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CURSOS DE ATUALIZAÇÃO EXAMES LABORATORIAIS DE SANGUE 2020 © Todos os direitos autorais desta obra são reservados e protegidos à Editora Sanar Ltda. pela Lei nº 9.610, de 19 de Fevereiro de 1998. É proibida a duplicação ou reprodução deste volume ou qualquer parte deste livro, no todo ou em parte, sob quaisquer formas ou por quaisquer meios (eletrônico, gravação, fotocópia ou outros), essas proibições aplicam-se também à editoração da obra, bem como às suas características gráficas, sem permissão expressa da Editora. Exames Laboratoriais de Sangue Karen Nina Nolasco Microart Design Editorial Fabrício Sawczen Microart Design Editorial Caio Vinicius Menezes Nunes Paulo Costa Lima Sandra de Quadros Uzeda Silvio Jose Albergaria da Silva Título | Editor | Diagramação| Projeto gráfico e capa | Revisor Ortográfico | Conselho Editorial | Editora Sanar S.A R. Alceu Amoroso Lima, 172 - Salvador Office & Pool, 3ro Andar - Caminho das Árvores CEP 41820-770, Salvador - BA Tel.: 0800 337 6262 atendimento@sanar.com www.sanarsaude.com Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Tuxped Serviços Editoriais (São Paulo-SP) Ficha catalográfica elaborada pelo bibliotecário Pedro Anizio Gomes CRB-8 8846 M386e Martins, Andreza Patricia. Exames Laboratoriais de Sangue / Andreza Patricia Martins e Bruna Oliveira.– 1. ed.– Salvador, BA : Editora Sanar, 2020. 100 p.; il. E-Book: 1400 kB; PDF. Inclui bibliografia. ISBN 978-65-87930-33-6 1. Exames Laboratoriais. 2. Farmácia. 3. Sangue. I. Título. II. Assunto. III. Martins, Andreza Patricia. IV. Oliveira, Bruna. CDD 612.11 CDU 612.11 ÍNDICE PARA CATÁLOGO SISTEMÁTICO 1. Medicina: Sangue, circulação sanguínea. 2. Medicina: Sangue. REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA MARTINS, Andreza Patricia; OLIVEIRA, Bruna. Exames Laboratoriais de Sangue. 1. ed. Salvador, BA: Editora Sanar, 2020. EBook (PDF, 1400 kB). ISBN 978-65-87930-33-6. AUTORES ANDREZA PATRICIA MARTINS Biomédica pela Universidade Federal do Es- tado do Rio de Janeiro (UNIRIO). Mestre em Química Biológica pelo Instituto de Bioquí- mica Medica (IBQM) da Universidade Fede- ral do Rio de Janeiro (UFRJ). Atuou como pesquisadora na área de virologia e diagnós- tico molecular na UFRJ e Instituto Fernandes figueira (IFF/FIOCRUZ). Atuou como pesqui- sadora e lecionou nos cursos de Farmácia, Medicina, Biomedicina, Nutrição, Educação Física, Fisioterapia, Psicologia e Estética na Universidade Católica, UNIFTC, UNIFACS e Estácio/FIB em Salvador/BA. Ministra há 15 anos as disciplinas de Fisiologia, Bioquími- ca, Fisiopatologia, Hematologia, Patologia, Sistema Nervoso, entre outras. Atualmente participa do quadro de professores da Sanar. BRUNA OLIVEIRA Bacharel em Biomedicina pela Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública (EB- MSP). Mestre e Doutoranda em Patolo- gia Humana pela Universidade Federal da Bahia/FIOCRUZ. APRESENTAÇÃO Caros alunos, Esta publicação destina-se principalmente aos profissionais do campo de Farmácia e foi elaborado com o intuito de trazer novidades na área de diag- nóstico laboratorial com embasamento científico. O objetivo maior é apresentar o diagnóstico baseado em evidências, bem como a importância dos exames laboratoriais para o esclarecimento de di- versas patologias. Bons estudos! SUMÁRIO 1. DESVENDANDO OS EXAMES LABORATORIAIS DE SANGUE 10 1.1 O que são exames laboratoriais? 10 1.2 As fases dos exames laboratoriais 10 1.3 Sensibilidade e especificidade – qual a importância desses parâmetros dentro de um laboratório de análise? 11 1.4 Biossegurança 11 1.5 Amostras biológicas 12 1.6 Como é feita a coleta de sangue 12 1.7 Quais os principais interferentes, e como estes que podem influenciar no resultado de um exame laboratorial 14 2. EXAMES LABORATORIAIS NA IDENTIFICAÇÃO DE DISTÚRBIOS RENAIS 16 2.1 Função homeostática renal 16 2.2 Provas de função renal 16 2.3 Dosagem de ácido úrico 19 2.4 Insuficiência Renal Aguda (IRA) 19 2.5 Doença Renal Crônica (DRC) 21 3. EXAMES LABORATORIAIS PARA A IDENTIFICAÇÃO DE ARBOVIROSES (DENGUE, ZIKA E CHIKUNGUNYA) 23 3.1 Arboviroses 23 3.2 Dengue 23 3.3 Zika 25 3.4 Chikungunya 26 4. EXAMES LABORATORIAIS PARA IDENTIFICAR SARS- COV-2 (COVID-19) 28 4.1 Diagnóstico laboratorial COVID-19 28 4.2 Testes utilizados no diagnóstico da COVID-19, principais diferenças e restrições 29 4.3 Alguns questionamentos 30 SUMÁRIO 5. EXAMES LABORATORIAIS PARA IDENTIFICAÇÃO E ACOMPANHAMENTO DO PACIENTE HIV POSITIVO 32 5.1 HIV 32 5.2 Diagnóstico do HIV 32 5.3 Monitoramento da Infecção pelo HIV 33 6. DIAGNÓSTICO LABORATORIAL E EXAMES DE ROTINA NA DIABETES 35 6.1 Definição 35 6.2 Controle da glicemia 35 6.3 Classificação 36 6.4 Critérios de diagnóstico 37 6.5 Exames de rotina 38 6.6 Metas laboratoriais para o tratamento adequado 39 7. EXAMES LABORATORIAIS PARA IDENTIFICAR E ACOMPANHAR DOENÇAS CARDÍACAS ISQUÊMICAS 41 7.1 IAM: definição 41 7.2 Diagnóstico laboratorial do IAM 41 8. EXAMES LABORATORIAIS NA IDENTIFICAÇÃO DAS HEPATOPATIAS 45 8.1 Provas de função hepática 45 8.2 Marcadores enzimáticos 45 8.3 Marcadores não enzimáticos 46 9. EXAMES LABORATORIAIS NA IDENTIFICAÇÃO DE DISTÚRBIOS PANCREÁTICOS 48 9.1 Doenças pancreáticas 48 9.2 Pancreatite aguda e crônica 48 9.3 Câncer de pâncreas 50 9.4 Insuficiência pancreática 51 SUMÁRIO 10. EXAMES LABORATORIAIS REALIZADOS NO PRÉ- NATAL 52 10.1 Pré-natal 52 10.2 Exames realizados no pré-natal 52 11. EXAMES LABORATORIAIS NOS DESEQUILÍBRIOS ÁCIDO-BASE DE ORIGEM RESPIRATÓRIA E METABÓLICA 57 11.1 pH x homeostasia 57 11.2 Tipos de desequilíbrio ácido-base 57 11.3 Acidose e alcalose respiratória 58 11.4 Acidose e alcalose metabólica 58 11.5 Mecanismos regulatórios 59 12. EXAMES LABORATORIAIS NA IDENTIFICAÇÃO DA APLV (ALERGIA À PROTEÍNA DO LEITE DE VACA) 60 12.1 Alergia à proteína do leite de vaca (APLV) 60 12.2 Diagnóstico clínico-laboratorial 61 13. EXAMES LABORATORIAIS NO ACOMPANHAMENTO DO PACIENTE SINTOMÁTICO COM ANEMIA FALCIFORME 63 13.1 Doença falciforme 63 13.2 Diagnóstico da anemia falciforme 64 14. EXAMES LABORATORIAIS PARA IDENTIFICAR E DIFERENCIAR AS MENINGITES VIRAIS DAS BACTERIANAS 65 14.1 O que é meningite? 65 14.2 Diagnóstico laboratorial das meningites 65 14.3 Diagnóstico laboratorial da meningite bacteriana 66 14.4 Diagnóstico laboratorial de meningites virais 67 14.5 Diagnóstico laboratorial de outras meningites 68 14.6 Diagnóstico diferencial das meningites virais, bacterianas e fúngicas: principais diferenças nos testes 70 SUMÁRIO 15. EXAMES LABORATORIAIS PARA IDENTIFICAR A TUBERCULOSE PULMONAR 72 15.1 Tuberculose 72 15.2 Diagnóstico laboratorial da tuberculose 73 16. EXAMES LABORATORIAIS UTILIZADOS PARA A IDENTIFICAÇÃO DAS DOENÇAS SEXUALMENTE TRANSMISSÍVEIS (DST) 76 16.1 O que são Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs)? 76 16.2 Principais agentes infecciosos transmitidos pelo sexo e as doenças por eles causadas 77 16.3 Diagnóstico das IST 78 17. EXAMES LABORATORIAIS PARA A IDENTIFICAÇÃO DAS DISLIPIDEMIAS 82 17.1 Dislipidemias 82 17.2 Lipoproteínas 82 17.3 Transporte de lipídeos no plasma 83 17.4 Fisiopatologia das dislipidemias primárias 83 17.5 Dislipidemias secundárias 84 17.6 Valores de referência, conforme avaliação do risco cardiovascular estimado, para adultos acima de 20 anos 84 18. EXAMES LABORATORIAIS PARA A IDENTIFICAÇÃO E ACOMPANHAMENTO DE DOENÇAS TIREOIDIANAS 86 18.1 Tireoide 86 18.2 Hipertireoidismo 87 18.3 Hipotireoidismo 87 19. EXAMES LABORATORIAIS MAIS UTILIZADOS NA TOXICOLOGIA OCUPACIONAL 89 19.1 Intoxicação 89 19.2 Toxicologia ocupacional 89 19.2 Principais agentes ou fatores de risco químico-ocupacional 90 19.3 Métodos analíticos 90 SUMÁRIO 20. EXAMES LABORATORIAIS MAIS RELEVANTES NA TOXICOLOGIA ANALÍTICA 92 20.1 Toxicologia analítica 92 20.2 Métodos analíticos 93 REFERÊNCIAS 94 10Exames Laboratoriais de Sangue 1Desvendando os exames laboratoriais de sangue 1.1 O QUE SÃO EXAMES LABORATORIAIS? Os exames laboratoriais são realizados em laboratórios de análise clínica, vi-também auxiliar o diagnóstico de doenças hemolíticas e de doenças hepáticas. Ela é originada do metabolismo do heme da hemo- globina. 47Exames Laboratoriais de Sangue A icterícia refere-se à tonalidade amarelada dos tecidos corporais, incluindo a coloração amarela da pele e dos tecidos profundos. A causa usual de icte- rícia é a grande quantidade de bilirrubina nos líquidos extracelulares, tanto em sua forma não conjugada como na conjugada. As causas comuns de icterícia podem ser pela destruição aumentada de hemácias, com rápida liberação da bilirrubina no sangue, e decorrente da obstrução dos ductos biliares ou lesão das células hepáticas, de modo que mesmo as quantidades normais de bilirrubina não possam ser excretadas pelo trato gastrointestinal. Os níveis da bilirrubina na icterícia obstrutiva é do tipo conjugado ou bilirru- bina direta, enquanto os níveis de bilirrubina na icterícia hemolítica apresen- ta níveis elevados de bilirrubina não conjugada ou indireta38. O fígado produz proteínas plasmáticas, entre as quais podemos destacar a albumina. A dosagem da albumina sérica pode fornecer informações da função hepática. Tem sido demonstrado que alterações quantitativas na al- bumina (hipoalbuminemia) estão relacionadas à cirrose hepática51. Outro teste utilizado para a avaliação de função hepática é o tempo de pro- trombina (TP) gasto para calcular a razão normalizada internacional (RNI). O fígado sintetiza algumas proteínas necessárias para a coagulação sanguí- nea, denominadas fatores de coagulação sanguínea. Um resultado anormal de TP ou RNI pode significar uma doença aguda ou crônica do fígado. Tanto na doença aguda quanto crônica do fígado a elevação do TP ou RNI geral- mente indica progressão para insuficiência hepática52. 48Exames Laboratoriais de Sangue 9 9.1 DOENÇAS PANCREÁTICAS O pâncreas é uma glândula do aparelho digestivo e é responsável pela pro- dução de enzimas que atuam na digestão dos alimentos e pela insulina, hor- mônio responsável pelo controle da glicemia53. Entre as doenças pancreáticas mais comuns temos a pancreatite ou câncer de pâncreas. Neste capítulo veremos mais sobre essas doenças e como é feito o diagnóstico delas. 9.2 PANCREATITE AGUDA E CRÔNICA A pancreatite aguda é uma doença inflamatória e pode ser associada ou determinada por problemas congênitos, hereditários ou adquiridos, agentes químicos ou traumáticos, bem como infecções, que levam à ativação das enzimas pancreáticas no interior das células acinares54. Suas principais cau- sas são: a passagem de cálculo pelo ducto biliar comum e o excesso de in- gestão de álcool54. O diagnóstico é baseado na presença de dor abdominal e indicadores bio- químicos de lesões pancreáticas. O sintoma inicial, e predominante, é a dor repentina, localizada na região epigástrica, com irradiação para flancos e dorso, apresentando piora com a alimentação ou uso de álcool54,55. A pancreatite crônica, por sua vez, é uma doença que apresenta um quadro inflamatório que causa um dano estrutural e funcional ao pâncreas, sendo muito difícil definir a origem da doença. Exames Laboratoriais na Identificação de Distúrbios Pancreáticos 49Exames Laboratoriais de Sangue O consumo abusivo do álcool é um importante fator predisponente à lesão pancreática. Apesar de menos comum, quadros autoimunes, alterações ge- néticas, hiperlipidemia, hipercalcemia são fatores etiológicos que devem ser considerados. As manifestações mais comuns são a dor crônica, perda de peso, deficiências nutricionais – causadas pela má digestão dos nutrientes – e hiperglicemia. 9.2.1 EXAMES LABORATORIAIS – PANCREATITE Os principais exames laboratoriais no diagnóstico da pancreatite são as do- sagens de amilase e lipase séricas55. A amilase e lipase sérica se elevam logo após o início da inflamação do pân- creas. A amilase sérica reduz rapidamente, retornando à normalidade dentro de 24 horas54,55. A elevação persistente da amilase é indício de complicação. Entretanto, em alguns pacientes, nos quais a pancreatite é letal, a amilase pode estar normal provavelmente pela grande destruição glandular54. Além disso, apesar de a amilase apresentar alta sensibilidade, ela é pouco especí- fica. Algumas situações, como insuficiência renal, parotidite, perfuração eso- fágica e gravidez, podem apresentar aumento da amilase sem a presença de pancreatite55,56. A lipase é o melhor indicador de pancreatite, apresentando alta sensibili- dade e especificidade, visto que ela é detectada vários dias após o início da crise pancreática54,56. Outros achados laboratoriais que apresentam sinais de complicações da pancreatite aguda são leucocitose e hiperglicemia moderada, além do au- mento da Proteína C reativa (PCR) como resultado da resposta inflamatória sistêmica. Ademais, ocorre a elevação da bilirrubina, da fosfatase alcalina e de enzimas hepáticas – AST e ALT – que estão relacionadas com a presença de cálculo biliar54,55. Pode ocorrer também hipocalcemia durante a doença, mas raramente é grave. Níveis de cálcio inferiores a 7,0 mg/dl indicam prog- nóstico ruim. Para o diagnóstico laboratorial da pancreatite crônica são realizados tam- bém os testes de fezes, para a quantificação da gordura e a determinação fecal de elastase-1 (FE-1). Além desses, são pesquisadas mutações associadas à fibrose cística (mutações CFTR) e do tripsinogênio em pacientes com pan- creatite crônica. 50Exames Laboratoriais de Sangue 9.3 CÂNCER DE PÂNCREAS O câncer de pâncreas geralmente desenvolve-se de forma imperceptível, sem causar sintomas, e, na maioria dos casos, é reconhecido clinicamente em estágios muito avançados. Sua evolução é rápida e torna o câncer pan- creático um dos tipos mais letais. A incidência aumenta gradualmente con- forme o avanço da idade53,57. Em sua fase inicial, o câncer pancreático pode se apresentar como um des- conforto, parecido com o de uma má digestão, ou como uma dor abdomi- nal vaga de pequena ou média intensidade, localizada na região epigástrica. Na maioria dos casos essa manifestação só começa a causar preocupação quando outros sinais ou sintomas aparecem, como fraqueza, tontura, diar- reia, perda de peso, de apetite e icterícia, quando ocorre a obstrução do duc- to colédoco53,57. Nos estágios mais avançados, a dor passa a ser o sintoma mais importante. Além disso, dificuldades na digestão de alimentos gordurosos ou aumento de gordura nas fezes indicam obstrução da via biliar53,57. O uso de derivados do tabaco é o principal fator de risco para o desenvolvi- mento do câncer de pâncreas. Ademais, o consumo excessivo de gordura, carnes, bebidas alcoólicas e a exposição a compostos químicos, como sol- ventes e petróleo durante um longo período, também são fatores de risco. Pacientes que sofrem de pancreatite crônica apresentam risco maior de de- senvolver o adenocarcinoma pancreático53,57. 9.3.1 EXAMES LABORATORIAIS – CÂNCER DE PÂNCREAS O antígeno carbohidrato (CA) 19.9 é o marcador mais utilizado para o moni- toramento do tratamento do adenocarcinoma ductal do pâncreas em pa- cientes com níveis elevados antes do tratamento. No entanto, a dosagem de CA 19.9 não é recomendada para rastreio populacional de indivíduos assin- tomáticos, pois, mesmo apresentando alta especificidade e sensibilidade, o valor preditivo positivo é extremamente baixo58. Outros biomarcadores também têm sido investigados como CECAM-1, Span- 1, DUPAN-2, Alpha4GnT, PAM4 e biomarcadores combinados com CEA e CA 242, mas nenhum demonstrou precisão diagnóstica suficiente para ser usa- do como um teste de triagem59. A medição dos níveis elevados de amilase parece ser um novo marcador do prognóstico negativo em pacientes com câncer de pâncreas60. 51Exames Laboratoriais de Sangue 9.4 INSUFICIÊNCIA PANCREÁTICA A insuficiência pancreática pode ser definida como uma redução na ativida- de das enzimas pancreáticas no lúmen intestinal, a um nível que está abaixo do limite necessário para manter a digestão normal. Essa insuficiência podeacarretar manifestações clínicas como esteatorreia, perda de peso e altera- ções bioquímicas, relacionadas à má absorção e à má digestão de micronu- trientes lipossolúveis61,62. Doenças do parênquima pancreático, como pancreatite crônica, fibrose cís- tica e estado pós-pancreatite aguda necrosante, são as causas mais comuns de insuficiência pancreática. No entanto, também pode ser provocada por circunstâncias extrapancreáticas, a exemplo da diabetes61,62. 9.4.1 EXAMES LABORATORIAIS – INSUFICIÊNCIA PANCREÁTICA A determinação dos níveis de elastase-1 fecal é o teste indireto mais utilizado para a avaliação da função pancreática exócrina. A elastase-1 é uma enzima proteolítica produzida pelas células acinares pancreáticas, que se liga aos sais biliares e passa pelo intestino com leve degradação, sendo, portanto, detectada nas fezes. Ela é altamente estável nas fezes por até uma semana em temperatura ambiente e por um mês quando armazenado a 4°C, tor- nando a conservação mais simples. O único cuidado é que a medição deve ser realizada em fezes sólidas, pois as fezes líquidas podem estar associadas a resultados falso-positivos61. A sensibilidade desse teste é bastante alta para casos de insuficiência mode- rada a grave e tem especificidade de 93%. Esse ensaio demonstrou também ser uma ferramenta útil de triagem para disfunção exócrina em pacientes com FC, diabetes mellitus e cálculos biliares61. A dosagem dos níveis séricos de tripsinogênio não é específica para o diag- nóstico da insuficiência pancreática e, embora sua sensibilidade seja alta para casos avançados, apresenta baixa sensibilidade em caso de insuficiên- cia leve61. A quimiotripsina é outro produto enzimático da secreção pancreática que pode ser dosada em amostras fecais e é utilizada na abordagem diagnóstica da insuficiência pancreática. Entretanto, a especificidade da quimiotripsina fecal é menor em comparação com FE-161. 52Exames Laboratoriais de Sangue 10 10.1 PRÉ-NATAL Durante a gestação ocorrem diversas alterações fisiológicas, devendo estas ser acompanhadas por profissionais. A realização dos exames pré-natal é ca- paz de identificar, o mais brevemente possível, fatores de risco que possam se sobrepor a tais alterações e comprometer o bem-estar materno-fetal63. A realização do pré-natal adequado é essencial para a redução da morbi- mortalidade materna e neonatal. A possibilidade de evitar a mortalidade materna oscila entre 90 e 95%. Além disso, o pré-natal fornece assistência à mulher durante a gestação, parto e puerpério, prevenindo mortes e compli- cações como doenças hipertensivas (24% das mortes maternas), hemorra- gia, sepses, além de permitir a indicação correta de cesarianas63. 10.2 EXAMES REALIZADOS NO PRÉ-NATAL Na primeira consulta pré-natal é realizado o rastreamento de anemias, dia- betes gestacional, infecções, exames de urina e fezes e exame ginecológico. Diversas modificações fisiológicas ocorrem durante a gravidez, entre elas o aumento do volume plasmático e dos eritrócitos, resultando em hemodilui- ção. Como consequência, observa-se uma redução da hemoglobina (HB) e do hematócrito (HT), induzindo à suplementação indiscriminada de ferro. A Organização Mundial de Saúde (OMS) estabelece o limite de 11 g/dL para cada HB, independentemente da idade gestacional. Ainda não há evidên- cias suficientes para recomendar a dosagem rotineira de HT e HB e para indicar ou excluir a suplementação profilática de ferro durante a assistência pré-natal64. Exames Laboratoriais Realizados no Pré-Natal 53Exames Laboratoriais de Sangue Como observamos anteriormente, algumas gestantes podem apresentar diabetes durante a gestação. O diabetes mellitus (DM) é uma doença ca- racterizada principalmente por alterações no metabolismo dos carboidra- tos. Quando ocorre durante a gestação, recebe o nome de diabetes mellitus gestacional (DMG), definido como qualquer grau de intolerância à glicose com início ou primeiro reconhecimento na gravidez. Segundo a Associação Americana de Diabetes (ADA), uma parcela significativa das mulheres gesta com DM tipo 2 (DMT2) e uma parte bem menor inicia quadro de DM tipo 1 (DMT1) durante ou logo após a gestação64. É de extrema importância a investigação da presença de diabetes na ges- tação porque esse quadro pode aumentar o risco de danos fetais, varian- do de acordo com o grau de hiperglicemia e a época em que o distúrbio metabólico ocorre. Quando a hiperglicemia acontece durante o período de embriogênese, pode determinar malformações congênitas graves. Quando a hiperglicemia se instala na fase tardia da gestação, pode levar à hipoglice- mia e ao aumento da necessidade de cesarianas, bem como ao maior risco de desenvolver doenças crônicas na infância e na vida adulta jovem, como obesidade, diabetes, doença cardiovascular, entre outras64. No Brasil, o Ministério da Saúde recomenda o rastreamento universal do dia- betes gestacional com a avaliação da glicemia de jejum na primeira consul- ta e na 20ª semana. O diagnóstico do diabetes gestacional é realizado com o uso do teste oral de tolerância à glicose (TOTG), sendo a glicemia dosada antes (em jejum) e depois (uma, duas e três horas) da administração de so- brecarga de glicose64. Existem diversos testes realizados durante o pré-natal de marcadores bio- químicos com o intuito de identificar o mais precocemente possível as ges- tantes com maior risco de desenvolver pré-eclâmpsia. Entre os marcadores pesquisados destacam-se: fibronectina, alfa-fetoproteína, gonadotrofina coriônica humana, PAPP-A, glicoproteína da placenta, inibina A e ativina A, sFlt1 (Soluble fms-like tyrosine kinase-1), PIGF (fator de crescimento placen- tário) e endoglina solúvel e proteína placentária 13 (PP13). Entretanto, novos estudos com esses marcadores precisam ser desenvolvidos com o objetivo de avaliar a relevância clínica de cada teste, não existindo, até o momento, evidências que justifiquem seu uso na prática clínica diária64. Outros testes laboratoriais podem fornecer informações sobre malforma- ções fetais e doenças genéticas. A translucência nucal (TN), com a dosagem das concentrações séricas maternas da fração livre do β-hCG e da proteína 54Exames Laboratoriais de Sangue plasmática A associada à gestação (PAPP-A), está relacionada à síndrome de Down, e a taxa de detecção chega até 90%64. Além dessas investigações, é realizado o rastreamento de diversas infecções por meio de sorologias para doenças que podem fornecer danos ao feto e que podem ser transmitidas por via placentária. Tem-se o exemplo da sífilis congênita, que pode causar graves danos, incluindo aborto e malformações, além de alta morbimortalidade para o RN acometido, podendo evoluir com complicações precoces e tardias65. A sorologia para a toxoplasmose também deve ser requisitada em razão do risco de transmissão vertical e do perigo à saúde fetal65. A infecção materna pelo citomegalovírus, que pode ser primária ou recor- rente (por reativação viral), sendo a chance de infecção congênita maior nos casos de infecção primária, fornece o risco de malformações no feto. Quan- to mais precoce a contaminação do feto, maior a probabilidade de malfor- mações e pior o prognóstico. Não há tratamento eficaz disponível, sendo as ações do rastreamento voltadas para a prevenção da contaminação65. A sorologia da rubéola também faz parte do rastreamento realizado no pré- -natal. O risco de dano ao feto em mães infectadas é muito alto, acometendo principalmente o desenvolvimento do sistema auditivo e cardíaco. O período associado a uma chance maior de sequelas aparece entre a quarta e a oitava semanas, e após a 20ª semana geralmente não ocorrem mais as sequelas65. A sorologia de hepatite B também é solicitada, sendo realizada a pesquisa do antígeno de superfície (AgHBs). O rastreamento reduz substancialmente a transmissão vertical e o consequente desenvolvimento de hepatite crônica pelo RN – um quadro que pode evoluir para cirrose e carcinoma hepatoce-lular. A transmissão vertical ocorre geralmente durante o parto, por meio do contato com líquido amniótico, sangue ou secreções maternas. A pesquisa de hepatite B durante a gravidez também é recomendada, devendo ser feita próximo à 30ª semana65. Outro exame solicitado é a pesquisa de HIV, devendo ser realizado o mais precocemente possível. Evidências mostram que o rastreamento associado a medidas profiláticas reduz efetivamente a transmissão vertical do HIV, que pode ocorrer durante a gestação, durante o trabalho de parto, no parto e no pós-parto (amamentação)65. O exame de urina também é muito importante no pré-natal. As mudanças fisiológicas verificadas no trato urinário decorrentes da gravidez tornam o 55Exames Laboratoriais de Sangue desenvolvimento de infecção urinária mais propício devido à redução do pe- ristaltismo associada à compressão extrínseca dos ureteres e à diminuição do tônus vesical, que podem levar à estase urinária, facilitando o refluxo vesi- coureteral e aumentando o risco de pielonefrite. A presença de infecção uri- nária durante a gestação eleva o risco de trabalho de parto, parto prematuro, amniorrexe prematura e sepse neonatal65. Além desses, são realizadas a colpocitologia oncótica e a pesquisa de infec- ções vaginais e cervicais, como a pesquisa de Streptococus β-haemolyticus do grupo B, que fornece risco de infecção para o RN. Dessa forma, a investi- gação é importante, principalmente, para a profilaxia com antibióticos du- rante o parto. No caso de clamídia, quando presente durante a gravidez e o parto, pode causar pneumonia e infecção ocular no RN, além de aumentar o risco de aborto, parto prematuro, amniorrexe e infecção puerperal65. Portanto, além das mudanças fisiológicas que ocorrem durante a gestação e com o aumento da prevalência de diabetes e das doenças sexualmente transmissíveis, é importante entender a respeito de quais exames são neces- sários e em que período da gestação devem ser realizados, visando cuidar da saúde tanto da mãe como do bebê. Quadro 7 – Recomendações de testes e procedimentos65 IDADE GESTACIONAL EXAMES Primeira consulta Hematócrito e hemoglobina Urinálise (sumário e urocultura) Tipagem sanguínea e Rh Rastreamento de sífilis Sorologia para rubéola Citologia cervical Rastreamento para AIDS (ELISA anti-HIV) Rastreamento para o vírus da hepatite B Coombs indireto nas pacientes com Rh ne- gativo não sensibilizadas 10 a 13 semanas Ultrassonografia com avaliação da translu- cência nucal 20 a 24 semanas Ultrassonografia morfológica 56Exames Laboratoriais de Sangue IDADE GESTACIONAL EXAMES 26 a 28 semanas Pesquisa de diabetes (critérios de risco) Repetir hematócrito e hemoglobina 28 semanas Repetir Coombs indireto nas pacientes com Rh negativo não sensibilizadas Repetir sorologia para Sífilis 35 a 37 semanas Pesquisa de Streptococcus β-haemolyticus 57Exames Laboratoriais de Sangue 11 11.1 pH X HOMEOSTASIA A manutenção do pH dentro da faixa de normalidade é fundamental para o funcionamento do sistema biológico, propiciando a manutenção de equilí- brio de todos os eletrólitos e, consequentemente, da homeostasia. O pH normal do sangue oscila entre 7,34 e 7,44. No entanto, quando há um aumento das concentrações de íons H+, o pH se apresenta abaixo de 7,34, configurando a acidose. Se houver, no entanto, a diminuição de íons H+, o pH se apresenta acima de 7,44, caracterizando a alcalose66. Graves alterações do equilíbrio ácido-base são potencialmente críticas, po- dendo causar várias disfunções orgânicas. Algumas manifestações clínicas podem incluir edema cerebral, fraturas, diminuição da contratilidade mio- cárdica, vasoconstrição pulmonar, vasodilatação sistêmica, entre outras66. O organismo tem mecanismos regulatórios para manter o pH em limites compatíveis com os processos vitais, como o sistema tampão, componente respiratório e componente renal66. Neste capítulo, serão abordados os tipos de desequilíbrio ácido-base, como diagnosticar cada um deles e os mecanismos regulatórios. 11.2 TIPOS DE DESEQUILÍBRIO ÁCIDO-BASE Existem quatro alterações primárias do equilíbrio ácido-base66: ▶ Acidose metabólica: ocorre quando o HCO3 - diminui ou quando a con- centração de H+ aumenta. Exames Laboratoriais nos Desequilíbrios Ácido-Base de Origem Respiratória e Metabólica 58Exames Laboratoriais de Sangue ▶ Alcalose metabólica: ocorre quando o HCO3 - estiver elevado ou quando há uma perda de H+. ▶ Acidose respiratória: quando ocorre aumento da pCO2. ▶ Alcalose respiratória: quando a pCO2 for reduzida. 11.3 ACIDOSE E ALCALOSE RESPIRATÓRIA Na acidose respiratória acontece o acúmulo de pCO2. A gasometria apre- senta pH 40 e HCO3 + > 24. É observado que nesse caso ocorre a acidose, com o aumento do bicarbonato sérico, na tentativa de compensar o aumento da pCO2 67. Já a alcalose respiratória é provocada pela diminuição de pCO2 e são en- contradas as seguintes alterações na gasometria: pH >7,4, pCO2 7,4, HCO >24 e pCO2 >40 mmHg, em que pCO2 está elevado para compensar o aumento de bicarbonato67. As principais causas da acidose metabólica são a ingestão excessiva de áci- dos, perdas excessivas de bases e produção de ácidos, como o que ocorre na diarreia intensa, obstrução intestinal com secreção intestinal de bases, nefrite aguda com redução da quantidade excretada dos produtos do me- tabolismo (uremia), diabetes mellitus e acidose lática. 59Exames Laboratoriais de Sangue Por sua vez, a alcalose metabólica tem como causas a ingestão excessiva de bases, perdas excessivas de ácidos, como ocorre no uso inadequado do bicarbonato de sódio, vômito excessivo de conteúdo gástrico, torção do abo- maso, torção do estômago com sequestro de ácidos. 11.5 MECANISMOS REGULATÓRIOS Os mecanismos regulatórios podem ser de três tipos: sistema tampão, regu- lação respiratória e regulação renal66. O sistema tampão é a primeira linha de defesa para variações do pH e ocorre instantaneamente em resposta a alterações ácido-base. É constituído pelo bicarbonato (HCO3 +), ossos, hemoglobina, proteínas plasmáticas e intracelu- lares. Essas substâncias são capazes de doar ou receber íons H+, minimizan- do alterações do pH, e têm por objetivo deslocar a reação para maior produ- ção de CO2 e água, que podem ser eliminados pela respiração66. O controle pulmonar regula a concentração de CO2 sanguíneo por meio de sua eliminação ou retenção na acidose e alcalose, respectivamente. O con- trole respiratório é exercido por variações na concentração de íons H+ sobre o bulbo. O componente pulmonar inicia-se minutos após a alteração ácido- -base, sendo o segundo componente na linha de defesa para variações do pH66. Os rins controlam o equilíbrio ácido-base ao excretarem urina ácida ou bási- ca por meio da reabsorção ou regeneração do bicarbonato. O componente renal é o terceiro na linha de defesa contra alterações do equilíbrio ácido-ba- se, levando horas a dias para agir, e é o maisduradouro de todos os meca- nismos regulatórios66. 60Exames Laboratoriais de Sangue 12 12.1 ALERGIA À PROTEÍNA DO LEITE DE VACA (APLV) As reações adversas aos alimentos incluem qualquer reação anormal ocorri- da, durante ou após, sua ingestão e podem ser classificadas em intolerâncias ou alergias alimentares. A alergia alimentar (AA) é uma reação imunológica, na qual estão envolvidas as imunoglobulinas E e/ou as células T, contra um antígeno alimentar específico, enquanto a intolerância alimentar acontece devido a componentes tóxicos ou químicos de alimentos, ou em razão de outras substâncias do próprio organismo do indivíduo, por exemplo, a defi- ciência da enzima lactase na intolerância à lactose.68,69. A alergia à proteína do leite de vaca (APLV) é o tipo de alergia alimentar mais comum nas crianças e é caracterizada pela reação do sistema imunológico às proteínas do leite, principalmente à caseína e às proteínas do soro (alfa- -lactoalbumina e beta-lactoglobulina)68,69. Os mecanismos imunológicos da APLV são classificados em: mediados por IgE, não mediados ou mistos. Nos casos de APLV mediada por IgE, as ma- nifestações clínicas são imediatas e, em geral, caracterizam-se por reações agudas que podem envolver mais de um sistema ou órgão. Já nos casos de APLV não mediada por IgE os sintomas evidenciam-se tardiamente, ou seja, entre duas horas a dias; nesses casos, as manifestações clínicas mais comuns envolvem o trato gastrointestinal68,69. Exames Laboratoriais na Identificação da APLV (Alergia à Proteína do Leite de Vaca) 61Exames Laboratoriais de Sangue 12.2 DIAGNÓSTICO CLÍNICO-LABORATORIAL O diagnóstico da APLV é realizado com a anamnese e exame físico, dieta de restrição, testes para detecção de IgE específica e pelo teste de provocação oral69. Na dieta de restrição é indicada a eliminação completa das proteínas do lei- te da dieta. Quando a eliminação coincide com a melhora dos sintomas, a reintrodução deve ser orientada para avaliação. Nos casos de APLV mediada por IgE, a reintrodução acaba sendo progra- mada como um teste de provocação oral em ambiente apropriado, uma vez que a chance de reações clínicas é alta69. O teste de provocação oral (TPO) consiste na oferta progressiva do alimento suspeito e/ou placebo, em intervalos regulares, sob supervisão médica para monitoramento de possíveis reações clínicas, após um período de exclusão dietética necessário para resolução dos sintomas clínicos69. Os testes de detecção de IgE específica são realizados tanto in vitro – pela determinação sérica – quanto in vivo, pelo teste cutâneo de hipersensibilida- de imediata69. O teste cutâneo é bastante prático para a pesquisa de sensibi- lização alérgica no consultório, realizado por profissional capacitado. Quanto maior o diâmetro da pápula formada, maior é a probabilidade de o indivíduo apresentar sintomas quando exposto ao alérgeno. A utilização do LV in na- tura parece, quando comparado aos extratos comerciais, conferir maior sen- sibilidade ao teste (96,4%) com alto valor preditivo negativo (98%), enquanto a caseína se mostra o componente proteico com maior especificidade (96%) e valor preditivo positivo (95%)69. É possível mensurar também a IgE específica a diferentes frações protei- cas do leite, como a caseína, alfa-lactoalbumina, beta-lactoglobulina e so- roalbumina bovina. A sensibilização a um componente traz informações adicionais: IgE para caseína em altos níveis se associa à maior persistência do quadro clínico, enquanto as proteínas do soro (alfa-lactoalbumina e be- ta-lactoglobulina) estão mais relacionadas à história clínica com sintomas mais leves. A soroalbumina bovina está presente em alérgicos a leite que reagem também à carne bovina. Entre os métodos disponíveis para a deter- minação dos níveis de IgE sérica específica o mais empregado é o Sistema ImmunoCAP®70. 62Exames Laboratoriais de Sangue A determinação da IgE específica in vitro é muito útil, especialmente quan- do o teste cutâneo está contraindicado, como nos casos de comprometi- mento extenso da pele e/ou uso contínuo de anti-histamínicos69. 63Exames Laboratoriais de Sangue 13 13.1 DOENÇA FALCIFORME A doença falciforme é um conjunto de anomalias hereditárias causadas por uma mutação do gene da hemoglobina, resultando na formação de glóbu- los vermelhos anormais em forma de foice71. Essa condição é caracterizada por anemia, vaso-oclusão e diminuição do flu- xo sanguíneo para os tecidos. A doença falciforme reduz significativamente a expectativa de vida e a qualidade de vida dos indivíduos afetados. Além disso, os indivíduos com doença falciforme têm órgãos principais afetados e também apresentam risco aumentado de desenvolver complicações mus- culoesqueléticas71. A doença falciforme é uma condição genética que ocorre devido a uma mu- tação do gene da cadeia β da hemoglobina, resultando em hemoglobina falciforme anormal. A forma mais grave é a anemia falciforme71. A anemia falciforme é uma doença caracterizada por uma mutação genéti- ca da hemoglobina, a qual ocorre no cromossomo onze que possui no sexto códon a cadeia beta (β), em que ocorre uma troca das bases nitrogenadas do DNA, a timina pela adenina72. As hemácias são responsáveis por transportar o oxigênio para os tecidos. Na anemia falciforme, as hemácias com o formato de “foice” é um fator deter- minante do quadro hemolítico, em função do aumento da fragilidade me- cânica, perda da elasticidade e plasticidade. Com isso, a anemia falciforme apresenta algumas características como icterícia, crises de dor, febre, Aci- dente Vascular Cerebral (AVC)72. Exames Laboratoriais no Acompanhamento do Paciente Sintomático com Anemia Falciforme 64Exames Laboratoriais de Sangue Os indivíduos com a forma de hemoglobina SS de anemia falciforme her- dam dois genes anormais da hemoglobina S – um de cada pai – adquiridos por herança autossômica recessiva71,73. 13.2 DIAGNÓSTICO DA ANEMIA FALCIFORME O diagnóstico da anemia falciforme pode ser feito por meio do hemograma, teste de falcização, teste de solubilidade, dosagem de hemoglobina fetal e hemoglobina A2, focalização isoelétrica, imunoensaio e triagem neonatal72. O diagnóstico confirmatório da doença falciforme é realizado pela detecção da HbS e da sua associação com outras frações, logo, a técnica mais eficaz é a eletroforese de hemoglobina em acetato de celulose ou em agarose72. Os drepanócitos, como são chamadas as hemácias em forma de “foice”, po- dem ser observados no esfregaço sanguíneo corado, podendo ser apenas drepanocitose. A anemia falciforme é considerada grave e pode se apresen- tar de forma normocítico-normocrômica, podendo se tornar até macrocítica com alto grau de anisocitose e poiquilocitose; o RDW estará elevado cerca de 19,5% e a concentração de hemoglobina corpuscular média (CHCM) será normal, os leucócitos estarão elevados – devido às crises de hemólise ou in- fecções – e, além disso, as plaquetas estarão altas72. Ademais, outras alterações laboratoriais comuns na anemia falciforme são o aumento do número de reticulócitos e diminuição da vida média dos eritró- citos. Alterações laboratoriais indicativas de hemólise aumentada também ocorrem, como aumento de bilirrubina indireta, elevação de desidrogenase lática e diminuição da haptoglobina74. A eletroforese capilar ou baseada em gel, cromatografia líquida de alto de- sempenho e focalização isoelétrica são sensíveis na identificação de indiví- duos afetados, mas apresentam limitação para distinguir de forma confiável HbSS de HbS/talassemia β0. No entanto, a maioria dos programas de tria- gem neonatal envolve testes durante a primeira semana de vida – quando a expressão da hemoglobina adulta ainda é baixa –, o que leva a problemas com sensibilidade reduzida75. Novas abordagens que incluem espectrometria de massa, diagnóstico de DNA e análise de sequenciamento de próxima geração têm sido mais utili- zadas. No entanto, esses métodos não estão disponíveis para a maioriados pacientes em regiões de baixa renda devido ao alto custo. Dessa forma, mui- tos desses locais têm empregado o teste de falcização, porém ele não pode distinguir com segurança os portadores dos pacientes afetados75. 65Exames Laboratoriais de Sangue 14 14.1 O QUE É MENINGITE? A meningite é a inflamação das meninges, membranas que envolvem o cé- rebro e a medula espinhal, consistindo em três camadas com propriedades diferentes: a dura-máter (a mais externa), a aracnoide e a pia-máter (a cama- da logo acima do cérebro e do parênquima medular). Abaixo da aracnoide encontra-se o espaço subaracnóideo, onde flui o líquido cefalorraquidiano (LCR)76. Em quase todos os casos de meningite ocorre um aumento no número de leucócitos no LCR e sinais/sintomas clínicos específicos77. A meningite pode ser causada por agentes infecciosos variados, como vírus, bactérias, fungos e parasitas78. Neste capítulo, veremos o diagnóstico dife- rencial entre os diversos tipos de meningite. 14.2 DIAGNÓSTICO LABORATORIAL DAS MENINGITES É realizado por meio de estudo do líquido cefalorraquidiano (LCR), sangue venoso, hemocultura, raspado de lesões petequiais, urina e fezes. Os dois analitos mais utilizados são o sangue e o líquor. Os principais exames para o esclarecimento diagnóstico de casos suspeitos de meningite são: exame quimiocitológico do líquor, bacterioscopia dire- ta (líquor ou soro), cultura (líquor, sangue, petéquias ou fezes), contraimu- noeletroforese cruzada (CIE) (líquor ou soro) e testes imunológicos como a aglutinação pelo látex (líquor ou soro) e o ELISA (ensaio imunoenzimático). Exames Laboratoriais para Identificar e Diferenciar as Meningites Virais das Bacterianas 66Exames Laboratoriais de Sangue O líquor é um ultrafiltrado do sangue formado principalmente pelos plexos coroides. O LCR normal é límpido e incolor, como “água de rocha”. O aumen- to de elementos figurados (células) causa turvação, cuja intensidade varia de acordo com a quantidade e o tipo desses elementos. Sempre que fizer a análise bioquímica do LCR para o diagnóstico diferencial das meningites, é necessário que se tenha em mãos a análise bioquímica dos mesmos anali- tos no sangue, pois, por se tratar de um ultrafiltrado do sangue, seus compo- nentes são semelhantes aos sanguíneos proporcionalmente. 14.3 DIAGNÓSTICO LABORATORIAL DA MENINGITE BACTERIANA A punção lombar é essencial não apenas para confirmar a meningite bac- teriana, mas como também a causa dos sintomas do paciente e a identi- ficação do organismo causador. Quando um paciente apresenta sinais su- gestivos da doença, são solicitadas a punção lombar, a coleta de sangue e a cultura do líquor cefalorraquidiano. Então, o LCR é enviado para pesquisas, incluindo coloração de Gram, cultura, contagem de células com diferencial, proteína e glicose77. A análise do líquor deve ser realizada e fornece informações diagnósticas úteis, a exemplo da meningite bacteriana, em que o LCR apresenta aparên- cia turva77. A coloração de Gram tem maior probabilidade de ser positiva nos casos de S. pneumoniae, H. influenzae e N. meningitidis, e é positiva em menos de 50% dos casos de meningite atribuída a bacilos gram-negativos e L. monocyto- genes. A cultura do LCR continua sendo o padrão ouro para o diagnóstico definitivo da doença, promovendo identificação específica do organismo e testes de sensibilidade antimicrobiana para orientar o tratamento77. Os testes de aglutinação rápida de látex estão disponíveis para H. influenzae, S. pneumoniae, N. meningitidis (exceto Tipo B), E. coli e GBS; entretanto, eles apresentam limitações de sensibilidade e especificidade77. A PCR tem alta sensibilidade e valor preditivo negativo de quase 100% e pode detectar rapidamente S. pneumoniae, N. meningitidis, H. influenzae, L. mo- nocytogenes e M. tuberculosis, podendo ser especialmente útil quando a cultura e a coloração de Gram do líquor são negativas77. 67Exames Laboratoriais de Sangue Com relação à meningite tuberculosa, o crescimento de organismos em cultura de micobactérias do LCR pode levar várias semanas. O esfregaço ácido-resistente do líquido cefalorraquidiano tem pouca sensibilidade; no entanto, o rendimento pode ser aumentado com várias amostras de grande volume dele. A PCR tem uma sensibilidade de 85% a 95% e pode ser usada para diagnosticar, mas não excluir, meningite tuberculosa77. Na meningite bacteriana, as concentrações de lactato no LCR, originadas do metabolismo anaeróbico normal, podem ser elevadas pela glicólise79. 14.4 DIAGNÓSTICO LABORATORIAL DE MENINGITES VIRAIS O diagnóstico de meningite viral baseia-se no exame de pleocitose do LCR, definida como uma contagem de glóbulos brancos superior a cinco células/ mm3, apresentando uma predominância de linfócitos79,80. As concentrações de proteínas são geralmente elevadas na faixa de 40 a 3.704 mg/dl e os valores de glicose podem ser baixos a normais, variando de 32 a 80 mg/dl. As concentrações de lactato no LCR permanecem normais com meningite viral79. A abordagem inicial usual para o diagnóstico viral é testar o líquido cefalor- raquidiano para enterovírus, vírus herpes simplex e vírus varicela zoster por PCR – que é considerado o padrão ouro – além de apresentar sensibilidade mais alta e rapidez do que a cultura viral81. A sensibilidade poderá ser reduzida, se a PCR for realizada muito precoce no curso da doença, se as manifestações clínicas ocorrerem após o vírus ter deixado o LCR ou o sangue, ou se a carga viral for muito pequena82. O Multiplex PCR está sendo cada vez mais empregado em laboratórios de diagnóstico. Ele usa tecnologia do PCR convencional, mas contém primers e sondas para vários patógenos, de modo que a maioria pode ser testada ao mesmo tempo. Esse teste tem oferecido inúmeras vantagens, melhorando a detecção do patógeno quando comparado aos testes de PCR individu- ais. Ademais, quando combinado com a tecnologia de microarray, pode au- mentar o número de alvos possíveis e também reduzir o tempo e os custos82. Apesar disso, o PCR multiplex convencional ainda apresenta um limite para o número de patógenos que podem ser detectados82. 68Exames Laboratoriais de Sangue Os ensaios sorológicos são o método mais comumente utilizado para o diagnóstico de meningite por caxumba, flavivírus (e outros arbovírus), HIV e LCMV. Esses testes podem ser negativos durante os estágios iniciais da infecção, sendo necessária sua repetição com uma segunda amostra duas semanas depois. Na prática, em que os resultados da PCR viral são nega- tivos na meningite asséptica, são solicitados ensaios sorológicos para uma variedade de outros patógenos, dependendo das características clínicas e do histórico de exposição83. 14.5 DIAGNÓSTICO LABORATORIAL DE OUTRAS MENINGITES A meningite fúngica geralmente ocorre de forma secundária a micoses sis- têmicas em outras partes do corpo. Para os médicos, o diagnóstico é um desafio porque o rendimento dos métodos tradicionais, como a cultura, po- dem não ser rotineiramente positivos84. Os fungos que podem causar infecções no SNC podem ser classificados como patógenos primários ou patógenos secundários (oportunistas). En- tre os primários podemos ressaltar: C. neoformans, C. immitis, Histoplasma capsulatum, Blastomyces dermatitidis, Paracoccidioides brasiliensis, Spo- rothrix schenckii e Pseudoallescheria boydii. Os fungos oportunistas podem provocar infecções do SNC principalmente em pessoas imunodeprimidas e podemos destacar principalmente espécies de Candida, de Aspergillus e de Trichosporon84. A análise do LCR na suspeita de meningite fúngica deve incluir medição da pressão de abertura, contagem de células com diferencial, concentrações de glicose e proteína, coloração de Gram, coloração com tinta nanquim e cultura. A maioria dos casos de meningite fúngica apresenta uma pleoci- tose mononuclear na faixa de 20 a 500 células/mm3. Alguns casos podem apresentar o predomínio de células polimorfonucleares, sendo mais prová-vel quando a meningite é causada por espécies de fungos Aspergillus, Zy- gomycetes, Pseudoallescheria ou Blastomyces. Quando os eosinófilos são detectados na contagem e no diferencial de células C. immitis, devem ser considerados como a causa da doença84. Os níveis de proteína no líquor são geralmente altos e as concentrações de glicose normalmente estão diminuídas. Além disso, as concentrações de lactato no LCR são frequentemente elevadas durante a meningite fúngica84. 69Exames Laboratoriais de Sangue A avaliação da pressão de abertura do líquido cefalorraquidiano por punção lombar algumas vezes não é feita ou registrada, mas pode ter valor prog- nóstico e terapêutico, principalmente na meningite criptocócica, devendo ser cuidadosamente registrada84. As culturas são consideradas como padrão ouro no diagnóstico de meningite fúngica, mas os fungos podem apresen- tar crescimento demorado. As espécies de Candida são observadas em dois a três dias, mas fungos dimórficos como H. capsulatum podem levar várias semanas para crescer e ser identificados84. O número de fungos no LCR durante a meningite pode ser variável. Por exemplo, alguns casos de meningite criptocócica têm uma alta carga de le- veduras com mais de 106 unidades formadoras de colônias (UFC)/ml de CSF, além de exames com tinta nanquim altamente positivos. Por outro lado, muitos casos envolvendo fungos dimórficos apresentam menos de 1 UFC / ml no LCR. Portanto, para aumentar o rendimento das culturas de fungos, são necessários grandes volumes de LCR (10 a 30 ml) para cultura84. Além da cultura, testes sorológicos de LCR para antígenos fúngicos ou anti- corpos podem ser realizados, com a vantagem de resultados mais rápidos, como também de identificar os casos de meningite mesmo quando a cultu- ra do LCR apresentou-se negativa. Ademais, o PCR também pode ser feito84. A meningite pode ser causada também por parasitas. A meningite eosinofí- lica é caracterizada pelo aumento de eosinófilos no líquor, e uma das causas mais comuns é a invasão de helmintos no sistema nervoso central, entre eles o Angiostrongylus cantonensis85. O diagnóstico laboratorial inespecífico é feito por meio de exame do LCR, que geralmente se apresenta claro ou um pouco turvo, com a contagem total de leucócitos entre 150 e 2.000 células/μl e o percentual de eosinófilos excedendo 10% em 95% dos casos. A concentração de proteína é elevada e a glicose se mantém normal ou minimamente reduzida.85. O diagnóstico laboratorial específico é baseado na pesquisa das larvas do parasita no líquido cefalorraquidiano dos pacientes (padrão ouro) e na de- tecção de anticorpos para Angiostrongylus cantonensis no soro ou na de- tecção de anticorpos no LCR, pela técnica de Western Blot85. 70Exames Laboratoriais de Sangue 14.6 DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL DAS MENINGITES VIRAIS, BACTERIANAS E FÚNGICAS: PRINCIPAIS DIFERENÇAS NOS TESTES Os cloretos no LCR são normalmente uma a duas vezes maiores do que os séricos. No exame bioquímico, os níveis de cloro diminuídos são encontra- dos nas meningites tuberculosas e bacteriana e na criptococose. Com relação à glicose, os níveis no LCR correspondem a cerca de 2/3 da gli- cose sanguínea de jejum. A proporção normal de glicose LCR/plasma pode variar de 0,3 a 0,9. São considerados valores anormais no LCR resultados in- feriores a 40 mg/dl e/ou relações inferiores a 0,3. Por sua vez, nas meningites virais, os níveis variam de normais a discretamente baixos. Outras patologias que cursam com níveis diminuídos são neoplasias com comprometimento meníngeo, sarcoidose, hemorragia subaracnoide e hipoglicemia sistêmica, entre outras. Níveis elevados de glicose no LCR não têm significado clínico, refletindo aumento dos níveis da glicemia sistêmica. Tabela 1 – Causas de hipoglicorraquia Meningite bacteriana Meningite tuberculosa Meningite por fungos Carcinomatose meníngea Sarcoidose Hemorragia subaracnóidea Fonte: Autoria Própria, 2020. Das proteínas identificadas no líquor mais de 80% são provenientes do plas- ma. Normalmente, equivalem a valores inferiores a 1% do nível sanguíneo. O aumento dos níveis liquóricos de proteínas é um bom indicador, embo- ra não específico, da presença de doença. As proteínas no LCR podem es- tar elevadas em diferentes patologias, como meningites, especialmente as bacterianas, doenças neurológicas, hemorragias e tumores, entre outras. A elevação pode ser decorrente da alteração da permeabilidade da barreira 71Exames Laboratoriais de Sangue hematoencefálica, de diminuição dos mecanismos de reabsorção, de uma obstrução mecânica do fluxo do LCR. Os níveis podem estar diminuídos em crianças entre 6 meses e 2 anos de idade, nas punções com remoção de grandes volumes, traumas com perda liquórica e aumento da pressão in- tracraniana. É importante lembrar a variação da concentração de proteína de acordo com o local da punção, pois os valores encontrados são menores nos ventrículos e maiores na região lombar, assim como também ocorrem drásticas variações nos recém-natos. Para avaliação da integridade da bar- reira hematoencefálica, pode-se usar um índice obtido pela proporção en- tre os níveis de albumina no líquor (mg/dl) e no soro (g/l). Normalmente, o valor obtido é menor que 9. Valores maiores revelam alterações da barreira, que podem variar de discretas a severas, conforme os índices alcançados. São considerados discretos valores entre 9 e 14, moderados entre 14 e 30, e, acima de 30, um comprometimento severo. Índices discretamente altera- dos são constatados em crianças de até 6 meses, traduzindo imaturidade da barreira hematoencefálica. Os acidentes de punção invalidam a utilização desses índices. 72Exames Laboratoriais de Sangue 15 15.1 TUBERCULOSE A tuberculose é causada pela micobactéria Mycobacterium tuberculosis86. As micobactérias são bacilos aeróbios de crescimento lento. Elas são de- nominadas “bacilo álcool-ácido resistente” – BAAR – devido a sua estrutura composta por um envelope rico em lipídio e sua característica de resistência à coloração de Gram87. A tuberculose é transmitida pelo ar quando as pessoas infectadas tossem, espirram, falam ou cospem liberando gotículas, fazendo com que uma pes- soa sadia inale alguns bacilos86. Após a inalação, as respostas imunes inatas, envolvendo macrófagos alveo- lares e granulócitos, começam a combater a infecção. Em algumas pessoas, os bacilos são eliminados, enquanto em outras a infecção é estabelecida. No indivíduo imunocompetente ocorre a contenção de bacilos nos macrófagos e extracelularmente nos granulomas, controlando a replicação e a destrui- ção tecidual e resultando em um equilíbrio dinâmico entre o patógeno e o hospedeiro. Esse processo é denominado latência88. A probabilidade de pro- gressão da infecção latente para tuberculose clínica ativa é determinada por fatores bacterianos do hospedeiro e ambientais88. O risco de progressão da infecção latente para a tuberculose ativa aumenta com a supressão da imunidade celular pela infecção do vírus HIV, o uso de inibidores do fator de necrose tumoral α (TNF- α) e de glicocorticoides, como também transplante de órgão ou hematológico88. A tuberculose afeta mais frequentemente os pulmões, mas também pode apresentar-se de forma extrapulmonar86,89, cuja ocorrência aumenta em pa- cientes imunocomprometidos e tem seus sinais e sintomas dependentes Exames Laboratoriais para Identificar a Tuberculose Pulmonar 73Exames Laboratoriais de Sangue dos órgãos ou sistemas acometidos, podendo ser: pleural, ganglionar, peri- cárdica, óssea, renal, entre outras89. O diagnóstico, o teste de sensibilidade antimicrobiano universal e investiga- ção sistemática dos contatos e das populações mais vulneráveis compõem um pilar importante para o controle da tuberculose no Brasil89. Neste capítu- lo, veremos as principais formas do diagnóstico laboratorial da tuberculose. 15.2 DIAGNÓSTICO LABORATORIAL DA TUBERCULOSE O diagnóstico de doença ativa (pulmonar e extrapulmonar)pode ser realiza- do por meio de esfregaço de BAAR, cultura de micobactérias e amplificação do ácido nucleico (NAA). No caso da tuberculose pulmonar, o método de obtenção da amostra afeta muito a sensibilidade do teste. A tuberculose ex- trapulmonar frequentemente representa um desafio diagnóstico porque as amostras podem ser difíceis de obter90. As amostras geralmente são enviadas simultaneamente para esfregaço e cultura, pois os dados da cultura são essenciais para a confirmação do diag- nóstico90. A pesquisa do bacilo álcool-ácido resistente, pelo método de Ziehl-Nielsen, é a técnica mais utilizada em nosso meio, sendo bastante simples, rápida e de baixo custo. A baciloscopia do escarro, desde que executada correta- mente em todas as suas fases, permite detectar de 60% a 80% dos casos de tuberculose pulmonar em adultos, o que é importante do ponto de vista epidemiológico, já que os casos com baciloscopia positiva são os maiores responsáveis pela manutenção da cadeia de transmissão89. No entanto, a sensibilidade dos esfregaços de BAAR de escarro para detec- ção de tuberculose pulmonar é limitada pela necessidade de 5.000 a 10.000 bacilos por mililitro presentes em uma amostra para permitir a detecção90. A sensibilidade tende a ser maior em pacientes com doença cavitária e mais baixa em pacientes com doença menos avançada. O esfregaço de escarro negativo não elimina o diagnóstico de tuberculose ativa, principalmente se a suspeita clínica for alta. Então devem ser realizados testes diagnósticos adicionais como indução de escarro (SI), fibrobroncoscopia (FOB) e, talvez, lavagens gástricas (GW)90. 74Exames Laboratoriais de Sangue O teste rápido molecular para tuberculose (tRM-tb, GeneXpert®) é um teste de amplificação de ácidos nucleicos, utilizado para detecção de DNA dos bacilos do complexo M. tuberculosis e triagem de cepas resistentes à rifam- picina, pela técnica de reação em cadeia da polimerase (pcR), em tempo real. Essa técnica apresenta algumas vantagens como resultado em menor tempo – aproximadamente duas horas – e, se necessário, apenas uma amos- tra de escarro. Além disso, a sensibilidade do tRM-tb em amostras de escarro é superior à da baciloscopia89. A cultura é um método de elevada especificidade e sensibilidade no diag- nóstico da tuberculose . Nos casos pulmonares com baciloscopia negativa, a cultura do escarro pode aumentar em até 30% o diagnóstico bacteriológico da doença89. As culturas de micobactérias requerem, apenas, de 10 a 100 organismos para detectar M. tuberculosis. Elas também permitem o aumento da sensibilida- de e da especiação, o teste de sensibilidade aos medicamentos e, se neces- sário, a genotipagem para fins epidemiológicos. Portanto, todas as amostras devem ser cultivadas. Existem três tipos de meios de cultura: meio sólido (Lowenstein Jensen), meio à base de ágar (Middlebrook 7H10 e 7H11) e meio líquido (Middlebrook 7H12 e outros caldos). Os meios sólidos são considerados o padrão ouro para a cultura de micobactérias, entretanto são mais lentos do que os meios lí- quidos, que agora são amplamente usados em associação com os meios só- lidos para aumentar a sensibilidade e diminuir o tempo. Os meios de comu- nicação Lowenstein-Jensen 7H10 e 7H11 podem detectar micobactérias em menos de quatro semanas, mas requerem incubação por até 6 a 8 semanas antes de serem classificados como negativos89,90. A prova tuberculínica (PT) é utilizada para diagnóstico da infecção latente e pode, também, auxiliar no diagnóstico de tuberculose ativa em crianças. A PT consiste na inoculação intradérmica de um derivado proteico purificado do M. tuberculosis para medir a resposta imune celular a esses antígenos89. A tuberculina é aplicada por via intradérmica, no terço médio da face ante- rior do antebraço esquerdo, e, após 48 a 72 horas da aplicação, é realizada a leitura. A área do enduro palpável é medida usando uma régua milimetra- da transparente89. Com base nessa medida, o indivíduo é classificado como “não reator”, se o tamanho da área endurecida estiver entre 0 e 4mm; rea- tor fraco, se estiver entre 5 e 9mm; e reator forte, se o diâmetro for igual ou superior a 10mm91. Uma PT positiva não confirma o diagnóstico de TB ativa, assim como uma PT negativa não o exclui89,90. 75Exames Laboratoriais de Sangue A especificidade da PT é limitada por reações cruzadas com NTM e M. bovis BCG e por apresentar sensibilidade diminuída, sendo, portanto, o teste tu- berculínico indicado para o diagnóstico de casos de infecção latente90. 76Exames Laboratoriais de Sangue 16 16.1 O QUE SÃO INFECÇÕES SEXUALMENTE TRANSMISSÍVEIS (ISTS)? Por que “IST”, e não mais “DST”? A terminologia Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST) passa a ser adota- da em substituição à expressão Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST), porque destaca a possibilidade de uma pessoa ter e transmitir uma infec- ção, mesmo sem sinais e sintomas33. As Infecções Sexualmente Transmissível (IST) são causadas por mais de 30 agentes etiológicos, podendo ser vírus, bactérias, fungos ou protozoários. As IST são transmitidas, principalmente, por contato sexual e, de forma eventu- al, por via sanguínea ou de forma vertical, da mãe para a criança durante a gestação, no parto ou durante a amamentação92. Os dois principais fatores de risco para IST são práticas sexuais sem uso de preservativos e a população mais jovem. O rastreamento das IST é impor- tante para estabelecer o diagnóstico precoce (prevenção secundária) com o objetivo de reduzir a morbimortalidade92. Neste capítulo, abordaremos as principais IST, os agentes etiológicos e quais as principais técnicas utilizadas para o diagnóstico laboratorial des- sas doenças. Exames Laboratoriais Utilizados para a Identificação das Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST) 77Exames Laboratoriais de Sangue 16.2 PRINCIPAIS AGENTES INFECCIOSOS TRANSMITIDOS PELO SEXO E AS DOENÇAS POR ELES CAUSADAS Diferentes tipos de microrganismos podem causar as IST, tais como vírus, bactérias, fungos e protozoários. A seguir, apresentaremos os principais agentes causadores e as doenças causadas por eles: Quadro 8 – Principais doenças sexualmente transmissíveis92 Agente infeccioso Doença causada Neisseria gonorrhoeae Gonorreia Chlamydia trachomatis Infecção clamidial Chlamydia trachomatis (sorotipos L1-L3) Linfogranuloma venéreo Treponema pallidum Sífilis Haemophilus ducreyi Cancro mole Klebsiella (Calymmatobacterium) granulo- matis Donovanose (granuloma inguinal) Mycoplasma genitalium Uretrite não gonocócica/doença inflamató- ria pélvica Vírus da imunodeficiência humana (HIV) Vírus HTLV I e II Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS) Doenças neurológicas – paraparesia espás- tica tropical/hematológicas, como a leuce- mia e linfoma de células t Vírus da herpes simples tipo 2 Vírus da her- pes simples tipo 1 (menos comum) Herpes genital Papilomavírus humano Vírus ZIKA Verrugas genitais (os mesmos da transmitida pelo mosquito) Vírus da hepatite B e C Hepatite viral Citomegalovírus Infecção por citomegalovírus Vírus do molusco Molusco Contagioso Herpesvírus associado ao sarcoma de Kapo- si (herpesvírus humano tipo 8) Sarcoma de kaposi (tipo de câncer agressi- vo em pessoas imunossuprimidas) 78Exames Laboratoriais de Sangue 16.3 DIAGNÓSTICO DAS IST Há quatro tipos diferentes de testes diagnósticos das IST. Pode ser pela de- tecção direta de microrganismos – por meio de microscopia, coloração apro- priada ou preparação a fresco para a visualização de patógenos –, por meio da realização de cultura, detecção de antígeno e, também, pela detecção de ácido nucleico pelos métodos de biologia celular. Os métodos utilizados no diagnóstico da sífilis podem ser exames diretos ou testes imunológicos. No exame direto, é feita a pesquisa ou detecção do T. pallidum em amostras coletadas diretamente das lesões. A pesquisa do T. pallidum com a microscopia de campo escuro apresenta alta sensibilidade e especificidade,sendo considerado um teste eficiente e de baixo custo para diagnóstico direto de sífilis. Já a pesquisa direta em esfregaço, em lâmina ou cortes histológicos corados, apresenta menor sensibilidade92. Os testes imunológicos, por sua vez, são os mais utilizados. Nesses testes são usadas amostras de sangue total, soro ou plasma para a pesquisa de anti- corpos. Os testes treponêmicos detectam anticorpos específicos produzidos contra os antígenos de T. pallidum. Os testes rápidos (TR) adotam, princi- palmente, a metodologia de imunocromatografia de fluxo lateral, tendo a vantagem de ser práticos – de fácil execução e rápido –, com resultado em, no máximo, 30 minutos92. Além desses testes, o diagnóstico da sífilis pode ser realizado por meio de testes de hemaglutinação (TPHA, do inglês T. Pallidum Haemagglutination Test) e de aglutinação de partículas (TPPA, do inglês T. Pallidum Particle Agglutination Assay); ensaios de micro-hemaglutinação (MHA-TP, do in- glês Micro-Haemagglutination Assay); teste de imunofluorescência indireta (FTA-Abs, do inglês Fluorescent Treponemal Antibody-Absorption); pelo mé- todo de ELISA ou por ensaios de quimioluminescência (CMIA). Esses ensaios apresentam como principal vantagem sua elevada sensibilidade e capaci- dade de automação92. Em contrapartida, os testes não treponêmicos detectam anticorpos anti- cardiolipina não específicos para os antígenos do T. pallidum, permitindo a análise qualitativa e quantitativa desses anticorpos. Esses testes devem ser realizados com as amostras puras e diluídas em fator dois de diluição, sendo os resultados dos reagentes expressos em títulos (1:2, 1:4, 1:8). Tais testes são utilizados para o diagnóstico (como primeiro teste ou teste complementar) e também para o monitoramento da resposta ao tratamento e controle de cura. A queda adequada dos títulos é o indicativo de sucesso do tratamento. 79Exames Laboratoriais de Sangue Os não treponêmicos mais comumente usados no Brasil são o VDRL, o RPR e o USR. Cabe salientar que os anticorpos anticardiolipinas podem estar pre- sentes em outras doenças, então é importante fazer os testes treponêmicos e não treponêmicos para a definição laboratorial do diagnóstico92. O diagnóstico laboratorial da clamídia pode ser feito pela detecção direta da clamídia por meio de cultura, imunofluorescência direta, enzimaimunoen- saio (EIA), sonda de DNA e técnicas de amplificação de ácidos nucleicos, que apresentam maior sensibilidade. Podem ser realizados também testes de diagnóstico indireto por meio de pesquisa de anticorpos, feitos pelos méto- dos de imunofluorescência indireta (IFI), microimunofluorescência indireta (MIF) e enzimaimunoensaio indireto (EIA)93. O diagnóstico da candidíase pode ser realizado por meio da citologia a fres- co, utilizando soro fisiológico e hidróxido de potássio a 10%, a fim de visibilizar a presença de hifas e/ou esporos dos fungos. Em caso de citologia a fresco negativa, deve-se fazer cultura vaginal específica em meios de Sabouraud, Nickerson ou Microstixcandida, bem como a reação de PCR. Para o diagnóstico da tricomoníase, o mais comum é a realização do exame a fresco, mediante gota do conteúdo vaginal e soro fisiológico, com obser- vação do parasita ao microscópio. Habitualmente, visualiza-se o movimento do protozoário, que é flagelado, e muitos leucócitos. A cultura pode ser re- quisitada nos casos de difícil diagnóstico. Além desses testes, pode ser soli- citada a laboração do PCR. O diagnóstico da gonorreia pode ser feito a partir da cultura para a N. go- norrhoeae em meio seletivo de Thayer-Martin ou similar. A imunofluores- cência direta tem leitura subjetiva, exige microscópio e profissionais bem treinados, além de apresentar pouca sensibilidade. Outra forma de realizar o diagnóstico é pela técnica do PCR92. O diagnóstico do HIV pode ser feito por imunoensaios do tipo ELISA. Exis- tem quatro gerações desses testes, dos quais o ELISA de primeira geração não é mais utilizado rotineiramente nos laboratórios clínicos por ser pouco específico94. O ensaio de segunda geração tem formato indireto e utiliza antígenos re- combinantes ou peptídeos sintéticos derivados de proteínas do HIV, o que aumenta a sensibilidade do teste94. O ensaio de terceira geração tem o formato “sanduíche” e sua característi- ca é utilizar antígenos recombinantes ou peptídeos sintéticos tanto na fase 80Exames Laboratoriais de Sangue sólida quanto sob a forma de conjugado. Ademais, o ensaio de terceira gera- ção permite a detecção simultânea de anticorpos anti-HIV IgM e IgG, o que torna esse ensaio mais sensível do que os de gerações anteriores94. Enfim, o ensaio de quarta geração também apresenta o formato “sanduí- che”, mas, diferentemente do ensaio anterior, detecta simultaneamente o antígeno p24 e anticorpos específicos anti-HIV. Outra vantagem desse en- saio é o tempo da janela diagnóstica, que é de aproximadamente 15 dias94. Outra forma para diagnosticar a infecção pelo HIV é por meio de testes rá- pidos, que são imunoensaios simples. Esses testes têm algumas vantagens como apresentar resultados em até 30 minutos, como também a possibili- dade de realização em ambiente laboratorial ou não laboratorial. As amos- tras utilizadas para o teste rápido podem ser amostra de sangue total obtida por punção digital ou amostra de fluido oral94. Existem diferentes tipos de testes rápidos e os mais frequentemente utiliza- dos são: dispositivos (ou tiras) de imunocromatografia de fluxo lateral, imu- nocromatografia de duplo percurso (DPP) e imunoconcentração94. A IFI foi muito utilizada como teste complementar durante a primeira déca- da da epidemia de HIV, mas atualmente foi substituída pelo WB e IB. O WB e o IB usam proteínas nativas do HIV isoladas por eletroforese e transferidas para uma membrana (WB), proteínas recombinantes ou peptídeos sintéti- cos impregnados diretamente em membranas (IB). Então, as proteínas são incubadas com amostras de soro ou plasma e os anticorpos presentes na amostra se ligam especificamente às proteínas nas membranas do WB ou IB. São adicionados anticorpos secundários, conjugados com uma enzima, que detectam os anticorpos anti-HIV específicos da amostra. Em seguida, é adicionado um substrato que gera um produto colorido, o qual se precipita onde o complexo imune está localizado94. A infecção pelo HIV pode ser diagnosticada também pela detecção direta de componentes do vírus, como o antígeno p24, RNA ou DNA com testes moleculares. A detecção do antígeno p24 do HIV-1, de RNA ou DNA é impor- tante quando a detecção de anticorpos não é possível, especialmente para o diagnóstico em crianças com idade inferior a 18 meses e na infecção aguda em adultos94. O diagnóstico da infecção pelo HPV pode ser realizado pelo exame citopa- tológico. Além desse, a técnica de reação em cadeia da polimerase (PCR) no diagnóstico molecular de HPV tem se mostrado altamente sensível na iden- tificação do DNA viral existente nos mais diversos materiais clínicos95. Ade- 81Exames Laboratoriais de Sangue mais, a histopatologia é muito eficiente para o diagnóstico do HPV. Quando a biópsia for positiva, o HPV certamente estará presente, confirmando, as- sim, a suspeita clínica96. O diagnóstico das hepatites virais B e C baseia-se na detecção dos marcado- res presentes no sangue, soro, plasma e fluido oral da pessoa infectada, por meio de imunoensaios e/ou na detecção do ácido nucleico viral, empregan- do técnicas de PCR92. 82Exames Laboratoriais de Sangue 17 17.1 DISLIPIDEMIAS Os lipídeos exercem diversos papéis importantes no organismo, sendo os mais relevantes os fosfolipídeos, o colesterol, os triglicérides (TG) e os ácidos graxos. Os fosfolipídeos formam a estrutura básica das membranas celula- res. O colesterol é precursor dos hormônios esteroides, dos ácidos biliares e da vitamina D. Os TG são constituídos a partir de três ácidos graxos ligados a uma molécula de glicerol e consistem em uma das formas de armazena- mentoenergético mais importantes no organismo, que são depositados nos tecidos adiposo e muscular97. A dislipidemia inclui uma grande variedade de anormalidades lipídicas e pode envolver alterações nos níveis séricos de lipoproteínas, como uma combinação de colesterol total, LDL e triglicerídeos aumentados ou HDL di- minuído98. Para determinar o perfil lipídico são realizados testes laboratoriais em que são inclusos a avaliação dos níveis de colesterol total, LDL, HDL e trigliceríde- os. Podem ser avaliados também a medição de lipoproteína-a, apolipoprote- ína B e apolipoproteína A198. 17.2 LIPOPROTEÍNAS As lipoproteínas permitem a solubilização e o transporte dos lipídeos, que são substâncias geralmente hidrofóbicas, no meio aquoso plasmático. São compostas por lipídeos e proteínas denominadas apolipoproteínas97. Existem quatro grandes classes de lipoproteínas separadas em dois grupos: Exames Laboratoriais para a Identificação das Dislipidemias 83Exames Laboratoriais de Sangue ▶ Ricas em TG, maiores e menos densas, representadas pelos quilomí- crons, que têm origem intestinal; e pelas lipoproteínas de densidade muito baixa (VLDL, sigla do inglês very low density lipoprotein), que têm origem hepática; ▶ Ricas em colesterol, como as LDL e as de alta densidade (HDL, do inglês high density lipoprotein), como também uma classe de lipoproteínas de densidade intermediária (IDL, do inglês intermediary density lipo- protein) e a lipoproteína (a), que resulta da ligação covalente de uma partícula de LDL à Apo (a)97. 17.3 TRANSPORTE DE LIPÍDEOS NO PLASMA As lipoproteínas participam de três ciclos básicos de transporte de lipídeos no plasma; são elas38,97,99: ▶ As gorduras provenientes da dieta são absorvidas no intestino e che- gam ao plasma sob a forma de quilomícrons, e, após degradação dos TG, pela lipase lipoproteica (LPL), são liberados os ácidos graxos ao fíga- do ou a tecidos periféricos. ▶ No ciclo endógeno, as gorduras do fígado se direcionam aos tecidos periféricos; a lipoproteína de densidade muito baixa (VLDL) é secretada pelo fígado e, por ação da LPL, transforma-se em lipoproteína de densi- dade intermediária e, posteriormente, em LDL, a qual carrega os lipíde- os – principalmente o colesterol – para os tecidos periféricos. ▶ No transporte reverso do colesterol, em que o colesterol dos tecidos re- torna para o fígado, as HDL captam colesterol não esterificado dos te- cidos periféricos pela ação da lecitina-colesterol aciltransferase (LCAT). Por meio da CETP, ocorre também a transferência de ésteres de coles- terol da HDL para outras lipoproteínas, como as VLDL. 17.4 FISIOPATOLOGIA DAS DISLIPIDEMIAS PRIMÁRIAS As dislipidemias primárias são aquelas em que o distúrbio lipídico é de ori- gem genética. O acúmulo de quilomícrons e/ou de VLDL no compartimento plasmático resulta em hipertrigliceridemia devido à diminuição da hidrólise dos TG dessas lipoproteínas pela LPL ou do aumento da síntese de VLDL, que estão relacionadas a variantes genéticas das enzimas ou Apo97. 84Exames Laboratoriais de Sangue O acúmulo de lipoproteínas ricas em colesterol, como a LDL no comparti- mento plasmático, resulta em hipercolesterolemia. Esse acúmulo pode se dar por doenças causadas defeito no gene do LDLR ou no gene APOB100. Centenas de mutações do LDLR já foram detectadas em portadores de Hi- percolesterolemia Familiar (HF), algumas provocando redução de sua expres- são na membrana, outras, deformações em sua estrutura e função. Mutação no gene que codifica a APOB pode também ocasionar hipercolesterolemia por conta da deficiência no acoplamento da LDL ao receptor celular. Mais comumente, a hipercolesterolemia resulta de mutações em múltiplos ge- nes envolvidos no metabolismo lipídico, em que a interação entre fatores genéticos e ambientais determina o fenótipo do perfil lipídico97. 17.5 DISLIPIDEMIAS SECUNDÁRIAS As dislipidemias secundárias decorrem de um estilo de vida inadequado em razão de doenças como: doença hepática obstrutiva, síndrome nefrótica, in- suficiência renal, obesidade, diabetes mellitus não controlada, uso de tabaco ou álcool. Podem ser causadas também pelo uso de medicamentos, como diuréticos, corticoides, anabolizantes e anticoncepcionais97,98. 17.6 VALORES DE REFERÊNCIA, CONFORME AVALIAÇÃO DO RISCO CARDIOVASCULAR ESTIMADO, PARA ADULTOS ACIMA DE 20 ANOS Quadro 9 – Valores referenciais e de alvo terapêutico do perfil lipídico (adultos > 20 anos)97 Com Jejum Sem Jejum Categoria Referencial Colesterol total 40 > 40 Desejável Triglicerídeosou sua destruição por iodo radioativo. Pode ocorrer também após a terapia medi- camentosa antitireoidiana para a doença de Graves102. A doença de Hashimoto é a causa mais frequente de hipotireoidismo primá- rio adquirido e, assim como o hipertireoidismo, é provavelmente iniciada por autoimunidade contra a tireoide. Isso causa deterioração progressiva e, por fim, fibrose da glândula, resultando em diminuição ou ausência da secreção do hormônio tireoidiano38. 88Exames Laboratoriais de Sangue Os indivíduos acometidos pelo hipotireoidismo apresentam fadiga e sono- lência extrema, lentidão muscular acentuada, redução da frequência cardí- aca, do débito cardíaco e do volume sanguíneo e, ocasionalmente, aumento de peso, constipação, lentidão mental, insuficiência de muitas funções tró- ficas do organismo (evidenciada por redução do crescimento do cabelo e descamação da pele), desenvolvimento de rouquidão e, em casos graves, de aparência edematosa em todo o corpo, chamada de mixedema38. Nos exames para o diagnóstico do hipotireoidismo observamos resultados opostos do hipertireoidismo. A concentração sanguínea de tiroxina livre é baixa e a secreção de TSH pela hipófise anterior, quando administrada a dose de TRH, fica em geral muito elevada (exceto nos raros casos de hipoti- reoidismo causado por redução da resposta da hipófise ao TRH)38. Quadro 10 – Patologias da tireoide e suas respectivas variações hormonais Patologias TSH T3 T3L T4 T4L Terapia de Reposição Hormonal Hipertireoidismo ↓ ↑ ↑ ↑ ↑ Suprimido Hipotireoidismo primário ↑ ↓ ↓ ↓ ↓ Hiper-responsivo Hipotireoidismo secundário ↓ ↓ ↓ ↓ ↓ Não responsivo Hipotireoidismo terciário ↓ ↓ ↓ ↓ ↓ Gradativamente responsivo Fonte: Autoria Própria, 2020. Quadro 11 – Testes de função da tireoide e dosagens e valores de referência102 Testes de Função Tireoidiana Dosagens e Valores de Referência Hormônio Estimulante da Tireoide (TSH) 0,4 a 2,5 μg/ml Tiroxina (T4) 4,5 a 12,6 mg/dl Tri-iodotironina (T3) 80 a 180 ng/dl Tiroxina Livre (T4L) 2,5 a 4 pg/ml Fonte: Autoria Própria, 2020. 89Exames Laboratoriais de Sangue 19 19.1 INTOXICAÇÃO A intoxicação é uma resposta patológica decorrente da interação do orga- nismo com um agente tóxico. Para que isso aconteça, depende do tempo de exposição e da dose suficiente do agente tóxico no organismo. A intoxicação pode ser aguda ou crônica103. A intoxicação aguda ocorre com um único contato com o agente tóxico por um período curto de tempo de aproximadamente 24 horas. Os efeitos acon- tecem de imediato ou em alguns dias, no máximo duas semanas. Já a intoxicação crônica se dá quando se verificam exposições prolongadas a um produto tóxico, nesse caso, por um período mais extenso, de três me- ses ou até anos. As principais vias de intoxicação são por meio da pele, da inalação e da in- gestão103. 19.2 TOXICOLOGIA OCUPACIONAL A toxicologia ocupacional identifica os potenciais efeitos adversos resultan- tes da exposição a várias substâncias manipuladas durante a execução de sua função, com o intuito de prevenção104. A prevenção da intoxicação ocupacional se baseia na identificação ou no reconhecimento do risco, da avaliação laboratorial (com a utilização das análises de marcadores biológicos de exposição) e controle105,106. Exames Laboratoriais mais Utilizados na Toxicologia Ocupacional 90Exames Laboratoriais de Sangue No reconhecimento é identificada a presença do agente tóxico no local de trabalho ou em determinado produto industrial. Nessa etapa, a caracteriza- ção das propriedades químicas e toxicológicas do agente também é mape- ada. A avaliação será feita por uma medição instrumental ou laboratorial do possível agente tóxico. Nessa etapa avaliam-se: os limites de tolerância no ambiente e nos sistemas biológicos, a área, o número de trabalhadores ex- postos, a jornada de trabalho, a ventilação, o ritmo de trabalho, além de pos- síveis fatores interferentes. Já a etapa de controle tem como objetivo a eliminação ou redução da ex- posição do trabalhador ao agente tóxico. Nela são tomadas medidas admi- nistrativas e técnicas superimportantes que limitam o uso de produtos, de determinadas técnicas de trabalho, o tempo de exposição e o número de trabalhadores expostos. É nesse momento que são formadas as comissões técnicas de controle, as quais são importantes para disciplinar e exigir o uso de equipamentos de proteção individual (EPIs), assim como treinar os tra- balhadores. A Norma Regulamentadora (NR) 7 é a legislação específica do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) que obriga todas as instituições que admitam empregados a elaborar um programa para promover e preservar a saúde de seus trabalhadores. 19.2 PRINCIPAIS AGENTES OU FATORES DE RISCO QUÍMICO-OCUPACIONAL Entre os principais agentes desencadeadores de patologias ocupacionais destacam-se: os hidrocarbonetos (HC) aromáticos ou alifáticos e seus deriva- dos halogenados, os metais pesados, como chumbo (Pb), cromo (Cr), man- ganês (Mn) e níquel (Ni). 19.3 MÉTODOS ANALÍTICOS A modernização dos equipamentos, principalmente a espectrometria de massas, contribuiu para o aumento da sensibilidade e especificidade, além da rapidez analítica105. 91Exames Laboratoriais de Sangue Equipamentos utilizados nas análises de toxicologia são principalmente os cromatógrafos líquidos de ultraperformance (UHPLC) e espectrômetros de massa (MS). Os UHPLCs têm como vantagem sobre os cromatógrafos líqui- dos comuns (HPLCs) a maior sensibilidade e, principalmente, seu menor tempo de análise105. Para a quantificação de metais pesados é utilizada a ionização por espec- trometria de massas com fonte de plasma acoplado indutivamente (ICP- -MS). Os espectrofotômetros de absorção atômica foram substituídos por esses aparelhos mais avançados – os ICP-MS, pois, além de mais sensíveis, são mais rápidos105. 92Exames Laboratoriais de Sangue 20 20.1 TOXICOLOGIA ANALÍTICA A toxicologia analítica trata da triagem, confirmação, identificação e quanti- ficação de xenobióticos como drogas, venenos, pesticidas, poluentes e seus metabólitos em amostras biológicas e relacionadas, seguidos pela interpre- tação farmacológica e toxicológica do resultado analítico107. Entre as aplicações da toxicologia analítica estão a toxicologia forense, a to- xicologia clínica, as pesquisas da exposição a drogas de abuso, o controle de doping, o monitoramento do grau de exposição e terapêutica, bem como na área de alimentos107,108. A toxicologia analítica utiliza diferentes tipos de amostras biológicas como sangue ante ou pós-morte, urina e tecidos, ou matrizes alternativas como ca- belo, suor e fluido oral, unhas ou mecônio, conforme podemos ver a seguir109. Quadro 12 – Tipos de amostras biológicas utilizadas em toxicologia analítica Post mortem Sangue periférico, cardíaco, fígado ou urina; humor ví- treo para investigação de etanol. Morte por substâncias voláteis ou gases Tecidos do cérebro e pulmões. Exposições a longo prazo por me- tais pesados Cabelo e unha. Corpo em putrefação Emprego de larvas. Análises de urgência Líquido de lavagem gástrica. Dopagem, monitorização terapêuti- ca, monitorização biológica Sangue e urina. Monitorização ambiental Água, ar, sedimentos. Fonte: Autoria Própria, 2020. Exames Laboratoriais mais Relevantes na Toxicologia Analítica 93Exames Laboratoriais de Sangue A identificação de substâncias nas análises toxicológicas em amostras bio- lógicas representa um desafio, considerando a grande quantidade de subs- tâncias potencialmente presentes, a complexidade das matrizes, como tam- bém a disponibilidade de quantidades limitadas de amostra. Além disso, é agravado em situações em que se tem pouca ou nenhuma informação so- bre o histórico do paciente ou da amostra – situação comum na toxicologia clínica e forense110. 20.2 MÉTODOS ANALÍTICOS A estratégia analítica inclui triagem, confirmação e identificação, seguidas de quantificação de compostos relevantes e interpretação dos resultados109. Osando um diagnóstico, confirmação de uma patologia, ou para um check- -up (exame de rotina). Entre os exames mais comuns incluem: hemograma completo, urinálise, dosagem de glicose, perfil lipídico, parasitológico de fezes, entre outros1. Neste capítulo serão abordadas as fases dos exames laboratoriais, as reco- mendações de biossegurança para o laboratório clínico e para coleta de san- gue venoso. Além disso, serão abordados parâmetros importantes para a realização e interpretação dos testes, como também os interferentes labo- ratoriais. 1.2 AS FASES DOS EXAMES LABORATORIAIS O processamento de uma amostra biológica, que compreende desde a co- leta, processamento, análise até a liberação do laudo, é composto por três fases: pré-analítica, analítica e pós-analítica. A fase pré-analítica é a etapa laboratorial que antecede o processamento da amostra, compreende a preparação do paciente, a anamnese, a coleta, transporte e o armazenamento de amostras. Já a fase analítica refere-se à realização do ensaio propriamente dito. Essa etapa é a mais automatizada e para seu controle existem diversos parâmetros avaliados como precisão, sensibilidade, especificidade, exatidão, entre outros. É preciso estar atento a fatores desde calibração dos aparelhos, à condição dos reagentes, ao grá- 11Exames Laboratoriais de Sangue fico controle tipo Levey-Jennings, que analisa a imprecisão de determinado analito. E, por fim, a fase pós-analítica consiste na obtenção dos resultados, incluindo a interpretação dos ensaios e a liberação do laudo2. 1.3 SENSIBILIDADE E ESPECIFICIDADE – QUAL A IMPORTÂNCIA DESSES PARÂMETROS DENTRO DE UM LABORATÓRIO DE ANÁLISE? Os exames realizados pelos laboratórios clínicos são por muitas vezes sub- sídios para confirmar ou afastar uma hipótese diagnóstica. Dessa forma, é necessário contar com sensibilidade e especificidade dos testes utilizados para que estabeleçam com precisão e exatidão um diagnóstico. Considerando que um laboratório trabalhe em condições ideais, com rea- gentes de boa qualidade e dentro dos prazos de validade, técnicas adequa- das, profissionais bem treinados, equipamentos calibrados e controle de qualidade adequado, os desvios que decorrerem de questões relativas ao próprio teste7. A sensibilidade e a especificidade são parâmetros fundamentais para a definição de um teste diagnóstico. A sensibilidade é a capacidade que um teste tem de discriminar, entre os suspeitos de uma patologia, os doentes. Já a especificidade é a capacidade que o teste tem de ser negativo, em uma amostra de indivíduos que sabidamente não têm a doença. Dessa forma, quanto maior a sensibilidade do teste, maior a capacidade de o teste nega- tivo afastar a doença, pois ocorre uma diminuição da probabilidade de falso negativo. Quanto maior a especificidade de um teste, maior a capacidade de o teste positivo indicar a doença, pois diminui a probabilidade de falso positivo8. 1.4 BIOSSEGURANÇA No laboratório clínico os profissionais de saúde estão expostos a diversos riscos, dentre eles: os riscos ergonômicos, físicos, químicos e biológicos. Os profissionais trabalham com agentes infecciosos e com materiais potencial- mente contaminados. Dessa forma, é necessário que esses profissionais se- jam treinados e conscientizados sobre os riscos potenciais e sobre as técni- cas e práticas necessárias para o manuseio seguro das amostras biológicas1. 12Exames Laboratoriais de Sangue A biossegurança é o conjunto de ações voltadas para a prevenção, mini- mização ou eliminação dos riscos inerentes às atividades de pesquisa, pro- dução, ensino, desenvolvimento tecnológico e prestação de serviços. Estes riscos podem comprometer a saúde do homem e animais, o meio ambiente ou a qualidade dos trabalhos desenvolvidos5,6. Os equipamentos de proteção individual conhecidos como EPIs são utiliza- dos para minimizar a exposição aos riscos ocupacionais, como contato com agentes infecciosos, substâncias irritantes e tóxicas, materiais perfurocor- tantes e materiais submetidos a aquecimento ou congelamento, e para evi- tar possíveis acidentes no laboratório5. Os EPIs que devem estar disponíveis obrigatoriamente para todos os profis- sionais que trabalham em ambientes laboratoriais são: jalecos, luvas, másca- ras, óculos e protetores faciais. Os equipamentos de proteção coletiva (EPCs) têm a finalidade de minimizar a exposição dos trabalhadores aos riscos e, em casos de acidentes, reduzir suas consequências. Como, por exemplo, o lava-olhos, extintores e cabines de proteção biológica5. 1.5 AMOSTRAS BIOLÓGICAS São consideradas amostras biológicas de material humano para exames la- boratoriais: sangue, urina, saliva, fezes, esperma, fragmentos de tecido, líqui- do sinovial, pleural, líquido cefalorraquidiano, pus etc., e de qualquer outro material humano necessário para exame diagnóstico. 1.6 COMO É FEITA A COLETA DE SANGUE Os procedimentos de coleta de sangue (venoso), são executados por profis- sionais de saúde componentes de equipes multiprofissionais. Podem ser de nível universitário (farmacêuticos, biólogos, biomédicos, enfermeiros etc.), técnico (técnicos de enfermagem, técnicos de laboratório, técnicos em pa- tologia clínica etc.) e de nível intermediário (auxiliares de enfermagem). Já a punção arterial, só pode ser feita por enfermeiro, médico, acadêmicos de enfermagem e de medicina sob a supervisão do professor e/ou responsável. 13Exames Laboratoriais de Sangue O resultado correto de um exame de análises clínicas não depende somente de quem os analisa, mas também da qualidade da amostra coletada. O procedimento incorreto durante a coleta de sangue, por exemplo, pode afetar o resultado de alguns exames laboratoriais. Dessa forma, apresentare- mos adiante como deve ser realizada a coleta de sangue venoso. 1.6.1 PUNÇÃO VENOSA A punção venosa, geralmente, é realizada na região da fossa antecubital, na área anterior do braço, em frente e abaixo do cotovelo, que é onde está loca- lizado um grande número de veias relativamente superficiais. Para a eviden- ciação da veia é utilizado um torniquete3. O torniquete deve estar bem posicionado e ser aplicado cerca de 7,5 a 10,0 cm acima do local da punção para evitar a contaminação do local3. O tem- po de aplicação do torniquete não deve ultrapassar um minuto. O excesso de tempo na aplicação do torniquete durante a coleta pode levar a esta- se, hemoconcentração, hemólise, podendo aumentar significativamente a concentração de diversos analitos4. Em seguida, é realizada a identificação da veia para a punção. Esse procedimento pode ser realizado pela palpação da veia, ou na utilização do transiluminador. A palpação deve ser realizada com o dedo indicador do flebotomista. Não se deve utilizar o dedo polegar devido à baixa sensibilidade da percepção da pulsação. Após isso, é realizado o processo de antissepsia. Esse processo, deve ser realizado com uma gaze ou algodão umedecidos com solução de álcool isopropílico ou etílico 70%3. Deve-se realizar movimentos circulares do centro para fora no local da pun- ção, e não com movimentos lineares, que podem levar a estase venosa, fator que afeta a qualidade da amostra. A realização incorreta do processo de an- tissepsia pode levar a contaminações no local da punção4. A coleta de sangue pode ser realizada através do sistema a vácuo ou pode ser coletado com seringa e agulha. Atualmente, o sistema a vácuo é o mais indicado e também é o mais utilizado nos laboratórios clínicos brasileiros3. Para a coleta com o sistema a vácuo vale ressaltar a importância da sequ- ência correta dos tubos de coleta. A alteração na sequência dos tubos pode implicar a contaminação da amostra com os aditivos, podendo gerar resul- tados alterados nos analitos sensíveis3. 14Exames Laboratoriais de Sangue 1.7 QUAIS OS PRINCIPAIS INTERFERENTES, E COMO ESTES QUE PODEM INFLUENCIAR NO RESULTADO DE UM EXAME LABORATORIAL Cada uma dessas etapas do processamento da amostra, as fases pré-analí- tica, analíticamétodo analítico compreende o conjunto de procedimentos ou técnicas desde o pré-tratamento da amostra até seu resultado final. Pode ter finali- dade qualitativa, que determina a presença ou ausência do agente tóxico na amostra, ou finalidade quantitativa, em que é realizada a determinação da quantidade do analito na amostra, fornecendo informações sobre a natureza e a magnitude da exposição a um composto ou a um grupo de compostos107. Os testes de triagem fornecem resultados mais rápidos e o resultado pode ser qualitativo ou semiquantitativo, e, algumas vezes, podem gerar resulta- dos falso-positivos. Assim, o resultado de uma técnica de triagem pode ser confirmado por outras técnicas analíticas107. Os testes de confirmação identificam o composto específico, em vez de simplesmente sua classe, e são mais demorados, trabalhosos, de limitada disponibilidade e mais caros. A técnica confirmatória mais usada é a croma- tografia gasosa acoplada à espectrometria de massas; essa análise pode ser qualitativa ou quantitativa107. Apesar de a cromatografia líquida associada à espectrometria de massas em tandem (CL-EM/ EM) e espectrometria de massas por tempo de voo (CL- -TDV) serem os métodos mais modernos e apresentarem elevada sensibili- dade e especificidade, a maior parte dos laboratórios de toxicologia analítica ainda utiliza métodos clássicos como a cromatografia em camada delgada (CCD), cromatografia gasosa (CG) com detectores não espectrométricos – como os de ionização em chama (DIC) e nitrogênio-fósforo (DNP) – e a cro- matografia líquida de alta eficiência com detecção por absorção de radia- ção ultravioleta (CLAE-UV)107,110. 94Exames Laboratoriais de Sangue REFERÊNCIAS 1. Santos AP, Zanusso Jr. G. Controle de qualidade em laboratórios clínicos. Rev Unin 2015; 45:60-7. 2. Moreli ML, Costa VG. Principais parâmetros biológicos avaliados em erros na fase pré- -analítica de laboratórios clínicos: revisão sistemática. Jornal Brasileiro de Patologia e Medicina Laboratorial. 2012. 3. Clínica SBDP. 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Alceu Amoroso Lima, 172 - Salvador Office & Pool, 3º andar - Caminho das Árvores, CEP 41820-770, Salvador - BA - Brasil. Tel.: 0800 337 6262 Editora Sanar LTDA - ME. CNPJ: 18.990.682/0001-92e pós-analítica, está susceptível a ocorrência de erros que afe- tam a qualidade e a confiabilidade do resultado. A maior parte dos erros ocorre na fase pré-analítica. Dessa forma, esta etapa do processo merece atenção e é comum ser discutida pelo sistema de gestão da qualidade dos laboratórios4. As principais alterações que resultam em erros laboratoriais ocorrem em di- versos passos da fase pré-analítica, como tempo de armazenamento (78,6%), tempo de torniquete (78,6%), técnica de flebotomia (64,3%), falta de informa- ção aos pacientes (64,3%), incorreta relação sangue/anticoagulante (57%), tu- bos inadequados (50%), amostras contaminadas (43%), medicamentos (29%) e variações interlaboratoriais (29%)2. O elemento mais sensível na produção de erros na fase pré-analítica diz res- peito à atividade humana, em que diversos profissionais participam do pro- cessamento da amostra. Somado a isso, podem ocorrer erros devido às infor- mações dadas pelos pacientes durante a anamnese, como tempo de jejum, medicamentos, realização de exercícios antes da coleta, entre outros2. A influência das variáveis pré-analíticas pode ser minimizada, por exemplo, ao se estabelecer orientação adequada aos pacientes em relação aos fatores que interferem no resultado antes da realização da coleta4. Outro fator que pode minimizar os erros é o treinamento contínuo dos pro- fissionais envolvidos nessa fase. Fatores como, postura correta do paciente na hora da coleta, ao tempo máximo para aplicação do torniquete, sequ- ência correta sequência dos tubos nas coletas em sistema a vácuo, são es- senciais para a qualidade do resultado. Além disso, a automação em alguns procedimentos da fase pré-analítica pode minimizar a falha humana2,4. O Controle de qualidade é importante para prevenir os erros nos laborató- rios clínicos, sobretudo durante a fase analítica. O Controle Interno de Qua- lidade (CIQ) é realizado diariamente na rotina na fase analítica, analisando diariamente as amostras-controle que possuem valores conhecidos com a finalidade de observar a reprodutibilidade e a precisão de cada teste, visan- do melhorar a qualidade e identificar possíveis falhas, como a estabilidade dos reagentes e calibração dos equipamentos. Já o Controle Externo de qua- 15Exames Laboratoriais de Sangue lidade é realizado periodicamente e compreende a avaliação do desempe- nho de sistemas analíticos por meio de ensaios de proficiência, análise de padrões certificados e comparações interlaboratoriais1. 16Exames Laboratoriais de Sangue 2Exames laboratoriais na identificação de distúrbios renais 2.1 FUNÇÃO HOMEOSTÁTICA RENAL Os rins desempenham uma importante função homeostática atuando prin- cipalmente9 na: ▶ Manutenção do equilíbrio hídrico: os rins mantêm constante a quan- tidade de água do organismo; ▶ Manutenção do equilíbrio eletrolítico: papel mantido dentro de uma faixa estreita de normalidade a concentração de diversos eletrólitos; ▶ Manutenção do equilíbrio ácido-básico: junto com os pulmões, os rins são responsáveis pela manutenção do pH do líquido extracelular dentro de valores muito estreitos; ▶ Excreção de catabólitos: responsável pela eliminação de uma série de substâncias resultantes do catabolismo orgânico de proteínas, lipídios e carboidratos; ▶ Função reguladora hormonal: os rins secretam diversas substâncias que agem como hormônios reguladores do funcionamento do orga- nismo. A avaliação da função renal é de extrema importância na prática clínica, tan- to em termos de diagnóstico e prognóstico, quanto de análise de respostas terapêuticas10. Neste capítulo veremos como é feita a avaliação da função renal através de exames laboratoriais. 2.2 PROVAS DE FUNÇÃO RENAL As provas de função renal, não avaliam a etiologia do distúrbio renal, consi- deram o mal entre lesão localizada e generalizada, entre disfunção tempo- 17Exames Laboratoriais de Sangue rária e permanente e entre distúrbios primários e secundários, além de de- terminar a presença ou ausência de disfunção com estimativa aproximada de sua gravidade. 2.2.1 DOSAGEM DE CREATININA SÉRICA A creatinina é um produto residual da creatina. A quantidade de creatini- na produzida é dependente da massa muscular e não apresenta grandes variações diárias. A creatinina é filtrada livremente no glomérulo e é ativa- mente secretada em uma pequena parcela, mas o suficiente para superes- timar a taxa de filtração glomerular (TFG). A quantidade produzida não é constante, dependendo do indivíduo e da concentração plasmática desse analito11. O seu aumento tem uma forte correlação com a falência renal. Crianças e idosos, por possuir massa muscu- lar menor apresentam níveis mais baixos de creatinina sérica. 2.2.2 DOSAGEM DA UREIA SÉRICA A ureia é um metabólito derivado da degradação de proteínas pelo organis- mo. Apesar de ser filtrada livremente pelo glomérulo, não ser reabsorvida nem secretada ativamente, a ureia é um fraco preditor da TFG, pois 40%- 70% retornam para o plasma por um processo de difusão passiva, que é de- pendente do fluxo urinário11. Outros fatores podem interferir nos valores plasmáticos de ureia, sem te- rem relação com a função renal, destacando-se a dieta e a taxa de produ- ção hepática. A principal utilidade clínica da ureia parece estar na deter- minação em conjunto com a creatinina, por meio da razão ureia sérica/ creatinina sérica. Os níveis séricos da ureia estão relacionados com patolo- gias como a necrose tubular aguda, baixa ingestão de proteínas, condições de privação alimentar ou redução da síntese de ureia por insuficiência he- pática. Além disso, a ureia pode fornecer informação para monitoramento de dietas especiais11. O aumento dos níveis séricos (hiperuremia) da ureia podem ser classifica- dos, de acordo com a sua origem em: Pré-renal, renal e pós-renal. Valores de referência: Homem: 0,6-1,2mg/mL Mulher: 0m5-1,1mg/mL Criança: 0,3-0m7mg/mL 18Exames Laboratoriais de Sangue A hiperuremia pré-renal (função renal normal), ocorre devido a uma produ- ção aumentada nos níveis de ureia ou por dimi- nuição do fluxo sanguíneo. Por exemplo: no ca- tabolismo proteico aumentado, na ingestão excessiva de proteínas, choque traumático ou hemorrágico, desidratação, descompensação cardíaca aguda, infecções maciças ou toxemia. A hiperuremia renal, acontece devido à doença renal intrínseca. Por exemplo: na insuficiência renal aguda ou crônica, nefrites, pielonefrites etc.; A hiperuremia pós-renal (reabsorção da ureia) ocorre devido à obstrução do fluxo renal; por exemplo: na obstrução do trato urinário por cál- culo, obstrução externa, tumores de bexiga, tu- mores ou hipertrofia da próstata, defeitos congê- nitos de bexiga ou uretra. Já os níveis séricos diminuídos são mais ra- ros, e decorrem de importante restrição da ingestão de proteínas, desidratação, reposi- ção excessiva de líquidos, durante a gesta- ção e nas doenças hepáticas graves (por di- minuição da síntese da ureia). Nas doenças hepáticas, além da diminuição dos níveis de ureia, há um aumento dos níveis de amônia, pois é no fígado que ocorre a conversão de amônia em ureia. 2.2.3 TAXA DE FILTRAÇÃO GLOMERULAR ESTIMADA É possível calcular a depuração de creatinina, quer dizer, a taxa de filtração glomerular (TGF) sem colher a urina de 24h. Cockcroft e Gault, em 1976, elabo- raram uma fórmula para calcular o ritmo de filtração glomerular. Essa fórmula Ieva em conta a idade, peso corporal e a creatinina plasmática como a seguir12: RFG (ml.min-1) = ((140* - idade em anos) x Peso corporal (kg)) (72* x creatinina sérica (mg%) O resultado deverá ser multiplicado por 0,85 quando o paciente for do sexo feminino. Segundo os idealizadores dessa fórmula, esta não deve ser usada IMPORTANTE: Detectada pelo aumento da ureia plasmática, sem haver elevação da creatinina no sangue. IMPORTANTE: Há também aumento da creatinina sérica. A avaliação conjunta com a crestinina é útil no diagnõsti- co diferencial das causasde lesão renal. 19Exames Laboratoriais de Sangue em pacientes obesos e/ou com algum problema na função renal. O clearan- ce de creatinina é um método bastante usado no diagnóstico precoce da insuficiência renal12. 2.3 DOSAGEM DE ÁCIDO ÚRICO A maior parte dos uratos são produzidos no fígado, provenientes do desdo- bramento das proteínas endógenas e exógenas. A velocidade e a quantida- de formada dependem da xantina oxidase. Defeitos familiares podem influir na quantidade de ácido úrico formado. As alterações dos níveis séricos do ácido úrico podem causar complicações como: ▶ Gota; ▶ Artrite úrica; ▶ Insuficiência renal aguda; ▶ Insuficiência renal crônica; ▶ Cálculo renal etc. Quando o ácido úrico está aumentado no sangue, dizemos que há hiperuricemia e, quando as taxas se encontram diminuídas, diz-se que há hipouri- cemia. A hiperuricemia ocorre em 10-15% da popu- lação acima de 40 anos. Está relacionada a outras doenças, como: ▶ Alcoolismo; ▶ Diabetes; ▶ Uso abusivo de diuréticos etc. 2.4 INSUFICIÊNCIA RENAL AGUDA (IRA) A insuficiência renal aguda (IRA) pode ser definida como perda da função renal, de maneira súbita, provocando acúmulo de substâncias nitrogenadas (ureia e creatinina), e pode vir acompanhada ou não da diminuição da diu- rese13. A avaliação do paciente com IRA é realizada analisando: volume urinário, a densidade urinária e a concentração de ureia e creatinina plasmáticas13. IMPORTANTE: Níveis elevados de ácido úrico aumentam a resistência de nossos tecidos à ação da insulina. 20Exames Laboratoriais de Sangue 2.4.1 CAUSAS DA IRA A IRA pode fazer parte de diversas doenças. Para fins de diagnóstico e trata- mento costuma ser dividida em três etiologias, a pré-renal, renal e pós-renal. Na IRA pré-renal não há defeito estrutural nos rins, mas ocorre baixa perfusão renal. Dessa forma, o volume urinário diminui e fica altamente concentrado com nitrogenados e quantidades mínimas de sódio, e é essa habilidade de retenção de sal e água que distingue basicamente a azotemia pré-renal das causas parenquimatosas de IRA. As causas mais comuns de IRA pré-renal são13: ▶ Hipovolemia: hemorragias, perdas gastrointestinais, terceiro espaço, queimaduras, sobrecarga de diuréticos, febre; ▶ Diminuição do débito cardíaco: arritmias, insuficiência cardíaca con- gestiva, infarto agudo do miocárdio, tamponamento pericárdico; ▶ Vasodilatação periférica: choque anafilático, bacteremia e anti-hiper- tensivos; ▶ Vasoconstrição renal: anestesias, cirurgias, síndrome hepatorrenal; ▶ Drogas: agentes antiinflamatórios não hormonais, inibidores da enzima de conversão da angiotensina, ciclosporina, agentes contrastados para Raio-X. O diagnóstico da IRA pré-renal é extremamente importante devido a pos- sibilidade de reversão em um a dois dias e, se persistir, pode levar os rins à lesão denominada de necrose tubular aguda (NTA)13. Já a IRA renal é caracterizada por lesões recentes ao parênquima renal , sen- do a NTA a forma mais frequente de IRA. A causas da IRA renal são: ▶ Hemodinâmicas (isquêmicas): politraumatismos, hemorragias, choque séptico, reações a transfusão, hemorragia pós-parto, pancreatite, gas- troenterite; ▶ Nefrotóxica: antibióticos, metais pesados, contrastes radiográficos, sol- ventes orgânicos, venenos, químicos, anestésicos, agentes antiinflama- tórios não hormonais, agentes nefrotóxicos; ▶ Doenças glomerulares e vasculares; ▶ Nefrite intersticial aguda. As causas da IRA pós-renal são doenças associadas à obstrução do trato uri- nário e a importância do diagnóstico na IRA pós-renal é a reversibilidade da insuficiência renal13,14. 21Exames Laboratoriais de Sangue 2.4.2 AVALIAÇÃO LABORATORIAL DA IRA A avaliação da filtração glomerular (FG) é um ótimo parâmetro para men- surar a função renal15. A medida do ritmo de filtração glomerular (RFG) é a prova laboratorial mais utilizada na avaliação da função renal. Medidas formais da TFG, particularmente as técnicas padrão de depuração renal com coleta de urina, são, pela própria natureza, invasivas, consumido- ras de tempo e onerosas. Para isso, são usados marcadores indiretos, como as dosagens de creatinina e cistatina C no sangue, ou pela determinação do RFG propriamente dito, com indicadores como inulina, contrastes ioda- dos, marcados ou não, e outras substâncias. A dosagem da creatinina sérica é o teste mais realizado no laboratório clínico16. ▶ Cálculo da TFG em mL/minuto – “Clearance” da creatinina: Na prática clínica, a filtração glomerular pode ser avaliada pelo clearance de creatinina, que é subproduto do metabolismo energético e constituinte do plasma. Esse método dá resultado muito próximo do real, porém possui dois inconvenientes: primeiro, no plasma existem substâncias que interferem com a dosagem de creatinina, fazendo com que seja medida concentração plasmática maior que a real; segundo, a creatinina é excretada pelos túbulos renais12. ▶ Indiretamente, verificando no sangue o acúmulo de substâncias cuja eliminação depende da filtração glomerular: A concentração sérica de Creatinina tem muitas limitações para avaliar a função renal porque é afetada por muitos fatores, como massa muscular, sexo, dieta, raça, função hepática e medicamentos. Além disso, produz uma estimativa imprecisa da TFG por causa do efeito da secreção tubular e reab- sorção da creatinina e de fatores não renais17. A cistatina C é produzida de forma constante. Quando comparada à dosa- gem da creatinina, a medida de cistatina C sofre menos interferências e apresenta maior acurácia na detecção de reduções incipientes da função renal10. 2.5 DOENÇA RENAL CRÔNICA (DRC) Ocorre devido à perda gradativa da estrutura e função renal, perda progres- siva das funções fisiológicas dos rins. O declínio da função renal se associa ao 22Exames Laboratoriais de Sangue aumento da mortalidade, morbidade, limitações na vida diária, incapacida- des físicas e perda da qualidade de vida. Importante: A prevalência da DRC tem aumentado em função do envelhecimento populacional e dos fatores de risco metabólicos como: ▶ Hipertensão; ▶ Obesidade; ▶ Diabetes; ▶ Uso de agentes negrotóxicos. A avaliação laboratorial é feita utilizando os mesmos marcadores para a in- suficiência renal aguda. 23Exames Laboratoriais de Sangue 3 3.1 ARBOVIROSES Os arbovírus são um conjunto composto por centenas de vírus que são transmitidos por artrópodes e em sua maioria mosquitos hematófagos, em- bora não tenham necessariamente relação filogenética. A maior parte dos arbovírus pertence aos gêneros Alphavirus (família Togaviridae) e Flavivirus (família Flaviviridae)18. No atual contexto epidemiológico brasileiro, os arbovírus de maior circu- lação são os vírus da Dengue (DENV), Zika (ZIKV) e Chikungunya (CHIKV). Ambos são transmitidos pela picada de fêmeas do mosquito Aedes18. Neste capítulo estudaremos como é feito o diagnóstico para identificar cada uma dessas arboviroses. 3.2 DENGUE O vírus da dengue (DENV) é um flavivírus e seu genoma compreende uma única fita de RNA de sentido positivo, que codifica três proteínas estruturais e sete não estruturais. Existem quatro sorotipos diferentes que, apesar de se- rem geneticamente semelhantes, são antigenicamente distintos, definidos pela incapacidade de anticorpos induzidos individualmente para neutraliza- ção cruzada19. A doença é caracterizada por febre, dor de cabeça intensa, dor atrás dos olhos, mal-estar, dor articular e muscular intensa, náuseas e vômitos e he- morragia petequial com erupção cutânea, que aparece 3-4 dias após o início da febre19,20. Exames Laboratoriais para a Identificação de Arboviroses (Dengue, Zika e Chikungunya) 24Exames Laboratoriais de Sangue Outra manifestação mais grave da infecção pelo vírus da dengue é a den- gue hemorrágica, que se manifesta por meio de sangramento das gengivas, sangramento nasal, hematomas, podendo até mesmo levar à morte20. 3.2.1 DIAGNÓSTICO LABORATORIAL DE DENGUE Os pacientescom dengue apresentam algumas alterações clássicas, entre elas, trombocitopenia comLeves Ausentes 28Exames Laboratoriais de Sangue 4 4.1 DIAGNÓSTICO LABORATORIAL COVID-19 A doença do Coronavírus 2019 (COVID-19) é pandêmica, causada pelo SARS- -CoV-2, de síndrome respiratória aguda grave, identificada pela primeira vez na cidade de Wuhan, província de Hubei, China28,29. O diagnóstico laboratorial preciso e rápido do SARS-CoV-2 é importante para isolar os pacientes com COVID-19 em tempo hábil, ajudando a controlar a epidemia, como também salvar vidas28,29. Além disso, proporciona o rastre- amento de contato para indivíduos expostos, fornecendo dados para a vigi- lância genômica e conhecimento das taxas regionais e nacionais de infec- ção, a fim de informar as intervenções de saúde pública30. Os testes de diagnóstico para COVID-19 enquadram-se em duas categorias principais: testes moleculares, que detectam RNA viral, testes sorológicos, que identificam imunoglobulinas anti-SARS-CoV-2, e testes que constatam antígenos do vírus (proteínas)28. Há três metodologias que podem ser utilizadas: ▶ O método MOLECULAR da RT-PCR (transcrição reversa seguida da reação da polimerase em cadeia; ▶ Os testes SOROLÓGICOS que podem detectar anticorpos. Pode ser rápido ou não; ▶ Testes que detectam antígenos do vírus (proteínas). Exames Laboratoriais para Identificar SARS-CoV-2 (COVID-19) 29Exames Laboratoriais de Sangue 4.2 TESTES UTILIZADOS NO DIAGNÓSTICO DA COVID-19, PRINCIPAIS DIFERENÇAS E RESTRIÇÕES O RT-PCR é um teste molecular amplamente utilizado como o padrão de referência para o diagnóstico da COVID-1928. Ele, o RT-PCR, é realizado com esfregaços nasofaríngeos ou outras amostras do trato respiratório superior, incluindo esfregaço da garganta e saliva. Diversos alvos são usados por di- ferentes fabricantes, principalmente o envelope viral (env), nucleocapsídeo (N), pico (S), RNA polimerase dependente de RNA (RdRp) e ORF1genes. Na maioria dos indivíduos com infecção sintomática por COVID-19, o RNA vi- ral no swab nasofaríngeo, medido pelo limiar de ciclo (Ct), torna-se detectá- vel logo no primeiro dia dos sintomas e picos, com um sinal de ciclo de repli- cação necessário para produzir o número de sintomas na primeira semana. A positividade começa a diminuir na terceira semana, tornando-se, a partir desse momento, indetectável31. Dessa forma, a precisão do RT-PCR depende muito do período de amostragem e da localização. Por isso perder o período de janela de replicação viral pode fornecer resultados falso-negativos32. A carga viral detectável depende dos dias após o início da doença. Nos pri- meiros 14 dias após o início, o SARS-CoV-2 pode ser detectado de forma mais confiável no escarro seguido por esfregaços nasais, enquanto os esfregaços de garganta não são confiáveis após oito dias do início dos sintomas. Um teste com resultado de PCR negativo de amostras respiratórias não exclui a possibilidade da doença. Antes da geração de resposta secundária adaptativa de alta afinidade IgG, importante para a imunidade de longo prazo e memória imunológica, o iso- tipo IgM fornece a primeira linha de defesa durante infecções virais. Os imunoensaios de quimioluminescência (CLIA) são ensaios quantitativos de detecção sorológica de anticorpos, que apresentam alta sensibilidade e especificidade. A detecção contínua de concentrações de anticorpos pode ser usada para avaliar a progressão dos casos de COVID-19. Os testes sorológicos, por sua vez, têm algumas vantagens: menores custos e se apresentam como complemento ao RT-PCR, pois possibilitam identifi- car indivíduos previamente infectados pelo SARS-CoV-2, mesmo que nunca tenham feito o teste durante a doença aguda28. Além disso, os testes soroló- gicos podem ser implantados como ferramentas de vigilância para melhor compreensão da epidemiologia do vírus. Eles podem ser classificados como: 30Exames Laboratoriais de Sangue ensaios imunoenzimáticos (ELISAs), imunoensaios de fluxo lateral ou imu- noensaios quimioluminescentes. Tratando-se sobre a diferença entre os testes, o PCR pode diagnosticar pre- cocemente a doença porque aponta a presença do vírus no início dos sin- tomas. Por sua vez, os testes para detecção de anticorpos ou antígenos são os indicados para estágios mais avançados da doença. Os testes sorológicos para COVID-19 são para detecção de anticorpos das classes IgA, IgM, e IgG produzidos pelo organismo após a infecção pelo Coronavírus. Podem ser utilizados para auxílio diagnóstico da infecção pelo SARS-CoV-2, desde que suas restrições sejam conhecidas e os resultados interpretados corretamen- te. Principais restrições dos testes sorológicos: ▶ Possibilidade de falso-negativos em razão da janela imunológica de cerca de sete a dez dias após o início dos sintomas, podendo se esten- der até mais que vinte dias; ▶ Possibilidade de falso-positivos devido à interferência por anticorpos heterófilos e reações cruzadas, em caso de infecção por outros vírus. De forma geral, os testes ELISA e quimioluminescência apresentam desem- penho superior aos testes imunocromatográficos (rápidos). No tocante à avaliação de imunidade, ainda não há comprovação de que o surgimento de anticorpos IgG está associado à imunidade contra o SARS-CoV-2. Principais restrições dos testes moleculares: ▶ Possibilidade de falso-negativos em virtude da coleta errada; ▶ Possibilidade de falso-negativos decorrente da quantidade de vírus; ▶ Preço; ▶ Falta de insumos; ▶ Falta de equipamentos e pessoal treinado. 4.3 ALGUNS QUESTIONAMENTOS O Teste Rápido, por ser mais rápido, não é o melhor? Afinal, quando uti- lizar cada um dos Testes? Depende de quando e em quais circunstâncias forem utilizados. O fato de cientistas ainda não saberem ao certo o tempo decorrido entre a infecção pela COVID-19 e a produção de anticorpos pelo organismo torna os testes 31Exames Laboratoriais de Sangue rápidos mais sujeitos a resultados falso-negativos (quando a doença não aparece em uma pessoa infectada) ou falso-positivos. Esse nível de confia- bilidade, claro, varia de acordo com o tipo de teste. A OMS apontou o RT-P- CR como o exame mais apropriado para o diagnóstico da COVID-19 na fase aguda da doença. A OMS apontou o RT-PCR como o exame mais apropriado para o diagnóstico da COVID-19 na fase aguda da doença, quando a pessoa já apresenta sintomas ou confirma ter tido contato com alguém infectado. No entanto, o teste (RT-PCR) deve ser realizado entre o 3º e 7º dias de sinto- mas, preferencialmente quando a carga viral é maior, podendo ser coletado até o 10º dia. O nível de sensibilidade é extremamente eficaz, podendo de- tectar a infecção em mínimas quantidades de material genético do vírus. 32Exames Laboratoriais de Sangue 5 5.1 HIV O Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV é a sigla em inglês) é um retroví- rus, classificado na subfamília dos Lentiviridae, que ataca o sistema imuno- lógico, principalmente os linfócitos T CD4+33. A estrutura do vírus é semelhante para os dois sorotipos, HIV-1 e HIV-2. Ele é composto por um envelope protetor, um pequeno número de proteínas e o material genético. Depois de entrar na célula, o RNA de fita simples é trans- crito de forma reversa em DNA do HIV e, em seguida, é integrado ao DNA do hospedeiro. Então, as proteínas do vírus são produzidas e clivadas e os vírions maduros são liberados, aproveitando, assim, as enzimas do hospedeiro34. 5.2 DIAGNÓSTICO DO HIV O diagnóstico precoce para o HIV aumenta muito a expectativa e a qualida- de de vida de uma pessoa que convive com o vírus. O diagnóstico da infec- ção é feito a partir da coleta de sangue ou por fluido oral. No Brasil, temos os exames laboratoriais e os testes rápidos, realizados gratuitamente pelo Sis- tema Único de Saúde (SUS) e nos Centros de Testagem e Aconselhamento (CTA), podendo ser feitos de forma anônima33. Os algoritmos de teste de HIV mudaram com o tempo em virtude do au- mento da precisão dos testes. Os Centros de Controle e Prevenção de Doen- ças recomendam que o rastreamento do HIVseja realizado com um ensaio antígeno-anticorpo (de quarta geração). Os resultados positivos devem ser confirmados com um ensaio de anticorpos que pode diferenciar entre infec- ções por HIV-1 e HIV-234. Exames Laboratoriais para Identificação e Acompanhamento do Paciente HIV Positivo 33Exames Laboratoriais de Sangue Do contato do HIV com o organismo até a infecção propriamente dita existe uma sequência de acontecimentos moleculares e imunológicos. Diferentes tipos de testes detectam distintos tipos de moléculas. Dependendo da fase e do teste utilizado, será definido o tempo mínimo para conseguir o diag- nóstico. O teste de Western blot (WB) ou o teste de Imunoblot (IB) não são indicados como um teste de triagem inicial em razão da alta frequência de reações indeterminadas, sendo empregado como um teste confirmatório, em espe- cial em indivíduos que obtiveram resultado positivo pelo método de ELISA ou outro teste de triagem inicial35. Outra técnica usada como teste confirmatório é a imunofluorescência in- direta (IFI) cujas vantagens são sua rapidez e a facilidade de ser realizado, porém requer habilidade na leitura, que é subjetiva35. Além desses, os testes moleculares, como a reação em cadeia da Polimerase (PCR), são utilizados como testes confirmatórios35. O teste rápido de HIV, usando sangue de uma punção digital ou coleta de fluido oral, pode fornecer resultados de teste de infecção por HIV-1 em 30 minutos e é útil em alguns casos, mas a maioria dos testes rápidos apresen- ta sensibilidade limitada para detectar infecção aguda por HIV. Portanto, os testes de antígeno-anticorpo de quarta geração e/ou testes de ácido nuclei- co mais sensíveis devem ser incluídos quando os fatores de risco são suges- tivos de infecção aguda34. 5.3 MONITORAMENTO DA INFECÇÃO PELO HIV O monitoramento da evolução clínica de indivíduos infectados pelo HIV é realizado pela contagem de linfócitos T CD4+, pela quantificação da carga viral e pela genotipagem36. A Rede Nacional de Laboratórios para Contagem de Linfócitos T CD4+/CD8+ visa o monitoramento do tratamento com antirretrovirais para novos pa- cientes. Esse monitoramento possibilita a adoção de terapias preventivas às infecções oportunistas e busca a efetividade do tratamento36. A Rede Nacional de Laboratórios para Quantificação da Carga Viral do HIV realiza testes para verificar a carga viral presente em amostra de sangue do 34Exames Laboratoriais de Sangue paciente, possibilitando nortear o tratamento, bem como a avaliação da efi- cácia da terapia, além de monitorar a evolução clínica de indivíduos infecta- dos36. A genotipagem viral serve para detectar mutações do HIV em pacientes em uso de terapia antirretroviral, proporcionando uma reorientação do trata- mento e a seleção de uma terapia de resgate. Ademais, a genotipagem é importante para estimar sorotipos circulantes, a prevalência de mutações e sua associação com o estadiamento clínico e com os esquemas terapêuticos nas diferentes regiões36. Segundo o Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para Manejo da Infec- ção pelo HIV em Adultos (PCDT 2013), a genotipagem do HIV é indicada para a avaliação de falha virológica em pacientes em uso regular de TARV – por pelo menos seis meses – e também é recomendada antes do tratamento da doença36. 35Exames Laboratoriais de Sangue 6 6.1 DEFINIÇÃO O diabetes mellitus faz parte de um grupo de doenças metabólicas caracte- rizadas por hiperglicemia decorrente da deficiência na secreção de insulina ou em sua ação, ou em ambas. O desenvolvimento do diabetes está rela- cionado a vários processos patogênicos como a destruição autoimune das células β pancreáticas, com consequente deficiência de insulina, e anorma- lidades que resultam em resistência à ação da insulina37. A ação deficiente da insulina resulta da secreção inadequada dela e/ou di- minuição das respostas dos tecidos a ela, podendo ocorrer juntas no mesmo paciente37. 6.2 CONTROLE DA GLICEMIA O controle da glicemia é realizado por sistemas de feedback muito impor- tantes. Em uma pessoa normal, a concentração de glicose sanguínea está geralmente entre 80 e 90 mg/100 ml de sangue em jejum. Essa concentra- ção aumenta para 120 a 140 mg/100 ml durante a primeira hora ou um pou- co mais depois da refeição, porém os sistemas de feedback – composto pela insulina e glucagon – restabelecem a concentração de glicose rapidamente de volta aos níveis normais38. O fígado é um órgão muito importante para o controle da glicose sanguí- nea. Quando a glicose sanguínea é elevada depois de refeição, a secreção da insulina também aumenta, em até dois terços da glicose absorvida pelo in- testino, e é quase imediatamente armazenada no fígado sob a forma de gli- cogênio. Então, durante as horas seguintes, tanto a concentração de glicose Diagnóstico Laboratorial e Exames de Rotina na Diabetes 36Exames Laboratoriais de Sangue sanguínea quanto a secreção de insulina caem, fazendo com que o fígado libere a glicose de volta ao sangue38. Quando a concentração da glicose está muito elevada, a secreção aumen- tada de insulina faz com que a concentração de glicose sanguínea diminua em direção aos valores normais. Inversamente, a redução da glicose sanguí- nea estimula a secreção do glucagon e ele, então, funciona na direção opos- ta, para aumentar a glicose no sentido da normal38. Em alguns indivíduos com diabetes, o controle glicêmico adequado pode ser alcançado com redução de peso, exercícios e/ou agentes redutores de glicose orais. Portanto, esses indivíduos não precisam de insulina. Outros indivíduos, que apresentam alguma secreção residual de insulina, mas ne- cessitam de insulina exógena para o controle glicêmico adequado, podem sobreviver sem ela37. 6.3 CLASSIFICAÇÃO Existem diferentes tipos de diabetes. A diabetes tipo 1 é uma forma de diabe- tes autoimune, em que ocorre a destruição de células β, geralmente levando à deficiência absoluta de insulina. Portanto, os indivíduos acometidos pre- cisam de insulina para sobreviver. A gravidade da anormalidade metabólica pode progredir, regredir ou permanecer a mesma. A diabetes autoimune ocorre comumente na infância e adolescência, mas pode surgir em qualquer outra idade. Alguns pacientes, principalmente crianças e adolescentes, podem apresentar cetoacidose como a primeira manifestação da doença. Outros, particularmente adultos, podem reter a função residual das células β suficiente para prevenir a cetoacidose por mui- tos anos. A diabetes idiopática é uma forma de diabetes do tipo 1, em que as etiolo- gias não são bem conhecidas. Os pacientes acometidos têm insulinopenia permanente e são propensos à cetoacidose, apresentando uma forte as- sociação hereditária, no entanto não há evidências imunológicas para au- toimunidade de células β e não está associada ao HLA (antígeno leucocitário humano)37. Já a diabetes mellitus do tipo 2 varia de resistência à insulina com deficiên- cia relativa de insulina até um defeito secretor de insulina, sendo responsá- vel por 90-95% das pessoas com diabetes não insulino-independente. 37Exames Laboratoriais de Sangue Embora as etiologias específicas não sejam conhecidas, a destruição au- toimune das células β não ocorre. A maioria dos pacientes com essa espécie de diabetes é obesa, e a própria obesidade causa certo grau de resistência à insulina. O risco de desenvolver esse tipo de diabetes aumenta com a idade, obesidade e falta de atividade física. Muitas vezes está associada a uma forte predisposição genética, mais do que a forma autoimune de diabetes tipo 1. Essa forma de diabetes, frequentemente, não é diagnosticada por muitos anos porque a hiperglicemia se desenvolve gradualmente, e em estágios iniciais muitas vezes não é grave o suficiente para que o paciente perceba qualquer um dos sintomas clássicos de diabetes. No entanto, esses pacien- tes apresentam risco aumentado de desenvolver complicações vasculares. A secreção de insulina neles é defeituosa einsuficiente para compensar a resistência à insulina. Existem outros tipos de diabetes como as causadas por defeitos genéticos nas células β do pâncreas, defeitos genéticos na ação da insulina, doenças do pâncreas exócrino, endocrinopatias, diabetes induzido por drogas, algumas infecções e outras síndromes genéticas às vezes associadas ao diabetes37. Além dessas, existe uma forma de diabetes conhecida como diabetes melli- tus gestacional (DMG). Ela é definida como intolerância à glicose em vários graus, detectada pela primeira vez durante a gravidez – por meio da triagem de fatores de risco clínicos em mulheres grávidas – e entre as mulheres em risco, pelo teste de tolerância à glicose anormal, que é geralmente leve e as- sintomática. As mulheres com DMG correm alto risco de ter ou desenvolver diabetes quando não estão grávidas39. 6.4 CRITÉRIOS DE DIAGNÓSTICO Valores glicêmicos acima dos valores de referência, mas ainda abaixo dos valores diagnósticos de DM, denominam-se pré-diabetes. Na ausência de medidas de combate aos fatores de risco, ela evolui frequentemente para a doença clinicamente manifesta e associa-se a risco aumentado de doen- ça cardiovascular e complicações. Na maioria dos casos de pré-diabetes ou diabetes, a condição é assintomática e o diagnóstico é feito com base nos seguintes exames laboratoriais40,41: ▶ Glicemia em jejum: coletada em sangue periférico após jejum calórico de no mínimo oito horas; 38Exames Laboratoriais de Sangue ▶ Teste oral de tolerância à glicose (TOTG): coletada uma amostra de san- gue em jejum previamente à ingestão de 75 g de glicose dissolvida em água; após duas horas é coletada outra amostra; ▶ Hemoglobina glicada (HbA1c): oferece vantagens ao refletir níveis glicê- micos dos últimos três a quatro meses, ao sofrer menor variabilidade do dia a dia e independer do estado de jejum para sua determinação. Vale reforçar que se trata de medida indireta da glicemia, que sofre interfe- rência de algumas situações como anemias, hemoglobinopatias e ure- mia, nas quais é preferível diagnosticar o estado de tolerância à glicose com base na dosagem glicêmica direta. Outros fatores como idade e etnia também podem influenciar o resultado da HbA1c40. Ademais, a hiperglicemia pode ser detectada pelo uso de fitas reagentes, que é um método semiquantitativo da glicose na urina, de fácil realização e baixo custo. Entretanto, apresenta algumas limitações, por exemplo, a glicosúria só se torna positiva quando sua concentração sérica é superior a 180mg/dl em pacientes com função renal normal e com valores ainda mais elevados em pacientes com nefropatia diabética. Além disso, a medida da concentração de glicose obtida por meio das fitas na urina é alterada pelo volume, refletindo o valor médio correspondente ao período do intervalo de coleta e não dá uma ideia de como está a glicose no sangue no momento da realização do teste41. Quadro 2 – Critérios laboratoriais para diagnóstico de normoglicemia e DM adotados41 Glicose em jejum (mg/ dl) Glicose 2 horas após sobrecarga com 75 g de glicose (mg/dl) Normoglicemia 40 mg/dl em homens e > 50 mg/dl em mulheres HDL Fonte: Autoria Própria, 2020. 41Exames Laboratoriais de Sangue 7 7.1 IAM: DEFINIÇÃO O Infarto Agudo do Miocárdio (IAM) ocorre em decorrência de uma interrup- ção abrupta do fluxo sanguíneo nas vias coronárias, podendo ser acometido por vários fatores e causar uma isquemia no músculo cardíaco. Diante dis- so, pode ocasionar também uma lesão isquêmica do miocárdio, resultando em uma necrose irreversível. Ademais, há a diminuição no volume de ejeção sanguínea e, portanto, um aumento da atividade cardíaca como mecanis- mo compensatório, que aumenta a isquemia no tecido cardíaco42. Veremos neste capítulo os testes laboratoriais mais utilizados na rotina para o diagnóstico de IAM. Entre eles estão Creatinina fosfoquinase (CK), Creati- na fosfoquinase fração MB (CK-MB), Lactato desidrogenase (LDH), Aspartato aminotransferase (TGO/AST), Mioglobina e Troponina42,43. 7.2 DIAGNÓSTICO LABORATORIAL DO IAM Para estabelecer diagnóstico de IAM de forma precoce têm sido utilizados marcadores bioquímicos detectáveis nas primeiras horas da doença. A enzima Aspartato Aminotransferase (AST) foi o primeiro biomarcador car- díaco a ser empregado na prática clínica como diagnóstico. Essa enzima é encontrada no músculo cardíaco, no músculo esquelético e em órgãos como fígado, rins e pâncreas. A AST é liberada das células lesadas, sendo encontra- da em níveis elevados em pacientes com IAM. Os níveis de AST começam a se elevar entre 8 e 12 horas após o infarto, atingindo um pico máximo entre 24 a 48 horas, retornando ao nível normal entre 3 e 8 dias. Vários interferen- Exames Laboratoriais para Identificar e Acompanhar Doenças Cardíacas Isquêmicas 42Exames Laboratoriais de Sangue tes podem elevar o nível sérico de AST, como os exercícios físicos, injeções intramusculares e medicamentos42,44. A enzima creatina fosfoquinase (CK) está presente no cérebro, no músculo liso, músculo cardíaco e músculo esquelético, onde estão compostas, predo- minantemente, as células musculares. A CK é uma molécula dimérica cons- tituída por duas subunidades (M e B), formando três isoenzimas: a fração BB, MB e MM. As subunidades B e M se combinam resultando na CK-MM (muscular), CK-BB (cerebral) e CK-MB (miocárdica)42,44. A CK-total aumenta entre as primeiras três horas e seis horas após o início, apresentando um pico entre 18 a 24 horas, permanecendo alterada por 48 a 72 horas após o episódio do infarto. Apesar de a CK possuir alta sensibilidade – de até 98% para o IAM –, ela apre- senta menor especificidade cardíaca quando comparada a outros marcado- res44. Existem diversos fatores que interferem e podem aumentar os níveis séricos da enzima sem que exista uma lesão cardíaca, como injeções intra- musculares, traumas, cirurgias, meningite bacteriana, encefalite, acidentes vasculares cerebrais, exercício físico moderadamente intenso, ingestão de álcool e uso de alguns medicamentos42. Diante disso, a dosagem de CK-to- tal deve ser associada com outro biomarcadormais sensível e específico, a exemplo da fração CK-MB ou a Troponina, para o diagnóstico da IAM42. A CK-MB é encontrada principalmente no músculo cardíaco, sendo mais es- pecífica para diagnosticar o IAM, além de ter uma sensibilidade diagnóstica elevada, de 93 a 100%44. O nível sérico de CK-MB passa a se alterar dentro de três a seis horas após o IAM ter atingido um pico máximo entre 12 e 24 horas, retornando ao nível normal dentro de 48 a 72 horas42. A lactato desidrogenase (LDH) está presente no citoplasma de todas as célu- las do organismo, especialmente no miocárdio, fígado, músculo esquelético, rins e eritrócitos. O pico dos níveis de LDH ocorre entre 48 e 72 horas e volta aos valores normais dentro de 10 a 14 dias42. A LDH é composta por quatro cadeias polipeptídicas de dois tipos: M (mus- cle) ou A e, H (heart) ou B. Da combinação dessas estruturas resultam cinco isoenzimas diferentes: LD- -1(HHHH : H4), LD-2(HHHM : H3M), LD-3(HHMM : H2M2), LD-4(HMMM : HM3) e LD-5(MMMM : M4), onde a isoforma 1 seria a mais indicada para lesões car- díacas. 43Exames Laboratoriais de Sangue Alguns fatores podem interferir nos resultados da LDH como álcool, anes- tésicos e medicamentos. Algumas doenças também interferem como dis- trofia muscular progressiva, leucemias, anemia perniciosa e megaloblástica, doenças renais, carcinoma generalizado, além da hemólise da amostra bio- lógica42. A LDH é bastante inespecífica para o diagnóstico da IAM e, por isso, a dosagem é realizada quando a análise de CK-total ou CK-MB já não têm a sensibilidade necessária devido ao tempo de retorno dos níveis séricos nor- mais da CK, ou seja, depois de dois a quatro dias após a suspeita do infarto. Ademais, a dosagem de LDH associada com outros testes pode auxiliar no diagnóstico e monitoramento da lesão cardíaca42,44. As troponinas, no entanto, são proteínas encontradas nas células muscula- res esqueléticas e cardíacas. É considerada o biomarcador mais recomenda- do para detectar lesões miocárdicas, especialmente em razão de sua sensi- bilidade e especificidade45. Existem diferenças antigênicas entre as troponinas dos músculos esquelé- ticos e cardíacos. O uso de antissoros específicos permite a identificação e a quantificação tanto da cTnI (TnI cardíaca) como da cTnT (TnT cardíaca). Após uma lesão cardíaca, são liberadas as formas de troponina I e troponina T, quantificadas por meio de imunoensaios. A cTnI (troponina cardíaca) é al- tamente específica para o músculo cardíaco, mostrando-se elevada, apenas, em episódios de IAM, permanecendo alterada, em média, por sete a dez dias após o infarto42. A mioglobina é a primeira proteína que se altera após um episódio de IAM, que, apesar de apresentar boa sensibilidade, não tem especificidades para o diagnóstico do infarto por estar presente no músculo cardíaco e no músculo esquelético. Os níveis séricos de mioglobina começam a aumentar a partir de três horas após o IAM, atingindo o pico máximo em cerca de nove horas, retornando à faixa normal em média de 30 horas. A dosagem de mioglobina se torna mais útil – por não ter especificidade cardíaca – quando usada com outros marcadores cardíacos, resultando em uma rápida determinação do IAM42,44. Vários estudos mostram que a mioglobina é um marcador sérico identifi- cável nas primeiras horas de IAM apresentando alta sensibilidade em sua detecção precoce, como também uma sensibilidade mais alta quando com- parada com CK e CK-MB. Enquanto as enzimas CK e CK-MB demoram usu- almente de quatro a oito horas para se elevar, a mioglobina aumenta, em média, em duas horas e meia43. 44Exames Laboratoriais de Sangue Quadro 5 – Características da dinâmica de elevação, pico e retorno aos níveis basais dos indicadores de IAM Marcador Tempo de altera- ção inicial Tempo de pico de elevação Tempo de retorno ao normal CK-MB 4-8 horas 12-24 horas 72-96 horas Mioglobina 2-4 horas 8-10 horas 24 horas cTnI 4-6 horas 12 horas 3-10 dias horas cTnT 4-6 horas 12-48 horas 7-10 dias horas Fonte: Autoria Própria, 2020. Quadro 6 – Sensibilidade clínica estimada dos diferentes indicadores de isquemia miocár- dica, levando-se em conta o tempo após o início da dor precordial Marcador 2-8 horas 8-24 horas 24-72 horas acima de 72 horas Mioglobina 95% 75% 0% 0% CK-MB 60% 95% 98% 50% cTnI - 75% 65% 98% cTnT - 75% 95% 98% LDH isoforma 1 40% 85% 95% 90% Fonte: Autoria Própria, 2020. 45Exames Laboratoriais de Sangue 8 8.1 PROVAS DE FUNÇÃO HEPÁTICA A determinação de biomarcadores hepáticos em um laboratório clínico tem uma grande aplicação para o diagnóstico, prognóstico e acompanhamento de hepatopatias, contribuindo significativamente para estabelecer a causa, localização e grau de extensão da lesão. Os principais testes para a avaliação da função hepática são: aspartato aminotransferase (AST), alanina amino- transferase (ALT), γ-glutamil transferase (GGT), fosfatase alcalina (FA), albu- mina, bilirrubina e tempo de protrombina46. Neste capítulo veremos quais as alterações encontradas em cada um desses biomarcadores e a relação deles com a função hepática. 8.2 MARCADORES ENZIMÁTICOS A aspartato aminotransferase (AST) e alanina aminotransferase (ALT) são enzimas encontradas principalmente no fígado, mas também em glóbu- los vermelhos, células cardíacas, tecido muscular e outros órgãos, como o pâncreas e rins. Os níveis de AST ou ALT são muito úteis no diagnóstico de doenças do fígado47. Quando ocorre uma lesão em um órgão como o fígado ou o coração, AST e ALT adicionais são liberados na corrente sanguínea, aumentando seus ní- veis. Portanto, a quantidade de AST e ALT no sangue está diretamente rela- cionada à extensão do dano ao tecido. Após danos graves, os níveis de AST aumentam de dez a vinte vezes mais do que o normal, enquanto a ALT pode atingir níveis mais altos (até 50 vezes maiores do que o normal)47. Exames Laboratoriais na Identificação das Hepatopatias 46Exames Laboratoriais de Sangue A AST, além de ser encontrada no fígado, está presente em outros tecidos, como músculo esquelético e cardíaco, rins e cérebro. Já a ALT está situada predominantemente no fígado, sendo, portanto, mais específica para a ava- liação da função hepática48. Por outro lado, a proporção de AST para ALT (AST / ALT) às vezes pode ajudar a determinar se o fígado ou outro órgão foi danificado. Essa relação AST/ALT igual ou maior que 2 é sugestiva de doença hepática alcoólica, especialmen- te hepatite alcoólica e cirrose alcoólica47,49. A gamaglutamiltransferase (GGT) é uma enzima fixada à membrana celu- lar e é o principal marcador bioquímico utilizado na avaliação diagnóstica e evolução clínica do alcoolismo. Ela pode se apresentar aumentada isolada- mente em casos de hepatite alcoólica, provavelmente pelo aumento da de- generação enzimática do etanol, podendo atingir níveis quatro vezes maio- res dos limites superiores aos valores de referência49. Em exames clínicos de pacientes alcoolistas, pode haver um aumento de GGT mesmo quando não existir lesão hepática. Além disso, a dosagem de GGT é útil para acompanhar os efeitos da abstinência alcoólica. Nesses ca- sos, os níveis enzimáticos retornam aos valores de referência em duas ou três semanas, podendo se elevar novamente, caso o uso do etanol seja reto- mado49. A Fosfatase Alcalina (FAL) está localizada nas membranas de revestimento dos canalículos biliares e está associada a desordens do trato biliar e a doen- ças ósseas relacionadas à atividade osteoblástica49. 8.3 MARCADORES NÃO ENZIMÁTICOS A função hepática pode ser avaliada também por meio das dosagens séricas de albumina, tempo de protrombina e de bilirrubinas. Mesmo na presença de graves lesões hepáticas, a função hepática, em especial as dosagens sé- ricas dos marcadores de função hepática, pode mostrar-se inalterada. Por- tanto, a avaliação da função e lesão hepáticas não deve incluir apenas essas dosagens e deve ser sempre correlacionada com a clínica do paciente50. A bilirrubina pode