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Metodologia da Pesquisa em Direito

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Av. Paulista, 901, 4º andar
Bela Vista – São Paulo – SP – CEP: 01311-100
SAC sac.sets@saraivaeducacao.com.br
Direção executiva Flávia Alves Bravin
Direção editorial Ana Paula Santos Matos
Gerência editorial e de projetos Fernando Penteado
Gerência editorial Thais Cassoli Reato Cézar
Novos projetos Aline Darcy Flôr de Souza
Dalila Costa de Oliveira
Edição Jeferson Costa da Silva (coord.)
Daniel Pavani Naveira
Design e produção Daniele Debora de Souza (coord.)
Flavio Teixeira Quarazemin
Camilla Felix Cianelli Chaves
Claudirene de Moura Santos Silva
Deborah Mattos
Lais Soriano
Tiago Dela Rosa
Planejamento e projetos Cintia Aparecida dos Santos
Daniela Maria Chaves Carvalho
Emily Larissa Ferreira da Silva
Kelli Priscila Pin
Diagramação Reginaldo César S. Pedrosa
Revisão Amélia Kassis Ward
Capa Tiago Dela Rosa
Adaptação de capa Lais Soriano
Produção gráfica Marli Rampim
Sergio Luiz Pereira Lopes
mailto:sac.sets@saraivaeducacao.com.br
CDD 340
CDU 34
Produção do E-pub Fernando Ribeiro
ISBN 978-65-5362-799-4
DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO (CIP)
VAGNER RODOLFO DA SILVA - CRB-8/9410
M593 Feferbaum, Marina; Mafei, Rafael (orgs.)
 
Metodologia da pesquisa em direito - técnicas e abordagens para elaboração de
monografias, dissertações e teses / Ana Carolina Correa da Costa Leister...[et al.] ;
Marina Feferbaum, Rafael Mafei (orgs.) - 3. ed. - São Paulo : SaraivaJur, 2023.
ePUB
ISBN: 978-65-5362-799-4 (e-book)
 
1. Direito. 2. Metodologia da Pesquisa. I. Queiroz, Rafael Mafei Rabelo. II.
Feferbaum, Marina. III. Título.
 
2022-3054
Índices para catálogo sistemático:
1. Direito 340
2. Direito 34
 
Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida por qualquer meio ou forma
sem a prévia autorização da Saraiva Educação. A violação dos direitos autorais é crime
estabelecido na Lei n. 9.610/98 e punido pelo art. 184 do Código Penal.
Data de fechamento da edição: 14-10-2022
SUMÁRIO
Prefácio
Apresentação à 3ª edição
Apresentação à 2ª edição
PARTE 1 — Introdução e conceitos fundamentais
1. Introdução
1. Um roteiro prático para uma disciplina teórica
2. A quem serve este livro?
3. Mestrado profissional
4. O que há neste livro?
2. Escrita científica em direito: espécies de trabalhos acadêmicos e suas
principais características
1. “Monografias”
1.1. Monografias para disciplinas de graduação
1.2. Monografias de conclusão de curso na graduação (TCCs)
1.3. Monografia de conclusão de curso em pós-graduação “lato
sensu” (especialização)
2. Artigos científicos
3. Teses e dissertações
Referências
3. Pesquisa jurídica aplicada no Mestrado Profissional
1. Introdução
2. O caráter aplicado da pesquisa jurídica
3. Fontes e métodos de pesquisa
4. O rigor científico
5. Possibilidades de pesquisa no mestrado profissional
5.1. Trabalho exploratório sobre práticas jurídicas
5.2. Resolução de problema
5.3. Estudo de caso
6. O formato do trabalho de conclusão
7. Conclusão
Referências
PARTE 2 — Concepção da pesquisa, localização e constituição de
fontes
4. Como encontrar um tema dentro de minha área de interesse?
1. Um tema de pesquisa
1.1. O tema deve ser um verdadeiro objeto de dúvida
1.2. O tema deve ser relevante
1.3. A originalidade do tema
1.4. O tema deve estar dentro das limitações do pesquisador
2. Alguns tipos possíveis de problemas de pesquisa
2.1. Problemas descritivos: apresentando fatos juridicamente
relevantes
2.2. Problemas prescritivos: oferecendo respostas para dúvidas
jurídicas difíceis
2.2.1. Pesquisas com respostas “de lege lata”
2.2.2. Pesquisas com respostas “de lege ferenda”
Referências
5. Como respondo cientificamente a uma questão jurídica controvertida?
1. Introdução
2. O problema de pesquisa: quando temos um caso difícil?
2.1. O caminho até a pergunta de pesquisa
2.1.1. Definindo a pergunta de pesquisa
3. Procedendo cientificamente
3.1. Definindo as posições em debate
3.2. A dinâmica da refutação
3.2.1. O argumento de Dworkin
4. A conclusão do trabalho (e deste capítulo)
Referências
6. Meu trabalho precisa de jurisprudência? Como posso utilizá-la?
1. Introdução: a agenda de pesquisa de jurisprudência no direito
brasileiro
2. Pesquisa de jurisprudência: uma pesquisa de julgados
3. Quando minha pesquisa pode ser desenvolvida por meio de
análise de jurisprudência?
3.1. Análise temática e apresentação de linhas de entendimento
3.2. Análise dos elementos de decisão
3.3. Análise da dinâmica institucional do órgão julgador
3.4. Análise dos impactos da jurisprudência
3.5. Análise processual da jurisprudência
3.6. Outras aplicações da pesquisa de jurisprudência
4. Modelagem da pesquisa de jurisprudência
4.1. Delimitação da pesquisa de jurisprudência
4.2. Composição da amostra
4.3. Aplicação dos recortes jurisprudenciais e formação da
amostra
4.3.1. Consulta e pedido de pesquisa de jurisprudência
4.3.2. Pesquisa eletrônica pela internet
4.3.3. Acesso aos julgados pela Lei de Acesso à Informação Pública
4.4. Variáveis de pesquisa
5. Como apresentar os resultados da pesquisa de jurisprudência?
5.1. Apresentação do método de pesquisa
5.2. Apresentação dos resultados de pesquisa
Referências
7. A pesquisa legislativa: fontes, cautelas e alternativas à abordagem
tradicional
1. Introdução
2. Pesquisa de legislação
2.1. Fontes
2.2. Cuidados
3. Outras modalidades de pesquisa
3.1. Processo legislativo
3.2. Justificativas
3.3. Histórico legislativo
3.4. Capacidade normativa do Executivo
3.5. Demais estopins legislativos
3.6. Lei e Desenvolvimento
3.7. Legislação comparada
3.8. Política legislativo-regulatória
4. Conclusão
Referências
8. Meu trabalho precisa de um capítulo histórico?
1. O uso inadequado da história nos trabalhos jurídicos
2. Quando é apropriado construir meu trabalho com uma perspectiva
histórica
3. Cuidados com a abordagem histórica do direito
3.1. Deixando os preconceitos e as caricaturas de lado:
aprendendo a ler o passado pelo passado
3.2. Utilização de fontes históricas
4. Considerações finais
Referências
9. “Achtung Baby!” Ou porque meu trabalho acadêmico não precisa de
Direito Comparado... até que se prove o contrário
1. Introdução
2. Direito comparado como campo de estudos: construção de
identidades nacionais, transplantes jurídicos e governança global
3. Questões práticas
4. Questões teóricas
5. Considerações finais
Referências
PARTE 3 — Planejamento e execução da pesquisa jurídica:
métodos, técnicas e dicas
10. O projeto de pesquisa
1. A importância de planejar uma pesquisa
2. Estrutura de um projeto de pesquisa
3. Preocupando-se com a pesquisa de fontes (doutrina, jurisprudência
e legislação)
4. Planejamento adequado para leituras de qualidade
5. Qual o momento adequado para começar a redação do trabalho?
6. Considerações finais
Referências
11. O uso da internet para localização de fontes da pesquisa jurídica
1. Introdução
2. Buscadores de internet
2.1. Aspectos gerais
2.2. Operadores de pesquisa
2.3. Google Acadêmico
3. Legislação
4. “Doutrina”
4.1. Repositórios de acesso livre
4.2. Repositórios de acesso pago
5. Relatórios de pesquisa
6. Catálogos de bibliotecas
Referências
12. O método de leitura estrutural
1. Objetivos da leitura filosófica
2. Uma filosofia do método (estrutural) de leitura?
3. Como ler um texto
3.1. Leitura rápida
3.2. Leitura aprofundada
3.3. Exercício de leitura estrutural de um texto
3.4. Exercício I de Leitura – “Política”, de Aristóteles
3.5. Exercício II de Leitura – “Física”, de Aristóteles
3.6. A descrição da estrutura é um resumo do texto?
3.7. A elaboração de um Esquema para orientação dos
seminários. A ordem das razões e a ordem topológica – tornando
as coisas um pouco mais fáceis
3.8. Técnica mista
Referências
13. A organização da informação jurisprudencial
1. Introdução
2. Por que devo organizar a minha pesquisa de jurisprudência?
3. Mãos à obra: organizando as informações jurisprudenciais
3.1. Planejamento da pesquisa de jurisprudência
3.2. Organização dos julgados analisados nos arquivos do
pesquisador
3.3. Organização das informações obtidas com ae uma defesa pública perante banca composta por cinco
docentes. Cada programa tem regras específicas sobre a composição das
bancas e o papel de orientadoras e orientadores na sessão pública de defesa.
Há também diferenças relativas ao programa acadêmico em que teses e
dissertações são produzidas – mestrado e doutorado, respectivamente. Em
geral, mestrados têm menor carga exigida de créditos acadêmicos
(disciplinas que se deve cursar) e créditos de pesquisa, o que faz que sejam,
na prática, mais curtos do que doutorados, embora nem sempre seja assim.
Dissertações de mestrado e teses de doutorado têm, de partida,
diferenças de profundidade. Espera-se que a tese seja um trabalho mais
profundo que a dissertação, já que, na primeira, é preciso haver
contribuição original para a área de concentração do trabalho – é necessário
que haja, de fato, uma nova tese defendida pelo doutorando. “A tese
científica (...) não se ocupa tão somente da descrição ou análise de um
instituto ou questões jurídicas”, mas “vai além dos dados citados e se
caracteriza fundamentalmente (...) pela contribuição pessoal do autor e a
proposição que se expõe e se defende” (LEITE, 2006, p. 34).
Essa exigência de inovação às vezes causa confusões, pois tanto a
dissertação quanto a tese têm de trazer contribuições à comunidade
científica, ainda que apenas a tese tenha de formular uma proposição nova e
prová-la, ou defendê-la. Tal requisito não existe na dissertação, o que não
significa que esta deva limitar-se a uma simples compilação de ideias
alheias. Ela deverá mostrar capacidade de realização de pesquisas de
alguma complexidade por parte do mestrando, ainda que seja meramente
aplicando um método de pesquisa já consolidado em objetos novos e ainda
não estudados. Ela é o produto final de um longo treino em métodos e
técnicas de pesquisa, revelando, pela sua consistência, a aptidão do
candidato como pesquisador. “A dissertação, de caráter eminentemente
didático, representa treino de iniciação à investigação, de forma que sua
elaboração não levará em conta que a investigação se concretize na
comunicação de uma teoria nova, ou nova explicação e interpretação de
fatos dentro da originalidade que norteia a tese doutoral” (LEITE, 2006, p.
33). Ao se realizar, por exemplo, uma pesquisa de jurisprudência com
metodologia consagrada sobre um conjunto de acórdãos ainda não
estudados, uma dissertação de mestrado produziria resultados inéditos, mas
sem a inovação teórica exigida de um doutorado.
A tabela a seguir sintetiza as principais diferenças.
Tabela 1 – Comparativo: principais trabalhos monográficos em Direito
TCC de graduação TCC de pós--
graduação
Artigos científicos
TCC de graduação TCC de pós--
graduação
Artigos científicos
Objetivo:
Que nível de
comple xidade é
exigido do
trabalho?
Demons tração de
domínio dos conhe -
cimentos básicos
sobre um tema
específico
Demons tração de
capaci dade de
aplicação de conhe -
cimentos avançados
de um tema
específico no trata -
mento de um
problema jurídico,
usualmente de
caráter prático
Reportar o trata mento de
um tema ou problema
específico, no curso de
uma inves tigação,
comuni cando objeti -
vamente resultados
relevantes de pesquisas
ou teorizações
Conteúdo:
Que substância
o trabalho deve
apresentar?
Leitura compreen -
siva e articulada dos
materiais básicos
sobre o tema de
pesquisa
Articu lação de
conceitos e dados
necessários para o
tratamento
satisfatório de um
problema jurídico de
caráter prático
Resultados pontuais de
pesquisas, ou respostas
pontuais a problemas
teóricos ou aplicados
específicos
Extensão:
Que tamanho o
trabalho
costuma ter?
Curtos ou médios Curtos ou médios Curtos
TCC de graduação TCC de pós--graduação
Objetivo:
Que nível de
comple xidade é
exigido do
trabalho?
Demons tração de capacidade de
pesquisa em um ou vários
métodos, bem como domínio de
conceitos funda mentais de
metodologia de pesquisa científica
Demons tração de domínio pleno de
metodo logia de pesquisa científica,
com capa cidade de inovação de
conheci mento e definição de pautas
e linhas de pesquisa
Conteúdo:
Que substância
o trabalho deve
apresentar?
Pesquisa compreen siva sobre deter -
minado tema jurídico, sem
necessidade de inovação do
conheci mento
Tese inovadora na área do trabalho.
Demons tração de plena autonomia
acadêmica do candidato, em termos
de métodos de pesquisa e
capacidade de definição de pautas e
linhas de investigação
TCC de graduação TCC de pós--graduação
Extensão:
Que tamanho o
trabalho
costuma ter?
Médios ou longos Médios ou longos
Fonte: elaboração dos autores.
Referências
BARRAL, Welber. Metodologia da pesquisa jurídica. 2. ed. Florianópolis:
Fundação Boiteux, 2003.
LEITE, Eduardo de Oliveira. Monografia jurídica. 7. ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2006.
OLIVEIRA, Luciano. Não fale do Código de Hamurabi! A pesquisa
sociojurídica na pós-graduação em Direito. Sua Excelência, o
comissário e outros ensaios de Sociologia Jurídica. Rio de Janeiro:
Letra Legal, 2006.
PEREIRA, Bruno Ramos. O uso da proporcionalidade no Supremo
Tribunal Federal: análise dos votos do ministro Gilmar Mendes
(2004-2006). Dissertação (Mestrado em Direito) – Faculdade de
Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2009. Disponível em:
. Acesso em: 27 jul. 2011.
SEVERINO, Antônio Joaquim. Metodologia do trabalho científico. 23.
ed. São Paulo: Cortez, 2006.
http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2134/tde-18112009-130359/pt-br.php
1.
3
PESQUISA JURÍDICA APLICADA NO
MESTRADO PROFISSIONAL
MARIO ENGLER PINTO JUNIOR7
INTRODUÇÃO
A pesquisa no mestrado profissional pretende contribuir para o
aprimoramento da capacidade analítica do aluno e, ao mesmo tempo,
oferecer um conhecimento prático sistematizado, a título de bem público
para benefício da comunidade jurídica. O modelo não dispensa, mas
pressupõe a abordagem teórica, desde que devidamente contextualizada e
combinada com proposta de ação prática8.
A investigação deve ser feita com adequado rigor acadêmico, tendo
por objeto uma prática jurídica, situação problemática ou caso concreto,
preferencialmente inserido no campo de atuação profissional do aluno, ou
cujas informações sejam acessíveis para consulta. A adoção de um marco
inicial ancorado na realidade fática é essencial para construir a ponte entre
teoria e prática.
A prática é ao mesmo tempo o ponto de partida e o ponto de chegada
da pesquisa, embora o segundo esteja situado em plano mais elevado que o
primeiro. O meio de elevação entre ambos é o percurso investigativo e
reflexivo do pesquisador, que toma consciência da prática que lhe é
familiar, para então resgatar o seu fundamento teórico e torná-la mais
qualificada sob o ponto de vista jurídico.
2.
É essencial que a pesquisa tenha caráter prescritivo, vale dizer,
apresente uma conclusão propositiva sob a forma de recomendações de
ação prática, e não apenas um posicionamento hermenêutico. Vale dizer, o
pesquisador não deve se limitar a emitir juízos de direito, traduzidos por
afirmações sobre legalidade ou licitude de condutas, nem juízos meramente
de fato, por meio da descrição da realidade relevante ao direito. Espera-se
que os trabalhos investigativos também sejam capazes de produzir juízos de
valor e de conveniência, juridicamente embasados, sobre a melhor
estratégia a ser adotada em situações concretas.
Sob a perspectiva do aluno, a pesquisa propiciará uma prática mais
consciente, refinada e fundamentada juridicamente9. Sob a perspectiva da
comunidade jurídica, o resultado será a formalização e o compartilhamento
de um conhecimento tácito de domínio restrito de profissionais experientes,
não captado pelos textos puramente acadêmicos10.
O CARÁTER APLICADO DA PESQUISA JURÍDICA
Nas ciências exatas ou sociais, o objetivo principal da investigação é a
comprovação de hipóteses fáticas, a realização de inferências
probabilísticas ou a descrição cuidadosa da realidade. Já no campo das
humanidades, a pesquisapreocupa-se com a formulação de explicações
racionais, a dedução de respostas lógicas, a elaboração de conceitos e a
organização de reflexões. Como regra, esse tipo de trabalho investigativo
enquadra-se na categoria de pesquisa básica, na medida em que não possui
o compromisso de produzir um conhecimento imediatamente aplicável.
Por sua vez, a pesquisa aplicada pressupõe uma produção tecnológica
com utilidade prática imediata. No campo do direito, esse resultado
demanda a construção de soluções jurídicas funcionais que atendam às
necessidades do mundo real.
A pesquisa jurídica de base doutrinária pode ser puramente conceitual
ou dogmática, como também assumir caráter aplicado, voltado à resolução
de problemas e questões práticas. A doutrina tradicional privilegia o
enfoque abstrato das questões jurídicas, ignorando o contexto fático e a
realidade concreta. Nesse caso, o direito posto e as questões hermenêuticas
passam a ser o principal objeto de estudo, em detrimento de problemas de
qualificação jurídica dos fatos ou de comportamentos complexos. Como
consequência, fica mais difícil fazer a ponte entre teoria e prática jurídica11.
Já a pesquisa exclusivamente empírica adota abordagens científicas
pouco familiares aos juristas (ainda que diga respeito a disposições jurídicas
ou a comportamentos juridicamente qualificados), tomando de empréstimo
a metodologia das ciências sociais (sociologia, antropologia, psicologia,
economia, finanças). O objetivo básico consiste em investigar o
funcionamento das instituições ou os efeitos produzidos por determinada
norma jurídica no ambiente social ou econômico. As disposições
legislativas ou comportamentos sociais são assumidos como coisas, e não
como textos ou ações que veiculam sentidos próprios. A empiria prioriza a
observação da realidade fática subjacente ao direito, e não a interpretação e
aplicação do direito para solução de problemas práticos.
A relevância aplicada do conhecimento jurídico decorre de sua
utilidade para resolver problemas que desafiam os operadores do direito.
Para cumprir esse desiderato, a pesquisa no mestrado profissional necessita
chegar a conclusões propositivas, por meio da formulação de
recomendações de condutas em face do direito posto, e apenas
complementarmente soluções que pressuponham alterações constitucional,
legislativa e regulatória. Uma contribuição particularmente relevante da
pesquisa no mestrado profissional é a identificação das chamadas melhores
práticas, ou então o aprimoramento de uma prática já existente.
Conquanto o referencial teórico-normativo seja importante na pesquisa
desenvolvida no mestrado profissional, isso não significa que seu objetivo
principal seja a crítica ou o refinamento da teoria, ou das correntes
doutrinárias existentes. O objetivo tampouco consiste na elaboração de
novas proposições teóricas (embora isso possa até ocorrer de forma
incidental). O trabalho de investigação e reflexão visa essencialmente a
solucionar problemas relacionados com a prática jurídica, a partir da
aplicação das teorias e opiniões doutrinárias já conhecidas, escolhendo
aquela que se mostre mais adequada ao caso concreto, mediante
justificativa fundamentada.
Nada impede que a pesquisa no mestrado profissional se oriente por
um marco teórico-normativo específico. Raramente o pesquisador poderá
prescindir da doutrina ou da teoria jurídica. Isso não significa, porém, que
deva enfrentar os desacordos formados em torno do arcabouço conceitual
adotado. Basta que proponha uma abordagem devidamente fundamentada e
teoricamente consistente para resolver o problema, discutir a prática
jurídica ou criticar o caso estudado, a partir de referências teóricas ou
práticas bem definidas. O registro de entendimentos divergentes é
importante para evidenciar que a abordagem do pesquisador foi neutra e
imparcial, ao invés de estar comprometida com a defesa de um interesse ou
de ponto de vista definido a priori.
Em termos ideais, a pesquisa jurídica no mestrado profissional deve
gerar um produto tecnológico, com inequívoca utilidade prática para a
sociedade, o setor empresarial, o governo, o terceiro setor ou o meio
profissional. A utilidade prática está diretamente relacionada com o
componente inovador da pesquisa. O objetivo da pesquisa é a intervenção
no mundo real, com propósito transformador.
Não basta o aluno se dedicar ao estudo de um tema interessante por ele
até então ignorado, para ao final elaborar um texto que seja mera
reprodução de conhecimento já amplamente difundido e formalizado. Um
trabalho com esse perfil tende a assumir a forma de explanação do direito
posto, compilação de opiniões doutrinárias ou enunciado de decisões
judiciais.
Como regra, o modelo de pesquisa no mestrado profissional deve
cumprir as seguintes etapas: (i) contextualização fática (funcionamento do
mundo real e práticas usualmente adotadas); (ii) apresentação do referencial
teórico-normativo (direito aplicável e questões sensíveis); (iii) abordagem
analítica (discussão sobre pontos fortes e pontos fracos; principais riscos);
(iv) recomendações finais de conduta ou ação prática (como agir e com que
cautelas).
Estrutura Básica do Trabalho de Pesquisa
↓
Contextualização fática
↓
Referencial teórico-normativo
↓
Abordagem analítica
↓
Recomendações finais
No mestrado profissional, a pergunta de pesquisa mais relevante é o
“como”, e não simplesmente “o quê”, ou mesmo o “por quê”. Para isso, não
basta identificar a legislação aplicável, explicar o regime jurídico vigente,
discutir a natureza jurídica ou o fundamento teórico, apontar o
entendimento doutrinário e jurisprudencial prevalecentes, ou ainda
descrever a realidade fática. Essas abordagens representam apenas uma
parte do percurso, e não o objetivo final da pesquisa.
No fundo, o resultado do trabalho de investigação precisa responder a
questões dinâmicas sobre como agir e com que cautelas, qual a melhor
estratégia, quais os fatores relevantes para tomada de decisão, quais os
3.
riscos jurídicos e como podem ser mitigados. Naturalmente, para elaborar
respostas fundamentas, é necessário enfrentar primeiro indagações mais
específicas, que muitas vezes constituem o foco central da pesquisa
realizada em outros cursos ou programas universitários12.
Questões Principais e Secundárias
Questões principais (objetivo final da pesquisa)
O que fazer? Como agir e com que cautelas?
Quais os principais riscos e como podem ser mitigados?
O que funciona? O que faz sentido?
Qual a estratégia ideal? Qual a melhor prática?
Qual a lição apreendida? Qual a conduta recomendável?
Questões secundárias (função instrumental)
O que diz a legislação?
Qual o entendimento doutrinário ou jurisprudencial?
Qual o conceito ou a natureza jurídica?
Qual o fundamento teórico?
Qual o relato dos fatos?
Qual a realidade empírica?
FONTES E MÉTODOS DE PESQUISA
Muitas questões práticas não podem ser compreendidas e respondidas
apenas pela consulta às fontes tradicionais de pesquisa no campo jurídico,
tais como legislação, repositório de decisões judiciais ou textos doutrinários
clássicos (que normalmente se reportam à legislação e às decisões
judiciais). A compreensão de modelos negociais, estruturas tributárias,
soluções regulatórias, programas de conformidade e políticas públicas exige
o amplo conhecimento do contexto fático em que são adotados. Daí a
importância da abordagem multidisciplinar para a construção de soluções
jurídicas conectadas com o mundo real.
A pesquisa no mestrado profissional pode e deve se valer de métodos
empíricos para conhecer e dialogar com o contexto fático. Nesse caso, a
empiria terá papel coadjuvante, contribuindo para desvendar a realidade
relevante à compreensão da norma jurídica ou da disposição contratual. O
resultado final será um trabalho mais transparente e contextualizado.
É possível fazer da investigação empírica uma ferramenta útil para
informar o estudo e a pesquisa jurídica sobre aspectos importantes da
realidade a ser considerada na aplicação do direito. Os achados empíricosnão esgotam a pesquisa, mas servem de substrato fático para contextualizar
e enriquecer a reflexão jurídica.
Tampouco se faz indispensável que a pesquisa empírica observe o
mesmo rigor metodológico das ciências sociais aplicadas. Para a pesquisa
no mestrado profissional, basta que os fatos sejam apreendidos a partir da
experiência própria do pesquisador, na qualidade de observador
participante, combinado com o uso de conhecimento anedótico ou da
chamada empiria pervasiva13.
A experiência própria do pesquisador também pode servir como fonte
de pesquisa, ainda que seja altamente recomendável validá-la e
complementá-la com outros métodos ou técnicas de investigação. Não é
necessário, nem desejável, que o pesquisador seja alguém alheio à prática
profissional ou ao caso concreto, que será objeto de reflexão e análise.
Quem está em melhor posição para sistematizar e refletir sobre uma prática
jurídica é justamente o profissional que possua vivência no assunto.
Para mitigar o risco de enviesamento, o trabalho investigativo deve
explicitar a relação precedente do pesquisador com o objeto pesquisado.
Com isso, o público-alvo poderá atribuir ao texto afinal produzido o valor
acadêmico que julgar adequado, à vista do envolvimento pessoal do
pesquisador expressamente declarado.
Quando o pesquisador possui familiaridade com a prática investigada,
o trabalho de coleta de dados e a identificação das questões-chave ficam
facilitados. Nada impede que o pesquisador investigue alguma prática não
compreendida na sua experiência profissional. Nesse caso, porém, o
pesquisador deve estar preparado para despender um esforço adicional, uma
vez que precisará reunir informações fidedignas e suficientes para
descrever, explicar e sistematizar a prática pesquisada. Precisará, ainda,
estar suficientemente seguro para apresentar alternativas de ação prática que
façam sentido a quem já milite na área.
Nesse caso, o pesquisador dificilmente escapará da necessidade de
realizar pesquisa de campo, notadamente por meio de conversas informais
ou entrevistas semiestruturadas com atores relevantes, detentores de
experiência prática sobre o tema pesquisado. Na maioria das vezes, a
prática investigada não estará retratada, de forma confiável e abrangente,
em textos doutrinários já publicados. Eventualmente, poderá constar de
trabalhos empíricos produzidos em outras áreas do conhecimento.
Sem embargo da importância do uso da própria experiência, o
depoimento de atores relevantes também pode contribuir para robustecer a
percepção do pesquisador sobre a realidade concreta. Vale destacar que as
conversas ou entrevistas não se destinam propriamente a colher opiniões
jurídicas, mas a obter informações qualificadas sobre os fatos.
Os interlocutores devem ser selecionados em função de seu
conhecimento diferenciado sobre a prática jurídica, as soluções usualmente
adotadas para resolução de problemas, ou os detalhes do caso que não
constam de registros escritos. Trata-se de especialistas experientes na sua
área de atuação e dispostos a compartilhar sua visão sobre a realidade
concreta para enriquecer a pesquisa jurídica. A credibilidade do resultado
das conversas ou entrevistas depende fundamentalmente do reconhecimento
da comunidade jurídica sobre a qualidade da experiência dos entrevistados
escolhidos pelo pesquisador.
As pesquisas puramente quantitativas para determinar inferências, a
exemplo de questionários (surveys), possuem menos espaço no mestrado
profissional, na medida em que exigem domínio de métodos estatísticos
dificilmente manejáveis pelos profissionais do direito. Além disso, a
4.
aspiração de estabelecer juízos de fato metodologicamente robustos pode
negligenciar o componente jurídico e propositivo da pesquisa.
Fontes e Métodos de Pesquisa
Legislação (consulta e fontes oficiais)
Doutrina nacional e estrangeira (pesquisa bibliográfica)
Decisões judiciais e administrativas (pesquisa jurisprudencial)
Pareceres de autoridade (consulta a fontes oficiais)
Trabalhos acadêmicos dentro e fora do campo jurídico (pesquisa
bibliográfica)
Matéria jornalística (consulta a periódicos ou a internet)
Documentos (leitura e análise documental de fontes autorizadas)
Banco de dados (análise de informações já compiladas e organizadas)
Pesquisa de campo (etnografia e entrevista com atores relevantes)
Uso da própria experiência (observador participante)
O RIGOR CIENTÍFICO
Na atuação profissional, é normal que o advogado seja parcial e
desenvolva o seu trabalho para atender primordialmente aos interesses do
cliente. Nesse ambiente, o advogado pode fazer uso da retórica persuasiva,
narrar fatos destacando os pontos positivos e encobrindo os negativos,
invocar argumentos de autoridades sem questioná-los, ou mencionar apenas
precedentes judiciais favoráveis, ainda que existam outros em sentido
contrário. Como regra, tais posturas não são encaradas como desvio ético.
Já o texto acadêmico dotado de rigor científico deve utilizar linguagem
sóbria e equilibrada, expor os fatos de forma ampla e fiel à realidade, sem
omissões ou distorções, além de conduzir a argumentação com
imparcialidade e espírito crítico. Os atributos básicos do texto acadêmico
podem ser assim resumidos: (i) neutralidade e independência do autor; (ii)
informação correta e completa; (iii) indicação das fontes de pesquisa; (iv)
análise crítica e abrangente; (v) argumentação lógica e racional; e (vi)
propostas construtivas e realistas14.
Em relação à pessoa do pesquisador, espera-se que (i) declare o seu
envolvimento com o objeto pesquisado; (ii) não se comprometa com a
defesa de interesses encobertos; (iii) aponte, discuta e refute os argumentos
contrários; e (iv) revele as limitações e fragilidades do posicionamento
proposto ou da conduta sugerida. O pesquisador deve se manter aberto a
mudanças de rumo durante o curso da pesquisa, sem se sentir vinculado ao
roteiro inicialmente traçado ou às respostas que considerava desejáveis.
A pesquisa dotada de rigor científico não pode se limitar a sistematizar
intuições baseadas no senso comum. É necessário demonstrar faticamente
as afirmações e sustentar juridicamente as proposições apresentadas. Isso
não quer dizer que um posicionamento hermenêutico ou prática jurídica
somente sejam aceitos como corretos ou verdadeiros, se estiverem
ancorados em alguma opinião doutrinária autoritativa, ou em estudo
empírico metodologicamente robusto.
O pesquisador não deve reverência a doutrinadores renomados (melhor
doutrina), tampouco está vinculado a decisões judiciais reiteradas
(jurisprudência consolidada). O pesquisador pode desafiar o entendimento
ou conhecimento estabelecido sobre determinado assunto e propor novos
olhares ou soluções. O importante é que o faça de forma refletida e
fundamentada, com base em informações oriundas de fontes confiáveis,
devidamente explicitadas, ainda que não tenham validade estatística ou
abrangência universal15.
Para ter credibilidade acadêmica, a opinião jurídica emitida pelo
pesquisador deve ser ao mesmo tempo (i) informada (considera contexto
fático, ordenamento jurídico e possíveis consequências); (ii) fundamentada
(utiliza argumentação jurídica consistente e contextualizada); (iii)
ponderada (abrangente, equilibrada e sóbria); e (iv) desinteressada (neutra e
imparcial).
A pesquisa acadêmica na área jurídica não se limita à produção de um
belo texto dissertativo. O texto funciona como veículo de comunicação do
resultado final do trabalho do pesquisador e deve ser sempre bem escrito.
No entanto, não se confunde com as atividades antecedentes de revisão
bibliográfica, coleta de informações, discussão, análise e reflexão
aprofundada. São essas atividades que qualificam a pesquisa no campo
jurídico, e não simplesmente a redação do texto.
Em suma, o rigor científico na área do Direito pressupõe que
afirmações fáticas e proposições jurídicas sejam demonstradas e
fundamentadas. Para isso, é necessário utilizar fontes de informação
fidedignas e argumentar de forma lógica, convincente, abrangente eimparcial.
Qualidades do Texto
Desejável Inadequação
Delimita escopo a partir da formulação de
um problema, da apresentação de um caso
concreto ou da indicação de uma prática
jurídica
Limita-se a explanar o direito posto, compilar
opiniões doutrinárias ou decisões judiciais,
relatar fatos ou emitir opiniões
Discute a aplicação do direito considerando o
contexto fático; situa o tema no cenário
internacional
Abordagem dogmática desconectada da
realidade concreta; discute o tema no plano
puramente abstrato; ignora o cenário
internacional
Consulta boas fontes de pesquisa; utiliza
métodos empíricos para conhecer a
realidade; aproveita experiência prática do
autor
Ausência de pesquisa ou falta de
credibilidade das fontes consultadas; faz
inferências e afirmações sem fundamentação
adequada
Argumentação lógica e consistente, análise
sofisticada e crítica fundamentada; postura
propositiva
Argumentação retórica, análise simplista,
crítica superficial; reproduz o senso comum;
inexistência de proposta
Visão neutra e abrangente; discute posições
contrapostas; isenção intelectual do autor
Visão unilateral e enviesada; não discute
posições contrapostas; motivação secundária
não declarada
5.
Desejável Inadequação
Encadeamento lógico do raciocínio; clareza
de redação; linguagem sóbria; pertinência
das citações doutrinárias
Raciocínio confuso; redação truncada;
exageros de linguagem; citações
bibliográficas sem objetivo definido
Conclusão propositiva imediatamente
aplicável; recomendação de conduta ou ação
concreta; geração de produto com utilidade
prática; contribuição inovadora
Constatação de obviedades; proposições
genéricas e abstratas; aponta objetivo
desejável sem indicar meios para atingi-lo;
carência de abordagem inovadora
POSSIBILIDADES DE PESQUISA NO MESTRADO
PROFISSIONAL
No mestrado profissional, emergem pelo menos três modalidades
básicas de pesquisa que atendem às diretrizes supra-anunciadas. São elas (i)
o trabalho exploratório sobre práticas jurídicas, (ii) a resolução de
problemas complexos e (iii) o estudo de caso paradigmático. Os tópicos
seguintes tratarão separadamente de cada modalidade.
Em qualquer hipótese, recomenda-se que a questão central de pesquisa
seja desdobrada em questões secundárias ou quesitos específicos. Cada
etapa do trabalho deve ensejar a formulação de pelo menos um quesito
(contextualização fática; referencial teórico-normativo; abordagem
analítica; e recomendações finais). Os quesitos são úteis para delimitar o
escopo do trabalho e estabelecer a sequência lógica de abordagem do tema.
Exemplo de Quesitos
Retenção pecuniária como instrumento de autotutela em
contratos empresariais
Em que consiste o mecanismo de retenção pecuniária em contratos empresariais? Para
que serve? Em que contextos se aplica? Com que finalidade? Qual a prática usual?
Qual a fundamentação jurídica do mecanismo contratual de retenção pecuniária? Qual a
sua moldura legal de validade?
Que aspectos práticos devem orientar a adoção e o desenho contratual do mecanismo de
5.1.
retenção pecuniária?
Qual o modelo ou modelos ideais de mecanismos contratuais de retenção pecuniária?
Como se traduzem em cláusulas-padrão?
Tributação de empreendimentos de shopping center
Como opera o setor de shopping centers?
Quais os arranjos negociais usualmente adotados?
Quais as incidências tributárias sobre a operação de shopping center? Quais as principais
controvérsias jurídicas?
Qual o arranjo negocial mais eficiente sob o ponto de vista tributário?
Quais os principais riscos e como podem ser mitigados?
Licenciamento ambiental no âmbito municipal
Quais os custos e benefícios do licenciamento ambiental no âmbito municipal? Quais as
vantagens e desvantagens em relação ao licenciamento estadual ou federal?
Qual a fundamentação jurídica do licenciamento ambiental no âmbito municipal? Quais
os principais riscos de questionamento jurídico e como podem ser mitigados?
Quando faz sentido a adoção do licenciamento ambiental no âmbito municipal? Que
fatores devem ser considerados para tomada de decisão?
Como estruturar o licenciamento ambiental no âmbito municipal?
Trabalho exploratório sobre práticas jurídicas
No trabalho exploratório sobre práticas jurídicas, o pesquisador deve
inicialmente buscar a apreensão da realidade e a contextualização fática.
Para isso, precisa elucidar o conteúdo da prática pesquisada, o campo de
aplicação, as soluções usualmente adotadas e possíveis variações.
O passo seguinte consiste na reflexão sobre as práticas constatadas,
mediante a identificação do regime jurídico aplicável, das questões
controversas ou com potencial de problematização e dos entendimentos
relevantes diretamente aplicáveis (doutrinários, administrativos e judiciais).
Com isso, o pesquisador terá condições de desenvolver a fundamentação
jurídica adequada para qualificar a prática, sem prejuízo de também apontar
suas fragilidades e limitações.
5.2.
O trabalho deve, então, avançar para a análise e avaliação crítica da
prática descrita e qualificada juridicamente. As ponderações precisam
indicar, entre outras coisas, os pontos fortes e os pontos fracos, os limites e
possibilidades, os fatores que influenciam a tomada de decisão, os
principais riscos e como podem ser mitigados.
A quarta fase deve ser necessariamente propositiva, sugerindo cursos
de ação aos operadores do direito (como agir e com que cautelas). Em
caráter complementar, pode-se formular propostas de lege ferenda para
adequação do marco legal ou regulatório, sem prejuízo das necessárias
proposições de lege lata.
Dependendo da área de concentração e das linhas de atuação do
programa de mestrado profissional, as práticas pesquisadas podem consistir
em (i) arranjos contratuais e societários; (ii) cláusulas específicas de
negócios jurídicos; (iii) formas de contratação no setor público: (iv)
estruturação de projetos de infraestrutura; (v) modelos regulatórios; (vi)
políticas públicas com impacto na atividade empresarial; (vii) incidências
tributárias em setores ou transações específicas; (viii) modelos de gestão ou
governança tributária; (xi) políticas de tributação e técnicas de arrecadação;
(xii) estratégias de defesa processual; (xiii) medidas preventivas de ilícitos
penais.
Resolução de problema
A pesquisa no mestrado profissional também pode ser orientada pela
resolução de problemas que tenham densidade jurídica e relevância prática.
A formulação do problema é importante para delimitar o escopo da
pesquisa, evitando que o trabalho se transforme em narrativa
descompromissada, discurso genérico ou dissertação sem objetivos claros.
A descrição dos fatos, a explanação da legislação vigente, a invocação de
entendimentos doutrinários e precedentes jurisprudenciais possuem função
instrumental. São úteis apenas na medida em que sirvam para subsidiar
respostas às perguntas relevantes sob o ponto de vista prático (v.g., como
agir e com que cautelas, qual a estratégia ideal, o que funciona ou faz
sentido).
Ao final, o pesquisador deve emitir um juízo de conveniência dentro
de uma moldura legal mais ampla, e não simplesmente sustentar um
posicionamento hermenêutico ou afirmar a licitude ou ilicitude de
determinada conduta. Não se trata, portanto, de partir da teoria para, por
meio da prática, alargar, estreitar, endossar ou abandonar uma proposição
teórica. Trata-se de partir de um problema concreto para, por meio da teoria,
propor reformas ou aprimoramentos práticos.
O problema não é exatamente a mesma coisa que a hipótese de
pesquisa. Ele pode admitir alternativas de soluções que serão testadas ou
avaliadas no curso da pesquisa. Pode, ainda, tomar múltiplas questões que
demandam respostas fundamentadas, a ponto de compor uma solução
integral. Por sua vez, as hipóteses são explicações preliminares ou
provisórias, que serão testadas durante o percurso da pesquisa, visando à
sua confirmação ou refutação16. Na pesquisa acadêmica, a hipótese funciona
como o ponto de partida, cujo destino final ainda é incerto.
A pesquisa no mestrado profissionalpode dispensar a formulação de
uma hipótese inicial, atendo-se apenas à resolução do problema proposto
(ainda que as alternativas de solução sejam previamente anunciadas pelo
pesquisador)17. Não basta ao pesquisador refutar a solução inicial aventada,
como faria com a hipótese na pesquisa puramente acadêmica. Ele precisa
construir a melhor solução e justificá-la de modo satisfatório.
São exemplos de problemas juridicamente relevantes, que demandam
propostas de ação prática: (i) em que medida o contrato pode dispor sobre
regras de interpretação e distribuição do ônus da prova; quando e como
convém fazê-lo; (ii) qual o enquadramento jurídico e o campo de aplicação
das chamadas condições precedentes; (iii) quando faz sentido o contrato de
sociedade limitada prever a aplicação subsidiária do regime jurídico da
sociedade anônima, com fundamento no art. 1.053 do Código Civil; (iv) em
que circunstâncias pode ser atribuída a responsabilidade tributária a outra
5.3.
empresa do mesmo grupo econômico; como mitigar o risco daí decorrente;
(v) como estruturar um plano de opções de compra de ações conciliando
eficiência tributária e segurança jurídica; (vi) qual a melhor estratégia para
impedir a sonegação fiscal em determinado setor da atividade econômica.
Estrutura Básica de Resolução de Problema
Sintomas (apreensão dos fatos e percepção da situação problemática)
Impactos negativos no mundo real (segurança jurídica, políticas públicas, equidade)
Distorção nos resultados ou efeitos pretendidos pelo formulador
Desorganização do setor privado, ineficiência da ação pública, demandas essenciais não
atendidas, pressão orçamentária e risco fiscal
Reflexão (mobilização de conhecimento teórico e prático)
Identificação do referencial teórico-normativo correspondente ao direito aplicável no caso
concreto
Consulta à literatura especializada
Combinação com conhecimento tácito baseado na própria experiência
Exercício de subsunção dos fatos à norma jurídica
Diagnóstico (identificação das possíveis causas)
Interpretação equivocada da norma jurídica
Lacuna legislativa ou falta de parâmetros para aplicação de princípios jurídicos vagos
Práticas jurídicas inadequadas
Decisor desconhece realidade fática e consequências práticas
Deficiência do marco legal e regulatório
Prescrição (proposta de solução)
Mudança de posicionamento hermenêutico
Compreensão da norma jurídica e fixação de parâmetros de aplicação concreta
Ajuste nas práticas utilizadas
Monitoramento e controle dos efeitos e das consequências práticas
Alteração legislativa
Estudo de caso
A pesquisa jurídica profissional pode ainda se inspirar em um caso real
já ocorrido, passível de análise e problematização. Embora o ponto de
partida seja diferente em relação ao modelo de resolução de problema, o
resultado final busca igualmente uma recomendação de ação prática. A
resolução de problema pode ensejar uma solução nova, enquanto o estudo
de caso pressupõe a avaliação crítica de uma solução já adotada, com
sugestões de aprimoramento (proposições contrafáticas) ou de alargamento
do campo de aplicação (proposições abrangentes). A resolução de problema
envolve um olhar prospectivo, ao passo que o estudo de caso é por natureza
retrospectivo. De todo modo, ambos os percursos demandam uma
conclusão propositiva.
O estudo de caso requer uma análise qualitativa, e não quantitativa.
Pressupõe o acesso do pesquisador às informações essenciais, incluindo a
documentação básica, ainda que de caráter reservado, e a possibilidade de
manter interlocução com atores relevantes diretamente envolvidos,
preferencialmente por meio de conversas informais ou entrevistas
semiestruturadas. A atenção do pesquisador deve se voltar à solução
adotada no caso concreto, sua fundamentação jurídica e avaliação crítica.
O estudo de caso combina bem com a pesquisa no mestrado
profissional. Isso porque propicia a abordagem integrada, envolvendo,
simultaneamente, aspectos estratégicos e jurídicos, o que facilita a
compreensão sobre a relevância do problema jurídico e a lógica da solução
adotada. Possibilita, ainda, a discussão de questões dogmáticas devidamente
contextualizadas, e não apenas no plano teórico-abstrato.
Além disso, o estudo de caso permite criticar com imparcialidade
decisões judiciais ou administrativas, mostrando eventuais equívocos
conceituais ou de percepção da realidade concreta, indicando caminhos
alternativos. Tratando-se de uma situação conflituosa já resolvida, cabe ao
pesquisador investigar de forma mais ampla o contexto fático e os
argumentos utilizados pelas partes envolvidas, pois esses elementos nem
sempre estarão incorporados no relatório da decisão proferida.
O estudo de caso não pode se limitar à mera narrativa ou descrição dos
fatos. Além do componente descritivo, precisam estar presentes a análise
qualificada e a postura propositiva. O objetivo central do estudo não é o
relato do caso em si, mas a exploração dos problemas que podem ser
discutidos e respondidos por seu intermédio. Em outras palavras, as lições
apreendidas ou os ensinamentos que podem ser dele extraídos para orientar
condutas futuras.
O resultado final da pesquisa na modalidade de estudo de caso pode
mostrar o que funciona ou não em determinados contextos (ou o que deu
certo e o que deu errado), ainda que não assegure o domínio completo das
explicações causais. A utilidade do caso analisado decorre justamente do
componente prescritivo para guiar a ação dos profissionais do direito (o que
deve ser feito em termos de organização, gestão ou decisão), e não apenas
do componente explicativo (o que exatamente determinou o resultado
final).
Nem sempre é fácil identificar as perspectivas de análise mais
adequadas em cada estudo de caso. Isso depende fundamentalmente das
peculiaridades da situação concreta e do potencial de aprendizagem. Para
maiores indicações sobre estudos de caso na pesquisa jurídica, confira-se o
Capítulo 17.
Perspectivas de Análise em Estudo de Caso
Perspectivas de análise (i)
Principais desafios e como foram equacionados (identificação dos pontos-chave)
Adequação, fragilidades e potencialidades da solução adotada (pontos fortes e pontos
fracos)
Fatores relevantes para tomada de decisão (compreensão do contexto fático e percepção
de interesses)
Mecanismo de incentivos e alinhamento de interesses (motivação para colaboração
espontânea e potenciais conflitos de interesses)
Principais riscos e formas de mitigação (constatação e valoração)
Comparação com soluções alternativas (análise comparativa sobre vantagens e
desvantagens)
Correspondência com práticas usuais de mercado (inserção do caso em contexto mais
6.
amplo)
Aderência ao ordenamento jurídico e questões sensíveis (confronto com posicionamentos
doutrinários e jurisprudenciais, possíveis controvérsias)
Repercussão sob a ótica da política pública (valoração de aspectos positivos e negativos)
Lições apreendidas com potencial de generalização (o que deu certo e o que deu errado)
Sugestões de aprimoramento e ações práticas (recomendações de conduta em face do
direito posto e proposta de alterações legislativas)
O FORMATO DO TRABALHO DE CONCLUSÃO
O trabalho de conclusão no mestrado profissional admite diferentes
formatos, incluindo a chamada dissertação, desde que também esteja
presente o componente aplicado18. Todavia, a apresentação de uma
dissertação tradicional corre o risco de induzir o aluno a adotar o modelo de
digressão conceitual extensiva, em detrimento do enfoque concentrado na
análise e solução de questões específicas. O mestrado profissional deve dar
preferência a trabalhos concisos e com profundidade vertical, em
detrimento da extensão horizontal.
O texto tampouco deve assumir o perfil de “apontamentos”, “reflexões
iniciais” ou “delineamentos básicos”. Não bastam especulações difusas; é
necessário construir um raciocínio estruturado para sustentar juízos de fato,
de direito e de conveniência, apresentando ao final alternativas de ação
prática.
O trabalho também não se resume à produção de um textoelegante e
bem escrito, que tenha dispensado a pesquisa prévia conduzida com rigor
científico. A verdadeira pesquisa não prescinde dos componentes
investigativo e reflexivo. O texto produzido serve basicamente para
registrar e divulgar os achados, a análise e a reflexão do pesquisador.
Na sua versão mais evoluída, o produto final da pesquisa deve estar
refletido em pelo menos um artigo pronto e acabado, passível de ser
publicado em periódicos com impacto no meio profissional. No entanto,
nem sempre será possível o trabalho alcançar de imediato o objetivo ideal,
7.
antes de passar por um período mais longo de maturação e ser submetido ao
crivo da banca examinadora. É nesse momento que o trabalho receberá
críticas e contribuições adicionais, especialmente por parte dos membros
externos que não acompanharam o percurso de pesquisa do aluno.
Afigura-se mais prudente orientar o aluno a produzir um trabalho de
conclusão que supere o tamanho desejável de um artigo. A diferença da
extensão decorrerá de indicações metodológicas e explanações que podem
ser omitidas na versão do texto que vier a ser publicada. É importante,
porém, que o texto já contenha as informações básicas, o detalhamento
metodológico, as referências doutrinárias e jurisprudenciais, as reflexões
jurídicas, a avaliação crítica e a conclusão propositiva, ou seja, todos os
elementos de pesquisa necessários à produção posterior da versão
consolidada.
Após a aprovação pela banca examinadora, o trabalho passará por
novo processo de depuração e lapidação, para se transformar finalmente em
um ou mais artigos publicáveis, que reflitam a essência do objeto
pesquisado e dos resultados obtidos, dentro das dimensões aceitáveis para
esse gênero literário.
CONCLUSÃO
O desafio de construir a identidade própria do mestrado profissional
em direito passa pela definição do modelo de pesquisa que o diferencie dos
programas acadêmicos. Para isso, o resultado da pesquisa deve atender,
simultaneamente, a exigências mínimas de rigor científico e produzir
impacto social, econômico ou profissional.
Apresentou-se aqui uma proposta básica de pesquisa que combina
quatro dimensões: (i) contextualização fática; (ii) apresentação do
referencial teórico-normativo; (iii) abordagem analítica; e (iv)
recomendações finais.
O modelo idealizado permite pelo menos três abordagens distintas,
embora todas elas sejam voltadas à obtenção do mesmo resultado
propositivo: (i) trabalho exploratório sobre práticas jurídicas; (ii) resolução
de problema complexo; e (iii) estudo de caso paradigmático.
Nesse contexto, teoria e empiria desempenham uma função
instrumental, pois são apenas meios para qualificar a pesquisa, e não pontos
de chegada. Não basta que o trabalho de investigação apresente proposições
teóricas ou constatações fáticas. As proposições e constatações somente
terão valia se também forem úteis para orientar práticas jurídicas ou
condutas profissionais. Tanto melhor se as orientações contiverem soluções
inovadoras.
Referências
FOX, Mark; MARTIN, Peter; GREEN, Gill. Doing practitioner research.
London: Sage, 2007.
LIMA, Roberto Kant; BAPTISTA, Bárbara Gomes Luppeti. Como a
antropologia pode contribuir para a pesquisa jurídica? Um desafio
metodológico. Anuário Antropológico, Brasília: UnB, I, p. 9-37,
2014.
LOPUCKI, Lynn M. Disciplining legal scholarship. Tulane Law Review, v.
90, 2015.
PINTO JUNIOR, Mario Engler. Pesquisa jurídica no mestrado
profissional. Revista de Direito GV, v. 14, n. 1, p. 28-48, jan.-abr.
2018.
POPPER, Karl Raimund. The logic of scientific discovery. London:
Routledge, 2002.
ROBSON, Colin. Real world research. 2. ed. Malden, MA: Blackwell
Publishing, 2002.
WEST, Glenn D. That pesky little thing called fraud: an examination of
buyers’ insistence upon (and sellers’ too ready acceptance of)
undefined “fraud carve-outs” in acquisition agreements. The Business
Lawyer, v. 69, 2014.
PARTE 2
CONCEPÇÃO DA PESQUISA,
LOCALIZAÇÃO E
CONSTITUIÇÃO DE FONTES
1.
1.1.
4
COMO ENCONTRAR UM TEMA DENTRO
DE MINHA ÁREA DE INTERESSE?
RAFAEL MAFEI RABELO QUEIROZ19
UM TEMA DE PESQUISA
A definição do tema é o ponto de partida para um trabalho científico,
desde um TCC até uma tese de doutoramento. Definir o tema de pesquisa,
em seu formato pronto e acabado, talvez seja a parte mais importante de
uma pesquisa de sucesso. Normalmente, é também uma das mais difíceis.
Pesquisadores experimentados sabem que, uma vez definido o tema de
pesquisa, o processo de investigação, ainda que trabalhoso, deflui com
facilidade. Até a definição do específico tema da pesquisa, entretanto, tudo
parece mais nebuloso, porque de fato o é: a pesquisa é um caminho que
leva da dúvida à certeza; sem que se saiba de onde se parte e aonde se quer
chegar, esse caminho não tem como ser percorrido. Este capítulo apresenta
algumas etapas que ajudam a transformar um mero assunto de interesse
(que muitos equivocadamente pensam ser um tema de pesquisa) em um
tema propriamente suscetível de investigação “científica”20.
O tema deve ser um verdadeiro objeto de dúvida
Trabalhos científicos comunicam resultados relevantes de pesquisas a
seu público leitor. Cientistas e pesquisadores são socialmente apreciados
porque são capazes de fazer algo importante: eles descobrem coisas
desconhecidas, ou esclarecem pontos duvidosos, ou (des)confirmam coisas
que todos julgamos saber; e o fazem por meio de procedimentos intelectuais
reconhecidos (“métodos científicos”), em cujos produtos confiamos
(“descobertas científicas”). Esses procedimentos são adquiridos no processo
de formação acadêmica superior e aperfeiçoados na pós-graduação.
Dependem de algum treino até que sejam dominados. Uma pesquisa
científica é, portanto, uma empreitada de produção de um conhecimento até
então desconhecido, ou ao menos carente de confirmação, por meio de
métodos aceitos pela comunidade acadêmica. Toda pesquisa deve começar
com algo que não se sabe, ou de que não se tem certeza, ou cuja certeza
intuitiva se quer testar. Sem isso, não se tem um verdadeiro tema de
pesquisa, por mais que se disponha de um assunto de interesse. As dúvidas
que se desdobram em problemas de pesquisa podem variar quanto a
extensão, impacto, nível de inovação que implicam, natureza (teórica ou
prática) etc.
Algumas vezes, pesquisadores refazem, com novos métodos ou
variações, pesquisas já feitas, em busca de uma resposta nova para uma
velha pergunta, ou da (des)confirmação de uma certeza difundida. Tome-
se, por exemplo, a questão da orientação socioideológica dos juízes em suas
sentenças: os juízes brasileiros, visando aplacar seus sentimentos pessoais
de injustiça social, costumam favorecer a parte mais fraca em suas
sentenças? Um ensaio de 200521 aventou, a partir de entrevistas com
magistrados brasileiros, a hipótese de que o Judiciário teria a tendência de
desrespeitar cláusulas contratuais e dispositivos legais para favorecer o
litigante economicamente mais fraco e, assim, fazer “justiça social” ao
arrepio de normas jurídicas cogentes. Para muitas pessoas, tal hipótese fez
sentido: ela combinava com a desconfiança de muitos sobre a
imparcialidade do Poder Judiciário e com sua suposta tendência a sempre
favorecer a parte mais fraca em um litígio (pense-se, por exemplo, na
vulgata que se faz da Justiça do Trabalho). Porém, no ano seguinte, uma
pesquisa foi levada a cabo com o específico propósito de testar a veracidade
dessa hipótese. Resultado: ela se provou falsa, nos limites testados pelos
pesquisadores. De acordo com essa última investigação, os litigantes
economicamente mais fortes têm, considerados todos os fatores, 45% mais
chances de saírem vitoriosos em uma disputa judicial do que os mais fracos,
em casos iguais (FERRÃO; RIBEIRO, 2006). Nessa mesma linha,
pesquisas sobre a atuação do Poder Judiciário em demandas relacionadas ao
direito à saúde têm mostrado que os demandantes economicamente mais
avantajados estão entre os mais contemplados por decisões judiciais que
mandam a Administração Pública oferecer remédios sem custoa seus
beneficiários, aprofundando a já grande disparidade entre usuários do
sistema público de saúde e clientes de planos privados (FERRAZ, 2009).
Outras vezes, a pesquisa pode ter o propósito de organizar e
sistematizar algo que está confuso por, digamos, sucessões legislativas
pouco claras, ou, ainda, decisões judiciais que mais confundem do que
esclarecem. Tome-se, por exemplo, um trabalho que procure responder à
seguinte dúvida: qual é o conceito de “trânsito em julgado” atual mente
prevalecente no direito brasileiro? Tal trabalho investigaria os novos
contornos desse tradicional instituto sobre o qual julgávamos ter segurança,
mas que está atualmente embaralhado por decisões desencontradas do
Supremo Tribunal Federal, especialmente no tocante a alguns dos efeitos
das decisões penais condenatórias tomadas por órgãos colegiados.
Ainda, outros trabalhos procuram determinar o significado jurídico de
algo novo. Também esse tipo de situação é terreno fértil para boas
pesquisas, que geram bons artigos. Áreas do Direito que lidam com novas
tecnologias são campos vastos para esse tipo de pesquisa, como mostram as
muitas dúvidas jurídicas em torno da proteção de dados pessoais, assunto
disciplinado em uma recente e importante lei (Lei n. 13.709/2018, a Lei
Geral de Proteção de Dados) e elevado à categoria de direito fundamental
pela Emenda Constitucional n. 115/2022. Como compatibilizar a proteção
de dados pessoais, da intimidade e da vida privada com o princípio da
transparência dos atos públicos e o dever geral de publicidade? Em todo
campo da vida social em que haja fatos sociais novos, juridicamente
relevantes, perguntas desse tipo podem surgir.
Todos esses temas são muito diferentes entre si, mas compartilham
uma característica relevante. O leitor atento terá notado que todos os temas
foram apresentados como perguntas. Isso indica que são objeto de
verdadeiras dúvidas, de indagações significativas. Nenhuma dessas
perguntas é singela ou simplória; todas são razoavelmente difíceis, e
demandam certa reflexão e estudo para que sejam respondidas com
substância. Tais reflexões e estudos são justamente as pesquisas – que, se
corretamente executadas, serão capazes de construir boas respostas para
cada uma delas. Eis a diferença entre uma pesquisa e o mero estudo
diletante, que, por mais que contribua positivamente para o aumento de
conhecimentos de um estudante, não suscita, via de regra, a forma de
reflexão voltada à resposta de problemas específicos.
É importante também notar que os temas citados são diferentes de
meros assuntos, como “Da ideologia da decisão judicial”, ou “Do trânsito
em julgado em matéria penal”, ou, ainda, “Da tributação da publicidade na
internet”. A diferença entre um mero assunto e um verdadeiro tema de
pesquisa é que o assunto indica um campo de interesse, mas não
necessariamente uma pergunta – isto é, um objeto de inquietação, de dúvida
– que será respondida pelo trabalho de pesquisa.
Como fazer para transformar um assunto em um tema? Um bom
exercício é buscar extrair dele uma pergunta, um problema, uma dúvida –
com ponto de interrogação ao final, inclusive. Na visão de senso comum,
pesquisadores são como detetives do mundo da ciência, pois investigam as
coisas com métodos científicos e descobrem verdades até então ignoradas.
Porém, há uma importante diferença entre detetives e cientistas: enquanto
detetives recebem o problema pronto (um crime para o qual não se encontra
o culpado), cujo sentido é mais ou menos óbvio (encontrar o assassino), o
cientista primeiro constrói o problema para só depois enfrentá-lo por meio
da pesquisa.
EXEMPLO
1.2.
EXEMPLO
“Serviços Públicos” indica um assunto interessante, mas está longe de se constituir em
um tema de pesquisa pronto e acabado; tal assunto precisa ser trabalhado, moldado,
para que se extraia dele uma pergunta interessante e atual, que possa ser
criteriosamente respondida por meio de uma pesquisa jurídica – digamos, por exemplo,
“Pode a concessão de serviços públicos ser feita por decreto do Poder Executivo, ou
deve o art. 175 da Constituição de 1988 ser interpretado no sentido de exigir que a
concessão se dê por meio de lei em sentido estrito?”. Note bem a diferença: a primeira
hipótese traz um assunto, uma área; a segunda, uma entre muitas possíveis perguntas
dentro dessa área.
DICA: CUIDADO COM QUESTÕES ESSENCIALISTAS
Quando instados a transformar um assunto (“Serviços Públicos”) em uma pergunta,
muitos alunos recorrem à saída fácil de formular uma indagação essencialista: “O que
são Serviços Públicos?”. Não se deve fazer isso. Perguntas desse tipo tendem a gerar
produtos que nada mais são do que compilados de definições, sem grande utilidade.
Ainda que se queira insistir na abordagem conceitual, é preferível tentar aportar o
conceito em algo mais concreto, tornando seu enfrentamento mais simples: como se
comparam os conceitos de serviço público nos autores A e B? Que critérios a
jurisprudência dos tribunais superiores usa para definir o caráter essencial dos serviços
públicos? Pesquisas que partam dessas perguntas terão de passar por uma
investigação conceitual do que sejam serviços públicos, mas a concretude das
questões confere um sentido mais claro à investigação: é mais fácil saber como
proceder para enfrentá-las.
O tema deve ser relevante
A pergunta ou o problema que serão tema de pesquisa devem refletir
um objeto relevante para a discussão acadêmica. O fato de um tema ser
objeto de frequentes discussões entre pesquisadores e juristas é um bom
indicativo de sua relevância enquanto pauta de investigação. Acadêmicos e
pesquisadores frequentemente escrevem diversos livros sobre assuntos
repetidos. Tome-se, por exemplo, o campo da filosofia: quanta coisa já não
foi escrita ao longo da história sobre “como sabemos alguma coisa?”, ou “o
que é a justiça?”, ou, ainda, “como as palavras podem ter significado?”. A
mesma coisa vale para o Direito, que também tem seus “campeões da
a)
audiência” entre os problemas jurídicos: “como determinar o valor de
indenizações por danos morais?”, “o sistema recursal brasileiro determina a
morosidade judicial?”, “que proteção adicional confere o Direito do
Consumidor às pessoas excessivamente endividadas?”, “que circunstâncias
supervenientes permitem a flexibilização do vínculo contratual
anteriormente estabelecido?”, e assim por diante. Eduardo Marchi (2009, p.
48) lembra que temas profícuos de pesquisa podem nascer de debates
doutrinários ou jurisprudenciais – e estes, se de fato são debates,
envolverão, invariavelmente, partidários de uma e de outra posição, os
quais defenderão seus pontos de vista por meio de textos que,
provavelmente, citam uns aos outros, seja para expressar concordância, seja
para registrar discordância. Assim, uma primeira maneira de determinar a
relevância de um tema é saber o quanto ele está na pauta dos debates
jurídicos atuais. Há diversos veículos informativos que são úteis nesse
sentido.
Artigos científicos, dissertações e teses. Os primeiros e mais
evidentes veículos são os periódicos científicos, tanto nacionais
quanto estrangeiros. Neles são publicados artigos científicos da
área do direito. Periódicos são um importante meio de divulgação
de novidades de pesquisa à comunidade jurídica. Alguns
periódicos têm seus textos disponíveis na internet gratuitamente22.
Com o mesmo proveito, o autor poderá consultar também teses e
dissertações jurídicas, produzidas no âmbito de programas de
mestrado e doutoramento no Brasil e no mundo. Essa estratégia é
viável mesmo para quem não dispõe de tempo para frequentar o
acervo de uma biblioteca universitária pública, já que, por
exigência dos organismos governamentais que cuidam da pós-
graduação no Brasil, os programas de mestrado e doutorado
devem disponibilizar, pela internet, as dissertações e as teses
defendidas em bibliotecas digitais virtuais. Todas as grandes
universidades já possuem bibliotecas digitais com bom volume de
teses e dissertações disponíveis gratuitamente na rede: USP23,
Unicamp24, UFRGS25,UERJ26, UFPE27 etc. Para facilitar a vida
b)
c)
dos pesquisadores, o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações
e Comunicações oferece um portal que unifica as buscas em
algumas bibliotecas digitais28. O pesquisador que dominar línguas
estrangeiras poderá também consultar bibliotecas de teses
estrangeiras, fartamente disponíveis na internet29.
Cursos e manuais. Como cursos e manuais são a bibliografia com
que a maioria das faculdades trabalha em seus cursos de
graduação, esse tipo de material é tomado por muitos alunos como
a bibliografia jurídica por excelência. Para pesquisas acadêmicas,
isso pode se mostrar um problema. Cursos e manuais devem ser os
pressupostos de um trabalho acadêmico: espera-se que qualquer
pessoa que escreva um trabalho sobre algum aspecto de contratos
de leasing saiba o bê-á-bá sobre contratos: natureza jurídica,
conceito, classificações etc. Portanto, essa literatura de caráter
mais pedagógico não deve povoar, em abundância, a bibliografia
de trabalhos monográficos. Não é com pesquisadores e
acadêmicos que manuais querem dialogar: seu público-alvo são
neófitos nas disciplinas, enquanto o trabalho de pesquisa
pressupõe o domínio do conteúdo básico que figura nessas obras.
Autores de manuais em geral são respeitados acadêmicos, e
invariavelmente terão teses, trabalhos monográficos e artigos
científicos publicados em periódicos especializados, que poderão
ser consultados com maior proveito como bibliografia para
trabalhos acadêmicos de caráter monográfico.
Jornais de grande circulação. Além desses veículos, há algumas
fontes subsidiárias que podem ser úteis na construção de um tema-
problema. Dentre essas fontes subsidiárias, destacam-se, em
primeiro lugar, os jornais de grande circulação. Jornais são úteis
para apontar situações-problema: uma polêmica em torno de
novas formas de fiscalização da Receita Federal, uma dúvida
jurídica sobre a competência para a exploração econômica de
certo recurso natural, um debate sobre concentração de mercado e
danos à concorrência em razão de alguma recente operação de
fusão entre empresas, e assim por diante. Eles também podem ser
fonte importante de pesquisa quando se tem por tema um caso
d)
específico, especialmente se se tratar de um episódio importante
(uma grande fusão entre empresas, uma específica operação da
Polícia Federal, um notório caso de corrupção etc.). No entanto,
convém lembrar que, como fontes de argumentos ou razões
jurídicas, tais veículos têm uma limitação: muitas vezes o que
neles é escrito vem simplificado para um público leigo, o que se
faz à custa da profundidade do argumento. Prefira, novamente,
textos de caráter monográfico: é razoável a chance de que o
próprio autor do artigo de jornal tenha textos mais elaborados
sobre o tema, especialmente quando se tratar de um especialista na
questão.
Portais jurídicos. Outra espécie de fontes subsidiárias são os
portais jurídicos (JOTA, Conjur, Direitonet, Jus Navigandi,
Boletim Jurídico, Migalhas etc.), aos quais se chega com muita
facilidade quando se consultam temas jurídicos com qualquer
ferramenta de busca na internet (Google, Bing, Yahoo etc.). Esses
portais contêm, no mais das vezes, pequenos artigos escritos por
profissionais do direito, bacharéis, estudantes e professores. Além
de indicarem a existência de alguma situação-problema que esteja
atualmente na pauta dos juristas, esses sítios poderão também
sugerir alguma bibliografia desconhecida ao pesquisador, que
eventualmente apareça citada nos artigos que abrigam. Não mais
do que isso. Nem todos os portais jurídicos têm critérios de
qualidade para a seleção do material que publicam: periódicos
científicos são avaliados por agências públicas e normalmente têm
conselhos editoriais e pareceristas externos que opinam sobre a
qualidade dos textos publicados; dissertações e teses passam por
uma arguição pública em banca com examinadores internos e
externos; e mesmo os grandes jornais costumam selecionar suas
fontes entre juristas de prestígio e atores diretamente envolvidos
na situação-problema reportada. Alguns portais jurídicos não têm
nada disso, e com um agravante adicional: não há
constrangimento de espaço físico que os obrigue a ser seletivos
em relação ao material que recebem, já que tudo “cabe” na
internet. Por tudo isso, recomenda-se muito cuidado com o uso
1.3.
desse tipo de material, que não deve, de forma alguma,
protagonizar a bibliografia de um trabalho científico, embora
possa ser consultado com proveito por quem está à caça de
problemas relevantes de pesquisa.
DICA: QUANDO UM PROBLEMA DE PESQUISA É RELEVANTE?
Booth et al. (2005, p. 45 e s.) fornecem um teste útil para o pesquisador determinar se
a pergunta por ele construída pode ser um problema de pesquisa relevante: a dúvida a
que ela pretende sanar deve ser útil não só à curiosidade do pesquisador que a
formula, mas também a outros pesquisadores. A resposta à pergunta deve ser,
portanto, chave para o entendimento de problemas maiores e mais relevantes do que a
dúvida pontual que ela expressa. A pergunta “existe água em Marte?” não quer apenas
satisfazer a curiosidade inexplicável de um fanático por Marte, pois respondê-la pode
ser a solução para sanar outra dúvida maior e mais importante, acerca da possibilidade
de vida em Marte. Da mesma forma, perguntar-se sobre a efetividade do cumprimento
de decisões de concessão de medicamentos na Bahia durante o ano de 2010 pode ser
revelador do grau de cumprimento pelo Executivo de decisões judiciais referentes a
direitos sociais naquele Estado, como pode também sugerir hipóteses para outros
estados e intervalos de tempo.
A originalidade do tema
Tecnicamente, originalidade, em sentido de inovação teórica, é
requisito apenas de teses de doutorado. Nem mesmo dissertações de
mestrado precisam ser originais nesse sentido estrito, de oferecer uma nova
teoria ou nova interpretação para um conjunto de fatos. Mas isso não
significa que uma dissertação ou um TCC deva limitar-se a repetir
tediosamente as interpretações mais cediças e indisputáveis em sua área de
interesse. Mesmo o trabalho de reconstrução ou reorganização de textos de
terceiros, sem objetivo de originalidade, pode ser criativo e inovador,
gerando produtos interessantes.
Digamos que eu queira fazer um trabalho sobre o Princípio da
Capacidade Contributiva em matéria tributária. Uma forma nada inovadora
de abordar meu tema seria simplesmente elencar históricos legislativos e
definições doutrinárias sobre ele; com toda probabilidade, nesse caso, eu
1.4.
concluiria que o tema é relevante, suscita debates, e precisa continuar sendo
estudado – ou seja, nada além do óbvio. Bem diferente seria analisar esse
mesmo material com uma pergunta em mente: “Como o princípio da
capacidade contributiva é mais frequentemente apresentado pela doutrina
brasileira? Como uma norma de eficácia plena, que favorece o contribuinte,
ou como uma norma programática, que favorece o Fisco?”30. Note-se que o
resultado desta pesquisa, em termos de compreensão do princípio em
questão, não será revolucionário, pois ele forçosamente se limitará a repetir
aquilo que outros autores já disseram sobre a capacidade contributiva. Mas
nem por isso será um “recorta e cola” de opiniões alheias, pois sua
abordagem é criativa e inovadora, dois requisitos que acompanham e
fortalecem a relevância que se espera de qualquer estudo científico.
O tema deve estar dentro das limitações do pesquisador
Nada adianta um tema que seja em si bem construído, mas que, por
qualquer circunstância, esteja além das capacidades de quem pretende
trabalhá-lo.
Em primeiro lugar, o pesquisador deve ter um razoável nível de
familiaridade prévia com o tema, deve se sentir confortável em relação aos
conhecimentos que já possui. A realização de uma pesquisa científica não é
um bom momento para começar a aprender um tema do zero. Ao contrário,
o autor deve demonstrar todo seu conhecimento e proficiência em um tema
no qual já é razoavelmente perito. Sem expertise prévia, a tendência é que o
pesquisadornão consiga formular um problema de pesquisa
suficientemente interessante e termine por se limitar à leitura de textos
básicos, como cursos e manuais, cujo conteúdo fica distante do
conhecimento acadêmico criativo que é o motor dos debates científicos em
qualquer área. Esse conselho é especialmente importante para os alunos de
pós-graduação que estão buscando formação em áreas novas, mirando
mudanças de rumo na carreira. Mesmo nesses casos, é preciso buscar um
tema que seja, ao menos indiretamente, familiar à experiência e ao
conhecimento prévio do pesquisador.
Em segundo lugar, as fontes relativas ao tema devem ser acessíveis a
quem irá lê-las. Um grande obstáculo nesse sentido são idiomas
estrangeiros. Não conseguirei pesquisar coisa alguma sobre o direito chinês
se as fontes relativas ao meu tema estiverem todas em mandarim, sem
tradução confiável para algum idioma cuja leitura me seja acessível. Em
muitos temas, como aqueles relativos a direito econômico, bancário e de
mercado de capitais, a bibliografia de ponta é majoritariamente em língua
inglesa, de forma que convém conhecer bem o idioma antes de se aventurar
a pesquisar poison pills ou algum aspecto polêmico da Lei Sarbanes-Oxley.
O mesmo valerá para pesquisas que utilizem a metodologia do direito
comparado31: por razões evidentes, convém dominar a leitura nos idiomas
das jurisdições que servirão de parâmetro comparativo.
Adicionalmente, o pesquisador deve se atentar para as limitações de
acesso aos materiais dos quais ele precisará para fazer sua pesquisa.
Pensemos, por exemplo, em uma pesquisa que queira reconstruir o debate
jurídico em torno da formação do mercado de seguros no Brasil desde o
século XIX. Certamente haverá fontes históricas de difícil acesso para tal
trabalho: livros sobre direito dos seguros do século XIX no Brasil só são
encontráveis em bibliotecas com bons acervos de obras raras, para não falar
em documentação específica das primeiras seguradoras brasileiras, que
provavelmente estão confinadas em arquivos públicos e/ou particulares. O
pesquisador que insista em aventurar-se por tal assunto terá de dispor de
tempo livre para visitar esses arquivos e bibliotecas com o propósito de
consultar in loco os livros e documentos. Registre-se, contudo, que algum
alívio nesse sentido é dado pela internet, pois muitos documentos históricos
já estão abertamente acessíveis na rede: os debates parlamentares da
Câmara e do Senado desde a Independência até o presente, por exemplo, já
estão digitalizados nos sítios de cada uma dessas casas32, com boas
2.
ferramentas de consulta, sobretudo para períodos mais recentes, quando a
informação é mais organizada.
A estratégia de coleta de material, a realização da pesquisa e a escrita
da monografia devem ser pensadas – e aqui se chega à última importante
limitação de que convém falar – em face das limitações de tempo do
pesquisador: uma pesquisa, como qualquer projeto cuja execução se protrai
no tempo, deve ser concebida a partir de um cronograma e executada de
acordo com os seus prazos (Capítulo 10). O tempo de se ler todo o material
inerente à pesquisa (bem como, evidentemente, o tempo de obtenção desse
material, como no caso da importação de livros ou a consulta a arquivos e
bibliotecas) deve ser computado nesse cronograma.
Como o tempo para a realização de uma pesquisa sempre será pouco,
em função da complexidade do trabalho de investigação e da escrita de um
artigo científico, convém que o pesquisador restrinja, o quanto possível, o
tema a ser pesquisado, de forma a torná-lo plenamente “estudável” diante
dos inerentes percalços de uma investigação. Temas muito amplos tendem a
levar a trabalhos impossíveis de serem executados em toda sua plenitude,
ou, o que é mais comum, a uma abordagem superficial e simplória do
objeto de estudo33.
ALGUNS TIPOS POSSÍVEIS DE
PROBLEMAS DE PESQUISA
Estando claro que o primeiro passo na construção de um trabalho
científico é evoluir de um assunto de interesse para um problema de
pesquisa, é preciso agora saber como prosseguir a partir daí. Nesse
particular, convém anotar que há diferentes tipos de problema que se podem
extrair de um assunto, e que cada um deles deve ser trabalhado de uma
maneira particular – isto é, com uma metodologia própria. Há dois grandes
tipos ideais de problemas de que uma pesquisa científica pode se ocupar:
2.1.
problemas descritivos e problemas prescritivos. Os principais traços de
cada um serão comentados a seguir.
Problemas descritivos: apresentando fatos juridicamente
relevantes
Os objetos de que podemos nos ocupar em um trabalho de pesquisa
são geralmente muito complexos quando vistos em toda sua abrangência.
Tome-se, por exemplo, um assunto singelo como “contratos de adesão”. O
que exatamente pesquisa alguém que estuda contratos de adesão? Estudaria
ele a posição dessa forma de contrato em face da teoria contratual clássica,
que preza pela autonomia da vontade do contratante? Ou seus limites e
restrições em face de um campo específico do direito, como o direito do
consumidor? Talvez estivesse preocupado apenas com os problemas
jurídicos surgidos em contratos de adesão dentro de uma atividade
específica, como a bancária ou a de serviços de saúde. Mesmo assim,
poderíamos ser mais específicos: no caso de contratos de adesão celebrados
entre bancos e correntistas, o que exatamente ele estudaria? A definição de
taxas de juros? Nesse caso, como ele estudaria esse problema? Sabendo o
que diz a doutrina, ou como se posicionam os tribunais? Ou, ainda, talvez
ele queira saber como esse mesmo problema jurídico é tratado em outras
jurisdições, por tribunais estrangeiros. Finalmente, ele pode querer fazer um
estudo interdisciplinar e avaliar qual é o impacto econômico de uma dessas
muitas coisas mencionadas. As possibilidades são muitas, e tudo isso faz de
qualquer instituto jurídico um objeto que, à primeira vista, é confuso de se
observar em sua totalidade – ou melhor, cuja observação total é impossível.
Descrever de forma organizada uma parte de realidades tão complexas
é uma possibilidade interessante para uma pesquisa científica. Esse tipo de
problema é o que se chama aqui de problema descritivo: nele, o pesquisador
quer oferecer um retrato compreensível de fenômenos complexos, que
ajudam a entender melhor as particularidades neles envolvidas.
Tomemos um exemplo conhecido e esclarecedor: a questão da
morosidade judicial. Imaginemos que um pesquisador queira investigar o
porquê de a justiça brasileira ser tão lenta. Uma maneira ruim de fazê-lo
será simplesmente se desembestar a escrever sobre “Da morosidade
judicial”, dizendo que o problema é antigo, pois vem desde as Ordenações
Filipinas, e que as suas causas são múltiplas, e que o sistema judicial é
complexo e de tudo se pode agravar, mas que, no entanto, há os princípios
da ampla defesa e do duplo grau de jurisdição, embora um processo de
duração razoável também seja direito de todos, segundo o Pacto de São José
da Costa Rica etc. Um trabalho assim não diria nada de novo, e certamente
não concluiria novidade alguma: provavelmente exortaria as autoridades a
fazerem reformas de toda sorte, que são urgentes e exigidas por um sem-
número de leis, tratados e princípios. Nada disso é novidade e nada disso
justifica o esforço de uma pesquisa.
Para remediar esse estado de coisas, se deveria começar buscando uma
forma original de abordar esse velho problema. Uma possibilidade seria
avaliar o desempenho individual de juízes que trabalham sob as mesmas
condições no que diz respeito à celeridade com que julgam. Note-se bem: o
problema original do pesquisador – “Por que a justiça é lenta?” –, que era
muito amplo e complexo, ficou agora mais simples e instigante: “Há
diferenças de desempenho, em termos de celeridade, entre juízes que
trabalham sob as mesmas condições materiais e processuais?”34. Outro dado
de se notar aqui é que boa parte das fontes que normalmente usamos em
pesquisas jurídicas não será útil para responder a essa pergunta: o problema
em relação à forma apresentadanão é de interpretação legal, nem de
divergências doutrinárias. É um problema fático: quanto demora cada juiz
para julgar, e como posso explicar as eventuais diferenças de desempenho
entre eles? Pois bem, o pesquisador descobrirá rapidamente que sua tarefa
será identificar, dentro de um conjunto de julgados, a data de recebimento
de cada ação por um magistrado, a data de seu respectivo julgamento, medir
o tempo de sua duração e comparar os desempenhos de cada juiz, tudo isso
tendo em vista as especificidades dos procedimentos conduzidos por cada
uma, o que só o jurista sabe avaliar. Por uma questão de facilidade no
acesso à informação, ele poderá restringir-se ao Supremo Tribunal Federal
ou ao Superior Tribunal de Justiça, que oferecem essas informações on-line
em seus sítios na internet. Poderá também medir os intervalos entre
diferentes etapas processuais (pedidos de vista, pedidos de informações,
providências administrativas internas da corte) e ensaiar algumas hipóteses
explicativas mais específicas sobre certas causas de demora pontuais, o que
faria sua observação um tanto mais interessante. Suas principais fontes de
pesquisa, em uma investigação desse tipo, seriam os extratos processuais
disponíveis nessas páginas de internet.
Um problema descritivo de pesquisa pode perfeitamente ter por objeto
a dogmática jurídica. Pesquisas assim simplesmente propõem-se a
descrever qual é o estado da arte da regulação jurídica de determinado
assunto ou problema, com vistas a facilitar a construção de respostas
jurídicas naquela matéria. São muito úteis quando o pesquisador se
interessa por temas cuja regulamentação jurídica está dispersa por diversas
leis e áreas do direito. Imaginemos, por exemplo, que alguém que se
interesse por bioética queira saber com precisão os termos e limites em que
o ordenamento jurídico brasileiro tutela o direito à vida. Sua pesquisa
poderia ser um levantamento, feito em todo o ordenamento, dos
dispositivos legais que tutelam a vida (ou, ao contrário, permitem o seu
sacrifício) em qualquer etapa do seu desenvolvimento biológico: desde a
Constituição, que consagra o direito à vida, mas permite a pena de morte
em casos de guerra declarada; até o Código Penal, que pune o homicídio,
mas permite descriminantes e exculpantes em certas situações, como
também faz com o aborto; passando por toda a legislação sobre pesquisas
com células-tronco embrionárias, o Estatuto da Criança e do Adolescente
(que contém dispositivos sobre gestação e saúde fetal), além das leis e
instruções normativas que eventualmente disciplinem o cuidado médico e
respeito à autonomia de pacientes acometidos por doenças terminais, como
o Estatuto de Ética Médica. A depender da específica corrente filosófica a
2.2.
que se filie, poderá ser também útil comparar a tutela jurídica das diversas
formas de vida (humana, demais animais, vegetais, biomas, ecossistemas), e
então a legislação a ser pesquisada seria um tanto ampliada. A tarefa do
pesquisador que se aventure por esse campo será reconstruir as normas
jurídicas que podem ser extraí das de toda essa legislação, bem como
organizá-las de forma ordenada, a partir das boas regras de hermenêutica
jurídica. Ao final, ele terá ajudado a esclarecer o disciplinamento jurídico
do importante conjunto de temas que tangem o seu trabalho.
Problemas prescritivos: oferecendo respostas para
dúvidas jurídicas difíceis
Há outro tipo de tema-problema do qual trabalhos jurídicos
normalmente se ocupam, que podemos chamar de problemas prescritivos:
aqueles que, em vez de meramente retratarem o seu objeto de pesquisa,
esforçam-se em oferecer uma resposta, bem construída e bem
fundamentada, sobre como o problema deve ser juridicamente considerado.
Chamamos esse tipo de resposta de normativa, pois ela não se limita à
observação de fatos, mas sim pretende extrair de regras sociais de caráter
prático (éticas, morais, jurídicas, econômicas) um comando acerca de como
devemos agir – prescreve a ação devida, portanto – em face da situação-
problema abordada (COURTIS, 2006).
Primeiramente, deve-se considerar que respostas prescritivas sempre
são dadas a partir de parâmetros normativos; e, no caso das respostas
jurídicas, os mais importantes provêm das normas jurídicas válidas em um
dado ordenamento. Limitando-me intencionalmente a uma visão mais
tradicional para fins de simplificação, podemos considerar que essas
normas provêm principalmente do direito posto, que é aquele criado pela
atividade oficial do Estado por meio dos procedimentos legislativos aceitos
na prática jurídica de cada nação (aprovação bicameral no Congresso
seguida de sanção presidencial no Brasil; “Rainha no Parlamento” na
Inglaterra etc.). O direito posto, antes de ser aplicado a um caso concreto,
deve ser interpretado, e essa atividade interpretativa é compartilhada por
diversos atores jurídicos em uma dada comunidade: alguns o interpretam
oficialmente, como os juízes de direito e tabeliães; outros o interpretam
com vistas às atividades práticas de maneira não oficial, como advogados; e
outros, ainda, o fazem em caráter mais acadêmico e menos comprometido
com casos particulares, como os chamados “doutrinadores”, que têm
enorme importância na cultura jurídica brasileira. Todos esses profissionais,
conjuntamente (uns mais, outros menos, mas ainda assim conjuntamente),
contribuem para a formação de um grande repositório de saber jurídico que
nos dirá, diante dos mais variados casos, como devemos entender o
regramento jurídico de uma determinada situação e, assim, como devemos
agir para “seguir o direito” naquele caso. Podemos chamar esse grande
depositório de entendimentos jurídicos coletivos de dogmática jurídica. Este
contrato é válido? Como devo realizar esta operação societária? Este tributo
é constitucional? Esta peça publicitária viola direitos dos consumidores? As
respostas a essas perguntas são dadas a partir da dogmática jurídica (civil,
comercial, tributária), portanto conhecê-las bem é aquilo que se espera dos
chamados “operadores do Direito”.
Conforme opiniões particulares vão ganhando aceitação dos membros
da comunidade jurídica, e principalmente das instituições oficiais de
aplicação do direito, formando, assim, jurisprudência, elas ganham, na
prática, efetividade normativa: tornam-se padrões de conduta cuja
observância é revestida de grande expectativa social por parte de todos os
atores do sistema jurídico e da comunidade em geral. Quando o Código de
Defesa do Consumidor foi aprovado pelo Congresso e sancionado pelo
presidente, tornando-se direito posto, algumas dúvidas interpretativas
surgiram sobre vários de seus dispositivos. Uma delas dizia respeito à
aplicabilidade, ou não, do Código de Defesa do Consumidor às atividades
bancárias: muitos bancos alegavam que sua atividade só poderia ser
disciplinada por lei complementar, nos termos da Constituição de 1988;
entidades ligadas à defesa dos consumidores, ao contrário, diziam que a
legislação ordinária bastava para regulamentar relações de consumo entre
bancos e correntistas. Formou-se um grande debate jurídico que envolveu
práticos do direito (advogados, juízes, desembargadores e ministros de
tribunais superiores), acadêmicos de diversas áreas, experts contratados
como pareceristas por ambas as partes, entidades de representação dos
bancos e de defesa dos consumidores etc. Com o passar do tempo,
depuraram-se os argumentos e prevalece hoje a opinião, já fundamentada
pelo debate que a precedeu, de que o Código de Defesa do Consumidor se
aplica, sim, às relações entre bancos e seus correntistas. É a orientação mais
aceita da doutrina, é a posição prevalecente dos tribunais e das bancas
examinadoras na maior parte dos concursos públicos. O argumento
contrário já é percebido como juridicamente fraco. Há, entre todos os
envolvidos (bancos, advogados, juristas, juízes e consumidores), uma firme
expectativa de que os bancos seguirão as normas de proteção ao
consumidor porque elas lhes dizem respeito, e qualquer desvio nesse
sentido poderá ensejar reprovaçãoleitura dos
julgados
3.3.1. Uso das fichas de leitura especialmente elaboradas para análise de
jurisprudência – o “Case Brief”
3.3.2. Construindo um banco de dados
Referências
14. Como devo fazer entrevistas?
1. Introdução
2. Quando usar a entrevista como técnica de pesquisa?
3. Estou convencido da necessidade da entrevista para o meu
trabalho. Como escolher o tipo de entrevista que devo utilizar?
4. Tipos de entrevista
4.1. Entrevistas estruturadas (“surveys”)
4.2. Entrevistas não estruturadas
4.3. Qual delas escolher?
5. Preparação da entrevista
6. A escolha dos entrevistados: como chegar ao número mágico?
7. Cadastro da pesquisa no comitê de ética: é mesmo necessário?
8. Chegou a hora: realizando a entrevista
9. Digitação ou transcrição da entrevista
10. Codificação das informações
11. O relatório de pesquisa
12. Modelo de TCLE
Referências
15. Pesquisar o “Direito em ação”: observando contextos jurídico-
institucionais
1. Introdução
2. O que é observação e qual a sua utilidade na pesquisa jurídica?
3. Quais perspectivas de análise podem ser atribuídas às instituições
e interações jurídicas pela observação?
4. Dos textos para o campo: como fazer uma transição do processo
de construção para a desconstrução de categorias jurídicas?
5. Como observar? Existe um passo a passo?
5.1. Relação do pesquisador com o campo e o objeto de pesquisa
5.2. Sacrifícios pela pesquisa
5.3. O campo exploratório e a identificação de “incidentes”
5.4. Caderno de campo: anotações, registros
5.5. (Re)construindo o problema a ser investigado
5.6. A identificação e desconstrução de categorias nativas
5.7. Quando a observação termina?
6. Considerações finais
Referências
16. Como devo fazer pesquisa em arquivos históricos?
1. O que é um arquivo?
2. O que é um arquivo judicial?
3. O que é uma pesquisa em arquivo judicial?
4. Relação de alguns arquivos judiciais ou arquivos com documentos
do poder judiciário brasileiro
Referências
17. Estudo de caso na pesquisa em direito
1. Introdução
2. Por que um estudo de caso? E por que este caso em particular?
3. O evento, o contexto, o caso e as unidades de análise
4. A amostra de caso único e a especificidade das pesquisas em
direito
5. A narrativa e a análise
Referências
PARTE 4 — Algumas agendas contemporâneas da pesquisa
jurídica
18. Direito e Economia
1. Introdução
2. Expectativas realistas para a análise econômica do direito
3. Algumas das muitas vertentes do direito e economia
3.1. A Escola de Chicago
3.1.1. Os três pilares da Escola de Chicago
4. Economia institucional e direito
4.1. Explicações comparativas
5. Nova economia institucional
6. Economia comportamental e o direito
7. Números e direito: análise econômica dos dados jurídicos,
pesquisa empírica e “jurimetria”
Referências
19. Pesquisa em direito e políticas públicas
1. O que considerar como objetos de pesquisa em direito e políticas
públicas: programas de ação governamental coordenada, em escala
ampla
1.1. Complexidade e interdisciplinaridade
1.2. Escala ampla
2. O que não considerar como tema de pesquisa em direito e políticas
públicas
2.1. Abordagem de direito tradicional x abordagem de direito e
políticas públicas
2.2. As políticas públicas não se reduzem às normas jurídicas
que tratam delas
3. Quando a pesquisa jurídica em políticas públicas é útil? que tipo
de pergunta jurídica ela permite responder?
3.1. Esquemas de representação das políticas públicas
4. Quais linhas de investigação tem aplicado a pesquisa jurídica em
políticas públicas?
5. Quais linhas podem ser exploradas na pesquisa jurídica sobre
políticas públicas?
6. Quais são as etapas básicas de uma boa pesquisa em direito e
políticas públicas? O que uma pesquisa desse tipo deve conter, o que
deve evitar?
7. O que devo ler para me aprofundar e saber mais sobre a pesquisa
em direito e políticas públicas?
Referências
20. Direito e Tecnologia
1. Relevância da pesquisa jurídica sobre novas tecnologias
2. O caleidoscópio da tecnologia: investigar o direito por diferentes
lentes
3. Como escolher um tema envolvendo tecnologia para uma pesquisa
jurídica?
4. Fontes de pesquisa e acompanhamento dos temas em direito e
tecnologias
4.1. Primeiramente: acompanhando a discussão dos temas e sua
atualidade
4.2. Metodologia: diversidade de fontes na pesquisa em direito e
tecnologias
5. Conclusões: novas tecnologias e desafios jurídicos globais
Referências
21. Direito, feminismos e gênero: um guia básico para a pesquisa
1. O que é feminismo? considerações iniciais
1.1. As “ondas” do feminismo
1.2. Perspectiva feminista sobre gênero
2. O que é a pesquisa em direito e feminismo?
3. Linhas de investigação em direito e feminismos e seus métodos
4. Por onde começar: bibliografia básica e fontes de pesquisa
Referências
22. Direito e Discriminação: agenda de pesquisa desafiadora e urgente
1. Introdução: um abismo entre norma e realidade social
2. As perguntas-chave do campo
2.1. O que é a discriminação?
2.2. Quais grupos são afetados pela discriminação?
2.3. Por que a discriminação ocorre?
2.4. Como medir os efeitos da discriminação?
2.5. Quem pode pesquisar sobre esse tema?
3. Possíveis contribuições da pesquisa em direito
3.1. Desenvolvimento e interpretação da legislação
antidiscriminatória
3.2. Efetividade da legislação antidiscriminatória e o papel do
sistema de justiça
4. Conclusões
Referências
23. O estado da arte da pesquisa sobre o Supremo Tribunal Federal
Referências
PARTE 5 — A escrita do texto científico e as boas práticas de
integridade acadêmica
24. Apontamentos sobre a redação e o texto do trabalho acadêmico
1. É preciso saber aonde se quer chegar
2. Escrevendo em camadas
2.1. Primeiro passo: um esqueleto de cinco páginas
2.2. Segundo passo: pensar o sumário descritivo do trabalho
2.3. Terceiro passo: adicionar as principais referências
2.4. Quarto passo: adicionar casos, exemplos, refutações e
referências faltantes
2.5. Quinto passo: a introdução e as conclusões
2.6. Último passo: reler o texto para dar-lhe forma final
2.7. Pós-escrita: revisão externa
3. A linguagem do trabalho acadêmico
Referências
25. Formatação, citações e referências: ABNT e Manual de Chicago
1. Introdução
2. Normas técnicas ABNT para trabalhos acadêmicos
2.1. Estrutura de monografias, dissertações, teses e outros
trabalhos acadêmicos
2.2. Capa e lombada
2.3. Parte interna
2.3.1. Folha de rosto
2.3.2. Errata
2.3.3. Folha de aprovação
2.3.4. Dedicatória
2.3.5. Agradecimentos
2.3.6. Epígrafe
2.3.7. Resumo em língua portuguesa e estrangeira
2.3.8. Lista de ilustrações
2.3.9. Lista de tabelas
2.3.10. Lista de abreviaturas e siglas
2.3.11. Lista de símbolos
2.3.12. Sumário
2.3.13. Elementos textuais: introdução, desenvolvimento e conclusão
2.3.14. Referências
2.3.15. Glossário
2.3.16. Apêndice
2.3.17. Anexo
2.3.18. Índice
2.4. Regras para formatação
2.5. Citações e referências no padrão ABNT
2.6. Notas de rodapé
2.7. Regras para referências
3. Padrão de Chicago
3.1. Notas e bibliografia
3.1.1. Formatação das entradas bibliográficas
3.1.2. Livros
3.1.3. Artigo em periódico, revista, teses, entre outros
3.2. Sistema autor-data
3.2.1. Formatação
3.2.2. Livro
3.2.3. Artigo em periódico, revista, teses, entre outros
4. Ferramentas “on-line” para formatação de referências
4.1. ABNT: More/UFSC
4.2. Chicago e outros padrões internacionais: Zotero
Referências
26. Ferramentas de informática para formatação da monografia
1. Introdução
2. Contagem e numeração de páginas
2.1. Como iniciar a contagem do número de páginas a partir da
folha de rosto
2.2. Como iniciar a numeração das páginas a partir de um ponto
específico do documento
2.3. Sumário
3. Autonumeração (introdução às listas)
3.1. Listas
3.2. Listas numeradas, títulos e sumário
4. “Layout” da página e seções
4.1. Seções e as opções do parâmetro “aplicar a” da ferramenta
“Configurar Página”
4.2. Configurar página
5. Introdução ao latex
5.1. Afinal, o que é o LaTeX?
5.2. Breve introdução à criação de documentos em LaTeX
27. Ética e pesquisa jurídica
1. A ética e a pesquisa jurídica:jurídica (multas, condenações judiciais
em ações individuais ou coletivas etc.) e social (publicidade negativa, danos
reputacionais) à instituição violadora. Supondo, assim, que um banco
estrangeiro queira iniciar operações no Brasil e pergunte ao seu corpo de
advogados se o Código de Defesa do Consumidor será ou não aplicável a
suas atividades, a resposta terá de ser positiva, e terá por fundamento uma
interpretação da dogmática do direito do consumidor, nas linhas já
mencionadas, em que se reconhece existir uma norma jurídica,
intersubjetivamente compartilhada pelos diversos operadores do direito, que
manda aplicar a legislação consumerista às relações entre bancos e seus
clientes.
Pois bem, uma evidente possibilidade para um trabalho científico
jurídico, seja ele um artigo, uma monografia ou uma tese, será o de
responder normativamente a uma pergunta de caráter dogmático: Tal coisa é
permitida? Proibida? Obrigatória? Quais são as consequências jurídicas da
violação à regra posta? Tal operação é ou não uma compra e venda, para
fins tributários? Esta outra operação é crime? É ilícito administrativo? Seria
ilícito civil? Todas essas perguntas, que são jurídicas no sentido mais estrito
2.2.1.
a)
b)
da palavra, têm natureza dogmática (quem as formula quer saber como deve
agir, à luz dos dogmas do direito), e trabalhos acadêmicos podem muito
bem se ocupar de lhes propor respostas dogmaticamente fundamentadas.
Podemos subdividir em dois grupos as pesquisas desse tipo: pesquisas de
lege lata e pesquisas de lege ferenda35.
Pesquisas com respostas de lege lata
Em latim, de lege lata significa “segundo a lei criada” ou “de acordo
com a lei existente”. Esse tipo de pesquisa elege um problema
interpretativo-jurídico como objeto, e busca oferecer a resposta jurídica que
entende ser a melhor. Segundo Courtis (2006, p. 120), podemos traçar um
roteiro de cinco etapas para um trabalho científico que lidará com um
problema de interpretação jurídica de lege lata:
Identificação do problema interpretativo a ser tratado, com
explicitação da sua natureza. Nem todos os problemas
interpretativos são iguais. Algumas vezes, a dúvida interpretativa
pode estar mais ou menos restrita a um conceito ou palavra, como
no caso de saber se aeronaves seriam ou não “automóveis” para
fins de pagamento do IPVA. Outras vezes, a legislação
propositadamente utiliza expressões de conteúdo mais aberto,
como “de forma proporcional” ou “conforme seja necessário e
suficiente”. Trata-se de duas dúvidas interpretativas de tipos
distintos. Saber o tipo de problema interpretativo ajudará na
identificação dos tipos de materiais com que se precisará trabalhar,
além do método apropriado para a pesquisa.
Seleção do conteúdo normativo relevante para a resposta à
pergunta. Se a matéria-prima dessa espécie de trabalho são as
normas jurídicas, é fundamental que o pesquisador identifique e
separe os textos legais e interpretativos que lhe sejam pertinentes.
Assim, as normas jurídicas pertinentes ao tema (leis, decretos,
súmulas) e suas principais interpretações (correntes doutrinárias e
c)
d)
jurisprudenciais, opiniões de jurisconsultos) devem ser coletadas
nesta segunda fase da pesquisa.
Precisar as respostas interpretativas rivais que têm sido propostas
pelos principais debatedores do tema. Esta terceira etapa
consistiria, por assim dizer, em um esmiuçar do estado da arte dos
trabalhos escritos sobre o assunto. Se minha dúvida interpretativa
é sobre, digamos, a revogação ou não da Lei de Usura pelo art.
406 do Código Civil, preciso saber o que os juristas de referência
quanto ao tema têm dito sobre esse assunto.
Aqui, mais do que simplesmente elencar as diferentes posições, há
um exercício muito útil de se fazer: tentar identificar qual é a
questão de fundo sobre a qual discordam os adversários do tema.
Não vale dizer que é sobre a vigência ou não da Lei de Usura, pois
essa não é a questão de fundo, é a questão de frente. Existiria a
dúvida, por exemplo, de por que a corrente pró-vigência exige
revogação explícita da dita lei, em cumprimento ao que exige a
Lei Complementar n. 9536? Ou por que a corrente pró-revogação
identificaria a limitação às taxas de juros como uma intervenção já
obsoleta na autonomia privada, por conta da mudança no cenário
econômico? Esse método supõe que as divergências
interpretativas sobre aspectos pontuais de textos legais são como
pontas de icebergs, que escondem divergências mais substantivas
que nem sempre aparecem explícitas. Note como esse expediente
procura trazer a dúvida para um terreno em que ela possa ser
enfrentada com mais clareza – inclusive para fins de críticas
subsequentes dos adversários da sua própria resposta. Ler textos
dogmáticos “adversários”, buscando a questão subjacente, é uma
boa maneira de trabalhar divergências interpretativas de forma
mais convincente do que o simples “há quem diga A..., no entanto,
há quem diga B...”, de onde pouca coisa se pode efetivamente
concluir.
Encontrar o melhor critério a partir do qual é possível eleger uma
“vencedora” entre as diversas respostas rivais analisadas. Aqui,
o pesquisador dará a sua resposta para o problema jurídico que
e)
2.2.2.
escolheu tratar. Imaginemos que meu tema de interesse seja sobre
as políticas de ação afirmativa no ensino superior: se estipulei, por
exemplo, que a questão de fundo diz respeito à forma de alocação
de um bem escasso (vagas no ensino superior gratuito) com vistas
à redução dos níveis de desigualdade, posso, então, decidir que a
melhor resposta será aquela que determinar a forma mais justa de
alocação dessas vagas. O critério que me permitiria escolher entre
respostas rivais, nesse caso, seria uma teoria da justiça. Mas há
outras opções: posso me convencer de que a verdadeira questão é
não a maneira mais justa, mas sim a maneira mais eficiente, do
ponto de vista da geração social de riquezas, de alocação desses
recursos sociais escassos, que poderia desaguar em alguma teoria
de caráter utilitarista. A escolha entre ambas é possível, e há
juristas de primeiro time que optaram por cada uma delas.
Cientificamente, o importante é ser honesto e explícito nas suas
opções: dizer qual é seu critério de escolha e por que ele lhe
parece ser a melhor alternativa.
Conclusão. Apresenta-se, ao final, o resultado da análise da
questão interpretativa à luz do problema identificado considerado
em face da matriz teórica escolhida para seu tratamento. Esse
caminho permite a construção de uma opinião interpretativa bem
fundamentada e explícita em seus critérios de escolha, o que lhe
agrega um bom valor metodológico.
Pesquisas com respostas de lege ferenda
De lege ferenda é expressão latina que significa “de encontro à lei” ou
“contra a lei”. Pesquisas desse tipo não querem investigar uma dúvida
interpretativa para um problema jurídico, como fazem as de lege lata. Elas
já partem de uma resposta dogmática estabelecida, mas com a qual não
concordam; por isso, criticam a resposta juridicamente válida e/ou
propõem-lhe alterações37.
Em termos metodológicos, e prosseguindo com Courtis (2006), não há
diferença substantiva entre esse tipo de pesquisa e as de lege lata: a questão
passará pela identificação de um problema, a avaliação de propostas
alternativas de acordo com determinada matriz teórica e, finalmente, uma
proposta de alteração.
O problema identificado pode dizer respeito à redação concreta de
uma determinada lei, ou ainda à interpretação predominante de um
dispositivo legal. Pode também dizer respeito a um elemento de legislação
antigo, que permaneça vigente, mas esteja já em desacordo com o contexto
(político, econômico, social) do atual arranjo social. A ideia será sempre
mostrar que uma determinada parte da ordem normativa vigente,
considerada a redação com que está positivada e/ou o entendimento
dominante a seu respeito, é, por alguma razão, ruim ou insatisfatória e
precisa de alteração. Campos férteis para colheita desse tipo de problema
são as áreas da vida social em que houve significativas mudanças de
paradigmas,sem a devida atualização legislativa. Os direitos civis dos
casais homoafetivos são um exemplo, como mostrou a decisão do Supremo
Tribunal Federal sobre o reconhecimento de uniões estáveis homoafetivas.
Outros exemplos vêm de leis estritamente ligadas ao ambiente político e
econômico de outrora, bastante diferente do atual: faz sentido manter um
estrito controle penal sobre a evasão de divisas, como faz a Lei n. 7.492/86,
elaborada em uma década econômica e monetariamente tormentosa, se
considerarmos a estabilidade financeira e a plenitude de reservas cambiais
que o Brasil tem hoje? Não seria o caso de rever a interpretação dos
dispositivos legais pertinentes, ou mesmo de lutar por sua derrogação?
A etapa seguinte seria mostrar os argumentos que sugerem a
inadequação da atual regulamentação legal da situação-problema, bem
como que apontem os rumos de uma desejada alteração das normas que
disciplinem a situação. Tudo isso partirá da matriz teórica com que a
questão for analisada: uma teoria da intervenção jurídica desejável por parte
do Estado na arena macroeconômica, ou uma teoria dos direitos
fundamentais das minorias, em cada um dos exemplos citados. A questão
de fundo, conforme identificada pelo pesquisador, indicará o tipo de teoria
de que se necessita.
Finalmente, o trabalho poderá indicar, a título de conclusão, e com
base na mesma matriz teórica, as alterações legislativas necessárias para um
melhor tratamento jurídico da situação-problema.
Referências
ARIDA, Pérsio; BACHA, Edmar; RESENDE, André Lara. Credit,
interest, and jurisdictional uncertainty: Conjectures on the case of
Brazil. In: GIAVAZZI, F.; GOLDFAJN, I.; HERRERA, S. (orgs.).
Inflation targeting, debt, and the Brazilian experience: 1999 to 2003.
Cambridge, MA: MIT Press, 2005.
BOOTH, Wayne C.; COLOMB, Gregory; WILLIAMS, Joseph M. A arte
da pesquisa. São Paulo: Martins Fontes, 2005.
COURTIS, Christian. El juego de los juristas. Ensayo de caracterización
de la investigación dogmática. In: COURTIS, Christian (org.).
Observar la ley: ensayos sobre metodología de la investigación
jurídica. Madrid: Trotta, 2006.
FERRÃO, Brisa L. M.; RIBEIRO, Ivan C. Os juízes brasileiros favorecem
a parte mais fraca? UC Berkeley: Berkeley Program in Law and
Economics, 2006. Disponível em: . Acesso em: 13 jul. 2010.
FERRAZ, Octavio Luiz Motta. Right to health litigation in Brazil: an
overview of the research. May 15, 2009. Disponível em:
. Acesso em: 9 ago. 2011.
PESSOA, Leonel Cesarino. O princípio da capacidade contributiva na
jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Revista Direito GV, São
Paulo, v. 5, n. 1, p. 95-106, jun. 2009.
http://escholarship.org/uc/item/0715991z
1.
5
COMO RESPONDO CIENTIFICAMENTE A UMA
QUESTÃO JURÍDICA CONTROVERTIDA?
CLARISSA PITERMAN GROSS38
INTRODUÇÃO
A nossa primeira tarefa neste capítulo é delimitar o tipo de pergunta de
pesquisa de que nos ocuparemos. O título remete a questões controvertidas.
O que seria uma pesquisa sobre uma questão controvertida no campo do
direito? De que tipo de pesquisa estamos tratando aqui?
Um primeiro sentido para uma questão controvertida é mais trivial.
Diz respeito a qualquer pergunta que mereça uma pesquisa jurídica. Afinal,
tal como vem sendo trabalhado neste livro, uma pesquisa sempre nasce de
uma pergunta, de um problema. Uma pergunta que carece de uma resposta.
Nesse sentido, toda pergunta de pesquisa, no campo do direito ou fora dele,
suscita uma dúvida, um algo que ainda não se sabe, e que poderia, nesse
sentido, ser considerado controvertido. Para nos ajudar a situar a
especificidade da pergunta de que estamos tratando neste capítulo, vou
eleger, para os próximos parágrafos, o tema da liberdade de expressão para
explorar como a ele podem ser direcionadas perguntas de pesquisa de
naturezas distintas.
Como um primeiro exemplo, podemos tomar uma pergunta de
pesquisa a respeito do posicionamento de um tribunal brasileiro específico
acerca do escopo de proteção da liberdade de expressão política durante as
primeiras décadas do século XX. Essa seria uma pergunta histórica, que
buscaria compreender o entendimento de determinada autoridade jurídica
acerca de um problema específico no passado. Podemos levantar algumas
hipóteses: é possível que o tribunal compreendesse a liberdade de expressão
como um direito individual; ou que a compreendesse como um valor
instrumental; ou, ainda, que, apesar de reconhecer algum valor à liberdade
de expressão, decidisse, na maior parte das vezes, pela superação da
liberdade de expressão por outros valores e tipos de interesse. A pergunta é
interessante, suscita algumas hipóteses, e o seu esclarecimento pode revelar
aspectos importantes acerca de se e como a liberdade de expressão foi
internalizada como um valor no ordenamento jurídico e na cultura jurídica
nacional. Em certo sentido, essa pergunta é controversa: podemos ter
algumas pistas acerca de como respondê-la antes de iniciada a pesquisa
(indícios que sustentariam alguma das hipóteses iniciais), mas antes de
finalizada a pesquisa não possuímos as informações de que precisamos para
formular uma resposta. E, mesmo depois de finda a pesquisa, é possível que
a controvérsia acerca da pergunta persista: um segundo pesquisador pode
resolver ampliar a base de decisões judiciais analisadas e vir a sugerir uma
leitura distinta daquela proposta na primeira pesquisa acerca da
compreensão do tribunal a respeito do escopo da liberdade de expressão
política. Esse tipo de controvérsia histórica é interessante, importante e
suscita debates e investigação, mas não é o tipo de controvérsia da qual nos
ocuparemos.
Como segundo exemplo de controvérsia, podemos imaginar uma
pesquisa sobre o impacto de um padrão de decisões judiciais determinando
a responsabilidade civil de empresas de mídia por difamação nas escolhas
de cobertura da imprensa em uma determinada jurisdição. Essa é uma
pergunta também controvertida: busca estabelecer relações causais entre um
determinado padrão normativo estabelecido por autoridades judiciais e a
dinâmica de formulação da pauta da imprensa. A determinação dessas
relações de causalidade não é fácil. Uma tal pergunta, de natureza
sociológica, costuma suscitar muita controvérsia: seria mesmo possível
distinguir alterações no padrão de cobertura midiática de determinadas
empresas ao longo do tempo? Em caso positivo, seria possível isolar o
impacto de um conjunto de decisões judiciais na alteração da pauta da
imprensa? Não haveria outros fatores tão ou mais importantes na explicação
da alteração da pauta das empresas de mídia? Pesquisas sociológicas
relacionadas ao impacto de leis ou de padrões jurisprudenciais no
comportamento de agentes sociais são de extrema relevância e suscitam
enormes controvérsias. Novamente, no entanto, não é desse tipo de
controvérsia de que nos ocuparemos.
A controvérsia objeto da nossa preocupação neste capítulo tem a
estrutura das perguntas que advogados, juízes, defensores públicos,
procuradores e outros profissionais do direito enfrentam no seu trabalho
com os casos concretos. Trataremos de pesquisas que indagam acerca de
qual é o direito em determinada situação. Em outras palavras, a pesquisa
busca chegar a uma resposta quanto à solução jurídica correta para um
problema jurídico atual; se debruça sobre uma pergunta de natureza prática
no sentido de que a resposta buscada constitui solução jurídica para
problemas jurídicos reais e atuais. Nesse sentido, e ainda dentro do tema da
liberdade de expressão, poderíamos levantar o seguinte questionamento: o
direito proíbe a expressão de discursos de ódio, compreendidos como
discursos de conteúdo discriminatório ou forma ofensiva dirigidos a grupos
de pessoas definidos por um traço identitário, no debate público de ideias?
Essa pergunta questiona sobre a resposta dada pelo direito acerca de uma
questão prática, ou seja, como o direito orienta a ação no que diz respeito a
esse tipo de discurso39. As pessoas podemexpressar esse tipo de discurso?
As autoridades judiciais possuem o dever, de acordo com o direito, de
proibir esse discurso e de punir aqueles que nele incorrem?40
A sociedade é repleta de situações-problema que requerem atuação
jurídica diá ria por parte de profissionais do direito. Advogados trabalham
todo dia oferecendo orientação jurídica a seus clientes e os ajudando a
solucionar conflitos de natureza jurídica, seja extrajudicial ou
judicialmente. Mas nem toda situação-problema constitui um problema de
pesquisa. A maior parte das situações-problema enfrentadas por advogados,
juízes, defensores públicos, promotores, procuradores ou outros juristas
trabalhando na solução de casos jurídicos concretos não requer desses
profissionais e de suas equipes uma tomada de posição acerca de uma
questão jurídica controvertida.
Muitos são os exemplos que poderiam ser dados para ilustrar esse
ponto. Uma das situações-problema corriqueiras com as quais advogados
precisam lidar é aquela de pedido de pensão alimentícia por parte de filhos
menores aos pais. A questão jurídica não é, na grande maioria dos casos,
controversa: simplificando, se a filiação é comprovada e o filho é menor,
este possui direito à pensão, seja por parte da mãe ou do pai. Ficando
provada a situação fática pressuposta ao direito à pensão, este será
reconhecido sem grandes discussões.
Alguém poderia objetar que em diversos casos de pedido de pensão
poderia haver dúvidas importantes sobre a configuração da filiação. Por
exemplo, a paternidade biológica poderia ser questionada. Nesses casos,
haveria uma pesquisa importante a ser feita, que é aquela relativa à
existência ou não do vínculo de filiação a fundamentar o direito de pensão.
Seria necessária dilação probatória para realização de exame de DNA,
oitiva de testemunhas e outros eventuais meios de prova. Esse trabalho
configuraria verdadeira investigação, ou seja, pesquisa.
É verdade que alguns casos de pedido de pensão suscitam
controvérsias fáticas importantes em que um tipo de trabalho de pesquisa,
consistente na produção de provas acerca dos fatos, se revelará necessário.
Essa controvérsia, no entanto, não é de natureza jurídica. Ou seja, não há
dúvidas, uma vez dados os fatos, acerca da resposta que o direito oferece ao
problema. Configurado o vínculo de filiação biológica, devida será a
pensão. Inexistente o vínculo, indevida a pensão. O caso é fácil do ponto de
vista do direito41.
Casos fáceis do ponto de vista jurídico podem se revelar bastante
difíceis de solução na prática. Muitos casos fáceis tomam grande tempo e
esforço dos profissionais neles envolvidos. As razões podem ser muitas: os
2.
fatos são extremamente disputados, há estratégia de uma ou muitas das
partes envolvidas no sentido de diferir a solução do problema, há
dificuldades ou custos significativos de produção de provas. Nenhuma das
questões torna o caso, de difícil solução na prática, em um caso difícil do
ponto de vista jurídico.
A essa altura, já deve estar implicitamente sugerido que o problema de
pesquisa objeto deste capítulo constitui um caso difícil do ponto de vista
jurídico. Mas o que é um caso difícil? O que faz de um caso jurídico um
caso difícil, que suscita a oportunidade para uma pesquisa jurídica de
natureza prática?
O PROBLEMA DE PESQUISA: QUANDO TEMOS
UM CASO DIFÍCIL?
Não há consenso a respeito de quando há, no direito, um caso
controverso. Em outras palavras, há grande controvérsia no campo do
direito acerca de quando existe uma verdadeira controvérsia jurídica
prática. Essa afirmação se assemelha a um trava-línguas e, nessa altura, o
leitor poderá se questionar sobre a possibilidade de pisar em terreno seguro
para fins de delimitação e justificação do seu problema de pesquisa. Essa é
uma preocupação legítima. Em última instância, a controvérsia acerca do
que constitui um caso controvertido se dá porque os juristas não concordam
entre si sobre o que é, ao fim e ao cabo, o direito42. Mas esta última é uma
proposição densa e carregada de pressupostos e compromissos teóricos que
não me cabe explorar neste texto. Não obstante, penso que qualquer um que
queira enfrentar uma questão jurídica prática controversa precisa ter alguma
ciência acerca do imbróglio teórico no qual pisa. Para fazer uma breve, mas
necessária, incursão no problema de definir o que faz de um caso um caso
difícil, não proporei debates teóricos intricados, mas me valerei de
exemplos que acredito suficientes para esclarecer no que pode consistir um
caso difícil.
Uma linha de abordagem do direito afirma que um caso difícil é aquele
para o qual o direito positivo não oferece uma resposta. O que faria de um
caso um caso difícil seria o fato de que autoridade estatal competente
alguma jamais tenha se pronunciado para oferecer uma solução jurídica
àquele conjunto de fatos, ou seja, é um caso para o qual não há solução
jurídica explicitada no passado. Um caso difícil, portanto, decorreria de
lacuna jurídica.
De acordo com essa definição de caso difícil, um exemplo seria o do
pedido de um ex-cônjuge por reconhecimento do direito de visitação de
animais domésticos, no caso de separação do casal. O direito legislado, seja
no campo do direito de família, seja em qualquer outro campo do direito,
não diz nada explicitamente a respeito de direito de visitação de animais
que pertenciam ao casal em conjunto no período de convivência. Antes que
a questão tivesse sido tratada de forma estável e previsível pelo judiciário43,
seria possível afirmar a existência de uma lacuna no direito positivo.
Quando há lacuna no direito positivo, é possível afirmar que estamos diante
de um caso difícil, a ser solucionado por meio da interpretação de princípios
gerais de direito, usos e costumes, analogia ou outras formas de integração
do direito44.
Ainda seguindo a mesma abordagem, uma outra hipótese de caso
difícil seria daquele que recai na “zona de penumbra” de uma regra de
direito positivo. Isso significa que, apesar de alguma autoridade competente
ter determinado consequências jurídicas potencialmente aplicáveis ao caso
no passado, a dificuldade repousa justamente em saber se a linguagem
utilizada pela referida autoridade abarca ou não o caso em questão. Um
exemplo clássico é o utilizado por H. L. A. Hart em sua obra O conceito de
direito (2001, p. 141-142). Ele concebe uma regra jurídica que proíbe
veículos em um parque. Hart chama a atenção para a natureza
inafastavelmente indeterminada da linguagem a partir de um exercício de
extração de sentido do termo “veículo”. As convenções de uso do termo
“veículo”, embora claramente apontem para a sua aplicação em relação a
automóveis, ônibus, caminhões e tratores, não estabelece de forma
igualmente consensual a sua aplicação para o caso de um carrinho de
brinquedo elétrico. Sendo assim, um segundo tipo de caso difícil seria
aquele que recai na “zona de penumbra”, ou seja, na zona de
indeterminação, das convenções de uso das palavras utilizadas para
formulação das regras de direito positivo.
No entanto, a prática jurídica, a vida do direito, parece desafiar a ideia
de que os casos difíceis são um produto exclusivo da lacuna do direito
positivo ou da indeterminação da linguagem utilizada nas regras de direito
positivo. A história recente da jurisdição constitucional brasileira oferece
exemplos importantes de casos que foram amplamente debatidos tanto pela
comunidade jurídica como pela sociedade civil em geral, para os quais seria
difícil afirmar a inexistência de previsão jurídica não apenas explícita como
inequívoca no ordenamento positivo. Tenho em mente, por exemplo, o
problema jurídico levado à apreciação do Supremo Tribunal Federal na
Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 132
(convertida em Ação Direta de Inconstitucionalidade) julgada em conjunto
com a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4.27745. Ambas
requeriam a interpretação conforme à Constituição do art. 1.723 do Código
Civil para que fossem reconhecidas as uniões estáveis homoafetivas e a elas
dado tratamentojurídico análogo ao das uniões estáveis heteroafetivas.
Trago esse caso porque, a meu ver, ele apresentou uma controvérsia
jurídica importante, ainda que houvesse, tanto na Constituição quanto no
Código Civil, previsão expressa acerca da união estável, estabelecendo,
dentre outros requisitos para o seu reconhecimento pelo Estado, que ela se
desse entre homem e mulher. O art. 226, § 3º, da Constituição afirma que,
“Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o
homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua
conversão em casamento”. E o art. 1.723 do Código Civil, ao determinar
que “É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e
a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e
estabelecida com o objetivo de constituição de família”, reproduz a
determinação constitucional na parte em que define a união estável como
aquela entre o homem e a mulher.
Portanto, a despeito de definição expressa e inequívoca da união
estável, tanto na Constituição quanto no Código Civil, o Governador do
Estado do Rio de Janeiro e a Procuradoria-Geral da República entenderam
plausível propor, respectivamente, a ADPF 132 (que foi recebida e
convertida em ADI) e a ADI 4.277. O caso gerou grande controvérsia. O
relator da ação, o então Ministro Ayres Britto, deferiu o ingresso na causa
de 14 amici curiae. Ao final, o Supremo Tribunal Federal julgou
procedentes as ações por unanimidade. Nessa oportunidade, portanto, o
STF defendeu uma interpretação conforme à Constituição de um artigo do
Código Civil no sentido de contrariar o tratamento explícito que a própria
Constituição havia dado ao tema. Tratamento esse que o artigo interpretado
do Código Civil não fazia mais do que praticamente reproduzir46.
Em desafio à primeira abordagem acerca do que faz de um caso um
caso difícil, a ADPF 132 e a ADI 4.277 mostram que, para uma parte
importante da comunidade jurídica, a emergência de um caso controverso
não se circunscreve às situações de lacunas no direito positivo, ou aos casos
em que os fatos recaem nas zonas de indeterminação ou vagueza da
linguagem. É plausível supor que uma outra parte da comunidade jurídica
tenha pensado que a mera ideia de propor uma ADPF ou ADI para pleitear
interpretação conforme a Constituição de dispositivo de lei em
contrariedade a tratamento explícito dado pela própria Constituição ao
problema jurídico não passaria de uma aberração argumentativa. Isso
porque contrariaria o pressuposto básico acerca do que determina a resposta
correta para um problema jurídico prático, qual seja, o fato de que uma
autoridade competente tenha se pronunciado explícita e inequivocamente,
no passado, acerca da solução a ser dada ao problema. Em outras palavras,
é possível que parte da comunidade jurídica tenha tomado a ADPF 132 e a
ADI 4.277 como casos absurdos, que sequer deveriam ter sido discutidos,
mas que, uma vez que tenham sido propostos, deveriam ser considerados
casos fáceis no sentido de que a decisão deveria, inequivocamente, julgar
improcedentes as ações.
No entanto, o mero fato de que o caso existiu, ou seja, de que agentes
importantes do cenário institucional brasileiro entenderam que fazia sentido
propor e defender o caso perante o Supremo Tribunal Federal, e que este
tenha julgado as ações procedentes por unanimidade47, mostra que parte
importante da comunidade jurídica discorda da tese de que aquilo que torna
um caso controverso possível é a lacuna e/ou indeterminação e vagueza do
direito positivo48.
A partir dessa observação, dois esclarecimentos se fazem necessários.
(i) Em primeiro lugar, a ADPF 132 e a ADI 4.277 podem fortalecer o
argumento negativo acerca daquilo a que não se resume um caso
controverso: ele não é apenas aquele que decorre de lacuna, indeterminação
e/ou vagueza do direito positivo. Em termos propositivos e a partir da
reflexão sobre a ADPF 132 e ADI 4.277, o que seria um caso controverso?
Em um primeiro momento, poderíamos supor que aquilo que faz de um
caso um caso controverso é a observação de existência de controvérsia de
fato em torno do caso ou do problema jurídico. Nesse sentido, um problema
jurídico digno de pesquisa seria aquele que tenha sido de fato abraçado pela
comunidade jurídica enquanto tal. A definição do caráter controvertido do
problema seria resolvida, portanto, a partir do comportamento da própria
comunidade jurídica em torno desse problema. Ele não se tornaria
controverso até que controvérsia real fosse deflagrada em torno dele, ou
seja, até que uma parcela importante dos interlocutores na comunidade
jurídica tivesse aceitado o problema como um problema controverso, um
caso difícil.
Não é isso, no entanto, que quero afirmar aqui. Um problema jurídico
prático difícil não emerge enquanto tal apenas depois que a comunidade
jurídica o aceita dessa forma. E isso por duas razões: em primeiro lugar,
alguém deverá conceber o problema para trazê-lo à pauta. Ou seja, alguém
deverá enxergá-lo, formulá-lo, antes que ele seja abraçado como pauta de
debate pela comunidade jurídica. E não se pode dizer que ele não era um
problema jurídico genuíno, um caso difícil, no momento de sua concepção e
antes que atenção razoável lhe fosse dispensada pela comunidade jurídica49.
O problema é controverso, o caso é difícil, desde que uma argumentação
plausível seja elaborada a favor do reconhecimento do problema. O que
define o caráter controverso de um problema jurídico prático é a qualidade
da argumentação em torno da existência do problema, o que poderá (ou
não) levar a comunidade jurídica ao engajamento no debate. Desse ponto
decorre que o próprio pesquisador poderá inaugurar uma controvérsia
jurídica prática. O próprio pesquisador do direito, e não apenas aqueles que
atuam na solução de problemas jurídicos concretos (advogados, juízes,
defensores públicos, promotores, procuradores, entre outros), poderá
identificar uma questão que entende complexa e digna de uma tomada de
posição a partir do confronto de argumentos distintos. Ele deverá, no
entanto, enfrentar o ônus de argumentar quanto à existência do problema.
Deverá expor as razões pelas quais entende que uma questão jurídica
complexa existe e deve ser debatida ainda que ninguém ou poucas pessoas
tenham até então a identificado. Ele pode inaugurar a controvérsia
justamente por entender que existem argumentos contrários a uma posição
pacificada que são pouco explorados.
Por muito tempo, não se pensou plausível reivindicar o
reconhecimento, por parte do Estado, da união estável de casais
homoafetivos enquanto direito individual fundamental dos homossexuais,
ou mesmo um direito de visitação a animais de estimação em caso de
separação, até que um argumento em relação não apenas a essas
possibilidades, mas à plausibilidade desses direitos, fosse formulado. Uma
controvérsia prática pode, portanto, estar sempre à espreita: novas
circunstâncias tecnológicas ou culturais podem nos forçar a revisitar todo o
nosso aparato conceitual anteriormente estabelecido.
O outro lado desse ponto é o de que, (ii) em segundo lugar, muita tinta
ou saliva gasta pela comunidade jurídica em torno de uma questão não faz
dela, automaticamente, uma questão jurídica prática controversa digna de
uma pesquisa jurídica. É possível que a comunidade jurídica em geral erre o
ponto, dedicando muito tempo e esforço em algo que não deveria ser
tomado como um problema jurídico controverso. É verdade que o fato de
haver um debate acalorado entre juristas acerca de uma questão jurídica
prática pode ser considerado um indício da existência de uma controvérsia
digna de investigação. Muitas vezes, onde há fumaça, há fogo. Mas, da
mesma forma que a inexistência de debate real em torno de um problema
identificado pelo pesquisador não significa que o problema não valha a
investigação, o fato de que muitas pessoas dedicam tempo e esforço para
debater uma questão jurídica prática não faz desta, automaticamente, uma
boa questão para a pesquisa. Ou seja, não faz do caso um caso difícil.Não existe teste para apontar se um caso é ou não difícil, ou seja, para
determinar se o caso apresenta um problema jurídico prático controverso.
Não há como provar, “por A + B”, que um caso consiste em um caso difícil,
ou que uma situação levanta um problema jurídico complexo digno de
investigação. Há o ônus argumentativo do pesquisador de justificar a
escolha do seu problema de pesquisa apontando as razões pelas quais
entende que uma questão jurídica difícil, do ponto de vista prático, merece
reflexão, com consequente tomada de posição.
Não me parece ser possível dizer mais do que isso acerca da
identificação e formulação de um problema jurídico controverso a não ser
levando o leitor a percorrer um exemplo de pesquisa acerca de uma questão
jurídica prática que entendo controversa (e buscarei reproduzir com
brevidade algumas das razões pelas quais assim entendo). Retomo a seguir
a questão jurídica prática no campo da liberdade de expressão apontada no
início do capítulo: “o direito proíbe a expressão de discursos de ódio,
compreendidos como discursos de conteúdo discriminatório ou forma
ofensiva dirigidos a grupos de pessoas definidos por um traço identitário,
no debate público de ideias?”. Essa é uma versão um pouco modificada da
2.1.
pergunta que persegui em minha pesquisa de doutorado50. No próximo
tópico, buscarei relatar a maneira como a concebi. O objetivo é, por meio
do relato, ilustrar um processo de formulação de uma questão jurídica
prática controversa.
O caminho até a pergunta de pesquisa
Antes de me submeter ao processo seletivo do doutorado, eu estava às
voltas com a identificação de um caminho de pesquisa. Eu precisava
elaborar um projeto de pesquisa e isso requeria identificar uma boa
pergunta para nortear a minha investigação. Nessa época, o professor com
quem eu pretendia trabalhar no doutorado estava interessado no estudo da
teoria da liberdade de expressão. Era o ano de 2013. Pouco tempo antes,
Jeremy Waldron, um importante filósofo do direito, professor na New York
University, havia lançado um livro intitulado The Harm in Hate Speech
(2012)51. Nesse livro, dentre vários argumentos, Jeremy Waldron avança
uma tese intrigante acerca do discurso de ódio. Waldron afirma que discurso
de conteúdo discriminatório ou agressivo voltado contra o traço identitário
de um grupo de pessoas viola o que ele afirma ser um dos aspectos da
dignidade das pessoas, qual seja, os fundamentos da sua reputação. A tese é
interessante porque parte do pressuposto, um tanto plausível, de que as
oportunidades sociais e padrões de interação social de um sujeito dependem
não apenas da maneira como as características singulares daquele sujeito
são percebidas socialmente, mas também da maneira como as
características dos grupos dos quais o sujeito é reputado partícipe são
percebidas por essa mesma sociedade. Se é assim, e se temos um direito à
reputação reconhecido juridicamente, então faria parte da proteção integral
do direito à reputação individual a proibição de discursos de conteúdo
discriminatório ou agressivo voltado contra o traço identitário de grupos,
sejam eles delimitados em razão de sua cor, raça, sexo, religião, gênero,
nacionalidade, etnia, orientação sexual, dentre outras características. E isso
não para fins de promoção da identidade do grupo, mas para proteção de
um meio ambiente moralmente saudável a que todo indivíduo possuiria
direito para que pudesse participar da sociedade e da vida civil em boas
condições.
Àquela altura, eu já estava familiarizada com parte das obras de
Ronald Dworkin, importante teórico do direito e do liberalismo igualitário,
que havia sido professor também na New York University. Ronald Dworkin
defende tese que antagoniza com Jeremy Waldron no ponto de chegada:
Dworkin defende que discursos de ódio não deveriam ser proibidos apenas
em razão de seu conteúdo discriminatório ou forma ofensiva, e eu entendia
que esse posicionamento decorria de sua teoria da liberdade, em especial da
liberdade de expressão. Dworkin entende que a liberdade de expressão é um
direito individual central em democracias liberais porque essa é uma
prerrogativa importante para que cada indivíduo tenha sua dignidade
respeitada pelo Estado. Para ele, a dignidade está na possibilidade da
autodeterminação, seja ela individual – para fins de escolha e formulação
dos aspectos centrais da identidade pessoal – ou política – para fins de plena
participação na conformação do ambiente ético, moral, político e estético da
comunidade na qual o sujeito leva a sua vida. Dworkin argumenta que a
liberdade de expressão é central para os dois aspectos da autodeterminação,
e que a restrição desse importante direito, central para que o Estado possa
reivindicar legitimidade de exercício do seu poder coercitivo sobre aqueles
que governa, só pode se dar quando se puder estabelecer um vínculo causal
provável entre o ato discursivo e um dano iminente para terceiros, dano esse
contra o qual terceiros possuem direito de proteção pelo Estado.
Parte dos argumentos de Dworkin é expressamente reconhecida e
abordada por Jeremy Waldron na obra The Harm in Hate Speech, tal como
o problema da reivindicação de legitimidade do poder estatal quando o
Estado restringe a liberdade de expressão das pessoas acerca de assuntos de
relevância política (como é o caso de uma série de instâncias de discurso de
ódio). Eu percebi que ali havia um debate interessante em curso, que
envolvia concepções distintas de valores centrais no direito, tais como o da
dignidade da pessoa humana. Ainda, cada um deles mobilizava concepções
importantes de noções centrais para a discussão da proibição ou não de
discurso de ódio, tais como as noções de reputação, democracia e
autonomia. Concluí que ali residia um bom ponto de partida. Uma
possibilidade de pesquisa interessante se descortinava, que buscaria a
compreensão aprofundada dos posicionamentos de cada um dos autores e
de suas teses (o que envolvia compreender não apenas o ponto de chegada
de cada um deles, mas a teia argumentativa que os levava até ali), passando
para uma confrontação entre estas e entre cada uma delas e os
posicionamentos e argumentos dos demais interlocutores de cada um dos
autores.
A mim parecia que o estudo daquele debate poderia me levar à
formulação de uma pergunta de pesquisa de natureza prática interessante.
Bastava, no entanto, verificar o cabimento e relevância daquele problema
no cenário jurídico brasileiro. É difícil apontar obras clássicas no campo
jurídico brasileiro sobre o sentido da liberdade de expressão. O tema não é
objeto de um recorte acadêmico-disciplinar autônomo. Ele é tratado no
âmbito do multifacetado direito constitucional: no emaranhado dos
dispositivos de uma Constituição extensa como a nossa, a liberdade de
expressão é abordada algumas vezes, como no art. 5º, IV, que afirma que “é
livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”, e no inc.
IX do mesmo artigo, que dispõe que “é livre a expressão da atividade
intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de
censura ou licença”52.
Quanto a debates jurisprudenciais reputados relevantes sobre a
matéria, eu sabia que o Supremo Tribunal Federal havia decidido, em 2003,
o Habeas Corpus 82.424-2, conhecido como caso Ellwanger. Nessa ação, o
STF decidiu que a publicação de livros com conteúdo discriminatório
contra os judeus constituía crime então tipificado no art. 20 da Lei n.
7.716/89, conforme redação dada pela Lei n. 8.081/90, vigente à época dos
fatos julgados no caso. O dispositivo definia ser crime “praticar, induzir ou
incitar, pelos meios de comunicação social ou por publicação de qualquer
natureza, a discriminação ou preconceito de raça, por religião, etnia ou
procedência nacional”, estabelecendo pena de reclusão de dois a cinco anos.
Ainda, o Supremo Tribunal Federal considerou que a publicação das obras
por Ellwanger redundava em racismo, o que levou à imprescritibilidade do
crime, conforme disposição do art. 5º, XLII, da Constituição Federal.
Identifiqueitambém alguns textos que apontavam o caso Ellwanger como
referência da jurisdição constitucional brasileira sobre o tema53.
Lendo a decisão do Supremo Tribunal Federal no caso Ellwanger,
achei que a maneira como o caso havia sido formulado não privilegiava
uma discussão importante acerca dos limites da liberdade de expressão. Isso
porque os impetrantes do habeas corpus apresentaram o problema perante o
STF não como um acerca da definição do escopo e limites da liberdade de
expressão, mas como um outro, muito mais tacanho, que era o de afastar
simplesmente a imprescritibilidade do crime com base no argumento de que
judeus não constituem uma raça e que o crime de discriminação contra os
judeus não poderia ser considerado crime de racismo. O problema jurídico
de fundo do habeas corpus não havia sido concebido como de liberdade de
expressão. O debate sobre liberdade de expressão surgiu a partir de
iniciativa dos então Ministros do STF, sendo difícil distinguir entre os votos
uma linha argumentativa majoritária clara acerca da relação entre discursos
de ódio e a liberdade de expressão. Ainda, os textos que eu havia
identificado apontando o caso Ellwanger como paradigmático na
jurisprudência nacional sobre o problema endossavam a posição do STF no
caso a partir de argumentos que não me pareceram convincentes. Por
exemplo, Daniel Sarmento defendeu que a proibição em geral de discursos
de ódio se justificava para evitar que a democracia se tornasse uma
empreitada suicida. Ao mesmo tempo, no entanto, ele afirmou o direito de
pessoas religiosas expressarem conteúdo homofóbico, sem oferecer
qualquer razão pela qual a proteção da empreitada democrática seria
suficiente para proibir literatura nazista, mas insuficiente para sustentar
proibição análoga de discurso homofóbico (SARMENTO, 2006, p. 257).
O meu diagnóstico, portanto, era o seguinte: (i) havia um debate
interessante sobre as razões de proteção da liberdade de expressão e aquelas
de proibição do discurso de ódio entre teóricos de uma outra jurisdição (no
caso, a estadunidense); (ii) o debate não repercutia, com a mesma força e
sofisticação, na jurisdição brasileira; (iii) o caso apontado como
paradigmático na jurisprudência constitucional brasileira acerca do tema, o
caso Ellwanger, era, a meu ver, um caso mal colocado para discussão do
sentido e escopo da liberdade de expressão em face do discurso de ódio.
Ademais, da leitura dos votos era difícil estabelecer uma linha
argumentativa clara majoritária de justificação do ponto de chegada do
acórdão (de condenação de Ellwanger pelo crime de racismo com base no
art. 20 da Lei n. 7.716/89); (iv) ainda, os textos que eu havia localizado na
minha pesquisa preliminar, discutindo o problema do discurso de ódio,
endossavam o posicionamento do STF no caso Ellwanger, sem
problematizar o que eu compreendia por contradições em potencial
importantes: por exemplo, como justificar a proteção de discurso religioso
homofóbico, plausivelmente difundido em diversos centros e templos
religiosos Brasil afora, e proibir o discurso antissemita publicado em livros
de pífia circulação? Ainda, e mais trivial, como justificar ampla proteção de
discurso político, por exemplo, de defesa do desmantelamento de serviços
públicos, ou de defesa de drásticas reduções de impostos, com grande
potencial lesivo para a garantia de direitos básicos, tais como o direito à
saúde, e, mais uma vez, proibir discursos de conteúdo antissemita de pífia
circulação?
Não parecia haver no Brasil um debate de fôlego em andamento sobre
o sentido do direito de liberdade de expressão e sua relação com o discurso
de ódio. A posição do Supremo Tribunal Federal no caso Ellwanger parecia
absorvida de forma razoavelmente incontroversa na cultura jurídica
nacional. Havia o art. 20 da Lei n. 7.716/89, dispositivo de lei determinando
tipo penal que facilmente poderia ser interpretado como de proibição e
punição de vários tipos de discurso de conteúdo discriminatório. À época da
elaboração do meu projeto de doutorado, a redação do caput do art. 20 da
Lei n. 7.716/89, e de seus §§ 1º e 2º (relevantes para tipificação do crime),
era dada pela Lei n. 9.459/97, nos seguintes termos:
Art. 20. Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião
ou procedência nacional.
Pena: reclusão de um a três anos e multa.
§ 1º Fabricar, comercializar, distribuir ou veicular símbolos, emblemas, ornamentos,
distintivos ou propaganda que utilizem a cruz suástica ou gamada, para fins de divulgação do
nazismo.
Pena: reclusão de dois a cinco anos e multa.
§ 2º Se qualquer dos crimes previstos no caput é cometido por intermédio dos meios de
comunicação social ou publicação de qualquer natureza:
Pena: reclusão de dois a cinco anos e multa.
A meu ver, os termos “praticar”, “induzir” e “incitar” comportavam
algumas interpretações, e não necessariamente indicavam a proibição e
punição de qualquer discurso de natureza discriminatória ou ofensiva
dirigida a traços identitários, como cor, raça, etnia, religião ou procedência
nacional. O mesmo valia para “discriminação”. Eu entendia que era
necessário um debate mais sofisticado acerca do que, para fins penais ou de
definição de ilícito jurídico, poderia ser considerado como “discriminação”.
A expressão pública de qualquer posicionamento de conteúdo
discriminatório poderia ser punida pelo direito? Nesse sentido, se uma
pessoa declarasse publicamente que jamais se casaria com uma mulher
judia por considerar que os judeus são um grupo intelectualmente limitado,
essa pessoa deveria sofrer as punições do direito, civis ou penais? Em
outras palavras, as pessoas deveriam ser impedidas de expressar as suas
convicções mais profundas acerca de elementos centrais de sua identidade,
ainda que essas convicções fossem extremamente infelizes e odiosas? Essa
não me parecia uma questão simples. Tampouco me parecia que a prática
jurídica nacional endossava de forma coerente o posicionamento de que
qualquer discurso de conteúdo discriminatório, em qualquer circunstância,
2.1.1.
era proibido, e, uma vez expresso, deveria ser punido. Afinal, o exemplo
levantado por Daniel Sarmento, mencionado há alguns parágrafos, sugere
justamente o contrário: é plausível pensar que a condenação pública e
reiterada da homoafetividade é uma prática comum em muitos centros
religiosos por todo o país. Por que discursos que defendem a proibição da
homoafetividade e que negam o valor da sexualidade de homossexuais não
transforma a democracia em uma empreitada suicida tal como o discurso
nazista supostamente a transforma? E isso levando em consideração que, no
Brasil, seria plausível supor que o público que mais sofre com a violência
social é a população LGBTQ+, e não os judeus.
Esses elementos apontavam para a plausibilidade e conveniência de se
suscitar uma controvérsia prática em torno da correção ou não da proibição
de discursos de ódio no debate público de ideias no Brasil, já que o país
endossa o valor e o direito à liberdade de expressão na sua Constituição, e a
prática jurídica em torno da definição das razões de proteção e do escopo
desse direito parecia incoerente e desarticulada.
Definindo a pergunta de pesquisa
Abri este tópico porque, em alguns casos de problemas jurídicos
controversos, a delimitação do objeto do que se pretende discutir pode
exigir um cuidado maior. Algumas vezes, os principais termos utilizados
em discussões importantes de problemas jurídicos práticos se revelam
equívocos. Isso porque o mesmo termo pode ser utilizado para fazer
referência a situações que, ao mesmo tempo em que guardam entre si
semelhanças, guardam também diferenças importantes para fins de definir o
que diz o direito sobre cada uma delas. Esse é o caso da expressão “discurso
de ódio”.
Essa expressão é utilizada, por exemplo, para capturar a situação de
um esportista branco que se dirige a um esportista negro em um jogo e grita
“seu macaco imbecil”. Esse é um caso de discurso dirigido a uma pessoa
especificamente considerada e podemosrazoavelmente atribuir a ele a
intencionalidade de ofender. A mesma expressão, “discurso de ódio”, é
utilizada para capturar a situação na qual um líder de um grupo neonazista
expressa em palanque em praça pública que os negros são uma raça que
contamina a pureza genética dos brancos e que, por isso, deveriam ser todos
enviados de volta para a África. As duas situações apresentam semelhanças
em relação ao traço discriminatório do conteúdo do discurso. Mas
apresentam também diferenças potencialmente relevantes para definir se a
melhor interpretação do direito proíbe ou não cada um dos discursos em
questão. Isso porque o discurso de conteúdo discriminatório ocorre em
contextos distintos que revelam finalidades distintas: o primeiro é dirigido a
uma pessoa específica durante um jogo. É plausível atribuir àquele que fala
a intenção, nesse caso, de desestabilização do outro jogador. Ainda,
podemos pensar que o jogo ocorre em uma liga profissional. Nesse caso, o
discurso teria sido proferido em local de trabalho.
Na segunda situação, observa-se a manifestação de uma convicção
política, odiosa, é verdade, mas ainda assim uma convicção que marca a
identidade do grupo social e político dos neonazistas. É possível imaginar a
situação na qual o discurso não possui impacto imediato relevante sobre a
população negra: nenhuma violência é deflagrada, nenhum ato de
intimidação é praticado por ocasião da expressão em questão. Ainda, o
discurso não é dirigido a uma pessoa específica e tampouco em um
contexto no qual uma pessoa ou grupo de pessoas negras esteja tentando
desempenhar um trabalho, uma tarefa ou uma performance, tal como seria o
caso se o discurso tivesse sido expresso no ambiente de trabalho ou no
ambiente escolar.
A meu ver, essas são distinções importantes nas circunstâncias de cada
uma das instâncias discursivas que alteram o que deve ser levado em
consideração quando debatemos a proibição ou não de cada um desses
discursos, ainda que ambos tenham conteúdo discriminatório e expressem
ódio. É possível chegar à conclusão de que o direito proíbe ambas as
instâncias discursivas. Ou que protege o direito de expressão de ambas. A
questão é que o ônus argumentativo é distinto em cada uma dessas
situações. É por isso que, na definição da pergunta de pesquisa, especifiquei
o que eu estava chamando de discurso de ódio, conforme a formulação já
apresentada: “o direito proíbe a expressão de discursos de ódio,
compreendidos como discursos de conteúdo discriminatório ou forma
ofensiva dirigidos a grupos de pessoas definidos por um traço identitário,
no debate público de ideias?”.
Parece-me que essa mesma preocupação pode surgir em uma série de
outras discussões doutrinárias que são, na atualidade, igualmente relevantes,
como, por exemplo, no debate acerca da constitucionalidade de ações
afirmativas. Penso que uma pergunta tal como “as ações afirmativas são
constitucionais?” pode se revelar intratável. Isso porque existem muitos
tipos de ações afirmativas, tanto no sentido do tipo de política adotada
quanto no critério utilizado para definir o grupo beneficiário. Podemos
imaginar uma política que pretendesse promover a igualdade racial no
Brasil ao proibir o acesso de crianças brancas a escolas privadas do ensino
básico por 10 anos, com o objetivo de impedir que a população branca,
normalmente a que mais contrata serviços de ensino básico na rede privada,
perpetue, na geração em questão, a vantagem em termos de acesso a ensino
básico de maior qualidade. Essa poderia ser considerada uma ação
afirmativa em favor da população negra. Uma outra ação afirmativa, mais
comum e comumente discutida, são cotas em universidades públicas para
grupos sociais desfavorecidos. Contudo, mesmo políticas de cota possuem
variações: há cotas raciais e cotas baseadas em critério de renda. Cada uma
dessas ações afirmativas levanta, a meu ver, um conjunto distinto de
problemas jurídicos.
Portanto, é importante que, ao fazer o esforço de especificação da
pergunta jurídica prática que pretende abordar, o pesquisador atente para o
fato de que, algumas vezes, um conjunto de problemas práticos é discutido
a partir do uso de “conceitos guarda-chuva”. Isso porque a comunidade
jurídica aproxima as situações-problema a partir de suas semelhanças. O
aprofundamento da discussão, no entanto, revela muitas vezes diferenças
significativas entre cada uma dessas situações. O pesquisador precisa estar
3.
atento a isso e fazer um esforço de definição do problema ou conjunto de
problemas específicos que pretende abordar dentro de um campo de debate.
A pesquisa em torno de uma pergunta jurídica prática controversa deve
ser comprometida com a precisão da discussão, evitando que a confrontação
argumentativa redunde em uma “conversa de surdos”. Para qual situação-
problema específica busco a determinação da resposta que o direito
oferece? Os argumentos que pretendo defender e criticar se dirigem a essa
mesma situação-problema? É importante, portanto, que o objeto da
controvérsia esteja muito bem delimitado.
DICA
Atente-se para a possibilidade de que a comunidade jurídica empregue um mesmo termo ou
uma mesma expressão para se referir a um conjunto de situações-problema que, embora
semelhantes em alguns aspectos, podem também apresentar diferenças importantes para fins
de definição da resposta que o direito lhes dirige. Ao delimitar o seu problema de pesquisa,
você deve deixar claro qual é a situação-problema específica que irá discutir, explicitando o
sentido específico em que pretende empregar um termo ou expressão utilizado pela
comunidade jurídica para se referir a um grupo variado de situações-problema.
PROCEDENDO CIENTIFICAMENTE
Problemas jurídicos práticos controvertidos, apesar de não formarem o
arroz com feijão do trabalho diário da maior parte de juízes, advogados,
defensores públicos, promotores, procuradores e outros profissionais do
direito que lidam com a solução de problemas jurídicos reais, por vezes se
apresentam a esses profissionais na sua atividade prática. É importante, no
entanto, marcar a diferença entre o ponto de vista do pesquisador e aquele
dos profissionais supramencionados, uma vez que se deparam com o
mesmo tipo de problema.
Advogados e todos os demais profissionais do direito que representam
uma parte em uma ação ou em uma negociação jurídica possuem o dever de
defesa dos interesses da parte que representam. Nesse sentido, ao se
depararem com qualquer problema jurídico, controverso ou não, tendem a
mobilizar e intensificar todos os argumentos jurídicos que favorecem a
posição da parte que representam, ao mesmo tempo em que procuram
minimizar o valor, descaracterizar e omitir os argumentos que favorecem
posicionamentos contrários. A posição do advogado é, portanto, parcial. Já
o pesquisador deverá buscar responder ao problema jurídico prático
controvertido com isenção e imparcialidade.
Juízes também possuem o dever de imparcialidade. Devem abordar o
caso de um ponto de vista impessoal, buscando a solução do problema a
partir de juízo da qualidade dos argumentos a ele apresentados pelas partes,
bem como a partir do seu conhecimento sobre o direito. No entanto, juízes
possuem tempo escasso para apreciação dos problemas que lhes são
submetidos. Muitas vezes, eles se atêm aos argumentos apresentados pelas
próprias partes para solução do caso. A natureza da reflexão operada pelo
juiz é a mesma daquela de um pesquisador quando confrontado com um
problema jurídico prático difícil. Mas um juiz raramente se aprofunda na
formulação de um mapa argumentativo sobre o problema, identificando
todos os principais argumentos favoráveis e contrários a cada posição, bem
como explorando a relação entre eles. Já o pesquisador deverá enfrentar
justamente esse ônus.
Proceder cientificamente na solução de um problema jurídico prático
implica em percorrer com honestidade, transparência, objetividade e
imparcialidade os principais argumentos que podem ser feitos a favor e
contra os posicionamentos possíveis acerca do problema.
Seo advogado sabe de antemão o posicionamento que deverá assumir
e defender, o pesquisador não precisa nem deve assumir de partida uma
posição com tamanha lealdade. É verdade que, se o pesquisador foi capaz
de formular o problema de pesquisa jurídica prática que pretende abordar, é
porque já realizou uma investigação preliminar importante que apontou
para um confronto genuíno e interessante de posicionamentos possíveis54. O
pesquisador provavelmente possui uma inclinação em direção a um desses
posicionamentos. O posicionamento que de partida lhe parece mais
plausível constituirá a sua hipótese de pesquisa. Ela é, no entanto, o seu
ponto de partida. E só se confirmará como seu ponto de chegada se, após
sua submissão à refutação pelos melhores argumentos contrários que
puderem ser feitos, ela ainda assim se sustentar.
Mas o que significa, no campo das questões jurídicas práticas,
submeter uma hipótese à refutação? O que exatamente o pesquisador deve
“fazer” para “testar” a sua hipótese? Os verbos “fazer” e “testar” estão entre
aspas porque podem sugerir procedimentos classicamente tomados como
científicos que não se aplicam ao caso. Não estamos no campo das ciências
formais ou naturais. Estas procedem por dedução (demonstração de
conclusões a partir de premissas verdadeiras) e por indução (formulação de
leis gerais a partir de regularidades fáticas). Não é esse o sentido de ciência
emprestado ao método aqui privilegiado. Não se trata de submeter a
hipótese a um experimento científico, tampouco fornecer provas empíricas
para uma proposição fática. Ainda assim, cabe chamar de científico o
método a ser perseguido porque há algo do valor atribuído ao método das
ciências naturais e formais que se busca capturar também no método para
enfrentamento de problemas jurídicos práticos controversos. O ponto de
convergência é a construção de um procedimento para reflexão que seja
adequado à natureza do objeto sobre o qual se pretende refletir e que
permita alcançar convicções da melhor qualidade possível tendo em vista os
critérios de qualidade compartilhados para a área sobre a qual se reflete.
Sendo o problema que nos ocupa de natureza jurídica prática, o
método que buscamos é um que permita alcançar a melhor fundamentação
possível para a orientação da ação no campo do direito. A natureza da
conclusão é normativa, porque prescreve uma ação. Também os argumentos
utilizados para sustentar a conclusão são de natureza normativa. Os critérios
de aferição da qualidade de argumentos normativos não passam pela
indução ou pela dedução55, mas pelo apelo que o conjunto de argumentos
apresentados em favor de uma posição exerce em função da sua capacidade
3.1.
de universalização, da sua coerência interna e do seu poder de organização
de um conjunto de intuições que possuímos acerca de como agir a partir de
um sistema de normas jurídicas. Assim, o teste de qualidade de um
conjunto de argumentos passa pela sua submissão a críticas que buscam
desestabilizá-lo em alguma de suas dimensões: seja mostrando a sua
incoerência interna, seja apontando para a implausibilidade das orientações
para a ação a que conduzem se aplicados a uma situação até então
desconsiderada, ou, ainda, pela sua incapacidade de fundamentar outras
orientações para a ação que entendemos plausíveis.
O pesquisador, dessa forma, não possui razões para temer as críticas
que possam ser feitas à sua hipótese inicial. Pelo contrário: ele pode e dever
estar aberto ao poder persuasivo dessas críticas. O seu dever não é o de
defender a hipótese. E ele não fracassa se, ao final do processo de
consideração dos diversos argumentos contrários e favoráveis à sua
hipótese, concluir por abandonar a hipótese, ou por endossá-la
parcialmente, ou mesmo pela impossibilidade de tomada de um
posicionamento acerca do problema sem que considerações outras, externas
ao escopo da pesquisa, sejam apreciadas. O compromisso do pesquisador
não é com a hipótese, mas com a honestidade das suas próprias convicções,
uma vez que elas são progressivamente amadurecidas no confronto com
diversos argumentos.
Mais uma vez, um exemplo pode ajudar na ilustração da dinâmica de
investigação de uma pergunta jurídica prática controversa. No próximo
tópico reconstruirei um dos confrontos argumentativos que enfrentei ao
conduzir minha investigação a partir da pergunta: “o direito proíbe a
expressão de discursos de ódio, compreendidos como discursos de conteúdo
discriminatório ou forma ofensiva dirigidos a grupos de pessoas definidos
por um traço identitário, no debate público de ideias?”.
Definindo as posições em debate
No tópico anterior afirmei que a condução da pesquisa acerca de uma
pergunta jurídica prática controversa consiste na apresentação de
argumentos de fundamentação de uma hipótese e na sua submissão às
críticas, ou tentativas de refutação. Ocorre que os argumentos passíveis de
confrontação não se encontram organizados e hierarquizados, em termos de
importância e sofisticação, à espera do pesquisador em alguma dimensão
intelectual. A seleção dos argumentos, em termos de relevância, e a sua
organização em um esquema dialético são tarefas do pesquisador.
Quando eu trabalhava na formulação de uma boa pergunta de pesquisa
para o meu doutorado, identifiquei algumas características do debate que
pareciam predominar entre juristas brasileiros. Em primeiro lugar, a questão
da proibição ou não de discursos de ódio era formulada enquanto um
conflito de direitos ou valores. No caso, um conflito entre a liberdade de
expressão e a igualdade, ou entre a liberdade de expressão e a dignidade da
pessoa humana. Ocorre que não havia muitos esforços de conceptualização
do sentido desses direitos. Parecia predominar o pressuposto de que o
escopo de direitos de liberdade, igualdade e dignidade, assim como de
quaisquer outros direitos, correspondia à maior amplitude possível do
sentido dos termos liberdade, igualdade e dignidade. Inevitavelmente, isso
levava à conclusão de que esses direitos conflitavam em diversas situações,
tal como no caso de discursos que expressam convicções discriminatórias.
Por um lado, estes são discursos expressivos, e a liberdade de expressão, a
princípio, significaria a liberdade de dizer aquilo que se tem vontade sem a
oposição de obstáculos por terceiros. Por outro lado, o discurso, no caso,
veicula ideias não igualitárias e/ou ofensivas, as quais violariam o direito de
igualdade porque este abarcaria, dentre outras, a prerrogativa de figurar
como um igual na convicção das demais pessoas, ou seja, de não ser
considerado diferente de ninguém, principalmente em função de um juízo
discriminatório imoral. E violariam também a dignidade das pessoas
pertencentes ao grupo alvo do discurso porque o discurso que expressa
essas ideias buscaria negar o senso de autorrespeito dessas pessoas e o
status destas na sociedade.
Em segundo lugar, o conflito era tratado por meio de um método de
proporcionalidade. Em síntese, já que a solução do problema implicaria,
necessária e supostamente, no sacrifício de um dos direitos ou valores, o
método da proporcionalidade serviria à definição, no caso concreto, da
solução que implicasse no menor dos sacrifícios relativos do direito ou
valor não privilegiado no caso. Essa forma de pensar e, portanto, de decidir
era a que, a princípio, poderia explicar como um mesmo juiz chega a
resultados aparentemente contraditórios em casos semelhantes, tais como
proibir discursos de conteúdo discriminatório contra judeus em livros, mas
proteger discursos de conteúdo discriminatório contra homossexuais em
templos religiosos. De algum modo, o sacrifício da liberdade no primeiro
caso não seria tão significativo tendo em vista o tanto de igualdade
promovida pela proibição do discurso, enquanto no segundo caso a lógica
seria justamente inversa.
Essa abordagem me parecia insatisfatória porque não oferecia uma
razão para diferenciação entre as duas situações. Por que, exatamente, a
proibição de discursos discriminatórios contra judeus publicados em livros
sacrificamenos a liberdade de expressão do que a proibição de discursos
discriminatórios contra homossexuais em templos religiosos? Por que a
convicção religiosa do crente teria maior importância do que a convicção
política do antissemita? A solução do problema jurídico prático em questão
por meio da proporcionalidade me parecia envolta em uma caixa preta na
qual as métricas de realização e sacrifício de direitos e valores em cada caso
eram atribuídas sem que se pudesse compreender sua lógica. A sensação é
de que os resultados, ainda que formulados em linguagem racional, eram
produtos de decisão ad hoc.
O leitor não precisa concordar com o meu diagnóstico acerca do
método da proporcionalidade aplicado ao problema da proibição ou não de
discurso de ódio. O relato serve para justificar as minhas escolhas em
relação aos argumentos postos em confronto no meu trabalho de doutorado.
Optei por não trabalhar com o método de proporcionalidade e elegi
argumentos que, diferentemente das conceptualizações do sentido da
3.2.
liberdade e da igualdade pressupostos pelo método da proporcionalidade,
buscavam oferecer uma conceptualização mais detalhada dos valores ou
direitos envolvidos na questão.
Foi por isso que escolhi a confrontação dos argumentos de Ronald
Dworkin e Jeremy Waldron como ponto de partida da minha pesquisa56.
Cada um dos autores busca oferecer uma conceptualização do sentido de
um ou mais dos valores ou direitos envolvidos no problema e, a partir daí,
fazer uma defesa dos comportamentos que esses valores ou direitos
justificavam proteger ou proibir. Por exemplo, tanto Dworkin quanto
Waldron ofereciam uma concepção de dignidade da pessoa humana da qual
partiam para se posicionar no sentido de proteção ou proibição de discursos
de ódio em razão do conteúdo ou forma do discurso. Parte do meu trabalho
seria, portanto, confrontar os argumentos utilizados por cada um dos autores
para fundamentar a sua concepção de dignidade com o objetivo de avaliar
cada uma das teses e, eventualmente, tomar um posicionamento no debate.
Mais uma vez, o leitor não precisa concordar com a minha decisão de
afastar o tratamento da questão pelo método da proporcionalidade,
tampouco com a escolha que fiz dos argumentos para confrontação na
primeira etapa da minha pesquisa. O relato breve serve para ilustrar o
percurso de seleção e justificação dos argumentos que figuraram na
primeira parte da minha investigação e, posteriormente, na primeira parte
da tese de doutorado desenvolvida.
A dinâmica da refutação
A hipótese de que parti era a de que os discursos de ódio, considerados
como discursos de conteúdo discriminatório ou forma ofensiva dirigidos a
grupos de pessoas definidos por um traço identitário, no debate público de
ideias, não eram proibidos pelo direito. Os argumentos que identifiquei no
trabalho de Ronald Dworkin para sustentar essa hipótese me pareciam os
mais plausíveis. Não cabe, neste texto, explorar em detalhes os argumentos
de Dworkin ou aqueles de Jeremy Waldron. Tampouco abordarei todo o
3.2.1.
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•
•
•
conjunto de argumentos que explorei e confrontei na tese de doutorado. O
exercício a seguir serve como ilustração do movimento de proposição e
refutação que constitui o trabalho de pesquisa e argumentação para solução
de uma pergunta jurídica prática controversa.
O argumento de Dworkin
De forma sucinta, é possível encadear alguns dos argumentos de
Dworkin pela proteção de discursos de ódio (tal como definidos na tese e
neste capítulo) no debate público de ideias da seguinte forma:
A dignidade ou valor de cada vida humana depende de que a
pessoa de cuja vida se trata decida com independência acerca dos
seus compromissos identitários centrais. Esses compromissos
incluem, dentre outras, suas escolhas profissionais, amorosas,
culturais, morais e políticas (DWORKIN, 2011, p. 209-213; 2000,
p. 127).
O valor da independência moral, fundamento da dignidade da vida
de cada pessoa, só é preservado perante o exercício do poder
coercitivo estatal se o Estado proteger, por um lado, uma esfera
privada na qual o indivíduo poderá exercer com independência
escolhas centrais para a sua identidade e, por outro, a prerrogativa
de cada sujeito de contribuir também com independência para a
formação do ambiente cultural, estético, moral e político no qual as
decisões políticas e institucionais da comunidade são tomadas
(DWORKIN, 2011, p. 379; 1997, p. 148; 1996, p. 200-201).
A liberdade de expressão acerca de questões estéticas, morais,
culturais e políticas é central tanto para o exercício da
independência moral no âmbito privado quanto para o exercício da
participação na formação do ambiente valorativo da comunidade
(DWORKIN, 2000, p. 127 e 201-202; 1997, p. 148).
Discursos discriminatórios ou de forma ofensiva dirigidos contra
grupos definidos por um traço identitário, no debate público de
ideias, constituem discurso de conteúdo político protegido pelo
direito à independência moral (DWORKIN, 2011, p. 369-371;
1996, p. 200).
Os argumentos de Dworkin são consistentes e convincentes? Penso
que são bons argumentos. Eles organizam alguns pressupostos centrais a
respeito da maneira como nos comportamos em relação à nossa vida e
como valorizamos o fato de estar vivo. A maior parte de nós se angustia,
em um momento ou outro, com a grande questão que nos ocupa: o que fazer
com a nossa vida? Temos a convicção de que essa pergunta deverá ser
respondida, em última instância, por cada um de nós, individual mente, e
que não podemos delegá-la a ninguém (ainda que possamos nos beneficiar
de conselhos e sugestões daqueles que nos cercam e em quem confiamos).
Entendemos que a autonomia na condução da nossa vida e na tarefa de lhe
dar identidade é um pressuposto para a manutenção do valor da nossa
jornada: uma vida, ainda que possa parecer muito interessante se observada
“de fora”, será maculada de maneira insanável se for fruto da imposição de
terceiros sobre aquele de cuja vida se trata, e não fruto de uma escolha livre.
Dessa forma, para que uma vida tenha valor, é preciso que cada um possa
correr o risco de se equivocar tremendamente acerca das escolhas que faz e
das identidades que assume. Inclusive, o risco de se confrontar com, e
eventualmente abraçar, convicções políticas odiosas.
Esse mesmo risco, ainda que razoavelmente controlado, faz parte de
uma democracia. O autogoverno significa, em alguma medida, correr algum
risco de que a coletividade acabe endossando convicções extremamente
injustas e que redundem em consequências graves do ponto de vista da
justiça. Essa não é uma afirmação estranha à realidade em que já nos
encontramos. Afinal, segundo algumas análises, já vivemos, no Brasil, por
exemplo, um cenário em que possuímos um sistema tributário
extremamente regressivo e que é, segundo muitos, injusto. Ainda, o país é
vítima de esquemas históricos de corrupção nos quais estão envolvidos
grupos políticos que se perpetuam no poder ao longo de décadas. Um dos
resultados plausivelmente atribuíveis a esse estado de coisas é a falta de
acesso de grande parte da população a serviços e bens materiais para
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garantia de uma mínima qualidade de vida. Nem por isso proibimos que
discursos em defesa de esquemas tributários ainda mais regressivos possam
ser vocalizados no debate público. Tampouco proibimos os grupos políticos
envolvidos em esquemas de corrupção e aqueles que os apoiam de
continuar a participar no debate público de ideias. Em síntese, não
proibimos a continuidade de circulação de discursos políticos advogando
ideias que, uma vez implementadas, poderiam agravar a situação de
injustiça no país.
Procurei estabelecer brevemente, portanto, o que enxergo como
qualidades dos argumentos de Dworkin. Cabe examinar com abertura,
transparência e honestidade argumentos que criticam ou questionam algum
ou alguns dos argumentos que estruturam a posição de Dworkin sobre o
problema. Há, por exemplo, algum argumento interessante que desafia o
conceito de dignidade humana de Dworkin e suas implicações? Jeremy
Waldron apresentaargumentos intrigantes que desafiam a concepção
dworkiniana de dignidade. Esses argumentos se desenvolvem da seguinte
forma:
A concepção de Dworkin de dignidade é “estipulativa”, ou seja,
não é sensível às contribuições da linguagem natural para o uso da
noção de dignidade em discursos de direitos humanos e não
respeita a tradição histórica do conceito jurídico de dignidade
(WALDRON, 2011, p. 216-217; 2007, p. 208-214).
A tradição histórica do conceito jurídico de dignidade implica a
noção de deferência, reconhecimento de uma posição diferenciada
de valor. Alguns exemplos são os de leis que impunham um
comportamento deferente em respeito à dignidade de monarcas e
juízes (WALDRON, 2011, p. 225; 2007, p. 215-217).
O conceito de dignidade sofreu uma transformação histórica,
passando a afirmar o valor não apenas de certos grupos de pessoas,
mas de toda e qualquer pessoa. O que significa estender a
deferência, o reconhecimento da existência de um valor especial, a
toda e qualquer pessoa (WALDRON, 2011, p. 219-223).
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A dignidade de toda e qualquer pessoa, portanto, impõe um dever
de reconhecimento, por parte de todas as demais, do valor e
importância que reside em cada pessoa parte da comunidade
(WALDRON, 2011, p. 223-226).
Direitos de dignidade implicam, portanto, em direito de cada
indivíduo de não se deparar com discursos que neguem o valor
igualitário desse indivíduo na comunidade (WALDRON, 2012, p.
161-172).
Isso implica proteção tanto contra discursos que se dirigem
especificamente a uma pessoa individualmente considerada, como
contra discursos que se dirigem a grupos de pessoas marcadas por
um traço identitário. O instituto da difamação protegeria as pessoas
contra o primeiro tipo de discurso. A proibição de discursos de
ódio protegeria as pessoas contra a violação dos fundamentos de
sua reputação, ou seja, contra violação da garantia da boa
percepção pública acerca dos grupos aos quais a pessoa pertence
(WALDRON, 2012, p. 52-61).
Os argumentos de Waldron são bastante interessantes. Dizem respeito
tanto ao tipo adequado de considerações para formulação de conceitos
jurídicos quanto ao sentido substantivo do conceito jurídico de dignidade57.
Eu precisei me posicionar acerca dos argumentos de Waldron para chegar a
conclusões sobre o debate e sobre a hipótese inicial. Refletindo acerca dos
argumentos de Waldron, concluí que alguns deles, apesar de interessantes,
não se sustentavam. Sobre esses argumentos, cheguei às seguintes
convicções:
O conceito de dignidade de Dworkin não é menos jurídico que o
conceito de Waldron. Waldron faz menção a uma transformação
histórica do sentido do valor de dignidade, o que aponta para o fato
de que o sentido do conceito é disputado na história e está sempre
aberto a uma nova formulação. A melhor formulação é aquela que
orienta o reconhecimento de direitos plausivelmente
universalizáveis.
•
•
A concepção de dignidade de Waldron não orienta ao
reconhecimento de direitos plausivelmente universalizáveis. Não é
plausível afirmar que as pessoas possuem direito de proteção contra
o confronto com discursos que negam o seu valor ou status
igualitário em qualquer situação. O reconhecimento desse direito
teria que redundar em um dever do Estado de proibir discursos
discriminatórios contra homossexuais em templos religiosos, que
afirmam que a homossexualidade é um perigo à sexualidade de
crianças, por exemplo. Ou que homos sexuais deveriam ser
submetidos a tratamento médico. Esses são discursos que, embora
terrivelmente equivocados, consideramos protegidos pela liberdade
de expressão das pessoas religiosas. O argumento de Waldron,
portanto, teria que enfrentar o ônus de defender a proibição desses
discursos e, para tanto, teria que reformular o que compreendemos
por liberdade de expressão religiosa, ônus do qual ele não se
desembaraça.
Se a liberdade de expressão é um direito fundamental para o
exercício da própria identidade, seja no âmbito privado, seja no
âmbito político, e se a todas as pessoas é preciso garantir direitos
em igual escopo e medida, não há como justificar a proibição de
alguns discursos de conteúdo discriminatório em função do seu
conteúdo enquanto se confere proteção a outros de conteúdo
igualmente discriminatório.
Por outro lado, um dos argumentos de Waldron me pareceu bastante
forte, colocando um desafio importante para o conjunto argumentativo de
Dworkin. Trata-se do argumento que aproxima os discursos de conteúdo
discriminatório dirigidos a grupos dos discursos dirigidos a pessoas
individualmente consideradas que consistem em violação do direito à
reputação. Se o direito à reputação individual significar proteção contra
todo discurso que negar publicamente o valor de uma pessoa ou de alguma
característica dessa pessoa, então não existiria qualquer razão para não
proibir também discursos que se dirigem não a pessoas individuais, mas aos
grupos aos quais as pessoas pertencem. Isso porque é plausível pensar que
os discursos dirigidos a grupos possuem impacto importante na percepção
que a sociedade desenvolve de cada membro dos grupos-alvo dos discursos
(considerando duas figuras hipotéticas, João e Maria, o que o argumento
pretende formular é que aquilo que Maria pensa sobre os negros em geral
impacta na maneira como Maria irá enxergar João e na forma como irá se
portar perante João, que é negro). Ao me deparar com esse ponto do
argumento de Waldron, entendi que, para que o conjunto argumentativo de
Dworkin pudesse resistir de maneira completamente satisfatória aos
desafios de Waldron, esse conjunto deveria se valer de uma concepção do
direito individual à reputação que fosse coerente com os demais argumentos
de Dworkin acerca da dignidade e das suas implicações para o sentido e
alcance da liberdade de expressão.
DICA
Busque apresentar e confrontar a melhor versão que puder construir dos argumentos que
desafiam a hipótese inicial. A força persuasiva das conclusões do pesquisador depende do
enfrentamento dos melhores argumentos que puderem ser feitos tanto a favor como contra a
hipótese. Lembre-se: enquanto pesquisador, você não deve se comprometer com nenhum
resultado antes de percorrer com abertura e imparcialidade os argumentos contrários à
hipótese.
No entanto, pesquisando sobre a obra de Dworkin, não encontrei
posicionamentos do autor quanto à existência e ao sentido de um direito à
reputação. Uma concepção do direito à reputação integrada aos demais
argumentos de Dworkin sobre os direitos de liberdade de expressão estava
ainda por ser formulada. Esse momento da minha reflexão se caracteriza
pela incerteza acerca de qual dos posicionamentos, pela proibição ou pela
proteção dos discursos de ódio, era o mais acertado. Eu acreditava que isso
dependia de uma tomada de posição em relação ao sentido do direito à
reputação, mas não tinha convicções amadurecidas acerca de se e como
deveríamos afirmar a existência desse direito (se e como ele poderia ser
concebido de forma compatível com a liberdade de expressão).
Quando o pesquisador se depara com um momento como esse na sua
reflexão, algumas opções se abrem. Essas opções dependem das pretensões
de pesquisa do pesquisador, ou seja, o quão longe ele pode e está disposto a
levar a sua pesquisa e reflexão. Se o projeto de pesquisa não for longo e o
trabalho monográfico em questão não tiver sido planejado para ser extenso,
o pesquisador pode encerrar a pesquisa nesse ponto, com a conclusão de
que um conjunto 1 de argumentos se revela, em alguns pontos, mais forte
do que outro conjunto 2 de argumentos, mas que uma resposta conclusiva
para o problema só poderá ser obtida uma vez enfrentado um desafio que o
conjunto 2 colocou ao conjunto 1. Essa é uma conclusão legítima, que
revela a transparência, a honestidade e a abertura do pesquisador em relação
aos argumentos em confronto. Ainda, é uma conclusão que aponta para
caminhos futuros de pesquisa, que podem ser abraçados pelo próprio
pesquisador em outro momento, ou por outros pesquisadores que
compreendam a relevância da investigaçãoaspectos gerais
2. O uso de ideias de terceiros: citações, paráfrases e plágio
2.1. Documentos não protegidos por direitos autorais
2.2. Autoplágio
3. Seres humanos como fontes de pesquisa: cuidados éticos em
entrevistas
4. Conflitos de interesse
4.1. Multiplicidade de papéis: pesquisadores com profissões
paralelas
Referências
28. Tecnologia aplicada à pesquisa no direito: a ciência de dados jurídicos
1. Introdução
2. Ciência de dados jurídicos
3 O objeto da Ciência de Dados Jurídicos
4. Ferramentas
5. Por onde começar
6. Considerações finais
Referências
29. Proteção de dados pessoais na pesquisa em direito: QUATRO CASOS
E ALGUMAS LIÇÕES
1. Um ponto de partida para o debate sobre a proteção de dados
pessoais na pesquisa jurídica: o caso da Universidade de Umea
2. Regime especial da LGPD para atividades de pesquisa e os dados
pessoais públicos: o caso sobre o acesso aos dados na educação
brasileira
3. Pesquisa em redes sociais e os dados pessoais “disponíveis” para
análise do pesquisador: o caso EU DisinfoLab
4. Identidade de juízes na pesquisa jurídica: a criminalização da
perfilização de magistrados na França
5. Recomendações de adequação ao pesquisador e aos órgãos de
pesquisa
Referências
PREFÁCIO
Sérgio Campinho, com a seriedade que marca a sua trajetória
destacada e responsável no seio da advocacia e da academia, oferece-nos a
sua mais recente colaboração ao mundo jurídico: Curso de direito comercial
– Falência e recuperação de empresa.
Depreende-se do escrito que o processo de falência com o incidente
eventual da recuperação judicial da empresa, inspirado na legislação
francesa, restou regulado até a presente data pelo cognominado Decreto-Lei
n. 7.661, de 21 de junho de 1945.
Inspirado na ideologia processualista-iluminista da época de sua
edificação, atravessou meio século, o que por si só denota sua vetustez,
posto radicalmente alterados os paradigmas jurídicos do novo milênio, o
que implicou a defasagem da lei ante a nova ordem econômica e a realidade
brasileira.
As severas transformações socioeconômicas, acrescidas da novel
percepção axiológica do direito, fundado na livre concorrência e na
dignidade da pessoa humana, conduziram o legislador a repensar uma
norma falencial mais voltada para a salvação das empresas do que para a
punição delas com a decretação da quebra, o que conduzia, a um só tempo,
devedores e credores a situações deveras desvantajosas. Enfim, o direito
concursal não atendia mais as agruras da crise da empresa, impondo-se um
marco separatório entre o passado e o presente; entre o processo
liquidatório de outrora e o recuperatório.
Nesse afã, foi constituída uma comissão com a finalidade de elaborar
um novel projeto de lei de falências e concordatas, submetido ao crivo dos
especialistas desde os idos de 1992, notadamente com grande e profícua
participação da Ordem dos Advogados do Brasil.
Cumpre destacar que o decurso do tempo motivou a adoção da lúcida
estratégia de criação de uma nova comissão para a redação última do
projeto, à luz das ponderações recebidas (Portaria 552/MJ). Por isso, várias
propostas foram acolhidas sem a triagem necessária, transfigurando
sobremodo o projeto originário.
Essa interação resultou na atual lei, com resgate da sua tecnicidade,
que, em sentido diametralmente oposto à antiga legislação, tem como
desígnio a tríplice proteção dos credores, devedores e empresa. A obra do
Professor Sérgio Campinho, cuja dedicação e competência experimentei
como dileto companheiro na Faculdade de Direito da Universidade do
Estado do Rio de Janeiro, aborda, com notável visão interdisciplinar, todas
as vicissitudes desse novel ordenamento. Depreende-se de suas
especulações teóricas e dogmáticas a moderna teoria da empresa, que se
organiza para a prestação de serviços e produção de bens de forma
organizada, de sorte que, além dos comerciantes, passaram a integrar a
órbita falencial as pessoas jurídicas de natureza civil, bem como o devedor
individual, ambos com ostensiva exploração de atividade econômica.
Deveras, anota o autor o quanto se ampliou esse espectro para alcançar
pessoas com funções delegadas pelo Poder Público e que exercem atividade
econômica, numa afirmação legal de que ubi eadem ratio ibi eadem
dispositio.
Ressalta a obra a tendência hodierna à desformalização e à
preponderância do valor celeridade na prestação jurisdicional, responsáveis
pela supressão da atuação constante do Ministério Público, salvo nas
hipóteses em que se manifesta interesse público, situação de difícil
ocorrência nesse rito em que gravitam interesses patrimoniais, de regra,
disponíveis, bem como do Poder Judiciário, cuja função precípua é a
solução dos conflitos intersubjetivos.
O autor não se descura da análise principiológica, ressaltando a
influência do dogma da valorização do trabalho humano, porque quanto
mais forte a empresa, mais forte o emprego, conspirando pelo ideal de
progresso e da livre concorrência.
Destaca-se, sob esse enfoque, o mais expressivo dispositivo da lei, vale
dizer, o art. 47 ao dispor que “a recuperação judicial tem por objetivo
viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do
devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego
dos trabalhadores e dos interesses dos credores, provendo, assim, a
preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade
econômica”.
Destarte, revela a sua crença de que a recuperação em si tende a
superar quantitativamente a ocorrência das falências e que a ratio essendi
da lei, por si só, explicita a razão da manutenção do privilégio dos créditos
trabalhistas.
Destaca Campinho que a celeridade é responsável pela sumarização
formal dos incidentes surgidos, quer na falência, quer na recuperação da
empresa, sendo certo que, sob o enfoque empresarial, a falência adquiriu
uma feição continuativa dos negócios, com administração profissional, de
sorte que a tutela dos credores está na justa proporção da rentabilidade dos
bens da massa.
A par dos aspectos interdisciplinares, a obra de Sérgio Campinho
aborda a novel lei na sua visão de conjunto, a saber: são 8 capítulos, sendo
o capítulo I relativo às “disposições preliminares” acerca do alcance da lei e
seus sujeitos; o capítulo II dedicado às “disposições comuns à recuperação
judicial e à falência”; o capítulo III específico quanto à “recuperação
judicial”; o capítulo IV destinado a regular a “convolação da recuperação
judicial em falência”; o capítulo V específico da “Falência”; o capítulo VI
retratando a inovadora “recuperação extrajudicial”; o capítulo VII tratando
das “disposições penais” e o capítulo VIII, das “disposições finais e
transitórias”.
A leitura deste volume, indispensável pela sua linguagem técnica e
didática, não é servil apenas aos profissionais do direito, mas também a
tantos quantos se dedicam à atividade negocial.
Enfim, é motivo de efusiva saudação o surgimento de mais um
trabalho elaborado pela acuidade intelectual de Sérgio Campinho, que desde
muito jovem destacou-se nesse campo árido do direito comercial, fazendo-o
respeitado com singularidade entre os profissionais da advocacia e os
integrantes do mundo acadêmico.
Honra-me prefaciar este livro, assim como gerou em mim significativo
desvanecimento proceder à leitura de obra deveras minudente e construtiva,
de tal sorte que há de destacar-se na biblioteca dos comercialistas
respeitáveis do nosso Brasil.
Ministro Luiz Fux
APRESENTAÇÃO À 3ª EDIÇÃO
O mundo tem se transformado em velocidade acelerada. Esse processo
de transformação intensificou-se durante o período mais agudo da pandemia
de Covid-19, entre os anos de 2020 e 2021, quando a maior parte de nossos
afazeres profissionais e acadêmicos migrou para o ambiente digital. Os
impactos do necessário distanciamento social sobre o ensino e a pesquisa no
Direito foram divisores de água em nosso campo. Daí a necessidade de
lançarmos novos olhares e criarmos outras abordagens para lidar com essa
realidade cada vez mais digital e em constante mudança.
Após três anos doe por ela se interessem.
Outra possibilidade é a de que o pesquisador, possuindo tempo,
disposição e interesse, assuma o desafio e tente elaborar uma resposta para
ele. Mais comumente, esse é o caso em trabalhos monográficos de maior
fôlego, tais como pesquisas de doutorado ou projetos de pesquisadores mais
experientes. Em minha pesquisa de doutorado, eu decidi por abraçar o
desafio colocado pelos argumentos de Waldron àqueles de Dworkin.
Procurei, portanto, oferecer, em um dos capítulos da tese de doutorado, uma
concepção do direito à reputação que fosse coerente com o conjunto
argumentativo de Dworkin58.
PARA SABER MAIS
Recomendo a leitura do texto “Como se escreve um ensaio de filosofia”, de James Pryor
(2012) (tradução de Eliana Curado, disponível em: ) para compreensão das etapas de um trabalho de confrontação de argumentos
normativos. O texto é didático e chama a atenção para questões de estrutura do trabalho,
objetividade e concisão da linguagem e apresentação e avaliação de pontos de vista alheios.
http://filosofia.ufsc.br/files/2013/04/JamesPryor.pdf
4. A CONCLUSÃO DO TRABALHO (E DESTE
CAPÍTULO)
Ao final da pesquisa, depois que o pesquisador percorreu os
argumentos em favor da hipótese inicial, bem como aqueles que colocam
desafios aos primeiros, ele pode chegar a uma das conclusões possíveis: (i)
a hipótese foi completamente confirmada, (ii) a hipótese foi parcialmente
confirmada, de forma que o pesquisador conclua acerca da necessidade de
sua modificação, (iii) a hipótese foi completamente refutada, de forma que
o pesquisador conclua que o posicionamento contrário à hipótese inicial é o
mais acertado, ou, ainda, (iv) a hipótese é fundamentada por um conjunto
de argumentos superior, em alguns de seus aspectos, ao conjunto de
argumentos que buscam refutar a hipótese. No entanto, o pesquisador não
foi capaz de chegar a uma resposta conclusiva ao problema porque um ou
mais desafios colocados pelos argumentos que buscam refutar a hipótese
não puderam ser respondidos pelo pesquisador no escopo da pesquisa em
questão.
Todas essas são conclusões valiosas a que pode chegar o pesquisador,
e ele deve estar aberto a todas essas possibilidades durante o percurso da
pesquisa. Mais uma vez, o valor da pesquisa e da conclusão alcançada não
está no sucesso do pesquisador em confirmar a hipótese, mas na maneira
consistente, atraente, transparente, honesta e intelectualmente profunda com
que ele reflete sobre o problema e apresenta o percurso argumentativo que o
levou à conclusão.
A pesquisa bem-sucedida de problemas jurídicos práticos controversos
depende de algumas etapas encadeadas de investigação. A primeira, e mais
importante delas, é a formulação precisa de uma pergunta acerca de um
problema jurídico prático controverso, um caso difícil. Essa formulação
depende, em si, de que um trabalho prévio de pesquisa tenha sido feito para
identificação do problema e justificação da sua relevância e caráter
controverso. A definição do problema de pesquisa a direciona para a
seleção e organização das respostas possíveis ao problema e dos melhores
argumentos de fundamentação de cada uma delas. O pesquisador deverá
fazer um esforço de compreensão desses argumentos, confrontando-os de
maneira intelectualmente honesta e transparente. Isso implica reconstruir os
argumentos da maneira mais completa e caridosa possível. O pesquisador
deverá organizar os desafios que os argumentos colocam uns aos outros e
deverá se posicionar sobre eles, de forma a alcançar uma conclusão sobre a
hipótese inicialmente formulada. A pesquisa será tão mais completa e
convincente em seus resultados quanto maior for o conjunto de argumentos
e posicionamentos de autoridades jurídicas e estudiosos sobre o problema
considerados pelo pesquisador.
Referências
BARROSO, Luís Roberto. Folha de São Paulo, São Paulo, 23 fev. 2018.
Ilustríssima. Disponível em: . Acesso em: 30 jun. 2018.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
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1.
6
MEU TRABALHO PRECISA DE
JURISPRUDÊNCIA? COMO POSSO UTILIZÁ-LA?
JULIANA BONACORSI DE PALMA59
MARINA FEFERBAUM60
VICTOR MARCEL PINHEIRO61
INTRODUÇÃO: A AGENDA DE PESQUISA DE
JURISPRUDÊNCIA NO DIREITO BRASILEIRO
É notável o recente avanço das pesquisas empíricas na academia
jurídica. Se antes eram relegadas a pontuais centros de pesquisas ou produto
da linha de pesquisa de alguns poucos orientadores, hoje as pesquisas
empíricas ocupam um papel relevante da produção acadêmica no Direito,
muito embora ainda haja um longo caminho a percorrer para sua plena
consagração. A pesquisa de jurisprudência é a válvula propulsora do
avanço das pesquisas empíricas no Brasil.
Em maior ou menor medida, com menor ou maior sofisticação
analítica, análises de jurisprudência sempre estiveram presentes na
produção jurídica brasileira. Porém, a partir da década de 1990 a pesquisa
de jurisprudência ganhou inédito destaque. Por um lado, o crescimento do
ativismo judicial e o recente papel que o Supremo Tribunal Federal assumiu
no jogo da governabilidade reforçam o interesse no estudo da
jurisprudência. Por outro lado, pode-se dizer que há uma consolidada
agenda de pesquisa de jurisprudência na academia jurídica brasileira.
O início dessa “revolução metodológica” é atribuído à Escola de
Formação Pública – EFp da Sociedade Brasileira de Direito Público
(SBDP)62. Desde o seu início, em 1998, a EFp mantém um bem-sucedido
programa de iniciação científica voltado ao estudo empírico da jurisdição
constitucional brasileira. Ao longo desses 20 anos, foram produzidas
centenas de pesquisas da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal sobre
os mais variados assuntos63, contribuindo significativamente para a
compreensão do papel institucional da cúpula do Poder Judiciário. O
Programa de Educação Tutorial (PET) Sociologia Jurídica, da Faculdade de
Direito da USP, também contribuiu significativamente para o
desenvolvimento da pesquisa de jurisprudência a partir de importantes
contribuições nessa linha64. Muitos dos ex-alunos de ambos os programas
apresentaram trabalhos de mestrado ou de doutorado com estudo de
jurisprudência nos programas de pós-graduação stricto sensu. Professores
parceiros desses centros de referência, vários ex-alunos, foram responsáveis
por influenciar toda uma geração para a pesquisa de jurisprudência. A essa
iniciativa se associaram outros centros de pesquisa, com especial destaque
para a FGV Direito SP, a FGV Direito Rio e a Rede de Pesquisa Empírica
em Direito (REED). Felizmente, o Brasil conta hoje com excelentes
pesquisas de jurisprudência enquanto o seu número tende apenas a
aumentar.
O avanço da pesquisa de jurisprudência não ficou restrito apenas ao
âmbito acadêmico. Na prática, o trabalho com decisões judiciais e
administrativas terminou por ocupar parte expressiva do dia a dia do
profissional do Direito. À medida que os julgadores atribuíram peso
decisório à jurisprudência mencionada nas peças processuais, a pesquisa de
jurisprudência foi se consolidando como técnica instrumental de trabalho. A
relevância do trabalho com a jurisprudência na prática é tamanha que o
atual Código de Processo Civil positivou a “lógica de precedentes” em seu
art. 489: dentre outros aspectos, a sentença somente será considerada
fundamentada – e, portanto, válida – se o juiz demonstrar que os
2.
precedentes utilizados se coadunam ao caso concreto e se motivar sua
decisão de não seguir jurisprudência invocada pela parte nas específicas
hipóteses de distinção dos casos em julgamento ou de superação de
entendimento65. Hoje, a prática jurídica requer do profissional a habilidade
de trabalhar com a jurisprudência, que vê incorporadas ao seu glossário
fundamental palavras até então estranhas à sua atuação, como
distinguishing, overruling, ratio decidendi e obiter dictum.
Porém, a “pesquisa de jurisprudência” da prática não corresponde ao
trabalho científico de análise de julgados no âmbito acadêmico. Pesquisa de
jurisprudência não é um “catadão” de julgados aleatórios para defender o
seu ponto de vista. Também não é analisar os julgados mais recentes de um
determinado Tribunal para afirmar uma suposta orientação jurisprudencial.
Tecer críticas ou elogios ao Tribunal a partir de um julgado específico,
escolhido arbitrariamente, não pode ser considerado pesquisa de
jurisprudência.
Mas, afinal, o que é pesquisa de jurisprudência para a área acadêmica?
Como posso utilizar a jurisprudência em meu trabalho?
Neste capítulo pretendemos apresentar informações de ordem
metodológica aplicadas à pesquisa de jurisprudência. Nosso principal
objetivo é capacitá-lo para desenvolver trabalhos acadêmicos tendo como
uma das principais fontes a jurisprudência.
PESQUISA DE JURISPRUDÊNCIA: UMA PESQUISA
DE JULGADOS
De modo geral, as pesquisas de jurisprudência compartilham as
seguintes características: trata-se de uma investigação científica, orientada
por metodologia especialmente construída para endereçar perguntas que
possam ser respondidas por meio de análise de julgados.
Assim como em qualquer trabalho científico, estudos jurisprudenciais
são guiados por uma questão de pesquisa. Isso significa que o trabalho
como um todo se volta a responder à pergunta lançada e os resultados de
pesquisa dialogam diretamente com ela, conferindo delimitação e coerência
ao texto. A particularidade das pesquisas jurisprudenciais está no fato de
que essa pergunta apenas pode ser respondida por meio da análise de
julgados, orientada por uma metodologia de investigação.
Dessa forma, pesquisas de jurisprudência se voltam à análise de
julgados, o que deve ser tomado de modo bastante amplo. Podemos
considerar “julgado” qualquer decisão tomada por autoridade competente
que, interpretando o Direito, emite um comando na tentativa de resolver o
caso concreto que lhe é apresentado. Aqui há pelo menos dois elementos
relevantes nessa noção ampla de julgado.
Primeiramente, o julgado é sempre direito aplicado. Julgados não são
tomados como exercícios argumentativos “em tese”, mas sempre a partir de
um caso concreto e visando à solução do problema que ele apresenta. Por
essa razão, a narrativa do julgado – geralmente apresentada no seu
relatório – precisa ser adequadamente compreendida para uma boa análise.
Essa etapa mostra-se fundamental para a realização do distinguishing, ou
seja, o afastamento de precedente que não avaliou elementos relevantes do
caso presente.
Em segundo lugar, o julgado resulta de uma escolha interpretativa. De
modo geral, julgados são direcionados a casos conflitivos, com partes em
disputa. Sobre o mesmo conjunto de normas – preceitos da Constituição,
leis, decretos, regulamentos, súmulas, cláusulas contratuais etc. – são
construídas interpretações diversas que podem levar a resultados
diametralmente opostos. O julgado exprime a escolha da autoridade
competente da interpretação mais adequada ao caso concreto, que pode ser
a apresentada por uma das partes ou não.
A maior parte das pesquisas de jurisprudência se concentra em
julgados tomados por um colegiado, como os acórdãos do Supremo
Tribunal Federal ou do Superior Tribunal deJustiça. Nesses casos, as
autoridades podem apresentar diferentes interpretações, ainda que
convergentes, razão pela qual a escolha interpretativa resulta da combinação
numérica de interpretações em sentido semelhante (maioria). Há votos
vencedores e votos vencidos66. No trabalho com a jurisprudência, é
extremamente importante que o aluno reconheça as diversas interpretações
em jogo. Sobre o que concordam os julgadores? Sobre o que eles
discordam? Qual é o voto condutor, ou seja, a autoridade que emitiu a
interpretação escolhida no caso concreto?
Considerando esses elementos, podemos inferir que os julgados não se
limitam apenas aos judiciais. É plenamente viável realizar pesquisa de
jurisprudência na esfera administrativa ou controladora, bem como nas
entidades privadas que exerçam função pública. No artigo “Agências
Reguladoras e o controle da regulação pelo Tribunal de Contas da União”,
Vera Monteiro e André Rosilho analisam a jurisprudência do Tribunal de
Contas da União sobre a regulação das Agências Reguladoras67. Trata-se de
um exemplo de pesquisa de jurisprudência na esfera controladora. Quanto à
jurisprudência administrativa, citem-se a pesquisa “Como decide o
Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional? Relatório de
pesquisa”68 e o Observatório do CARF69. A dissertação de mestrado
“Discriminação racial publicitária: apontamentos dos julgados do Conselho
Nacional de Autorregulamentação Publicitária (CONAR)”, de Mônica
Bispo de Paulo, pode ser indicada como exemplo de pesquisa de
jurisprudência em entidade privada.
DICA
3.
DICA
Exemplos de julgados judiciais: decisões monocráticas; liminares; sentenças; acórdãos;
Exemplos de julgados administrativos: atos administrativos em processos contenciosos
(aplicação de sanções); atos administrativos em processos competitivos (concursos públicos e
licitação, por exemplo); atos administrativos em processos graciosos (concessão de autorizações
ou licenças, por exemplo, ou inscrição em benefício social); inquéritos; decisões recursais;
decisões concretas, como de desenho de políticas públicas e de agenda regulatória; acordos
(termos de ajustamento de conduta ou termos de compromisso, por exemplo); decisões de
conciliação ou de mediação administrativa;
Exemplos de julgados controladores: acórdãos dos Tribunais de Contas; atos de
instauração de inquéritos pelo Ministério Público; termos de ajustamento de conduta; decisões
do Conselho Superior do Ministério Público sobre o arquivamento de ação civil pública.
É interessante notar que a pesquisa de jurisprudência pode
perfeitamente se voltar a um aspecto específico do julgado, sem ser
necessário analisar o inteiro teor deste. Tudo dependerá da pergunta de
pesquisa. No artigo “O Ementário Jurisprudencial como fonte de pesquisa:
uma análise crítica a partir dos dados obtidos no estudo ‘A prática judicial
do habeas corpus em Sergipe (1996-2000)’”, Andréa Reginato e Robson
Alves desenvolvem a sua pesquisa jurisprudencial exclusivamente por meio
de ementas70.
QUANDO MINHA PESQUISA PODE SER
DESENVOLVIDA POR MEIO DE ANÁLISE DE
JURISPRUDÊNCIA?
A princípio, qualquer problema jurídico pode ser analisado pela
perspectiva jurisprudencial. São os objetivos da pesquisa que norteiam a
escolha pela pesquisa de jurisprudência no estudo. Se a proposta da
investigação científica apenas puder ser endereçada por meio de análise de
julgados, então o método de pesquisa jurisprudencial será o mais adequado
em comparação com outros métodos, como estudo de caso, análise
doutrinária e observação participativa, por exemplo.
O que caracteriza um estudo de jurisprudência é o fato de a pergunta
de pesquisa apenas poder ser respondida por meio da análise de julgados,
como explicado. Isso significa que os julgados correspondem à principal
fonte de pesquisa e a metodologia deve, necessariamente, ser construída
visando ao trabalho com julgados. A primazia dos julgados nas pesquisas
jurisprudenciais pode levar à falsa percepção de que nesse método a única
fonte de pesquisa são os julgados. Embora sejam as principais fontes de
pesquisa, não se faz uma pesquisa de jurisprudência apenas com julgados.
Pelo contrário.
Trabalhos mais sofisticados de jurisprudência tendem a apresentar o
referencial teórico utilizado, o que geralmente se faz por meio da revisão
bibliográfica pertinente ao assunto estudado empiricamente. Trata-se de
uma etapa importante para contextualizar a pesquisa, indicando em qual
ordem de debates ela se insere e como os seus resultados contribuirão para
essa agenda. Também é comum verificarmos nesse referencial teórico a
análise de outras pesquisas jurisprudenciais antecedentes ou conexas à
desenvolvida. Nesse caso, estabelece-se um diálogo direto entre as
pesquisas. O novo estudo pode, por exemplo, atualizar a pesquisa anterior;
replicar o método da pesquisa anterior em um novo campo de investigação;
ou refinar o método da pesquisa anterior e, assim, questionar os resultados
alcançados.
Assim como a pesquisa de jurisprudência não é descaracterizada pelo
uso de outras fontes que não os julgados – como a doutrina –, o fato de
pesquisas se valerem de julgados não as transforma em pesquisas
jurisprudenciais. Nos estudos de caso, por exemplo, é comum a narrativa
retratar o diálogo institucional com o Poder Judiciário por meio da análise
de um julgado. Outras vezes, os julgados são utilizados como
exemplificações do problema que se pretende endereçar, como um estudo
de teoria do Direito que tome um julgado concreto como exemplo de caso
difícil. Aqui, a proposta não é analisar a jurisprudência, mas utilizá-la
3.1.
instrumentalmente para melhor compreensão do ponto a ser debatido ou
para fins de sensibilização do leitor.
Novamente, reforça-se, o estudo de jurisprudência caracteriza-se por
ter os julgados como principal fonte de pesquisa. Assim o é porque a
pergunta de pesquisa apenas pode ser respondida por meio da análise de
julgados. A seguir, veremos alguns exemplos de perguntas de pesquisa que
predicam a análise de julgados e, assim, determinam o uso do método de
pesquisa de jurisprudência.
Análise temática e apresentação de linhas de
entendimento
Uma das perguntas mais recorrentes em pesquisa de jurisprudência
corresponde à compreensão do entendimento do julgador sobre um
determinado tema. A proposta de uma análise temática da jurisprudência
consiste no exame de conjunto de julgados sobre um determinado tema,
geralmente com a proposta de compreender o entendimento do órgão
julgador sobre o instituto estudado.
PARA SABER MAIS
PARA SABER MAIS
As pesquisas a seguir se voltaram à compreensão do entendimento sobre um determinado
tema à luz da jurisprudência:
Nos labirintos do STF: em busca do conceito de serviço público. Uma visão a partir do
“caso ECT.” (VOJVODIC, 2009);
Panorama atual da responsabilidade do Estado em matéria de serviços públicos na
jurisprudência do STF (BLASI, 2010);
O artigo 173 da Constituição Federal de 1988 e o regime das empresas estatais
(SZYFMAN, 2011);
A competência da União, Estados, Distrito Federal e Municípios para legislar sobre licitação
e contratação à luz da jurisprudência do STF (CAMARGO, 2014);
Racismo ou injúria racial? Como o Tribunal de Justiça de Minas Gerais se posiciona diante
dos conflitos raciais (SILVA; RIBEIRO, 2016);
A judicialização da saúde e as políticas públicas para fornecimento de medicamentos: uma
análise a partir das decisões do TRF da 5ª Região (PASSOS; GOMES, 2017).
Pesquisas que se voltam ao entendimento do tratamento
jurisprudencial sobre um determinado tema tendem a resultar em textos
eminentemente descritivos. Essa descrição de entendimentos pode estar
compreendida em uma parcela do órgão julgador, a exemplo das turmas do
Superior Tribunal de Justiça, ou mesmo em um determinado julgador. No
artigo “A intervenção do Estado na Ordem Econômica (comentários aos
votos do Ministro Marco Aurélio em acórdãos do STF)”, por exemplo,
Pedro Buck descreve o posicionamento do Ministro Marco Aurélio nos
casos apreciados pelo Supremo TribunalFederal em matéria econômica71.
Geralmente uma pesquisa dessa natureza demanda significativo
número de acórdãos. Não é possível afirmar qual é o entendimento do
Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE com relação às
fusões de empresas dotadas de poder econômico se houver a análise de
apenas uma ou duas decisões72. Não há um número aprioristicamente fixado
sobre a quantidade de julgados que deve ser analisada para pesquisas
descritivas da orientação jurisprudencial sobre determinado assunto.
Recomenda-se, porém, que, antes da seleção de julgados, o pesquisador
3.2.
avalie o total de decisões disponíveis para delimitar a abrangência da
pesquisa e, desse modo, apresentar resultados mais fidedignos.
Análise dos elementos de decisão
Outro enfoque das pesquisas de jurisprudência que se mostra bastante
recorrente consiste na análise da argumentação utilizada pelo órgão
julgador, ou determinado julgador, para a tomada de decisão. Em uma
pergunta: quais são os argumentos considerados para a construção da
decisão (judicial ou administrativa)?
Geralmente esses tipos de análise não se restringem a apenas enumerar
os argumentos empregados no julgamento, mas dão um passo adiante para
analisar criticamente o modo pelo qual as decisões são formadas nos órgãos
julgadores73.
Um pressuposto das pesquisas de jurisprudência que se voltem à
análise da argumentação é a qualificação dos argumentos como ratio
decidendi ou obiter dictum.
Para as finalidades deste capítulo, a ratio decidendi compreende todos
os argumentos necessários para se promover a decisão, que podem ser
aplicados em casos futuros. Obiter dictum, por sua vez, corresponde aos
argumentos, muitas vezes utilizados de forma retórica pelos julgadores, cuja
utilização poderia ser suprimida sem que se alterasse o resultado do
julgamento analisado74.
Tendo em vista essa dicotomia, diversos trabalhos buscam reconhecer
quais são os argumentos que levam ao efetivo convencimento do julgador
por um ou outro sentido, ou seja, qual é a ratio decidendi. De forma
semelhante, mapeiam os argumentos meramente acessórios à decisão
definitiva, por vezes considerados retóricos (obiter dictum).
Vejamos alguns exemplos de pesquisas que se voltaram à análise dos
elementos de decisão:
•
•
•
3.3.
•
•
•
•
•
Argumentação sobre liberdade de expressão: resultados da análise
de votos do Ministro Marco Aurélio (PRETZEL, 2007);
Homoafetividade e direito: um estudo dos argumentos utilizados
pelos ministros do STF ao reconhecerem a união homoafetiva no
Brasil (MORAES; CAMINO, 2016);
A judicialização das reformas previdenciárias na jurisprudência do
STF: um Tribunal amigo do equilíbrio financeiro e atuarial (LIMA;
OLIVEIRA, 2017).
Análise da dinâmica institucional do órgão julgador
Por meio da pesquisa de jurisprudência pode-se depreender aspectos
concretos do modo de tomada de decisão pela autoridade competente e,
assim, depreender o real funcionamento institucional do órgão julgador. É
possível verificar, por exemplo, qual é o tempo que o órgão utiliza para
decidir, a formação da pauta, assim como a dinâmica de trabalho no
julgamento, em especial nos órgãos colegiados.
Veja alguns exemplos de pesquisas de jurisprudência conduzidas com
o propósito de analisar a dinâmica institucional do Supremo Tribunal
Federal:
A audiência pública realizada na ADI 3510-0: a organização e o
aproveitamento da primeira audiência pública da história do
Supremo Tribunal Federal (LIMA, 2008);
Definição de pauta no Supremo Tribunal Federal no controle de
constitucionalidade de emendas constitucionais nos governos FHC
e Lula (PONCE, 2009);
Processo decisório no Supremo Tribunal Federal: aprofundando o
diagnóstico das 11 ilhas (KLAFKE; PRETZEL, 2014);
Supremo Tribunal Federal representativo? O impacto das
audiências públicas na deliberação (SOMBRA, 2017);
Relatórios Supremo em Números, da FGV Direito Rio.
•
•
•
3.4.
Caso opte por realizar esse tipo de pesquisa jurisprudencial, é
importante que se tome contato com os dados produzidos pelos próprios
órgãos julgadores, como se verifica com a edição dos relatórios de atividade
que tendem a apresentar informações sistematizadas do funcionamento
institucional.
Outro exemplo recorrente nas pesquisas de jurisprudência que digam
respeito à dinâmica institucional envolvendo o julgador corresponde ao
diálogo institucional que ele termina por estabelecer com outras
instituições. É o clássico caso, por exemplo, da jurisprudência sobre
separação de Poderes entre Executivo e Judiciário. São diversos os
exemplos encontrados:
Justiciabilidade dos Direitos Sociais: análise de julgados do direito
à educação sob o enfoque da capacidade institucional (MARINHO,
2009);
Senado Federal e STF: um estudo sobre a suspensão de lei
declarada inconstitucional (DALESSIO, 2012);
Simetria Federativa e Separação de Poderes: um estudo da
jurisprudência do STF no controle de constitucionalidade das
Constituições Estaduais (SCHLOBACH, 2014).
Análise dos impactos da jurisprudência
Em uma vertente consequencialista de análise, tem-se desenvolvido
pesquisas de jurisprudência voltadas à mensuração das mais diversas ordens
de impacto das decisões, como econômica, orçamentária, concorrencial, de
segurança jurídica, de alocação de competências etc.
Nessa linha de pesquisa de jurisprudência, o tema da judicialização da
saúde é o que recebeu maior atenção e estudos empíricos. Destacando-se os
trabalhos de Daniel Wang e Octávio Ferraz75, pesquisas sobre a
judicialização da saúde lançam luzes sobre os efeitos do conjunto de
decisões favoráveis ao pleito de direito à saúde, retomando a agenda de
diálogo institucional com o Executivo.
•
•
3.5.
•
•
•
3.6.
•
São outros exemplos:
Judiciário e Orçamento Público: considerações sobre o impacto
orçamentário de decisões judiciais (VASCONCELOS, 2014);
O Judiciário frente aos conflitos fundiários das comunidades
quilombolas (CHASIN, 2015).
Análise processual da jurisprudência
Pela análise processual da jurisprudência, o foco do trabalho
concentra-se nos aspectos processuais relacionados aos casos estudados.
Dessa maneira, o aluno pode analisar, por exemplo, o modo pelo qual um
tribunal utiliza instrumentos processuais específicos, como a concessão de
liminares, a repercussão geral, a modulação de efeito no controle de
constitucionalidade feito pelo Supremo Tribunal Federal ou mesmo a forma
pela qual ocorre o uso de precedentes pelo órgão julgador.
Como exemplos, mencionamos os seguintes trabalhos:
Recorribilidade diferida de decisões interlocutórias: um estudo de
caso no Tribunal Regional do Trabalho da 17ª Região e no Tribunal
de Justiça do Espírito Santo (ESTEVES, 2014);
Timing control without docket control: how individual justices
shape the Brazilian Supreme’s Court Agenda (ARGUELHES;
HARTMANN, 2017);
Aspectos controvertidos do filtro da repercussão geral em
perspectiva empírica (FILPO; BARBUTO, 2017).
Outras aplicações da pesquisa de jurisprudência
Além dessas linhas de pesquisa de jurisprudência, que hoje são as mais
recorrentes, outros exemplos de aplicação podem ser recolhidos:
Pesquisa de jurisprudência para a elucidação ou aplicação de
teorias filosóficas com metodologias interdisciplinares. Exemplo:
Indícios de descolonialidade na análise crítica do discurso na
•
•
4.
ADPF 186/DF (BRAGATO; COLARES, 2017);
Análise da influência recíproca da jurisprudência de cortes
nacionais e internacionais. Exemplo: A interação argumentativa
entre o Supremo Tribunal Federal e outras cortes (RAMOS;
SANTANA; BARROS, 2015);
Pesquisas quantitativas de jurisprudência, que recentemente
receberam o nome de Jurimetria76.
Há diversas linhas de pesquisa de jurisprudência no Brasil, algumas
mais experimentadas e outras ainda incipientes. Contudo, é plenamente
possível criar novas propostas de análise de julgados conforme o desenho
da metodologia.
MODELAGEM DA PESQUISA DE JURISPRUDÊNCIA
As fases da pesquisa de jurisprudência podem ser esboçadas na
ilustração a seguir:
Imagem 1 – Fluxo da pesquisa jurisprudencialFonte: elaboração dos autores.
4.1.
Para pesquisar a jurisprudência, é importante conhecer os instrumentos
desse trabalho, ou seja, o ferramental básico para lidar com julgados. Uma
vez que o pesquisador conheça quais são os instrumentos de pesquisa e,
principalmente, saiba manuseá-los, ele estará habilitado a desenvolver seus
estudos para melhor responder à pergunta-problema com maior
propriedade. Dentre os principais instrumentos de pesquisa de
jurisprudência, destacam-se: (1) delimitação da pesquisa de jurisprudência;
(2) composição da amostra; e (3) análise da amostra.
Delimitação da pesquisa de jurisprudência
Em grande medida, o sucesso de uma pesquisa de jurisprudência está
na adequada delimitação do tema, ou seja, da questão de estudo que será
analisada por meio de julgados. Pesquisa de jurisprudência não combina
com generalidade. Apenas com um objeto bem delimitado é possível
alcançar resultados de pesquisa relevantes e com o devido aprofundamento.
Um trabalho que se volte à análise da jurisprudência sobre o direito
tributário não é viável: ou faltará fôlego para o pesquisador cotejar todas as
decisões administrativas e judiciais, ou o trabalho será marcadamente
superficial.
Os recortes jurisprudenciais são utilizados na delimitação do tema. Há
várias possibilidades de recortes de análise, sendo os mais comuns os
recortes institucionais, temáticos, processuais e temporais.
Pelo recorte institucional, define-se qual é a instituição decisória cujos
julgados serão analisados. Normalmente, as pesquisas se voltam à análise
de uma instituição específica, como o Supremo Tribunal Federal, o Superior
Tribunal de Justiça, Tribunais de Justiça, órgãos administrativos etc.
Aplicando-se o recorte institucional ao exemplo mencionado, temos a
jurisprudência do STF sobre o direito tributário. Porém, essa decisão
dependerá da sua pergunta de pesquisa e, aqui, não há uma regra sobre
quais ou quantas instituições podem ser selecionadas77.
O recorte temático é também muito comum nas pesquisas de
jurisprudência, pois corresponde diretamente à delimitação do tema. Por
meio do recorte temático, o pesquisador escolhe um tema específico dentre
vários possíveis para ser o objeto de análise em seu trabalho. É importante
que essa decisão esteja sempre orientada pela pergunta de pesquisa, à qual
deve se adequar. Delimitando a proposta de pesquisa anteriormente
apresentada a partir dos recortes institucional e temático, podemos ter como
abordagem a jurisprudência do STF sobre o princípio da legalidade em
matéria tributária.
Também pode ser indicado o recorte temporal na delimitação da
pesquisa de jurisprudência, ou seja, o período no qual as decisões que serão
analisadas foram proferidas. Em geral, quando o assunto envolve matéria
constitucional, os recortes temporais tomam como base o período de 1988,
quando foi promulgada a vigente Constituição Federal, até a data do estudo.
Quando o tema é largamente trabalhado na jurisprudência, os pesquisadores
procuram fazer uma delimitação temporal mais enxuta (alguns poucos anos,
por exemplo). Ainda é possível fragmentar o recorte temporal, quebrando a
linearidade do período contemplado. É o caso de uma pesquisa que queira
analisar o emprego do Código de Defesa do Consumidor pelo Tribunal de
Justiça de São Paulo, por exemplo, em que o aluno analisará a
jurisprudência nos períodos de 1990 (ano da aprovação do Código), 2000
(10 anos após a edição da Lei n. 8.078/90) e 2010 (20 anos após a edição do
CDC e atual estágio de aplicação de seus preceitos). No caso da pesquisa
indicada, teríamos a seguinte proposta convencionada com a delimitação
temporal: a jurisprudência do STF sobre o princípio da legalidade em
matéria tributária no período de 2007 a 2017.
O recorte processual, por fim, considera elementos processuais para a
delimitação do tema, como o tipo de recurso por meio do qual a questão foi
levada à apreciação de um determinado tribunal, a concessão de liminares
ou a aplicação de precedentes, por exemplo. Apesar da ampla possibilidade
de recortes processuais, geralmente as pesquisas jurisprudenciais se voltam
à análise de um instrumento processual específico. Voltando à pesquisa-
•
•
•
•
parâmetro, teríamos como proposta: a jurisprudência do STF em ações
diretas de inconstitucionalidade sobre o princípio da legalidade em matéria
tributária no período de 2007 a 2017.
Tanto esses quatro recortes quanto outros elegidos pelo pesquisador
devem ser devidamente justificados. Se, a princípio, qualquer tipo de
recorte é bem-vindo na delimitação do objeto de estudo, essa escolha não
deve ser aleatória. É fundamental que o pesquisador justifique o motivo
pelo qual analisará uma instituição específica, o recorte temporal, a
preferência por analisar um único julgador, a escolha pela análise
comparada entre instituições, a proposta de se ater apenas à fundamentação
ou à ementa etc. Para tanto, algumas dicas são valiosas:
Procure sempre delimitar o seu problema cotejando a pergunta de
pesquisa. A congruência entre eles é imprescindível;
Faça escolhas que otimizem os resultados de pesquisa. Pesquisas
empíricas de jurisprudência são reveladoras e de grande utilidade
prática;
A delimitação do problema pode considerar recortes que sejam
centrais à discussão em curso sobre o tema. Isso permite que a sua
pesquisa seja melhor contextualizada;
Considere a composição da amostra na delimitação do problema.
Aplique o teste fôlego – suficiência. O pesquisador deve buscar
combinar em sua pesquisa um número de decisões que ele
efetivamente consiga trabalhar (fôlego), mas que também seja
adequado para responder à pergunta lançada (suficiência).
Fôlego suficiência = proposta irrelevante e factível
(acomodação)
– Ex.: análise de 2 acórdãos sobre a jurisprudência do STF.
Fôlego ↔ suficiência = proposta relevante e factível
– Ex.: análise de 80 acórdãos sobre a jurisprudência do STF.
4.2. Composição da amostra
Para desenvolver um trabalho de jurisprudência com profundidade – e,
assim, retratar da forma mais fidedigna possível a orientação do órgão
julgador –, é recomendável que o pesquisador analise todas as decisões
identificadas a partir de seus critérios de recorte. Muitas vezes, porém, é
inviável trabalhar com todos os julgados (população, para a estatística)
referentes a um determinado tema. Frequentemente são encontradas
centenas ou milhares de decisões sobre os mais variados temas. Quando
esse for o caso, o pesquisador pode adotar algumas estratégias para manter
o equilíbrio entre fôlego e suficiência de sua pesquisa.
A primeira delas é adicionar novos critérios de recortes
jurisprudenciais com o intuito de que o número total de decisões
encontradas seja reduzido, como já mencionado. Retomemos o exemplo de
pesquisa mencionado no item anterior, cujo recorte é a jurisprudência do
STF em ações diretas de constitucionalidade sobre o princípio da
legalidade em matéria tributária no período de 2007 a 2017. Caso o
número de decisões selecionadas seja muito grande, é possível adicionar um
novo recorte, por exemplo, somente analisar os votos proferidos por um
determinado ministro ou reduzir a quantidade dos anos a serem
pesquisados.
Ademais, o pesquisador pode analisar apenas uma parcela de julgados
do total identificado (conjunto de indivíduos, em termos estatísticos), ou
seja, uma amostra.
Para a estatística, a “amostra” consiste em um conjunto de indivíduos
retirados de uma população segundo critérios metodológicos para
viabilizar o estudo desse conjunto, cujas conclusões serão representativas
da população. Em pesquisas de jurisprudência, entretanto, é comum
verificar a expressão “amostra” para designar o total de julgados a ser
analisado.
•
•
•
Um erro comum nas pesquisas de jurisprudência é não haver a
indicação da representatividade da amostra (em sentido estatístico) formada
com relação ao total de decisões. Para compreender a extensão do estudo
proposto,é essencial que o pesquisador indique o quanto do analisado
representa a dinâmica decisória do órgão. Essa precaução tanto permite
traçar a projeção das conclusões (i.e., definir se elas ficarão adstritas
somente aos julgados analisados ou se terão maior extensão para indicar a
dinâmica decisória para outros julgados) quanto possibilita evitar certos
problemas, como a análise de um número insuficiente de decisões para
responder à pergunta-problema (amostra não representativa).
Em termos práticos, a amostra é exatamente aquele conjunto de
decisões com que o aluno lidará em seu trabalho no formato de pesquisa de
jurisprudência. Alguns cuidados devem ser considerados na composição da
amostra:
A amostra deve ser uma parcela do total de decisões referentes à
matéria que se pretenda analisar;
A escolha das decisões que irão compor a amostra deve ser
norteada pela metodologia, com recortes jurisprudenciais
devidamente justificados;
As conclusões da pesquisa devem se ater à amostra selecionada,
sem generalizações para outros grupos de decisão, caso não tenha
sido utilizado um método estatístico para construção da amostra.
PARA SABER MAIS
4.3.
PARA SABER MAIS
Se você pretende desenvolver uma pesquisa quantitativa de jurisprudência – que envolverá
uma análise estatística com geração de gráficos e tabelas –, é útil consultar antes um estatístico
para auxiliá-lo na escolha dos critérios para composição da amostra. Uma das grandes
potencialidades da aproximação do Direito e da Estatística (Jurimetria) nas pesquisas de
jurisprudência é permitir a construção organizada de amostras: para analisar uma população, é
necessário catalogar apenas x número de julgados, segundo cálculos estatísticos.
Caso você não possa contar com a ajuda de um estatístico, recomenda-se fazer recortes na
pesquisa de jurisprudência para que a população seja equivalente à amostra, ou seja, para que
sejam examinados individualmente todos os casos encontrados sobre um assunto para que
não existam problemas de generalizações indevidas a partir da análise de jurisprudência
realizada.
Para as finalidades do presente capítulo, adotaremos o conceito de
amostra em sentido comum como utilizado em grande parte das pesquisas
de jurisprudência. Desse modo, “amostra” significa o conjunto total de
decisões selecionadas pelo pesquisador e que serão examinadas em seu
trabalho. Não há um número mínimo e máximo de decisões que precisam
ser recolhidas para a composição de uma amostra: novamente, essa escolha
dependerá do teste fôlego – suficiência.
Aplicação dos recortes jurisprudenciais e formação da
amostra
Toda e qualquer pesquisa de jurisprudência pressupõe o acesso a um
banco de dados de julgados. Em geral, as repartições públicas, inclusive as
judiciais, organizam os seus julgados em acervo físico e sistema eletrônico.
Assim, a busca por julgados pode se dar presencial ou remotamente.
Presencialmente, o pesquisador se dirige ao órgão para recolher
fisicamente as decisões. Cada repartição dispõe de autonomia
administrativa para organizar o modo de acesso a esses documentos; se não
sigilosos, e não arquivados, o acesso físico aos processos é mandatório.
4.3.1.
4.3.2.
O modo mais usual de pesquisa de jurisprudência, porém, é o remoto,
com ênfase para a pesquisa eletrônica de jurisprudência. O acesso remoto
aos julgados pode se dar fundamentalmente por três meios: (i) consulta por
encomenda; (ii) pesquisa eletrônica pelo sistema disponibilizado em página
da internet; e (iii) pedido de acesso à informação pública.
Consulta e pedido de pesquisa de jurisprudência
É comum os Tribunais disponibilizarem em suas páginas de internet
canais de comunicação para que qualquer cidadão solicite consultas de
jurisprudência. Por meio de pedidos, geralmente apresentados com o
preenchimento de formulários eletrônicos, o pesquisador recebe do setor
especializado em pesquisa de jurisprudência o conjunto de julgados
pertinentes à solicitação. Caso não encontre um julgado específico, o
pesquisador pode se valer do mesmo canal para acessar o seu inteiro teor.
No âmbito do Supremo Tribunal Federal, por exemplo, a página solicitação
de pesquisa apresenta formulário eletrônico e e-mail para contato
(jurisprudência@STF.jus.br)78.
O pedido de pesquisa de jurisprudência é sempre recomendado em
paralelo às pesquisas autônomas conduzidas pelo pesquisador,
presencialmente ou não. Trata-se de um reforço na composição da amostra,
tornando-a o mais completa possível.
Pesquisa eletrônica pela internet
Praticamente todas as pesquisas de jurisprudência atuais são
desenvolvidas com base em amostra composta por busca eletrônica nos
bancos de dados de julgados disponibilizados pelos Tribunais.
Na linha da harmonização de jurisprudência, os Tribunais têm
trabalhado na sistematização de seus entendimentos pela seleção criteriosa
de julgados. Assim, eles não se valem apenas de um banco de dados de
jurisprudência, mas podem se valer de vários – todos eles úteis na
mailto:jurisprud%C3%AAncia@STF.jus.br
composição da amostra. No caso do Supremo Tribunal Federal, por
exemplo, além do banco de dados “bruto” de jurisprudência, o Tribunal
ainda disponibiliza os seguintes sistemas em Pesquisas Prontas: Casos
Notórios79 e Pesquisas por Ramo do Direito80.
Outra relevante fonte para a composição da amostra corresponde aos
informativos de jurisprudência ou boletins de jurisprudência, geralmente
elaborados pelos Tribunais para apresentar aos interessados os principais
casos decididos no período contemplado. A página de internet do Supremo
Tribunal Federal permite desenvolver extensa pesquisa dos informativos
para colher os acórdãos81.
Em qualquer busca eletrônica de jurisprudência, é fundamental que se
conheça antes o banco de dados. Todos os julgados estão de fato
disponibilizados? Caso não estejam, qual é o critério de escolha dos
julgados que aparecerão na ocorrência em pesquisa eletrônica? Qual é a
representatividade dos julgados considerando toda a atividade julgadora da
instituição? Essas são perguntas de extrema relevância não apenas porque
permitem compor uma amostra com maior rigor, mas especialmente porque
indicam o quanto os resultados de pesquisa podem ser generalizados ou de
fato representam o posicionamento do Tribunal. Recomendamos que o
pesquisador aplique as matrizes de análise dos bancos de dados eletrônicos
elaborados por Fabia Fernandes Carvalho e outros82 previamente à
composição da amostra.
Para realizar a busca pelas decisões, o aluno deve delimitar o tema
para estabelecer os critérios de busca mais adequados à composição da
amostra. Se retomarmos a proposta de análise da jurisprudência do
Supremo Tribunal Federal em ações diretas de inconstitucionalidade sobre
o princípio da legalidade em matéria tributária no período de 2007 a 2017,
em pesquisa realizada em 16 de maio de 2018, os critérios de busca
contemplados podem ser os seguintes:
Tabela 1 – Critérios possíveis para recorte de pesquisa sobre princípio
da legalidade em matéria tributária
•
•
•
•
•
•
Argumento de pesquisa Quantidade
Direito Tributário 8.988 acórdãos
Direito Tributário e legalidade 294 acórdãos
Direito Tributário e legalidade / 1º-1-2007 a 31-12-2017 166 acórdãos
Direito Tributário e legalidade / 1º-1-2000 a 31-12-2010 / ADI 40 acórdãos
Fonte: elaboração dos autores.
Para facilitar a sua pesquisa de jurisprudência, diversos sites
disponibilizam alguns facilitadores, como os operadores booleanos e os
sistemas de comunicação com os tribunais.
Os operadores booleanos permitem uma pesquisa mais refinada da
jurisprudência. Trata-se de termos lógicos que, quando inseridos no campo
“pesquisa livre de jurisprudência”, resgatam os julgados de modo mais
específico. Vejamos exemplos de operadores booleanos e suas
correspondentes funcionalidades83:
E – procura todas as palavras desejadas em qualquer lugar do
documento.
OU – procura qualquer uma das palavras especificadas.
ADJ – busca palavras aproximadas, na mesma ordem colocada na
expressão de busca.
NÃO – recupera documentos que contenhama primeira, mas não a
segunda palavra.
PROX – procura palavras aproximadas em qualquer ordem.
$ – substitui qualquer parte da palavra desejada (prefixo, radical ou
sufixo).
A seguir estão os resultados da pesquisa de jurisprudência com uso de
operadores booleanos (acesso realizado em 16 de maio de 2018).
Tabela 2 – Pesquisa com uso de operadores booleanos
Argumento de pesquisa QuantidadeArgumento de pesquisa Quantidade
Direito Tributário legalidade 294 acórdãos
Direito Tributário e legalidade 2.941 acórdãos
Direito Tributário ou legalidade 15.332 acórdãos
Direito Tributário e (legalidade ou anterioridade) 405 acórdãos
Direito adj Tributário e legalidade 202 acórdãos
Direito Tributário e legalidade não anterioridade 260 acórdãos
Direito Tributário prox legalidade 13 acórdãos
Direito Tributário e legal$ 778 acórdãos
Fonte: elaboração dos autores.
Um exemplo simples, mas esclarecedor sobre o aprimoramento
dinâmico da metodologia, são as constantes modificações nos parâmetros
de busca em bancos de dados de tribunais, realizadas durante a pesquisa
para refinar a coleta de julgados. Não é raro que tais modificações se deem
por tentativa e erro, pelo menos num primeiro momento. Também é
bastante comum que a incidência reiterada de julgados indesejados
promova mudanças nos parâmetros, de modo a filtrar a busca ainda na fase
inicial do levantamento. Em outras palavras, o trabalho empírico de
jurisprudência implica – quase sempre – constantes ajustes nos critérios de
busca das decisões, uma vez que novas palavras-chave e termos centrais são
encontrados a partir da leitura do material selecionado.
Observa-se que é muito comum que tais ajustes ocorram ao longo da
atividade de pesquisa, e não na fase que precede o início dos trabalhos de
investigação, operando com uma forma de equalização empírica dos
parâmetros, ou seja, praticamente impossível de ser realizada na fase de
planejamento, salvo se informada por experiências anteriores.
Especialmente em pesquisas quantitativas, o aperfeiçoamento dos
4.3.3.
4.4.
parâmetros é muito importante para a identificação de julgados, devendo
constar da metodologia. Para tanto, uma estratégia importante é fazer testes
com os operadores de pesquisa disponibilizados pelos tribunais e, em
seguida, ler o inteiro teor de algumas decisões judiciais para saber se há
novas palavras a serem utilizadas nas buscas, de modo a tornar a amostra
mais completa e fidedigna.
Acesso aos julgados pela Lei de Acesso à Informação
Pública
Residualmente, caso o pesquisador não consiga acessar os julgados
pelas vias presencial e eletrônica, sempre resta a alternativa de acionar a Lei
de Acesso à Informação Pública (Lei n. 12.527/2011) para solicitar os
documentos não disponibilizados. Apenas os documentos classificados
como sigilosos e aqueles referentes a dados pessoais não poderão ser
disponibilizados ao pesquisador. A segunda hipótese dificilmente se
verificaria em uma pesquisa de jurisprudência, sendo a primeira uma
possibilidade real.
Recomenda-se que o pesquisador busque primeiramente esgotar as
vias regulares de composição da amostra para, apenas se frustrados esses
mecanismos, fazer um pedido via acesso à informação pública. Isso porque
a Lei de Acesso à Informação Pública fixa um processo formal e sujeita a
autoridade competente à responsabilidade caso descumpra a Lei ou a
cumpra de modo insuficiente. Ademais, na medida em que a Lei fixa prazo
de acesso à informação, pedidos dessa natureza impactam
significativamente as rotinas administrativas da repartição pública e a
própria condução da pesquisa, tendo em vista que o pesquisador não sabe
de antemão se e quando a informação será disponibilizada.
Variáveis de pesquisa
•
•
•
Após a composição da amostra, o pesquisador passa à fase de leitura e
análise dos julgados. Como apontado, é natural que ao longo desse processo
ele refine a sua amostra pela leitura de seu inteiro teor. Por um lado, alguns
julgados selecionados podem não se relacionar diretamente com o escopo
do projeto, razão pela qual deverão ser excluídos. Por outro lado, alguns
importantes precedentes referenciados nas decisões analisadas, mas não
recolhidos na fase de pesquisa nas bases eletrônicas de jurisprudência,
merecem ser integrados à amostra. A amostra inicial é, portanto, meramente
indicativa. O mais importante é que o pesquisador mantenha um registro
das inserções e exclusões com a devida justificativa.
A leitura dos julgados deve ser orientada pela pergunta de pesquisa,
que deve ser desmembrada em variáveis de pesquisa. Assim, as variáveis
de pesquisa são tradução da metodologia. Ao lidar com as variáveis de
pesquisa, o grande desafio lançado é criar categorias que sejam suficientes e
adequadas para a análise proposta sem que sejam simples ou complexas
demais a ponto de inviabilizar conclusões relevantes de pesquisa. De modo
simples, pode ser considerado variável de pesquisa todo elemento que será
analisado nela.
Para fins de organização, é fundamental que o aluno estabeleça as
variáveis antes de iniciar a rodada de leitura mais atenta das decisões. Isso o
auxiliará na otimização do tempo de trabalho (imagine ter de reler todo o
material porque você não analisou um elemento fundamental à pesquisa?),
bem como na leitura mais focada, pois você já sabe de antemão o que
procura.
Se o escopo da pesquisa for verificar quais são os critérios adotados
pelos Ministros do STF para o julgamento que envolva empresas
estrangeiras radicadas no Brasil, provavelmente os seguintes elementos
serão extraídos dos acórdãos:
partes envolvidas;
data de julgamento;
resultado do julgamento (favorável ou não às empresas);
•
•
•
•
•
5.
citação de norma nos votos analisados;
citação de precedente nos votos analisados;
citação de princípio nos votos analisados;
citação de doutrina nos votos analisados;
principais linhas argumentativas desenvolvidas pelos Ministros.
Outros elementos ainda podem ser considerados para desenvolver a
investigação proposta.
Apesar da indicação de que as variáveis fundamentais da pesquisa
devem ser conhecidas com antecedência, é bastante natural que no curso da
leitura e análise sejam feitos pontuais ajustes: algumas variáveis
consideradas relevantes em um primeiro momento praticamente não foram
exploradas nas decisões, enquanto outras que não foram indicadas a
princípio são essenciais à descrição do comportamento do órgão julgador.
Não há qualquer falha metodológica na supressão ou no acréscimo,
respectivamente, de variáveis na pesquisa. Para mais detalhes sobre como
selecionar e organizar as informações relativas à análise de jurisprudência,
ver o Capítulo 13.
COMO APRESENTAR OS RESULTADOS DA
PESQUISA DE JURISPRUDÊNCIA?
Após a leitura e análise dos julgados da amostra, o pesquisador é capaz
de alcançar resultados de pesquisa que dialogam diretamente com o
problema colocado e ajudam a compreender o fenômeno investigado. Esses
resultados precisam ser transmitidos do modo mais claro, objetivo e
instigante possível. A estrutura de um trabalho que se volte à análise de
jurisprudência é bastante flexível, permitindo que o aluno sistematize
informações e valorize achados de acordo com o modo pelo qual pretende
apresentar as suas conclusões.
Recomenda-se que toda e qualquer pesquisa de jurisprudência tenha os
seguintes elementos estruturais:
1.
2.
3.
5.1.
Introdução – em que o objeto da investigação científica será
claramente colocado, com indicação da pergunta de pesquisa e da
hipótese, bem como outros trabalhos teóricos ou empíricos que já
trataram do mesmo objeto;
Metodologia – em que o pesquisador apresenta a estratégia desenhada
para responder à pergunta de pesquisa por meio da análise da
jurisprudência. Um bom método de trabalho com a jurisprudência
considera dois aspectos: (i) a composição da amostra e (ii) a análise do
material;
Conclusão – em que o pesquisador confirma ou refuta a hipótese
lançada na introdução com base nas análises sobre a jurisprudência.
Esse alinhamento com a introdução confere coesão ao trabalho.Se esses três elementos são obrigatórios, todo o resto é livre para que o
pesquisador modele a estrutura que permita a melhor compreensão possível
de seus achados de pesquisa. Devido às peculiaridades da pesquisa de
jurisprudência, passa-se a analisar mais detidamente a apresentação do
método e dos achados de pesquisa.
Apresentação do método de pesquisa
O método de pesquisa em jurisprudência não difere significativamente
dos demais tipos de trabalho acadêmico. A metodologia de uma pesquisa de
jurisprudência deve conter, em resumo, os seguintes elementos, como
qualquer outro trabalho acadêmico: delimitação do tema; pergunta-
problema; hipótese; revisão de literatura; e método para responder à
questão, para confirmar ou refutar a hipótese.
Porém, em razão da especialidade desse tipo de pesquisa, alguns
cuidados devem ser tomados. A metodologia de uma pesquisa de
jurisprudência deve conter, ainda, os seguintes elementos que lhe são
peculiares: (i) formação do conjunto de casos a serem examinados
(amostra) e (ii) método para responder à questão que tome por base as
decisões contempladas.
•
•
•
•
•
•
Um conjunto de decisões bem identificado permite que o aluno
constate relevantes tendências do órgão julgador, alcance conclusões úteis
aos debates teóricos e trace um panorama sobre a prática do instituto
jurídico analisado. Enfim, a composição da amostra é uma das etapas mais
significativas de uma pesquisa de jurisprudência. Por essa razão, a
metodologia de qualquer pesquisa de jurisprudência deve contemplar o
modo de composição da amostra, com os seguintes elementos:
indicação do site em que a pesquisa foi realizada, bem como a
data, o que delimita o total de decisões processadas, pois os órgãos
julgadores tendem a alimentar os seus bancos de dados
periodicamente;
apresentação dos critérios de busca utilizados e respectivas
ocorrências;
justificativa das exclusões de decisões;
indicação do total do conjunto de casos que serão analisados.
Além da descrição da composição da amostra, outra nota característica
das pesquisas de jurisprudência corresponde à análise da pergunta-problema
por meio das decisões examinadas. Qualquer que seja a questão lançada nas
pesquisas de jurisprudência, ela deve ser respondida por meio da análise das
decisões coletadas – ainda que haja a combinação de outras fontes de
pesquisa, como a doutrina e a norma, a jurisprudência assume um papel
central nesse tipo de pesquisa. É no campo da metodologia que o aluno
apresentará:
o método de análise da jurisprudência, isto é, a forma pela qual o
repertório de decisões será analisado, tendo em vista o escopo da
pesquisa; e
o método estatístico eventualmente utilizado na pesquisa.
Vejamos um exemplo prático:
FORMAÇÃO DO BANCO DE DADOS
FORMAÇÃO DO BANCO DE DADOS
Para seleção dos julgados do STF que inte- 
ressam ao escopo da pesquisa, foi utilizada a
própria base eletrônica de jurisprudência do
Supremo, disponível no domínio
www.stf.jus.br. A pesquisa de jurisprudência foi
realizada no mês de julho de 2015 e
percorreu os campos “pesquisa livre de
jurisprudência” e “pesquisas favoritas”.
– Campo de pesquisa.
– Especificação do campo de pesquisa.
– Refinamento da pesquisa – campos
específicos de pesquisa.
No campo “pesquisa livre de jurisprudência”,
utilizou-se o seguinte critério de busca:
responsabilidade serviço público terceiro não
tributário não trabalhista. Como marco
temporal, fixou-se o período de 5-10-1988 a
20-7-2015, e especificou-se como resultado
da busca apenas acórdãos e repercussão
geral. Foram obtidos 41 acórdãos e uma
repercussão geral. Após uma primeira leitura
sistemática dessa amostra preliminar, foram
excluídos os acórdãos que não versavam
sobre o tema de investigação, pois tratavam
de responsabilidade tributária,
responsabilidade trabalhista, crime de
responsabilidade ou a aplicação da Lei de
Responsabilidade Fiscal. Feita essa triagem,
restaram 29 acórdãos e uma repercussão
geral.
– Palavras-chave.
– Delimitação temporal.
– Resultado parcial.
– Justificativa das exclusões.
Na sequência, procedeu-se à análise do
campo “pesquisas favoritas”. Em “pesquisas por
ramo do Direito” e “Direito Administrativo”,
constatou-se no ramo “Direito Administrativo
– Responsabilidade Civil do Estado” a entrada
“Responsabilidade Civil / Objetiva do Estado e
Terceiro Não Usuário do Serviço”, com seis
julgados. Foram integrados ao banco de dados
quatro acórdãos, excluídos dois já selecionados
na fase anterior, totalizando 33 acórdãos e
uma repercussão geral.
– Não é obrigatório, mas sempre se mostra
de grande auxílio. Não é preciso colocar no
projeto.
FORMAÇÃO DO BANCO DE DADOS
A fim de deixar o banco de dados o mais
completo possível e representativo da
realidade decisória do Supremo, foi enviada
uma solicitação de pesquisa de jurisprudência
ao STF, que, em resposta, enviou 57
julgados. Excluídas as repetições e
considerando o recorte da pesquisa, foram
acrescidos 7 julgados à amostra.
– Refinamento do material de pesquisa.
Apesar de algumas decisões monocráticas e
questões de ordem terem sido,
incidentalmente, analisadas, o estudo se
centrou nas decisões colegiadas (acórdãos) e
na repercussão geral. Os informativos
(semanais e por tema) produzidos pelo STF
foram consultados com a finalidade de
verificar se algum acórdão relevante não foi
integrado ao banco de dados, mas todos
foram contemplados.
– Banco de dados final.
– Trata-se de um banco de dados
representativo e de manuseio factível pelo
aluno.
O banco de dados final conta, portanto, com
40 acórdãos e uma repercussão geral.
– Bibliografia de julgados ou tabela com os
acórdãos relacionados.
ANÁLISE DO MATERIAL
Os acórdãos selecionados foram lidos na íntegra e analisados de modo a
depreender as seguintes informações: dados objetivos (data de julgamento,
relatoria e decisão final), especificação do prestador do serviço público (se agente
público ou delegatário), análise do caso concreto, orientação do STF (ratio
decidendi) e os fatores decisórios (texto constitucional, precedentes, doutrina,
peculiaridades do caso concreto etc.). Essas informações foram organizadas em
fichas de leitura, as quais foram posteriormente ordenadas por assunto, em
ordem decrescente de quantidade de casos.
O texto final do trabalho apresenta os resultados da pesquisa que confirmam
ou refutam a hipótese da pesquisa.
–
Mecanismos
de análise
dos
julgados.
– Fichas de
leitura ou
tabelas de
análise.
Tais elementos, que devem constar na metodologia de pesquisas de
jurisprudência, permitem que o leitor tenha maior clareza sobre o
desenvolvimento do estudo e, nessa medida, sobre as escolhas feitas pelo
5.2.
leitor. Tendo contato com essas informações, outros pesquisadores poderão
reaplicar a pesquisa e atualizá-la, expandir os resultados alcançados ou
observar os resultados em outra perspectiva.
O nível de detalhamento do método depende de diversos fatores:
complexidade da pesquisa, relevância dentro do escopo do trabalho,
importância dos resultados etc. O adequado dimensionamento dos detalhes
da pesquisa de jurisprudência é, antes de tudo, um exercício de bom senso,
devendo-se levar em conta a própria natureza do trabalho. Em todo caso, o
processo de refinamento deve ser sistematizado na metodologia em sua
forma aprimorada (aquela que leva à obtenção dos dados refinados),
explicando o motivo das escolhas, mas sempre com o cuidado de ser claro e
não tumultuar o texto com explicações alongadas com o único objetivo de
produzir volume. Qualquer que seja o caso, a apresentação do método deve
ser precisa e clara, de modo que sua lógica seja apreciável pelo interlocutor.
Apresentação dos resultados de pesquisa
A realização da pesquisa pressupõe o trabalho com dados que, no caso
das pesquisas de jurisprudência, apresentam-se sob forma de decisões,
votos ou acórdãos. Durante o processo de pesquisa, esses dados passam por
diversos tratamentos, de modo a refinar a informação até se tornar material
de análise.
Esse processo envolve tarefas de filtragem e seleção de julgados,classificação, isolamento de trechos, identificação de posicionamentos etc.
Tudo isso se desenvolve numa constante atividade de aperfeiçoamento, em
que os dados obtidos retroalimentam o método de pesquisa. Ao final, nota-
se a transformação de um dado bruto, tal qual extraído dos repositórios de
jurisprudência, em um dado reduzido, pronto para ser analisado.
Os dados que devem ser apresentados no trabalho são aqueles
utilizados pelo pesquisador para tirar conclusões, ou seja, os dados
refinados. Salvo se houver justificativa para tanto, os dados brutos não
devem ser apresentados, principalmente como elementos textuais. Além das
longas citações, deve-se evitar a reprodução de ementas ou longos trechos
da decisão no corpo do texto. Ocorre que as ementas e os trechos isolados
de decisões não são autoexplicativos e muitas vezes não sustentam o
argumento trabalhado no texto. Assim, fica a recomendação de refletir
sobre a citação de passagens dos votos e, principalmente, da transcrição de
ementas: uma boa pesquisa de jurisprudência é aquela que apresenta
interessante raciocínio a respeito do material coletado.
A escolha pela elaboração de uma pesquisa quantitativa ou qualitativa
de jurisprudência traz consequências para a forma de apresentação dos
resultados obtidos com o estudo. Nos estudos quantitativos, o aluno terá de
discriminar na metodologia os métodos de agrupamento de dados e, se for o
caso, as ferramentas estatísticas adotadas. Além disso, terá de apresentar
tabelas ou gráficos gerados a partir dos dados da pesquisa. Nas pesquisas
qualitativas, o pesquisador deve sistematizar as principais linhas
argumentativas desenvolvidas nas decisões analisadas e eventualmente
criticá-las.
Novamente, o modo de apresentação dos resultados da pesquisa
relaciona-se diretamente com o escopo da pesquisa de jurisprudência.
Muito embora não exista um formato predeterminado, os dois modelos
a seguir são recorrentes em trabalhos de jurisprudência, podendo ser
tomados como ponto de partida para o desenho de sua própria estrutura:
Modelo 1 – aglutinação de julgados
Essa estrutura é comum em trabalhos de jurisprudência com uma
amostra relativamente grande e cuja principal finalidade da pesquisa de
jurisprudência seja descritiva, demonstrando as correntes de entendimento
sobre um determinado tema, as tendências processuais de certo tipo de ação
ou as respostas para certos problemas jurídicos. Os julgados são
sistematizados em correntes de entendimento ou em outras variáveis,
podendo ser abertos itens específicos para casos paradigmáticos ou
peculiares que não permitam a sua classificação. Itens específicos também
podem ser abertos para indicar o entendimento de um julgador específico.
TÍTULO
1. Introdução
2. Metodologia
3. Contextualização do tema objeto de pesquisa
4. A jurisprudência do Tribunal X sobre o tema
4.1. Corrente A
4.2. Corrente B
4.3. O entendimento do julgador X
4.4. Sobre o quê os julgadores divergem?
5. O caso paradigmático X
6. Análise crítica da jurisprudência
7. Considerações finais
Modelo 2 – análise de jurisprudência em profundidade
Essa estrutura é preferida em situações de amostra pequena e com
casos paradigmáticos, permitindo que sejam analisados com profundidade.
Cada caso é examinado individualmente, em que são recuperados seus fatos
e os argumentos das partes e dos julgadores. Ao final, faz-se uma análise
crítica comparando-se os casos e apontando inconsistências e tendências de
julgamento para casos futuros.
TÍTULO
1. Introdução
2. Metodologia
3. Contextualização do tema objeto de pesquisa
4. O Caso A
5. O Caso B
6. O Caso C
7. A jurisprudência a partir do julgamento do Caso C
8. Análise crítica da jurisprudência
9. Considerações finais
Referências
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princípios da Ordem Econômica: debate teórico e estudo empírico da
jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF). 2009.
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Jurídicos. Lei n. 13.150, de 16 de março de 2015. Código de Processo
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BUCK, Pedro. A intervenção do Estado na Ordem Econômica
(comentários aos votos do Ministro Marco Aurélio em acórdãos do
STF). Revista de Direito Público da Economia, p. 213-244, 2006.
BUCK, Pedro. Fidelidade, álibi ou traição: ressignificação e perspectivas
sobre o comportamento decisório do STF. 2015. Tese de Doutorado –
Faculdade de Direito da USP, São Paulo, 2015.
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Federal e Municípios para legislar sobre licitação e contratação à
luz da jurisprudência do STF. 2014. Trabalho de Conclusão de Curso
– Escola de Formação Pública, Sociedade Brasileira de Direito
Público, São Paulo, 2014. Disponível em:
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CHASIN, Ana Carolina. O judiciário frente aos conflitos fundiários das
comunidades quilombolas. Revista de Estudos Empíricos em Direito,
v. 2, n. 2, p. 31-47, 2015. Disponível em:
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DALESSIO, Beatriz Alencar. Senado Federal e STF: um estudo sobre a
suspensão de lei declarada inconstitucional. 2012. 107f. Trabalho de
Conclusão de Curso – Escola de Formação Pública, Sociedade
Brasileira de Direito Público, São Paulo, 2012. Disponível em:
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saúde no Brasil: o caso AIDS. Prêmio IPEA – 40 anos: monografias
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ESTEVES, Carolina Bonadim. Recorribilidade diferida de decisões
interlocutórias: um estudo de caso no Tribunal Regional do Trabalho
da 17ª Região e no Tribunal de Justiça do Espírito Santo. Revista de
Estudos Empíricos em Direito, v. 1, n. 1, p. 154-181, 2014.
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FILPO, Klever Paulo Leal; BARBUTO, Renata Campbell. Aspectos
controvertidos do filtro da repercussão geral em perspectiva empírica.
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FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS. Observatório do Conselho
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HERCK, Gil Pierre de Toledo. Princípio da proporcionalidade e
argumentação: estudo dos votos do Ministro Gilmar Mendes nos
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análise crítica a partir dos dados obtidos no estudo “A prática judicial
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Sociedade Brasileira de Direito Público, São Paulo, 2014. Disponível
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Acesso em: 5 set. 2018.
SILVA, Andrea Francolançamento da 2.ª edição do manual de Metodologia
da Pesquisa em Direito, julgamos que era necessária uma nova edição desta
obra. Mais da metade dos capítulos foram atualizados, aprimorando certas
passagens que somente o tempo é capaz de maturar. Em sintonia com as
novas realidades da pesquisa em tempos de crescente digitalização, dois
novos capítulos foram incluídos.
A ciência de dados aplicada à pesquisa em Direito tem sido um foco
estratégico na academia. Trata-se de um conjunto de técnicas e métodos
cuja exploração já tem sido bastante empregada, e será muito mais em um
futuro próximo. O primeiro desses novos capítulos oferece um panorama
sobre as características da realização de pesquisas empíricas quantitativas
na área do Direito, indicando possíveis pontos de partida para o incremento,
nessa seara, da nossa literatura científico-jurídica (capítulo 28).
O segundo capítulo inédito abarca a proteção de dados pessoais na
atividade de pesquisa científica (capítulo 29). Ele parte de estudos de casos
para ilustrar boas práticas e elencar recomendações para a realização de
investigações conformes ao direito da proteção de dados pessoais, cujas
normas têm gerado muitas dúvidas em instituições de ensino e pesquisa. A
Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD – Lei n. 13.709/2018), que
impacta a condução de atividades de pesquisa jurídica no país, em vigor
desde 2021, acarretou mais responsabilidades e cuidados por parte de
pesquisadores, pesquisadoras e órgãos de pesquisa que tratam dados
pessoais nesse tipo de atividade acadêmica. Trata-se de elemento
imprescindível para que graduandos(as), pós-graduandos(as) e acadêmicos
possam atuar com plena segurança jurídica em seus afazeres científicos.
Com isso, estamos seguros de que esta terceira edição traz as reflexões
e balizas mais atualizadas sobre métodos e técnicas para pesquisa e redação
científica no campo jurídico. O caráter instrumental deste manual, bem
como sua estrutura, foram preservados das edições anteriores, com a
finalidade de manter a praticidade no momento de fornecer roteiros práticos
de ação e sanar dúvidas na elaboração de monografias, dissertações e teses.
Esperamos, com isso, que este manual de referência para acadêmicos e
acadêmicas de Direito continue sendo parte dos programas de ensino e
pesquisa de todo o Brasil, oferecendo um guia alinhado a questões
contemporâneas e auxiliando na elaboração qualificada da produção
científica nacional.
Boas pesquisas!
Setembro, 2022.
M.F. e R. M. R. Q.
APRESENTAÇÃO À 2ª EDIÇÃO
Este livro deveria ser uma segunda edição de nossa obra anterior
Metodologia Jurídica: um roteiro prático para trabalhos de conclusão de
curso (Série GVlaw, Ed. Saraiva, 2012). O primeiro livro foi escrito com
um propósito bastante específico: servir como manual de pesquisa jurídica
para alunos de pós-graduação lato sensu. Esse objetivo determinou as
características fundamentais da obra: textos curtos, eminentemente práticos,
voltados às dificuldades cotidianas de pesquisadoras e pesquisadores com
baixa experiência acadêmica e pouca disponibilidade de tempo (porque,
geralmente, dividem seu tempo de dedicação à pós-graduação com carreira
e família).
A recepção da obra, porém, foi muito além do que esperávamos: em
pouco tempo tivemos notícia de que o livro se tornara leitura obrigatória
não apenas em cursos de especialização, mas também de graduação e de
pós-graduação stricto sensu em todo o Brasil. Acreditamos que esse
resultado deveu-se tanto às suas características editoriais únicas
(simplicidade, viés prático, apelo visual dos textos e quadros), quanto, e
principalmente, à qualidade das autoras e autores que contribuíram com
capítulos excepcionais dentro de seus temas de expertise.
A ampla aceitação daquele livro nos animou a publicar uma segunda
edição, melhorada no que fosse possível. Contudo, sete anos nos separam
desde a primeira publicação e, ao longo desse período, o direito mudou
muito, em diversos aspectos. Enfrentar novos paradigmas, ocasionados pelo
impacto da tecnologia no modo como se pesquisa e se faz o direito, trouxe a
necessidade de revisar métodos, técnicas e temas para atender a um mundo
que está em constante transformação.
Após muito tempo de trabalho, notamos que as melhoras haviam sido
tantas que não faria sentido a publicação da nova obra como segunda
edição. Daí a opção por um novo livro, mais ambicioso que o anterior: ele
pretende ser um manual de referência para pesquisas para qualquer nível
acadêmico no direito – inclusive o mestrado profissional, objeto de um
capítulo próprio (Capítulo 3). Tantas mudanças recomendavam, ainda, a
publicação deste novo produto fora de sua coleção editorial de origem. Os
editores, felizmente, concordaram com nossa decisão.
Além das muitas mudanças em capítulos que estavam no livro anterior,
alguns deles inteiramente reescritos – como o capítulo de pesquisa na
internet, agora mais voltado a técnicas aplicadas de busca em vários portais
acadêmicos –, esta nova obra traz importantes acréscimos. Além do já
mencionado capítulo sobre a pesquisa no mestrado profissional, há um
capítulo inteiramente dedicado à integridade acadêmica na pesquisa e na
redação jurídica, no qual o plágio e os conflitos de interesse são tratados
com a devida importância. Há também capítulos novos sobre métodos e
técnicas para leitura de textos teóricos complexos, bem como sobre os
métodos do estudo de caso e da observação etnográfica para pesquisa
jurídica. O capítulo sobre a pesquisa em Direito e Economia foi totalmente
reformulado. Finalmente, incluímos uma seção inteiramente nova (Parte 4)
com capítulos que tratam de agendas contemporâneas da pesquisa jurídica.
Eles apresentam caminhos iniciais para leituras preliminares e identificação
de temas de investigação em áreas nas quais alunas e alunos têm mostrado
crescente interesse acadêmico, tanto na graduação quanto na pós-
graduação.
A despeito das muitas mudanças, preservamos o caráter prático e
instrumental dos textos, que foi tão bem recebido no livro anterior.
Preservamos também a organicidade da obra, que não é apenas uma
coletânea de textos avulsos sobre metodologia da pesquisa jurídica, mas um
todo coerente, com começo, meio e fim. Acreditamos que manuais de
metodologia de pesquisa devem se mostrar úteis e resolver, do modo mais
direto possível, as dúvidas mais prementes de pesquisadoras e
pesquisadores. Estamos certos de que este novo livro é ainda melhor do que
o anterior em cumprir esses objetivos.
Boa leitura, e boas pesquisas!
São Paulo, julho de 2019.
R.M.R.Q. e M.F.
PARTE 1
INTRODUÇÃO E
CONCEITOS
FUNDAMENTAIS
1.
1
INTRODUÇÃO
RAFAEL MAFEI RABELO QUEIROZ1
MARINA FEFERBAUM2
UM ROTEIRO PRÁTICO PARA UMA DISCIPLINA
TEÓRICA
Metodologia Científica é uma disciplina teórica e normativa. Ela
informa a um pesquisador como ele deve proceder à análise de seu objeto
de pesquisa para que o faça de maneira cientificamente válida. Diz ainda
como os resultados da pesquisa devem ser registrados em um relatório final
(dissertação de mestrado, tese de doutorado etc.). O objetivo de quem
realiza uma pesquisa acadêmica é produzir um texto cientificamente
respeitável. Nesse sentido, não faz diferença se o tema do trabalho é algo
muito teórico (“Qual o conceito de validade jurídica em Hart?”) ou mais
prático (“Qual a diferença entre monopólio estatal e serviços prestados em
caráter exclusivo pelo Estado?”), pois se o seu autor pretende que ele seja
reconhecido como um trabalho científico, então deve escrevê-lo observando
certas regras que a comunidade acadêmica estabelece como pedigrees de
trabalhos dessa natureza. Essas regras amparam-se em fundamentos
filosóficos que a disciplina de Metodologia Científica sintetiza, organiza e
expõe.
Por esse motivo, tanto as disciplinas de metodologia científica que são
obrigatoriamente oferecidas em cursos de graduação e pós-graduação em
Direito quanto a bibliografia fundamental indicada para esses cursos
dedicam muita atenção a temas que interessam bastante a quem tenhaLima e; RIBEIRO, Ludmila Mendonça Lopes.
Racismo ou injúria racial? Como o Tribunal de Justiça de Minas
Gerais se posiciona diante dos conflitos raciais. Revista de Estudos
Empíricos em Direito, v. 3, n. 1, p. 54-78, 2016. Disponível em:
. Acesso em: 10 set. 2018.
SOCIEDADE BRASILEIRA DE DIREITO PÚBLICO (SBDP). Escola de
Formação Pública. Disponível em: . Acesso em: 10 set. 2018.
SOCIEDADE BRASILEIRA DE DIREITO PÚBLICO (SBDP).
Jurisdição. Disponível em: .
Acesso em: 10 set. 2018.
SOMBRA, Thiago Luís Santos. Supremo Tribunal Federal representativo?
O impacto das audiências públicas na deliberação. Revista Direito
GV, v. 13, n. 1, p. 236-273, 2017. Disponível em: . Acesso em: 10 set. 2018.
SOUZA, André Lucas Delgado. Ministro Moreira Alves e uma possível
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http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/revdireitogv/article/view/68917/66521
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reorganizações empresariais – aspectos societários e tributários. São
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YEUNG, Luciana Luk Tai. Jurimetria ou análise quantitativa de decisões
judiciais. In: MACHADO, Maíra (org.). Jurimetria ou análise
quantitativa de decisões judiciais. São Paulo: Rede de Estudos
Empíricos em Direito, 2017.
1.
7
A PESQUISA LEGISLATIVA: FONTES,
CAUTELAS E ALTERNATIVAS À
ABORDAGEM TRADICIONAL
FELIPE DE PAULA84
LUIZ GUILHERME MENDES DE PAIVA85
INTRODUÇÃO
O presente capítulo almeja apresentar e discutir possibilidades e
alternativas de concepção de pesquisas que tenham como objeto central a
lei, o ato normativo em sentido amplo ou a própria legislação em seu
conjunto.
Como fonte primária do direito, é natural que o pesquisador se veja às
voltas com atos normativos em seu trabalho cotidiano. É esperado que
pesquisadores do direito conheçam, compreendam e saibam mobilizar esse
elemento fundamental ao seu trabalho. No entanto, a legislação é
usualmente estudada e avaliada dentro de recortes bastante tradicionais que,
embora necessários à pesquisa e à prática jurídica, nem de longe esgotam as
possibilidades de investigação.
O texto convencional que tem na lei seu objeto principal discute as
interpretações possíveis, as hipóteses de aplicação legal. Quando muito,
avalia a relação entre diferentes espécies normativas com vistas a testar
constitucionalidade e legalidade. Porém, há uma vasta gama de arranjos
adicionais de pesquisa que podem ter na legislação seu alvo principal.
2.
2.1.
Nosso objetivo, aqui, é explorar tais possibilidades com as cautelas
pertinentes, a demonstrar quão rico e amplo é o campo de pesquisas
legislativas. Em abordagem exploratória, não desejamos apresentar
exaustivamente as fontes legislativa de pesquisa, já apresentadas em outro
capítulo da presente obra, nem debater em detalhes a metodologia ou o
mérito de uma ou outra possibilidade de pesquisa aventada. A meta é
instigar a curiosidade por recortes de pesquisa diferentes dos tradicionais,
com a indicação do instrumental mínimo necessário para tais opções.
O capítulo está assim estruturado: primeiro, iremos revisitar
brevemente os principais bancos de dados de legislação brasileiros, trazidos
no capítulo relativo a pesquisas na internet, com vistas a adicionar
elementos e cautelas relevantes. Depois, iremos apontar outras modalidades
de pesquisa, justificando sua relevância e indicando ferramentas úteis à sua
concepção. Tópico conclusivo encerrará o capítulo.
PESQUISA DE LEGISLAÇÃO
Fontes
O item 3 do Capítulo 11 deste livro, de autoria de Rafael Mafei Rabelo
Queiroz, apresenta elementos importantes sobre fontes de pesquisa em
legislação na internet, como a página de legislação do Planalto na internet,
que é extremamente útil e oferece informações legislativas básicas, como a
redação das leis em vigor, decretos regulamentares e referências cruzadas
entre normas.
E também que as informações sobre a tramitação legislativa de leis
aprovadas, projetos de lei em tramitação e mesmo versões digitalizadas de
documentos históricos, como diários, anais legislativos, discursos e afins,
podem ser localizadas nos sítios das casas legislativas na internet. No
âmbito federal, são úteis os portais da Câmara dos Deputados e do Senado
Federal. Nos âmbitos estadual e municipal, naturalmente, o acesso a
informações legislativas varia bastante. Todas as Assembleias Legislativas
possuem portais de legislação mais ou menos completos, mas, geralmente,
o acesso a normas municipais é mais difícil.
Fontes oficiais ou públicas são fundamentais para a pesquisa de
legislação. Há, entretanto, outras importantesfontes de informação
legislativa para a investigação acadêmica. A primeira delas, o serviço
LexML, também já foi mencionada por Rafael Mafei Rabelo Queiroz no
Capítulo 11: “um portal que pretende reunir informações jurídicas de
múltiplos tipos”. Como nem todos os órgãos estatais estão vinculados à
plataforma, infelizmente não é possível recorrer somente a ela para buscar
informações mais detalhadas. Outra fonte privada de informação legislativa
é o portal JusBrasil86, que também pretende reunir conteúdos normativos,
jurisprudenciais e noticiosos em um só lugar. Contudo, nem todas as
pesquisas são gratuitas.
Existem, também, bibliotecas virtuais temáticas que pretendem
aglutinar em um único espaço a legislação referente a determinado assunto
ou área do direito. A Biblioteca Virtual de Direitos Humanos da USP, por
exemplo, congrega importantes documentos legislativos nacionais e
internacionais sobre a matéria87. Buscas rápidas encontram portais em
profusão que contêm, por exemplo, compilados de legislação tributária ou
trabalhista. Alguns repositórios setoriais com tais características são
confiáveis, mas sempre devem ser utilizados sob as cautelas indicadas a
seguir e, quando necessário, validados à luz das publicações oficiais.
Finalmente, existem ainda as compilações físicas de legislação – o
famoso vade mecum, campeão de vendas em livrarias jurídicas. Tais
compilados são bastante úteis para o dia a dia do estudante e para a prática
jurídica, mas possuem relevância em boa medida limitada ao pesquisador.
Primeiro, com exceção de alguns compilados setoriais – como o vade
mecum do serviço social, por exemplo –, tais aglutinações raramente trazem
atos normativos infralegais relevantes para pesquisas mais densas. Segundo,
tais obras são obviamente datadas e, em que pese algumas permitam
2.2.
atualizações on-line, seu benefício talvez seja baixo diante da quantidade de
informações já disponíveis na rede.
DICA
É possível fazer pedidos de informações sobre leis, decretos, portarias e afins a órgãos
públicos via Lei de Acesso à Informação (LAI)88. Qualquer pessoa física ou jurídica
pode solicitar informações públicas a órgãos da administração pública direta ou
indireta, dos três Poderes da União, estados e municípios, inclusive aos Tribunais de
Contas e Ministério Público. Os portais dos órgãos públicos na internet devem conter
link para o serviço de informações, onde as solicitações podem ser enviadas. Caso a
informação solicitada não esteja imediatamente disponível, o órgão público deve enviar
resposta em até 20 dias. No âmbito do Governo Federal, por exemplo, as solicitações
via LAI são dirigidas ao portal .
Cuidados
O pesquisador que tem na legislação seu objeto de pesquisa possui
ressalvas a observar e cuidados a tomar, particularmente sobre a
confiabilidade, a completude e a atualização do banco de dados que se está
a pesquisar.
O texto da norma está correto?
Comecemos pelo menos problemático. Como citado, boa parte dos
acadêmicos de direito utilizam o site da Presidência da República como
fonte oficial de informações legislativas federais. Embora bastante
completo, atualizado diariamente, com sistema push de envio de novidades
razoavelmente seguro e, especialmente nos últimos anos, bastante
confiável, é preciso ter cautela sobre os textos ali dispostos.
O site é fonte pública de informação, mas não substitui o repositório
oficial onde os textos são originalmente publicados, qual seja, o Diário
Oficial da União (DOU)89. Já houve casos em que a transcrição da norma
para o site trouxe algum tipo de incorreção – uma transcrição meramente
parcial, por exemplo.
Além disso, em ressalva bastante importante, leis e outras normas
podem ter a sua redação alterada por uma revogação parcial, ou mesmo ter
sua eficácia suspensa por força de decisões judiciais – declaração liminar ou
definitiva de inconstitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal. As
referências a tais fatos nos textos do site da Presidência, sinalizados por
meio de textos rasurados (exemplo), são realizadas manualmente e, por
mais atentos e bem treinados que sejam os servidores que realizam tal
tarefa, estão sujeitas a equívocos.
A propósito, há situações em que a definição do que foi de fato
revogado não é trivial. A não revogação expressa e específica de normas e o
uso da conhecida fórmula “revogam-se as disposições em contrário”,
embora não aceita pela Lei Complementar n. 95/98 e pelo Decreto n.
9.191/201790, ainda são recorrentes. Há, em suma, boa margem para
interpretações divergentes acerca daquilo que foi de fato revogado. O
mesmo vale para eventual decisão do Supremo Tribunal Federal que,
eventualmente, module efeitos ao declarar uma norma inconstitucional.
Em suma, o trabalho de assegurar a validade de determinado texto e de
detectar alterações em leis e outros textos normativos exige cautela do
pesquisador. É fundamental verificar a integridade e a vigência dos textos e,
especialmente, validar eventuais revogações na norma que efetivamente
revogou a lei anterior. O site da Presidência da República pode e deve ser
utilizado para pesquisas básicas, mas suas informações merecem, sempre,
dupla checagem.
Para tanto, uma das alternativas possíveis é utilizar a data da norma em
análise e pesquisá-la no site oficial da Imprensa Nacional, responsável pelo
DOU91. A busca ainda pode ser feita por termo em um determinado período
de tempo. Destaque-se que os atos normativos gerais são publicados na
Seção 1 do DOU:
Imagem 1 – Pesquisa no site da Imprensa Oficial
Fonte: Imprensa Oficial.
A norma de fato existe ou existiu? É válida e vigente? O conjunto de
dados é completo e confiável?
Também é preciso ter em conta que, apesar do ótimo trabalho de oferta
pública de legislação histórica feita pela área jurídica da Casa Civil da
Presidência da República92, nem toda legislação antiga, ainda que
potencialmente vigente, está devidamente indexada e publicizada pela
plataforma. Ou seja: não constar do site da Presidência não equivale a
afirmar que a norma não exista ou que esteja revogada.
A atenção diante da (in)completude de bancos de dados digitais deve
ser redobrada quando partimos para repositórios estaduais e municipais.
Inúmeras cidades brasileiras sequer possuem repositório eletrônico de
legislação, ou ao menos um repositório confiável, completo e atualizado.
Embora a disponibilidade de dados legislativos estaduais e municipais tenha
sido significativamente incrementada como efeito inesperado da pandemia,
que incentivou a digitalização de informações sobre legislação e processo
3.
legislativo, muitas vezes o pesquisador só conseguirá determinado ato
normativo entrando em contato com a Prefeitura – por telefone ou e-mail –,
e precisará de muito cuidado para confirmar sua validade e vigência. Cruzar
as informações oferecidas pelo Poder Executivo com as informações
ofertadas pelo Poder Legislativo – Assembleias Legislativas ou Câmaras
Municipais, a depender do caso – é estratégia útil.
O pesquisador também enfrenta dificuldades se seu objeto de pesquisa
disser respeito a atos infralegais – especialmente portarias, instruções
normativas e resoluções. A qualidade e a confiabilidade dos dados ofertados
variam muito conforme os diferentes órgãos e entidades, seja da
Administração Direta, seja da Administração Indireta. A segurança quanto à
completude e à atualização de determinados bancos de dados é baixa,
embora por certo existam repositórios mais confiáveis do que outros – as
páginas das agências reguladoras, por exemplo, regra geral, trazem suas
decisões de caráter normativo93. Seja como for, também nesses casos
validações via outras fontes são essenciais.
Finalmente, a precaução precisa ser ainda maior no caso de
mobilização de legislação estrangeira. Embora haja bastante cuidado com a
publicização e a simplificação do acesso à legislação em vários países – em
especial em países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento
Econômico (OCDE) ou que possuem política regulatóriadesenvolvida –, é
importante confirmar a validade de atos normativos ao menos com outra
fonte de informação94.
OUTRAS MODALIDADES DE PESQUISA
Qualquer pesquisador do direito deve conhecer sua fonte primária – a
lei –, embora, como visto, a tarefa nem sempre seja simples diante dos
diferentes estágios de transparência dos entes federativos brasileiros e da
crescente profusão regulatória que marca vários setores do direito. Como
dissemos, é razoável e esperado que o pesquisador, treinado essencialmente
3.1.
em interpretação e aplicação, consiga manejar o ato normativo com vistas a
examinar hipóteses de aplicação, possíveis interpretações e avaliações de
sua constitucionalidade, legalidade e coerência diante do sistema
normativo.
Tal atitude perante o ato normativo é, em boa medida, replicada nas
pesquisas legislativas. Seja por motivos teórico-filosóficos, seja por
motivos puramente instrumentais, a escolha pelo exame da lei posta e
pronta é sistemática e recorrente. Ainda é bastante baixa a participação do
acadêmico de direito no processo de criação ou de análise da efetividade de
determinada norma jurídica, ou a realização de investigações que tenham a
fase pré-normativa como elemento-chave95.
Não obstante, o campo de pesquisa legislativa é muito mais rico do
que isso. A criação de normas jurídicas é um fenômeno complexo da
relação entre Direito e poder, “o momento exato da conversão de certas
preferências individuais em coletivas, como fins a serem atingidos”
(FARIA, 1977, p. 20). O contexto fático, de tempo e de espaço, que envolve
a criação, a justificação, a alteração, a aplicação e a produção de efeitos de
determinada norma é essencial ao conhecimento efetivo e à análise de nosso
material de trabalho.
O investigador tem diante de si, portanto, um enorme campo de
estudo, que contempla diversas questões interessantes no âmbito da
produção legislativa. Vamos apresentar aqui, brevemente, algumas
possibilidades de investigação nessa área.
Processo legislativo
Se as leis – em sentido amplo – são a concretização de um poder de
escolha do Estado para impor determinadas regras de comportamento para a
sociedade, o processo pelo qual esse poder de escolha se concretiza em
norma é objeto de estudo relevante para o pesquisador do direito. Como as
leis são de fato produzidas? Como produzir melhores leis?
A ferramenta básica para o estudo do processo legislativo são,
naturalmente, os portais das casas legislativas na internet. A maior parte
deles contém ferramentas de busca das diferentes proposições em
tramitação ou já tramitadas. Veja, por exemplo, a funcionalidade de
pesquisa simplificada no site do Senado Federal:
Imagem 2 – Pesquisa rápida no Senado Federal
Fonte: Senado Federal, com destaques dos autores.
A pesquisa rápida é útil quando já se sabe o que se quer buscar: caso já
tenha o número do projeto de lei, por exemplo. Mas pode ser necessário
fazer pesquisas mais amplas, por assunto e em um determinado período de
tempo – para saber, por exemplo, quantos projetos de lei foram
apresentados sobre o tema “aluguéis” na última legislatura. Para tanto,
pode-se utilizar a pesquisa simples para pesquisar o termo, e depois filtrar
pelo período desejado por meio das opções dos menus laterais:
Imagem 3 – Pesquisa simples no Senado Federal
Fonte: Senado Federal, Atividade Legislativa (com destaques dos autores).
Existem muitos filtros que podem ser usados na pesquisa: fase de
tramitação, data da apresentação, natureza da matéria (projeto de lei,
proposta de emenda constitucional, decreto legislativo etc.).
Vários portais legislativos, inclusive o do Senado e o da Câmara dos
Deputados, também permitem a consulta a pesquisas prontas sobre temas
frequentes, bem como apresentam links para temas históricos. Há, em suma,
uma infinidade de recursos a serem explorados pelo pesquisador.
Imagem 4 – Pesquisa na Câmara dos Deputados
Fonte: Câmara dos Deputados, Propostas Legislativas (com destaques dos autores).
Ao observar as informações de tramitação, pode-se verificar com
facilidade as diversas fases pelas quais passa uma determinada proposição
legislativa. Desde a apresentação da proposta, até a análise pelas comissões
temáticas, apresentação de relatórios e substitutivos, realização de
audiências públicas e deliberações. Uma série de documentos é produzida,
passando a compor o dossiê legislativo daquela demanda. Se antigamente
eram necessários meses de levantamento e muita boa vontade para obter as
informações de tramitação de um projeto de lei, hoje é possível ter acesso a
tudo em segundos:
Imagem 5 – Informações sobre tramitação de um projeto de lei no site
da Câmara dos Deputados
Fonte: Câmara dos Deputados.
Cada tópico pode ser analisado com detalhes pelo pesquisador: quem
propôs as demandas, sob qual justificativa, qual a forma jurídica escolhida;
se houve apresentação de emendas, quem as propôs, quais as controvérsias
do processo deliberativo ou do mérito da questão. Também é possível
investigar eventuais dados apresentados para fundamentar o debate
parlamentar, qual o grau de abertura do processo deliberativo para a
participação social e tantos outros temas que compõem boa agenda de
pesquisa.
O estudo do processo legislativo pode ainda ser formal – ter como
objeto o cumprimento e/ou a necessidade de ajustes do conjunto de regras
que regulam a criação de outras normas – ou material – buscar compreender
os motivos da elaboração de determinada norma jurídica, bem como os
conflitos e as visões distintas que se confrontaram durante o processo de
formulação e discussão.
Sob a lente formal, é possível perguntar se o procedimento
constitucional para se aprovar uma emenda ou uma lei complementar tem
sido seguido, ou como estão construídos os regimentos internos das casas
legislativas quanto à participação de terceiros no processo. Os interstícios
temporais regimentalmente previstos são observados em casos de matérias
relevantes para o governo? E assim por diante.
Sob a chave material, é possível perquirir quais diagnósticos foram
utilizados para a elaboração da nova lei geral de proteção de dados, por
exemplo, e qual o prognóstico esperado. De que forma argumentos jurídicos
e extrajurídicos moldaram o debate? Quais foram contemplados no texto
final da norma? Ainda, é possível tentar compreender como a dinâmica
política-legislativa afeta o resultado legislativo final. Será que a menção em
lei a um regulamento posterior decorreu de uma efetiva crença no papel do
decreto regulamentador, ou foi espécie de solução salomônica para
destravar determinado entrave político e permitir que o projeto de lei
avançasse, postergando debates difíceis? E assim por diante96.
3.2.
Em suma, o estudo do processo legislativo carrega em si uma
infinidade de agendas de pesquisa. Também é ferramenta poderosa para
aumentar a profundidade do estudo de outros temas, sob outros métodos,
apresentados neste livro.
Justificativas
Decorrência das pesquisas em processo legislativo, um dos
instrumentos mais importantes para seu estudo está na justificativa
apresentada pela autoridade responsável pela proposta normativa. Todo
projeto de lei apresentado por um parlamentar deve conter uma justificativa,
em que o autor explicita as razões que o levaram a fazer aquela proposta.
O pesquisador logo perceberá que a qualidade das justificativas varia
muito: no mais das vezes, à primeira vista, tais textos parecem não querer
dizer muita coisa. Contudo, isso já é, em si, um elemento de análise – como
adiantado anteriormente, quais são as verdadeiras razões por trás de uma
determinada proposta? Há diagnóstico efetivo? Considerando o que é
efetivamente apresentado como fundamento, a proposta legislativa se presta
a alcançar o objetivo a que se propõe? Sabe-se aonde quer chegar?
Na última década, vários estudos se concentraram na explicação do
fenômeno da legislação para além dos problemas formais, incluindo aí
investigações sobre os motivos da lei. Um exemplo de análise de processo
legislativo em sua dimensão maisampla é o trabalho de Machado et al.
(2010), Atividade legislativa e obstáculos à inovação em matéria penal no
Brasil, que compõe a série de estudos Pensando o Direito, da hoje extinta
Secretaria de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça. A pesquisa
analisou as justificativas de vários projetos de lei então em trâmite no
Congresso Nacional para tentar compreender as razões invocadas pelos
legisladores para propor, com frequência, aumento de penas ou criação de
novos tipos penais. Estudos semelhantes podem ser desenvolvidos para
qualquer área do direito, e não apenas no âmbito do Poder Legislativo.
3.3.
Outro exemplo de análise de justificativas para a produção legislativa
está em obra de autor deste capítulo, em que se analisa a aprovação da Lei
dos Crimes Hediondos e as sucessivas propostas para sua alteração
posterior (PAIVA, 2007). Utilizou-se como fonte primária as justificativas
parlamentares para contextualizar as demandas com outros aspectos
culturais, sociais e midiáticos que influenciam o processo legislativo.
Histórico legislativo
A evolução de um determinado instituto jurídico ao longo do tempo
também é ferramenta poderosa para auxiliar na sua interpretação. A análise
do histórico legislativo pode ser considerada uma espécie de comparação (v.
item 3.7 a seguir) entre textos jurídicos separados não geograficamente,
mas no tempo.
O estudo do histórico legislativo de determinada matéria pode se
prestar à análise da origem e do contexto histórico de leis e regras hoje
vigentes, ou das diferenças e semelhanças entre normas aplicáveis em
períodos históricos distintos. Também pode colocar sob escrutínio o
contexto social, cultural ou econômico em que formas de regulação foram
propostas ou alteradas. Trata-se de técnica que permite investigar a
evolução de conceitos jurídicos, a ampliação – ou redução – do
reconhecimento de direitos, a construção de políticas públicas, entre outros.
Em suma, trata-se de buscar conhecer o contexto de surgimento de
determinada lei ou regra jurídica, cujos fundamentos, interpretações ou
aplicações podem ser muito diferentes dos atuais.
Um ótimo exemplo de pesquisa histórica no âmbito legislativo é o
trabalho de Queiroz (2017), em que o autor contribuiu para o intenso debate
sobre o conceito de crime de responsabilidade na esteira do processo de
impeachment da Presidenta Dilma Rousseff. O trabalho partiu da análise
não apenas da doutrina brasileira e do direito comparado, mas
especialmente de pareceres jurídicos e propostas legislativas no parlamento
brasileiro desde o início do século XX, colocando a norma em seu devido
3.4.
contexto histórico. Também em Paiva (2015) buscou-se contextualizar o
atual estágio da política criminal brasileira a partir de trabalhos legislativos
e de comissões parlamentares montadas desde a edição do Código Penal de
1940 e, especialmente, a partir dos amplos debates na Assembleia Nacional
Constituinte (1986-1988).
Capacidade normativa do Executivo
Embora para parte da doutrina tradicional isso ainda seja analisado sob
a ótica de funções potencialmente atípicas, ou até mesmo como espécie de
resquício autoritário, o fato é que o Poder Executivo brasileiro é
extremamente relevante e atuante no processo de elaboração de nossa
legislação. Em que pese o bom debate sobre o peso efetivo de tais índices,
parece fora de dúvida que as altíssimas taxas de dominância e de sucesso do
Executivo no Brasil demonstram sua proeminência nesse processo97.
Nesse sentido, a edição de decretos, de projetos de lei e, em especial,
de medidas provisórias faz com que a participação formal e informal do
Executivo no processo legislativo e o processo de elaboração normativa
dentro do próprio Executivo sejam agendas interessantes – e ainda pouco
exploradas – de pesquisa pelo viés do direito. As Exposições de Motivos do
Executivo (ou a falta delas)98, por exemplo, ainda não foram devidamente
tratadas pela academia.
Um outro eixo de análise da produção normativa do Executivo se
coloca em nível infralegal, especialmente quando falamos de entidades da
administração indireta, como as agências reguladoras, ou de conselhos com
algum grau de capacidade normativa. Como e sob quais premissas de fato e
de direito uma agência edita um novo regramento? Como são definidas as
resoluções do Conselho Nacional do Meio Ambiente – Conama ou do
Conselho Nacional de Trânsito – Contran, que afetam diretamente a vida do
cidadão e dos agentes econômicos?
3.5.
Por fim, lembre-se de que o Poder Judiciário também tem iniciativa
legislativa (cf., por exemplo, o art. 96, II, da CF), e que seus membros
participam, inclusive informalmente, de processos de avaliação e emenda
de leis. Há, aí, importante possibilidade de investigação ainda incipiente.
Demais estopins legislativos
A fagulha que dá início a um processo de construção normativa não
ocorre apenas por decisão de um agente do Poder Legislativo, do Poder
Executivo ou, em situações específicas, do Poder Judiciário. Na prática,
inúmeros outros atores e situa ções podem dar ensejo ao debate sobre a
criação de uma nova norma. A compreen são de tais motivações ou de tais
mecanismos é excelente agenda de investigação.
Pense-se, por exemplo, no papel da alta burocracia dos Ministérios
que, ao avaliarem determinada política pública instituída por lei, detectam a
necessidade de ajustes; o mesmo vale para a chamada burocracia de nível
de rua, composta por servidores que atuam na ponta para a implementação
de políticas, cuja sensibilidade para detectar entraves regulatórios e propor
soluções é enorme. Entender quais normas derivam desse tipo de
ocorrência, e como funcionam tais correias de transmissão até que a norma
seja ajustada, é assunto interessantíssimo para a exata compreensão de um
regulamento.
O papel de grupos de interesse, de movimentos sociais e de lobistas
também importa ao direito. Qual o real motor de determinada lei que
concede incentivos fiscais a determinado setor econômico? Qual o impacto
que uma Conferência Nacional de Saúde gera na produção normativa
relativa ao seu setor? Quanto aos atos normativos em si, importa conhecer o
que outrora qualificamos como DNA da lei99; quanto ao desenho
institucional que cerca tal produção, em agenda bastante ligada aos estudos
sobre processo legislativo formal e informal, importa conhecer e pensar no
desenvolvimento de mecanismos que ofereçam maior transparência,
3.6.
3.7.
efetividade e rastreabilidade à participação de interessados na produção
normativa.
Há ainda outras ocorrências que podem dar ensejo à produção de uma
lei. Eventos midiáticos relevantes, como o assassinato da atriz Daniela
Peres ou o vazamento de fotos íntimas de atores, tragédias como a da Boate
Kiss ou, mais recentemente, a de Brumadinho, têm impacto direto na
produção normativa e são campo fértil de pesquisa100.
Lei e Desenvolvimento
Uma outra abordagem possível às investigações que envolvem
pesquisas legislativas, que tangencia pesquisas sobre direito e políticas
públicas, tratada no Capítulo 19, reside no papel positivo ou negativo que o
direito, em geral, e o ato normativo, em especial, podem ter para o (não)
desenvolvimento de determinados países.
Se um dos inúmeros papéis contemporâneos do ato normativo é o de
estruturar arranjos institucionais que permitam a boa execução de políticas
públicas (COUTINHO, 2013a, 2013b), compreender se determinado ato ou
conjunto de atos normativos foi ou é capaz de estabelecê-los é agenda
relevante, estudada, usualmente, sob a chave teórica de Direito e Políticas
Públicas101, ou sob as premissas do Direito e Desenvolvimento102.
Sob essa lógica, é possível discutir se a legislação de determinado
setor é entrave ou fomento ao desenvolvimento econômico ou social do
país, ou se eventual transplante de modelo de países desenvolvidos
produziu ou não os efeitos desejados quando implementado no contexto de
países em desenvolvimento.
Legislação comparada
Outra vertente bastante comum de pesquisa legislativa é a comparação
entre legislações aplicáveis emâmbitos diferentes. Por exemplo, a
comparação entre o imposto sobre mercadorias em Pernambuco e Alagoas,
ou sobre empresas públicas no Brasil e na França, ou sobre como a União
Europeia e os EUA tratam o tema de privacidade na internet.
A tradição de estudo de direito comparado é bastante antiga. Há
séculos, doutrinadores se propõem a classificar diferentes legislações em
sistemas jurídicos baseados em suas semelhanças e diferenças: quais são as
fontes do direito, qual o papel da jurisprudência, quais os trâmites
necessários para a regulação de determinado aspecto da vida social. Mas a
importância da comparação legislativa aumentou consideravelmente não
apenas na pesquisa doutrinária, mas na prática jurídica. Afinal, com o
aprofundamento da globalização dos mercados, do trânsito de pessoas e de
capitais, do estabelecimento de entidades públicas e privadas que não se
limitam ao território de um estado nacional, conhecer o funcionamento de
outros sistemas jurídicos tornou-se imperativo.
Ao iniciar um projeto de pesquisa legislativa comparada, é preciso
responder a três perguntas básicas: (a) por que comparar? (b) o que
comparar? (c) como comparar? A resposta a essas perguntas irá determinar
quais são os melhores métodos a se utilizar, e os resultados que se devem
esperar do trabalho de investigação.
A primeira questão, por que comparar?, não é tão trivial quanto pode
parecer. Ela nos obriga a formular uma questão de pesquisa, a definir o
objeto de estudo. Qual é o problema que a comparação entre leis, normas e
sistemas jurídicos distintos pode ajudar a resolver? Esse objetivo pode ser
melhorar a qualidade das normas jurídicas locais (“qual a melhor estratégia
jurídica para o combate à lavagem de dinheiro?”), buscar a melhor solução
para um problema jurídico concreto (“como outras cidades estão regulando
o uso de bicicletas e patinetes elétricos?”) ou harmonizar aspectos
regulatórios (“como é a tributação de dividendos nos países do
Mercosul?”).
A segunda questão, o que comparar?, decorre da resposta que se dê
para a primeira, e também é mais complexa do que aparenta. É preciso ter
em conta que leis e outras normas jurídicas devem ser analisadas no
contexto de sua criação e aplicação. Como demonstram sistematicamente
•
•
•
3.8.
estudos da área de Direito e Desenvolvimento, por exemplo, a mera
importação de modelos jurídicos de outros países sem a devida
consideração de contexto é equívoco bastante frequente de legisladores, e
também o pode ser no caso de pesquisadores. A comparação entre uma lei
criminal brasileira e uma dos Estados Unidos, por exemplo, não fará sentido
sem a consideração de que o sistema jurídico brasileiro está fundado na
tradição do direito romano, em que a lei é a fonte primária do direito, em
contraste com o direito anglo-saxão – e, ademais, que a legislação criminal
nos EUA é basicamente de competência estadual.
Para responder à terceira questão, como comparar?, o pesquisador
pode fazer uso de uma série de métodos, isoladamente ou em conjunto103:
Método funcional: identificar o problema social concreto e
analisar as maneiras com que são solucionadas em diferentes
jurisdições – por exemplo, como diferentes países regulam a
possibilidade de greve de controladores aéreos;
Método analítico: analisar conceitos jurídicos específicos em
diferentes sistemas jurídicos e verificar as semelhanças e diferenças
entre eles – como o “direito à moradia” é compreendido em
diferentes jurisdições, por exemplo;
Método estrutural: analisar a estrutura jurídica relacionada ao
aspecto que se deseja estudar, relacionado à organização da
atividade econômica ou, em nível mais amplo, ao próprio estado –
por exemplo, como se estrutura o regime de proteção à propriedade
intelectual na China e na Rússia.
Para algumas questões de pesquisa, pode ser útil verificar a existência
de trabalhos ou relatórios de organismos internacionais que tenham se
debruçado sobre o tema. Há muitas iniciativas de “legislação modelo” sobre
os diversos assuntos, em geral precedidas de trabalhos aprofundados de
direito comparado104.
Política legislativo-regulatória
Finalmente, outra frente de pesquisas sobre legislação, que tem
avançado bastante ao longo dos últimos 25 anos, diz respeito não à
legislação pertinente a determinado setor ou área do direito, mas sim ao
próprio modo e forma de legislar, bem como à qualidade da legislação ou
da regulação produzida.
Pesquisas nessa linha inserem-se no que se chama de legisprudência,
política legislativa ou, em sua nomenclatura mais comum na Europa,
política regulatória. Também há quem chame tal campo de pesquisas de
legística, em que pese defendamos que tal definição também pode ser vista
como espécie de pesquisa legislativa mais voltada ao texto normativo em si
(legística formal ou técnica legislativa). Para que não se perca a amplitude
necessária ao debate no Brasil, preferimos qualificá-la como política
legislativo-regulatória105.
A política legislativo-regulatória é espécie de meta política pública
voltada ao aperfeiçoamento do processo de elaboração de instrumentos
normativos e, fundamentalmente, ao incremento da qualidade das normas.
É meta política porque almeja, ao fim e ao cabo, melhorar o desenho
normativo que embala outras políticas. Ganhou peso especialmente a partir
de políticas adotadas pela OCDE em 1995/1997 e avança fortemente em
diferentes países (embora sem exata convergência)106.
PARA SABER MAIS
PARA SABER MAIS
Para ter contato com os documentos centrais e entender as diferentes dimensões do
que chamamos de política regulatória ou política legislativo-regulatória, vale navegar
pelos seguintes sites:
OCDE: .
União Europeia: .
No Brasil, cf. os recentes Decretos n. 9.191/2017 e n. 9.203/2017, bem como o
Guia da Política de Governança Pública
() e as Diretrizes Gerais e Guia
Orientativo para Elaboração de Análise de Impacto Regulatório
().
Diferentes tipos de pesquisa podem ser realizados aqui. Sob a ótica do
texto normativo propriamente dito (drafting), ou da qualidade das previsões
normativas em si, há agenda de pesquisa focada nos elementos tradicionais
voltados à melhoria redacional, como a busca por clareza, objetividade e
acessibilidade de textos. Há também debates contemporâneos mais
sofisticados acerca da simplificação da linguagem e da chamada plain
language, bem como quanto ao uso de elementos da economia
comportamental – como a visibilidade de pontos-chave da norma (salience)
– para obtenção de melhores resultados. Considerando que a atenção é um
bem escasso, seria possível e desejável dar destaque a itens específicos de
um ato normativo de forma a garantir seu cumprimento? Seria possível usar
imagens e fluxogramas em um texto normativo, ou como seu anexo, de
forma a ampliar a inteligibilidade de determinada ordem legal?
Em agenda bastante cara à regulação, também é possível se debruçar
sobre a mecânica de causa e efeito entre ação normativa e resultados
práticos. O foco recai no como fazer, e no debate sobre qual alternativa
regulatória é mais conveniente a determinado tipo de indução
comportamental que se pretenda. A ideia de comando e controle, como
sanções administrativas ou penais diante de um comportamento que o
http://www.oecd.org/regreform/
legislador quer reduzir, são sempre a melhor opção? Quando devo usar em
uma lei incentivos econômicos, ou o redesenho de uma matriz de
responsabilidades? Dar transparência a uma lista de devedores pode ser
mais efetivo do que simplesmente cobrá-los por cartas e ofícios?
Tal eixo está particularmente em profusão no mundo e também no
Brasil, com os recentes avanços relativos à governança pública e à adoção
da chamada análise de impacto regulatório por agências reguladoras e
mesmo por órgãos da administração direta. Debates sobreas metodologias
específicas que envolvem a produção de uma norma (análises custo-
benefício, custo-efetividade, governança baseada no risco etc.) também
representam um bom campo de estudos, além de área fértil a pesquisas
empíricas. Análises ex post dos efeitos e dos impactos de uma lei – no
Brasil agora chamadas de análise de resultado regulatório – também
avançam no mundo107.
Um outro eixo, já tangenciado, diz respeito a debates sobre
participação, abertura e transparência no processo de elaboração normativa.
Entender o grau ótimo de participação nos processos, os ganhos e os limites
da abertura à participação dos agentes interessados no tema, ou mesmo o
momento e a forma de dar transparência a processos deliberativos com
vistas a uma nova norma estão na mesa. Como pode ocorrer a
democratização do processo legislativo ou regulatório? Modelos
participativos estáticos – cidadão envia contribuições ao Estado – e
dinâmicos – cidadão interage diretamente com cidadão e Estado ao longo
do processo de elaboração normativa – devem ser usados em quais
circunstâncias? Mecanismos de crowdsourcing, como o que foi
supostamente usado na elaboração da Constituição islandesa, são de fato
positivos108? Qual a real eficácia de processos de consultas e audiências
pública em agências reguladoras?
Por último, temas interessantíssimos e ainda pouco estudados no
detalhe no Brasil, com exceção daqueles que estudam ou trabalham com
política regulatória em específico, relativos ao gerenciamento e atualização
4.
do estoque regulatório como um todo, podem ser mobilizados – tal assunto
tem crescido, especialmente, no âmbito das agências reguladores
brasileiras, que avançam em normas e métodos de controle de seus estoques
normativos109. As consolidações normativas com vistas à simplificação de
textos ao cidadão, que almejam aglutinar em uma única norma dezenas de
normas anteriores que se sobrepõem ou que se contradizem, estão previstas
em nossa legislação há mais de 20 anos, mas ainda são pouco utilizadas110.
O próprio controle de estoque regulatório, com regras como, por exemplo, o
one-in, one-out ou o one in, two out, avança fora do país e merece
tratamento acadêmico específico111.
CONCLUSÃO
A pesquisa jurídica sobre legislação é ferramenta essencial para o
estudo do Direito. Para além da consulta às fontes oficiais de normas
jurídicas – que, como visto, exige cautelas – e das tradicionais abordagens
relativas a hipóteses de aplicação e de interpretação, há amplo campo
investigativo que nos permite qualificar trabalhos, fugindo de abordagens
meramente formais ou tradicionais.
De um lado, é fundamental observar mais atentamente as regras que
permeiam o processo legislativo, suas formalidades, regras formais e
informais, justificativas, atores e resultados. De outro, também importa
colocar a lupa em momentos anteriores e posteriores à elaboração da
norma: compreender aspectos políticos, sociológicos, econômicos e tantos
outros que se encontram no processo de criação normativa, nos diagnósticos
e prognósticos, em sua aplicação e em sua avaliação de efeitos e resultados.
Ainda, o próprio conjunto de atos normativos é, em si, interessante objeto
de pesquisa, como demonstram as diferentes possibilidades de investigação
trazidas pela chamada política legislativo-regulatória.
O campo é de interesse profundo e crescente na academia jurídica. Os
tópicos aqui descritos não esgotam o tema. Definitivamente, há larga
agenda de pesquisa a ser desenvolvida.
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1.
8
MEU TRABALHO PRECISA DE UM CAPÍTULO
HISTÓRICO?
THIAGO DOS SANTOS ACCA112
O USO INADEQUADO DA HISTÓRIA NOS
TRABALHOS JURÍDICOS
Quando ministro aulas de metodologia de pesquisa, sempre que
possível procuro trabalhar em sala de aula com meus alunos a partir de uma
dinâmica de desconstrução/reconstrução. Parto do que eles já sabem,
portanto, de um mundo coletivamente partilhado para questionar alguns
“pressupostos” de como se deve realizar uma pesquisa jurídica. Minha
experiência demonstra que essa díade os auxilia a compreender o que
eventualmente estejam fazendo de errado e, principalmente, o motivo pelo
qual não deveriam continuar a construir seus trabalhos da forma como
fazem. Logo após esse momento de desconforto, invariavelmente, surge a
questão: “Professor, se não devo fazer nada disso do que vimos em sala de
aula, então o que devo fazer?”. Gostaria de me valer do mesmo expediente
na construção deste artigo. Assim, em um primeiro momento, vou mostrar
como, em geral, o (mau) uso da história pode aparecer em trabalhos
científicos. Em um segundo momento, vou explicar como a história pode
ser bem utilizada trazendo um ganho de qualidade para os trabalhos
acadêmicos.
Há uma tendência no Brasil a se iniciar um trabalho jurídico por uma
narração de fatos históricos. Há quem diga que a ausência de uma parte
histórica redundará na incompletude do trabalho. Conheço professores que
orientaram seus alunos a incluí rem, mesmo a contragosto do pesquisador,
um item denominado “evolução histórica”, pois, caso contrário, o trabalho
estaria incompleto.
Desconfio de que essa necessidade foi formada pela leitura de manuais
durante os anos de graduação e mesmo, por vezes, em cursos de pós-
graduação. A nossa formação jurídica é baseada, em grande medida, na
leitura de doutrina cujos textos são basicamente constituídos por manuais.
Esse tipo de bibliografia tem em comum um ponto: apresentam um modo
de abordagem de seu objeto de estudo (direito constitucional, penal etc.) em
que inicialmente são narrados fatos históricos. Esse modo de abordagem foi
naturalizado pela doutrina nacional. Assim, surgiu quase uma obrigação de
se iniciar qualquer texto jurídico acadêmico com uma parte histórica113.
Seja como for, o fato é que muitos pesquisadores adotam o pressuposto
de que o uso da história é inerente a todo trabalho jurídico,
independentemente do tema a ser desenvolvido. Presencio os mais diversos
temas contemplados por uma parte histórica. Essa amplitude abarca
assuntos tão diferentes quanto direito à moradia, contrato de consumo e
justiça tributária.
O pesquisador esforça-se para narrar resumidamente a história do
direito pelas quatro Idades (Antiga, Média, Moderna e Contemporânea).
Por exemplo, fala-se do direito romano, do direito na Idade Média, às vezes
abordam fatos ocorridos nos séculos XVIII e XIX para, de repente,
chegarmos à Constituição Brasileira de 1988. Todos esses passos ocorrem
em 5 ou 10 páginas. Em suma, dois mil anos de história (ou mais) são
resumidos em poucas páginas. Essa forma de tratar a história redunda em
um texto superficial. Afinal de contas, por qual razão se deve resumir dois
mil anos de história em 5 páginas? De qualquer forma, do ponto de vista
metodológico, a superficialidade não me parece o ponto mais relevante,
embora, certamente, deva ser evitada. Há outro ponto que afeta
decisivamente a qualidade dos trabalhos acadêmicos.
Por que, ao estudar um assunto como contratos, direito tributário ou
propriedade, é necessário tratá-los, em algum momento do trabalho
acadêmico, historicamente? Aqui há um problema que efetivamente pode
afetar a qualidade da pesquisa: o diálogo com a história não é visto como
uma compreensão mais adequada do tema, do problema de pesquisa ou uma
melhor fundamentação de seus argumentos, mas tão somente como uma
obrigação, um item que precisa, necessariamente, ser abordado no início de
um trabalho acadêmico. Essa visão não entende a interdisciplinaridade
como uma tarefa particular e que necessita de alguns cuidados. Dessa
forma, a “parte histórica” é inserida nos textos não como um
desenvolvimento natural de um argumento necessário para uma
compreensão mais adequada do tema, mas sim como um item que precisa
obrigatoriamente constar no trabalho.
O resultado dessa experiência não pode ser positivo, já que o
pesquisador inclui uma parte histórica em seu trabalho sem ao menos saber
o motivo pelo qual assim está agindo. Tive a oportunidade de me deparar
com trabalhos que afirmavam, por exemplo, como o direito romano já
contemplava este ou aquele conceito, instituto ou ideia. Se pensarmos com
calma, podemos facilmente levantar uma dificuldade ao tratarmos dele. Ao
se falar em direito romano, a que período especificamente pretendemos nos
referir? O direito romano possui, no mínimo, mil anos de história, o que
complica sobremaneira que falemos em “O Direito Romano”. Essas
dificuldades simplesmente são ignoradas no desenvolvimento do trabalho.
Você já refletiu detidamente sobre a seguinte pergunta: por que discutir
história em um trabalho jurídico? Vou me apropriar de um outro texto para
trazê-lo como exemplo. Tive a oportunidade de ler um trabalho que
pretendia discutir o direito à educação na Constituição de 1988, porém
dissertava em 15 páginas sobre a educação (e não sobre direito à educação)
na pré-história, passando pela educação grega (Atenas e Esparta), romana e
na Idade Média. Mesmo desconsiderando qualquer questãoespecífica de
2.
metodologia de história, a pergunta principal a se fazer é: qual a relevância
em discutir a educação em marco temporal tão variado e extenso se o tema
é o direito à educação na Constituição de 1988? Se o autor pretendia
contextualizar o direito à educação, seria mais adequado tratar, por
exemplo, da história do direito à educação nas Constituições do Brasil.
A história é usada de forma pouco rigorosa nas pesquisas jurídicas no
Brasil. No entanto, isso não significa que uma formação em história seja
imprescindível para elaborar um trabalho com um bom diálogo entre direito
e história. Alguns cuidados metodológicos básicos são suficientes para
agregar qualidade na pesquisa.
QUANDO É APROPRIADO CONSTRUIR MEU
TRABALHO COM UMA PERSPECTIVA
HISTÓRICA114
O primeiro questionamento que o pesquisador deve fazer a si mesmo
diz respeito à necessidade de se escrever uma parte histórica. Essa minha
afirmação pode ser óbvia, porém, como anteriormente discutido, muitos
acadêmicos sequer se dão conta do seu propósito ao escrever um item
denominado “evolução histórica”.
É preciso ressaltar dois pontos. O primeiro é que nem todo trabalho
exigirá uma parte histórica. O segundo é que, mesmo identificando a sua
necessidade, isso não significa narrar fatos ocorridos desde o Código de
Hamurabi. O recorte temporal, bem como o que deve ser ressaltado dentro
do recorte escolhido, dependerá do tema, do problema de pesquisa a ser
enfrentado em um trabalho acadêmico.
A pergunta persiste: quando faz sentido usar história em meu trabalho?
O passo fundamental é ter consciência do que se pretende ressaltar. Em
outras palavras, é imprescindível que o pesquisador se questione: ao inserir
uma visão histórica, o que pretendo agregar em meu trabalho?
DICA
Tudo o que for escrito em um trabalho acadêmico deve ter um objetivo, um sentido, um
porquê. Nunca escreva nada para simplesmente consumir espaço, ou porque escrever tal ou
qual coisa lhe pareça uma praxe que você deve seguir. Em primeiro lugar, porque, do ponto
de vista acadêmico, essa atitude diminui a qualidade do trabalho. Em segundo lugar, do ponto
de vista pragmático, o examinador pode atribuir uma nota abaixo da média ao perceber que o
pós-graduando está simplesmente acrescentando informações desconexas e injustificadas em
face do problema de pesquisa proposto pelo trabalho acadêmico. A parte histórica é vista
como a possibilidade de facilmente ganhar mais alguns parágrafos para conseguir obter o
número exigido de páginas. Não caia nessa tentação! Só insira uma parte histórica se
realmente estiver convencido de que ela é importante para o seu trabalho.
Algumas possibilidades são: (a) compreensão mais adequada do
problema de pesquisa; (b) circunstâncias históricas que vão ilustrar ou
reforçar a argumentação; e (c) contextualização do debate referente ao tema
escolhido. Essas possibilidades justificam a inclusão de uma parte histórica
no desenvolvimento do trabalho.
Vou exemplificar cada uma dessas possibilidades com base no uso que
a doutrina faz da história. O primeiro caso pode ser identificado na obra de
Maria Paula Dallari Bucci, Direito administrativo e políticas públicas. A
autora formula o seguinte problema de pesquisa: contemporaneamente, qual
deve ser o papel desempenhado pelo direito administrativo no Brasil? A
autora pretende buscar uma nova estruturação para o direito
administrativo, já que, conforme seu entendimento, as ações realizadas pela
Administração Pública não são efetivas. A falta de efetividade ocorre na
coordenação tanto das funções estatais quanto “dos atores sociais na direção
do desenvolvimento coletivo do povo no Brasil” (BUCCI, 2006, p.
XXXVII-XXXVIII). Por que se faz necessário buscar essa nova
estruturação, esse novo papel para o direito administrativo? Parte
importante da resposta pode ser encontrada na história. A narração de fatos
históricos fornecerá elementos para que se compreenda melhor seu
problema de pesquisa.
Assim, em face do processo histórico transformador do Estado, afirma
a autora que é necessário “rever o papel do direito administrativo na nova
ordem social que se esboça” (BUCCI, 2006, p. 3). O item 1, denominado A
crise do Estado nos anos 80 e 90: novos papéis para o Estado e a
Administração Pública (BUCCI, 2006, p. 1-3), mostra, em não mais do que
três páginas, que a partir dos anos 1970, com as duas crises do petróleo, há
um processo de redefinição do papel do Estado. O Estado mantém as suas
funções, porém passa a contar com uma relação mais próxima com entes
privados por meio, por exemplo, de concessões de serviços públicos. Por
que será que o direito administrativo possuiria um novo papel nos dias
atuais? O que justificaria a intenção da autora em investigar o problema de
pesquisa proposto? Ora, são exatamente as alterações, segundo Bucci,
ocorridas na configuração do Estado nos anos 1980 e 1990 que sugerem
que o direito administrativo tem de assumir um novo papel. Nesse contexto,
a narração histórica está completamente justificada, pois o leitor
compreende melhor o problema de pesquisa a ser enfrentado pela autora.
O segundo caso, ou seja, o uso de circunstâncias históricas para ilustrar
e reforçar um argumento, aparece na obra Juízes legisladores?, de Mauro
Cappelletti. A tese sustentada pelo autor é a de que os juízes, ao aplicarem o
direito, não apenas agem como mediadores de soluções preexistentes no
sistema jurídico, mas sim que seu papel, de modo semelhante ao legislador,
é o de criar direito (CAPPELLETTI, 1999, p. 13-16 e 20-27)115. Para
fortalecer o argumento de que os juízes não só possuem, mas também
devem possuir um alto poder criativo, o autor narra as alterações
vivenciadas pela sociedade, pelo direito e pelo Estado no pós-Segunda
Guerra. Toda a segunda parte do livro, denominada Causas e efeitos da
intensificação da criatividade jurisprudencial, é dedicada a narrar fatos
históricos no intuito de reforçar a ideia de que a criatividade dos juízes não
só existe como também, em virtude de um contexto histórico específico,
deve ser significativa.
Cappelletti, nascido em 1927, teve a oportunidade de testemunhar a
história ao presenciar as alterações advindas do pós-Segunda Guerra. O
Estado passa, paulatinamente, a se tornar um big government ao legislar
extensamente em áreas até aquele momento estranhas ao direito, como
política social e economia. Assim, a função legislativa passa a regular
diversas áreas da vida social. Essa legislação também passa a ser formulada
com características diferenciadas em relação ao que vinha ocorrendo
anteriormente, pois a partir da constituição de Estados sociais a legislação
apresenta maior número de disposições jurídicas finalísticas e
principiológicas116. Esse aumento da criatividade dos juízes ocorre,
portanto, em face das alterações do papel do Estado no decorrer da história.
O Judiciário “não pode simplesmente ignorar as profundas transformações
do mundo real” (CAPPELLETTI, 1999, p. 46). Com um Estado
interferindo cada vez mais em diversas áreas da vida social, é preciso um
Judiciário forte para poder manter um controle efetivo e equilibrado entre
os Poderes (CAPPELLETTI, 1999, p. 54).
As mudanças na sociedade levam à necessidade de alteração na
compreensão da atuação da figura do juiz, bem como do processo civil. No
texto de Cappelletti, a história desempenha um papel importante, até
mesmo imprescindível, no intuito de mostrar como a figura do juiz que cria
direito, para além de qualquer questão teórica envolvida, é uma necessidade
dos novos tempos. Da mesma forma, caso se queira que a tutela
jurisdicional seja efetiva, é preciso reformular a visão que se tem do
processo civil para que este deixe de considerar única e exclusivamente o
indivíduo como objeto de tutela (CAPPELLETTI, 1999, p. 59).
Por fim, o uso da história também pode ser justificado pela
necessidade de contextualização de um debate referente ao tema escolhido
pelo pesquisador. Virgílio Afonso da Silva, em sua obra Direitos
fundamentais: conteúdo essencial, restrições e eficácia,no Capítulo 6,
aborda o tema da eficácia das normas constitucionais (2009, p. 209-251).
Aqui o autor se valerá da reconstrução histórica para expor o debate
desenvolvido no Brasil sobre o aludido tema. Por que será que o autor
recupera os conceitos e os argumentos elaborados pelos diversos autores na
história do direito brasileiro? É preciso ficar claro que não se faz isso pelo
fato de que é uma espécie de “obrigação acadêmica” em recriar o
pensamento sob um viés histórico. Esse panorama do pensamento jurídico
brasileiro é narrado para que o leitor tenha conhecimento dos principais
argumentos debatidos no Brasil sobre a eficácia das normas constitucionais.
DICA
O desenvolvimento da leitura atenta e crítica dos textos é essencial para que se possa progredir
metodologicamente. Um fator importante de aprendizagem é a realização de uma leitura ativa
da doutrina, da jurisprudência ou da legislação que servirá como alicerce para a produção de
um trabalho acadêmico. Não basta ler os textos, é preciso efetivamente estudá-los. Assim, por
exemplo, um exercício proveitoso é verificar o modo pelo qual a história é usada pela doutrina.
Tente identificar nos textos lidos qual das perspectivas aludidas acima está sendo utilizada para
construir a relação entre direito e história.
Perceba-se que em nenhum dos três exemplos supramencionados os
autores recorrem a fatos históricos que não estejam relacionados
estritamente com o objeto de seu estudo. Nesse sentido, no caso de Bucci,
não há uma reconstrução do modo pelo qual o Estado foi historicamente
constituído. Da mesma forma, o texto de Virgílio Afonso da Silva não
mostra o panorama do pensamento de eficácia das normas jurídicas desde
os romanos. Por que eles não remontam suas discussões a tempos mais
remotos? Simplesmente porque não é necessário, e mais, seria
despropositado de acordo com os temas que estão estudando.
No caso de Virgílio Afonso da Silva, por exemplo, sua discussão está
claramente vinculada a um debate sobre eficácia das normas constitucionais
realizado proficua mente após a publicação do livro Aplicabilidade das
normas constitucionais, de autoria de José Afonso da Silva, cuja primeira
edição é de 1968. Assim, Virgílio Afonso da Silva pretende retomar esse
debate para deixar claro com qual tradição está discutindo. Ele vai discordar
de posições assumidas pela doutrina brasileira da eficácia das normas
constitucionais. Por que haveria, então, de se falar do conceito de eficácia
desde os romanos? Para o tema, é irrelevante saber se os romanos discutiam
ou não o conceito de eficácia, porque seu diálogo é com a doutrina
brasileira a partir dos anos 1960. Portanto, basta ir ao debate jurídico acerca
da eficácia das normas constitucionais a partir dos anos 1960 a fim de
retomar as ideias que são importantes para o debate que se quer propor.
Entretanto, há trabalhos que pressupõem o uso da história não para que
se compreenda mais adequadamente o problema de pesquisa ou a
construção argumentativa, mas, sim, em virtude da busca incessante em
demonstrar que o autor é culto. A história proporcionaria ao trabalho um ar
de erudição. No entanto, essa é uma visão equivocada do papel da história
do direito.
Em acréscimo a tudo o que foi discutido até este momento, o
entendimento de sua principal função proporciona um norte para que se
decida quando usar ou não a história em um trabalho acadêmico. Afinal,
para que serve a história do direito? Diferentemente do que em geral se
entende, seu propósito primordial não é possibilitar que o jurista tenha uma
cultura mais ampla, mas sim mostrar que o significado e a construção do
direito não estão previamente dados (HESPANHA, 2019, p. 13-14; LOPES,
2014, p. 13). A história do direito consegue mostrar que, em épocas e
regiões distintas, as soluções jurídicas para determinados problemas foram
muito diferentes, o que indica, portanto, que não há uma solução jurídica
definitiva, porém ela é sempre instável e passível de crítica, de alteração, de
mudança. Por isso, afirma Lopes (2014, p. 13) que a história do direito
“desempenhará o papel da desmistificação do eterno e ajudará a
compreender que vivemos no tempo da ação”.
PARA SABER MAIS
3.
PARA SABER MAIS
Recomendo vivamente a leitura dos capítulos introdutórios dos livros de António Manuel
Hespanha (2019, p. 13-83) e José Reinaldo de Lima Lopes (2014, p. 1-14). Esses dois autores
escreveram de forma didática e resumida quais são as principais tarefas da história do direito.
Essas ideias podem servir como parâmetro para facilitar a interlocução entre direito e história.
CUIDADOS COM A ABORDAGEM HISTÓRICA DO
DIREITO
Não é possível desenvolver um trabalho sem ter alguma noção básica
de metodologia de história. Esse conhecimento é necessário mesmo para
trabalhos que não estão voltados a desenvolver pesquisas em história do
direito. Não estou me referindo, evidentemente, a um conhecimento
aprofundado da metodologia histórica, tampouco ao desenvolvimento do
trabalho a partir de suas escolas teóricas117.
É preciso ver a História como uma área de conhecimento distinta do
direito e que, portanto, exige que conheçamos suas características. A
interdisciplinaridade só será frutífera caso consigamos estabelecer efetivo
diálogo entre duas áreas de conhecimento. É preciso compreender os limites
e as formas de se fazer uma pesquisa histórica para que possamos
estabelecer um diálogo entre direito e história.
A compreensão dos limites das fontes e, por conseguinte, de sua
interpretação, por exemplo, depende de um conhecimento elementar de
história. Carr aponta para o fato de que a narração histórica é construída
com fontes que nem sempre nos trarão um panorama fiel118 dos
acontecimentos.
Ademais, o jurista deve duvidar de uma visão da história que
contempla a continuidade, o progresso e a evolução (LOPES, 2014, p. 5-8).
Não há continuidade em história, ou seja, o futuro é sempre aberto e
contingente. Os fatos passados não nos levam a concluir sobre como será o
futuro. Algumas séries de ficção científica produzidas nos anos 1960 pela
3.1.
TV americana são bons exemplos da contingência do futuro. Se tomarmos
séries como Jornada nas Estrelas (Star Trek) ou Perdidos no Espaço (Lost
in Space), veremos que as espaçonaves são repletas de botões, alavancas e
luzes coloridas. A construção do futuro nas mencionadas séries é uma visão
ampliada da sua própria realidade, ou seja, toda a tecnologia imaginada era
semelhante aos aparelhos conhecidos na época. No entanto, o futuro
mostrou que o “moderno” não eram os botões, tampouco as luzes coloridas
e alavancas. Quem poderia imaginar há 40, 50 anos a popularização de
computadores, smartphones, tablets, fotografia digital?
Da mesma forma, a ideia de que estamos progredindo ou evoluindo
não está amparada pelos fatos. Nesse caso, a questão mais importante a ser
respondida diz respeito ao significado de “evolução” ou “progresso”. Será
que a sociedade romana ou grega antiga, ou, ainda, a sociedade medieval,
seriam mais atrasadas do que a nossa? Sob que perspectiva poderíamos
fazer essa afirmação?
Deixando os preconceitos e as caricaturas de lado:
aprendendo a ler o passado pelo passado
A forma como a história é transmitida aos alunos nos ensinos
fundamental e médio deixa-os presos a duas visões limitadoras do modo
como encaram o passado. Essas limitações acabam por prejudicar a
construção dos trabalhos acadêmicos. Esses problemas são: (a) a análise do
passado com os valores do presente; (b) a simplificação dos personagens,
fatos, instituições, regras jurídicas e pensamento do passado, criando,
assim, “verdades” que não conseguem se manter diante de um estudo mais
aprofundado da história. Os dois fatores em conjunto podem levar a uma
distorção dos acontecimentos históricos. Dessa forma, ficamos apenas com
sua caricatura.
A Idade Média (476-1453), por exemplo, é vista como um período de
“trevas” pelos juristas, ou seja, um momento na história em que nada
ocorreu de importante ou, se algo foi produzido, não deve ser positivamenteconsiderado. Período que pode ser resumido pela fome, guerra, violência,
ruptura de contato com os valores clássicos. Ocorre que um trabalho
jurídico sério e de envergadura deve qualificar a afirmação de que a Idade
Média foi um período que pode ser resumido unicamente por
acontecimentos negativos. Sob que perspectiva a Idade Média pode ser
considerada um período “de trevas”?
No campo do direito houve contribuições fundamentais para a
formação da cultura jurídica ocidental. O Digesto119 foi compilado (em 533)
e redescoberto (século XI) ainda na Idade Média. Esse material foi
fundamental, por exemplo, para os primórdios do ensino jurídico. Ademais,
a Idade Média nos legou a noção de que o direito não pode negar seus
pontos de partida, isto é, a solução para um dado caso deve sempre partir de
um texto, de uma regra jurídica (FERRAZ JR., 1998, p. 39-41). Nas artes
podem-se citar várias contribuições importantes, como a arte gótica e,
inclusive, a música composta no período120. Certamente, do ponto de vista
do conforto material, não foi este o momento em que a civilização esteve
em posição privilegiada. Entretanto, não me parece esse fato justificar que a
Idade Média foi constituída pelas “trevas”. Ademais, essa não é uma visão
compartilhada pelos próprios historiadores, mas apenas por aqueles,
justamente por não conhecerem a história, que ainda olham o passado com
certo preconceito. Veem o passado não como um momento contingente com
suas idiossincrasias, com seus próprios problemas a serem resolvidos, com
sua ideologia, com seu modo de ver o mundo, mas como um momento ou
pior do que o atual ou romantizado, nostálgico.
É curioso notar que há períodos injustificadamente considerados
“funestos”, da mesma forma que outros são interpretados como
“iluminados”. A visão de direito romano que os alunos recebem nos bancos
universitários segue justamente a linha do olhar romantizado e nostálgico
sobre o passado. O direito romano parece ter previsto praticamente todos os
conceitos, institutos, ideias, desde a propriedade, passando pelo direito
tributário e pelas relações de consumo. É preciso minimamente tentar
compreender o direito romano e não sua caricatura121. Para tanto, é
necessário consultar as fontes bibliográficas adequadas.
A história do direito brasileiro também é alvo de caricaturas dessa
natureza. Sem uma preocupação em se debruçar sobre documentos e sobre
a historiografia, as instituições jurídicas do passado podem facilmente ser
adjetivadas como atrasadas, despóticas ou não democráticas. No Brasil, o
Poder Moderador é alvo de críticas que, em parte, desconsideram o
contexto histórico de sua criação.
No Império, o Estado era constituído não por três, mas por quatro
Poderes. Além do Executivo, Legislativo e Judiciário, existia o Poder
Moderador122. Meu propósito com esse exemplo não é construir uma defesa,
tampouco uma crítica, ao modelo institucional criado no Império. O que
pretendo ressaltar é que esse modelo, bom ou ruim, não deve ser visto
simplesmente como uma criação tresloucada de um determinado
personagem histórico. O Poder Moderador deve ser inserido em um
contexto histórico e político específico. Ao se realizar tal tarefa, percebe-se
que sua concepção responde a um problema vivenciado por todos os
Estados democráticos e constitucionais do início do século XIX. Assim,
explica Lopes:
O poder moderador, criticado por décadas a fio durante o Império, respondia a uma
necessidade sentida por todos os primeiros Estados constitucionais e representativos: como dar
estabilidade a um Estado que de quando em quando tem sua representação política mudada?
Como garantir existência mesma do Estado quando as massas podem mudar de opinião a cada
dois, três ou quatro anos e, portanto, pôr tudo a perder em termos de continuidade dos arranjos
político-constitucionais e administrativos? Em toda parte isto era um problema, que ao fim
veio a ser resolvido de vários modos (LOPES, 2006, p. 18-19 – grifei).
Esses exemplos mostram as caricaturas que os juristas costumam fazer
do passado. Assim, saliento que não se podem pesquisar fatos históricos
sem compreendê-los minimamente a partir dos problemas enfrentados pela
sociedade investigada. É importante que sejam estudados sem preconceitos,
3.2.
nostalgia, caricatura, para basear-nos unicamente nas fontes e nas
interpretações de autores que se voltam para o estudo aprofundado da
história e da história do direito.
Utilização de fontes históricas
O pesquisador deve ter cuidado com as fontes que utilizará em seu
trabalho. Tendo em vista que o jurista, em geral, não possui dupla formação
e, portanto, não é ao mesmo tempo bacharel em direito e em história, a
pesquisa de fontes para a elaboração da parte histórica pode se tornar mais
espinhosa. Afinal, quais seriam os livros mais adequados a serem lidos?
Qual a legislação mais correta a ser consultada? O jurista procura,
invariavelmente, como “fonte histórica” os manuais de direito. O problema
não está com os manuais, mas sim com o uso que o pesquisador acaba
fazendo deles. Por exemplo, caso se queira retratar as vicissitudes da
história constitucional, a fonte por excelência será algum manual da área.
O que, então, é preciso fazer? Em primeiro lugar, o pesquisador deve
dar-se conta do quanto já sabe sobre o tema histórico ao qual pretende se
dedicar. Ao responder a essa indagação, teremos basicamente duas
possibilidades: ou há algum conhecimento mínimo ou nada se sabe sobre o
assunto. No primeiro caso, sugiro que o pesquisador comece a examinar
obras gerais sobre história do direito123 ou mesmo obras gerais sobre um
determinado tema de história do direito124. No segundo caso, é preciso ter
um pouco mais de cuidado. Se o momento histórico a ser estudado é
totalmente desconhecido para o pesquisador, inicialmente é preciso ter um
conhecimento de história. Não é produtivo começar a ler um texto
complexo e aprofundado sobre o Conselho de Estado no Império se nem
sequer conheço a existência do Poder Moderador e de suas competências.
Assim, sugiro que o pesquisador que queira situar algum ponto de seu
trabalho na história parta de obras gerais de história125.
4.
Outra sugestão que me parece relevante é ter conhecimento, a
depender do tema, dos textos das Constituições do Brasil. Uma fonte rica de
conhecimento em diversas áreas.
Dentro desse contexto, quem quer falar sobre o direito romano não
deve basear-se em material secundário. Se queremos saber quais as regras
que regiam o testamento no direto romano, o mais adequado é nos valer de
fontes diretas, como o Digesto de Justiniano ou suas Institutas, e não obter
informações a partir, por exemplo, de autores como Pontes de Miranda. Ele
certamente foi um jurista renomado e tem uma produção importante na área
do direito privado, como seu famoso Tratado de Direito Privado; porém,
este é um livro de dogmática de direito civil e não de história do direito.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A pergunta-chave a ser respondida pelo pesquisador para a inclusão ou
não de uma parte histórica é a seguinte: há algum ganho substancial para o
meu trabalho caso fatos históricos sejam nele inseridos? O leitor
compreenderá melhor o debate que pretendo mapear ou o meu problema de
pesquisa ou, ainda, minha argumentação tornar-se-á mais sólida em virtude
do desenvolvimento de uma parte histórica?
Se a história em nada contribuir para uma melhor compreensão de seu
trabalho em alguma dessas dimensões apontadas, então uma parte histórica
não se faz necessária. No entanto, caso as respostas sejam positivas, é
preciso se fazer outra série de perguntas: qual o período histórico que devo
abordar? Qual a bibliografia que devo usar? Lembre-se de que a parte
histórica, a depender do tema, não precisa começar do Código de
Hamurabi, do direito romano ou do Código Napoleônico. Na maioria das
vezes, regressar alguns anos ou décadas já é suficiente para desenvolver o
diálogo entre direito e história. Por sua vez, com relação às fontes, invista
na leitura de textos especializados de história e, principalmente,curiosidade teórica sobre o direito e seu status epistemológico, mas que
interessam pouco aos alunos que não tenham esse perfil. Para quem quer
fazer um trabalho de qualidade, mas nem por isso deseja se converter em
filósofo da ciência, ou em profundo teórico do direito, as preleções sobre
paradigmas da ciência moderna ou separação entre sujeito e objeto soam
enfadonhas e distantes. Muitas vezes são frustrantes também, pois não
ajudam, de maneira imediata, a enfrentar os obstáculos mais corriqueiros
que surgem durante a escrita de um trabalho científico.
O papel dos trabalhos científicos no Direito mudou muito de alguns
anos para cá: hoje temos muitas (demasiadas, a bem da verdade) faculdades
de direito funcionando no Brasil, onde estudam milhares de alunos que têm,
todos, a obrigação de escrever trabalhos científicos – a temida monografia
de final de curso, ou trabalho de conclusão de curso – como requisito para
seu bacharelado. Boa parte desses alunos irá, pouco tempo depois da
formatura, perseguir uma especialização acadêmica em sua área de
preferência em algum dos muitos cursos de pós-graduação lato sensu
existentes no mercado, os chamados cursos de especialização, onde,
eventualmente, terão de fazer um trabalho científico. Embora a mais recente
resolução do Conselho Nacional de Educação (CNE) tenha deixado de
mencionar a obrigatoriedade de desenvolver um trabalho científico para
obtenção do título de especialista, os cursos de mestrado profissional estão
se multiplicando pelo país e exigem, para sua titulação, a produção de um
trabalho acadêmico. Além disso, há dezenas de programas de mestrado e
doutorado em Direito no Brasil, cada vez em maior número. Assim, de
pouco tempo para cá, os trabalhos científicos no campo jurídico, que antes
ficavam restritos ao mundo das poucas pessoas que buscavam formação em
pesquisa em cursos de mestrado e doutorado em universidades públicas ou
seletas escolas privadas, agora pertencem ao universo da massa variada de
estudantes de graduação e pós-graduação em Direito. Esses estudantes têm
interesses heterogêneos, mas é certo que muitos deles não querem ser
cientistas, filósofos ou metodólogos; querem, isso sim, ser advogados
tributaristas, juízes da infância e juventude, defensores públicos, membros
do Ministério Público, diplomatas, procuradores etc. – querem, em outras
palavras, perseguir carreiras jurídicas práticas e não acadêmicas. Essas
pessoas têm, via de regra, preocupações formativas que passam longe da
epistemologia jurídica ou da metodologia das ciências sociais, mesmo
porque tais conhecimentos, embora úteis, não são condições necessárias
para que se tenha sucesso em nenhuma dessas profissões. Nesse sentido, os
bacharéis em Direito distanciam-se de quem vem das outras ciências sociais
aplicadas: nestas últimas, os conhecimentos metodológicos são mais
imediatamente constitutivos dos profissionais da área, sejam eles
acadêmicos ou não. Um sociólogo precisa saber fazer pesquisa social
quando atua como professor universitário, mas também quando é
responsável por, digamos, pesquisas de mercado sobre comportamento de
consumidores em uma agência publicitária. O mesmo não vale para um
advogado, magistrado ou promotor: todos podem ser ótimos profissionais
sem que estejam familiarizados com o estado da arte da metodologia da
pesquisa jurídica (muito embora conhecimentos metodológicos sempre
ajudem no bom pensar).
Este livro objetiva fornecer um guia prático para a elaboração de
trabalhos científicos em direito. Seu conteúdo é prático em um duplo
sentido: primeiro, porque espelha dúvidas mais recorrentes e importantes
que alunos de graduação e pós-graduação em direito fizeram e fazem aos
seus autores, todos professores da disciplina em diferentes instituições de
ensino pelo Brasil: como devo usar a jurisprudência na minha pesquisa?
Tenho de escrever um capítulo histórico? Como devo fazer entrevistas, caso
necessite delas? E assim por diante. Segundo, porque reflete também o
estado da arte das pesquisas em que as autoras e os autores estão envolvidos
enquanto acadêmicos, revelando desafios reais da investigação científica do
direito e estratégias concretamente adotadas para sua superação. O livro
encontra-se, portanto, no meio do caminho entre as dúvidas de alunos
iniciantes na pesquisa e os desafios de pesquisadores profissionais do
direito, cada qual escrevendo sobre sua área de expertise.
2. A QUEM SERVE ESTE LIVRO?
A concepção de objetividade e praticidade do livro que antecedeu a
este (Metodologia Jurídica, 2012) teve como referência o aluno de cursos
de especialização em direito, cujo perfil era o do profissional sem tempo
para se dedicar ao aprofundamento das questões teóricas relacionadas à
produção acadêmica. Mas esse perfil de aluno, ocupado e inexperiente, se
espalha por outros contextos: os acadêmicos não habituais e com pouca
experiência de pesquisa estão também nos cursos de graduação e mestrado
profissional; são seguramente a maioria nos cursos de pós-graduação stricto
sensu também. Acadêmicos não habituais não têm na pesquisa científica
sua principal ocupação, mas precisam, em algum momento particular,
conhecer e aplicar de alguma maneira as técnicas e métodos de pesquisa de
modo competente e funcional. Estamos entre aqueles que acreditam que
essas habilidades não só viabilizam bons trabalhos científicos, mas
contribuem também para o incremento de competências valorizadas nas
profissões práticas do direito, tais como localização de informações
precisas, resolução de problemas completos e clareza na argumentação
escrita.
O livro também pode servir a acadêmicos mais experientes, que
poderão encontrar aqui informações úteis. Poderão consultá-lo como um
manual prático para sanar dúvidas pontuais sobre exigências formais
específicas (como uma referência bibliográfica pouco usual), bem como
para aproveitar as dicas objetivas e precisas sobre as várias etapas da
produção científica, as quais a experiência nem sempre é capaz de
sistematizar com clareza. Não é raro que o tempo apague da memória
algumas das lições dessa matéria ou que o hábito gere vícios pouco
saudáveis.
Esta obra atende a diferentes necessidades em diferentes níveis,
portanto. Organizada como roteiro e estruturada como referência ponto a
ponto entre os requisitos, as convenções e as formalidades da produção
científica, ela pode ser consultada de diferentes maneiras, com distintos
3.
propósitos. Em linhas gerais, este livro possui uma sequência lógica e
concatenada de capítulos, os quais podem ser lidos na ordem estabelecida
ou consultados de maneira independente e em diferentes níveis de
profundidade.
Considerada em seu todo, esta obra revela sua utilidade como roteiro
prático, sendo de especial valia aos estudantes iniciantes na graduação e na
pós-graduação que tenham de fazer trabalhos de fôlego, seja em disciplinas
específicas, ou, ainda, e principalmente, nas etapas de término, quando
devem redigir seus trabalhos de conclusão de curso (TCC). Para os
primeiros, que não possuem senão uma vaga ideia do que seja uma
produção científica, uma leitura atenta deste livro, acompanhada de alguma
atenção de seus orientadores, já os ajudará a produzir um trabalho
acadêmico respeitável. Para os demais, muitos dos quais já passaram pelo
temido trabalho de conclusão da graduação, este roteiro os ajudará a pôr em
ordem os trabalhos de pós-graduação, cuja densidade de pesquisa exige um
planejamento bem estruturado desde o início.
Qualquer que seja o caso, este livro visa tornar acessível um conjunto
de técnicas científicas mais diretamente aplicáveis a trabalhos jurídicos, de
maneira concisa e abrangente, servindo a todos que necessitem de
informações descomplicadas e objetivas que os auxiliem na produção
científica em direito.
MESTRADO PROFISSIONAL
O mestrado profissional em direito é recente no Brasil. O programa
pioneiro foi o da Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio
Vargas, iniciado em 2013. Depois deste, vários outros programas foram e
estão sendo criados, em númerode história
do direito. Evite ler somente manuais.
Ressalto que a inclusão de uma parte histórica no trabalho acadêmico
não deve ser vista como uma obrigação. A ausência do diálogo entre
história e direito não significa, necessariamente, sua incompletude.
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Institutes. Ithaca: Cornell University Press, 1987.
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das Letras, 1997. v. 1.
WATSON, Alan (org.). The Digest of Justinian. Philadelphia: University
of Pennsylvania Press, 1998. 4 v.
1.
9
ACHTUNG BABY! OU PORQUE MEU TRABALHO
ACADÊMICO NÃO PRECISA DE DIREITO
COMPARADO... ATÉ QUE SE PROVE O
CONTRÁRIO
FABIA FERNANDES CARVALHO126
INTRODUÇÃO
O ato de comparar não é algo estranho ao direito. Ao contrário, a
comparação faz parte da rotina dos estudantes e de todas as pessoas que
atuam no campo jurídico profissional, seja advocacia, defensoria pública,
magistratura, academia, entre outras atividades. Comparamos dispositivos
legislativos para compreender como determinada questão é regulamentada
pelo direito, comparamos decisões judiciais para verificar como
determinado tribunal ou corte se posiciona sobre dada problemática
jurídica, assim como comparamos o posicionamento teórico de autoras e
autores para entender como certo problema jurídico é articulado em termos
mais abstratos. Em outras palavras, comparar é ato fundamental à prática
argumentativa em que se constitui o direito.
No entanto, quando pensamos em trabalhos científicos no campo
jurídico, o ato de comparar passa a ter uma dimensão diferente. De
atividade integrante da rotina de estudantes e profissionais do direito, a
comparação se torna algo mais específico e sofisticado no contexto de
trabalhos acadêmicos. Assim, mesmo que em um primeiro momento seja
possível se sentir à vontade com a inserção de um capítulo sobre direito
comparado em uma monografia de final de curso, por exemplo, essa
empreitada compreende dificuldades e questionamentos que extrapolam o
uso corriqueiro da comparação no campo do direito. Por mais familiar que
nos pareça o ato de comparar, quando precisamos escrever um artigo
científico, uma monografia, um trabalho de conclusão de curso, uma tese de
doutorado ou uma dissertação de mestrado, questionamentos mais rigorosos
sobre comparação devem necessariamente vir à tona.
Este capítulo buscará explorar justamente esses questionamentos sobre
os usos do direito comparado em trabalhos científicos no campo jurídico.
Assim como analisado no Capítulo 8 deste livro127, parto do pressuposto de
que há um uso inadequado do direito comparado na produção de trabalhos
científicos no campo do direito no Brasil. Da mesma forma como visto para
a inserção do item “evolução histórica”, a inserção de um item ou capítulo
sobre direito comparado parece ser vista como etapa necessária para que o
trabalho acadêmico possa ser considerado completo e adequado no contexto
brasileiro.
O resultado desse uso “burocrático” do direito comparado no Brasil,
isto é, como um capítulo ou item obrigatório em um trabalho acadêmico, é a
inserção de informações esparsas sobre determinado instituto ou conceito
jurídico em um certo grupo de países. Em algumas poucas páginas, o leitor
faz uma rápida viagem pelo mundo (normalmente, uma viagem restrita a
certos países europeus e aos Estados Unidos), por meio de uma listagem de
como determinado conceito jurídico é regulamentado na França, na Itália,
na Alemanha etc. Sem uma justificativa robusta que oriente o olhar para a
experiência estrangeira e sem uma análise aprofundada de cada
ordenamento jurídico mencionado, geralmente o capítulo ou item sobre
direito comparado reduz-se à um apanhado de informações coletadas com
pouco rigor metodológico. Terminada a parte do trabalho que trata da
perspectiva comparada, o pesquisador segue sua análise sem articular as
formas pelas quais o direito comparado contribui para uma melhor
exploração do problema de pesquisa proposto.
2.
Este capítulo desafia fortemente essa prática. O uso do direito
comparado, tal como supradescrito, constitui um desperdício de tempo e de
energia do pesquisador, além de constituir um desperdício de páginas de um
trabalho científico. É nesse sentido que o título deste capítulo deve ser lido.
Um trabalho acadêmico no campo do direito não precisa desse uso
“burocrático” de direito comparado – não existe nenhuma regra específica
em metodologia científica, tampouco entre as normas técnicas para
apresentação de trabalhos acadêmicos no Brasil, que determine a
obrigatoriedade de inserção de um item ou capítulo sobre direito comparado
em um trabalho acadêmico no campo do direito. Não faz sentido, assim,
perpetuar uma prática que não traz contribuições substantivas à produção de
conhecimento jurídico em nosso país.
Pelas razões que serão exploradas a seguir, a decisão pelo uso da
comparação em um trabalho científico deve ser refletida e devidamente
justificada no trabalho. Várias ponderações devem ser realizadas, desde
questões práticas, como o conhecimento de outras línguas e o acesso a
materiais e bases de dados de outros países, até questões teóricas próprias
do campo de estudos em que atualmente se constitui o direito comparado.
Este capítulo tem como objetivo lançar luz em alguns desses
questionamentos e ponderações, para que a eventual decisão pela inclusão
do direito comparado em um trabalho científico no campo do direito possa
ser uma decisão informada e justificada.
DIREITO COMPARADO COMO CAMPO DE
ESTUDOS: CONSTRUÇÃO DE IDENTIDADES
NACIONAIS, TRANSPLANTES JURÍDICOS E
GOVERNANÇA GLOBAL
Antes de abordar os questionamentos que julgo importantes para
embasar a decisão pelo uso do direito comparado em um trabalho
acadêmico, é importante ressaltar algumas questões relacionadas ao direito
comparado como disciplina. Esses apontamentos iniciais serão breves, mas
trata-se de esclarecimentosque só tende a aumentar.
A demanda por profissionais de mercado que buscam na academia
uma alta qualificação está crescendo. Em grande parte, esses alunos são
profissionais já com alguma experiência prática, mas que possuem pouca
4.
familiaridade com normas acadêmicas. São também pessoas que não
possuem, como regra, folga de tempo disponível para se apropriar de
rigores e formalidades científicas. Segundo a Portaria n. 17/20093, o
mestrado profissional é um curso stricto sensu, mas com público-alvo
distinto. Os alunos são profissionais com grande conhecimento e atuação no
mercado, que não necessariamente pretendem seguir uma carreira
exclusivamente acadêmica. Formam-se mestres, mas com foco voltado à
pesquisa aplicada, e não pesquisadores com atuação exclusiva na academia.
Este livro também está na medida do que mestrandos de programas
stricto sensu profissionais precisam. Uma fonte de consulta objetiva e
prática para auxiliá-los desde a formulação do seu problema de pesquisa até
a execução e registros científicos. O Capítulo 3 é inteiramente dedicado à
pesquisa jurídica no Mestrado Profissional.
O QUE HÁ NESTE LIVRO?
Este livro está dividido em cinco partes, fracionadas em 27 capítulos.
Cada parte representa uma etapa do roteiro de elaboração de um trabalho
científico em direito; e cada capítulo, um tópico possivelmente relevante
para cada uma dessas etapas. Embora as grandes partes cubram etapas
necessárias à produção de um trabalho científico (determinar o tipo de
pesquisa a ser feita, executá-la, redigir o trabalho), os capítulos dentro de
cada uma delas terão pertinências diferentes para diferentes tipos de
pesquisa: quem for fazer, por exemplo, um trabalho de pesquisa
jurisprudencial deverá passar pelos Capítulos 6 e 13, mas não precisará
passar pelo Capítulo 8 se estiver convencido de que seu trabalho não
precisará de uma parte histórica.
Na primeira parte, há orientações gerais sobre os objetivos do livro e
como utilizá-lo (Capítulo 1), bem como os formatos possíveis de trabalhos
acadêmicos que alunas e alunos de direito podem ter de escrever (Capítulo
2). Ela também inclui um capítulo sobre a pesquisa jurídica aplicada no
âmbito de mestrados profissionais (Capítulo 3).
A parte 2 pode ajudar o pesquisador na etapa inicial de construção da
sua pesquisa, oferecendo caminhos e inspirações para iniciar a concepção
do seu problema de pesquisa caso esteja com dúvida sobre o tema diante da
área de interesse (Capítulo 4). O Capítulo 5 cuida de uma das dúvidas
elementares de jovens pesquisadores: como é possível dar “cientificidade” à
resposta de uma questão jurídica controvertida, quando parece haver boas
razões para ambos os lados da contenda? Há também capítulos que ajudam
a avaliar a necessidade de uma pesquisa jurisprudencial (Capítulo 6), de um
capítulo histórico (Capítulo 8) ou de direito comparado (Capítulo 9). O
Capítulo 7 trata de um tema inexplicavelmente negligenciado na pesquisa
jurídica (salvo raras exceções, como é o caso dos autores que o
escreveram): a pesquisa legislativa.
A parte 3 apresenta métodos e técnicas úteis para a execução de vários
tipos de pesquisa jurídica. Ele começa com o projeto de pesquisa,
documento básico para o planejamento de uma investigação minimamente
adequada (Capítulo 10). Em seguida, apresenta ferramentas para
localização de informação jurídica básica na internet (“doutrina” e
legislação, pois jurisprudência é cuidada no Capítulo 6). O Capítulo 12
apresenta um método e técnicas para leitura de textos teóricos complexos.
O Capítulo 13 explica como coletar e organizar as informações coletadas
em pesquisa jurisprudencial de modo adequado e funcional. Os capítulos
seguintes abordam a realização de entrevistas (Capítulo 14) e a observação
etnográfica em contextos jurídico-institucionais (Capítulo 15). O Capítulo
16 apresenta orientações para a realização de pesquisa em arquivos
históricos, enquanto o Capítulo 17 explica o uso do método do estudo de
caso e sua aplicação para temas jurídicos.
Na parte 4, apresentamos algumas agendas contemporâneas da
pesquisa jurídica, que podem apontar caminhos interessantes de pesquisa.
Elas cuidam de áreas interdisciplinares, cujo conteúdo não foi ainda
“canonizado” por manuais ou programas oficiais de disciplina, e que por
isso costumam trazer maiores dificuldades para pesquisadores menos
experientes. Há capítulos que apresentam os campos de pesquisa de Direito
e Economia (Capítulo 18), Direito e Políticas Públicas (Capítulo 19),
Direito e Tecnologia (Capítulo 20), Direito, Feminismos e Gênero (Capítulo
21), Direito e Discriminação (Capítulo 22), e finalmente o estado da arte da
agenda de pesquisa sobre o Supremo Tribunal Federal (Capítulo 23).
Detalhamento e orientações sobre o registro formal e escrito da
pesquisa estão na parte 5. A pesquisa deve culminar com a redação de um
texto (artigo, TCC, dissertação ou tese) que a apresente e a comunique de
maneira clara, correta e eficiente. O Capítulo 24 traz apontamentos iniciais
para a redação de textos acadêmicos em direito. O Capítulo 25 explica as
normas para formatação do texto e padronização de textos e referências,
conforme as normas técnicas da ABNT ou o Manual de Chicago. O
Capítulo 26 apresenta ferramentas de informática necessárias para a
formatação do trabalho final, ensinando como resolver rapidamente
dificuldades com processadores de texto que roubam tempo de acadêmicos
das humanidades. O Capítulo 27 é dedicado às boas práticas éticas na
pesquisa e na redação de textos jurídicos.
Os leitores notarão que recursos visuais, como tabelas e quadros, são
frequentes no livro. Eles são estratégias de organização da informação
apresentada pelos autores, de modo a simplificar a sua consulta. Notará
também que todos os capítulos são recheados de exemplos, do que fazer e
do que não fazer, referentes a cada tipo de pesquisa. Todos os exemplos são
tirados de pesquisas reais, devidamente publicadas pelos seus autores.
2
ESCRITA CIENTÍFICA EM DIREITO: ESPÉCIES DE
TRABALHOS ACADÊMICOS E SUAS PRINCIPAIS
CARACTERÍSTICAS
RAFAEL MAFEI RABELO QUEIROZ4
MARINA FEFERBAUM5
Na área do direito, os trabalhos de conclusão de curso (ou TCCs) não
costumam ter a mesma variedade de formas das outras áreas do
conhecimento, como nas artes (em que se pode produzir um vídeo, executar
um número musical ou construir uma maquete) ou em áreas tecnológicas
(em que se pode construir um robô ou um protótipo de automóvel). No
direito, os trabalhos se apresentam sempre como textos escritos, no típico
monográfico, com um conteúdo invariavelmente homogêneo (conceito,
natureza jurídica, evolução histórica, o tema na jurisprudência etc.), o que
faz pensar numa espécie de modelo canônico a partir do qual toda produção
jurídica acadêmica é concebida e executada. Por isso, muitos têm a
impressão de que existe um único tipo de trabalho de conclusão em direito
– “a” monografia, como se não houvesse vários tipos de trabalhos
monográficos – e que fazer um trabalho acadêmico-jurídico é sempre
produzir um texto à imagem e semelhança desse cânone.
Não é o caso. Mesmo limitados à forma escrita, os trabalhos jurídicos
não são tão restritos como parecem à primeira vista. Além da conhecida
“monografia”, artigos científicos, dissertações e teses exemplificam a
variedade possível de trabalhos acadêmicos no campo jurídico. As opções à
disposição do aluno dependem, por sua vez, do tipo de programa e da
1.
instituição de ensino em cujo âmbito o trabalho seja produzido, a qual pode
estabelecer quais formatos serão aceitos.
Por disposições regulamentares dos órgãos governamentais
responsáveis pelos programas de mestrado e doutorado no Brasil, os
trabalhos de conclusão nesses programas devem ser dissertações e teses,
respectivamente, defendidos em sessões públicas perante uma banca de
examinadores devidamente titulados. Já nos programas de graduação e pós-
graduação lato sensu (especialização), admitem-se variedades de formatos.
Ainda assim, o trabalho mais comumente solicitado nesses programas é a
tradicional“monografia”, às vezes chamada de TCC (trabalho de conclusão
de curso). É importante conhecer a especificidade de cada um desses
trabalhos, de forma a ter clareza do que se exige de quem venha a
empreender qualquer um deles.
“MONOGRAFIAS”
A “monografia” é o formato de trabalho mais adotado pelas faculdades
de Direito no cumprimento da exigência de um trabalho obrigatório de final
de curso. Como o nome indica, impõe conteúdo monográfico; ou seja, ela
deve focar-se em um assunto específico e ser completa na abordagem que
dele fizer. A monografia é um trabalho completo por si só, pois constrói um
argumento bastante em si mesmo, da dúvida que suscita a investigação ao
encaminhamento de uma possível conclusão, exaurindo o estudo da
produção científica mais relevante a seu respeito. “Qualquer trabalho que se
proponha a examinar um tema específico, esgotando a sua análise, seria
subsumível no conceito genérico de monografia” (BARRAL, 2003, p. 15).
A monografia é um gênero de trabalho acadêmico que pode compreender,
portanto, desde um artigo científico de fôlego até uma longa tese de
doutorado, passando por trabalhos de conclusão de cursos de graduação ou
pós-graduação lato sensu, dissertações de mestrado ou mesmo trabalhos
disciplinares de matérias específicas na gradua ção ou pós-graduação. No
entanto, o nome “monografia” acabou associado, no Brasil, especificamente
a trabalhos de conclusão de graduação e pós-graduação lato sensu.
O primeiro aspecto constitutivo de uma monografia é o seu tema. O
tema é a fronteira de um trabalho. Numa primeira aproximação, fixar um
tema implica não mais do que delimitar um assunto. A “responsabilidade
civil”, por exemplo, é uma primeira aproximação a um tema monográfico
(ainda que seja excessivamente amplo e necessite de ulteriores recortes). A
“responsabilidade civil do Estado por omissão” é outro exemplo, uma
especificação do primeiro. Essa primeira aproximação deve, nos casos de
trabalhos de pretensões mais científicas, ser mais delimitada e recortada de
modo a produzir novos temas, cada vez mais restritos, todos
desdobramentos da primeira aproximação ao tema: “responsabilidade civil
objetiva por atividades de risco” seria uma especificação dentro do
amplíssimo tema da “responsabilidade civil”, por exemplo. Porém, não
importa o quanto seja delimitado, um tema nunca se esgota, pois o que o
constitui não é apenas o assunto, mas também o enfoque de análise a que
ele será submetido: uma compilação bibliográfica ampla sobre a
responsabilidade civil em atividades de tratamento de resíduos tóxicos não
se confunde com uma pesquisa jurisprudencial exaustiva sobre esse mesmo
tema, embora as duas foquem nos mesmos institutos jurídicos.
É por isso que não basta discorrer sobre determinado tema para se
produzir uma monografia. É necessário fazê-lo de maneira direcionada, ou
seja, com um objetivo. Monografias, como trabalhos científicos que são,
partem de dúvidas e procedem de modo a respondê-las, colhendo dados e
informações e fazendo interpretações e análises tendentes à resposta das
perguntas iniciais. Essas dúvidas iniciais, a serem respondidas por meio do
trabalho de pesquisa e análise de argumentos e dados, formam o verdadeiro
tema de uma monografia. Se quero fazer uma pesquisa cujo propósito seja
descobrir as nuances da jurisprudência sobre a responsabilidade civil
decorrente de atividades de manejo de lixo tóxico, então o meu tema pode
ser apresentado como “as regras de responsabilidade civil no manejo de lixo
tóxico na jurisprudência” (faltaria ainda acrescentar o tribunal e o intervalo
de tempo focados na pesquisa, o que daria ainda maior precisão ao recorte
temático). O objetivo da minha investigação – aquilo que quero descobrir –
constitui meu tema, note-se bem, moldando-o a partir de um assunto mais
amplo (responsabilidade civil por atividades de risco inerente).
Nem todo objetivo é compatível com o conteúdo de um texto
monográfico. Textos com o objetivo de ensinar, explicar ou divulgar
determinado tema não são monográficos, normalmente, pois não possuem
foco, aprofundamento ou completude suficientes em relação a um tema,
elementos que uma monografia deve ter. Tratados, manuais e cursos, por
mais completos que sejam, não são monográficos, pois sua principal
ambição é, digamos, horizontal – cobrir todo um campo de conhecimento,
não mais do que panoramicamente –, enquanto que em uma monografia o
propósito do autor deve ser vertical: aprofundar-se em um aspecto bastante
restrito de um tema pontual. Um texto monográfico deve ter um ponto de
partida (perguntas), um caminho (coleta de dados ou argumentos, análises e
intepretações) e um ponto de chegada (conclusão), alinhados coerentemente
com vistas ao objetivo inerente ao tema da pesquisa.
Um bom critério para saber se um trabalho é monográfico é verificar
se o texto traz um raciocínio que conduz a uma conclusão. Não basta que
ele tenha um capítulo final intitulado “Conclusão” se esta não decorrer de
um desenvolvimento intencional e articulado do texto, com base em dados e
argumentos interpretados ao longo do trabalho. Não basta, portanto,
escrever um texto no estilo manual didático (conceito, natureza jurídica,
evolução histórica...), criar um tópico final denominado “Conclusão” e
apresentar o trabalho como se monográfico fosse. As leitoras e os leitores
mais atentos já terão notado que os mais populares manuais e cursos do
mercado editorial brasileiro não têm um capítulo de conclusão, o que faz
perfeito sentido, já que manuais não são construídos com o propósito de
concluir coisa alguma. Trabalhos que se pretendem monográficos, mas são
elaborados à moda de manuais em geral, mostram-se inconclusivos, não
obstante, como aponta Oliveira (2006), seus autores esforcem-se para, ao
final, apresentar conclusões que muitas vezes não superam o senso comum,
e que não dependem de uma pesquisa científica para que se chegue a elas:
“o tema é difícil”, “o assunto é instigante”, “há muitas nuances”, “é preciso
decidir com cautela” etc. Casos tais apenas demonstram que seus autores
começaram trabalhos que deveriam ser monográficos, mas não tinham seus
objetivos bem definidos: faltavam-lhes perguntas claras e uma ideia de
como respondê-las.
EXEMPLO
Imaginemos um trabalho não monográfico sobre responsabilidade civil. O texto apresentaria
de início os elementos da responsabilidade: dano, nexo causal e culpa. Explicaria, em seguida,
cada um deles, detalhando cada teoria envolvida. Seguiria, então, para a discussão dos sujeitos
envolvidos, dedicando um capítulo inteiro ao Estado. E por aí iria. Ao final, concluiria seu autor
que a responsabilidade civil é um tema complexo, que merece ser estudado em minúcias, que
certos aspectos só podem ser apreciados caso a caso etc. O leitor desse texto certamente ficaria
bem informado sobre os conceitos básicos da matéria, mas tal conclusão não é aquilo que se
espera de um trabalho monográfico. Ou melhor, tal “conclusão” nem é, em sentido próprio,
uma verdadeira conclusão. Não basta incluir um capítulo chamado “Conclusão” para que o
trabalho, por mágica, torne-se conclusivo: a conclusão depende de um concatenamento
argumentativo que não existe em um trabalho com esse conteúdo.
Em um trabalho verdadeiramente monográfico sobre o mesmo tema do
exemplo anterior, o autor passaria rapidamente pelos elementos da
responsabilidade, conceituando-os com brevidade e profundidade apenas
necessária ao enfrentamento de suas questões de pesquisa. Optaria, como
introdução do trabalho, por contextualizar a responsabilidade civil à luz da
Constituição de 1988, analisando o instituto a partir das decisões do
Supremo Tribunal Federal, especificamente nos pontos em que o
entendimento da corte mudou em relação à Constituição anterior.
Observaria o autor que, embora não tivesse havido quaisquer alterações
relevantes de redação da normativa constitucional da responsabilidade civil
do Estado, a jurisprudência da corte sobre esse tema mudou a partir da nova
Carta. Tomando isso como ponto de partida, o autor procurariaidentificar
os fatores que teriam levado a essa mudança de posicionamento
jurisprudencial – eis uma dúvida de pesquisa possível. Analisando
1.1.
minuciosamente os julgados paradigmáticos, constataria, digamos,
frequentes referências à doutrina e filosofia alemã contemporânea, as quais
conduziam a interpretações mais integrativas dos dispositivos normativos
constitucionais, principalmente com normas de direitos fundamentais e
ponderação de princípios, bem como uma nova concepção do princípio
democrático. Concluiria, enfim, que os fatores identificados – a maior
influência de uma certa corrente doutrinária – foram provavelmente
responsáveis pela nova orientação da jurisprudência, deixando, contudo, em
aberto a discussão, à espera de análises semelhantes sobre temas diversos,
para reforçar as hipóteses levantadas. Nota-se que nesse trabalho hipotético
o autor enfrentou um problema específico: identificar os fundamentos que
levaram à mudança de posicionamento do Supremo Tribunal Federal sobre
a responsabilidade civil do Estado. Eis o cerne de um trabalho monográfico.
Desde o princípio, o autor tinha um objetivo definido, baseado em uma
inquietação sobre algo que até então não tinha respostas. Esse seu objetivo
– sanar uma dúvida, responder a uma pergunta – acaba por constituir o
próprio tema da pesquisa.
DICA
O fato de cursos e manuais não serem trabalhos monográficos não significa que não possa
haver definições e explicações de conceitos e teorias, como as que muitas vezes aparecem
nessas obras, no escopo de trabalhos monográficos. Elas podem e devem ser usadas quando
forem necessárias para o cumprimento do objetivo do tema proposto pela monografia. Se
estou fazendo um trabalho cujo objetivo seja definir se os ministros do STF diferenciam os
conceitos de “proporcionalidade” e “razoabilidade” em seus votos, então parece ser necessária
uma explicação sobre esses conceitos, inclusive para explicitar os critérios que permitem sua
identificação na dinâmica dos votos que analisarei6. Evite, ao contrário, usar explicações de
conceitos básicos se não for estritamente necessário. Lembre-se de que o trabalho é dirigido a
um examinador ou corretor que, em princípio, é expert no assunto, e não precisa tomar uma
aula das definições básicas da matéria com alguém que, como jovem pesquisador escrevendo
uma monografia de conclusão de curso, possivelmente estará dando seus primeiros passos na
carreira acadêmica.
Monografias para disciplinas de graduação
É provável que a primeira vez que se tenha de elaborar um trabalho
monográfico seja durante uma disciplina ainda no início do programa de
graduação. Ainda sem desenvoltura acadêmica, o estudante terá, via de
regra, dificuldades de realizar um trabalho com genuíno interesse científico.
Um trabalho nessa fase terá, provavelmente, finalidade sobretudo didática,
para que se comece a tomar contato com as exigências de estrutura,
referências, formatação e conteúdo envolvidos no trabalho monográfico.
A grande dificuldade das monografias disciplinares no início da vida
acadêmica encontra-se, sem dúvida, na definição de um tema e do método
apropriado para abordá-lo. Acostumado até então a lidar apenas com
manuais jurídicos, é comum que o estudante abra o primeiro livro à mão
para ver como o autor redigiu as referências bibliográficas, as quais se
encontram no centro das suas preocupações concernentes ao trabalho. O
passo seguinte é tomar o livro todo como paradigma, desde como
apresentar um tema até o estilo específico de redação, o que talvez explique
a sobrevivência de modismos e jargões da linguagem jurídica, como “é
mister” ou “o festejado autor”. A redação do manual e seu conteúdo passam
a ser exemplos de como o trabalho deve se apresentar.
Porém, manuais didáticos não são trabalhos monográficos e não
devem servir de modelo para uma monografia. Como já foi dito, para que o
trabalho tenha essência monográfica, é necessário que tenha um tema que o
oriente a um objetivo: algo que se queira descobrir, ou uma pergunta a que
se queira responder. Isso é algo raro em trabalhos dessa fase acadêmica
inicial, salvo quando houver atenta e constante orientação de um professor.
Uma possível maneira de se contornar essa dificuldade é eleger como tema
alguma discussão teórica em que haja correntes divergentes. Bastaria, então,
formular questões específicas que indiquem um problema a ser resolvido,
ou uma situação fática a ser constatada, sempre a partir de investigação e
pesquisa, e que tivesse tal divergência por objeto. Por exemplo: qual
corrente prevalece nos tribunais brasileiros quanto à polêmica da
internalização dos tratados de direitos humanos? Quais são os limites de
aplicação da corrente que considera os tratados incorporados anteriores à
1.2.
EC n. 45/2004 como infraconstitucionais e supralegais? Isto é, em quais
situações tal corrente não resolve o problema da interpretação do texto
anterior à referida emenda de maneira satisfatória? E assim por diante. O
importante é evitar um trabalho que imite um manual, cuja única finalidade
seja resumir a matéria, sem algo que se queira propriamente concluir. O
ponto central, que realmente agrega qualidade ao trabalho, é realizar
análises e interpretações próprias, pautadas numa lógica objetiva e em
critérios avaliatórios explícitos, que demonstrem coerência nos argumentos,
conduzindo o texto a uma conclusão. Isso é possível mesmo a um aluno de
graduação, desde que proximamente orientado.
Contudo, isso deve ser seguido apenas se o professor não estabelecer
um roteiro obrigatório de redação, caso em que o trabalho talvez sequer
chegue a ser monográfico. Nesses casos, quer-se apenas que o aluno estude
o conteúdo e redija um texto para fixação do aprendizado sob regras da
redação acadêmica.
Monografias de conclusão de curso na graduação (TCCs)
Na graduação em direito, os TCCs são, em regra, monografias
jurídicas, geralmente produzidas sob orientação de um professor do curso.
No entanto, a própria dedicação do aluno ao trabalho rivaliza com outras
coisas importantes em sua vida, já que, além de ter de estudar para as
provas finais, existe o assombro do Exame da Ordem dos Advogados do
Brasil, muitas vezes somado à busca da efetivação em seu emprego. Nessa
fase, soluções práticas são interessantes.
Nesse contexto, a primeira recomendação ao aluno é que escolha um
tema com que tenha afinidade. Tal escolha permite manejar temas de maior
complexidade mais facilmente, o que, além de ser o caminho mais seguro
para a produção de trabalhos consistentes e interessantes, é um bom ensaio
para aqueles que vislumbram fazer logo uma pós-graduação. Em sentido
contrário, a falta de afinidade prévia com o tema pode levar (e normalmente
leva) à elaboração de um trabalho não monográfico, com tendências a
1.3.
replicar manuais, que são, usualmente, o tipo de literatura a que um novato
em qualquer assunto é obrigado a recorrer.
DICA
Alguns alunos têm dificuldades para encontrar um tema em que se julguem minimamente
especialistas. Os que fazem estágio durante a faculdade têm um pouco mais de facilidade para
tanto, já que seus trabalhos em geral os tornam mais peritos em determinado assunto.
Entretanto, há outras maneiras de se chegar a um tema com que se tenha familiaridade,
inclusive para o aluno que não queira fazer seu trabalho sobre o mesmo tema de seu estágio:
o assunto de um trabalho importante que tenha sido feito durante a faculdade; um livro ou
autor lidos com especial afinco para uma disciplina, ou por gosto pessoal; um seminário
preparado com empenho, do qual ainda se tenha algum material de preparação guardado; ou
até mesmo um ponto de matéria estudado com especial afinco para uma prova.
Monografia de conclusão de curso em pós-graduação
lato sensu (especialização)
Embora já se encontrem na pós-graduação pesquisas bem realizadas e
trabalhos com grande qualidade científica, nesse nível também há
frequentes trabalhos produzidos à semelhança de cursos e manuais, o que,
reitera-se, se deve evitar. Muitas razões distintas contribuempara isso. Uma
delas é o vício trazido da graduação nos inúmeros trabalhos disciplinares
escritos de maneira explicativa, de modo a demonstrar ao professor o
aprendizado da matéria. Em outros casos, por desencantamento com o curso
ou qualquer outra frustração acumulada ao longo da pós-graduação, o aluno
perde a motivação para fazer um trabalho mais desafiador e instigante. Mas
também há, paradoxalmente, alunos muito interessados que desejam
produzir trabalhos diferenciados. Motivados em inovar, porém, acabam
confundindo “diferenciado” e “diferente”: elegem como assunto de trabalho
temas exóticos e obscuros, ou então inteiramente alheios às suas respectivas
áreas de familiaridade. Consequentemente, passam a maior parte do tempo
de pesquisa aprendendo o básico a seu respeito. Ao final, sentem
dificuldade até mesmo para identificar um objeto de pesquisa e terminam
2.
por realizar trabalhos que se resumem a transcrever trechos de manuais ou
jurisprudência consagrada. Há também aquele aluno que está na pós-
graduação para qualificar-se para o exercício profissional em uma nova
área, e este também tende a gastar tempo excessivo em meio à literatura
voltada a principiantes. Por isso, reitera-se: na pós-graduação, mais do que
nunca, deve-se desenvolver um tema familiar. O nível acadêmico exige,
inclusive, certo domínio sobre a matéria. É um erro querer escrever sobre
um tema que não se conhece, mesmo que esteja compreendido na
especialidade cursada.
A finalidade de uma monografia de pós-graduação é agregar valor à
comunidade científica ou profissional, por meio do compartilhamento da
expertise adquirida mediante a investigação realizada. Afinal, será um
trabalho de um especialista, e não de um simples curioso. A regra de ouro
da graduação também vale para a pós-gradua ção. Na verdade, ela se torna
mais importante à medida que subimos na escala acadêmica. Portanto,
escreva sobre o assunto que melhor conhece. Concentre-se em identificar
questionamentos interessantes sobre o tema escolhido. Agregue valor com
uma argumentação sólida pautada em raciocínio próprio, e não
simplesmente replicando ideias alheias.
ARTIGOS CIENTÍFICOS
O artigo científico é, antes de tudo, um meio de diálogo acadêmico: é o
instrumento pelo qual um pesquisador comunica ao restante da comunidade
acadêmica algum achado novo, ou conclusão importante a que chegou,
preferencialmente por meio de veículos de publicação especificamente
destinados a esse fim, como são os periódicos científicos. Segundo
Severino, um artigo tem “por finalidade registrar ou divulgar, para público
especializado, resultados de novos estudos e pesquisas sobre aspectos ainda
não devidamente explorados ou expressando novos esclarecimentos sobre
questões em discussão no meio científico” (2007, p. 208).
A finalidade de um artigo científico é, portanto, a divulgação
científica, o que afasta, mais uma vez, textos com finalidades didáticas,
como são os manuais jurídicos. Alguém que, a pretexto de escrever um
artigo científico, produza um texto superficial sobre um tema amplo, como
se fosse um capítulo de manual, comete um erro quanto ao gênero literário,
como o aluno de vestibular que escreve um poema quando o examinador
pedia uma carta.
Artigos científicos apresentam argumentos, dados e conclusões de
maneira mais compacta e objetiva e, por isso, não possuem extensão ou
profundidade necessária para se tornar um livro autônomo. Embora seja
plenamente possível fazer um artigo científico de tema puramente teórico
ou especulativo, a objetividade desse gênero literário manda que grandes
explicações teóricas ou conceituais de caráter preliminar sejam suprimidas.
Não é porque meu raciocínio emprega tipos ideais que meu artigo deve ter
uma longa divagação sobre Max Weber, sua vida e sua obra. Não é preciso
sequer uma extensa explicação sobre o que são tipos. Ao mesmo tempo,
artigos devem possuir completude e clareza necessárias para que seus
argumentos, os experimentos nele descritos, ou linhas de raciocínio nele
empregadas, sejam replicáveis por qualquer leitor interessado. Isso exige
cristalina enunciação do problema de que tratam, explicitação de
pressupostos relevantes, enunciação clara das hipóteses e exposição
objetiva dos procedimentos de coleta e análise de dados, ou do material
doutrinário consultado e a forma de sua apreciação.
O conteúdo específico de um artigo variará de acordo com a natureza
da pesquisa que reproduza. Em trabalhos de caráter mais doutrinário, é
importante que o artigo ofereça uma abordagem compreensiva e abrangente
da literatura mais atual e relevante no assunto de que trata, de modo a
demonstrar que aquilo que contém está conectado com o estado da arte da
produção acadêmica sobre a matéria. Já os artigos que apresentam dados de
pesquisas empíricas precisam detalhar com clareza os procedimentos
adotados para a coleta de dados, a forma de análise das informações
coletadas, os próprios dados levantados na pesquisa e as conclusões que
3.
deles se podem extrair. O importante é que todos os elementos de convicção
necessários à formação da conclusão do autor do artigo, seja ele de que
natureza for, sejam explicitamente oferecidos ao leitor, para que ele mesmo
possa “replicar” o pensamento do autor do artigo e verificar se as
conclusões procedem ou não. E, claro, tudo isso deve ser feito no curto
espaço de poucas dezenas de páginas que artigos normalmente têm, razão
pela qual artigos científicos devem ser marcadamente claros, objetivos e
concisos: o que determina sua extensão é a necessidade de clareza na
comunicação dos procedimentos de pesquisa, ou dos passos
argumentativos, percorridos pelo autor.
Finalmente, vale lembrar que artigos científicos, como qualquer
produção acadêmica, deverão atender a todas as exigências de forma e
estilo dos trabalhos dessa natureza. Há, entretanto, requisitos específicos
que podem variar de um periódico científico para outro. Convém, portanto,
conferir previamente, junto ao periódico em que se pretenda publicar o
trabalho, as regras específicas para apresentação deste, como lembra bem
Severino (2007, p. 208). Para os programas de graduação ou pós-graduação
que aceitam artigos científicos como trabalhos de conclusão de curso,
convém, igualmente, que se confiram na secretaria acadêmica do respectivo
programa as regras para apresentação dos trabalhos.
DICA
Muitas vezes, a expressão “artigo científico” é empregada de forma menos específica do que o
definido aqui, para indicar apenas um trabalho de curta extensão, cujo conteúdo pode ser
variável: a análise de uma obra, a definição de determinado conceito em um livro específico,
ou até mesmo uma resenha crítica. Quando uma instituição ou um professor pedem que
alunos escrevam artigos científicos, convém, portanto, certificar-se quanto ao exato produto
esperado nesses casos.
TESES E DISSERTAÇÕES
A dissertação e a tese são trabalhos monográficos exigidos para
obtenção dos títulos de mestre e doutor, respectivamente. Na escala dos
trabalhos monográficos de conclusão de curso, são os que mais demandam
planejamento e pesquisa. Falta de tempo, de dedicação e de interesse são
incompatíveis com esses trabalhos.
Idealmente, os preparativos iniciais devem começar antes mesmo do
ingresso no programa. A complexidade de trabalhos da magnitude de uma
dissertação e de uma tese exige a elaboração de um projeto cuidadoso. Em
muitos programas, o projeto é pré-requisito para a participação do processo
de seleção do curso. Nos programas mais concorridos, o projeto não pode
ser apenas bom; tem de ser excelente.
Apesar de serem trabalhos monográficos e com evidente densidade de
planejamento e pesquisa, a dissertação e a tese não são simples monografias
aprofundadas. Elas guardam certas particularidades.
A dissertação é um trabalho desenvolvido no curso de um programa de
mestrado, submetida a uma qualificação e a uma defesa pública perante
banca composta por ao menos três docentes. A tese é um trabalho
desenvolvido no curso de um programa de doutorado, submetida a uma
qualificação

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