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ENGENHARIA BIOQUÍMICA Marcos Henrique de Araújo , 114 6 MICROBIOLOGIA INDUSTRIAL E BIOTECNOLOGIA APLICADA NA AGRICULTURA Introdução O crescimento populacional, a exploração dos recursos naturais e a adoção de um modelo não sustentável de consumo pela sociedade moderna. Todos estes fatores contribuíram para a degradação ambiental, afetando diretamente a saúde humana, o equilíbrio dos ecossistemas e a qualidade dos recursos naturais. Nas últimas décadas, a questão ambiental vem ganhando espaço, marcado pela pressão da sociedade civil organizada em promover ações que protejam o meio ambiente por meio do uso sustentável e racional dos recursos naturais. Essas mudanças contribuíram para o avanço de pesquisas na área da biotecnologia por meio do desenvolvimento de novas ferramentas de engenharia genética com o objetivo de obter uma melhor eficiência na produtividade, reduzir os custos do processo e, ao mesmo tempo, ter o compromisso socioambiental. Nesse bloco, vamos estudar a utilização de microrganismos vivos em processos industriais com o objetivo de sintetizar metabólitos em larga escala para a obtenção de produtos e processos de interesse comercial, ambiental e social; a síntese de produtos ligados à área da saúde como a produção de antibióticos e vitaminas; a evolução das ferramentas biotecnológicas aplicadas no setor agrícola para a obtenção de alimentos modificados geneticamente, no combate as pragas e na melhoria dos processos, garantido um alimento de melhor qualidade, preocupando-se com níveis adequados de segurança alimentar e ambiental. 6.1 Crescimento Microbiano e seus Metabólitos A Microbiologia Industrial se utiliza de microrganismos cultivados em larga escala, dedicados a síntese de produtos comerciais, ou para a realização de importantes transformações químicas. Teve a sua origem a partir de processos de fermentação alcoólica para a produção de vinho e cerveja, sendo posteriormente na síntese de fármacos, aditivos alimentares, enzimas e produtos químicos, como o próprio etanol (MADIGAN, 2010). , 115 Os produtos da microbiologia industrial podem corresponder ao próprio agente microbiano, por exemplo, as leveduras cultivadas para fins alimentícios, além das substâncias produzidas pelas células. Na microbiologia, o crescimento é caracterizado como um aumento no número de células. Cada célula microbiana apresenta um tempo de vida e, para que a espécie seja mantida, é necessário o crescimento contínuo de sua população. A curva de crescimento microbiano, quando ocorre em um sistema fechado, em uma condição denominada cultura batelada, apresenta as seguintes fases: • Fase Lag Quando uma população de bactérias for inoculada em um meio nutriente líquido, o crescimento vai ocorrer somente após um período de adaptação, podendo ser breve ou longo, pois vai depender do histórico do inóculo e dos fatores ambientais envolvidos. • Fase Exponencial Fase em que ocorre um tempo de geração constante no número de organismos presentes na cultura. Esse período varia de acordo com as condições ambientais do meio e pelas características genéticas do inóculo. Geralmente a limitação do crescimento exponencial ocorre pelo consumo dos nutrientes presentes na cultura ou pelo acúmulo de substâncias tóxicas excretadas pelos agentes microbianos. • Fase Estacionária Corresponde a taxa zero de crescimento da cultura microbiana. Nessa fase podem prosseguir o metabolismo energético, processos biossintéticos e divisão celular, mas não há o aumento da população microbiana, havendo um equilíbrio entre a taxa de crescimento e a taxa de morte. , 116 • Fase de Morte Quando uma população atinge a fase estacionária, as células poderão permanecer vivas por um determinado período, seguido posteriormente pela fase de morte e em muitas situações a lise celular. Os principais representantes de seres vivos utilizados na microbiologia industrial são os fungos (leveduras e bolores) e determinados grupos de bactérias. Com o avanço da biotecnologia, novas técnicas foram aplicadas para a seleção de linhagens de microrganismos capazes de sintetizarem o produto em alta escala, viabilizando economicamente o processo. Os microrganismos utilizados nos processos industriais devem apresentar certas características como a capacidade de crescer e produzir o metabólito de interesse em escala industrial; produzir esporos ou célula especial reprodutiva que possam ser inseridos em grandes fermentadores industriais; apresentar um tempo de geração curto, sintetizando o volume do produto desejado em um curto período; capacidade de crescer em meio de cultura líquido; sintetizar o metabólito esperado a um custo baixo; não pode ser patogênico, evitando a possível contaminação do produto e do meio externo ao fermentador e apresentar fácil manipulação do seu genoma para possibilitar a seleção de linhagens que favoreçam um produto de melhor qualidade e com um maior rendimento (MADIGAN, 2010). Na microbiologia industrial existem dois tipos de metabólitos de interesse: • Metabólitos primários Os metabólitos primários são produzidos durante a fase exponencial de crescimento microbiano. O álcool etílico, produzido por meio de processos de fermentação de leveduras e bactérias, é considerado um típico produto proveniente do metabólito primário, pois é originado simultaneamente ao crescimento microbiano. , 117 • Metabólitos secundários Os metabólitos secundários são compostos extracelulares secretados no meio de cultura e os seus produtos são sintetizados próximo à fase final do crescimento microbiano e têm sido isolados e caracterizados principalmente para fins industriais. Os fungos filamentosos são agentes biológicos que apresentam uma produção superior de biossíntese de grandes quantidades de metabólitos secundários comparados a outras classes de microrganismos. O primeiro registro da produção de um metabólito fúngico importante foi a penicilina, produzida pelo fungo pertencente ao gênero Penicillium e descoberto em 1928 pelo pesquisador inglês Alexander Fleming, sendo posteriormente o primeiro antibiótico produzido em escala industrial (SPECIAN, 2014). Os metabólitos secundários apresentam as seguintes características: A sua síntese é influenciada por condições ambientais, parâmetros de fermentação como tempo, temperatura, pH e nutrientes e está intimamente dependente das condições de cultivo; Geralmente são produzidos em grande escala; São sintetizados durante o processo de esporulação por fungos e bactérias produtoras de esporos; Em muitas situações são sintetizados diversos produtos químicos distintos, mas que foram originados a partir de metabólitos estreitamente relacionados. Geralmente, os metabólitos secundários são constituídos por moléculas complexas, que necessitam de uma série de reações químicas mediadas por enzimas para que possam ser sintetizados. Podemos citar como exemplo a síntese do antibiótico tetraciclina que, para serem produzidos, 72 tipos de enzimas participam do processo. Apesar dessas reações ocorrerem durante o metabolismo secundário, os compostos iniciais que originam essas vias biossintéticas decorrem do metabolismo primário (MADIGAN, 2010). , 118 Alguns processos biotecnológicos exigem grandes investimentos, portanto são vendidos a um preço elevado devido ao alto valor agregado, por apresentar mão de obra qualificada e um nível avançado de tecnologia envolvida. Nessa categoria, podemos incluir os produtos da indústria farmacêutica, do setor agrícola, as enzimas, os aminoácidos e as vitaminas. Outra via biotecnológica que sintetizam produtos em grande escala, mas que envolvem processos que necessitam de menores investimentos, apresentam um valor agregado intermediário,portanto um menor preço de mercado, temos, alguns tipos de solventes, polímeros e ácidos orgânicos. Nos dias atuais, com o avanço tecnológico e a participação de grandes empresas no mercado da biotecnologia industrial, alguns metabólitos merecem destaque na diversidade de pesquisas e no surgimento de novos produtos, como os bioplásticos, os biocombustíveis e as enzimas (MALAJOVICH, 2012). Como alguns dos principais metabólitos primários e secundários de grande interesse comercial, podemos citar álcoois e Solventes; Ácidos Orgânicos; Aminoácidos; Polissacarídeos; Vitaminas; Nucleotídeos; e Nucleosídeos. 6.2 Produtos Para Indústrias Ligadas à Saúde O interesse da microbiologia industrial está na aplicação de conhecimentos científicos básicos para o uso de agentes microbianos para a obtenção de produtos e processos de interesse comercial, ambiental e social. Dentre a diversidade de produtos de origem microbiológica fabricados comercialmente, destacamos: • Antibióticos Os antibióticos são compostos naturais, sintéticos ou semi-sintéticos, sendo considerados metabólitos secundários típicos. Os antibióticos naturais são produzidos pelos fungos e bactérias, junto a outros compostos durante a fermentação. , 119 A produção biotecnológica de antibióticos consiste em processos fermentativos de alguns microrganismos, como Penicillium spp e Streptomyces spp. No caso da produção dos antibióticos semi-sintéticos, como a penicilina G de maior valor industrial, ocorrem os processos de fermentação e posteriormente purificação e alterações originadas por reações de química orgânica. Apenas no século XIX descobriu-se a possibilidade de alguns grupos de microrganismos serem responsáveis por doenças infecciosas. O pesquisador francês Louis Pasteur, ao realizar experimentos com bactérias participantes de processos fermentativos, constatou uma ampla distribuição desses microrganismos no meio ambiente e, desta forma, contribuiu para o desenvolvimento de vacinas contra as doenças antraz, cólera aviária e raiva. Posteriormente, na segunda metade do século XIX, o médico alemão Robert Kock identificou microrganismos responsáveis por diversas doenças como tuberculose, cólera e febre tifóide, o que fizeram elaborar os postulados de Kock, associando um microrganismo específico a uma doença específica (OLIVEIRA et al., 2016). Nesse mesmo período, começava o desenvolvimento de pesquisas que estudavam agentes químicos que apresentassem atividade antibiótica. No início do século XX, o biólogo bacteriologista alemão Paul Ehrlich, ao pesquisar a possibilidade de determinadas substâncias químicas serem utilizadas no combate a infecções, desenvolveu o primeiro antibiótico de origem sintética, derivado do arsênico no tratamento da sífilis. O grande avanço no tratamento das infecções bacterianas ocorreu com a descoberta do bacteriologista Alexander Fleming ao observar uma cultura de estafilococos contaminados por um fungo Penicilium notatum, identificou uma substância produzida pelo fungo que impedia o crescimento bacteriano. Essa substância extraída do fungo, denominada penicilina, quando aplicada em animais, demonstrou sua eficácia no combate a infecções bacterianas, sendo introduzida como terapêutico somente nos anos 40 e, após o processo de industrialização desse medicamento, iniciou-se um rápido crescimento na descoberta de novos antibióticos (OLIVEIRA et al., 2016 e MAJALOVICH, 2016). , 120 Os avanços da biotecnologia contribuíram para o surgimento de novos antibióticos eficientes no combate as infecções causadas por agentes microbianos cada vez mais resistentes, devido as rotas diversas de síntese e biossíntese dos antibióticos produzidos desde a primeira metade do século XX como a penicilina, já citada, a estreptomicina, tetraciclina, eritromicina, dentre outros (PEREIRA, OLIVEIRA, 2016). As matérias primas ideais para a produção de antibióticos são aquelas que oferecem um meio de cultura favorável para o crescimento do microrganismo responsável pela produção do antibiótico. Os resíduos derivados da indústria agrícola, como a água de milho, arroz ou trigo e meios contendo glicose ou melaço, são ricos em fontes de carbono e muito utilizados para a produção da penicilina. Para a produção comercial do antibiótico, utiliza-se fermentadores industriais de larga escala. O processo utilizado é a fermentação submersa em que o agente microbiano produtor se desenvolve em meio líquido de cultura rico em nutrientes, favorecendo a produção de metabólitos de forma rápida e obtendo uma maior produtividade (LIMA, et al., 2001). A produção da penicilina G é realizada em fermentadores de 40.000 – 200.000 litros e consiste em um processo aeróbio, com absorção de oxigênio. A temperatura ótima para produção se encontra entre 25-27⁰C e o pH do meio deve ser constante de 6,5, onde a fermentação leva cerca de 120 a 160 horas. O processo se inicia com a utilização do inóculo de esporos em concentrações ideais para que ocorra a formação de pellets (agregados de células) que passam por etapas de crescimento até alcançar a etapa de produção, onde o meio de cultura é alimentado com a quantidade ideal de nutrientes. Por se tratar de um metabólito secundário, durante a fase de crescimento, pequenas quantidades de antibiótico são produzidas, porém, quando a fonte de carbono se aproxima da exaustão, inicia-se a produção da penicilina (MADIGAN, 2010 e LIMA, et al., 2001). Ao término da fermentação, é necessário purificar o produto, separando de forma eficiente o antibiótico excretado no meio de cultura e retirar a porção do antibiótico aderido ao micélio (hifas celulares dos fungos) por meio de adsorção, troca iônica ou precipitação química, para que se tenha a obtenção de um produto cristalino e de alta pureza (MADIGAN, 2010 e PEREIRA; OLIVEIRA, 2016). , 121 • Aminoácidos Os aminoácidos consistem em uma categoria de composto orgânico bastante heterogêneo que possibilitam a manutenção da vida, pois compõem a estrutura química das proteínas e possuem grande potencial para aplicações biotecnológicas. Os aminoácidos apresentam uma estrutura geral que consiste em um grupo amina (- NH2), um grupo carboxílico (-COOH) e uma cadeia lateral ou grupo R, de dimensão e características variáveis, ligados a um carbono saturado. Na natureza existem 21 aminoácidos diferentes e eles se diferem entre si pelo radical R que varia de um tipo de aminoácido para outro. Fonte: Elaborado pelo autor. Figura 6.1 - Fórmula estrutural geral de um aminoácido. Os aminoácidos são classificados em: Essenciais - São aqueles que não são sintetizados pelo organismo (isoleucina, leucina, valina, fenilalanina, metionina, treonina, triptofano, lisina e histidina). Não Essenciais - São aqueles que são sintetizados pelo organismo (alanina, ácido aspártico, asparagina, ácido glutâmico, serina). Semi-essenciais ou precursores - Sintetizados a partir de outros precursores presentes na dieta (arginina [glutamina/glutamato], cisteína [aspartato], glutamina [ácido glutâmico, amônia], glicina [serina, colina], prolina [glutamato], tirosina [fenilalanina]). , 122 Esse composto orgânico pode ser produzido industrialmente por hidrólise de proteínas, por síntese química ou por métodos biotecnológicos que incluem a catálise enzimática, a semi-fermentação e a fermentação. Alguns grupos de microrganismos são utilizados em pesquisas para a produção comercial de aminoácidos, como bactérias E. coli, Brevibacterium flavum e espécies pertencentes aos gêneros Corynebacterium e Bacillus. (MADIGAN, 2010 e MORAES, 2014). Os aminoácidos são utilizados amplamente na indústria química como matéria prima; na indústria alimentícia como os aditivos alimentares e no enriquecimento de ração animal; na indústria farmacêutica como suplementos nutricionais;e na produção de cosméticos. Dentre os diversos tipos de aminoácidos utilizados na indústria alimentícia, podemos citar como exemplo: O ácido glutâmico para realçar o sabor dos alimentos; O ácido aspártico e fenilalanina são dois importantes aminoácidos, componentes do adoçante artificial aspartame e presentes em alimentos considerados de baixa caloria e livres de açúcar; Os aminoácidos L-alanina são adicionados em sucos de frutas para melhorar o sabor e a L-cisteína tem ação antioxidante nos sucos de frutas e melhora a qualidade do pão durante a cocção; A combinação entre os aminoácidos triptofano com a L-histidina apresentam ação antioxidante, evitando, por exemplo, a rancificação do leite em pó (MADIGAN, 2010; MORAES, 2014). • Vitaminas As vitaminas são constituídas por um grupo de moléculas orgânicas de diferentes classes químicas utilizadas como suplementos alimentares e ração animal, sendo essenciais para a manutenção do metabolismo dos seres vivos. Muitas vitaminas são produzidas em escala industrial por síntese química ou fermentação por meio da utilização de microrganismos. , 123 Dentre as vitaminas mais importantes obtidas exclusivamente por via biotecnológica temos: Vitamina B2 (riboflavina) A riboflavina é uma vitamina de coloração amarelada, produzida por síntese química ou fermentação. Atualmente são utilizados na síntese dessa vitamina o fungo Ashbya gossypii e a bactéria Bacillus subtilis selecionados por meio de técnicas de engenharia genética para a obtenção de melhores linhagens e consequentemente otimização do processo. A produção dessa vitamina é destinada para a produção de ração, alimentos e produtos farmacêuticos (MADIGAN, 2010 e FELIPE; BICAS, 2016). Vitamina B12 (cobalamina) É produzida exclusivamente pelo processo de fermentação realizada por linhagens de microrganismos bacterianos selecionados da espécie Pseudomonas denitrificans e Propionibacterium freudernreichii. Para obter grandes quantidades dessa vitamina utiliza-se, no meio de cultura, melaço de beterraba que contém a betaína, substância estimuladora do processo e pequena quantidade de sais de cobalto. A deficiência de vitamina B12 no ser humano promove a baixa produção de hemácias e distúrbios no sistema nervoso central. Nos animais, a obtenção da B12 ocorre via alimentação ou pela absorção dessa vitamina produzida por bactérias presentes na flora intestinal (FELIPE; BICAS, 2016). 6.3 Biotecnologia e Novos Alimentos Ao longo da história, a biotecnologia revolucionou a agropecuária com tecnologias que permitiram identificar e selecionar genes responsáveis pela codificação de características benéficas, contribuindo para o melhoramento genético vegetal e animal, no desenvolvimento de produtos veterinários, defensivos agrícolas e fertilizantes organominerais. , 124 Atualmente, a pressão mundial relacionada à segurança alimentar e proteção ambiental cresce cada vez mais, pois estima-se que, em 2050, a população mundial atingirá a marca de 9 bilhões de habitantes. Nesse contexto, novas ferramentas de biotecnologia aplicadas na área da agricultura têm contribuído na melhora dos níveis de segurança alimentar, na criação de alimentos modificados geneticamente e na adoção de práticas agrícolas sustentáveis, diminuindo a pressão sobre os recursos naturais (DIA, et al., 2019). Dentre os estudos e biotecnologias aplicadas no setor agrícola que vêm ganhando importância nos últimos anos, podemos citar: • Organismos Geneticamente Modificados - OGMs As denominadas “novas biotecnologias” associadas à tecnologia de DNA recombinante permitiram a alteração de segmentos de genoma de qualquer organismo para favorecer a aquisição de características desejáveis, dando origem aos Organismos Geneticamente Modificados (OGMs). A transgenia, que permite a transmissão e expressão dos genes entre espécies diferentes, tem gerado grande impacto nas pesquisas agropecuárias, contribuindo para a obtenção de novas características agronômicas e nutricionais desejáveis nos cultivos de plantas e na criação de animais, no aumento da eficiência produtiva e na maior resistência a pragas, doenças e estresse ambiental (CARRER, 2010 et al; GUIMARÃES; PEREIRA, 2019). Na área da biotecnologia houve um grande avanço em pesquisas que envolvem alterações no genoma da planta para a criação de vegetais resistentes a pragas, temperaturas extremas e no aumento da capacidade de retenção de CO2, resultando em uma melhor eficiência do processo fotossintético. Atualmente, os estudos se concentram em conhecer com maior profundidade a ação de genes específicos e na produção de alterações genéticas em plantas com maior segurança e precisão. , 125 Além das plantas geneticamente modificadas, houve a aplicação dessa tecnologia de alteração gênica em microrganismos que promovem relações simbióticas e em promotores de crescimento de plantas. No caso dos organismos simbiontes, como os rizóbios, a finalidade principal da alteração dos genes está relacionada ao aumento da produtividade da cultura que se beneficia dessa relação ecológica simbiótica com o microrganismo, absorvendo uma maior quantidade de nutrientes e aumentando a sua competitividade no meio (ANDRADE; NOGUEIRA, 2005). A introdução desses OGMs (plantas e microrganismos) no meio ambiente, embora tragam uma diversidade de benefícios para o setor agrícola, podem ter efeitos adversos, promovendo alterações na biota do solo e nos ciclos biogeoquímicos, comprometendo os serviços ecossistêmicos. O cultivo de plantas OGMs podem apresentar os seguintes riscos potenciais ao equilíbrio ambiental: a) O fluxo gênico para espécies selvagens pode se beneficiar de vantagens oferecidas pelo OGMs, favorecendo o aumento das populações de erva daninhas. b) A população de organismos não alvo, como a biota do solo e os insetos inimigos naturais presentes na cultura podem ser prejudicados pela introdução da planta ou microrganismo geneticamente modificado no solo, colocando em risco a biodiversidade local. c) A introdução de novos genes no meio pode levar a extinção de população de espécies de plantas selvagens e no surgimento de novas cepas resistentes não controlados pelo homem (BENEDITO; FIGUEIRA, 2005). A Lei de Biossegurança (11.105/05) determina normas de segurança e mecanismos de fiscalização de atividades que envolvam OGMs, obrigando que qualquer organismo modificado geneticamente seja submetido a criteriosa avaliação feita pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), instância colegiada responsável pelos critérios de avaliação dos OGM. , 126 Dentre as principais atribuições da CTNBio está propor a Política Nacional de Biossegurança estabelecendo normas técnicas de segurança e pareceres técnicos referentes à proteção da saúde humana, dos organismos vivos e do meio ambiente, para atividades que envolvam a construção, experimentação, cultivo, manipulação, transporte, comercialização, consumo, armazenamento, liberação e descarte de OGM e derivados (CAPALBO, 2016). Para disponibilizar produtos seguros obtidos pela biotecnologia à sociedade, o manuseio de OGMs exige uma avaliação de biossegurança dos produtos gerados, devido às incertezas sobre os impactos e efeitos desses transgênicos sobre a saúde do homem, animais e meio ambiente. • Marcadores Moleculares O marcador molecular é definido como uma sequência de DNA que é diferente entre os organismos estudados, essa diferença é chamada de poliformismo. A utilização dessa ferramenta genômica se mostra de grande utilidade, sobretudo em programas de melhoramento genético, por meio da construção de genótipos que seriam dificilmente produzidos apenas com a seleção fenotípica; na associação com genes de resistência contra pragas e agentes patogênicos; na identificação de novosprincípios ativos ou plantas que apresentam proteínas de uso na indústria de alimentos, fármacos e cosméticos. • Edição de Genomas Nos dias atuais, novas técnicas de manipulação genética denominadas Tecnologias de Melhoramento (NTM) estão em ascensão. As técnicas de chamadas de nucleases, TALENs (transcription activator-like effector nucleases), mutagênese dirigida por oligonucleotídeos e CRISPR são exemplos de técnicas que envolvem a edição de genoma por meio da quebra do DNA e posterior reparação com as devidas alterações realizadas sem inserir no material genético genes de outras espécies. Por exemplo, utilizar essa nova tecnologia na criação de um vegetal com uma nova variação gênica, sem possuir algum segmento genômico de outra espécie e que apresente qualidades superiores idênticos aos vegetais que lhes originaram (DIAS, et al., 2019). , 127 Essas novas ferramentas biotecnológicas possuem a capacidade de delimitar sequências específicas de nucleotídeos da molécula de DNA, eliminando genes fracos e inserindo características novas. Atualmente, a CRISPR consiste na tecnologia mais moderna, pois, ao utilizar sequência de RNA para guiar uma nucleasse (Cas9) até o ponto específico da molécula de DNA que será alterada, tem mostrado uma maior precisão e bons resultados para a edição de genes (NEPOMUCENO, 2017; FIGUEIREDO, 2015). • Controle biológico de pragas O RNA de interferência (RNAi) é uma nova técnica de engenharia genética que está sendo desenvolvida e pode ser aplicada no combate a pragas e no melhoramento genético das plantas. O estudo se concentra na pulverização de uma solução contendo RNA em uma plantação de batatas. As moléculas de RNA penetram no inseto praga denominado besouro-da-batata e se associam ao RNAm para desativar a expressão de um determinado gene responsável pela produção uma proteína, sem a qual o inseto não sobrevive. A principal vantagem apontada pela empresa norte americana Monsanto, responsável pela pesquisa, seria o desligamento da expressão gênica do organismo alvo (praga), não interferindo no genoma da planta, encurtando o processo de aprovação da técnica e, consequentemente, reduzindo os custos do produto a ser comercializado. Especialistas contrários a essa técnica acreditam que o RNA específico utilizado para inibir a ação gênica do besouro pode apresentar semelhança com RNAm do besouro e atingir outros insetos não pragas, como os polinizadores. Para garantir a aplicação dessa técnica com a segurança devida, será necessário conhecer o genoma das espécies dos outros insetos importantes para o equilíbrio ecológico (YANAGUI, 2016). Outra biotecnologia desenvolvida para o combate de determinados insetos-praga são as plantas Bt. Pesquisadores identificaram a presença da bactéria Bacillus thuringiensis (Bt) que apresenta genes capazes de produzirem um tipo de proteína tóxica (Cry) para alguns tipos de insetos. Isolaram o segmento de nucleotídeos produtores dessa proteína no DNA de plantas, como a soja, milho e algodão, para que elas desenvolvessem resistência aos insetos-praga. Ao ingerirem a folha da planta geneticamente modificada e portadora do gene responsável pela produção da proteína, a proteína se liga ao receptor de membrana das células intestinais do inseto, provocando a sua morte. , 128 Muitas vantagens são obtidas na utilização dessa técnica como por exemplo: A redução na aplicação de agrotóxicos. O aumento na produtividade da lavoura. Um melhor desenvolvimento da planta e qualidade da safra. Uma menor exposição do agricultor aos defensivos agrícolas. Uma redução do custo de produção. Um ganho ambiental devido à menor aplicação de produtos químicos e a não emissão de CO2 na aplicação do herbicida. Conclusão Tradicionalmente, a aplicação da biotecnologia na indústria de alimentos resumia-se a produção de pães, queijos, aditivos, álcool e iogurte. Com a evolução nas pesquisas e avanços nos processos biotecnológicos, os microrganismos têm sido amplamente úteis para a humanidade e atualmente representam uma tecnologia promissora em diversos ramos da biotecnologia, sendo utilizados nos mais diversos processos microbiológicos industriais nas áreas da saúde, alimentar, têxtil e de tratamento de resíduos. Na agricultura, a criação de novas ferramentas na área da biotecnologia revolucionou o setor no país na seleção de genes que expressam características genéticas benéficas, no combate as pragas e no aumento da produtividade, contribuindo para o desenvolvimento de uma agricultura sustentável e na preservação dos recursos naturais. REFERÊNCIAS ANDRADE, G.; NOGUEIRA, M.A. Organismos geneticamente modificados e grupos funcionais de microrganismos dos solos. Biotecnologia Ciência e Desenvolvimento, n° 34, 2005. , 129 BENEDITO, V. A.; FIGUEIRA, A. V. O. Efeitos Potenciais da introdução de plantas transgênicas, Biotecnologia Ciência e Desenvolvimento, n° 34, 2005. CAPALBO, D. M. F.; JONSSON, C. M.; MENDES, R.; PENTEADO, A. L.; PRADO, S. S.; DUARTE, R. C. M. Manual de biossegurança da Embrapa Meio Ambiente: boas práticas na manipulação e condução de experimentos com organismos geneticamente modificados (OGM). Jaguariúna: Embrapa Meio Ambiente, 2016. CARRER, H.; BARBOSA A. L.: RAMIRO, D. A. 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