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1 ÚLCERA PÉPTICA GASTRODUODENAL Ulysses G. Meneghelli Professor Titular, Divisão de Gastroenterologia Departamento de Clínica Médica Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (USP) INTRODUÇÃO A úlcera péptica é uma das mais freqüentes doenças do tubo digestivo. É de distribuição mundial, afeta homens e mulheres adultos, mas é rara na infância. Atualmente, parece que a ocorrência da doença está em declínio. Pode ser definida como a perda de substância focal em áreas de mucosa e tecidos subjacentes que mantém contacto com o suco gástrico. É uma decorrência da ação proteolítica da pepsina secretada pelo estômago As úlceras duodenais localizam-se, em sua grande maioria, na primeira porção do duodeno (bulbo duodenal), enquanto que as gástricas são encontradas, mais freqüentemente, na pequena curvatura, junto à transição entre a mucosa do antro e a mucosa do corpo gástrico. A perda de substância que caracteriza a úlcera tem, no mínimo, 0,5 cm de diâmetro e, em geral, não tem diâmetro maior do que 2,0 cm, mas podem ocorrer úlceras maiores (úlceras gigantes). A úlcera interessa, a mucosa, a muscular da mucosa, a submucosa e atinge as camadas musculares. Com a cronificação da doença, a reação do organismo é representada por tecido fibroso que se desenvolve no fundo da úlcera (Figura 1). Eventualmente, a serosa pode ser atingida e até perfurada. A atividade corrosiva pode ainda atingir vasos sangüíneos e determinar hemorragia. Diferentemente das úlceras, as erosões são definidas como perda de substância que interessa somente a mucosa (Figura 1), têm diâmetro inferior a 0,5 cm e, freqüentemente, são múltiplas. Figura 1- Representação esquemática das estruturas da parede do estômago e do duodeno comprometidas pela erosão e úlceras pépticas agudas e crônicas (segundo FP Brooks, Gastrointestinal Pathophysiology, Oxford University Press, London, 1974). 2 A doença péptica é uma condição patológica crônica e tem como característica de sua história natural (curso espontâneo da doença, sem a interferência de qualquer tipo de medida terapêutica) a ocorrência de sucessivos e intercalados períodos de atividade (úlcera aberta; presença de sintomas) e de acalmia (cratera fechada e cicatrizada; ausência de sintomas). A cicatrização ocorre, pois, espontaneamente. Há, portanto, remissões espontâneas da doença, porém, não sua cura definitiva, mesmo com potentes drogas redutoras da secreção ácida. Com novos conhecimentos adquiridos nos últimos anos, pode-se hoje, efetivamente, modificar-se o curso natural da doença e se conseguir sua cura, como será visto adiante. PATOGENIA (como se dá a gênese da doença) e FISIOPATOLOGIA (funcionamento anormal do órgão comprometido) A pepsina é uma enzima secretada pelas células principais localizadas nas glândulas gástricas do corpo e fundus; juntamente com o ácido clorídrico (secretado pelas células parietais das citadas glândulas), com o muco e outras substâncias compõe o suco gástrico. As células principais secretam um precursor da pepsina, o pepsinogênio, que, em meio ácido dá origem à enzima ativa. A atividade proteolítica da pepsina só existe em ambiente ácido sendo máxima em torno de pH 2,0 e é praticamente nula em pH acima de 5,5 – 6,0. O papel do ácido clorídrico na ulcerogênese é fundamental, pois, permite o ambiente ideal, em termos de pH, para a ação da pepsina. Por isso, muitos designam a úlcera de ácido-péptica. Se um paciente for aclorídrico (pH do suco gástrico não inferior a 6,0 após estímulo máximo da secreção) e apresentar uma úlcera, certamente, esta úlcera não será péptica. Se a acidez for adequadamente reduzida por meio de agentes farmacológicos, a úlcera rapidamente cicatrizará. Portanto, é verdadeiro ainda o antigo axioma “sem ácido, sem úlcera”. Múltiplos fatores estão relacionados à ulcerogênese, mas, sumariamente, pode-se dizer que a úlcera péptica resulta do desequilíbrio entre fatores agressivos e fatores defensivos responsáveis pela integridade estrutural da mucosa e tecidos subjacentes. Em condições normais, há um equilíbrio entre estes dois tipos de fatores, de forma que a mucosa das áreas banhadas pelo suco gástrico permanece íntegra. Se o equilíbrio for rompido, seja por aumento dos fatores agressivos, por redução dos defensivos ou por ambos, estabelece-se a úlcera. São mais conhecidos os fatores agressivos, representados principalmente pelo poderio lesivo da secreção cloridropéptica, do que os defensivos da mucosa. Até o início dos anos 80, não se tinha conhecimento da etiopatogenia da maioria dos casos das úlceras pépticas duodenais e gástricas. Sabia-se que drogas de ação anti-inflamatória e o ácido acetil-salicílico (anti-inflamatórios não-esteróides, AINES) podiam ter relações com a doença ulcerosa e que situações raras, caracterizadas por intenso estímulo da secreção clorídrica decorrente da ação de substâncias secretagogas elaboradas por células tumorais (síndrome de Zollinger-Ellison, mastocitoma), provocavam grave doença ulcerosa. Já eram, entretanto, conhecidas as principais alterações da função secretora do estômago dos pacientes com úlcera péptica. Os estudos foram mais desenvolvidos nos ulcerosos duodenais. Esses pacientes, em percentuais que variavam de 20 a 70%, apresentam uma ou mais das seguintes alterações: 1) hipersecreção clorídrica basal (ou de jejum); 2) hipersecreção clorídrica resultante do estímulo pela histamina ou pentagastrina (em doses ditas máximas); 3) hipersecreção clorídrica pósprandial; 4) aumento da população de células parietais; 5) hipergastrinemia basal e pós-prandial; 6) perda da capacidade do antro em inibir a secreção de gastrina em resposta à sua acidificação ou à sua distensão; 7) hiperpepsinogenemia; 8) perda da capacidade de secreção de bicarbonato pela mucosa 3 duodenal. Como estes fatores são relacionados à hiperacidez, entendeu-se que seriam eles os principais determinantes da ulcerogênese, ignorando-se o mecanismo ou agente que desencadeava estas anormalidades fisiopatológicas. Nos pacientes com úlcera gástrica, a secreção ácida encontra-se em níveis semelhantes aos de indivíduos normais ou há hipossecreção. Admite-se que na patogênese da úlcera gástrica tenha muita importância a redução da citoproteção do epitélio, dada, principalmente, pela ação de ácidos biliares contidos em bile refluída e, prolongadamente, retida no estômago Embora de longa data sejam reconhecidos fatores que protegem a mucosa gástrica (citoproteção) contra a auto-agressão cloridropéptica, há ainda muito para entende-los perfeitamente. A citoproteção é um conceito biológico de amplo espectro que inclui fatores pré-epiteliais (camada de muco e secreção de bicarbonato que garantem pH de cerca de 6,0 na superfície epitelial), epiteliais (mecanismos especiais de transporte, estruturas juncionais entre as células adaptadas para dificultar a difusão de ácido e de pepsina e intensa atividade regenerativa para a substituição de células lesadas) e sub-epiteliais (microcirculação local) que garantem a integridade da mucosa gástrica e duodenal. A partir de 1983, sucederam-se várias descobertas que vieram revolucionar tudo o que se sabia sobre a etiopatogenia (causa e mecanismo de produção da doença) da úlcera péptica, incluindo explicação para as alterações fisiopatológicas da secreção gástrica, e abrir perspectivas de um tratamento definitivo uma vez que o agente causal poderia ser eliminado. Em 1983, os pesquisadores australianos Marshall e Warren isolaram do antro gástrico de ulcerosos duodenais uma bactéria que, alguns anos depois, foi denominada de Helicobacter pylori (Hp). Estudos posteriores vieram demonstrar que esta bactéria está presente, em altos percentuais, na população geral, principalmente nos países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento, e que sua ocorrência aumenta com a idade. No Brasil, este percentual encontra-se em torno de 60 % nas pessoas adultas. Observou-se também que mais de90 % dos ulcerosos duodenais e cerca de 70 a 80 % dos ulcerosos gástricos albergam a bactéria no antro gástrico. O mais interessante é que a erradicação desta bactéria muda radicalmente a história natural da doença péptica duodenal e gástrica, pois reduz drasticamente, os índices de recidivas. A quase ausência de recidivas após o tratamento eficaz constitui um forte argumento para considerar o Hp como agente causal da maioria das úlceras pépticas. Por seus trabalhos sobre o Hp e suas relações com a úlcera péptica, Marshall e Warren receberam o Prêmio Npbel de Medicina de 2005. As alterações fisiopatológicas da secreção gástrica que ocorrem nos pacientes com úlcera duodenal, mencionadas acima, foram revertidas em prazo de até um ano após a erradicação. Assim, a infecção pelo Hp determina alterações na produção ácida do estômago no sentido de hiperssecreção com as mesmas características das mostradas por pacientes com úlcera duodenal. Para que isto aconteça, é necessário que a área afetada pela infecção seja restrita ao antro gástrico (gastrite antral) e respeite as zonas do corpo e fundus, deixando as respectivas mucosas morfologicamente indenes e funcionalmente aptas para a hipersecreção. A gastrite antral pelo Hp interfere na secreção de gastrina (hormônio que estimula as células parietais e que é secretado pelas células G do antro) aumentando sua produção, sendo este o principal mecanismo determinante da hipersecreção clorídrica. Fisiologicamente, a produção de gastrina é regulada pela somatostatina (produzida pelas células D do antro gástrico), que exerce efeito inibitório, e por um neuropeptídio, o peptídio liberador de gastrina, também secretado localmente e dotado de efeito estimulante. A gastrite antral pelo Hp determina maior comprometimento das células D, poupando mais as células G. O resultado é a liberação do 4 efeito frenador da somatostatina, levando as céluas G a produzirem excesso de gastrina tanto em condições basais como após estímulo alimentar (pelos componentes da dieta e pela distensão do antro). Como apenas 15 % dos pacientes portadores de Hp no antro gástrico são portadores de úlcera péptica, fica evidente que esses efeitos fisiopatológicos sobre a secreção gástrica e seus reflexos na integridade da mucosa podem depender de determinadas cepas da bactéria. A crônica hipersecreção ácida produz metaplasia em áreas da mucosa do bulbo duodenal transformando-a em mucosa do tipo gástrico. É nela que se instala o Hp e a ulceração vai ocorrer exatamente nessa área de metaplasia. Há que ser considerado também o papel agressivo representado pela capacidade lesiva do próprio Hp sobre as células da mucosa. O Hp vive aderido à superfície da mucosa antral, sob a camada de muco. Esse é seu nicho ecológico. Esta bactéria secreta uma enzima, a urease, que ao desdobrar a uréia presente no suco gástrico, produz em torno de si uma camada de amônia que lhe dá efeito protetor químico para a travessia da camada de muco e para sua manutenção em seu nicho ecológico. Em íntimo contacto com a mucosa, o Hp libera fosfolipases e proteases lesivas não só à mucosa, mas também ao muco aderente, de forma a facilitar o acesso de ions H+ à superfície da mucosa. Uma importante enzima expressa pelo Hp é uma citotoxina vacuolizante, ligada a um gen denominado vacA. Esse gen está presente em todas as cepas da bactéria, porém, apenas cerca de 65 % deles produzem a citotoxina. A imensa maioria dos pacientes com úlcera duodenal alberga cepas que expressam a citotoxina vacuolizante. Uma outra citotoxina, relacionada ao gen A e denominada de cagA (citotoxina associada ao gen A), é considerada como um marcador para o efeito citotóxico vacuolizante, pois está presente apenas quando o efeito citotóxico vacuolizante do vacA também está presente. As cepas consideradas mais virulentas são aquelas que possuem uma proteína chamada OipA (Outer inflammatory protein A) e a “ilha de patogenicidade” cag funcionante; esta “ilha de patogenicidade” é um fragmento do genôma de algumas cepas da bactéria que codificam componentes celulares que induzem a inflamação. A existência de cepas de grande atividade agressiva e também a densidade da infecção, talvez, explique o fato de que apenas cerca de 15 % dos pacientes com infecção pelo Hp desenvolve úlcera péptica. Com os conhecimentos que foram apresentados pode-se compor fluxogramas que mostram a seqüência de eventos que induzem à formação da úlcera péptica duodenal.(Figura 2 e Figura 3) 5 H. pylori (Hp) Gastrite antral Bloqueio dos mecanismos que inibem a secreção de gastrina e a secreção ácida Aumento do aporte de ácido ao duodeno Metaplasia gastrica no duodeno Infecção pelo Hp na metaplasia Figura 2 -Condições necessárias para o desenvolvimento de úlcera duodenal (Olbe e col. Helicobacter pylori -basic mechanisms to clinical cure, Kluwer Ac. Publ., 1998). Aumento do aporte de ácido no duodeno Infecção pelo Hp na metaplasia Figura 3 -Seqüência hipotética que leva ao desenvolvimento de úlcera duodenal, ADMA = Asymmetric DiMethyl Arginine. (Olbe e col. Helicobacter pylori -basic mechanisms to clinical cure, Kluwer Ac. Publ., 1998). 6 A respeito da úlcera gástrica, sabe-se que elas ocorrem, predominantemente, na zona de transição entre a mucosa do corpo e a mucosa do antro. Há indícios de que, nessa zona, os fatores de virulência do Hp são mais ativos para a indução da inflamação e demais danos à mucosa. Nos pacientes com úlcera gástrica associada ao Hp, o refluxo duodeno-gastrico está aumentado, propiciando a participação da ação lesiva sobre a mucosa de componentes da bile (ácidos biliares e lecitina) na patogênese da doença. A aspirina e outros anti-inflamatórios não-esteróides (AINES) representam importante causa de erosões e de úlceras no estômago e no duodeno, dado que são drogas muito utilizadas em todo o mundo. Produzem lesão tóxica na mucosa gastroentérica mediante efeitos tóxicos diretos e por via sangüínea. Dentro de alguns minutos após a ingestão de uma destas drogas podem ser observadas lesões na superfície das células epiteliais e aumento da permeabilidade da mucosa. Muitos AINES, por serem lipossolúveis, difundem-se para o citoplasma das células epiteliais, ali se tornam hidrossolúveis, acumulam-se e exercem seus efeitos tóxicos. Os AINES absorvidos exercem efeito inibitório sobre a enzima ciclo-oxigenase (COX). Há dois tipos de COX: a que existe no tubo digestivo é a COX-1 e a de outros tecidos é a COX-2. As COX convertem o ácido aracdônico em prostaglandinas. As prostaglandinas do tubo digestivo exercem efeito protetor da mucosa por meio do estímulo da secreção de bicarbonato da mucosa, pela secreção de muco e pelo aumento do fluxo sangüíneo no local submetido à agressão. O principal mecanismo pelo qual os AINES produzem lesões na mucosa gastroduodenal é a redução do fluxo de sangue no local, em conseqüência da interferência das drogas na síntese de prostaglandinas. A intensidade da ação tóxica dos AINES depende da dose diária, do tempo em que é utilizada e da sensibilidade individual. Uma úlcera por estas drogas pode ocorrer após 1 a 2 semanas de seu uso. Os principais fatores de risco para a ocorrência de úlceras por AINES são os seguintes: 1) úlcera péptica prévia; 2) prévia lesão por AINES; 3) idade avançada; 4) uso concomitante de corticóides; 5) uso concomitante de anti-coagulante; 6) altas doses de AINES; 7) uso concomitante de bebidas alcoólicas. Parece que a infecção pelo Hp constitui um fator de risco para os efeitos danosos dos AINES no estômago e no duodeno. Há um contingente da população de ulcerosos (5 a 20 %) no qual não se consegue identificar um fator etiológico responsável pela doença (úlcera idiopática). Como fatores relacionados à ulcerogênese merecem comentários: o genético, o hábito de fumar, o hábito de beber bebidas alcoólicas, o excesso de ingestão de café, o estresse ecertos tipos de alimentos. A presença de um fator genético envolvido na patogenia da úlcera péptica é evidenciada pela ocorrência de múltiplos casos na mesma família e, notadamente, pela maior freqüência da concomitância de úlcera duodenal nos pares de gemeos univitelinos comparativamente com os bivitelinos. Entretanto, muitas vezes, é difícil afastar a possibilidade da influência de fatores ambientais, com destaque para a infecção pelo Hp. Há indicações da relação entre o hábito de fumar e a presença de úlcera péptica e de que este hábito pode retardar a cicatrização da úlcera gástrica. Aventa-se a hipótese de que o hábito de fumar pode reduzir a eficiência de fatores defensivos da mucosa pela redução da secreção de bicarbonato. Com respeito às bebidas alcoólicas e ao café, não há evidências concretas de que estejam relacionados à gênese da úlcera. Entretanto, se ingeridos em grande quantidade e em altas concentrações, podem provocar sintomas dispépticos. Quanto ao estresse determinado por causas psicológicas ou físicas, não há evidências que comprovem um papel ulcerogênico. Deve ser mencionado, entretanto, que sob estresse, há aumento da produção de ácido clorídrico pelo estômago e redução das defesas do organismo 7 contra vários tipos de infecção; não há referências, porém, sobre o efeito do estresse na infecção pelo Hp. É possível que a eclosão de recidivas da doença possa ser precipitada por situações estressantes. Nunca se provou que algum tipo de alimento possa ter efeito ulcerogênico. Há, entretanto, pacientes ulcerosos que referem sintomas quando ingerem determinados tipos de alimentos; se os sintomas são decorrentes da presença da úlcera ou não são dela dependentes, não se sabe ao certo. Alimentos apimentados (notadamente pela pimenta-do-reino), ácidos e fritos são os mais freqüentemente apontados como indutores de sintomas. DIAGNÓSTICO CLÍNICO A suspeita clínica do diagnóstico de úlcera duodenal ou gástrica é feita pela identificação de dor no epigástrio e de suas características (localização, irradiação, intensidade, tipo, periodicidade, ritmo, fatores que pioram e que melhoram, e os sintomas associados).Há características que podem ser chamadas de típicas. Por outro lado, existem pacientes que apresentam quadros clínicos atípicos e há úlceras que são assintomáticas revelando-se somente quando sangram, provocando hematêmese (vômitos contendo sangue) ou melena (fezes enegrecidas de cor de borra de café e muito fétidas), e as manifestações gerais de perda aguda de sangue. Úlceras não complicadas A dor da úlcera duodenal nem sempre abrange toda a região epigástrica. Costuma ser restrita a uma pequena área no epigástrio superior, na linha mediana, podendo se irradiar para a parte alta do hemi-abdômen direito. A dor da úlcera gástrica tende a se expressar por dor difusa em todo o epigástrio e até além de seus limites, principalmente para a esquerda. No caso de úlcera da face posterior do bulbo duodenal e do estômago, o paciente pode referir dor que se irradia para a região dorsal, como que transfixando o abdômen. As dores das úlceras não complicadas (duodenal e gástrica) não costumam ser muito intensas, mas, às vezes, chega a ponto de obrigar o paciente a procurar auxílio médico em caráter de emergência. Fatores como a alta sensibilidade do paciente, a profundidade da lesão e a ingestão recente de substâncias alimentares irritantes (pimenta, por exemplo) ou de medicamentos (AINES) podem determinar dores intensas. O tipo de dor da úlcera péptica, em geral, é referido como em queimação ou ardência ou, de forma pouco clara, como “uma dor funda no estômago”. Em alguns episódios a dor pode assumir caráter de cólica (picos intermitentes de dor intensa, espástica, a curtos intervalos, com alivio parcial ou total nos entremeios). O paciente com úlcera péptica, em geral, vem à consulta em ocasiões que apresenta a dor epigástrica. Entretanto, freqüentemente, a história clínica revela terem ocorrido outros episódios semelhantes nos últimos meses ou anos. Podem ser observados os típicos períodos de atividade intercalados com os períodos de acalmia, notadamente, nos pacientes com úlcera duodenal. Os períodos em que a dor está presente duram de alguns dias a algumas semanas, desaparecendo mesmo sem o paciente fazer qualquer tratamento. Os períodos de acalmia têm duração variável, mas podem ser cada vez mais curtos à medida que a doença evolui. Os pacientes com úlcera péptica, comumente, apresentam um certo ritmo circadiano (variações da presença ou da intensidade da dor nas 24 horas do dia) da dor epigástrica, que é relacionado à ingestão de alimentos. Os ulcerosos duodenais, ao se levantarem pela manhã, ou 8 em jejum, em geral não apresentam dor. Cerca de 1 a 4 horas após o desjejum, portanto, por volta da hora do almoço, surge a queimação epigástrica. Com a ingestão da refeição, a dor cessa rapidamente ou melhora consideravelmente. Após 1 a 4 horas, portanto, incluindo o final da tarde, a dor ressurge, mas, de novo, melhora com a ingestão do jantar. A queimação pode reaparecer algumas horas após o jantar ou durante a madrugada (especialmente se o paciente se alimentou antes de se deitar) despertando o paciente do seu sono. O despertar do sono pela dor, durante a madrugada, talvez seja o sintoma mais típico da doença ulcerosa duodenal, principalmente, se ela for aliviada prontamente com a ingestão de alimento ou de anti-ácido. A melhora da dor por alimento ou por anti-ácido nas úlceras duodenais é explicado pela neutralização química do ácido clorídrico gástrico. O reaparecimento da dor decorre da nova acidificação do duodeno pelo estímulo alimentar. O paciente portador de úlcera gástrica pode apresenta um ritmo um pouco diferente daquele que tem úlcera no duodeno A dor costuma surgir logo em seguida ou pouco tempo depois (até 30 a 60 minutos) da ingestão de uma refeição. Também não costuma ser tão eficazmente aliviada pelo anti-ácido como o é a da úlcera duodenal. Como, em si, a úlcera gástrica é um processo inflamatório e se acompanha regularmente de gastrite mais ou menos extensa, sua manifestação dolorosa tem mais relação com a distensão gástrica do que com a acidez intraluminar. Os sintomas que mais freqüentemente se associam à dor das úlceras pépticas são: salivação abundante, náuseas e vômitos. Pelo fato do alimento melhorar a dor da úlcera duodenal, os pacientes com essa doença tendem a comer mais e ganhar peso; ao contrário, pela refuga do alimento (sitiofobia), porque ele provoca distensão e desconforto, os pacientes com úlcera gástrica tendem a perder peso. O local de dor, a periodicidade e o ritmo acima descritos podem ser considerados como típicos das úlceras duodenais e gástricas, sugerindo seu diagnóstico. As úlceras pépticas, tanto as gástricas como as duodenais, podem, entretanto, apresentar quadro de sintomas relacionado ao trato digestivo superior, porém, com perfil diferente daquele que tem sido considerado como típico de uma ou da outra úlcera. A dor pode não apresentar clara relação com as refeições ou a queixa pode ser de sensação de peso epigástrico após as refeições (dor gravativa), de digestão difícil, empachamento epigástrico, enfim, sintomas que podem ser definidos, em conjunto, como dispépticos. O diagnóstico clínico diferencial deve ser feito, principalmente, com a dispepsia funcional, com a esofagite de refluxo, com a pancreatite crônica e com parasitoses intestinais. A dispepsia funcional é doença crônica, freqüente, produz sintomas dispépticos (que dão o nome à doença) ou mesmo típicos de úlcera péptica –há a chamada dispepsia tipo úlcera-, mas, não é relacionada a nenhum substrato anatômico, incluindo gastrite. Por isso, é chamada de funcional (já foram demonstradas alterações motoras e da sensibilidade visceral) e, nesses casos, o exame endoscópico do estômago é normal. O quadro de dores epigástricas periódicas pode serencontrado nas pancreatites crônicas que é observada nos alcoolistas. Nessa doença crônica a dor pode ser referida no epi ou no mesogástrio ou em ambas as regiões. A clássica descrição de dor em faixa da pancretatite crônica aparece tão somente em cerca da metade dos casos. A dor da pancreatite costuma ser intensa, não ser expressivamente melhorada com anti- ácidos, mas, pelos vômitos, e piora nitidamente com a ingestão de alimentos. A suspeita diagnóstica de pancreatite deve sempre ser lembrada em pacientes com história, presente ou pretérita, de excessiva ingestão de bebidas alcoólicas e com dores abdominais agudas ou recidivantes. As doenças parasitárias, em especial a estrogiloidíase, na qual o duodeno é habitualmente comprometido, pode dar dor abdominal que deve ser diferenciada daquela das 9 úlceras pépticas. A ocorrência de diarréia pode reforçar a hipótese diagnóstica de uma parasitose. A atribuição dos sintomas ao parasitismo será feita somente se desaparecerem após a comprovada erradicação. A doença do refluxo gastro-esofágico deve, também, entrar como diagnóstico diferencial das úlceras pépticas; tipicamente, ela se caracteriza pela presença de dor em queimação retro-esternal, mas o paciente pode apresentar queimação epigástrica isolada ou associada à pirose. Há que se ter em conta que a doença péptica e a doença do refluxo gastroesofágico, não raro, são concomitantes. Salvo a dor à palpação do epigástrio em alguns, o exame físico é normal nos pacientes com úlcera péptica não complicada. Úlcera péptica complicada As complicações decorrentes das úlceras pépticas são: hemorragia, estenose e perfuração. A hemorragia é a mais freqüente (até 25% dos casos) das complicações das úlceras pépticas gástricas e duodenais. Ocorre quando o processo erosivo atinge um vaso arterial ou venoso. O sangue que extravasa pode ser expelido pelo vômito (hematêmese). A presença de hematêmese indica que a hemorragia foi de grande monta. Mas a hemorragia pode ser grande e o paciente não apresentar hematêmese. Nestes casos, o sangue transita pelo intestino delgado e grosso e é expelido pela evacuação. Se a velocidade de trânsito for lenta, os sucos digestivos e as bactérias dos cólons tornam enegrecido o sangue que é eliminado pela evacuação (melena). Se, entretanto, o sangue atravessar rapidamente os intestinos, como nas grandes hemorragias, será evacuado na cor vermelho vivo (enterorragia). Uma hemorragia de pequeno volume, em geral, expressa-se por melena. A presença de hematêmese indica que o ponto de sangramento está situado aquém do ângulo duodeno-jejunal (ângulo de Treitz), mas a melena pode ocorrer em decorrência de hemorragia em qualquer ponto do tubo digestivo, salvo a localizada na porção terminal. Em cerca de 50 % dos casos de hemorragias há história de recente ingestão de AINES, indicando o enorme papel que têm estas drogas no estabelecimento desta complicação das úlceras pépticas. Resultante da aguda perda de sangue e das dificuldades de adaptação hemodinâmica de cada paciente, serão instaladas repercussões sintomáticas gerais que vão desde a palidez, sede intensa, taquicardia, hipotensão a estado de choque e morte. São considerados fatores indicativos de alta gravidade de hemorragia digestiva alta: a presença de hematêmese, a idade avançada, a concomitância de doença cardio-vascular e a recidiva do episódio hemorrágico. A estenose, complicação que ocorre em até 4 % dos casos, resulta da deformidade do bulbo duodenal, do piloro ou da região pré-pilórica em conseqüência da fibrose que se estabelece pelas sucessivas cicatrizações e aberturas da cratera ulcerosa, como acontece na evolução natural da úlcera péptica. O edema local também contribui para a dificuldade do esvaziamento gástrico. O paciente pode perceber alterações na sua habitual dor provocada pela úlcera, sensação de desconforto e plenitude epigástrica pósalimentar, redução do volume ingerido e vômitos. Não é o vômito da refeição recém ingerida, mas, sim o vômito de alimentos ingeridos seis ou mais horas antes que é indicativo de esvaziamento gástrico retardado. A perda de peso que se estabelece decorre da redução do aporte alimentar e dos vômitos alimentares. No exame físico podem estar presentes dois sinais característicos: a patinhação (ruído semelhante ao que se obtém quando se dá uma palmada em uma superfície 10 de água; é demonstrado fazendo-se depressão rápida da parede anterior do abdômen, na altura do estomago dilatado, com os três dedos medianos da mão, significando grande quantidade de líquido de estase) e o peristaltismo visível no epi ou mesogástrio. Pode ser observado que o peristaltismo que se estabelece migra no sentido descendente, da esquerda para a direita na freqüência aproximada de 3 ondas por minuto (freqüência máxima de contrações que da parte média do corpo gástrico se dirigem até o piloro). O peristaltismo visível denota o esforço motor do estômago para vencer o obstáculo situado em sua porção distal. A úlcera perfurante ou terebrante denota forte ação dos fatores ulcerogênicos e pode acontecer em até 7 % dos casos. A lesão ulcerada, após penetrar a mucosa e a submucosa, atinge as camadas musculares e a serosa. Pode perfurar em peritônio livre ou ser tamponada por movimento de defesa do grande epiplon; a perfuração pode se dar, também, na estrutura de um órgão adjacente (pâncreas, na maioria das vezes). O quadro clínico é dominado por dores intensas, não responsivas aos anti-ácidos, mudança do local habitual da dor, incluindo a região dorsal no caso das úlceras terebrantes de face posterior do estômago e duodeno. Se ocorrer perfuração livre, o conteúdo gástrico atingirá e irritará o peritônio parietal, sobrevindo dor lancinante, descompressão brusca muito dolorosa (sinal de Bloonberg) e rigidez “em tábua” da parede do abdômen. O exame radiológico simples, em posição ortostática, poderá evidenciar a presença de fina camada de ar interposta entre o fígado e a cúpula frênica direita (pneumoperitônio). A úlcera gástrica não é mais considerada um fator predisponente ao câncer gástrico, porém, a gastrite crônica atrófica e a infecção pelo Hp o são. DIAGNÓSTICO DEFINITIVO Pacientes com o quadro acima descrito como típico de úlcera gástrica ou duodenal não complicada, particularmente aqueles que são despertados durante a madrugada pela dor epigástrica, podem receber este diagnóstico clínico, com boa probabilidade de acerto. Entretanto, o exame endoscópico é sempre necessário para a devida confirmação e a verificação das características da doença em cada caso. Pacientes com mais de 40 anos (esse limite de idade é discutível) com o quadro descrito como dispepsia (dor ou desconforto na região central do abdômen, saciedade precoce, sensação de plenitude pós-prandial) por mais de 12 semanas, consecutivas ou não, igualmente, deverão ser submetidos à endoscopia. Em pacientes mais jovens o diagnóstico de dispepsia funcional pode ser considerado como o mais provável e a endoscopia não ser solicitada de imediato, mas deverá haver seguimento clínico do paciente. A endoscopia digestiva alta é o melhor método para confirmar o diagnóstico de úlcera duodenal, embora em um pequeno percentual (menor que 10 %) a lesão pode passar despercebida (Figura 4). Bulbos duodenais muito deformados, a presença de sangue ou de alimentos e a ativa peristalse dificultam o diagnóstico. Não há necessidade de biópsia porque a ocorrência de carcinoma no duodeno é extremamente rara. Durante o exame endoscópico, devem ser feitas biópsias da mucosa do antro e do corpo gástrico as quais serão utilizadas para a pesquisa da infecção pelo Hp por meio do método histológico e do CLO-test. 11 Figura 4: Visualização endoscópica de uma úlcera localizada no bulbo duodenal. A úlcera está com o fundo revestido por fibrina (amarelo), circundada por mucosa edematosa e congesta. O material destinado à histologia deve ser fixadoadequadamente e corado, preferencialmente, pelo método de Giensa que é excelente para o diagnóstico, desde que a lâmina seja examinada por patologista experimentado. Este procedimento pode ser dispensado caso o CLO-teste seja positivo. O CLO-teste, também chamado método da urease, é feito na própria sala de endoscopia, é barato, já é comercializado e tem boa sensibilidade (cerca de 80 %). Um dos fragmentos de mucosa obtidos é colocado sobre agar (no qual se dissolveu, previamente, uréia e um indicador de mudança de pH (fenol vermelho), disposto no fundo de um tubo. A uréase da bactéria cinde a uréia produzindo amônia que vira o pH, percebido pelo avermelhamento do meio, no prazo de 20 minutos. A observação da coloração após 24 horas aumenta o percentual de positivos. O diagnóstico da infecção pelo Hp também poderá ser feito com o emprego do teste respiratório com uréia marcada com 13C ou 14C. A ação da urease da bactéria sobre a uréia ingerida libera hidrogênio que, exalado pelos pulmões, é captado e medido por dispositivo especial. Sua elevação no ar expirado permite o diagnóstico da presença da bactéria no estômago. Nos casos de úlcera gástrica, devem ser feitas várias biopsias em suas margens com a finalidade de afastar (ou afirmar) a possibilidade de ser maligna a lesão diagnosticada. O exame radiológico do estômago e duodeno é de segunda escolha para a confecção do diagnóstico de úlcera. Se for feito o diagnóstico de úlcera gástrica, torna-se necessária a endoscopia para a realização das biopsias com a finalidade acima mencionada. 12 TRATAMENTO Úlcera não complicada O objetivo principal do tratamento é o de aliviar os sintomas, eliminar os fatores envolvidos na ulcerogênese (Hp, AINES e, raramente, gastrinoma, mastocitose sistêmica, hiperparatireoidismo) e prevenir as recidivas. A redução da acidez gástrica tem elevada eficiência no controle da doença no sentido de aliviar os sintomas e cicatrizar a úlcera, mas, mesmo seu uso contínuo por tempo prolongado, não consegue eliminar as recidivas. Porém, na maioria das vezes, a erradicação do Hp representa a cura completa da doença suprimindo, portanto, as recidivas. O imediato alívio sintomático é conseguido com a ingestão de uma dose de um anti- ácido, pela rápida neutralizaçõ química do ácido clorídrico existente no interior do estômago. Mas o efeito deste tipo de droga é fugaz (inferior a uma hora) pois é rapidamente esvaziado do estômago. Atualmente, o uso dos anti-ácidos limita-se ao alívio dos sintomas em tomadas eventuais, particularmente nos primeiros dias de tratamento. O uso de uma das drogas anti-secretórias (bloqueadores dos receptores H2 – cimetidina, ranitidina, famotidina. -e inibidores da bomba de prótons – omeprazol, pantoprazol, lanzoprazol, rabeprazol) é efetivo para o alívio sintomático e para a cicatrização da úlcera. Os bloqueadores dos receptores H2 são utilizados em doses únicas noturnas ou bipartidas tomando-se metade da dose pela manhã em jejum e a outra metade à noite ao deitar durante 6 a 8 semanas no caso de úlcera duodenal e de 8 a 12 semanas nas úlceras gástricas. As doses diárias para os diferentes bloqueadores H2 mencionados são: cimetidina – 800 mg; ranitidina -300 mg; famotidina – 40 mg. Nesses esquemas são obtidas cicatrizações em mais de 80 % das úlceras, com desaparecimento dos sintomas após uma a duas semanas de tratamento. Os inibidores de bombas de prótons cicatrizam as úlceras em tempo menor do que o fazem os bloqueadores H2. As doses diárias são: omeprazol – 20 mg; pantoprazol – 40 mg; lanzoprazol – 30 mg; rabeprazol - 20 mg; esomeprazol - 40 mg. O tempo de tratamento é de 4 semanas, obtendose percentuais de cicatrização da ordem de 90 % e os sintomas desaparecem em uma a duas semanas. Não são recomendados os produtos que, contendo este tipo de droga, sejam manipulados em farmácias porque a blindagem dos comprimidos ou cápsulas contra o contacto delas com o ácido, durante a travessia do estômago, não é plenamente garantida. Como pró-drogas que são, todas elas devem ser absorvidas pelo intestino e ativadas nos canálículos das células parietais e não na luz gástrica. Como em qualquer outro tipo de tratamento clínico, o médico deve esclarecer o paciente acerca de sua doença, tranqüiliza-lo, orienta-lo para que controle situações estressantes profissionais ou domésticas além de explicar os detalhes do esquema terapêutico, alertando para eventuais efeitos colaterais. Deve aproveitar a oportunidade para estimular os fumantes a abandonarem o hábito do fumo e moderar ou abolir a ingestão de bebidas alcoólicas para os que a fazem em demasia. Não há necessidade de nenhuma dieta especial para o tratamento das úlceras. Podem ser identificados e retirados alimentos que provocam sintomas. Os pacientes que têm úlcera relacionada com AINES devem suspender o uso da droga entrar em esquema terapêutico, preferencialmente, com IBP, mais efetivos que os bloqueadores H2. A prevenção da úlcera péptica no paciente que necessita fazer uso de AINES deve ser feita com uso simultâneo de IBP nas doses diárias acima recomendadas e a 13 droga anti-inflamatória deve ser dada na dose mínima e no menor período de tempo possível. Atualmente, a adoção de medidas terapêuticas visando a erradicação do Hp é obrigatória em todos os casos de úlcera duodenal e de úlcera gástrica, a ponto de se poder considerar como erro médico sua omissão. A erradicação da bactéria reduz em cerca de 90 % a possibilidade de recidiva da doença. Deve ser salientado que a positividade para a bactéria no antro gástrico de um ulceroso não implica, necessariamente, que ela esteja envolvida na patogenia da úlcera neste caso específico. Dada a alta prevalência da infecção pelo HP na população, sua presença pode ser apenas um acompanhante de uma úlcera péptica idiopática. A erradicação pode deverá ser feita após o desaparecimento dos sintomas, em vigência do esquema com drogas anti-secretórias. Muitos médicos, entretanto, têm a opinião de que o tratamento da úlcera péptica do paciente Hp positivo resume-se, tão somente, na erradicação da bactéria, devendo ser iniciado imediatamente. Um tratamento subseqüente, de até três com inibidores da secreção ácida semanas pode ser instituído para acelerar o fechamento da úlcera. Os esquemas terapêuticos recomendados para a erradicação do Hp são apresentados a seguir: 1 IBP (na dose diária acima recomendada); Claritromicina: 500 mg, duas vezes ao dia; Amoxicilina : 1000 mg, duas vezes ao dia; Duração: 7 ou 10 dias; Índice de erradicação: cerca de 90 %. Há kits comerciais com os três medicamentos em práticas cartelas. 2 IBP (na dose diária acima recomendada) Claritromicina: 500 mg, duas vezes ao dia; Furazolidona: 200 mg, duas vezes ao dia. Duração: 7 dias; Índice de erradicação: 80 a 90 %. 3 IBP (na dose diária acima recomendada) Furazolidona: 200 mg, três vezes ao dia. Tetraciclina 500 mg, quatro vezes ao dia Índice de erradicação: cerca de 80 %. Caso um primeiro esquema não tenha determinado a erradicação da bactéria, verificada, no mínimo, após dois meses do término do primeiro tratamento, uma segunda tentativa deverá ser tentada. Como regra, não se deve usar de novo o tratamento inicial, notadamente a claritromicina e o metronidazol. Os seguintes esquemas são recomendados: Se foi utilizado, previamente IBP + amoxicilina ou IBP + furazolidona + claritromicina, um adas duas seguintes opções: 1 - IBP (o dobro da dose diária acima recomendada; Subcitrato de bismuto coloidal 120 mg, duas vezes durante o dia, após as refeições e 240 mg à noite ao deitar. 14 Furazolidona 200 mg, duas vezes ao dia. Amoxicilina 500 mg, três vezes ao dia ou Tetraciclina 500 mg, quatro vezes ao dia Duração:14 dias Índice de erradicação: cerca de 80 %. Caso ainda persista a positividade para o Hp, a infecção poderá ser considerada como intratável.2 - IBP (o dobro da dose diária acima recomendada;- Levofloxacina 500 mg, uma vez ao dia; Amoxicilina 1,0 g, duas vezes ao dia ou furazolidona 400 mg, uma vez ao dia. Após 8 a 12 semanas do tratamento da úlcera gástrica é necessária nova endoscopia, mesmo se o paciente estiver assintomático. No caso da persistência da úlcera serão feitas novas biópsias e prorrogação do esquema terapêutico por mais 4 semanas com IBP. O controle da evolução da úlcera duodenal dispensa endoscopia, sendo puramente clínico; se ocorrer o reaparecimento dos sintomas, nova endoscopia e pesquisa da presença do Hp deverão ser feitas. Nos casos em que não se identifica nenhuma causa aparente da úlcera (úlcera idiopática), o tratamento será feito apenas com o uso de drogas anti-secretórias, repetido a cada vez que os sintomas retornem, ou, de forma contínua (terapêutica de manutenção), quando as recidivas ocorram muito freqüentemente. Atualmente, a úlcera péptica não complicada deixou de ser uma doença que tem a cirurgia como opção terapêutica. Úlcera complicada Como já foi mencionado, as complicações das úlceras pépticas são três: a hemorragia, a perfuração e a estenose. As duas primeiras serão consideradas, respectivamente, nos capítulos “Hemorragia digestiva alta” e “Abdômen agudo não traumático”. Nos casos de obstrução ao esvaziamento gástrico de leves ou moderados sintomas e conseqüências, uma terapêutica com IBP e erradicação do Hp (se teste o revelou) pode ser inicialmente tentada. O tratamento cirúrgico é necessário quando houver intensa fibrose, segmento estreitado for longo, úlcera grande ou bulbo duodenal muito deformado. Versão atualizada em 3 de janeiro de 2006.
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