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TUTORIA 4 1. O que é dispepsia e qual a diferença entre funcional e orgânica? Dispepsia é definida como um distúrbio da digestão caracterizado por um conjunto de sintomas relacionados ao trato gastrointestinal superior, como dor, queimação ou desconforto na região superior do abdômen, que pode estar associado à saciedade precoce, empachamento pós-prandial, náuseas, vômitos, timpanismo, sensação de distensão abdominal, cujo aparecimento ou piora pode ou não estar relacionado à alimentação ou ao estresse. Quando o paciente não é submetido a exames para esclarecimento, a dispepsia é considerada não investigada. Ao contrário, sendo o paciente submetido a uma endoscopia digestiva alta, a dispepsia é considerada investigada e classificada como orgânica, funcional ou associada ao H.pylori. Dispepsia funcional: Dor, queimação ou desconforto crônico ou recorrente com sensação subjetiva desagradável, que pode estar associada à saciedade precoce, empachamento pós-prandial, náuseas, vômitos, timpanismo, distensão abdominal, localizados no abdômen superior, com a ausência de provável doença orgânica que justifique os sintomas e ausência de evidências de que os sintomas melhorem ou estejam associados a alterações no ritmo ou nas características das evacuações intestinal. Além disso, os sintomas apresentam duração mínima de 3 meses (12 semanas), contínuos ou intermitentes, e apresentam no mínimo inicio de 6 meses antes do diagnóstico. Dispepsia orgânica: A dispepsia orgânica ocorre quando há um fator etiológico evidente, confirmando por alteração nos exames, ou seja, os sintomas são secundários a doenças, tais como: ulcera péptica, pancreatite, colelitíase, neoplasias etc. As principais etiologias orgânicas podem ser divididas em quatro grupos de etiologias: • Pépticas • Não pépticas • Bioliopancreáticas • Sistêmicas 2. Qual os fatores risco, epidemiologia, classificação, fisiopatologia, quadro clínico, diagnóstico, diagnóstico diferencial (principais) e tratamento da dispepsia funcional? FATORES DE RISCO Sexo feminino, idade crescente, diminuição do grau de urbanização, infecção por H. pylori, uso de anti-inflamatórios não- esteroidais (AINEs), baixo nível educacional e ser casado. Curiosamente, fumar é apenas levemente associado à dispepsia e álcool e café não estão associados. CLASSIFICAÇÃO SÍNDROME DA DOR EPIGÁSTRICA: • Dor e/ou queimação epigástrica predominam • Sintomas presentes pelo menos 1x/semana • Não ocorre exclusivamente pós-prandial, pode ocorrer durante o jejum e pode apresentar melhora com a ingestão de refeições SÍNDROME DO DESCONFORTO PÓS-PRANDIAL • Empachamento ou saciedade precoce predominam • Sintomas presentes pelo menos 3x na semana FISIOPATOLOGIA Função motora gástrica: É regulada pelo sistema nervoso autonômico, por meio dos plexos submucoso e mioentérico. Anormalidades nesses processos podem desencadear um atraso no esvaziamento gástrico (gastroparesia). Além disso, na maioria dos acometidos, há uma diminuição no acomodamento gástrico, que é controlado por um reflexo vago-vagal desencadeado pela ingestão de refeições e mediado pela ativação de nervos parassimpáticos na parede gástrica. Ocorre então uma distribuição anormal dos alimentos no estômago, com acumulação antral de quimo e diminuição do conteúdo proximal do reservatório. Sintomas associados são náuseas/vômitos, saciedade precoce, perda de peso e plenitude Sensibilidade visceral: Diminuição do limiar de percepção da dor devido à distensão gástrica. Também são mais sensíveis à percepção da entrada de ácido no bulbo duodenal. Distensão de mecanorreceptores (periférico) e processamento anormal de entrada na medula ou no cérebro (mecanismo central) pode ter um papel na fisiopatologia da hipersensibilidade visceral. Infecção por Helicobacter pylori: É considerada uma possível causa de sintomas de DF, se mesmo com uma erradicação bem-sucedida, os sintomas dispépticos são mantidos. Tanto a secreção ácida quanto o estado hormonal pode ser afetado até certo ponto com o H. pylori. As terapias com antibióticos podem afetar os sintomas dispépticos por mecanismos diferentes da própria erradicação do H. pylori, incluindo a prevenção de úlceras pépticas não reconhecidas ou modificação da microbiota intestinal. Inflamação duodenal de baixo grau, permeabilidade mucosa e antígenos alimentares: Infecções, estresse, exposição ao ácido duodenal, tabagismo e alergia alimentar, estão todos implicados na patogênese da inflamação da mucosa duodenal e mudanças na sua permeabilidade. Exposições ambientais: Infecções agudas podem desencadear sintomas gastrointestinais superiores em 10% 20% dos indivíduos infectados. Características dos agentes infecciosos e predisposição genética indivíduos infectados provavelmente modulam a probabilidade de desenvolvimento de síndromes digestivas pós-infecciosas. Fatores psicossociais: A associação entre dispepsia e distúrbios psiquiátricos, especialmente ansiedade, depressão são comumente reconhecidos. Além disso, abuso físico e emocional em idade adulta e dificuldade em lidar com eventos da vida, também podem estar relacionados. DIAGNÓSTICO: O diagnóstico de dispepsia funcional é feito a partir da identificação de história clínica compatível e a exclusão de outras causas de dispepsia por meio da realização de endoscopia digestiva alta (EDA) e outros testes complementares, se indicados, com base nos sintomas. O primeiro passo é feito com uma boa anamnese e exame físico detalhado, seguido de avaliação de presença ou ausência de sinais de alarme, prevalência local de H.pylori. Devemos começar a explorar a queixa em si e aí é bom começarmos investigando se há pirose (queimação em região retroesternal) e/ou regurgitação. Por que isso? Pois esses dois sintomas são muito característicos de Doença do Refluxo Gastroesofágico (DRGE) e como o diagnóstico dessa condição é clínico, quando percebermos esses sintomas, nosso pensamento será direcionado para sustentar ou afastar essa doença Os principais cenários são: • Na ausência de sinais de alarme, pacientes jovens com queixas sugestivas de DRGE ou de dispepsia relacionada ao uso de AINE podem ser tratados empiricamente com inibidores de bomba de prótons por 8 semanas, além da suspensão de AINE implicado. • Não havendo uso recente de AINE, se o paciente não apresentar sinais de alarme e tiver menos de 55 anos de idade, duas abordagens podem ser utilizadas: o Áreas que a prevalência de H.pylori <5%: pode-se optar pela terapia antissecretora empírica ou pela estratégia “testar-tratar” para H.pylori. TESTE E TRATE: A estratégia do “teste e trate”, que consiste em erradicar o H. pylori em pacientes dispépticos jovens e sem sinais de alarme, apresenta uma relação custo benefício melhor que a endoscopia inicial e pode economizar até 30% de exames. Porém é necessária a disponibilidade dos testes não invasivos para o H. pylori. A prevalência da infecção também não pode ser alta ou muito baixa, porque ou se erradicaria a bactéria em quase todos os dispépticos ou em muito poucos e mesmo em pacientes ulcerosos, a erradicação da bactéria pode não acabar com os sintomas. TRATAMENTO EMPÍRICO O tratamento empírico inicial (prova terapêutica) é uma estratégia também direcionada para pacientes dispépticos jovens e sem sinais de alarme, que propõe um tratamento empírico, normalmente utilizando supressores ácidos, que com resposta adequada do paciente é mantida por algum tempo, visando a resolução dos sintomas. Para os pacientes que não respondem ao tratamento, a endoscopia está indicada e, para os pacientes cujos sintomas recidivam, também. É verdade que cerca de metade dos casos de dispepsia funcional são recidivantes, mas o princípio da abordagem permite o diagnóstico das úlceras pépticas e das doenças de refluxo, que respondem ao tratamento de supressãoácida, mas sempre recidivam. o Áreas que a prevalência H.pylori >10% (como é o caso do Brasil): todos os pacientes devem ser testados para o patógeno (e tratados, se positivo), antes de iniciar a terapia antissecretora empírica; • Em pacientes com idade superior a 55 anos ou com sinais de alarme, está indicada a realização de EDA para descartar outras causas de dispepsia. Durante o procedimento, biopsias da incisura, corpo e antro gástrico devem ser colhidas (visando a detecção de H.pylori). ✓ Exames laboratoriais: Hemograma, VHS, PCR, glicemia, provas de função tireoidiana, função renal, íons, perfil lipídico, sorologia para doença celíaca, testes de tolerância a lactose o Outros: enzimas hepatobiliares e pancreáticas, se história clínica; ✓ EPF o Tratamento empírico de parasitoses ✓ US de abdome: na suspeita de doenças hepatobiliares ou pancreáticas ✓ Pesquisa de H. pylori: teste respiratório, antígeno fecal, sorologia, teste de urease e biopsias gástricas • Endoscopia Digestiva Alta (EDA)? o Esôfago, estômago, e duas porções iniciais duodenais o Mandatório: Sintomas dispépticos + sinais de alarme (suspeita de doença orgânica) ▪ Idade > 40 anos; perda de peso significativa, não intencional; massa palpável; disfagia; vômitos; sangramentos; anemias; HF de neoplasia gastrointestinal ou doença ulcero péptica o Recomendável: Paciente sem investigação previa, paciente refratário a terapia empírica o Permite a pesquisa de H. Pylori DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL Doença Ulcerosa Péptica: Sintomas clássicos ocorrem 2 a 5 horas após refeições e na vigência de estômago vazio. São mais frequentes entre 23h e 2h da madrugada (estimulação circadiana de ácido máxima). A característica da dor geralmente é semelhante à sensação de fome, ou em queimação (quando a etiologia é o uso crônico de anti- inflamatórios não esteróides (AINE) a maioria dos pacientes é assintomático ou oligossintomático). Há períodos sintomáticos, por algumas semanas, intercalados por períodos com ausência de sintomas por semanas a meses. Alívio com inibidores da bomba de prótons e alimentação. A dor pode irradiar-se para o dorso (quadro atípico) ou para quadrantes superiores do abdômen. O diagnóstico diferencial somente poderá ser feito com certeza pela Endoscopia Digestiva Alta com biópsia para detecção de infecção por H. pylori, porque todos os sintomas de doença ulcerosa também podem ocorrer na dispepsia funcional. DRGE: Os sintomas mais comuns são queimação retroesternal e regurgitação. Podem ocorrer manifestações extraesofágicas (pigarro, rouquidão e tosse crônica). O alívio dos sintomas é feito com inibidores da bomba de prótons. O diagnóstico mais específico é dado por endoscopia digestiva alta quando existe esofagite péptica pelo refluxo, ou através da pHmetria de 24h Malignidade gástrica: Malignidade gástrica é uma causa incomum de dispepsia crônica. Entretanto, sintomas dispépticos podem vir a influenciar o paciente a procurar assistência médica; isso é válido principalmente para pacientes com idade superior a 45-55 anos e que apresentem alguns dos sinais ditos de alarme: emagrecimento inexplicável, vômitos incoercíveis, disfagia progressiva, odinofagia, hematêmese e, massa palpável ou linfadenopatia, história familiar de câncer digestivo alto, icterícia ou cirurgia gástrica prévia. O diagnóstico é realizado basicamente por Endoscopia Digestiva Alta. Dor biliar: Caracterizada por episódio agudo de epigastralgia ou em quadrante superior direito, a qual dura, pelo menos, 1 hora, podendo irradiar-se para região escapular e é frequentemente associada com agitação, sudorese e vômitos. Episódios são tipicamente separados por semanas a meses. Colelitíase na maioria das vezes é a etiologia dos sintomas nesses pacientes. O diagnóstico é feito por Ultrassonografia Abdominal. Dor pancreática: Pancreatite crônica ou o próprio câncer de pâncreas podem causar sintomas confundíveis com dispepsia. Porém, além de outros sintomas como emagrecimento, icterícia, esses pacientes apresentam dor muito mais severa e muitas vezes irradiada para o dorso. Diagnóstico definitivo por Tomografia computadorizada de abdômen ou Ressonância Magnética. Síndrome do Intestino Irritável: Existe considerável sobreposição entre essa patologia e a dispepsia funcional. A queixa clássica é dor abdominal crônica ou recorrente associada à distensão e distúrbio evacuatório (constipação/diarréia). O alívio da dor é obtido com a defecação. A ausência de tais sintomas praticamente exclui esse diagnóstico. Diferentemente da dispepsia, a dor é mais comum em abdômen inferior. TRATAMENTO Medidas não farmacológicas • Orientações: benignidade, cronicidade, resultado de exames • Dieta fracionada, com volumes menores, evitando refeições antes de deitar • Evitar cafeína e alimentos gordurosas • Cessar o tabagismo • Reduzir o consumo de álcool • Atividade física regular • Perda de peso (maior impacto) Farmacológicas: Síndrome do Desconforto pós-prandial • Procinéticos por 4 a 8 semanas • Metoclopramida: 10 mg, 3x ao dia. Uso limitado a longo prazo pelos efeitos colaterais em SNC: síndrome extra- piramidal • Domperidona: o 10mg 30 minutos antes do café, antes do almoço, antes do jantar o Alteram o intervalo QT pode causar arritmias (solicitar ECG antes de iniciar) • Se não melhora: associar IBP • Se não melhora: acupuntura, psicoterapia Síndrome da Dor Epigástrica: • IBPs em dose padrão, por 4-8 semanas • Dose padrão: o Omeprazol 20mg o Pantoprazol 40mg o Lanzoprazol 30mg o Esomeprazol 20mg o Rabeprazol 20mg • Idealmente pela manhã, em jejum, pois o momento máximo de ativação das bombas de prótons ocorre após a primeira refeição • Aumento de doses não implica em melhora de resposta • Possibilidade de associação com BH2: Ranitidina 150 a 300mg, 1x/dia, via oral; • Avaliar descontinuação do uso de medicação após termino do tempo de tratamento • Se não melhorar: associar neuromodulador o Amitriptilina/Nortriptilina 10-75 mg/noite o Se melhorar após o início do neuromodulador, quando acabar o tempo do IBP (4-8 semanas), retira- se o IBP e deixa só o neuromodulador por 3-6 meses. 3. O que é úlcera péptica, qual a etiologia, fatores risco, epidemiologia, classificação, fisiopatologia, quadro clínico, diagnóstico, diagnóstico diferencial e tratamento? (Associado a H. Pylori) Úlcera péptica é uma lesão que ocorre em decorrência da acidez da secreção gástrica e ultrapassa a camada muscular da mucosa na parede do estômago, podendo acometer também o duodeno e o final do esôfago, sendo este último mais raro. Independentemente do local, a úlcera péptica costuma ocorrer em áreas de mucosa inflamada. Seu diâmetro deve ser superior a 0,5cm - se for menor é chamado de erosão. EPIDEMIOLOGIA E FATORES DE RISCO É uma das doenças gastrointestinais mais custosas e prevalentes. Apesar dos números altos, sua incidência vem diminuindo ao longo dos anos, especialmente as eletivas, devido à queda de colonização por H. pylori, principalmente em países desenvolvidos e, aumento na disponibilidade de antissecretores gástricos potentes. A admissão por complicações de úlcera péptica permanece a mesma e, aproximadamente, 9.000 anualmente falecem por causa da doença. No Brasil, estima-se que 10% da população têm, tiveram ou terão úlcera. Observa-se, que a prevalência da doença esteja diminuindo, possivelmente em decorrência dos tratamentos de erradicação do H. pylori e da melhora nas condições higienodietéticas da população, fatores que contribuem para reduzir a contaminação A prevalência de úlcera péptica é variável nas diferentes regiões do mundo. As úlceras duodenais predominam em populações ocidentais, enquanto as úlceras gástricas são mais frequentes na Ásia, em especial no Japão. A úlcera duodenal é a forma predominante de doença ulcerosa péptica, sendo cinco vezes mais frequente do que a úlceragástrica, em 95% dos casos localiza-se na primeira porção do duodeno e incide na faixa etária de 30 a 55 anos de idade. A localização mais frequente da úlcera péptica do estômago é na região de antro gástrico (80% na pequena curvatura), no epitélio gástrico não secretor de ácido, geralmente próximo à transição para o epitélio secretor localizado no corpo do estômago, em indivíduos entre 50 e 70 anos de idade. De modo geral, as úlceras são mais comuns no sexo masculino (1,5 a 3 vezes). O sangramento é a complicação mais frequente da doença ulcerosa péptica, ocorrendo em torno de 15 a 20% dos casos, em sua maioria associados às úlceras duodenais e com taxa de mortalidade de 5 a 10%. A doença ulcerosa péptica representa a causa mais comum de hemorragia digestiva alta, responsável por aproximadamente 50% dos casos. As taxas de internação por úlcera gástrica são maiores que por úlceras duodenais e possuem taxas altas de internação por hemorragia na área da lesão, graças ao aumento do uso de anti-inflamatórios não esteroidais (AINEs). As gástricas, também, são mais prevalentes em idosos e, em maior quantidade, em mulheres. O aumento em mulheres é desconhecido, mas provavelmente explicado pelo aumento do tabagismo neste grupo. FISIOPATOLOGIA A mucosa gástrica possui mecanismos de defesa: • Muco, que é um revestimento e funciona como barreira e é produzido pelas células foveolares. Os AINEs por inibirem a produção da prostaglandina, resultam na redução dessa camada de muco protetora da mucosa gástrica. • Bicarbonato, um sal de pH básico que neutraliza a acidez e se localiza entre a mucosa e camada de muco; • Camada hidrofóbica, que também serve como barreira e repele o contato da secreção gástrica com a mucosa; • Óxido Nítrico e prostaglandinas: são importantes mediadores para o aumento da vascularização da mucosa e submucosa, estimulando a regeneração da mucosa gástrica, bem como a secreção de muco e bicarbonato. • Fluxo sanguíneo, que revitaliza o epitélio. Como contraponto, existem substâncias que agridem a mucosa, ao diminuir a produção de bicarbonato e muco, tais como: sais biliares, AAS, álcool, nicotina. Logo, apesar de não ser uma regra, a úlcera pode se formar por excesso de ácido clorídrico na secreção gástrica. Tratando-se do uso de AINEs, por exemplo, ocorre desproteção da mucosa como consequência da inibição da formação das prostaglandinas. Aproximadamente 75% das úlceras gástricas e 90% das úlceras duodenais são causadas pelo H. pylori - que é um organismo gram negativo que reside no epitélio gástrico, especificamente na camada mucosa, que propicia proteção contra antibióticos e ácidos. Porém, boa parte dos pacientes infectados com tal bactéria não chega a apresentar alguma queixa específica ou a desenvolver doença ulcerosa. Existem três possíveis mecanismos responsáveis pela lesão ocasionada pelo H. pylori: 1. O H. pylori produz toxinas que lesam a mucosa - como urease, que converte ureia em bicarbonato e amônia; por ser uma potente produtora de urease tal processo auxilia, inclusive, no diagnóstico; 2. Resposta imune na mucosa - inflamação local crônica e atração de fatores quimiotáticos; 3. A quantidade de gastrina aumenta e gera aumento da secreção gástrica, por redução da produção da somatostatina. Com isso, ocorre aumento da produção de ácido clorídrico no antro esofágico, mecanismo responsável por muitos casos de úlcera péptica duodenal. O H. pylori possui apresentação crônica e, caso o paciente seja infectado pela bactéria, poderá permanecer com ela por toda a vida, sendo raros os casos em que há remissão espontânea. A úlcera péptica normalmente é o resultado do desequilíbrio entre os mecanismos de defesa da mucosa gástrica e da presença de fatores nocivos a esta mesma mucosa, dessa maneira, em muitos casos a úlcera gástrica não é causada por produção excessiva de ácido clorídrico. O risco de desenvolvimento de úlcera péptica é reduzido consideravelmente nos pacientes que eram acometidos pelo H Pylori e recebem tratamento adequado, sendo curados da infecção QUADRO CLÍNICO O quadro clínico típico dos pacientes sintomáticos com úlcera péptica é de dispepsia, dor ou desconforto abdominal em queimação na região epigástrica, que pode ser acompanhado de plenitude gástrica, saciedade precoce e náuseas. Em caso de complicações sinais de quadro abdominal obstrutivo e até mesmo de choque hipovolêmico podem estar presentes. No entanto, até 70% dos pacientes com úlceras pépticas são assintomáticos. Acredita-se inclusive que a maioria dos pacientes com úlceras pépticas hemorrágicas não apresentam sintomas como dispepsia antecedendo o sangramento. Dor abdominal: No caso da úlcera duodenal a dor é bem localizada no mesoepigástrio, em queimação, de leve intensidade, apresenta melhora após alimentação ou uso de antiácido e piora durante estresse emocional. Já na úlcera gástrica, o que desencadeia os sintomas é a alimentação e é comum associação com náuseas e perda ponderal. Pelo fato de a dor ser tolerável, muitos pacientes procuram atendimento médico apenas após a doença evoluir ou complicar (dor em dorso, por exemplo, é sinal de acometimento pancreático, o que pode ocorrer com a perfuração da parede posterior do estômago); É importante ter em mente que essas características clínicas que diferenciam a úlcera gástrica e úlcera gástrica são didáticas, no entanto, as características da dor não apresentam alta especificidade com o local da dor. Perfuração: É a complicação mais comum da úlcera gástrica, sendo mais rara em caso de úlcera duodenal. A úlcera penetra profundamente e pode causar peritonite química, com a exposição do peritônio às secreções gástricas. O quadro costuma ser caracterizado por dor abdominal de início súbito, muito intensa, relacionada a febre, taquicardia e desidratação. Ao exame do abdome, este se apresenta rígido e doloroso, comumente apresentando sinais de irritação peritoneal (sinal de Blumberg). Vale ressaltar que esta complicação é uma emergência e a presença de ar livre no diafragma na radiografia auxilia o diagnóstico. Hemorragia: Uma característica da anatomia vascular do duodeno é a abundância do suprimento sanguíneo, por isso a hemorragia é a complicação mais frequente das úlceras pépticas. Caso ocorra hemorragia, ela pode ser maciça, ou pode se apresentar também como hematêmese ou melena. A maior parte das úlceras não chega a causar hemorragia maciça, no entanto o paciente o paciente pode se apresentar já com sinais de choque hipovolêmico, descorado, com abdome doloroso à palpação, taquicárdico, taquipneico e hipotenso (em casos de choque hipovolêmico grave). Obstrução mecânica: O que pode levar a esse quadro é a inflamação da parede do trato gastrointestinal, principalmente na região do piloro e no duodeno, normalmente causando apenas um quadro de obstrução parcial. A sintomatologia é de anorexia, sensação de saciedade, náusea, vômitos pós-prandiais e menor velocidade para esvaziar o conteúdo gástrico DIAGNÓSTICO Para diferenciar úlcera gástrica e duodenal, a anamnese e exame físico não são muito eficazes, por isso é necessária a realização de exames complementares como a Endoscopia Digestiva Alta (EDA) a qual é o padrão-ouro ou o exame de radiografia contrastada com bário que é a segunda escolha pelo custo menor, porém acurácia mais baixa. A endoscopia é o exame mais confiável, mas deve ser realizada apenas em pacientes com sintomas persistentes ou recorrentes. Nela é importante procurar sinais de malignidade como tamanho aumentado, massas associadas, nódulos e protrusão para dentro do lúmen. É possível realizar biópsia (pelo menos sete quando for necessário excluir malignidade) e tratar sangramentos no trato gastrointestinal (TGI). Ao biopsiar, deve-se fazer a retirada da lesão na transição entre a úlcera e a mucosa normal, uma vez que a região central da úlcera frequentementeé composta apenas por tecido necrótico. A endoscopia permite estabelecer a localização anatômica da lesão, permitindo a classificação das úlceras gástricas em 4 tipos: • Tipo I: Úlcera da pequena curvatura gástrica – sítio mais comum das úlceras gástricas, não apresenta grande correlação com a presença de hipercloridria. • Tipo II: Úlcera do corpo gástrico associada à úlcera duodenal, muito associada com a presença de H. Pylori e produção excessiva de HCl. • Tipo III: Úlcera pré-pilóricoca: também associada à presença do H. Pylori. • Tipo IV: úlcera da porção proximal da pequena curvatura gástrica, em região proximal à junção gastroesofágica, é o tipo mais incomum da úlcera gástrica e não é correlacionada com a hipercloridria No que diz respeito à radiografia baritada, esta analisa a profundidade da lesão, a localização e o tamanho de forma eficaz. Os exames laboratoriais de rotinas são: hemograma, bioquímica hepática, creatinina sérica e cálcio. A radiografia de tórax é realizada com intuito de descartar perfuração, uma vez que o pneumoperitônio pode ser observado através desse exame de rápida aquisição e grande disponibilidade. Os testes para H. pylori devem ser realizados em todos os pacientes com doença ulcerosa péptica. São dois tipos: os não invasivos (sorologia e teste respiratório da ureia com carbono marcado) e os invasivos (teste rápido da urease, histologia e cultura que requerem de endoscopia). Não invasivos: • Sorologia: Pesquisa de resposta ao IgG. O teste mais utilizado é o ELISA. O diagnóstico por sorologia é o mais indicado, possui especificidade de 90%. Não deve ser utilizado para controle de cura, pois os anticorpos permanecem no organismo durante anos. • Pesquisa do antígeno fecal: Quando antígenos do H. pylori estão presentes nas fezes é indicação de que a doença está presente. Pode ser utilizado para controle de cura e possui fácil acesso. Considerado por muitos autores o teste com maior custo-efetividade, apresentando sensibilidade e especificidade acima dos 90%. Para avaliação adequada da erradicação do H. Pylori é recomendado que o paciente aguarde após 4 semanas da finalização do esquema de antibióticos e interrompa os inibidores da bomba de prótons (IBPs) nas 2 semanas anteriores ao exame. • Teste respiratório da ureia com carbono marcado: É baseado na capacidade que o H. pylori possui para hidrolisar a ureia. Pode ser utilizado carbono C13 não radioativo, ou carbono C14 radioativo, sendo preferida a forma não radioativa em crianças e grávidas, apesar da baixa taxa de radiação do exame. É um teste barato e possui especificidade de 95% e alta sensibilidade (cerca de 90%). Invasivos: • Ensaio rápido da urease: Quando se utiliza de endoscopia, esse é o método de escolha. A mucosa é biopsiada durante esse procedimento, também. Especificidade de 98% e o exame deve ser feito 1 semana após a suspensão de inibidores da bomba de prótons, pois essa classe de fármaco diminui a sensibilidade ao exame. • Histologia: O H. pylori é identificado no tecido com maior sensibilidade quando se utiliza a coloração Giemsa. Analisamos os sítios de colonização típicos (região antral do e corpo do estômago) e ou áreas que parecem apresentar alterações como gastrite atrófica. Quando a histologia for utilizada para analisar se o tratamento está sendo eficaz, realiza-se um maior número de biópsias e em outros locais do estômago, visto que com o tratamento, as bactérias podem migrar para outras regiões. • Cultura: especificidade de 100%, porém é um teste pouco utilizado pois apresenta sensibilidade baixa devido a dificuldade de cultivo do H. Pylori, requerendo experiência do laboratório. Não apresenta um custo acessível e o resultado demora cerca de cinco dias. Sua maior vantagem é a realização do antibiograma para avaliar da sensibilidade do H. pylori aos antibióticos. Caso a pesquisa de H. pylori seja negativa, o indicado é utilização de antissecretores durante 4 semanas. E, vale ressaltar que, além da investigação de H. pylori, é importante saber se o paciente faz uso de AINE e, se for o caso, suspender. A EDA é indicada desde o início dos sintomas em pacientes acima de 45 anos que apresentem sinais de alarme para possível malignidade como: vômitos recorrentes, sangramento, perda ponderal, massa abdominal e história familiar de câncer gástrico TRATAMENTO CLÍNICO • Evitar alimentos que exacerbam os sintomas; • Aspirina e AINEs devem ser suspensos, se possível (o risco benefício deve ser sempre avaliado. Muitas vezes é mais vantajoso que um paciente que realizou angioplastias realize o tratamento para úlcera péptica sem retirada da aspirina devido ao alto risco cardiovascular destes pacientes, uma vez que a interrupção da aspirina se correlaciona com obstrução dos stents; • Evitar o tabagismo, pois diminui a velocidade de cicatrização da lesão; • Evitar álcool, pois aumenta a probabilidade de hemorragia digestiva; • Evitar café, pois estimula a secreção de ácido. FARMACOLÓGICO Primeira linha: IBPs Para pacientes com úlceras não associadas ao H. Pylori, o tratamento deve ser com IBPs (exemplo: omeprazol 20 a 40mg ao dia) de 4 semanas para úlceras duodenais não complicadas e 8 semanas para úlceras gástricas ou úlceras duodenais complicadas. O tratamento pode ser retomado caso o paciente apresente recidiva do quadro após interrupção do tratamento. Os pacientes que apresentam úlceras associadas ao uso de AINEs, como aspirina, e não podem realizar a interrupção do tratamento com aspirina podem realizar uso prolongado das IBPs devido ao alto risco de interrupção da profilaxia de eventos cardiovasculares com a aspirina. Em caso de úlcera não complicada associada à presença de H. Pylori, os IBPs podem ser iniciados (omeprazol 20mg/dia), uma semana antes de iniciado o tratamento contra a infecção pelo H. Pylori e mantido até o encerramento do tratamento contra a infecção bacteriana. Os IBPs não precisam ser prolongados nesse caso, exceto se houver recorrência dos sintomas. Em caso de úlceras complicadas e associadas à infecção por H. Pylori, deve ser iniciado tratamento com IBP por via venosa, em alta dose (exemplo: omeprazol 40mg, duas vezes ao dia), sendo transicionado o tratamento para via oral uma vez que esta seja tolerada ao paciente, e posteriormente reduzida a dose do IBP (omeprazol 40mg, uma vez ao dia). O tratamento com IBPs deve ser mantido entre 4 e 12 semanas nesses casos. ANTAGONISTAS DO RECEPTOR H2 Por possuírem uma estrutura similar à histamina, acabam por bloquear os receptores H2 das células parietais de forma competitiva, as quais normalmente estimulam a produção de suco gástrico. Esses medicamentos possuem diversas apresentações em relação a potência e efeitos colaterais e possuem melhor resposta se administrado por via endovenosa, de forma contínua, em comparação a administração intermitente. Se o paciente possuir insuficiência renal, é necessário ajustar a dose, pois esses fármacos possuem os rins como sua principal forma de excreção. Ensaios clínicos randomizados mostraram efetividade consideravelmente menor dos ARH2 em comparação aos IBPs, por isso, eles são utilizados como medicamentos de segunda opção para o tratamento da úlcera péptica. Segunda linha: ANTIACIDOS Os antiácidos mais comuns são: • Hidróxido de alumínio: Constipante, se usado em quantidade excessiva pode ocasionar perda de fosfato e resultar em doença óssea e anorexia. • Hidróxido de magnésio: É laxante. • Bicarbonato de sódio: Evitar o uso prolongado devido ao risco de hipernatremia. • Carbonato de cálcio Seu uso a longo prazo pode precipitar uma síndrome chamada de ‘‘leite-álcali’’ (hipercalcemia e hiperfosfatemia nos rins) e pode evoluir para insuficiência renal. Como os hidróxidos de alumínio e magnésio possuem efeitos contrários, ambos são administrados concomitantemente. • Sucralfato: Possui forterelação com a heparina, mas não possui efeitos anticoagulantes. É um sal de hidróxido de alumínio e da sacarose sulfatada e, apesar de do mecanismo de ação ainda não ter sido completamente elucidado, especula-se que que o agente se liga à proteína da úlcera e exerce uma proteção contra os sais biliares e pepsina, durando cerca de 6h. Também auxilia na cicatriz da mucosa. Possui poucos efeitos colaterais e a dose habitual é 1 comprimido mastigável de 1g - 4x/dia. TRATAMENTO DO H. PYLORI • H. pylori sempre deve ser tratada pois é fator oncogênico, possível causa de sintomas dispépticos e associada com possíveis extremidades extra-gástricas como Purpura Trombocitopênica Idiopática (PTI), Anemia ferropriva e deficiência de B12 • Primeira linha: Amoxicilina 1000mg BID + Claritromicina 500mg BID + IBP dose padrão BID, por 14 dias • Falhas do primeiro tratamento o Principal mecanismo: resistência da cepa à Claritromicina o Substituir Claritromicina por Levofloxacina 500mg MID • Controle de cura: mandatória para ulcera gástrica, e neoplasia. O exame de escolha é o teste respiratório ou mais comumente, em nosso meio, nova endoscopia com teste da urease e biopsia, com intervalo de mais ou menos 1 mês após o final do tratamento. o Se paciente melhorar dos sintomas, não precisa novo exame o Qualquer um positivo, indica presença da bactéria TRATAMENTO CIRURGICO As quatro principais indicações para tratamento cirúrgico são: Intratabilidade: Mais comum em pacientes que não podem suspender o AINE e não apresentam resposta adequada apenas com o uso de IBPs, que o H. pylori não consegue ser erradicado ou que não ocorreu cicatrização da úlcera após 12 semanas; Hemorragia: é a complicação mais comum das úlceras pépticas, e na maioria das vezes o tratamento através de ressuscitação volêmica, supressão da secreção gástrica ácida e intervenção endoscópica é bem sucedido. Em casos em que o tratamento minimamente invasivo não é bem sucedido, o tratamento cirúrgico é indicado. Obstrução: é a complicação mais incomum das úlceras pépticas, e o tratamento cirúrgico só é indicado se o tratamento medicamentoso e endoscópico não for efetivo. Perfuração: a perfuração normalmente causa um quadro de dor abdominal de início súbito, forte intensidade e irritação peritoneal, apresentando indicação de tratamento cirúrgico para correção da perfuração. O melhor procedimento cirúrgico atualmente é a vagotomia, que é dividida em três níveis. • Vagotomia Troncular: secção dos nervos vagos esquerdo e direito superiormente aos ramos celíacos e hepáticos. É um procedimento rápido e não complicado, sendo preferível em paciente estáveis. • Vagotomia Superseletiva: foi criado após se reconhecer que a Troncular afeta o bombeamento no antro e piloro. Nesse procedimento, os nervos que suprem a porção que produz ácido no corpo e fundo são divididos - assim, o antro fica com sua inervação vagal preservada. • Vagotomia Troncular e Antrectomia: essa combinação é eficaz na diminuição da secreção gástrica e na recidiva. Importante lembrar que, as úlceras gástricas devem ter um controle de cura através da endoscopia após 8 a 12 semanas após a primeira endoscopia. 4. Qual o mecanismo de ação dos antiácidos e dos IBP (inibidores de bomba de prótons)? IBPs No lúmen estomacal a liberação de ácido clorídrico é feita através da enzima H+/K+-ATPase (bomba de prótons), que fica localizada nos canalículos das células parietais. Para que essa enzima seja ativada, depende de três estímulos principais: histamina, gastrina e acetilcolina. O mecanismo de ação dos inibidores da bomba de prótons acontece por meio da inibição da enzima H+/K+-ATPase, fazendo com que ocorra o bloqueio da secreção ácida do estômago, impedindo a troca de H+ e K+, já que a produção ácida ocorre por meio dessa troca. Assim, aumentam o pH do suco gástrico, sendo assim se diferenciam no tratamento de doenças gástricas justamente por inibir o último passo da produção de ácido clorídrico. Ademais, para que ocorra a inibição da enzima H+/K+-ATPase, esse fármaco funde-se com o receptor da enzima por meio de uma ligação covalente com os resíduos de cisteína, fazendo com que a bomba de prótons não se regenere, assim a produção de ácido será garantida somente após a síntese de uma nova enzima. Por cerca de 24 a 48 horas essa inibição irreversível atua com ação localizada. ANTI-ÁCIDOS O mecanismo de ação dos antiácidos inclui o aumento da secreção de bicarbonato e muco, aumento da produção e liberação de prostaglandinas e manutenção da microcirculação. Quando o poder de neutralização ácida é suficiente (pH>4), tanto a liberação de pepsina quanto a de gastrina é reduzida. Dessa forma, os mecanismos de auto-regulação associados à gastrina são acionados para aumentar o tônus do esfíncter inferior do esôfago. O hidróxido de magnésio administrado oralmente reage relativamente rápido com o ácido clorídrico no estômago, formando cloreto de magnésio e água. A combinação de hidróxido de alumínio e hidróxido de magnésio permite a neutralização da acidez gástrica. Através do aumento de pH, resultante da reação de neutralização, A presença de alimento ou outros fatores que retardam o esvaziamento gástrico, prolonga a disponibilidade de hidróxido de alumínio e aumenta a quantidade de cloreto de alumínio formada. É recomendado administrar o produto no intervalo entre as refeições e ao deitar, quando os sintomas de hiperacidez geralmente ocorrem. O hidróxido de alumínio reduz a carga ácida em virtude da reação de neutralização do ácido clorídrico.
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