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Maria Elena Ramos Simielli 1
CARTOGRAFIA E ENSINO DE GEOGRAFIA1
Profª. Drª. Maria Elena Ramos Simielli
Os mapas nos permitem ter domínio espacial e fazer a síntese dos fenômenos que
ocorrem num determinado espaço. No nosso dia a dia ou no dia a dia do cidadão pode-se ter
a leitura do espaço através de diferentes informações e em função disso, na Cartografia, de
diferentes formas de representar estas informações, com diferentes produtos: mapas de turismo,
mapas de planejamento, mapas rodoviários, mapas de minerais, mapas geológicos, entre
outros.
Não se pode esquecer o fato de que existem diferentes mapas para diferentes usuários.
Isto é aparentemente simples, mas em termos de ensino é fundamental que se faça a triagem,
porque muitas vezes o professor utiliza-se simplesmente do mapa que tem em mãos, não
fazendo a diferenciação ou não fazendo a seleção dos principais elementos que os seus alunos
têm condição de ler.
Um aluno de 4ª série, obviamente, não tem o mesmo potencial de leitura que um
aluno do ensino médio, conseqüentemente lerá muito menos informações do que este. Porém
em termos de Cartografia e Ensino isto será ressaltado quando começo a diferenciar os produtos
cartográficos nas diferentes faixas etárias, e esta questão embasa a estrutura teórica da minha
proposta de Cartografia para o ensino fundamental e médio.
Considerando-se o fato de que o ideal é trabalhar com diferentes mapas para diferentes
usuários, principalmente nas diferentes faixas etárias, proponho: para o ensino fundamental,
com alunos de 1ª a 4ª série deve-se basicamente trabalhar com a alfabetização cartográfica,
pois este é o momento em que o aluno tem que iniciar-se nos elementos da representação
gráfica para que posteriormente possa trabalhar efetivamente com a representação cartográfica.
Os elementos com que o aluno vai trabalhar para ter condição de ler um mapa foram
sistematizados na Coleção Primeiros Mapas: como entender e construir. De 5ª a 8ª série o
aluno vai trabalhar eventualmente ainda com alfabetização cartográfica na 5ª e esporadicamente
também na 6ª mas ele já tem condições de trabalhar com análise/localização e com a correlação.
No ensino médio teoricamente o aluno tem condições de trabalhar com análise/localização,
com a correlação e com a síntese.
Estes níveis foram trabalhados por Rimbert2 , Libault3 e aparecem resumidos em
Simielli4 : A Cartografia, além de se constituir em um recurso visual muito utilizado, oferece
aos geógrafos um triplo instrumento de estudo (Rimbert, 1964):
1) instrumento analítico - cartas de análise ou distribuição ou repartição, que analisam o
fenômeno isoladamente;
2) instrumento de experimentação - que permite a combinação de duas ou mais cartas de
análise;
3) instrumento de síntese - que mostra as relações entre várias cartas de análise, apresentado-
se em uma carta-síntese.
1 Este texto foi originalmente apresentado como capítulo da tese de livre-docência da autora, intitulada
Cartografia e ensino. Proposta e contraponto de uma obra didática, defendida em 1996, na Universidade
de São Paulo.
2 Rimbert, S. ‘Cartes et graphiques’, SEDES, Paris, 1964.
3 Libault, C.O.A. ‘Os quatro níveis da pesquisa geográfica’. lnst. de Geografia/USP, S. Paulo,1971 (Métodos
em Questão, 1)
4 Simielii, M. E.R. ‘Variação Espacial da Capacidade de Uso da Terra’, lnst. de Geografia/USP, São Paulo,
1981 (Série Teses e Monografias, 41)
CARTOGRAFIA E ENSINO DE GEOGRAFIA2
Os instrumentos de estudo, que a Cartografia oferece aos geógrafos, podem ser
estruturados em quatro níveis (Libault, 1971):
1) nível compilatório - é a fase inicial da pesquisa, com a coleta de dados e sua respectiva
compilação. Para o geógrafo, a maneira usual de apresentar o registro dos dados é a carta
geográfica, portanto a coleta desse material, já existente, está enquadrada neste nível. O
passo seguinte é o da hierarquização dos dados para uma organização mais racional da
pesquisa, quando, primeiramente, serão selecionados os dados realmente significativos para
o desenvolvimento do trabalho, ou seja, as variáveis essenciais; em seguida, os dados
complementares, que aparecerão após uma análise mais detalhada. Este nível muitas vezes
chega a ser negligenciado pelo fato de ser considerado muito elementar, esquecendo-se o
pesquisador que desta etapa depende todo o desenvolvimento do seu trabalho, inclusive as
conclusões e/ou proposições a que poderá chegar.
2) nível correlatório - trabalhamos agora a partir dos dados coletados (nível 1), onde se
coloca toda a problemática da contabilidade dos mesmos. Temos a ordenação das variáveis
selecionadas, conforme uma sistemática resultante do objetivo do trabalho. Podemos,
conseqüentemente, chegar aos primeiros ensaios para correlações parciais.
3) nível semântico - Os níveis precedentes apenas justificam uma determinação dos fatos (de
preferência objetiva) até uma primeira percepção das relações dos fatos entre si. Mas não
podem atingir a abordagem do raciocínio geográfico, que utiliza não as variáveis elementares,
mas sim uma combinação já sintética dessas variáveis. As relações de correspondência obtidas
constituirão pelo menos uma ajuda à concepção, senão uma concepção completa. Em outras
palavras, trata-se de localizar exatamente os problemas parciais, de modo a organizar seus
elementos dentro de um problema global. Nesta etapa já se torna mais evidente a importância
da generalização e, conseqüentemente, os cuidados decorrentes de sua utilização. Merece
uma elaboração toda especial, pois implica a passagem da etapa de análise para a de síntese.
Realiza-se, assim, uma abordagem racional e esquematizada das variáveis entre si.
4) nível normativo - temos agora a resultante da síntese do trabalho, ou seja, sua tipologia
expressa, em geral, através de um modelo, que é conseqüência da seleção e correlação
das variáveis estudadas. Este modelo apresenta a possibilidade de ser aplicado a outras
áreas, a partir do momento que se tenha o “modelo padrão”. Neste nível, vemos que a
abordagem final do trabalho poderá se concretizar por duas vias: aquela que apenas trata
de verificar uma hipótese pré-formulada ou a que apresenta uma hipótese nova.
A estruturação de Rimbert (1964) e o complemento de Libault (1971) foi a base
que direcionou minha proposta de como se trabalhar a Cartografia a partir, principalmente,
da 5ª série. Reforça este meu encaminhamento a proposta apresentada por Giolitto (1992)
- (Figura 1 - Da carta ao modelo gráfico), que discute a passagem da carta topográfica ao
modelo gráfico evidenciando os níveis de constatação, correlação e conceituação.
O fato do aluno trabalhar no primeiro grau de 1ª a 4ª séries com alfabetização
cartográfica, de 5ª a 8ª com análise/localização e correlação e no ensino médio com análise/
localização, correlação e síntese de uma maneira mais efetiva, não exclui um imbricamento
em diferentes momentos nestas etapas de trabalho. Ou seja, um aluno de 5ª série pode ainda
necessitar de alfabetização cartográfica assim como um aluno na 7ª série pode ainda ter
dúvidas quanto a ela, assim como o aluno de 4ª a série pode já trabalhar análise/localização
e eventualmente começar a fazer correlações simples e assim por diante. Dentro deste
encaminhamento de se detalhar a alfabetização cartográfica nas faixas etárias iniciais para
posteriormente trabalhar nos níveis de análise/localização, das correlação e síntese, apresento
detalhadamente a estruturação da minha proposta de Cartografia para os níveis de ensino
fundamental e médio.
 Maria Elena Ramos Simielli 3
Figura 1 - Da carta ao modelo gráfico
Fonte: Giolitto, P. - Enseigner la géographie à l'école. Hachette, Paris, 1992.
A Coleção Primeiros Mapas.- como entender e construir5 foi elaborada para oferecer
elementos para que a criança de 1ª a 4ª a séries do ensino fundamental ou de níveis que
Operação
intelectual
Constatação
Correlação
Probabilidade
(na leitura ou na
decodificação)
Reflexão do
leitor
Quadros
conceituais que
dão significaçãoDesenvolvimento
do espírito
crítico
Conceituação
Carta topográfica
Posição das coisas
Realidades visíveis e observáveis
Realidades dotadas de permanência
Objeto dado
Carta Temática
Visualização do não visível
Estruturas e relações entre as coisas
Agenciamento de diferentes estruturas
Tudo o que subentende a carta
topográfica
Objeto analisado
Modelo gráfico
Percepção dos sistemas abstratos
gramática gráfica
Elementos de estruturas sintáticas
Elementos de significação,
semânticas
Objeto construído
O estrutural
assegura a
coerência da
realidade
primeira
Propedêutica
 à realização
de modelos
Coremas
Escrituras
gráficas
Realidade
geográfica
Terreno
Espaço concreto
realidade abstrata
Fenômeno
geográfico
Espaço abstrato
Realidade
segundo as
estruturas
5 Simielli, M. E. R. - Editora Ática, São Paulo, 1993.
CARTOGRAFIA E ENSINO DE GEOGRAFIA4
necessitem de alfabetização cartográfica, compreenda os processos necessários para a realização
representações gráficas, sobretudo os mapas. Em outras palavras pretende educar o aluno
para a visão cartográfica. Mas o que é necessário para isto?
Em primeiro lugar aproveitar desde as séries iniciais, o interesse natural da criança
pela imagem, que é uma atitude fundamental para a Cartografia. Para atingir este objetivo
a Coleção oferece inúmeros recursos visuais, como, desenhos, fotos, maquetes, plantas,
mapas, imagens de satélites, figuras, tabelas, jogos e representações feitas por crianças,
acostumando o aluno à linguagem visual. É preciso que este seja estimulado a encontrar
significados para as figuras e a examinar seus elementos detalhadamente, evitando desta
forma uma visão apressada de cada informação apresentada. São poucos os textos escritos,
eles aparecem principalmente nas legendas das imagens, pois o mais importante é que a
criança compreenda e utilize os vários tipos de visão existentes nas representações gráficas.
A lista de capacidades a desenvolver nos alunos ao longo de um ano escolar, permite
organizar um conjunto de informações que lhe serão transmitidas. O conteúdo programático
é desenvolvido segundo o saber ensinado e o saber adquirido na escola ou fora dela,
sendo que os temas são aprofundados de forma crescente, acompanhando os conteúdos
da Geografia e o desenvolvimento natural da criança.
Assim a Cartografia de 1ª a 4ª a série do ensino fundamental deve iniciar seu trabalho
com o estudo do espaço concreto do aluno, que lhe é o mais próximo, ou seja, o espaço-aula,
espaço-escola, espaço-bairro, para somente nos dois últimos anos se falar em espaços maiores:
município, estado, país e planisfério. O que importa é desenvolver a capacidade da leitura e da
comunicação oral e escrita por fotos, desenhos, plantas, maquetes e, mapas e assim permitir
ao aluno, a percepção e o domínio do espaço.
A alfabetização cartográfica supõe o desenvolvimento de noções de:
- visão oblíqua e visão vertical
- imagem tridimensional e imagem bidimensional
- proporção e escala
- lateralidade, referências e orientação espacial.
O desenvolvimento destas noções contribui para a desmistificação da Cartografia como
apresentadora de mapas prontos e acabados. O objetivo das representações dos mapas e dos
desenhos é transmitir informações e não ser simplesmente objeto de reprodução.
A Coleção Primeiros Mapas foi estruturada de modo a atender a possibilidade de a
criança adquirir uma linguagem gráfica. Esta linguagem é fundamental para que ela faça a
leitura e a comunicação oral e escrita e adquira a noção do espaço e sua representação. Toda
a estruturação e as noções fundamentais a serem trabalhadas nesta fase, para 1ª a 4ª séries,
ou para as faixas etárias de 6 a 12 anos, podem ser analisadas em Simielli (1994) - (Figura 2
- Alfabetização Cartográfica).
Basicamente a minha proposta sobre a Cartografia de 5ª série em diante evidencia
dois eixos de trabalho com os mapas, considerando-se que o aluno já tenha obtido, ou já
tenha tido no decorrer da sua escolaridade formal anterior, as noções de uma alfabetização
cartográfica.
Considero que se pode trabalhar em dois eixos, embora possam ocorrer alguns
encaminhamentos paralelos com os mapas em sala de aula. Um primeiro eixo trabalha com o
produto cartográfico já elaborado, tendo no final do processo um aluno leitor crítico. O aluno
trabalha com produtos já elaborados, portanto será um leitor de mapas, porém um leitor
crítico e não um aluno que simplesmente usa o mapa para localizar fenômenos.
 Maria Elena Ramos Simielli 5
No segundo eixo o aluno é participante do processo ou participante efetivo, tendo
como resultante neste segundo eixo um aluno mapeador consciente, conforme Simielli (1994)
- (Figura 3 - Cartografia no Ensino de Geografia).
Para cada uma das formas de se trabalhar com a Cartografia em sala de aula tem-se
resultantes diferentes: aluno leitor crítico ou mapeador consciente. Ressalte-se que tanto um
eixo de trabalho quanto o outro eliminam a possibilidade do aluno copiador de mapa.
VISÃO OBLÍQUA
E
 VISÃO VERTICAL
IMAGEM
TRIDIMENSIONAL E
IMAGEM
BIDIMENSIONAL
ALFABETO
CARTOGRÁFICO:
PONTO
LINHA
ÁREA
CONSTRUÇÃO
DA NOÇÃO
DE LEGENDA
PROPORÇÃO
ESCALA
LATERALIDADE
ORIENTAÇÃO
REFERÊNCIAS
DESMISTIFICAÇÃO
DA
CARTOGRAFIA-
-DESENHO
COGNIÇÃO
CARTOGRAFIA
COMO MEIO DE
COMUNICAÇÃO
REPRESENTAÇÕES
GRÁFICAS
Figura 4 -Alfabetização cartográfica
Fonte: M. E. Simielli, 1994.
CARTOGRAFIA E ENSINO DE GEOGRAFIA6
Esta situação do aluno copiador de mapa considero como um fato do passado. Vou
discorrer sobre situações que são efetivamente cartográficas e não mera cópia de mapas em
sala de aula. Cartografia-cópia, Cartografia-desenho eu não considero como uma possibilidade
de trabalho efetivo em sala de aula e sim como um desvio, o que considero mau ensino da
Cartografia/Geografia em sala de aula.
Figura 3 - Cartografia no Ensino de Geografia
Fonte: M. E. Simielli, 1994
REPRESENTAÇÕES
GRÁFICAS
CARTOGRAFIA
MAPAS MENTAIS
CROQUIS
(REPRESENTAÇÃO
BIDIMENSIONAL)
MAQUETES
(REPRESENTAÇÃO
TRIDIMENSIONAL)
MAPAS
CARTAS
PLANTAS
RIGOR NAS
REPRESENTAÇÕES
(SÍMBOLOS E CONVENÇÕES
CARTOGRÁFICAS)
MAIOR LIBERDADE
NAS
REPRESENTAÇÕES
(COGNIÇÃO,
 PERCEPÇÃO INDIVIDUAL
E CRIATIVIDADE)
USUÁRIO:
LOCALIZAÇÃO E
ANÁLISE
CORRELAÇÃO
SÍNTESE
USUÁRIO:
ENTENDIMENTO E
PARTICIPAÇÃO NO
PROCESSO DE
CONFECÇÃO
ALUNO
LEITOR CRÍTICO
ALUNO
MAPEADOR
CONSCIENTE
 Maria Elena Ramos Simielli 7
No primeiro eixo, cujo encaminhamento é feito a partir dos produtos cartográficos já
elaborados, considero basicamente três grandes produtos: os mapas, as cartas e as plantas,
indo portanto de uma escala menor para uma escala maior.
Com estes produtos já elaborados, já prontos, trabalho com produtos que têm maior
rigor nas suas representações, com símbolos e convenções cartográficas muitas delas
internacionalmente padronizadas, portanto trabalho com produtos de qualidade técnica, de
precisão e de rigor nas informações.
Os alunos - usuários do mapa - trabalharão com esses produtos já elaborados
cartograficamente, nos três níveis propostos:
1. localização e análise - onde o aluno localiza e analisa um determinado fenômeno no mapa,
2. correlação - quando ele correlaciona duas, três ou mais ocorrências,
3. síntese - quando ele analisa, correlaciona e chega a uma determinada síntese daquele
espaço.
Esses três níveis de trabalho da Cartografia podem começar a ser feitos com o aluno
desde a 4ª, 5ª série. Evidentemente de acordo com os elementos que o aluno vai adquirindo,
até chegar as séries mais avançadas, ele irá sempre sendo conduzido para relações mais
complexas. Ele começa com um menor número de variáveis e vai ampliando o número de
variáveis a serem trabalhadas.
O que tenho presenciado no ensino, embora não possa afirmar com precisão estatística
pois não fiz pesquisa detalhada a respeito, é que nas escolas os professores trabalham com os
alunos prioritariamente no nível da localização-análise que é o primeiro nível, o nível mais
elementarde se trabalhar com mapas em sala de aula. Eles não chegam ao 2º e ao 3º nível,
que são níveis mais elaborados, mais complexos e portanto mais ricos no trato da informação.
Usa-se o atlas para localizar a ocorrência de um fenômeno, servindo o mapa simplesmente
para localização: onde fica tal país? onde fica tal rio? onde fica tal montanha? Alguns vão até
a análise, ou seja, analisam determinado fenômeno que ocorre naquele espaço, mas não saem
do primeiro nível que é a localização-análise.
A correlação - 2º nível na análise cartográfica - é trabalhada por uma parte dos
professores que na sua maioria a faz do ponto de vista físico. Assim, as correlações são feitas
entre variáveis como: altitude, latitude, vegetação, clima, uso do solo, entre outras ocorrências
físicas de um determinado espaço.
Os professores que têm uma formação mais direcionada para a Geografia Humana
trabalham menos no geral, com as correlações cartográficas. A maior parte das correlações
são feitas do ponto de vista natural e a síntese, que é o nível mais complexo, passa a ser
melhor trabalhada no final do ensino médio, desde que para isto o professor tenha condições
intelectuais e segurança para poder acompanhar os alunos nesta última fase do trabalho. Daí
o fato de que o nível de síntese muitas vezes não chega a ser trabalhado no ensino fundamental
e médio, sendo trabalhado com mais eficiência no nível superior. Dentro do eixo onde os
alunos trabalharão com produtos cartográficos já elaborados, como mapas, cartas e plantas
nos três níveis de leitura dos produtos cartográficos, a resultante final é o aluno leitor crítico.
Portanto, neste encaminhamento o aluno terá condições de retirar do mapa os elementos
fundamentais para a leitura das informações representadas. Na Figura 4 são apresentadas as
principais aquisições metodológicas dos alunos em Cartografia (Simielli, 1996) - (Figura 4 -
Uso dos Mapas, Cartas e Plantas - faixa etária 11 a 17 anos).
No segundo eixo os alunos trabalharão com imagem tridimensional/imagem
bidimensional. Como? O encaminhamento será feito basicamente através das maquetes, que
CARTOGRAFIA E ENSINO DE GEOGRAFIA8
são informações tridimensionais, e trabalharão com croqui que são as representações
bidimensionais.
Este segundo eixo terá como resultante um aluno mapeador consciente. A grande
diferenciação em relação ao primeiro eixo é que o aluno efetivamente vai participar do processo
de mapeamento. O aluno será o confeccionador do mapa, ele irá trabalhar na confecção do
mapa (croqui) ou da maquete.
O trabalho com maquetes não é simplesmente a confecção da mesma e, isto convém
que se frise bastante enfaticamente, porque o processo da construção, em si, é um processo
interessante, pois o aluno vai realmente perceber a passagem da tridimensão para a bidimensão,
ou no caso especifico da construção da maquete, da bidimensão para a tridimensão, mas os
trabalhos com a maquete, no tocante ao ensino da Geografia não se restringe à construção
pura e simples.
O importante é que se trabalhe com o uso da maquete, e nesta situação vamos ter um
importantíssimo instrumento para trabalhar a correlação, porque a maquete em si, sendo um
produto tridimensional, estará dando a possibilidade de o aluno ver as diferentes formas
topográficas, as diferentes altitudes de um determinado espaço e em função disto ele poderá
trabalhar várias outras informações correlacionando com estas formas topográficas.
Figura 4 - Uso dos Mapas, Cartas e Plantas - faixa etária 11 a 17 anos
Fonte: Adaptado por M. E. Simielli - 1996, de Hugonie, G. - "Pratiquer la Géographie au
collège. Paris, A. Colin, 1992, p.56.
Aquisições simples
- conhecer os pontos
cardeais
- saber se orientar com
uma carta
- encontrar um ponto
sobre uma carta com as
coordenadas ou com o
índice remissivo
- encontrar as
coordenadas de um ponto
- saber se conduzir com
uma planta simples
- extrair de plantas e
cartas simples uma só
série de fatos
- saber calcular altitude e
distância
- saber se conduzir com
um mapa rodoviário ou
com uma carta
topográfica
Aquisições médias
- medir uma distância
sobre uma carta com uma
escala numérica
- estimar uma altitude por
um ponto da curva
hipsométrica
- analisar a disposição de
um relevo
- analisar uma carta
temática representando
um só fenômeno
(densidade populacional,
relevo, etc)
- reconhecer e situar as
formas de relevo e de
utilização do solo
- saber diferenciar declives
- saber reconhecer e situar
tipos de clima, massas de
ar, formações vegetais,
distribuição populacional,
centros industriais e
urbanos e outros.
Aquisições
complexas
- estimar uma altitude
entre duas curvas
hipsométricas
- saber utilizar uma
bússola
- correlacionar duas cartas
simples
- ler uma carta regional
simples
- explicar a localização de
um fenômeno por
correlação entre duas
cartas
- elaborar uma carta
simples a partir de uma
carta complexa
- elaborar uma carta re-
gional com os símbolos
precisos
- saber elaborar um
croquis regional simples
(com legenda fornecida
pelo professor)
- saber levantar hipóteses
reais sobre a origem de
uma paisagem
- analisar uma carta
temática que apresenta
vários fenômenos
- saber extrair de uma
carta complexa os
elementos fundamentais.
 Maria Elena Ramos Simielli 9
Portanto, automaticamente este aluno poderá fazer na maquete as correlações. Sobre
a maquete se torna extremamente mais fácil para o aluno ter o entendimento de determinadas
correlações do espaço físico e do uso antrópico. Ou, muitas vezes, a ação antrópica mostra-se
extremamente mais fácil para entendimento do aluno porque ele trabalha automaticamente,
em uma maquete, com a correlação. A parte de construção de maquetes está detalhada em
artigo publicado no Boletim Paulista de Geografia6 .
A segunda forma que apresento para trabalhos dentro deste eixo são os croquis, que
são as representações bidimensionais. Tem-se vários tipos de croquis cartográficos e basicamente
em termos de ensino vai interessar aquele onde as informações são representadas de forma
mais simplificada, estilizada. Os alunos trabalharão, portanto, com as informações essenciais,
pois eles as selecionam e fazem a representação através de croqui, tendo assim maior liberdade.
O problema básico será o da percepção do aluno sobre um determinado fenômeno, portanto
da sua percepção individual, da sua leitura individual daquele espaço, da criatividade e do seu
processo de cognição.
Croqui é uma representação esquemática dos fatos geográficos7 . Não é um mapa,
não se destina a ser publicado, tem um valor interpretativo de expor questões, não sendo obra
de um especialista em Cartografia. Não é uma acumulação de signos, mas uma escolha
amadurecida dos elementos essenciais que se articulam na questão tratada. A dificuldade está
em se conseguir chegar a uma representação que dê clareza de conjunto, complexidade e
número de fatos legíveis. É uma arte simples de difícil expressão figurativa. Os croquis
simplificam, mantém a localização da ocorrência dos fatos e evidenciam os detalhes
significativos8 .
Não se deve aqui confundir o trabalho de croqui com as representações por coremas,
que mantêm a estrutura elementar do espaço que representam por um modelo gráfico. Não se
trata, nos coremas, de resumir, nem de generalizar, mas de tecer hipóteses, combinar
mecanismos, descobrir as configurações entre as figuras de base (ponto, linha, área ou rede),
as estratégias/dinâmicas essenciais e experimentar em várias escalas9 . É, portanto, uma
atividade mais complexa que a confecção de croqui.
Dentro dessa proposta de trabalhar com os croquis, vamos detalhar os principais
tipos, especificamente aqueles que interessam aos níveis dos trabalhos com Cartografia, que
são: croqui de análise-localização, croqui de correlação e o croqui de síntese. Basicamente a
colocação é a mesma do eixo anterior: o croqui de localização e análise é aquele que apresenta
uma variável, um determinado fenômeno ou uma determinada ocorrência passível de ser
analisada sua localizaçãoe de se fazer a análise daquele fenômeno representado.
O segundo tipo é aquele que faz a correlação de duas ou mais variáveis (fenômenos)
que ocorrem no mesmo espaço. Esta correlação ou a seleção dos principais elementos e
ocorrências existentes nos mapas que estão sendo utilizados, ou daquelas que são mais
significativas para um determinado espaço, são feitas pelo aluno. O aluno é que seleciona
esta informação prioritária e isto é importantíssimo que seja frisado porque o aluno estará
6 Simielli, M. E. R. et al. - ’Do Plano ao Tridimensional: a maquete como recurso didático’. Boletim Paulista
de Geografia, na 70, São Paulo, 1992. p.5-21. Este trabalho foi desenvolvido com alunos do curso de
Análise e Interpretação de Cartas Topográficas, apresentado no 8o. Encontro Nacional de Geógrafos, em
Salvador, 1990. Alunos participantes da publicação: Gisele Girardi, Patrícia Bromberg, Rosemeire Morone
e Silvia Lopes Raimundo.
7 Allix, J. R & Archambault, M. - ’Croquis: problèmes et méthodes’. Masson, Paris, 1969.
8 Ferras, r -’Les modèles graphiques en géographie’. Econômica/RECLUS, Paris, 1993.
9 R. Brunet define corema como ’figura elementar da organização do espaço terrestre’ em ’Les chorèmes,
figures éièmentaires de l’espace’. L:Espace Géographique, nº 2, 1980.
CARTOGRAFIA E ENSINO DE GEOGRAFIA10
selecionando a informação principal e não simplesmente copiando as que estão contidas
naquele mapa.
O terceiro nível é a síntese, ou a relação entre várias ocorrências de um determinado
espaço expressa em um mapa-síntese.
Dentro deste segundo eixo de trabalho o aluno estará participando efetivamente do
processo de produção do mapa (croqui) porque quem estará selecionando e correlacionando
as informações é o próprio aluno e esta correlação, sendo desenhada por ele, obriga-o a ir
sistematizando e estruturando estas informações.
Nesta faixa etária obtem-se mais resultados quando se trabalha com a correlação
desta forma do que como ela é feita no 1º eixo, onde o fundamental é a leitura, que é uma
forma mais dispersiva para o aluno, ao contrário do 2º eixo que pelo fato dele desenhar,
selecionar as variáveis, toma-se mais participativo. Normalmente os alunos nesta faixa etária
têm uma maior concentração quando efetivamente estão participando do processo. Portanto,
esta segunda forma permite que o aluno se enfronhe de uma maneira mais efetiva no trabalho
que está realizando, do que no primeiro eixo.
Dentro ainda deste segundo eixo, fazendo praticamente um paralelo (e o termo paralelo
é empregado porque muitos autores não consideram este encaminhamento como sendo da
Cartografia, e sim representação gráfica), proponho o uso do mapa mental10 . A passagem do
espaço concreto para a abstração de uma representação é analisada por André (1989) - (Figura
5 - Processos de elaboração das representações espaciais).
Gould (1974) considera serem os mapas mentais as imagens espaciais que estão nas
cabeças dos homens, não só dos lugares vividos, mas também dos lugares distantes. Esses
mapas são construídos pelas pessoas a partir de seus universos simbólicos, sendo estes
produzidos através dos acontecimentos históricos, sociais e econômicos divulgados. Lynch
(1980) afirma que: “cada indivíduo cria sua própria imagem, mas parece existir uma
coincidência fundamental entre os membros de um mesmo grupo. Existem imagens públicas,
representações mentais comuns em grande parte dos habitantes de um mesmo lugar. Estes
mapas públicos são resultados da interação de uma realidade física única, uma cultura comum
e uma natureza fisiológica básica”.
Gaspar e Marian (1975) defendem a tese de que cada cidadão tem uma idéia sobre a
organização do espaço num determinado território; essa idéia corresponde uma imagem, um
mapa mental, o qual os autores consideram como sendo uma construção, ao longo do tempo,
a partir de informações as mais variadas adquiridas a partir de experiências vividas nos locais.
Para Bailly (1989) “a carta mental é um produto, quer dizer, representação que uma
pessoa dá de seu em torno espacial: ela permite fixar imagens de uma área dada e executar os
limites dos conhecimentos espaciais. O mapa mental permitirá perceber, basicamente, se o
aluno tem uma percepção efetiva da ocorrência de um fenômeno no espaço e condições de
fazer a transposição para o papel. Ele vai trabalhar com todos os elementos essenciais que a
Cartografia postula, no tocante a sua forma de expressão - a linguagem gráfica.
O aluno ou outro usuário trabalhando com o mapa mental em Cartografia/Geografia
terá que fundamentar-se nos elementos básicos para a representação, utilizando-se, portanto,
da linguagem gráfica. Caso contrário, ele estará fazendo um mero desenho que deve ser
diferente na faixa etária de 7-8 anos de idade, de 14 anos, assim como deverá ser diferente de
uma representação feita por um profissional em idade adulta.
10 Este tema foi detalhado na dissertação de mestrado, sob minha orientação, de Amélia Regina Batista
Nogueira - ’Mapa Mental - Recurso didático no ensino de Geografia no 1º grau’. DG-USP, S. Paulo, 1994.
 Maria Elena Ramos Simielli 11
ESPAÇO
hostil desconhecido familiar simpático
estatísticas estudos meio filtros sensoriais
diretamente perceptível
mobilidade
conhecimento
imaginário
inconsciente
aprendizagem
pela crítica
deformações voluntárias
 ou não
deformações
REPRESENTAÇÕES
CARTA
MENTAL
evolução dos lugares
preferências
comportamento do
indivíduo
esquemas mentais
pré-existentesINDIVÍDUO
interesse
desânimo
receptividade assimilação
conhecimento
intelectual
experiência
pessoal
Figura 5 - Processos de elaboração das representações espaciais
Fonte: Andre, Y. - Les Cartes Mentales. In: Représenter L'espace. 1989. In: Nogueira, A. -
Mapa Mental: recurso didático no ensino de Geografia no 1º grau, Dissertação de mestrado,
DG-USP, S. Paulo, 1994, p. 84.
Os mapas mentais nos permitirão analisar todos os elementos que são básicos em
uma representação cartográfica: a representação oblíqua e a representação vertical, o desenho
pictórico ou abstrato, a noção de proporção, a legenda, as referências utilizadas (particular,
CARTOGRAFIA E ENSINO DE GEOGRAFIA12
local, internacional e inexistente) e o titulo. Portanto, o mapa mental deverá ser avaliado
considerando-se as diferentes faixas etárias e conseqüentemente os produtos obtidos para
cada uma deles.
Portanto, nesse segundo eixo, teremos sempre, em foco, a efetiva participação do
aluno, por meio da maquete, do mapa mental ou do croqui, o que nos dará como resultante
final o aluno mapeador consciente.
Cumpre deixar bem claro que tanto o primeiro quanto o segundo eixo não competem
entre si, nem um direciona a melhores resultados que o outro. Os dois eixos são corretos, os
melhor para trabalhar melhor com o primeiro eixo e professores que se adaptam para trabalhar
com o segundo eixo e, ainda, conforme o assunto, o professor pode trabalhar melhor num eixo
e, em outros assuntos, optar pelo outro eixo. São portanto situações de adequações ou de
melhor adequação do assunto para se trabalhar com uma ou outra forma.
Esta minha proposta para a cartografia no ensino fundamental e médio, calca-se
sempre na cartografia como meio de transmissão de informação, deixando para trás a época
em que se copiavam mapas, pela simples razão de copiá-los, e não objetivando a analise das
relações que ocorrem no espaço geográfico. Cabe, neste momento, uma ressalva: eventualmente
o mapa pode ser copiado e essa situação se apresenta quando o professor tem um objetivo
bem definido e o deixa explicitado, mas será sempre uma situação esporádica e não a regra
nas aulas de geografia.
Devemos e podemos usar cada vez mais a cartografia em nossas aulas, pois ela
facilita a leitura de informações para os alunos e permite um domínio do espaço de que só os
alfabetizados cartograficamente podem usufruir.
Referências
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