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CENTRO UNIVERSITÁRIO UNICARIOCA A IMPORTÂNCIA DA LITERATURA INFANTIL AFRO-BRASILEIRA NA CONSTRUÇÃO DAS INDENTIDADES DAS CRIANÇAS NEGRAS SHEILA MARTINS DOS SANTOS Rio de Janeiro 2019 SHEILA MARTINS DOS SANTOS A IMPORTÂNCIA DA LITERATURA INFANTIL AFRO-BRASILEIRA NA CONSTRUÇÃO DAS INDENTIDADES DAS CRIANÇAS NEGRAS Orientador: Marcia de Medeiros Aguiar Rio de Janeiro 2019 Trabalho de conclusão de curso apresentado ao Centro Universitário Carioca, como requisito parcial para obtenção do grau de Licenciado em Pedagogia. DEDICATÓRIA Dedico este trabalho, primeiramente aos meus ancestrais, os quais me possibilitaram estar escrevendo cada palavra. A minha mãe Vera Lúcia, uma preta potente quem me dedicou a vida e me ensinou que a nossa história (ancestral) é uma trança de histórias e que devemos contar para os nossos filhos de onde viemos e quem somos com orgulho. Essa mulher me ajudou trilhar cada passo sem temer, desejando asé em todas as minhas decisões. Escrevo hoje porque ela me incentivou desde o início. Ao meu pai Sergio Paixão, um preto velho valoroso que partiu cedo para o Orun, porém, me deixou grandes conhecimentos para enfrentar com garra as voltas que o mundo dá. Dedico com mesmo afeto aos meus irmãos, filho, companheiro, enteado e amigos que estão caminhando ao meu lado nessa jornada que se chama vida. AGRADECIMENTOS Agradeço aos meus ancestrais que me fortalecem e protegem constantemente. Sou grata por ter força para escrever cada linha desse trabalho, por ter energia para aguentar todas as noites alerta para refletir sobre um tema tão relevante para nosso povo/comunidade negra. Meus agradecimentos especiais são para sempre aos meus pais que caminharam para o Orun guiados por Nanã em paz, porém, não me deixaram desamparada jamais. Agradeço a minha orientadora Marcia Aguiar pelas trocas e diálogos no decorrer desse processo. Aproveito para agradecer a Aza Njeri e Ricardo Janoario pela ajuda nessa reconstrução enquanto profissional na área da educação de uma forma holística. A professora Sandra Sierra que apoiou, incentivou e teve uma escuta afetuosa todas as vezes que eu falava sobre esse tema. Gratidão aos meus amigos que me escutam atentamente por meses (alguns por anos) falando sobre esse trabalho, compreendendo a importância dessa grande conquista na minha vida acadêmica. Para finalizar agradeço aos meus familiares por existirem, por ser minha força motriz e meu porto seguro de afeto nesse mar da vida. Por serem um mote, enquanto sujeitos negros, para que pudéssemos elaborar arduamente essa pesquisa, a qual desejamos ajudar a outros profissionais a descolonizarem suas práticas. A todos, meu muito obrigada! RESUMO Este trabalho teve como objeto de estudo analisar como a literatura afro- brasileira pode contribuir para a construção das identidades das crianças negras. Com o objetivo de entender que a construção das identidades das crianças é algo que vai passar inevitavelmente pelos referenciais que forem a elas apresentados. Temos vista que as narrativas de produções ficcionais são permeadas com moldes das tradições focadas em estereótipos e preconceitos historicamente construídos, pautados em padrões éticos e estéticos anglo- europeus. Logo, é perceptível, nos últimos anos, uma tendência de desconstrução dos estereótipos acerca do negro na literatura infanto-juvenil brasileira. Desta forma, é possível afirmar que a realização da pesquisa tem grande relevância e destaca-se por contribuir para a valorização das características étnico-raciais do sujeito negro. A partir das informações coletadas, foram analisadas e discutidas de que forma este tipo de ação pode acontecer no espaço escolar. Concluiu-se que uma possível forma de romper com este padrão pré-estabelecido historicamente seria um currículo descolonizado que dialogue com as africanidades dentro das escolas, espaço considerado como lócus da disseminação de práticas antirracistas, respeitando um norteador legal, pautado na Lei 10.639/03. Assim pode-se contribuir, tanto para a construção da identidade e da autoestima de crianças negras como para a valorização da convivência na diversidade com a criança branca. Palavras-chave: Literatura infantil afro-brasileira - Construção da identidade - Relação étnica SUMÁRIO Nº da página 1 – INTRODUÇÃO 7 2 – REFERENCIAL TEÓRICO 13 3 – RESULTADOS E DISCUSSÕES 24 4 - CONCLUSÃO 39 5 - REFERÊNCIAS 41 6 - ANEXOS 44 7 1. INTRODUÇÃO Temos como ponto norteador dessa pesquisa a seguinte indagação: como a literatura afro-brasileira pode contribuir para a construção das identidades das crianças negras? Tendo em vista essa reflexão, podemos entender que a construção da identidade das crianças é algo que vai passar inevitavelmente pelos referenciais que forem a elas apresentados. Logo, elas crescem com a sensação de que os padrões são aqueles com os quais se depararam nos livros infantis - materiais que ainda possuem uma marca forte de padrões estéticos anglo-europeus os quais negam as identidades negras. Assim sendo, a literatura afro-brasileira precisa ser compreendida e valorizada em suas riquezas de abordagens e significados, mas com o devido cuidado para não reproduzir estereótipos e valores etnocêntricos. Uma possível forma de romper com este padrão pré-estabelecido historicamente seria um currículo descolonizado que dialogue com as africanidades dentro das escolas, espaço considerado como lócus da disseminação de práticas antirracistas, respeitando um norteador legal pautado na Lei 10.639/03 que obriga o ensino da História e Cultura Africana e Afro- brasileira, e, posteriormente, a Lei 11.645/08, que complementa a primeira, acrescentando a obrigatoriedade do ensino da História e Cultura Indígena. Por certo que é de suma importância a necessidade da valorização da literatura infanto-juvenil com temáticas culturais afro-brasileiras, pois é, por meio delas que será fortalecida a beleza do negro e sua posição como protagonista, favorecendo à construção de uma identidade e uma autoestima positivas, desenvolvendo um sentimento de orgulho nas crianças negras de serem quem são, de sua história, de sua cultura. 1.1 Objetivos 1.1.1. Objetivo geral • Compreender como a literatura infantil afro-brasileira pode auxiliar na construção de uma identidade étnica positiva. 8 1.1.2. Objetivos específicos • Descrever a historicidade do conceito de literatura infantil afro-brasileira. • Analisar como as escolas trabalham com a bibliografia afro-brasileira. • Descrever como a valorização da literatura afro-brasileira pode contribuir para a formação identitária e para o aumento da autoestima das crianças negras. 1.2. Justificativa No espaço escolar há uma forte disseminação de um modelo eurocêntrico e monocultural, influência de uma estrutura social racista que privilegia somente uma cultura hegemônica, ou seja, saberes preponderantemente anglo-europeus. Nesse contexto, percebemos que as crianças, desde sua tenra idade, têm enraizadas uma série de valores, crenças e estereótipos negativos sobre o negro e sua cultura, os quais, se não forem desconstruídos por meio de práticas pedagógicas antirracistas, seguirão sendo reproduzidos por várias gerações. Em relação a tal aspecto, propomos a literatura infantil afro-brasileira como forma de romper com esses paradigmas de afirmação de padrões estéticos eurocêntricosa subjetividade, a estética dos escritores e escritoras africanos e afro-brasileiros. Uma indagação feita pela autora Kramer (2013, p. 143) surge para ilustrar essa situação educacional: Como assumirá uma cor que não estar nos ideais de beleza disseminados nas mídias sociais infantis? E o cabelo? São questões que precisam ser ressignificadas para alcançar uma efetiva identificação. A vista disso, fica destacada a importância não só da positivação do “eu” para a autoestima e o desenvolvimento, como também da explicitação do “nós”, valendo-se dos referenciais ancestrais positivos nos diversos âmbitos onde essa participação tem sido ocultada. Quando essas práticas de trabalhar com a literatura afro-brasileira e africana ocorrem no âmbito escolar, permitem que os educandos possam adquirir novas competências literárias, as quais torná-los-ão aptos a construírem sua própria identidade e seu protagonismo de forma que sejam capazes de intervir na realidade que os cerca com fins de promover a uma geração de adultos com a existência menos marcada pelas dores do racismo. Além de 37 viabilizar a reflexão sobre sua própria história e condição sociocultural, por meio das atividades de leituras dos textos literários, estudos e análises dos conteúdos e participação ativa nas discussões. (MELO, GONÇALO, 2017). Isso contribui para a desconstrução de estereótipos negativos, construídos historicamente em torno da figura do negro nela representado a partir do realce dos traços de suas características físicas. (SILVA, 2016) Entretanto, para que isso ocorra, é necessário introduzir esses conhecimentos logo na fase de alfabetização e nos primeiros anos do ensino fundamental, para que a criança possa desenvolver uma consciência acerca da importância dessas influências na cultura em que ela está inserida. A partir daí, poderá crescer aprendendo respeitar a diversidade existente em nosso país. O Prof. Dr. Eduardo de Assis Duarte (2005), coordenador do grupo de pesquisa Afro-descendência na Literatura Brasileira e do Literafro, Portal da Literatura Afro-brasileira, é assertivo em sua colocação, quando menciona que levar esse conceito para dentro da sala de aula e aplicá-lo como parte exequível do programa curricular, proporcionando aos alunos um contato real com suas origens, promete ser eficaz para que muitos assuntos da sociedade sejam tratados de forma orientada e até mesmo esclarecidos, como, por exemplo, preconceitos, variação étnica, construção de moralidade social e cultural, e conceito de religiosidade. Segundo o mesmo autor, há muito a ser debatido e colocado em prática quanto à questão do ensino de literatura e sua contribuição para a execução da Lei 10.639/03, visando reforçar os aspectos constitutivos das concepções de identidade, enfatizando as representações sociais que as crianças incorporam nos espaços coletivos. (KRAMER, 2013) É válida considerar que a sala de aula com todas suas limitações continua sendo ambiente de possibilidades. Nesse campo de possibilidades, temos a oportunidade de trabalhar pela liberdade, exigir de nós e de nossos camaradas uma abertura da mente e do coração que nos permite encarar a realidade ao mesmo tempo em que, coletivamente, imaginemos esquemas para cruzar fronteiras, para transgredir. Isso é a educação como prática da liberdade. (HOOKS, 2013). Diante disso, é oportuno conhecer um pouco mais sobre os livros infantis oferecidos no mercado editorial brasileiro. No anexo dessa pesquisa, há uma lista composta por essas publicações específicas com o objetivo de estimular 38 que as questões raciais sejam trabalhadas no cotidiano escolar, possibilitando que elas sejam discutidas em salas de aula de maneira crítica e positiva. 39 4. CONCLUSÃO Esta pesquisa teve por objetivo geral analisar o ensino da cultura e literatura afro-brasileira e africana no âmbito escolar por meio das literaturas afro- brasileira e africanas, levando fomentar à efetivação das leis federais nº 10.639/2003 e nº 11.645/2008; e, a partir disso, entender os ensinamentos e aprendizagens que essas respostas podem oferecer. Diante das informações discutidas no decorrer desta pesquisa, a literatura afro-brasileira e africana são atravessadas pelas marcas do colonialismo e do epistemicídio. Deste modo, somos impulsionados a pensar sobre o que estamos fazendo/produzindo, enquanto educadores, para romper com o silenciamento da chamada literatura infantil afro-brasileira e africanas nos espaços escolares? Mesmo que os avanços sejam gradativos, precisamos ser otimistas e fomentar a efetivação das leis federais nº 10.639/2003 e nº 11.645/2008. A finalidade deste trabalho busca contribuir para todos que se interessam pelo assunto e que desejam um norteamento para a sua prática pedagógica e possam de fato compreender a relevância de se trabalhar tal temática, tais como: sentimento de representatividade nas crianças negras; contato com as diversidades raciais, levando a uma postura antirracistas nos educandos não negros e conhecimento de países do continente africano e suas relações com o Brasil. A pesquisa também proporcionou maior aprofundamento no assunto numa ação constante de denúncia ao racismo estrutural instaurado no aparelho educacional, a valorização das experiências literárias, objetivando-se a construção positiva das identidades, a desnaturalização dos estereótipos e o alerta sobre os danos das conjunturas racistas por meio dos escritores africanos e afro-brasileiros. Com o cenário político instável em que nos encontramos atualmente, torna-se cada vez mais necessário que nossas vozes e lutas ecoem. É inegável que continuemos a produzir respostas frente ao epistemicídio, tendo na literatura infantil afro-brasileira e africanas uma estratégia de resistência concreta, partindo de epistemologias afroperspectivista que percebe, identifica e defende a existência de várias centricidades, e de muitas perspectivas sendo fundamentais para compreendermos a diversidade social e cultural de nosso 40 país, as vozes negras na literatura que agem no sentido de quebrarem paradigmas de uma narrativa histórica única estão vivas e se movimentam e, neste movimento, sempre continuaremos de descolonização do pensamento, do currículo e das práticas educativas. 41 5. REFERÊNCIAS ALCARAZ, Rita de Cássia Moser e MARQUES, Eugênia Portela de Siqueira. A literatura infanto-juvenil como possibilidade de afirmação da identidade negra. Revista da Anpoll, n.º 41, Florianópolis, 2016, p. 50 - 63. Disponível em: https://revistadaanpoll.emnuvens.com.br/revista/article/viewFile/873/871 Acesso em: fev.2019. 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Disponível em: file:///C:/Users/sheil/Desktop/35361-Texto%20do%20artigo- 163490-2-10-20170813%20(5).pdf Acesso em: out, 2019. MUNANGA, Kabengele (Org.). Superando o racismo na escola. Brasília: Ministério da educação, 2005, p.155 - 172. NOGUERA, Renato. Ubuntu como modo de existir: Elementos gerais para uma ética afroperspectivista. Revista da ABPN. v. 3, 2012. Disponível em: . Acesso: jan/2019. ______________. Ensino de Filosofia e a Lei 10639. Rio de Janeiro: Pallas/Biblioteca Nacional, 2014. ROSA, Dandara da Silva; NASCIMENTO, Nathália de Souza; MORAES, Viviane Mendes. A psicologia Africana como ferramenta de mudança social da população negra-africana. Congresso da Alfepsi, v. 1, 2018. Disponível em: file:///D:/TCC/TEXTO%20AZA/Psicologia%20Africana%20como%20ferramenta %20de%20mudança%20social.pdf Acesso: mar, 2019. SILVA, Felipe Pereira. A representação do negro na literatura infanto-juvenil de Ana Maria Machado. Dissertação de Mestrado. 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ANEXO file:///C:/Users/sheil/Desktop/35361-Texto%20do%20artigo-163490-2-10-20170813%20(5).pdf file:///C:/Users/sheil/Desktop/35361-Texto%20do%20artigo-163490-2-10-20170813%20(5).pdf https://filosofia-africana.weebly.com/uploads/1/3/2/1/13213792/renato_noguera_-_ubuntu_como_modo_de_existir.pdf https://filosofia-africana.weebly.com/uploads/1/3/2/1/13213792/renato_noguera_-_ubuntu_como_modo_de_existir.pdf https://filosofia-africana.weebly.com/uploads/1/3/2/1/13213792/renato_noguera_-_ubuntu_como_modo_de_existir.pdf file:///D:/TCC/TEXTO%20AZA/Psicologia%20Africana%20como%20ferramenta%20de%20mudança%20social.pdf file:///D:/TCC/TEXTO%20AZA/Psicologia%20Africana%20como%20ferramenta%20de%20mudança%20social.pdf 44 PUBLICAÇÕES DE LITERATURA INFANTIL AFRO-BRASILEIRA E AFRICANA TITÚLOS AUTORES Lendas de Exu Adilson Martins Herói, o Menino mais Poderoso do Mundo Rocha Ferreira Exu e o mentiroso Rogério Athayde Xavier Carlos Carvalho Esperando a Chuva A Jornada do Pequeno Senhor Tartaruga Inge Bergh Letras de Carvão Irene Vasco e Juan Palomino Zum zum Zumbiii, história de Zumbi dos Palmares para crianças Sonia Rosa Calu, Uma menina cheia de História Cássia Valle & Luciana Palmeira Minha Mãe é Negra Sim Patricia Santana Koumba e o Tambor Diambê - Madu Costa Meninas Negras Madu Costa O Pente Penteia Olegário Alfredo/Iara Rachid Coleção Griot Mirim Mara Catarina Evaristo Que Cor é a Minha Cor Martha Rodrigues O Chamado de Sosu Meshack Asare Nana & Nilo, Aprendendo a Dividir Renato Nogueira Nana & Nilo, Que Jogo é Esse Renato Nogueira Iori descobre o Sol Oswaldo Faustino Olelê, uma Antiga Cantiga da África Fábio Simões Cadernos Sem Rimas da Maria - Lázaro Ramos Enrilé, o Caçador Adilson Martins 45 Bruna e a Galinha D'Angola Gercilga de Almeida Maracatu Sonia Rosa O Tabuleiro da Baiana Sonia Rosa Jongo Sonia Rosa Capoeira Sonia Rosa Meu Crespo é de Rainha Bell Hooks Nuang, Caminhos da Liberdade Janine Rodrigues O Fuxico de Janaína Janaína Figueiredo Kiriku e a Girafa Michel Ocelot Búfalo de chifres de ouro Michel Ocelot Kiriku e o Kiriku e a Feiticeira Michel Ocelot Kiriku e a Hiena negra Michel Ocelot Kiriku e o Colar da discórdia Michel Ocelot Ubuntu, eu sou porque nós somos Pedro Sarmento A Árvore da Chuva Agnès Lestrade Sabá e a Planta Mágica Yann Deguel Yennega, a Mulher Leão Yann Deguel Ubuntu, Madiba! Regina Gonçalves Caderno de Rimas de João Lázaro Ramos Lulu adora Histórias Anna Mcquinn Os Ibejis e o Carnaval Helena Theodoro Palmas e Vaias Sonia Rosa Mãe Sereia Teresa Cárdenas 46 Baby, a Maravilha Mirim Rocha & Aguiar Lulu adora a biblioteca Anna Mcquinn Obá Nijô, o Rei que Dança Narcimária do Patrocínio Princesas Negras Ariane Celestino & Edileuza Penha O Menino Nito SoniaRosa Madiba, O Menino Africano Rogério de Andrade Barbosa Exu, dois amigos e uma luta Mighian Danae Conhecendo os Orixás, de Exu a Oxalá Waldete Tristão Martin e Rosa Unidos pela a Igualdade Zau Nós de Axé Janaína de Figueiredo Bucala, a pequena Princesa do Quilombo do Cabula Daniel Santana Orixás em Guerra Alex Mir - Caio Majado Orixás do Orum ao Ayê Alex Mir - Caio Majado Orixás Renascimento Alex Mir - Caio Majado Orixás o Dia do Silêncio Alex Mir - Caio Majado Cumbe Marcelo D'salete O mundo no black power de Tayó Kiusam de Oliveira Obax André Neves O livro das origens José Arrabal Bruna e a galinha d’Angola Gercilga de Almeida 47 Ifá, o Adivinho Reginaldo Prandi Omo-Oba-Histórias de Princesas Kiusam de Oliveira O Cabelo de Cora Ana Zarco Câmara Amoras Emicida Betina Nilma Lino Gomes Iori – Descobre o Sol, o Sol Descobre Iori - Oswaldo Faustinoque negam ou subalternizam as identidades negras. A construção da identidade da criança inevitavelmente perpassa pelos referenciais a ela apresentada, a exemplo dos personagens das histórias infantis onde, geralmente, a criança irá se deparar com heróis e outros personagens principais, todos brancos e de origem europeia, levando-a acreditar que os padrões são esses narrados ou que ela vê nos livros infantis. Assim, as crianças crescem sendo fortemente influenciadas por padrões éticos e estéticos calcados na figura patriarcal branca, porque os livros fazem parte das ferramentas que o ocidente utiliza para alienar, sendo o racismo um instrumento o qual está forjando a subjetividade negro-africana, ou seja, a “colonização europeia, caracterizada pela subalternização dos modos de vida diferentes do padrão europeu, especificamente do indígena e do africano.” (ROSA, NASCIMENTO, MORAES, 2018, p. 119) A indústria cultural, segundo Adorno e Horkheimer (2002), possui padrões que se repetem com a intenção de formar uma estética ou percepção 9 comum, voltada ao consumismo que promove uma satisfação compensatória e efêmera, que agrada aos indivíduos. Ela se impõe sobre estes, submetendo-os a seu monopólio e tornando-os sujeitos acríticos. Logo, entendemos nesse contexto, a indústria cultural estabelece os símbolos de dominação, e são inúmeros os exemplos de representações culturais expressas pelo cinema, televisão, e atualmente, internet, que reforçam o ideal de branqueamento.” (ROSA, NASCIMENTO, MORAES, 2018, p. 119) Essa questão leva a criança branca a se identificar e pensar ser superior às outras, a estar em uma posição privilegiada em relação às demais etnias; e, alimentando na criança negra, a imagem de que é inferior e inadequada, a crescer com a ideia introjetada de branqueamento, de que só será aceita se se aproximar dos referenciais estabelecidos pelos brancos. Logo, trabalhar com a literatura infantil afro-brasileira, onde os heróis são referências em histórias como protagonistas negros, pode contribuir para a construção da identidade e da autoestima de crianças negras. Entendemos o valor da leitura de literatura infantil afro-brasileira, especialmente no contexto da sala de aula, acreditamos que essa pesquisa contribuirá significativamente para uma caminhada de valorização da história e culturas africanas e afro-brasileira e no combate ao racismo. Pois, esse estudo visa ampliar possíveis caminhos e problemáticas que perpassam na aplicação da Lei 10.639/2003 que opera como ferramenta de transformação do cenário eurocêntrico dos espaços escolares e que têm sido ameaçados pelo atual cenário político nacional. Assim como, refletiremos a implementação de uma abordagem afroperspectivista (NOGUERA, 2014) a qual tenta formular conceitos, recorrendo às tradições africana, afro-brasileira e indígena. Isso possibilita uma descolonização do pensamento, do currículo e das práticas educativas, visando a diminuição do epistemicídio1 (CARNEIRO, 2005) presente na práxis do ensino 1O conceito de epistemicídio permite-nos adentrar essas esferas, em que a identidade negativa atribuída ao outro, o é particularmente no que respeita à sua incapacidade de elevar-se à condição de sujeito de conhecimento nos termos validados pelo Ocidente, ou de ser portador de conhecimentos relevantes do ponto de vista dessa mesma tradição. Tal identidade negativa impacta-o de tal modo pela internalização da imagem negativa, socialmente atribuída, que o impele à profecia autorrealizadora que referenda os termos da estigmatização ou o conduz à 10 brasileiro, que acarreta o aniquilamento da capacidade cognitiva e da confiança intelectual dos nossos educandos. Sendo assim, a partir dessa breve reflexão e diálogos com os autores apresentados, será notório que os efeitos de uma base epistemológica educacional galgada nos cânones universais eurocêntricos, reverberam tanto em aspectos sociais quanto da subjetivação psicológica das crianças negras, que são bases do racismo. 1.3 Metodologia Essa pesquisa se insere em um modelo de pesquisa qualitativa, pois tem como característica a análise da realidade investigada. Considerando que se insere em um modelo o qual tem como característica principal a investigação científica que se foca no caráter subjetivo do objeto analisado. Este produto não se preocupará com representatividade numérica, mas, sim, com o aprofundamento da compreensão de um grupo social. Tendo em vista que os pesquisadores que adotam essa a abordagem opõem-se ao pressuposto que defende um modelo único de pesquisa para todas as ciências, já que as ciências sociais têm sua especificidade, o que pressupõe uma metodologia própria. Assim, os pesquisadores qualitativos recusam o modelo positivista aplicado à vida social, uma vez que o pesquisador não pode fazer julgamentos nem permitir que seus preconceitos e crenças contaminem a pesquisa (GOLDENBERG, 1997). Na pesquisa qualitativa, um fator de relevância é que o cientista é ao mesmo tempo o sujeito e o objeto de suas pesquisas, sendo que o desenvolvimento da pesquisa é imprevisível. O conhecimento do pesquisador é parcial e limitado neste aspecto, mas podemos considerar que o objetivo dessa amostra é produzir informações aprofundadas e ilustrativas, seja ela pequena ou grande, o que importa é que ela seja capaz de produzir novas informações. Então, a pesquisa qualitativa preocupa-se, portanto, com aspectos da realidade autonegação ou adesão e submissão aos valores da cultura dominante. (CARNEIRO, 2005, p. 277) 11 que não podem ser quantificados, centrando-se na compreensão e explicação da dinâmica das relações sociais. Com relação aos fins da pesquisa, esse texto configura-se como uma pesquisa exploratória, a qual é vista pelos autores CERVO; BEVIAN; SILVA, 2007, p. 63): pesquisa exploratória não requer a elaboração de hipóteses a serem testadas no trabalho, restringindo-se a definir objetivos e buscar mais informações sobre determinado assunto de estudo. Tais estudos têm por objetivo familiarizar-se com o fenômeno ou obter uma nova percepção dele e descobrir novas ideias.Quanto aos procedimentos, o estudo também será desenvolvido a partir de pesquisa bibliográfica, que compreender a influência da literatura infantil afro- brasileira na construção das identidades das crianças. Portanto, considerando que a pesquisa utilizou abordagem qualitativa relacionada com as constatações da pesquisa bibliográfica. procura explicar um problema a partir de referências teóricas publicadas em artigos, livros, dissertações e teses. Pode ser realizada independentemente ou como parte da pesquisa descritiva ou experimental. Em ambos os casos, busca-se conhecer e analisar as contribuições culturais ou científicas do passado sobre determinado assunto, tema ou problema. (CERVO; BEVIAN; SILVA, 2007, p. 60) Em relação aos instrumentos, haverá um levantamento bibliográfico bastante aprofundado sobre o tema central da pesquisa. Vemos autores os quais definem esse tipo de instrumento como uma forma de: encontrar respostas aos problemas formulados, e o recurso utilizado para isso é a consulta dos documentos bibliográficos. Para encontrar o material que interessa a uma pesquisa, é necessário saber como estão organizados os textos, as bibliotecas e os bancos de dados, bem como usar formas de melhor utilização. (CERVO; BEVIAN; SILVA, 2007, p. 79) 12 1.4. Organização do Trabalho Este trabalho está assim dividido: Introdução, parte na qual se apresenta o trabalho e demonstra a sua importância; Referencial teórico, na qual se exploram as teorias que embasam o trabalho; Resultados e discussões, onde se discute os dados coletados e os seus resultados; Conclusão onde se apresentam as considerações finais sobre o trabalho e sobre os principais resultados obtidos; e Referências, onde são citadas as referências utilizadas no desenvolvimento do trabalho. 13 2. REFERENCIAL TEÓRICO 2.1. Introdução A construção da identidade da criança é algo que vai passar inevitavelmente pelos referenciais que forem a ela apresentados. Neste aspecto, destacamos, principalmente, os brinquedos, os personagens de desenho animado e as histórias infantis. Há duas formas de as crianças entrarem em contato com estas histórias: uma é através da oralidade e a outra através dos livros. Tanto em uma como em outra a criança vai deparar com os personagens principais, os heróis, as mocinhas, os animaizinhos, os príncipes e as princesas, as fadas, dentre outros. O que encontramos nestas histórias são personagens de origem europeia, mocinhas brancas e frágeis, esperando por príncipes, também brancos, que irão salvá-las. As crianças crescem com a sensação de que os padrões do belo e do bom são aqueles com os quais se depararam nos livros infantis. As crianças brancas vão se identificar e pensar serem superiores às demais, vão estar em posição privilegiada em relação às outras etnias. As crianças negras alimentarão a imagem de que são inferiores e inadequadas. Crescerão com essa ideia de branqueamento introjetada, achando que só serão aceitas se se aproximarem dos referenciais estabelecidos pelos brancos, rejeitando tudo aquilo que as assemelhe com o universo do negro. Neste texto, pretendemos discutir como um trabalho com literatura afro- brasileira, onde os heróis são referências em histórias como protagonistas negros, pode contribuir, tanto para a construção da identidade e da autoestima de crianças negras, como para a valorização da convivência na diversidade com a criança branca. 2.2. A historicidade do conceito de literatura infantil afro-brasileira A literatura infantil se constituiu como gênero literário durante o século XVII, época em que as mudanças na estrutura da sociedade desencadearam repercussões no âmbito artístico. 14 Na Europa, é a partir do século XVIII que a criança passa a ser considerada um ser diferente do adulto, com necessidades e características próprias, pelo que deveria distanciar-se da vida dos mais velhos e receber uma educação especial, que a preparasse para a vida adulta. Dessa forma, há uma preocupação específica com a educação da infância e da juventude, que gera, por sua vez, um cuidado especial com todos os materiais culturais dirigidos a elas, dentre os quais está o livro literário. No final do século XIX, no Brasil, o surgimento dos primeiros livros infantis veio para atender às solicitações, indiretamente formuladas, de um determinado grupo social emergente, uma classe média urbana em ascensão. É um novo mercado reivindicando escritores para atendê-lo (ZILBERMAN,2003). Porém, a ausência de uma tradição na produção literária infantil os faz buscar, como alternativa, a tradução de obras estrangeiras direcionadas aos adultos e que foram adaptadas às crianças. O Brasil continuou sob influência da Europa, tomando para si contos infantis da tradição popular de lá originados. Alguns até hoje são conhecidos como As aventuras de João e Maria, A Bela Adormecida, Cinderela, Chapeuzinho Vermelho, dentre outros. Segundo Lima e Souza (2006), com o predomínio de protagonistas brancos na literatura infantil, no final da década de 20 e início da década de 30 do século XX, os personagens negros começam a aparecer. As histórias, neste período, não retratavam positivamente o negro e sua cultura, ao contrário, reforçavam a imagem dele como subalterno, analfabeto e ignorante. O negro aparece tanto na História quanto na Literatura, porém, o que ocorre é uma sucessão de poetas e romancistas que representam o negro de forma estereotipada e inferiorizada. Os homens e as mulheres negras são apresentados com características de preguiça, violência, estupidez, superstição, feitiçaria, malandragem, lascividade ou feiura. Nesse panorama, não só a recorrência de narrativas que rememoram crueldades e suplícios contra personagens negros, semelhantes ao período da escravização, mas também a ausência de outros pontos de vista, como as resistências negras que, naquela conjuntura escravista, consistiram em variadas maneiras de se rebelar e reagir contra o sistema opressor. Nada disso era registrado na literatura da época. Sendo assim, reforça-se a inferiorização do segmento negro e a valoração do branco na literatura infanto-juvenil. 15 Como bem nos assegura Lima e Souza (2006), somente a partir de 1975, é que vamos encontrar uma produção de literatura infantil mais comprometida com outra representação da vida social brasileira; por isso, podemos conhecer, nesse período, obras em que a cultura e os personagens negros figurem com mais frequência. Essa ação dá início a uma ruptura com a imagem estigmatizada do sujeito negro nos livros e com a lógica hegemônica de base ocidental e eurocêntrica, contribuindo para a afirmação identitária da criança negra em um espaço de resistência e de descolonização à cultura da branquidade, afirmados pelos os autores Alcaraz e Marques (2016). A partir de 2003, com a alteração dos artigos 26-A e 79-B da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDBEN/96), os quais inserem a obrigatoriedade dos sistemas educacionais brasileiros em contemplarem em seus currículos a história e cultura afro-brasileira e indígena, acena para a superação dos currículos monoculturais, instiga outras epistemologias e rompe com a visão homogênea e padronizada de cultura, por meio da interculturalidade, quando identifica e potencializa as concepções das diferenças presentes no cotidiano escolar. Conforme abordam Alcaraz e Marques (2016), a quebra de paradigmas, padrões, preconceitos e estereotipias raciais surgem como uma luta pela valorização do negro/negra e funda novas representações por meio de obras literárias na valorização identitária no Brasil. Pensar em tais características é contextualizar novas formas de aprender, seja no ambiente escolar e na sociedade. A literatura infantil gradativamente recebe produções que promovem a reflexão ereferenciam as representações étnicas como a do negro/negra. Elas descentralizam o eixo de representação da branquidade, já que apresentam como protagonistas outros fenótipos. Sendo assim, ocorre à quebra de paradigmas, padrões, preconceitos e estereotipias raciais que surge como uma luta pela valorização do negro/negra e funda novas representações por meio de obras literárias na valorização identitária no Brasil. Pensar em tais características é contextualizar novas formas de aprender, seja no ambiente escolar e na sociedade. A literatura atual possui um espaço de representação de não-brancos compreendido como fundamental na tentativa de descolonizar a infância por meio de características de afirmação por meio da corporeidade. Espaço que considera obras em que a representação do negro resgata-o da posição de 16 objeto a ser descrito a partir de estereótipos, valorizando as riquezas de abordagens e significados contidas na literatura afro-brasileira, mas com o devido cuidado para não reproduzir estereótipos e valores etnocêntricos assim como apresentam. Atualmente, os textos voltados para o público infanto-juvenil buscam romper com as representações que inferiorizam os negros e sua cultura. As obras os retratam em situações comuns do cotidiano, enfrentando preconceitos, resgatando sua identidade e valorizando suas tradições religiosas, mitológicas e a oralidade africana. 2.3. Como as escolas trabalham com a bibliografia afro-brasileira No momento atual da pesquisa discute-se sobre os desafios e perspectivas do uso da literatura infantil afro-brasileira no ambiente escolar. Percebemos que trabalhar a educação das relações étnico-raciais na escola não é uma tarefa fácil. Um desafio que há décadas vem sendo discutido. Mesmo com todas as dificuldades para a sua implementação nas escolas, a Lei 10.639/03 é um ganho significativo para os afro-brasileiros. Por meio desta, já podemos perceber mudanças importantes no fazer e no pensar educacional dos brasileiros, na perspectiva da educação das relações étnico-raciais. O projeto de uma escola democrática e antirracista, bem como da produção de artefatos a ela destinados, como o livro de literatura infantil e juvenil, pretende ressignificar as marcas da colonialidade ainda presentes nos discursos hegemônicos no currículo escolar e no fazer pedagógico. Nesse contexto, nota-se a literatura infanto-juvenil como discurso que circula nas escolas e que pode operar em uma trajetória de (re)construção e fortalecimento da identidade negra. No Brasil, as manifestações de resistência e enfrentamento ao modelo imposto pela colonialidade no campo da educação se dão por meio das ações e reivindicações dos movimentos sociais, em especial, do Movimento Negro. A partir deste marco histórico de luta e resistência, acredita-se que a literatura infantil afro-brasileira atrelada à contação de história, notadamente no contexto da sala de aula, é de suma importância para o desenvolvimento cognitivo e social da criança, e, quando usada na perspectiva multicultural e antirracista, poderoso instrumento de desconstrução de estereótipos e 17 preconceitos racistas, de combate ao racismo e à discriminação racial, sexual, religiosa, de gênero e outras, como bem defendem os autores Araújo e Morais (2014). Em consonância com a discussão, outro fator apontado por Amâncio, Jorge e Gomes (2008) é com relação ao imaginário sobre a África. A partir do trabalho com essa temática, pode-se possibilitar desconstruir o imaginário que depreciam o continente, reduzindo a uma série de estereótipos equivocados. Também promover a construção de imagens positivas de negros e, por consequência, outras minorias étnicas e oferecer, por meio da fruição poética, elementos para a construção de novos mapas mentais sobre o continente africano. Dessa mesma forma, pode-se construir uma relação de trabalho dialógica com as literaturas africanas e afro-brasileiras, as quais são consideradas como literaturas marginalizadas no Brasil. A partir desta perspectiva, podemos motivar, no âmbito educacional, o estudo constante de autores negros contemporâneos que reflitam sobre a identidade brasileira e analisam a presença do negro na literatura, como protagonistas de suas histórias. Outro fator relevante é a existência de uma formação que instrumentalize o educador a tratar das questões étnicas de maneira adequada, garantindo o respeito à realidade multirracial. Trabalhando com livros destinados ao público infantil que trazem negros não como pano de fundo, mas como sujeitos de suas histórias, por mais reduzidos que sejam em números de títulos disponíveis no mercado editorial, quando chegam nas mãos de professores engajados por uma educação multicultural, podem se constituir em brechas para que as mudanças aconteçam de forma significativa. Para tanto, além de identificar e valorizar as diferenças corporais, como a cor da pele, o cabelo, os traços morfológicos, a escola deve conhecer e reconhecer a história e a cultura da população negra e, com isso, promover a afirmação da identidade negra. As crianças negras precisam construir suas identidades de forma positiva com o objetivo de alcançar a autoestima pautada a partir de referências de sua cultura, durante a sua infância, e não só ao se tornarem adultas. Os textos atuais, relacionados à literatura afro-brasileira, são encontrados em maior quantidade e as temáticas são diversas. Consoante, Lima e Souza 18 (2006, p. 216) apresentam obras que descontrói um modelo estereotipado do negro nos livros tais como: A obra Bruna e a galinha d’Angola, de Gercilga de Almeida, apresenta uma proposta diferente e criativa para a ilustração da personagem negra, assim como os livros: Que mundo maravilhoso, de Julius Lester; A cor da vida, de Semíramis Paterno; Tanto Tanto, de Trish Cooke; Chica da Silva, de Lia Vieira; Do outro lado tem segredos, de Ana M. Machado. Merecem destaque os vários livros publicados pelo autor Rogério Barbosa, que se propõem a desvendar o universo de algumas culturas africanas para a literatura infanto-juvenil brasileira, tais como: A tatuagem, a coleção Bichos da África, Duula – A Mulher Canibal, um conto africano e Sundjata. Isso só para citar algumas obras. Na obra de Lima e Souza (2006), encontramos referências também de livros que retomam traços e símbolos da cultura afro-brasileira, tais como as religiões de matrizes africanas, a capoeira, a dança e os mecanismos de resistência diante das discriminações, objetivando um estímulo positivo e uma autoestima favorável ao leitor negro e uma possibilidade de representação que permite ao leitor não negro tomar contato com outra face da cultura afro- brasileira que ainda é pouco explorada na escola, nos meios de comunicação, assim como na sociedade em geral. Trata-se de obras que não se prendem ao passado histórico da escravização. As obras citadas por Lima e Souza (2006, p. 217) como exemplo são: A obra Histórias da Preta, de Heloísa Pires Lima, também possui uma abordagem positiva das festas de candomblé. No campo temático das mitologias de origem africana, encontram-se os livros: Pai Adão era Nagô, de Inaldete Andrade, Rainha Quiximbi, O presente de Ossanha e Dudu Calunga, de Joel Rufino, Na terra dos Orixás, de Ganymedes José S. de Oliveira, Lenda dos orixás para crianças, de Maurício Pestana, Ifá, o adivinho e Xangô, o rei do trovão, de Reginaldo Prandi e Ilê Ifé de Carlos Petrovich e Vanda Machado. Sendo assim, é necessário que haja disposição política para que sejam trabalhados a cultura afro-brasileira e africana de forma assertiva em ambiente escolar e durante todo o ano letivo, e não apenas em novembro, mês da consciência negra, único período no qual as maiorias das escolas se lembra de 19 trabalhar temáticas étnico-raciais. O discurso educacional defendeque a escola deve promover uma educação que permita aos estudantes serem sujeitos e não objetos de sua própria história. No entanto, a representação pode afetar a forma como os estudantes podem representar a eles mesmos. 2.3. A valorização da literatura afro-brasileira e sua contribuição para a formação identitária e o aumento da autoestima das crianças negras A construção da identidade do indivíduo se inicia na sua infância e vai sofrer influência de todos os referenciais com os quais ele irá se deparar ao longo de sua história. Sejam positivos ou negativos. A partir disso, compreendemos que o ato de ler e ouvir histórias possibilita à criança expandir seu campo de conhecimento, tanto na língua escrita, quanto na oralidade. Por essa razão, é indispensável pensar a respeito das implicações que as literaturas têm sobre a formação de caráter social, desde a infância. Pensar uma literatura com proposta de representação do negro, que rompa com esses lugares de saber e possa trazer imagens enriquecedoras, pois a beleza das imagens e do negro como protagonista são exemplos favoráveis à construção de uma identidade e de uma alta autoestima. Isto tende a desenvolver orgulho nos negros de ser quem são, de sua história, de sua cultura. Como ratificam os autores Alcaraz e Marques (2016, p. 57) A quebra de paradigmas, padrões, preconceitos e estereotipias raciais surge como uma luta pela valorização do negro/negra e funda novas representações por meio de obras literárias na valorização identitária no Brasil. Pensar em tais características é contextualizarmos novas formas de aprender, seja no ambiente escolar e na sociedade. Investir na construção de uma identidade significa abrir caminho para a revolução no jeito de pensar da sociedade contemporânea, pois os educandos de hoje serão a sociedade de amanhã. A literatura, nesse ínterim, pode ser um espaço de problematização do movimento ocorrido em nossa sociedade. A literatura infantil pode influenciar de forma definitiva no processo de construção de identidades das crianças, pois ela serve, muitas vezes, como fonte de significados existenciais que poderão ser aplicados ao mundo real. 20 A literatura afro-brasileira possui um espaço de representação de não- brancos compreendido como fundamental na tentativa de descolonizar a infância por meio de características de afirmação por meio da corporeidade. Para que o indivíduo possa formar a sua própria identidade, ele precisa recriar a realidade e imaginá-la. E nisto a leitura de contos infantis tem contribuição fundamental. Portanto, vital é o reconhecimento da necessidade da valorização da literatura infanto-juvenil com temáticas culturais afro-brasileiras, com o objetivo da identidade das crianças possa ser corroborada com a participação efetiva, tanto por parte dos pais, como dos professores neste processo, paulatinamente. Tendo em vista que essa estratégia insere o artefato cultural como possibilidade de inserir na pauta escolar questões pertinentes à representação das crianças e do jovem negra/negro, afirmando de maneira positiva a identidade deles e fortalecendo a estima por meio da cor de pele e do cabelo cacheado, o modelo interpretativo na escolha das histórias leva em conta os aspectos afirmativos para a descolonização da infância, por meio das características estéticas de não-brancos. Assim, os livros escolhidos alteram a ordem nas relações de poder dominante da produção. (ALCARAZ e MARQUES, 2016). Pode-se considerar que o papel da escola na escolha dos livros utilizados nos anos iniciais é fundamental; sendo ainda necessário estar atenta para a escolha do acervo da biblioteca, devendo-se optar por livros que contribuam para a formação de uma identidade positiva do negro e, simultaneamente, proporcionar aos alunos não negros o contato com a diversidade e as especificidades da cultura africana, deixando para trás uma visão estereotipada e preconceituosa dos referenciais afrodescendentes. Esta perspectiva vai ao encontro da abordagem de Debus (2017) que menciona as exigências da Lei n. 10.639/2003 que culminaram com o florescimento de um nicho mercadológico, a partir da necessidade de livros que tematizem e problematizem as questões étnico-raciais, por meio da representação de personagens negros como protagonistas e narrativas que focalizem o continente africano como múltiplo, desfazendo ideias enraizadas como aquelas que trazem os personagens negros em papéis de submissão e/ou retratando o período escravista, bem como a representação do continente africano pelo viés exótico. Permitindo, dessa forma, 21 outros discursos para a auto identificação da criança sem as lentes culturais eurocêntricas, descolonizando espaços e inserido representações atuais. As questões expostas nos possibilitam refletir sobre uma abordagem afroperspectivista (NOGUERA, 2014) a qual é pluralista e policêntrica, pois percebe, identifica e defende a existência de várias centricidades e de muitas perspectivas. Esta é uma linha defendida fortemente pelo filósofo Renato Noguera, um intelectual e militante da luta negra no Brasil. Essa linha é demarcada por repertórios africanos, afrodiaspóricos, indígenas e ameríndios, assim como nos elucida o autor em questão: Tem como preocupação especial para a reabilitação e o incentivo de trabalhos africanos e afrodiaspóricos em prol da desconstrução do racismo epistêmicos antinegro e da ampliação de alternativas para uma sociedade intercultural e não hierarquizada. (...) em termos afroperspectivista, estamos ainda mais preocupados com o caráter proativo que pode ajudar a enriquecer pesquisas e estudos em qualquer área do conhecimento. (NOGUERA, 2014, p. 67- 68) Dessa forma, essa epistemologia tenta formular conceitos recorrendo às tradições indígena, africana e afro-brasileira, objetivando a potencialização/valorização da descolonização do pensamento, do currículo e das práticas educativas. Essas alternativas são as melhores num dado contexto, mas, não são únicas, tampouco permanentes e devem atender ao bem-estar de toda a comunidade escolar. Além disso, Noguera (2014) enfatiza a aplicabilidade das leis nº. 10.639 e nº. 11.645/08 que preveem o ensino de histórias e culturas indígenas, africanas e afro-brasileiras nas escolas. A regulamentação da alteração do Artigo 26 A da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional tem pelo menos três documentos fundamentais: 1º) Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana de 2004; 2º) Orientação e Ação para Educação das Relações Étnico-Raciais de 2006; 3º) Plano Nacional de Implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira, Africana e Indígenas de 2008. 22 Um fato social que pode reverberar no espaço escolar é o processo de banimento social, a exclusão das oportunidades igualitárias educacionais que é considerada o principal ativo para a mobilidade social. Percebe-se vários processos de aniquilamento da capacidade cognitiva e da confiança intelectual dos educandos, levando, consequentemente, ao rebaixamento da autoestima que o racismo e a discriminação provocam no cotidiano escolar, pela negação aos negros da condição de sujeitos de conhecimento, por meio da desvalorização, negação ou ocultamento das contribuições do continente africano e da diáspora africana ao patrimônio cultural da humanidade; pela imposição do embranquecimento cultural e pela produção do fracasso e evasão escolar. A esses processos denominamos epistemicídio. (CARNEIRO, 2005). A autora Sueli Carneiro (2005), em sua tese de mestrado, adota o conceito de epistemicídio: O conceito de epistemicídio permite-nos adentrar essas esferas, emque a identidade negativa atribuída ao Outro, o é, particularmente no que respeita à sua incapacidade de elevar-se à condição de sujeito de conhecimento nos termos validados pelo Ocidente, ou de ser portador de conhecimentos relevantes do ponto de vista dessa mesma tradição. Tal identidade negativa impacta-o de tal modo pela internalização da imagem negativa, socialmente atribuída, que o impele à profecia autorrealizadora que referenda os termos da estigmatização, ou o conduz à autonegação ou adesão e submissão aos valores da cultura dominante. (CARNEIRO, 2005, p. 277) Sendo assim, o racismo epistemológico é uma das dimensões mais terríveis da discriminação étnico-racial negativa, principalmente no aparelho educacional. Em linhas gerais, significa a recusa em reconhecer que a produção de conhecimento de algumas pessoas seja válida efetivamente. Isso ocorre como um mecanismo de apagamento epistemológico de povos oprimidos, assim como a negação desta história e a deslegitimação de uma experiência intelectual que corrobora com o cenário de marginalização social que se perpetua até a atualidade. Uma possível proposta de mudança na práxis do ensino brasileiro seria a busca de epistemologias pluriversais pautadas em conceitos afroperspectivistas (NOGUERA, 2014), que se apresenta como uma alternativa para a construção 23 de um pensamento de luta de emancipação negra, como conteúdos do patrimônio libertário da humanidade (CARNEIRO, 2005). Sem dúvida, o trabalho com a literatura afro-brasileira e africana, materializada por meio dos livros é vista como um extermínio desse epistemicídio no âmbito educacional. Tal como expressa Carneiro (2005), o livro e a leitura são percebidos como educadores e promotores de autonomia. Para lutar contra o racismo epistemológico, precisamos diversificar as leituras que oferecemos para os alunos. Combater a injustiça cognitiva começa por deixarmos de privilegiar os modelos epistemológicos ocidentais. Além disso, outra ação vultuosa seria práticas educativas que levem em consideração a descolonização do pensamento e do currículo. 24 3. RESULTADOS E DISCUSSÕES 3.1. Reflexões conceituais sobre a literatura afro-brasileira Iniciaremos esse texto com a seguinte indagação: o que seria a Literatura afro-brasileira? Segundo o sociólogo Octavio Ianni é denominada de literatura negra ou afro-brasileira, essa expressão literária que se constitui como “um sistema de obras, autores e leitores articulados em torno de uma problemática, um imaginário povoado de construções, imagens, figuras ressoando o drama épico do negro brasileiro”. (1988, p. 91) Nessa linha de entendimento, para as escritoras Florentina Souza e Nazaré Lima (2006), a expressão “literatura negra” carrega em si as lutas pela conscientização da população negra, uma vez que procura dar sentido aos processos de construção identitária dos grupos negro-brasileiros excluídos do modelo instituído pela sociedade. Define a literatura negro-brasileira como uma expressão que “nasce na e da população negra que formou fora da África, e de sua experiência no Brasil” (SILVA, 2010, p. 43 - 44), considerando que as narrativas e a própria escrita do autor são marcadas, sensivelmente, pela militância. Trata-se, portanto, da produção literária que reivindica fortemente o estatuto de escrevivência: na origem da minha escrita, ouço os gritos, os chamados das vizinhas debruçadas sobre as janelas, ou nos vãos das portas, contando em voz alta umas para as outras as suas mazelas, assim como suas alegrias. (EVARISTO, 2007, p. 19) Ainda, conforme Evaristo (2009), os personagens negros presentes na literatura hegemônica comumente são representados de maneira estereotipada, destoando de valores e traços presentes nos demais personagens das narrativas em questão. São diversas as produções nacionais em que, por exemplo, os homens negros são descritos como medrosos, submissos, desprovidos de recursos intelectuais ou mesmo sem voz própria. As mulheres negras, ainda mais ocultas no universo literário, quando figuram nos textos, são apresentadas como mulheres interesseiras, malvadas, de sexualidade perigosa, entre outros atributos de valoração negativa. Esses personagens, marcadamente 25 desumanizados, expressam o que o poeta Cuti (2010) aponta sobre a criação literária, ao afirmar que "a literatura tem o poder de injetar em várias gerações a seiva de suas conquistas ou o teor de suas misérias". Nesse mesmo sentido, Bispo e Lopes (2018) sinalizam os privilégios concretos e simbólicos de que gozam as pessoas brancas ao terem 80% dos personagens da literatura brasileira representados como brancos. Nesse sentido, Lima (2009) ressalta que a depreciação da expressão cultural de um povo sempre foi um mecanismo eficiente de dominação e que, no Brasil, esse recurso foi amplamente utilizado no período da escravidão e até mesmo após abolição. Assim, características como cor da pele, traços físicos, condição social e intelectual do escravizado serviam para demonstrar a suposta inferioridade do negro em relação ao branco. Compactuando com o ponto de vista da autora, Duarte (2005) confirma que, ao percorrer os consagrados manuais de literatura, é notável a ausência dos trabalhos literários de autoria negra. O crítico frisa que a produção literária de subjetividade negra sofreu, por longo tempo, diversas barreiras à sua divulgação. A começar pela própria materialização em livros que, em alguns casos, se deu restritamente, quando não com o apagamento dos créditos autorais ligados ao negro e aos aspectos culturais e existenciais desses grupos a literatura canônica, ancorada nos pensamentos cristalizados historicamente, deixou (e ainda deixa) “de fora” vozes tão caras ao cenário cultural brasileiro. Ou seja, a partir do momento que se mantém encoberto o legado outorgado pelos grandes escritores negros – do passado e do presente – também se fratura a estrutura literária brasileira. Consequentemente, “o resultado de tais condicionamentos se traduz na quase completa ausência de uma história ou mesmo de um corpus estabelecido e consolidado para a literatura afro-brasileira [...]” (DUARTE, 2005, p. 115). Nessa perspectiva de luta, a literatura advinda de escritores negros, por seu aspecto social e militante, pode ser compreendida como uma estratégia de resistência. Esta vertente dá voz e vez ao sujeito negro (ou coletivo) para (re)construir sua identidade, seja por meio de imagens, memórias ancestrais, sons etc. De acordo com Bernd (1988) e Duarte (2005), só é possível esse comprometimento por meio de uma identidade negra construída e estabelecida, quando esses sujeitos se rebelam contra as opressões, as discriminações sofridas na sociedade, frutos de um histórico escravocrata. Acredita-se que retomar, 26 simbolicamente, o passado e refletir sobre ele no presente constitui uma forma de autoconhecimento e de (re)construção identitária. Tendo em vista objetivando, sobretudo, direta e indiretamente, desarticular estereótipos fixados historicamente e propagados na sociedade. Tradicionalmente a cultura negra, por exemplo, cuja base é oral, não era valorizada pelo cânone literário que só reconhecia o texto escrito. As narrativas orais que tanto encantavam as crianças e jovens e eram cultivadas na popularidade só ganhavam repercussão e reconhecimento após serem recolhidas, “compiladas” e publicadas (escritas). Muitas vezes o encanto se perdia nesse processo e as histórias chegavam “frias” e sem vida aos leitores. A oralidade era, assim, considerada inferior, era pouco ou em nada valorizada pelos críticos e intelectuais da literatura. A partir de todas as reflexões sobre as produções literárias que precisamos considerar a existência de um termo denominado Oralitura que é alternativa para que o conhecimento antigoregistrado oralmente possa ser acessível do mesmo modo que os registros escritos. Segundo o filósofo Renato Noguera (2014), entende-se por Oralitura o conjunto de textos orais numa determinada área ou sobre algum assunto, relatados e transmitidos de geração a geração. Sendo assim, seria o termo mais completo para definir uma literatura oral que evidencia a produção literária e cultural do negro, seria como uma preservação da ancestralidade diaspórica e africana. Mesmo ainda por ser um termo pouco estudado, configura grandes fontes de história dos negros transatlânticos e afro-brasileiros e nos redirecionam para estudos cujo foco seja a voz do negro. É por esse viés que identificamos na “oralitura” o caminho que nos conduziria à provável e possível quebra de estereótipos tão arraigados no pensamento das crianças. Assim, estas ponderações estão ancoradas em bases que têm na literatura de tradição oral africana, escrita, um recurso que pode promover reflexões a respeito da literatura e cultura africana como instrumento que instiga a pensar sobre os próprios valores e opiniões e/ou crenças dos nossos discentes. 27 3.2. Práxis escolar na atualidade Esta parte da pesquisa tem como foco analisar como está ocorrendo a presença da Literatura infantil afro-brasileira e africana em sala de aula. Considerando que esta questão se articula com a aplicabilidade das leis 10.639 e 11.645/08 que preveem o ensino de histórias e culturas indígenas, africanas e afro-brasileiras em nossas escolas. Tendo em vista que a Lei 10.639/03 recebeu em 2008 o acréscimo da Lei 11.645/08 que inclui o ensino de história e culturas indígenas. É importante ressaltar que essa conquista legal, a qual não se efetivou facilmente, se deu por reflexo de lutas na década de 1970 que marcou um período de forte influência das reivindicações dos movimentos sociais que ganharam maior destaque, dentre os quais, pode-se citar o Movimento Negro Unificado (MNU) que influenciou uma verdadeira revolução no que se refere às reinvindicações por melhores condições de vida e igualdade para o negro na sociedade brasileira. (SILVA, 2016) Dessa forma, fica o seguinte questionamento: como os estabelecimentos de ensino (tanto público como privado) lidarão com o atendimento desta nova demanda? Impulsionada por uma ponderação semelhante, a pesquisadora Eliane Santana Dias Debus desenvolveu um estudo realizado entre os anos de 2005 e 2006, que se voltou para a inclusão da cultura africana e afro-brasileira na literatura infanto-juvenil brasileira, com intuito de verificar se a referida inclusão se dava por uma questão de valorização do sujeito negro ou seguia somente a uma obediência impulsionada pela promulgação da Lei 10.639 de 2003, no currículo das escolas brasileiras. Sendo assim, ela percebeu que, as personagens negras não faziam parte do imaginário infanto-juvenil, sobretudo quando considera os contos tradicionais que se enquadram nesse gênero. No universo da literatura infanto-juvenil, os negros eram invisíveis e essa invisibilidade era consequência de uma ideologia de anulação do sujeito negro que não era considerado um ser humano. Por isso, os negros eram excluídos das histórias desse gênero literário e, quando eram representados, eram de forma caricata, depreciativa e estigmatizada. A valorização da imagem do negro, de sua história, o respeito à sua cultura e ancestralidade africana só viria 28 acontecer, segundo Jovino (2006), com a nova roupagem assumida pela literatura infanto-juvenil na contemporaneidade. A discriminação compromete a formação da criança, seja ela branca ou negra, como também contribui com a manutenção de pensamentos e ideologias ultrapassadas. A ausência de personagens negros ou a sua marginalização nas histórias acarreta, de fato, sérias consequências no imaginário da criança, criando uma realidade distorcida e preconceituosa, contribuindo, assim, para a sustentação de uma ordem social desigual e racista estruturalmente. Elas “[...] convivem na escola com uma visão distorcida da história dessa raça, seja através da omissão dos fatos ou de uma visão desistoricizada”. (GOMES, 1995, p. 58) Em consonância com este discurso, uma situação empírica, mencionada pelo mestre André de Goody Bueno, em sua tese de mestrado, sobre sua relação em ser docente, tendo vivenciado o espaço escolar como aluno: Hoje, enquanto professor de uma das escolas em que estudei, ainda percebo casos desse tipo de preconceito. Sou capaz de constatar, pois, empiricamente, que a situação de certa forma “denunciada” pela Lei 10.639/03 e pelas Diretrizes ainda carece de tratamento mais ostensivo. Considerando que concluí a escolaridade básica em 2002 e que tal Lei é posterior a essa data, não tenho notado, atualmente como professor, mudanças substanciais nos conteúdos de ensino relacionados à história e à cultura negra, nem na visão sobre o negro de parte do grupo de docentes e alunos. Há ações em andamento, mas são imprescindíveis muitos avanços. (BUENO, 2015, p. 33 - 34) Nesse sentido, cabe enfatizar os inúmeros avanços que a escola necessita. Pois, entende-se que, desde a tenra idade, o contato que se tem com obras da literatura apresentam, quase que em sua totalidade, personagens brancos. Assim como afirma o autor Bernd, “[...] uma literatura cujos valores fundadores repousam sobre a ruptura com contratos de fala e de escritura ditados pelo mundo branco e sobre a busca de novas formas de expressão dentro do contexto literário brasileiro”. (1988, p. 22). Diante dessa situação, pergunta-se o porquê de o negro não fazer parte das histórias que as crianças leem, que segue o percurso pelo mundo mágico da literatura sem encontrar uma resposta no mínimo plausível para essa indagação. A vista disso, Oliveira (2014) menciona que o colonizador 29 caracterizou o colonizado a partir do seu olhar; a bestialidade, a inferiorização, os traços estereotipados da figura do afrodescendente são alguns exemplos de representações encontradas na literatura desencadeados pelo grupo hegemônico. Crescemos tendo como referência o padrão de beleza e estilo de vida considerado ideal e que nos era apresentado, um padrão que excluía pobres e negros, ou pior, que associava estes à criminalidade e todas as mazelas da sociedade. (SILVA,2016) Sendo assim, para Gonçalves (1985), o cotidiano escolar traz bastantes revelações sobre a permanência da desigualdade entre as raças, e aborda duas vias da omissão que fortalece o racismo: a negação de valores ligados à história e à cultura de base africana e na postura de não intervenção nas agressões e/ou nos isolamentos em relação à criança. Acredita- se que nas duas situações há falta de conhecimento. Na primeira, porque o professor nunca tenha problematizado a história “tão conhecida” do negro ou talvez, até saiba, mas, para iniciar uma problematização junto com as crianças fosse preciso estudo, criatividade e desapego de metodologias e discursos do passado, o que causaria a saída da zona de conforto. A postura passiva dos professores em sala perante episódios de intolerância racial, demonstra ignorância a respeito do reconhecimento do racismo como crime, altamente prejudicial a vítima, seja na construção da sua identidade, liberdade de ser e autoestima, como no perigo de naturalizar essas práticas. São bons exemplos das dificuldades para a implementação da lei 10.639/03, segundo Carneiro (2005), dificuldade pela existência de táticas de perpetuação do domínio da leitura do passado e os termos da dominação instituídos pelos saberes hegemônicos a negar as potencialidades de ler o passado sob outra ótica. Essas ações acarretam a um epistemicídio que se desvela como um mecanismo de apagamento epistemológico de povos secularmente oprimidos que corrobora com o cenário de marginalização social quese perpetua até a atualidade. A negação desta história e a deslegitimação de uma experiência intelectual e material, pautada nesta originalidade, constitui parte do epistemicídio. Analisando a conjuntura no âmbito do ensino, nesse contexto argumentativo, compreende-se que existem muitos projetos educacionais voltados à mudança desse paradigma, os quais vêm desempenhando 30 importante papel na diminuição do preconceito. De modo geral, não ficando engessados às comemorações anuais, como o dia da Consciência Negra, porém, construindo práticas que visam contribuir na positivação da pluralidade epistemológica. (CARNEIRO, 2005) A predominância de uma literatura que enfatiza apenas o conhecimento, saberes, cultura de um povo, nesse caso, o europeu, apagando as outras formas de conhecimento, é exemplo evidente dos meandros do epistemicídio. Aniquilação desse conhecimento não europeu que se traduz na perda da condição humana dessas pessoas, acarretando sua inferiorização. É dentro desta linha de raciocínio que Carneiro (2005) aponta o epistemicídio para além da desqualificação do conhecimento daquele considerado outro/a, mas refere-se principalmente a sua desvalorização enquanto ser humano/racional e invisibilização como produtor cultural. Um fato importante a ser citado durante esta pesquisa são os seguintes questionamentos: E o que os outros dizem às nossas crianças? Ensinam-lhes a riqueza das diferenças em encontro? Responder a essas perguntas pode levar à seguinte conclusão: nossa sociedade é fortemente marcada pelas diferenças impostas e criadas pela cultura europeia do homem branco. Com esses pressupostos, a pesquisa, a qual baseou-se no “Teste da Boneca”, desenvolvido pelo psicólogo norte americano Kenneth Clark, em1939, com o objetivo de identificar a assimilação do negro pelos negros dos Estados Unidos frente à segregação racial das escolas, apresenta como resultados a percepção das crianças sobre etnia/raça/cor. O primeiro “Teste da Boneca” foi realizado no ano 1939 e publicado em forma de artigo científico em Nova Iorque pela Editora Leituras em Psicologia Social. Os autores, um casal de psicólogos, tornaram-se mais conhecidos através de Kenneth Clark. Clark junto com a sua esposa Mamie Phipps realizou esse teste em várias escolas públicas, localizadas em bairros pobres dos Estados Unidos. O teste consistia em exibir uma boneca negra e a outra branca na qual um grupo de crianças negras eram orientadas a atribui-lhes característica, tais como: bonita, feia, boa e má. Através do teste, foi constatado que 63% das crianças negras respondentes atribuíram características positivas a boneca branca. Atribuindo a ela as características boa e bonita, e a boneca negra, feia e má. As crianças foram chamadas individualmente a responder um 31 bloco com cinco questões pelas quais deveriam optar pela boneca branca ou preta. As questões foram: Qual a cor das bonecas? Qual das bonecas se parecem com você? Qual das bonecas é bonita? Qual das bonecas é malvada? Qual das bonecas é legal? Esse pequeno questionário foi gravado em áudio e fotografado, na qual também havia um preenchimento de tabela, confirmando o que foi gravado. As bonecas eram bebês e estavam sem roupa com o intuito de não haver influência da roupa nas escolhas. As bonecas eram iguais, mudavam apenas a cor. As bonecas eram expostas em cima de uma mesa de frente para as crianças e na altura delas, na qual eram orientadas a responder às perguntas oralmente. A pesquisa possibilitou ainda refletir sobre a importância da escola na construção dessa identidade. Pode-se perceber a escola como palco de construção do conhecimento e reflexão acerca do negro, capacitando as crianças a conhecerem e valorizarem sua cultura. MELO, GONÇALO, p. 97, 2017) Logo, entende-se que a literatura infantil passa também a trazer como protagonista o negro e desta forma propicia às crianças o contato com obras e imagens que valorizam a cultura dos afro-descentes e africanos. O modo positivo com que é abordado o tema negro na literatura infantil ajuda na construção de sua identidade, além de alimentar o imaginário das crianças não negras de maneira distorcida, conforme descreve Zilberman: (...) a disparidade nas representações de personagens negras e brancas pode ser fonte de rebaixamento de autoestima e um facilitador para a construção de autoconceito negativo por parte de crianças negras. E, diametralmente, que pode ser fonte de construção de um sentimento de superioridade por parte das crianças brancas, pelo fato de terem pele branca e fazerem parte, portanto, do grupo que constitui maioria em ilustrações e referências culturais e histórica nesse tipo de material - o que sinaliza poder, beleza e inteligência. (2003, p. 14) Nesse aspecto, leva- se em conta a desvalorização da representação do negro em lugares de valor social, que distancia o negro de lugares hierarquicamente mais valorizados na sociedade. Ao formar sua identidade, como assinala Hall (2006, p. 38), “a identidade é realmente algo formado, ao longo do tempo, através de processos inconscientes, e não algo inato, existente 32 na consciência no momento do nascimento”. Complementando a afirmação de Hall, as pesquisadoras Mariosa e Reis (2011, p. 46) ressaltam que a construção da identidade do indivíduo inicia-se na sua infância e vai sofrer influência de todos os referenciais com os quais ele irá se deparar ao longo de sua história. Sejam positivos ou negativos. Neste sentido, ainda de acordo com os autores citados, a construção da identidade da criança inevitavelmente perpassa pelos referenciais a ela apresentada, a exemplo dos brinquedos, dos personagens de desenhos animados e das histórias infantis. Histórias essas que podem ocorrer de duas formas, através da oralidade ou dos livros. O que se confirma é que tudo isso influencia diretamente na formação da identidade desses sujeitos, tendo em vista a forma como provocada toda essa representação e de como o racismo afeta esses sujeitos logo na primeira infância. Então, diante de todas as informações expostas, vale ressaltar que a escola tem de modificar as estruturas antigas para se adequar a uma nova proposta educacional, oferecendo uma educação mais igualitária e democrática em sua concepção ideológica, em suas proposições curriculares e em suas práticas pedagógicas. (BUENO, 2015) Pode-se concluir que a essa é uma discussão intensa e deveras espinhosa, segundo o mesmo pesquisador, pois ele ainda constata que há docentes que desconhecem tanto a própria Lei quanto elementos necessários à sua aplicabilidade na escola brasileira. Dialogando com essa mesma perspectiva Munanga (2005) aborda que os professores, de um modo geral, estão despreparados para trabalhar essa questão juntos aos seus alunos, tendo esse comportamento reforçado por livros didáticos com conteúdos preconceituosos, muitas vezes, desestimulando o estudante negro, levando-o à reprovação ou à evasão. Embora haja um processo lento e gradual de assimilação do conhecimento necessário para tal implementação legal e de suas Diretrizes, é possível perceber que, progressivamente, algumas ações vêm sendo desenvolvidas, tanto nos níveis básicos de educação quanto nas instituições de ensino superior, a fim de que a desvalorização da cultura negra no Brasil seja 33 modificada (BUENO, 2015), promovendo um debate franco e desconstrutor de estereótipos. 3.3. Ressignificando a prática escolar Nesta etapa da pesquisa, temos por objetivo refletir a respeito da importância da literatura infantil na formação da identidade da criança e como isso deveria ocorrer no espaço escolar. Partindo da seguinte premissa que a literatura infantil afro-brasileira tem como objetivo contribuir com uma formação e conhecimento sobre a história dos povos africanos aqui na diásporae no mundo, assim como o cumprimento da Lei 10.639/03 que possibilita de fato que as crianças negras se reconheçam como cidadãos e definam mais assertivamente sua identidade étnica, permitindo da mesma forma que as crianças brancas possam desenvolver práticas antirracistas. (CAVALHEIRO, 2000). De acordo com essa situação o antropólogo Munanga ressalta que: O resgate da memória coletiva e da história da comunidade negra não interessa apenas aos alunos de ascendência negra. Interessa também aos alunos de outras ascendências étnicas, principalmente branca, pois ao receber uma educação envenenada pelos preconceitos, eles também tiveram suas estruturas psíquicas afetadas. Além disso, essa memória não pertence somente aos negros. Ela pertence a todos, tendo em vista que a cultura da qual nos alimentamos quotidianamente é fruto de todos os segmentos étnicos que, apesar das condições desiguais nas quais se desenvolvem, contribuíram cada um de seu modo na formação da riqueza econômica e social e da identidade nacional. (MUNANGA, 2005, p. 16) Reconhecer em sala de aula a importância da história e da cultura afro- brasileira e africana como construtoras da História do Brasil torna-se um meio eficaz de combate ao racismo e à discriminação, permitindo com que, por meio da educação formal, seja rompida a imagem de inferioridade dos negros na sociedade. Entretanto, para que isso ocorra, deverá haver um comprometimento por parte da escola com a Lei e suas diretrizes. É por meio do contato com essas narrativas que se pode desconstruir imaginários estereotipados e racistas em relação a população negra. (AMÂNCIO, JORGE e GOMES, 2008) 34 Porém, ainda se observa que, nas escolas, quando se trata do tema “escravidão”, a população negra é apresentada somente com uma postura passiva, acomodada e de constante subserviência. Outro fator relevante é a apresentação de forma errônea, como a história desses sujeitos houvesse começado no período da escravidão. Dessa forma, segundo esses autores: A forma arbitrária de abordagem dos conteúdos referentes aos(às) africanos(as), aos(às) afro-brasileiros(as) e ao continente africano perpassa os discursos dos(as) professores(as) em sala de aula. Essas temáticas são tratadas de modo unilateral, ou seja, abordam apenas o tráfico e a escravidão dos antepassados de descendência africana. Geralmente, o ensino está mais voltado para abordagens que configuravam uma visão estereotipada do afro-brasileiro, ou seja, são apresentados textos e imagens que mostram os negros apenas como escravos vindos do continente africano sem perspectivas e sem memória coletiva. (MELO, GONÇALO, 2017, p. 97) A literatura afro-brasileira pode dar conta dessa desconstrução e de promover um combate ao racismo, à medida que as crianças irão se ver, nas narrativas, de forma positiva e como produtora intelectual de suas escrevivências. (EVARISTO, 2007) A literatura pode ser um espaço de problematização do movimento ocorrido em nossa sociedade, sua influência na formação da identidade da criança negra, as quais, segundo Cavalleiro (2000), sofrem supressões no ambiente escolar por conta principalmente da sua cor ou fenótipo. Dessa maneira, para formar as crianças desde cedo para a vivência de valores éticos e morais, torna-se necessário que dentro do ambiente escolar, lugar de grande convívio entre as diferenças étnico-raciais, haja uma relação saudável e respeitosa entre todos que dele fazem parte. Com a inserção das expressões culturais e literárias afro-brasileiras, propõem-se novos paradigmas educacionais de valorização e respeito à diversidade sociocultural e permite aos estudantes a oportunidade de ter contato com produções artísticas nas quais eles poderão reconhecer-se como protagonistas na formação histórico-cultural do país e fortalecer suas autoestimas. (MELO, GONÇALO, 2017) A introdução da literatura no contexto escolar é bastante benéfica, pois a criança, em pleno desenvolvimento psicológico e intelectual, poderá ser preparada para compreender o valor 35 estético e a função social dessa manifestação artística. Torna-se uma preparação para a convivência saudável com o outro e para o respeito à diversidade cultural. Com a literatura, é possível proporcionar a conscientização por meio de práticas desenvolvidas na escola para que os alunos lutem contra qualquer tipo de preconceito. É importante que essas práticas sejam desenvolvidas na escola, pois, quanto mais cedo o estudante tiver contato com textos literários afro-brasileiros e participar de discussões a respeito da História e Cultura afro- brasileira e africana, ele(a) poderá se tornar propagador de ideais de tolerância, de autoaceitação, respeito às diferenças étnico- culturais existentes na sociedade. (MELO, GONÇALO, 2017, p. 97) É válido ressaltar que não se trata aqui de advogar a inclusão de qualquer texto sem qualidade artística no ensino, até porque sabemos que a Lei 10.639/03 desencadeou modos de escrita mercadológica de uma série de livros pouco relevantes para a sua efetivação. (DEBUS, 2017). Trata-se, nesse caso, de evidenciar textos com qualidade literária, que promovam acréscimos à formação social dos alunos, contribuindo dessa maneira para um duplo projeto, que se relaciona, por um lado, com a formação intelectual e humana dos alunos e, por outro, com a revogação do modelo eurocêntrico de desvalorização histórica do africano e do afro-brasileiro, propondo em seu lugar a elevação da formação cultural híbrida e também de suas origens. (BUENO, 2015). Afinal, apenas incluir essa temática na educação sem a devida seleção de conteúdo, obras, formas de abordagem etc. pode causar efeito contrário ao desejado, acabando por desvalorizar a história e a cultura africana e afro-brasileira. Assim, é importante que haja qualidade no que se propõe para estudo porque somente a adequação ao tema não garante o que prevê a Lei 10.639/03, cujo objetivo é de valorização cultural e não apenas de divulgação das culturas africanas e afro-brasileira. As questões expostas possibilitam refletir sobre uma abordagem afroperspectivista a qual: opera articulando as possibilidades advindas de todos os sentidos para apresentar o mundo. De modo que não se trata de uma visão de mundo; mas, lançamos mão de olfatos de mundo, audição de mundo, tato de mundo, paladar de mundo. Daí, numa sinestésica articulação de sentidos de mundo, encontramos caminhos para nossa hipótese: espiritualidades e políticas que reestabeleçam laços com a Infância. (NOGUERA, 2019, p. 129.) 36 Ou seja, esse termo tem um sentido simples, o conjunto de pontos de vista, estratégias, sistemas e modos de pensar e viver de matrizes africanas. A proposta de tematizar uma ética afroperspectivista através do ubuntu como modo de existir tem o intuito de produzir um futuro dentro do presente. Em outros termos, é possível viver de um modo mais solidário, aprendendo mais com os que se foram, dando aos que virão a devida importância e, sobretudo, vivendo a vida de um modo compartilhado, recuperando as férteis possibilidades que diversos povos africanos deixaram como legado e continuam reinventando continuamente através dos mais diversos modos de existir, resistir e reexistir. Com efeito, ubuntu como modo de existir é uma re-existência, uma forma afroperspectivista de configurar a vida humana coletivamente, trocando experiências, solidificando laços de apoio mútuo e aprendendo sempre com os outros. (NOGUERA, 2012) Por consequência disso, é importante nortear a prática pedagógica, pautada numa abordagem afroperspectivista (NOGUERA, 2014) pois, isso possibilitará uma maneira de se construir o conhecimento, um pensar a partir de um território epistêmico que não seja ocidental, mas dialogando com esses territórios afrodiaspóricos, permitindo assim que às crianças tenham contato com