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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA CENTRO DE ARTES E LETRAS DEPARTAMENTO DE ARTES CÊNICAS DISCIPLINA DE TÉCNICAS DE MONTAGEM I A EVOLUÇÃO DO ESPAÇO CÊNICO Acadêmicos: Giane Luccas Leonardo Bergonci Docente: Alessandra F. Montagner Santa Maria, RS, 2009/1. 1. Origens do Teatro A origem do teatro pode ser remontada desde as primeiras sociedades primitivas, em que se acreditava no uso de danças imitativas como propiciadores de poderes sobrenaturais que controlavam todos os fatos necessários à sobrevivência. O homem do Paleolítico, que precisa caçar em campos abertos, não possui mais a proteção das árvores para se esconder, e passa a valer-se então de um artifício embasado na crença de que: o igual atrai igual. Dentro desta crença, desenvolve alguns ritos como danças miméticas, celebração da vitória e a magia simpática. Na dança mimética, antes de sair para a caça, ao vestir-se com a pele de animais antes abatidos, imita os seus movimentos com o intuito de atraí-los. A celebração da vitória se dá quando o sucesso é obtido na caçada, e o homem re-encena a sua luta com o animal abatido, narrando assim o ocorrido aos demais. Na magia simpática, ocorre a re-encenação da caçada várias vezes, cristalizando, ritualizando e imprimindo um caráter mágico ao ocorrido, com a finalidade de que de certa forma, possa interferir na realidade solicitando a vitória aos “espíritos protetores”. A constante repetição e cristalização dos fatos ocorridos levam a criação do rito. Do ritual, surge o mito, que vem para ilustrar, explicar e idealizar os ritos e paulatinamente os protagonistas das caçadas, tantas vezes contadas, re- encenadas, vão revestindo-se no manto mágico do tempo e o caráter mitológico de seus feitos assoma-se, avoluma-se, transformando esses homens primitivos em heróis e seus feitos em aventuras. O ritual passa a se formalizar, transformando-se em liturgia, com os celebrantes e a congregação. A pele das caçadas transforma-se na máscara do celebrante com a função de caracterizá-lo e a congregação, que o observa, passa a tomar as vezes de espectador. É o surgimento do teatro. 2. Teatro Grego O teatro ocidental, tal qual como o conhecemos ou entendemos tem suas origens na Grécia Antiga, em fins do século VII a.C. Surge a partir dos ditirambos, que eram danças ritualísticas em honra ao deus grego Dioniso. Em forma circular, os integrantes do ditirambo entoavam canções que narravam fatos da vida de Dioniso. Com o passar do tempo, os ditirambos acabam evoluindo e começa a surgir a figura do Corifeu, espécie de líder do grupo que passa a dialogar com o coro que o segue. Ao passar do tempo, na Icária, em VI a.C., nasce Téspis, que pode ser considerado o primeiro ator da história do teatro ocidental. Téspis, no momento que se separa do coro, passa a travar um diálogo com o Corifeu estabelecendo, desta forma, a contracenação. Ao inserir o diálogo na estrutura narrativa do ditirambo, Téspis cria o primeiro ator: hypocrites, ou seja, aquele que responde. Segundos e terceiros atores seriam incorporados mais tarde com os tragediógrafos Ésquilo e Sófocles. Com sua evolução, o ditirambo contracenado começa a tomar forma de teatro e sai das ruas e da ágora da polis grega, indo para dentro do templo de Dioniso. O drama começa a surgir, porém o ditirambo não desaparece e ambas as celebrações passam a coexistir. Com o passar do tempo, o templo de Dioniso torna-se pequeno para a realização das celebrações, e elas começam a ser representadas do lado de fora do santuário, ao redor da tímele, altar de sacrifícios do deus. Arquibancadas de madeira para a plateia, as ikkrias, passam a ser montadas próximas ao templo, tomando uma forma semicircular. Este é o teatro grego arcaico. Devido a alguns acidentes com essas arquibancadas de madeira, as representações são transferidas para o sul da acrópole e as construções a elas destinadas são feitas de pedra, localizadas em inclinações do terreno ou aos pés de colinas, de forma que a acústica fosse valorizada, surgindo assim o teatro grego clássico. O prédio teatral grego começa a tomar forma. O coro dos ditirambos fica localizado em um espaço circular denominado como orchestra. As arquibancadas constituem-se no theatron, locais para se ver e ouvir. Surgem as párodos que são entradas laterais que levavam a orchestra. O espaço onde ficavam os atores durante as atuações denomina-se como proskenium, e a estrutura onde acontecia a cena como skene. Além disso, existiam a skenotheke, paraskene e pinakes, que eram onde ficavam os camarins, projeções laterais que designavam diferentes espaços e parte pintada da fachada que caracterizava o cenário, respectivamente. Antes da orchestra, compreendendo toda a parte do edifício teatral, tem-se a stoa, construída inicialmente de madeira, evolui a partir de 415 a.C. para uma estrutura de pedra. Dentro do período helenístico têm-se inúmeras mudanças no espaço teatral grego, tanto na estrutura física como nas encenações. A importância do papel do ator o leva a representar no logeion, espaço superior do proscênio de maneira que todos os espectadores pudessem vê-lo e ouvi-lo, uma vez que o prédio teatral grego a esta época já comportava em torno de quinze a vinte mil pessoas. Ainda com relação à estrutura física, a tímele muda de lugar, passando do centro da orchestra para a proédria, primeira fila de espectadores reservada a cidadãos importantes, patrocinadores e jurados. O edifício teatral grego chega ao seu auge com a construção do Teatro de Dioniso, junto ao templo do deus homônimo. 3. Teatro Romano Diferente do caráter doutrinatório e moralístico do teatro grego, o teatro romano marca-se como uma atração profana dentro da política do pão-e-circo. O início da representação cênica romana dá-se através de festivais de caráter religioso que duravam até quinze dias. Os Ludi Romani, como eram chamados, constituíam-se de uma miscelânea, indo desde representações teatrais até competições desportivas, passando pela selvageria das lutas de animais e gladiadores. Como estes Ludi Romani eram patrocinados pelo estado, teatros eram erguidos e derrubados logo após o seu uso, pois a fixação de edifícios teatrais era proibida. Anteriormente, todas as representações se davam em phlyakes, que eram palcos ambulantes e desmontáveis. Em 55 a.C., Pompeu burla a lei e constrói o primeiro edifício teatral permanente e por volta de 72 à 80 d.C., começam a surgir inúmeros anfiteatros por todo o Império, inclusive o Coliseu, que em formato de arena comportava até cinquenta mil pessoas e foi erguido pelo Imperador Vespasiano. Baseado nos teatros gregos, a estrutura teatral romana constitui-se de palco e plateia, porém, ao contrário dos gregos que construíam seus teatros em encostas de colinas, os romanos, devido ao conhecimento avançado de arquitetura (usavam arcos unidos por cimento ao invés de colunatas de pedra), erguiam seus anfiteatros em terrenos planos. Constituíam-se de cryptas, que eram corredores que davam acesso à cavea e às vomitorias, que eram as arquibancadas e as aberturas que chegavam às rampas de acesso externo, respectivamente. A fachada cênica, ou frons scenae, tem cinco portas: uma central, duas laterais e duas frontais e o acesso até ela se dava através de uma escada atrás da mesma. Essa fachada era decorada com estátuas e não havia cenário nas encenações, ficando a cargo do texto a localização da apresentação. Menor que o espaço grego, o espaço reservado para a atuação, proscenium ou podium, era feito de madeira e a sua frente ficava a orchestra em forma semicircular, constituída de local privilegiado onde sentavam os senadores ou pessoas importantes. Diferente dos teatros gregos, os teatros romanospodiam ser cobertos a fim de proteger os espectadores das intempéries do tempo, com um toldo chamado velarium. Há registro de que os romanos utilizavam-se de cortinas durante suas apresentações. 4. Teatro Medieval Com a ascensão da religião cristã na Europa, a Igreja Católica passa a proibir a existência dos mimos por satirizarem a ela e aos seus cultos. Aos poucos, toda a atividade teatral vai sendo coibida de forma que os únicos relatos existentes de apresentações datam do século V ao IX, através de trupes itinerantes. Logo, este período caracteriza-se pela ausência de um espaço teatral físico. Muito embora a arte teatral tivesse sido banida pelo clero, parte da cultura greco-romana continuou a ser estudada dentro dos mosteiros como forma de aprender latim, treinar a retórica, além de servir como sustentáculo cultural e filosófico para a fé cristã. Na busca de fortalecer seus dogmas na mente dos fiéis, a Igreja procura maneiras de popularizar seus credos, uma vez que as missas eram rezadas em latim, língua que o povo inculto do período desconhecia. Frente a isso, a Igreja encontra no teatro a solução para a aproximação para com os fiéis. Desta forma a liturgia católica, antes incompreendida pelo povo, passa a se fazer entendível. A Igreja então passa a encenar em seu interior o drama litúrgico, que se distinguia por seu caráter devocional e por ser cantado, algumas vezes com acompanhamento de instrumentos musicais. Aos poucos, este drama litúrgico, que teve origem nas ladainhas, novenas, vias-sacras, corais e etc., começa a evoluir para o que seriam os mistérios, milagres e moralidades. Outro ponto que facilitou a evolução dos dramas litúrgicos e a criação de uma dramaturgia cristã própria foi o fato de grande parte do Novo Testamento estar escrito em forma de diálogo. À medida que as apresentações ganham popularidade elas também começam a ganhar o exterior da igreja, pois sua grandiosidade já não é mais realizável no interior do santuário, sendo necessário um espaço maior. Assim, as representações passam ao adro da igreja e em pouco tempo rumam em direção às praças. Na França dos séculos X ao XII, monges recitam e cantam trechos de textos sagrados durante as missas. Aos poucos os fiéis começam a intervir, além de incluir gestos e algumas cenas do Velho e do Novo Testamento. Uma vez fora das paredes das igrejas, o drama litúrgico passa a ser encenado em francês e não mais em latim, transformando-se num drama semi-litúrgico. Nas ruas dos burgos e dos feudos europeus, estes dramas semi- litúrgicos passam a ser encenados em palcos improvisados de madeira no meio das praças, além de serem encenados também em carroças-palco, que iam de vilarejo em vilarejo realizando as encenações. Os milagres constituíam-se de uma representação em narrativa que contava a vida de um santo ou da Virgem. Este gênero esteve em voga entre os séculos XI ao XIV, sendo suplantado aos poucos pelos mistérios. Os mistérios por sua vez encenavam episódios da Bíblia e da vida dos santos e possuíam cenários simultâneos, ou seja, vários quadros, que eram dirigidos por uma pessoa que conduzia a multidão a qual assistia ao longo do caminho as cenas. Muito encenado ao longo do século XIV ao XVI, os mistérios envolviam quase toda a cidade durante vários dias. Uma vez nas ruas, estas encenações passam a sofrer influências mundanas e os temas por mais religiosos que fossem, aos poucos, começam a apresentar cenas burlescas e cômicas, algumas vezes rudes e grosseiras, com o intuito de atrair e agradar ao povo. Este gênero constitui-se no apogeu do teatro medieval no que tange na qualidade dos meios empregados (apesar do material bruto, as cenas apresentavam inúmeros acessórios, além de máquinas cênicas com guinchos que facilitavam a movimentação pelos espaços; havia grande realismo na reprodução de relâmpagos, chuvas, animais mecânicos, monstros etc.). Na Inglaterra, com a saída das representações religiosas do interior das igrejas, criaram-se companhias responsáveis por escrever e encenar textos bíblicos. Essas companhias eram chamadas de guildas e cada uma se encarregava de um episódio bíblico, que apresentavam em cima de carroças ou plataformas com rodas chamadas pageants. As apresentações se iniciavam ao nascer do dia quando o primeiro pageant da Criação chegava, e assim, sucessivamente, até o Juízo Final. Porém, sua evolução para o burlesco, profano e obsceno, levam a Igreja a proibir sua execução em 1548. Ainda com relação aos mistérios tem-se a farsa, que se constitui de um gênero apresentado entre um mistério e outro com a finalidade de relaxar e provocar o riso. Esteve profundamente ligada à corporeidade e sua forma era grosseira e primitiva. Em toda a Europa a farsa teve diferentes denominações como sottie na França, shrovetide na Alemanha e interlude na Inglaterra. Outro gênero de grande expressividade foi o das moralidades. Teatro alegórico, tem caráter ético-didático e seus personagens baseiam-se nos vícios e nas virtudes, na luta do bem contra o mal pelo direito da alma humana. Seu mote é edificar e instruir o povo através de normas de comportamento que possibilitem a salvação espiritual. Embora próxima dos mistérios e dos milagres, a moralidade diferencia-se quanto ao tema e a estrutura. Ela não se utiliza de temas bíblicos, elegendo apenas um tema alegórico que privilegia a resposta do homem às tentações que o assolam, levando à sua destruição ou à salvação devido à graça divina. A partir do século XVI, as moralidades começam a perder popularidade enquanto gênero dramático, porém continuam a influenciar diversos dramaturgos no que diz respeito à secularização do teatro frente à Igreja. Desta forma, em toda a Europa as representações antes encenadas dentro das Igrejas aos poucos ganharam as ruas, convertendo-se e adaptando- se conforme as necessidades locais. O afastamento da temática bíblica, a inserção de temas profanos e a descoberta de novas maneiras de encenar levam o teatro medieval da Europa, antes recluso dentro dos santuários, a florescer à luz das ruas, culminando mais tarde no Teatro Renascentista. 5. Teatro Renascentista 5.1. Espanha e Portugal Em fins da Idade Média, mais precisamente na península ibérica, tem-se os autos sacramentais. Constituíam-se de variantes das moralidades, apresentadas na Espanha e em Portugal na ocasião de Corpus Christi. Eram peças alegóricas representadas sobre carroças, que mesclavam farsa e dança para atrair o público popular, realizadas por trupes mambembes. Seu apogeu dá-se no Século de Ouro Espanhol, até sua proibição em 1765. O Século de Ouro Espanhol ou Século XVII, caracteriza-se pelas descobertas náuticas dos marinheiros de Castela além do progresso na poesia, na prosa e na dramaturgia. Isso se deu ao fato de a língua falada em Castela, o castelhano, ser instaurada como oficial língua do reino. O teatro neste período possui um grande apelo popular, pois seu principal objetivo é divertir o público. Havia os romanceiros, que narravam fatos lendários da Espanha e da Europa ao acompanhamento de música e as comédias, que tinham formato profano, popular e laico. Havia ainda as comédias de capa e espada com personagens de diferentes classes sociais que se utilizavam de capas e espadas, além das comédias românticas, cheias de fantasias, e as entremesses, textos curtos, cômicos, colocados entre os autos sacramentais para descontração. Na segunda metade do século XVI, a nobreza passa a patrocinar essas trupes, oferecendo locais fixos. Embora o teatro estivesse nas ruas sob a forma de grupos itinerantes, a Igreja ainda possuía certo poder sobre a produção de textos dramatúrgicos, exercendo certa censura ao que era produzido. Percebendo a grande influência do teatro sobre o povo, a igreja oferece o pátio doshospitais por ela administrados para que as trupes nele se instalassem, mediante porcentagem obtida através das apresentações. Desta forma a Igreja observa de perto o que é produzido e ainda consegue uma maneira de prover seu sustento. Quanto à estrutura destas apresentações, constituíam-se de espaços ao ar livre, rodeados por casas, no qual eram postos tablados erguidos juntos às paredes destas casas. Possuíam cortinas para esconder os camarins e um pano de fundo para o palco. Os balcões das casas serviam como cenários ou espaço superior para as apresentações. Alguns palcos possuíam também alçapões. Geralmente os espetáculos eram apresentados à tarde para poder aproveitar a luz do dia, já que não havia nenhum tipo de iluminação específica. Toda a simplicidade deste palco deixava a cargo do texto a criação de uma atmosfera. Essa estrutura ficou conhecida como corral. Somente no século XVII a tecnologia cênica (maquinaria, iluminação, etc.) chegaria à Espanha. 5.2. Inglaterra A chegada da Renascença à Inglaterra coincide com a chegada dos Tudors ao trono inglês. Na cena do país, ainda apresentavam-se as moralidades, que se caracterizavam num avanço frente aos ciclos que representavam toda a Bíblia. Os homens que abandonavam suas antigas profissões de ferreiro, carpinteiro e etc. para dedicaram-se ao teatro eram tomados como vagabundos e por isso poderiam ser presos, pois o ofício de ator não era reconhecido. A solução encontrada foi reunir-se em companhias e buscar o patrocínio de algum nobre, de forma que pudessem usar o brasão de seu patrono para assim fugir da cadeia. Porém, as companhias só recebiam pagamento quando se apresentavam na casa de seus patrocinadores, de outra forma, dependiam do dinheiro conseguido da plateia quando mais tarde passam a viver da bilheteria. Com a proibição por parte da Igreja de representar peças religiosas e com a necessidade de atrair o público, as companhias passam a investir na busca de uma nova essência para o teatro, buscando inspiração nos acontecimentos da vida cotidiana. Com o fortalecimento da língua inglesa enquanto unidade faltava apenas um elemento para o verdadeiro florescimento do teatro inglês: um espaço fixo. Em 1576, James Burbage constrói o primeiro edifício com fim específico de ser um teatro na Inglaterra e o nomeia como The Theatre. Possuía forma circular com vários andares e galerias. O palco estendia-se até o centro da arena que era rodeada por estas galerias. O público ficava muito próximo dos atores, e aplaudia e vaiava conforme sua aprovação ou não. Algumas apresentações contavam com até mil espectadores pagantes. Ao fundo do palco havia um balcão e um alçapão, além de reentrâncias com a finalidade de representarem criptas ou cavernas. Somente homens atuavam e os atores além de remunerados, eram divididos em companhias às quais estavam contratados e por um empresário eram coordenados. Assim como no teatro espanhol, o teatro inglês não possuía iluminação artificial, sendo os espetáculos realizados geralmente à tarde para aproveitar a luz do sol. O local onde se situava a ação, se era dia ou noite, e toda a noção de temporalidade era dada pelo texto. Além disso, muitas coisas eram convencionadas, como uma floresta ou um cemitério, que eram representados por um galho e uma cruz, respectivamente. Este período do teatro inglês ficou conhecido como elisabetano, por ter transcorrido concomitantemente ao reinado de Elizabeth I. 5.3. Itália Porém é na Itália do século XVI que surge o gênero teatral mais importante em fins da Idade Média e início do Renascimento na Europa: a Commedia dell’Arte. Muito popular, possuía personagens fixos, valia-se de máscaras e suas apresentações e seus personagens retratavam pessoas do povo, além de burgueses ascendentes e aristocratas. De caráter mambembe (isto quando os grupos não eram apadrinhados) as companhias de Commedia dell’Arte viajavam por toda a parte. Suas carroças podiam converter-se em um palco, de aproximadamente um metro, no qual faziam suas apresentações. Já utilizavam também cenários pintados, que eram panos pendurados toscamente desenhados. Além de palco, estas carroças serviam como meio de transporte onde carregavam todo o sortilégio de coisas. Também serviam como moradia para os próprios atores. Inicialmente apresentavam-se em feiras livres e festas populares, porém, com o passar dos anos e o sucesso que acumularam, estas companhias passaram a freqüentar os salões dos nobres e a se apresentar com figurinos e cenários caprichados. As principais trupes vinham da Itália e da França e se apresentavam por toda a Europa. A França foi o país que mais apreciou o gênero ao ponto de alguns reis durante os séculos XVII e XVIII sustentarem e construírem teatros para estes grupos. Foi também na Commedia dell’Arte onde ocorreu a primeira manifestação de mulheres ao lado de homens no palco. Ainda por conta das apresentações das companhias de Commedia dell’Arte italianas dentro dos salões dos palácios de nobres, de forma improvisada com cortinas e tapeçarias, começa a surgir a necessidade de um local próprio para a sua execução. Na pequena cidade italiana de Vicenza, Andrea Palladio, notável arquiteto da época, elabora um plano para uma casa de espetáculos, o Teatro Olímpico, que ficou pronto em 1585. Contituía-se basicamente de uma réplica em miniatura dos anfiteatros romanos, com o diferencial de palco e plateia serem consideravelmente menores, estarem dentro do prédio e toda a estrutura ser feita de madeira, ao invés de pedra. Ainda inspirado nos anfiteatros romanos, o cenário era fixo, compondo-se de um arco central e dois laterais. O palco é uma plataforma retangular estreita com portas para saída em suas extremidades e a plateia organizava-se em forma de arquibancada semicircular. No ano de 1618, mais precisamente na cidade de Parma, Aleotti concebe o Teatro Farnese. Diferente do Olímpico desde a sua forma, o Farnese constitui-se de um retângulo dividido ao meio, tendo-se de um lado a plateia e do outro o palco. A enorme extensão deste palco justifica-se na necessidade de um local apropriado para a utilização de toda a complexa maquinaria já desenvolvida para a cenografia. Esta disposição espacial, além de ser disseminada por toda a Europa, foi considerada ideal para as necessidades do teatro renascentista, tanto é que seu uso deu-se de maneira quase inalterável durante quatro séculos, e foi chamada de palco italiano. Emoldurada pelo arco do proscênio, esta disposição possibilitava à plateia assistir aos espetáculos como se estivesse olhando para um quadro. Ainda com esta concepção, a cenografia vale-se de grandes painéis pintados em perspectiva, que situavam o espectador com relação ao local da cena e criavam um efeito de profundidade. A maneira que a ação transcorria, mudavam-se os painéis através de um sistema de cordas e roldanas, muito parecido com o utilizado nas velas das naus de descobrimento. Foi neste período que muitos avanços surgiram como a utilização de cortinas, um fosso para os músicos, iluminação artificial, além de balcões com o intuito de separar as classes. Em torno de 1500, a iluminação na plateia, feita à época com pedaços de madeira embebidos em pixe, começa a ser reduzida e a comédia passa a utilizar-se de cores. Em fins do século XVI e início do XVII os teatros passam a ser iluminados por velas e a plateia é imersa na escuridão, de forma que se valorize o palco. É o começo da separação de palco e plateia. Com o advindo da iluminação artificial, cria-se a possibilidade de plasmar mudanças de atmosfera, como dia e noite. O uso combinado de cortinas e velas, somados à estrutura de madeira, acaba favorecendo desta forma a possibilidade de ocorrer inúmeros incêndios durantes os espetáculos. Frente a isso, a tecnologiaque envolvia a iluminação estava constantemente em mudança. No início do século XVIII ela passa a ser feita através de lamparinas com azeite ou óleo acendidas através de um pavio de algodão. Outra inovação com relação à iluminação cênica da época foi a suspensão das velas ou lamparinas em lustres. Essa variação de alturas que os lustres possibilitavam criavam diversas nuances na cena. Em 1782, o arquiteto italiano Patte afirma que se iluminarmos “os objetos de cima para baixo [tem-se] uma luz mais natural”. É o embrião do que seria uma iluminação realista. Este período, embora profícuo no tocante ao desenvolvimento do espaço cênico, não apresenta grande brilhantismo na dramaturgia, limitando-se apenas à tradução e remontagem de antigos textos clássicos. A Commedia dell’Arte que tanto encantou a Europa, no momento em que entra para o prédio teatral, perde seu caráter popular e entra em declínio. Algumas companhias ainda tentaram buscar o antigo público, apelando com a exploração do corpo da mulher, imprimindo um caráter pornográfico que de nada agradou. Ironicamente, toda a evolução tecnológica que se deu em função da Commedia dell’Arte acabou por soterrá-la como forma teatral, vindo a ser resgatada novamente somente no século XX com fins de pesquisa. 6. Teatro Neoclassicista O teatro medieval francês mostrou-se extremamente profícuo e já no século XII peças eram escritas naquela que seria a língua francesa. A França das paixões, dos espetáculos monumentais com múltiplos cenários e que duravam dias de apresentação lentamente vai evoluindo. A farsa e o sottie medievais começam a dar espaço a temas mitológicos gregos e às formas de dramaturgia clássicas. Já no século XVII, o país se caracteriza por um teatro baseado no texto, com o mínimo de ação, no qual os atores só declamavam os dramas, praticamente parados, vestidos de forma suntuosa. É um teatro de aristocratas, da “peça-bem-feita”. As peças eram baseadas nas três unidades aristotélicas, que segundo a leitura dos estudiosos da época, pregava que uma tragédia deveria se passar no mesmo dia, lugar e sem mistura de gêneros. Logo, tudo era feito com um só cenário, que era um telão pintado, que sugeria um local não muito individualizado de um palácio. Esse telões, somados à iluminação de ribalta à velas da época acabavam criando um efeito bidimensional de tal forma que se o ator se deslocasse de maneira a ocupar a profundidade do palco o efeito se quebraria devido à desproporção por causa dos painéis. 7. Teatro do Drama Burguês Romântico e o Melodrama Tendo sido a nobreza representada pelo teatro neoclassicista no século XVII, a burguesia ascendente busca uma forma de expressão que a represente e ampare culturalmente e é na Alemanha que surgiria um movimento para tal: o Pré-Romantismo. Surgido como reação ao classicismo de regras rígidas, o pré-romantismo enaltece o gênio individual de poetas e artistas e busca inspiração e liberdade para a criação. Não traz, porém mudanças efetivas à encenação teatral. Na França do século XVII começam a surgir teatros com avançada maquinaria e cenários elaborados que se desenvolverão no século XVIII culminando nas óperas e dramas românticos. Nos anos de mil e oitocentos começam a surgir os melodramas de atuação exagerada, com caras e bocas e a música pontuando a ação. O melodrama torna-se o gênero mais popular e assistido do século XIX. Com o advindo da luz à gás, todo o espaço do palco pôde ser explorado pois o ator não precisa mais ficar preso ao proscênio. Assim, com essa profundidade de palco proporcionada pela iluminação, os telões são aposentados e passa-se a usar móveis e outros objetos em cena e a tridimensionalidade do palco passa a ser amplamente explorada, levando a uma reprodução verossímil da vida. Ainda no século XIX surge a figura do diretor teatral, que será quem organizará todos os elementos estéticos do espetáculo, além da atuação dos atores, marcações de cena, etc. É aqui também que surge a luz elétrica que proporcionará enormes mudanças na cena teatral. Com todos os avanços que começam a se descortinar, a paixão pela verossimilhança aumenta cada vez mais, de forma que o tom declamatório, antes largamente utilizado, agora destoa grandemente da nova proposta que surge e acaba declinando. As temáticas agora se referem às casas burguesas. É o início do Realismo. 8. Vanguardas 8.1. Realismo Inicialmente, ainda atrelado aos painéis pintados e à iluminação a velas ou lamparinas a óleo da primeira metade do século XIX, o realismo paulatinamente passa a aproximar-se da verossimilhança com a vida que tanto busca. Preocupa-se com todos os detalhes que compõem a realidade, estejam eles ligados ao ambiente ou a própria maneira de representar. 8.2. Naturalismo O naturalismo configura-se numa busca exacerbada pela imitação da realidade. Introduz na cena recursos técnicos como iluminação elétrica e abundante uso de objetos, além de reproduzir sons ambientais e introduzir o uso da quarta parede na confrontação palco/plateia. 8.3. Simbolismo Caracteriza-se por rejeitar as formas naturalistas e realistas. Tem um cunho mais ocultista. Seu objetivo é aludir, sugerir e encantar, ao invés de descrever. Sua inovação vem com o uso de uma iluminação diferente além de cenários arquitetônicos que evocam imagens e sensações, tudo isso em conjunto com a musicalidade, a voz e os movimentos dos atores. O espaço do palco é amplamente explorado pelos simbolistas, de forma que o simbolismo tem estreita ligação com o surgimento da dança moderna. 8.4. Expressionismo A base na qual nasce o expressionismo constitui-se de crítica e protesto, denunciando a guerra e as atrocidades nas ruas. Assim como o simbolismo, o expressionismo vem para reforçar o distanciamento do real. Ele confirma a hegemonia da luz como forma de construir o espaço, utilizado contrastes, escuridão, sombras, além de grandes desequilíbrios no cenário, que é composto de pontas. A maquiagem é pesada e os grandes contrastes de cores também são utilizados. 8.5. Dadaísmo e Surrealismo – Teatro da Crueldade Foi um movimento de negação surgido durante a Primeira Guerra Mundial por artistas exilados na Suíça. O dadaísmo rejeitava a noção de arte convencional e tinha a finalidade de libertar a imaginação através do choque de suas tendências anti-racionais. Seu nome origina-se da palavra francesa dada que significa cavalo-de-pau. Do dadaísmo, surgiram algumas outras correntes como o surrealismo. O surrealismo, que se origina do francês, sur-realismo, é algo que vai além do realismo. Vai em busca do espírito inconsciente, espaços onde a razão ainda não tenha penetrado. Porém, da negação dadaísta, passa à afirmação. Grande parte dos cenários surrealistas é criada por pintores, e são utilizados em espetáculos de dança. O termo Teatro da Crueldade é cunhado pelo ator, diretor e poeta Antonin Artaud, e designa um teatro que procura liberar as forças inconscientes da platéia. 8.6. Futurismo Caracteriza-se pela rejeição ao moralismo e ao passado, exaltando a violência e propondo um novo tipo de beleza através da velocidade. Acredita na guerra como caminho para higienizar o mundo. Utiliza-se de muita tecnologia em seus espetáculos e pouco ou nenhum texto. Leva para cena poucos atores, porém prega que eles têm de ser acrobáticos, perfeitos. Utiliza vários objetos na cena, sempre com cores fortes que denotem movimento. Tenta refletir a era da máquina, do progresso e da mecanização da vida. Automação, cada um por si. 9. Teatro Épico Substitui o realismo psicológico por textos didáticos, comprometidos com uma ideologia de esquerda, o agit prop, que é uma crítica de agitação popular feita à burguesia com fins de divulgar o marxismo.Afirma que, em vez de hipnotizar o espectador, o teatro deve despertá-lo para uma reflexão crítica, utilizando processos de distanciamento, que rompem a ilusão, lembrando ao público que aquilo é apenas teatro e não a vida real. Este gênero teatral, surgido na Rússia durante as revoluções bolchevistas, era realizado por operários, que plasmavam as notícias num ritmo vivaz, através de coros, pantomima e dança, com fins de atrair o povo. Anulam a barreia ator/espectador, fundindo o texto, figurino e cenário. Alguns atores chegavam a afazer o papel de porta ou escadas, conforme a necessidade. O mais importante era a ideia política. É classificado também como um teatro documental, que relata um contexto real e não uma sucessão de intrigas inventadas. 10. Tendências Atuais As tendências pós Segunda Guerra Mundial levam à destruição de valores e crenças, produzindo um teatro anti-realista, ilógico, que encara a linguagem como obstáculo entre os homens, neste contexto surge o Teatro do Absurdo. Já em décadas mais recentes alguns dramaturgos ainda se destacam, mas o eixo criador desloca-se para os grupos teatrais. As experiências dos grupos fundados nos anos 70 à 90 têm em comum a eliminação da divisão tradicional entre o palco e a plateia; além da substituição do texto de um autor único por uma criação coletiva e da participação do espectador na elaboração do espetáculo. A figura do diretor torna-se mais decisiva do que a do autor. Bibliografia: BERTHOLD, Margot. História mundial do teatro. São Paulo: Perspectiva. 2000. CARLSON, Marvin. Teorias do teatro. São Paulo: Editora Unesp. 1997. CHIPP. H.B. Teorias da Arte Moderna. São Paulo: Martins Fontes. 1993. FERRACINI, Renato. A arte de não interpretar como poesia corpórea do ator. Campinas, SP: Editora da Unicamp. 2003. GRIMAL, Pierre. O teatro antigo. Lisboa, Portugal: Edições 70. 2002. HELIODORA, Bárbara. Reflexões Shakespearianas. Rio de Janeiro: Lacerda. 2004. HELIODORA, Bárbara. O teatro explicado aos meus filhos. Rio de Janeiro: Agir. 2008. ROMILLY, Jacqueline de. A tragédia grega. Lisboa, Portugal: Edições 70. 1997. ROSENFELD, Anatol. Prismas do Teatro. São Paulo: Perspectiva. 1993. ROUBINE, Jean-Jacques. A linguagem da encenação teatral. Rio de Janeiro: Zahar. 1998.
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