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1 Disciplina: Metodologia do ensino das lutas Autores: M.e Luciano de Lacerda Gurski Revisão de Conteúdos: Sérgio Antonio Zanvettor Júnior Revisão Ortográfica: Esp. Juliano de Paula Neitzki Ano: 2019 Copyright © - É expressamente proibida a reprodução do conteúdo deste material integral ou de suas páginas em qualquer meio de comunicação sem autorização escrita da equipe da Assessoria de Marketing da Faculdade São Braz (FSB). O não cumprimento destas solicitações poderá acarretar em cobrança de direitos autorais. 2 Luciano de Lacerda Gurski Metodologia do Ensino das Lutas 1ª Edição 2019 Curitiba, PR Editora São Braz 3 Editora São Braz Rua Cláudio Chatagnier, 112 Curitiba – Paraná – 82520-590 Fone: (41) 3123-9000 Coordenador Técnico Editorial Marcelo Alvino da Silva Revisão de Conteúdos Sérgio Antonio Zanvettor Júnior Revisão Ortográfica Juliano de Paula Neitzki Desenvolvimento Iconográfico Juliana Emy Akiyoshi Eleutério FICHA CATALOGRÁFICA GURSKI, Luciano de Lacerda. Metodologia do ensino das lutas (40h) / Luciano de Lacerda Gurski. – Curitiba: Editora São Braz, 2019. 70 p. ISBN: 978-85-5475-364-1 1. Capacidade. 2. Cultura. 3. Garra. Material didático da disciplina de Metodologia do ensino das lutas (40h) – Faculdade São Braz (FSB), 2019. Natália Figueiredo Martins – CRB 9/1870 4 PALAVRA DA INSTITUIÇÃO Caro(a) aluno(a), Seja bem-vindo(a) à Faculdade São Braz! Nossa faculdade está localizada em Curitiba, na Rua Cláudio Chatagnier, nº 112, no Bairro Bacacheri, criada e credenciada pela Portaria nº 299 de 27 de dezembro 2012, oferece cursos de Graduação, Pós-Graduação e Extensão Universitária. A Faculdade assume o compromisso com seus alunos, professores e comunidade de estar sempre sintonizada no objetivo de participar do desenvolvimento do País e de formar não somente bons profissionais, mas também brasileiros conscientes de sua cidadania. Nossos cursos são desenvolvidos por uma equipe multidisciplinar comprometida com a qualidade do conteúdo oferecido, assim como com as ferramentas de aprendizagem: interatividades pedagógicas, avaliações, plantão de dúvidas via telefone, atendimento via internet, emprego de redes sociais e grupos de estudos o que proporciona excelente integração entre professores e estudantes. Bons estudos e conte sempre conosco! Faculdade São Braz 5 Sumário Prefacio....................................................................................................... 06 Aula 1 – As lutas e a educação física escolar............................................... 07 Apresentação da aula 1............................................................................... 07 1.1 – As lutas e a cultura corporal.......................................................... 08 1.2 – História......................................................................................... 10 1.3 – Técnicas e princípios ................................................................... 13 Conclusão da aula 1 ................................................................................... 16 Aula 2 – Um pouco das artes orientais: da China ao Japão ........................ 17 Apresentação da aula 1 .............................................................................. 17 2.1 – O Wushu ..................................................................................... 17 2.2 – O Budô ........................................................................................ 21 2.3 – Ninjutsu ....................................................................................... 31 2.4 – Jui-Jitsu ...................................................................................... 33 2.5 – O Judô ........................................................................................ 35 Conclusão da aula 2 ................................................................................... 37 Aula 3 – A capoeira e as lutas esportivas .................................................... 38 Apresentação da aula 3 .............................................................................. 38 3.1 – As origens da capoeira ................................................................ 39 3.1.1 – A capoeira escrava .................................................................. 40 3.1.2 – Capoeira ou ginástica brasileira ............................................... 42 3.1.3 – Fundamentos ........................................................................... 46 3.1.4 – Esquivas .................................................................................. 47 3.1.5 – Chutes ..................................................................................... 47 3.1.6 – Floreios .................................................................................... 48 Conclusão da aula 3 ................................................................................... 49 Aula 4 – As lutas esportivas ou esportes de combate ................................. 50 Apresentação da aula 4 .............................................................................. 50 4.1 – O boxe ........................................................................................ 51 4.2 – Esgrima ...................................................................................... 54 4.2.1 – Disputa .................................................................................... 57 4.3 – As artes marciais mistas (MMA) .................................................. 60 Conclusão da aula 4 ................................................................................... 65 Índice remissivo .......................................................................................... 67 Referências ................................................................................................ 69 6 Prefácio Nesta disciplina estudaremos um pouco mais sobre as lutas. Embora possa gerar estranhamento a algumas pessoas a ideia de se ensinar lutas a estudantes em idade escolar, esse estranhamento é superado na medida em que reconhecemos as lutas como expressão corporal e cultural relacionadas aos tempos e lugares nos quais são construídas. Não é nosso objetivo formar praticantes de lutas, artistas marciais, mas sim oportunizar acesso ao conhecimento historicamente produzido sobre o corpo a partir das lutas, de forma a compreender seus valores, princípios, objetivos, sua organização e fundamentos, sua relação com a cultura e com a sociedade de forma geral, para que os estudantes possam analisar este fenômeno cultural de forma crítica, e, quem sabe, até vir a se tornar praticantes no futuro, se assim o desejarem. Muitos professores de Educação Física se sentem receosos com este tema, entre outros motivos, pela pouca familiaridade com ele. Mas assim como não precisamos ser atletas em diferentes esportes para ensiná-lo, não precisamos ser praticantes das diferentes lutas para tematizá-las em nossas aulas, como veremos na sequência desta disciplina. Contudo é necessário o estudo, pois também não há como ensinar as lutas sem conhecê-las minimamente. Neste sentido sua dedicação no estudo e na realização das atividades aqui indicadas são fundamentais. Estude o material, busque referências complementares, converse com colegas e professores, enfim, invista em sua formação para que possa futuramente abordar este conhecimento com segurança e qualidade junto aos estudantes escolares, contribuindo com sua formação crítica ereflexiva, sendo esse o maior objetivo de todo professor (a). Bom estudo! 7 Aula 1 – As lutas e a Educação Física escolar Apresentação da aula 1 Caro (a) estudante, Iniciamos nossos estudos situando a relação entre as lutas e a Educação Física escolar. As lutas nem sempre estiveram nos currículos, e, talvez, em muitas realidades ainda não está. Então por que inseri-la? Quais foram as inspirações e discussões que propuseram essa inserção? O que já sabemos sobre as lutas na Educação Física escolar? O que ainda não sabemos mas podemos vir a construir? Essas são algumas das questões que abordaremos ao longo deste capítulo. Ao final, espero que você esteja mais seguro sobre a inserção das lutas nas aulas. Foi provavelmente a partir do movimento renovador da Educação Física (BRACHT; GONZÁLEZ, 2005) que as lutas começaram a ser pensadas enquanto conteúdo da Educação Física escolar, e não apenas como modalidades esportivas, como ocorria antes. Isso porque, a partir desse movimento, começou a se defender que a Educação Física não deveria ser apenas uma prática corporal, muito menos apenas esportiva e tecnicista, mas sim tematizar a cultura corporal, ou a cultura corporal de movimento (BRACHT; GONZÁLEZ, 2005). Neste material, abordaremos as lutas a partir da perspectiva da cultura corporal, compreendendo-as como patrimônio histórico-cultural, em constante transformação e ressignificação, buscando superar, sem negligenciar, os aspectos técnicos e motores. Bons estudos! 8 Samurai Fonte: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Samurai_with_sword.jpg 1.1 As lutas e a cultura corporal Para relacionarmos as lutas à cultura corporal, precisamos definir o que compreendermos pelo termo cultura. Cultura pode ser entendida com o resultado da ação entre a humanidade e a natureza. O que nos diferencia dos animais é a capacidade de transformar a natureza de acordo com nossas necessidades e interesses. Contudo, ao modificar a natureza, nós também nos modificamos, criando novas formas de viver. Por exemplo: a casa onde você mora não se encontra pronta na natureza. Foi preciso moldar o barro e cozinhá-lo para fazer o tijolo, minerar, derreter e dar forma ao ferro que forma sua estrutura, e assim por diante. No momento em que começamos a construir casas, mudamos a forma da sociedade se organizar, pois não era mais necessário se procurar cavernas ou outras formas de abrigo. O mesmo acontece quanto ao corpo. Não vemos animais fazendo tae-kwon-do na natureza, muito menos jogando futebol. Essas práticas foram criadas pela humanidade em algum momento na história, de acordo com alguns objetivos, que podem ser usados para se defender ou até se divertir. 9 Abordar as lutas a partir da perspectiva cultural e histórica não significa desconsiderar seus princípios técnicos, até porque o que diferencia uma luta de outra também são suas técnicas. As técnicas também são elementos culturais e, portanto, devem ser abordadas nas aulas, relacionando também aos princípios morais, éticos e filosóficos das lutas. Temos lutas que possuem golpes de percussão (chutes, socos, cotoveladas), lutas que usam instrumento mediador (como espada, nuntchaku), lutas que mantêm a distância (que evitam que o opositor se aproxime muito, como o Tae-kwon-do, Karatê), lutas que mantêm aproximação (como judô, jiu-jitsu), lutas que se destacam pela não oposição ao movimento, utilizando projeções e imobilizações (aikido, hapkido), entre outras. Essas diferenças não são apenas “detalhes”, mas também caracterizam essas lutas. Normalmente as técnicas estão relacionadas a princípios éticos, valores morais, que se representam também na técnica. Tae-kwon-do Fonte:https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/2/22/US_Army_53525_Soldiers _compete_in_Tae_Kwon_Do_tournament_for_Warrior_Country_level.jpg Importante As lutas não se diferenciam apenas pelas técnicas empregadas, mas, principalmente, pelos valores culturais nas quais se formam. https://commons.wikimedia.org/w/index.php?search=boxe&title=Special:Search&profile=default&fulltext=1&searchToken=46ybp83p2al8f7gf7q1s5a0sm#/media/File:Prata_no_Boxe_(21449032383).jpg https://commons.wikimedia.org/w/index.php?search=boxe&title=Special:Search&profile=default&fulltext=1&searchToken=46ybp83p2al8f7gf7q1s5a0sm#/media/File:Prata_no_Boxe_(21449032383).jpg 10 Como os professores de Educação Física não são artistas marciais, ou quando o são, costumam ser praticantes de algumas modalidades apenas. Pode-se enfatizar nas aulas de Educação Física apenas os aspectos mais gerais das técnicas, sem a preocupação com a perfeição técnica. Dessa forma, sugerimos alguns pontos que podem ser abordados pelo professor (a) de Educação Física escolar. Importante Assim estudar as lutas a partir da perspectiva da cultura significa compreender e responder estas perguntas: quem as fez? Onde? Por quê e para quê? Hoje continua igual ou se transformou ao longo do tempo? Será que, por exemplo, o judô praticado hoje no Brasil é igual ao judô praticado por Jigoro Kano, no Japão, no início do século XX? Se não, por que mudou? 1.2 História O professor pode começar abordando uma modalidade apresentando o contexto histórico dela. Pode-se fazer isso perguntando aos estudantes se eles conhecem a modalidade, o que eles conhecem/pensam sobre ela, se sabem de onde vem, e outras informações que os educandos trouxerem. As histórias das artes marciais muitas vezes são baseadas em lendas e nem sempre baseadas em pesquisas acadêmicas, de forma que é preciso sempre analisá-las criticamente. A partir disso, o (a) professor (a) pode lançar um problema, uma pergunta, que os estudantes tentarão responder ao longo das aulas, por exemplo: qual a relação entre o kung fu e os monges chineses? Qual a relação entre o Aikido e o budismo? Saiba mais A metodologia indicada acima baseia-se na abordagem crítico-superadora e da didática para a pedagogia histórico-crítica proposta por Gasparin (2002). Essas 11 abordagens fundamentam-se nos pressupostos do materialismo histórico- dialético, bem como relacionam-se a teorias da aprendizagem e do currículo, de forma que partem da realidade concreta, aquela sensível ao aluno, que ele conhece, para a compreensão mais ampla e profunda, nas palavras de Saviani (2018), do sincrético para o sintético. Para isso existem momentos que podem ocorrer na aula, como a prática social, problematização, instrumentalização, catarse e volta à prática social propostos por Gasparin (2002). A prática social seria a leitura atual da realidade dos alunos, o que já conhecem, como se relacionam com o tema. A problematização seria confrontar essa primeira leitura com uma problemática, algo que o faça refletir sobre a leitura anterior e buscar ampliá-la. Uma vez feito isso, é preciso instrumentalizar, ou seja, oferecer conhecimentos para que o aluno tente elaborar respostas à problemática lançada. Após construir possíveis respostas à problemática, é hora de usar o conhecimento adquirido para resolver a questão, momento esse chamado de catarse. Ao final do processo, os alunos terão uma compreensão mais ampla e mais profunda sobre o tema estudado. O processo de confrontar uma primeira leitura, com uma contraposição, de forma a se chegar a uma nova leitura é chamado de dialética. Quando o professor confronta os alunos com uma problemática, provavelmente os estudantes não terão respostas sobre ela, ou terão apenas respostas superficiais. A partir dessas respostas, o (a) professor (a) pode abordar o histórico da luta abordada. Importante destacar que a história não é um dado concreto, pronto. Não existe a história, mas sim versões da história, que no caso das lutas muitas vezes estão travestidas de lendas, pois costumam ser contadas e reproduzidaspor praticantes, de forma que se aproximam do folclore. O professor pode então trazer essas histórias e, junto com os estudantes, questionar quais os dados possibilitam a verificação da veracidade delas e quais dados podem ser facilmente contestados. O professor de Educação Física não é um historiador, a menos que tenha buscado essa formação, mas possui condições de fazer pesquisas de forma a conhecer minimamente o histórico de algumas das modalidades de lutas, principalmente na realidade atual, em que dispomos de diversas fontes de informações de forma gratuita na internet. Reflita Como a maioria das obras que tratam da história das lutas são escritas por praticantes, sem preocupação acadêmica, mas com o objetivo de promover e 12 preservar a arte, qual o grau de confiabilidade dos dados indicados? Como saber se um dado, um relato, é real ou foi construído como parte do imaginário, como um folclore? É preciso fazer a leitura com uma curiosidade acadêmica, ou seja, sempre desconfiando dos fatos (e não do autor!), pois para a ciência a verdade está sempre em construção e pode ser sempre questionada, exigindo uma leitura crítica. Ao abordar o histórico, é importante se traçar relações entre essa história e as características da luta em questão. A história não são apenas datas e dados isolados, mas sim um contexto no qual se explica, por exemplo, por que se utiliza música na capoeira (os escravos disfarçavam a prática da luta como dança), o uso de técnicas de jiu-jitsu pelos camponeses para se defender dos samurais (que usavam espadas), entre outras possibilidades. Samurai Fonte: https://commons.wikimedia.org/wiki/%E4%BE%8D#/media/File:Samurai.jpg https://commons.wikimedia.org/wiki/%E4%BE%8D#/media/File:Samurai.jpg 13 Uma vez relacionado o histórico da modalidade, pode-se partir para a análise das características técnicas e seus princípios. 1.3 Técnicas e princípios Embora cada modalidade de luta seja diferente, existem aspectos comuns entre elas. Por exemplo: muitas lutas possuem uma postura inicial, formas de esquiva (desvio, proteção), entre outros. Assim podemos analisar tecnicamente as lutas segundo os seguintes princípios: Posição inicial: muitas vezes essa postura possui um nome específico. No Aikido, se chama kamae. Na capoeira, temos a ginga. Uma vez demonstrada qual é esta posição, o que pode ser feito com a ajuda de vídeos ou auxílio de um praticante, que pode ser até mesmo um estudante, pode-se fazer atividades lúdicas para fixá-la. Mídias Veja como exemplo as posições iniciais do Tae-kwon-do. Disponível no link: https://www.youtube.com/watch?v=Nn2utGhf-6I Deslocamento: muitas lutas têm maneiras específicas de se deslocar. Em algumas lutas japonesas se usa o shikko, que é uma forma de caminhar de joelhos. Já na capoeira, a ginga, que citamos como posição inicial, também é usada para se deslocar, assim como os movimentos de cabeça invertida, como o ahú (movimento que se assemelha à “estrelinha” praticada na ginástica). Mídias Assista a uma forma diferente de se deslocar no aikidô Shikkô. Disponível no link: https://www.youtube.com/watch?v=KpTMDz5YXT0 https://www.youtube.com/watch?v=Nn2utGhf-6I https://www.youtube.com/watch?v=Nn2utGhf-6I https://www.youtube.com/watch?v=KpTMDz5YXT0 https://www.youtube.com/watch?v=KpTMDz5YXT0 14 Movimentos de defesa: todas as lutas tendem a ter movimentos que têm por objetivo se defender de uma ação agressiva do opositor. Esses movimentos podem envolver contato, desviante à ação, ou deslocamentos, como no caso das esquivas e quedas. As esquivas são movimentos de desviar da ação do adversário, que envolvem se abaixar (cócorinha na capoeira), girar o tronco (muito usada no Aikido e Kung Fu), entre outros. Já as quedas são usadas em situações nas quais há alavancas, imobilizações, cujo deslocar do corpo pode salvaguardar quem está recebendo a ação. Há diversas artes marciais que utilizam movimentos de projeção (arremessar o adversário), e por isso é comum se treinar, por primeiro, técnicas de queda. Aqui o (a) professor (a) de Educação Física pode usar rolamentos de outras modalidades, como da ginástica (rolamento de frente, de costas, quedas de lado). Mídias Para um aprofundamento da esquiva no kung fu, assista ao vídeo disponível no link: https://www.youtube.com/watch?v=XLPXQenbPk8 Já para as quedas no aikidô, sugiro o vídeo disponível no link: https://www.youtube.com/watch?v=eTbOrUx6dKc Movimentos de percussão: são técnicas que têm por objetivo acertar o oponente. Essas técnicas exigem muito cuidado e discernimento do professor, pois os estudantes podem se motivar e desejar usá-los fora do contexto pretendido, vindo a lesionar colegas. Envolvem movimentos de chute, socos, joelhadas, cabeçadas, entre outros. O professor pode fazer atividades lúdicas que consistam em socar objetos que não produzam dor, como balões de ar (bexiga), almofadas e afins. Embora esses movimentos possuam um pouco mais de risco, eles têm a vantagem de ser motivantes e podem servir como estratégia de catarse para diminuir a agressividade. https://www.youtube.com/watch?v=XLPXQenbPk8 https://www.youtube.com/watch?v=eTbOrUx6dKc https://www.youtube.com/watch?v=eTbOrUx6dKc https://www.youtube.com/watch?v=eTbOrUx6dKc https://www.youtube.com/watch?v=eTbOrUx6dKc 15 Mídias Para um melhor entendimento dos chutes diversos, assista ao vídeo disponível no link: https://www.youtube.com/watch?v=kawkpsSnKRs Quanto aos socos, veja um soco no karatê-do, no vídeo disponível no link: https://www.youtube.com/watch?v=MeIFg89vmjU&t=2s Instrumentos mediadores: muitas modalidades de luta se utilizam de instrumentos para realizar suas técnicas, como espada (kendo, esgrima), nunchaku (tae-kwon-do), bastões (maculelê), arco e flecha (hoje esporte olímpico, usado por diversas lutas diferentes). Pode-se produzir esses instrumentos de forma alternativa, como veremos no capítulo que aborda a esgrima. Mídias Veja os instrumentos mediadores e o uso da espada no kendo. Disponível no link: https://www.youtube.com/watch?v=8hdZ9nhkJtc Projeções e imobilizações: costumam ser usadas por lutas oriundas da população mais pobre que, na impossibilidade de contar com armas, desenvolveram técnicas que usam o corpo e a energia do movimento do oponente para dissuadi-lo. Algumas lutas baseiam-se somente nestas técnicas, já que buscam ser o menos ofensivo possível, como veremos no capítulo que aborda o budô. Essas técnicas possuem certo risco na medida em que tendem a envolver entorses nas articulações e no perigo de se cair de forma inadequada. Portanto é fundamental que se treine as quedas antes de abordá-las. Contudo pode-se praticá-las de forma lúdica, com jogos que envolvam deslocar o companheiro ou tentar mantê-lo imóvel. https://www.youtube.com/watch?v=kawkpsSnKRs https://www.youtube.com/watch?v=MeIFg89vmjU&t=2s https://www.youtube.com/watch?v=MeIFg89vmjU&t=2s https://www.youtube.com/watch?v=MeIFg89vmjU&t=2s https://www.youtube.com/watch?v=MeIFg89vmjU&t=2s https://www.youtube.com/watch?v=8hdZ9nhkJtc https://www.youtube.com/watch?v=8hdZ9nhkJtc 16 Mídias Projeções e imobilizações: veja algumas projeções e imobilizações do hapkido disponível no link: https://www.youtube.com/watch?v=w1gO0XVh400 Além destas questões técnicas, existem outros aspectos que podem ser estudados/destacados nas lutas: a vestimenta, equipamentos, rituais, formas de saudação, organização burocrática, graduações, entre outros. Agora já temos elementos para começar a pensar no ensino de lutas na escola, contudo, para além das características de cada luta, podemos relacioná-las ao contexto social maior, o que faremos agora estudando algumas formas de lutas. Conclusão da aula 1 Ensinar lutas exige o conhecimentomínimo de suas origens, fatores históricos e sociais, bem como características técnicas específicas. Para ensiná- las, pode-se se basear na metodologia crítico-superadora, a qual reconhece o conhecimento atual do aluno, o problematiza de forma a instigá-lo a aprofundar, construindo assim uma compreensão mais ampla da realidade. Para isso, é fundamental se traçar as aproximações entre o contexto cultural e técnico, o que pode ser feito nas aulas a partir de atividades adaptadas e lúdicas, tematizando os elementos técnicos como deslocamentos, esquivas, golpes de percussão, entre outros, bem como os aspectos históricos e sociais, os quais também podem ser feitos por atividades lúdicas, como jogos, caça-palavras, encenações, entre outras formas. Atividades de aprendizagem Um dos avanços do movimento renovador da Educação Física brasileira, ocorrido na década de 80 do século passado, foi a compreensão de que o objeto de estudo da Educação Física é a cultura corporal. Tendo em vista essa compreensão, o que significa ensinar lutas sob a perspectiva cultural? Dê um exemplo. As lutas possuem fundamentos em comum, variando sua forma de execução, como esquivas, técnicas de queda, golpes de percussão, instrumentos mediadores, entre outros. Escolha uma luta, um fundamento técnico e responda: como poderia ser feita uma atividade prática deste fundamento em uma aula de Educação Física no ensino fundamental? https://www.youtube.com/watch?v=w1gO0XVh400 https://www.youtube.com/watch?v=w1gO0XVh400 17 Aula 2 - Um pouco das artes orientais: da China ao Japão Apresentação da aula 2 Olá, caro aluno! Seja bem-vindo a mais uma aula em que será abordado sobre as artes marciais da China e Japão. Agora que já contextualizamos o ensino das lutas na escola, refletindo sobre o tipo de conhecimento que pode ser abordado, bem como suas características metodológicas gerais, conheceremos um pouco mais de algumas lutas, de forma a nos instrumentalizar dos fundamentos básicos necessários para sua tematização nas aulas. Lembre-se de que o conhecimento aqui abordado é superficial, de maneira que você deverá aprofundá-lo ao longo de sua carreira. Começamos por conhecer um pouco de algumas lutas orientais, em especial o wushu chinês e o budô japonês, pois permitem conhecer um pouco da compreensão cultural e do movimento de desenvolvimento das lutas, bem como suas relações com o budismo. Esse conhecimento é fundamental para compreendermos a organização central dessas lutas, bem como para analisar criticamente as transformações que sofreram até o período atual. Vamos lá, onegaishimassu? Vocabulário Onegaishimassu: Por favor em japonês. 2.1 O Wushu O Wushu, na verdade, não é apenas uma forma de luta, mas um termo genérico para diversas formas de lutas existentes na China. Trata-se de uma das primeiras formas de lutas organizadas e sistematizadas que se tem notícia. Isso se dá, entre outros, graças aos monges que se dedicaram de forma intensa e disciplinar a seu estudo e desenvolvimento. Durante muitos séculos, os países orientais viviam em conflitos, o que exigia o desenvolvimento de técnicas de luta, que muitas vezes ficavam restritas a pequenos grupos, que não gostariam de 18 compartilhá-las para não perder sua superioridade. O Wushu fundamenta-se na cultura budista. Os templos Budistas eram locais geralmente construídos e mantidos pelo imperador e quase sempre se transformavam em centros de estudo do taoísmo, confucionismo, medicina chinesa, literatura, tradução de sutras em sânscrito além, é claro, do estudo da filosofia Budista. (Instituto Lohan, 2014). Wushu Fonte: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Wushu_saber.jpg Provavelmente você nunca ouviu o termo Wushu (arte de guerrear ou arte da guerra). Isso porque esta luta é mais conhecida por outro nome: Kung Fu! O wushu foi sistematizado em grande parte graças aos monges budistas, além de prática militar, era uma forma de buscar melhores condições de saúde. Foram criados diferentes estilos, incluindo estilos baseados em movimentos de animais, como a serpente e o tigre. https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Wushu_saber.jpg 19 Curiosidade Seu nome correto é Wushu, porém quando os ocidentais tiveram contato com esta luta, viam os praticantes gritando kung fu, que em chinês é algo como faça direito ou faça bem feito. Porém da repetição do termo tornou-se popular ser chamado de Kung Fu no ocidente. Os monastérios eram constantemente atacados, forçando que os monges também aprendessem a se defender. Serviam também de estadia para viajantes, de forma que em troca da hospedagem os monges aprendiam as técnicas de lutas com seus hóspedes e depois as desenvolviam com um treinamento bastante intenso, que envolve muita disciplina e domínio do corpo. Shaolin Kung Fu Fonte: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Art_of_Shaolin_Kung_Fu.jpg https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Art_of_Shaolin_Kung_Fu.jpg 20 Esses monges eram budistas, que conciliavam as técnicas de lutas com os princípios budistas aos quais se dedicavam. Entre esses princípios constavam o respeito e a contemplação da natureza, pois acreditam que existe uma ordem universal em todas as coisas, e ao observar a natureza, poderia aprender com essa ordem. Assim as técnicas de luta foram sendo organizadas a partir também da observação dos movimentos dos animais, nascendo os estilos do tigre, louva-a-deus, macaco, serpente e a garça. Existem outros estilos ainda relacionados ao Wushu, como sanda ou boxe chinês, modalidades que lembram o kick boxing, com uso de movimentos de boxe e chutes. Existem competições que se assemelham ao vale tudo. Saiba mais O budismo não é somente uma religião, mas uma filosofia, uma forma de compreender e explicar o mundo. Você pode saber mais sobre ele aqui. Disponível no link: http://institutolohan.com.br/instituto/budismo/ O templo Shaolin existe até hoje, bem como seus monges, que recebem os turistas e apresentam sua arte. Conheça mais sobre ele aqui. Disponível no link: http://www.chinalinktrading.com/blog/o-templo-de-shaolin/ Templo Shaolin Fonte: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Monast%C3%A8re_de_Shaolin_..JPG http://institutolohan.com.br/instituto/budismo/ https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Monast%C3%A8re_de_Shaolin_..JPG https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Monast%C3%A8re_de_Shaolin_..JPG 21 O Whusu (kung fu) tornou-se esporte nacional, sendo realizado por crianças e adultos como forma de preparação física e prática cultural, para além dos interesses esportivos ou marciais. Acredita-se, na cultura oriental, de uma forma geral, que a prática de uma arte marcial (artes relacionadas à guerra), podem trazer benefícios maiores do que os ganhos físicos em si, como o controle da mente, das angústias, do stress, sendo considerado muitas vezes uma forma de meditação. Saiba mais Meditar não é ficar pensando em algo, mas sim um exercício para controlar a mente. Pensamentos e sentimentos podem nos colocar em desarmonia, e a meditação seria uma forma de se desvencilhar destas perturbações encontrando um estado de paz, o que pode ocorrer com a prática constante de uma arte marcial. Existem diversas técnicas de meditação, e praticantes de algumas artes marciais acreditam que sua prática é também uma forma de meditação. O do presente no nome de diversas artes marciais indica o caminho, ou seja, uma forma de encontrar um estado elevado de consciência, assim como se busca em algumas formas de meditação. A intenção, explicando de grosso modo, é conseguir se religar a uma verdade universal. Quando se consegue isso, atinge- se um estado de iluminação, também chamado de satori no Japão. Saiba mais sobre o Satori, disponível no link: http://www.saindodamatrix.com.br/archives/2003/07/satori.htmlAs lutas não possuem local e data exatos para sua criação, são manifestações que vão se modificando ao longo do tempo e dos locais que são praticadas. Na China, incorporaram-se conhecimentos anteriores e os sistematizou no que ficou conhecido como wushu. A cultura chinesa influenciou a de outros países, como o Japão, onde nasce uma nova forma de organizar e conceituar as lutas, o budô, como veremos a seguir. 2.2 O Budô Como vimos antes, o budismo e o taoísmo são influências culturais muito fortes e presentes na cultura oriental, de forma que diversas práticas culturais, como as artes marciais são travestidas destas formas de pensar, estando presentes desde as lutas chinesas às lutas japonesas, entre outros. 22 Curiosidade Budô (武道) é um termo para designar as Artes Marciais Japonesas. Também se trata de um termo utilizado para descrever o estilo de vida dos praticantes dessas artes, no qual engloba uma série de aspectos físicos, filosóficos e morais, com foco no auto aperfeiçoamento, disciplina e crescimento pessoal e espiritual. Para um aprofundamento da cultura japonesa, veja Japão em Foco disponível no link: https://www.japaoemfoco.com/budo-artes-marciais-japone sas/ Japão Fonte:https://commons.wikimedia.org/wiki/%E6%97%A5%E6%9C%AC#/media/File:Mi yajima_Alex.jpg Importante O fato de se praticar uma arte marcial com influência budista não torna o praticante budista ou seguidor desta tradição. Não há problemas que pessoas com diferentes crenças religiosas pratiquem estas artes. Lembre-se de que o budismo é entendido muitas vezes mais como uma filosofia do que uma religião. No Japão, as artes marciais assumiram uma forma específica, conhecida como Budô. Bu quer dizer militar, e do caminho. Seria então a prática do caminho por meio de artes marciais. Mas o caminho para quê? Para aquele estado de paz completa buscada com a meditação que citamos acima. Os diversos mestres https://commons.wikimedia.org/wiki/%E6%97%A5%E6%9C%AC#/media/File:Miyajima_Alex.jpg https://commons.wikimedia.org/wiki/%E6%97%A5%E6%9C%AC#/media/File:Miyajima_Alex.jpg https://commons.wikimedia.org/wiki/%E6%97%A5%E6%9C%AC#/media/File:Miyajima_Alex.jpg https://commons.wikimedia.org/wiki/%E6%97%A5%E6%9C%AC#/media/File:Miyajima_Alex.jpg 23 que formataram suas artes diante deste princípio queriam que suas lutas servissem para educar o povo e cativar a paz. Pode parecer contraditório que as lutas que tinham por objetivo inicialmente subjugar um adversário sejam usadas para fomentar a paz, mas ao analisar o contexto histórico percebemos como isso é lógico. O Japão é formado por um conjunto de ilhas, cujo território é montanhoso, acidentado, e, ainda, conta com períodos de inverno intenso em certas regiões. Mapa do Japão Fonte: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Carte_japon.jpg Até a idade média, e mesmo na modernidade, até o início do século XX, existiam no Japão diversos feudos. Esses feudos tinham um sistema social bem organizado, e nele havia uma classe de guerreiros, conhecidos como samurais. Vocabulário Samurai: membro da classe dos guerreiros, na organização xogunal do Japão antes de 1868. Era como soldado da aristocracia do Japão. Com a restauração Meiji a sua era, já em declínio, chegou ao fim. Suas principais características eram a grande disciplina, lealdade e sua grande habilidade com a katana. 24 Samurai Fonte: https://commons.wikimedia.org/wiki/%E4%BE%8D#/media/File:Samurai_armor .jpg Esses guerreiros eram treinados desde a infância para protegerem seu feudo e seus país, sendo preparados inclusive para dar a sua vida por isso. Dessa forma gozavam de certo status e respeito, bem como de condições de vida superiores aos camponeses. Esses feudos muitas vezes entravam em disputas entre si ou contra nações estrangeiras que tentavam invadi-los, de forma que o Japão passou boa parte de sua história mergulhado em guerras. Neste contexto criaram muitas técnicas e uma filosofia de vida que mais tarde ficou conhecida como bushido, ou o código de conduta samurai. Não se tratava de uma lei, mas de uma ética que balizava as ações dos guerreiros, a qual trazia princípios como lealdade, coragem, benevolência, justiça. 25 Costuma-se descrever as virtudes que deveriam ter os samurais, segundo o Bushido, como 7: Gi: justiça, retidão e honestidade; Yuu: coragem, bravura heroica; Jin: compaixão, benevolência; Rei: respeito, polidez e cortesia; Makoto: honestidade, sinceridade absoluta; Meiyo: honra, glória; Chuu: dever e lealdade. (KAWANAMI, 2013). Caso um samurai não honrasse esses princípios, era considerado desonrado, perdendo o respeito da sociedade, e a única forma de recuperar esse respeito era tirando a própria via em um ritual conhecido como sepukku. Saiba mais Para conhecer mais detalhes do Seppuku, acesse o link: https://www.meusdicionarios.com.br/seppuku Como eram formados desde cedo para a guerra, criou-se uma cultura que valorizava os detalhes, a vida plena em cada momento. A vida do samurai pode ser representada pela flor de cerejeira, que resiste a condições intensas, mas tem vida curta e plena. “Viva sem medo, pois o guerreiro não deve temer o vento que sopra, mas deve lembrar que a vida é frágil como uma flor”. (MOURA, 2013, s/p). https://www.meusdicionarios.com.br/seppuku 26 Flor de cerejeira Fonte: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Ibirapuera,_cerejeira_-_panoramio.jpg No início do século XX, aumentou a pressão para que o Japão abrisse suas fronteiras, devido à posição estratégica que ocupava para as navegações. Ingleses e Norte-Americanos cercaram o Japão com navios de guerra, forçando o Japão a negociar. Os samurais eram contrários a essa negociação, pois achavam desonrosa, e por isso conseguiram depor o Shogun, o chefe de armas do Japão que governava até então, e devolveram o poder para o imperador, sendo aí o início da era Meiji. Acreditavam que o imperador iria unir o Japão e lutar contra os invasores. Contudo, o imperador optou por negociar com os invasores, talvez por perceber sua inferioridade bélica, e aliado a um desejo de modernização do país, cansado de séculos de violência e morte, proibiu a existência de samurais, que não podiam mais andar armados. Com isso, deu-se início ao fim dos samurais. 27 Mídias O filme “O último Samurai” de Edward Zwick, estrelado por Tom Cruise e Ken Watanabe, retrata essa passagem na história do Japão quando os samurais são proibidos. Nele é possível ver um pouco do estilo de vida e da filosofia samurai. Temia-se que toda a cultura e os conhecimentos dos samurais se perdessem com a extinção deles. Foi nesse contexto que as práticas de lutas, entre outras, que foram desenvolvidas durante séculos, com longos e dedicados estudos e treinos, foram readequadas para um novo fim: um instrumento para educar o povo para uma cultura voltada à paz. Nascia o Budô. Vocabulário Budô: Bu, significa militar, e o do é o caminho do zen budismo. Budô portanto é o caminho das artes marciais. Assim as artes marciais que nasciam nesses momentos, da união e/ou sistematização de lutas antigas, foram readequadas para atingir os objetivos do do. Não tinham mais a preocupação de formar guerreiros para defender o país, mas sim pessoas educadas e civilizadas, em um processo que se aproxima do conceito de processo civilizador (ELIAS,1993). O ponto central no qual se apoia a teoria do processo de civilização é a existência deste processo 'cego' (não planejado), e empiricamente evidente. Trata-se do processo de 'cortenização' e/ou parlamentarização dos guerreiros medievais; isto equivale a dizer em termos práticos: a violência imbricada no cotidiano dos guerreiros cede lugar ao debate e ao refinamento das atitudes dos cortesãos. A soluçãodos conflitos e o controle da violência passam a ser encaminhados de formas distintivas em relação ao uso imediato e explícito da força/violência. Longe de constituírem uma antítese, violência e civilização são processos complementares, são formas específicas de interdependência. A civilização dependerá do estágio de controle da violência, do monopólio dos impostos que permitem constituir uma força suficientemente efetiva para impor a pacificação interna. (GEBARA, 2015, p.36). 28 Saiba mais O processo civilizador é uma das obras mais importantes de Norbert Elias. O autor estudou manuais de comportamento da idade média e percebeu que existe um processo que vai tornando a sociedade e as pessoas cada vez mais civilizadas, criando uma segunda natureza, um comportamento internalizado, nem sempre consciente, que é construído e incutido ao longo da história das civilizações e da vida das pessoas. Um exemplo disso é o nojo, que não é um sentimento natural, mas aprendido, porém, se manifesta independente da intenção daquele que o sente. Você não consegue simplesmente deixar de sentir nojo. Esse processo nos ajuda a entender melhor muitas atividades humanas, como o esporte e as lutas. Disponível no link: http://institucional.ufrrj.br/portalcpda/files/2018/09/ELIAS__Norbert._O_process o_civilizador_volume_1.pdf No processo civilizador, os níveis de violência aceitos socialmente vão sendo alterados, de forma a menor aceitação de violência explícita e a interiorização dos comportamentos sociais tidos como aceitáveis. Norbert Elias percebeu essas alterações em manuais de comportamento, mas elas se expressam também em outras formas, como nas alterações sofridas pelas artes marciais para se enquadrar naquilo que ficou conhecido como Budô. Os samurais eram guerreiros responsáveis por defender seu feudo. Diante dessa necessidade desenvolveram uma série de conhecimentos. Dentre eles um rígido código de conduta para viver e morrer com dignidade, código esse que não era escrito, mas de conhecimento de todos. Passado esse período da história, onde o Japão finalmente entra em um período de paz, não havia mais a necessidade da preparação para a guerra. Então o conhecimento acumulado pelos Samurais durante milênios foi transformado na prática em busca de um mundo harmonioso, uma filosofia de vida em busca da harmonia, o budô. (INSTITUTO NITEN, 2008, s/p.). Mantinham-se assim alguns dos princípios do Bushido, agora socializados a todos que buscassem a prática do budô. O budô então não é uma luta, mas sim uma filosofia dentro da qual cada luta buscou se adequar. Dessa forma, as lutas que se aproximaram dessa filosofia são marcadas por fortes princípios éticos e morais: Caminho do Guerreiro. De acordo com Nitobe (1927), é o conjunto de normas éticas e morais que moldaram o pensamento dos samurais durante o Kamakura, Muromachi e Momoyama, atingindo sua maior importância durante o período Tokugawa. Recolhidas as virtudes como a justiça, coragem, lealdade, honra, verdade e bondade. Assim, este 29 código de ética seria formado por uma série de textos, ao longo dos tempos, recolhidos a partir do ideal da forma como samurai de acordo com as características de cada período. Nesse sentido, Cleary (1992), recorda que Bushido nunca foi unificado e completado, mas é formado por diferentes textos e, portanto, podem ser encontrados elementos xintoístas, budistas, taoístas, confuncianos, jurídicas e militares em diversos textos que compõem por sua vez, várias representações do bushido. Esta posição seria diametralmente oposta ao de alguns autores europeus que estavam a considerar que tanto a palavra quanto seu significado seriam invenções do Período Meiji (1867), a fim de reforçar o sentimento nacional, que foi anteriormente inexistente. Para Gleeson (1975, p. 94), judô nasceu vários anos após a era dos samurais e em diferentes idades, em termos de moralidade, ética e valores educacionais. Segundo o autor, a maioria se não todos, os códigos de conduta exemplar feudal eram apenas um disfarce para camuflar o comportamento selvagem e brutal sofrido pelos fracos e desprotegidos. Bushido e samurais eram duas exceções a estes comportamentos. (CASADO, 2009. p.36). Como exemplos, temos os 5 princípios do Karatê Shotokan: esforçar-se para formação do caráter, fidelidade para com o verdadeiro caminho da razão, criar o intuito de esforço, respeitar acima de tudo e conter o espírito de agressão, ou os do judô: JU = suavidade, SEIRYOKU-ZEN-YO = máxima eficiência com mínimo esforço, JITA-KYOEI = bem-estar e benefícios mútuos, ou, ainda, um dos princípios filosóficos do Aikido, que segundo seu fundador: “O Aikido não deve ser somente uma técnica para combater o inimigo ou derrotá-lo. Ele deve ser um meio de reconciliar o mundo e transformar a humanidade em uma grande família”. Ou, ainda: “Harmonia”, no Aikido, significa ligar-se com o cosmos (o universal) e se reunir a um parceiro (o particular); no Aikido atraímos o oponente para nossa própria esfera de movimento, de maneira a guiá-lo. Isso vale para qualquer arte – a oposição deve ser sempre reconciliada para criar algo belo. (UESHIBA, 2006, p.33). A prática de artes marciais que se pautam pelo budô atingiu um novo significado: a manutenção da cultura japonesa, de forma que se aproxima do folclore. A preocupação não é mais com a eficiência técnica para uma necessidade real, embora muitas técnicas ainda possuam eficiência, mas sim a preservação e manutenção da cultura e dos princípios oriundos dessa cultura. Podemos perceber isso na explicação de Jigoro Kano, criador do Judô, e sobre por que escolheu esse nome: Por que eu queria chamá-lo de judô em vez de jujutsu? Embora existissem motivos diferentes, o mais importante e decisivo era que o 30 principal objetivo de ensinar o judô Kodokan deveria basear-se no do e não na habilidade na técnica (jutsu), que é um fim secundário ou meio para alcançar o principal objetivo que para nós está no do. (Kano, 1926 apud CASADO, 2009, p.16). Dessa forma, enquanto professores, precisamos ter cuidado acadêmico, pois muito do que se sabe sobre essas artes foi produzido por praticantes, nem sempre com fundamentação acadêmica/científica, de forma que essa cultura pode ser analisada criticamente, separando-se aqueles elementos que carecem de mais comprovação daqueles que se aproximam do místico e das lendas. Não significa que não devemos abordar essa narrativa nas aulas, mas sim mostrar aos estudantes os limites dos discursos produzidos, incentivando-os a pesquisar e a questionar os dados de forma fundamentada. Dessa maneira, o budô pode ser um rico conhecimento de ordem cultural e histórica, podendo ser abordado quanto à suas narrativas, seus aspectos históricos, técnicos, morais, bem como à seu contexto na atualidade, as transformações pelas quais suas expressões passaram e de que forma se relacionam com o contexto mais atual, podendo ser usado para isso os filmes e os eventos esportivos, por exemplo. É importante analisar o discurso do Budô, pois há controvérsias sobre a origem desse termo, sendo inclusive que relega a uma invenção ocidental. (FRIDAY e HUMITAKE, 1997). Embora o budô seja bastante atrativo, é importante salientar que nem todas as lutas orientais são budô, nem mesmo todas as lutas japonesas. Temos como exemplo o sumo, que possui tradições diferentes da que a do budô, embora em certos momentos possam se relacionar com esse. Mesmo que a imagem do samurai seja muitas vezes contada com um guerreiro heroico, sabe-se que a realidade nem sempre acontece de acordo com as lendas. Assim havia samurais que se aproveitam de sua superioridade e poder contra camponeses, seja para obter vantagens pessoais ou a mando de seu senhor feudal. Por isso, os camponeses criaram formas de se defender, nascendo os ninjas. 312.3 Ninjutsu Ninjas Fonte: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Ninja_sikiruki.jpg Os ninjas se distinguem dos samurais por fazerem parte de outra casta social. Os samurais eram os guerreiros do estado e, embora pudessem também estudar técnicas dos ninjas, muitas vezes se viam em conflitos com esses. Como só era permitido aos samurais portar armas, podendo o infrator pagar com a própria vida, os ninjas criaram estratégias e armas específicas de defesa, que envolviam técnicas avançadas de espionagem, camuflagem, teatro, improvisação, entre outros. O cinema eternizou a imagem do ninja como aquele guerreiro vestido de preto, mas isso não é verdade. Os ninjas se vestiam de acordo com as necessidades das missões que estavam engajados. Assim vestiam-se como camponeses, com uma roupa camuflada para se confundir ao ambiente, uma forma mais eficiente para atingir seus objetivos. https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Ninja_sikiruki.jpg https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Ninja_sikiruki.jpg 32 Como não podiam portar espadas, desenvolveram uma série de armas que podiam ser transportadas sem serem notadas, como pequenas adagas, hira-shuryken (estrelas de metal para atingir o inimigo), zarabatanas, entre outras. Shuriken Fonte: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Shaken.JPG Entre os conhecimentos estudados no Ninjutsu, arte derivada dos ninjas, encontramos: Seishin-teki kyōkō (refinamento espiritual), Taijutsu (combate desarmado, usando apenas o corpo), Kenjutsu (luta com espada), Bōjutsu (luta com cajado), Shurikenjutsu (arremesso de shuriken), Sōjutsu (luta com lança), Naginatajutsu (luta com naginata), Kusarigamajutsu (luta com kusarigama), Kayakujutsu (pirotécnicos e explosivos), Hensōjutsu (disfarce), Shinobi-iri (roubo e métodos de invasão), Bajutsu (equitação), Sui-ren (treinamento aquático), Bōryaku (tática), Chōhō (espionagem), Intonjutsu (métodos de fuga e aprisionamento), Tenmon (meteorologia), Chi-mon (geografia). https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Shaken.JPG https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Shaken.JPG https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Shaken.JPG https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Shaken.JPG 33 Saiba mais Para um melhor entendimento sobre as técnicas dos ninjas, sugiro o site do martial kombat disponível no link: http://martialkombat.blogspot.com/2013/09/tecnicas-do-ninjutsu.html 2.4 Jiu-Jitsu Jiu-Jitsu Fonte: https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/3/30/Back_mount.jpg Campeonato de Jiu-Jitsu Fonte: https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/c/c8/Brazilian_Jiu-jitsu-Closed_ guard.jpg http://martialkombat.blogspot.com/2013/09/tecnicas-do-ninjutsu.html https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/3/30/Back_mount.jpg 34 Era comum entre os ninjas e os camponeses, e mesmo samurais, o desenvolvimento de técnicas que mais tarde ficaram conhecidas como Jiu-jitsu. Isso porque os samurais utilizavam armaduras e eram muito hábeis com espadas mais longas. Assim, em um combate, não podendo fugir, a primeira iniciativa era ficar próximo ao samurai, diminuindo a eficiência de sua espada. Uma vez próximo, não adiantaria socar ou chutar, já que os samurais usavam armaduras de ferro, de forma que logo se percebeu era mais vantajoso desequilibrá-lo, pois a armadura poderia limitar sua defesa no chão. Uma vez no chão, não havia alternativa a não ser o uso de chaves e torções para imobilizá- lo. É verdade que o jiu-jitsu não nasceu no Japão, se considerarmos as técnicas que utiliza, que já eram conhecidas desde a Índia, mas foi no Japão que recebeu esse nome e a utilização com fins educacionais e esportivos. Como uma luta japonesa, assumiu muito dos princípios contidos na cultura japonesa, inclusive do budô. Contudo ficaria mais conhecido devido a seus desdobramentos: o judô de Jigoro Kano e o brazilian Jiu-Jitsu, desenvolvido pela família Grace. O Jiu-Jitsu não possui técnicas de concussão (técnicas que envolvem golpes de impacto, como chutes e socos), apenas alavancas e projeções, nas quais busca-se assumir o controle sobre o adversário ou imobilizá-lo até que o oponente desista, usando para isso estrangulamento, chaves e imobilizações. A maior parte do combate acontece no chão. Embora em campeonatos os lutadores começam a luta em pé, logo buscam desequilibrar o adversário e levá-lo ao chão. Suas técnicas são extremamente eficientes. O Jiu-Jitsu ganhou notoriedade com a versão denominada Brazilian Jiu-Jitsu, desenvolvida pela família Gracie, que desafiava e organizava eventos de disputa entre os lutadores de Jiu-Jitsu e de outras artes marciais, originando, inclusive, o UFC, como veremos adiante. 35 2.5 O Judô Judô Fonte: https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/a/a8/Judô01.jpg Jigoro Kano foi um intelectual japonês e professor de Educação Física, que, entre outras contribuições, é reconhecido como fundador do judô. De estatura pequena e leve, tendo menos de 1,50m de altura e 50kg, iniciou a prática de Jiu-Jitsu para aprender a se defender. Contudo achou que aquela luta, cujo nome significa luta-suave, era ainda muito bruta e agressiva. Assim, introduziu mudanças no jiu-jitsu de forma a torná-lo mais educacional. Seu objetivo não era formar um esporte, mas sim uma prática corporal educativa para todos. Para isso desenvolveu técnicas de queda mais suaves, priorizando as projeções frente às torções. https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/a/a8/Judo01.jpg 36 Jigoro Kano Fonte:https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/0/0c/Kano_Jigoro.jpg/17 5px-Kano_Jigoro.jpg Jigoro Kano era o ministro da educação, sendo responsável por representar o país no comitê olímpico, articulando a realização das olimpíadas em seu país. Porém o judô não se tornou esporte olímpico por sua causa. Contrariamente, Jigoro Kano não era favorável à inserção do Judô nas olimpíadas, “em que é indicado como afirmação de Kano que [...] enquanto ele ainda estava vivo, o judô não seria parte das disciplinas olímpicas, porque, se assim for, o judô morreria. ” (CASADO, 2009, p.11). Isso porque Jigoro Kano buscava uma prática educacional e percebia que a busca pela vitória no esporte poderia gerar um sentimento de egoísmo e egocentrismo, contrário aos princípios de altruísmo presentes na cultura pacífica que buscava ajudar a formar. Ele reafirma isso em outra passagem quando Assim, comentou Kano, sobre a inclusão do judô nos Jogos Olímpicos, que "[...] meu ponto de vista sobre este assunto é bastante passivo [...] se outros os países e membros desejassem, eu não teria objeção. Mas não me sinto inclinado a tomar qualquer iniciativa. (CASADO, 2009, p.11). De fato, o Judô tornou-se olímpico somente após seu falecimento. Seus discípulos estavam preocupados com a diminuição no número de praticantes e https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/0/0c/Kano_Jigoro.jpg/175px-Kano_Jigoro.jpg https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/0/0c/Kano_Jigoro.jpg/175px-Kano_Jigoro.jpg https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/0/0c/Kano_Jigoro.jpg/175px-Kano_Jigoro.jpg https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/0/0c/Kano_Jigoro.jpg/175px-Kano_Jigoro.jpg https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/0/0c/Kano_Jigoro.jpg/175px-Kano_Jigoro.jpg https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/0/0c/Kano_Jigoro.jpg/175px-Kano_Jigoro.jpg 37 temiam que a arte deixasse de existir. Pensaram então que se o Judô se tornasse um esporte olímpico seria mais conhecido e teria mais praticantes, o que realmente aconteceu, sendo uma das formas de lutas que mais possuem praticantes no mundo. Seus princípios educacionais, relacionados à disciplina e ao respeito o próximo, bem como a ausência de técnicas de percussão, favorecemseu aspecto educacional, de forma que costuma ser oferecido a crianças como atividade extracurricular em escolas e/ou ser procurado por pais como uma atividade física educativa para seus filhos. As mudanças que ocorreram por conta de sua esportivização são um bom tema a ser estudado nas aulas de Educação Física, de forma a conceituar os interesses de seu criador e a prática realizada hoje em dia. O mesmo ocorre com outras lutas, como o Karatê-do Kendo, Tae-kwon- do (de origem tailandesa, mas que se aproxima do karatê-do), entre outras. Ao abordar essas lutas na escola, torna-se fundamental a análise desse processo de criação e alteração ao longo do tempo. Não teremos condições de estudar todas as manifestações de lutas aqui, por isso torna-se importante que você continue estudando e pesquisando sobre o tema. Conclusão da aula 2 Nesta aula estudamos um pouco das lutas orientais, em especial o wushu chinês e o budô japonês, ninjutsu, jui-jitsu, o judô, pois permitem conhecer um pouco da compreensão cultural e do movimento de desenvolvimento das lutas, bem como suas relações com o budismo. Esse conhecimento é fundamental para compreendermos a organização central dessas lutas, bem como para analisar criticamente as transformações que sofreram até o período atual. Atividades de aprendizagem Você conhece o Laido? Faça uma pesquisa breve sobre a modalidade. Após isso, responda: para você, ela é um budô? Justifique sua resposta. 38 Aula 3 - A capoeira e as lutas esportivas Apresentação da aula 3 Olá, caro aluno! Seja bem-vindo a mais uma aula e agora daremos uma pincelada sobre a capoeira e sua origem, desde a escravidão aos dias atuais. A capoeira é uma luta que apresenta diversas singularidades. Uma delas especialmente para nós, brasileiros, pois é uma luta de origem nacional, embora possua influências africanas devido a sua relação com os povos escravizados, que trouxeram suas tradições para a luta. Existiam escravos africanos em muitas partes do mundo, apenas no Brasil se tem registro da capoeira. Outro indício que indica ser ela uma luta nacional é o fato de pesquisadores terem procurado na África práticas de capoeira e não as encontraram. (SOARES, 2001a). Capoeira Fonte: https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/d/d1/Capoeira-in-the-street- 2.jpg Não se trata de comprovar sua origem apenas para determinar sua propriedade cultural, mas sim entender quais condições existiam no Brasil que permitiram o seu surgimento. 39 Ao se falar em capoeira, muitos imaginam imediatamente os povos escravizados nas fazendas e os fugitivos dos quilombos. Embora existisse esse contexto rural, a capoeira não se origina nele, mas sim no meio urbano. A ideia de escravos praticando capoeira para se defender e fugir para o quilombo é tida por historiadores como uma tradição inventada, já que não há registros que indiquem isso. A história da capoeira perpassa diferentes períodos e realidades brasileiras, com os capoeiristas formando grupos, com influência política inclusive, como as maltas, que veremos mais adiante. Sabe-se que ela adquiriu sua relação com a música e as danças, entre outros motivos, devido às influências culturais trazidas por diferentes povos escravizados, que encontraram, no ambiente urbano do século XVIII, condições de serem unidas, formando a capoeira. Por isso não se deve abordar a capoeira na escola apenas sob o ponto de vista de seus elementos técnicos. É preciso conhecer o contexto de seu surgimento e o que levou à sua configuração e, em períodos posteriores, à sua transformação, como acontece com a capoeira angolana e a regional no século XX, ou a sua mercantilização e esporte de exibição no final do século XX e início do século XXI. Na próxima seção, vamos conhecer um pouco melhor esse contexto de surgimento da capoeira. 3.1 As origens da Capoeira A capoeira originou-se na época da escravidão no Brasil, no século XVI. Considerada uma arte, a capoeira era uma forma de luta e de resistência, em que os escravos adaptaram os movimentos da luta aos cantos da mãe terra, à África, fazendo com que se pareça com uma dança. Como sua prática ocorria em terreiros próximos às senzalas, sua função era manter a tradição da cultura africana e o desempenho físico. Muitas vezes essas lutas aconteciam em campos chamados de capoeira ou capoeirão, dando o nome desta arte de capoeira. 40 Roda de capoeira Fonte: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Capoeira_candeias_gingashow.jpg 3.1.1 A capoeira escrava A ideia de se escravizar seres humanos e vendê-los como mercadoria é bastante antiga na história da humanidade. Contudo, na idade média, essa prática atinge os grandes estados organizados, sendo uma forma econômica dominante, na qual os principais povos escravizados eram os africanos. No Brasil, desde a chegada dos europeus, os nossos indígenas eram também subtraídos para trabalho escravizado, de forma a haver uma mistura forçada desses povos em situação de exploração e violência. Submetidos por meio da força militar e superioridade bélica, se viam em situação de submissão forçada, tendo de criar estratégias de defesa. É importante destacar que a escravização envolvia extrema violência, nas quais os povos escravizados não eram tratados como seres humanos, mas como mercadorias. Ao se ensinar capoeira na escola, é fundamental não se abordar o tema de forma romantizada, mas sim abordando o sofrimento e a violência que eram utilizados para isso. Mídias O Filme Amistad, de Steven Spielberg, retrata esse período. Trechos do filme podem ser apresentados para demonstrar a realidade violenta da escravização. Você pode assistir um trecho no link disponível: https://www.youtube.com/watch?v=XONv0W3TMsA https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Capoeira_candeias_gingashow.jpg https://www.youtube.com/watch?v=XONv0W3TMsA 41 Transporte de povos escravizados Fonta:https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/7/71/Navio_negreiro_- _Rugendas_1830.jpg Uma vez em terras brasileiras, eram submetidos a trabalhos forçados e violência, cujas atitudes de resistência eram reprimidas de forma violenta, como ser amarrado a um tronco e receber chicotadas. O responsável por infringir tais violências era muitas vezes um escravo que foi “promovido” a este posto, conhecido como capitão do mato. Importante destacar que os africanos não são escravos, mas sim são povos que foram escravizados, arrancados de suas terras, famílias, com o uso de extrema violência. Por isso as músicas da capoeira retratam o sofrimento, a saudade de casa, a violência à qual eram submetidos e o desejo de liberdade. No Brasil, a história dos povos escravizados e da capoeira vai se alterando com o tempo. Para Soares (2001), é no século XVIII que surge a capoeira. Seus praticantes tiveram, inclusive, influência política: [...] com a elite, sobretudo após a Guerra do Paraguai, que foi um divisor de águas na segunda metade do século XIX. Os capoeiras eram uma espécie de esteio eleitoral de um grupo do Partido Conservador, que acreditava na negociação política do fim da escravidão. Conhecido como Grupo do Visconde do Rio Branco, seus integrantes promoveram a Lei do Ventre Livre e, depois, a Lei Áurea. Nesse contexto de apoio eleitoral, os capoeiras atacavam os membros do Partido Liberal e do Partido Republicano, garantindo a vitória dos conservadores nas urnas. “Não era o capanguismo clássico do meio rural, havia uma troca de favores”, diz Soares, que manteve em “A capoeira escrava” a mesma linha investigativa e de rigor na pesquisa de seu primeiro livro. (SOARES, 2001 apud KASSAB, 2001, s/p). 42 Soares destaca a relação do surgimento da capoeira com o contexto urbano do Rio de Janeiro, no qual havia uma população densa e com diversosgrupos de escravos africanos chegando no século XVIII. Segundo ele, antes desse período, os escravos eram indígenas. O nome da capoeira foi dado pelos policiais para identificar uma série de práticas, o que ajuda a comprovar a origem brasileira dessa luta: Os termos da documentação são o “jogo da capoeira. ” Agora, da dança é o seguinte: todos esses povos trazem uma bagagem cultural com diversas danças e artes marciais. Eu estive em Angola pesquisando em 1995 e, no Museu Etnográfico de Luanda, pude perceber que essas danças, por mais diferentes, tinham um ponto comum. Possivelmente essas semelhanças fossem articuladas na América. Quer dizer: capoeira, na minha hipótese, nasceu na América. Ela não nasceu na África. Ela foi formada com elementos africanos e articulada de forma inédita no território escravista. (SOARES, 2001 b, s/p). Soares afirma ainda que a capoeira era um espaço de encontro de diversas culturas, não tendo uma identidade única. Esse encontro acontecia em um ambiente urbano, o que o leva a crer que a capoeira nasceu no ambiente urbano, e não rural, como muitas vezes se imagina. Embora existisse a escravidão rural, os quilombos, eles não necessariamente tinham relação com a capoeira. Essa ideia do escravo rural praticando capoeira para se libertar foi propagada sob esforços de valorização da história dos povos escravizados, mas com poucas fontes que a sustentem. 3.1.2 Capoeira ou ginástica brasileira Junto à escravização utiliza-se uma série de recursos morais e ideológicos para manter o povo escravizado sobre domínio. No Brasil, isso significou uma perseguição por parte da elite de toda a cultura africana, chegando, inclusive, à proibição de algumas práticas, como a Umbanda e a Capoeira. Essa proibição perdurou até a década de 40 do século XX, quando mestre Bimba, mestre baiano preocupado com a preservação da capoeira, a sistematizou, dotando-a de regras e formas de prática, tornando-se conhecido 43 por isso, de forma que obteve a oportunidade de apresentá-la ao então presidente Getúlio Vargas, que a reconheceu como esporte brasileiro. Mestre Bimba Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Mestre_Bimba#/media/File:Mestre_Bimba.jpg Saiba mais O código Penal Brasileiro considerou a capoeira crime. Veja o que dizia: Código Penal da República dos Estados Unidos do Brasil (Decreto número 847, de 11 de outubro de 1890) Capítulo XIII - Dos vadios e capoeiras Art. 402. Fazer nas ruas e praças públicas exercício de agilidade e destreza corporal conhecida pela denominação Capoeiragem: andar em carreiras, com armas ou instrumentos capazes de produzir lesão corporal, provocando tumulto ou desordens, ameaçando pessoa certa ou incerta, ou incutindo temor de algum mal; Pena: prisão celular por dois a seis meses. A penalidade é a do art. 96. Parágrafo único. É considerada circunstância agravante pertencer o capoeira a alguma banda ou malta. Aos chefes ou cabeças, se imporá a pena em dobro. Art. 403. No caso de reincidência será aplicada ao capoeira, no grau máximo, a pena do art. 400. Parágrafo único. Se for estrangeiro, será deportado depois de cumprida a pena. https://pt.wikipedia.org/wiki/Mestre_Bimba#/media/File:Mestre_Bimba.jpg https://pt.wikipedia.org/wiki/Mestre_Bimba#/media/File:Mestre_Bimba.jpg https://pt.wikipedia.org/wiki/Mestre_Bimba#/media/File:Mestre_Bimba.jpg 44 Art. 404. Se nesses exercícios de capoeiragem perpetrar homicídio, praticar alguma lesão corporal, ultrajar o pudor público e particular, perturbar a ordem, a tranquilidade ou segurança pública ou for encontrado com armas, incorrerá cumulativamente nas penas cominadas para tais crimes. Manifestações em busca do reconhecimento da capoeira eram comuns no Brasil no início do século XX, bem como por toda a cultura de matriz negra e africana. Contudo no contexto de industrialização brasileiro no século XX não se tratava mais de uma prática de escravos, já que a escravidão já havia sido abolida, mas ainda era tida como uma prática marginal, malvista aos olhos da cultura dominante. Sua prática era relacionada a outras práticas tidas como marginais, como a frequência a bordéis, uso de bebidas alcoólicas, entre outros. Nesse contexto, dois mestres baianos se distinguem por se dedicar a manter a arte viva e construir um novo reconhecimento. Mestre Pastinha Fonte: http://www.capoeiradobrasil.com.br/images/Pastinha.jpg Mestre Pastinha estava preocupado que a capoeira estava se tornando uma prática de exibição para turistas e perdendo sua tradição africana e http://www.capoeiradobrasil.com.br/images/Pastinha.jpg 45 guerreira. Assim, defendeu que ela estivesse fortemente relacionada à sua origem africana, surgindo daí o nome dado a sua variante: Capoeira Angola. Não porque essa prática tenha vindo diretamente desse país, mas porque se relacionava fortemente à cultura africana. Em verdade essa forma de capoeira já era conhecida e praticada inclusive por mestre Bimba, que conheceremos a seguir, mas mestre Pastinha teve participação ativa por sua afirmação e reconhecimento, sendo considerado o pai dela até hoje. Já mestre Bimba estava especialmente preocupado com a perda de eficiência da arte em face de se priorizar sua demonstração e malabarismo. Assim, procurou dotá-la de organização que se aproxima dos moldes esportivos e de outras artes marciais. Ele chamou essa variante de luta regional da Bahia, de forma que até hoje é conhecida como capoeira regional. Em sua academia institui normas de conduta, exames de admissão, rituais de passagem de nível, bem como sequências didáticas para ensino e prática, que ficaram conhecidas como sequências de mestre Bimba. Talvez sem a influência desses grandes mestres essa arte poderia ter se perdido, de forma que seus esforços precisam ser reconhecidos e registrados, tanto para preservação de sua história e da história nacional quanto para a preservação da tradição africana em nossa cultura e em nosso país, o que, aliás, está em consonância com a lei sobre as tradições africanas na escola. Saiba mais A lei 10.639/03 discorre sobre a obrigatoriedade do ensino da história e cultura afro-brasileira e africana em todas as disciplinas. Você pode acessá-la no link disponível: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/L10.639.htm Por isso se mantêm os instrumentos, ritmos e letras de música que se relacionam ao contexto da escravidão e das tradições negras no Brasil, como a roda de samba e o maculelê. Vamos conhecer alguns fundamentos da capoeira? http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/L10.639.htm http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/L10.639.htm http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/L10.639.htm 46 3.1.3 Fundamentos É a posição inicial, da qual partem todos os movimentos e a forma de se deslocar. Começando com uma perna à frente e outra atrás, sem muito afastamento lateral. O braço que corresponde à perna que está atrás fica à frente, protegendo o rosto e tórax, enquanto o braço que corresponde à perna que está à frente fica relaxado ao lado do corpo. Realiza-se então uma troca de pernas, trazendo a perna que está atrás lateralmente à perna da frente, e em seguida levando-se a outra perna para trás. Assim como a perna que está à frente foi trocada, deve-se trocar os braços. Se no início do movimento, por exemplo, a perna direita estava à frente e o esquerdo à frente do rosto, após a movimentação, a perna esquerda estará à frente e o braço direito à frente do rosto. No capítulo dedicado aos fundamentos você encontra vídeo no qual é possível observar a realização da ginga. A ginga é uma forma de floreio, utilizada para provocar o adversário. Mídias Para melhor entendimento da realização da ginga, assista ao vídeo disponível no link: https://www.youtube.com/watch?v=8w02TMY7C3oGinga Fonte: https://www.abc.net.au/radionational/programs/archived/bodysphere/capoeira- instructors-teach-a-class/7677808 47 3.1.4 Esquivas Existem diversas formas de esquiva, mas no geral elas se caracterizam por se proteger ou desviar um movimento do oponente. Na capoeira, elas costumam ser feitas de forma a se aproximar do oponente, e não se distanciar, pois isso ajuda a diminuir a eficiência do movimento do oponente, bem como a possibilitar um contra-ataque. Esta é uma característica da capoeira: em muitos movimentos, se joga próximo ao adversário, ocupando os espaços vazios deixados por este. Isso é muito perceptível na capoeira angola. Entre as esquivas mais conhecidas e usadas estão a cocorinha, a esquiva lateral, entre outras. Armada pulada Fonte: https://pt.wikibooks.org/wiki/Ficheiro:CapoeiraArmadaPulada_ST_05.jpg 3.1.5 Chutes Os principais movimentos de ataque da capoeira são realizados com as pernas, porém existem movimentos como a cabeçada e o uso de socos, tapas e até dedos, que podem ser usados para atingir os olhos do adversário. Entre os 48 chutes mais conhecidos estão a meia-lua, a armada, queixada, martelo, entre outros. 3.1.6 Floreios A capoeira é caracterizada por golpes e movimentos ágeis e intricados. Aproveitando principalmente chutes e rasteiras, além de cabeçadas, joelhadas, cotoveladas e acrobacias em solo ou aéreas, são frequentemente feitos junto ao chão ou de cabeça para baixo. (DIANA, 2017). Alguns movimentos são feitos para distrair ou provocar o adversário, que ganham especial atenção na capoeira moderna e nas apresentações, pois se destacam por sua beleza, plasticidade e dificuldade. Entre eles estão os saltos, beija-flor (que também é uma forma de chute), pardas de mão, entre outros. A capoeira é muito rica em movimentos e é possível que alguns não se enquadrem nos fundamentos descritos aqui, porém essa classificação é apenas uma forma de facilitar e organizar o trabalho do professor. Nada impede que o professor a adapte ou crie novas formas de organizar os movimentos. Floreio Capoeira Fonte:https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/6/61/CapoeiraBeijaFlor_ST_05. jpg https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/6/61/CapoeiraBeijaFlor_ST_05.jpg https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/6/61/CapoeiraBeijaFlor_ST_05.jpg 49 Conclusão da aula 3 A capoeira comporta uma série de significados e mudanças em sua história, de forma que sua riqueza está muito além da diversidade motora e da beleza e dificuldade de seus movimentos. Não faz sentido abordá-la desligando os aspectos técnicos dos aspectos históricos e culturais que a constituem. De uma prática de povos escravizadas, organizada possivelmente no Brasil, e de início renegada e até proibida, se tornou símbolo brasileiro reconhecido internacionalmente. Sofreu diversos processos de mudança ao longo do tempo, e ainda sofre nos dias atuais, de forma que essas mudanças precisam ser conhecidas e refletidas, de forma que se possa compreendê-la em sua riqueza e possibilidades, principalmente como uma luta legitimamente brasileira que atrela a história do povo brasileiro e a cultura africana. A sua aproximação com o jogo e a dança conferem especial característica, a diferenciando de outras lutas. Hoje sua prática atinge diversos contornos, como os campeonatos, as apresentações de cunho mais artístico e turístico. Existem diferentes grupos, cada um com sua organização externa e peculiaridades. Na escola, se torna uma prática acessível por exigir poucos materiais, possuir técnicas relativamente simples para iniciação e a possibilidade de se estabelecer relação com diversas disciplinas, como a história e a arte. Atividades de Aprendizagem Diante do exposto no decorrer desta aula, e após a sua compreensão acerca do tema, cite quais as diferenças entre a capoeira de mestre Bimba e mestre Pastinha. Reflita também sobre de que forma cada um contribui para a permanência da capoeira em nossa cultura. A capoeira hoje é também um esporte, pois existe uma vertente competitiva. Pesquise quais são as regras de uma competição de capoeira (podem variar de uma competição ou grupo para o outro), e responda a seguinte questão: a esportivização da capoeira a faz perder sua identidade? 50 Aula 4 - As lutas esportivas ou esportes de combate Apresentação da aula 4 Olá, caro aluno! Seja bem-vindo a mais uma aula. Agora será abordado sobre as lutas esportivas ou esportes de combate, vamos lá? As lutas esportivas estão presentes em meio aos esportes mais conhecidos e nas olimpíadas já a bastante tempo, tendo como representantes “clássicos” o boxe, a esgrima e o judô. Porém mais recentemente outras formas de lutas ganharam atenção e relevância social, principalmente devido aos eventos de Artes Marciais Mistas (MMA). Algumas lutas se modificaram ao longo da história de forma a possibilitar sua prática com outros fins que não o de guerra e defesa, próximo à ideia de processo civilizador de Norbert Elias (1993). Nesse processo, sofreram influências da esportivização comum às práticas corporais no século XX, o que significa, entre outros, a existência de competição, busca de rendimento, pontuações, classificações, divisões por categorias, regras pré-definidas e burocratização, interesse da mídia, entre outros. Entre elas algumas se tornaram olímpicas, como o tae kwon do, esgrima, boxe e wrestling. Wrestling Fonte:https://commons.wikimedia.org/wiki/File:1912_Wrestling_featherweight_Gullakse n_vs._Persson.JPG https://commons.wikimedia.org/wiki/File:1912_Wrestling_featherweight_Gullaksen_vs._Persson.JPG https://commons.wikimedia.org/wiki/File:1912_Wrestling_featherweight_Gullaksen_vs._Persson.JPG 51 Nem todas as lutas atuais são esportivas, pois muitas mantêm práticas próprias com objetivos diferentes dos objetivos esportivos, como aikido, iaido, sumô, capoeira, entre outros. Isso não significa que essas lutas não tenham versões esportivizadas, pois hoje existem campeonatos de capoeira e até mesmo de aikido, porém são vertentes e não o objetivo e forma principal de prática dessas lutas. Vamos conhecer um pouco de algumas delas, consideradas mais clássicas e presentes de forma ampla na sociedade e na cultura. 4.1 O Boxe O Boxe, como conhecemos, vem da Inglaterra, onde no século XVIII teria Marquês de Queensbury implementado regras de forma a deixar a prática, que era popular e bastante violenta, mas aceitável para os padrões culturais contemporâneos, entre as quais o uso de luvas, rounds de 3 minutos, espaço de luta delimitado por cordas, separação entre competidores e público. Marquês de Queensberry Fonte:https://en.wikipedia.org/wiki/John_Douglas,_9th_Marquess_of_Queensberry#/m edia/File:9th-marquess-of-Queensberry.jpg Entre outras, essas mudanças permitiram as apostas, que geraram maior popularidade e o desenvolvimento dos lutadores, que aperfeiçoaram a técnica, https://en.wikipedia.org/wiki/John_Douglas,_9th_Marquess_of_Queensberry#/media/File:9th-marquess-of-Queensberry.jpg https://en.wikipedia.org/wiki/John_Douglas,_9th_Marquess_of_Queensberry#/media/File:9th-marquess-of-Queensberry.jpg 52 com mais velocidade e movimento de perna, tornando a luta cada vez mais técnica e menos violenta. O aumento de popularidade de lutas, como o boxe, podem ser explicados a partir da busca da excitação descrita por Elias e Dunning (1993), segundo a qual são necessários espaços e momentos sociais próprios para a ruptura das regras sociais e morais que dirigem a “segunda natureza” criada de forma cultural pelo processo civilizador, na qual se reprime os instintos face às regras sociais, porém gerando um desgaste na vida cotidiana, de forma que em momentos como no esporte é possível se romper, ainda que de formacontrolada, com algumas dessas regras, como o impulso à violência. Isso ajuda explicar tanto o interesse dos lutadores quanto dos espectadores ao assistirem essas lutas. Posteriormente, com o advento da mídia de massa, principalmente o rádio e a televisão, esse fenômeno se multiplica em potencial, haja vista a quantidade de pessoas que os assistem e as altas cifras envolvidas. Posteriormente percebe-se um movimento semelhante com as Artes Marciais Mistas (MMA), que geraram grandes eventos e franquias, como o UFC (Ultimate Fighting Championship). O boxe possui duas variantes importantes: o boxe profissional e o boxe olímpico, sendo que no boxe profissional há diferentes organizações e campeonatos. Entre as diferenças está a forma de pontuação, tempo dos rounds, categorias, entre outros. Recentemente o boxe olímpico e o profissional se aproximaram, de forma a adequar suas regras. Assim o boxe olímpico perdeu o capacete de proteção, o que mudou a forma de se lutar, pois os atletas evitam cortes que podem desclassificá-los para as etapas seguintes, mesmo que sejam vencedores. A pontuação é dada de acordo com o julgamento dos juízes. Cinco juízes assistem à luta e três são sorteados para dar as notas de acordo com critérios como combatividade, domínio da luta, enquanto que anteriormente no boxe olímpico eram contados todos os golpes acertados. Embora seja uma atividade que tenha se tornado um esporte em nome do controle da violência, ainda é um esporte bastante agressivo, com relatos de sequelas relacionadas à demência em ex-atletas. Categoria Luvas Duração round Assaltos Masculino 49 à 64 kg 284 g 3 min 3 53 Masculino 64 kg ou mais 341 g Feminino Todas 284 g 2 min 4 Características do Boxe Olímpico Fonte: elaborado pelo autor, adaptado pelo DI (2019). O boxe olímpico é disputado em um ringue de 6,10m por 6,10m, medidos do interior da linha das cordas. Deve ter 85 cm para além das cordas e estar elevado do chão. Os atletas são divididos nas seguintes categorias: Masculino 46, 49, 52, 56, 60, 64, 69, 75, 81, 91 mais de 91 kg Feminino 45, 48, 51, 54, 57, 60, 64, 69, 75, 81 e mais de 81kg Categorias do Boxe Olímpico Fonte: elaborado pelo autor, adaptado pelo DI (2019). A vitória pode ser definida por pontos, nocaute técnico, nocaute ou desclassificação. (COB, S/D). Saiba mais Para conhecer mais regras do boxe, acesse o link: http://cbboxe.org.br/ regulamento/ Veja também os principais fundamentos do boxe: https://www.youtube.com /watch?v=aw1vN4Jn4hs Entre os principais fundamentos, temos os golpes, que são: Direto: golpe frontal, forte, usando o punho dominante; Uppercut: golpe de baixo para cima, buscando o queixo do adversário; Jab: golpe mais rápido feito com o punho mais fraco; Gancho: movimento curvo que visa acertar lateralmente o adversário, feito com o punho forte. Visa contornar a defesa adversária. 54 Boxe Fonte: https://commons.wikimedia.org/wiki/Category:Boxing#/media/File:T_wo_Youtth_ Service_Volunteers_having_a_boxing_match_at_an_agricultural_camp_at_Nunney_C atch_in_Somerset_during_1943._D16345.jpg 4.2 A esgrima A espada foi durante muito tempo uma das principais armas de combate. Nas primeiras versões, suas lâminas e tecnologias pouco desenvolvidas faziam com que seu uso fosse de forma a estocar, bater, e não cortar. Nas versões mais primitivas, eram muitas vezes galhos de árvore ou similares. Com o avanço da tecnologia, as lâminas tendem a ficar mais leves e afiadas, de forma que as técnicas de uso se tornam menos de percussão e mais de corte. Porém com o avanço de técnicas de corte surgem também armaduras, que por sua vez exigem o desenvolvimento novamente de técnicas de percussão. Com o aprimoramento da técnica e dos materiais de forjamento, voltam a ficar leves e resistentes, com bom fio, de forma a poderem ser aplicadas nas áreas desprotegidas pelas armaduras. https://commons.wikimedia.org/wiki/Category:Boxing#/media/File:T_wo_Youtth_Service_Volunteers_having_a_boxing_match_at_an_agricultural_camp_at_Nunney_Catch_in_Somerset_during_1943._D16345.jpg https://commons.wikimedia.org/wiki/Category:Boxing#/media/File:T_wo_Youtth_Service_Volunteers_having_a_boxing_match_at_an_agricultural_camp_at_Nunney_Catch_in_Somerset_during_1943._D16345.jpg https://commons.wikimedia.org/wiki/Category:Boxing#/media/File:T_wo_Youtth_Service_Volunteers_having_a_boxing_match_at_an_agricultural_camp_at_Nunney_Catch_in_Somerset_during_1943._D16345.jpg 55 Esgrima Fonte: https://commons.wikimedia.org/wiki/Fencing#/media/File:0408_USA_Olympic_ fencing.jpg Assim, o formato da espada e a maneira de utilizá-la vão progredindo ao longo da história de acordo com o avanço tecnológico em sua construção e utilização, culminando no formato de esporte que representa isso por meio das suas três variantes: espada, sabre e florete. Para cada arma existe uma técnica específica, bem como regras de onde pode-se acertar na disputa. A espada, por exemplo, caracteriza-se mais por golpes de ponta, que se aproximam mais das armas mais antigas, quando se usava o impacto ao invés do corte. Enquanto observamos nos países orientais uma transformação das lutas de guerra para atividades mais desportivas, o mesmo ocorria com o uso da espada na Europa, onde surgiram as Justas, que seriam grandes torneios que envolviam o uso de espadas. Contudo aconteciam lesões sérias e até mortes, o que levou o Papa a proibi-las no século XVI, quando Henrique II, da França, foi morto em frente à sua própria corte. No Brasil, ela chegou no século XIX e teve apoio de Dom Pedro II, tendo cursos voltados aos militares, que até hoje têm maior envolvimento com a prática do esporte. As armas diferenciam-se pelo tamanho, peso, formato da empunhadura e da proteção das mãos. Vamos conhecer um pouco delas: Florete: arma ágil, sendo a mais utilizada por iniciantes e a única a ser permitida para as mulheres antigamente. Sua lâmina é menos flexível que https://commons.wikimedia.org/wiki/Fencing#/media/File:0408_USA_Olympic_fencing.jpg https://commons.wikimedia.org/wiki/Fencing#/media/File:0408_USA_Olympic_fencing.jpg 56 a do sabre e mais flexível que a espada. Pode-se tocar todo o tronco coberto pelo colete e parte do pescoço. A vantagem é de quem está atacando, ou seja, em caso de toque simultâneo. O Florete tem 90 cm de lâmina e 110 no total, no máximo, pesando 500 gr. ou menos; Florete Fonte: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Foil-2004-A.jpg Sabre: a mais leve e curta pesa menos de 500 gr e tem 88 cm de comprimento da lâmina e 105 cm no total. Pode-se tocar da cintura para cima, incluindo braços e cabeça, com exceção das mãos. Está presente nas olimpíadas desde o início das olimpíadas modernas, em 1896; Sabre Fonte: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:EVD-sable-041.jpg Espada: é a mais rígida e possui um toque mais firme. Nela é permitida tocar o corpo todo. A postura é mais ereta, pois deixar uma parte do corpo https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Foil-2004-A.jpg https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Foil-2004-A.jpg https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Foil-2004-A.jpg https://commons.wikimedia.org/wiki/File:EVD-sable-041.jpg 57 à frente pode expô-la a um ataque. A espada tem comprimento máximo de 110 cm e peso inferior a 770 gr. Espada Fonte: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:EVD-espada-038.jpg 4.2.1 Disputa O esporte é disputado em uma pista recoberta com uma manta que conduz uma leve corrente elétrica. Existe uma lâmpada para cada oponente, uma vermelha e outra verde, que acende quando ocorre o toque. A pista possui 14 metros de comprimento por 2 metros de largura, com marcações dos espaços em que o atleta pode se deslocar. O atleta não pode recuar até a última linha da pista, poisnesse caso é marcado ponto para o adversário. Disputa de Esgrima Fonte: https://commons.wikimedia.org/wiki/Fencing#/media/File:Mwg03pentwe.jpg https://commons.wikimedia.org/wiki/File:EVD-espada-038.jpg https://commons.wikimedia.org/wiki/Fencing#/media/File:Mwg03pentwe.jpg https://commons.wikimedia.org/wiki/Fencing#/media/File:Mwg03pentwe.jpg 58 Os atletas usam uma roupa apropriada e um colete que transmite o sinal do toque. Essa roupa é composta de: Jaqueta branca de mangas compridas, é acolchoada, com colarinho alto, uma camada de kevlar, fechando no lado da mão armada, estendendo- se até abaixo da virilha; Plastron, que fica sob a jaqueta no lado da mão armada, como uma segunda proteção; Protetor de seios, que é feito de materiais sintéticos, sendo obrigatório para mulheres e opcional para homens; Luva, que protege até metade do antebraço, sendo igual na espada e florete e diferente no sabre, que possui uma malha metálica para marcação dos pontos; Máscara, cobrindo o rosto e o pescoço, variando de acordo com as armas: a espada não possui superfície metalizada, no florete tem área metalizada perto do pescoço e no sabre em toda a superfície; Usa-se ainda uma ligação eletrônica por meio de um cabo que se mantêm esticado. Entre as principais regras, temos: Os participantes iniciam com 2 metros de distância; A luta termina quando um dos oponentes realiza cinco toques válidos ou ao término de 4 minutos; São faltas desviar o ataque com as mãos ou segurar a arma do adversário, o contato corporal, toques em zonas proibidas, tocar o oponente desarmado, ficar de costas para o adversário; Em caso de toque simultâneo, não se conta na espada, e nas outras modalidades o ponto é dado para quem tem vantagem. Entre as principais técnicas, temos a guarda, a marcha, o afundo e o ataque por estocada. Na guarda: mantém-se uma perna à frente e outra atrás, de forma que o pé da frente fica apontado para frente enquanto o de trás “para o lado”, de forma 59 perpendicular com relação ao pé da frente. O braço que empunha a arma fica semi-flexionado, apontando a arma para o adversário, enquanto o outro fica para trás, oferecendo equilíbrio. Guarda Fonte: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:IX_Juegos_Suramericanos_Medell%C3 %ADn_2010_-_Esgrima.jpg Já a marcha é o deslocamento para frente e para trás. A perna da frente movimenta-se primeiro, seguindo-se da perna de trás. As pernas nunca se cruzam. O afundo: é o movimento de ataque, no qual estica-se o braço à frente para alcançar o adversário. No ataque por estocada, junta-se o afundo com a marcha, deslocando-se para frente e realizando o movimento de ataque. Na escola, podemos adaptar a esgrima construindo as armas com materiais alternativos e demarcando a pista no chão. Pode-se construir armas mais leves, com folhas de jornal enroladas com um pincel preso à ponta ou armas mais rígidas usando cano de pvc com uma espuma na ponta. Em ambos os casos, a ponta pode ser embebida em tinta guache, de forma que se ocorrer o toque o adversário ficará marcado com a cor de quem atacou. Para isso, pode- se construir um colete improvisado com sacos de lixo ou papel. O professor pode fazer exercícios de guarda, marcha e afundo e, após explicar as regras, fazer pequenas disputas. https://commons.wikimedia.org/wiki/File:IX_Juegos_Suramericanos_Medell%C3%ADn_2010_-_Esgrima.jpg https://commons.wikimedia.org/wiki/File:IX_Juegos_Suramericanos_Medell%C3%ADn_2010_-_Esgrima.jpg 60 Afundo Fonte: https://commons.wikimedia.org/wiki/Fencing#/media/File:Fencing_plunge.png 4.3 As Artes Marciais Mistas (MMA) A indústria do entretenimento a algum tempo percebeu o valor das lutas como forma de espetáculo que angaria muitos espectadores, desde os esportes, como o boxe e o judô, aos filmes, cujos atores são muitas vezes artistas marciais. Com esse intento midiático e espetacularizado, surgiram as lutas de “vale tudo”, ou “artes marciais mistas”, do inglês MMA (mixed martial arts). Esses eventos teriam uma das origens na família Gracie, responsável pelo brazilian jiu-jitsu, como ficou conhecida a variante dessa luta desenvolvida pela família. Tudo teria começado com Carlos Gracie, que foi aluno de Mitsuyo Maeda, conhecido como Conde Koma. https://commons.wikimedia.org/wiki/Fencing#/media/File:Fencing_plunge.png https://commons.wikimedia.org/wiki/Fencing#/media/File:Fencing_plunge.png https://commons.wikimedia.org/wiki/Fencing#/media/File:Fencing_plunge.png 61 Mitsuyo Maeda ou Conde Koma Fonte: https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/1/1a/Maeda_Mituyo.jpg/ 200px-Maeda_Mituyo.jpg Junto com seu irmão Hélio, Carlos se dedicou a deixar o jiu-jitsu mais eficiente, de forma que entre 1930 e 1960 se envolveu em diversas disputas com lutadores de outras artes marciais para pôr à prova a arte que treinava, ganhando 17 combates e perdendo apenas 2 vezes. Carlos Gracie Fonte: http://cbjj.com.br/wp-content/uploads/2014/09/carlos-gracie-sr.jpg, adaptado pelo Di (2019). 62 Desses desafios, primeiramente fechados, nasceu a ideia de organizar um evento no qual artistas marciais de diferentes artes se enfrentavam. Dessa forma Rorion, filho de Hélio Grace, que estava ensinando Jiu-Jitsu nos EUA, decidiu profissionalizar esses desafios, criando o Ultimate Fight Championship (UFC). Seu irmão Royce foi campeão nas quatro primeiras edições. Octógono UFC Fonte: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:UFC-Octagon-USMCPhoto.jpg Apesar disso, o evento não ia bem e beirava à falência, até que em 2000 foi vendido para a empresa Zuffa, tendo como donos Frank e Lorenzo Fertita, donos de cassinos em Las Vegas, e como presidente Dana White, empresário do boxe. Sob a nova coordenação, foram criadas regras mais rígidas para proteger os lutadores, já que havia um forte movimento de oposição ao UFC, a ponto deste ser proibido em diversos estados americanos, uma vez que suas disputas eram bastante violentas. Ao aproximar o UFC das comissões atléticas, conseguiram sua aprovação e permanência, se tornando ainda um dos maiores eventos de lutas do mundo, com valor estimado em 1 bilhão de dólares e 90% do mercado de MMA. https://commons.wikimedia.org/wiki/File:UFC-Octagon-USMCPhoto.jpg https://commons.wikimedia.org/wiki/File:UFC-Octagon-USMCPhoto.jpg 63 Saiba mais Devido à forte oposição, o UFC começou a utilizar as comissões atléticas, definidas por lei em cada estado americano. Veja mais detalhes dessa história no link disponível: http://www.espn.com.br/noticia/209998_comissoes-atleticas-sao-responsaveis- por-escolha-dos-arbitros-do-ufc-nos-eua Houve ainda outros eventos importantes, como o Free Style Japan Championship ou Open Free Style Japan, que eram os maiores torneios de MMA no mundo na década de 1990 do século passado, cujas duas primeiras edições foram vencidas por Rickson Gracie. Importante destacar o papel da mídia quanto a esses eventos, principalmente a televisiva. Betti (1998) demonstra como a televisão cria um enredo em torno daquilo que se está transmitindo. Assim não se trata apenas de dar acesso à visão da luta, mas a criar uma história, que muitas vezes começa semanas antes do confronto, com inserções em diversos espaços mostrando os lutadores, suas histórias de vida, suas rotinas de treino e, até mesmo, criando- se personagens de novela e reality shows. (TOREZANI, 2012). O UFC foi criado intencionalmente como um evento mediático, tendo contratado inclusive produtores de Hollywood para ajudar na confecção e divulgação. Esse aparato da mídia forma espectadores, que se veem ansiosos pela luta que a pouco tempo nem mesmo sabiam da existência. Tendo ainda as instituições que organizam tais eventos interesses comerciais e espetacularizações, contribuempara que toda luta gire em torno disso. A mídia está inclusive naquilo que foi conceituado como indústria cultural pela escola de Frankfurt. Saiba mais A escola de Frankfurt ficou assim conhecida pela união de diversos sociólogos e filósofos alemães na primeira metade do século XX, que diante dos horrores do nazismo e das guerras mundiais construíram explicações elaboradas e 64 originais sobre o funcionamento da sociedade moderna, estando entre eles estudiosos muito conhecidos como Horkheimer, Adorno, Marcuse, Walter Benjamin, entre outros. Você pode saber mais sobre ela aqui: https://www.portaleducacao.com.br/conteudo/artigos/direito/escola-de-frankfurt- uma-critica-a-sociedade-contemporanea/52411 Adorno (1985) alertava para os perigos da indústria cultural, a qual cria não apenas produtos, mas também os consumidores, tornando os atletas produtos a serem comercializados, que possuem valor enquanto são vendáveis, caindo no esquecimento quando que não podem mais produzir o espetáculo que se deseja vender. Assim, os eventos de MMA tinham grande interesse financeiro, adequando suas regras e formato de acordo com esses interesses. Podemos perceber nos eventos de MMA a relação com o lucro e a fabricação de “produtos”, como indica Brohm (1976), ao relacionar o esporte moderno às próprias características do capitalismo, em que a quantidade da produção, por exemplo, pode ser medida na quantidade de atletas formados, títulos conquistados, e/ou no caso do UFC, em quanto de dinheiro e espectadores produz. É fato que muitos estudantes do ensino fundamental e médio acompanham esses eventos, agora televisionados em rede aberta, tendo por ídolos seus lutadores, sendo necessária a discussão dessa atividade enquanto reflexão de seus interesses e valores associados. Buscando a igualdade de oportunidades para a vitória, conforme indica Guttmann (2004), o UFC divide os atletas por categorias conforme o peso corporal. As categorias são: Peso mosca < 56,7 kg Peso galo 56,7 até 61,2 kg. Peso pena 61,2 até 65,7 kg. Peso leve 65,7 até 70,3 kg Peso meio-médio 70,3 até 77,1 kg. Peso médio 77,1 até 83,9 kg Peso meio-pesado 83,9 até 92,2 kg. Peso pesado 92,9 até 120.2 kg. Peso superpesado > 120,2 kg. Fonte: https://www.supermma.com/categoria/, adaptado pelo DI. https://www.supermma.com/categoria/ 65 As regras foram sendo adaptadas para garantir maior segurança aos atletas, assim são proibidos golpes que visem prejudicar o adversário, como golpes com os pés ou joelho na cabeça de um adversário caído. O atleta que cometer faltas pode ser penalizado com pontos ou até desclassificado. A luta é disputada em 3 rounds de cinco minutos, podendo chegar a 5 rounds. O ganhador do round recebe 10 pontos, e o perdedor 9. Para se determinar o vencedor, os juízes consideram as técnicas, domínio da luta, quedas e reversões. A luta pode ter quatro resultados: finalização, nocaute, nocaute técnico, decisão por scorecads (pontos) ou desqualificação. Saiba mais Para mais informação sobre as regras de MMA, acesse o link disponível: http://mmabrasil.com.br/saiba-mais/regras-unificadas-de-conduta-do-mma As lutas de MMA hoje ocupam bastante espaço na mídia, existindo inclusive canais inteiros de televisão paga destinados a elas, movimentando um mercado milionário e fazendo com que muitos jovens entrem nas lutas buscando a realização pessoal e profissional por meio das lutas. Esse fenômeno precisa ser estudado e analisado de forma crítica na escola, para que os alunos possam interpretá-lo de forma consciente. Conclusão da Aula 4 As lutas esportivas estão presentes em meio aos esportes mais conhecidos e nas olimpíadas já a bastante tempo, tendo como representantes “clássicos” o boxe e a esgrima, além do judô. Porém mais recentemente outras formas esportivizadas de lutas ganharam atenção e relevância social, principalmente devido aos eventos de artes marciais mistas (MMA). As lutas esportivas ganharam grande destaque nas últimas décadas, com forte apelo midiático, provocando inclusive mudanças em lutas tradicionais, que buscaram se adequar melhor ao modelo esportivo. Se por um lado isso ajuda na sua propagação, atraindo muitos praticantes, por outro pode desvirtuar os sentidos formulados por seus precursores. O mesmo esporte que garante o fair 66 play, o respeito às regras e aos oponentes, também espetaculariza a violência e fomenta a busca da vitória a qualquer preço, sendo necessário o seu conhecimento por parte dos alunos, de forma que possam fruir e analisar esse fenômeno de forma consciente. Atividade de Aprendizagem A indústria do entretenimento a algum tempo percebeu o valor das lutas como forma de espetáculo que angaria muitos espectadores. Diante dessa afirmação, explique de que maneiras o UFC se aproxima do conceito de indústria cultural proposto pela escola de Frankfurt. 67 Índice remissivo A capoeira e as lutas esportivas ............................................................................. (Cultura; Histórica; Propriedade Cultural) 38 A capoeira escrava ................................................................................................. (Repressão; Sofrimento; Violência) 40 As artes marciais mistas (MMA) ............................................................................. (Entretenimento; Coordenado; Lucrativo) 60 As lutas e a cultura corporal.................................................................................... (Capacidade; Modificar; Relacionar) 08 As lutas e a educação física escolar........................................................................ (Aspectos Técnicos; Cultura Corporal; Histórico) 07 As lutas esportivas ou esportes de combate ........................................................... (Existência; Influência; Históricas) 50 As origens da capoeira ........................................................................................... (Arte; Desempenho; Tradição) 39 Capoeira ou ginástica brasileira ............................................................................. (Arte; Cultura; Ideologia) 42 Chutes .................................................................................................................... (Ataque; Força; Movimento) 47 Disputa ................................................................................................................... (Alternativo; Resistência; Técnico) 57 Esgrima .................................................................................................................. (Histórico; Progressivo; Técnico) 54 Esquivas ................................................................................................................ (Eficiência; Formas; Percepção) 47 Floreios .................................................................................................................. (Dificuldade; Distração; Estratégia) 48 Fundamentos ......................................................................................................... (Dança; Ginga; Posição) 46 História.................................................................................................................... (Educação; Métodos; Relação) 10 Jui-Jitsu .................................................................................................................. (Agilidade; Controle; Eficiência) 33 Ninjutsu .................................................................................................................. (Estratégicos; Guerreiros; Técnicos) 31 O boxe .................................................................................................................... (Adaptado; Profissão; Violento)51 O Budô.................................................................................................................... (Influência; Princípios; Tradição) 21 68 O Judô .................................................................................................................... (Educação; Esporte; Princípios) 35 O Wushu................................................................................................................. (Arte da Guerra; Forma de Luta; Filosofia) 17 Técnicas e princípios.............................................................................................. (Aspectos; Formas; Técnicas) 13 Um pouco das artes orientais: da China ao Japão................................................... (Artes Marciais; Conhecimento; Cultura Histórica) 17 69 Referências ADORNO, Theodor. Dialética do esclarecimento. Zahar, 1985. BETTI, M. A janela de vidro: esporte, televisão e educação física. Papirus Editora, 1998. BROHM, Jean-Marie. 1976. Sociologie politique du sport. BERTHAUDE, G. e col. Sport, culture et répression. Paris: FM: 16-31. BRACHT, V.; GONZÁLEZ, F. J. Educação Física escolar. GONZÁLEZ, F. J.; FENSTERSEIFER, P. E. (orgs). Dicionário crítico de Educação Física. Ijuí: Unijuí, 2005, p. 150-156. CASADO, J. E.; La utopía educativa de Jigoro Kano: el judô Kodokan. Recorde: Revista de História do Esporte, v. 2, n. 1, p. 1-40, 2009. COB. Comitê Olímpico Brasileiro. Boxe. S/d. Disponível em: <https://www.cob.org.br/pt/Esportes/boxe>. Acesso em: 17 out 2018. ELIAS, N. O Processo Civilizador 2: formação do Estado e civilização. Zahar, 1993. ELIAS, N.; DUNNING, E. A busca da excitação. Lisboa: Memória e Sociedade, 1992 FRIDAY, K. 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Copyright © - É expressamente proibida a reprodução do conteúdo deste material integral ou de suas páginas em qualquer meio de comunicação sem autorização escrita da equipe da Assessoria de Marketing da Faculdade São Braz (FSB). O não cumprimento destas solicitações poderá acarretar em cobrança de direitos autorais. http://www.unicamp.br/unicamp/unicamp_hoje/ju/out2001/unihoje_ju167pag22.html http://www.unicamp.br/unicamp/unicamp_hoje/ju/out2001/unihoje_ju167pag22.html http://www.japaoemfoco.com/os-7-principios-do-bushido/ https://mariliamourarp.wordpress.com/2013/05/22/viver-sem-medo-a-lenda-da-flor-de-cerejeira/ https://mariliamourarp.wordpress.com/2013/05/22/viver-sem-medo-a-lenda-da-flor-de-cerejeira/ http://www.unicamp.br/unicamp/unicamp_hoje/ju/out2001/unihoje_ju167pag22.html http://www.unicamp.br/unicamp/unicamp_hoje/ju/out2001/unihoje_ju167pag22.html http://www.intercom.org.br/papers/regionais/nordeste2012/resumos/R32-0365-1.pdf http://www.intercom.org.br/papers/regionais/nordeste2012/resumos/R32-0365-1.pdf