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1 2 Olá, Alunos! Sejam bem-vindos! Esse material foi elaborado com muito carinho para que você possa absorver da melhor forma possível os conteúdos e se preparar para a sua 2ª fase, e deve ser utilizado de forma complementar junto com as aulas. Qualquer dúvida ficamos à disposição via plataforma “pergunte ao professor”. Lembre-se: o seu sonho também é o nosso! Bons estudos! Estamos com você até a sua aprovação! Com carinho, Equipe Ceisc ♥ 3 2ª FASE OAB | PENAL | 41º EXAME Direito Penal SUMÁRIO Princípio da insignificância 1.1. Introdução ......................................................................................................6 1.2. Requisitos .......................................................................................................7 1.2.1. Requisitos objetivos.....................................................................................7 1.2.2. Requisitos Subjetivos ..................................................................................8 1.3. Princípio da insignificância em espécie ..........................................................9 1.4. Como pode cair ............................................................................................14 1.5. Questões ......................................................................................................14 Nexo de causalidade 2.1. Conceito................................................................................................................................17 2.2. Espécies...............................................................................................................................17 2.2.1 Causas absolutamente independentes...........................................................................17 2.2.2. Consequências das causas absolutamente independentes........................................19 2.2.3. Causas relativamente independentes............................................................................20 2.2.4. Efeitos das causas relativamente independentes..........................................................24 2.2.5. Efeitos das causas supervenientes que se encontram dentro da linha do desdobramento da conduta.......................................................................................................25 2.3. Questões..............................................................................................................................25 Iter criminis 3.1. Conceito .......................................................................................................27 3.2. Cogitação .....................................................................................................28 3.3 Atos preparatórios .........................................................................................28 3.4. Execução ......................................................................................................29 3.5. Consumação ................................................................................................29 4 3.6. Como pode cair ............................................................................................30 Desistência voluntária e arrependimento eficaz 4.1. Introdução ....................................................................................................31 4.2. Desistência voluntária ..................................................................................31 4.3. Arrependimento eficaz ..................................................................................32 4.4. Requisitos .....................................................................................................33 4.5. Consequência ..............................................................................................35 4.6. Como pode cair ............................................................................................36 4.7. Questões ......................................................................................................38 Padrão Resposta......................................................................................................................39 Olá, aluno(a). Este material de apoio foi organizado com base nas aulas do curso preparatório para a 2ª Fase do 41º Exame da OAB e deve ser utilizado como um roteiro para as respectivas aulas. Além disso, recomenda-se que o aluno assista as aulas acompanhado da legislação pertinente. Bons estudos, Equipe Ceisc. Atualizado em julho de 2024. 5 6 Princípio da insignificância Prof. Nidal Ahmad @prof.nidal 1.1. Introdução O princípio da insignificância, também denominado crime de bagatela, guarda relação com o princípio da intervenção mínima e da fragmentariedade, no sentido de que ao Direito Penal cumpre a proteção de bens jurídicos que, por sua relevância, efetivamente necessitam de tutela penal. O Direito Penal não deve incidir quando a conduta do agente não for suficientemente capaz de causar lesão ou ao menos perigo de lesão a um determinado bem jurídico. Em síntese, o Direito Penal não se presta para atuar diante de condutas que atingem bens jurídicos irrelevantes e de natureza ínfima. A natureza jurídica do princípio da insignificância é de causa de exclusão da tipicidade material. Embora a conduta seja formalmente típica, será materialmente atípica, diante da ausência de lesão ou perigo de lesão ao bem jurídico. Explica-se. A tipicidade penal é formada pela junção da tipicidade formal com a tipicidade material. A tipicidade formal nada mais é do que a adequação do fato praticado ao modelo legal de conduta proibida descrito na norma penal. É o enquadramento do fato praticado à conduta descrita no dispositivo penal. Assim, o fato de o agente subtrair determinado objeto se enquadra na norma penal que prevê como crime de furto a conduta de subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel. Ou seja, o fato praticado pelo agente se amolda à conduta proibida descrita no art. 155 do CP. Eis a tipicidade formal. Todavia, a adequação do fato à norma penal não é suficiente. É necessário, ainda, que o fato praticado atinja bem jurídico suficientemente relevante para ensejar a atuação do Direito Penal. A conduta do agente, pois, deve ser minimamente suficiente para causar lesão ou perigo de lesão a um bem juridicamente relevante. Eis a tipicidade material. Se, conquanto prevista na norma penal como proibida (tipicidade formal), a conduta desenvolvida pelo agente atingir bem jurídico irrelevante, o fato será materialmente atípico, incidindo, assim, o princípio da insignificância. Tomemos como exemplo a subtração de uma barra de chocolate no valor de R$ 5,00 (cinco reais) em uma grande rede de supermercados. Tal fato é formalmente típico, já que 7 insculpido como proibido no art. 155 do CP, mas será materialmente atípico, uma vez que o bem jurídico atingido, por seu ínfimo valor, é irrelevante para o Direito Penal. 1.2. Requisitos A incidência do princípio da insignificância não se dá de forma indiscriminada e sem critérios. Para o reconhecimento da atipicidade material do fato em decorrência do princípio da insignificância, devem estar presentes requisitos de ordem objetiva, relacionados ao fato, bem como de caráter subjetivo, relacionados ao agente, considerando sempre o caso concreto. 1.2.1. Requisitos objetivos O STF1 e o STJ2 apontam quatro requisitos objetivos para a incidência do princípio da insignificância: a) mínima ofensividade da conduta; b) ausência de periculosidade social da ação; c) reduzido grau de reprovabilidade do comportamento; d) inexpressividade da lesão jurídica. Os Tribunais Superiores elencam taisingressa em repartição pública se valendo da senha de acesso que possuía em razão do cargo, com o objetivo de subtrair um computador da repartição. Enquanto se dirigia até a sala onde estava o computador, reflete sobre as consequências da sua conduta e a decepção que poderia causar à sua família, razão pela qual deixa o local sem nada subtrair. Nesse caso, Wilson deu início à execução do crime de peculato, mas, por vontade própria, não consumou o delito, devendo, por isso, responder pelos atos até então praticados. Como os atos praticados não configuram conduta típica, Wilson não será responsabilizado criminalmente. 4.6. Como pode cair Pode cair em questões e tese de peça, na forma de desclassificar do crime imputado como tentado, para aquele correspondente aos atos até então praticados. O Ministério Público oferece denúncia pelo crime de tentativa de homicídio, resultando lesões na vítima. Com a tese da desistência voluntária ou arrependimento eficaz, teremos a desclassificação para o crime de lesão corporal (leve, grave ou gravíssima, conforme o enunciado), nos termos do artigo 419 do CPP. O Ministério Público oferece denúncia pelo crime de tentativa de furto. Com a tese da desistência voluntária, teremos a desclassificação para o crime de violação de domicílio (CP, art. 150), crime de menor potencial ofensivo, e, portanto, da competência do Juizado Especial Criminal. 37 Pode acontecer, ainda, de os atos praticados não se revestirem de tipicidade, ou seja, são fatos atípicos, como, por exemplo, o agente ingressar num estabelecimento comercial e desistir de subtrair qualquer objeto. Nesse caso, por se tratar de lugar com acesso ao público, não se enquadra em domicílio, não incidindo qualquer crime remanescente. Nesses casos: • Se for resposta à acusação: absolvição sumária, com base no artigo 397, III, do CPP • Se for memoriais ou apelação no procedimento comum: absolvição, com base no artigo 386, III, do CPP • Se for memoriais ou recurso em sentido estrito no procedimento do absolvição sumária, com base no artigo 415, III, do CPP. 38 4.7. Questões 5) QUESTÃO 2 – IX EXAME – 2012-3 Wilson, extremamente embriagado, discute com seu amigo Junior na calçada de um bar já vazio pelo avançado da hora. A discussão torna-se acalorada e, com intenção de matar, Wilson desfere quinze facadas em Junior, todas na altura do abdômen. Todavia, ao ver o amigo gritando de dor e esvaindo-se em sangue, Wilson, desesperado, pega um táxi para levar Junior ao hospital. Lá chegando, o socorro é eficiente e Junior consegue recuperar-se das graves lesões sofridas. Analise o caso narrado e, com base apenas nas informações dadas, responda, fundamentadamente, aos itens a seguir. A) É cabível responsabilizar Wilson por tentativa de homicídio? (Valor: 0,65) B) Caso Junior, mesmo tendo sido socorrido, não se recuperasse das lesões e viesse a falecer no dia seguinte aos fatos, qual seria a responsabilidade jurídico-penal de Wilson? (Valor: 0,60) Obs.: o examinando deve fundamentar suas respostas. A mera citação do dispositivo legal não confere pontuação. 6) QUESTÃO 3 – XII EXAME Félix, objetivando matar Paola, tenta desferir-lhe diversas facadas, sem, no entanto, acertar nenhuma. Ainda na tentativa de atingir a vítima, que continua a esquivar-se dos golpes, Félix, aproveitando-se do fato de que conseguiu segurar Paola pela manga da camisa, empunha a arma. No momento, então, que Félix movimenta seu braço para dar o golpe derradeiro, já quase atingindo o corpo da vítima com a faca, ele opta por não continuar e, em seguida, solta Paola, que sai correndo sem ter sofrido sequer um arranhão, apesar do susto. Nesse sentido, com base apenas nos dados fornecidos, poderá Félix ser responsabilizado por tentativa de homicídio? Justifique. (Valor: 1,25) Obs.: o examinando deve fundamentar suas respostas. A mera citação do dispositivo legal não confere pontuação. 39 Padrão Resposta 40 Questões Princípio da Insignificância 1) QUESTÃO 4 – OAB FGV – XXX Exame – 2019-3 Maria foi denunciada pela suposta prática do crime de descaminho, tendo em vista que teria deixado de recolher impostos que totalizavam R$ 500,00 (quinhentos reais) pela saída de mercadoria, fato constatado graças ao lançamento definitivo realizado pela Administração Pública. Considerando que constava da Folha de Antecedentes Criminais de Maria outro processo pela suposta prática de crime de roubo, inclusive estando Maria atualmente presa em razão dessa outra ação penal, o Ministério Público deixou de oferecer proposta de suspensão condicional do processo. Após a instrução criminal em que foram observadas as formalidades legais, sendo Maria assistida pela Defensoria Pública, foi a ré condenada nos termos da denúncia. A pena aplicada foi a mínima prevista para o delito, a ser cumprida em regime inicial aberto, substituída por restritiva de direitos. Maria foi intimada da sentença através de edital, pois não localizada no endereço constante do processo. A família de Maria, ao tomar conhecimento do teor da sentença, procura você, na condição de advogado(a) para prestar esclarecimentos técnicos. Informa estar preocupada com o prazo recursal, já que Maria ainda não tinha conhecimento da condenação, pois permanecia presa. Na condição de advogado(a), esclareça os seguintes questionamentos formulados pela família da ré. A) Existe argumento de direito processual para questionar a intimação de Maria do teor da sentença condenatória? Justifique. (Valor: 0,60) B) Qual argumento de direito material poderá ser apresentado, em eventual recurso, em busca da absolvição de Maria? Justifique. (Valor: 0,65) Obs.: o examinando deve fundamentar suas respostas. A mera citação do dispositivo legal não confere pontuação. Gabarito Comentado A) o argumento de direito processual para questionar a intimação de Maria do teor da sentença condenatória seria a nulidade da intimação de Maria, por violação ao disposto no artigo 392 do Código de Processo Penal. Isso porque a intimação por edital deve ocorrer quando o réu estiver em local incerto e não sabido, e, no caso, Maria se encontrava presa por outro crime razão pela qual a intimação da sentença deveria ser pessoal, nos termos do artigo 392 do Código de Processo Penal. B) O argumento de direito material poderá ser apresentado, em eventual recurso, em busca da absolvição de Maria seria a atipicidade material, em razão da aplicação do princípio da 41 insignificância, nós temos do artigo 20 da Lei 10522/2002 e Portaria 75 do Ministério da Fazenda. Isso porque, em relação ao crime de descaminho, incide o princípio da insignificância quando o valor do imposto sonegado não ultrapassar R$ 20.000,00, conforme prevê o artigo 20 da Lei 10522/2002 e Portaria 75 do Ministério da Fazenda. 2) QUESTÃO 4 – OAB FGV – XI Exame O Ministério Público ofereceu denúncia contra Lucile, imputando-lhe a prática da conduta descrita no Art. 155, caput, do CP. Narrou, a inicial acusatória, que no dia 18/10/2012 Lucile subtraiu, sem violência ou grave ameaça, de um grande estabelecimento comercial do ramo de venda de alimentos, dois litros de leite e uma sacola de verduras, o que totalizou a quantia de R$10,00 (dez reais). Todas as exigências legais foram satisfeitas: a denúncia foi recebida, foi oferecida suspensão condicional do processo e foi apresentada resposta à acusação. O magistrado, entretanto, após convencer-se pelas razões invocadas na referida resposta à acusação, entende que a fato é atípico. Nesse sentido, tendo como base apenas as informações contidas no enunciado, responda, justificadamente, aos itens a seguir. A) O que o magistrado deve fazer? Após indicar a solução, dê o correto fundamento legal. (Valor: 0,65) B) Qual é o elemento ausenteque justifica a alegada atipicidade? (Valor: 0,60) Obs.: o examinando deve fundamentar suas respostas. A mera citação do dispositivo legal não confere pontuação. Gabarito Comentado: A) O juiz deve absolver sumariamente a ré, com base no artigo 397, III do CPP. B) O elemento ausente seria a tipicidade material, diante do princípio da insignificância. Isso porque o valor do objeto subtraído, correspondente a R$ 10,00, é insignificante, não havendo, por isso, efetiva lesão relevante ou ameaça de lesão ao bem jurídico tutelado. 3) QUESTÃO AUTORAL Em 10 de janeiro de 2007, Eliete, primária, foi denunciada pelo Ministério Público pela prática do crime de furto qualificado por abuso de confiança, já que, na qualidade de empregada doméstica, teria subtraído a quantia de R$ 50,00 (cinquenta reais) de seu patrão Cláudio. Após a instrução criminal, o Magistrado proferiu sentença condenando Eliete à pena final de 2 (dois) 42 anos de reclusão, em razão da prática de crime previsto no artigo 155, §4º, inciso II, do Código Penal. Após a interposição de recurso de apelação exclusivo da defesa, o Tribunal de Justiça entendeu por bem anular toda a instrução criminal, ante a ocorrência de cerceamento de defesa em razão do indeferimento injustificado de uma pergunta formulada a uma testemunha. Novamente realizada a instrução criminal e apresentação de novos memoriais pelas partes, em 0 de fevereiro de 2011, foi proferida nova sentença penal condenando Eliete à pena final de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão. Em suas razões de decidir, assentou que a ré possuía circunstâncias judiciais desfavoráveis, uma vez quer se reveste de enorme gravidade a prática de crimes em que se abusa a confiança depositada no agente, motivo pelo qual a pena deveria ser distanciada no mínimo. Com base nas informações expostas, responda, como advogado (a) contratado por Eliete, aos itens a seguir: A) Qual o argumento de direito processual pode ser invocado para anular a segunda sentença condenatória? B) Qual o argumento de direito material a ser apresentado em busca da absolvição de Eliete? Obs.: o examinando deve fundamentar suas respostas. A mera citação do dispositivo legal não confere pontuação. Gabarito Comentado: A) O argumento de direito processual que pode ser invocado para anular a segunda sentença condenatória seria a incidência da vedação da reformatio in pejus indireta, nos termos do artigo 617 do Código de Processo Penal. Isso porque, em se tratando de recurso exclusivo da defesa, não poderia ter aplicado tratamento mais severo à ré, fixando pena superior a da prevista na primeira sentença. B) O argumento de direito material a ser apresentado em busca da absolvição de Eliete seria atipicidade material da conduta, diante da aplicação do princípio da insignificância. Isso porque Eliete teria subtraído a quantia de R$50,00 (cinquenta reais) de seu patrão Cláudio, sendo esse valor inexpressivo e insignificante. Logo, embora formalmente típico, o fato é materialmente atípico, devendo a ré ser absolvida, com base no artigo 386, inciso III, do Código de Processo Penal. 43 Questões Nexo de Causalidade 4) QUESTÃO 4 – XXV EXAME Vitor efetuou disparos de arma de fogo contra José, com a intenção de causar a morte dele. Ocorre que, por erro durante a execução, os disparos atingiram a perna de seu inimigo e não o peito, como pretendido. Esgotada a munição disponível, Vitor empreendeu fuga, enquanto José solicitou a ajuda de populares e compareceu, de imediato, ao hospital para atendimento médico. Após o atendimento médico, já no quarto com curativos, enquanto dormia, José é picado por um escorpião, vindo a falecer no dia seguinte, em razão do veneno do animal, exclusivamente. Descobertos os fatos, considerando que José somente estava no hospital em razão do comportamento de Vitor, o Ministério Público oferece denúncia em face do autor dos disparos pela prática do crime de homicídio consumado, previsto no art. 121, caput, do CP. Após regular prosseguimento do feito, na audiência de instrução e julgamento da primeira fase do procedimento do Tribunal do Júri, quando da oitiva das testemunhas, o magistrado em atuação optou por iniciar a oitiva das testemunhas formulando diretamente suas perguntas, sem permitir às partes complementação. Após alegações finais orais das partes, o magistrado proferiu decisão de pronúncia. Apesar da impugnação da defesa quanto à formulação das perguntas pelo juiz, o magistrado esclareceu que não importaria quem fez a pergunta, pois as respostas seriam as mesmas. Com base apenas nas informações narradas, na condição de advogado(a) de Vitor, responda aos itens a seguir: A) Qual o recurso cabível da decisão proferida pelo magistrado e qual argumento de direito processual pode ser apresentado em busca da desconstituição de tal decisão? Justifique. (Valor: 0,65) B) Existe argumento de direito material a ser apre- sentado, em momento oportuno, para questionar a capitulação jurídica apresentada pelo Ministério Público? Justifique. (Valor: 0,60) Obs.: O(a) examinando(a) deve fundamentar as respostas. A mera citação do dispositivo legal não confere pontuação. Gabarito comentado A) O recurso cabível da decisão de pronúncia é o Recurso em Sentido Estrito, com base no 44 Art. 581, inciso IV, do Código de Processo Penal. O argumento de direito processual seria o de que houve nulidade durante a instrução probatória, por violação do artigo 411 do Código de Processo Penal e artigo 212 do Código de Processo Penal. Isso porque o magistrado formulou diretamente as perguntas às testemunhas, sem permitir às partes complementação, violando o princípio do contraditório e da ampla defesa, previsto no artigo 5º, LV, da Constituição Federal. Logo, deve ser anulado o processo a partir da audiência de instrução B) O argumento de direito material a ser apresentado, em momento oportuno, para questionar a capitulação jurídica apresentada pelo Ministério seria a superveniência da causa relativamente independente, nos termos do artigo 13, § 1º, do Código Penal. Isso porque os disparos atingiram a perna de José e não o peito, sendo que, após o atendimento médico, já no quarto com curativos, enquanto dormia, José vem a ser picado por um escorpião, vindo a falecer no dia seguinte em razão do veneno do animal, exclusivamente, havendo ruptura do nexo causal entre a conduta de Vitor e o resultado produzido. Logo, Vitor deverá responder pelos atos praticados, ou seja, por tentativa de homicídio, nos termos do artigo 13, § 1º, do Código Penal. Questões Desistência Voluntária e Arrependimento Eficaz 5) QUESTÃO 2 – IX EXAME – 2012-3 Wilson, extremamente embriagado, discute com seu amigo Junior na calçada de um bar já vazio pelo avançado da hora. A discussão torna-se acalorada e, com intenção de matar, Wilson desfere quinze facadas em Junior, todas na altura do abdômen. Todavia, ao ver o amigo gritando de dor e esvaindo-se em sangue, Wilson, desesperado, pega um táxi para levar Junior ao hospital. Lá chegando, o socorro é eficiente e Junior consegue recuperar-se das graves lesões sofridas. Analise o caso narrado e, com base apenas nas informações dadas, responda, fundamentadamente, aos itens a seguir. A) É cabível responsabilizar Wilson por tentativa de homicídio? (Valor: 0,65) B) Caso Junior, mesmo tendo sido socorrido, não se recuperasse das lesões e viesse a falecer no dia seguinte aos fatos, qual seria a responsabilidade jurídico-penal de Wilson? (Valor: 0,60) Obs.: o examinando deve fundamentar suas respostas. A mera citação do dispositivo legal não confere pontuação. Gabarito comentado: 45 A) Não é possível responsabilizar Wilson por tentativa de homicídio, já que se trata de arrependimento eficaz, previsto no artigo 15 do Código Penal. Isso porque Wilson desferiu quinze facadas em Junior,e, ao ver o amigo gritando de dor e esvaindo-se em sangue, pega um táxi para levar Junior ao hospital, que acaba sobrevivendo, mas sofre lesões graves. Assim, somente responderá pelos atos praticados, no caso, as lesões corporais graves sofridas por Júnior. B) Caso Junior, mesmo tendo sido socorrido, não se recuperasse das lesões e viesse a falecer no dia seguinte aos fatos, o arrependimento não seria eficaz, não sendo aplicado o disposto no artigo 15 do Código Penal. Nesse caso, Wilson deverá responder pelo resultado morte, ou seja, deverá responder pelo delito de homicídio doloso consumado. 6) QUESTÃO 3 – XII EXAME Félix, objetivando matar Paola, tenta desferir-lhe diversas facadas, sem, no entanto, acertar nenhuma. Ainda na tentativa de atingir a vítima, que continua a esquivar-se dos golpes, Félix, aproveitando-se do fato de que conseguiu segurar Paola pela manga da camisa, empunha a arma. No momento, então, que Félix movimenta seu braço para dar o golpe derradeiro, já quase atingindo o corpo da vítima com a faca, ele opta por não continuar e, em seguida, solta Paola, que sai correndo sem ter sofrido sequer um arranhão, apesar do susto. Nesse sentido, com base apenas nos dados fornecidos, poderá Félix ser responsabilizado por tentativa de homicídio? Justifique. (Valor: 1,25) Obs.: o examinando deve fundamentar suas respostas. A mera citação do dispositivo legal não confere pontuação. Gabarito Comentado: Não, não poderia Félix ser responsabilizado por tentativa de homicídio, diante da desistência voluntária, prevista no artigo 15 do Código Penal. Isso porque Félix desistiu de prosseguir na execução do delito, já que optou por não continuar tentando desferir golpes de faca contra Paola, soltando a vítima, que saiu correndo sem ter sofrido qualquer arranhão, apesar do susto. Logo, como não resultou qualquer lesão da vítima, os fatos anteriores nãos constituem crime, sendo, portanto, atípica a conduta de Félix. 46requisitos, sem, no entanto, estabelecer a diferença entre eles e especificar o alcance de cada um. Há, ainda, quem entenda que tais requisitos são tautológicos, que, em síntese, dizem a mesma coisa. E, na verdade, parece-nos que não seria realmente adequado estabelecer critérios rígidos e absolutos para cada requisito, já que os parâmetros estabelecidos para aferição da incidência do princípio da insignificância podem variar a depender das circunstâncias do caso concreto, como, por exemplo, o valor do bem atingido, a situação econômica da vítima, as condições pessoais do autor do fato, bem como as peculiaridades da prática delituosa. Em outras palavras, a valoração conjunta desses requisitos pode variar de caso a caso, o que pode parecer insignificante num caso, pode não ser em outro semelhante, ou seja, furtar um objeto no valor de R$ 100,00 (cem reais) pertencente a uma pessoa com situação financeira confortável pode ensejar a incidência do princípio da insignificância, ao passo que subtrair uma velha bicicleta, avaliada em R$ 100,00 (cem reais), pertencente a um modesto trabalhador que a utiliza como meio de transporte para se deslocar até o local de trabalho, pode não incidir tal princípio. 1 STF, RHC nº 163009 AgRg/SC, rel. Luiz Fux, 1ª T., j. 7-12-2018. 2 STJ, HC nº 502912/SP, rel. Ribeiro Dantas, 5ª T., j. 4-6-2019. 8 1.2.2. Requisitos Subjetivos Além dos requisitos objetivos, relacionados aos fatos, deve-se, ainda, verificar a presença dos requisitos subjetivos, relacionados ao autor da infração penal e à vítima do delito. a) Em relação ao autor da infração penal A possibilidade de aplicação do princípio da insignificância em relação ao autor do fato passa pela análise no sentido de verificar se é reincidente ou criminoso habitual. Quanto ao agente reincidente, os tribunais divergem sobre a possibilidade de aplicação do princípio da insignificância. O STJ considera inaplicável o princípio da insignificância, salvo quando as instâncias ordinárias, analisando o caso concreto, entenderem ser recomendável a incidência dessa causa de exclusão da tipicidade. Nesse particular, o STJ confirmou entendimento do Tribunal de 2º grau que manteve decisão de rejeição da denúncia oferecida contra réu reincidente, atentando para as circunstâncias do caso concreto3. Verifica-se, pois, que, como regra, não se aplica o princípio da insignificância ao réu reincidente, salvo em casos excepcionais, atentando-se às particularidades do caso concreto. Assim, a reincidência do acusado não é motivo suficiente para afastar a aplicação do princípio da insignificância, ressalvados casos específicos, que dependem da análise do contexto fático concreto. Em relação ao multirreincidente4 e ao reincidente específico, o STF5 e o STJ6 consideram inaplicável o princípio da insignificância, diante da maior reprovabilidade da sua conduta. b) Em relação à vítima A aplicação do princípio da insignificância depende, ainda, das condições e características pessoais da própria vítima. Além da presença dos vetores objetivos, deve-se verificar o contexto que envolve a vítima, como, por exemplo, sua condição econômica, a importância que o bem jurídico representa para ela, o valor sentimental, as circunstâncias e as consequências do delito. Com efeito, o que pode ser irrelevante para uma determinada vítima, pode não ser em relação à outra. A extensão do prejuízo provocado pela subtração de um botijão de gás de uma residência ocupada por família de excelente condição financeira não é, evidentemente, a 3 STJ, AgRg no REsp nº 1804399/SP, rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, 5ª T., j. 4-6-2019. 4 STJ, AgRg no AgREsp nº 1307157/MG, rel. Min. Felix Fischer, 5ª T., j. 21-8-2018. 5 STF, HC nº 153980 AgRg/MS, rel. Min. Dias Toffoli, 2ª T., j. 18-5-2018. 6 6. STJ, AgRg no REsp nº 1427296/MG, rel. Min. Joel Ilan Paciornik, 5ª T., j. 4-6-2019. 9 mesma em relação a uma família com modesta condição econômica, que reside num acanhado imóvel e cuja renda mensal não supera o valor de um salário-mínimo. Em relação à família dotada de boa condição econômica, pode-se aventar a incidência do princípio da insignificância, ao passo que em relação à família com situação financeira modesta não parece razoável considerar a hipótese de crime de bagatela. Portanto, não há que se falar em reduzido grau de reprovabilidade da conduta do agente, se o valor do bem jurídico atacado não é irrisório diante das condições econômicas da vítima7 . Da mesma forma, ainda que inexpressivo economicamente, o valor sentimental em relação ao bem jurídico atacado também é considerado para aquilatar a aplicação do princípio da insignificância, uma vez que, nesse caso, o dano suportado pela vítima ganha maior relevância do que qualquer quantia pecuniária. Esse é o entendimento do STF8 e do STJ9. 1.3. Princípio da insignificância em espécie Embora seja mais frequente em relação a crimes contra o patrimônio, a aplicação do princípio da insignificância não se limita a crimes dessa natureza, podendo, se preenchidos os requisitos, incidir sobre qualquer crime. A maior incidência do princípio da insignificância ocorre, inexoravelmente, em relação ao crime de furto, já que praticado sem violência ou grave ameaça, atingindo, não raras vezes, objeto de valor ínfimo. A propósito, nesse aspecto, convém registrar que não há um valor máximo limitando a incidência do princípio da insignificância, pois, como dito, além do valor do objeto do crime, deve-se, ainda, considerar as condições financeiras da vítima, a importância do objeto material, bem com as circunstâncias do caso concreto. Não obstante isso, em que pese não constituir parâmetro absoluto, o STJ considera aplicável o princípio da insignificância, se presentes os demais requisitos, quando o valor do objeto material atingido não superar o equivalente a 10% do salário-mínimo vigente à época do fato10, rejeitando, por exemplo, a incidência do crime de bagatela em relação a furto de objeto com valor equivalente a 23% do salário-mínimo vigente à época do fato11. 7 STJ, AgRg no AgREsp nº 813662/DF, rel. Min. Gurgel de Faria, 5ª T., j. 23-2-2016. 8 STF, HC nº 111017/RS, rel. Min. Ayres Britto, 2ª T., j. 7-2-2012. 9 STJ, HC nº 60949/PE, rel. Min. Laurita Vaz, 5ª T., j. 20-11-2007. 10 STJ, AgRg no RHC nº 106838/MG, rel. Min. Laurita Vaz, 6ª T., j. 6-6-2019. 11 STJ, AgRg no HC nº 502019/SC, rel. Min. Rogério Schietti Cruz, 6ª T., j. 6-6-2019. 10 Não há espaço, à evidência, para aplicação do princípio da insignificância em relação a crimes hediondos ou equiparados, uma vez que o legislador conferiu maior rigor ao tratamento dado a agentes acusados por tais delitos, reconhecendo a gravidade das condutas, sendo, pois, incompatível com reduzida reprovabilidade e grau de ofensividade ao bem jurídico inerentes ao crime bagatelar. Alguns delitos, por suas peculiaridades, merecem especial análise acerca da incidência ou não do princípio da insignificância. a) Crimes praticados com violência ou grave ameaça à pessoa É pacífico o entendimento no sentido da inaplicabilidade do princípio da insignificância em relação a crimes de roubo e a outros delitos praticados com violência ou grave ameaça à pessoa. Isso porque, ainda que irrelevante o valor do objeto material atacado, não se mostra razoável considerar insignificante a conduta do agente que emprega violência ou grave ameaça contra a vítima. Ao contrário, tal conduta revela maior periculosidade do agente, bem como elevado grau de ofensividade e reprovabilidade, afastando, por absoluto, a aplicação do princípio da insignificância. Prevalece o entendimento, no entanto, da possibilidade da incidência do princípio da insignificância nos casos de lesão corporal leve e lesão corporal culposa, desde que a conduta gere lesões absolutamente ínfimas, como, por exemplo, pequenas escoriações, sem maior lesividade,salvo se praticado no contexto de violência doméstica e familiar contra a mulher. b) Crimes contra a fé pública Os crimes contra a fé pública estão previstos nos arts. 289 a 311-A do CP. O bem jurídico tutelado é a legitimidade e a credibilidade depositada nos documentos, sinais e símbolos que registram as relações jurídicas celebradas na sociedade organizada. Logo, diante da importância do bem jurídico tutelado, não se mostra razoável nem proporcional admitir a incidência do princípio da insignificância em relação aos crimes contra a fé pública. De fato, julgando crime de falsificação de documento público (CP, art. 297), o STJ considerou inaplicável o princípio da insignificância aos delitos cujo bem tutelado seja a fé pública12 . c) Crimes contra a administração pública 12 STJ, AgRg no AgREsp nº 1131701/SP, rel. Min. Rogério Schietti Cruz, 6ª T., j. 17-4-2018. 11 Sedimentando discussão doutrinária e jurisprudencial, o STJ pacificou entendimento no sentido da inaplicabilidade do princípio da insignificância nos crimes praticados contra a administração pública, já que, independentemente do valor material do bem atingido, busca-se, no caso, tutelar a moralidade administrativa, insuscetível de mensuração econômica. É o que se extrai da Súmula nº 599 do STJ, segundo a qual “o princípio da insignificância é inaplicável aos crimes contra a Administração Pública”. d) Crime de descaminho e crimes contra a ordem tributária Não obstante estar inserido no capítulo dos crimes contra a administração pública, o crime de descaminho (CP, art. 334) também ofende a ordem tributária, já que o agente ilude, no todo ou em parte, o pagamento de tributo devido pela entrada ou saída de mercadoria do País. Em razão disso, verifica-se a possibilidade de aplicação do princípio da insignificância ao crime de descaminho, apesar do disposto na Súmula nº 599 do STJ. Ainda que possa parecer estranho num primeiro momento, sobretudo por força do valor considerado como parâmetro, admite-se a incidência do princípio da insignificância no crime de descaminho quando o valor do tributo devido não for superior a R$ 20.000,00 (vinte mil reais). De fato, nos termos do art. 20 da Lei nº 10.522/2002, atualizado pelas Portarias do Ministério da Fazenda nos 75/2012 e 130/2012, serão arquivados, sem baixa na distribuição, por meio de requerimento do Procurador da Fazenda Nacional, os autos das execuções fiscais de débitos inscritos em Dívida Ativa da União pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional ou por ela cobrados, de valor consolidado igual ou inferior àquele estabelecido em ato do Procurador-Geral da Fazenda Nacional. A Port. nº 130/2012, que alterou a Port. nº 75/2012, prevê que o Procurador da Fazenda Nacional requererá o arquivamento, sem baixa na distribuição, das execuções fiscais de débitos com a Fazenda Nacional, cujo valor consolidado seja igual ou inferior a R$ 20.000,00 (vinte mil reais), desde que não conste dos autos garantia, integral ou parcial, útil à satisfação do crédito. Em outras palavras, se o valor do tributo iludido pelo agente for igual ou inferior a R$ 20.000,00 (vinte mil reais), poderá, a princípio, ser aplicado o princípio da insignificância. Isso porque, se a Fazenda Nacional expressamente considera irrelevante cobrar tributo cujo valor não supera R$ 20.000,00, sendo, pois, insignificante na esfera fiscal, também será, na ótica dos Tribunais Superiores, insignificante na esfera penal. Esse é o entendimento adotado pelo STJ e pelo STF. 12 Todavia, o princípio da insignificância em relação ao crime de descaminho não é aplicado de forma indiscriminada. O limite previsto na Lei nº 10.522/2002, atualizado pelas Portarias nos 75/2012 e 130/2012, ambas do Ministério da Fazenda, para aplicação do princípio da insignificância somente é aplicado em relação a tributos federais13. Não se aplica, pois, aos tributos estaduais e municipais; primeiro, porque tais tributos não estão abrangidos pela Lei nº 10.522/2002, que trata de tributos federais; segundo, porque a lesão jurídica provocada pela elisão fiscal pode ser mais expressiva entre os entes federativos da esfera estadual e municipal. Além disso, não se admite a aplicação do princípio da insignificância quando constatada a habitualidade delitiva nos crimes de descaminho, configurada tanto pela multiplicidade de procedimentos administrativos quanto por ações penais ou inquéritos policiais em curso14. e) Crime de contrabando O crime de contrabando, previsto no art. 334-A do CP, consiste em importar ou exportar mercadoria proibida. A prática do crime de contrabando não atinge unicamente o erário público, mas também outros bens jurídicos, que, por sua relevância, não permitem a aplicação do princípio da insignificância, tais como a saúde pública e a moralidade administrativa. Além disso, a conduta do agente que importa ou exporta mercadoria classificada como proibida ou ilícita com grau maior grau de reprovabilidade, não se coaduna, portanto, com os vetores que autorizam o princípio da insignificância. Todavia, o Superior Tribunal de Justiça consolidou entendimento no sentido de que "O princípio da insignificância é aplicável ao crime de contrabando de cigarros quando a quantidade apreendida não ultrapassar 1.000 (mil) maços, seja pela diminuta reprovabilidade da conduta, seja pela necessidade de se dar efetividade à repressão ao contrabando de vulto, excetuada a hipótese de reiteração da conduta, circunstância apta a indicar maior reprovabilidade e periculosidade social da ação". f) Crimes na Lei de Drogas – Lei nº 11.343/2006 A Lei de Drogas tutela a saúde pública. São crimes de perigo abstrato ou presumido, sendo, por isso, dispensável a comprovação do efetivo risco ao bem jurídico tutelado. Em relação ao crime de tráfico de drogas, delito equiparado a hediondo, não se discute a 13 STJ, AgRg no REsp nº 1259739/SP, rel. Min. Joel Ilan Paciornik, 5ª T., j. 30-5-2019. 14 STJ, AgRg no REsp nº 1834566/PR, rel. Min. Joel Ilan Paciornik, 5ª T., j. 3-3-2020. 13 inaplicabilidade do princípio da insignificância, diante do tratamento mais severo conferido pelo legislador aos delitos dessa natureza. Todavia, em relação ao delito de posse de drogas para consumo pessoal (Lei nº 11.343/2006, art. 28) há divergência acerca da aplicabilidade ou não do princípio da insignificância. O STJ, por sua 5ª Turma, adota o entendimento no sentido de que a conduta de posse de drogas para consumo pessoal está tipificada na Lei de Drogas, que, na sua íntegra, tutela a saúde pública, bem jurídico que, a evidência, não pode ser considerado ínfimo. Além disso, o crime do art. 28 da Lei nº 11.343/2006 é de perigo abstrato, sendo irrelevante a pequena quantidade de substância entorpecente apreendida em poder do agente15. De outro lado, o STF já admitiu o princípio da insignificância em favor de agente condenado por portar 0,6 g de maconha16. g) Violência doméstica ou familiar contra a mulher Diante da relevância do bem jurídico protegido e da natureza protetiva da Lei nº 11.340/2006 não se mostra razoável ou proporcional admitir a incidência do princípio da insignificância no contexto de violência doméstica ou familiar contra a mulher, nem mesmo na hipótese de reconciliação do casal. É o que se extrai da Súmula nº 589 do STJ, segundo a qual: “É inaplicável o princípio da insignificância nos crimes ou contravenções penais praticados contra a mulher no âmbito das relações domésticas”. h) Posse e porte ilegal de munição Nos termos dos arts. 14 e 16, ambos da Lei nº 10.826/2003, constitui crime possuir, manter sob sua guarda, portar, deter, adquirir, fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar, manter sob guarda ou ocultar munição, de uso permitido, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar.Os crimes de posse ou porte ilegal de munição incidem mesmo que desacompanhada de arma de fogo, já que se trata de crime de mera conduta e de perigo abstrato. A inviabilidade do pronto uso da munição, por estar desacompanhada da arma, não desnatura o delito. Isso não significa a impossibilidade do reconhecimento, em situações excepcionais, do princípio da insignificância. Com efeito, admite- se a incidência do princípio da insignificância 15 STJ, AgInt no HC nº 372555/ES, rel. Min. Felix Fischer, 5ª T., j. 15-8-2017. 16 STF, HC nº 110.475/SC, rel. Min. Dias Toffoli, 1ª T., j. 14-2- 2012. 14 quando se tratar de posse de pequena quantidade de munição, desacompanhada de armamento capaz de deflagrá-la, uma vez que ambas as circunstâncias conjugadas denotam a inexpressividade da lesão jurídica provocada, bem como a diminuta ofensividade ao bem jurídico tutelado. Nesse contexto, o STJ considerou a incidência do princípio da insignificância ao agente flagrado na posse de dois cartuchos de calibre .32, desacompanhados de arma de fogo17 . O STF, por sua vez, reconheceu o princípio da insignificância em relação à conduta de portar, sem autorização legal, uma munição de uso proibido, consistente num cartucho calibre 0.4018 , Por outro lado, não se aplica o princípio da insignificância na hipótese de ser apreendida razoável quantidade de munições, como, por exemplo, 18 no total, sendo 5 projéteis de calibre .38 e 13 de calibre .38019 . 1.4. Como pode cair O princípio da insignificância já caiu como tese de peça e também em questões dissertativas. Por se tratar de causa de exclusão da tipicidade material, a tese envolvendo o princípio da insignificância ensejará a absolvição do acusado. • Se for resposta à acusação: absolvição sumária, com base no artigo 397, III, do CPP. • Se for memoriais ou apelação no procedimento comum: absolvição, com base no artigo 386, III, do CPP. Obs.: Deixamos de mencionar a absolvição sumária do artigo 415 do CPP, porque está relacionada a crimes contra a vida, sendo, por isso, incabível o princípio da insignificância nesse caso. 1.5. Questões 1) QUESTÃO 4 – OAB FGV – XXX Exame – 2019-3 Maria foi denunciada pela suposta prática do crime de descaminho, tendo em vista que teria deixado de recolher impostos que totalizavam R$ 500,00 (quinhentos reais) pela saída de mercadoria, fato constatado graças ao lançamento definitivo realizado pela Administração Pública. Considerando que constava da Folha de Antecedentes Criminais de Maria outro 17 STJ, HC nº 484121/MG, rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, 5ª T., j. 16-5-2019. 18 STF, HC nº 154390/SC, rel. Min. Dias Toffoli, 1ª T., j. 17-4-2018. 19 STJ, AgRg no REsp nº 1915047/RJ, rel. Min. Ribeiro Dantas, 5ª T., j. 9-3-2021. 15 processo pela suposta prática de crime de roubo, inclusive estando Maria atualmente presa em razão dessa outra ação penal, o Ministério Público deixou de oferecer proposta de suspensão condicional do processo. Após a instrução criminal em que foram observadas as formalidades legais, sendo Maria assistida pela Defensoria Pública, foi a ré condenada nos termos da denúncia. A pena aplicada foi a mínima prevista para o delito, a ser cumprida em regime inicial aberto, substituída por restritiva de direitos. Maria foi intimada da sentença através de edital, pois não localizada no endereço constante do processo. A família de Maria, ao tomar conhecimento do teor da sentença, procura você, na condição de advogado(a) para prestar esclarecimentos técnicos. Informa estar preocupada com o prazo recursal, já que Maria ainda não tinha conhecimento da condenação, pois permanecia presa. Na condição de advogado(a), esclareça os seguintes questionamentos formulados pela família da ré. A) Existe argumento de direito processual para questionar a intimação de Maria do teor da sentença condenatória? Justifique. (Valor: 0,60) B) Qual argumento de direito material poderá ser apresentado, em eventual recurso, em busca da absolvição de Maria? Justifique. (Valor: 0,65) Obs.: o examinando deve fundamentar suas respostas. A mera citação do dispositivo legal não confere pontuação. 2) QUESTÃO 4 – OAB FGV – XI Exame O Ministério Público ofereceu denúncia contra Lucile, imputando-lhe a prática da conduta descrita no Art. 155, caput, do CP. Narrou, a inicial acusatória, que no dia 18/10/2012 Lucile subtraiu, sem violência ou grave ameaça, de um grande estabelecimento comercial do ramo de venda de alimentos, dois litros de leite e uma sacola de verduras, o que totalizou a quantia de R$10,00 (dez reais). Todas as exigências legais foram satisfeitas: a denúncia foi recebida, foi oferecida suspensão condicional do processo e foi apresentada resposta à acusação. O magistrado, entretanto, após convencer-se pelas razões invocadas na referida resposta à acusação, entende que a fato é atípico. Nesse sentido, tendo como base apenas as informações contidas no enunciado, responda, justificadamente, aos itens a seguir. A) O que o magistrado deve fazer? Após indicar a solução, dê o correto fundamento legal. (Valor: 0,65) B) Qual é o elemento ausente que justifica a alegada atipicidade? (Valor: 0,60) Obs.: o examinando deve fundamentar suas respostas. A mera citação do dispositivo legal não confere pontuação. 16 3) QUESTÃO AUTORAL Em 10 de janeiro de 2007, Eliete, primária, foi denunciada pelo Ministério Público pela prática do crime de furto qualificado por abuso de confiança, já que, na qualidade de empregada doméstica, teria subtraído a quantia de R$ 50,00 (cinquenta reais) de seu patrão Cláudio. Após a instrução criminal, o Magistrado proferiu sentença condenando Eliete à pena final de 2 (dois) anos de reclusão, em razão da prática de crime previsto no artigo 155, §4º, inciso II, do Código Penal. Após a interposição de recurso de apelação exclusivo da defesa, o Tribunal de Justiça entendeu por bem anular toda a instrução criminal, ante a ocorrência de cerceamento de defesa em razão do indeferimento injustificado de uma pergunta formulada a uma testemunha. Novamente realizada a instrução criminal e apresentação de novos memoriais pelas partes, em 09 de fevereiro de 2011, foi proferida nova sentença penal condenando Eliete à pena final de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão. Em suas razões de decidir, assentou que a ré possuía circunstâncias judiciais desfavoráveis, uma vez quer se reveste de enorme gravidade a prática de crimes em que se abusa a confiança depositada no agente, motivo pelo qual a pena deveria ser distanciada no mínimo. Com base nas informações expostas, responda, como advogado (a) contratado por Eliete, aos itens a seguir: A) Qual o argumento de direito processual pode ser invocado para anular a segunda sentença condenatória? B) Qual o argumento de direito material a ser apresentado em busca da absolvição de Eliete? Obs.: o examinando deve fundamentar suas respostas. A mera citação do dispositivo legal não confere pontuação. 17 Nexo de causalidade Prof. Nidal Ahmad @prof.nidal 2.1. Conceito A relação de causalidade é o vínculo estabe- lecido entre a conduta do agente e o resultado por ele produzido. É a relação de causa e efeito entre a conduta e o resultado. É o que estabelece a ligação entre a conduta desenvolvida pelo agente e o resultado produzido. Não sendo estabelecida essa relação entre a conduta e o resultado, não estará presente o nexo causal, um dos elementos do fato típico, não sendo possível, portanto, imputar ao agente a prática do delito. 2.2. Espécies 2.2.1 Causas absolutamente independentes Causas absolutamente independentes são aquelas desvinculadas da conduta do agente. Com efeito, a expressão “absolutamente” serve para designar que a outra causa por si só produziu o resultado, independentemente da conduta do agente. São causas que não se inserem na linhado desdobramento natural da conduta do agente, ou seja, são causas inusitadas, desvinculadas da ação do agente, surgindo de fonte distinta. Há, na verdade, quebra do nexo causal entre a conduta do agente e o resultado gerado por essa outra causa. Em outras palavras, ainda que o agente não tivesse desenvolvido qualquer conduta, a outra causa seria capaz de, por si só, produzir o resultado naturalístico. Em relação à conduta do agente, as causas absolutamente independentes podem ser: a) preexistente; b) concomitante; c) superveniente. a) Preexistente É aquela causa que já existia antes da conduta do agente, que produz o resultado independentemente da sua ação. É a causa absolutamente desvinculada da conduta do agente, que já existia antes da ação desenvolvida por ele. Não teve origem, pois, na conduta do agente. Em outras palavras, o resultado teria ocorrido em decorrência dessa causa preexistente, tendo o agente desenvolvido ou não qualquer conduta. 18 Exemplo: O agente desfere um disparo de arma de fogo contra a vítima, que, no entanto, vem a falecer pouco depois, não em consequência dos ferimentos recebidos, mas porque antes ingerira veneno com a intenção suicida. Exemplo: Wilson e Pedro se encontram debaixo de uma marquise de um prédio, quando começam uma severa discussão. Wilson, que portava uma faca, parte em direção de Pedro, com intuito de matá-lo. No exato momento em que desenvolvia movimentação corpórea e atingir a vítima em região vital, parte da marquise do prédio desaba e atinge Pedro, causando-lhe a morte, o que restou confirmado no respectivo laudo pericial. Nesse caso, há a conduta do agente (efetuar o disparo), mas o que gerou o resultado morte foi outra causa (o veneno). Essa outra causa é independente da conduta do agente (porque por si só produziu o resultado). É absolutamente independente (porque não teve origem na conduta do agente, pois, mesmo que não tivessem ocorrido os disparos, o resultado ainda assim teria ocorrido). É preexistente porque essa outra causa (veneno) já existia antes da ação do agente. b) Concomitantes É aquela causa que incide no exato momento da ação desenvolvida pelo agente, produzindo por si só o resultado. Surge simultaneamente à conduta delituosa, mas absolutamente desvinculada dela, ou seja, sua incidência não tem origem na conduta do agente. Em síntese, trata-se de causa que surge no exato momento da ação do agente, mas absolutamente desvinculada dela, e que, por si só, produz o resultado naturalístico. Se o agente não tivesse desenvolvido qualquer conduta, a outra causa ainda assim teria produzido o resultado naturalístico. Nesse caso, há a conduta do agente (desferir facadas), mas o que gerou o resultado morte foi outra causa (queda da marquise sobre a cabeça da vítima). A queda da marquise se trata de causa independente da conduta do agente (porque por si só produziu o resultado). É absolutamente independente (porque não teve origem na conduta do agente, pois mesmo que não tivesse sido desferido qualquer golpe de faca, a marquise teria desabado e atingido a vítima que se encontrava no local). É concomitante porque essa outra causa (queda da marquise) ocorreu exatamente no momento da ação do agente. 19 Atenção: Se o enunciado apontar dolo de lesão corporal, por exemplo, o agente responderá por aquilo que deu causa: lesão corporal (leve, grave ou gravíssima). c) Supervenientes É a causa que incide após a ação desenvolvida pelo agente. Surge posteriormente à conduta do agente, sendo absolutamente desvinculada dela, ou seja, sua incidência não tem origem na conduta do agente. Imaginemos que Wilson ministra veneno na alimentação da sua sogra. No entanto, antes do veneno produzir efeitos, seu cunhado Lelo, que também odeia a sogra, entrou na residência da vítima e desferiu vários disparos de arma de fogo contra ela, causando-lhe sua morte. Nesse caso, há a conduta do agente Wilson (ministrar veneno), mas o que gerou o resultado morte foi outra causa (disparos de arma de fogo efetuados por Lelo). Os disparos de arma de fogo constituem causa independente da conduta do agente Wilson (porque por si só produziram o resultado). É absolutamente independente (porque não teve origem na conduta do agente Wilson, pois ainda que não tivesse ministrado o veneno, o resultado ainda assim teria ocorrido). É superveniente porque essa outra causa (disparos de arma de fogo efetuados por Lelo) ocorreu depois da conduta do agente. 2.2.2. Consequências das causas absolutamente independentes Em todas as espécies de causas absolutamente independentes, verifica-se uma quebra do nexo causal entre a conduta do agente e o resultado produzido. Isso porque não foi a conduta do agente que produziu o resultado naturalístico, mas outra causa absolutamente desvinculada da sua conduta. Assim, adotando o disposto no art. 13, caput, do CP, quando a causa é absolutamente independente da conduta do sujeito, há exclusão da causalidade decorrente da conduta, devendo o agente responder somente por aquilo que deu causa. Nos exemplos acima, a causa da morte não tem ligação alguma com o comportamento do agente. Em face disso, o agente não responde pelo resultado morte, mas sim pelos atos praticados antes de sua produção. Isso porque ocorreu a ruptura do nexo causal entre a sua conduta e o resultado. Assim, como o dolo era de matar, o agente responderia por tentativa de homicídio. 20 Exemplo: Lelo, com a intenção de matar, desfere um golpe de faca em Bilia, que é portadora de hemofilia atingindo-a superficialmente na região do tórax. Todavia, a lesão provocou choque hemorrágico e sangramento intenso, causando a morte da vítima. O golpe de faca, isoladamente considerado, não seria capaz de causar a morte da vítima. Da mesma forma, a hemofilia, isoladamente considerada, não seria capaz de causar a morte da vítima. entretanto, o golpe de faca somado ao estado de saúde da vítima (hemofilia) ensejou sua morte, em face do choque hemorrágico e do intenso sangramento. Note-se que a hemofilia por si só produziu o resultado, já que foi a causa principal da morte da vítima. Essa causa, contudo, incidiu somente a partir da conduta de Lelo. 2.2.3. Causas relativamente independentes Causas relativamente independentes são aquelas vinculadas à conduta do agente. A expressão “relativamente” serve para designar que a outra causa, que por si só produziu o resultado, teve origem na conduta do agente. Como são causas independentes, produzem por si só o resultado, não se situando dentro da linha de desdobramento causal da conduta. Por serem, no entanto, apenas relativamente independentes, encontram sua origem na própria conduta praticada pelo agente, ou seja, a causa relativamente independente somente foi desencadeada a partir da conduta do agente. Em síntese, se o agente não tivesse desenvolvido a conduta, a outra causa não incidiria e, por conseguinte, não haveria a produção de qualquer resultado naturalístico. Também são três as espécies de causas relativamente independentes: a) preexistente; b) concomitante; c) superveniente. a) Preexistentes É a causa que já existia antes da conduta do agente, que somente foi desencadeada a partir da ação ou omissão desenvolvida, produzindo, por si só, o resultado. Ou seja, se a conduta criminosa não tivesse sido desenvolvida, a causa preexistente não teria incidido. Logo, essa causa teve origem na ação desenvolvida pelo agente. Nesse caso, há a conduta do agente (golpe de faca), mas o que desencadeou efetivamente o resultado morte foi outra causa (hemofilia). Essa outra causa é independente da 21 conduta do agente (porque por si só produziu o resultado). É relativamente independente (porque teve origem na conduta do agente, pois, se não tivesse desferido a facada, essaoutra causa não seria desencadeada e o resultado não ocorreria). É preexistente porque essa outra causa (hemofilia) já existia ao tempo da ação do agente. Nesse caso, como há uma soma de causas e não quebra do nexo causal, o agente responde pelo resultado pretendido. No caso, homicídio consumado. Se agiu com intenção de lesionar, responderá pelo crime de lesão corporal seguida de morte. Segundo a doutrina majoritária, a imputação do resultado ao agente exige que ele tenha conhecimento do estado de saúde da vítima (que denota dolo) ou, pelo menos, que lhe fosse pre- visível (indicativo de culpa). Assim, se, por exemplo, o agente não sabia do estado de saúde da vítima ou não lhe era previsível, não será possível lhe atribuir o resultado morte, devendo responder pelo delito de tentativa de homicídio (se agiu com a intenção de matar). Se, no entanto, pretendia ferir a vítima, agredindo-a com um soco, que vem a falecer em razão da hemofilia desconhecida pelo agente, o agente somente será responsabilizado pelo delito de lesão corporal. b) Concomitantes É aquela causa que incide no exato momento da ação desenvolvida pelo agente, e em razão dela. Ou seja, a incidência da causa concomitante teve origem na conduta do agente. Em síntese, trata-se de causa que surge no exato momento da ação do agente, sendo dela originada, produzindo por si só o resultado naturalístico. Se o agente não tivesse desenvolvido qualquer conduta, a outra causa não teria incidido e, por conseguinte, não haveria produção de qualquer resultado. 22 Exemplo: Lelo, com intenção de matar Bilia, sabidamente pessoa idosa e com saúde frágil, desenvolve ataque contra a vítima, munido de uma faca, buscando atingi- la. Bilia, em decorrência da ação de Lelo, sofreu intenso susto, o que potencializou a descompensação da frequência cardíaca, levando-a a sofrer infarto do miocárdio e, por consequência, à morte. O ataque de faca, isoladamente considerado, não seria capaz de causar a morte da vítima. A idade e a saúde debilitada da vítima, isoladamente consideradas, não seriam capazes de causar a morte, pelo menos da forma como ocorreu. Entretanto, a ação de Lelo somada a descompensação da frequência cardíaca da vítima deram causa ao resultado morte. Note-se que o infarto do miocárdio produziu por si só o resultado naturalístico, sendo, por isso, a causa principal da morte da vítima. Essa causa, contudo, incidiu somente a partir da conduta desenvolvida pelo agente. Nesse caso, há a conduta do agente (ataque mediante golpe de faca), mas o que desencadeou efetivamente o resultado morte foi outra causa (infarto do miocárdio). Essa outra causa é independente da conduta do agente (porque por si só produziu o resultado). É relativamente independente (porque teve origem na conduta do agente, pois, se não tivesse desferido o ataque a faca, essa outra causa não seria desencadeada e o resultado não ocorreria). É concomitante porque a outra causa (infarto do miocárdio) foi potencializada no exato momento da conduta do agente. Dessarte, como há uma soma de causas e não quebra do nexo causal, o agente responde pelo resultado pretendido, consistente, no caso, no crime de homicídio consumado. Convém registrar que a causalidade objetiva, por si só, não se mostra suficiente para a imputação do resultado final ao agente, sendo, ainda, necessária a presença da causalidade psíquica, consistente no dolo ou culpa na conduta do agente para a produção do resultado. No caso do exemplo acima, considerando a idade avançada e a saúde debilitada da vítima, sintomático que estava na esfera de conhecimento do agente a possibilidade de ser desencadeada a descompensação cardíaca e o infarto do miocárdio. Portanto, para que o agente responda pelo resultado final, a concausa relativamente independente concomitante deve ser conhecida do agente ou ao menos existir possibilidade de conhecimento, sob pena de responsabilidade penal objetiva. Assim, se o agente, com a intenção de apenas pregar um susto, por meio de uma 23 brincadeira de mal gosto, se faz passar por um agressor, vindo a vítima, pessoa jovem e saudável, a sofrer infarto do miocárdio, em face do susto que levou, não haverá responsabilização criminal, já que não era previsível que pudesse ocorrer o resultado morte. c) Causa relativamente independente superveniente É a causa que surge posteriormente à conduta do agente, estando vinculada a ela, ou seja, somente incidiu a partir da ação desenvolvida pelo agente. Assim, nesse caso, quando a concausa superveniente relativamente independente for capaz de, por si só, ocasionar o resultado naturalístico, haverá a exclusão da responsabilidade do agente pelo resultado ocorrido, devendo este responder pelos atos até então praticados. Nesse caso, há a conduta do agente (golpe de faca), mas o que desencadeou efetivamente o resultado morte foi outra causa (traumatismo decorrente do acidente). Essa outra causa é independente da conduta do agente (porque por si só produziu o resultado). É relativamente independente (porque teve origem na conduta do agente, pois, se não tivesse desferido a facada, a vítima não estaria na ambulância e, portanto, não teria falecido por conta do acidente). É superveniente porque essa outra causa (traumatismo pelo acidente) surgiu depois da conduta do agente. Assim, o agente não responde pelo resultado ocorrido, mas somente pelos atos anteriores, que, no caso, foi tentativa de homicídio. Com efeito, nos termos do art. 13, § 1º, do CP, a superveniência de causa relativamente independente exclui a imputação do resultado ao agente quando, por si só, deu causa resultado, entendendo-se, assim, quando o resultado não tenha decorrido de um desdobramento da conduta física ou natural do agente. Exemplo: O agente desferiu um golpe de faca contra a vítima, com a intenção de matá-la. Ferida, a vítima é colocada numa ambulância e levada ao hospital. Durante o trajeto, o veículo se envolve num acidente, vindo a vítima a falecer exclusivamente pelo traumatismo craniano decorrente da colisão da ambulância com outro veículo. A causa é independente, porque a morte foi provocada pelo acidente e não pela facada, mas essa independência é relativa, já que, se não fosse o golpe de faca, a vítima não estaria na ambulância acidentada e não morreria. Tendo atuado posteriormente à conduta, denomina-se causa superveniente. 24 2.2.4. Efeitos das causas relativamente independentes Em relação às causas preexistentes e concomitantes relativamente independentes, não há rompimento ou quebra do nexo causal, mas conjunção entre a conduta do agente e a causa preexistente e concomitante. Aplicando-se a teoria da equivalência dos antecedentes causais, prevista no art. 13, caput, do CP, suprimindo-se mentalmente a conduta do agente, o resultado não ocorreria como efetivamente ocorreu. Há uma soma entre a conduta do agente e a causa preexistente e concomitante relativamente independente, razão pela qual deverá ser responsabilizado pelo resultado naturalístico. Dessarte, nos exemplos mencionados nos itens relacionados às causas preexistentes e concomitantes relativamente independente, se o dolo do agente era de matar, responderá pelo crime de homicídio consumado; se, no entanto, o dolo era de lesionar, mas, culposamente, causar o resultado morte, responderá pelo crime de lesão corporal seguida de morte (CP, art. 129,§ 3º). Como dito acima, convém registrar que a causalidade objetiva, por si só, não se mostra suficiente para a imputação do resultado final ao agente, sendo, ainda, necessária a presença da causalidade psíquica, verificando-se o dolo ou culpa na conduta do agente para a produção do resultado. Em relação às causas relativamente independentes supervenientes, o legislador conferiutratamento específico, previsto no art. 13, § 1º, do CP. Quando a concausa superveniente relativamente independente ensejar, por si, o resultado naturalístico, haverá exclusão da responsabilidade do agente em relação ao resultado ocorrido. Isso porque não foi a conduta do agente que produziu o resultado, mas outra causa superveniente, suficientemente capaz de, por si só, ocasionar o resultado naturalístico. Assim, tomemos como exemplo o fato de Lelo efetuar disparo de arma de fogo contra Bilia, que, após ser atingida, foi levada ao hospital. Dois dias depois da internação, o hospital é tomado por um incêndio, decorrente de um curto-circuito no sistema elétrico, que causou a morte de alguns pacientes, dentre eles a vítima Bilia. Nesse caso, há uma causa superveniente à conduta do agente, que, por si só, produziu o resultado (o incêndio). Trata-se de causa relativamente independente, porque, se Lelo não tivesse efetuado os disparos, Bilia não estaria no hospital e não teria ocorrido o resultado da forma como ocorreu. Como o incêndio não se localiza dentro do desdobramento natural de um disparo de arma de fogo, Lelo não responderá 25 pelo resultado morte de Bilia, já que ocorreu uma ruptura entre o nexo causal da sua conduta e o resultado. Todavia, os atos até então praticados deverão ser imputados ao agente, ou seja, Lelo deverá responder por tentativa de homicídio (CP, art. 121 c/c 14, II). Por isso, em relação às causas supervenientes relativamente independentes, adota-se a teoria da causalidade adequada, já que a conduta do agente não se encontra na linha de desdobramento natural em relação à efetiva causa do resultado. Logo, a conduta do agente não se revela apta ou adequada para a produção do resultado, razão pela qual há exclusão da imputação, devendo o agente responder apenas pelos fatos anteriores praticados. 2.2.5. Efeitos das causas supervenientes que se encontram dentro da linha do desdobramento da conduta Se a causa superveniente está na linha do desdobramento físico ou anatomopatológico da ação, o resultado é atribuído ao agente. Isso porque a segunda causa guarda relação com a primeira, num desdobramento causal obrigatório. Assim, tomemos como exemplo o fato de Lelo efetuar disparo de arma de fogo contra Bilia, que, após ser atingida, foi levada ao hospital. Dois dias depois da internação, Bilia contraiu infecção no ferimento causado pelos disparos de arma de fogo efetuados por Lelo, vindo a falecer. Nesse caso, como a infecção dos ferimentos se localiza dentro do desdobramento natural de um disparo de arma de fogo, Lelo responderá pela morte de Bilia, já que o resultado foi consequência de um desdobramento normal da conduta do agente, devendo, pois, ser imputado a ele o crime de homicídio consumado (CP, art. 121). 2.3. Questões 4) QUESTÃO 4 – XXV EXAME Vitor efetuou disparos de arma de fogo contra José, com a intenção de causar a morte dele. Ocorre que, por erro durante a execução, os disparos atingiram a perna de seu inimigo e não o peito, como pretendido. Esgotada a munição disponível, Vitor empreendeu fuga, enquanto José solicitou a ajuda de populares e compareceu, de imediato, ao hospital para atendimento médico. Após o atendimento médico, já no quarto com curativos, enquanto dormia, José é picado por um escorpião, vindo a falecer no dia seguinte, em razão do veneno do animal, exclusivamente. Descobertos os fatos, considerando que José somente estava no hospital em razão do comportamento de Vitor, o Ministério 26 Público oferece denúncia em face do autor dos disparos pela prática do crime de homicídio consumado, previsto no art. 121, caput, do CP. Após regular prosseguimento do feito, na audiência de instrução e julgamento da primeira fase do procedimento do Tribunal do Júri, quando da oitiva das testemunhas, o magistrado em atuação optou por iniciar a oitiva das testemunhas formulando diretamente suas perguntas, sem permitir às partes complementação. Após alegações finais orais das partes, o magistrado proferiu decisão de pronúncia. Apesar da impugnação da defesa quanto à formulação das perguntas pelo juiz, o magistrado esclareceu que não importaria quem fez a pergunta, pois as respostas seriam as mesmas. Com base apenas nas informações narradas, na condição de advogado(a) de Vitor, responda aos itens a seguir: A) Qual o recurso cabível da decisão proferida pelo magistrado e qual argumento de direito processual pode ser apresentado em busca da desconstituição de tal decisão? Justifique. (Valor: 0,65) B) Existe argumento de direito material a ser apre- sentado, em momento oportuno, para questionar a capitulação jurídica apresentada pelo Ministério Público? Justifique. (Valor: 0,60) Obs.: O(a) examinando(a) deve fundamentar as respostas. A mera citação do dispositivo legal não confere pontuação. 27 Iter criminis Prof. Nidal Ahmad @prof.nidal 3.1. Conceito Iter criminis significa literalmente “caminho do crime”. Trata-se do caminho percorrido pelo agente para a prática da infração penal, passando pela ideação até chegar à consumação. Em síntese, iter criminis é o conjunto de fases pelas quais passa o delito. Compõe-se de uma fase interna, na qual o agente representa mentalmente a prática delituosa, bem como de uma fase externa, em que o agente exterioriza a sua conduta, colocando em prática a ideia criminosa, praticando atos preparatórios e executórios até alcançar a consumação. O iter criminis, pois, é composto pelas seguintes fases. • Fase interna: cogitação; • Fase externa: atos preparatórios, execução e consumação. Convém sinalar que o exaurimento não integra o iter criminis, já que ocorre após a integralização da atividade criminosa. Constitui, na verdade, a atividade posterior à consumação do delito, consistente, não raras vezes, no proveito da atividade criminosa, como se fosse uma espécie de “plus”, podendo, ainda, constituir nos casos expressamente previstos em lei, qualificadora ou causa de aumento de pena. Assim, o fato de o agente vender o bem móvel subtraído caracteriza o exaurimento do crime de furto, já esgotado o iter criminis com o desapossamento do objeto. No crime de corrupção passiva (CP, art. 317), o recebimento da vantagem indevida solicitada caracteriza o exaurimento do crime, já que o crime se consumou com a solicitação de tal vantagem. Cogitação Atos preparatórios Execução Consumação 28 3.2. Cogitação O primeiro momento do iter criminis é a chamada cogitatio. O agente idealiza internamente a atividade criminosa. Elabora mentalmente a infração penal, delibera sobre o desenvolvimento da conduta e, por fim, decide praticar a infração penal. Toda essa representação ainda se encontra no plano interno do agente, ou seja, ainda não há exteriorização de nenhum ato. É exatamente por isso que a fase da cogitação não é punível. De fato, como ainda está no plano interno do agente, não há ainda qualquer violação a um bem jurídico, razão pela qual não incidem as normas de Direito Penal. Em outras palavras, na fase da cogitação não há falar em crime, nem mesmo na forma tentada, já que, para tanto, deve haver, ao menos, o início da execução do delito para caracterizar a infração penal. 3.3 Atos preparatórios Os atos preparatórios consistem no conjunto de atos voltados a concretizar a infração penal. O agente passa da cogitação para a exteriorização da sua atividade criminosa, buscando, previamente ao início da execução, os elementos necessários para o desenvolvimento da conduta delituosa. É a partir dos atos preparatórios que o agente começa a materializar, ou seja, exteriorizar sua busca pela consumação da infração penal. Para a prática do crime de homicídio, a aquisição de uma arma constitui mero ato preparatório. Da mesma forma, o estudo do local do crime, buscando identificar a melhorhora e forma de ingressar no ambiente, constitui atos preparatórios do crime de furto. Os atos preparatórios, via de regra, não são puníveis, nem na forma tentada, uma vez que, nos termos do art. 14, II, do CP, afigura-se necessário o início da execução do delito, com a realização da conduta nuclear descrita no tipo penal. Em outras palavras, via de regra, não constituem crime. Todavia, em casos excepcionais, o legislador descreve atos que na sua concepção seriam preparatórios como delitos autônomos. São os chamados crimes-obstáculo. Nesses casos, o ato preparatório de um determinado delito é considerado pelo legislador um crime autônomo e independente, tratando-o, na situação específica, como verdadeiro ato executório. 29 A associação de três ou mais pessoas, para o fim específico de cometer crimes, constitui crime autônomo (CP, art. 288), ainda que nenhum crime seja praticado. Da mesma forma, o legislador considera crime autônomo atos preparatórios para a prática do crime de moeda falsa. De fato, nos termos do art. 291 do CP, constitui crime fabricar, adquirir, fornecer, a título oneroso ou gratuito, possuir ou guardar maquinismo, aparelho, instrumento ou qualquer objeto especialmente destinado à falsificação de moeda, ainda que nenhuma moeda tenha sido falsificada. O art. 5º da Lei nº 13.260/2016 prevê conduta criminosa do agente que realizar atos preparatórios de terrorismo com o propósito inequívoco de consumar tal delito, ainda que nenhum ato executório seja realizado. 3.4. Execução Idealizada a infração penal e após realizar os atos preparatórios, o agente passa à fase de execução do delito, com a efetiva agressão ao bem jurídico tutelado. O agente passa a desenvolver conduta voltada a realizar o verbo nuclear do tipo. A partir dos atos executórios, o fato passa a ser punível, ao menos na forma tentada. Isso porque o próprio art. 14, II, do CP, atrelou a tentativa ao início da execução do crime, condicionando sua punibilidade ao início da prática de atos executórios. 3.5. Consumação Nos termos do art. 14, I, do CP, diz-se que o crime é consumado “quando nele se reúnem todos os elementos de sua definição legal”. É o tipo penal integralmente realizado, ou seja, quando o fato praticado pelo agente se enquadra plena- mente no tipo penal abstrato. É o elemento culminante do iter criminis. É o momento de conclusão do delito, reunindo todos os elementos que integram o tipo penal. Trata-se do crime perfeito ou completo, já que a conduta do agente atingiu a plenitude, culminando na concretização dos elementos que definem o tipo penal. Assim, quando o agente efetua disparo de arma de fogo contra a vítima, matando-a, terá consumado o delito de homicídio, pois integralizou todos os elementos que compõem sua definição legal, consistente em “matar alguém”. Todavia, a definição de crime consumado revela uma complexidade maior do que o texto legal aparenta. Isso porque, dependendo da classificação doutrinária e das características 30 próprias, as infrações penais podem ter um momento consumativo diverso. Em síntese, nem todas as infrações penais possuem o mesmo momento consumativo. 3.6. Como pode cair A cogitação e os atos preparatórios não constituem crime. Logo, trata-se de tese absolutória20 . 20 Foi o que aconteceu na peça prático-profissional do XXVI Exame da OAB. • Se for resposta à acusação: absolvição sumária, com base no artigo 397, III, do CPP • Se for memoriais ou apelação no procedimento comum: absolvição, com base no artigo 386, III, do CPP • Se for memoriais ou recurso em sentido estrito no procedimento do júri: absolvição sumária, com base no artigo 415, III, do CPP. 31 Desistência voluntária e arrependimento eficaz Prof. Nidal Ahmad @prof.nidal 4.1. Introdução A desistência voluntária e o arrependimento eficaz estão previstos no art. 15 do CP, segundo o qual “O agente que, voluntariamente, desiste de prosseguir na execução ou impede que o resultado se produza, só responde pelos atos já praticados”. Eis a fundamental diferença em relação à tentativa: enquanto na tentativa há início da execução do delito e não consumação por circunstâncias alheias à vontade do agente, na desistência voluntária e arrependimento eficaz a consumação não ocorre por vontade do próprio agente. Em outras palavras, a tentativa e a desistência voluntária ou arrependimento eficaz são institutos absolutamente incompatíveis. Se reconhecido o crime tentado, afasta-se a possibilidade de desistência voluntária e arrependimento eficaz; se reconhecida a desistência voluntária ou arrependimento eficaz, afastada estará a possibilidade do reconhecimento do crime na modalidade tentada. 4.2. Desistência voluntária Na desistência voluntária, o agente dá início à execução do delito, mas, de modo voluntário, antes mesmo de esgotar os meios que tinha à sua disposição, interrompe os atos executórios, não alcançando a consumação por vontade própria. A desistência voluntária se caracteriza por um comportamento negativo do agente, que, após dar início à execução do delito, adota uma postura de abstenção, deixando, mesmo tendo a possibilidade, de prosseguir na execução do delito. Em outras palavras, iniciada a execução, o autor do ilícito, antes de esgotar os atos executórios, resolve, voluntariamente, não seguir adiante no comportamento delituoso. Tomemos como exemplo a conduta do agente que, com a intenção homicida, desfere um disparo de arma de fogo contra a vítima, acertando-a em região não letal. Podendo prosseguir, já que tinha mais cinco balas no revólver, o agente resolve, por vontade própria, não efetuar mais disparos, deixando a vítima sobreviver. 32 Indubitável que o agente deu início à execução do delito, mas não consumou o homicídio por vontade própria, já que adotou uma postura de abstenção, cessando a atividade executória antes de esgotar todos os meios que tinha à sua disposição. Trata-se, pois, de desistência voluntária, devendo o agente responder pelas lesões corporais causadas. Da mesma forma, incidirá a desistência voluntária na hipótese do agente que, após ingressar em residência alheia para o cometimento do furto, resolver adotar uma postura de abstenção, deixando voluntariamente o local sem nada subtrair. Trata-se de evidente hipótese de desistência voluntária, pois, embora tenha dado início à execução do furto, o agente, por vontade própria, cessou a atividade executória antes de esgotar sua potencialidade lesiva. Nesse caso, o agente responderá pelo crime de violação de domicílio (CP, art. 150), e não por tentativa de furto. 4.3. Arrependimento eficaz No arrependimento eficaz, o agente, após ter esgotado todos os meios à sua disposição para a consumação do delito, arrepende-se e, adotando uma postura ativa, impede que o resultado se produza. Diversamente do que ocorre na desistência voluntária, o arrependimento eficaz se caracteriza pelo fato de o agente, após esgotar os meios executórios, desenvolver uma nova atividade, a fim de evitar a consumação do delito. O agente esgota sua potencialidade lesiva, faz tudo que está ao seu alcance para consumar o delito, mas antes de alcançar o resultado inicialmente desejado, arrepende-se e adota um comportamento ativo para evitar a sua consumação. Em outras palavras, o arrependimento eficaz se dá após a execução, mas antes da consumação do crime. Tomemos como exemplo o agente que, com a intenção homicida, após efetuar disparos de arma de fogo contra a vítima utilizando todas as balas do revólver, arrepende-se e, adotando postura ativa, leva a vítima até o hospital, que, submetida a intervenção cirúrgica exitosa, acaba sobrevivendo, embora tenha ficado gravemente ferida. Nesse caso, o agente não responderá pelo crime de tentativa de homicídio, mas por lesão corporal grave. Da mesma forma, agente que, com aintenção homicida, coloca veneno na bebida da vítima, mas, arrependido, desenvolve nova atividade entregando-lhe o antídoto, evitando, assim, a morte, embora tenha resultado lesão à sua saúde. Nesse caso, o agente não 33 responderá pelo crime de tentativa de homicídio, mas por lesão corporal (leve, grave ou gravíssima, conforme o caso). Com a intenção de praticar um golpe, Wilson pagou diversos produtos comprados em determinada loja emitindo cheque sem provisão de fundos. Antes da data do vencimento do desconto do título de crédito, Wilson, arrependido, retornou à loja e trocou o cheque por dinheiro em espécie, tendo quitado o débito integralmente, evitando a consumação do delito de estelionato por meio de pagamento de cheque sem provisão de fundos, já que não houve obtenção de vantagem indevida em prejuízo da vítima. Nesse caso, o agente não responderá pelo crime de tentativa de estelionato, sendo o fato atípico, já que os atos anteriores não constituem crime. 4.4. Requisitos A desistência voluntária e o arrependimento eficaz exigem a presença dos seguintes requisitos: voluntariedade e eficácia. a) Voluntariedade A desistência voluntária e o arrependimento eficaz devem decorrer de atos voluntários, livres de coação física ou moral, ainda que não sejam espontâneos. De fato, não se afigura necessária a espontaneidade do ato de desistir ou se arrepender. Ou seja, não se exige que a ideia de interromper os atos executórios ou de se arrepender tenha se originado na mente do agente. Haverá, pois, desistência voluntária e arrependimento eficaz se o agente não consumou o delito influenciado por terceira pessoa. Exemplo: Durante uma discussão, Wilson, inimigo declarado de Dudu, seu cunhado, golpeou a barriga de seu rival com uma faca, com intenção de matá-lo. Ocorre que, após o primeiro golpe, a pedido da sua irmã, Wilson percebeu a incorreção de seus atos e optou por não mais continuar golpeando Dudu, apesar de saber que aquela única facada não seria suficiente para matá-lo. Neste caso, Wilson não desistiu de prosseguir nos atos executórios de forma espontânea, mas a pedido de sua irmã, esposa da vítima. Embora não espontânea, a desistência foi voluntária, porque livre de coação física ou moral. Não importa a natureza do motivo que levou o agente a desistir de prosseguir na empreitada delituosa ou do seu arrependimento. Pode desistir ou arrepender-se por medo, 34 piedade, decepção com a vantagem do crime, remorso, repugnância pela sua própria conduta, ou por qualquer outra razão. Exemplo: Wilson tem um desafeto a quem sempre faz ameaças de morte. O último encontro foi num bar. Portando um revólver carregado com seis munições, Wilson aproveitou para concretizar o desejo de matar seu oponente. Anunciou que iria matar seu desafeto e efetuou um disparo na sua perna. Neste momento, o desafeto suplica por sua vida. Wilson, sensível ao apelo da vítima, desiste de continuar disparando, afirma que não iria mais matar o rival e se retira do local. No caso, Wilson deixou de prosseguir na empreitada delituosa por piedade da vítima, caracterizando ainda assim a desistência voluntária. Em síntese, é irrelevante que o agente proceda por indulgência, comiseração, ou por motivos subalternos, egoísticos, desde que não tenha sido obstado por causas exteriores independentes de sua vontade. b) Eficácia Para que incidam os efeitos da desistência voluntária ou arrependimento eficaz, afigura- se imprescindível que não ocorra a consumação do delito. Ou seja, a conduta do agente, abstendo-se de prosseguir na empreitada delituosa, ou adotando postura para impedir o resultado, deve ser apta e eficaz para evitar a consumação do delito. Se, conquanto tenha buscado evitar a produção do resultado, o crime alcançou a consumação, o agente responderá pelo delito desejado na sua forma consumada, já que a desistência ou arrependimento não foi eficaz. Imaginemos que Wilson, desejando matar João, efetua vários disparos contra a vítima, atingindo-a na região torácica. Arrependido, decide socorrer João, que, levado ao hospital, não resistiu aos ferimentos e acabou falecendo. Como o arrependimento não foi eficaz, uma vez que o resultado ocorreu, Wilson responderá pelo crime de homicídio consumado. Consideremos, ainda, a hipótese de agente desferir um disparo de arma de fogo contra a vítima, acertando-a na região torácica, mas desiste de prosseguir na execução do delito, mesmo tendo mais munição no revólver. A vítima é socorrida por populares e encaminhada ao hospital, mas não resiste aos ferimentos e acaba falecendo. Nesse caso, a desistência voluntária não foi eficaz, respondendo o agente pelo crime de homicídio consumado, ainda que tenha abandonado a empreitada delituosa. 35 4.5. Consequência Nos termos da parte final do art. 15 do CP, verificada hipótese de desistência voluntária ou arrependimento eficaz, não é possível imputação do crime na modalidade tentada, já que, como visto, há exclusão da tipicidade do crime inicialmente desejado, respondendo o agente pelos atos até então praticados, se típicos. Assim, no exemplo do agente que, com a intenção homicida, desfere um disparo de arma de fogo contra a vítima, acertando-a em região não letal, mas resolve, por vontade própria, não efetuar mais disparos, deixando a vítima sobreviver, não haverá tentativa de homicídio, devendo o agente responder pelos atos até então praticados, quais sejam, lesões corporais leves, graves ou gravíssimas, conforme o caso. Na hipótese do agente que, após ingressar em residência alheia para o cometimento do furto, resolveu interromper os atos executórios, deixando voluntariamente o local sem nada subtrair, não haverá tentativa de furto, mas crime de violação do domicílio (CP, art. 150), atos até então praticados. O agente que, com a intenção homicida, após efetuar disparos de arma de fogo contra a vítima utilizando todas as balas do revólver, arrepende-se e, adotando postura ativa, leva a vítima até o hospital, que, submetida a intervenção cirúrgica exitosa, acaba sobrevivendo, embora tenha ficado gravemente ferida, não responderá pela tentativa de homicídio, mas pelo crime de lesão corporal grave. Da mesma forma, o agente que, com a intenção homicida, coloca veneno na bebida da vítima, mas, arrependido, desenvolve nova atividade entregando-lhe o antídoto, evitando, assim, a morte, embora tenha resultado lesão à sua saúde. O agente não responderá pelo crime de homicídio tentado, mas pelo crime de lesão corporal leve, grave ou gravíssima, conforme o caso. Como dito, o agente somente responderá pelos atos até então praticados se constituírem infração penal. Assim, se os fatos inicialmente praticados não se revestirem de tipicidade, o agente não responderá por qualquer delito, já que os fatos anteriores à desistência voluntária ou arrependimento eficaz não constituem crime. 36 Wilson, com a intenção de obter vantagem indevida em prejuízo alheio, adquiriu diversos produtos, emitindo, como forma de pagamento, cheque sem provisão de fundos. Arrependido, retornou à loja antes da data prevista para o desconto da cártula e a trocou por dinheiro em espécie, quitando integralmente o débito, evitando, assim, a consumação do delito de estelionato por meio de pagamento de cheque sem provisão de fundos, já que não houve obtenção de vantagem indevida em prejuízo da vítima. No caso, diante do arrependimento eficaz, o agente não responderá pelo crime de estelionato inicialmente desejado, nem mesmo na forma tentada, devendo responder pelos atos até então praticados. Como, no caso, os atos anteriores não se enquadram em qualquer modelo legal de conduta proibida, o fato será atípico, não sendo o agente responsabilizado por crime algum. Imaginemos outro exemplo: Wilson, pretendendo praticar crime de peculato, em determinada noite,