS PEDAGÓGICOS E APROFUNDAMENTOS Lembrete As Artes Marciais na Antiguidade significavam excelência para a guerra, atualmente querem dizer prática de atividade física com objetivo de autoconhecimento, interatividade e equilíbrio pessoal. Quando descrevemos Esporte de Participação, no caso específico da prática das Lutas norteadas para a segurança individual, é primordial que o uso dessas técnicas de Defesa Pessoal seja feito somente em condições que lhes possam ser totalmente favoráveis. O seu uso é extremamente restrito e rigoroso e deve ser dirigido somente para legítima defesa, com precisão absoluta e culminante capacidade de ação que não permita ao agressor reagir. O Esporte Participativo aponta para a prática e o exercício que permita treinar e adquirir condições de cumprir somente controle, domínio e autoridade sobre os seus agressores e jamais se valer de suas propriedades de exterminação ou para causar danos físicos e morais irreparáveis. Como exemplo, vê-se a prática de esporte de Defesa Pessoal dirigida para a construção da autoconfiança e do estabelecimento de atitudes conduzidas para o bem-estar de todos. Modalidades como Aikido, Hapkido, Judô, Karatê e Wushu destacam-se nas procuras para esses conhecimentos. Por terem ultrapassado tantos séculos de costumes políticos e sociais, e partindo do princípio de resguarda de seus valores de fundamentação filosófica, as Artes Marciais constituem uma prática de excelência para a autopreservação. A constante solicitação cognitivo-emocional que exige de seu praticante, apoiada em preceitos tais que formam a disciplina física, a incitação à tomada de decisão instantânea e prevenida, com extrema exatidão e respeito ao seu contendor, imbui seus participantes a compreenderem os aspectos primordiais de planejamento de ações. Portanto, antecipação, prontidão emocional, física e motora e alerta dos sentidos são características que afloram no assíduo praticante de Lutas. A estruturação da Defesa Pessoal, por meio da prática das Artes Marciais, sustenta seu participante a possuir amplo preparocomo atividades pré-esportivas, pois elas não eram estruturadas para servirem aos domínios político, social, econômico e cultural como se fazem presentes na sociedade contemporânea. Adiante vamos ampliar esse tema sobre o esporte e as Lutas relativas às sociedades mais antigas e discorrer sobre as artes e modalidades que se destacavam nas mais distintas civilizações. O importante agora é trazer a compreensão de que, a partir das práticas de atividades pré-desportivas combativas, sempre existiu a prevalência de alguém, por ser o mais forte, aquele muito mais rápido ou ao mesmo tempo o mais competente. Segundo Campbell e Moyers (1990), o ser humano não consegue seguir sozinho as suas aventuras pela vida, ele segue a trilha do herói para encontrar a sua própria experiência. A partir de então, houve condições para práticas organizadas em eventos de modalidades bastante aguerridas, umas muito brutais e outras mais brandas, com intenção de se encontrar sentido na participação do confronto como parte da existência e chegar ao êxtase como exemplo a ser seguido. Desse modo, houve a continuidade da utilização, então sistematizada e direcionada do esporte para o enaltecimento da vitória, do troféu e da diferenciação entre “maiores” – ou vencedores e “menores” – os derrotados. Paralelo a isso, ocorreu a comparação, pela coletividade em geral, de que essas conquistas esportivas eram realizadas por heróis sobre-humanos. Tal fato permaneceu por longo tempo, desde os combates dos Jogos Olímpicos na Grécia Antiga e Clássica. Em seguida, nas disputas dos gladiadores romanos, passando pelas competições cavalariças medievais na Idade Média, os eventos e disputas violentas acontecidas durante a Revolução Industrial, chegando aos tempos modernos, novamente com 10 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 6/ 04 /1 8 Unidade I os Jogos Olímpicos da Era Moderna, no fim do século XIX, até os Jogos contemporâneos, nos idos da década de 1970. Lembra Tubino (2010) que é notório que a globalização e o desenvolvimento social e econômico salientaram a importância da prática de atividades físicas para a saúde e, além disso, houve o reconhecimento do esporte como valioso instrumento de fomento social para o ser humano. Essas afirmações se fizeram constantes na Carta Internacional de Educação Física e Esporte (UNESCO, 1976), independente das práticas de rendimento esportivo até então conhecidas e exaltadas na sociedade. No Brasil, essa determinação, aliada à Constituição Brasileira de 1988, a qual estabeleceu o direito às práticas esportivas formais e não formais para todos os cidadãos brasileiros, provocou o entendimento do desporto para além do rendimento competitivo, ampliando seu conceito para o emprego como esporte lazer/saúde – ou Esporte Participativo e também como Esporte Educação, de tal modo que se aflorou o esporte para a concepção socioeducativa, isto é, o de direcionar para a constituição da cidadania, da coeducação, promover a cooperação e solidariedade, além de estar comprometido com o espírito e desenvolvimento esportivo (TUBINO, 2010). Ressalta-se que o esporte educacional volta-se essencialmente para crianças e adolescentes e pode ser exercido por meio de atuação escolar: curricular ou extracurricular, nas comunidades e instituições não governamentais. Ademais, concebe-se e deve-se ter atenção especial por intermédio da iniciação esportiva em clubes e academias, respeitando-se essencialmente de modo acadêmico e científico o espectro desenvolvimentista de promoção cognitiva, psicossocial e física desses indivíduos. Assim sendo, o Esporte Educação faz parte do contexto profissional do qual o professor de Educação Física deve se inteirar. É de sua total responsabilidade colaborar na constituição integral do ser e portanto usar a disciplina de Lutas como mais um excelente instrumento para contribuição na formação infantojuvenil. Como se verá nesta publicação, as Lutas abrangem uma ampla ação motora, incentivam o desenvolvimento afetivo-emocional, a construção da reflexão e juízo de valor e a ascensão para a Educação Física. Iniciaremos fazendo uma distinção importante do uso do termo Lutas, Artes Marciais e Esportes de Combate. Lembrete Esporte Educação é voltado para a área educacional, em especial, à formação de crianças e adolescentes. 1.1 Definições Na nossa sociedade ocorre a utilização bastante ordinária do termo Lutas, mostrando significação de algo, cujo resultado a ser alcançado se deverá ao confronto irracional, gerando violência e causando prejuízo para outrem, além de dar sentido de ação, que requererá o uso de algum poder de imposição e choque com valores desumanos. Além disso, é comum haver uma mistura de significados cujas 11 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 6/ 04 /1 8 LUTAS: ASPECTOS PEDAGÓGICOS E APROFUNDAMENTOS colocações nas descrições literárias, acadêmicas, revistas, blogs, sites e jornais trazem alguma desordem quanto ao seu emprego correto e compreensão, em especial se confundindo com as atividades de Modalidades de Esporte de Combate e das Artes Marciais. Dessa maneira, faremos uma diferenciação e padronização acadêmica para atribuir adequadamente as disposições, as classes e os estudos que serão discutidos nesta publicação. As classificações e categorias sugeridas para distinguir os nomes das atividades exercidas por meio de combates corporais ou com armas auxiliarão extremamente o juízo e o aproveitamento das Lutas na educação, na saúde e no esporte. 1.1.1 Lutas Segundo Mahatma Gandhi (1948), “A alegria está na Luta, na tentativa, no sofrimento envolvido, e não na vitória propriamente dita”. Lutas indicam prontidões que se caracterizam por serem de confronto, seja corporal, seja mesmo de embate da retórica, alcançando até aquelas que visam pretensões sócio-político-profissionais e as que exigem posicionamentos de ideias e sentimentos. Em geral, as Lutas se associam a conquistas eficientes, atingindo objetivos determinados, sem que haja fundamentalmente a preocupação com a derrota do adversário, mas sim em atingir o seu próprio êxito. Os escrúpulos são de ordens restritas ao contexto e nível humano dos participantes da contenda, subjuga-se o oponente e debela-se sua resistência para se atingir o sucesso. O mais importante é vencer, e não necessariamente acabar com seu adversário. Para se dar um exemplo concreto para o uso da palavra Luta com a intenção de se vencer, mas não de abater o oponente, citam-se os animais que Lutam pelo acasalamento, tomadas de liderança e domínio de território para a proteção à prole, exemplo: “Os elefantes mais jovens Lutaram para destronar o animal mais velho do armento” ou “Os hipopótamos Lutam ferozmente contra a invasão de seu território, e nenhum outro animal se atreve a se aproximar quando estão vigilantes”, “Ursos Lutaram pela fêmea, o perdedor abandona a região e vai procurar outra oportunidade de perpetuar seus genes”. Nos jornais e revistas também se encontram repetidamente descrições que mencionam o termo Luta. De acordo com UOL Notícias (2009), coloca-se o vocábulo como procedimento para se atingir determinado sucesso, assim apresentado: “O documento contempla uma série de melhoras na Luta contra a imigração irregular, que buscam aprofundar os instrumentos de prevenção, aumentar a eficácia dos procedimentos de repatriação e a melhora das garantias nas diferentes situações”. Na política, o uso da palavra Luta é muito comum, como no modelo político-educativo citado por Rui Barbosa: “Quem não Luta pelos seus direitos, não é digno deles”. A palavra induz a um significado amplo de buscar e conquistar algo, mas não necessariamente exterminar seu opositor. É comum verificar-se que políticos disputam uma votação e ao fim quem vence diz-se que lutou muito para conquistar os votos da maioria. Outro exemplo que designa com propriedade sua compreensão está contido na seguinte descrição:emocional, contenção, inteligência emocional, autoconfiança e preservação da vida. Obviamente, a prática e o emprego dessas Lutas, ao longo do tempo, também passaram por deturpações de indivíduos despreparados, talvez em maior ou menor escala em distintos períodos. Várias pessoas obtiveram o conhecimento das técnicas de confronto corporal, sem terem sido estruturadas cognitiva e emocionalmente para conviverem com os princípios de sua utilização em sociedade. Assim, percebem-se diversas ocasiões nas quais sujeitos intimidam seus pares, abusam de atitudes descabidas que se baseiam na violência, sujeitos que pertencem a clubes e academias sem registro nas devidas instituições e sem fiscalização do poder público, treinados por supostos professores de Artes Marciais, os quais estão totalmente desvirtuados dos preceitos filosóficos das Lutas. Esses indivíduos criam uma visão totalmente equivocada dos valores sócio-afetivos a serem edificados pelo aprendizado das Lutas e das respectivas técnicas de autodefesa. Preparam-se para se sobressair fisicamente e atemorizarem outras pessoas por intermédio de atitudes que podem ser consideradas de pouquíssima capacidade de inteligência em relação à sua participação na coletividade. Foram corriqueiras as notícias vinculadas na mídia, na década dos anos 1980, sobre rapazes que se imbuíam do espírito de valentões, vestidos com uniformes de soldados, detentores de cães 100 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 6/ 04 /1 8 Unidade II considerados agressivos, treinados e desvirtuados de sua natureza doméstica, em particular os da raça pit-bull, para atuarem como verdadeiros delinquentes e desordeiros. Os jornalistas até apelidaram esses delinquentes de pit boys. Eram esses baderneiros, e ainda se encontram alguns de seus delituosos seguidores, praticantes de Lutas e Artes Marciais, de musculação e dispostos a incitarem brigas e confusões, com intuito único de causarem confusão, pânico, perturbação e fazerem valer seus atributos físicos. Felizmente, a própria sociedade os descaracterizou, e não acatou esses grupos distorcidos de valores e que afetavam a convivência pacífica, pois esse não é o sentido da prática participativa nas Lutas, tampouco dos adeptos da Defesa Pessoal. Assim sendo, nota-se que a incidência desses sujeitos e de instrutores de Lutas de categoria duvidosa tem se reduzido consideravelmente na sociedade. Além disso, esses fomentadores irresponsáveis da violência vêm perdendo terreno para profissionais de gabarito. Cada vez mais profissionais de Educação Física se capacitam no universo das Lutas e da Defesa Pessoal e antigos instrutores dessas modalidades têm se dirigido aos cursos de Educação Física para fundamentação e ampliação de seus conhecimentos. Observação Defesa pessoal tem por objetivo sempre evitar o confronto. Profissionais de Educação Física têm se pautado pela constituição de atitudes condizentes com a civilidade ao empregarem a prática de Lutas para a Defesa Pessoal que visa à formação do ser. Estes profissionais dirigem o aprendizado das técnicas de Lutas, nas mais diversas instituições, com objetivo de lazer, recreação e construção de valores sociais em harmonia com os bons costumes. Nitidamente, esses indivíduos seguem todas as determinações acadêmico-científicas e se pautam firmemente pela ética, oferecendo a prática dos elementos corporais de combate para cultivar raízes que gerem indivíduos compromissados com os mais nobres valores de convivência social, tais como: solidariedade, empatia, voluntariedade, disciplina, hierarquia, contenção, cortesia, polidez e respeitabilidade. 5.2 Segurança pública e a prática participativa nas Lutas As corporações militares sempre procuraram a Educação Física como ferramenta auxiliar para preparação de seus membros, ainda mais na prática de modalidades de combate, inerentes à condição de confrontos permanentemente usuais em sua profissão. Primeiramente, no âmbito militar, as Lutas tinham função de preparar corporalmente as tropas, com intuito de proporcionarem boa disposição física, competência para suportar longos deslocamentos, falta de conforto e capacidade de enfrentamento corporal por meio da força e com o uso das armas de combate frente a frente com o inimigo. Apesar de efetivos militares das cidades brasileiras terem sido criados desde 1830, ainda no Império, somente no início do século XX o esporte para treinamento combativo por meio de força pública foi introduzido na polícia militar brasileira. Anteriormente, os treinamentos físicos eram feitos por 101 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 6/ 04 /1 8 LUTAS: ASPECTOS PEDAGÓGICOS E APROFUNDAMENTOS intermédio de ordens unidas militares como marchas, carregamento de armas e treinamento de tiros. A partir de 1910, com a chegada do francês Delphin Balancier para coordenar a instrução de Esgrima e Ginástica para os soldados de São Paulo, foi introduzida a sistematização e aplicação esportiva da Educação Física dos soldados paulistas. Além dos combates realizados com bastões e Esgrima à baioneta, outra modalidade que se distinguiu no treinamento militar de combate corporal foi o Boxe savate – mistura do Boxe, por meio de socos associado com o Savate, técnicas de chutes e pontapés, que tem origem francesa (POLICIA MILITAR DE SÃO PAULO, [s.d.]). O Esporte Participativo nos grupos das polícias militares, sobretudo no adestramento com Lutas, Artes Marciais e Defesa Pessoal, está difundido de modo bastante abrangente no território brasileiro. Cada vez mais se certifica a participação de agentes militares em práticas específicas de Lutas com intuito exclusivo de servir bem profissionalmente, em particular nos parâmetros da segurança pública. A segurança pública é responsabilidade de todos e sua finalidade é proporcionar proteção à vida, ao patrimônio, à ordem, prevenindo criminalidade, efetiva ou potencial, distúrbios e vandalismos que coloquem em risco quaisquer cidadãos. As polícias militares foram criadas com essa intenção específica, e especialmente a favor da população. Seus integrantes nada mais são que seres humanos iguais a todos os habitantes da nação, com os mesmos deveres e direitos e, por essa razão, o seu preparo deve ser muito profundo e de excelência para atender as demandas de ordem social, preservando os direitos constitucionais. Esses profissionais têm de lidar com exacerbações de grupos políticos, associações de classes e coligações sociais, as quais muitas vezes invadem o direito dos outros e agem de maneira a ultrapassar os limites do posicionamento pacífico e ordeiro em suas manifestações. Também enfrentam interesses de criminosos, bandidos, traficantes e combatem a criminalidade, colocando em risco suas vidas e a segurança de suas famílias. No âmbito da força pública, o treinamento das tropas militares urbanas e rurais tem mostrado movimentos inteligentes por meio da prática desportiva de Lutas, com a finalidade de capacitar seus representantes para melhor atuação profissional. Não se mira somente a preparação física, mas principalmente a habilitação cognitiva e emocional de enfrentamento contra criminalidade, vandalismo, desordens, destruição efetiva e potencial de patrimônio público e particular, atentados e ações que coloquem a vida cidadã em risco. Os agentes públicos de segurança se reúnem para receber treinamento que os elevem na condição do trato comunitário e pessoal, aprendem e reforçam técnicas decisivas em abordagens e ações de proteção, vigilância e prevenção. Há muito tempo a Defesa Pessoal se difundiu nos ambientes militares e policiais como modo de treinamento específico para confrontos nos quais se necessitem de estratagemas a fim de conter manifestações de ordem aparelhadas ou caóticas. Como já apresentado, as Artes Marciais disseminam oportunidades de conscientização corporal, contenção emocional e atuação racional imediata com domínio dasituação. Desse modo, os componentes das forças públicas, ao praticarem comumente as Artes Marciais, parecem apresentar melhores condições para salvaguardar e proteger a vida de todos os envolvidos em atos exacerbados e que não respeitem os direitos de outrem. 102 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 6/ 04 /1 8 Unidade II Portanto, com a prática das Artes Marciais, os grupos que atuam nas forças públicas reúnem condições de melhor envolvimento profissional e social, expandem seu conhecimento para a sociedade e prestam benfeitorias à cidadania. 5.3 Lutas e a promoção da saúde Na história humana encontram-se manifestações corporais que mostram a prática de atividades físicas e esportivas para o patrocínio e a difusão de métodos essenciais que produzam promoção da saúde, construção estética relacionada à beleza interior e exterior, desenvolvimento de força, despertar da vivacidade e conquista de bem-estar. Na Antiguidade, termas, circos romanos (pistas e campos em geral circulares, ovais ou retangulares), anfiteatros, estádios, coliseus, piscinas, rios, salas imperiais, templos e monastérios, dentre vários locais, abrigavam treinagens, lazer e disputas esportivas voltadas às populações, aos imperadores, políticos renomados, reis e faraós. Esses treinamentos buscavam atingir os objetivos mais diversos, mas entende- se que sempre havia preocupação em se causar transformações físicas importantes para a construção de indivíduos que se prestassem às atividades guerreiras, servir à pátria, divulgar o belo, debater a ética e apresentar melhores condições de vida. Dentre essas práticas, as Lutas foram importantes exercícios que possuíam grande receptividade para a construção de físicos avantajados, estruturas corporais bem definidas, formosura estética e demonstração da associação diligente de coragem e inteligência. Esses conceitos eram muito apregoados, independentemente de as Lutas terem sido usadas para, em várias oportunidades, gerarem ideias e posicionamentos relativos à violência e às atitudes bárbaras e cruéis, como nos Jogos de Combate protagonizados pelos gladiadores romanos. Atualmente, ainda trazendo alguma condição midiática de exercício que pode gerar a violência, mas graças ao papel essencial da expansão da Educação Física, as Lutas têm se estabelecido como excelentes experiências para promover a intervenção e as mudanças que levaram os gregos e orientais a apreciarem suas qualidades relacionadas à promoção física, à estética e ao vasto desenvolvimento humano. A aceitação e expansão das Lutas fomentaram o aparecimento das academias especializadas, isto é, individualizadas, sendo de linhagem segmentada e propondo a continuidade de uma modalidade de Luta única. Também surgiram as academias de ginástica generalizada. Daí, oferecendo atividades de ginástica localizada e de ritmos, musculação, corridas, natação, hidroginástica etc., ou seja, práticas mais diversificadas. A partir de agora, serão chamadas, respectivamente, de academias específicas e academias convencionais. As academias específicas, como já foram mencionadas, concentram-se em uma modalidade de Luta singular. Elas ordinariamente oferecem a prática de Modalidades de Esporte de Combate ou Arte Marcial. Como exemplos, podem-se encontrar academias específicas nas seguintes modalidades: Boxe, Judô, Karatê, Muai Thay, Tae kwon do, Wushu, Yoga e Jiu-Jitsu. 103 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 6/ 04 /1 8 LUTAS: ASPECTOS PEDAGÓGICOS E APROFUNDAMENTOS Essas academias específicas têm objetivos bem dirigidos, querem atingir o máximo de aperfeiçoamento na modalidade. As preocupações de alguns dos frequentadores aliam-se a propósitos que disponibilizam prática assídua para manutenção e realização de atividades físicas, tirarem tensões físicas e psíquicas, buscando bem-estar e autoconhecimento, enquanto outros se focam no aperfeiçoamento técnico máximo, pois desejam participar de competições de alto nível ou tornarem-se professores da modalidade. Nesses locais a preocupação é oferecer adestramento característico e por isso se percebem treinos intensos, contendo combates e enfrentamentos corporais, com maior rigor técnico. Não existe, de modo generalizado, direcionamento voltado à condição de alcançar parâmetros estéticos corporais. Existe disciplina, ritualização e movimentos atribuídos a condições filosóficas e fundamentos espirituais, próprios dessas Artes Marciais e que compactuam com pensamentos e experiências dos instrutores e mestres. Essas academias têm uma grande presença no Esporte Participativo, pois congregam muitos adeptos e acomodam momentos de interação social, construção de interesses comuns, desenvolvimento físico, cognitivo e psicossocial. Saiba mais Para mais informações, leia o estudo a seguir que se relaciona com a matéria: SCHWARTZ, J. Aptidão física relacionada à saúde e qualidade de vida de praticantes de lutas, artes marciais e modalidades de combate da cidade de São Paulo. 2011. Dissertação (Mestrado em Biodinâmica do Movimento Humano). Escola de Educação Física e Esporte, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2011. Disponível em: . Acesso em: 21 mar. 2018. Por sua vez, devido à ampla oferta de tecnologia e ao sedentarismo, provocado por hábitos de vida ligados ao conforto, urbanização, uso de automóvel em vez de caminhadas e consequente redução das mobilidades corporais, grupos de pessoas preocupadas com a saúde passaram a procurar academias de ginástica convencionais. Também se constataram que medidas de segurança nas cidades, restringindo espaços públicos de lazer, recreação, desocupação direcionada à realidade virtual e falta de atividade física, aliadas à oferta enorme de alimentação rica em calorias cada vez mais notória, arremataram muitas pessoas a buscarem a compensação pela falta de movimentação e de gasto calórico com participação efetiva nessas academias convencionais. As mais variadas atividades de ginástica, aquáticas e de musculação vêm sendo oferecidas nessas instituições que divulgam a venda da saúde e a estética corporal. As aulas apresentadas são dinâmicas, com agitações físicas intensas e concentradas em períodos de aproximadamente 60 a 90 minutos de movimentação. Os públicos mais participativos são jovens e adultos em idade universitária e economicamente ativos. 104 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 6/ 04 /1 8 Unidade II As Lutas, a princípio, não eram oferecidas nesses espaços socioesportivos. O aprendizado de Lutas relacionadas ao Esporte Participativo era raramente encontrado, apenas dentre alguns pioneiros se ofereciam modalidades específicas de Artes Marciais. Muita gente mantinha a ideia de que as Lutas poderiam causar danos e lesões decorrentes dos contatos corporais e falavam em evitar esse acostamento corpo a corpo, exigido nas Lutas tradicionais. Contudo, os interesses desse conjunto de pessoas têm mudado constantemente, pois parecem procurar variabilidade. Elas se focalizam nas informações da mídia e nas divulgações referentes aos programas de perdas calóricas, além de associações relativas à moda corporal, beleza estática e posicionamento social. A vasta divulgação de que se podem alcançar perdas calóricas importantes por intermédio das execuções de gestos técnicos de Artes Marciais e Modalidades de Esporte de Combate têm incentivado a procura de aulas respectivas nas academias convencionais. Professores de ginástica e instituições voltadas para aulas nessas academias de vanguarda programaram atividades que se aproveitam dos fundamentos técnicos das Lutas, imitando-os e mesclaram com movimentos dinâmicos. Esses arranjos motores são formatados de modo coreográfico, assim se parecendo ou lembrando, em alguns casos, com as rotinas de formatos simétricos e estruturados das Artes Marciaischamados de kata, no Judô e no Karatê, poomse, no Tae kwon do, e kati, no Wushu. As repetições são exaustivas e calculam-se perdas calóricas da ordem de 700 a 800 kcal/h (2.900 KJ a 3.350 KJ). Esses números são elevados e trazem euforia aos frequentadores, pois auxilia na aquisição de cumprimento aos padrões estéticos e de comportamento social, em geral baseados em ingestão de alimentos com quantidade calórica bem acima do necessário para a sobrevivência e tentativa de eliminação contínua dos excessos absorvidos. Empresas especializadas criaram lições de Lutas acompanhadas de exercícios aeróbios, com extraordinária perda calórica. O fator adicional que tem atraído muitos participantes foi o de haver condição suplementar de que não há absolutamente qualquer contato corporal. As práticas são feitas em grupos de características bem semelhantes e a participação de mulheres é abundantemente percebida. Nas academias convencionais, o ensino de Lutas destaca modalidades como o aeroboxe; que alia vários tipos de socos, esquivas e deslocamentos corporais típicos das Lutas de Boxe, e o Muay Thai aeróbio com joelhadas, cotoveladas e chutes efetuados no ar, tais como os realizados na própria Luta como se tivessem enfrentando um adversário imaginário. Bodycombat e Bodyattack, as quais são marcas registradas da body systems – Les Mills (Nova Zelândia) –, apresentam misturas de gestos técnicos das Lutas, como: chutes elevados, esquivas e murros. Também há o Kickboxing, outra modalidade muito utilizada nas academias convencionais, sendo a combinação ágil de cuteladas, socos e pontapés, enfim, uma mistura de Karatê com Boxe. Igualmente, um novo estilo vem se destacando: as aulas de Luta funcional. Algumas modalidades foram criadas a partir de movimentos relacionados com operacionalidade cotidiana e movimentos de Lutas, aparecendo com o nome de Muay Thai funcional e Boxe funcional, compondo circuitos aeróbios com elásticos, bastões, levantamento de pesos e movimentos clássicos dessas Modalidades de Esporte de Combate. É inegável que perdas calóricas tão proeminentes, obtidas pelas aulas de Lutas nessas academias convencionais, satisfazem vários quesitos relacionados à saúde, atingindo parâmetros médicos 105 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 6/ 04 /1 8 LUTAS: ASPECTOS PEDAGÓGICOS E APROFUNDAMENTOS importantes, como: combate ao sedentarismo, emagrecimento, auxílio no controle de regulação de pressão arterial, redução glicêmica, bem-estar e redução de tensões e estresse profissional. Essas aulas de Lutas em academias convencionais são tão intensas que promovem grandes modificações corporais, tais como: tonificação dos músculos e aumento da autonomia motora. Além disso, decorrem resultados estéticos fartamente esperados, pois além do emagrecimento e da redução de massa gordurosa, a ativação sanguínea é bastante intensa e tão bem generalizada que parece adicionalmente trazer maior elasticidade ao tecido tegumentar. Como promotora de aspectos importantes na obtenção de bem-estar e aquisição de elementos que favorecem manutenção ou melhoria da saúde, as Lutas conquistam presença cada vez mais abrangente no Esporte Participativo, e ultimamente sua atuação têm amparado de modo inclusivo pessoas mais idosas a fim de recuperar autonomia e funcionalidade. Adiante vamos explorar essas características aplicadas no universo dos seniores. 5.4 Idosos e as Lutas As consequências do avanço cronológico constituem uma verdade absoluta para todos os seres humanos. A população idosa vem aumentando e carece de cuidados atentos relativos ao processo de envelhecimento. Sabe-se que tal etapa traz a necessidade de adaptação frente às condições que vão se estabelecendo, em acordo com as etapas de perdas biológicas e comprometimento físico, motor, psicológico e, mais tarde, igualmente, cognitivo. As principais perdas biológicas em direção ao envelhecimento são relacionadas aos danos fisiológicos, à maior lentidão nas regulações metabólicas e à redução nas atividades do sistema imunológico. Prejuízos ao sistema ósseo, com redução no processo de captação de minerais essenciais para a boa composição óssea, ocorrem e são comuns, principalmente em indivíduos que não praticam atividade física de impacto muscular adequado e têm ingestão insuficiente de nutrientes eficazes. Os avanços etários, associados à falta de atividade física, provocam, por conseguinte, perda de conteúdo contrátil muscular e prejudicam os ajustes das articulações. Assim, acontece redução na formação de glicoproteínas necessárias para o apropriado funcionamento das articulações sinoviais, regiões importantíssimas à mobilidade, aos deslocamentos e à autonomia motriz. Essas articulações são localizadas especialmente nos tornozelos, nos joelhos, nos punhos, nos acetábulos da região pélvica e na cintura escapular. Elas vão perdendo sua principal característica: a flexibilidade. Por sua vez, os músculos vão perdendo a capacidade de mover, resistir e potencializar forças cotidianas, inclusive a própria tonicidade para manutenção funcional anatômica e autonomia motriz generalizada. A musculatura vai ficando com menos elasticidade e reduzindo a capacidade para mobilizar as fibras necessárias à contração muscular solicitada. Essas perdas se agregam às reduções na transmissão de impulsos nervosos às unidades motoras. Consequentemente, há considerável diminuição nas capacidades de cumprimento de significantes tarefas motoras. 106 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 6/ 04 /1 8 Unidade II A perda de força é um dos motivos para causar problemas de quedas, que são desastrosas aos idosos, pois provocam fraturas facilmente e demandam certa imobilidade para a sua recuperação. Idosos – mais ainda – precisam de movimento para estimular suas funções metabólicas, capacidades fisiológicas e imunológicas. As tarefas motoras mais prejudicadas no processo de envelhecimento são as perdas no equilíbrio, o detrimento da posição postural, a alteração no padrão de caminhada e o mais marcante, que é o aumento do tempo de reação. As quedas, as limitações de mobilidade e de reações musculares apropriadas, a redução da produtividade física e mental, o sedentarismo e os problemas de saúde são consequências eminentes desses detrimentos. O tempo de reação comprometido fica afetado acentuadamente nas demandas na recuperação do equilíbrio, nas respostas motoras que auxiliam as realizações corporais mais críticas, como os desvios corporais e na utilização de implementos, ferramentas, objetos de uso cotidiano e outros dispositivos móveis. O tempo de reação mais elevado provoca dificuldades de movimentação no padrão de caminhada, pois retarda a coordenação dos membros inferiores e a colocação encaixada dos pés no solo. Woollacott e Shumway-Cook (1990) assinalam que múltiplos fatores neurais e biomecânicos funcionam conjuntamente para se atingir a formalização de uma tarefa motora, conseguindo participação importante, consistindo em sinergias das respostas musculares, isto é, o controle postural e a atuação coordenada dos sistemas visual, vestibular e somatossensorial, produzindo o controle espacial. Esses autores ainda complementam mencionando a importância dos sistemas de adaptação da ação motora, a sustentação da tônica muscular (posição), a magnitude articular, ou seja, suas restrições e a capacidade máxima de atuação (flexibilidade) e, por fim, a morfologia do indivíduo, como seu peso, altura, massa muscular, formação e individualidades herdadas para alcançar trabalhos motrizes eficientes. Como se tem percebido, idosos sofrem para manter e recuperar esses atributos tão significativos para sua saúde e autonomia. As características mais abrangentes das Lutas implicam o processo de produção de controle tônico e o desenvolvimento das capacidades coordenativas, fortalecem o sistema muscular, provocam o uso complexo do sistema articular, desafiama quebra do equilíbrio e a sua busca constante, invocam a obrigação nas reações de escolha e a necessidade de reagir rapidamente contra um desafio motor. Os exercícios específicos para Lutas, Artes Marciais e Modalidades de Esporte de Combate alcançam todas as benesses protagonizadas pela atividade física responsável, como: aumento da capacidade musculoarticular, cardiorrespiratória, cardiocirculatória, irrigação neural e favorecimento do aumento na velocidade das transmissões nervosas. Nota-se uma procura e participação cada vez mais compreensiva de idosos nas atividades relacionadas com Lutas. Essa população percebe que tal prática vai ao encontro das necessidades de se alcançarem melhores condições para lidar com os processos de envelhecimento, pois ao praticarem Lutas adquirem mais força, recuperam capacidade de evitar a perda de equilíbrio, melhoram o caminhar e sentem mais disposição, com maior liberdade operacional e autonomia. 107 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 6/ 04 /1 8 LUTAS: ASPECTOS PEDAGÓGICOS E APROFUNDAMENTOS Desde que a prática das Lutas seja apropriadamente adaptada às limitações características do público com idade bem avançada, muitas de suas peculiaridades afloram e parecem elevar o juízo de que Lutas são essencialmente benéficas e contundentes no processo de manutenção e melhoria da qualidade de vida. Além do fortalecimento muscular e da ativação da circulação sanguínea, elas causam desafios motores específicos para tomada de decisão e recuperação do equilíbrio, exercícios que contribuem para evitar, prevenir e saber realizar quedas. Algumas modalidades das Artes Marciais e de Esporte de Combate têm como gestos técnicos fazer projeções, lançamentos e arremessos corporais ao solo, e por esse motivo associaram outro fundamento técnico importantíssimo para seu aprendizado e bom desenvolvimento da prática: o domínio das quedas, ou, como se prefere chamar, as quedas controladas. Como já vimos, o controle das quedas proporciona a propriedade de resguardar os órgãos vitais. Para que as quedas controladas sejam apropriadas por quem as efetua, devem ser realizadas com comando absoluto sobre o posicionamento das articulações e movimentação, permitindo fluidez aos movimentos fazendo com que seu realizador se mantenha integral. Assim, evitam-se lesões e desconfortos articulares, fraturas ósseas, estiramentos musculares, luxações etc. A queda controlada é tão repetidamente treinada e aprimorada nessas Lutas que acaba por fazer parte do cotidiano do praticante, que a incorpora como ações de tempo de reação imediato e preciso. Em caso de perda total de equilíbrio, em vez de se contrapor às forças do movimento e ação da gravidade que o levem a exigir demasiadamente ossos e articulações, o executante deixa o corpo interatuar com o solo, isola o impacto excessivo e recupera seu equilíbrio ou evita contratempos físicos. Modalidades como Judô e Aikido, de maneira explícita, treinam o controle de quedas frequentemente e as ações são efetuadas de modo harmonioso, com resultados que demonstram grande poder de domínio corporal, dando ao executante um grau elevado de confiança motora. Essas práticas preconizam e cobram que se devem realizar quedas corretas. Incute-se a ideia da compreensão da queda, do uso da inteligência corporal para se integrar ao movimento e da necessidade da promoção do autogoverno físico e motor. De modo óbvio, a prática apropriada das quedas promove o fortalecimento muscular e possibilita desenvoltura na capacidade de tempo de reação. Os idosos parecem absorver bem os ensinamentos de movimentação articular necessários nessas modalidades de Artes Marciais e, em geral, nota-se a redução de fraturas em anciãos que as executam. Saiba mais Para mais esclarecimentos a respeito dos subsídios importantes relacionados à matéria recém-abordada, leia a seguinte reportagem: ALVES FILHO, M. Judô e Aikido ajudam a evitar quedas de idosos. Jornal da Unicamp, Campinas, p. 8, 13-19 out. 2014. Disponível em: . Acesso em: 21 mar. 2018. 108 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 6/ 04 /1 8 Unidade II Figura 65 – Quedas realizadas por idosos no Aikido A recuperação do equilíbrio dinâmico é também uma das maiores manifestações para se efetuar o controle das quedas, sendo primordial aos idosos. Como já vimos, Judô e Aikido proporcionam o intercâmbio entre as quedas e a sua realização benéfica, segura e eficaz, cujos resultados harmoniosos e suaves apresentam grande fluidez motriz. Obviamente, praticar quedas controladas traz ganhos de força e aumenta a resistência muscular, qualidades tais que possibilitam também se evitarem a perda do equilíbrio e suas consequências. Recobrar o equilíbrio é um fator importante aos idosos, pois a perda de controle corporal e da postura implica posicionamento inadequado e que suscetibiliza ainda mais as quedas. Qualquer atividade física bem adaptada, programada e preparada para idosos traz benefícios, porém destacamos as Lutas, que contribuem diretamente com o bem-estar físico desse público-alvo e, portanto, faz-se necessário apresentar algumas características inerentes ao tema que provem da prática do Karatê e do Tai chi chuan. O Karatê tem sido muito bem-aceito entre os idosos, pois evoca a prática de movimentos que exigem grande concentração e deslocamentos dinâmicos. Os seniores progridem com bastante facilidade na prática dos exercícios de rotinas sem contato direto ou sem a confrontação. Essa prática, chamada de kata, como já descrito, exige memorização de sequências de movimentos, execução precisa e com certa potência motora, exigindo atuação coordenada, rítmica e harmônica. Os deslocamentos são realizados para várias direções e aumentam a percepção espacial. Enfim, o Karatê se demonstra muito apropriado e efetivo ao idoso. Uma modalidade de arte marcial que se destaca também com enorme aceitação no meio dos idosos é o Tai chi chuan. É praticado em parques, praças, quadras, com grande liberdade de espaço, não necessitando quaisquer condições especiais para sua realização. Universidades americanas, como a Harvard Medical School (2009), indicam o Tai chi chuan como uma das melhores modalidades esportivas para a manutenção e recuperação da saúde de idosos. 109 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 6/ 04 /1 8 LUTAS: ASPECTOS PEDAGÓGICOS E APROFUNDAMENTOS Essa arte marcial chinesa, baseada em preceitos taoistas, convenciona exercícios corporais fundamentados em movimentos de defesas e ataques de animais, usando as articulações humanas com elevada precisão motriz. O Tai chi chuan espera que se produza a bravura interior e a habilidade exterior. Os movimentos do Tai chi chuan seguem linhas circulares e esféricas e são realizados de modo suave, sem choques. A ideia é partir de um ponto específico de abertura motora e corporal e retornar ao mesmo ponto inicial, por meio de agilidade gentil, mas sequencialmente justa e verdadeira, assim se vence a precipitação pelo lento. A modalidade apresenta outra característica muito apreciada: o baixo impacto na recuperação do movimento: toma-se a exercitação da musculatura por meio do próprio peso e se ultrapassam as resistências físicas, isto é, vence-se a dureza pela suavidade, ao mesmo tempo em que se constrói o fortalecimento pela simplicidade. Por fim, os movimentos se encadeiam com a respiração e observa-se a atenção e focalização corporal em relação ao ambiente e ao alcance do corpo. Igualmente se vence a agitação pela quietude, constrói-se firmemente a serenidade e o aumento da concentração. A figura a seguir mostra a prática do Tai chi chuan. Figura 66 – Idosos praticando Tai chi chuan em parque na China Pode-se notar que o idoso tem escolhido as Artes Marciais para a promoção de sua saúde, pois as Lutastrazem condições essenciais e ganhos físicos imprescindíveis para o bem-estar físico, a autonomia motora, a independência funcional e por extensão o próprio conforto cotidiano. O idoso que pratica Lutas se sente mais confiante e produtivo. Além disso, os anciãos são praticantes assíduos e conquistam resultados em períodos bastante efetivos. As práticas de Lutas são basicamente realizadas em grupos, com atuações em equipes, por meio de ensaios coletivos e sensação de responsabilidade na sincronia de movimentos, em simulações e até mesmo competições demonstrativas, como nos casos do Tai chi chuan e do Karatê. Entretanto, também se treinam em duplas, ocasionando grande interatividade afetiva motora, como no Aikido e no Judô, 110 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 6/ 04 /1 8 Unidade II pois necessitam de experimentação corporal intensa e trocas de ações mútuas protagonizadas de modo similar. Um participante vai aplicar o golpe e o outro recebê-lo, absorvê-lo e resolvê-lo e depois se alternam as ações motoras. Há incitação cognitiva e adaptativa. O idoso vai construindo relação de respeito, desvendando seus potencias e, ainda, percebendo limitações que podem ser superadas. Cada qual auxilia no desempenho do outro e se consolida maior abrangência interativa. Os seniores vão se fazendo importantes um ao outro, retomando e desenvolvendo mais inclinações de tomada de decisão, afirmando-se perante desafios e aumentando sua autoestima. Nos dias de práticas, ampliam-se e se criam círculos de amizades, observa-se satisfação em estar presente e sentir-se parte de uma maior conexão humana. Aumentam-se as ações solidárias e o acréscimo da ativação social. Além disso, estabelece-se percepção de acolhimento coletivo. Outro aspecto curioso e que produz efeitos benéficos aos idosos é a proximidade com praticantes de faixas etárias bem diferentes, pois em várias academias e grupos as aulas são realizadas com variedade de praticantes. Desse modo, disseminam-se conceitos jovens, com ideias executivas e opiniões mais experientes, proporcionando vasta prosperidade nas aceitações e na compreensão das diferenças de pensamento e de preferências sociais. Muitas vezes percebe-se que esse envolvimento traz maior entrosamento de conceitos às constantes mudanças humanas. Por exemplo, enquanto os mais velhos são mais conservadores e desejosos de certa permanência dos acontecimentos, jovens sempre vêm com ideários cada vez mais experimentais e baseados na tecnologia virtual. Essa miscigenação de opostos também faz parte do universo das Lutas. Pergunta-se então: o que é Lutar se não é estar em lados opostos na busca pelos mesmos objetivos? 5.5 As Lutas virtuais O mundo dos jovens tem se pautado pelo incessante contato com a virtualidade, e as Lutas têm adentrado com muita energia na conquista cada vez mais abrangente de adeptos dos jogos chamados de video games. Antes dos video games jogados pelos meios computadorizados, havia os fliperamas, máquinas montadas com dispositivos eletrônicos que disponibilizam apenas um dos chamados telejogos. Eram muito apreciados pelos jovens, especialmente no meio estudantil adolescente e universitário, porque ofereciam atratividade por intermédio de dinamismo manipulativo, sons peculiares e desafios. É de domínio do público, admirador de video games, que em 1976 foi lançado o que é até hoje considerado como o primeiro jogo de Lutas em fliperama, chamado de Heavyweight Champ, o qual exigia do protagonista vestir luvas de Boxe que possuíam controles internos. Os video games de Lutas começam a despontar no fim da década de 1970, ainda com controles e movimentos simples: o Warrior, assim designado o video game no qual dois cavaleiros se enfrentavam em duelos, foi o primeiro representante da classe nesse mundo virtual. O desenvolvimento da arte virtual é impressionante, com emprego de técnicas cada vez mais interativas e impressão inventiva; proporciona encantamento e leva grande quantidade de jovens a jogarem video games. 111 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 6/ 04 /1 8 LUTAS: ASPECTOS PEDAGÓGICOS E APROFUNDAMENTOS As principais características dos jogos virtuais de Lutas é possuir disputas ferrenhas, combate muito hostil e regras com bastante liberdade de ação e efetivação dos gestos virtuais que levem à vitória. O uso de implementos e armas consideradas pesadas como foices, machados, clavas, alfanjes, espadas (as mais variadas), cimitarras, cutelos, tacapes etc., que visam causar danos excessivos e essencialmente eliminar seu oponente imaginário, é muito comum em várias das versões de jogos virtuais de Lutas. Os jogos apresentam espantosa violência virtual, com ações explícitas de dilacerações corporais, cortes profundos, deliberados jorros de sangue e clara demonstração de que o objetivo principal é a destruição e supressão definitiva do concorrente, com ações agudas e grandíssima brutalidade. Eles implicam pensamentos únicos de Lutas para o extermínio de seu contrário. O fim procurado é sempre extinguir, acabar ou aniquilar. Quase unanimemente nos jogos virtuais não há regras que permitam a sobrevivência do adversário. Imaginariamente, você mata ou morre. Essa condição particular de arte visual que evoca a violência não é atual, provém desde as publicações das histórias em quadrinhos e fazia muito sucesso. Os quadrinhos regiam batalhas épicas, que arrebatavam crianças em idade infantojuvenil, principalmente na década de 1950. A violência era explícita, o direcionamento estava condicionado em não necessariamente o herói sair vencedor, os vilões muitas das vezes trucidavam os contendores que Lutavam a favor da lei e da ordem. Observação Lutas virtuais são realizadas de maneira a levar o indivíduo a combater por meios unicamente ilusórios, sem absolutamente contato físico. Um psiquiatra alemão, Fredric Wertham (2004), extremamente conservador, lançou um livro nos Estados Unidos chamado Sedução dos Inocentes, editado em 1954, criticando veementemente as histórias em quadrinhos. No livro, ele atribuía a formação e o aumento dos delitos, da delinquência juvenil e dos crimes à violência explícita demonstrada pelas histórias em quadrinhos, o que causou alvoroço tamanho, que fez com que as editoras, por força da opinião pública e recomendação do Senado americano, resolvessem adotar por si próprias, certas censuras. Essas editoras de quadrinhos decidiram que deveria haver algumas restrições na impressão e divulgação de imagens violentas e também que as histórias poderiam ter disputas entre criminosos e defensores da lei, desde que os últimos sempre prevalecessem sobre os delinquentes. As descrições de Wertham (2004) foram extensivamente contestadas; muitos outros estudos provaram que as relações entre violência dos quadrinhos e delinquência juvenil não eram absolutas. Ao longo do tempo, criaram-se maiores liberdades de expressão e as Lutas violentas voltaram aos quadrinhos, mas com recomendação e classificação etária correspondente, auditada pelos próprios editores. Muitas histórias, personagens violentos, agressivos, super-heróis, prélios e submundos trazidos dos quadrinhos foram retratados e muitas vezes aproveitados pelo cinema, bem como na produção de filmes para video games. 112 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 6/ 04 /1 8 Unidade II Desde então se questiona constantemente sobre a influência dos meios de comunicação e da arte escrita, desenhada, talhada, expositiva, pintada, filmada e televisada ao transmitir cenas, histórias, narrações, pinturas, filmes, vídeos, crônicas, novelas etc., os quais contenham conteúdo com exposições de atos violentos, tais como: matanças, agressões e abusos corporais provocados pela demonstração de ações de opressão, batalhas, guerras e combates. Muitos artistas dizem que retratar a agressividade humana e a violência ajuda a expor seus conceitose amplia o debate sobre esses assuntos. Nesse ponto, chama-se atenção para apresentarmos dois conceitos que parecem se associar comumente, mas possuem distintos significados, que devem ficar claros no universo das Lutas, sejam virtuais, sejam reais: violência e agressividade. O termo violência compactua com o fato de se ultrapassar os limites da ética e dignidade humana. Atos violentos se traduzem por circunstâncias nas quais as decisões de atingir alguém corporalmente é a de agir com intenção deliberada para causar dano profundo, prejuízo e até acarretar a retirada de vida. A violência é uma agressão associada à bestialidade, exercida com ferocidade, aos níveis mais degradantes de crueldade e desumanidade. Violência é barbárie patrocinada pelo emprego de ações irracionais e levada apenas por desejos instintivos e irrefletidos, sem coerência que pondere a preservação da vida e do respeito ao outro, seja em qual situação for. Vê-se que a intolerância religiosa, os extremismos nas relações socioeconômicas, o terror resoluto, o autoritarismo de quaisquer ideologias e as imposições políticas têm gerado episódios nefastos de violência na história humana. Infelizmente grupos representantes dessas atividades dizem estar Lutando pelos seus ideais, mas se esquecem de que a violência empregada transpõe o respeito e direito dos outros, ultraja opiniões e afeta a possibilidade da ética de livre-arbítrio. Várias confrontações foram travadas baseando-se nessas instâncias e resultaram em perdas incomensuráveis. Na violência, a agressão se configura pelo incompreensível. As regras, impostas pelo totalitarismo de dogmas exclusivos, são exercidas para favorecer apenas um dos lados do confronto. Existe o poderoso e o sem direitos, aquele que deve obedecer sem contestações e aceitar impassível a opressão de suas ideais. Existe o receptor de benesses e o espoliado. A Luta não existe nesse caso, pois a truculência supera o debate, a hostilidade faz parte da ação e atrocidades são inventadas com justificativas incongruentes. Então, para diferenciar com nitidez agressividade de violência, vai-se expor o conceito de agressividade nas Lutas de modo bem direto. Ser agressivo no universo das Lutas é ser aguerrido, determinado e combativo, mas não arrogante e tampouco inimigo de seu oponente. Ser agressivo é Lutar dentro das regras pela conquista de seus objetivos. Lutar é persuadir com insistência, resolução e principalmente com respeito aos semelhantes e à natureza. Fica registrado um forte exemplo de Luta com conceito explícito de agressividade protagonizado por Mohandas Gandhi, líder político que representou a Índia, extensa nação então dominada pelo colonialismo britânico, dispersa em uma gama enorme de distintos sectários religiosos, com diferentes culturas e costumes. Esse líder conseguiu unir esforços para conquistar a independência indiana, evitando derramamento de sangue substancialmente. Gandhi empreendeu uma agressividade incomum nas relações políticas, sua Luta mostrava uma determinação inquebrável nas negociações para obtenção da liberdade dessa nação. Seus lemas de atuação eram: persistência e paciência, porém sem deixar de 113 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 6/ 04 /1 8 LUTAS: ASPECTOS PEDAGÓGICOS E APROFUNDAMENTOS buscar seus objetivos mais elevados e de consenso; Lutar para ele deveria levar ao ganho mútuo, sempre. No caso específico, Gandhi tinha certeza de que tanto Índia como Grã-Bretanha sairiam bem-sucedidas, cada qual Lutando pelos seus objetivos e encontrando o denominador comum que permitiria a ambas consagrarem a vitória. Gandhi, usando agressivamente os conceitos de propriedade e de pertencimento do território, desmontou argumentos que proviam das injunções naturais dos dominadores ingleses. Também impediu guerras internas entre grupos religiosos usando a mesma estratégia de ser sempre agressivo, Lutando por meio da inteligência. Cada vez que havia levantes e desordem entre essas coligações religiosas, ele usava agressivamente a tática de fazê-los entender que a intolerância religiosa era procedimento mesquinho e que traria a ruína da libertação. Ele era muito respeitado por ser um líder e político atuante e que Lutava com vigor pelos direitos dos indianos há muito tempo e que tinha obtido ganhos consideráveis em seus pleitos. Além disso, colocou-se como condutor da Luta pela independência e pela unidade e paz da Índia. Havia, no entanto, confrontos entre muçulmanos, hindus e cristãos. Gandhi, então, anunciava e cumpria fielmente seu papel com uma ação bem agressiva, mas deveras significativa: jejuava, e dizia que enquanto as partes não se entendessem e cessassem os desacordos e a violência, continuaria com o jejum, o que inevitavelmente o levaria à morte. Essas coligações religiosas compreenderam que ficariam sem unidade representativa e potente frente aos interesses da nação para sua libertação e acabavam com as guerras interiores. Uma atuação possante e agressiva, mostrando que a Luta é resolução baseada na ética essencial humana, e jamais na exterminação. Fica mais fácil de compreender que ser agressivo em Lutas não significa prejudicar, causar agravos, ofensas, exterminar seu oponente, mas, dentro da regra, obter sucesso pelo respeito, proatividade e perseverança, considerando que seu adversário também está lhe proporcionando a possibilidade de desempenhar melhor suas funções corporais, cognitivas e emocionais e o desafiando a aflorar todo o seu potencial de combate. Seu oponente é a força contrária que o impele para o desenvolvimento e sucesso. Ser agressivo é buscar a vitória, dar valor e perceber que para isso teve de ser melhor que o adversário. Ao fim, é satisfatório atestar que seu opositor, por sua vez, vai poder continuar proporcionando sempre mais desafios e oportunidades. Desafios e oportunidades são qualidades constantes obtidas pelas práticas das Lutas e nos video games podem e devem ser também aproveitadas. Como se tem salientado até aqui, a maioria dos jogos de Lutas possui evidentes cenas de violência explícita. Assim como no cinema e em outras artes, eles são regulamentados por faixas etárias para oferecer conteúdo adequado à compreensão psíquica infantojuvenil e adulta. Lembrete Agressividade é ação intensa na busca por objetivos, por meio do uso estrito das regras e de acordo com o respeito à ética essencial humana. Jogos virtuais de Lutas violentas, como: The Bilestoad, Karate Champ, Street Fighter, Mortal Kombat, Virtua Fighter e Tekken são bastante populares. Os problemas no mundo infantojuvenil em relação aos video games de combate parecem se apresentar pelo descaso dos pais em apropriar as aquisições dos 114 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 6/ 04 /1 8 Unidade II jogos à faixa etária recomendada, à falta de controle sobre acesso dos filhos pela internet e ao uso dos jogos virtuais de Lutas por tempos exagerados. Jogos virtuais de ação, em que se protagonizam atitudes criminosas, inconsequentes e descabidas, como GTA e outros de guerras como League of Legends e World of Warcraft, não estão sendo aqui discutidos, pois não são objetos de estudo relacionados com nossas considerações sobre Lutas, Artes Marciais atuais e Modalidades de Esportes de Combate. Antes de tudo, deixa-se claro que se deve orientar para a consideração acerca da faixa etária recomendada, os pais deveriam estar bem atentos e não permitir que crianças abaixo da faixa etária indicada pudessem ter acesso a esses jogos virtuais de Lutas. As crianças não têm ainda formação psicológica para associar corretamente os acontecimentos dos video games de Lutas, nos quais ocorrem barbaridades que promovem o aniquilamento virtual para compreender essas ações. Crianças, em fase pré-operacional, aprendem pelo faz de conta e pela imaginação e essas Lutas trazem personagens que se utilizam de técnicas violentas, elas não conseguirão se apropriarde elementos formativos positivos, possibilitando que façam gestos e tenham caracteres iguais aos dos personagens contra irmãos e amigos, sem saber o que podem estar realizando com danos irreparáveis a outrem. A criança em fase especializada, a partir dos 7 anos aproximadamente, aprende por imitação e reproduz tudo o que lhes é demonstrado. Existem casos de indivíduos nessa faixa etária investindo violentamente por meios de gestos observados nos video games contra colegas na escola e até mesmo contra os pais. Ela corre o risco de dessensibilização, isto é, não consegue discernir sobre a aflição de outrem. Pode haver um envolvimento tão natural com o espetáculo da violência e sua excitabilidade que a criança fica acostumada a proporcionar sofrimento ao seu opoente, transpondo essa condição para sua vida real. Pode haver o risco de que ela tenha empatia, mas não sinta problemas em fazer alguém sofrer. O acesso aos jogos de Lutas virtuais pela internet é relativamente fácil. Pais que não se preocupam em limitar esse ingresso acabam por permitir que seus filhos recebam dados e informações perigosas e muitas vezes criminosas. Também podem acessar jogos virtuais de Lutas com conteúdo não apropriado ao seu entendimento cognitivo e psicossocial. Por fim, o uso exagerado dos jogos eletrônicos virtuais de Lutas, mesmo que dentro da faixa etária estabelecida, pode acarretar na absorção do usuário e provocar isolamento social. Estudos efetuados em 2011 pela University School of Medicine, em Washington, nos Estados Unidos, mostram que adultos jovens que permaneceram jogando video games de Lutas violentas por um período de uma semana, todos os dias, tiveram alterações negativas no córtex frontal do cérebro. Eles apresentaram mais reações de hostilidade diante de contrariedades e, em confronto com situações que exigiam serem francos e corretos, tendiam para enganação, falsidades e mentiras. Os jogos virtuais de Lutas são capazes de trazer a sensação de potencialidade, de imponência, de ser invencível, que se pode fazer o que se quiser, pois não impetram sensações corporais como nas Lutas reais. Em caso de ter sido derrotado no jogo, simplesmente se despreza o momento e o jogo reinicia. Na verdade, não se tem a total noção de confronto, o embate é unicamente virtual. 115 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 6/ 04 /1 8 LUTAS: ASPECTOS PEDAGÓGICOS E APROFUNDAMENTOS Reportagem descrita por Toppo (2015) mostra que as influências dos jogos de Lutas violentos são reportadas em diversos estudos e parecem trazer indícios de que eles, se não bem dirigidos e controlados pelos pais, poderiam causar alguns distúrbios, em especial se jogados por períodos exacerbados e sem restrição de tempo. Igualmente esse mesmo autor apresenta dados interessantes de que os jogos de Lutas, quando aproveitados adequadamente, executados dentro da faixa etária respectiva e com limitação em sua prática, tendem a ser positivos ao reforçar a diferença entre a realidade e as condições virtuais. Assim como a televisão, cinema e outras artes, os jogos de Lutas violentos podem acarretar problemas e incentivar práticas antissociais, servindo como instrutores para adolescentes e crianças ainda em formação, como lembram Gentile e Gentile (2008). Deve-se debater e salientar que o jogo pode ser reiniciado, mas a vida humana, quando destruída, não tem substituição. Soluções tão fáceis como as encontradas nos botões de reinício dos controles não são fatos exatos da vida real. As discussões acerca dos referidos jogos vão continuar, e é importante assinalar que também afloram vantagens e benefícios em suas práticas controladas e bem dirigidas. Tais jogos parecem trazer alguns incentivos relacionados à promoção de desenvolvimento de atividades manipulativas de coordenação motora fina, treinamento da lógica virtual e conduta restrita às regras do jogo, maior interação tecnológica e aumento da concentração. A prática de Lutas nos video games pode ser uma ferramenta importante no Esporte Participativo. Deve-se aproveitar do envolvimento e atratividade que as Lutas associadas aos video games exercem nos jovens e salientar que o mundo virtual é um mundo fantasioso, distante das sensações legítimas. O lugar real das Lutas é o ambiente da percepção física, das conexões do corpo com a mente, das decisões cognitivas e da melhor escolha motriz, que priorizam conquistas corporais, mas que, sem sombra de dúvidas, pactuam incontestavelmente com a vida. O profissional de Educação Física pode se aproveitar dessa tecnologia e dos jogos de Lutas para instigar os debates acerca de Lutas, sobre violência no esporte, agressividade e discutir as Lutas virtuais em confronto com a realidade. O Esporte Participativo pela prática de Lutas virtuais pode ser incentivado nas inter-relações humanas. Pergunta-se: ações virtuais podem ser transportadas diretamente às relações humanas? Como se podem estimular o exercício de movimentos de Lutas e compará-los com a manipulação de controles eletrônicos? Quais são as implicações de ser violento e ser agressivo? Pelo Esporte Participativo, as Lutas podem mostrar que no mundo real, por meio de seu exercício efetivo, aceitam-se gestos de toques e agarres corporais vivos e verdadeiros, válidos como objetos de experimentação sadia, como promotores de sensações que provocam caminhos de autorrealização, aceitação do contrário, do entretenimento, da recreação e do lazer. Podem as crianças brincar alegremente de Lutas com sabres de luz ou espadas feitas com papel, e assim estarem imitando os duelos exibidos nos filmes da série Star Wars? Afinal, reafirmando a menção de Oscar Wilde (WILDE, 1891, p. 20) sobre a vida e arte: “A vida imita a arte muito mais que a arte imita a vida”. Até clubes de Lutas de sabres já foram montados com o objetivo de estudarem as coreografias dos filmes, verificarem sua eficácia, aprimorarem as coreografias e fazerem diversão. 116 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 6/ 04 /1 8 Unidade II Saiba mais Para um aprofundamento maior em relação ao tema jogos eletrônicos e virtuais, sugere-se a leitura do artigo: CAVALLI, F. S.; TREVISOL, M. T. C.; VENDRAME, T. Influência dos jogos eletrônicos e virtuais no comportamento social dos adolescentes. Psicologia Argumento, Curitiba, v. 31, n. 72, nov. 2017. Disponível em: . Acesso em: 21 mar. 2018. 6 LUTAS E RECREAÇÃO Divertir está diretamente coligado ao termo entreter e sabe-se que espetáculos competitivos e filmes de Lutas são muito apreciados de maneira bastante generalizada na humanidade. Na história, há vários exemplos de jogos de Lutas: esportivos, celebrações e outras manifestações culturais de cada povo que são direcionadas à recreação. Lembramos dos Jogos de Lutas dos faraós no Egito Antigo, os quais mandavam treinar soldados e escravos para sua apreciação. Os Jogos Píticos, Ístmicos e Nemeus, que precederam os Jogos Olímpicos gregos, tinham as disputas de Lutas com grande presença de público e atraíam muita gente aos anfiteatros. Os Jogos Romanos, em especial os que ocorriam nos circus e coliseus, tinham como ápice as Lutas sangrentas e bárbaras entre gladiadores e também homens e feras, ao mesmo tempo em que se distribuíam pães aos espectadores, o que gerou a notável descrição do artifício dos imperadores em divertir pela política do “pão e circo”. Ainda hoje existem vários países que proporcionam espetáculos de Lutas entre humanos e animais, de apresentação muito discutida e criticada, mas que possuem uma audiência extraordinária, como as touradas. O Boxe tem grande aceitação e participação pública desde muito tempo e continua sendo muito contemplado, em especial nos Estados Unidos e no leste europeu. O MMA tem conquistado um público admirável e se tornou um show profissional de entretenimento, com divulgação pela mídiatelevisiva e interativa. Os campeonatos mundiais de diversas Modalidades de Esportes de Combate são muito bem organizados e os ingressos costumam terminar rapidamente. Judô e Jiu-Jitsu são modalidades que levam grandes públicos aos ginásios esportivos. Tem-se também organizados campeonatos mundiais de Modalidades de Esporte de Combate e Artes Marciais competitivas com público bastante dilatado. 117 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 6/ 04 /1 8 LUTAS: ASPECTOS PEDAGÓGICOS E APROFUNDAMENTOS Os filmes de Lutas são constantemente produzidos e acompanhados por fãs e também por curiosos, trazendo bilheterias bem volumosas aos produtores. Percebe-se que as histórias, as práticas, as competições e os duelos inesquecíveis são retratados com frequência e o público tem seguido e prestigiado fielmente suas aparições. Enfim, são objetos de entretenimento que discutem relacionamentos e formação humana, demonstram contos que expõem preceitos das Lutas, Modalidades de Esporte de Combate e Artes Marciais. Adicionalmente ocasionam divertimento e fazem refletir, pois mostram que as Lutas são componentes inerentes da sociedade e podem trazer benefícios ao reforçarem conceitos de ética, respeitabilidade, esforço e mérito. O Boxe particularmente parece ter uma quantidade de filmes muito extensa, os quais retratam, em geral, biografias de Lutadores famosos, as práticas e os esforços físicos e treinamentos exaustivos pelos quais passavam esses atletas e os associam à vitalidade, à coragem e à superação. Filmes como Rocky – um Lutador, Menina de Ouro, Ali – A Luta pela Esperança, Touro Indomável e Hurricane são recomendáveis para compreender um pouco as características que moldam o cotidiano de Lutadores e suas aspirações. As Artes Marciais também se destacam como excelente ferramenta de entretenimento, que pode ser aproveitada como instrumento de divulgação, comparação e prática. Elas atingiram grande penetração popular com os filmes protagonizados por Bruce Lee, o criador do Jeet Kune Do. Podem- se indicar: Savate – o Lutador Invencível; Wing Chun, uma Luta Milenar; O Grande Dragão Branco, O Guerreiro Sagrado, e até mesmo o infantil Kung Fu Panda, com excelentes tomadas, filosofias e exercícios do Wushu. Saiba mais Como sugestão de filme relacionado à matéria apresentada, recomendados: A GRANDE vitória. Dir. Stefano Capuzzi Lapietra, 2014. 88 minutos. As Lutas têm se expandido em ramos cada vez mais variados e com grande aceitação popular. Existem modalidades específicas de Lutas inventadas por aficionados que são bastante peculiares e parecem despertar curiosidades e entusiasmar um público ávido por novidades e desafios. Essas modalidades atraem momentaneamente praticantes das mais variadas faixas etárias, e servem como ações que incentivam as práticas de Lutas. A seguir citamos algumas delas e apresentamos suas respectivas figuras: 118 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 6/ 04 /1 8 Unidade II , Figura 67 – Sumô com roupas infladas disputado pelos fuzileiros navais americanos A competição de braço de ferro na areia ou também chamada de queda de braço na praia está se tornando bem mais visível e tem especial atrativo entre crianças e adolescentes em férias. Trata-se de uma atividade divertida, que provoca um intercâmbio corpóreo e aproxima bastante o público jovem. Além disso, desperta-se a interação corporal e se convida ao Esporte Participativo, desse modo levando a trocas de experiências motoras, medição de desempenhos, provocação de reflexões sobre condição de força, resistência e posicionamento anatômico e de como se portar na presença dos desafiantes. As alegorias dessas disputas se traduzem pelo entusiasmo e pela curiosidade participadora. Essa Luta possui regras muito simples e contenda muito desafiadora, promovendo aproximações sociais e trazendo adeptos para as práticas saudáveis. Figura 68 – Luta de queda de braço na areia 119 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 6/ 04 /1 8 LUTAS: ASPECTOS PEDAGÓGICOS E APROFUNDAMENTOS Talvez a Capoeira recreativa seja uma das Lutas mais divulgadas de modo participativo ao redor de praças, parques, praias, mercados, corredores de pedestres, gramados etc. Seus simpatizantes e admiradores compartilham alegremente de exercícios, e mesmo iniciantes, cuja curiosidade supera a timidez, tomam parte descontraidamente nas rodas formadas. Observa-se que grupos de adeptos também se reúnem informalmente nesses lugares públicos e praticam saltos, pinotes, rodopios e piruetas ao longo de parques e praças públicas. Figura 69 – Capoeira recreativa Nos mais diversos lugares do mundo se apresentam várias atividades de Lutas recreativas. Lutas coreografadas com espadas de madeira e demonstrativas de Wushu, como representadas nas figuras a seguir: Figura 70 – Luta de espadas coreografadas – Parque Yoyogi, Tóquio 120 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 6/ 04 /1 8 Unidade II Figura 71 – Tai chi chuan recreativo em parques europeus Outra modalidade que tem atraído jovens para as práticas participativas de Lutas e desenvolvimento de qualidades mentais, corporais e psicossociais chama-se Boxadrez ou Boxe-xadrez. O confronto ocorre pela disputa combinada da Luta de Boxe agregada com partidas do jogo de xadrez. O esporte, enfim, mescla disputas totalizando cinco rounds de Boxe, intercalados com seis rodadas de partidas de xadrez: um desafio duplo que tem levado muita gente a assistir e participar dessa modalidade. Na realidade, já existe até seu campeonato mundial. Toda rodada de xadrez tem duração de 1,5 minuto para cada combatente – o total soma 6 tempos, cuja integralidade não pode ultrapassar a marca de 9 minutos por participante, totalizando 18 minutos de partida de xadrez. Por sua vez, cada rodada de Boxe tem 3 minutos, totalizando 15 minutos. Inicia-se com a partida de xadrez e, ao término de 3 minutos de jogo, os Lutadores se dirigem ao ringue anexo da mesa de xadrez; após colocarem as luvas, iniciam o combate do primeiro round, e assim sucessivamente. Ganha o Lutador que conseguir primeiramente o xeque- mate no xadrez ou o nocaute no Boxe. Caso não ocorra nenhum deles, aquele que na última rodada de xadrez perder o tempo total reservado para seus movimentos será o perdedor. 121 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 6/ 04 /1 8 LUTAS: ASPECTOS PEDAGÓGICOS E APROFUNDAMENTOS Figura 72 – Boxadrez As praias são locais com grande atratividade para as participações livres. Além disso, nas Lutas de agarre, a areia funciona como um bom amortecedor para as quedas. O Wrestling e o Sumô de praia são bastante divulgados e praticados. Lutadores de Sumô são de compleição avantajada e chamam muito a atenção, por isso têm participado de demonstrações da Luta em praias e tomado a curiosidade dos litorâneos e turistas; a participação é grande e o entretenimento interativo também. 122 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 6/ 04 /1 8 Unidade II Figura 73 – Wrestling na areia 6.1 Lutas na recuperação de dependentes químicos Constata-se na atualidade dos noticiários da mídia em geral a oferta fácil e abundante de drogas no meio social. Por esse motivo, a experimentação, o consumo e a dependência química são frequentemente anunciados como participantes ininterruptos na vida social, ao mesmo tempo em que se verificam muitos dissabores para um grande número de pessoas. A relação: drogas x coletividade x governo tem sido bastante difícil e cheia de contratempos, experimentos e equívocos, ambiguidades e interesses políticos, religiosos e econômicos dos mais diversos. No entanto, sem se conseguir consenso e resultados efetivos. A disseminação das drogas é muito ampla e atinge as mais diversas camadas sociais e etárias. Efeitos nefastos têm ocorrido sistematicamente.A sociedade tem Lutado para determinar qual o melhor caminho que se pode trilhar para se antecipar e preparar seus jovens para evitar tragédias causadas pelo uso de drogas e a consequente dependência química. Os debates são contraditórios e as argumentações têm encontrado defensores a favor e contra o uso e a liberação. Entretanto, o que se sabe com certeza é que de modo impreterível vão ocasionar vício e dependência, com resultados, indubitavelmente, perturbadores. A dependência química tem se traduzido em um fator diretamente ameaçador à vida, têm desmantelado famílias, destruído sonhos, causado efeitos devastadores na saúde de jovens e, inevitavelmente, reduzido perspectivas de existência. Por sua vez, pesquisas científicas têm mostrado que determinadas drogas, e algumas de suas substâncias consideradas viciantes, ministradas sob controle médico absoluto em pacientes com doenças graves e ou enfermidades terminais, têm colaborado para dar suporte contra dores profundas e consequente melhor qualidade de vida. Discorreremos agora de modo conciso sobre os perigos oferecidos pela falta de prevenção e de preparativos contra a perpetração das drogas e confrontaremos com a participação em treinamentos e práticas de Esportes de Combate. Será que Artes Marciais e Modalidades de Esporte de Combate 123 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 6/ 04 /1 8 LUTAS: ASPECTOS PEDAGÓGICOS E APROFUNDAMENTOS podem servir como alicerces para preparar os jovens a enfrentarem as ofertas de prazeres relativos proporcionados pelas drogas e dar perspectivas de sucesso à passagem e ao alcance do mundo adulto? Dentre todos os indivíduos suscetíveis ao uso de drogas químicas, o intuito agora é se concentrar mais prontamente nas condições relativas aos pré-púberes e adolescentes por serem faixas etárias bastante suscetíveis às experimentações e serem públicos mais inconsequentes, também predispostos às aventuras desmedidas, à paixão pelo perigo e aos excessos impulsivos. Sentem-se imbatíveis, inatingíveis e propensos a buscarem aceitação e segurança em grupos de amigos, que podem ser fator de incitamento para procedimentos imprudentes. Esse público jovem recebe ainda influências da mídia fantasiosa, cujas aparições propagandistas se baseiam em sonhos e irrealidades muitas vezes distantes. A juventude nesse processo entre a passagem da infância para a vida adulta questiona e se defronta com as restrições de novos comportamentos e o aumento de responsabilidades sociais. Diversas vezes na infância não foram bem direcionados, pois tinham e podiam fazer de tudo, devido à permissividade, distanciamento e ausência de responsabilidade dos pais. Essa confrontação com novas realidades leva à depressão e a dificuldades em aceitar condutas coletivas, o que pode ser agente de favorecimento às tentações de felicidade fácil e imediata, além de fuga da realidade. A carência de orientação familiar, isolamento, imposição de grupos de amigos e mesmo familiares próximos, como irmãos mais velhos e primos é conjunto que provoca maior suscetibilidade ao encantamento das oferendas de substâncias prodigiosas que possam ser fáceis precursores de alegria instantânea. Observação Dependência química é a sujeição compulsiva de um indivíduo por substâncias naturais ou sintéticas que aprisionam pelo seu uso e pela necessidade de angariar seus efeitos correspondentes que levem à fuga da realidade. Um dos problemas mais graves que podem levar os jovens às drogas, segundo a psicóloga Dra. Marisa Graziela Morais, do setor de psiquiatria química da Escola Paulista de Medicina, em seu relato à revista Anônimos, volume 9, publicado em abril de 2009, é a constatação de que muitos pais são distantes devido a jornadas duplas de trabalho e por isso dedicam pouca atenção familiar, acabam querendo dar o melhor a seus filhos por meio da permissividade excessiva, presentes de consumo imediato e fútil, tornando-os adolescentes com todos os direitos e nenhuma responsabilidade e, consequentemente frágeis diante do sofrimento e aos limites impostos pela sociedade. Assim, começam a surgir mais conflitos internos e a insegurança natural da passagem da vida infantil para a adulta toma proporções catastróficas, com indivíduos arredios a regras de boa convivência, e com maiores dificuldades para enfrentar seu futuro e tomar decisões escolares e profissionais. Continua ainda a psicóloga Dra. Marisa no mesmo relato a reforçar que esse comportamento dos pais transforma os infantojuvenis em seres negligentes, folgados e apáticos e facilmente distantes da realidade do convívio social, da produtividade e de serem capazes de assumir seus encargos. 124 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 6/ 04 /1 8 Unidade II Não se pode desenhar um campo de guerra entre pais e adolescentes. Os jovens precisam ser mais escutados e os pais devem se prevenir, acompanhando principalmente o andamento da vida escolar e social dos filhos; devem ser abertos ao diálogo, proporcionando e oferecendo boas práticas sociais, por meio de exemplos e atitudes positivas. Ademais, os adolescentes devem ser cobrados a participar de responsabilidades executivas na casa, nos afazeres familiares, cuidar de mais velhos ou mais novos, acompanhar as despesas da casa, entender os processos de responsabilidade diante das cobranças sociais, ajudarem nas economias, por exemplo, evitando desperdícios, cuidando dos bons usos do patrimônio e ajudando a reciclar materiais. Os jovens necessitam ser acostumados a responder primeiro às obrigações, aprender sobre dar prioridade às interações familiares e serem cobrados para agirem com atitudes compatíveis a fim de atingir objetivos elevados na escola, nos procedimentos sociais e na família. A prática esportiva tem sido aliada no universo infantojuvenil como aparelho fundamental na formação e inclusão social. Por extensão, o esporte de combate é um dispositivo esportivo essencial na formação do indivíduo, pois o contato corporal e os constantes desafios de tomada de decisão proporcionam a valorização motriz e a construção de raciocínio lógico e inteligência intra e interpessoal. Na academia se treina para a vida. Ao praticar uma modalidade das Artes Marciais e de Esporte de Combate, os jovens começam a sentir satisfação nos movimentos, nas descobertas corporais, nas dificuldades e nos achados para interagir com vários adversários mais experientes. Desde a insegurança de não saber como agir e reagir, de ser quase que insistentemente trazidos às submissões da modalidade cometidas pelos companheiros mais adiantados de treinos, e assim passar por privações, acabam percebendo que não são invencíveis, não são os todo-poderosos e que devem ser humildes, aprender e agir dentro das normas. Adolescentes e crianças em faixa etária escolar, ao participarem de tais práticas, compreendem que não podem deixar de conter a impulsividade, senão poderão ser dominados, pela própria falta de experiência e pelo uso inadequado de seus recursos físicos, emocionais e mentais. Adicionalmente a essas dificuldades, os infantojuvenis passam por certa amargura momentânea, cuja influência é a de simplesmente invocar sentimentos de superação e os fazerem procurar noções para resolução de problemas, estratégias de ação, aperfeiçoamento físico, controle emocional e inteligência reativa. Por algum tempo, o desgosto de perceber limitações os faz pensar como suportar certas situações para poder resolvê-las quando estiverem mais bem preparados. Vai-se moldando um caráter mais forte, todavia igualmente reflexivo e ao mesmo tempo proativo. Vai-se formando um buscador de soluções determinado, pois o jovem é impelido pela própria prática interativa a procurar mais possibilidades de sucesso, por meio da tenacidade e sempre dentro dos limites das normas e respeito. Assim, não existe fuga de responsabilidades quando se desejam conquistas. A prática de Lutas abreespaço para a construção de indivíduos mais fortes, mais acostumados a lidar com as pressões do combate, formando estruturas cognitivas capazes de compreender que com os próprios recursos reais e potenciais possíveis, com habilidade, e não com força, podem-se atingir objetivos e ultrapassar barreiras. 125 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 6/ 04 /1 8 LUTAS: ASPECTOS PEDAGÓGICOS E APROFUNDAMENTOS Nas Artes Marciais e Modalidades de Esporte de Combate, há diversão, envolvimento e prazer, pois o jovem depende de seus recursos para enfrentar os desafios que lhe são impostos. Percebe- se que crianças e adolescentes começam a sentirem-se mais autônomos e ao mesmo tempo mais pertos de si próprios; o questionamento corporal é provocado, as ações a serem realizadas passam do aperfeiçoamento do gesto técnico às diversificações nas tomadas de decisão. As práticas iniciais, instantaneamente, pulsam dúvidas, mas oferecem oportunidades, as quais serão aproveitadas pelos próprios Lutadores. Para fazer parte de uma academia, clube ou instituição que ensina modalidades de Lutas, existem certas formalidades a serem seguidas, convenções referentes a horário, pontualidade, saudações aos superiores e adversários. Cobra-se bom comportamento, estilo concernente à retidão e atitudes positivas dentro e fora da academia. O grupo tem por objetivo manter um local adequado para a satisfação de todos, para o engrandecimento físico, psicossocial e mental. Até a limpeza da academia se torna responsabilidade de todos e eles se sentem participantes e dignos de terem cumprido com seus deveres para poderem ter a satisfação da prática e da interatividade contínua e saudável. Assim, essas modalidades se inserem com propriedade para serem atividades conceptivas a fim de fomentar consciência social e maior visão e perceptividade das condições que se buscam para o aprimoramento das relações humanas. Praticar Lutas e Artes Marciais forma pessoas voltadas para viver afetuosamente, enfrentar seus dilemas com altivez e serem parceiros solidários ao mundo que os rodeia. Preparam os jovens para fazerem a diferença, preservarem as equidades humanas e intervirem de modo progressivo e sempre a favor da justiça social. Portanto, o enfrentamento da expansibilidade da dependência química se faz com prevenção e atuação agregadora e participativa na formação estrutural da juventude. Por meio de práticas das referidas modalidades, o jovem vai ser aprontado e bem-disposto a construir sua felicidade baseada em preceitos e valores virtuosos e íntegros, sem necessidade de escapar de suas responsabilidades na construção de uma sociedade mais justa e humana. Considerando essas qualidades, é importante que se estabeleçam mais oportunidades de atuação das Lutas como Esporte Participativo no ambiente formativo infantojuvenil. Sugere-se maior participação em feiras de profissões, mercados expositivos educacionais, manifestações de políticas públicas de atuação, promoção de atividades universitárias de extensão comunitária, grupos de estudo acadêmico- científicos, maior acesso às comunidades social e economicamente carentes e nas manifestações de lazer da população. Exemplo de aplicação Pesquise e dê exemplos de como atuam Organizações de Sociedade Civil de Interesse Público para a promoção das Lutas como Esporte Participativo e prevenção no uso de drogas. 126 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 6/ 04 /1 8 Unidade II Resumo Esporte Participativo significa dar oportunidades de expansão de todo o patrimônio inerente do esporte para a promoção do desenvolvimento pessoal, por meio de práticas bem orientadas que fomentem a relevância da cultura corporal. A riqueza dos repertórios motores, dos desafios impostos para a reflexão mental e do fortalecimento psicossocial fazem das Artes Marciais, das Modalidades de Esporte de Combate e das Lutas em geral instrumentos excepcionalmente importantes, que se pactuam aos objetivos do Esporte Participativo. A Defesa Pessoal é muito procurada por adultos com o intuito de servir para conhecimento relativo às atitudes de prevenção e realização de ações que visem sempre à convivência saudável. Do mesmo modo, verifica-se a participação de mais instituições de força policial na procura de treinamentos específicos de Artes Marciais para aprimorar condutas de ação pública, a fim da manutenção da ordem e da preservação da vida. Por meio da participação nas práticas de Modalidades de Esporte de Combate, Lutas e Artes Marciais promovem-se subsídios importantes para a saúde física, mental e emocional. Essas atividades conseguem tonificação e potência muscular, além de promover a circulação cardiorrespiratória e cardiovascular. Também ampliam a criação e o desenvolvimento de gestos técnicos que afetam de modo positivo o raciocínio e essencialmente acarretam influências mútuas de ação e reação. Além disso, a prática auxilia na formação da inteligência emocional, pois se exige saber usar momentos de impetuosidade com outros de contenção e controle emocional. Treinamentos de Lutas decretam o fortalecimento muscular específico para formalizar habilidades imprescindíveis à sua prática e chamam a atenção para determinadas ações motoras muito trabalhadas, como as quedas e a manutenção eficaz do equilíbrio. A capacidade de manter o equilíbrio e as propriedades motrizes para se evitar as quedas são seguramente necessárias aos idosos, cujas tarefas motoras vão perdendo qualidade de execução. Ao praticarem quedas, como preconizadas no Judô e no Aikido, eles aprendem a cair e a evitar fraturas. Ao se empenharem nas práticas de Karatê e Tai chi chuan, busca-se o equilíbrio e assim os idosos recuperam a força muscular, a noção espacial e reduzem o tempo de reação, aumentando sua independência funcional e autonomia. 127 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 6/ 04 /1 8 LUTAS: ASPECTOS PEDAGÓGICOS E APROFUNDAMENTOS O entretenimento está diretamente associado às Lutas virtuais; elas podem vir a incentivar, se bem controladas dentro de parâmetros indicados por especialistas, jovens a participarem nas práticas reais de Lutas, Artes Marciais e Modalidades Esportivas de Combate. Um debate que se pode fazer referência é a confrontação entre o fazer virtual e a realidade das Lutas experimentadas fisicamente. Salienta-se também a diferença encontrada nos termos violência e agressividade inerentes ao mundo das Lutas. Ser violento é agir de modo premeditado e por meio de objeto emocional, ser agressivo é poder apresentar atitudes que manifestem intenções e determinações em busca de objetivos, eminentemente dentro das regras de convivência. O cinema e outras artes também costumam trazer e representar as Lutas no contexto humano, de modo que aparecem elementos importantes para historiar, divulgar, promover estudos e favorecer a prática de modo participativo na sociedade. O interesse sobre Lutas é tamanho que se originam exercícios diversos, com práticas recreativas e desafiadoras, como: boxadrez, queda de braço e Sumô nas praias. Essas modalidades são importantes atividades de confronto corporal que se disseminam facilmente e atraem muitos participantes, espelhando o interesse das pessoas nas práticas agonísticas divertidas, além de permitir a difusão de suas propriedades para o desenvolvimento coletivo e a formação de uma cultura corporal. As qualidades das Lutas, quando bem direcionadas por profissionais com gabarito apropriado e responsabilidades sociais atestadas, podem ser usadas como fator de prevenção para se evitar que encantos prejudiciais possam tomar conta dos sonhos da juventude. A prática de Lutas, Artes Marciais e Modalidades de Esporte de Combate são mecanismos especiais do Esporte Participativo para a formação de cidadãos com forte determinação contra a fuga da realidade e que sabem lidar apropriadamente com as pressões“Mesmo com condições climáticas desfavoráveis, o piloto lutou para dominar o avião e conseguiu fazer uma aterrissagem segura, salvando todos os tripulantes”. O termo Luta assume a realidade de ser usado como jornada, trabalho, conquista, determinação e atitude. Luta está intimamente ligada ao conceito de alcançar um objetivo, planejado e consciente e ao mesmo tempo, firmemente, conservar a preservação da ética humana essencial, ou seja, minha trajetória na busca desse objetivo, minha decisão e minha conduta têm de ser benéfica para mim, útil ao meu 12 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 6/ 04 /1 8 Unidade I oponente direto e proveitosa para a sociedade. Relembrando Aristóteles, descrito por Guthrie (1998), faz-se uma livre associação da definição de Luta compreendendo a utilização do conceito de ethos: caráter moral e identidade de preservação universal da vida, do logos: racionalidade na validade dedutiva e do pathos: emotividade humana como caminho participativo, e não somente como condicionamento. Observação De modo generalizado, todas as ações humanas que envolvem e exigem disputas de contrários – corporais ou não – são Lutas. 1.1.2 Artes Marciais na Antiguidade O emprego corporal na história humana é bastante efetivo, pois nos primórdios da humanidade restava apenas o próprio corpo como dispositivo para práticas e enfrentamento de ameaças à sobrevivência. Devido à evolução humana, à concepção das estruturações sociais, à formação de grupos e ao aparecimento de ferramentas e armas como pedras lascadas, lanças e dos recursos de cordoaria, o ser humano conseguiu se estabelecer com solidez e provar sua eficiência frente aos grandes inimigos e predadores. A prática de afrontar inimigos e ameaças imputaram a necessidade de se organizar os grupos de ações e sistematizar as ações de combate, assim chamadas de guerras. Surgiu então a estratégia de uso dos armamentos e jeitos de se combater. Consequentemente os humanos se estabeleceram e geraram-se exércitos e armadas bastante eficientes e apareceu a metodologia para se guerrear, ou seja, a Arte Marcial. Figura 1 – Pintura rupestre pré-histórica. Homens com armas: caça e guerra Vai-se reforçar e se apresentar a definição de arte marcial em duas etapas bem distintas: a primeira parte desde AEC, que se inicia no conhecimento histórico dos primeiros arranjos das civilizações que visavam as necessidades que se faziam presentes para sobrevivência social, até quase meados do século XIX. Essa indicação continua a partir do fim dessa época para os dias atuais. 13 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 6/ 04 /1 8 LUTAS: ASPECTOS PEDAGÓGICOS E APROFUNDAMENTOS Como já se mencionou, as Artes Marciais eram ações coordenadas para serem usadas na guerra, ou seja, metodologias específicas para organizar, empreender e participar de atividades de combate territorial, corporal e plenamente armamentista, por meio de esquadrões que representavam interesse político, ideais religiosos e econômicos de estados e soberanos. Em geral, os governos e seus executivos procuravam expandir seus domínios para poder prover condições de manutenção de seu poder, liderança, perpetuação monárquica e também oferecer condições de sustentação de seus reinos. Outros objetivos como a cobiça mandatória, a escravatura, o enriquecimento dos monarcas e a defesa da pátria eram motivos bastante usados para se guerrear e organizar movimentos militares. O mais antigo documento histórico já angariado sobre prélios humanos é a “Estela de Abutres”, bloco monolítico de pedra, que se encontra no museu do Louvre em Paris, cujas inscrições retratam a primeira guerra registrada, por volta de 2.525 AEC, no qual constam detalhes de planejamento e disputas ferrenhas. Essa peleja aconteceu na província de Lagash, antiga região da Suméria, que, segundo as inscrições lidas sobre a rocha, travava guerras contra a cidade de Umma, por captação de água e para aquisição de terras cultiváveis (COOPER, 1983; MELLA, 2004). Observação Estela é sinônimo de rocha esculpida. A figura a seguir mostra uma parte da escultura achada, a qual descreve também o tratado de paz acordado depois da vitória do rei Eannatum de Lagash sobre a cidade de Umma. Figura 2 – Estela de abutres: bloco monolítico de pedra retratando a guerra e o acordo entre as cidades de Lagash e Umma. Museu do Louvre, Paris 14 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 6/ 04 /1 8 Unidade I Muito conhecido e divulgado na atualidade, pode-se ressaltar, para justificar o termo Arte Marcial, o livro A Arte da Guerra, de Sun Tzu, que foi um general chinês que viveu, segundo alguns documentos, nos idos de 500 AEC, junto ao rei Ho Lu, no reinado da era WU (CLAVELL, 1983). Naquela época, esse chefe militar, líder incontestável, deixou registros que davam diretrizes bastante seguras para selecionar e treinar soldados, planejar, deixando bem concebidas as atividades guerreiras e as marchas a serem efetuadas de acordo com as próprias vontades, necessidades estratégicas e disposições inimigas. Conforme assinala Sun Tzu, na paz era preciso se preparar para a guerra e, na guerra, preparar-se para a paz. Desse modo, os estudos bélicos ou a constituição da “Arte Marcial” eram fundamentais para o Estado, para o ser humano e, por fim, questão de vida ou de morte! (CLAVELL, 1983). Portanto, considerando-se essas circunstâncias, o designativo composto Arte Marcial se refere estritamente aos procedimentos aparelhados para se preparar legiões e formar exércitos a fim de combater em batalhas contra inimigos. Mais adiante, na sociedade ocidental, o vocábulo Arte Marcial se relaciona às atividades exercidas com os mesmos propósitos já delineados no parágrafo anterior, e com a mesma epistemologia, isto é, designação de artimanhas específicas para as estratégias bélicas. Contudo, o termo é ainda muito demarcado pela mitologia grega, já que essa crença dispunha especificamente de deuses da guerra – Atena, feminina e estratégica e Ares, masculino e impetuoso, reconhecido principalmente em Esparta. Outras culturas e religiões se manifestaram também cultuando deuses que representavam a incursão guerreira, por exemplo: as divindades Odin e Thor, da mitologia nórdica, o deus Ogum, da mitologia iorubá (vinda da África – dos países da República do Benim e da Nigéria). Do mesmo modo, a divindade Belona, juntamente com o deus Marte, responsáveis pela guerra e pelas armas, aparecem na mitologia romana, os quais surgiram como substitutos dos deuses Atena e Ares, respectivamente, por terem dado sequência natural da mescla de mitologias grega e romana. Do nome do deus Marte deriva o vocábulo Marcial. Portanto, o procedimento técnico e tático para o combate era condição natural e bem estabelecida na sociedade humana. Guerrear significava planejamento, logística, coordenação de movimentos da armada, operações de direcionamento de recursos financeiros, e táticas de posicionamento, ataque e defesa, isto é, estudos muito profundos, conhecimento do inimigo, de seu território, de seus costumes, geografia, número de soldados etc. Obviamente o termo arte tem relação com magnitude, excelência e intensidade, por essa condição o designativo composto Arte Marcial se consolidou, então, em tempos antigos como o sinônimo de a excelência para a guerra. 15 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 6/ 04 /1 8 LUTAS: ASPECTOS PEDAGÓGICOS E APROFUNDAMENTOS Figura 3 – Deus Ares, da mitologia Greco-romana: deus da guerra e das armas Embora bem ilustrado e se relacionando com a literalidade, o termo Arte Marcial foi acomodado por outras vertentes sociais e sofreu alterações substanciais em sua acepção e deve-se seguir adiante e explicitar a segunda etapa que altera seu significado relativo ao emprego atual, contribuindo para a melhor categorização do termo. Para isso, faz-sediárias na família, na escola, no campo profissional e político. Cidadãos que terão, intrinsecamente, incondicional relação com bem-estar próprio, a civilidade e o desenvolvimento da sociedade. Faz-se necessária a ampliação da participação das Artes Marciais além das fronteiras atuais existentes no Esporte Participativo. Para tal, existem oportunidades nas atividades de extensão acadêmico-universitárias e nas políticas públicas esportivas. 128 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 6/ 04 /1 8 Unidade II Exercícios Questão 1. Leia as afirmativas a seguir e a relação proposta entre elas. I – Assim como no cinema e em outras artes, os video games de Lutas não possuem regulamentação por faixas etárias Porque II – Todas as pessoas, independentemente de idade, já possuem compreensão psíquica para interpretar as evidentes cenas de violência nestes jogos virtuais. Assinale a alternativa correta. A) As duas afirmativas são proposições falsas. B) A primeira afirmativa é uma proposição verdadeira, e a segunda é uma proposição falsa. C) A primeira afirmativa é uma proposição falsa, e a segunda é uma proposição verdadeira. D) As duas afirmativas são proposições verdadeiras, mas a segunda não é uma justificativa correta da primeira. E) As duas afirmativas são proposições verdadeiras, e a segunda é uma justificativa correta da primeira. Resposta correta: alternativa A. Análise das afirmativas Justificativa: a primeira afirmativa é falsa, porque nos cinemas e nos video games as lutas possuem regulamentação por faixa etária. A segunda também é falsa, porque a compreensão psíquica do conteúdo é diferente para crianças, jovens e adultos. Questão 2. As lutas no contexto do Esporte Participativo possuem uma variedade de atuação tanto no campo recreacional, quanto no campo da saúde. De acordo com Tubino (2010), qual(is) afirmativa(s) a seguir não fazem parte do contexto do Esporte Participativo. I – Intenções de se buscar divertimento e interação social. II – Possui condições especiais como idade, gênero, condição social ou sem doenças. 129 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 6/ 04 /1 8 LUTAS: ASPECTOS PEDAGÓGICOS E APROFUNDAMENTOS III – Os equipamentos e locais que fazem parte do Esporte Participativo são inflexíveis, ocorrendo somente em ambientes fechados. Assinale a única alternativa correta. A) Somente a afirmativa I. B) Somente a afirmativa II. C) Somente a afirmativa III. D) As afirmativas I e II. E) As afirmativas II e III. Resolução desta questão na plataforma. 130 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 6/ 04 /1 8 Unidade III Unidade III 7 LUTAS NO ESPORTE DE RENDIMENTO Regularmente o ser humano busca sempre as melhores condições para se sentir bem. Desde a formação dos primeiros grupos humanos que ajudaram a enfrentar os problemas relacionados às condições de permanência dentre os habitantes deste mundo, impuseram-se caminhos de comportamento social que direcionaram a coletividade a estimular as melhores condições de preservar a vida e aprimorá-la. Naturalmente todos os indivíduos são biologicamente diferentes e cada qual tem os próprios comandos instintivos que os inclinam a ser mais proativo, mais bem organizado, ser igualmente cuidado, ao mesmo tempo participativo, mais impetuoso etc. Assim, criaram-se condições para se mostrarem diferenças pelas quais se podem aperfeiçoar quaisquer atividades humanas. Desse modo, surge espontaneamente a competição. A competição é uma condição de, ao se colocar normas, procurar-se provar que se pode ser melhor, superar desafios e efetivamente estabelecer diferenças. Na mitologia grega existia um representante previdente chamado Agon, que se incumbia de empenhar os seres humanos para buscarem e demonstrarem aperfeiçoamento em tudo o que se fazia ou se produzia, por intermédio de contestações permanentes. O desporto se apresenta como um aglomerado de atividades que direcionam disputas organizadas, sob regras bem definidas e apreciado por todas as civilizações, e sua culminância foi alcançada pelos históricos Jogos Olímpicos desde a Grécia Antiga. Os Jogos Olímpicos Gregos exigiam magnitude de seus participantes e as disputas eram extremamente árduas, com concorrentes cada vez mais bem preparados e, por isso, seus vencedores eram considerados semideuses e idolatrados pela população onde viviam. As Lutas eram parte integrante e importante dessas competições. O esporte desde então se estabelece como significado de competição instituída para se alcançar os mais elevados parâmetros de medidas comparativas de eficiência e eficácia entre adversários, nas mais diversas arenas esportivas em distintas modalidades. Consequentemente, chega-se ao Esporte de Rendimento, que se codifica como sendo atividade que exige os mais altos resultados de desempenho e índices de qualidade cada vez mais incontestáveis. O Esporte de Rendimento é aquele que aparelha o indivíduo para alcançar resultados de altíssimo nível nas competições esportivas, por intermédio da preparação técnica, física e psíquica. Ele extrai as habilidades máximas do atleta, cobrando a sua execução perfeita e o mais alto condicionamento corporal das capacidades motoras, bem como aflora a condição máxima de lidar com todas as pressões e dificuldades da competição. Seus resultados têm por objetivo superar quaisquer expectativas, sejam as próprias, sejam as proporcionadas por adversários. 131 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 6/ 04 /1 8 LUTAS: ASPECTOS PEDAGÓGICOS E APROFUNDAMENTOS Considerando essas descrições, é vital que o atleta tenha total apoio e subsídios de equipes específicas, cuja função é dar condições para a sua devida preparação a fim de suportar as agruras dos treinamentos e tantas competições tão intensas. Assim, profissionais de Educação Física na preparação física condicionante, fisiologistas, biomecânicos, nutricionistas, médicos, psicólogos e fisioterapeutas são indivíduos fundamentalmente requisitados pelo Esporte de Rendimento para a preparação competitiva apropriada. O Esporte de Rendimento é hoje uma atividade profissional muito divulgada e de ampla penetração, quase que unanimemente pelo mundo todo, nas mais diversas coletividades. Capacita muita gente na economia e se exprime como uma ocupação importante que alia sonhos e anseios com o envolvimento por interesses econômicos e políticos, seja de atletas, seus familiares, governantes, administradores e gente coligada diretamente às instituições esportivas. Além disso, ele espelha sociedades, promove divulgação turística, reforça atuação político-econômica, incentiva a prática desportiva e ainda é muito apreciado mundialmente. Como já apresentado, as Modalidades de Esporte de Combates se inseriram no meio do desporto, e as Lutas e Artes Marciais foram regulamentadas por regras, dirigidas por instituições privativas ou estatais nos contextos regionais, federais e internacionais. São muito admiradas pela sua plasticidade visual e pelo encantamento do poder alcançado pelo atleta Lutando com seu oponente. São praticadas e muita gente deseja ser atleta de Modalidades de Esporte de Combate por se identificar com a capacidade de realização corporal, tanto quanto pela provação do mito, do ser herói. Tais modalidades de alto rendimento esportivo participam de modo amplo e efetivo no consciente esportivo mundial, pois fazem parte de parcela relevante das competições olímpicas. Judô, Karatê, Luta Greco-romana, Wrestling, Boxe, Tae kwon do e Esgrima são disputadas nos Jogos Olímpicos. Apesar de se estar adicionando mais modalidades de aventura e consideradas mais jovens nos Jogos Olímpicos, aquelas de Esporte de Combate atraem públicos imensos e são acompanhadas pela mídia com muita atenção, pois distribuem uma quantidade de medalhas considerável para a colocação do País no quadro geral de vencedores.O MMA é uma competição que alicia presença maciça de admiradores nas competições com grande transmissão pela mídia televisiva. Os campeonatos mais importantes de Sumô, Muay Thai, Schwingen, Bayiridax Mongol, Kurashi, Sambo e Sanshou são muito populares e seduzem grandes audiências, mais regionais, é verdade, mas com uma participação que gera grandes volumes econômicos, distribuem empregos e ampliam mercados de trabalho, fomentam investimentos e geram oportunidades de negócios. As Modalidades de Esporte de Combate são disputas empolgantes, as quais levam o espectador a torcer com muito entusiasmo. Elas parecem atrair grandes plateias, primeiramente por causa de sua característica de ter ações inesperadas, e também porque as técnicas complexas são consideradas excepcionais e realizadas com maestria em condições muito difíceis de oposição dinâmica. Considera-se que o Esporte de Rendimento requisita muita dedicação e comprometimento do atleta, juntamente com o empenho de equipes multidisciplinares para se obterem resultados efetivos e de alto nível nas competições de Modalidades de Esporte de Combate. Portanto, faz-se importante discorrer sobre 132 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 6/ 04 /1 8 Unidade III a metodologia científica associada ao preparo do profissional de Educação Física. Consequentemente, tal profissional necessita poder fundamentar e construir bases sólidas de entendimento de como se deve atuar na preparação física de atletas de Modalidades de Esporte de Combate e ao mesmo tempo poder interatuar com os profissionais complementares da saúde que farão parte dos preparativos e planejamentos do treinamento junto à equipe multidisciplinar. 7.1 O estudo da Biomecânica nas Modalidades de Esporte de Combate A Biomecânica é uma ciência que estuda a atuação dos elementos anatômicos humanos para a concisa realização motriz, ou seja, como os sistemas corporais animados agem em determinado momento por meio da relação com os comandos sistematizados pelo Sistema Nervoso Central (SNC). Antes de partir-se para as aplicações dessa ciência, é importante colocar alguns fundamentos muito significantes para a compreensão dos dizeres biomecânicos. Veja-se então a descrição dos planos anatômicos humanos de referência: o sagital, o transversal e o frontal. O plano sagital representa a divisão corporal imaginária do indivíduo, resultando na formação de dois lados verticais: direito e esquerdo. Quando se idealiza a separação anatômica em duas superfícies, a superior e a inferior, implica a designação do plano transversal. Por fim, por meio do plano frontal, delineiam-se e se destacam duas faces corporais: anterior (frente) e posterior (detrás). Para cada plano, sempre estará conectado um eixo de união, e assim se estabelecem movimentos específicos que ajudam a compreender como funcionam os músculos e suas manifestações anatômicas, as quais auxiliam na compreensão dos gestos técnicos e permitem estudar e direcionar as melhores execuções motrizes. No plano sagital, a linha de união mecânica imaginária é conseguida pelo eixo laterolateral, por meio do qual se realizam os possíveis movimentos de flexão e extensão dos ombros, do cotovelo, do quadril, dos tornozelos, dos joelhos, dos punhos e da coluna vertebral. Considerando o plano frontal, o eixo que se idealiza de ligação mecânica é o anteroposterior e aí se podem admitir os movimentos de adução e abdução dos ombros, do quadril, dos cotovelos e dos joelhos (com pouca ampliação). Ainda nele, a coluna executa flexão lateral e os tornozelos realizam a inversão e a eversão. Por sua vez, no plano transversal, encontramos o acoplamento ilusório por meio do eixo longitudinal dando condições para que se calcule que os joelhos, o quadril, os ombros e a coluna efetuem rotações mediais e laterais, os tornozelos façam adução e abdução, os cotovelos realizem pronação e supinação, e, por fim, os ombros também executem adução e abdução horizontais. 133 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 6/ 04 /1 8 LUTAS: ASPECTOS PEDAGÓGICOS E APROFUNDAMENTOS O movimento de circundução formando uma linha cônica imaginária na qual combina flexão, extensão, abdução e adução pode ser feito com dedos, punhos, ombros e quadril. Essas designações são extremamente importantes para se entender e se orientar os estudos dos gestos técnicos das Modalidades de Esporte de Combate e nas respectivas programações de execução técnica mais apurada e que corresponda aos melhores resultados de desempenho, com economia de energia e eficiência mecânica. Lembrete Planos de referência biomecânica são planos de orientação para designar corretamente em quais direções são realizadas as ações mecânicas corporais. Observação Eixos anatômicos são linhas imaginárias que permitem reconhecer como as possíveis ações mecânicas musculoarticulares podem ser efetuadas. Veja a figura a seguir que representa os planos de referência anatômicos. Plano sagital Plano transversal Plano frontal Figura 74 – Planos de referência anatômicos 134 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 6/ 04 /1 8 Unidade III Partindo-se dos conhecimentos da Física, a Biomecânica se propõe a estudar e analisar o movimento humano. Verifica-se se há ou não movimentos, quais deslocamentos ocorreram a partir dos estímulos enviados pelo SNC e as forças que surgiram para a concretização das ações necessárias ou desejadas a fim de se alcançar respostas técnicas apropriadas. Lembra-se que os estudos das Modalidades de Esporte de Combate exigem a compreensão das tarefas motoras e dos gestos técnicos específicos, sua classificação correspondente ao princípio de domínio, seu contexto particular de regras, indumentária e a competitividade solicitada. Desde o aprendizado de gestos técnicos, depois nas simulações de combates e efetivamente nas competições, nas quais ocorrem as mais diversas oportunidades de se observar condições extraordinárias de combinações das tarefas motoras e estratégias, resolução de problemas instantâneos e capacidade de tomada de decisão, pode- se pesquisar sobre os movimentos corporais. Lembrete Gestos técnicos ou fundamentos são as habilidades motoras combinadas e específicas da modalidade. Tarefa motora é a associação de habilidades específicas da modalidade. A Biomecânica se utiliza das grandezas mecânicas para verificar como as ações das forças impostas na realização de gestos técnicos para a condução de tarefas motoras complexas acontecem sobre o funcionamento dos sistemas ósseos e musculoarticulares. As análises da estática indicam se um sistema está em movimento constante e as verificações obtidas da dinâmica invocam as ações em que se checa a aceleração do movimento. Além disso, usa-se a cinemática, área do conhecimento que serve para se delinear o movimento, conferindo também o padrão de execução e as velocidades dos segmentos corporais e a cinética, ciência que pesquisa sobre as forças que se agregam ao movimento. A primeira consideração que se faz é a de que a conjugação das tarefas motoras nas Modalidades de Esporte de Combate é realizada de modo multiplanar. Os segmentos corporais devem se posicionar para a manutenção do equilíbrio dinâmico e a mistura de sequências anatômicas a fim de se efetuar determinada ação, resultando em colocações de segmentos corporais em vários planos ao mesmo tempo. No entanto, o que se pode fazer para ajudar na busca da eficácia de um movimento de combate é desagregá-lo e estudá-lo separadamente do conjunto da obra. Por exemplo, sabe-se que alguns socos são formados por uma somatória articular multiplanar que ajunta as rotações do tornozelo, quadril, extensão da cintura escapular, do cotovelo e da rotação do punho. Contudo, podem-se decompor essas ações e pesquisar em qual delas se consegue melhorar a eficiência motriz, qual movimento pode ser corrigido e em qual linha de açãodeve ser executado. 135 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 6/ 04 /1 8 LUTAS: ASPECTOS PEDAGÓGICOS E APROFUNDAMENTOS 7.1.1 Os deslocamentos nas Modalidades de Esporte de Combate Todas as Modalidades de Esporte de Combate, de natureza aberta ou fechada, constituem deslocamentos e alterações espaciais dos segmentos corporais, isto é, ações de locomoção por força das necessidades de adaptar o equilíbrio na duração do tempo de confronto e para executar as ações necessárias para vencer o combate. As Lutas de agarre, por haver confronto muito próximo entre os Lutadores, como Judô, Wrestling, Jiu-Jitsu e Luta Greco-romana, apresentam características de deslocamentos muito distintos, com mudanças muito velozes. Desde o início das pegadas, quando existe a aproximação com passos mais lineares entre os combatentes e, em seguida, vai-se passando para marchas de ajustes laterais. Por fim, devido às estratégias de arremessos e projeções, os atletas, ao tentar impor seu domínio corporal, exercem movimentos que se alternam com formações parecidas com arcos, pois as tentativas de aplicação das forças de desequilíbrio e manutenção da própria estabilização parecem forçar arrastos semicirculares. Na Esgrima, duelo confrontado com armas, há restrição da área de Luta, pois se realiza o combate em uma passarela relativamente estreita. Por isso, os deslocamentos são mais alinhados de modo retilíneo, com locomoção no plano sagital e trocas constantes de sentido, sendo que os esgrimistas se movem para frente e para trás muito rapidamente. O Kendô, também disputado com armas, e pelas exigências das regras, impele os Lutadores a realizarem deslocamentos mais ordenados em linhas retas, com alguns poucos passos laterais durante a disputa. Lutas com princípio de domínio baseado nos toques são muito dinâmicas e exigem movimentação em várias direções, iniciando em geral por movimentos retilíneos de aproximação para efetuar os ataques e retrações defensivas de contra-ataques, como no Tae kwon do e no Karatê. Adicionalmente, há grande quantidade de movimentações circulares no Boxe e no Muay Thai devido às características de esquivas preconizadas pelos combatentes. O Tai chi chuan provoca movimentos corporais específicos que parecem sempre executar deslocamentos de formatos esféricos combinados entre membros inferiores e superiores. Os deslocamentos corporais exigem movimentos coordenados de modo sequencial e por meio de sinergia musculoarticular. Assim sendo, pesquisam-se os ângulos de ocorrência que provocam os melhores efeitos resultantes. Os ângulos formados entre segmentos corporais são chamados de relativos e aqueles que se referem entre o segmento corporal e o solo são chamados de absolutos. Pode-se verificar que na Capoeira move-se o corpo com muitas piruetas e rodopios para a aproximação e os afastamentos bastante ligeiros, acelera-se o movimento para acometer e refrear a execução de seus golpes, com muita variação angular nas investidas sobre o adversário. Necessita-se de grande competência motriz para se atacar, formam-se diversos ângulos relativos e absolutos entre os membros superiores, os inferiores e o tronco. Todos esses ângulos devem ser os mais precisos possíveis para facilitar os ataques, permitir as rápidas esquivas e possibilitar a manutenção do equilíbrio dinâmico. No Karatê, os movimentos dos socos, assim como no Boxe, no Muay Thai e no MMA, são estudados de tal maneira que se possa compreender qual é o melhor ângulo de execução para se atingir a máxima 136 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 6/ 04 /1 8 Unidade III potência resultante do golpe. Os ângulos absolutos entre os membros inferiores e o solo devem permitir que as rotações corporais articulares, envolvidas no movimento e sendo necessárias para a execução dos socos, sejam realizadas com a maior precisão e velocidade possíveis. Estratégias de combate podem exigir que se mantenham membros superiores mais estáticos, como nas Lutas de Judô, Wrestling, Jiu-Jitsu e Luta Greco-romana, sempre que se consegue estabelecer uma pegada que permita táticas de defesa e de ataques mais estáveis e de acordo com as características do Lutador. Combates de Boxe preconizados por profissionais imprimem ações dinâmicas tais que se aceleram e desaceleram os movimentos associados aos deslocamentos com a aplicação dos golpes, como os realizados pelo famoso Boxeador Muhammad Ali. Também se podem observar ataques sequenciais de socos em série e com grande agilidade e eficiência como os protagonizados por outros pugilistas, como o brasileiro Éder Jofre e os americanos Mike Tyson e Floyd Mayweather, de tal monta que o adversário precisaria ter grande capacidade de esquiva e absorção dos potentes golpes. Sugere-se que se observem os filmes recomendados a seguir e sejam analisadas as velocidades de aplicação dos golpes com os membros superiores e a relação com a movimentação dos membros inferiores. Saiba mais Para se analisar as velocidades de aplicação dos golpes com os membros superiores e a relação com a movimentação dos membros inferiores, assista: ÉDER JOFRE: o grande campeão. Dir. Beto Duarte, 2004. 80 minutos. No Sumô se pode verificar que os Lutadores se aproximam rapidamente, em geral, seguindo uma linha reta de enfrentamento e, a partir do momento em que efetuam a pegada, fazem rotações do corpo, rodando dinamicamente como se estivessem toureando junto com o adversário, a fim de evitarem serem arremessados e transportados para fora do ringue. Os chutes executados nos combates de Tae kwon do são extremamente velozes, certos Lutadores conseguem fazer sequências de chutes muito acelerados, mantendo a perna elevada durante a realização da série, provocando dificuldades de se sair do raio de ação desses golpes. Percebe-se que o estudo dos deslocamentos dos golpes e fundamentos técnicos, seus ângulos de atuação e suas velocidades de execução nas Modalidades de Esporte de Combate trazem subsídios extremamente relevantes para produzir ações táticas e determinar quais características de Luta se adequam aos Lutadores e às regras e, principalmente, para se buscar a vitória. 137 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 6/ 04 /1 8 LUTAS: ASPECTOS PEDAGÓGICOS E APROFUNDAMENTOS 7.1.2 Capacidades motoras condicionantes e suas consequências O estudo das características próprias de cada Modalidade de Esportes de Combate permite estabelecer quais parâmetros de força e outras capacidades motoras condicionantes serão necessárias para se preparar ao máximo o atleta a fim de se tentar alcançar o sucesso nas competições esportivas. Por essa razão vão-se apresentar as forças de atuação e as forças resultantes que são mais comumente examinadas de modo biomecânico nas Modalidades de Esportes de Combate. 7.1.2.1 Forças atuantes O fato indiscutível é que existem capacidades condicionantes importantíssimas para se atingir as melhores condições de realização de tarefas motoras, sejam elas abertas, sejam fechadas. Consideram- se capacidades motoras condicionantes: a força, a resistência, a flexibilidade e a velocidade. A força, de qualquer maneira, é a principal, pois é componente vivo e presente quando se procura ampliar as outras capacidades físicas. Considerando a mecânica física, a força é uma quantidade liberada de energia obtida pelo intercâmbio entre dois corpos. A manifestação da força pode ocorrer pela alteração do movimento de um dos corpos, por sua deformação ou de ambos, sempre que a força causada por um dos corpos se sobrepõe à capacidade do outro de suportar a energia recebida (ZATSIORSKY, 1999). Para os estudos biomecânicos desta publicação, vai-se ater somente às forças externas, isto é, forças formalizadas entre um Lutador e onde são elas exercidas. As forças maiores são obtidas genericamente pelo aumento do alargamento da área transversal da fibra muscular. Como a adiçãoda massa muscular implica ganho de peso corporal e a maioria das Lutas é disputada por divisões de pesos, é importante se trabalhar concomitantemente com ganhos de força neural, ou central, que se relacionam com os estímulos apropriados para recrutar mais unidades motoras e, em especial, os grandes motoneurônios, responsáveis por gerar maiores forças. Sua denominação é força de coordenação neuromuscular. Modalidades de Esporte de Combate clamam por forças específicas, tais como: a) Força de resistência, como as encontradas nas ações de pegadas, as quais necessitam serem mantidas por tempos consideráveis no Judô, Jiu-Jitsu, Wrestling, Luta Greco-romana, Kurashi, Luta Suíça, Glima etc. Elas são estáticas ou de manutenção de determinada posição ou ação ou ainda sinérgicas a movimentos que necessitam de grupo muscular demarcado, mantendo-se com estabilidade muscular relevante, e ações isométricas concêntricas lentas; b) Potência, que é a força atuante de ótima relação com a maior velocidade de execução. Trata-se do produto da força aplicada pela velocidade (P = F. V). Nas modalidades como Boxe, Muay Thai, Tae kwon do, Karatê de contato, Sanshou/Sanda e outras, com princípio de domínio do toque, em que o alvo precisa ser acertado com rapidez e força para gerar pontuação ou nocaute, o Lutador deve obrigatoriamente receber orientação para acréscimo da capacidade de potência. A potência em geral envolve forças dinâmicas com contração muscular bastante rápida; c) Força relativa, que e a construção da força em consideração ao peso corporal do Lutador, sendo importante nas Modalidades de Esporte de Combate, pois atletas que conseguem obter maiores forças relativas geralmente não passam por 138 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 6/ 04 /1 8 Unidade III privações a fim de controlar o seu peso para se enquadrar nas categorias de peso e Lutam em melhores condições; d) Força máxima, a qual designa a força absoluta do indivíduo, não considerando seu peso corporal. Serve para designar os treinamentos específicos para incremento da força. Treinos de força exercitam os músculos e devem ser apropriadamente prescritos aos Lutadores, pois segundo nos lembra Zatsiorsky (1999, p. 117), “treinos específicos de força não treinam o movimento”. Depois, tem-se que atentar para o fato de que as Modalidades de Esportes de Combate se utilizam de combinações de ações específicas que geram golpes com execução complexa. Salientamos aqui o conceito de graus de liberdade. Ele, sugerido por Bernstein (1967), indica que há uma regulação dos movimentos a serem efetuados de acordo com a coordenação motora articular e os segmentos articulares. O referido conceito (BERNSTEIN, 1967; KELSO, 1995) abrange a concepção de que as articulações afetam a ação muscular dos segmentos corporais pela própria limitação do alcance de atuação máxima possível e de acordo com as forças de resistência envolvidas no movimento. Assim, é notável que nas categorias de ação das Modalidades de Esporte de Combates se encontrem diversos graus de liberdade agindo, concomitantemente, na construção das mais distintas técnicas de combates. Várias forças são combinadas de modo sinérgico e sequencial. Saiba mais Para mais informações acerca da ciência por trás dos golpes, assista : SAM: SEGREDOS das artes marciais. Dir. John Brenkus, 2003. 100 minutos. Exemplo de aplicação Faça uma relação entre as principais forças atuantes que ocorrem nas Modalidades de Esporte de Combate com princípio de domínio de agarre, toque com e sem armas e varreduras. Um dos exemplos mais expressivos na utilização de diversos graus de liberdade com uso de uma combinação complexa de movimentos é quando um indivíduo realiza as movimentações com o nunchaku, bastões articulados japoneses de Defesa Pessoal, que exigem bastante sincronismo e concentração. Ademais, ao lidar com implementos de Defesa Pessoal, ressalta-se a participação efetiva de ritmo, velocidade de reação, esquema corporal, lateralidade, ambidesteridade, equilíbrio de energia e coordenação motora com alto nível de perícia. As forças envolvidas devem ser cuidadosamente dirigidas para que se obtenha a eficiência desejada. A ação motora que se sobressae nos gestos técnicos da execução dessa arma é a verificação das condições de movimentos multiarticulares e multiplanares. 139 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 6/ 04 /1 8 LUTAS: ASPECTOS PEDAGÓGICOS E APROFUNDAMENTOS Observe a figura do praticante de nunchaku a seguir: Figura 75 – Nunchaku multiplanar e multiarticular Os treinos de força devem ser conduzidos para se obter coordenação intermuscular, ou seja, o treinamento de força precisa ser realizado por meio de ações multiarticulares, comparadas aos movimentos executados nas disputas competitivas das Modalidades de Esporte de Combate. A velocidade é uma capacidade muscular condicionada pela execução muscular com a mais rápida e máxima celeridade, mantendo um mínimo de força tônica que permita suportar a ação e, ao mesmo tempo, alcançar o objetivo determinado no mais curto espaço de tempo possível. A velocidade é dada pelo espaço percorrido dividido pelo tempo de execução (da Física temos V = S/T, onde V = velocidade, S = distância percorrida e T = tempo). Modalidades de Esporte de Combate, com princípio de domínio do toque, que não exigem colocar o adversário em nocaute, como o Karatê olímpico, a Esgrima e o Kendô, parecem recrutar mais fibras musculares rápidas e o exercício da velocidade para se atingir sucesso em sua realização. Algumas demonstrações de kata, kati e poomse baseiam-se mais em velocidade efetiva que em potência. Deve-se salientar que o treinamento de velocidade deve considerar prioritariamente ganho de força na região desejada, mas sempre em combinação intermuscular. A flexibilidade é uma ação condicionante muito importante ao sistema muscular. Ela é o alcance máximo obtido por uma articulação e permite que a amplitude de movimento possa ser usada em sua totalidade quando requisitada. Atletas de Tae kwon do necessitam de grande flexibilidade no quadril, para elevação das pernas e possibilidade de chutes, Lutadores de Kendô e de Esgrima precisam de flexibilidade nos punhos, cotovelos e ombros para exercerem movimentos com a máxima magnitude articular. Atletas de Lutas de agarre com muito contato corporal não treinam especificamente a flexibilidade, apesar de que nas Lutas que ocorrem no solo, no Judô, no Jiu-Jitsu e no Wrestling, por exemplo, solicita-se determinada flexibilidade no tronco, na cervical e um pouco nos quadris. 140 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 6/ 04 /1 8 Unidade III O treinamento de flexibilidade parece prevenir o aparecimento de lesões musculares, portanto os Lutadores devem se preocupar em incluir essa capacidade física condicionante a ser trabalhada. Com as preocupações de se treinar as capacidades de força para o êxito competitivo, vamos destacar a partir de agora os resultados das aplicações dessas forças, por meio dos gestos técnicos mais comuns das Modalidades de Esporte de Combate. 7.1.2.2 Forças de reação resultantes/biomecânicas As forças de reação resultantes são consequências que se apresentam pela efetivação derradeira de determinada força de um corpo sobre outro. Quaisquer forças atuantes nas Modalidades de Esporte de Combate de natureza aberta vão gerar impacto. O impacto é uma grandeza física que indica a condição de colisão que ocorre entre dois corpos, em um período de tempo em geral curto, como os milésimos de segundos, por exemplo, na cotovelada executada no Muay Thai. Por sua vez, pode haver ações de constrição arterial com impactos corporais de alguns segundos, como nos estrangulamentos do Judô e Jiu-Jitsu. Outro exemplo de impacto é o do corpo de um Lutador arremessado ao solo; o produto de sua massa pela aceleração imposta pela projeção associada à aceleraçãoda gravidade pode gerar grande choque em seus órgãos internos. Nas Modalidades de Esporte de Combate, pode haver alteração momentânea nos tecidos corporais, os quais sofreram impactos substanciais. A capacidade de recuperação e de suportar esses impactos depende da natureza do impacto, por exemplo, a potência produzida pelo ataque, o local onde foi efetuado e a condição do atleta em recepcionar a força despendida. Além disso, os esportistas devem estar preparados para agirem por meio de habilidades específicas adequadas a fim de suportar os impactos para minimizar suas consequências. O Lutador de Judô ou de Wrestling que faz a queda controlada após ter sido projetado ao solo minimiza os choques sobre os seus órgãos internos; o combatente que consegue girar a cabeça acompanhando a direção de um soco recebido nessa região minimiza a colisão, permitindo que a força de impacto se reduza, pois o ataque perde energia devido à fluidez do movimento. Mais um exemplo: Lutadores que conseguem, pela expiração, concentrar a força sobre os músculos do abdome para absorver um chute nesse local, também demonstram grande habilidade associada à extrema capacidade física para aguentar e resistir a impactos. Várias reações físicas resultantes, provindas de impactos mecânicos, comumente encontradas nas Modalidades de Esporte de Combate, produzem grandezas específicas, tais como: pressão ou compressão, torção, perfuração, dilaceração e estiramentos. A seguir vai-se descrever como se sucedem nas Modalidades de Esporte de Combate essas resultantes dos impactos gerados pelas forças atuantes: a) Pressão ou compressão – ocorrem por meio de apertos, estrangulamentos, pegadas corporais, constrição muscular ou arterial, lançamentos de um corpo sobre o solo. A pressão é representada pela fórmula P = F/A, onde P = pressão, F = força e A = área, assim, quanto maior a força e menor a área de contato, mais se exerce pressão sobre 141 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 6/ 04 /1 8 LUTAS: ASPECTOS PEDAGÓGICOS E APROFUNDAMENTOS determinada região do corpo; b) Torção ou restrição – resultante verificada nas aplicações de restrições articulares, como “chaves” de braço, de tornozelo, joelhos, ombros, punhos etc.; c) Deformação/ contusão – consequência de pancadas que são causadas por choques traumáticos como socos, chutes, joelhadas, cabeçadas e cotoveladas; d) Perfuração – consequência de percussões causadas por implementos pontiagudos, como facas, espadas, sabres e floretes. Atualmente, nas Modalidades de Esporte de Combate, a Esgrima seria a responsável maior por aplicações de forças que resultariam em impactos que seriam causas de perfurações, mas as regras do esporte exigem que os implementos não causem esse traumatismo fatal, bem como se usem uniformes extremamente bem confeccionados para proteção dos combatentes; e) Dilaceração – o Kendô é uma das Modalidades de Esporte de Combate que trariam os traumas relacionados a rasgar, arrancar e partir pedaços corporais, por meio dos golpes impactantes que são direcionados para cortar o oponente, mas atualmente as armas são confeccionadas com bambu e as armaduras são muito específicas para se evitar quaisquer danos corporais; f) Estiramento – decorre da tração exercida sobre a articulação, podendo provocar seu deslocamento por meio das puxadas sobre tendões e ligamentos e músculos. Existe um tensionamento específico sobre o músculo. Essa resultante não é rara de acontecer em Modalidades de Esporte de Combate, e pode se dar por meio de golpes específicos do Jiu-Jitsu e também nas ações de Defesa Pessoal, como no Krav Maga e no Aikido. Obviamente, ao se exercer uma força atuante ou ao se sofrer as suas consequências, há alteração na estabilidade corporal dinâmica, por isso vamos destacar a importância do equilíbrio nos estudos biomecânicos nas Modalidades de Esporte de Combate. 7.1.3 Equilíbrio nas Modalidades de Esporte de Combate Naturalmente o equilíbrio provém da capacidade de se exercer força contrária à gravidade. Ou seja, trata-se da qualidade de se poder manter a permanência corporal. Caso não haja movimento, a manutenção de estabilidade é chamada de equilíbrio estático. Por sua vez, ao se enfrentar desafios de deslocamentos corporais, em especial os de locomoção, provocam- se desestabilizações contínuas e são necessárias forças de atuação de compensação, nesse caso a conservação continuada é chamada de equilíbrio dinâmico. Um conceito importante é a colocação de centro de gravidade corporal, pois nas análises biomecânicas o peso (P) corporal, que é uma força composta de produto da massa (m) corporal e da aceleração da gravidade (G) (P = m. G), parece se comportar de modo único concentrado nessa região. O centro de gravidade anatômico é o núcleo corporal no qual o peso está medianamente ponderado em todas as direções. É muito importante para a estabilidade corporal que a linha longitudinal que passa pelo centro de gravidade esteja sempre dentro da base de sustentação. Dessa maneira se mantém o equilíbrio. 142 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 6/ 04 /1 8 Unidade III Figura 76 – Sumotoris afastam os pés para aumentar a área da base de sustentação e abaixam o quadril aproximando o centro de gravidade da base de sustentação para dificultar a tentativa de desequilíbrio imposta pelo rival Nas Modalidades de Esporte de Combate, como já mencionado, o principal objetivo é manter-se em equilíbrio e tirar o do oponente. Na maioria daquelas que se configuram pelo princípio de domínio do agarre, os Lutadores procuram aumentar a área de sustentação, afastando as superfícies de apoio para evitar serem deslocados corporalmente e dificultar as execuções dos torques consignados nos golpes de projeção e arremessos. Os deslocamentos podem ser efetuados em várias direções e os atletas precisam compensar dinamicamente com forças contrárias as que lhe são impostas. Já nas modalidades que preconizam os toques, a tentativa é provocar considerável dano, com a retirada do equilíbrio por não haver condições de sustentar o corpo. A resultante da força aplicada exerce um trauma que impede o funcionamento natural da tonicidade que mantém o equilíbrio e ao mesmo tempo bloqueia a sua reação. A execução das forças atuantes para obter o sucesso nas competições das Modalidades de Esporte de Combate deve-se ao momento de força, ou mais basicamente conhecido como efeito rotatório da força, ou definido como torque. 7.1.4 Torque e alavancas nas Modalidades de Esporte de Combate O torque é formado pela aplicação de uma força considerando-se uma distância perpendicular da linha de ação de força ao eixo de rotação onde está sendo aplicada (HALL, 2000). Os torques são as resultantes de forças que movimentam os segmentos corporais humanos, é o equivalente de uma força linearmente aplicada para obtenção de uma ação angular. Por meio da tensão exercida pelo músculo, os ossos se movem tendo como eixo de rotação as articulações pertinentes ao movimento. Os torques proporcionam a realização de ações mecânicas corporais que visam comandar os próprios segmentos corporais para se chegar até o oponente com intuito de atingir, derrubar, submeter e vencer a disputa. Nas Modalidades de Esporte de Combate, o alvo é o adversário. Portanto, deve-se de modo dinâmico e eficiente realizar os gestos técnicos com a combinação de torques precisos, harmônicos e com a melhor relação no gasto energético e competência mecânica. 143 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 6/ 04 /1 8 LUTAS: ASPECTOS PEDAGÓGICOS E APROFUNDAMENTOS Veja na figura a seguir a realização do torque produzido pelo atleta que está chutando o adversário em uma competição de Karatê. Há dois torques, o da perna e o do joelho. O alvo é o rosto do oponente e, caso tenha acertado e surtido efeito, apesar da resistência do corpo, a tendência é a sua deformação e o consequentegiro na cabeça. Figura 77 – Torque no chute do Karatê Na próxima figura se verifica um torque efetivo para obter pontuação na disputa de Wrestling. A aplicação da força potente de rotação se realiza por meio do abraço nas pernas e pés, resultando em força angular, considerando-se que o eixo de giro é localizado no quadril do atacante e o adversário tem o seu peso como sua força resistente localizada no seu centro de gravidade. A tendência do golpe que será apresentado é que o defensor seja virado para trás e caia de costas. Em geral, nas Modalidades de Esporte de Combate com princípio de domínio do agarre, os Lutadores procuram preparar deslocamentos que proporcionem o maior desequilíbrio possível e retirem o centro de gravidade do oponente da sua base de sustentação. Desse modo, conseguem aplicar com maior eficácia as forças de potência essenciais para se produzir resultados definitivos de projeção, arremessamentos, lançamentos e domínio corporal, por meio de torques corporais sobre o adversário. Figura 78 – Torque no Wrestling com giro corporal provocando rotação 144 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 6/ 04 /1 8 Unidade III Percebe-se a importância das análises das aplicações das forças de atuação corporais para conquistar as vantagens que se traduzem em vitórias nas Modalidades Esportivas de Combate. Os estudos técnicos podem favorecer oportunidades de como se expandir ações técnicas em determinadas condições que acontecem nas disputas, que possam resultar em meios eficazes para se efetivar o domínio sobre o adversário, nas mais variadas posições corporais possíveis. Exemplo de aplicação Analise as figuras anteriores do Karatê e do Wrestling e reflita sobre quais planos de atuação principal ocorrem as ações de ataque. Observação As tarefas motoras combinadas nas Modalidades de Esporte de Combate são realizadas de modo multiplanar, multiangular e em diversos graus de liberdade. Entretanto, pode-se analisar uma ação técnica específica também separadamente. A aplicação de torques corporais leva ao entendimento da ocorrência de três pontos fundamentais no estudo biomecânico: forças resistentes ou resistência, força de aplicação ou força potente e eixo de rotação do movimento. A força resistente se caracteriza pela resistência dos Lutadores em não querer sofrer acometimentos e serem dominados. O peso corporal e a resistência mecânica e funcional dos tecidos e órgãos corporais, mantendo sua operacionalidade, mesmo após sofrerem impactos tão elevados, são forças de oposição a serem vencidas e que se constituem nos objetivos principais para se retirar o equilíbrio do adversário. A força potente é aquela de realização, a qual é empregada para se tentar alcançar êxito competitivo. É aplicada pelo atacante, tem como resultado um gesto técnico que busca obter pontuação, vantagem e a vitória. Por fim, verifica-se que existe um eixo de apoio ou uma linha de partida para constituir um braço de deslocamento da força que executa a ação da força potente. A combinação desses três aspectos mecânicos constitui uma alavanca. Trata-se de um princípio mecânico determinado pela lei da alavanca, que foi apresentado por Arquimedes no século III AEC. Esse preceito envolve dizer que uma alavanca é máquina para mover uma resistência, e baseia-se em uma haste apoiada em um suporte ou fulcro, a qual gira apoiada sobre esse apoio, que funciona como eixo de rotação. Considerando-se as articulações que são os eixos de rotação ou apoios, os ossos como hastes rígidas e os músculos como aplicadores de força, temos a formação de alavancas para todos os movimentos corporais humanos. 145 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 6/ 04 /1 8 LUTAS: ASPECTOS PEDAGÓGICOS E APROFUNDAMENTOS Veja na figura a seguir três classes de alavancas, as quais ocorrem sistematicamente na execução de fundamentos técnicos nas Modalidades Esportivas de Combate. A de primeira classe posiciona o eixo ou apoio entre a força potente e a força resistente, também chamada de alavanca interfixa. A de segunda classe é formalizada pela aplicação da força resistente ou resistência entre o apoio ou fulcro e a força potente. Por fim, temos a de terceira classe, que apresenta a força potente inserida entre o eixo de suporte e a força resistente. F Primeira classe Segunda classe Terceira classe Alavanca interpotente Alavanca inter-resistente Alavanca interfixa R F R F R Figura 79 – Classes da alavancas e nomenclatura Observação Verifica-se o tipo de alavanca sempre se observando a ação do atacante como produtor da força para mover o adversário, o qual é o responsável pela força de resistência. Nas Modalidades de Esporte de Combate, dependendo da condição de enfrentamento, da localização e da posição corporal, executam-se as mais diferentes aplicações dessas alavancas, relativas a diversos gestos técnicos específicos de cada prática. O atacante exerce a função de aplicador da força potente, a qual provém de determinada ação complexa combinada de segmentos corporais, fundamentada através de uma articulação principal para harmonizar o movimento; por fim, o adversário é o alvo resistente. Acompanhe imagens com exemplos de análises de alavancas construídas na formatação dos gestos técnicos de algumas modalidades de combate. A primeira apresentada é de uma restrição articular aplicada no cotovelo do adversário na Luta de Judô. O atacante executa uma alavanca interfixa, ou alavanca de primeira classe, pois se vê que a resistência está no braço do adversário, mas especificamente se tenta flexioná-lo por meio do seu 146 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 6/ 04 /1 8 Unidade III bíceps para se evitar a extensão da articulação. A força do atacante está em suas mãos, que prendem o punho do oponente e o puxam para o seu peito. Por fim, o eixo de rotação está entre a força potente e a resistente, sendo suportado pela região pélvica do atacante. Figura 80 – Alavanca interfixa na Luta de solo no Judô A seguir pode-se examinar a ação do atacante de Tae kwon do, dando um chute, considerado como uma alavanca interpotente, ou alavanca de terceira classe. O adversário é a força resistente e encontra- se ao fim do ponto de execução. O quadril do atacante está posicionando, o eixo de rotação da perna e a força potente estão localizados no quadríceps femoral para poder estender o joelho e acertar o oponente, isto é, localizados entre o eixo da força resistente. Outros exemplos de alavancas interpotentes são os socos, as estocadas/perfuradas da Esgrima e as cuteladas no Karatê. Figura 81 – Chute alavanca de terceira classe/interpotente Para a alavanca de segunda classe, também conhecida como alavanca inter-resistente, tem-se que lembrar que a resistência se posiciona entre a aplicação de força potente e o eixo de rotação. 147 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 6/ 04 /1 8 LUTAS: ASPECTOS PEDAGÓGICOS E APROFUNDAMENTOS Os estrangulamentos e as várias projeções são configurados como alavancas inter-resistentes. Veja exemplos que mostram gestos técnicos das Modalidades de Esporte de Combates funcionando como a referida alavanca. A primeira delas é um estrangulamento do tipo triângulo, muito usado no Judô, no Jiu-Jitsu, no MMA etc. Figura 82 – Estrangulamento triângulo – alavanca de segunda classe/inter-resistente Agora observaremos uma alavanca de segunda classe/inter-resistente, por meio da projeção efetuada na Luta Greco-romana. Nota-se que o opositor oferece peso ou resistência, que se encontra entre a força de aplicação localizada nos braços do atacante e o eixo de rotação que se encontra em seu quadril. Figura 83 – Projeção Luta Greco-romana, alavanca inter-resistente 148 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 6/ 04 /1 8 Unidade III Com a tecnologia de filmagens e o conhecimentoda biomecânica do esporte, pode-se pesquisar com olhar científico e aprofundado detalhes e particularidades dos movimentos feitos pelos Lutadores e quais deles são mais eficazes, ou mesmo quais melhor se ajustam às realidades físicas e às solicitações biomecânicas da Modalidade de Esporte de Combate. Além de examinar densamente todos os aspectos técnicos e as peculiaridades dos gestos de combate inerentes às modalidades nas quais for atuar, é essencial que o profissional de Educação Física esteja bem assentado em relação aos conceitos da Física e da Matemática, e aprofunde os estudos da biomecânica das Modalidades de Esporte de Combate. Esses profissionais serão solicitados a realizarem análises biomecânicas importantes em referência aos treinamentos e às características competitivas que poderão trazer diferencial fundamental para o sucesso de seus atletas. Adicionalmente, outras disciplinas científicas também são importantes considerando-se o Esporte de Rendimento. Assim se dará continuidade, a partir de então, a explicitar os subsídios mais relevantes para as análises fisiológicas das Modalidades de Esporte de Combate. 7.2 Aspectos fisiológicos nas Modalidades de Esporte de Combate A fisiologia do exercício é uma disciplina que vem se destacando cada vez mais como ferramenta de estudos e de fornecimento de informações para o Esporte de Rendimento, pois permite aproximar dados de como se concentram as reações internas do organismo diante dos exercícios físicos, em especial ao treinamento e às condições individuais dos competidores. Deve-se primeiramente lembrar que o corpo humano é admirável, parte-se do princípio de que a produção de energia corpórea é a responsável por dirigir as condições mais básicas de manutenção para vida. Esse pensamento também se ajusta, por intermédio do treinamento físico, para se atingir condições excepcionais nas reações fisiológicas de mobilização dos sistemas energéticos a fim de incrementar as regulações cardiorrespiratórias, musculares, imunológicas, humorais e neurais. As competições relativas ao Esporte de Rendimento são cada vez mais acirradas e os competidores precisam efetuar treinamentos específicos que condizem com as solicitações mais apuradas para mobilizar adequadamente os sistemas energéticos respectivos às suas modalidades esportivas. Faz-se importante reforçar as considerações sobre os sistemas de mobilização energética e produção de energia – adenosina trifosfato – ATP, para se complementar as informações acerca dos processos fisiológicos nas Modalidades de Esporte de Combate para o Esporte de Rendimento. Observe o seguinte quadro adaptado sobre as características gerais bioenergéticas humanas para se recordar dos sistemas energéticos e da produção de energia. 149 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 6/ 04 /1 8 LUTAS: ASPECTOS PEDAGÓGICOS E APROFUNDAMENTOS Quadro 5 – Características gerais dos sistemas energéticos para formação do ATP Sistema Combustível Necessidade de oxigênio Velocidade de formação Produção de ATP relativa Anaeróbio ATP-PC (Alático) Fosfocreatina Não Extremamente rápida Pouca e limitada Anaeróbio Glicolítico (Lático) Glicogênio Não Muito rápida Pouca e limitada Aeróbio Glicogênio Gorduras Proteínas Sim Lenta Abundante e ilimitada Adaptado de: Foss e Keteyan (2000, p. 33). Salienta-se que os sistemas variam em produção de energia de acordo com: a) o ritmo, isto é, a quantidade de energia produzida por determinado período, chamada de potência máxima de produção energética e b) a capacidade máxima de produção energética independente do tempo, ou seja, a quantidade produzida (FOSS; KETEYIAN, 2000). O sistema anaeróbio alático gera potência energética muito alta em um período curtíssimo (entre um a dez segundos), e não consegue uma quantidade muito alta para se manter constantemente ativo nessa potência, caindo vertiginosamente na contribuição energética, devido à célere degradação da fosfocreatina. Em seguida, passa a existir o sistema anaeróbio lático, o qual ainda produz uma potência energética alta, mas também limitada por tempo curto de atuação máxima (entre 10 e 60 segundos aproximadamente), reduzindo a colaboração energética de forma um pouco mais gradativa que o sistema alático. Nessa oportunidade o glicogênio vai degradando e formando uma acidulação sanguínea muito alta, com aumento de íons H+ de modo substancial. O ácido formado, isto é, o chamado ácido lático, vai dificultando e até mesmo impedindo as transmissões de impulsos nervosos às unidades motoras, para se realizar movimentos, reduzindo a condição de se manter esforços muito elevados após o tempo mencionado, diminuindo a capacidade de execução rápida e com energia intensa. Enfim, o sistema aeróbio toma parte quase que integral na produção energética. Produz energia a partir da manutenção das solicitações energéticas, mas baseado em potência baixíssima, aparecendo substancialmente depois de aproximadamente 60 segundos, sendo o principal capacitor de energia em condições que se demandam menores intensidades e mais permanência de forças menos intensas. A quantidade de energia produzida pelo sistema aeróbio é consideravelmente elevada, contudo a sua potência é bastante baixa, não favorecendo esforços musculares que demandam altas culminâncias de força e velocidade. A prevalência dos sistemas energéticos em relação ao tempo de atuação dos esforços foi investigada por Gastin (2001) e trouxe um aporte substancial para reforçar a compreensão de como interagem os sistemas energéticos. Acompanhe a figura que apresenta o gráfico obtido por Gastin (2001). 150 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 6/ 04 /1 8 Unidade III 100 80 60 40 20 0 0 50 100 150 ATP-PCr Glycolysis Exercise duration (sec) % C on tr ib ut io n to to ta l e ne rg y su pp ly Aerobic 200 250 300 Figura 84 – Gráfico da mobilização e interação dos sistemas energéticos ao longo da permanência dos esforços físicos. ATP-PCr: adenosina trifosfato-fosfocreatina; glycolysis: glicólise; aerobic: aeróbio; exercise duration(sec): duração do exercício (segundos); % contribution to total energy supply: porcentagem da contribuição para o fornecimento total de energia As Modalidades de Esporte de Combate são compostas de uma gama muito variada de exercícios condicionantes e apresentam as mais diversas características de desempenho e agenciamentos orgânicos. As disputas são concorridas em tempos, ordinariamente estreitos, com uma dinâmica muito complexa. Comumente solicitam-se elevadas taxas de mobilização energética de modo bem diverso, em intervalos de tempo curtíssimos e pouquíssima pausa para recuperação oxidativa. Os combates são essencialmente acíclicos, com movimentação constante dos competidores em períodos de tempo determinados. Mesmo no Boxe profissional, no qual se combate por três minutos, praticamente ininterruptos, a modalidade exige a parada por um minuto a cada round de Luta e se fazem até 12 rounds para cada disputa, com um único adversário. Outras modalidades também são organizadas por rodadas, por exemplo, parte-se de dois a até cinco rounds com intervalos de descanso, para cada combate – Tae kwon do, Wrestling, Luta Greco-romana, Karatê, Muay Thai, MMA, Esgrima. Algumas delas se limitam a um único combate por dia, como MMA e Muay Thai, enquanto nas outras se podem fazer mais de um no mesmo dia. Outras Lutas são disputadas em uma única rodada, mas com vários combates no mesmo dia – Judô, Sumô, Kendô e Jiu-Jitsu. Essas características exigem cuidados na preparação das condições fisiológicas imprescindíveis para a apropriada e superior performance dos Lutadores. Ao mesmo tempo, cada tipo requer condições para aguentar o tempo de combate, seja de round, seja o total de rodadas preconizado no dia da competição, além de suportar, absorver e reagir aos acometimentos da contenda e manter-se com capacidade de enfrentare colocar em prática sua estratégia de combate e adaptar-se de forma rápida a quaisquer condições impostas momentaneamente pelo adversário e pelas características próprias na ocasião. Percebe-se a importância de se levantar aspectos categóricos para que se compreenda como funcionam as alterações nas mobilizações energéticas nas Modalidades de Esportes de Combate. A seguir consta um quadro colocando-se diversos aspectos que devem ser levados em consideração para se efetuar análises fisiológicas. 151 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 6/ 04 /1 8 LUTAS: ASPECTOS PEDAGÓGICOS E APROFUNDAMENTOS Quadro 6 – Aspectos importantes para análises fisiológicas em Modalidades de Esporte de Combate Deslocamento dos lutadores Dimensões do local e movimentação Estrutura temporal da Luta Número de rounds (rodadas) Intermitência Relação esforços x pausas Energia de prevalência Fundamentos básicos Fator base Energia de determinação Golpes decisórios Fator de decisão Somatótipo Constituição e controle de peso Uniforme Especificidade Hidratação Reposição hídrica Regras da Modalidade Estratégias de combate Os locais de disputa reservam dimensões bastante específicas, delimitadas por ringues, áreas de combate, passarelas e tatames, todos planos com dimensões que raramente ultrapassam 100 m2 de área. Em geral, existem poucos momentos nos quais os Lutadores permanecem parados. As movimentações ocorrem por força da necessidade de se atacar o oponente, esquivar-se dos acometimentos, contragolpear e posicionar-se de acordo com as regras. Os esforços são respectivos às características de cada modalidade. Verificam-se a incidência de deslocamentos por arrastes, com molejos, por saltitos contínuos, por impulsos anteroposteriores, posteroanteriores, marchas específicas e movimentos circulares e semicirculares. Anteriormente, já se explicitou sobre a estrutura temporal dos prélios, apresentando alguns exemplos de Modalidades de Esporte de Combate de alto rendimento. O número de rodadas e os tempos de combate podem variar bastante, por exemplo, no Judô, atualmente, um combate dura até 4 minutos e pode haver continuação em caso de não definição por falta de vantagem. No Jiu-Jitsu, pode variar de acordo com a faixa (graduação), partindo de 3 a até 10 minutos; no Tae kwon do são até três rounds de 2 minutos. Como já se mencionou, mas faz-se necessário repetir, nessas modalidades podem-se efetuar várias Lutas no mesmo dia. No Boxe profissional acontecem disputas com 12 rounds e às vezes até 15 rounds, cada um com 3 minutos e 1 minuto de intervalo entre eles. Diferentemente, no Boxe Olímpico são quatro rounds de 2 minutos e cada modalidade possui muitas variações, permitindo-se uma Luta por dia somente. No Boxe profissional, os intervalos entre disputas podem chegar a mais de três meses de pausa. Em cada Modalidade de Esporte de Combate examinam-se duas condições importantíssimas para dar-se direcionamento aos treinamentos condicionantes relativos às mobilizações energéticas requeridas: a) Energia de prevalência de Luta, chamada de fator base e b) Energia determinante, chamada de fator de definição. Na primeira, é preciso se verificar qual a energia de prevalência para poder suportar as movimentações e permanência nos combates. O fator base é determinado pelo estudo do tempo total de Luta, das interrupções de descanso, dos tipos de deslocamentos corporais e dos esforços realizados para que o Lutador se mantenha em condições de aguentar todo o tempo de disputa, efetue ações decisórias e não sofra algum ataque fulminante que o elimine da contenda. 152 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 6/ 04 /1 8 Unidade III A outra condição primordial para se determinar a mobilização energética da Modalidade de Esporte de Combate é a observação das ações que definem o combate e levam à conquista da vitória por intermédio de ponto máximo, pontuação cumulativa, nocaute, desistências e submissões. Aqui se verifica quais golpes e técnicas são as responsáveis por atingir o triunfo competitivo, como eles devem ser executados e com qual tipo de força atuante, além de se levar em consideração a estratégia de disputa e as características do oponente. Essa energia determinante, que condiciona ações para se obter o fim do combate ou capacitar o Lutador a conseguir sucesso na disputa, é chamada de fator de definição. O que se nota nas Modalidades de Esporte de Combate é uma mudança contínua nas mobilizações energéticas. Existem interrupções causadas pelas características das Lutas, que param momentaneamente o combate, tais como: sinalização de pontuações e advertências, necessidade de reposicionar e centralizar os Lutadores que saíram da área de combate, atendimentos médicos, pausas provocadas pelos próprios Lutadores para recuperação instantânea (clinches, arrumar a indumentária, perda de lentes de contato etc.). Essa alternância baseada nesses preceitos de interrupções, que permitem rápidas recuperações oxidativas, é dada pela relação esforço x pausa. Estuda-se o tempo de Luta total e anota-se quanto dele os Lutadores ficam em ações de combate e o quanto se tem de interrupções que cessam as ações de combate. Alguns dados indicam que no Judô, no Karatê e no Tae kwon do a relação de esforço x pausa é de 2:1, isto é, os Lutadores permanecem aproximadamente 20 segundos em ações diretas de combate e são interrompidos por aproximadamente 10 segundos. No Wrestling e na Luta Greco-romana, pode se chegar a 3:1, enquanto no Jiu-Jitsu atinge 15:1, isto é, muito tempo de esforço por uma pausa bastante curta. Além disso, existem as mudanças de emprego de ações de ataques, esquivas e defesas de modo dinâmico, modificando as requisições energéticas necessárias para cada condição momentânea de Luta. É importante analisar o número de golpes executados e em qual rodada ou minuto dela se efetuaram mais ações de ataques. Desse modo, convoca-se continuamente diferentes sistemas energéticos requeridos para a disputa. Todas essas contínuas alterações trazem à tona uma característica muito peculiar das Modalidades de Esporte de Combate chamada de intermitência, a qual permite designar que não se pode determinar exatamente qual sistema energético tenha absoluta prevalência durante a disputa (FRANCHINI, 2010). Obviamente que se conhecendo as características dos fatores base e de definições, a relação de esforço x pausa, podem-se canalizar treinamentos específicos e de acordo com as necessidades de cada atleta. Geralmente, modalidades com princípio de agarre necessitam efetuar as pegadas com os membros superiores e mantê-las por tempo considerável, caracterizando o fator base apropriado a executar força de resistência, mobilizando o sistema energético anaeróbio lático concentrado. Ao mesmo tempo, na maioria das vezes, verificam-se como fatores de definição as projeções e os arremessos executados tanto pelos membros superiores quanto pelos inferiores. A demanda de realização presente se compõe pela velocidade de força, ou melhor, a potência para se vencer as resistências de oposição, pois se necessita de força com grande intensidade em períodos bem curtos de tempo. Assim, deve-se considerar nesse caso a mobilização do sistema energético anaeróbio alático tanto para os membros superiores como para os inferiores. 153 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 6/ 04 /1 8 LUTAS: ASPECTOS PEDAGÓGICOS E APROFUNDAMENTOS As modalidades com princípios de domínio de toques, com ou sem armas, requisitam grande movimentação e deslocamentos corporais, caracterizando demanda contínua de resistência, velocidade e agilidade. Assim, comumente mobiliza-se a resistência geral muscular e específica nos membros inferiores e superiores. Nesses casos, distingue-se a mobilização energética ao fator base pelo sistema aeróbio. Os fatores de definição, tais como: socos, chutes, cotoveladas etc. encontradosnas modalidades de toques que preconizam o nocaute, clamam por ações de grande força em período de tempo rapidíssimo, ou seja, a potência muscular. Dessa maneira, o sistema energético mobilizado nesse momento é o anaeróbio alático. Nas modalidades de toques demonstrativas, ou que não se caracterizam pela necessidade de nocaute e que se atinja a vitória por pontuação cumulativa somente, os fatores de definição como estocadas da Esgrima, socos e chutes no Karatê olímpico e demonstrações de kata, kati e poomse demandam grande velocidade de ação, mobilizando o sistema energético anaeróbio alático. Considerando todos os aspectos relacionados aos sistemas de mobilização de energia, há de se levar em conta a duração dos combates também. Ordinariamente, verifica-se que as disputas atingem períodos acima de 2 minutos, e assim se deveria assumir que o sistema aeróbio prevalece na disputa, mas não se deve subestimar a mobilização momentânea de esforços superintensos para a execução dos fatores de definição. É fato de que os Lutadores ao longo dos combates vão reduzindo suas atividades de força, necessárias para conseguirem executar as ações que levem ao alcance da realização dos fatores de definição com o mesmo vigor. Como são muito bem treinados, eles ainda suportam efetuar os movimentos com qualidade de angulação e mantendo os graus de liberdade ideais, mas perdem em velocidade e energia, pois os substratos energéticos para mobilização dos sistemas necessários à eficácia dos golpes já se encontra em maior depleção, o que acarreta dificuldades para sua reposição quando solicitados. Além disso, a acidulação sanguínea, com o aumento de íons H+, causa maior limitação nas transmissões de impulsos nervosos às unidades motoras musculares, contribuindo para a redução da eficiência arrebatadora dos golpes de potência e a manutenção da resistência de força. Portanto, devem-se direcionar os treinos para que sejam próximos das realidades dos combates e, assim, obterem-se melhores combinações das práticas dos fatores de base e dos motivos de definição associados às peculiaridades estratégicas e características do atleta. Destarte, estaremos perto do princípio da especificidade do treinamento e dos competidores mais bem inseridos na preparação de alto rendimento e com possibilidades de resultados efetivos para a competição. Algumas Modalidades de Esporte de Combate têm associação direta com a indumentária usada, isto é, o uniforme obrigatório. Nas competições de Esgrima e de Kendô, os combatentes se vestem imperativamente com fardamentos bem pesados, confeccionados com materiais de total resistência ao impacto perfurante ou cortante, cuja função é proteger os Lutadores. Mesmo que nas competições atuais espadas, sabres e floretes da Esgrima não possuam mais terminações pontiagudas ou tampouco afiadas e cortantes, assim como no Kendô, as espadas são fabricadas em bambu, o que evita se efetivar o corte real desejado imaginariamente nos movimentos de ataque, e os uniformes são bastante reforçados e de alta proteção. No Judô e no Jiu-Jitsu, a vestimenta é confeccionada com tecidos grossos de algodão para suportar as constantes puxadas nas golas e nas mangas. Essas modalidades têm como fundamento a 154 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 6/ 04 /1 8 Unidade III obrigação de serem disputadas por meio de pegadas nos trajes de combate. A indumentária é parte integrante das técnicas. Chama-se a atenção o fato de que as indumentárias provocam grande transpiração dos atletas e deve haver vigilância na reposição hídrica dos competidores. De qualquer modo, por trazerem um alto grau de gasto calórico e eliminação de água, todas as Modalidades de Esporte de Combate precisam de precaução para a reposição apropriada de líquidos e sais minerais durante os eventos. Competições de alto rendimento são disputadas em ambientes condicionados com temperatura e umidade controladas, porém algumas vezes se enfrentam condições adversas com altas temperaturas e umidade muito baixa ou muito alta, necessitando ainda mais controle hídrico. Figura 85 – Indumentária de proteção no Kendô A compleição física dos atletas é também uma qualidade a ser considerada nos estudos fisiológicos. Atletas de Modalidades de Esporte de Combate exibem massa magra muscular substancial, independentemente de qual categoria se enquadrem. As divisões de massa corporal na maioria das modalidades apresentam fatos importantes nas análises fisiológicas dos competidores, nota-se que atletas mais pesados são ainda bastante ágeis nas técnicas e nos golpes, mas tendem a ter menor movimentação e menos deslocamentos, causando menos interrupções de esforço durante as disputas. Desse modo, genericamente, Lutadores mais pesados mantêm maior gasto energético proporcional se comparados aos atletas de menor peso corporal. 7.3 Perda deliberada de peso A ponderação no emprego de ingestão de líquidos é fator preponderante para as Modalidades de Esporte de Combate, pois na maioria delas há divisões de categorias de peso. Os Lutadores, e seus técnicos, pouco responsáveis, provocam perdas hídricas para redução de peso de maneira muito drástica para atingirem suas categorias desejadas e enfrentarem as pesagens limites nos dias de competição, o que pode causar perdas acentuadas de sais minerais do organismo. Essas perdas são escassamente 155 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 6/ 04 /1 8 LUTAS: ASPECTOS PEDAGÓGICOS E APROFUNDAMENTOS repostas, portanto altamente prejudiciais para o funcionamento fisiológico apropriado dos atletas, especialmente sob árduas solicitações físicas incididas em competições. Saunas extremamente quentes, desidratação exacerbada pela ingestão de diuréticos, restrição violenta no consumo de alimentos e treinos de corridas com agasalhos pesados são algumas estratégias alucinadas e usadas por Lutadores que não conservam seus pesos nos limites determinados pelas divisões de categorias atribuídas pelas federações esportivas. Várias modalidades exigem delimitações de pesos e os atletas apresentam variações enormes, com incidência de até 20% de peso corporal acima do limite máximo, configurando que estariam aptos a participar em categorias de peso superior. As práticas de perdas de peso nessas condições não são recomendadas, pois exigem sacrifícios descomunais, com perdas de nutrientes e possibilidades para causar problemas graves aos atletas durante o desempenho competitivo e quem sabe no futuro. As reposições hídricas e nutricionais, em períodos curtos e quantidades imódicas, acabam atrapalhando os processos digestórios que antecedem a competição e o Lutador pode sofrer ainda mais consequências negativas nos processos metabólicos e hormonais, causando letargia e sonolência, provocando perda de concentração demasiada e apatia muscular competitiva; o atleta sente-se pesado e com dificuldade de realizar movimentos eficazes. Os nutrientes eliminados de maneira tão abrupta nem sempre são reabsorvidos tão eficientemente em períodos tão curtos, assim sobrecarregando o sistema renal e também podendo causar desarranjos intestinais. Treinadores mais conscienciosos e nutricionistas do esporte orientam seus atletas a estar com pesos ultrapassando em 1% a 2% do limite máximo até uma semana antes da competição, evitando perdas substanciais de peso imediatamente antes do evento. A presença de nutricionista na equipe esportiva é primordial para que o atleta não se acostume a fazer perdas insanas de peso um dia antes da competição. É muito mais saudável que se mantenha pesos apropriados e nutrientes suficientes para suportar as cargas de treinos e as magnitudes da competição. As confederações esportivas estão acompanhando as variações de pesos dos atletas selecionados para competições de alto nível. Limitam-se parâmetros para que os atletas não causem dissabores administrativos, como viajarem e perderem a possibilidadede competirem por não terem atingido o peso limite no dia da competição, usarem medicamentos proibidos como diuréticos e anabolizantes, e possam obter as melhores condições atléticas relativas à sua composição física e somatótipo. Desse modo, preservando também indiretamente a saúde do atleta e forçando-o a tomar parte responsável em sua vida junto às demandas do alto rendimento competitivo esportivo. Os resultados obtidos por Lutadores, os quais preservam com maior seriedade os limites de peso relativo à sua constituição e à sua categoria correspondente, parecem ser mais consistentes e de melhor valimento. 8 MEDIDAS E AVALIAÇÃO EM MODALIDADE DE ESPORTE DE COMBATE Avaliar Lutadores deve ter a preocupação de ser específico para cada modalidade, pois as necessidades condicionantes e respostas fisiológicas são bastante diferentes. Baseados nas características das Modalidades de Esporte de Combate, podem-se adquirir alguns dados científicos relevantes para dar direcionamentos e informações que possam auxiliar os treinadores a compreender processos de resposta 156 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 6/ 04 /1 8 Unidade III ao treinamento, ajustar volumes e intensidades e preservar as melhores condições atléticas para o alto rendimento esportivo. 8.1 Medidas fisiológicas Há dificuldades em se realizar as principais medições fisiológicas em Lutadores, pois os equipamentos são atados ao corpo ou há necessidade de interrupções que não sejam concernentes aos aspectos competitivos. Vários estudos têm tentado obter dados que possam ser analisados para a detecção de fatores que afetam a performance competitiva nas Modalidades de Esporte de Esporte de Combate. A aferição da frequência cardíaca (FC) tem sido possível nas disputas demonstrativas de kata, kati e poomse, trazendo informações sobre picos de FC e comparando-se com testes feitos em esteiras ergométricas. Em geral, essas atividades físicas comprovam que sua realização atinge em torno de 70% a 80% da FC máxima. Competições simuladas de algumas Modalidades de Esporte de Combate de percussão, isto é, com princípio de domínio por toques, chegam a superar 190 batimentos por minuto e comparados com testes em esteiras se aproximam de 90% da FC máxima. Os combates abertos indicam maiores solicitações que as práticas fechadas. Nas modalidades em que se atua o princípio de domínio de agarre, fica difícil se obter dados de FC máxima durante o combate, pois devido ao constante contato corporal os aparelhos se alteram, mudam de posição, ficam até mesmo inabilitados para as aferições da FC. Algumas avaliações foram efetuadas em períodos determinados, por exemplo, a cada 2 minutos, alcançando altos valores de FC média, que eram comparadas com testes de esteira em nível acima de 95% da FC máxima. Valores de potência aeróbia máxima, ou VO2 max, são aferidos com testes efetuados em combates simulados ou atividades de golpear sistemático, com uso de captores de oxigênio de alta tecnologia. Assim, nas Modalidades de princípio de domínio de toque ou de agarre, executa-se um determinado número de ataques sequenciais, calculando-se o tempo de realização de esforços feitos para se obter ações correspondentes aos fatores de definição. Valores que satisfazem as características de obtenção de oxigênio, o seu transporte cardiorrespiratório e a sua capacidade de utilização muscular para Lutadores de alto nível competitivo variam entre 45 e 55 ml/kg/mi. Apenas no Boxe profissional os Lutadores apresentam excepcionalmente potência aeróbia acima de 60 ml/kg/min (FOSS; KETEYIAN, 2000). Em comum, Lutadores que fazem testes de potência em aparelhos de Wingate, solicitando ações específicas de membros superiores, conseguem mostrar geração de energia situada em potências médias de 9,4 Watts/Kg e atingem potências máximas de até 12 watts/kg. Essas potências são obtidas em alto custo fisiológico, proporcionando maiores concentrações de acidulação sanguínea e a consequente formação de Lactato (LA) (FOSS; KETEYIAN, 2000). Medidas de LA têm sido obtidas para verificação dos parâmetros de formação de acidez sanguínea e assim determinar como se pode treinar o atleta de combate a fim de que consiga suportar aumentos 157 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 6/ 04 /1 8 LUTAS: ASPECTOS PEDAGÓGICOS E APROFUNDAMENTOS de LA durante a disputa combate. Constata-se um aumento substancial do LA conforme se prolongam os esforços, assim como o tempo de Luta. Valores medidos por meio de combates simulados, com interrupções determinadas para coletas, exercícios intensos de sombra (quando o Lutador executa golpes de definição com bastante intensidade, comparados aos efetuados nas Lutas), parecem trazer valores de LA no Boxe e também nas modalidades de agarre, com números variando desde 8 mmol.l-¹ (milimol por litro de sangue) em casos como no Jiu- Jitsu, alcançando valores médios bem altos, iguais a 18 mmol.l-¹. Lembra-se que as Modalidades de Esporte de Combate possuem intermitência, com pausas relativas durante o embate corporal e a variação e capacidade de tamponamento do LA é grande, e depende também das condições nas quais se encontra o atleta, o ritmo do confronto, a estratégia assumida, o nível da competição e o significado daquela disputa (eliminatória ou final). Outras medidas e análises, como a presença de Cretina quinase (CK) no sangue, indicam degradação celular e têm sido também usadas na fisiologia do esporte para se determinar as condições nas quais se devem compensar os esforços efetuados pelos Lutadores. Também exames de urina, verificando a quebra de proteínas específicas, sinalizam condições para se adaptarem os treinos e as práticas competitivas. Outro objeto de estudo é o exame de mioglobina e o respectivo tempo de recuperação após a efetivação de treinos específicos de alta intensidade para execução de técnicas e golpes relacionados com condicionamentos dos fatores de decisão. Distintas avaliações também utilizadas são as de verificação da liberação do cortisol e de outros hormônios nas práticas simuladas e nas competições de Modalidades de Esporte de Combate. Saiba mais Para obter informações adicionais sobre o comportamento do corpo dos atletas durante o Jiu-Jitsu, leia: ANDREATO, L. V. et al. Psychological, physiological, performance and perceptive responses to Brazilian Jiu-Jitsu combats. Kinesiology, Zagreb, v. 46, p. 44-52, 2014. Disponível em: . Acesso em: 6 mar. 2018. 8.2 Medidas subjetivas Nas Modalidades de Esporte de Combate, tem se tornado usual treinadores e preparadores físicos se apropriando de medidas subjetivas que ajudam a dar condições de acompanhamento e adaptação adequados aos treinamentos dos atletas. 158 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 6/ 04 /1 8 Unidade III A percepção de esforço (PE), de acordo com Robertson e Noble (1997), é uma escala psicofísica da intensidade sentida de esforço, tensão, desconforto e também de fadiga que são experimentados durante práticas físicas. A PE é indicada por meio de escalas e a mais comum é a escala de Borg (BORG, 1998), que mostra ao atleta níveis preconizados por valores entre seis e sete (muito fácil) até 19 e 20 (exaustivo), e os atletas externam como estão se sentindo diante de determinado exercício. Por meio dessa escala, pode-se determinar a taxa de percepção subjetiva de esforço, que é a relação de carga treinada pela indicação de nível de exaustão atingida. Essa taxa parece se adequar bem nas Modalidades de Esportes de Combate, pois o treinador pode construir uma tabela de unidades arbitrárias por meio de uma metodologia que verifica o total da sessão de treinamento multiplicada pela escala de Borg externada pelo atleta, após 30 minutos de término da sessão de treinamento. Essa metodologia parece ser bem relacionada aosuma colocação referente à Luta como Defesa Pessoal, ou seja, o uso organizado de ações de combate para a própria conservação da vida e segurança física e emocional. 1.1.3 Defesa Pessoal e as Artes Marciais na atualidade O ser humano se defendeu sempre com o uso de suas próprias atribuições e possibilidades. Procurou usar seus membros superiores e inferiores e outras partes corporais, como a boca e a cabeça, de modo a imobilizar, afastar, dominar, refrear e também se proteger de acometimentos que o colocavam em perigo de sobrevivência, detrimento de território, perda de sua prole e ameaça à sua liderança. A essas ações chamamos de Defesa Pessoal. Assim sendo, a Defesa Pessoal se relaciona diretamente com o emprego corporal e ao uso de armas que visam à própria segurança e de seus familiares e amigos, além do grupo ao qual pertence ou ao qual era designado por obrigação ou vontade própria. Como já vimos, práticas sistematizadas de movimentos militares corporativos envolviam a necessidade de contingente humano que manipulavam armas, tais como: lanças, arcos, cavalos, engalfinhando-se corpo a corpo com seus adversários. Obviamente, os esquadrões mais treinados proviam exercícios que visavam à preparação dos guerreiros para esse enfretamento pessoal. Observações militares levam a se acreditar que, no momento desses embates, o soldado se imbuía de grande determinação, pois era a sua vida em nome da nação ou de seu general, ele precisava atacar e se defender e assim protegia a própria vida. Muitos guerreiros se destacavam por terem bastante habilidade e batalhavam com grande destreza e competência. A Defesa Pessoal era fruto de intensos treinamentos e práticas exigentes. 16 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 6/ 04 /1 8 Unidade I Essas práticas de defesa corporal e uso de armas derivam basicamente de duas vertentes, bem generalizadas, que parecem muito similares, mas que contêm diferenças importantes para que possamos definir a segunda etapa do significado atual do termo Arte Marcial. Essas vertentes de classificam em: Lutas ocidentais e Lutas orientais. As Lutas ocidentais são vastamente documentadas por meio da arqueologia e de seus estudos antropológicos e encontradas em pinturas rupestres e esculturas. Segundo Levinson e Christensen (1999), desde a época dos sumérios na Mesopotâmia, por volta de 3000 AEC, encontram-se em afrescos Lutadores que parecem estar Boxeando. Os egípcios também são relatados por Doberstein (2010) como exímios guerreiros treinados em armas e competências corporais de Lutas desde a época do faraó Djoser, da terceira dinastia, que reinou entre 2737 e 2717 AEC. López (2011) descreve que a civilização dos egeus na antiga Creta usava as Lutas como preparação guerreira e educacional, por meio de Jogos de Combate com os punhos fechados; elas ficaram conhecidas pelos achados do sítio arqueológico de Tera, em Santorini, atual Grécia, nos quais se encontraram várias esculturas e afrescos. A mais divulgada dessas pinturas apresenta a figura de dois meninos se golpeando, remanescente da época compreendida entre 1700 e 1500 AEC, e parecia ter conotação de preparação educativa e também guerreira, pois os meninos usavam luva em apenas uma das mãos; uma delas golpeava e a outra servia apenas para se defender. Figura 4 – Meninos Boxeando com luvas Em seguida, encontram-se os gregos, povo no qual as Lutas eram parte integrante e faziam parte da educação militar para defesa incansável da nação e das comemorações pelas boas colheitas (SCANLON, 2014). Além disso, ressalta-se a importância dos Jogos Olímpicos. Os documentos acerca dos referidos 17 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 6/ 04 /1 8 LUTAS: ASPECTOS PEDAGÓGICOS E APROFUNDAMENTOS Jogos gregos citam as Lutas de Boxe, a Luta olímpica e o Pankration Athlima – Pancrácio esportivo – como o auge das competições na Grécia Antiga. Esta modalidade possuía poucas regras (eram proibidas as mordidas e os ataques aos órgãos genitais e aos olhos), no entanto deveriam ser rigorosamente cumpridas, caso contrário o infrator era execrado publicamente e em muitas ocasiões expulso da cidade. Os vencedores eram venerados pela força, pela inteligência e determinação e o público os relacionava aos mitológicos personagens Héracles (Hércules, de força descomunal) e Teseu (personalidade perspicaz, ágil e significativamente potente). Esses deuses e semideuses eram considerados heróis que serviam como modelo da aventura humana, da participação e construção da vida. Figura 5 – Ânfora grega mostrando Héracles e a Luta contra o centauro Nesso entre 625-600 AEC. Museu arqueológico de Atenas Figura 6 – Escultura de mármore do semideus Teseu Lutando contra o Minotauro de Étienne-Jules Ramey – Jadins de Tuileries, Paris, França, 1828 18 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 6/ 04 /1 8 Unidade I As Lutas assumiram grande importância na educação grega, em especial na Era de Alexandre III, O Grande (356-323 AEC), no extenso império macedônico, pois, além de fazerem parte do treinamento militar, estendiam-se para o fortalecimento físico, na construção do corpo belo e harmonioso, e propiciava o afloramento da inteligência estratégica, política e tomada de decisões rápidas. Esse conceito se aliava ao ideal de educação clássica baseada na paideia, que visava à formação integral do estudante por meio de disciplinas como ginástica, Lutas e exercícios físicos, matemática, filosofia, história, geografia e gramática. Essa educação fundamentava o ser na sociedade na qual se vivia e as Lutas eram estudadas para que se pudesse verificar especialmente como se podia alcançar a aretê, ou seja, a virtude e a excelência no trato social. Na época era inegável a necessidade de se prover bons cidadãos para o desenvolvimento da pátria, além de que pudessem se estabelecer diante de tantas ameaças vindas de inimigos que constantemente desejam invadir seus territórios. Assim, a Defesa Pessoal era direcionada para a preparação do indivíduo e o estudo das artes da Luta visava o entendimento do uso das suas capacidades físicas e habilidades para se alcançar um estado de prontidão social e guerreira, enfim, a defesa da pátria igualmente. As Lutas constituíam disciplina para fortalecimento do corpo e, ao mesmo tempo, promoviam os estudos do contato físico como meio de compreender as inerentes limitações físicas e potencialidades de seus oponentes. Portanto, naquela época, pelo estudo das Lutas e pela interatividade na sua prática, – surgia a ética no uso dos próprios potenciais corporais–, pois para se Lutar, é necessário ao menos que dois oponentes se coloquem em posições antagônicas. A Defesa Pessoal implicava a justificação do próprio ser humano. Saiba mais A fim de aprofundar seu conhecimento nos temas referidos à educação e aos Jogos Olímpicos gregos, leia: GARCIA, A. B. Educação Grega e Jogos Olímpicos: Período clássico, helenístico e romano. Jundiaí: Paco Editorial, 2012. Dando continuidade ao pensamento para explicar o termo Arte Marcial para a atualidade, trazem- se algumas considerações acerca das Lutas orientais, famosas pela sua eficiência motriz e plasticidade corporal. Essas Lutas provenientes das regiões asiáticas do planeta se destacavam por serem consideradas as precursoras de sistemas de Defesa Pessoal, pois eram vistas como propriedades individuais para a busca da segurança individual. De acordo com Ohlenkamp (2003), compilado pelo comando do exército imperial japonês no ano 720 EC, documentam-se as disputas de Lutas de força do torneio de “Chikara Kurabe”, ocorrido em 230 AEC. Esse documento parece sugerir, por estudiosos e pesquisadores, que essa Luta foi protagonista dos primeiros estágios embrionários como predecessora das resultantes que chamamos de Sumô e de Jujutsu (atualmente chamada de Jiu-Jitsu – técnica suave) e com o emprego estratégico e formativo na preparaçãométodos de treinamento e periodização, já que monitora de modo permanente e acompanha as reações imediatas dos atletas. Outra medida subjetiva de esforço é a percepção localizada, na qual o treinador apresenta uma figura anatômica, ou, ainda melhor, um boneco, no qual o atleta vai apontar qual região corporal está mais ou menos fadigada, após determinada execução física ou ter terminado um combate. Pelas indicações de exaustão específicas, o treinador vai direcionar fortalecimentos ou treinos apropriados para melhorar as condições de suportar esforços concentrados nessas áreas. 8.3 Avaliação de medidas motoras e físicas As medidas de tempo de reação visomotora são utilizadas para a verificação das respostas por estímulos visuais e ajudam a determinar parâmetros para treinos de habilidades de velocidade e de esquiva, importantes em todas as Modalidades de Esporte de Combate, em especial as que exigem velocidade de respostas muito grandes como Tae kwon do, Esgrima, Karatê, Boxe e Muay Thai. Obviamente atletas que possuem excelentes qualidades de antecipação motriz se destacam nas esquivas e parecem conseguir melhores desempenhos competitivos. A composição corporal indica, em geral, que Lutadores possuem grande percentual de massa magra, e baixo percentual de gordura. A compleição física está relacionada à sua categoria de peso e atletas de Modalidades de Esporte de Combate demonstram grande capacidade de força relativa, isto é, superior às demandas relacionadas ao seu peso corporal. Importantes também são testes que possam averiguar as condições de agilidade, pois nos combates existe sempre necessidade de mudança de direção do corpo. Os testes de velocidade que avaliam a resistência anaeróbia como o teste de 6 m e de 40 m ainda informam valores que ajudam os treinadores a identificar e verificar capacidades inerentes de lidadores a ajustar os treinos para aprimorá-las, principalmente a anaeróbia alática. Nas modalidades de agarre, é vital saber as características e alcances de preensão manual e esses testes devem ser efetuados de modo sistemático, pois as pegadas são extremamente importantes. Testes de força com suspensão em barras são provas essenciais de medidas de força de pegada 159 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 6/ 04 /1 8 LUTAS: ASPECTOS PEDAGÓGICOS E APROFUNDAMENTOS e dos antebraços. No Judô e no Jiu-Jitsu, eles são feitos pela suspensão na barra, usando-se as pegadas nas indumentárias próprias das modalidades, e ajudam a determinar treinos especiais para aumento de força nessas áreas corporais. Os testes são feitos pela capacidade de tempo de manutenção da suspensão do corpo. Outra medida característica respectiva das Modalidades de Esporte de Combate que visam a percussão é a de força de impacto potente. Os atletas executam socos e chutes diretamente em dinamômetros, que mostram medidas de pressão, obtendo valores que preconizam a necessidade de se aumentar os treinos de potência e os ajustes de velocidade musculoarticular. Plataformas de avaliação do equilíbrio dinâmico corporal também são utilizadas, pois a manutenção do equilíbrio é fator fundamental nas análises de estabilidade diante das modificações contínuas que se sucedem nas disputas. A flexibilidade em Lutadores está mais solicitada no quadril e na cervical, e assim tais testes devem verificar os alcances máximos articulares possíveis nessas regiões. 8.4 Metodologia de treinamento para Modalidades de Esporte de Combate Sem dúvida alguma, quanto mais o treinamento se adapta às condições que se sucedem nas competições, mais efeitos condicionantes e preparatórios são atingidos para o sucesso físico do atleta Lutador. Assim, a especificidade do treino obviamente é fator determinante para o bom condicionamento geral do atleta. Primeiramente, sabe-se que a força é uma capacidade inerente de todos os Lutadores, pois em todas as modalidades exigem-se percentuais de força apropriados ao sucesso competitivo relacionados às habilidades motoras. Uma das máximas que se devem respeitar nas Modalidades de Esporte de Combate é que a prática repetitiva parece trazer melhores condições de aprendizado e formalização de técnicas, com resultados superiores de eficácia motriz. Essa condição resulta em maior economia de energia e respostas fisiológicas mais satisfatórias. É importante reforçar que o treinamento aeróbio é fundamental para todas as Modalidades de Esporte de Combate, mas cada qual com suas características respectivas, verificando-se as atuações máximas de treinos, sem transformar seu Lutador em maratonista. Ele deve ser direcionado para dar capacidade de recuperação mais rápida aos substratos de Fosfocreatina, a fim de que possam ser usados nos fatores de definição, retardar a formação de metabólicos que conduzem à fadiga, e permitir maior recuperação geral entre os combates. Os treinos de força que têm por objetivo ampliar a resistência precisam ser direcionados para se apropriarem de aumentos da manutenção da resistência nos locais que sofrem maiores demandas. Assim, no Boxe é importante que o atleta possua força de resistência na musculatura dos deltoides para manter a sua guarda sempre elevada e força de resistência nos tornozelos e pernas para circular continuamente em torno de seu adversário. Atletas de Tae kwon do necessitam de força 160 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 6/ 04 /1 8 Unidade III de resistência para saltitar e mudar de direção rapidamente durante todo o combate; esgrimistas impetram força nos punhos para manutenção da espada em posição elevada. Já Lutadores de Modalidades de Esporte de Combate com princípio de domínio de agarre precisam de muita força de resistência nos antebraços, punhos e falanges dos membros superiores para conservação das pegadas e aprisionar bem seu oponente diretamente ou nos trajes de combate. Treinos com o corpo em suspensão, segurando em barras, empunhando as vestes das próprias modalidades, efetuando flexões, são bastante adequados. Os treinos de força para incrementar a eficiência dos golpes decisivos nas Modalidades de Esporte de Combate devem condizer com as condições de tempo de relação esforço x pausa e número de ataques médios que se observam nas competições, além das estratégias de combate. Os treinos anaeróbios para fortalecer os membros determinantes devem tomar tempos abaixo de 1 minuto, com pausas oxidativas respectivas ao esforço. Após 1 minuto de prática, o metabolismo aeróbio começa a participar mais ativamente e a prática fisiológica desejada perde eficiência. Exercícios praticados com kettlebells e medicine balls são muito utilizados pelos Lutadores em geral, bem como pneus pesados, como demonstrado a seguir. Figura 86 – Treino com kettlebell Figura 87 – Treino com lançamentos de pneus 161 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 6/ 04 /1 8 LUTAS: ASPECTOS PEDAGÓGICOS E APROFUNDAMENTOS Figura 88 – Treinos com medicine balls Essas atividades físicas também ajudam a melhorar a potência muscular, pois são executadas com movimentos de velocidade compatível com os pesos enfrentados. Os treinos de potência em geral são indicados para todas as Modalidades de Esportes de Combate. Recomenda-se nos treinos de potência assumir cargas que possam variar entre 45% e 65% da carga máxima de repetição. Para modalidades de toques, usam-se repetições que consumam em torno de 8 a 10 segundos de execução, com cargas menores; por sua vez, nas modalidades de agarre, executam-se reproduções que esgotem em torno de 10 a 12 segundos de efetivação, porém com cargas maiores. Aumentos com cargas acima de 65% devem preconizar menos repetições, consumindo tempos entre 4 a 6 segundos. Nesse treino se procura atingir ganhos de força associados aos movimentos, por isso se recomendam movimentos multiarticulares de grandes grupos musculares e os mais próximos da realidade da modalidadede soldados. Veja a seguir as figuras que retratam as referidas Lutas. 19 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 6/ 04 /1 8 LUTAS: ASPECTOS PEDAGÓGICOS E APROFUNDAMENTOS Figura 7 – A Luta milenar de Sumô Figura 8 – Jiu-Jitsu Por sua vez, é muito divulgado, quase que por unanimidade entre os praticantes de Lutas asiáticas, que as origens das Lutas e Artes Marciais de Defesa Pessoal derivam de estudos, práticas e disseminação promovidas pelo monge chamado Bodhidharma (Damo), tendo sido documentada sua aparição no templo budista Shaolin na China, em 527 EC (ASHRAFIAN, 2014). A lenda ou o fato da criação dessas ações de grande precisão corporal por Bodhidharma se relaciona à ocorrência de muitos saques aos templos budistas, e ataques corporais aos monges, que viviam entre os arredores da Pérsia e da Índia. Assim sendo, ele decidiu que haveria de ter uma maneira de defender os víveres e pertences dos monásticos contra os bandidos e salteadores. Muito provavelmente, cita Ashrafian (2014), Bodhidharma estudou as técnicas da Luta Kalaripayattu – ações sistematizadas de Lutas corporais encontradas na Índia desde o ano 600 AEC (MIGUEL, 2011). Ainda nos lembra Ashrafian (2014) que se dá crédito a Bodhidharma nas documentações encontradas no templo Shaolin à criação de ações corporais de 20 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 6/ 04 /1 8 Unidade I combate baseadas em movimentos de ataque e defesa de animais, mais precisamente da serpente, do dragão, do leopardo, do tigre e da garça. Depois esses movimentos contundentes foram profundamente desenvolvidos pelos monges budistas do templo Shaolin, os quais aliaram movimentos de outros animais também às resultantes de forças da natureza. Consequentemente apareceram ações fundamentadas nos movimentos de rotação dos tufões, o sugar dos redemoinhos, o agitamento dos ventos, o empuxo das marés, a flexibilidade e resignação dos galhos leves das plantas frente ao peso da neve etc., incorporadas às atuações humanas com propósitos de Defesa Pessoal. Observe as figuras a seguir e veja a comparação entre a movimentação do redemoinho e o giro do corpo no Sumô. Figura 9 – Redemoinho de vento (tufão) Figura 10 – Giro do corpo no Sumô Portanto, a Defesa Pessoal se estabeleceu como necessidade para se enfrentar a cobiça e a ganância, e é importante lembrar que as Lutas instituídas nessas regiões cultivaram a condição de que a habilidade é fator determinante para se contrapor à força exagerada. Consolidou-se a compreensão de que o uso da força deve ser muito bem aproveitado para não se desperdiçar energia, garantindo o êxito da própria segurança contra ofensivas baseadas em tamanho ou força estúpida. De maneira geral, as práticas de Lutas ocidentais demonstraram que existia um aprendizado sociocultural, que poderia favorecer a construção da ética humana por meio da interatividade corporal. Adicionalmente, o aprofundamento de seus estudos trazia o desenvolvimento da concentração, do raciocínio ágil e de tomada de decisão. Por sua vez, as Lutas orientais proporcionavam ao indivíduo uma maior compreensão da natureza que o rodeava e que o entendimento das atuações das forças naturais e sua aplicação por intermédio das estruturas anatômicas corporais causariam a conquista da habilidade de se preservar e garantir a própria sobrevivência. A integração com a natureza mostrava-se imensamente importante, pois o indivíduo aprendia a usar recursos corporais que o levavam à imaginação e à ponderação e o instigavam a analisar e pesquisar sobre o próprio corpo e seus movimentos, garantindo êxito e grande precisão motriz. É notória a complexidade na execução de movimentos de Defesa Pessoal e a necessidade de se praticar os movimentos repetidamente e com o máximo de exatidão para que as ações sejam eficientes. 21 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 6/ 04 /1 8 LUTAS: ASPECTOS PEDAGÓGICOS E APROFUNDAMENTOS Antecipação, agilidade, agudeza, reação instantânea, posicionamento e esquivas corporais são essenciais para permitir que os movimentos humanos se transformem em ações com grande sofisticação anatômica devido à excelência na combinação articular para execução de golpes e técnicas de contundência, projeção e domínio. Ao mesmo tempo, essa prática tão especial desperta reflexões interessantes: Para conseguir desempenho, tenho que enfrentar minhas dificuldades e ainda neutralizar as ações de meu oponente; preciso de um oponente que vai permitir a descoberta de minhas deficiências; necessito descobrir a mim mesmo, saber como posso usar minha corporeidade da melhor maneira possível; preciso compreender meus erros e corrigi-los. Todas essas obrigações levam o indivíduo a uma maior percepção de suas capacidades físicas, motoras, afetivas e intelectuais. Várias especialidades de Lutas criadas para serem usadas por combatentes nas inúmeras batalhas militares da civilização foram sistematizadas em práticas específicas para se atingir a descoberta do próprio ser, favorecer a construção de indivíduos com grande capacidade de autocontrole e concentração, conscientes de seus deveres e promotores dos direitos de todos e atuar de modo cortês e ético. Pode- se citar o Judô, o Karatê, o Aikido, sistematizados no Japão, o Hapkido, na Coreia, o Tai chi chuan, na China, e a Yoga, da Índia, como Lutas que vieram para ajudar seus praticantes a aprender e descobrir a si mesmo, promover a saúde, o desenvolvimento social e psicomotor do indivíduo. Portanto, atualmente, Artes Marciais integram uma significação compreendida por atividades físicas específicas de combate corpóreo e uso de armas com vasta plasticidade física, estratégia de movimentos precisos e contundentes com fins de definição vital, concomitantemente ao fortalecimento espiritual e autodomínio, abalizadas por filosofia própria, isto é, a busca da sabedoria e estímulo à reflexão e ao aprofundamento das relações humanas. O emprego das Artes Marciais e sua aplicação atual são estritamente voltados para: bem-estar, autoconhecimento, formação do caráter, meditação, busca de equilíbrio interior, ampliação das relações sociais e motivação do desenvolvimento cognitivo (MIGUEL, 2011). Chega-se à conclusão que em alguma ocasião, considerando-se os casos mais diversos, existirão vulnerabilidades para o ser humano. Por mais que se adotem meios para se evitá-las, no embate das Lutas os adversários podem colocá-las à prova ou prepararem estratagemas que exponham a natureza falível do ser humano. O exercício das Lutas, em especial das Artes Marciais, consente que se evidenciem demandas e pressões que ponham à mostra essas fragilidades e deixem o indivíduo mais acautelado e mais seguro em si próprio e nas suas relações sociais. As Artes Marciais ensinam a construir os mais distintos valores psicossociais: autocontrole, respeito mútuo, descoberta de potencialidades, aceitação de diferenças, empatia e reconhecimento da importância de seu adversário para o seu progresso. 22 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 6/ 04 /1 8 Unidade I Figura 11 – Tai chi chuan 1.1.3.1 Influências religiosas e filosóficas na prática de Artes Marciais contemporâneas As Lutas que originaram as Artes Marciais se distinguiram como os ambientes que mais permitiram interferências religiosas, filosóficas e contemplativas, distanciando-se de suas raízes originais, as quais a definiram primeiramente como “Excelência para a Guerra”, para depois tornarem-se processos de autoconhecimento, interação na sociedade e comportar a ampliação do desenvolvimento do ser humano nos aspectos físicos, emocionais e cognitivos. As Artes Marciais sugerem condutas bastante específicas de comportamento e exigem que seus praticantes as sigam com determinado rigor. A sua introdução prática ocorreu, sobretudo, por meio de academias especializadas e por terem em seus comandosinstrutores ou, como preferem ser chamados, mestres. Esses mestres foram direcionados por seus antigos mentores, os quais receberam heranças muito fortes de movimentos filosóficos e religiosos, que envolveram procedimentos bem peculiares. Desse modo, muitos princípios, rituais e valores das Artes Marciais provieram de axiomas fundamentados por pensadores importantes como Buda, Confúcio e Lao-Tsé, cujas máximas foram amplamente aceitas no contexto político-social de determinadas épocas. Os rituais e seus fundamentos estabeleceram comportamentos humanos bastante aprazíveis, cuja importância é inegável na formação do ser (CAMPBELL; MOYERS, 1990). Além da preocupação máxima no emprego apropriado das técnicas de ataques, defesas e esquivas por seus praticantes, a ritualização e os protocolos impostos pelas práticas filosóficas, religiosas e mitológicas, a execução das Artes Marciais envolvia, profundamente, o respeito à ética humana, em especial à vida! De maneira generalizada, aprende-se nas Artes Marciais a Lutar para se evitar o conflito! Portanto, a prática se sistematizou, acima de tudo, nos dogmas de preservação da vida. O indivíduo deve batalhar para dar prosseguimento à racionabilidade sincera e à sua sobrevivência, acolhido por uma educação compassiva, direcionada e austera, que o faça atingir os ideais humanos, isto é, a construção 23 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 6/ 04 /1 8 LUTAS: ASPECTOS PEDAGÓGICOS E APROFUNDAMENTOS da harmonia e sintonia para se evitar o confronto desnecessário entre seus semelhantes; Lutar para evitar a violência própria do caráter animal primitivo e integrar o sujeito ao universo. Assim, as Artes Marciais, devido às mais diversas extensões humanas, organizaram-se para estruturar meios de resguardo da paz, da harmonia e da defesa de alicerces de sobrevivência humana, como o direito à propriedade/território, o bem comum, a organização da convivência social, dos interesses coletivos e o progresso do ser. Países como Índia, China e Japão e regiões como a península coreana foram fortemente influenciados por movimentos religiosos e filosóficos como Hinduísmo, Budismo, Xintoísmo, Confucionismo e Taoísmo. Cada qual desses movimentos afetou, com maior ou menor alcance, o ambiente de organização política e social dessas sociedades e a reformulação das Lutas de guerra comuns naquelas regiões (SUGAI, 2000). Sabe-se que a religião Hindu é muito antiga, registrada por estudiosos a partir de 6000 AEC. Porém, os documentos mais conhecidos provêm das circunscrições deixadas nos Vedas (os mais antigos textos de tradições religiosas da Índia), escritos em 1500 AEC são base do Hinduísmo, formados por mantras, hinos, orações, mágicas, encantos e rituais. Os fundamentos mais sintéticos do Hinduísmo apregoam o uso da Yoga (também conhecida como Ioga), como prática de exercícios físicos que implicavam a meditação e unificação corpo-mente para a busca da iluminação da consciência. Anteriormente, os primeiros monges indianos, conhecidos como ascetas, que já se encontravam estabelecidos em anos mais antigos que esses já mencionados, já proclamavam e exerciam a austeridade do corpo para treinamento de disciplina e autodomínio. Os exercícios deveriam levar ao autoconhecimento, ao controle das emoções, a não violência, à superação de adversidades e concentração mental. Além disso, eram usados como treinamentos de posições que possibilitavam defesas opostas aos ataques de invasores do corpo e da alma, isto é, a constante Luta interna contra seus temores. Figura 12 – Yoga: movimento de ataque lateral O Budismo surgiu na Índia com Siddhartha Gautama (448-368 AEC) e propagou essencialmente ideias de destemor ao perigo, desapego material e desprendimento, isto é, o servir incondicionalmente ao próprio ser humano. 24 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 6/ 04 /1 8 Unidade I O Xintoísmo apregoou de maneira relevante o respeito à pátria, à sua terra, a lealdade para com seus antepassados e a consideração aos valores morais como a reverência e a educação nas relações humanas, em especial o respeito à individualidade. Data-se a sua criação no mandato do imperador nipônico Jimmu, em 660 AEC. O Confucionismo foi uma organização filosófica social, com grande repercussão na China, creditada a Confúcio (Kung Fu Tsu, 551-479 AEC), pensador e filósofo chinês. Seus aforismos, e a sua implantação respectiva, resgataram a estruturação da sociedade chinesa e consentiram uma época de amplo progresso para a civilização desse país, avanço nas relações entre as pessoas, fundamentada na educação, formação de conceitos de importância da família, estímulo ao esforço como instrumento para alcançar conquistas e valorização do mérito. Além disso, os procedimentos de organização social de Confúcio inseriram o conceito de hierarquia e respeito aos mais idosos e para aqueles que possuíam maior instrução e eram responsáveis pela educação nas escolas. A alfabetização era obrigatória e os professores eram venerados e reverenciados como denodos imprescindíveis da formação de uma sociedade justa e humana. Valores como benevolência, honradez e honestidade faziam parte da sociedade entusiasmada com os pensamentos gerados por Confúcio. Altruísmo e ritualização dos atos cotidianos canalizavam as afinidades entre todas as classes sociais – “Não faças ao outro aquilo que não queres que façam a ti”, aforismo que pressentia a ética da reciprocidade fundada por esse filósofo chinês. Confúcio teve oportunidade de vivenciar parte da era das Primaveras e Outonos, entre 722-481 AEC, com grande desenvolvimento da instrução matemática, das ciências naturais e humanas, culturais e avanços tecnológicos na China, ainda mais difundidos e fundamentados pelos ensinamentos desse mestre (SUGAI, 2000). A composição do equilíbrio de forças entre o ser humano e o universo foi a doutrina de aprofundamento da sabedoria buscada por Lao-Tsé. Esse filósofo chinês criou o conceito do Zen, ou do encontro do vazio da existência humana, com o axioma: interação com a natureza e o cosmo. A sua sabedoria impôs o preceito de que o ser humano é composto de forças negativas e positivas, que devem continuamente estar equilibradas para evitar as disfunções emocionais, físicas e mentais. Os samurais adotaram normas tais como as preconizadas por Lao-Tsé, descritas nesse ditado: “Uma espada deve ser usada sempre para se conseguir manter a honra, e a maior honra de uma espada é causar o efeito a que se aspira de justiça, mas sem precisar ser desembainhada de seu lugar de repouso” (LAO-TSÉ, 2004, p. 16). Também foi usada a frase de Sun Tzu, tirada do livro A Arte da Guerra: “A suprema arte da guerra é derrotar o inimigo sem Lutar” (CLAVELL, 1983, p. 26). Lao-Tsé também assentou o conceito de que as atividades humanas não podem e não são encaminhadas somente pela lógica racional, e sim pela imprevisibilidade: o ser humano deve de modo imperativo compensar, permanentemente, suas atitudes, em acordo com seus semelhantes. Nas Artes Marciais orientais, transformadas em Modalidades de Esporte de Combate, verifica-se claramente que, por mais que se estude a tática do adversário e tente se prognosticar tudo o que dele poderá surgir, acontecem verdadeiros arranjos surpreendentes, cujas ações e reações serão sucessivamente imprevisíveis, o que transforma esses combates em importantes demonstrações de intensa capacidade de adaptação cognitiva e emocional. 25 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 6/ 04 /1 8 LUTAS: ASPECTOS PEDAGÓGICOS E APROFUNDAMENTOS Saiba mais O artigo a seguir faz uma conexão entre as éticas de origem oriental e ocidental: MENDONÇA, S.; ANTUNES, M. M. Ethos e wude como fundamentação da ética marcial: educação de si mesmo. Revista Educação, São Paulo, v. 6, jul./dez., p. 25-52, 2012. Disponível em: .Acesso em: 13 mar. 2018. 1.1.3.2 Modalidades de inteligência preponderantes nos praticantes de Artes Marciais Segundo Gardner (1995), o ser humano parece dispor de múltiplas inteligências, no caso sete distintas: musical, linguística, corporal-cinestésica, lógica-matemática, espacial, interpessoal e intrapessoal, as quais se manifestam de maneiras diferentes e podem se conjugar por meio das capacidades genéticas próprias associadas aos estímulos ambientais e culturais. Ele propõe também que as inteligências são independentes e os indivíduos podem revelar diferentes capacidades intelectuais, cujas atuações podem se conjugar em uma ou mais dessas inteligências. A inteligência musical decorre de um sistema neural simbólico acessível e lúcido de percepção e interpretação de sons, timbres, escalas e frequências, volumes e composição ou combinação de notas, de modo a compreender e realizar harmonias de sons e significados (GARDNER, 1995; SESSIONS, 1950). A capacidade de inteligência musical implica conseguir decodificar situações em que os sons levam ao arranjo de circunstâncias de sensações específicas, as quais se traduzem em grande harmonia instrumental sendo apreciadas como arte. Além do contexto biológico, as oportunidades para se aprender música derivam dos estímulos para tocar instrumentos, para cantarolar, aprender as notas, avaliar melodias e o estudo frequente e periódico (ZENHAS et al., 2005). A capacidade de agudeza linguística provém da estrutura biológica do ser humano em mostrar algum meio de comunicação inerente da capacidade filogenética humana. Porém, seu aprimoramento depende muito dos estímulos de escrita, leitura, debates, discussões orais, declamativas, retóricas que favoreçam a formação de estrutura de linguagem, sintaxe, semântica e criatividade literária, oral e poética (JOHNSON, 2010). As extensões filosóficas e religiosas citadas anteriormente, aliadas às práticas efetivas nas Artes Marciais, proporcionam abrangentes mecanismos de constituição mental e afetivo-social sobre seus praticantes. Esses mecanismos se apresentam densamente vinculados à formação de múltiplas inteligências, dentre elas as que mais se destacam são: a cinestésica-corporal, a intra e a interpessoal, ou emocional, a inteligência lógica e a de noção de orientação espaçotemporal. A lógica se constitui de raciocínio fundamentado nos cálculos, no estabelecer de relações sequenciais e classificatórias, próprias de movimentos bem estruturados e regulamentados pela eficiência, pelo dar 26 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 6/ 04 /1 8 Unidade I certo e evitar as tentativas imaginárias. O avaliar é baseado em experiências já vividas e as reações são bem organizadas e eficientes. A prática de movimentos bem precisos leva em consideração a eficácia da ação e provoca a concepção de séries motrizes bem claras e com grande poder resultante. O estudo anatômico e as posições físicas mais vulneráveis, bem como a utilização da máxima variação nos graus de liberdade musculoarticular provocam a estruturação única de raciocínio coerente e sistemático. As Artes Marciais possuem movimentos complexos, porém fundamentados em combinações corpóreas específicas. Ao mesmo tempo, têm regras de conduta e ritualização sequencial que permitem seguir normas e padrões que incentivam a reflexão de atitudes. A dedução lógica é construída pela reatividade exigida pela proposta de combate corporal e exercício de resolução de problemas instantâneos e imediatos, construindo princípios importantes para aprendizagem da tomada de decisão. Antecipação de movimentos pela dedução de resultantes corporais ao se contextualizar a conjunção de ações do oponente também exerce entusiasmo intelectual e provoca o desenvolvimento de reações predeterminadas que evitam riscos e previnem o fracasso. A inteligência cinestésica-corporal provém do contato físico, cuja característica é sua intensidade animada. O real é a magnitude da expansão corporal do outro, contra seu domínio e resistente à submissão. A interação é corporal, viva e presente. Tocar, agarrar, derrubar, conter o corpo com o corpo. Conforme assinala Gardner (p. 23, 1995): “A evolução dos movimentos especializados do corpo é uma vantagem óbvia para as espécies, e nos seres humanos essa adaptação é ampliada através do uso de ferramentas”. Desse modo, usar uma arma de combate, expressar seu corpo em movimentos estratégicos e disputar espaços corporais e domínio de contraposição física faz parte da inteligência corporal-cinestésica, que passa assinaladamente pela prática ordenada de Artes Marciais. A seguir podem-se observar duas figuras obtidas do livro Judô Kodokan (2008), que mostram princípios da física dinâmica de alavanca, formada pelo contato específico característico do Judô, necessário para a projeção do adversário. Essas ações coordenadas são provocantes oportunidades de formação das inteligências lógica dedutiva e cinestésica-corporal. a) b) Figura 13 – Física dinâmica no Judô 27 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 6/ 04 /1 8 LUTAS: ASPECTOS PEDAGÓGICOS E APROFUNDAMENTOS Conseguir manter o autocontrole, mesmo nas condições mais desfavoráveis, por exemplo, recebendo acometimentos ofensivos, de ordem anatômica ou até psicossocial e mostrando capacidade de superação da presença do outro sobre seu campo de conforto e privacidade situacional é uma das qualidades humanas mais admiráveis. O indivíduo que pratica Artes Marciais se distingue na construção do autocontrole, pois alcança capacidade de suportar as mais duras ofensas e ataques, de modo a absorvê-las completamente, recuperar seu centro e equilibrar as forças que o desestabilizaram. Suplanta seus medos, controla seus instintos e evita o conflito desnecessário. Ao ser atacado, não reage intempestivamente, mas acostuma-se a analisar fria e rapidamente a situação e retoma sua posição de equilíbrio, mantém-se lúcido e racional, tomando a decisão mais favorável. Chama-se isso de contenção emocional. Essa inteligência lida com os aspectos internos da própria reorientação mental, isto é, a inteligência intrapessoal e com os aspectos que provêm de atitudes de interatividade pessoal, ou seja, a inteligência interpessoal. Nas Artes Marciais, respeita-se para ser respeitado. Muitas vezes se deve ceder para vencer; controlar impulsos e brandir seus instintos de tal modo a agir para se alcançar o resultado que contemple a preservação da vida, do controle da situação, do domínio emocional e o alcance da harmonia pelo estabelecimento da racionalidade. Finalmente, a capacidade de orientação espaçotemporal é construída por meio da disposição do próprio corpo, do esquema corporal a ser usado, por exemplo, quais segmentos e membros que poderão alcançar os seus objetivos mais intrínsecos e ao mesmo tempo orientar o indivíduo na situação de confronto. Os ajustes são constantes e permitem a localização de espaço, tempo de aproximação e distanciamento entre os participantes e atletas competidores nas modalidades esportivas de combate. Na figura a seguir, uma disputa de Boxe, pode-se conferir a importância de se saber medir distâncias e efetuar as aproximações ou afastamentos próprios para os combates. Figura 14 – Disputa de Boxe, média distância 1.1.4 Modalidades de Esporte de Combate As competições atléticas na Antiguidade sempre tiveram como objetivo celebrar algum acontecimento, perpetuar o nome de antepassados, promoverem a paz entre os povos e agradecer pelas colheitas e condições climáticas que davam segurança e estabilidade social. O maior evento esportivo humano organizado atingiu 28 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 6/ 04 /1 8 Unidade I sua máxima realização por meio dos Jogos Olímpicos gregos. Havia as modalidades “leves”: corridas com cavalos, as ginásticas, as corridas atléticas e corridas com o porte de armas e depois as modalidades“pesadas”: as Lutas, “pale”, em grego. Essas Lutas, ou melhor, agora designadas como Modalidades de Esporte de Combate, eram disputadas com grande intensidade e muito apreciadas pela população. Segundo Poliakoff (1987), baseado nas obras literárias do filósofo Lucius Flavius Philostratus (170-250 EC), sofista da época de domínio imperial romano conhecido como Philostratus de Lemnos, a principal competição dos Jogos Olímpicos realizada na Era Antiga e na Grécia Clássica helenística eram as Lutas. Como já mencionado anteriormente, o pugilismo, a Luta livre olímpica e principalmente o Pancrácio – Pankration Athlima, em grego – Modalidades de Esporte de Combate referenciadas nos Jogos Olímpicos a partir de 648 AEC. Essas Modalidades se tornaram o clímax das competições e mostravam ao povo helênico não apenas um vencedor, mas um herói que havia conquistado a glória pelo uso do corpo como instrumento de submissão ao seu adversário. No trabalho chamado Imagines, de Philostratus de Lemnos, e posteriormente complementado por seu sobrinho Philostratus de Atenas, conhecido como o Jovem, a multidão delirava em apupos e aplausos ao vencedor e o aclamava como um super-homem. Ambos os Philostratus afirmam que a vitória na competição dessas Modalidades de Esporte de Combate não era obra do acaso, e sim produto de árduos treinamentos com foco nas habilidades de sujeição física, no uso perspicaz da força, em estratégias de atuação, respeito ao adversário e concentração descomunal em objetivos determinados (POLIAKOFF, 1987). Essas descrições já demonstram a estruturação das Lutas como modalidades organizadas e reconhecidas como atividades de grande interesse público. Obviamente, as contendas eram legitimadas por regulamentos específicos. Apesar de haver poucas regras no Pancrácio, deviam-se respeitar as normas de não morder o oponente, jamais atacar seus olhos e tampouco investir contra os órgãos genitais. No edital de todos os Jogos Olímpicos estava determinado que fosse proibido matar seu adversário e essa regra era muito importante nas Lutas, pois os combates corpóreos eram muito intensos e causavam contusões e lesões extraordinárias (YALOURIS, 2004). Figura 15 – Estátua de Milón de Crotona, cópia da obra de Pierre Puget, São Paulo: seis vezes campeão olímpico de Lutas nos 60º, 62º e 66º Jogos Olímpicos gregos 29 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 6/ 04 /1 8 LUTAS: ASPECTOS PEDAGÓGICOS E APROFUNDAMENTOS Devido ao interesse socioeconômico e observando-se a organização das Lutas como modo de competição, várias disputas corporais e com armas tornaram-se realizações esportivas e deixaram simplesmente de serem consideradas Artes Marciais ou Lutas. Estas foram mais e mais se estruturando, estabelecendo-se por meio de federações e se constituindo por intermédio de regras específicas, sendo disputadas com mediação e arbitragem e ganhando participação grandiosa e ativa de espectadores. Pode-se verificar que atualmente muitas Modalidades de Esporte de Combate são acompanhadas por multidões, com amplo destaque da mídia, por exemplo o Boxe e o MMA. Podem-se comparar as figuras a seguir das Modalidades de Esportes de Combate disputadas na Grécia Antiga como o Pancrácio, retratado nas pinturas e afrescos da época, e o MMA, atualmente. Figura 16 – O Pancrácio retratado na cerâmica grega Figura 17 - MMA: as semelhanças entre ambas as Modalidades de Esporte de Combate são bastante evidentes Assim, o conceito de competição, agôn, próprio da cultura grega, que estabelecia a norma de que sempre se pode ser melhor, espalhou-se e formalizou o Esporte de Rendimento, presente em diversas Modalidades de Esporte de Combate. Em suma, Modalidades de Esporte de Combate são atividades de Lutas e de Artes Marciais esportivizadas, comandadas por instituições do esporte, como: federações, confederações e ligas. Essas modalidades fundamentam-se como agonistas ou demonstrativas, com regras escritas e aceitas, moderação por arbitragem, organização esportiva institucionalizada. O fim máximo é de se obter sucesso competitivo, com objetivos profissionais ou, em certos casos, apenas amadores. 30 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 6/ 04 /1 8 Unidade I Figura 18 – Estátua de pugilista, cópia romana, século I d.C. (Idade Augusta), coleção BNL, Roma Nos Jogos Olímpicos contemporâneos, ainda fazem parte do programa uma parcela considerável de Modalidades de Esporte de Combate. A sua participação envolve 25% do total de medalhas distribuídas nos jogos, mostrando a importância dessas disputas no interesse olímpico. Ilustrando a riqueza de disponibilidades de Lutas ao se pesquisar sobre esse tema, suas origens e aplicação, encontram-se muitos tipos e variações de combates, os quais foram fundamentados em culturas e práticas sociais as mais distintas. A seguir apresentamos dois quadros com algumas Lutas, Artes Marciais e Modalidades de Esporte de Combate, com seus nomes mais comuns no ocidente e no oriente e com suas possíveis origens, sugerindo algumas observações gerais relativas ao seu aparecimento ou documentação arqueológica e/ou histórica: Quadro 1 – Lutas ocidentais Origem/País Denominação Aparição/Observações Etiópia Pugilato 4.000 AEC Argentina Sipalki 1970/mescla de AM orientais Anglo-saxões Boxe mais moderno Séc. XIX e XX Brasil Huka-Huka/Capoeira Brazilian Jiu-Jitsu Kombato Indígenas Família Gracie Policial Bolívia/Colômbia Tinkus/Grima Indígena religiosa Islândia/Escandinávia Glima Vikings, sec. IX Egito Pugilato (Hikuta), Catching e Luta com bastões 2.737 AEC Grécia Pugilato, Pancrácio e Luta livre olímpica (Wrestling) 648 AEC – Jogos Olímpicos Creta Pugilato 1.700-1.500 AEC 31 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 6/ 04 /1 8 LUTAS: ASPECTOS PEDAGÓGICOS E APROFUNDAMENTOS Suíça Schwingen Camponeses Suméria Pugilato 3.000 AEC Senegal Laamb Etnia Wolof – tribal ancestral Sudão Luta Nuba Kush-Núbia ~ 2.700 AEC Holanda/França/Bélgica/Itália Luta Greco-romana Exércitos imperiais, séculos XVIII e XIX (Kampfringen de origem romana imperial) Alemanha/Itália/França/Sicília Esgrima Liu - bo Época medieval França Savate Gouren Séc. XVIII – marinheiros Séc. IV – nobres Rússia Sambo/Systema 1920, URSS EUA Full Contact/Jeet Kune Do. MMA. Bruce Lee Espanha Keyse Defesa pessoal – 1950 Portugal e Galícia Jogo do Pau (cajados) Pastores de ovelhas/medieval Turquia Yağli güreğ (Luta turca ou Luta de azeite) Séc. XI – tártaros Quadro 2 – Lutas orientais Origem/País Denominação Aparição/Observações China Wushu (Kung Fu), Sanshou, kempo (quan-shan), Tai chi chuan, Taijiquan Boxe chinês competição Organizador: Chen Wangting, 1644 Japão Kyosho jitsu (pontos vitais), Judô, Kendô, Kenjutsu, Karatê, Sumô, Aikido, Ju-jutsu Do = caminho Jutsu/Jitsu = técnica Ken = espada Ki = energia Tailândia Muay Thai, Krabkrabong, El Lerdrit (militar) Angkor – 900 EC, Império Khmer Luta Bokator pradal Península Coreana Tae kwon do, Hapkidô, Tsangudô General Choi – ano de1955 EC Vietnã/Laos/Camboja Viet vo dao, Quankido, Ving Tsu (Winchun) Sul da China/Vietnã Sra. Yim Wing Chun, após o ano 1733 (destruição do templo Shaolin) Filipinas/Indonésia/Arquipélago Malaio Kali Silat/Arnis de Mano/Eskrima/ Dumog Na Indonésia, chama-se Pencat Silat Índia Yoga, Kalaripayattu, Gatka Ano 600 AEC Israel Krav Maga Defesa Pessoal militar Criador Imi Lichtenfeld, 1940 da EC Uzbequistão/Irã/Pérsia Kurashi Ano 1000 EC Mongólia Bayiridax e Bökh Séc XIII, Genghis Khan Nova Zelândia Mau Räkau Maoris – instrumentos de agricultura – mitologia 32 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 0 6/ 04 /1 8 Unidade I 2 LUTAS, ARTES MARCIAIS E AS MODALIDADES DE ESPORTE DE COMBATE NA EDUCAÇÃO ATUAL A Educação Física é área fundamental de orientação e formação de indivíduos para que exerçam atitudes cidadãs, possam ser protagonistas