Prévia do material em texto
148 Unidade II Unidade II 5 AGENTES ANTIMICROBIANOS Provavelmente, você, em algum momento específico de sua vida, precisou utilizar alguma medida de proteção contra microrganismos (por exemplo, as vacinas) ou fez uso de algum medicamento contra uma infecção causada por eles (por exemplo, antibacterianos, antifúngicos ou vermífugos/ antiparasitários). Porém, nós, que vivemos no século XXI, talvez não conseguimos imaginar como era a vida sem os conhecimentos que nos permitiram desenvolver as vacinas e os agentes antimicrobianos. Agentes antimicrobianos são compostos químicos com a capacidade de reduzir a proliferação de microrganismos (por microrganismos, podemos compreender seres vivos como as bactérias, os fungos, os parasitas protozoários e os vírus) ou induzir a morte desses organismos vivos. Mas, antes de compreendermos os conceitos sobre os microrganismos e o tratamento das infecções causadas por eles, precisamos observar como era o mundo antes de adquirirmos esses conhecimentos. Por isso, vamos verificar os aspectos históricos relacionados às descobertas e ao desenvolvimento dos agentes antimicrobianos que possuímos hoje disponíveis para a prática clínica. 5.1 História dos antimicrobianos Apesar de os microrganismos terem sido inicialmente observados por volta do fim do século XVII, quando os microscópios mais primitivos foram desenvolvidos, os grandes conhecimentos sobre microrganismos pelos microbiologistas ocorreram por volta do século XIX, de modo que, no século XX, a humanidade obteve grandes avanços no desenvolvimento de ferramentas para o diagnóstico (identificação) e para a terapia (tratamento) das infecções causadas por esses microrganismos. Baseados nos avanços científicos recentes, os cientistas iniciaram nas primeiras décadas do século XX uma série de estudos para identificar compostos químicos que pudessem ser úteis para o desenvolvimento de terapias medicamentosas antimicrobianas. Porém, foi durante a Segunda Guerra Mundial que houve na medicina uma série de mudanças em decorrência da necessidade de encontrar compostos com atividade antimicrobiana devido à grande incidência mundial de mortes decorrentes de infecções bacterianas, e também por essas infecções serem responsáveis por um grande número de baixas em tropas que estavam em combate. Em virtude do uso de armas químicas na Primeira Guerra Mundial (1914 a 1918), o período pós‑Primeira Guerra foi seguido do desenvolvimento de inúmeros agentes químicos tóxicos para seu emprego em eventuais batalhas, já que essas armas acabaram decidindo o resultado da Primeira Guerra Mundial. Isso permitiu que, nas décadas de 1930 e 1940, diversos estudos fossem realizados em busca 149 FARMACOLOGIA de moléculas antimicrobianas. Contudo, esses estudos foram mais úteis no desenvolvimento de agentes quimioterápicos antineoplásicos (antitumorais como a ifosfamida e ciclofosfamida são derivados de mostardas nitrogenadas, como o gás mostarda, utilizado como arma química nessa guerra) do que para a quimioterapia antimicrobiana. Assim, a descoberta da penicilina pelo microbiologista e farmacologista inglês Alexander Fleming, em 1928, permitiu que no período da Segunda Guerra Mundial, mais precisamente em 1941, a penicilina fosse obtida em quantidades suficientes para seu emprego na clínica. Já ao final da Segunda Guerra, o arsenal terapêutico no combate a essas infecções contava com um número considerável de moléculas, em geral, derivadas da molécula da penicilina. Antes mesmo do fim da década de 1940, foi identificada uma cepa bacteriana (um grupo de bactérias descendentes de um ancestral comum que compartilham semelhanças genéticas, morfológicas ou fisiológicas) que produzia a penicilinase, uma enzima (proteína mediadora de reações químicas) capaz de alterar quimicamente a molécula da penicilina, impedindo sua efetividade contra essas bactérias. Assim, iniciaram os estudos sobre os mecanismos de resistência bacteriana aos agentes antimicrobianos e o processo de desenvolvimento de novas moléculas de antimicrobianos que fossem capazes de agir sobre essas cepas resistentes à penicilina e suas moléculas derivadas. Desse modo, na década de 1950, foram obtidos os antimicrobianos pertencentes às classes dos aminoglicosídeos, o cloranfenicol, a tetraciclina, os macrolídeos e a vancomicina. Ainda nessa década, uma classe de compostos conhecidos como azóis trouxe boas perspectivas para o tratamento de diversas infecções fúngicas, bacterianas e parasitárias, permitindo a obtenção de agentes conhecidos como antimicrobianos de amplo espectro de atividade. Nas décadas seguintes, conforme a resistência bacteriana ia sendo verificada em cepas de microrganismos diversos, novos derivados dos agentes antimicrobianos já conhecidos, bem como novas classes de agentes microbianos (como as cefalosporinas, as quinolonas, derivados do ácido nalidíxico; e os agentes modernos, como o monobactam e o carbapenem e seus derivados) foram desenvolvidos e empregados na prática clínica. Atualmente, podemos dizer que possuímos uma grande variedade de agentes antimicrobianos disponíveis, porém, em decorrência do uso irracional de medicamentos antimicrobianos e do emprego desses agentes de forma banalizada em vários segmentos, como a higiene pessoal, avicultura e agropecuária, por exemplo, a resistência de microrganismos se tornou um dos grandes problemas de saúde pública do século XXI. Para compreender melhor o problema da resistência de microrganismos aos agentes antimicrobianos e os desafios que enfrentamos hoje para o tratamento das infecções, discutiremos a seguir os mecanismos de resistência mais comumente verificados nas cepas já estudadas pela ciência. Perceba que você, hoje, faz parte de um novo capítulo que está sendo escrito sobre a história dos antimicrobianos: a batalha contra a resistência bacteriana e a promoção do uso racional de antimicrobianos. 150 Unidade II Saiba mais Para conhecer um pouco mais sobre a vida de Alexander Fleming e o processo de descoberta da penicilina, acesse os artigos: ALEXANDER Fleming e a descoberta da penicilina. Jornal Brasileiro de Patologia e Medicina Laboratorial, Rio de Janeiro, v. 45, n. 5, out. 2009. Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/jbpml/v45n5/v45n5a01.pdf. Acesso em: 28 jun. 2020. FRAZÃO, D. Biografia de Alexander Fleming. Ebiografia, 2020. Disponível em: https://www.ebiografia.com/alexander_fleming/. Acesso em: 28 jun. 2020. 5.2 Princípios farmacológicos da terapia medicamentosa das infecções Os agentes antimicrobianos são caracterizados como fármacos que possuem a capacidade de reduzir os processos metabólicos dos microrganismos e, por consequência, impedir sua proliferação, podendo conduzi‑los à morte. Em geral, os agentes que atuam reduzindo apenas a capacidade proliferativa dos microrganismos são conhecidos como agentes estáticos (por exemplo, bacteriostáticos, em referência à ação sobre bactérias; fungistáticos, quando atuam no organismo de fungos). Já os compostos capazes de induzir a morte das células de microrganismos são caracterizados como agentes biocidas (por exemplo, bactericidas, em referência à ação sobre bactérias; ou fungicidas, quando induzem a morte de células de fungos). Para melhor compreensão de alguns termos utilizados aqui, é importante entender a origem e a diferenciação das palavras antibiótico e antimicrobiano. Antibiótico, via de regra, é a denominação mais adequada para os compostos que possuem ação contra microrganismos, mas que são derivados de moléculas produzidas por outros microrganismos ou até mesmo das próprias moléculas produzidas por alguns microrganismos, sendo capazes de causar danos a outros microrganismos diversos. Boa parte dos agentes antimicrobianos disponíveis na prática clínica são antibióticos verdadeiros, como a penicilina G (benzilpenicilina), obtida pelo isolamento da molécula presente na secreção do fungo Penicillium (popularmente conhecido por contaminações como oalém de observar aspectos sobre a administração do medicamento e acompanhamento dessa terapia medicamentosa, visando garantir o sucesso do tratamento. Portanto, nos tópicos a seguir, poderá ser observado quais são as características do tratamento antimicrobiano que o profissional deverá sempre verificar a fim de alcançar resultados positivos na terapia, sem promover a resistência aos agentes antimicrobianos. 5.3.3 Testes para a identificaçâo de resistência Apesar de a observação de episódios de resistência aos antimicrobianos ter sido realizada inicialmente na década de 1940, os cuidados frente à resistência vieram muitos anos depois, já que naquele momento o grande número de moléculas novas trazia boas perspectivas para revertê‑la. Contudo, embora ainda não tenhamos esgotado as possibilidades de desenvolver novos antimicrobianos, o número de novas moléculas sendo registradas é baixo, levando à necessidade de utilizarmos os agentes antimicrobianos com muito critério. Apesar de a resistência aos antimicrobianos ser amplamente discutida ao redor do mundo, em alguns países, antimicrobianos são utilizados sem prescrição médica em até dois terços das ocasiões (HOLLOWAY, 2003). Ainda que sejam prescritos, podem ser desnecessários em até 50% dos casos (WANNMACHER, 2004). Para que o processo de prescrição seja racional, visando o uso efetivo e evitando o desenvolvimento de resistência bacteriana, é necessário estabelecer um método que possa associar um diagnóstico efetivo da infecção ou do risco de infecção a ser prevenida, permitindo a escolha de antimicrobianos específicos para a ação sobre determinada cepa. Para isso, o exame conhecido como antibiograma representa uma ferramenta de grande valor para a análise e prevenção da resistência aos antimicrobianos. Os antibiogramas representam testes de sensibilidade dos microrganismos cultivados em uma placa frente aos agentes antimicrobianos aos quais serão expostos por meio de discos de difusão do fármaco 182 Unidade II na placa contendo a cultura do microrganismo. Esses testes são indicados para a análise da sensibilidade de qualquer microrganismo que possa ser responsável por um processo infeccioso e que necessite de terapia antimicrobiana. De modo geral, podemos dizer que é impossível predizer a sensibilidade de um microrganismo somente por sua identificação. Através desses testes de sensibilidade, verificamos se o organismo causador do processo infeccioso ou que possa vir a causar um processo infeccioso no futuro é capaz de apresentar resistência aos agentes antimicrobianos disponíveis. Mediante a análise do resultado (em que temos a resposta sobre a sensibilidade ou resistência do microrganismo em relação ao antimicrobiano por meio da análise de sua proliferação na placa de cultura ao redor dos discos contendo o antimicrobiano), podemos discernir qual é o agente antimicrobiano mais efetivo para o tratamento medicamentoso, evitando assim o emprego de terapias medicamentosas inefetivas e desnecessárias. A figura a seguir ilustra como é realizado o teste conhecido como antibiograma. Figura 84 – Antibiograma Em geral, após semear adequadamente o microrganismo na placa, os halos de inibição que aparecem são circulares e uniformes, havendo um padrão de crescimento similar onde houver a presença do microrganismo. Os diâmetros dos halos formados são observados a olho nu, devendo ser medidos de modo a incluir o diâmetro do disco. Os halos são mensurados pela parte de trás da placa de petri onde o microrganismo foi semeado, podendo ser realizado através de um paquímetro ou de uma régua. O halo de inibição é representado pela área sem crescimento detectável a olho nu, sendo ignorado o crescimento de pequenas colônias detectáveis somente com auxílio de microscópios ou lentes de aumento. Porém, caso haja crescimento de colônias dentro de um halo de inibição, de forma notável, mas não uniforme, devemos realizar novo teste, repetindo o procedimento com a cultura de uma única colônia, obtida da placa primária. 183 FARMACOLOGIA De modo geral, a interpretação dos resultados dos halos de inibição identificados deve possibilitar a classificação dos microrganismos como sensíveis, intermediários ou resistentes aos agentes testados. Mediante o exposto, poderá ser compreendido o quão complexo é o uso dos agentes antimicrobianos na prática clínica, tendo em vista o elevado número de critérios que regem uma prescrição efetiva e o elevado número de fatores que pode interferir na efetividade do tratamento. Após analisar esses fatores, serão observados aspectos sobre o uso dos antimicrobianos estudados sobre diferentes tipos de infecções, causadas por bactérias, fungos e parasitas. 6 TERAPIA ANTIMICROBIANA O uso adequado dos antimicrobianos envolve uma série de aspectos sobre o paciente, seu contexto social e ambiental, devendo ser realizada uma anamnese eficiente e criteriosa para que o tratamento seja eficaz e seguro. Para isso, analisaremos os principais pontos a serem considerados para o uso racional dos antimicrobianos. 6.1 Antimicrobianos para profilaxia O uso de antimicrobianos para a profilaxia (prevenção) das infecções pode ser realizado em diversos contextos, pré ou pós‑procedimento cirúrgico ou até mesmo de forma independente dos procedimentos cirúrgicos (nos contextos chamados de clínicos). Em ambientes hospitalares, porém, a maior parte do uso de agentes antimicrobianos é realizada com a finalidade profilática cirúrgica, compondo um fator de grande alerta para o uso racional de antimicrobianos e para o desenvolvimento da resistência por parte dos microrganismos. Podemos definir como profilaxia antimicrobiana cirúrgica o uso dos antimicrobianos especificamente para prevenção de infecções contraídas no sítio cirúrgico. Sempre que houver risco conhecido de infecções em um determinado ambiente ou quando as consequências de uma infecção iminente forem conhecidamente severas, representando um grau de risco elevado à vida do paciente, o uso profilático dos antimicrobianos será justificado. Podemos definir como profilaxia antimicrobiana cirúrgica o uso dos antimicrobianos especificamente para prevenção de infecções contraídas no sítio cirúrgico. Sempre que houver risco conhecido de infecções em um determinado ambiente ou quando as consequências de uma infecção iminente forem conhecidamente severas, representando um grau de risco elevado à vida do paciente, o uso profilático dos antimicrobianos será justificado. Nesse sentido, deve ser analisado o risco de contaminação durante uma cirurgia para que seja dado o veredicto sobre a indicação ou não da profilaxia antimicrobiana. Nessa análise, devemos considerar o tipo de cirurgia a ser realizada. Podemos dividi‑las em: • Cirurgias limpas: aquelas geralmente realizadas de forma eletiva, na ausência de processo infeccioso local, em tecidos estéreis ou de fácil descontaminação. Apresentam um baixo risco de infecção, geralmente não necessitando de uma terapia profilática. 184 Unidade II • Cirurgias potencialmente contaminadas: realizadas onde há presença de uma pequena microbiota colonizando o tecido, ou com a presença de pus e processo inflamatório associado, sendo em geral um local de difícil descontaminação, na maior parte dos casos, é recomendada a profilaxia antimicrobiana. • Cirurgias contaminadas: realizadas onde há presença de uma vasta microbiota colonizando o tecido, sem a presença de pus e processo inflamatório associado, sendo em geral um local de difícil descontaminação, de modo que é recomendada a profilaxia antimicrobiana. • Cirurgias infectadas: aquelas realizadas em qualquer tecido que apresente presença de pus e processo inflamatório associado, como nas feridas decorrentes de traumas que ocorreram há mais de seis horas do atendimento médico inicial, contaminadas, associadas com sujeira de qualquer tipo, ou em casos de fraturas expostas e perfurações de órgãos encontrados na cavidade peritoneal. Comoesses casos possuem grande número de registros de infecções posteriores, o uso da profilaxia antimicrobiana será sempre indicado. Apesar de ser indicada em inúmeros casos, a profilaxia pode representar riscos até mesmo onde ela é recomendável, como o tratamento profilático ser feito com um antimicrobiano de espectro inadequado, quando as doses administradas não forem adequadas e o período de profilaxia for maior do que o indicado. Visando a segurança e a efetividade nesse tratamento, o profissional prescritor e toda a equipe multidisciplinar em saúde devem estar atentos ao espectro de ação e à dose do antimicrobiano indicado, bem como às propriedades farmacocinéticas e à difusão do fármaco para os tecidos onde há o risco de contaminação, além do reconhecimento das principais espécies de microrganismos que colonizam o tecido onde o procedimento cirúrgico será realizado. Fora do contexto cirúrgico, a profilaxia clínica é realizada com maior frequência em episódios de exposição de um indivíduo a um agente infeccioso, sendo indicado iniciar a terapia o mais breve possível, visando não permitir o desenvolvimento dos sintomas associados ao quadro infeccioso e evitar a propagação da doença infecciosa. Podemos citar o uso para a prevenção de doença meningocócica, de crises recorrentes de febre reumática, da meningoencefalite por Haemophilus influenzae do tipo b, da infecção pneumocócica em pacientes esplenectomizados (pacientes que fizeram cirurgias para retirada do baço), evitar o desenvolvimento de coqueluche em crianças expostas ao agente infeccioso, atentar para infecções urinárias bacterianas e otite média aguda que ocorrem de forma repetida com frequência, bem como na prevenção de difteria. Em linhas gerais, o uso de antimicrobianos na profilaxia é útil e necessário, principalmente por prevenir os processos infecciosos antes de se desenvolverem. Contudo, esse tipo de terapia não foge às regras para o uso adequado dos antimicrobianos, a fim de evitar o desenvolvimento da resistência bacteriana. 185 FARMACOLOGIA Observação As cirurgias em locais infeccionados implicam sempre risco elevado de contaminação, por essa razão, é importante o uso profilático de antibióticos. Porém, outro problema pode estar associado. Ambientes com presença de secreção purulenta ou processo inflamatório tendem a causar a ionização de anestésicos locais, tornando‑os inefetivos e, muitas vezes, impedindo a realização do procedimento cirúrgico nesse local. 6.2 Uso de antimicrobianos na gestação e lactação O uso de antibióticos em mulheres gestantes ou amamentando deve considerar, antes de mais nada, dois fatores: a saúde da mãe e do bebê. Quando a terapia medicamentosa é determinada para o tratamento de uma infecção da mãe, deve‑se levar em conta a exposição do feto ou da criança (no caso da amamentação) ao agente antimicrobiano. A escolha da antibioticoterapia nesse contexto deve, portanto, considerar a relação risco‑benefício, tanto para mãe quanto para o filho. No entanto são escassos os dados sobre o uso de antibióticos durante a gravidez e lactação, tanto quanto às possíveis alterações farmacocinéticas como em relação à atividade antimicrobiana, uma vez que são poucos os estudos realizados nessas populações. Isso se deve ao risco elevado de teratogênese (má formação do feto) ou de aborto, quando se trata de gestantes. Já nas mulheres que estão amamentando, os riscos podem ser mais bem compreendidos pela possibilidade de analisar a excreção dos fármacos pelo leite materno. A farmacocinética dos antibióticos durante a gravidez pode ser modificada em todas as suas etapas (desde a absorção, passando pela distribuição e pelo metabolismo, até a excreção). No que diz respeito à absorção, é necessário levar em consideração que na gravidez o vômito durante o primeiro trimestre pode ser frequente, e a as variações nos níveis de progesterona, responsável pela diminuição do trânsito intestinal e atraso no esvaziamento gástrico, podem influenciar na absorção do antimicrobiano. Em relação à distribuição, o aumento do volume plasmático extracelular leva a uma diminuição na concentração de proteínas plasmáticas, alterando assim o transporte dos fármacos no organismo. No que diz respeito ao metabolismo e eliminação, esses processos estarão potencializados devido a alterações no metabolismo hepático e a um aumento no débito cardíaco e na taxa de filtração glomerular na gestante. Consequentemente, em uma mulher gestante em dosagem padrão, os níveis plasmáticos de antibióticos podem chegar a ser entre 10% a 50% inferiores, quando comparamos com a não gestante. No entanto esses dados são embasados em aspectos farmacológicos teóricos, não sendo aconselhável aumentar a dosagem em uma mulher gestante. A passagem de antibióticos através da barreira placentária pode variar de acordo com o período da gravidez e o tipo de fármaco utilizado. As moléculas lipossolúveis e de baixo peso molecular são aquelas 186 Unidade II que passam mais facilmente do sangue da mãe para o feto. Doenças de base da gestante, como diabetes ou pressão alta, também podem proporcionar maior passagem transplacentária. A passagem transplacentária de antibióticos desvia uma porcentagem do antibiótico da mãe para o feto. Essa porcentagem varia de acordo com o tipo de antibiótico e, com exceção dos macrolídeos no final da gravidez, todos os antibióticos atravessam muito bem a barreira placentária. Isso poderá ser relacionado à inefetividade do tratamento para a gestante, bem como estar associado a processos tóxicos e de teratogênese no feto. Em relação ao uso de antibióticos pelas lactantes, a passagem do antibiótico para o leite materno depende de suas propriedades físico‑químicas, da concentração plasmática do agente antimicrobiano, da qualidade e quantidade de leite ingerido e da idade da criança lactente. Substâncias lipossolúveis (como macrólideos, doxiciclina, fluoroquinolonas) e com baixa ligação às proteínas passam mais facilmente para o leite materno, e a barreira intestinal dos bebês (diferente da dos adultos por sua diferença de microbiota e de pH) é mais permeável aos compostos antimicrobianos. Na prática, podemos pontuar que, se o tratamento for de curto prazo, é preferível interromper a amamentação ou amamentar antes de tomar o tratamento no caso de uma dose única e uma molécula com meia‑vida curta. Se o tratamento for de longo prazo, é melhor evitar a amamentação. 6.3 Infecções de trato respiratório No Brasil e no mundo, as infecções do trato respiratório, tanto superior (cavidade nasal e seios nasais, cavidade oral, faringe e laringe) quanto inferior (traqueia, brônquios e pulmão), estão relacionadas ao maior número de problemas de saúde que conduzem a população a buscar o sistema de saúde, sendo ligadas ao grande número de intervenções medicamentosas e afastamentos do trabalho e estudos. Curiosamente, o maior número de infecções do trato respiratório é de etiologia viral, porém, são tratadas com fármacos antibacterianos. Como pode ser notado, um uso irracional frequente e com grande impacto sobre o desenvolvimento de resistência bacteriana. Contudo, como boa parte dessas infecções virais evoluem naturalmente para convalescência do indivíduo, com a cura espontânea da doença, é difícil descobrir se a terapia foi eficaz ou se era desnecessária. Essa dificuldade remonta do fato de que, através dos sintomas iniciais das infecções do trato respiratório, é difícil discernir qual é o tipo de agente etiológico causador da doença. As expectativas e cobranças dos pacientes em relação aos profissionais de saúde por associarem infecções à necessidade de uso de antimicrobianos e a falta de recursos para realização de exames e testes que possam auxiliar no diagnóstico fazem com que a estratégia de terapia antimicrobiana seja implementada empiricamente utilizando drogas com ação antibacteriana. Ainda, a falta da cultura de cuidados alternativos de tratamento e prevençãodas infecções respiratórias faz com que a terapia medicamentosa seja predominante na maioria dos casos. 187 FARMACOLOGIA Contudo, devemos levar em consideração a rotina do paciente e a impossibilidade de esse indivíduo realizar cuidados básicos para sua convalescência, que demandariam desde seu afastamento de atividades laborais e estudos até atividades diárias básicas, o que traz uma série de problemas para o paciente. Desse modo, resolver a queixa do paciente rapidamente, evitando retornos indesejados ao serviço de saúde, torna‑se a opção mais escolhida. Observando as escolhas pela terapia medicamentosa, podemos dizer que, no caso das infecções pulmonares, o uso de antibacterianos não é de toda forma equivocado, pois quadros como pneumonia, que, mesmo sendo geralmente causados por infecções virais, podem evoluir para um processo inflamatório intenso, propiciando um ambiente favorável para infecções bacterianas (por conta do acúmulo de líquido e muco). Já os casos de sinusites, faringites, laringites, amidalites e bronquites, até quando associados à superinfecção por bactérias, podem ser tratados com medidas de suporte (tratamento da dor, febre e inflamação), associados com a drenagem das secreções formadas. Porém, nesses casos, o elevado desconforto e os transtornos dos sintomas fazem com que a busca por uma redução do período clínico da doença seja alcançada através do uso de antibacterianos, o que não é questionável em se tratando da confirmação de infecção bacteriana. Os patógenos mais comuns no trato superior são o Staphylococcus aureus (cavidade nasal); Neisseria meningitidis, Streptococcus pyogenes e Corynebacterium diphtheriae (na cavidade oral e na faringe); e Haemophilus inluenzae (na laringe). No trato inferior, Bordetella pertussis e Bordetella parapertussis e Streptococcus pneumoniae são as bactérias mais frequentemente associadas. Porém, os vírus influenza são os microrganismos mais comumente associados às afecções do trato inferior. De acordo com a Expert Opinion da Academia Brasileira de Rinologia (PILTCHER et al., 2018), o tratamento mais indicado para rinossinusites bacterianas não complicadas pode ser realizado, com amoxicilina (500 mg a cada 8 horas ou 875 mg a cada 12 horas por um período de 7 a 14 dias – preferencialmente em pacientes sem suspeita ou confirmação de resistência bacteriana). Amoxicilina com clavulanato (500 mg ou 875 mg de amoxicilina com 125mg de clavulanato, a cada 8 horas por um período de 7 a 14 dias – quando confirmadas bactérias produtoras de β‑lactamase. Em casos de pacientes com alergia aos antibacterianos beta‑lactâmicos, claritromicina (500 mg a cada 12 horas por um período de 7 a 14 dias); levofloxacino (500 mg ou 750 mg, 1 vez ao dia por um período de 5 a 7 dias); moxifloxacino (400 mg 1 vez ao dia por um período de 5 a 7 dias); ou doxiciclina (100 mg a cada 12 horas por um período de 7 a 14 dias) são opções viáveis. Contudo, as fluorquinolonas não devem ser utilizadas se não houver real necessidade, pois os riscos do tratamento superam os benefícios nesses casos. Para as faringoamidalites, o uso de penicilina benzatina demonstra ser bastante efetivo, porém, pela comodidade do tratamento, muitas vezes, a prescrição da amoxicilina, uma molécula derivada da penicilina, é indicada. Deve‑se apenas manter o cuidado para o surgimento de resistência bacteriana através do uso inadequado e atentar para os cuidados com pacientes alérgicos às penicilinas. 188 Unidade II Para o tratamento de pneumonias e infecções do trato respiratório inferior, principalmente as adquiridas na comunidade, é recomendada uma opção terapêutica empírica, introduzida logo após o diagnóstico da infecção. Contudo deve ser feita a análise de material biológico coletado e identificação do agente etiológico para ajuste da terapia com agentes mais específicos, conforme resultado do antibiograma. Para os pacientes em tratamento ambulatorial, previamente sadios e iniciando o primeiro tratamento com antibiótico para essa doença, deve ser realizado de cinco a sete dias, sendo a primeira opção o uso de macrolídeos, como a azitromicina (500 mg no primeiro dia e 250 mg por dia durante os 4 dias seguintes); ou claritromicina (500 mg a cada 12 horas). A segunda opção é o uso de beta‑lactâmicos, como amoxacilina + clavulanato (875 mg/125 mg a cada 8 horas); ou amoxicilina (500 mg a cada 8 horas); ou cefuroxima (500 mg a cada 12 horas). Em casos em que houver doenças associadas ou tratamento recente com antibióticos para infecções respiratórias, a associação entre macrolídeos e beta lactâmicos deve ser considerada. Ainda, há a possibilidade do uso de quinolonas, como o levofloxacino (500 mg ou 750 mg, 1 vez ao dia por um período de 5 a 7 dias); ou o moxifloxacino (400 mg 1 vez ao dia por um período de 5 a 7 dias). O tratamento realizado em ambiente hospitalar irá considerar inúmeros aspectos sobre o quadro do paciente, como a estabilidade hemodinâmica, a presença de doenças de base, o risco de contaminação com Pseudomonas (mais comum em infecções hospitalares de UTI). Terapias que podem ser aplicadas em quadros mais severos envolvem tratamento medicamentoso isolado ou em combinação dos medicamentos já citados ou com metronidazol (500 mg a cada 8 horas); cloranfenicol (500mg por via intravenosa a cada 6 horas); cefepima (2 g por via intravenosa a cada 12 horas); piperacilina + tazobactan (4,5 g a cada 8 horas). Observação De acordo com o Ministério da Saúde, em casos confirmados de H1N1, o paciente deve realizar tratamento com antiviral (oseltamivir), mas também deve utilizar um medicamento antibacteriano (em geral, amoxicilina com clavulanato de sódio), bem como expectorantes/mucolíticos. Essas recomendações do Ministério da Saúde são decorrentes do grande número de casos de pneumonia bacteriana oriundos de complicações da doença viral. 6.4 Tratamento da tuberculose A tuberculose é uma doença infecciosa grave, porém, curável na maioria das vezes, principalmente, nos casos em que os pacientes apresentam bacilos sensíveis aos medicamentos antituberculose. Porém é necessário sempre observar que alguns princípios básicos da terapia medicamentosa sejam seguidos à risca, bem como a operacionalização do tratamento com o acesso ao medicamento sempre garantido, permitindo assim a adesão e execução adequada do tratamento. 189 FARMACOLOGIA O atendimento ao paciente com tuberculose deve ser realizado por meio de uma abordagem humanizada, considerando todos os estigmas sociais que a doença possui, desde sua gravidade em si até os riscos de propagação da infecção, os quais são associados a aspectos históricos que ajudam a semear o preconceito contra esses pacientes. Devemos sempre explicar ao paciente de forma explícita as características da doença e do tratamento ao qual será submetido, principalmente, situando‑o em relação aos riscos do uso irregular, o tempo de duração do tratamento (que é prolongado), os principais eventos adversos, as restrições sobre consumo de bebidas alcoólicas, bem como o uso de outros medicamentos que possam interagir com os antimicrobianos que serão utilizados. No Brasil, o protocolo de tratamento da tuberculose é padronizado pelo Ministério da Saúde, sendo dividido basicamente em duas etapas: a primeira, conhecida como fase de ataque, mais intensiva; e a de manutenção. Na fase de ataque, visamos diminuir quantitativamente a população bacilar total, bem como eliminar os bacilos naturalmente resistentes a algum dos agentes utilizados no tratamento. Com a rápida redução do número de bacilos, reduzimos por consequência o potencial de contágio da doença. Para que isso seja possível, associação de antimicobacterianos com alto poder bactericida é empregada nessa fase do tratamento. Já na fase de manutenção, o objetivo é eliminar os bacilos que permaneceram latentes ou demonstraram algum grau de resistência, diminuindo a probabilidade de ocorrer uma recidiva da doença. Para tanto,a associação entre dois medicamentos, ambos com maior potência bactericida, é empregada nessa etapa. De acordo com o protocolo estabelecido pelo Ministério da Saúde, na fase intensiva, são utilizadas as associações 4 em 1 (para adultos e adolescentes) ou 3 em 1 (para criançasafetar estruturas superiores do trato urinário, a terapia ambulatorial pode ser realizada com a administração de ciprofloxacina 500 mg pela via oral a cada 12 horas por um período de sete dias; ou levofloxacino 750 mg pela via oral, uma vez ao dia por cinco dias. Caso haja qualquer complicação que impeça o uso efetivo desses fármacos, pode ser utilizado sulfametoxazol + trimetoprima 160/800 mg pela via oral a cada 12 horas por um prazo de 14 dias. 192 Unidade II Um ponto importante para considerar é o de que gestantes estão frequentemente expostas ao risco de infecção bacteriana do trato urinário, muitas vezes, sendo verificada uma bacteriúria assintomática. Sendo assim, os antimicrobianos betalactâmicos administrados pela via oral, as sulfonamidas e a nitrofurantoína podem ser utilizadas com segurança logo início da gestação. A associação do sulfametoxazol com a trimetoprima deve ser evitada, uma vez que a trimetoprima pode ser tóxica durante o primeiro trimestre, e o sulfametoxazol deve ser evitado no último trimestre da gestação. 6.6 Tratamento de infecções bacterianas gastrintestinais As infecções bacterianas do trato gastrintestinal afetam cerca de dois bilhões de pessoas todos os anos ao redor do globo (THE LANCET, 2016), sendo a principal causa de morbidade e mortalidade infantil relacionada às infecções. A grande maioria das doenças do trato gastrintestinal causadas por bactérias e associadas com diarreia é tratável, porém o diagnóstico tardio e a ocorrência de diarreia por período prolongado podem trazer graves consequências. As diarreias causadas por infecções bacterianas podem ser classificadas em três tipos distintos de síndrome: a síndrome inflamatória, associada à disenteria; a síndrome não inflamatória; e a doença com repercussão sistêmica, na qual pode se verificar a ocorrência de febre entérica. A síndrome associada à infecção dependerá de qual é o agente etiológico, a capacidade de resposta inflamatória do indivíduo e a região do trato gastrintestinal onde ocorre a infecção. Os gêneros Aeromonas, Campylobacter, Escherichia, Plesiomonas, Salmonella, Shigella, Staphylococcus e Yersinia são os mais comuns associados às infecções bacterianas do trato gastrintestinal. Todavia o diagnóstico diferencial dessas infecções deve ser feito através de exame laboratorial (coprológico), com cultura para identificação do microrganismo, excluindo infecções parasitárias e virais, especificando a bactéria causadora. Em relação ao tratamento dessas patologias, que em geral apresentam caráter de transtorno autolimitado (esse termo designa alguma doença que tende a evoluir sozinha para a cura), observam‑se cuidados gerais a fim de evitar a desidratação e perda de eletrólitos por conta da diarreia, principal complicação de risco das infecções gastrintestinais. Por essa razão, o consumo de sais de reidratação por via oral, ricos em eletrólitos, costumam ser a base dos tratamentos. O uso de agentes probióticos também pode ser prescrito, buscando a reposição da microbiota intestinal e o reestabelecimento das funções intestinais. Em casos em que a evacuação constante cause algum transtorno e se não houver suspeita de infecção por C. difficile ou E. coli, o uso de medicamentos para o controle da motilidade intestinal pode ser prescrito. No que diz respeito ao tratamento medicamentoso, a recomendação de antimicrobianos de forma empírica é realizada basicamente em casos de diarreia do viajante (associada a náuseas e vômitos em indivíduos fora de seu local de origem, geralmente associada ao consumo de água ou alimentos contaminados aos quais apresenta maior sensibilidade), ou infecções mais severas em que há suspeita de bactérias dos gêneros Shigella ou Campylobacter como agentes causadores. 193 FARMACOLOGIA Em casos em que o microrganismo for confirmado, a terapia poderá ser realizada. Para Campylobacter jejuni, Azitromicina (500 mg por via oral, 1 vez ao dia por 3 dias em adultos e 10 mg/kg, 1 vez ao dia por 3 dias em crianças) ou ciprofloxacino (500 mg por via oral, 1 vez ao dia por 5 dias). Já as infecções por Clostridium difficile podem ser tratadas com Metronidazol (250 mg por via oral, 1 vez ao dia; ou 500 mg por via oral, a cada 8 horas por um período de 10 dias, em adultos; para crianças, 7,5 mg/kg por via oral, 1 vez ao dia por um período de 10 a 14 dias); ou, em casos mais severos, vancomicina (125‑250 mg por via oral, 1 vez ao dia por um período de 10 dias para adultos; em crianças, 10 mg/kg pela via oral, 1 vez ao dia por um período de 10 a 14 dias). Infecções por Shigella podem ser tratadas com ciprofloxacino (500 mg por via oral, a cada 12 horas por 5 dias) ou azitromicina (500 mg por via oral no primeiro dia, depois, 250 mg por via oral, 1 vez ao dia por mais 4 dias, em adultos; em crianças, 12 mg/kg pela via oral no primeiro dia – máximo de 500 mg/dose –, e, depois, 6 mg/kg pela via oral uma vez ao dia nos 4 dias seguintes, alcançando um máximo de 250 mg/dose). Porém, nos casos das infecções bacterianas mais comuns do trato gastrintestinal, como as causadas por S. aureus, B. cereus, C. perfringens e Salmonella, além dos antimicrobianos não serem efetivos, prolongam a eliminação do microrganismo nas fezes. Todavia pacientes imunodeprimidos, neonatos e com bacteremia causada por Salmonella devem ser tratados com antimicrobianos. Dessa forma, a terapia antimicrobiana nas infecções do trato gastrintestinal deve ser decidida somente mediante identificação específica do agente etiológico. 6.7 Tratamento das infecções no SNC No SNC, as infecções mais comuns incluem a meningite (doença caracterizada pela inflamação das meninges, cerebrais ou da medula espinhal), cerebrite (doença representada pela manifestação de processo inflamatório decorrente da presença de bactérias), encefalite (doença representada pela manifestação de processo inflamatório decorrente, em geral, da presença de vírus) e infecções por parasitas. Em geral, as meningites constituem epidemiologicamente a representação mais importante entre as infecções descritas. Caracterizada pela inflamação das meninges, pode ocorrer desencadeada por um grande número de agentes etiológicos, tal como a meningite meningocócica, causada pela Neisseria meningitidis; ou a meningite pneumocócica, causada pela Streptococcus pneumoniae. Suas características particulares estão relacionadas à anatomia das membranas e pela conexão com o líquido cefalorraquiano. A meningite meningocócica é mais frequente no primeiro ano de vida, ocorrendo de forma epidêmica em populações que se mantêm frequentemente em ambientes fechados, tal como em estabelecimentos de ensino, militares, presídios etc. Independentemente da idade, todos estão sob o risco dessas infecções, porém, o maior risco está associado com crianças menores de 5 anos, principalmente, no primeiro ano de vida. 194 Unidade II Já especificamente entre os adultos, a meningite pneumocócica é mais comum, estando mais sujeitos ao risco os etilistas, indivíduos com otite, mastoidite ou rinossinusite crônica, lesões cerebrais ou encefálicas fechadas, pneumonia pneumocócica, anemia falciforme ou em indivíduos esplenectomizados. Vale lembrar que o Haemophilus influenzae tipo B era a principal causa de meningite em crianças após o primeiro mês de vida, porém as campanhas de vacinação auxiliaram na redução drástica do número de casos incidentes nessa população. A vacinação é extremamente eficiente para o controle da doença, não permitindo assim epidemias recentes da doença. Contudo, ainda é significativo o risco oferecido pela doença, de modo que os casos suspeitos são sempre submetidos à hospitalização e ao monitoramento, havendo até mesmo protocolos de profilaxia para pessoas que estiveram em contato com pacientes com a doença confirmada. A terapêutica das meningites bacterianas conduzida pelo emprego de antibioticoterapia em ambiente hospitalar, enquanto as meningites virais, via de regra, não são tratadas com antivirais.Geralmente, no caso das meninfites virais, o tratamento é sintomático e envolve a observação do paciente até evolução para a cura espontânea da doença. Contudo, infecções causadas por alguns vírus, como herpesvírus e influenza, ao promoverem um quadro de meningite, são tratadas com o uso de antiviral específico. Quadros mais complexos, como as meningites fúngicas, envolvem um longo tratamento, com o emprego de antifúngicos de forma prolongada, de acordo com o fungigrama do paciente. Casos de meningites por parasitas requerem tratamento com medicamentos antiparasitários, bem como suporte para que o processo inflamatório (geralmente intenso) seja controlado. Em relação aos medicamentos usados na terapia antimicrobiana, associam‑se medicamentos de acordo com o resultado da identificação dos microrganismos. Infecções causadas por H. Influenzae, Streptococcus pneumoniae e Escherichia coli são usualmente tratadas com cefalosporina de 3ª geração. Neisseria meningitidis, Listeria monocytogenes e Streptococcus agalactiae com penicilina G ou ampicilina. Quando a terapia é empírica, em crianças menores de um mês, pode ser utilizado o protocolo com ampicilina + cefotaxima ou ampicilina + aminoglicosídeo. Acima de um mês de vida, as cefalosporinas de 3ª geração são indicadas, de modo que pacientes com mais de 50 anos podem ser tratados com a cefalosporina de 3ª geração associada à ampicilina. Apesar de ser possível tratar as meningites, é importante associá‑las a um grave problema de saúde, sendo que a vacinação é a melhor ferramenta para evitar maiores transtornos e controlar a doença nas populações em geral. 6.8 Prevenção e tratamento de endocardites A endocardite infecciosa é uma doença de caráter grave, estando associada à contaminação por bactérias ou fungos durante procedimentos cirúrgicos, em que ocorre a entrada dos microrganismos na corrente sanguínea, as quais podem colonizar estruturas cardíacas diversas, como a estrutura do miocárdio ou valvas, principalmente em pacientes com valvopatias. 195 FARMACOLOGIA Quando um paciente é diagnóstico com endocardite infecciosa, a estratégia de tratamento recomendada inclui manter o indivíduo hospitalizado por um período de ao menos 30 dias para a administração de doses elevadas de antibacterianos pela via intravenosa. As taxas de mortalidade dessa doença são altas, chegando em até 25% dos indivíduos acometidos, principalmente, por estar associada com complicações clínicas como o agravamento da lesão valvar preexistente, quadros de insuficiência cardíaca, sepse e insuficiência renal. Grande parte dos indivíduos acometidos necessitará de cirurgia cardíaca para resolver complicações decorrentes da infecção. Observada a gravidade do problema, é importante frisar que essa infecção pode ser evitada. O uso profilático de agentes antimicrobianos para a realização de procedimentos invasivos e cirurgias odontológicas, gastrintestinais, ginecológicas ou urológicas pode evitar o surgimento da endocardite. Usuários de drogas de abuso com aplicação intravenosa são indivíduos extremamente propensos a tal infecção. Embora os pacientes recém‑diagnosticados muitas vezes apresentarem um bom quadro geral, podendo aguardar o resultado da análise do antibiograma, a antibioticoterapia empírica é recomendada do momento do diagnóstico até a obtenção do laudo do antibiograma em pacientes com outras doenças de base. Os antimicrobianos usados são geralmente de amplo espectro, considerando o grande número de microrganismos que podem estar associados com o quadro (estafilococos, estreptococos e enterococos, principalmente). Observados os riscos de resistência bacteriana e sensibilidade dos prováveis agentes etiológicos, se o paciente foi acometido nas valvas nativas, pode ser administrada vancomicina (15 a 20 mg/kg por via intravenosa, a cada 8 ou 12 horas, não excedendo 2 g por dose). No caso de pacientes acometidos em válvulas protéticas (próteses), deve ser administrada a vancomicina no mesmo protocolo citado, mas associada com gentamicina (1 mg/kg a cada 8 horas) mais cefepima (2 g a cada 8 horas) ou imipenem (1 g a cada 6 ou 8 horas, não excedendo 4 g ao dia), todos por via intravenosa. No caso da obtenção de resultados do antibiograma, a antibioticoterapia empírica deverá sofrer um ajuste para especificidade do tratamento em relação ao microrganismo (ou microrganismos) identificado. 6.9 Tratamento das infecções bacterianas de pele e dos tecidos moles As infecções que acometem a pele podem ser classificadas de acordo com os tipos de infecção e de tecidos acometidos, sendo divididos basicamente em infecções cutâneas e dos tecidos moles (ICTM) e infecções bacterianas da pele e tecidos cutâneos (IBAPEC). As infecções desse tipo podem ser classificadas em primárias (sem porta de entrada aparente) e secundárias (complicações de lesões de pele, feridas, lesões abrasivas ou traumas, recentes ou não). Ainda, podemos observar características temporais, ou seja, se as infecções têm caráter agudo (poucos dias) ou crônico (duram meses ou anos). Em relação ao agente causador, é importante identificar o microrganismo causador, sendo que essas infecções podem ser monomicrobianas (causadas por apenas um agente etiológico) ou polimicrobianas (causadas por mais de um agente etiológico). 196 Unidade II A pele íntegra caracteriza uma forma eficiente de barrar infecções, uma vez que a biota da pele é composta basicamente de Staphylococcus epidermidis e Propionibacterium acnes, microrganismos que apresentam baixa virulência. Nesse caso, os principais agentes etiológicos das infecções de pele são aqueles que colonizam de forma ocasional e transitória esse tecido, como, por exemplo, Staphylococcus aureus, Streptococcus pyogenes, bactérias entéricas gram‑negativas e Cândida albicans. O tratamento medicamentoso das infecções de pele envolve inicialmente a identificação do provável agente etiológico causador, bem como as características de evolução da doença. Ainda, doenças com diagnóstico mais específico possuem tratamentos específicos. A celulite, infecção bacteriana aguda da pele e tecido subcutâneo, possuindo como agente etiológico Streptococcus pyogenes ou Staphylococcus aureus, é uma doença que pode estar associada com processo inflamatório e, em casos mais severos, linfomegalia. Geralmente é facilmente tratada com antibioticoterapia (dicloxacilina 250 mg, ou cefalexina 500 mg, pela via oral, a cada 6 horas por 7 a 10 dias). Os abscessos que eventualmente possam aparecer devem ser drenados. O eritrasma, infecção causada por Corynebacterium minutissimum, comum em diabéticos, que ocorre em regiões da pele que estão em constante atrito com outras regiões da pele, pode ser tratado de forma efetiva com dose única de claritromicina, 1 g por via oral. Tratamentos com eritromicina ou clindamicina pela via tópica também demonstram boa efetividade. A foliculite, uma infecção dos folículos pilosos associada a pequeno processo inflamatório, geralmente causada por Staphylococcus aureus, ou, ocasionalmente, por Pseudomonas aeruginosa. O tratamento é realizado com clindamicina a 1%, uso tópico, duas vezes ao dia por um período de sete a 10 dias, podendo ser realizada lavagem com peróxido de benzoíla a 5% no momento do banho, por um período menor (5 a 7 dias). Em casos mais severos (maior extensão da pele atingida), deve ser utilizada a cefalexina em doses de 250 a 500 mg pela via oral, a cada seis horas por um período de sete a 10 dias. O impetigo, infecção com presença de bolhas e crostas, causada por estreptococos e/ou estafilococos; e a ectima, forma ulcerativa do impetigo, são formas de infecção de pele que se iniciam com a formação de pústulas e vesículas, as quais podem romper, formando uma crosta com o material do exsudato. Seu tratamento é realizado com mupirocina em pomada, aplicada a cada oito horas durante sete dias; ou pomada de retapamulina, aplicada a cada 12 horas durante cinco dias. O creme de ácido fusídicoa 2%, aplicado a cada seis ou 12 horas até as lesões desaparecerem, é também significativamente eficaz. Os furúnculos, abscessos cutâneos causados por Staphylococcus aureus, acometendo o folículo piloso e os tecidos ao redor, são processos incômodos e dolorosos, apresentando nódulos edemaciados e/ou pústulas, por onde tecido necrótico e pus com presença de sangue podem ser eliminados. Em geral, esses processos são drenados após incisão mecânica, sendo que a aplicação de compressas quentes sobre o local auxilia no extravasamento ou externalização do conteúdo purulento. Os antibacterianos são empregados frequentemente apenas quando há uma infecção mais severa, sendo utilizados antibióticos capazes de ação antibacteriana contra Staphylococcus Aureus resistente à meticilina, se identificado esse microrganismo no antibiograma. Pacientes com febre e com lesões 197 FARMACOLOGIA iguais ou maiores a 5 mm devem realizar tratamento com sulfametoxazol + trimetoprima, em doses de 160/800 mg a 320/1.600 mg a cada 12 horas; clindamicina 300 a 600 mg a cada seis ou oito horas; e doxiciclina ou minociclina 100 mg a cada 12 h. Casos mais simples, em que o desconforto prejudique a qualidade de vida do paciente, mas não estejam associados a maiores riscos, podem ser tratados com cefalexina 500 mg a 1 g a cada seis horas pela via oral durante um período de sete a 10 dias. 6.10 Tratamento das infecções fúngicas superficiais As infecções causadas por fungos podem ser classificadas, de forma mais abrangente, em dois tipos: as infecções oportunistas, que acometem em geral os pacientes com sistema imunológico debilitado; e as infecções primárias, comuns em pacientes imunocompetentes. De modo geral, as infecções fúngicas superficiais podem ocorrer em diversas regiões como pele, espaços interdigitais, couro cabeludo e unhas, sendo especificamente este último tipo mais complexo em relação ao tratamento. A tendência é de que os fungos se acumulem em locais úmidos, como aqueles onde o suor pode se acumular. Essas infecções de pele podem ser causadas tanto por Candida ou Malassezia furfur (leveduras) ou Epidermophyton, Microsporum e Trichophyton (fungos conhecidos como dermatófitos). Em geral, esses fungos colonizam o extrato córneo, camada mais externa da pele, não penetrando em camadas mais internas. Vale notar que em diabéticos essas infecções fúngicas são mais frequentes. O diagnóstico efetivo dessas infecções envolve a avaliação clínica dos sinais na pele, bem como o resultado de culturas de fungos realizadas após raspagem da pele afetada. É importante considerarar se o evento é recorrente a fim de evitar que esse processo de recidivas permaneça se repetindo. O tratamento dessas infecções envolve, geralmente, cuidados em relação ao acúmulo de suor ou umidade de qualquer tipo nos locais afetados ou propensos à propagação da infecção. Cuidados com o uso de toalhas e vestimenta que esteve em contato com os locais infectados também devem ser considerados. Contudo, as infecções superficiais podem ser tratadas com medicamentos antimicóticos (antifúngicos) de uso tópico (loções, cremes, géis), que facilitam o uso pela praticidade de aplicação. É importante que a aplicação seja feita de forma a manter o produto em contato com a lesão pelo maior tempo possível, utilizando quando necessário gaze ou algodão a fim de manter a interação física entre o medicamento aplicado e a pele afetada. Outra orientação importante para esse tratamento é a de que o paciente deve permanecer utilizando os medicamentos por ao menos 10 dias após o desaparecimento das lesões, uma vez que a chance de recidiva, mesmo após o desaparecimento visual dos sinais relacionados às lesões, é frequente. Para infecções como as tíneas, provocadas por dermatófitos, quando acometem as unhas, o tratamento com esmaltes específicos contendo agentes antimicóticos pode auxiliar no tratamento, porém o uso de antifúngicos por via oral pode ser necessário, e o tratamento é geralmente por período mais prolongado. 198 Unidade II Como exemplos de medicamentos amplamente utilizados por aplicação tópica, podemos citar a amorolfina, a butenafina, o butoconazol, o cetoconazol, o ciclopirox, o clotrimazol, o econazol, o miconazol, a naftifina, a nistatina (indicada nos casos de Candida), o oxiconazol o sulconazol, o sulfeto de selênio, a terbinafina, o terconazol, o tioconazol, o tolnaftato, o undecilenato e a violeta de genciana. Pela via oral, temos as opções terapêuticas da classe dos imidazóis, como o cetoconazol (utilizado em casos mais severos por conta do risco de toxicidade em tratamentos prolongados), o itraconazol, o fluconazol (que sofre com a ampla resistência por parte dos fungos). Ainda, a griseofulvina demonstra ser um excelente agente antifúngico sistêmico para o tratamento das infecções de pele, cabelo e unha que apresentam maior resistência. Embora empregados no tratamento das infecções superficiais, os antifúngicos de ação sistêmica são mais utilizados em casos de infecções sistêmicas. 6.11 Tratamento das infecções fúngicas invasivas As infecções fúngicas de caráter sistêmico, em geral, apresentam um tipo de evolução crônica, levando de meses até anos para que sintomas mais intensos possam aparecer e, consequentemente, o paciente procure auxílio médico. Os sintomas apresentam‑se de forma branda, mas com a evolução do quadro, febre com sudorese noturna, perda de peso e fadiga podem ser verificados. Em geral, as vias aéreas se apresentam como uma das principais formas de entrada para os fungos, como no caso da criptococose, que pode levar a um quadro de meningite crônica; ou da histoplasmose, disseminada de forma lenta e comprometendo o sistema reticuloendotelial no tecido hepático, no baço e na medula óssea. Ainda, há a blastomicose, que pode causar lesão cutânea em um ou mais locais do organismo. O diagnóstico dessas infecções, via de regra, é realizado por meio de uma análise de fluidos biológicos, como muco, líquido cefalorraquidiano ou sangue, para a identificação do tipo de microrganismo presente e da avaliação do porte da infecção. Em aspecto geral, compreender qual é o tipo de microrganismo é importante para prever a evolução do quadro, mas as terapias farmacológicas para o tratamento dessas infecções são, em geral, semelhantes. Em linhas gerais, o tratamento das diversas infecções fúngicas sistêmicas é realizado com o uso de um agente imidazólico ou anfotericina B. Os agentes imidazólicos, como o cetoconazol, fluconazol e itraconazol, são amplamente utilizados por possuírem boa tolerância por parte dos pacientes, bem como posologia prática e que facilita a adesão ao tratamento. Contudo, o cetoconazol é pouco utilizado pelo seu risco de hepatotoxicidade. Já o fluconazol pode estar relacionado com casos de resistência dos fungos à sua ação farmacológica. Assim, o itraconazol demonstra boa efetividade com baixa toxicidade nos tratamentos menos prolongados, contudo não possui boa disponibilidade no líquido cefalorraquidiano, não sendo muito eficiente contra meningites causadas por fungos. Desse modo, apesar de possuir grande toxicidade, a anfotericina B representa a terapia de escolha contra a maior parte das infecções fúngicas sistêmicas, principalmente aquelas relacionadas à grande possibilidade de risco à vida do paciente. Em caso de infecções crônicas, inicia‑se o tratamento com 0,3 mg pela via intravenosa, com com o aumento gradual da dose em 0,1mg/kg até alcançar a dose 199 FARMACOLOGIA necessária (entre 0,4 a 1,0mg/kg administrada em única aplicação diária). É recomendável que não seja excedida a dose de 50 mg por dia, uma vez que a anfotericina B é altamente ototóxica, estando comumente relacionada com casos de perda da audição, parcial ou completa. 6.12 Tratamento da malária A malária é uma doença parasitária extraintestinal, não contagiosa, causada por protozoários transmitidos para os humanos através da picada do mosquito fêmea do tipo Anopheles que estejainfectado. No Brasil, a maior parte dos registros de casos de malária remete à região Norte do país (principalmente, na região amazônica, bem como em alguns estados do Centro‑oeste e Nordeste). Em localidades com poucas notificações, quando há algum registro da doença, há risco elevado de letalidade, sendo necessária também a atenção para o risco de casos em regiões não endêmicas. No processo de disseminação da doença, um indivíduo doente não a transmite de forma direta para outras pessoas, sendo que a presença do vetor é um fator necessário para a propagação da doença. Nesse caso, a fêmea do mosquito Anopheles, quando infectada por um protozoário do tipo Plasmodium, pode transmitir a doença para os indivíduos que forem picados no momento em que a fêmea do mosquito busca sangue para se nutrir e manter seu metabolismo. O ciclo da doença, em geral, ocorre de forma dependente do mosquito (vetor) e do humano (reservatório). Ao se alimentar de sangue, a fêmea Anopheles inocula os esporozoítos do parasita no hospedeiro humano e, em seguida, os esporozoítos, através da circulação, alcançam e infectam as células do fígado, local onde esses esporozoítos amadurecem, dando origem para uma nova forma do parasita, os esquizontes. Esses esquizontes se rompem, liberando nas células dos hepatócitos os merozoítos. Os merozoítos, por sua vez, ao alcançarem a corrente sanguínea, infectam os eritrócitos, permitindo assim que o parasita se multiplique. Ainda nos eritrócitos, os merozoítos se desenvolvem em trofozoítos, amadurecendo para a forma de esquizontes, que se rompem liberando merozoítos nas células. Porém, uma parte dos trofozoítos pode dar origem aos gametócitos, ingeridos pela fêmea do mosquito Anopheles, iniciando o ciclo conhecido como esporogônico. No estômago do mosquito, os gametócitos interagem (microgametas penetram nos macrogametas), dando origem aos zigotos. Esses zigotos ganham mobilidade e se alongam, evoluindo para a forma de oocinetes, que invadem a parede do intestino médio do mosquito, permitindo o desenvolvimento para a forma de oocistos. Os oocistos se desenvolvem, rompem e liberam esporozoítos, que se alojam nas glândulas salivares do mosquito, permitindo a inoculação dos esporozoítos em outro humano no instante em que é picado pela fêmea do mosquito, cumprindo assim o ciclo da doença. A cura da doença é possível quando a identificação é precoce e o tratamento é iniciado prontamente. Contudo, a malária pode evoluir para formas mais graves de apresentação da doença, podendo inclusive ser fatal. O período pré‑clínico da doença varia de sete a 14 dias, podendo em situações raras chegar a vários meses no caso de P. vivax e P. malariae. A sintomatologia da fase aguda da malária é caracterizada por calafrios, febre e sudorese, podendo variar em um período de seis a 12 horas e a febre pode alcançar temperatura igual ou superior a 40 ºC, o que é um fator de 200 Unidade II grande risco para o agravamento do quadro geral do paciente. Geralmente, verificamos também um quadro de cefaleia, mialgia, náuseas e vômitos após. Com o passar do tempo, a febre pode ocorrer de modo intermitente, com temperaturas mais brandas. O quadro clínico da malária pode ser leve, moderado ou grave, na dependência da espécie de parasita e sua quantificação, do tempo de doença e do nível de imunidade adquirida pelo paciente. Grupos de risco incluem gestantes, crianças e indivíduos nunca antes infectados, principalmente, quando a infecção se dá pelo P. falciparum, podendo ocorrer letalidade significativa nesses casos. De acordo com os protocolos de enfrentamento da malária, elaborados pelo Ministério da Saúde, o objetivo da terapia medicamentosa da malária é atingir o parasito em pontos‑chave de seu ciclo evolutivo, como a interrupção da esquizogonia sanguínea, diretamente associada com o grau de patogenia e pelas manifestações clínicas mais significativas da infecção; a destruição de formas latentes do protozoário (os hipnozoítos), impedindo que ocorram recidivas tardias; e pela interrupção do processo de transmissão, pelo impedimento do desenvolvimento dos gametócitos. Como em cada um desses objetivos existe um alvo molecular a ser atingido no parasita, múltiplos fármacos devem ser utilizados, sendo todos altamente específicos para cada objetivo, buscando, assim, melhor efetividade na redução da presença de parasita no hospedeiro e no impedimento da propagação da infecção através do ciclo natural da doença. Para uma terapia medicamentosa mais segura e eficaz, é importante que sejam observados fatores como a espécie de plasmódio infectante, a faixa etária do paciente, a gravidade da doença, fatores de risco (como gravidez) e doenças de base. Para a malária não complicada, o tratamento medicamentoso das infecções pelo P. vivax ou P. ovale pode ser realizado em sete dias (esquema curto) com cloroquina (150 mg por via oral), em três dias; e com primaquina (30 mg ao dia por via oral) por sete dias (ou mais, se necessário o ajuste de acordo com o peso do paciente). Há ainda a possibilidade de realizar o tratamento em período maior (14 dias), conhecido como esquema longo, em que as doses de cloroquina permanecem semelhantes nos três dias iniciais, mas a primaquina tem sua administração pelo dobro do tempo, com metade da dose do esquema curto. Para os casos mais complexos de malária, devemos lançar mão de antimaláricos mais potentes associados ou não aos fármacos de escolha para a malária não complicada. São eles: artemeter (20 mg) + lumefantrina (120 mg) ou artesunato (25 mg) + mefloquina (50 mg) por três dias, com uma dose única de primaquina no primeiro dia. Outra forma de farmacoterapia da malária é a quimioprofilaxia, em que, através do uso de drogas antimaláricas em doses subterapêuticas, podemos reduzir formas clínicas graves e o óbito devido à infecção por P. falciparum. Contudo, esse tratamento de caráter preventivo é realizado atualmente através da administração de drogas como a doxiciclina, a mefloquina, e a combinação atovaquona + proguanil + cloroquina. Tanto doxicilina como a mefloquina são esquizonticidas sanguíneos, e a combinação de atovaquona, proguanil e cloroquina possui ação esquizonticida tanto no sangue como nos tecidos. 201 FARMACOLOGIA Porém, entre os fármacos citados, nenhum apresenta ação contra esporozoiticida ou hipnozoiticida, não prevenindo infecções pelo Plasmodium sp ou recaídas por P. vivax ou P. ovale. No entanto, a quimioprofilaxia é indicada quando há risco iminente da forma grave da doença e/ou morte, superando o risco de eventos adversos graves associado à quimioprofilaxia. 6.13 Terapia medicamentosa da leishmaniose A leishmaniose é uma doença infecciosa que não é transmitida entre humanos diretamente, sendo considerada um tipo de zoonose. A doença pode apresentar diversas formas de manifestação clínica, divididas basicamente em quatro grupos: a leishmaniose cutânea, associada à ocorrência de lesões cutâneas, podendo formar úlceras (úlcera de Bauru) bem limitadas; a leishmaniose cutâneo‑mucosa (também chamada de leishmaniose mucocutânea), associada com lesões que podem causar graves danos às mucosas do nariz, faringe e boca; a leishmaniose visceral (conhecida também por calazar), que pode atingir vísceras como o baço, o fígado, atingindo também a medula óssea e os linfonodos; e a leishmaniose cutânea difusa, que ocorre mais frequentemente em indivíduos alérgicos ou de forma tardia nos pacientes que passaram por tratamento contra a leishmaniose visceral. O vetor das leishmanioses é sempre um flebotomínio, um mosquito que carrega o protozoário que será inoculado nos humanos ou animais vertebrados que desenvolvem a doença. O flebotomínio, quando pica o indivíduo ou o animal infectado, retira juntamente com o sangue ou linfa intersticial, os parasitas. Esses parasitas passarão a evoluir no tubo digestivo do mosquito. Quando se alimenta do sangue de vertebrados, o mosquito acaba por regurgitar o materialque foi aspirado, inoculando assim formas infectantes no novo hospedeiro, completando assim o ciclo evolutivo da Leishmania. Os parasitas do gênero Leishmania mais comuns são L. brasilienses, L. chafasi, L. mexicana, L. amazonensis. Os vertebrados que podem servir de reservatório para o parasita vão desde roedores a animais domésticos, como os cães. Por essa razão, principalmente no que concerne aos animais domésticos, o diagnóstico da doença neles é extremamente importante para conter o seu avanço em centros urbanos. Outra forma de prevenção da doença está associada com o combate ao mosquito, em que estratégias que vão desde aspectos de saneamento básico para evitar acúmulo de matéria orgânica onde o mosquito pode se proliferar até o uso de inseticidas. A respeito do tratamento medicamentoso, cada tipo de leishmaniose é tratado de acordo com suas características através do emprego de drogas também específicas. De acordo com as recomendações da Infectious Disease Society of America (ARONSON et al., 2016), para o tratamento tópico das lesões, podemos utilizar a terapia térmica, a crioterapia, ou injeção de estibogluconato de sódio ou paromomicina tópica. Já para o tratamento sistêmico, o uso de anfotericina lipossomal (pacientes imunocompetentes: 3 mg/kg, por via intravenosa, 1 vez ao dia por 5 dias consecutivos, e, a seguir, 1 vez ao dia, no dia 14º e no dia 21º após início do tratamento, somando 1 dose total de 21 mg/kg; já em pacientes imunocomprometidos, recomenda‑se 4 mg/kg por via intravenosa, 1 vez ao dia por 5 dias consecutivos 202 Unidade II e nos dias 10º, 17º, 24º, 31º e 38º após o início do tratamento, somando uma dose total de 40 mg/kg), anfotericina B desoxicolato (1 mg/kg por via intravenosa, 1 vez ao dia, durante 15 a 20 dias ou, alternando dia sim, dia não, por um período de até 8 semanas), são os fármacos de escolha para a leishmaniose visceral. A miltefosina (2,5 mg/kg, com dose máxima de 150 mg/dia, por via oral, 1 vez ao dia por um período de 28 dias consecutivos) é a terapia medicamentosa recomendada para o tratamento sistêmico da leishamaniose cutânea. As drogas antimoniais pentavalentes, como estibogluconato de sódio e antimoniato de meglumina (20 mg do composto antimonial/Kg de peso do indivíduo pela via intravenosa ou intramuscular, em infusão lenta, 1 vez ao dia, durante um período de 28 dias consecutivos), são empregadas apenas se a Leishmania spp. em questão for sensível. 6.14 Terapia medicamentosa da toxoplasmose A toxoplasmose é uma infecção parasitária causada pelo protozoário Toxoplasma gondii. Esse parasita pode ser comumente encontrado em fezes de felinos, tendo como hospedeiro o ser humano, bem como em outros animais. Em geral, a contaminação ocorre por meio da ingestão de água ou alimentos contaminados com fezes de felinos, sendo essa doença considerada uma das zoonoses mais comuns. A ingestão de carne crua ou malcozida, a qual pode conter cistos teciduais, pode também ser uma fonte de infecção. Tanto a carne de cordeiro como a de porco, ou até mesmo, em casos mais raros, a carne bovina, podem estar contaminadas. Na maior parte dos casos, os sintomas apresentados assemelham‑se com os de um resfriado, sendo em geral leves e bem tolerados. Porém, em grupos específicos, a doença apresenta maior risco, como em gestantes e recém‑nascidos. Após a ingestão dos oocistos ou dos cistos teciduais do parasita, os taquizoítos são liberados no organismo e podem se espalhar pelos tecidos. Pode ocorrer remissão da infecção aguda, mas o parasita permanece no organismo na forma de cistos teciduais, que podem ser recidivar a qualquer momento, apresentando sintomas diversos, principalmente, em pacientes imunocomprometidos. Já a forma latente da toxoplasmose é reativada em grande parte dos pacientes imunocomprometidos. A doença pode ser transmitida por via transplacentária, portanto, deve se manter atenção ao comprometimento do sistema imunológico de mulheres gestantes que já tiveram a doença a fim de evitar recidivas, uma vez que transmissão para o feto é rara quando observados os casos de gestantes imunocompetentes com histórico de toxoplasmose. Em linhas gerais, podemos dizer que o tratamento da doença deve visar evitar as suas complicações mais severas, como danos ao SNC e ao globo ocular, mais frequentes em formas mais agressivas de apresentação da doença, que podem ser verificadas em pacientes imunocomprometidos e em crianças recém‑nascidas que a adquiriram ainda no começo da gestação. 203 FARMACOLOGIA O tratamento medicamentoso em pacientes imunocompetentes deve ser realizado com pirimetamina na dose de 100 mg no 1º dia, e, a seguir, de 25 a 100 mg uma vez ao dia por duas a quatro semanas (para adultos; para crianças considerar 2 mg/kg por via oral durante 2 dias, e, a seguir, 1 mg/kg 1 vez ao dia). Pode ser associado com o uso de sulfadiazina na dose de 1 a 1,5 g por via oral, a cada seis horas durante duas a quatro semanas (em adultos; para crianças, administrar 25 a 50 mg/kg a cada 6 horas). Para os pacientes imunocomprometidos, são necessárias doses mais altas de pirimetamina, caso a doença atinja o SNC. Deve ser administrada dose de ataque de pirimetamina (200 mg no dia inicial e, em seguida, de 50 a 100 mg ao dia) associado com sulfadiazina em dose padrão durante pelo menos seis semanas. Um dos problemas associados à terapia medicamentosa dessa doença é o surgimento de supressão da medula óssea pela ação dos fármacos, principalmente pela sulfadiazina, que influencia no metabolismo dos folatos. Por essa razão, deve ser administrado ácido folínico aos pacientes (e não ácido fólico, que pode antagonizar o efeito dos fármacos utilizados nessa terapia). Doses de 10 a 25 mg, administradas por via oral uma vez ao dia para adultos, e doses de 7,5 mg uma vez ao dia para crianças são suficientes para pacientes imunocompetentes. No caso de pacientes imunocomprometidos, as mesmas doses são recomendadas, porém, com a ressalva de ser realizado um frequente monitoramento através de hemogramas. 6.15 Terapia medicamentosa na doença de Chagas A doença de Chagas, assim denominada em homenagem ao pesquisador brasileiro Carlos Chagas, o qual foi pioneiro no estudo e caracterização da doença, é uma infecção caracterizada pela transmissão do protozoário hemoflagelado Trypanosoma cruzi, tendo insetos triatomíneos, como o inseto conhecido como barbeiro, como vetores. Em geral, a transmissão da doença de Chagas ocorre por formas vetoriais, em que, geralmente, podemos verificá‑la pela lesão resultante da picada como uma das mais comuns, podendo ocorrer também através de transmissão congênita ou por transfusões. De modo menos comum, a ingestão de bebidas ou alimentos contaminados com insetos triatomíneos infectados ou com suas fezes pode ser relacionada com a transmissão da doença. Em relação aos sintomas, é comum que se iniciem com lesão cutânea ou edema em um dos olhos, evoluindo então para um quadro febril, com linfadenopatia generalizada e hepatoesplenomegalia (aumento do tamanho de baço e fígado). Após alguns anos, o paciente pode apresentar aumento progressivo da musculatura cardíaca, com problemas cardíacos diversos associados, aumento do esôfago ou do cólon. É comum verificar casos em que o paciente nunca desenvolveu qualquer sintoma ou sinal da doença, mesmo infectado. Já em relação a pacientes imunocomprometidos, o agravamento da doença é comum, podendo danificar o SNC e causar lesões cutâneas. 204 Unidade II Em relação ao tratamento da doença de Chagas, em geral, é realizado no estágio agudo da doença com o uso de antiparasitários, visa uma rápida redução da quantificação de parasitas circulantes (parasitemia), redução dos sintomas com o encurtamento da fase clínica da doença, buscando desfechos menos graves (mortalidade) e até mesmo reduzindo as chances de se obter a característica sintomatológica de doença crônica. Para o tratamento específico da doença com medicamentos,os protocolos vigentes recomendam benznidazol (2,5 a 3,5 mg/kg pela via oral, a cada 12 horas durante um período de 60 dias; crianças menores de 12 anos devem ser tratadas com doses de 2,5 a 3,75 mg/kg com a mesma característica de intervalo entre as doses e prazo de tratamento); e/ou nifurtimox (2 a 2,5 mg/kg, pela via oral, a cada 6 horas durante um período de 90 dias; pacientes entre 11 e 16 anos de idade devem utilizar de 3 a 3,75 mg/kg; e crianças de 1 a 10 anos de idade, de 4 a 5 mg/kg, seguindo as mesmas características de intervalo entre as doses e prazo de tratamento). O tratamento não específico envolve os cuidados em relação à insuficiência cardíaca (como a colocação de marcapasso, o uso de medicamentos antiarrítmicos ou até mesmo o transplante cardíaco), tratamento da dilatação esofágica (através de aplicação de toxina botulínica no esfíncter esofágico inferior) ou também cirurgia do trato gastrintestinal para o tratamento do megacólon. Acredita‑se que em casos em que os sintomas no trato gastrintestinal sejam intensos, o uso dos medicamentos antiparasitários já não seja efetivo. 6.16 Terapia das parasitoses intestinais Considerado um problema de saúde pública, as parasitoses intestinais correspondem a uma grande parcela dos casos de infecções registrados em países em desenvolvimento, atingindo principalmente crianças em áreas rurais e periferias de municípios com sistema precário ou inexistente de saneamento básico. Por serem diretamente relacionadas com problemas sanitários e atingirem países em desenvolvimento, os quais sofrem com a falta de investimento em políticas de educação e prevenção em saúde e, em geral, são muito populosos, tais infecções parasitárias atingem cerca de 25% da população mundial. Uma das principais consequências do elevado número de parasitoses é o prejuízo ocasionado por elas sobre o processo de desenvolvimento físico, cognitivo e nutricional das crianças afetadas, causando um impacto significativo sobre aspectos sociais e poder econômico das nações afetadas. Isso se deve ao fato de que as crianças acometidas por tais infecções de maneira frequente e/ou prolongada podem apresentar dificuldades de aprendizagem e também reduzida capacidade de produtividade em vários aspectos, fazendo com que a situação econômica do país onde vivem se agrave cada vez mais, levando a uma maior propensão da manutenção do status de baixo desenvolvimento humano, econômico e social nesses lugares. Portanto podemos observar que entre as medidas mais efetivas para o controle dessas parasitoses está o ampliamento da oferta de saneamento básico, acesso à água potável com controle efetivo de sua qualidade, promoção de políticas públicas educativas sobre higiene pessoal, bem como orientação para a higiene de alimentos. Considerando que essas medidas são voltadas para ações de políticas públicas, a 205 FARMACOLOGIA morosidade com a qual os governos dos países desenvolvidos empenham seus esforços para solucionar esses problemas, somada à falta de iniciativas mundiais de combate efetivo da pobreza, a situação nos conduz à necessidade de políticas voltadas ao tratamento medicamentoso e medidas de redução de danos para os pacientes infectados. Por essa razão, discutiremos as principais doenças parasitológicas intestinais com enfoque em seu tratamento medicamentoso. 6.16.1 Terapia medicamentosa da amebíase Causada por protozoários popularmente conhecidos como amebas, caracteriza‑se como uma parasitose que acomete principalmente o intestino grosso, onde o parasita pode se alojar nas vilosidades desse tecido, promovendo diarreia constante. Na maior parte dos casos, o microrganismo associado a essas infecções é a Entamoeba histolytica, porém, pela dificuldade de diferenciá‑la de outros tipos de Entamoeba, como Entamoeba dispari (em geral, não patogênica) ou Entamoeba moshkoviskii (patogenicidade ainda não bem definida), os casos de amebíase em geral são associados à presença do primeiro microrganismo citado. Em geral, os primeiros sinais e sintomas dificultam a identificação da doença, pois oscilam entre constipação e diarreia, com frequente flatulência associada a dores abdominais. Porém, com a progressão da doença, o parasita pode invadir a parede do intestino e, ao invadi‑la, pode ocasionar diarreia sanguinolenta (com presença de sangue), tornando o caso mais grave. Ainda, o processo de evolução dessa doença pode estar relacionado com a migração do parasita para diferentes órgãos, como os pulmões, o fígado ou até mesmo o cérebro, comprometendo as suas funções e agravando ainda mais o quadro do paciente. De acordo com as diretrizes para a abordagem das parasitoses intestinais mais prevalentes na infância, da Associação Médica Brasileira (SOCIEDADE BRASILEIRA DE MEDICINA DE FAMÍLIA E COMUNIDADE, 2009), quando não dispomos de registros epidemiológicos locais para analisar o perfil de contágio da doença ao ponto de podermos descartar a infecção por múltiplos parasitas, devemos lançar mão de um antimicrobiano antiparasitário de amplo espectro, buscando facilitar a terapia com o uso de apenas um medicamento. Porém, por maior que seja o espectro de ação da droga escolhida, ainda carecemos de um antiparasitário de amplo espectro capaz de combater todas as principais parasitoses intestinais, podendo utilizar terapias combinadas para eliminar os prováveis parasitas. No caso do diagnóstico de amebíase, especificamente, podemos usar como estratégias de tratamento a nitazoxanida, a quinfamida, a etofamida, o secnidazol ou o metronidazol (fármaco de amplo espectro). A nitazoxanida tende a ser um bom fármaco de escolha, pois apresenta boa taxa de cura da doença (100% após 10 dias do tratamento, o qual é realizado por cerca de 3 dias), além de ser bem tolerado pela maior parte dos pacientes, incluindo crianças, o que inibe a interrupção do tratamento e pode ser um fator crítico para a evolução do quadro. Contudo, o uso de metronidazol como primeira estratégia terapêutica é bastante comum, uma vez que é um fármaco de amplo espectro antimicrobiano, podendo auxiliar no combate à Entamoeba histolytica, atingindo também outros microrganismos que podem eventualmente estar associados ao quadro clínico geral do paciente (infecções como a giardíase, por exemplo). 206 Unidade II Para o tratamento dessa infecção, pode ser utilizado o esquema terapêutico relatado no quadro a seguir, considerando sempre a possibilidade de mais infecções estarem associadas, fatores de risco para a terapia associados ao paciente (como risco de intoxicação ou de reações de hipersensibilidade aos medicamentos), relacionando sempre a escolha da estratégia terapêutica com as condições clínicas do paciente. Quadro 43 – Amebíase: relação dos tratamentos Parasita Fármaco Esquema terapêutico Taxa de cura (%) Efeitos adversos Referência Observações Entamoema histolytica Nitazoxanida Suspensão 20 mg/ml 2 ‑ 11 anos: 5 ml 2x ‑ 3 dias ≥ 12 anos: 25 ml ou comprimidos 500 mg 2x ‑ 3 dias 100 após 10 dias Efeitos adversos mínimos e bem tolerados em 3% dos pacientes, não causando interrupção do tratamento 47(B) Quinfamida 4,3 mg/kg 2x/dia ‑ 1 dia 91,7 ‑ 6 dias após – 24(B) Diferenças entre tratamentos sem significância estatística (p = 0,18) Etofamida 200 mg 3 x/dia ‑ 3 dias 80,8 ‑ 6 dias após – Secnidazol 30 mg/kg/dia ‑ dose única (máximo 2 g/dia) – – 30(D) Metronidazol 35 mg/kg/dia ‑ 3 x/dia ‑ 5 dias – – 30(D) Fonte: Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade (2009, p. 20). 6.16.2 Terapia medicamentosa da giardíase A giardíase é uma infecção parasitária intestinal causada pelo protozoário do gênero Giardia (principalmente Giardia lamblia e Giardia duodenalis), um parasita unicelular capaz de se alojar no intestino, fato que se associa a diversos sintomas como dor abdominal, cólicas, diarreia, dificuldades na absorção de nutrientes (o que pode conduzir a um quadro de deficiência nutricional com perda de peso e cansaçomofo). Todavia, podemos verificar, na prática clínica, o uso de antimicrobianos que foram obtidos em laboratório, utilizando como base a molécula da penicilina G, por exemplo, a amoxicilina. Porém, é comum que venhamos a chamar a amoxicilina de antibiótico, de modo mais popular, mesmo que, em teoria, isso seja um equívoco. Portanto, o uso do termo antimicrobianos acaba sendo mais adequado, pois engloba qualquer tipo de agente com ação sobre microrganismos. Para observar e compreender de forma mais simples a ação terapêutica desses compostos, podemos dividir os organismos relacionados com condições médicas mais frequentes em quatro grandes grupos: 151 FARMACOLOGIA as bactérias; os parasitas – internos (protozoários e helmintos) e externos (artrópodes, como os piolhos e ácaros) –; os fungos e os vírus. Considerando as diferenças metabólicas, estruturais e de capacidade patogênica (de induzir um processo infeccioso ou infestação) de cada um desses grupos, temos estratégias terapêuticas distintas para cada um, podendo ser ainda mais específicas para cada espécie de cada um desses grupos. Visando então entender os princípios básicos para uma terapia medicamentosa efetiva com os agentes antimicrobianos, observaremos quais são os aspectos farmacológicos determinantes para um tratamento bem‑sucedido. 5.2.1 Aspectos farmacodinâmicos dos agentes antimicrobianos Considerando que a farmacodinâmica é a área da farmacologia responsável pelo estudo da dinâmica de interação entre o fármaco e o organismo‑alvo a fim de dominar os parâmetros farmacodinâmicos mais importantes da terapia antimicrobiana, devemos caracterizar ao máximo os detalhes sobre os alvos moleculares em que os fármacos se ligam para efetuar a ação antimicrobiana. Para isso, o conhecimento sobre a composição bioquímica da célula do microrganismo e das funções dessas estruturas no metabolismo antimicrobiano é determinante para a escolha do fármaco ideal. Independentemente do tipo de microrganismo e da classe do composto utilizado, na terapia antimicrobiana, alguns princípios básicos são levados em consideração. O principal ponto a ser observado é o de que o objetivo da terapia é a destruição do microrganismo, sem causar danos ao organismo do hospedeiro em questão. Apesar de ser fácil compreender esse objetivo, na prática, alguns fatores são limitantes para a segurança do hospedeiro, como a semelhança estrutural de algumas moléculas no organismo humano e nos microrganismos. Para auxiliar na compreensão desses aspectos, diferenciamos os compostos antimicrobianos pela seletividade de sua ação citotóxica. Os agentes com ação citotóxica exclusivamente sobre os microrganismos são classificados como agentes de toxicidade seletiva, enquanto que aqueles capazes de atingir diversos tipos de células (incluindo as do hospedeiro) são denominados agentes de toxicidade relativa. Para maior segurança na terapia, sem reduzir a eficácia do tratamento medicamentoso, buscamos então utilizar os compostos que possuem interação química com estruturas dos microrganismos que não estão presentes de forma significativa nos tecidos humanos. Tendo em vista que os microrganismos possuem uma parede celular com características diferentes das membranas celulares humanas, bem como a capacidade dos microrganismos de sintetizarem moléculas essenciais para o seu metabolismo, por exemplo, o ácido fólico, (obtido a partir do ácido p‑aminobenzóico – PABA), o qual nos humanos deve ser obtido necessariamente através da alimentação. A imagem a seguir apresenta um esquema representativo dos mecanismos gerais de ação antibacteriana, exemplificando a afinidade dos agentes antimicrobianos mais seguros utilizados na medicina por estruturas específicas dos microrganismos. 152 Unidade II Parede celular Membrana celular Síntese proteica DNA Função e estrutura Síntese das purinas síntese do ácido fólico • RNAr • RNAt 30s 50s β‑lactâmicos Glicopeptídeos Polimixinas Daptomicina Aminoglicosídeos Tetraciclinas Glicilciclinas Quinolonas Nitroimidazólicos Trimetoprim THF DHF PABA DNA RNA RNAm Ribossomo RNAr 50s30s RNAt Proteínas Sulfonamidas Oxazolidinonas Macrolídeos Estreptograminas Cloranfenicol Lincsaminas PABA = Ácido Paraminobenzoico DHT = Dihidrolato THF = Tetrahidrofolato DNA = Ácido Desoxirribonucleico RNAm = Ácido Ribonucleico mensageiro RNAt = Ácido Ribonucleico transportador RNAr = Ácido Ribonucleico ribossômico Parede celular Membrana celular Figura 51 – Representação dos mecanismos de ação das drogas antibacterianas As características estruturais e metabólicas dos microrganismos são essenciais para determinar a afinidade do antimicrobiano. Por essa razão, compostos possuem em geral um espectro de atividade, o qual pode ser classificado de três formas: • Espectro estreito: citotoxicidade específica para poucos microrganismos, como os agentes antibacterianos específicos para bactérias gram‑positivas. • Espectro estendido: citotoxicidade sobre um espectro intermediário (pouco maior que o espectro estreito), podendo atuar sobre microrganismos de uma classe específica em geral e sobre mais alguns poucos microrganismos de classes diferentes, como os agentes antibacterianos que atuam sobre bactérias gram‑positivas em geral e sobre mais algumas poucas cepas específicas de bactérias gram‑negativas. • Amplo espectro: citotoxicidade sobre um grande grupo de microrganismos com as mais diversas características bioquímicas e estruturais. Um problema associado a esses agentes é a inespecificidade para os microrganismos patogênicos, podendo atuar também sobre microrganismos não patogênicos, desregulando o equilíbrio entre diferentes espécies que colonizam o organismo do hospedeiro. Para compreender melhor a importância do espectro e da especificidade de ação dos fármacos antimicrobianos, vamos discutir a classificação dos microrganismos de acordo com as características que permitem relacionar a interação dos fármacos com seus microrganismos‑alvo. 153 FARMACOLOGIA Observação A alta especificidade dos antimicrobianos está relacionada com a interação com alvos moleculares que podemos encontrar especificamente nos microrganismos de interesse. 5.2.1.1 Classificação dos microrganismos Os microrganismos em geral são classificados na biologia de acordo com o processo evolutivo de cada organismo identificado, separando‑os em reino, divisão ou filo, classe, ordem, família, gênero e espécie (em geral, com nomes derivados do latim). Contudo, no contexto farmacológico, é comum dividirmos esses organismos de acordo com características estruturais e metabólicas mais específicas, permitindo sua categorização conforme sua susceptibilidade aos agentes antimicrobianos e relacionando com o mecanismo de ação dos agentes antimicrobianos. Dessa forma, no contexto da terapia medicamentosa, é comum designarmos os microrganismos por inúmeras características, como seu metabolismo energético (aeróbios e anaeróbios); presença ou não de uma parede celular, e, quando presente, pela composição de sua parede celular (como as bactérias gram‑positivos e gram‑negativos); por sua sensibilidade ou resistência aos antimicrobianos (como as cepas de S. aureus resistentes à meticilina – do inglês, MRSA); por sua morfologia (bacilos, cocos etc); ou pela sua origem e predominância no organismo (como as enterobactéras, presentes no trato gastrintestinal). Entre bactérias, por exemplo, as diversas características bioquímicas estruturais nos permitem inferir sobre a efetividade ou inefetividade da ação antibacteriana. Por exemplo, os fármacos com ação antibacteriana possuem maior facilidade em permear as membranas de bactérias gram‑positivas em relação à penetração em bactérias gram‑positivas. Isso pode ser explicado por conta de a divisão entre gram‑positivas e negativas estar relacionada com a composição da parede celular, de modo que bactérias gram‑positivas possuem uma camada mais espessa de peptidoglicanos (um tipofrequente em alguns pacientes). Em geral, essa parasitose é contraída quando há a ingestão de água ou alimentos contaminados com fezes contendo o parasita, de modo que a sua prevenção pode ser feita com o tratamento efetivo ou fervura da água que será consumida ou utilizada para lavar alimentos. Contudo, considerando ambientes com saneamento básico precário ou inexistente, a doença encontra um ambiente propício para propagar‑se entre os habitantes do local, afetando, principalmente, crianças. Considerando todos os aspectos acerca dos problemas gastrintestinais que a doença pode causar, em crianças, podemos associá‑la com consequências mais severas, uma vez que a diarreia está relacionada com estatísticas de mortalidade infantil, principalmente em sociedades carentes. Assim, além das medidas preventivas derivadas de políticas públicas sociais, como ampliação da oferta de saneamento básico e campanhas educativas e ações comunitárias de saúde a fim de ensinar 207 FARMACOLOGIA os cuidados com o consumo de água e alimentos de forma mais segura, devemos assegurar o acesso do tratamento medicamentoso nos casos em que a prevenção primária da doença não tenha sido efetiva. As terapias medicamentosas disponíveis para o tratamento da giárdia tendem a ser efetivas e auxiliarem na resolução do problema de saúde, desde que os cuidados de prevenção contra a reinfecção sejam tomados, uma vez que, apesar de o medicamento ser efetivo contra o parasita presente no intestino do indivíduo acometido, a ingestão de água ou alimentos contaminados durante ou após o tratamento pode comprometer a eficácia da terapia, levando à recidiva da infecção. Atualmente, os pacientes que apresentam quadro infeccioso causado por giardíase, diagnosticado através de exame coprológico (exame de fezes), são tratados com agentes antimicrobianos como a nitazoxanida, metronidazol ou tinidazol, em geral, administrados pela via oral e com tratamentos relativamente curtos, facilitando a adesão ao tratamento. É importante observar que tratar com os medicamentos citados pacientes sem sintomas da doença, mas que apresentem resultado positivo nos exames ou que não realizaram exames, mas estão propensos a estarem contaminados (por viverem em locais de maior risco, por exemplo) poderia ser uma forma extremamente útil para impedir a propagação da doença, porém é um processo complexo, tanto pela falta de adesão daqueles que não apresentam nenhum sintoma, como pelo custo associado a essa prática. Por essa razão, as outras formas de prevenção, discutidas anteriormente, devem ser as implementadas. Desse modo, o tratamento dos pacientes com giardíase seguem linhas utilizando o tinidazol 50 mg/kg em dose única, sendo que a primeira linha de tratamento por ser altamente efetiva (> 98% de cura 7 dias após o tratamento, 86% após 14 dias e 72% após 21 dias), com terapia simples, permitindo boa adesão, além de apresentar poucos efeitos colaterais quando comparado aos do metronidazol, administrado em geral a cada oito horas por um período que pode variar entre cinco a sete dias. A nitazoxanida é bastante efetiva e pode ser encontrada na forma farmacêutica líquida, o que auxilia no tratamento de crianças. Em geral, um ciclo com duas doses diárias de 500 mg a cada 12 horas, por três dias, pode ser efetivo para tratar a giardíase. Algo que deve ser observado em relação ao tratamento medicamentoso, principalmente com o tinidazol e o metronidazol, é a interação desses medicamentos com álcool e outras drogas. Como essa infecção pode ser bastante comum entre a população em geral, para indivíduos etilistas (que consomem álcool), deve haver a ressalva para que não seja feito o consumo de bebidas alcoólicas desde o início do tratamento até 24 a 48 horas após o tratamento. A interação dessas drogas com o álcool pode promover o efeito “antabuse”, caracterizado por sintomas como rubor (vermelhidão), vômito e taquicardia (aceleração do ritmo cardíaco). 6.16.3 Terapia medicamentosa da ascaridíase A ascaridíase, doença conhecida popularmente como lombriga, é um tipo de infecção parasitária intestinal causada por nematódeos (vermes com forma cilíndrica e alongada), sendo a mais comum do tipo. Acomete cerca de 800 milhões a 1,2 bilhão de pessoas ao redor do mundo, estando diretamente 208 Unidade II ligada a complicações intestinais como diarreia e desnutrição, fatores associados a altas taxas de mortalidade infantil em países em desenvolvimento (SILVA; CHAN; BUNDY, 1997). Estatísticas demonstram que cerca de 2.000 pessoas por ano (HOLLAND, 2013) morrem em consequência de bloqueios no intestino ou nos ductos biliares – canais por onde as secreções de fluidos biológicos formados no fígado e na vesícula biliar chegam ao intestino delgado. O diagnóstico da ascaridíase é realizado através da identificação de ovos ou vermes adultos em análise laboratorial das fezes do indivíduo. Porém, em ocasiões em que a infecção é mais severa, podemos verificar até mesmo os vermes adultos saindo do organismo através da boca ou pelo nariz. Em exames de imagem, como tomografia computadorizada, ultrassonografia ou radiografia, podemos, em alguns casos visualizar vermes adultos ou larvas, porém esses exames raramente são indicados com essa finalidade diagnóstica, sendo um achado geralmente acidental quando tais exames são realizados para outros fins. A ingestão de ovos fertilizados de Ascaris presentes em água ou alimentos contaminados por fezes contendo os ovos é a principal forma de contaminação de humanos. Ainda, a infecção também está associada aos maus hábitos de higiene pessoal, de modo que o indivíduo pode ingerir ovos fertilizados de Ascaris ao levar sua mão não higienizada à boca. Os ovos de Ascaris são maturados no organismo, liberando as larvas no intestino, as quais vão migrar pela parede do intestino delgado, podendo ser conduzidos pelo sistema linfático ou circulação sanguínea até os pulmões, onde passam para os alvéolos, seguindo para a garganta, sendo engolidas, passando novamente para o intestino. No intestino delgado, as larvas maduras darão origem aos vermes na forma adulta. Assim, quando ocorre a fertilização dos ovos colocados pelos vermes, estes são excretados pelas fezes, as quais, em situações de saneamento básico precário, podem contaminar solo e água, permitindo assim a formação de um ciclo que mantém a propensão para propagação dessa parasitose. O tratamento da doença é, em geral, medicamentoso. Somente em casos mais severos, há a necessidade de cirurgia para retirada do verme adulto. Desse modo, na maior parte das vezes, o emprego de anti‑helmínticos como o albendazol e o mebendazol é efetivo. A ivermectina, também amplamente empregada na medicina veterinária, pode ser efetiva no tratamento de ascaridíase em humanos. Ainda, podemos citar o uso de nitazoxanida e pirantel como boas alternativas em termos de efetividade. O albendazol possui a vantagem de poder ser utilizado para o tratamento de ascaridíase em adultos e crianças em dose única de 400 mg, facilitando o tratamento. Existem formas farmacêuticas diversas para esse medicamento (líquida e comprimido mastigável), as quais melhoram a aceitação por parte das crianças. O mebendazol também pode ser administrado em dose única de 500 mg para adultos e crianças acima de um ano, ou na posologia de 100 mg, duas vezes ao dia, durante um período de três dias. Como forma de prevenção de recidiva, repetir o tratamento após uma semana pode melhorar a sua efetividade. Ainda, é importante relatar que o uso de mebendazol 500 mg em dose única a cada três 209 FARMACOLOGIA meses ou quatro meses pode ser eficiente como forma de tratamento profilático do desenvolvimento de larvas e/ou vermes adultos. De acordo com a Associação Brasileira de Medicina (SOCIEDADE BRASILEIRA DE MEDICINA DE FAMÍLIA E COMUNIDADE, 2009), o uso de palmoato de pirantel (10 mg/Kg) em dose única, a nitazoxanida em um ciclo de tratamento de três dias com 500 mg a cada12 horas, bem como ivermectina (200 μg/kg – 1 vez ao dia por 2 dias) podem ser estratégias bastante efetivas. Mas devemos levar em consideração que, entre essas alternativas, a nitazoxanida costuma ser associada a menos eventos adversos, os quais, mesmo quando ocorrem, são bem tolerados pela maior parte dos pacientes. No caso de inefetividade do tratamento, com recidivas frequentes, é importante o processo de educação em saúde para que o paciente desenvolva bons hábitos de higiene. Ainda, a observação de fatores de risco na rotina do indivíduo pode auxiliar na prevenção de novas infecções por esse parasita. 6.16.4 Terapia medicamentosa da teníase e cisticercose A teníase é uma parasitose de caráter intestinal, sendo que o parasita causador (Taenia solium, popularmente chamada de solitária) pode ser considerado o maior parasita humano, podendo até mesmo ocupar toda a extensão do intestino, chegando a medir até 12 metros. Essa infecção é causada exclusivamente pela presença de vermes adultos provenientes da ingestão de carne de porco contaminada com cisticercos (larvas do parasita). Em geral, essa infecção pode levar ao surgimento de sintomas gastrintestinais, como dor abdominal e diarreia. Ainda, pode ser possível verificar a presença de proglotes (pequenos fragmentos que são segmentos da estrutura da tênia) nas fezes. Nas fezes humanas, pode haver também a presença de ovos, derivados dos proglotes, os quais podem ser responsáveis pelo desenvolvimento da cisticercose. Tanto os porcos como os humanos podem se infectar pela ingestão de ovos embrionados ou proglotes prenhes, sendo possível inclusive um processo de autoinfecção nos seres humanos quando proglotes passam do intestino para o estômago através de um processo conhecido como peristaltismo reverso. Os ovos são ingeridos, quando no intestino, podem liberar estruturas conhecidas como oncosferas, as quais penetram na parede intestinal, chegando até a corrente sanguínea, sendo difundidos para os mais diversos tecidos, principalmente, musculatura esquelética, fígado e SNC, onde a cisticercose pode se desenvolver. O principal problema relacionado a esse parasita é o quadro de neurocisticercose. A neurocisticercose ocorre quando os cistos da tênia alcançam o cérebro do indivíduo, causando graves consequências, desde crises convulsivas até mesmo um comprometimento neurológico que pode conduzir à morte. O processo de cozimento da carne é suficiente para matar o parasita causador da doença, mas, por conta dos hábitos alimentares e culturais da população, que envolvem o consumo de carne mal passada, há uma grande propensão para esse tipo de infecção, principalmente em locais onde a suinocultura não passa por um processo rigoroso de controle sanitário. Em relação ao diagnóstico, o quadro intestinal pode ser facilmente determinado através de exames de fezes, visando identificar a presença de ovos ou proglotes do parasita. Já o quadro de neurocisticercose é 210 Unidade II diagnosticado com o auxílio de técnicas de diagnóstico por imagem (como tomografia computadorizada e ressonância magnética), sempre relacionadas com a avaliação clínica do quadro neurológico do paciente. O principal tratamento medicamentoso da infecção intestinal por Taenia solium é realizado com a administração de praziquantel, de 5 a 10 mg/kg por via oral, em dose única. Podemos também lançar mão do uso de mebendazol 200 mg, duas vezes ao dia pela via oral, por três dias; niclosamida ou clorossalicilamida, sendo 2 g para adultos e crianças a partir de 8 anos, e 1 g para crianças de 2 até 7 anos de idade ou utilizar o albendazol, 400 mg por dia durante três dias de tratamento. No caso da cisticercose, o quadro se torna mais complexo para a terapia medicamentosa, uma vez que a efetividade do tratamento pode ser baixa, ou, no caso de boa efetividade, a morte dos cisticercos poderá promover uma intensa resposta inflamatória, proporcionando um grave risco para quadros neurológicos e oculares de infecção pelo cisticerco. Por essa razão, o uso dos agentes anti‑helmínticos geralmente é realizado em associação com agentes anti‑inflamatórios corticoides, como a dexametasona (6 mg pela via oral, 1 vez ao dia) ou a prednisona (60 mg pela via oral, 1 vez ao dia) O uso de anti‑helmínticos para a cisticercose envolve a administração por via oral de albendazol, 7,5 mg, duas vezes ao dia por um período de 15 dias. O praziquantel pode ser utilizado na posologia de 16,6 mg/kg pela via oral, a cada oito horas, durante 15 dias. O albendazol é a droga mais recomendada nesse contexto, porém, em pacientes em que não houve resposta ao albendazol, o praziquantel demonstrou bons resultados. No caso da ocorrência de doença extensa ou de cistos no espaço subaracnoide, quadro identificado como cisticercose racemosa, o albendazol demonstra melhor efetividade em tratamentos de ao menos 30 dias. Em raros casos, a associação entre esses anti‑helminticos é recomendada. Vale frisar que, se observada a presença de crises convulsivas ou grande risco de convulsões (conforme observado nos exames de imagem), o uso de anticonvulsivantes deverá ser considerado como principal objetivo de terapia medicamentosa, uma vez que o agravo do quadro neurológico é o principal fator associado à mortalidade provocada pela neurocisticercose. A presença de cisticercos intraventriculares, no globo ocular e na coluna vertebral, traz automaticamente a contraindicação do uso de anti‑helmínticos, uma vez que a resposta inflamatória promovida pela eliminação dos cisticercos pode causar um quadro de hidrocefalia obstrutiva. Nesses casos, a recomendação é de apenas manter o tratamento com anti‑inflamatórios e o controle das possíveis crises convulsivas, visando controlar a pressão intracraniana e manter as funções neurológicas. 6.17 Terapia medicamentosa da esquistossomose A esquistossomose, conhecida popularmente como barriga d’água ou doença do caramujo, é uma infecção parasitária de caráter transmissível, causada por vermes trematódeos do gênero Schistossoma, sendo o principal representante o Schistossoma mansoni. O ciclo de vida do parasita envolve os organismos do homem e dos caramujos de água doce para se completar. No Brasil, os caramujos hospedeiros intermediários da esquistossomose são as 211 FARMACOLOGIA espécies Biomphalaria glabrata, Biomphalaria straminea e Biomphalaria tenagophila. Nos caramujos, a contaminação ocorre por meio do contato com miracídios, estruturas provenientes de ovos do verme adulto já eclodidos. Em geral, o contato de fezes humanas com a água ou solo próximos a locais onde os caramujos habitam leva à contaminação desses caramujos. Quando contaminados, os caramujos servem de reservatório para a propagação do parasita, no qual os miracídios dão origem aos esporocistos, que, com o passar do tempo, se tornam cercárias. As cercárias são a forma pela qual o parasita pode infectar o homem. No hospedeiro definitivo, o homem, as cercárias tendem a se alojar no sistema circulatório, principalmente, em órgãos como o fígado e o baço. Nesse caso, a infecção do homem ocorre pela passagem do parasita pela pele do indivíduo, sendo que o Schistossoma é o único de todos os vermes trematódeos capaz de infectar o organismo humano por essa via. No organismo humano, as cercárias amadurecem e dão origem aos vermes adultos, que migram para os vasos do intestino ou para o sistema venoso geniturinário, onde os parasitas colocam seus ovos, levando ao processo cíclico de evolução da doença. No mundo, cerca de 207 milhões de pessoas podem estar com esquistossomose (STEINMANN et al., 2006). Apesar de estar associado a baixos índices de mortalidade, esse processo infeccioso pode levar o indivíduo à morte por conta de algumas formas mais graves de manifestação da doença. Desse modo, a melhor estratégia é a prevenção da contaminação, a qual só pode ser obtida por cuidados no saneamento básico e por hábitos que não propiciem o contato humano com locaisonde há a presença desses caramujos. Todavia, no caso da ocorrência de infecção, a qual geralmente é diagnosticada por exames de fezes na quais são encontrados ovos do parasita – ou até mesmo na realização de sorologia para analisar quantitativamente a infecção –, o tratamento da doença é simples, porém mais efetivo quando os vermes se encontram em fase adulta. Em relação ao tratamento medicamentoso, uma grande revisão sistemática Cochrane sobre tratamento de esquistossomose apresentou dados que confirmaram as recomendações da OMS (DANSO‑APPIAH et al., 2013) a qual descreve que uma dose única de praziquantel (40 mg/kg) é suficiente para tratar a infecção pelo Schistosoma mansoni. A mesma revisão demonstrou que a oxamniquina, na dose de 40 mg/Kg, também é eficaz para esse tratamento. Doses mais elevadas não apresentaram indícios de melhor eficácia, enquanto doses mais baixas puderam ser relacionadas com menor registro de efetividade. Quando há o diagnóstico pela presença de ovos, sugere‑se que um exame de acompanhamento seja realizado após um a dois meses do tratamento, de forma que seja possível verificar se a cura foi feita ou a doença ainda persiste. O tratamento medicamentoso deverá ser repetido em caso da confirmação da presença dos ovos após esse período, e novos exames devem ser realizados após o período de mais de dois meses. 212 Unidade II Saiba mais As doenças tropicais negligenciadas são comumente associadas a infecções parasitárias, são assim chamadas por atingirem populações mais vulneráveis economicamente, não trazendo retorno para o investimento econômico necessário a fim de desenvolver medicamentos e métodos de diagnóstico. Porém, em geral, são doenças que acometem muitos indivíduos ao redor do mundo, com grande impacto de morbidade e mortalidade. Acesse o site da Organização Pan‑americana de Saúde (Opas) para saber um pouco mais sobre os projetos de combate às doenças negligenciadas no Brasil: OPAS BRASIL. OMS destaca em Belo Horizonte possibilidade de contribuições para roteiro de combate a doenças negligenciadas. Brasília, 28 jul. 2019. Disponível em: https://www.paho.org/bra/index.php?option=com_ content&view=article&id=5994&Itemid=232. Acesso em: 28 jun. 2020. Exemplo de aplicação Exemplo 1 Em relação ao espectro de atividade dos agentes antimicrobianos, avalie as afirmativas a seguir: I – Fármacos de amplo espectro tendem a ser menos agressivos para o hospedeiro. II – A identificação de alvos moleculares nos diversos microrganismos é essencial para uma ação mais específica sobre eles. III – Quando os antimicrobianos são utilizados sem a identificação do mecanismo causador da infecção (terapia empírica), o uso de agentes de amplo espectro é o mais recomendado. Desse modo, as afirmativas corretas são: A) I e II, somente. B) II e III, somente. C) I e III, somente. D) I, somente. E) Todas as afirmações. 213 FARMACOLOGIA Resolução Apenas as afirmativas II e III estão corretas, uma vez que fármacos antimicrobianos de amplo espectro têm maior propensão a interagir com microrganismos não patogênicos, afetando a relação de comensalidade existente entre a microbiota e o hospedeiro, causando eventos adversos em muitos casos. Exemplo 2 Um dos grandes desafios hoje na prática clínica consiste na resistência dos microrganismos patogênicos aos antimicrobianos disponíveis, de modo que a compreensão dos mecanismos pelos quais ocorre a resistência é essencial para buscar novas estratégias terapêuticas. Desse modo, assinale a alternativa contendo apenas mecanismos de resistência bacteriana. A) Bomba de efluxo, alteração da permeabilidade da parede celular, alteração de alvos moleculares, alterações químicas na estrutura da molécula. B) Bloqueio do transporte de elétrons, alteração da permeabilidade da parede celular; alteração de alvos moleculares, alterações químicas na estrutura da molécula. C) Bomba de efluxo, bloqueio do transporte de elétrons, alteração de alvos moleculares, alterações químicas na estrutura da molécula. D) Bomba de efluxo; alteração da permeabilidade da parede celular, ionização do fármaco no meio interno, alterações químicas na estrutura da molécula. E) Ionização do fármaco no meio interno, alteração da permeabilidade da parede celular, alteração de alvos moleculares, alterações químicas na estrutura da molécula. Resolução Bomba de efluxo, alteração da permeabilidade da parede celular; alteração de alvos moleculares, alterações químicas na estrutura da molécula são os principais mecanismos associados com as respostas de resistência dos microrganismos aos fármacos antimicrobianos. As bombas de efluxo podem eliminar xenobióticos das células. A alteração de permeabilidade pode impedir a entrada das drogas nas células. A alteração das estruturas de alvos moleculares pode impedir o reconhecimento químico e a afinidade entre fármaco e receptor. As alterações químicas promovidas por ação enzimática dos microrganismos sobre as moléculas de drogas pode também afetar a capacidade de interação entre fármaco e seu alvo molecular. A ionização do fármaco no meio interno pouco influencia a resposta biológica aos antimicrobianos. O bloqueio de transporte de elétrons é usualmente resultado da ação de alguns antimicrobianos. 214 Unidade II Exemplo 3 Um dos pontos mais importantes na anamnese previamente realizada, o profissional prescritor deve observar possíveis alergias no paciente. Desse modo, caso um indivíduo não possa utilizar um antimicrobiano beta‑lactâmico para seu tratamento por conta de alergias, qual medicamento poderia ser prescrito? Assinale a alternativa correta: A) Cefalexina. B) Amoxicilina. C) Penicilina benzatina. D) Azitromicina. E) Amoxicilina + clavulanato. Resolução Cefalexina pertence à classe das cefalosporinas, sendo uma molécula de antimicrobiano beta‑lactâmico, tal como amoxicilina, clavulanato e penicilina. Por essa razão, em pacientes com limitação do uso de beta‑lactâmicos, o uso da azitromicina, um macrolídeos do tipo azalídeo, é um fármaco de escolha nessa situação. Exemplo 4 Em relação aos antifúngicos do grupo dos azóis, como o cetoconazol, o fluconazol e o itraconazol, analise as afirmativas a seguir: I – São eficazes no tratamento de candidíases por inibirem a enzima P450 fúngica, responsável pela síntese de ergosterol, presente na membrana celular da Candida sp. II – O cetoconazol para ação sistêmica é utilizado apenas em casos mais severos, por conta do risco de toxicidade em tratamentos prolongados. III – O fluconazol está associado com baixa resistência por parte dos microrganismos, sendo sempre a principal escolha. Dessa forma, estão corretas: A) I e III, somente. B) II e III, somente. C) I e II, somente. 215 FARMACOLOGIA D) I, somente. E) Todas estão corretas. Resolução Os antifúngicos da classe dos azóis são os fármacos de escolha para as infecções como candidíase, sendo que o fluconazol e o itraconazol são os fármacos de escolha para ação sistêmica em relação ao cetoconazol, uma vez que ele pode ser bastante hepatotóxico. Contudo, o uso do fluconazol pode ser limitado pela elevada resistência de diversos fungos ao fármaco. Dessa forma, as afirmativas corretas são I e II, somente. Exemplo 5 Analisando o grande potencial de efetividade de benzimidazóis (albendazol e mebendazol, por exemplo), podemos associar sua atividade a qual mecanismo: A) Inibição da fumarato‑redutase mitocondrial e desacoplamento da fosforilação oxidativa, bem como redução do transporte de glicose pela inibição da formação dos microtúbulos. B) Inibição da enzima piruvato‑ferrodoxina oxidorredutase, bem como redução do transporte de glicose pela inibição da formação dos microtúbulos. C) Esses fármacos agem no canal de cloreto aberto por glutamato, induzindo uma paralisia tônica da musculatura do parasita. D) Possuem ação de agonista do GABA, aumentando a condução de cloreto, promovendo um relaxamento muscular excessivo e a paralisia flácidado parasita. E) Esses fármacos necessitam da ação ativadora de seu grupo nitro por parte dos parasitas, ativando seu radical nitro altamente reativo, que gera danos ao DNA do parasita. Resolução O mecanismo de ação correto dos benzimidazóis é a inibição da fumarato‑redutase mitocondrial e desacoplamento da fosforilação oxidativa, bem como redução do transporte de glicose pela inibição da formação dos microtúbulos. A inibição da enzima piruvato‑ferrodoxina oxidorredutase, bem como redução do transporte de glicose pela inibição da formação dos microtúbulos é o mecanismo de ação de nitrotiazolidínicos; a ação sobre canal de cloreto aberto por glutamato, induzindo uma paralisia tônica da musculatura do parasita está associada à ação dos compostos da classe das avermectinas; enquanto a ação de agonista do GABA, aumentando a condução de cloreto, promovendo um relaxamento muscular excessivo e a paralisia flácida do parasita, é associada aos compostos da classe das aminas secundárias, como a piperazina; já em relação ao mecanismo em que ocorre a ação ativadora do grupo nitro da molécula do antimicrobiano com a promoção de danos ao DNA do microrganismo, são os fármacos como o metronidazol, da classe dos nitroimidazóis. 216 Unidade II Resumo Pode ser verificada a importância histórica dos agentes antimicrobianos para a medicina, bem como a implementação dos tratamentos antimicrobianos foi essencial para o aumento da expectativa de vida da população mundial. O advento da penicilina trouxe ao mundo uma nova perspectiva frente aos principais problemas de saúde que levavam à morte boa parte da população. Como pode ser notado, as pesquisas para a busca desses compostos foram motivadas pela Segunda Guerra Mundial, em que o número elevado de baixas nos exércitos era diretamente relacionado às infecções sem tratamento disponível. Contudo, pouco tempo depois da implementação da penicilina na rotina médica, o surgimento de cepas resistentes aos antibióticos já era verificado. Com isso, muitos novos agentes foram desenvolvidos. Atualmente, a resistência dos microrganismos aos antimicrobianos é considerada um problema de saúde pública mundial, afetando inclusive parâmetros econômicos. Por essa razão, o uso racional dos antimicrobianos deve ser promovido, de modo que investimentos em pesquisa sobre o tema, o desenvolvimento de novas ferramentas terapêuticas e de diagnóstico, além do estabelecimento de leis e políticas educativas em saúde para a prevenção do surgimento de cepas resistentes aos antibióticos modernos são os passos para alcançar esse objetivo. Visando promover o uso racional dos agentes antimicrobianos, devemos levar em consideração inúmeros fatores, como o conhecimento sobre as propriedades farmacodinâmicas e farmacocinéticas do uso desses fármacos. O conhecimento sobre farmacodinâmica nos permite buscar tratamentos cada vez mais específicos, através da identificação de novos alvos moleculares nos microrganismos, bem como pela compreensão do grau de especificidade dos compostos antimicrobianos sobre as diferentes cepas conhecidas. Ainda, o melhoramento das moléculas hoje conhecidas, além da identificação de novos compostos, sintéticos ou naturais, pode trazer novas perspectivas para essa terapia. Em relação aos aspectos sobre farmacocinética, podemos verificar que as estratégias para melhorar a adesão ao tratamento, o respeito aos regimes posológicos, assim como a análise de interações medicamentosas 217 FARMACOLOGIA e fatores do paciente ou do medicamento que conduzem a alterações do perfil farmacocinético, podem ser a chave para a adaptação de regimes terapêuticos, sendo estes mais seguros e eficazes. A análise de fatores como gravidez, problemas de saúde prévios, frequência das infecções, função hepática e renal e a competência imunológica do indivíduo devem ser considerados para o estabelecimento do regime terapêutico. Por fim, mas não menos importante, é essencial perceber a importância da prevenção frente às infecções. Além da complexidade do tratamento medicamentoso, a redução da necessidade do emprego dos agentes antimicrobianos pode melhorar as perspectivas sobre o desenvolvimento da resistência aos antimicrobianos. Fica assim, evidente, a relação desses processos infecciosos com a ausência de políticas públicas voltadas para a educação em saúde e para o saneamento básico, o que poderia salvar muitas vidas todos os anos. Exercícios Questão 1. (FMS/PI 2011, adaptada) Atualmente o grupo das quinolonas e fluoroquinolonas compreende importantes antimicrobianos. São drogas úteis no tratamento de infecções urogenitais, respiratórias e gastrintestinais. São drogas bactericidas que atuam por: A) Inibição de síntese proteica pela inibição da subunidade 30 S. Devido a esse efeito promovem a morte do microrganismo. B) Atuar através da ativação da topisomerase II e assim em concentrações terapêuticas leva a um efeito bacteriostático. Em doses elevadas, semelhantes a doses tóxicas, esse grupo apresenta ação bactericida. C) Promover a inibição da DNA‑girase ou topoisomerase II e da topoisomerase IV. A DNA‑girase é primariamente inibida em microrganismos gram‑negativos e a topoisomerase IV nos microrganismos gram‑positivos. D) Atuar por inibição da fosfodiesterase bacteriana e a um aumento da ativação de autolisinas que promovem a inibição das topoisomerases, levando a uma inibição da transcrição gênica e a morte da bactéria. E) As quinolonas e fluoroquinolonas apresentam capacidade de diminuir a síntese de proteínas pela inibição da subunidade 50S do ribossomo levando à inibição do crescimento bacteriano, ou seja, ao efeito bactericida. Resposta correta: alternativa C. 218 Unidade II Análise das alternativas A) Alternativa incorreta. Justificativa: descontrole de síntese proteica porque a molécula de DNA passa a ocupar grande espaço no interior da bactéria e, assim, ocorre a morte da bactéria. B) Alternativa incorreta. Justificativa: atuam através da inibição da topisomerase II. Para que o antimicrobiano exerça sua atividade, primeiramente, deverá atingir concentração ideal no local da infecção, ser capaz de atravessar, de forma passiva ou ativa, a parede celular, apresentar afinidade pelo sítio de ligação no interior da bactéria e permanecer tempo suficiente para exercer seu efeito inibitório. Farmacodinâmica Eliminação tempo‑dependente Eliminação concentração‑dependente Eliminação pós‑antibiótico Absorção Distribuição Metabolismo Excreção Contagem bacteriana Mortalidade Melhora clínica Resultado Antimicrobiano Farmacocinética Concentração no local de infecção Concentração inibitória mínima do patógeno Figura 85 C) Alternativa correta. Justificativa: inibem a atividade da DNA girase ou topoisomerase II, enzima essencial à sobrevivência bacteriana. A DNA girase torna a molécula de DNA compacta e biologicamente ativa. Ao inibir essa enzima, a molécula de DNA passa a ocupar grande espaço no interior da bactéria, e suas extremidades livres determinam síntese descontrolada de RNA mensageiro e de proteínas, determinando a morte das bactérias. Também inibem, in vitro, a topoisomerase IV (observe a figura 51 sobre os mecanismos de ação). D) Alternativa incorreta. Justificativa: a fosfodiesterase é uma enzima que promove a inativação da proteína quinase e, portanto, não exerce efeito bactericida. 219 FARMACOLOGIA E) Alternativa incorreta. Justificativa: as quinolonas e fluoroquinolonas apresentam capacidade de descontrolar a síntese de proteínas porque o DNA foi induzido pelo fármaco a promover esse descontrole, levando ao efeito bactericida. Questão 2. (Funrio 2009) Sobre a toxicidade e efeitos colaterais dos fármacos utilizados como antimaláricos, assinale a única alternativa correta: A) Ototoxicidade irreversível e retinopatia são efeitos tóxicos que podem ser causados pela utilização de doses diárias de cloroquina acima de 250 mg. B) Cinchonismo consiste em um grupode sintomas como zumbidos, cefaleia, náuseas e distúrbios visuais que estão tipicamente relacionados à utilização de primaquina como antimalárico. C) Fluoroquinolonas como ciprofloxacino e norfloxacino apresentam acentuada atividade contra esquizontes do P. falciparum resistentes à cloroquina, mas podem provocar efeitos colaterais em ossos e dentes. D) Quinina e quinidina são fármacos antimaláricos que em doses terapêuticas provocam poucos efeitos colaterais, exceto náuseas e diarreia, sendo seu uso considerado seguro durante a gravidez. E) A mefloquina passou a ser utilizada como antimalárico em razão da sua total ausência de toxicidade no sistema nervoso central. Resposta correta: alternativa A. Análise das alternativas A) Alternativa correta. Justificativa: a cloroquina apresenta estreita margem de segurança e uma dose única de 30mg/kg pode ser fatal. Altas doses em longo prazo devem ser submetidas às avaliações oftalmológicas e neurológicas periódicas. Exames oftalmológicos devem ser realizados antes e periodicamente durante o tratamento prolongado com cloroquina. A medicação deve ser suspensa imediatamente quando ocorrerem distúrbios visuais. A ototoxicidade está ligada à destruição de células sensoriais, diminuição na população neuronal, alterações nas células de sustentação e atrofia da estria vascular. B) Alternativa incorreta. Justificativa: cinchonismo é o efeito prejudicial do uso da casca de cinchona ou de seus alcaloides, caracterizado por mudez temporária, dor de cabeça, zunido nos ouvidos, sintomas de congestão cerebral e exantema. 220 Unidade II C) Alternativa incorreta. Justificativa: fluoroquinolonas como ciprofloxacino e norfloxacino são usadas para o tratamento de infecções urinárias, diarreias bacterianas e infecções da próstata nos adultos e podem provocar efeitos colaterais graves como tendinite, ruptura do tendão, artralgia, dor nas extremidades, alterações na marcha, neuropatias associadas a parestesia, depressão, fadiga, diminuição da memória, distúrbios do sono e deficiência auditiva, visão, paladar e olfato. D) Alternativa incorreta. Justificativa: quinina é usado para tratamento de malária e é contraindicada para gestantes. E) Alternativa incorreta. Justificativa: a mefloquina foi um fármaco para o tratamento da malária, mas pode causar depressão, distúrbio afetivo bipolar, neurose de ansiedade grave.de polímero constituído de aminoácidos e carboidratos) em relação às bactérias gram‑negativas, as quais apresentam uma fina camada de peptidoglicanos associada com uma camada de lipopolissacarídeos. A diferença da composição entre as membranas das bactérias gram‑positivas e gram‑negativas fará com que o processo de coloração pela metodologia de Gram permita a fixação do reagente de gram (violeta de metila) nas bactérias com maior camada de peptidoglicano (gram‑positivas), a qual não será removida após a lavagem da lâmina com as bactérias fixadas, o que, por sua vez, ocorrerá nas células, que são chamadas gram‑negativas, justamente por não fixarem o reagente em suas membranas. 154 Unidade II A) B) Figura 52 – Bactérias gram‑positivas (esquerda) e gram‑negativas (direita), após a coloração de gram Já em relação à divisão dos microrganismos entre aeróbios e anaeróbios, a questão da necessidade de uso do oxigênio (aeróbios) ou não (anaeróbios) para seu suprimento energético permite com que os alvos moleculares sejam mais bem estabelecidos, uma vez que os mecanismos de produção energética celular, quando são interrompidos ou prejudicados pela ação dos fármacos, culminam em uma capacidade de replicação celular reduzida, podendo levar essa célula a um colapso. Por essa razão, fármacos antimicrobianos que atuam comprometendo o metabolismo energético de microrganismos (aeróbios ou anaeróbios) devem ser indicados apenas mediante a identificação prévia das características metabólicas do organismo causador da infecção existente ou do microrganismo que comumente causa uma infecção que desejamos evitar (uso profilático do antimicrobiano). Por último, mas não menos importante, temos a influência da sensibilidade ou resistência intrínseca do microrganismo a determinados agentes. Seja pela presença de mecanismos efetivos de defesa ou pela falta de afinidade química entre o fármaco antibacteriano e os alvos do organismo em questão, podemos classificar os microrganismos em classes de acordo com os antimicrobianos aos quais estes são sensíveis. Como exemplo mais clássico a ser citado, temos as cepas de Staphylococcus aureus, as quais podem ser classificadas como sensíveis à meticilina (oxaciclina) (MSSA – do inglês, Methicillin Susceptible Staphylococcus aureus) ou resistentes à meticilina (MRSA – do inglês, Methicillin Resistant Staphylococcus aureus). Nesse mesmo contexto, temos ainda as cepas de Staphylococcus aureus com resistência intermediária aos glicopeptídeos (GISA) e as cepas resistentes aos glicopeptídeos (GRSA). Embasados por essas características de resistência ou susceptibilidade, estamos aptos a realizar uma escolha mais racional de qual antibiótico deverá ser empregado para o tratamento dessa infecção. Apesar de as características dos microrganismos serem determinantes para os aspectos farmacodinâmicos da ação dos antimicrobianos, as características específicas das moléculas também são fatores‑chave para a determinação da melhor estratégia terapêutica. Por isso, vamos observar a seguir a classificação dos agentes antimicrobianos. 155 FARMACOLOGIA 5.2.1.2 Classificação dos antimicrobianos Os agentes antimicrobianos são moléculas pertencentes à classe dos quimioterápicos, conceituados como agentes químicos capazes de induzir a morte ou reduzir a capacidade proliferativa de células, sejam elas do organismo humano (como no caso dos agentes tumorais), bem como nos microrganismos (como no caso dos agentes antibacterianos, antifúngicos, antiparasitários e antivirais). Sendo a classe dos quimioterápicos muito grande, abordamos como antimicrobianos aqueles agentes que atuam nos microrganismos, podendo controlar infecções ou infestações. De acordo com o glossário da sociedade brasileira de parasitologia (NEVES, 2016, p. 4), infecção consiste na “penetração e desenvolvimento ou multiplicação de um agente etiológico no organismo humano ou animal, podendo ser vírus, bactéria, protozoário, helminto etc.”; e infestação “é o alojamento, desenvolvimento e reprodução de artrópodes na superfície do corpo, nas vestes ou na moradia de humanos ou de animais”. Para facilitar a classificação desses compostos, podemos dividi‑los de acordo com sua origem química (característica da molécula), seu mecanismo de ação ou espectro de atividade. Entre esses três grandes grupos, a origem química da molécula demonstra ser a mais relevante. Utilizando a origem química da molécula do antimicrobiano, podemos relacionar características do mecanismo de ação e do espectro de atividade entre moléculas com estruturas químicas semelhantes, facilitando a visualização das características químicas estruturais da molécula relevantes para a atividade farmacológica, bem como para relacionar com eventos adversos decorrentes do uso desses agentes. Um bom exemplo para compreender melhor essa classificação é o do grupo das penicilinas, moléculas que possuem como origem a estrutura da penicilina G, primeiro agente antibacteriano efetivo introduzido na prática clínica. Os derivados semissintéticos da penicilina, como a amoxicilina, tendem a desencadear as mesmas respostas alérgicas que a penicilina G pode causar, possuindo também um mecanismo de ação análogo ao da penicilina G e um espectro de atividade antibacteriana muito semelhante. As diferenças entre esses compostos estão mais associadas aos aspectos farmacocinéticos e à possibilidade da administração da amoxicilina pela via oral (o que não é possível no caso da penicilina G), decorrente de pequenas alterações em frações específicas da molécula da penicilina G. Todavia, se observarmos a praticidade no momento da escolha do agente antimicrobiano ideal para uma determinada infecção ou infestação, a classificação dos fármacos, de acordo com seu espectro de atividade e sua seletividade, pode ser muito útil. Por essa razão, será verificado o agrupamento dos agentes antimicrobianos de acordo com sua classe química dentro das atividades antibacterianas, antifúngicas e antiparasitárias. 5.2.1.2.1 Antibacterianos Os quimioterápicos antibacterianos são subdivididos em diversas classes, em geral, definidas de acordo com a origem química da molécula. A seguir, vamos observar as principais classes e seus respectivos mecanismos de ação. 156 Unidade II Sulfonamidas Primeira classe de antimicrobianos que foi utilizada por via sistêmica em humanos, apresentando boa eficácia tanto na prevenção como na cura de infecções bacterianas. Essa classe de fármacos possui grande espectro de atividade sobre cepas de bactérias gram‑negativas e gram‑positivas. Devido ao seu uso abusivo por décadas, diversas cepas mostram‑se resistentes às sulfonamidas, sendo que sua ação concentra‑se em seu efeito bacteriostático, sendo indispensáveis mecanismos de defesa humorais do hospedeiro para a efetividade do tratamento e total cura do paciente. As sulfonamidas são análogas à molécula do ácido p‑aminobenzóico (PABA), essencial para a síntese de ácido fólico nas bactérias, o que é fundamental para os processos vitais desse organismo. Por sua semelhança estrutural, as sulfonamidas acabam agindo como falso substrato na formação do ácido fólico, afetando seu metabolismo normal. Já bactérias que possuem a capacidade de utilizar o ácido fólico pré‑formado não são sensíveis às sulfonamidas. Em geral, as sulfonamidas são utilizadas associadas com o trimetoprim, no qual agem sob sinergismo, aumentando a eficácia do tratamento. O trimetoprim age inibindo competitivamente a diidrofolato‑redutase bacteriana, que reduz o diidrofolato em tetraidrofolato, essencial para o metabolismo bacteriano. Sulfonamidas geralmente são utilizadas no tratamento de escoriações de pele, infecções do trato urinário, gastrintestinal e respiratório. CH3 O O O S N H N H2N Figura 53 – Estrutura química do sulfametoxazol Quinolonas Classe de antimicrobianos sintéticos, tendo como primeiro representante o ácido nalidíxico, sendo amplamente utilizada para tratamentode infecções urinárias. Porém, essas primeiras moléculas possuíam um espectro pequeno de aplicação terapêutica, além de apresentarem uma resistência bacteriana notável. Isso fez com que essa classe caísse em desuso. Mas, num contexto mais recente, novas moléculas de quinolonas foram sintetizadas, as 4‑quinolonas fluoradas, como ciprofloxacino, ofloxacino, norfloxacino, que apresentam um amplo espectro de atividade e uma baixa taxa de resistência bacteriana. 157 FARMACOLOGIA As quinolonas possuem como alvo terapêutico nas células bacterianas duas enzimas, a DNA‑girase e a topoisomerase‑IV. Em geral, em bactérias gram‑negativas agem sobre a DNA‑girase, e, na maioria das bactérias gram‑positivas, a ação ocorre preferencialmente sob a topoisomerase‑IV. A DNA‑girase catalisa a superelicoidização do DNA. A introdução de super‑hélices tem um custo de energia, dessa maneira, a DNA girase é uma transdutora de energia convertendo a energia livre do ATP em energia torcional de superelicoidização do DNA. Já a topoisomerase‑IV atua no processo de clivagem dos filamentos de DNA. Visto que as quinolonas atuam inibindo esses sistemas enzimáticos completamente envolvidos no ciclo celular das células bacterianas, ocorrerá uma inibição da proliferação celular por parte da célula afetada. O HO O F NH N N Figura 54 – Estrutura química do ciprofloxacino, um dos principais representantes do grupo das fluoroquinolonas Metenamina Composto muito utilizado como antisséptico das vias urinárias. Sua atividade consiste em formar formaldeído em sua reação com moléculas de água. Essa formação de formaldeído provoca uma diminuição do pH da urina, o que é um fator antibacteriano. As bactérias não desenvolvem resistência ao formaldeído, porém algumas bactérias que degradam a ureia provocam um aumento do pH do meio, neutralizando assim a ação da metenamina. N N N N Figura 55 – Estrutura química da metenamina Penicilinas As penicilinas constituem uma das maiores e mais importantes classes de antibióticos. Considera‑se a descoberta da penicilina como uma das maiores revoluções já existentes na medicina. Em 1928, ao 158 Unidade II estudar cepas de Staphylococcus em seu laboratório, Alexander Fleming percebeu que suas culturas haviam se contaminado por um tipo de fungo, e este apresentava a produção de uma substância que inibia o crescimento das bactérias ali cultivadas. Após identificar o fungo ali presente como sendo o Penicillium, Fleming denominou a então desconhecida substância produto do metabolismo desse fungo como penicilina. Após o estudo mais aprofundado dessa situação, foi possível isolar a penicilina para uso terapêutico, porém, apenas uma década depois de sua descoberta por Fleming. Os primeiros ensaios demonstraram grande efetividade dessa molécula administrada por via parenteral em animais com infecções estreptocócicas induzidas em laboratório. Atualmente, dispomos de uma série de antibióticos penicilínicos, em geral, semissintéticos, derivados da molécula base da penicilina. Isso acarretou a geração de novos fármacos com características farmacocinéticas e farmacodinâmicas diferentes da penicilina, molécula base para a síntese desses compostos. Um exemplo de penicilina semissintética muito utilizada é a amoxicilina. Embora o mecanismo de ação da penicilina ainda não tenha sido completamente determinado, a sua atividade bactericida inclui a inibição da síntese da parede celular e a ativação do sistema autolítico endógeno da bactéria. A ação da penicilina depende da parede celular que contém na sua composição peptidoglicano. Durante o processo de replicação bacteriana, a penicilina inibe as enzimas que fazem a ligação entre as cadeias peptídicas, impedindo, portanto, o desenvolvimento da estrutura normal do peptidoglicano. Essas enzimas (transpeptidase, carboxipeptidase e endopeptidase) localizam‑se logo abaixo da parede celular e são denominadas de proteínas ligadoras de penicilina. A habilidade de penetrar na parede celular e o grau de afinidade dessas proteínas com a penicilina determinam a sua atividade antibacteriana. As bactérias, por diferirem na sua composição quanto ao tipo e à concentração de proteínas ligadoras de penicilina, possuem diferentes respostas quanto à permeabilidade de suas paredes celulares ao antibiótico. Assim, temos diferentes suscetibilidades bacterianas à penicilina. O O HO HO HO O O O O S S NH NH N NH2 N H A) B) HCH3 CH3 CH3 CH3 Figura 56 – A) Estrutura química da benzilpenicilina; B) Estrutura química da amoxicilina, uma penicilina sintética Cefalosporinas As cefalosporinas são compostos antimicrobianos semelhantes à penicilina, também sendo originadas de metabólitos de um fungo, o Cephalosporium acremonium, cuja atividade foi verificada inicialmente sobre cepas de bactérias causadoras da febre tifoide humana. A princípio, foi verificado que no líquido em que esse fungo era cultivado, era possível encontrar três tipos diferentes de antibióticos distintos, que foram denominados cefalosporinas P, N e C. Após o isolamento do núcleo 159 FARMACOLOGIA ativo comum nas moléculas inicialmente encontradas, foi possível a utilização desse conhecimento para síntese de novas moléculas com atividade antimicrobiana semelhante às cefalosporinas. Exemplos clássicos de cefalosporinas são cefalexina, cefalotina, cefuroxina, ceftriaxona e cefepima. Seu mecanismo de ação é semelhante ao das penicilinas, visto que compartilham característica química de possuir um anel β‑lactâmico em sua estrutura. O O O OH S N H N H CH3 NH2 Figura 57 – Estrutura química da cefalexina Carbapenéns É uma classe de antibióticos também β‑lactâmicos que se difere das penicilinas e cefalosporinas pela modificação da sua estrutura química, em que seu anel β‑lactâmico aparece mais protegido contra a ação de β‑lactamases, possuindo uma menor resistência bacteriana e uma maior efetividade terapêutica no tratamento antimicrobiano. Alguns carbapenéns, como o imipenem, devem ser administrados em associação com a ciclastatina, que inibe a degradação do antibiótico pela enzima dipeptidase‑tubular renal. Já outros, como o meropenem, não necessitam dessa proteção. Possuem seu mecanismo de ação em geral semelhante ao das penicilinas e cefalosporinas, com exceção do aztreonam, que possui sua atividade mais semelhante ao dos aminoglicosídeos. O O O OH HO S N NH N H H CH3 CH3 CH3 H3C Figura 58 – Estrutura química do meropenem 160 Unidade II Aminoglicosídeos Os aminoglicosídeos são potentes bactericidas inibidores da síntese proteica bacteriana. Apesar de sua efetividade ser muito ampla, sua toxicidade faz com que seu uso nem sempre seja adequado. Quimicamente, consistem de dois ou mais aminoaçúcares, os quais são unidos por uma ligação glicosídica ao núcleo de uma hexose, em geral, no centro da molécula. Isso faz com que sua molécula seja mais hidrossolúvel, sendo fator determinante para sua fácil absorção. Sua atividade bactericida está diretamente relacionada com sua concentração. Seu mecanismo de ação consiste na ação sobre a membrana da célula bacteriana, afetando sua capacidade de manter o potencial de membrana necessário para o transporte de íons essenciais para o funcionamento das células. Seu efeito intracelular consiste na ligação a polissomas e à interrupção prematura da tradução do mRNA, o que leva à produção ribossômica de proteínas mutadas, que, ao se inserirem na membrana, aumentam a permeabilidade da célula para a entrada dos aminoglicosídeos. Os principais representantes dessa classe são a tobramicina, a neomicina, a gentamicina, a amicacina e a estreptomicina, primeiro aminoglicosídeo descoberto. O O OO O OH OH OH HO HO HO HO NH NH HN H2N H2N NH NH H3C CH3 Figura 59 – Estrutura química da estreptomicina Tetraciclinas Descobertas através de pesquisas para identificação de microrganismos coletados de amostras de solo de todo o mundo que fossem capazes de apresentaralguma molécula de metabólito com características antimicrobianas. São conhecidas por serem drogas de amplo espectro antimicrobiano devido à sua efetividade contra diversas cepas gram‑positivas, gram‑negativas, riquétsias e Chlamydia. Seu mecanismo de ação é relacionado à inibição da síntese de proteínas através de sua ligação com o ribossoma 30 S da bactéria. Penetram em bactérias gram‑negativas pela difusão passiva, através dos canais hidrofílicos de membrana; e, por transporte ativo, por um sistema dependente de energia que bombeia as tetraciclinas por meio da membrana citoplasmática. Acredita‑se que em bactérias gram‑positivas, seu transporte também seja ativo. Seus principais representantes são doxiciclina, oxitetraciclina, tetraciclina, cortetraciclina, demeclociclina, metaciclina e minociclina. 161 FARMACOLOGIA OH O O OOH OH OH HO N NH2 H H CH3 CH3H3C Figura 60 – Estrutura química da tetraciclina Cloranfenicol Antibiótico obtido como metabólito de um microrganismo denominado de Streptomyces venezuelae, tendo sido testado com sucesso na Bolívia em 1947 contra um surto epidêmico de tifo. Porém, seu potencial tóxico foi verificado poucos anos depois, sendo seu uso restrito a pacientes com patologias infecciosas mais severas, os quais não poderiam ser tratados com outros fármacos mais seguros. O cloranfenicol age inibindo a síntese proteica nas bactérias através de sua ligação com a unidade 50 S dos ribossomos. Penetra facilmente na célula bacteriana, provavelmente, por difusão facilitada. Seus efeitos toxicológicos podem ser relacionados à semelhança dos ribossomos mitocondriais dos mamíferos com os ribossomos citoplasmáticos das bactérias, inibindo assim a síntese proteica mitocondrial em mamíferos. O O O‑ OH CI CI OH N H N+ Figura 61 – Estrutura química do cloranfenicol Macrolídeos Classe de antibióticos que tem como primeira molécula a eritromicina, isolada do microrganismo Streptomyces erythreus. A azitromicina e a clindamicina são fármacos semissintéticos desenvolvidos, tendo como base a molécula da eritromicina. São drogas bacteriostáticas que, através de uma ligação competitiva com a porção 50 S do ribossoma, impedem a fixação do RNA transportador e bloqueiam o aporte de aminoácidos essenciais para a síntese proteica (etapas de transpeptidação e/ou translocação). Quando em alta concentração ou contra microrganismos extremamente sensíveis, os macrolídeos podem ser bactericidas. 162 Unidade II HO OH OH OH OH O O O O O O O N N CH3 CH3 CH3 CH3 CH3 CH3 CH3 CH3 H3C H3C H3C H3C H3C H3C Figura 62 – Estrutura química da azitromicina Antimicobacterianos Em geral, moléculas utilizadas para o tratamento de doenças como tuberculose e hanseníase, que são causadas por micobactérias. Os principais quimioterápicos utilizados no tratamento das infecções micobacterianas são a isoniazida e a rifampicina. A isoniazida age inibindo a biossíntese de ácidos micólicos, essencias para a formação da parede celular em micobactérias. A presença dessa substância exclusivamente na parede das células de micobactérias pode ser o fator determinante para sua alta especificidade. Já a rifampicina inibe a enzima RNA‑polimerase DNA dependente das micobactérias e de outros microrganismos através da formação de um complexo fármaco‑enzimático que leva à supressão da iniciação da formação da cadeia na síntese do DNA. A rifampicina é bactericida para organismos extracelulares e intracelulares. A síntese dessas drogas fez com que doenças antes vistas como extremamente letais (hanseníase e tuberculose) possam hoje ser tratadas com um alto índice de melhora nos pacientes submetidos à quimioterapia antimicobacteriana. 163 FARMACOLOGIA O O O O O O O O OH OH OH OH HO N NH NH2 NH N N N CH3 CH3 CH3 CH3 B)A) CH3 H3C H3C H3C H3C H3C Figura 63 ‑ A) Estrutura química da rifampicina; B) Estrutura química da isoniazida 5.2.1.2.2 Antifúngicos (antimicóticos) Baseada no mesmo principio da quimioterapia antibacteriana, inclusive compartilhando do uso de diversos fármacos, a quimioterapia antimicótica dispõe de um arsenal amplo, porém menor em relação aos antibacterianos. Visto que as infecções por fungos constituem uma letalidade menor em relação às infecções bacterianas, as micoses são infecções cada vez mais comuns, independendo simplesmente de boas condições de saneamento básico, atingindo grande parte da população mundial. Classes de antifúngicos Os antifúngicos são divididos de acordo com sua via de administração: uso tópico ou sistêmico. A seguir, abordaremos as principais moléculas com atividade antifúngica. Anfotericina-B Anfotericina B é um antibiótico macrolídeo poliênico isolado do actinomiceto Streptomyces sp com atividade antifúngica e possui a característica de ser uma substância anfótera, isto é, a de se dissolver em meios básicos ou ácidos. Foi utilizada pela primeira vez no tratamento da paracoccidioidomicose em 1958, com grande sensibilidade do fungo. Ao lado de sua comprovada eficácia, a anfotericina B é uma droga tóxica que requer longo período de hospitalização para sua administração. Seu mecanismo de ação consiste em ligar‑se à célula do fungo alterando especificamente os esteróis da membrana celular (ergosterol). Isso fará com que haja a formação de poros ou canais na membrana que aumentam sua permeabilidade, fazendo com que a célula perca potássio e outras moléculas essenciais para seu metabolismo. Sua atividade é mais fungistática do que fungicida. A anfotericina também é utilizada em tratamentos de infecções por protozoários. 164 Unidade II O O O O O O OH OH OH OH OH OH OHOHOHHO HO NH2 H3C H3C H3C H CH3 Figura 64 – Estrutura química da anfotericina B Nistatina A nistatina é outro antifúngico da classe dos antibióticos macrolídeos poliênicos originados de actinomicetos. Possui semelhanças estruturais com a anfotericina B, com a qual também compartilha do mesmo mecanismo de ação. É amplamente utilizada por via tópica em casos de infecções de pele, candidíase oral e vaginal. É comum verificar medicamentos antissépticos que asssociam a nistatina com outro agente antifúngico e/ou outro agente antibacteriano. O O OO O O OH OH OH OH OH OHOHOH OH HO HO NH2 H3C H3C CH3 CH3 Figura 65 – Estrutura química da nistatina Imidazóis Classe de antifúngicos representada principalmente pelas drogas miconazol, cetoconazol e clotrimazol. Esse grupo apresenta relevância terapêutica tanto no uso sistêmico como no uso tópico (mais utilizado neste último). Promovem a inibição da biossíntese do ergosterol, importante para a integridade e a manutenção da função da membrana celular dos fungos. Os imidazóis inibem a incorporação do acetato de ergosterol, inibindo a lanosterol‑desmetilase, por interferência no citocromo P‑450 da levedura, 165 FARMACOLOGIA trazendo como consequência alterações na fluidez e permeabilidade da membrana citoplasmática do fungo, prejudicando a captação dos nutrientes, o que se traduz por inibição do crescimento fúngico, originando alterações morfológicas que resultam em necrose celular. CI N N Figura 66 – Estrutura química do clotrimazol Triazóis Classe representada principalmente pelos antifúngicos fluconazol e itraconazol, tendo diversas características semelhantes ao grupo dos imidazóis. Seu mecanismo de ação é semelhante ao dos imidazóis, porém, verifica‑se seu emprego com maior frequência no tratamento de infecções fúngicas que exigem tratamento por via sistêmica. É uma alternativa em casos de resistência a antifúngicos como a anfotericina B. O O HO OO CI CI N NN N NN N F F N N N N N N N N H 3C A) B) CH3 Figura 67 – A) Estrutura química do fluconazol; B) Estrutura química do itraconazol 166 Unidade II Fluorcitosinas São pirimidinas fluoradas que apresentam analogia com as moléculas do fluorouracil e floxuridina. Têm como base a molécula da 5‑fluorocitosina, que, na célula dofungo, pode ser transformada em 5‑fluorouracil, um potente antimetabólito vastamente utilizado no tratamento de neoplasias. O 5‑fluorouracil fosforilado é incorporado ao DNA e bloqueia a síntese de ácidos nucleicos e proteínas. É utilizada em associação com a anfotericina B para o tratamento de candidíase sistêmica e criptococose. O F NH2 N N H Figura 68 – Estrutura química da 5‑fluorocitosina 5.2.1.2.3 Antiparasitários Essa classe de quimioterápicos é composta por duas subclasses: antiprotozoários e antihelmínticos. Os medicamentos antiprotozoários são extremamente pesquisados, visto o grau de letalidade relacionado a epidemias de doenças causadas por protozoários, como malária, leishmaniose, entre outras. Além disso, outras doenças comumente relacionadas à falta de saneamento básico apresentam grande incidência em níveis mundiais. O uso de drogas antiprotozoários data do século XV, quando foi relatada a utilização da casca da árvore do quinino para o tratamento das crises de febre, que na verdade eram decorrentes de infecções por malária. Porém, atualmente, existem diversas moléculas capazes de tratar as diversas infecções parasitárias existentes, mas algumas ainda permanecem sem medicamentos que apresentem a cura definitiva de patologias como a própria malária. A seguir, as principais classes e moléculas de antiprotozoários. Cloroquina É um potente esquizontocida sanguíneo, muito utilizado como antimalárico. Esses compostos agem como bases fracas nos vacúolos alimentares dos protozoários, impedindo a ação da heme‑polimerase, responsável pela inativação do heme livre nas células eritrocíticas. Esse heme livre nas células torna‑se tóxico aos parasitas, devido a lesões oxidativas, das membranas e proteases digestivas do protozoário. 167 FARMACOLOGIA NH N N H3C H3C CH3 CI Figura 69 – Estrutura química da cloroquina Primaquina Apesar de a atividade das primaquina e de outras moléculas 8‑aminoquinolinas ainda não ser completamente evidenciada, acredita‑se que seu efeito seja devido à sua transformação de eletrófilos que agem como mediadores de óxido‑redução, podendo ser responsável pela geração de espécies reativas de oxigênio, que possivelmente levariam ao estresse oxidativo, ou interferindo no transporte de elétrons no parasita. O N NH H2N CH3 H3C Figura 70 – Estrutura química da primaquina Proguanil Utilizado geralmente em associação com outro antiprotozoário. Possui uma ação profilática antimalária devido à inibição do desenvolvimento dos gametas encistados nas vísceras do mosquito trasmissor da malária. Seu metabólito ativo cicloguanil possui atividade inibidora da diidrofolato‑redutase e da timidilato‑sintase bifuncional do parasita, inibindo assim a síntese de DNA no parasita, impedindo sua reprodução. 168 Unidade II H N H N H N NH NH CH3 CH3 CI Figura 71 – Estrutura química do proguanil Metronidazol É um pró‑fármaco que necessita da ação ativadora de seu grupo nitro por parte dos organismos susceptíveis a esse medicamento. Sua atividade específica sobre parasitas anaeróbicos deve‑se ao fato de possuírem componentes transportadores de elétrons capazes de doar elétrons à molécula do metronidazol, ativando seu radical nitro altamente reativo, que gera danos ao DNA do parasita, entre outras biomoléculas vitais. O‑ O OH N N N + H3C Figura 72 – Estrutura química do metronidazol Eflornitina É um agente citostático que exerce diversos efeitos antitripanossômicos. Através da inibição de enzimas envolvidas na síntese de diversos aminoácidos necessários ao metabolismo normal, ocorre a parada do ciclo de divisão celular do parasita. Alguns parasitas desenvolvem uma capacidade de utilizar outras enzimas que não são inibidas pela eflornitina para regularizar seu metabolismo, o que pode ser descrito como um provável mecanismo de resistência. Essa droga é mais utilizada no tratamento de tripanossomíase africana ocidental, causada pelo T.b. gambiense. Apesar de estudos pré‑clínicos demonstrarem uma relativa efetividade contra cepas de Leishmania spp., clinicamente, essa resposta não foi observada. O OH F F H2N H2N Figura 73 – Estrutura química da eflornitina 169 FARMACOLOGIA Quinacrina É um composto antiprotozoário que possui forte ação sobre a G. lamblia, promovendo a cura em cerca de 90% dos casos tratados com essa droga. Ela age de forma potente sobre as células do parasita através da indução de morte celular por danos irreversíveis ao ligar‑se com o DNA do parasita. Porém, essa droga apresenta um grande potencial tóxico, tendo caído em desuso em países como os EUA. N N NH H3C H3C H3C CH3 CI O Figura 74 – Estrutura química da quinacrina Nifurtimox É um fármaco tripanomicida, geralmente, empregado em casos de infecções por T. cruzi, agindo sobre as formas tripomastigota e amastigota. Seu mecanismo de ação desencadeia‑se através da redução de sua molécula por parte de uma enzima do próprio parasita, ativando então o radical nitro da molécula, que, reagindo com outras moléculas, gera diversas espécies reativas de oxigênio e nitrogênio, que por meio do estresse oxidativo irá levar a danos na estrutura celular do parasita, levando‑o à morte. O O O‑ O O S N N N+ H3C Figura 75 – Estrutura química do nifurtimox 170 Unidade II Estibogluconato sódico Molécula ainda muito estudada, porém com sua efetividade no tratamento da Leishmania já verificada, embora seu mecanismo de ação antileishmania ainda não esteja elucidado. Aparentemente, seu efeito deve‑se à alteração do metabolismo do parasita, pois ocorre um comprometimento na glicólise, metabolismo de ácidos graxos, e outros processos que ocorrem em organelas raras encontradas no parasita da Leishmania, os glicossomos, que se apresentam suprimidos após a atividade do estibogluconato sódico. Além disso, essa molécula apresenta o potencial de redução da formação de ATP/GTP líquido na célula. Por pertencer a um grupo químico denominado antimônios, seu mecanismo de ação pode ser decorrente de características peculiares a esses grupos, como o fato de agirem como pró‑fármacos, formando espécies tóxicas quando metabolizadas, por macrófagos, em que favoreceriam a fagocitose do parasita nos lisofagossomos. HO H2O H2O H2O H2O H2O H2O H2O H2O H2O OH OH OH OH O O O O O O O O‑ O O O‑ O‑ Na+ Na+Na+ H H H H Sb Sb Figura 76 – Estrutura química do estibogluconato de sódio Já os compostos conhecidos como anti‑helmínticos atuam no controle de helmintos (vermes) de maior complexidade estrutural em comparação aos parasitas protozoários. As helmintíases atingem cerca de dois bilhões de indivíduos em todo o mundo, sendo que em regiões com clima tropical, podem‑se observar casos de infecção por múltiplos helmintos em um mesmo paciente (ALBONICO et al., 2008) Apesar de essas patologias serem mais comuns em ambientes com saneamento básico precário, a falta de higiene em outros lugares com saneamento regular também é responsável pelos altos níveis de contaminação por helmintos. As infecções por helmintos ocorrem, frequentemente, em órgãos como a pele, intestino, fígado, além de outros. Em geral, os fármacos utilizados nos tratamentos dessas patologias buscam penetrar no verme ou interferir nos seus mecanismos de alimentação, inibindo seu desenvolvimento pela fala de nutrientes necessários para manutenção de seu metabolismo normal. A seguir, serão citados os principais grupos de anti‑helmínticos, suas principais moléculas e suas aplicações. 171 FARMACOLOGIA Benzimidazóis (BZA’s) Essa classe de medicamentos tem como seus principais representantes o mebendazol e o albendazol. Esses compostos possuem grande efetividade em helmintos nematódeos. Atuam induzindo uma disfunção no metabolismo, como a inibição da fumarato‑redutase mitocondrial, redução do transporte de glicose e desacoplamento da fosforilação oxidativa. O mecanismo de ação sugerido é o de que ocorra a inibição da polimerização dos microtúbulospor meio da ligação da β‑tubulina, justificando então a deficiência na captação de glicose. O O O O O S H3C CH3 CH3A) B) NH NH NHN N NH Figura 77 – A) Estrutura química do albendazol; B) Estrutura química do mebendazol Nitazoxanida Composto com atividade antiparasitária de amplo espectro, amplamente utilizado tanto para o tratamento de infecções intestinais causadas por protozoários como por helmintos. Pertencente à classe dos nitrotiazolidínicos, a nitazoxanida é rapidamente hidrolisada em sua forma ativa, a tizoxanida. Ambas as formas podem agir em protozoários de maneira inibitória sobre a enzima piruvato‑ferrodoxina oxidorredutase nos parasitas, comprometendo assim seu metabolismo energético ao impedir a transferência de elétrons através da referida enzima. Nos helmintos, a nitazoxanida é capaz de interferir na polimerização da tubulina no parasita, impedindo assim que a estrutura de transporte de secreções citoplasmática seja formada, afetando os processos celulares do parasita, levando‑o à morte. O O O O O‑ N NH N+ S H3C Figura 78 – Estrutura da nitazoxanida 172 Unidade II Dietilcarbamazina É um derivado da piperazina comumente utilizado no tratamento da filaríase e já foi o fármaco de escolha no tratamento da oncocercose, hoje tratada com a ivermectina. É um fármaco que ainda não possui seu mecanismo de ação elucidado, porém supõe‑se que sua ação ocorra por comprometer o transporte e o processamento de macromoléculas essenciais para a membrana plasmática dos parasitas. Outra hipótese seria de que o fármaco interfere no metabolismo do ácido araquidônico no parasita e nas células endoteliais do hospedeiro, justificando a agregação plaquetária, vasoconstrição e granulócitos do hospedeiro ao redor do parasita já com as suas membranas lesadas. O N N N CH3 H3C H3C Figura 79 – Estrutura química da dietilcarbamazina Ivermectina Composto da classe das avermectinas, lactonas isoladas de metabólitos gerados pelo actinomiceto Streptomyces avermitilis. Essa molécula é altamente empregada no tratamento de um amplo espectro de infecções parasitárias, tais como em infecções por nematelmintos, oncocercose e infecções transmitidas por artrópodes. Seu mecanismo de ação é atribuído ao fato de que as avermectinas agem no canal de cloreto aberto por glutamato, induzindo uma paralisia tônica da musculatura do parasita. Visto que esses canais estão presentes no músculo faríngeo desses vermes, haverá uma interferência no comportamento alimentar do parasita, com subsequente deficiência alimentar, inibindo seu desenvolvimento. 173 FARMACOLOGIA O O O O O O O O O O O O O O O O OO HO O O O O OH OH HO HO HO CH3 CH3 CH3 CH3 CH3 CH3 CH3 CH3 CH3 CH3 H3C H3C H3C H3C H3C H3C H3C H3C H3C H3C Figura 80 – Estrutura química da ivermectina Lembrete A ivermectina também é amplamente utilizada no tratamento de infestações. As infestações são conceituadas como uma colonização de superfície corporal (ou vestimentas) por artrópodes, de modo que se alojem, se desenvolvam e se reproduzam no hospedeiro. Piperazina É uma amina secundária cíclica, geralmente utilizada no tratamento de infecções por Ascaris lumbricóides e Enterobius vermiculares. Seu mecanismo é atribuído à sua ação de agonista do GABA. Por aumentar a condução de cloreto, haverá uma hiperpolarização com consequente diminuição da excitabilidade, promovendo um relaxamento muscular excessivo e a paralisia flácida do parasita, fator determinante para a expulsão do verme pelo peristaltismo intestinal. Nos casos de enterobíase, o tratamento deve permanecer mesmo após a aparente cura, devido à facilidade de reinfecção. H N N H Figura 81 – Estrutura química da piperazina 174 Unidade II Praziquantel Derivado pirazinoisoquinolina, utilizado no tratamento de cestódeos e trematódeos. No tratamento de esquistossomos, concentrações mínimas requeridas já são capazes de gerar um aumento da atividade muscular, com decorrente contração, espasmo e paralisia. Isso faz com que os vermes afetados se destaquem da parede dos vasos para o fígado. Em concentrações mais elevadas, ele acarreta em lesões tegumentares que expõem antígenos tegumentares, facilitando a resposta contra esse parasita. Já no tratamento de infecções por cestódeos, baixas doses são suficientes para eficácia no tratamento. O O N N Figura 82 – Estrutura química do praziquantel 5.2.2 Aspectos farmacocinéticos da terapia antimicrobiana Para que um composto possa ser efetivo dentro do contexto de uma terapia antimicrobiana, a biodisponibilidade adequada desse composto é essencial. Observando os níveis plasmáticos da droga antimicrobiana administrada, podemos inferir sobre a capacidade biocida ou bioestática do composto. Isso se deve ao fato de que cada antimicrobiano possui uma concentração mínima efetiva, sendo chamada de concentração inibitória mínima (CIM), no caso dos agentes bioestáticos; ou concentração biocida mínima (CBC), no caso dos agentes biocidas. Em geral, os fármacos são administrados em concentrações capazes de exercer a sua atividade sobre 50% da população de organismos, sendo essas concentrações conhecidas como CIM50 ou CBC50. Quando um composto é administrado e não consegue alcançar a biodisponibilidade equivalente à sua CIM50 ou CBC50 frente a um microrganismo, podemos dizer que o microrganismo é resistente ao antimicrobiano. Por essa razão, erros na administração dos antimicrobianos, falta de adesão adequada ao tratamento, intervalos entre as doses maiores do que o prescrito, interações medicamentosas ou interações medicamento‑alimento, alterações fisiológicas ou físico‑químicas que alteram o processo de absorção do antimicrobiano podem afetar o sucesso da terapia por interferirem nas concentrações plasmáticas do fármaco, afetando assim sua biodisponibilidade. O uso de antimicrobianos abaixo das doses mínimas necessárias pode não só impedir a melhora do paciente com a infecção, mas também conduzir a um processo de seleção dos microrganismos mais resistentes dentro da população de microrganismos presentes no hospedeiro tratado, implicando 175 FARMACOLOGIA a utilização de um tratamento diferente do inicialmente prescrito para esse paciente, ainda que sob o risco de esse novo tratamento também não ser efetivo. Por fim, podemos concluir em relação aos aspectos farmacológicos das terapias antimicrobianas que o processo de prescrição da molécula adequada, na dose adequada, com o monitoramento do tratamento associado à administração correta do medicamento e buscando evitar interações medicamentosas ou com alimentos aproximam o paciente de uma melhora em seu quadro infeccioso. Sempre que esses cuidados não forem observados, além do risco de inefetividade do tratamento antimicrobiano, podemos estar contribuindo para um dos maiores riscos atuais da terapia antimicrobiana em todo o mundo: a resistência dos microrganismos aos agentes antimicrobianos. 5.3 Resistência aos agentes antimicrobianos Um dos grandes problemas enfrentados na terapêutica medicamentosa antimicrobiana é a resistência dos microrganismos frente a diversos medicamentos. De acordo com a OMS (WHO, 2020, tradução nossa), a resistência aos agentes antimicrobianos pode ser conceituada como “a capacidade de um microrganismo em impedir a atuação de um antimicrobiano”. Em decorrência dessa capacidade adquirida por microrganismos, o tratamento medicamentoso torna‑se inefetivo, conduzindo ao agravamento da infecção, podendo resultar em infecções persistentes, recidivas e até mesmo na morte do paciente por complicações decorrentes desse processo infeccioso. Em geral, as células de microrganismos resistentes aos antimicrobianos representam uma das consequências do uso desses compostos de forma abusiva e irracional, que faz com que cepas diversas desenvolvam mecanismos de adaptação frente às drogas, sendo escolhidas em um processo de seleção natural desses compostos em um ambientehostil, em que as mais resistentes se mantêm vivas e se proliferam, dando origem a uma população de microrganismos resistentes. Os mecanismos de resistência podem ser intrínsecos de um microrganismo específico frente a um ou mais antimicrobianos ou podem também ser adquiridos por meio da transmissão de material genético ou mutação desse material no microrganismo em questão. Como os microrganismos, as bactérias podem estar envolvidos em processos de troca de material genético, a codificação dessas moléculas responsáveis pela resistência poderá ser transmitida adiante para outras bactérias, conduzindo a um processo de amplificação dessa resistência. Vale ressaltar que, apesar do principal foco das investigações científicas ser a resistência aos antimicrobianos por parte das bactérias (as quais estão associadas aos principais registros de inefetividade de antimicrobianos), esse processo pode estar também relacionado a organismos como fungos, parasitas e vírus. Desse modo, como poderíamos estabelecer uma estratégia para enfrentar esse risco? Apesar de a resposta ser simples – a identificação de mecanismos de resistência e o desenvolvimento de novas ferramentas terapêuticas –, na prática, não estamos logrando muito êxito nessa batalha. Isso pode ser justificado pela falta de investimento para o desenvolvimento de ferramentas terapêuticas e de 176 Unidade II identificação de resistência, bem como pelo fato de que o desenvolvimento dessas ferramentas é em geral bem mais lento do que o aparecimento de novas cepas resistentes aos agentes antimicrobianos – mesmo quando falamos sobre as drogas antimicrobianas mais modernas. Podemos relacionar a resistência antimicrobiana como uma questão econômica, uma vez que há uma diminuição de produtividade nas populações frequentemente acometidas por infecções, principalmente em países em processo de desenvolvimento. Em uma revisão coordenada pelo economista britânico Jim O’Neill (2014), até a década de 2050, cerca de 10 milhões de pessoas por ano poderão morrer devido à inefetividade de tratamentos medicamentosos com antimicrobianos que falharam por conta da resistência antimicrobiana. Segundo esse mesmo estudo, cerca de 100 trilhões de dólares serão perdidos em nível global, afetando significativamente o poder econômico de diversas nações. Embora as estatísticas demonstrem um grande impacto econômico em todo o mundo, o que deve ser observado pelo profissional é o impacto da resistência aos antimicrobianos sobre os serviços de saúde. Imagine que hoje possuímos tratamentos para inúmeras doenças infecciosas que levavam muitas pessoas à morte séculos atrás. Caso esses tratamentos não sejam mais efetivos, essas doenças poderiam voltar a desencadear um grande número de registros de pessoas doentes (aumento da morbidade) e levar muitas pessoas à morte (aumento da mortalidade). Por essa razão, podemos dizer que a resistência aos antimicrobianos é um grande problema epidemiológico em todo o mundo, devendo ser pautado em políticas públicas e campanhas que promovam o uso racional dos antimicrobianos. Para entender melhor o que é a resistência antimicrobiana, entraremos agora em uma viagem pelos mecanismos que as células dos microrganismos possuem e utilizam para impedir a ação antimicrobiana dos fármacos. 5.3.1 Mecanismos celulares de resistência aos agentes antimicrobianos Buscando ilustrar os mecanismos de resistência aos antimicrobianos, utilizaremos como exemplo as bactérias, que correspondem aos microrganismos mais comumente associados ao processo de resistência a esses compostos. Mas, antes de iniciar a explicação sobre os mecanismos de resistência que levam à inefetividade do tratamento medicamentoso, nesse caso, é necessário que compreender quais são as ações esperadas de um antimicrobiano sobre a célula desse microrganismo. Inicialmente, o fármaco necessita interagir com um alvo molecular, que corresponde a um receptor desse fármaco no microrganismo que deverá ser atingido. Como esses alvos podem ser encontrados frequentemente dentro da célula bacteriana, é necessário que uma quantidade suficiente do composto antimicrobiano atravesse a parede celular dessa bactéria, conseguindo então interagir adequadamente com esse alvo moléculas, iniciando os mecanismos químicos que conduzem essa célula à morte ou à parada de suas atividades metabólicas associadas à divisão celular. 177 FARMACOLOGIA Tendo em vista o processo de interação do fármaco com seus receptores celulares no microrganismo, pode ser estabelecido uma relação simples da ação dos antimicrobianos com a resistência a esse agente: caso a molécula não passe pela parede celular ou não consiga interagir com seu alvo molecular, não ocorrerá a iniciação das reações químicas intracelulares que levam à morte da bactéria. Assim, veremos que as ferramentas celulares utilizadas pela bactéria para reduzir a presença de antimicrobianos dentro de sua célula ou impedir a interação do fármaco com suas estruturas celulares envolvem basicamente quatro mecanismos: a alteração da permeabilidade da membrana celular aos antimicrobianos; a presença de mecanismos para a expulsão (efluxo) dos antimicrobianos do meio intracelular; a alteração dos alvos moleculares intracelulares; e a alteração da molécula dos fármacos, dentro ou fora das células. Cada um desses processos será discutido a seguir e apresenta‑se ilustrado na figura: ATM ATM ATM ATM Parede bacteriana Membrana bacteriana ATM = antimicrobiano DNA bacteriano Célula bacteriana Alteração do sítio de ação Bomba de efluxo Mecanismo enzimáticoAlteração de permeabilidade Mecanismos de resistência bacteriana ATM ATM Plasmideo Genes de resistência Figura 83 – Mecanismos celulares de resistência bacteriana aos antimicrobianos Observação A identificação do mecanismo de resistência dos microrganismos aos antimicrobianos permite alteração da estratégia terapêutica medicamentosa e o desenvolvimento de novas drogas às quais os microrganismos não sejam resistentes. 5.3.1.1 Alteração de permeabilidade da membrana celular A redução da quantidade de droga no interior da célula bacteriana pode ser obtida por meio de dois mecanismos: a expulsão do fármaco por bombas de efluxo e pela alteração de seletividade da parede celular para a entrada de compostos na célula. 178 Unidade II A permeabilidade da parede celular constitui um fator essencial para que o antimicrobiano tenha o efeito desejado, seja ele bactericida, ou seja, bacteriostático. Em células de bactérias classificadas como gram‑negativas, há a presença de uma membrana interna constituída por fosfolípidos e uma membrana externa constituída por lipídeos. Por conta dessa constituição, a penetração do fármaco ocorre de forma lenta, utilizando uma espécie de filtração – a passagem pela membrana ocorre por meio das porinas, canais na membrana seletivos para a entrada de compostos hidrofílicos. Portanto, fármacos hidrofílicos dependem da passagem por essas porinas para chegar ao interior da célula. Contudo, mediante alterações nas estruturas (tamanho) das porinas e na seletividade dessas estruturas ou alterações quantitativas (número de porinas na parede celular), ocorrerá o impedimento da passagem do fármaco para o interior da célula, impossibilitando assim sua atividade antimicrobiana. 5.3.1.2 Bombas de efluxo A retirada de antimicrobianos do interior das células ocorre através de um processo mediado por proteínas encontradas na parede das células bacterianas. Essas proteínas podem ser ativadas como um processo de detoxificação celular frente à presença de compostos xenobióticos (compostos estranhos ao organismo). Desse modo, todo e qualquer fármaco encontrado no interior da célula bacteriana poderá ser reconhecido como um composto xenobiótico e será expulso da célula bacteriana. Em outras palavras, uma molécula que entrou na célula e se encontra no meio intracelular será reconhecida por essas proteínas, e o composto serátransportado para fora da célula. A esse processo damos o nome de efluxo, caracterizando assim essas estruturas proteicas na parede celular como bombas de efluxo. Apesar de as bombas de efluxo representarem um mesmo desfecho de inefetividade dos antimicrobianos, são moléculas com diferentes características estruturais e de funcionamento, sendo divididas em cinco classes de transportadores: adenosine triphosphate binding cassette (ABC), a qual atua mediante gasto de energia (hidrólise de ATP); superfamília dos facilitadores principais (MFS); efluxo de compostos tóxicos e múltiplas drogas (MATE); superfamília de divisão celular de nodulação de resistência (RND); e pequena resistência a múltiplas drogas (SMR) sendo a MFS, a MATE, a RND e a SMR proteínas que atuam mediante a troca de prótons. Lembrete Entende‑se por xenobióticos os compostos exógenos estranhos ao organismo, de modo que o organismo visa à excreção dessas moléculas. 5.3.1.3 Alteração de alvos moleculares Esse processo de resistência bacteriana pode ser adquirido por meio de mutações nos genes responsáveis pela codificação das estruturas celulares que são alvos para a ligação dos antimicrobianos. Com tais mutações, poderá ocorrer uma alteração na conformação espacial dos receptores e/ou na 179 FARMACOLOGIA sua composição química, conduzindo a uma alteração das propriedades de interação química entre o fármaco e o receptor. Ainda, poderá ocorrer um processo de anulação da produção dessa molécula que serve como alvo molecular, não havendo então receptor para a droga. As bactérias, por exemplo, podem adquirir um gene que codifica uma nova molécula, a qual pode vir a ser resistente ao antibiótico por não interagir com o fármaco, substituindo o receptor que ali deveria estar. No caso da bactéria Staphylococcus aureus (resistente ao antibiótico oxacilina) e dos microrganismos do tipo estafilococos coagulase‑negativos, a presença do gene Mec A permitiu a produção de uma Proteína de Ligação da Penicilina (PLP) mutada, a qual não interage comos β‑lactâmicos (tal como a penicilina), possibilitando assim que essa proteína continue exercendo sua função na parede celular, mantendo a célula íntegra, enquanto as PLPs geralmente são inativadas por antibimicrobianos β‑lactâmicos em organismos que não possuem essa mutação. Assim, podemos concluir que um gene transportado por plasmídeo (moléculas circulares duplas de DNA capazes de se reproduzir independentemente do DNA cromossômico) ou por transposon (genes que se inserem aleatoriamente na região regulatória ou codificante de um gene) acabam permitindo uma nova mutação que leva ao ganho ou perda de função celular. 5.3.1.4 Inativação química da molécula do antimicrobiano Algumas mutações adquiridas pelas bactérias podem codificar a síntese de proteínas com função enzimática, as quais muitas vezes estão associadas com reações químicas que levam à alteração da estrutura química de antibióticos. Uma vez alterada a estrutura de um fármaco, suas propriedades de interação molecular com o alvo na célula também serão modificadas. Por essa razão, bactérias que produzem enzimas com essa capacidade tendem a ser resistentes ao composto químico modificado por essa reação química. Como exemplo, podemos observar as bactérias produtoras de enzimas penicilinases, como as β‑lactamases, enzima responsável pela inativação de antibióticos da classe dos β‑lactâmicos. As β‑lactamases promovem uma reação de hidrólise na ligação amida do anel beta‑lactâmico, destruindo dessa forma o grupo químico farmacofórico da molécula – estrutura pela qual os antimicrobianos β‑lactâmicos interagem com as PLPs bacterianas, impedindo que elas exerçam sua função celular de estruturação da parede celular, e desempenham um efeito antibacteriano. As β‑lactamases são na verdade uma classe de enzimas diferentes, codificadas através de plasmídeos ou transposons, podem ocorrer em bactérias de forma constitutiva (já presente em seu material genético) ou induzida (por meio da aquisição de uma mutação). A resistência verificada em cepas de S. aureus à penicilina é mediada por um tipo de enzima β‑lactamase induzida, adquirida por meio de um plasmídeo. Como estratégia para a reversão dessa atividade enzimática, foram desenvolvidos β‑lactâmicos inativadores das β‑lactamases, inibindo a resposta de resistência bacteriana e reestabelecendo a atividade antibacteriana. Podemos citar como exemplo compostos como o ácido clavulânico, o sulbactam e o tazobactam, os quais usualmente são combinados com penicilinas, permitindo assim um sinergismo capaz de possibilitar a efetividade no tratamento antibacteriano em inúmeras cepas tipicamente resistentes aos antimicrobianos β‑lactâmicos. 180 Unidade II 5.3.2 Estratégias gerais para evitar e reverter o surgimento da resistência aos agentes antimicrobianos Em virtude das estatísticas atuais, em que são verificadas cerca de 700 mil mortes anuais por conta de infecções por microrganismos resistentes, bem como pelas perspectivas de agravamento desse quadro (O’NEILL, 2014). O primeiro‑ministro britânico encomendou junto ao economista Jim O’Neill uma revisão sobre os impactos econômicos e sociais da resistência bacteriana, a qual foi publicada em dezembro de 2014. Nessa revisão, foram delineadas metas de cunho político e econômico delineando estratégias para o enfrentamento desse problema. Esse documento endossado pela OMS apresenta‑se como um guia para superar essa problemática e exibe algumas estratégias para alcançar alguns objetivos, as quais envolvem dois grandes eixos, listados a seguir (O’NEILL, 2014). A redução de fatores causadores da resistência bacteriana compreende: • uma campanha massiva de conscientização pública global; • melhora de aspectos relacionados à higiene, visando evitar a propagação das infecções; • redução do uso desnecessário de antimicrobianos na agricultura e sua disseminação no meio ambiente; • melhora da vigilância global da resistência a antimicrobianos e monitoramento do consumo de antimicrobianos em humanos e animais; • promoção de melhoras nos processos de diagnóstico das infecções, agilizando‑os e reduzindo o uso desnecessário de antibióticos; • promoção do desenvolvimento e uso de vacinas e alternativas menos propensas à resistência; • melhora dos investimentos e reconhecimento de pesquisadores trabalhando com estudos sobre as doenças infecciosas; • elevação da oferta (número) de medicamentos antimicrobianos eficazes para combater infecções que se tornaram resistentes aos medicamentos já existentes; • estabelecimento de um fundo global de inovação para pesquisas básicas e sem uma finalidade comercial; • melhora de incentivos para promover o investimento em novos medicamentos antimicrobianos por parte da indústria farmacêutica e melhora dos medicamentos já existentes. 181 FARMACOLOGIA Podemos entender, então, que, enquanto profissionais de saúde, devemos ter o objetivo de promover práticas com foco em aspectos técnicos que não permitam o desenvolvimento de resistência aos agentes antimicrobianos através do uso racional e bem orientado da medicação antimicrobiana. Podemos citar políticas com foco na biossegurança dos profissionais que atuam em ambientes propensos a maior presença de microrganismos patogênicos, bem como no descarte adequado de material biológico, bem como no descarte de compostos com atividade antimicrobiana (por exemplo, antibióticos vencidos), conforme legislação vigente. Ainda, o estabelecimento de critérios mais rigorosos por parte dos profissionais prescritores na decisão do antimicrobiano mais adequado para a situação, bem como se a situação realmente demanda uma prescrição de antimicrobiano. Para isso, é necessário compreender as características farmacológicas dos agentes antimicrobianos, bem como os parâmetros farmacocinéticos e farmacodinâmicos essenciais para que seja possível uma escolha mais precisa do agente farmacológico a ser utilizado,