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MICOTOXINAS E MICOTOXICOSES As micotoxinas são produtos do metabolismo secundário de determinados fungos. Representam um risco para a saúde humana e animal por causar doenças graves, as micotoxicoses. Foram identificados mais de 50 tipos diferentes de micotoxinas, mas nem todos os quadros de micotoxicoses foram identificados. As micotoxinas ocorrem em todo o mundo, mas há uma grande variação sazonal e regional na produção principalmente por causa das condições climáticas. De modo geral, as temperaturas e umidade elevadas favorecem a produção de micotoxinas, mas isto não é uma regra. As micotoxicoses acompanham a humanidade há muito tempo, mas os registros históricos são limitados. Durante a Idade Média, entre os séculos XI e XVI, ocorreram epidemias de ergotismo que afligiram centenas de milhares de pessoas na França. A doença era conhecida na época como Fogo de Santo Antônio, pois as pessoas afetadas que seguiam em romaria para o santuário de Santo Antônio de Pádua, localizado em uma região da Itália onde o ergot não se desenvolve normalmente. Assim, os romeiros se recuperavam, o que era considerado um milagre. Em 1876, foi descrita uma doença em equinos caracterizada por perda da substância branca do SNC, hoje conhecida como leucoencefalomalácia. A micotoxina responsável por esta doença, a fumonisina, foi identificada somente em 1998. Em 1913, foi identificada uma micotoxicose na Rússia, denominada aleucia tóxica alimentar, causada por tricotecenos. Em 1920, foi descrita a nefropatia humana do Bálcãs, na antiga Iugoslávia, que foi associada às micotoxinas ocratoxinas. No Japão, em 1944, ocorreu a doença do arroz amarelo, que foi atribuída à micotoxina citreoviridina. Em 1961, na Inglaterra, ocorreu uma grande mortalidade de perus. Investigações sobre esta mortalidade revelou a presença no amendoim usado na alimentação das aves de uma micotoxina denominada aflatoxina. Estima-se que cerca de um quarto dos grãos produzidos no mundo sejam contaminados por micotoxinas, com maiores prevalências em países tropicais e sub-tropicais. No Brasil, a estimativa de contaminação é de cerca de 40% dos grãos produzidos. As micotoxinas são substâncias tóxicas resistentes a altas temperaturas e à luz ultra-violeta. Deste modo, a micotoxina poderá estar presente no alimento enquanto o fungo já tenha sido eliminado. O contrário também pode ocorrer, ou seja, o fungo estar presente no alimento mas sem a concomitante presença da micotoxina. Isto pode ocorrer quando ainda não surgiram as condições ideais para a produção da toxina ou quando a cepa do fungo não seja capaz de produzir micotoxina. Com relação à produção, as micotoxinas são classificadas em de campo e de armazenamento. Assim, determinadas micotoxinas são produzidas em maior quantidade antes mesmo dos substratos serem colhidos, ou durante o período posterior à colheita e anterior ao consumo. As condições favoráveis à produção das micotoxinas estão relacionadas a umidade relativa do ar, temperatura ambiente, atividade de água do substrato, integridade dos grãos (quebras na colheita ou por pragas) e disponibilidade de oxigênio. Os substratos para a produção das micotoxinas são bastante variados, e incluem milho, soja, amendoim, feno, polpa cítrica e sorgo. Nestes substratos, as toxinas de interesse veterinário no Brasil são as aflatoxinas, a fumonisina, a zearalenona, os tricotecenos, a ocratoxina e a citrinina. As micotoxinas podem ser produzidas por fungos endofíticos, que são aqueles que desenvolvem todo seu ciclo biológico no espaço intercelular de tecidos vegetais. Deste modo, ocorre um relacionamento simbiótico entre a planta e o fungo. A planta fornece nutrientes e proteção para o fungo, enquanto as micotoxinas produzidas protegem o vegetal, especialmente contra insetos. A micotoxicose causada por fungo endofítico de maior importância no Brasil é o ergortismo, causada pelo fungo Claviceps purpurea. Outras micotoxicoses que ocorrem no Brasil são as causadas por Claviceps paspali e Diplodia maydis. Um fungo semelhante ao C. purpurea, denominado de Claviceps africana, infecta o sorgo, especialmente o Sorghum bicolor, e está presente em diversos países, incluindo o Brasil e a Venezuela. Recentemente, foi descrita na Austrália a intoxicação de bovinos e suínos pelo C. africana, caracterizada por agalaxia e aversão ao alimento contaminado. As micotoxicoses podem ser agudas ou crônicas. Nas agudas, a ingestão das micotoxinas ocorre em níveis moderados a altos, desenvolvendo variados sinais clínicos, incluindo a redução no ganho de peso e na produção leiteira, e queda na eficiência reprodutiva. Por outro lado, as micotoxicoses crônicas são resultado da ingestão constante de baixos níveis de micotoxinas, e podem causar danos como neoplasias e imunossupressão. O diagnóstico das micotoxicoses deve incluir o histórico, as manifestações clínicas e exames complementares (bioquímica clínica, histopatológico), com confirmação pela detecção das micotoxinas. Há um grande número de metodologias analíticas disponíveis para esta detecção, que incluem técnicas de ELISA, cromatografia em camada delgada, cromatografia líquida e cromatografia gasosa. As micotoxinas ocorrem em quantidades muito pequenas nos alimentos, por isso a análise laboratorial requer técnicas de amostragem e acondicionamento adequado das amostras. Existem diversas técnicas para amostragem. Uma forma é a coleta de sete amostras individuais de produtos a granel de até 2,5 toneladas; acima desta quantidade, o número de amostras individuais pode ser calculado pela raiz quadrada do resultado da multiplicação do número de toneladas por 20. Não há tratamento específico para as diferentes micotoxicoses. É essencial a implantação de medidas de prevenção e controle. A formação das micotoxinas pode ser evitada pela secagem dos grãos e adequação da colheita (para evitar quebras e danos em geral nos grãos) e do armazenamento (principalmente controle da umidade e de pragas). O ideal é que a alimentação seja isenta de micotoxinas, o que pode ser auxiliado para determinação de micotoxinas em componentes da dieta. Existem algumas técnicas desenvolvidas para reduzir a quantidade de micotoxinas, como a amoniação para reduzir os teores de aflatoxinas, mas a execução não é muito simples em grandes quantidades. A utilização de alguns adsorventes e inativadores de micotoxinas pode reduzir a absorção, e assim reduzir os danos. Aflatoxinas As aflatoxinas são micotoxinas produzidas pelos fungos Aspergillus flavus (que deu nome à toxina), A. parasiticus, A. nomius e A. pseudotamarii. São micotoxinas produzidas a campo e durante o armazenamento. As condições que favorecem a produção são umidade relativa do ar de 80%, umidade do grão superior a 14% e temperatura entre 12 e 42oC, com temperatura ótima para maior produção entre 25 e 32oC. As cutículas dos grãos danificadas favorecem a instalação do fungo e, consequentemente, a produção da micotoxina. A danificação dos grãos pode ocorrer por falha na colheita ou processamento e por pragas (insetos e roedores). Uma grande variedade de substratos pode ser utilizada pelos fungos para a produção de aflatoxinas, principalmente amendoim, milho, soja, algodão, sorgo, arroz, trigo, nozes e castanhas. As aflatoxinas são cumarinas substituídas, lipofílicas, incolores, inodoras, solúveis em solventes orgânicos e resistentes ao calor, frio e luz. São moléculas altamente tóxicas, conhecidas como os mais poderosos hepatocarcinógenos naturais. Já foram isoladas pelo menos 23 aflatoxinas, mas principais produzidas pelos fungos são denominadas B1, B2, G1 e G2. Uma característica das aflatoxinas é a forte fluorescência que apresentam quando submetidas à luz ultravioleta. As letras dadas aos tipos são originadas das cores da fluorescência em inglês (blue e green). Assim, as aflatoxinas B1 e B2 apresentam fluorescência azul, enquanto G1 e G2 apresentam fluorescência verde. Em algumas espécies animais, como os bovinos, as aflatoxinas B1 e B2 são parcialmente biotransformadas em derivados hidroxilados denominadosM1 e M2, respectivamente. De todas estas aflatoxinas, a B1 é a predominante (60-80% do conteúdo total de aflatoxinas); geralmente as aflatoxinas B2, G1 e G2 não ocorrem na ausência da B1. Esta aflatoxina também é a que apresenta a maior toxicidade aguda, seguida, em ordem decrescente de toxicidade, por M1, G1, B2 e G2. Toxicocinética e mecanismo de ação A absorção pelo trato gastrintestinal ocorre facilmente, mesmo na presença de alimentos, por causa da lipossolubilidade. No sangue, 90% da aflatoxina ligam-se à albumina. Após a absorção, a maior concentração da toxina é encontrada no fígado. Neste órgão, sofre biotransformação pelas enzimas microssomais formando diferentes metabólitos por meio de hidroxilação, redução, desmetilação e epoxidação. Nas reações de fase I, as moléculas tornam-se mais hidrofílicas, enquanto na fase II, os compostos produzidos são conjugados a substâncias endógenas (sulfatos, glutationa, grupos metil e acil), para serem, então, excretados. Os produtos da biotransformação da aflatoxina são considerados responsáveis pelos seus efeitos tóxicos. As várias reações de biotransformação da aflatoxina B1 resultam na formação de diversos metabólitos. Uma das mais importantes é a reação reversível de redução catalisada pelo sistema redutase citoplasmático NADPH-dependente, que resulta na formação aflatoxicol. Apesar deste composto apresentar menor toxicidade do que a B1, o aflatoxicol pode servir como reservatório da aflatoxina B1 por causa da característica de reversibilidade da reação. Um dos metabólitos gerados por reações irreversíveis da aflatoxina B1 é a aflatoxina B1 8,9-epóxido. Trata-se de um composto altamente reativo que interage com macromoléculas nucleofílicas, como DNA, RNA e proteínas, determinando a formação de adutos, que representam a lesão bioquímica primária produzida pelas aflatoxinas. A ligação da aflatoxina B1 8,9-epóxido com o DNA origina os mecanismos básicos dos efeitos mutagênicos e carcinogênicos. Os adutos formados com RNA e proteínas podem promover lesões químicas, resultando em alterações na função normal desses componentes celulares, tais como inibição da síntese protéica e redução da atividade enzimática. Outro dos metabólitos gerados por reações irreversíveis da aflatoxina B1 é a aflatoxina M1, que também pode sofrer epoxidação e ser ativada, resultando na formação de adutos com macromoléculas nucleofílicas responsáveis por mutagenicidade. Na biotransformação de fase II, a aflatoxina B1 8,9-epóxido é conjugada com a glutationa para formar o 8,9-epóxido-glutationa, que é altamente hidrossolúvel e não apresenta atividade tumorigênica. A variação na capacidade de conjugação com a glutationa é um dos fatores relacionados com a variação na sensibilidade às aflatoxinas entre as espécies animais. As principais vias de eliminação das aflatoxinas são a biliar e a urinária, sendo que a aflatoxina M1 também pode ser excretada no leite. Cerca de 2% do total de aflatoxina B1 inferida por vacas em lactação são excretados no leite na forma M1, o que representa risco para os consumidores do leite. As espécies mais sensíveis são as aves, suínos e cães, enquanto as mais resistentes são equinos, caprinos, ovinos e bovinos. Os animais jovens são mais sensíveis. Também contribui com a sensibilidade a deficiência nutricional, em especial de proteínas, selênio e vitamina E. Efeitos biológicos A aflatoxicose pode ter várias manifestações clínicas, dependentes da dose, tempo de exposição e fatores do indivíduo. A aflatoxicose aguda pode ocorrer como resultado da ingestão de grandes quantidades de aflatoxinas em curto período. Ocorrem sinais de insuficiência hepática, incluindo icterícia, hemorragias generalizadas, hematoquezia, falha na coagulação sanguínea e elevação da atividade sérica das enzimas hepáticas. A morte pode ocorrer em 48 a 72 horas. Na necropsia, observa-se necrose hemorrágica centrolobular. A maioria dos hepatócitos do centro do lóbulo desaparece e é substituída por uma mistura de células inflamatórias, restos de células dos sinusoides e eritrócitos. Em animais que sobrevivem alguns dias, a lipidose hepatocelular é marcante. Também podem estar presentes nefrite, nefrose e necrose de mucosas. A aflatoxicose crônica é a apresentação mais comum da doença. Uma exposição prolongada a pequenas doses, mesmo em animais sensíveis, pode induzir uma doença pouco específica caracterizada por redução no crescimento, baixa produtividade, anemia, icterícia, ascite e imunossupressão. Esta última resulta em maior susceptibilidade a outras doenças e redução na resposta vacinal, pois a aflatoxina produz deficiência do sistema complemento, retardamento da produção do interferon, decréscimo da atividade de linfocinas, supressão da resposta linfogênica, redução do índice mitótico de células B, inibição da capacidade fagocitária de macrófagos e comprometimento da mielopoese. Em muitos casos, pode ocorrer doença hepática crônica, em que o fígado está aumentado de volume, firme, um pouco nodular e amarelo devido à lipidose. Em lesões mais avançadas, o fígado torna-se atrófico. Histologicamente, a lesão mais notável e que ocorre em todas as espécies é a proliferação de ductos biliares, observada principalmente na periferia do lóbulo. As alterações nos hepatócitos incluem a lipidose, tumefação e necrose focal ou apoptose. No entanto, a necrose nunca é tão extensa como a que ocorre em casos agudos. À medida que as lesões progridem, há proliferação de tecido fibrovascular com fibrose periportal e moderado aumento de volume do citoplasma e núcleo dos hepatócitos (megalocitose). Carcinomas hepatocelulares e colangiocarcinomas foram induzidos pela administração oral de aflatoxinas a patos, perus, ratos, cobaias, trutas, suínos, ovinos e macacos. A incidência da carcinogênese em animais de criação é baixa possivelmente pelo curto período de vida destes animais. A aflatoxina B1 também é considerada um agente teratogênico. A produção deste efeito é decorrente da capacidade da toxina em inibir a síntese protéica, acarretando alterações no desenvolvimento e diferenciação fetal. Diagnóstico O diagnóstico da aflatoxicose se baseia na sintomatologia clínica, nos achados patológicos e na análise do alimento suspeito para detecção de aflatoxinas. Os métodos para análise quantitativa de aflatoxinas em alimentos, leite ou tecidos incluem a cromatografia em camada delgada, cromatograia gasosa, HPLC, ELISA e colunas de imunoafinidade com leitura por fluorimetria. Controle Não existe tratamento específico, e o suporte terapêutico deve ser instituído. A retirada do alimento suspeito deve ser realizada o mais rápido possível. A melhor forma de prevenir a ingestão de aflatoxinas é evitar o desenvolvimento do fungo e sua formação. Para isso, os alimentos (grãos, rações) deverão ser conservados com umidade inferior a 15%. As máquinas envolvidas na colheita e processamento dos grãos deverão estar reguladas para evitar danos, assim como o controle de insetos e roedores. Há diversas técnicas em desenvolvimento para a remoção das aflatoxinas dos grãos. Uma delas é a extração por solventes, incluindo etanol, isopropanol, metoximetano e misturas, mas a aplicação em larga escala é limitada pelo alto custo e pela toxicidade residual dos solventes. A inativação térmica das aflatoxinas, a 237-306oC, tem eficácia dependente do nível inicial de contaminação, da temperatura e do tempo de aquecimento, da aflatoxina e do tipo e umidade do alimento. Outras formas de descontaminação são a irradiação (ionização, luz ultravioleta e raios gama), a autoclavagem em presença de amônia e tratamento com hipoclorito. Também podem ser utilizados adsorventes, que podem se ligar às aflatoxinas. Os adsorventes incluem os aluminosilicatos, os filossilicatos, a bentonita, a zeólita e o carvão ativado. Fumonisinas As fumonisinas são micotoxinas produzidas por fungos do gênero Fusarium, principalmente Fusarium verticilloides (F. moniliforme) e F. proliferatum. São micotoxinas hidrossolúveis, resistentes ao calor (resistem à fervurapor 30 minutos) e aos álcalis, e permanecem estáveis no meio ambiente. O principal substrato é o milho, mas já foram isoladas de outros grãos e forrageiras. A produção da toxina ocorre em temperaturas entre 13 e 28oC, sendo ótima entre 20 e 25oC. Existem quatro tipos de fumonisinas, B1, B2, A1 e A2; a forma B1 é a mais tóxica e também a mais produzida. As formas B1 e B2 são similares à esfingosina, uma substância fundamental para a síntese da esfingomielina e de outros esfingolipídeos. O mecanismo de ação tóxico é a inibição das enzimas esfinganina N-acetiltransferase e ceramina sintetase, que estão envolvidas na conversão da esfinganina em esfingosina. Assim, há redução acentuada na produção de esfingolipídeos complexos (esfingomielina, cerebrosídeos e gangliosídeos), que mantêm a função e a estrutura de tecidos nervosos. Um segundo mecanismo é a alteração nos ácidos graxos polisaturados. Apenas os equídeos são suscetíveis às lesões no SNC, mas a infusão intracerebral de fumonisina B1 em camundongos produz alterações estruturais e bioquímicas no encéfalo. Foi formulada a hipótese que, nos equídeos, as endotoxinas induziriam maior permeabilidade da barreira hematoencefálica às fumonisinas, pois prejudicam a integridade do endotélio vascular. Há evidências de que as fumonisinas poderiam ser carcinogênicas. Foi verificada correlação entre a ocorrência de fumonisina em alimentos com câncer esofágico em humanos na África do Sul, China e nordeste de Itália. Há alguns estudos laboratoriais com ratos, mas ainda falta a comprovação definitiva. Sinais clínicos Há uma grande variação no quadro clínico observado nas diferentes espécies animais. Em bovinos e ovinos, as fumonisinas são responsáveis por anorexia e moderada perda de peso. Em equídeos causa leucoencefalomalacia, e em suínos causa a síndrome do edema pulmonar. Leucoencefalomalácia Em equinos, as fumonisinas são responsáveis pelo quadro de leucoencefalomalacia. Apenas 8 ppm de fumonisina B1 podem causar a intoxicação em equinos. Os sinais clínicos aparecem abruptamente e incluem anorexia, sonolência e depressão ou hiperexcitabilidade, dificuldade de apreensão de alimentos e mastigação, tremores, andar compulsivo, pressão da cabeça contra objetos, andar em círculo, cegueira uni ou bilateral, ataxia, diminuição do tônus da língua e lábios, diminuição da sensibilidade na face e palato, paralisia da mandíbula e decúbito. Os equídeos apresentam-se afebris e por vezes com sinais de hepatotoxicidade, como inapetência, edema facial e icterícia. Em cavalos predominam os sinais cerebrais, ocorrendo também os sinais causados por lesões do tronco encefálico, enquanto em mulas predominam os sinais de lesões do tronco encefálico. A morte geralmente ocorre num período de 6 a 24 horas após o aparecimento da sintomatologia clínica. A taxa de morbidade varia de 4 a 100%, mas a letalidade é de 100%. A inspeção macroscópica quase sempre revela aumento de tamanho de um dos hemisférios cerebrais com amolecimento que pode ser sentido à palpação de sua superfície. Pode haver também sinais de edema cerebral, notadamente pelo achatamento das circunvoluções. Ao corte, observam-se áreas amareladas e amolecidas da substância branca e, às vezes, com pequenas hemorragias. Alterações mais acentuadas de malacia são observadas como áreas levemente deprimidas da substância branca, até extensas áreas com cavitações. As lesões podem ser bilaterais nos hemisférios cerebrais, mas dificilmente são simétricas. Podem ocorrer também no tronco encefálico, cerebelo e medula espinhal. Histologicamente, é caracterizada por áreas de malacia circundadas por edema e hemorragia da neurópila, tumefação dos astrócitos nas áreas de malacia e cavitações irregulares ao redor dos vasos sanguíneos. Os vasos podem ter a parede lesada, com camadas dissociadas por edema e hemorragia. Também pode haver vacuolização citoplasmática e necrose dos hepatócitos. Edema pulmonar suíno O edema pulmonar suíno caracteriza-se por um quadro clínico de evolução subaguda e geralmente letal. As alterações clínicas são característicos de insuficiência pulmonar, evidenciados por dificuldade respiratória, dispneia e cianose. Normalmente, os suínos vão a óbito poucas horas após o aparecimento dos sinais. Na necropsia, observa-se edema pulmonar e hidrotórax evidente, e histologicamente há presença de fluido claro no tecido conjuntivo e ao dos vasos, brônquios e septo interlobular. Os suínos acometidos por esta micotoxicose também apresentam lesões hepáticas, caracterizadas por vacuolização citoplasmática e necrose dos hepatócitos. Diagnóstico O quadro de leucoencefalomalacia pode ser diagnosticado pelos sinais clínicos em equídeos ingerindo milho ou rações que contenham o grão, e pela presença de malacia na substância branca do cérebro ou tronco encefálico. Nas demais espécies, o quadro clínico-patológico não é tão específico da doença. A detecção das fumonisinas no alimento pode ser feita por cromatografia em camada delgada, HPLC e ELISA. Outra forma de confirmação do diagnóstico é pela determinação da relação esfinganina/esfingosina no soro, que está aumentada nas intoxicações pelas fumonisinas; trata-se do indicador mais sensível de exposição à Fumonisina B. Prevenção Não há tratamento efetivo para esta intoxicação. A melhor forma de prevenir consiste em evitar a contaminação do alimento. Deve-se evitar a estocagem do milho úmido, especialmente quando a época da colheita é muito chuvosa. Até o momento, não existem métodos para inativar a fumonisina no alimento. Zearalenona A zearalenona, também conhecida como F-2, é uma micotoxina com estrutura de lactona do ácido resorcíclico, produzida pelo fungo Fusarium graminearum (anteriormente F. roseum), F. tricininctum, F. gibbosum e F. oxysporum, com ação sobre o sistema genital. Os substratos mais comuns são milho, trigo, cevada e sorgo. As condições que favorecem a produção da zearalenona são umidade dos grãos superior a 23% e temperaturas baixas (12 a 14oC) alternadas com mais elevadas (20-25oC). As temperaturas baixas são importantes para a indução das enzimas envolvidas na produção da toxina. A absorção da zearalenona pelo trato gastrintestinal é rápida. No fígado, é biotransformada para α- e β-zearalenol, por meio de redução pela enzima 3α-hidroxiestreóide desidrogenase. Tanto a zearalenona como seus metabólitos são conjugados com glicuronídeos e sulfatos. A eliminação ocorre pelas fezes (por excreção biliar) e urina, mas pequenas quantidades são excretadas pelo leite. O ciclo êntero-hepático promove a retenção prolongada da zearalenona após a interrupção do consumo. De fato, a zearalenona e seus metabólitos podem ser encontrados na urina e nas fezes até duas semanas após a exposição. Há variação entre as espécies animais na toxicocinética da zearalenona. Os suínos possuem menor atividade hepática de 3α-hidroxiestreóide desidrogenase, o que torna a biotransformação mais lenta. Além disto, a reciclagem enteroepática da zearalenona nesta espécie é considerável. Por estes motivos, a espécie mais sensível à zearalenona é a suína. De fato, a presença de 1 ppm da toxina na dieta já promove alterações clínicas em marrãs. Bovinos e ovinos são bem menos sensíveis do que os suínos, sendo verificados poucos problemas reprodutivos nessas espécies animais. As aves são bastante resistentes aos efeitos tóxicos desta micotoxina; foi verificado que frangos toleram até 1.000 ppm na dieta. A zearalenona aparentemente desempenha atividade semelhante ao estrógeno, mas com uma potência duas a quatro vezes menor do que a do estradiol. Ela se liga aos receptores para 17β-estradiol, e o complexo resultante interage com sítios nucleares. Desta forma, é induzida a transcrição de genes, que irá proporcionar a síntese de RNA dirigida pelo DNA e de proteínas, ou a repressão de genes (inibição da transcrição). A zearalenona atua inibindo a liberação do FSH, impedindo a maturação de folículos ovarianos pré-ovulatórios. O quadro clínico-patológico da intoxicação é melhor caracterizado em suínos, principalmenteem marrãs. A síndrome observada é de hiperestrogenismo, caracterizada por edema da vulva (vulvovaginite) e da glândula mamária, alargamento do útero, atrofia de ovário e prolapso anal e vaginal, o que pode propiciar a infecção secundária. Em porcas adultas, são descritas ninfomania, anestro e pseudo-prenhez. Em gestantes, verifica-se redução do número de fetos vivos e do peso da prole, malformações e hiperestrogenismo juvenil. No cachaço jovem, pode-se observar edema de prepúcio, atrofia testicular, crescimento da glândula mamária e queda da libido e da qualidade do sêmen, enquanto no adulto normalmente não são observadas alterações. A micotoxicose é caracterizada por alta morbidade e baixa letalidade, sendo os casos de óbito geralmente decorrentes das infecções secundárias. As lesões em leitoas pré-púberes são aumento e edema da vulva, crescimento mamário e prolapso vaginal ou retal. O útero se torna aumentado e edematoso, com proliferação celular e hipertrofia. Microscopicamente, podem ser observados metaplasia vaginal, proliferação celular e hipertrofia uterina, atresia folicular, retenção de corpo lúteo e metaplasia escamosa dos ductos mamários. Em bovinos, pode ocorrer vaginite, e as secreções vaginais podem estar aumentadas. Em novilhas virgens pode ocorrer infertilidade, redução da taxa de concepção, repetição de cio e aumento das glândulas mamárias. Para o diagnóstico, a detecção da zearalenona é rotineiramente realizada em alimentos, por meio de análises cromatográficas e testes de imunoensaio. Para o tratamento dos casos de intoxicação, a desintoxicação é feita com os adsorventes carvão ativado e bentonita para reduzir a absorção e aumentar a excreção da zearalenona. Nos casos de prolapsos retais e vaginais, deve ser feita a assepsia para evitar infecções secundárias. O rompimento do corpo lúteo em porcas com anestro é obtido com a administração de uma dose de 10 mg de prostaglandina F2α. A principal forma de prevenir esta micotoxicose consiste na secagem adequada do cereal colhido, o qual deve conter, no máximo, 16% de umidade. Uma vez produzida, a destruição da zearelenona torna-se muito difícil. Tricotecenos Os tricotecenos são um grande grupo de micotoxinas (mais de 150 conhecidos) com estrutura química de sesquiterpenos epóxidos, com um núcleo tricíclico denominado tricoteceno. São toxinas de baixo peso molecular, não voláteis, estáveis ao calor, autoclavagem, processamentos industriais e pHs neutros e ácidos. Os mais importantes em medicina veterinária são a toxina T-2, o diacetoxiscirpenol (DAS), o 4-deoxinivalenol (DON ou vomitoxina) e o nivalenol (NIV). Embora a toxina T-2 seja altamente tóxica e bem mais conhecida que os outros tricotecenos, o DON, NIV e DAS são mais frequentemente encontrados como contaminantes de alimentos destinados aos animais. Os tricotecenos são produzidos por várias espécies de Fusarium, mas também por fungos dos gêneros Myrothecium, Trichoderma, Trichothecium, Stachybotrys, Verticimonosporium e Cephalosporium. Os principais substratos são milho, trigo e cevada. As condições favoráveis para produção da toxina são o clima frio e úmido e a estação seca curta, a umidade relativa do ar superior a 70%, umidade do grão entre 22-23% e temperatura entre 12-20oC. A ocorrência de pragas é outro fator que favorece a produção das toxinas. A produção destas toxinas está relacionada com a colheita tardia dos grãos ou a permanência dos grãos no campo durante o inverno. Mecanismo de ação Os tricotecenos possuem múltiplos efeitos inibitórios nas células eucariontes. São potentes inibidores não competitivos da síntese protéica, por interferir com o sítio ativo da peptidil transferase nos ribossomos. Também inibem a síntese dos ácidos nucléicos DNA e RNA, mas em menor intensidade do que a síntese protéica e sem apresentar atividade mutagênica nem promover danos ao DNA. Por causa destes efeitos inibitórios, a mitose também é inibida. Provavelmente os tricotecenos também induzem alterações na estrutura das membranas celulares e mitocondriais, com consequente estimulação da peroxidação lipídica e citotoxicidade. Também foi verificado que os tricotecenos induzem apoptose em diversos tipos celulares via mecanismos de ativação intrínsecos e extrínsecos. Os animais jovens são mais sensíveis do que os adultos. Sinais clínicos Os efeitos produzidos pelos tricotecenos são: - Redução do ganho de peso; - Náuseas, vômitos e recusa do alimento: são os efeitos mais observados na intoxicação por DON, e os suínos são particularmente sensíveis a eles; - Inflamação e necrose epitelial: toxina T-2 e DAS reagem com tecidos epiteliais da pele e das mucosas, causando citotoxicidade. - Alterações hematológicas: incluem diátese hemorrágica e queda da hematopoiese, resultando em leucopenia, anemia e trombocitopena. - Alterações nervosas: incluem ataxia, comprometimento do reflexo de endireitamento e convulsões; - Defeitos reprodutivos: toxicidade embrionária e fetal, redução no crescimento intra-uterino e aumento da mortalidade pós-natal; - Imunossupressão: DAS provoca supressão da atividade fagocitária dos macrófagos; os linfócitos são mais sensíveis à toxina T-2 do que os demais tipos celulares. Achados patológicos Macroscopicamente são observados erosões e úlceras no trato digestório, redução do volume dos órgãos linfóides, rins esbranquiçados com aumento de volume e hemorragias petequiais generalizadas. Microscopicamente, há presença de glomerulonefrites. Diagnóstico e tratamento O diagnóstico é feito pela sintomatologia clínica, achados patológicos e determinação dos tricotecenos nos alimentos. Há técnicas analíticas que empregam cromatografia gasosa, cromatografia líquida, ELISA e radioimunensaio. Não existe tratamento específico, e o suporte terapêutico deve ser instituído. Evitar situações estressantes e exposição a doenças concomitantes. Controle A melhor forma de prevenção é evitar a colheita dos grãos tardiamente, sobretudo nos períodos do ano em que a temperatura se apresentar baixa. Alguma redução na quantidade de tricotecenos pode ser obtida pela separação dos grãos por meio de densitometria, pois os infectados por fungos tem menor peso específico. Maior redução na quantidade desta micotoxinas pode ser obtida pela lavagem dos grãos com solução de carbonato de sódio, o que é especialmente eficaz para DON. No entanto, esta lavagem é pouco viável por ter elevado custo por causa do processo de secagem adicional. Alcalóides do Ergot O fungo Claviceps purpurea forma escleródios, que lembram o esporão do galo, nas sementes de suas plantas hospedeiras, sendo denominados de ergot, termo em francês para esporão. Desta forma, o quadro de intoxicação pelas toxinas do C. purpurea é conhecida como ergotismo. Cerca de 600 espécies de plantas foram identificadas como hospedeiras do fungo Claviceps purpurea em todo o mundo, entre os quais estão os pequenos grãos como o centeio, a cevada, o trigo e a aveia, além de diversas espécies de gramíneas. No Brasil, as espécies de gramíneas identificadas como hospedeiras do fungo são Lolium multiflorum, Holcus lanatus, Setaria geniculata, Chaetotropis chilensis, Poa pratensis e Festuca spp. Ao infectar a planta, o C. purpurea forma um escleródio nas sementes de coloração negra ou marrom-escura, consistência dura e tamanho maior que as sementes. No solo, os escleródios podem persistir por alguns meses. Em condições de temperatura e umidade adequadas, são liberadas ascosporas, que promovem invasão do ovário e do estigma da planta. Em alguns dias, o C. purpurea forma conídias na superfície do ovário e libera um líquido semelhante ao mel. Finalmente, os escleródios maduros são formados e substituem a semente. Assim como ocorre com a maioria dos fungos, as elevações da umidade e da temperatura favorecem o crescimento do fungo. Princípios tóxicos Os escleródios de C. purpurea apresentam pelo menos 100 diferentes substâncias químicas, especialmente aminas, aminoácidos, glicosídeos, pigmentos, enzimas e ácidos graxos. No entanto, as substâncias responsáveispela toxicidade deste fungo são alcalóides conhecidos genericamente como ergoalcalóides ou alcalóides do ergot, com estrutura química tetracíclica derivada do indol denominada ergolina. Já foram identificados mais de 40 alcalóides do ergot, divididos em 3 grupos: derivados do ácido lisérgico, derivados da clavina e os alcalóides peptídicos. Os principais alcalóides do ergot são a ergotamina, a ergotoxina (composto por ergocornina, ergocristina e ergocriptina), a ergometrina e a ergonovina. A estrutura química de alguns alcalóides do ergot estão apresentadas na Figura 1. A concentração de alcalóides nos escleródios varia de 0 a 0,86%, o que claramente influencia em sua toxicidade. Toxicocinética e mecanismo de ação A absorção dos ergoalcalóides por via oral é rápida. A ação da ergometrina sobre o útero inicia-se em 4 a 8 minutos, enquanto a duração deste efeito é de 3 a 6 horas. A biotransformação é hepática, promovida por enzimas do citocromo P450. No entanto, não há passagem dos ergoalcalóides pelo leite de vacas. Vale ressaltar que foram detectados resíduos de ergoalcalóides na gordura da carne de bovinos expostos a esta substância. Os alcalóides do ergot são agonistas parciais, mas não despolarizantes, de receptores 1-adrenérgicos. Por outro lado, não promovem inibição dos receptores ; assim, não interferem com a liberação de noradrenalina nem são depletores de catecolaminas. A ergotamina e a ergometrina também são agonistas parciais de receptores serotominérgicos. Ainda, a ergometrina também é agonista parcial fraco de receptores dopamínicos. Com relação ao mecanismo de ação, os alcalóides do ergot promovem contração dos músculos lisos dos vasos sangüíneos gerada pela ação sobre os receptores -adrenérgicos da musculatura uterina, ao promover influxo de íons cálcio, provavelmente por abertura dos canais deste íon. A vasoconstrição é responsável pelo aumento da pressão sangüínea, além de isquemia e gangrena. Outra ação atribuída aos alcalóides do ergot é uma ação ocitotócica; a ergometrina é considerada a responsável por esta ação. A ergometrina, também por ação no receptores -adrenérgicos, estimula a contração do miométrio, produzindo aumento do tônus uterino ou da força das contrações. Por outro lado, os alcalóides do ergot parecem não afetar o peristaltismo intestinal. Outra ação destas micotoxinas ocorre no eixo hipotalâmico-hipofisario, reduzindo a concentração de prolactina circulante. Sinais clínicos A sintomatologia do ergotismo nas diferentes espécies animais pode quadros clínicos diferentes: a forma gangrenosa, a redução do crescimento e queda na produção, a síndrome distérmica, os abortamentos e a forma nervosa. Forma gangrenosa: Causada pela constrição de arteríolas, ocorre predominantemente no inverno, e é caracterizada pela formação de gangrena seca de extremidades, geralmente dos membros posteriores. As espécies naturalmente afetadas são a bovina e a ovina. Inicialmente, os animais afetados apresentam claudicações, associada a edema e hiperemia da pele do rodete coronário, quartela e boleto. Além disto, bovinos leiteiros também apresentam diminuição na produção de leite. Após cerca de 10 dias, a claudicação está menos severa, provavelmente devido a perda da sensibilidade do pé. Posteriormente, a pele torna-se gangrenosa e com rachaduras, podendo haver exsudato que pode ser purulento, e separação da muralha, especialmente na região dos talões. Com a evolução do quadro, é formada uma linha entre o rodete coronário e o terço distal do boleto, podendo-se visualizar as regiões necrosadas e normais da pele. Em alguns casos, há gangrena de cauda e orelhas. Nos casos mais graves, pode haver ruptura de tendões e perda do casco. Na pele pode haver processo de necrose que se assemelha às lesões causadas pela fotossensibilização. Em frangos e galinhas pode haver gangrena da crista. O estado geral dos animais afetados geralmente é pouco prejudicado; pode haver inflamação e sangramento intestinal, e constipação ou diarréia. O exame histopatológico da pele e do tecido subcutâneo revela necrose de coagulação com infiltração por macrófagos e neutrófilos. Também pode estar presente proliferação de tecido de granulação no tecido subcutâneo. A túnica muscular arterial na derme encontra-se aumentada, o que também pode ocorrer nos pulmões, rins, intestino delgado, baço, miocárdio e cérebro. Redução do crescimento e queda na produção: Animais jovens na fase de crescimento podem apresentar diminuição no consumo de alimentos e no ganho de peso, ou mesmo perda de peso. Além disto, em galinhas poedeiras, a quantidade e qualidade dos ovos é desfavoravelmente afetada. As lesões histopatológicas apontadas como responsáveis por este efeito são inflamação, hemorragias e, às vezes, necrose no trato gastrintestinal. Como conseqüência destas lesões gastrintestinais, pode haver diarréia, às vezes sanguinolenta. Síndrome distérmica: É caracterizada por aumento da tempertura corpórea (entre 40 e 42°C). Devido a uma acentuada dispnéia, alguns animais mantêm a boca aberta e a língua exteriorizada. Outras manifestações que podem estar presentes são salivação, pêlo comprido e sem brilho, redução no consumo de alimentos, aumento do consumo de água e poliúria. Tipicamente, os animais afetados procuram por sombras ou permanecem dentro de água, objetivando aliviar a sensação térmica. A produção leiteira e o ganho de peso estão diminuídos. A sintomatologia clínica torna-se mais evidente quando a temperatura está mais quente. Apesar das manifestações clínicas, não são encontradas lesões macro ou microscópicas em bovinos afetados. Ainda, alguns animais podem apresentar concomitantemente sintomatologia branda da forma gangrenosa. Abortamentos: Pode haver abortamentos e agalaxia no final da gestação; outros efeitos atribuídos ao ergot incluem morte embrionária e anestro. É a única forma de ergotismo em eqüinos, mas também afeta suínos, bovinos, ovinos e caprinos. Em eqüinos, as fêmeas prenhes liberam prematuramente o corioalantóide, e a placenta está mais pesada, engrossada e fibrosa, precisando ser rompida manualmente; também pode haver gestação prolongada, distocias, dilatação e contrações diminuídas e intensa fraqueza da égua após o parto. Em cabras prenhes, a administração experimental promoveu morte fetal e abortamentos; os efeitos observados nos fetos provavelmente se deveram a lesão placentária promovida por dano endotelial em arteríolas terminais, bloqueando a circulação sangüínea dos cotilédones uterinos. Geralmente os filhotes nascem fracos e a redução na produção leiteira contribui para a elevada mortalidade dos neonatos. Forma nervosa: Caracterizada por fasciculações, incoordenação, hiperexcitabilidade, hipermetria, cegueira aparente, opistótomo, tremores musculares, paralisia posterior e decúbito. É erroneamente denominada de forma convulsiva, mas não há realmente convulsões uma vez que os animais não perdem a consciência. A forma nervosa raramente ocorre em bovinos e é incerta em ovinos. Diagnóstico O diagnóstico pode ser realizado por meio da associação da sintomatologia clínica e achados patológicos com a presença dos escleródios de C. purpurea no alimento. Entretanto, a visualização destes escleródios pode estar dificultada quando o alimento constitui-se de grãos moídos ou ração. Nestes casos, pode-se tentar a observação microscópica dos escleródios, a detecção química dos alcalóides do ergot (cromatografia em camada delgada, cromatografia em fase gasosa, espectrometria de massa) ou a administração do alimento a animais de laboratório. Nos casos da forma gangrenosa, deve-se fazer o diagnóstico diferencial com outras causas de claudicação, como por exemplo a intoxicação pelo fungo Ramaria flavo-brunnescens e a pododermatite infecciosa. Tratamento e prevenção Infelizmente, não há tratamento específico para o ergotismo. Os animais afetados deverão ser retirados da exposição aos escleródios de C. purpurea, e iniciar tratamento sintomático. Em diversos casos, especialmente da forma gangrenosa, é necessáriaa administração de antibióticos para controle de infeção bacteriana secundária. Em alguns bovinos, a forma gangrenosa pode persistir por mais de um ano após o término da exposição, ou podem mesmo ser irreversíveis. Assim, para os casos graves recomenda-se o abate. A recuperação clínica da síndrome distérmica dos bovinos é lenta após cessada a exposição, podendo haver sinais mesmo depois de 6 semanas. Os sinais clínicos da forma nervosa dos bovinos regridem após o término da exposição. Os efeitos reprodutivos observados em eqüinos têm sua freqüência diminuída quando é cessada a exposição ao C. purpurea; a lactação inicia geralmente 5 a 7 dias após a remoção do ergot da dieta. Para a prevenção, diversas medidas são recomendadas. Uma destas medidas é a análise dos grãos, para se avaliar a presença de escleródios de ergot, antes de fornecê-los animais. Foi estabelecido como limite máximo, sem manifestação de sintomatologia de intoxicação, 300 mg de escleródios por kg de ração para machos e fêmeas não prenhas, mas deverá ser isento de escleródios nos alimentos para as fêmeas prenhes. Procurando-se evitar o desenvolvimento do ergot nos alimentos, o plantio de gramíneas forrageiras susceptíveis deve ser feito com sementes isentas de C. purpurea, e deve-se alternar o plantio destas com outras espécies não susceptíveis por pelo menos um ano. Também deve ser limpa a área ao redor das plantações ou pastagens, limitando, assim, a disseminação do fungo. Além disto, recomenda-se o plantio de plantas susceptíveis apenas em áreas livres de azevém; no caso de plantações de trigo em áreas com elevada concentração de azevém, pode-se utilizar herbicidas seletivos, como o diclofop metílico. É importante salientar que o uso de herbicidas deve ser racional, pois quando inadequadamente empregado pode aumentar a susceptibilidade das plantas ao C. purpurea. No caso de pastagens ou de plantações de gramíneas para fenação ou ensilagem, o pastoreio ou colheita deverá ser realizado antes das plantas formarem sementes. Por outro lado, o uso de fungicidas para o controle direto de C. purpurea não é viável. Como podem ser produzidos anticorpos contra os ergoalcalóides, é possível que no futuro sejam desenvolvidos tratamento imunológico para o ergotismo. Ocratoxina e Citrinina A ocratoxina e a citrinina são duas micotoxinas responsáveis por praticamente as mesmas alterações clínicas. A ocratoxina é uma isocumarina derivada da fenilalanina, produzida principalmente pelo fungo Aspergillus ochraceus, mas também por outras espécies de Aspergillus e Penicillium. Já foram identificados nove tipos de ocratoxina, mas apenas a ocratoxina A é produzida sob condições naturais. A citrinina é produzida principalmente por Penicillium viridicatum, mas também por outras espécies de Penicillium e Aspergillus. Os principais substratos para as duas micotoxinas são milho, cevada, centeio e trigo. As condições favoráveis à produção das toxinas são umidade relativa do ar superior a 85% e temperatura entre 12-25oC. Toxicocinética A ocratoxina A é absorvida pelo trato gastrintestinal por difusão passiva. A acidez favorece a absorção, assim a maior parte é absorvida no estômago. Nos herbívoros, a ingestão de concentrados favorece maior absorção do que alimento volumoso, por causa da redução do pH. A ocratoxina possui alta afinidade pela albumina, o que prolonga sua meia-vida sérica. A biotransformação é realizada no fígado produzindo as ocratoxinas α e β. A eliminação da ocratoxina, assim como de seus metabólitos, é principalmente pelas fezes e urina. Há poucas informações sobre a toxicocinética da citrinina. Sabe-se que esta toxina é rapidamente absorvida no trato gastrintestinal e que suas concentrações séricas podem ser detectadas até três dias após a ingestão. Mecanismo de ação As duas micotoxinas promovem nefrotoxicidade, hepatotoxicidade e imunossupressão. A ocratoxina também é carcinogênica; existem poucas evidências quanto à capacidade carcinogênica da citrinina. A ocratoxina A parece atuar por três mecanismos: interferência nas enzimas envolvidas no metabolismo da fenilalanina, inibição da produção de ATP nas mitocôndrias e estimulação da peroxidação lipídica. A imunossupressão produzida por esta micotoxina possivelmente esteja relacionada à inibição da proliferação de linfócitos T e B. Em relação à citrinina, o mecanimso de ação tóxico está desconhecido. Sinais clínicos O quadro de intoxicação aguda é caracterizado por gastroenterite, diarréia, êmese, desidratação e depressão. Na intoxicação crônica, que é a mais comum, há perda de peso, redução na conversão alimentar, poliúria, polidipsia e desidratação. Os achados laboratoriais revelam aumento dos níveis séricos de uréia e creatinina, e aumento de células epiteliais e presença de cilindros hialinos na urina. Achados patológicos À necropsia, os rins podem estar aumentados de volume, com superfície áspera e irregular, palidez cortical e pequenas áreas císticas, típicas de fibroplasia. Na avaliação microscópica deste órgão, pode-se observar edema de túbulos renais, necrose tubular proximal, espessamento da membrana basal, esclerose glomerular, fibrose intersticial, dilatação tubular e achatamento do epitélio. Na medula óssea, pode haver aplasia medular, que resulta em trombocitopenia. Diagnóstico A determinação da ocratoxina A pode ser feita em alimentos e tecidos, principalmente fígado e rins, ou do metabólito ocratoxina α na urina e no leite. Foram desenvolvidas técnicas utilizando imunoensaio (ELISA), cromatografia em camada delgada e HPLC. A detecção da citrinina deve basear-se nas alterações clínicas e patológicas, pois há pouca disponibilidade de técnicas analíticas. Tratamento e controle Não há tratamento específico, devendo realizar a redução da ingestão de proteínas. A utilização de carvão ativado reduz a absorção da toxina presente no trato gastrintestinal. Para prevenção, a colheita, secagem e armazenamento dos grãos devem ser adequados. Preferencialmente, os alimentos suspeitos deverão ser testados antes de serem fornecidos. Referências Batatinha, M.J.M.; Simas, M.M.D.; Górniak, S.L. Micotoxicoses. In: Spinosa, H.S.; Górniak, S.L.; Palermo-Neto, J. (Eds.). Toxicologia Aplicada à Medicina Veterinária. Barueri: Manole, 2008. p.479-509. Coppock, R.W.; Christian, R.G. Aflatoxins. In: Gupta, R.C. (Ed.). Veterinary Toxicology – Basic and Clinical Principles. New York: Academic Press, 2007. p.939-950. Gupta, R.C. 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