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LINGUAGEM VISUAL 
NA HISTORIOGRAFIA
UNIASSELVI-PÓS
Autoria: Dra. Camila Serafi m Daminelli
Indaial - 2020
2ª Edição
CENTRO UNIVERSITÁRIO LEONARDO DA VINCI
Rodovia BR 470, Km 71, no 1.040, Bairro Benedito
Cx. P. 191 - 89.130-000 – INDAIAL/SC
Fone Fax: (47) 3281-9000/3281-9090
Reitor: Prof. Hermínio Kloch
Diretor UNIASSELVI-PÓS: Prof. Carlos Fabiano Fistarol
Equipe Multidisciplinar da Pós-Graduação EAD: 
Carlos Fabiano Fistarol
Ilana Gunilda Gerber Cavichioli
Jóice Gadotti Consatti
Norberto Siegel
Julia dos Santos
Ariana Monique Dalri
Marcelo Bucci
Revisão Gramatical: Equipe Produção de Materiais
Diagramação e Capa: 
Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI
Copyright © UNIASSELVI 2019
Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri
 UNIASSELVI – Indaial.
Impresso por:
D159l
 Daminelli, Camila Serafim
 Linguagem visual na historiografia. / Camila Serafim Daminelli. – In-
daial: UNIASSELVI, 2020.
 170 p.; il.
 ISBN 978-65-5646-015-4
 ISBN Digital 978-65-5646-016-1
1. História e linguagem visual. - Brasil. Centro Universitário Leonardo 
Da Vinci.
CDD 701.15
Sumário
APRESENTAÇÃO ............................................................................5
CAPÍTULO 1
História e Linguagem Visual .........................................................7
CAPÍTULO 2
Linguagem Visual, Modernidade e Tecnologia ........................61
CAPÍTULO 3
Imagem e Ensino de História ....................................................119
APRESENTAÇÃO
Os conteúdos abordados nesta disciplina buscam desenvolver habilidades 
em relação à linguagem visual. Entendendo-a em suas especificidades, o 
inquérito ao qual submetemos um produto visual na perspectiva historiográfica 
requer instrumentos específicos. No entanto, não há como selecionar e normatizar 
critérios universais, elencados como os mais aptos ao saber histórico. A princípio, 
cabe dizer que no decorrer dos debates que aqui terão lugar buscaremos romper 
com a gaiola epistemológica que limita a imagem a um documento visual, 
interpelado iconograficamente, apenas. Como sugere o historiador Ulpiano 
Bezerra de Meneses (2012), é crucial que o historiador/a se familiarize com as 
inúmeras variáveis que definem a natureza da imagem e com a multiplicidade 
de papéis que ela pode assumir historicamente. Quer dizer, ainda que não 
percorramos todos os métodos e caminhos pensados para se “ler” uma imagem, 
interpretar os seus signos ou o seu conteúdo intrínseco, será preciso realizar uma 
cartografia dos aportes oferecidos a esta inquirição pela história da arte, pela 
história das técnicas, pelas ciências da percepção, da comunicação, da cultura 
visual e da semiótica, entre outros.
No primeiro capítulo abordamos os marcos teóricos que pensaram a 
“leitura” de imagens, introduzindo técnicas e metodologias oriundas do campo 
do ensino das artes. Estas contribuições são importantes seja porque a análise 
das técnicas tem peso na produção de sentidos, seja porque estes estudos 
foram desenvolvidos com um público-alvo semelhante àquele com o qual nós, 
professores e professoras, também atuamos: crianças, adolescentes, jovens, 
estudantes e apreciadores de arte. Abordaremos a imagem pela perspectiva 
iconográfica, iconológica e no âmbito dos estudos da cultura visual, no qual a 
imagem é documento visual e artefato. No âmbito da imagem como fonte 
histórica, analisamos a tensão existente entre o seu uso como testemunho e/ou 
como representação, ou seja, a imagem como representação do passado, mas 
também como instrumento para construí-lo.
No segundo capítulo da disciplina, aproximaremos os debates sobre a 
linguagem visual ao campo das técnicas e tecnologias. Arte, fotografia, cinema e 
televisão são linguagens visuais, mas vão além. São técnicas, ou melhor, fazem 
parte de uma produção artística técnica que se relaciona com a modernidade, 
com tecnologias e que se inserem em uma outra dinâmica de produção de 
sentidos. Vamos abordar a discussão clássica sobre a obra de arte na era de sua 
reprodutibilidade técnica e também problematizar os registros audiovisuais como 
linguagens possíveis de produção e apropriação do conhecimento histórico.
O terceiro capítulo da disciplina está dedicado à relação entre imagem e 
ensino de História. Tal relação, embora não seja nova, encontra-se em franco 
desenvolvimento. As possibilidades de utilização de imagens em sala de aula, 
em quaisquer dos níveis de formação, é um tema de suma relevância em 
uma sociedade como a nossa, na qual impera a visualidade. Levantamos as 
possibilidades de utilização da imagem como objeto e fonte para a construção do 
conhecimento histórico escolar e sugerimos, finalmente, propostas didáticas que 
inspirem cada um e cada uma a empregar recursos imagéticos na disciplina de 
História.
CAPÍTULO 1
HISTÓRIA E LINGUAGEM VISUAL
A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes 
objetivos de aprendizagem:
• Analisar e compreender os conceitos e códigos que envolvem a leitura de 
imagens, no âmbito de diferentes perspectivas teóricas que pensam a imagem 
como linguagem. 
• Apreender as especifi cidades dos documentos imagéticos enquanto fontes 
históricas e além, sobretudo em relação a sua qualidade de representações que 
indiciam sobre dado contexto histórico, oferecendo também um testemunho 
sobre ele.
• Ser capaz de realizar a análise crítica de imagens, situando-as na produção do 
conhecimento histórico como uma categoria de documento que é, ao mesmo 
tempo, fonte e objeto de investigação, com as características próprias de sua 
materialidade e lugar de produção.
8
 Linguagem Visual na HistoriograFia
9
HISTÓRIA E LINGUAGEM VISUAL Capítulo 1 
1 CONTEXTUALIZAÇÃO
Realizar uma leitura crítica de imagens, imprescindível ao saber histórico, 
requer o conhecimento dos critérios investigativos da imagem enquanto produto 
cultural, coisa feita por homens e mulheres, com intenções, que comunicam e 
que expressam através de diferentes aportes: plasticidade, elementos formais, 
estéticos, iconográfi cos etc. Para que possamos inquerir uma imagem, qualquer 
que seja, enquanto produto visual ou como fonte documental, que aporta um 
testemunho, será preciso caminhar primeiro entre o universo das artes e seu 
encontro com a semiótica. Deste encontro resultaram diferentes métodos de 
leitura de imagens, os quais teremos a oportunidade de conhecer e “provar” em 
um primeiro momento deste Capítulo I.
Não estranhe se neste primeiro momento a discussão desenvolver-se 
de maneira lenta, abordando metodologias de leitura de imagens que não são 
específi cas do campo historiográfi co. Elas são importantes, pois o conceito 
“leitura de imagens” é oriundo dessas interceptações que os diferentes campos 
do conhecimento realizaram e realizam entre as artes visuais. Requer também 
alguma atenção o fato de que a concepção da imagem como algo que pode 
ser “lido” não refl ete um consenso entre historiadores e historiadoras, talvez por 
isso os métodos de leitura de imagens fi quem restritos a esta parte inicial da 
discussão. Nos dois outros momentos do capítulo, utilizaremos a noção de que as 
“inquerimos”, o que certamente abrange com maior precisão a sua utilização pelo 
saber historiográfi co.
No segundo e no terceiro momento do capítulo, situaremos as discussões 
oriundas do fazer historiográfi co, como as relações entre História e imagem, 
imagem e memória, imagem e documento. Quais são as perguntas que o 
historiador/a pode ou deve fazer ao artefato visual na tessitura historiográfi ca? 
Há uma relação direta entre a natureza visual de um problema histórico e as 
respostas disponíveis na visualidade de um produto inquerido? A imagem compõe 
um sistema linguístico? Buscaremos, se não resolver, ao menos discutir essas 
e outras celeumas próprias do nosso campo, apresentando algumas das ideias 
centrais.
Um dosos objetos 
prediletos de nossa atenção são, hoje, menos os informes pontuais, os dados, os 
acontecimentos, e mais as maneiras de viver ou de pensar, particulares à época 
que testemunham e que, talvez, estejam ali presentes a contragosto, ou seja, sem 
que a sua produção ou autoria tenha assim desejado expor-se. Nossa represália 
em relação à dependência que temos dos documentos, para escrever a História, 
consiste em usar a astúcia para saber muito mais sobre eles do que eles julgaram 
sensato nos dar a conhecer.
No entanto, a partir do momento em que não nos limitamos “a registrar [pura 
e] simplesmente as palavras de nossas testemunhas, a partir do momento em que 
tencionamos fazê-las falar [, mesmo a contragosto], mais do que nunca se impõe 
um questionário. Esta é, com efeito, a primeira necessidade de qualquer pesquisa 
histórica bem conduzida” (BLOCH, 2001, p. 78). Qualquer fonte documental, tendo 
testemunhado muito mais do que se vê na superfície, não fala senão quando se 
sabe interrogá-la. Claro está que, como em qualquer roteiro, entrevista, expedição 
ou outra operação que enseje um passo a passo, no interrogatório das fontes, 
haverá sempre desvios, alterações no itinerário, mudança nos planos. Mas impor 
um questionário é estar ciente de que o testemunho, ao não ser submisso, 
37
HISTÓRIA E LINGUAGEM VISUAL Capítulo 1 
não se dá com a facilidade que se espera: é preciso pressioná-lo, por assim 
dizer, com a força das perguntas pertinentes.
Pontuados tais pressupostos, uma questão está, ainda, a nos interpelar. 
Existe, no interior do método crítico da ciência histórica, uma especifi cidade 
metodológica relativa às imagens? Em Testemunha ocular Peter Burke (2017) 
oferece uma contribuição destacada para o uso de imagens como evidência 
histórica. Segundo o historiador, existe um debate historiográfi co que deve 
ser situado previamente à problematização dos usos das imagens pelo saber 
histórico, que se refere ao confl ito permanente entre positivistas e estruturalistas. 
Para os primeiros, as imagens oferecem informações confi áveis sobre o mundo 
exterior; perscrutam-na, portanto, para perceber a realidade além dela. Já os 
estruturalistas focam-se na imagem e somente nela, em sua organização interna, 
nas relações entre suas partes, entre uma imagem e outra do mesmo gênero, 
pontuando que a imagem não informa sobre uma realidade, mas sobre uma 
representação sempre situada de dada realidade.
Há, enquanto proposta metodológica, uma terceira via? Burke acredita que 
sim, que há outro caminho sendo trilhado por historiadores e historiadoras, mas 
que inexiste, por ora, um manual. Entretanto, sabe-se já que esta terceira via não 
se situa no meio da estrada, entre as duas propostas apresentadas anteriormente 
(a positivista e a estruturalista), mas fazendo cuidadosas distinções que se referem 
aos dois pressupostos teórico-metodológicos da prática histórica tradicional 
(lugar de produção do documento e questionário a ele aplicado), inserindo as 
críticas pertinentes do campo visual. A título propositivo, Burke apresenta quatro 
observações, das quais podemos nos aproximar no trabalho de análise 
crítica de imagens.
I - As imagens não dão acesso ao mundo social diretamente, mas sim a 
visões contemporâneas daquele mundo. Não podemos esquecer, por exemplo, 
que tendências opostas de produtores de arte idealizam e satirizam o mundo 
que representam, sendo necessário distinguir entre representações do típico e 
imagens do excêntrico.
II - O testemunho das imagens necessita ser colocado nos seus devidos 
contextos, cultural, político, material etc., incluindo as convenções artísticas 
e pictóricas de determinado tempo e lugar. Nos contextos inserem-se também 
as questões relacionadas às funções da imagem, os interesses do artista, do 
patrocinador, do cliente.
III - Séries de imagens oferecem testemunhos mais confi áveis do 
que pode aportar uma imagem individual. Quer dizer, uma “história serial” se 
apresenta mais fértil; seja uma multiplicidade de imagens de um mesmo período, 
38
 Linguagem Visual na HistoriograFia
a fi m de abordá-lo, seja ao observar mudanças nas imagens de um mesmo tema, 
ao longo do tempo.
IV – É preciso ler nas entrelinhas das imagens, observar pequenos 
detalhes, notar as ausências signifi cativas; usar estas observações para 
apreender informações que os produtores das imagens não sabiam que sabiam 
ou suposições que não estavam conscientes de expressar.
As observações de Burke são válidas como síntese do que tratamos de 
abordar neste apartado sobre o método crítico das fontes em História, que foi 
desenvolvido conforme o itinerário de Marc Bloch. Agregamos, no entanto, 
uma última questão, também sumária: é possível afi rmar que as imagens se 
prestam melhor, como documentos, como fontes documentais, às problemáticas 
específi cas do campo visual? Os autores chamados a colaborar nesta narrativa 
estão de acordo em pontuar que se trata de um equívoco imaginar que a cada 
problema histórico corresponde um tipo de documento específi co para este 
uso. Atentam, também consensualmente, que o conhecimento histórico mais 
qualifi cado, fi ável e prazeroso se constrói com o diálogo entre fontes documentais 
diferentes e as mais variadas possíveis: “quanto mais a pesquisa [...] esforça-se 
por atingir os fatos profundos, menos lhe é permitido esperar a luz a não ser dos 
raios convergentes de testemunhos muito diversos em sua natureza” (BLOCH, 
2001, p. 80).
Convencidos e convencidas de que as imagens, em toda a variedade em 
que se apresentam no universo do campo visual, podem ser utilizadas como 
fontes para a escrita da História problematizaremos, a seguir, alguns destes usos 
frequentes. A imagem como testemunho e representação de dada sociedade, 
cultura ou ação situada no tempo será o foco da abordagem, havendo, fi nalmente, 
espaço para discutirmos a questão da imagem enquanto linguagem e como tal, 
inspecionar os elementos que conformam o seu enunciado.
4 A IMAGEM COMO TESTEMUNHO E/
OU REPRESENTAÇÃO
Ouvimos com frequência, ao longo da trajetória acadêmica, a sugestão 
de não utilizarmos imagens em nossos trabalhos, se elas se fi zerem presentes 
apenas enquanto ilustrações. O conselho constitui um “não faça isto”, tendo por 
base a historiografi a: a maior parte dos trabalhos de História que utilizam imagens 
ou são estudos específi cos sobre o campo visual ou as inserem a fi m de ilustrar 
conclusões que a narrativa já havia chego através de outras fontes. De fato, como 
sugerido por Peter Burke (2017), alguns dos estudos pioneiros na utilização de 
39
HISTÓRIA E LINGUAGEM VISUAL Capítulo 1 
imagens possuem a característica de investigar temas em que o apelo ao visual 
assume maior importância por serem escassos vestígios oriundos de outras 
fontes, caso, por exemplo, da “pré-história”.
De qualquer forma as imagens, sendo bem exploradas ou apenas 
superfi cialmente, aportam um testemunho e evidências específi cas para o 
levantamento de hipóteses. A concepção de testemunho, conforme a temos 
utilizado, refere-se à característica de um artefato ter sido contemporâneo de um 
momento histórico: quem se atreve a dizer que as pinturas rupestres encontradas 
na Serra da Capivara, no Estado do Piauí, não testemunham sobre a presença 
humana no local, desde 25 mil anos atrás? Não é testemunho no sentido 
de “prova”. É testemunho no sentido de haver compartilhado, feito parte 
daquele contexto, podendo, por esta razão, ser inquerido em relação a ele. 
Sigamos com este exemplo, por meio da abordagem da Figura 10.
FIGURA 10 – PINTURA RUPESTRE DO PARQUE NACIONAL 
SERRA DA CAPIVARA, PIAUÍ/BRASIL
FONTE: . Acesso em: 6 nov. 2019.
40
 Linguagem Visual na HistoriograFia
Qual é o testemunho dado por esta imagem? Com certeza, ela testemunha 
a presença humana na região; que estas pessoas manipulavam o ocrevermelho; 
que representavam fi guras humanas; e que, em suma, expressavam-se 
pictoricamente. Já em relação ao que a imagem indicia – no sentido de vestígio, 
possibilidade, evidência – pode-se pontuar a existência de códigos de conduta 
e práticas de castigo. O que não podemos afi rmar, senão por meio de outras 
fontes, são as motivações do castigo, se eram perpetrados por homens ou por 
mulheres, se os castigados eram crianças ou adultos, quais eram as funções da 
representação desta prática, dentre outras questões que a imagem nos suscita. 
Com isso queremos colocar uma questão inicial: o testemunho oferecido por 
uma imagem tem limites, não podendo ser compreendido como manifestação de 
uma mensagem autevidente, tampouco super interpretado, inferindo-se sobre ele 
muito mais do que apenas indicia.
Não ignoramos o fato de que uma imagem pode manifestar um desejo, 
uma aspiração, ou uma representação subjetiva de uma realidade, sem que 
nada palpável acerca dessa realidade possa dela ser apreendido. No entanto, 
uma imagem testemunha de maneira mais qualifi cada quando aponta para um 
fenômeno social. As imagens são uma forma importante de evidência histórica, 
sobretudo quando registram atos de testemunho ocular. Recordemos a existência 
de uma cultura e mesmo de um estilo artístico designado “estilo testemunho 
ocular”, no qual aos iniciantes das artes se instruía representar o mundo tal qual se 
deixava ver. Esta tradição, que remonta à Grécia Antiga, inspira atualmente estilos 
como a arte documentária, os retratos, as crônicas do cotidiano, o fotojornalismo, 
por exemplo. Foi um estilo artístico muito valorizado nas campanhas de guerra 
no século XVIII e XIX, quando artistas compunham as tropas dos exércitos com a 
função de observar e testemunhar as batalhas, a fi m de narrá-las visualmente de 
forma realista.
Em Testemunha ocular, o historiador Peter Burke sumariou usos e abordagens 
das imagens segundo uma classifi cação estética ou de estilo, a saber: fotografi as 
e retratos; iconografi a e iconologia; o sagrado e o sobrenatural; poder e protesto; 
cultura material através das imagens; visões da sociedade; estereótipos do outro; 
narrativas visuais; de testemunha a historiador; além da iconografi a; e, História 
cultural das imagens. É importante que se tenha em mente este sumário, porque 
a obra de Burke fez uma espécie de apanhado geral sobre as metodologias e 
usos do campo visual na historiografi a, mas também delineou possibilidades em 
cada uma destas classifi cações. Limitamo-nos a abordar parte deste sumário, 
em relação às imagens como testemunhos/evidências em dois sentidos: um 
mais literal, quando as imagens informam sobre uma determinada cultura 
material, e outro, em que permitem contextualizar dada concepção de 
mundo, ou examiná-las quanto às mentalidades, aí incluídos os estereótipos. 
Um terceiro momento de refl exão insere-se no campo que o historiador designou 
41
HISTÓRIA E LINGUAGEM VISUAL Capítulo 1 
“além da iconografi a”, no qual abordaremos a contribuição da semiótica na análise 
da produção visual considerada “de massa”.
Na construção material de uma sociedade, nem todos os artefatos são 
produzidos com materiais aptos a resistir ao tempo. Um bom exemplo são os 
telhados. Lembremo-nos das ruínas de Machu Picchu, no Peru: as muralhas, 
paredes e caminhos da ciudadela construída no século XV estão preservados, 
mas falta-lhes a estrutura superior. Esta, feita com vigas de madeira e coberta 
com ichu, um tipo de palha local, não durava mais do que três ou quatro anos, 
com manutenções periódicas. Isso se infere por meio de estudos arqueológicos 
e, principalmente, através da tradição oral, uma marca da cultura Inca. Fora de 
dúvida está que uma imagem originária desta população em relação as suas 
habitações ou mesmo uma representação dos conquistadores espanhóis teria 
sido de grande contribuição para enriquecer análises sobre sua cultura material, 
já que se tratava de uma sociedade não escrita.
O valor das imagens como evidência para a História do vestuário é 
igualmente destacado. Neste quesito ela informa sobre o que se vestia, quais os 
tipos de tecido ou a composição das peças e cores, mas também as infl uências, 
aproximações ou inovações de uma dada indumentária no interior de uma 
comunidade, Estado ou em relação à contextos internacionais. Pensemos na 
quantidade de indícios fornecidos pela pintura holandesa da segunda metade 
do século XVI e decorrer do XVII, por exemplo, em relação aos alimentos, à 
arquitetura das casas, à composição dos gêneros numa cozinha, à presença 
de animais entre os habitantes da residência etc. Parece evidente que, ao nos 
lançarmos à investigação historiográfi ca, temos que questionar: porque esta 
imagem, que representa um lar comum, ou a vista panorâmica de uma cidade, 
por exemplo, “mentiria”? Quais razões teria o artista para retratá-la como não 
era? Quais elementos podem ter sido exagerados ou ocultados?
Conforme destacado por Burke, algumas evidências da cultura material 
são mais confi áveis. No caso da pintura da República Holandesa, o fato de que 
seus artistas estiveram “entre os primeiros a pintar vistas externas das cidades e 
interiores domésticos, para não mencionar natureza morta, é uma valiosa pista 
para a natureza da cultura holandesa no período” (BURKE, 2017, p. 129). De fato, 
nesta cultura dominada por cidades e mercadores, a observação e o detalhe, tão 
valorizados, fi zeram surgir uma arte descritiva que se apresenta, por isto mesmo, 
rica em indícios e testemunhos para a escrita da História. Aqui a ressalva se 
constitui no cuidado de não se tomar como testemunho ocular o que na realidade 
podem ser versões revisadas de uma imagem, ou ainda, uma representação de 
dado contexto sobre outro. Em um exemplo extremo, seria como tomar a Madonna
de Da Vinci (Figura 8) como indiciária de elementos da época do nascimento de 
Jesus, sendo que fora produzida quinze séculos depois.
42
 Linguagem Visual na HistoriograFia
As imagens do cotidiano têm o poder de nos fazer adentrar no seu universo, 
pois possuem caráter realista, mas também despretensioso. Temos que recordar, 
no entanto, que ambas as características são ilusórias. É comum que as 
imagens transmitam certa distorção da realidade, caso das pinturas que informam 
sobre a arquitetura de uma cidade, por exemplo. Ao mesmo tempo em que seu 
testemunho possui um valor ímpar, porque permite de uma só vez e de forma 
geral, abstrair uma composição complexa de elementos que os textos – supondo-
se que existam – demorariam muito a explicar, o estilo artístico arquitetônico 
ou de paisagem urbana costuma representar as cidades mais limpas e menos 
populosas do que de fato se encontravam no momento da observação.
Esse é o caso da impressionante pintura de Jan Van Der Heyden (Figura 11), 
um expoente da pintura holandesa do século XVII, em A barragem e Damrak. A 
imagem é povoada por gentes e por construções de diferentes períodos históricos, 
mas ela não deixa de apresentar-se organizada e asseada. Isso é o resultado de 
uma “limpeza” estética, típica do gênero. O inverso de tal “limpeza” também pode 
ocorrer: a desordem e a sujeira podem ser destacadas ou exageradas quando a 
imagem possui uma retórica política ou moral. Ainda sobre a obra de Heyden, seu 
fator realidade reside na segurança que ela expressa em relação ao testemunho 
ocular do artista. Ou seja, ela nos convence, dada a sua técnica apurada, a 
perfeita perspectiva e o jogo de sombras, que o artista estava justamente no 
mesmo lugar que ocupamos a admirar a paisagem urbana. 
FIGURA 11 – A BARRAGEM E DAMRAK (C. 1663),
JAN VAN DER HEYDEN
FONTE: . Acesso em: 6 nov. 2019.
43
HISTÓRIA E LINGUAGEM VISUAL Capítulo 1 
Sugestão de fi lme: Moça do brinco de pérola (2004). Trata-se 
da adaptação fílmica de um romance baseado na origem do quadro 
homônimo, um dosmais famosos de Johannes Vermeer. Para além 
do drama central envolvendo uma jovem camponesa e o pintor, os 
cenários, fi gurinos e as relações de mecenato do meado do século 
XVII na Holanda estão muito bem representados.
Quando nos referimos aos testemunhos da imagem em relação à cultura 
material não estamos apenas sugerindo que elas apresentam indícios da 
existência ou não de dado objeto, instrumento, vestimenta ou mobiliário, mas que 
eles evidenciam a organização e o funcionamento dos objetos investigados. Este 
tipo de “informe” raramente se apreende em textos escritos. 
O exemplo da Figura 12 pode tornar mais claro tal argumento. A obra, uma 
aquarela de Jean-Baptiste Debret, foi produzida entre 1820 e 1830 e intitula-se 
Loja de Sapateiro. A imagem retrata um sapateiro português, proprietário de seu 
comércio e dos africanos escravizados que o auxiliam nos serviços que presta. 
Um deles, em razão possivelmente de dano causado a alguma peça, é visto 
sendo castigado com uma palmatória, sob o olhar temeroso do companheiro à 
direita do observador e caçoísta da senhora à esquerda, possivelmente, a esposa 
do sapateiro, a amamentar uma criança. 
Repare-se na riqueza de indícios da cultura material do espaço: as 
ferramentas, os utensílios, a palmatória. A imagem informa que o comerciante 
produz sapatos variados, para um público de posses. No alto se veem botinas 
em couro; no interior do ímpio móvel envidraçado, a cobrir toda a parede traseira 
do estabelecimento, observam-se sapatos de seda. Em relação a estes últimos, 
a coloração clara não deixa dúvidas de que se trata de calçados para o público 
feminino. A delicadeza do armazenamento e o asseio do espaço denotam tanto 
o cuidado com um produto custoso, voltado a uma determinada pertença social, 
como a frequência do lugar por estes indivíduos. Quer dizer, não se tratava de 
uma ofi cina frequentada exclusivamente pelos trabalhadores. Tudo o que compõe 
o lugar destinava-se a ser visto, inclusive os trabalhadores e a prática do castigo.
O estilo dos móveis, comuns para um contemporâneo, talvez não tenha 
sido registrado em detalhes em outras tipologias de documentos. Por sua vez, 
a organização do lugar e a disposição do espaço, entre o armário e o móvel 
central (possivelmente para o atendimento) e a dos trabalhadores se daria com 
difi culdade em um documento escrito, nisto residindo sua contribuição mais 
44
 Linguagem Visual na HistoriograFia
importante. Já a indumentária da imagem corrobora o exposto noutras fontes: 
enquanto os escravizados vestiam roupas claras, feitas de baetão – tecido de lã 
grosso, dos mais baratos da época – e não levavam calçados, os homens livres, 
porém sem grandes fortunas, vestiam-se com modéstia, mas portavam sapatos 
e calças compridas, nisso diferenciando sua indumentária daquela voltada aos 
homens e mulheres de sua propriedade.
FIGURA 12 – LOJA DE SAPATEIRO, (1820-1830), JEAN-BAPTISTE DEBRET
FONTE: . Acesso em: 6 nov. 2019.
Para o estudo das mentalidades, as imagens constituem também fontes de 
notório valor. Podemos inclusive pontuar que a abertura do campo historiográfi co, 
no sentido da abordagem de novos temas, novos problemas e novas perspectivas, 
foi possível pela incorporação de outras fontes que não as ditas “ofi ciais” para a 
escrita da História, como aquelas do campo visual. Uma história da morte, do 
amor, da infância, problemáticas investigativas da chamada “história vista de 
baixo”, a cultura popular como um todo: se bem é verdade que escritos, diários, 
relatos podem dar conta destas temáticas, também é verdade que as imagens 
permitiram enriquecer grandemente estes estudos ao longo do século XX.
Vêm-nos à mente, tão pronto colocamos esta questão, a obra de Philippe 
Ariès, História Social da Criança e da Família. O historiador investigou a 
emergência de um “sentimento de infância” no início da Era Moderna, utilizando 
45
HISTÓRIA E LINGUAGEM VISUAL Capítulo 1 
como fontes documentais artefatos de patrimônio material dos cemitérios, tratados 
sobre educação de crianças e jovens e imagens do período. Para o historiador, 
a alteração nas representações da infância se vinculava às sensibilidades 
dos adultos em relação a essa fase da vida, evidenciando o momento de 
transformação nas relações entre adultos e crianças e pais/mães e fi lhos. A obra, 
não ignoramos, tem sido alvo de diversas críticas ao longo dos mais de trinta 
anos desde a sua publicação. A principal delas, a nosso entender, é a que acusa 
o autor de negligenciar a mudança nas convenções de representação, vendo 
demasiada ausência de representações da infância durante a Idade Média e 
entendendo-a, por analogia, como ausência de sentimento em relação a esta fase 
da vida. De qualquer forma, seu trabalho tornou-se uma referência pioneira na 
utilização de imagens para o estudo das mentalidades, mas alerta também sobre 
as suas difi culdades.
Um exemplo de sensibilidades apreendidas no âmbito político são as 
charges e as caricaturas do Segundo Império brasileiro. Elas testemunham de 
maneira ímpar a existência de um tipo de antimonarquismo que, ao mesmo 
tempo que satirizava a situação social e política do país, construía uma imagem 
do Imperador. Como nos mostrou Lilia Moritz Schwarcz (2014), os idealizadores 
da República no Brasil, no bojo das tensões travadas com os monarquistas, 
lograram formular a conexão entre a imagem de Pedro II como um velho e a 
obsolescência do regime que conduzia. Imagens do Imperador dormindo, alheio 
aos temas do país, abundaram nos jornais da época. Tratava-se, neste caso, de 
uma representação visual do Imperador, mas também da manifestação de uma 
imagem mental dos sentimentos que o monarca suscitava entre seus opositores. 
(Indicação de leitura: SCWARCZ, 2014. Trata-se de uma premiada biografi a de D. 
Pedro II que aborda concepções acerca do monarca construídas no contexto da 
crise do Império.)
Vejamos a Figura 13, uma caricatura intitulada Manipanso Imperial publicada 
no jornal O Mequetrefe, em 1878. Primeiramente devemos ter em conta que uma 
caricatura ou charge não se produz tão somente para ilustrar uma ideia, mas 
para convencer e infl uenciar a formação de uma imagem mental sobre alguma 
coisa. Conforme esclarece a historiadora Joelza Esther Domingues (2016, s/p), 
“Manipanso é uma palavra de origem quicongo para designar um ídolo africano 
que representa o ancestral de um clã”. Apesar de a caricatura pautar-se num estilo 
fantástico original, nota-se que o Imperador fora representado com fi sionomia 
realística. A princípio, parece evidente o intento de acusá-lo pela centralização na 
distribuição de privilégios e cargos, estes representados pelas pastas que segura 
nas múltiplas mãos. A serenidade no olhar se choca com o colar de crânios 
humanos que leva posto, o que sugere a impiedade de sua personalidade. 
46
 Linguagem Visual na HistoriograFia
FIGURA 13 – MANIPANSO IMPERIAL, CÂNDIDO ARAGONEZ 
DE FARIA. O MEQUETREFE, 10/01/1878
FONTE: . Acesso em: 6 nov. 2019.
Sugestão de site: . A 
autora do site é professora de História e oferece sugestões de 
documentos e fontes de diversos temas do currículo da disciplina 
para se trabalhar em sala.
Como parte importante da campanha republicana, as caricaturas se davam 
à apreciação junto a textos que expunham os problemas do regime, mas elas 
informam também um enunciado próprio. No caso, a imagem do Imperador 
representava um sistema de governo obsoleto e antiquado – observe-se o 
manipanso, distribuindo cargos sem critério além do seu poder discricionário. 
Videm-se também as fi guras em menor escala: sustentando-o, fi gurativamente – 
porque estão abaixo –os políticos e o Exército são pelo Manipanso sustentados, 
47
HISTÓRIA E LINGUAGEM VISUAL Capítulo 1 
já que ele é a fonte de seu status quo. O elemento pictórico em si corrobora este 
enunciado: a representação tribal de um líder sentado confortavelmente em uma 
grande almofada suscita o sentimento de que ele e o regime que representa 
estão situados em outro tempo social. Voltando à questão que temos feito: o 
que imagens como essa podem testemunhar? Nesse caso, elas são, no mínimo, 
testemunhas da criação de instrumentos para expressar, visualmente, uma ideia 
subjetiva sobre o Imperador Pedro II.
Parece necessário pontuar que a distinção entre a imagem como testemunho 
e a imagem como representação não se sustenta. Isso porque qualquer imagem 
concreta, mesmo em relação a uma imagem mental sobre dado período ou 
personagem, não pode ser outra coisa senão uma representação daquele 
momento ou pessoa. No caso de um retrato em que o artista – suponhamos que 
assim seja – reproduziu fi elmente as características de seu modelo, por exemplo, 
no retrato de Getúlio Vargas (Figura 14), nem por isso o retrato deixa de ser 
uma representação do estadista. Aqui operamos com a noção de representação 
como uma forma de reproduzir, simbolizar, ser a imagem de uma coisa, período, 
sentimento, lugar. Mas representação também no sentido de “estar no lugar de”, 
no sentido de uma atuação que substitui a coisa em si. 
FIGURA 14 – RETRATO DE GETÚLIO VARGAS (1938)
FONTE: . Acesso em: 6 nov. 2019.
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 Linguagem Visual na HistoriograFia
No retrato em análise, as características fi sionômicas de Getúlio se deixam 
reconhecer, pretendendo-se uma obra realista, inclusive tendo em vista a sua 
fi nalidade expositiva no panteão dos estadistas brasileiros, na sede do Governo 
Federal. No entanto, o retrato não dissimula seu caráter lisonjeiro. Realizada em 
1938, a pintura apresenta um homem de 56 anos, com aparência, porém, mais 
jovial. Seu biotipo físico fora igualmente alterado: ali, parece mais magro e alto do 
que realmente foi. A faixa presidencial e o cenário onde foi retratado demonstram 
o desejo de uma memória histórica específi ca, a saber, ser lembrado com as 
insígnias do cargo que ocupou – embora isso seja em parte a continuidade de 
uma tradição no país. Finalmente, uma sombra pairava sobre o governante: a 
de sua ilegitimidade. Tendo em vista consagrar-lhe a insígnia da legalidade, 
segurava fi rme numa das mãos – sugerindo-se inclusive que nela se apoiava – a 
Constituição Federal de 1937.
Tendo sido esclarecida esta ponderação – a de que uma imagem será 
sempre uma representação, não importa o grau de fi delidade atribuído em 
relação ao modelo ou sua pretensão à testemunha ocular – tomemos um 
exemplo de representação no extremo: imagens construídas sobre o “outro”. 
De acordo com Peter Burke (2017), as maneiras com as quais lidamos com o 
outro, com aquele que é diferente de mim, na tentativa de compreendê-lo, são 
duas: a domesticação do exótico por analogia à minha cultura; e a construção 
da outra cultura em oposição a que eu pertenço. Este tipo de representação 
designa-se, grosso modo, estereótipo, e se observa entre duas culturas: a 
portuguesa e a generalidade dos indígenas; entre religiões: no caso dos judeus e 
dos muçulmanos; ou entre integrantes de uma mesma pertença social, como nas 
representações masculinas sobre as mulheres.
Entre os exemplos mais familiares de estereótipos do outro, para nós, está 
o dos indígenas que habitavam o território brasileiro quando da sua invasão 
pelos portugueses. As populações indígenas foram objeto de inúmeras imagens, 
relatos e publicações no Velho Mundo, sobretudo nos séculos XV e XVI, tendo 
alcançado vendagem signifi cativa dado o interesse que despertavam. Assim como 
as “raças monstruosas” que faziam parte do imaginário europeu no período das 
navegações, é importante lembrar que a produção de imagens sobre sociedades 
remotas não fora de todo “inventada”. Em que pese o fato de grande parte delas 
ter sido produzida por homens que jamais pisaram em solo americano, essas 
visões distorcidas acerca do “outro” que, além de diferente, era alguém que 
se desconhecia, ilustra tanto os medos dos europeus frente ao mundo que se 
ampliava, quanto a sua autopercepção em termos de humanidade e civilização. 
Neste caso, o “outro”, além de bárbaro, revelava-se através das imagens enquanto 
privado de humanidade.
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HISTÓRIA E LINGUAGEM VISUAL Capítulo 1 
FIGURA 15 – COZINHANDO E COMENDO, (1592), THEODOR DE BRY
FONTE: . Acesso em: 6 nov. 2019.
Na imagem de De Bry, vemos a cena de uma refeição em que o alimento 
é a carne humana; uma típica representação de canibalismo, com Staden 
representado atrás a gesticular sobre a barbaridade do ato. Os homens têm 
partes do corpo cobertas de pelo, plumas ou penas e estão do lado oposto ao 
ocupado pelas mulheres. Destaca-se a representação de duas mulheres velhas, 
à esquerda, com os seios fl ácidos (havia uma terceira na imagem original, cortada 
nesta que reproduzimos), a grande moradia que fi gura no plano mais ao norte da 
imagem e a gordura que goteja dos membros sobre a fogueira.
Nenhuma imagem foi mais fértil em relação a esta falta de humanidade 
do indígena do que o discurso do canibalismo. Tomemos o exemplo da Figura 
15 de autoria de Theodor de Bry, publicada no ano de 1592, De Bry era um 
ourives e editor de origem Belga, inserido no grupo daqueles interessados nos 
“descobrimentos”, mas que nunca esteve no Brasil. Suas imagens sobre o Novo 
Mundo foram produzidas em chapas de cobre (método designado “água-forte”) 
e inspiraram-se, sobretudo, no relato e nas imagens de Hans Staden – um 
explorador mercenário alemão que foi prisioneiro dos Tupinambás durante nove 
meses, na região situada entre a atual cidade do Rio de Janeiro e a de Bertioga 
em São Paulo.
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 Linguagem Visual na HistoriograFia
Além de todas as liberdades que De Bry tomou em relação às imagens de 
Staden, nesta, em particular, a antropofagia foi retratada não como um ritual, mas 
como uma prática ordinária de alimentação. Isto dá margem para que se “leia” 
o canibalismo enquanto naturalizado, seja para o grupo em questão, seja para 
a totalidade dos grupos indígenas, já que a prática foi generalizada sem muito 
critério. Isto, hoje sabemos, está longe de ser verídico. Em termos pictóricos, 
não só a representação indígena na imagem não informa sobre os caracteres 
fi sionômicos dos Tupinambás, como a sua feição é grotesca, monstruosa, 
atualizando as representações do outro entre os europeus, que agora se 
encarnavam no habitante da América Portuguesa: exótico, inculto, primitivo, 
desumano e cruel.
Como observou a historiadora Darlene Sadlier (2016), nada na gravura de 
De Bry é “tipicamente brasileiro”: reparem nos corpos esculpidos, nos cabelos 
longuíssimos da representação feminina mais à frente, que parece inspirado na 
Vênus de Botticelli. O destaque dado à prática do canibalismo pelos europeus 
não fora o resultado apenas de sua repulsa ou curiosidade, mas constituiu-
se na prova de que a noção de cultura se limitava à civilização e esta não era 
encontrada senão no Velho Continente. Neste sentido, a imagem de De Bry, como 
outras, informa muito pouco sobre a realidade Tupinambá do meado do século 
XV e muito sobre o imaginário europeu, de si e do outro, no mesmo período.
O estereótipo, no entanto, nem sempre se constitui como imagem negativa. 
O caso de Eugene Delacroix, pintor francês que viveu no século XVIII, é ilustrativo. 
Fascinado com a cultura oriental, o artista produziu desenhos e pinturas lisonjeiras 
de mulheres belíssimas e misteriosas, de uma cultura muçulmana luxuosa em 
cores e em ouro. Estas imagens não estão mais longe de serem estereótipos doque a representação dos indígenas pelos europeus. Em primeiro lugar, o “oriente” 
se resumiu à observação de umas poucas cidades muçulmanas, do que resulta 
uma enorme generalização. Depois, como o próprio artista assumiu, as mulheres 
muçulmanas não se deixavam retratar, motivo pelo qual usou modelos judias 
para inspirar as suas obras, inserindo as insígnias exóticas que observava nas 
muçulmanas. Neste caso, temos num mesmo exemplo a representação de um 
estereótipo e a distorção de uma realidade.
Outro exemplo foi a emergência do sentimento romântico em relação aos 
indígenas brasileiros. É verdade que ele foi gestado, no século XVIII, junto 
aos propósitos nacionalistas, mas também é um fato que o bom selvagem de 
Rousseau adquiriu, no Brasil, nuances daquilo que “éramos”, ou seja, do que 
não somos mais, ou ainda, do que aspiramos enquanto identidade coletiva. 
De qualquer forma, tratava-se de um “outro” positivamente estereotipado, que 
se deixa ver muito bem pelas pinturas “nacionalistas” do século XIX. É curioso 
51
HISTÓRIA E LINGUAGEM VISUAL Capítulo 1 
pensar que, no curso da história, os indígenas passaram de selvagens canibais a 
modelo de bondade e pureza.
Orientamo-nos, a partir de agora, para a parte fi nal da discussão sobre a 
linguagem visual na operação historiográfi ca, abordando as contribuições da 
semiótica para o campo da chamada “cultura de massa”. Designamos nossos 
artefatos de análise de fontes “documentais” porque esta nomenclatura é uma 
herança do ofício, dos tempos em que apenas documentos – no sentido lato, de 
textos escritos por uma ofi cialidade que confere, afi rma, um estado ou condição 
– eram confi áveis provas dos acontecimentos do passado. Mas o conceito de 
“fonte” não é menos problemático: sugere uma fonte d´água a se encontrar e nela 
a verdade sobre o passado, como se este pudesse ser avistado sem o contágio 
com intermediários. As críticas ao uso de imagens parecem residir no mais 
profundo deste postulado: na sua origem há um indivíduo que retrata o mundo 
como quer, como pode, como parece conveniente. Portanto, as imagens iludem, 
mentem, criam e imaginam.
O tratamento historiográfi co conferido às imagens como fontes de informação 
situadas, numa sociedade como a nossa contemporânea, eminentemente visual, 
requer do/a historiador/a de ofício a aproximação da linguagem visual à estrutura 
linguística, oral e discursiva. O conhecimento do construto teórico, ideológico, 
social, enfi m, histórico das imagens estimula uma interação crítica com o 
universo ao seu redor, que está a todo o momento gerando representações do 
mundo através do campo visual. Daí que o diálogo entre culturas possibilitado 
pelo estudo crítico de imagens tradicionais, como a arte, mas também daquelas 
disponíveis no cotidiano – como outdoors, propagandas etc. – relacione-se com a 
perspectiva histórica, ao estimular um exercício cultural mais consciente em seu 
relacionamento com o “mundo das imagens”.
Neste sentido, parece importante situar o caso das imagens como produto 
da cultura de massa. Para esta “leitura”, em específi co, são fundamentais as 
contribuições de Roland Barthes (1915-1980). Barthes foi um sociólogo francês 
que se destacou, dentre outros, no campo da semiologia – lembremo-nos da 
semiótica: ciência, teoria ou campo de conhecimento dos sistemas de signos. 
Através do estudo das imagens, das artes e da produção midiática em geral, 
Barthes realizou uma etnografi a da sociedade francesa através dos signos que 
ela emitia, oferecendo uma contribuição em relação à maneira de “ler” a produção 
visual contemporânea.
Para o historiador Rodrigo Fontanari (2016), especialista na obra de Barthes, 
é na sua Mitologias, conjunto de textos escritos entre 1954 e 1956, que o autor 
esboça uma crítica ideológica da linguagem da cultura dita de massa, apontando 
para o mascaramento ideológico operado pelos códigos das mídias ao dissimular 
52
 Linguagem Visual na HistoriograFia
a realidade e dar por natural aquilo que é historicamente construído. E como se dá 
tal mascaramento? Segundo Barthes as palavras, uma vez que a linguagem é 
naturalizada, passam pelas coisas, escondendo-se aí as intenções. Na obra 
oferece-se um modelo de desmontagem das operações discursivas dos meios 
de comunicação através de um exercício crítico de visão, que enseja perceber a 
produção de sentidos para além das aparências.
O mito é defi nido por Barthes como uma fala, um sistema de comunicação 
e uma forma de signifi cação que se defi ne não pelo que diz, mas pela maneira 
como diz. A isto chamamos “linguagem”. Para o que nos interessa nesta 
discussão, importa que saibamos problematizar o uso social e histórico que os 
falantes fazem de uma dada linguagem, por exemplo, a visual, porque este uso é 
capaz de fazer com que os objetos e as matérias passem a signifi car outra coisa, 
para além de uma nomenclatura do mundo.
Fontanari recorda que o conceito barthesiano de mito não se distancia de 
outro, aqui já abordado: o de “conotação, esse acréscimo de signifi cado ao signo” 
(2016, p. 147). O conceito de conotação aponta que é por meio do uso empregado 
à linguagem que o mito é defi nido conceitualmente, porque ele impõe ao signo 
um sentido secundário – “co-notar”, notar outra vez –, para além do desejo da 
produção visual em deixar-se mostrar francamente, como sugere o signifi cado do 
verbo “denotar”. O signo, para a semiótica, é tudo aquilo que está no lugar de outra 
coisa, ausente, passando a representá-la. Segundo André Valente (1997) com 
base nas diferentes relações entre signifi cante e signifi cado estabelecem-se três 
tipos de signos: ícone (como metáfora; imagem ocupa o lugar de algo que dela 
se assemelha); índice (como metonímia; um termo ou imagem substitui o outro 
porque o sentido de ambos é contíguo); e símbolo (de caráter conotativo; uma 
forma de convenção em que uma realidade concreta representa algo abstrato).
Vamos aos exemplos práticos. Na Figura 16 temos um exemplo de ícone: 
o desenho de um abridor de garrafa de Coca-Cola vintage. Este desenho se 
assemelha, relaciona-se e faz lembrar o produto Coca-Cola, mas trata-se de um 
ícone ligado tanto à marca quanto ao produto, mas não há o produto em si. A 
Figura 17, por sua vez, sugere que se trata da bebida Coca-Cola, porque o líquido 
é escuro, está gelado e a identidade visual do produto, como ele costuma ser 
publicitado, suscita a ideia de refrescância, o que está sendo indicado – daí o 
“índice” – pela imagem. Finalmente, a Figura 18 aporta um símbolo: o produto 
não está ali, nem representado, nem sugerido. A relação com o símbolo é 
convencional: é preciso aprender o que ele signifi ca, saber o que é uma Coca-
Cola, para compreendê-lo.
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HISTÓRIA E LINGUAGEM VISUAL Capítulo 1 
FIGURA 16 – UM ÍCONE COCA-COLA
FONTE: . Acesso em: 6 nov. 2019.
FIGURA 17 – UM ÍNDICE COCA-COLA
FONTE: . Acesso em: 6 nov. 2019.
FIGURA 18 – UM SÍMBOLO COCA-COLA
FONTE: . Acesso em: 6 nov. 2019.
54
 Linguagem Visual na HistoriograFia
A aproximação da História com os saberes oriundos da semiótica é 
notável, sobretudo em estudos que utilizam fontes documentais do mass media, 
publicidade e cultura de massa. A “leitura” barthesiana nos é importante também, 
por exemplo, em estudos que investigam fenômenos de recepção, quando se faz 
necessário analisar a produção de sentidos em âmbito coletivo. Recepção, diga-
se, não apenas no seu sentido comercial, mas que abrange também a propaganda 
política, os regimes autoritários ou as campanhas de guerra, para citar alguns 
exemplos do desenvolvimento do estilo e de fórmulas visuais de relevo voltadas 
às massas.
Embora não tenhamos a pretensão de serexperts em semiótica, porque 
isto requer toda uma formação que não possuímos como historiadores/as, seria 
importante realizar um exercício de leitura de imagem pautando-nos em tal 
perspectiva, aplicada a um produto da chamada cultura de massa. Fiquemos com 
o produto Coca-Cola. A imagem em análise (Figura 19) foi produzida como uma 
publicidade natalina da marca, no ano de 1957, tendo sido veiculada em revistas 
periódicas brasileiras.
Do ponto de vista da análise que temos feito até aqui, a publicidade se insere 
na dinâmica enquanto testemunha de um momento histórico, indiciando sobre a 
vestimenta da época, o mobiliário e os objetos, os penteados. Mas a imagem não 
pode representar tal momento histórico porque a família em tela não existe: a 
imagem é a composição de um conjunto de fatores que enunciam o embricamento 
entre família, felicidade e Coca-Cola.
Num exercício de denotação, observamos que a ambientação da família se dá 
em espaço doméstico, porém festivo, descontraído. Na cena representada, uma 
família branca, heteronormativa e nuclear troca presentes de Natal entre si. Ou, 
melhor posto, o pai, provedor da família, é quem distribui os presentes. O que está 
colocado enquanto signo é o produto Coca-Cola sendo consumido neste 
ambiente doméstico, familiar, harmonioso. Apesar da “festa”, os membros 
que a compõem são apenas o pequeno núcleo familiar, muito bem arrumados 
para uma confraternização reservada. “Conotando” a imagem, percebemos que 
ela sugere uma mensagem: os momentos simples podem se tornar grandes 
momentos com Coca-Cola, e ainda mais quando se verifi ca a presença dos três 
elementos da “fórmula felicidade”, como informa o enunciado: a família, o Natal e 
Coca-Cola.
O que não está dito é que tudo o que está representado, desde a família, 
o cenário, o produto ou a festividade, foi naturalizado, como se não fossem, 
todos estes elementos, construções culturais que variam mesmo dentro de 
uma mesma cidade, classe ou etnia. Também fi ca evidente que um produto 
55
HISTÓRIA E LINGUAGEM VISUAL Capítulo 1 
cujo apelo imperialista é inquestionável, insere-se no cenário nacional de maneira 
naturalizada. Barthes questionaria acerca desta imagem o seguinte: qual é a 
sua retórica? O que ela inspira a que nos identifi quemos? Podemos afi rmar com 
certeza que a publicidade estimula a que se vincule a festividade natalina com 
a família, com presentes. Já a família se reporta ao ambiente doméstico e tal 
domínio e suas relações como permeados pela presença de Coca-Cola.
FIGURA 19 – PUBLICIDADE DE NATAL DA COCA-COLA VEICULADA EM REVISTAS 
FONTE: . Acesso em: 6 nov. 2019.
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 Linguagem Visual na HistoriograFia
Como poucos produtos, Coca-Cola logrou ao longo do século XX consolidar 
sua imagem junto à da confraternização natalina, inserindo-se num mesmo apelo 
de consumo que hoje caracteriza esta data. No caso da bebida, por sua vez, seu 
apelo se irradia a diversas outras comemorações: dia dos pais, dia das mães, 
dia das crianças, carnaval, aniversários, reuniões entre colegas de escola ou de 
trabalho... Enfi m, a publicidade da marca sugere em cada um desses contextos 
que é um bom momento para fazer uso da bebida, para se permitir, para disfrutar. 
A análise de um produto como Coca-Cola – que é ao mesmo tempo um símbolo 
capitalista, ou de consumo, e um ícone da cultura norte-americana – tem mais 
nuances do que aquelas que apontamos. Acreditamos, no entanto, que nosso 
ponto em relação às intenções que se escondem sob a linguagem visual foi 
observado a contento.
O que se buscou abordar neste apartado foram sugestões de análise de 
imagens de acordo com o método crítico da História, entendemos produtos da 
cultura visual como testemunhos do seu contexto de produção, e que podem, por 
isto mesmo, indiciar sobre ele uma série de coisas, se logramos fazer as perguntas 
corretas. No universo das artes, abordamos alguns estilos e os cuidados a se 
tomar para que não entendamos o enunciado desse tipo de imagens como 
evidente, tampouco sobrevalorizemos o elemento pictórico ou iconográfi co. 
Destacamos a necessidade de percorrer uma terceira via analítica, como sugerido 
por Peter Burke, para incorporar com qualidade as imagens na construção do 
conhecimento histórico: suas fórmulas, estilos, elementos pictóricos, convenções, 
relações, entre outros.
Indicação de leitura: Gatto, 2018. O texto aborda alguns 
conceitos fundamentais da semiologia de Barthes aplicada a 
fotografi as, pinturas e imagens das mídias.
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
Qualquer artefato cultural se inscreve numa cadeia que engloba quem o 
produziu, quem o utilizou, quem o analisou, quem o empregou de outra forma. 
Mas as imagens, além de oferecerem seus testemunhos e indícios, permitem 
que se formem visões do passado, pois através delas imaginamo-lo melhor. 
Essa relação entre imagem e imaginação está presente na própria etimologia de 
57
HISTÓRIA E LINGUAGEM VISUAL Capítulo 1 
ambas as palavras. Também para a psicologia, por exemplo, o conceito de imago
designa uma imagem inconsciente de um objeto. O elemento estético aporta 
ao conhecimento do passado uma sensação, uma visão desse passado. Este 
postulado é dos mais importantes. Um produto visual se insere em nossa memória 
histórica como um dado, eis aí seu potencial para o conhecimento histórico, mas 
onde residem também os seus perigos.
As artes, privilegiadas na discussão que ora encerramos, poderiam haver 
sido abordadas pela perspectiva da História Social da Arte ou da Psicologia 
histórica, por exemplo. Optamos, em alternativa, por realizar um apanhado geral 
da sua utilização na operação historiográfi ca em dois sentidos. O primeiro, situado 
no apartado inicial do capítulo, apresentou propostas de leituras de imagens 
do campo do ensino de artes. Para quem está começando a se aventurar nos 
domínios da visualidade, não há melhor iniciação do que essa. A contribuição 
fundamental dada por esse campo vem no sentido de estabelecer etapas de 
apreciação artística que são fundamentais no “olhar” para a imagem e na sua 
signifi cação. Mas o ensino das artes aporta, também, ao instruir que a produção 
de sentidos se dá não apenas pela representação de alguém ou alguma coisa 
identifi cada, pois o pictórico, o gestual, o lumínico, o gráfi co, o espacial, entre 
outros passam uma mensagem, um enunciado e um sentimento.
Os outros dois apartados do capítulo estiveram focados na utilização de 
imagens pelo saber historiográfi co. Sustentamos que as fontes visuais, como 
qualquer outra, devem ser inqueridas quanto ao seu lugar de produção, além 
de submetidas a um questionário qualifi cado para a investigação em curso. Da 
mesma forma como a tradição historiográfi ca sugere que se utilizem tipologias 
documentais diversas para a construção de hipóteses e argumentos, no caso 
da incorporação das imagens, isso se mantém: elas fornecem um testemunho 
mais seguro se cruzadas com outros, com outras “miradas” e outras “vozes”. 
Atentamos, fi nalmente, para a diversidade de produtos visuais disponíveis para 
o propósito da História. Uma obra de arte do século XIII e uma propaganda da 
década de 1990, o que elas têm em comum? A resposta esclarece aquilo que 
no capítulo seguinte será abordado em relação às imagens técnicas: seria mais 
acertado falar em múltiplas linguagens visuais, pois cada produto possui uma 
forma de signifi cação que testemunha e enuncia não pelo que diz, mas pela 
forma e através do que diz. Conforme aprendemos com Barthes, esse é o sentido 
do qual se investe a palavra “linguagem”.
58
 Linguagem Visual na HistoriograFia
1) Em relação aos teóricos que propuseram metodologias 
de leitura de imagens, qual das afi rmativas a seguir está 
incorreta?
a) ( ) As etapas de apreensão artística propostas por Ott constituem 
movimentos, daí sua descriçãono gerúndio, sendo o último 
deles a fase de reprodução, em que o apreciador revela sua 
apropriação da obra através de um fazer artístico singular.
b) ( ) Para Maria Helena Wagner Rossi existem três níveis de 
julgamento estético, sendo o mais sofi sticado o nível III, em que 
o observador tem consciência de que a sua subjetividade atua na 
produção de sentidos e signifi cados em relação ao produto visual 
analisado.
c) ( ) Os métodos de leitura de imagem de Robert Ott, Abigail 
Housen e Maria Helena Wagner Rossi compreendem etapas de 
recriação artística ao fi nal do processo de apreensão, quando 
então os/as mediadores poderão atentar se os/as observadores/
as compreenderam corretamente a obra analisada.
d) ( ) As etapas de apreciação sugeridas por Erwin Panofsky foram 
largamente utilizadas por historiadores e historiadoras ao longo 
do século XX, embora atualmente se destaque a necessidade de 
analisar produtos visuais para além de iconografi a e iconologia.
2) Em relação ao método crítico das fontes elaborado por Marc 
Bloch no livro Apologia da História, assinale a alternativa 
correta:
a) ( ) Aborda sobretudo a crítica a documentos escritos e ofi ciais.
b) ( ) Compõem-se pelos princípios da discrepância, da 
semelhança limitada e da contradição. 
c) ( ) Prescinde o acosso de uma hipótese a ser comprovada.
d) ( ) No caso das imagens, o método sugere maior importância 
à análise de sua produção do que dos símbolos e signos que a 
compõem.
3) Analise as afi rmações a seguir acerca da noção de 
testemunho, conforme elaborada por Peter Burke, 
assinalando a opção correta:
a) ( ) O testemunho oferecido por uma imagem refere-se a haver 
sido contemporânea de dado contexto histórico, podendo ser 
inquerida em relação a ele.
59
HISTÓRIA E LINGUAGEM VISUAL Capítulo 1 
b) ( ) Testemunho assemelha-se à noção de “prova documental”, 
daí a possibilidade de ser utilizada na produção do conhecimento 
em História.
c) ( ) Algumas imagens fornecem um tipo de testemunho mais “fi el” 
do passado, a exemplo dos retratos pintados e das fotografi as, a 
partir do fi nal do século XIX.
d) ( ) Uma imagem pode ser compreendida enquanto verdadeira 
testemunha ocular, se tiver sido produzida neste mesmo passado 
e com fi ns de registro histórico.
4) Em relação à obra de Barthes, assinale a alternativa 
incorreta:
a) ( ) Está centrada na leitura semiótica de imagens do mass 
media.
b) ( ) Incorpora noções de outros teóricos, como denotação e 
conotação.
c) ( ) Acredita que através da naturalização da linguagem 
escondem-se as intenções, por exemplo, na publicidade.
d) ( ) Foi um crítico de ícones como a Coca-Cola por razões 
ideológicas não sustentadas em suas teorias.
REFERÊNCIAS
ARIÈS, Philippe. História social da criança e da família. 2. ed. Rio de Janeiro: 
LTC, 2006.
BLOCH, Marc. Apologia da história, ou o ofício de historiador. Rio de Janeiro: 
Jorge Zahar Ed., 2001.
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 Linguagem Visual na HistoriograFia
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VALENTE, André. A linguagem nossa de cada dia. Petrópolis, RJ: Vozes, 1997.
CAPÍTULO 2
LINGUAGEM VISUAL, MODERNIDADE E 
TECNOLOGIA
A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes 
objetivos de aprendizagem:
• Compreender o papel dos processos tecnológicos na produção artística, assim 
como na difusão de imagens em diferentes contextos históricos e sociais. 
• Conceber a fotografi a, o cinema e a televisão em suas relações com 
manifestações artísticas, ideológicas e historicamente situadas.
• Desempenhar-se criticamente em relação aos conteúdos e intencionalidades 
da linguagem, quando aportados pelos registros visuais e audiovisuais.
62
 Linguagem Visual na HistoriograFia
63
LINGUAGEM VISUAL, MODERNIDADE E TECNOLOGIA Capítulo 2 
1 CONTEXTUALIZAÇÃO
Em primeiro lugar, comecemos por dizer que modernidade é um termo 
polissêmico. Ou seja, a depender do referencial teórico adotado, do fenômeno 
específi co a ser abordado ou até mesmo do lugar e do período em que se está 
situado, podemos encontrar concepções distintas de modernidade, que apesar de 
se sobrepuserem em muitos sentidos, certamente não coincidem por completo. 
No entanto, é possível destacar de antemão que todas estas possíveis defi nições, 
incluindo variações semânticas como modernização e modernismo, guardam 
consigo uma intrínsica dimensão temporal que as convertem em conceitos 
históricos de enorme relevância.
Em diversos idiomas existem palavras derivadas da expressão originalmente 
latina, hodiernus, utilizadas para se referir ao tempo mais recente, algo que se 
conserva até os dias atuais, quando dizemos, por exemplo, que um determinado 
aparelho eletrônico, recém-lançado, é o “mais moderno” do mercado. Contudo, 
esta afi rmação carrega ainda outro signifi cado: o de que, por ser mais atual, o 
referido aparelho seria, consequentemente, também diferente e melhor do que os 
anteriores, ainda que fadado a ser ultrapassado pelo próximo que virá. Enquanto 
conceito histórico, esta segunda concepção de modernidade é a que mais nos 
interessa. A percepção do presente como um tempo radicalmente novo, que 
rompe com as tradições do passado e se abre para um futuro de possibilidades, 
constitui uma experiência moderna do tempo que começa se delinear, sobretudo 
na Europa, por volta dos séculos XV e XVI, no bojo de fenômenos históricos 
concomitantes como a invenção da imprensa, a difusão do Renascimento 
Cultural, a eclosão da Reforma Protestante e a formação dos Estados 
Absolutistas, mas que se expandem para outras regiões do planeta através das 
Grandes Navegações e do desenvolvimento se um sistema mercantilista mundial. 
Especialmente ancorado em torno da valorização de uma cultura humanista, o 
conjunto de transformações provocadas por este processo de grande abrangência 
envolveu mudanças profundas, que foram desde uma nova concepção de sujeito 
até um novo paradigma epistemológico.
Como período histórico, uma noção de Idade Moderna irá se afi rmar 
lentamente, principalmente, por oposição a uma Idade Média quese tinha 
a impressão de deixar para trás. Mas foi somente na esteira de uma extensão 
do pensamento iluminista e dos impactos da dupla revolução, Industrial e 
Francesa, ocorridas no fi nal do século XVIII, que por volta de 1800 as rápidas e 
contínuas transformações sociais e tecnológicas vieram atribuir à modernidade 
um acentuado teor de realidade e vivência cotidiana. A partir desse momento, 
conceitos meta-históricos, como os de aceleração e progresso – além de outras 
variações semânticas, como “desenvolvimento” e “evolução” – passaram a ser 
64
 Linguagem Visual na HistoriograFia
cada vez mais utilizados para descrever o crescente afastamento entre espaço 
de experiência (passado) e horizonte de expectativa (futuro), assim como para 
explicar a própria História (KOSELLECK, 2014).
Curiosamente, mas de maneira coerente, quando se tem a necessidade 
de descrever este momento mais recente dos tempos modernos como uma 
novíssima Idade Contemporânea, é que se consolida o entendimento do período 
anterior como sendo uma Idade Moderna. Ou seja, a modernidade tal qual a 
conhecemos em termos de experiências caracterizadas, dentre outros aspectos, 
pela predominância do progresso tecnológico, do sistema capitalista e de uma 
sociedade urbano-industrial e de valores liberais-burgueses, é algo que se inicia 
justamente quando, em termos históricos, a Idade Moderna chega ao fi m. Para 
ressaltar esta diferença, alguns autores costumam chamar este período anterior 
de Primeira Modernidade ou Início da Modernidade. O imperativo processo de 
adequação, nos mais variados âmbitos, à frenética sequência de inovações 
conhecidas ao logo dos séculos XIX e XX, será frequentemente denominado de 
modernização. Ao passo que modernismo expressa a reação estética a estes 
processos de modernização, seja de forma entusiasta, crítica ou apenas refl exiva, 
sempre mediados pela experiência de uma modernidade strictu sensu. As novas 
possibilidades de reprodução técnica das obras de arte, oriundas da Segunda 
Revolução Industrial iniciada por volta de 1850, provocarão, por exemplo, 
profundas alterações não apenas nos modos de produção, mas também na 
própria forma moderna de percepção artística.
Ainda no campo da arte, é justamente da tentativa de marcação de uma 
descontinuidade em relação a estes movimentos modernistas da primeira metade 
do século XX que surgirá uma ideia de pós-modernidade. Entretanto, a rigor, 
tal posicionamento, assim como o próprio prefi xo “pós”, seria historicamente 
equivocado, haja vista que não haveria nada mais moderno do que um gesto de 
inovação que busca superar a ordem precedente. Partindo deste pressuposto, 
autores como Hans Ulrich Gumbrecht defendem que a versão mais interessante 
de “pós-modernidade consiste em conceber nosso presente como uma situação 
que desfaz, neutraliza e transforma os efeitos acumulados dessas modernidades 
que têm se seguido uma a outra desde o século XV” (GUMBRECHT, 1998, p. 
21). Nesta perspectiva, o século XXI seria produtor de uma nova temporalidade, 
diferente daquele imperativo por inovação característico da modernidade, na qual 
agora predominaria uma impressão de desaceleração em relação aos ritmos de 
mudança e uma crise da ideia de progresso, motivada dentre outras coisas pelas 
expectativas negativas das ameaças de colapso ambiental. Para Gumbrecht, a 
constatação de “uma mudança do hábito – moderno – de organizar as múltiplas 
representações de fenômenos idênticos como evoluções e histórias para o 
hábito – pós-moderno – de tratá-las como variações que estão simultaneamente 
65
LINGUAGEM VISUAL, MODERNIDADE E TECNOLOGIA Capítulo 2 
disponíveis” poderia indicar a constatação, tanto no nível historiográfi co quanto 
no artístico, desse novo paradigma (1998, p. 22-23).
2 ARTE E REPRODUTIBILIDADE 
TÉCNICA
 Técnica, arte ou ofício. Três conceitos que designam maneiras de realizar 
uma ação ou um conjunto de ações. Conhecimentos que abrangem métodos, 
instrumentos, procedimentos, ferramentas: um modo de fazer. Interpelando a 
técnica por este prisma, fi ca claro que a possibilidade de reproduzir uma obra 
de arte sempre esteve à disposição de homens e mulheres que, atentos/as aos 
procedimentos, puderam refazer um objeto original. Na Antiguidade Clássica, por 
exemplo, os aprendizes de ofícios mais destacados eram aqueles que logravam 
melhor imitar a arte de seus mestres. A cunhagem de moedas, desde quatro 
mil anos atrás, constitui um dos mais antigos procedimentos de reprodução em 
massa. No Oriente, a xilogravura – técnica de gravura que utiliza uma matriz 
de madeira onde está esculpida uma imagem – é conhecida desde o século 
VI, antecedendo, portanto, a reprodução tipográfi ca da escrita. Em termos de 
reprodução técnica, a imagem surgiu antes da palavra.
Outras artes fazem parte do universo de possibilidades a serviço da 
reprodução anteriores ao século XIX, momento em que o fenômeno da 
reprodutibilidade técnica entrou em um novo patamar. A prensa móvel
desenvolvida por Gutenberg (1450) é uma forma de reprodução técnica, na qual 
um dispositivo com tinta aplica pressão sob uma superfície de papel ou tecido, 
imprimindo nela o texto da matriz. A matriz, por sua vez, é formada por “tipos” – 
daí o nome tipografi a – bloquinhos de chumbo forjados em relevo, cada um com 
uma palavra ou letra, que unidos formavam a placa que seria prensada e daria 
origem a uma pilha de páginas idênticas. Em seguida, a placa era desmontada, 
as palavras de uma nova página eram agrupadas e o processo repetia-se até 
a conclusão da obra. A mesma técnica, porém, em bloco único e um tanto 
rudimentar, ao invés dos “blocos móveis”, já era utilizada para a impressão de 
ideogramas na China desde o século VIII.
66
 Linguagem Visual na HistoriograFia
FIGURA 1 – BLOCOS MÓVEIS DE TIPOGRAFIA
FONTE: . Acesso em: 13 dez. 2019.
Durante o medievo europeu desenvolveu-se a gravura em metal (com 
destaque para o cobre), nomenclatura genérica para designar a calcogravura
(gravura mediante compressão). Na gravura em metal a tinta é depositada 
nos sulcos de uma gravura produzida no metal por um cinzel, ou buril, para a 
impressão da imagem em outra superfície. A lógica desta técnica é a mesma da 
xilogravura. A água-forte, do mesmo período, é também uma técnica de gravura 
em metal, mas cuja especifi cidade reside na corrosão dos traços do artista pelo 
ácido nítrico, o que provoca os sulcos que receberão a tinta para impressão. 
Embora mais de uma impressão possa ser produzida por uma única operação, 
com qualidades distintas entre a primeira e as demais, as técnicas de reprodução 
de gravuras se caracterizam pela operação singularizada, ou seja, cada gravura 
que se queira reproduzir com certa qualidade requer um novo procedimento de 
pintura e pressão da matriz na superfície que a receberá.
As artes gráfi cas tornaram-se aptas a acompanhar a experiência de 
aceleração técnica do início do século XIX com o desenvolvimento da litografi a, 
já que este método se apresentava muito mais efi ciente do que os demais na 
reprodução massiva de gravuras. Na litografi a – lito, pedra, grafi a, escrita – a 
matriz de pedra calcária recebe um desenho feito com material gorduroso, 
trabalhado em goma arábica nas regiões brancas, não pintadas. A gordura não 
adere à goma, defi nindo-se o desenho. No processo de entintagem, além das 
cores, uma solução destaca as partes oleosas, desenhadas, que repelem água, 
daqueles que absorvem água e repelem gordura. Ao umedecer a superfície da 
pedra, primeiro com removedor, depois com água, as partes pintadas, gordurosas, 
67
LINGUAGEM VISUAL, MODERNIDADE E TECNOLOGIA Capítulo 2 
são impressas na superfície de contato. Através da prensagem de papel, madeira 
e até mesmo plástico sobre a pedra, reproduz-se milhares de cópias da imagem. 
Pode-se voltar a umedecer a pedra para expelir pigmentoquantas vezes forem 
necessárias para a continuidade da reprodução.
A revolução operada pela litografi a na reprodutibilidade técnica só seria 
ultrapassada pela invenção da fotografi a. Com ela, o artista libertava as mãos 
e acelerava ainda mais o processo de reprodução. No entanto, o advento 
do “desenho da luz” trouxe, para as teorias da arte, tensões que envolviam a 
própria defi nição/redefi nição de arte, além de questões novas relacionadas às 
possibilidades de sua reprodução, que não se limitavam mais ao ofício do artista 
e suas técnicas. Técnica, neste momento, deslocava-se do sentido comum de 
procedimento para incorporar nele o de máquina. Numa equação simplista: a 
imagem passava a ser o produto de um procedimento mediado pela máquina. 
Independentemente de a intervenção humana ser mais ou menos signifi cativa 
nesse procedimento – isto variava entre os que pensaram a relação arte/
reprodutibilidade técnica – de qualquer forma o advento da fotografi a alterou as 
singularidades que até então haviam defi nido a produção artística de homens e 
mulheres.
FIGURA 2 – MÁQUINA DE IMPRESSÃO LITOGRÁFICA
FONTE: . Acesso em: 13 dez. 2019.
68
 Linguagem Visual na HistoriograFia
FIGURA 3 – RÓTULO IMPRESSO EM MÁQUINA DE IMPESSÃO LITOGRÁFICA
FONTE: . Acesso em: 13 dez. 2019.
De acordo com Wagner Souza e Silva (2012), no estado da arte atual que 
se relaciona à produção de imagens técnicas, esse conceito – técnica – não se 
refere apenas a um meio de produção, mas também a um modo de percepção 
produzido pelo aparato tecnológico. Apesar de usados indiscriminadamente, 
técnica e tecnologia possuem signifi cados diferentes. Para o autor, o termo técnica 
sugere uma conexão mais íntima com as necessidades e motivações da práxis, 
enquanto tecnologia corresponde aos aparatos e aos discursos que estipulam os 
modos de atuação. Os usos, formas de proceder e as maneiras de produção de 
sentidos através do aparato tecnológico, por exemplo, são as técnicas, ou ainda, 
as razões para fotografar, por exemplo. O sentido de ambos os conceitos está 
explícito na maneira como os utilizamos corriqueiramente: quando se aborda um 
“modo de fazer” de dado fotógrafo – uma expressão prática da necessidade que 
leva a uma ação – não afi rmamos que ele possui sua “tecnologia própria”, mas 
sim uma “técnica própria”, ou pessoal. Em síntese, tecnologia se defi ne pela 
conjunção do material e da teoria que foram originados por uma técnica.
A fotografi a e o cinema, antes de se tornarem imagens, são o produto de 
atividades técnicas e tecnológicas. Ou seja, sendo a produção de imagens o 
produto fi nal dessas tecnologias, sua operação passa por uma instrumentalização 
69
LINGUAGEM VISUAL, MODERNIDADE E TECNOLOGIA Capítulo 2 
a que Souza designa experiência tecnestésica. Tal experiência está marcada, 
nos dias de hoje, pela infl uência da tecnologia digital na percepção de imagens 
e na construção de narrativas visuais, uma vez que a popularização dos 
aparelhos de comunicação e suas câmeras integradas, conectadas às redes 
sociais, constituem um arsenal de novas formas de aproximação e produção 
dessas narrativas. Uma característica de nossa experiência tecnestésica é que 
essa aproximação gera cada vez mais atribuições para as práticas de produção 
visual e, imersa em outros dispositivos que os outrora aparatos que em caráter 
exclusivo fotografavam/fi lmavam. A tecnologia da fotografi a, por exemplo, perdeu 
muito de seu apelo singular, hoje conectada a um universo que não é mais 
específi co de sua constituição original, ou seja, a câmera fotográfi ca. Utilizamos 
cada vez menos tal aparato, hoje substituído por aparelhos multifunção, como os 
smartphones.
Os debates sobre a produção de imagens técnicas e a possibilidade de sua 
reprodução, como não poderia deixar de ser, percorreu uma trajetória constante 
de aperfeiçoamento e progressão ao longo do século XX, que acompanhou o 
desenvolvimento de tecnologias sempre mais atuais, mais promissoras, mais 
revolucionárias. Embora o universo tecnológico nos deixe tímidos/as no sentido 
de construir conhecimentos duradouros, porque os objetos e os problemas 
mudam com a velocidade típica do nosso tempo, o campo da sociologia da arte 
se desenhou, em nosso entender, a partir das contribuições daqueles que, a partir 
do início do século XX refl etiram sobre as alterações nas formas de percepção e 
comportamento surgidas com a expansão e o progresso dos meios técnicos. Um 
estudo da imagem em interlocução com a modernidade e a tecnologia não pode 
dispensar estas contribuições.
A discussão basilar do espírito fi ssurado das artes pela fotografi a e depois, 
pelo cinema, foi empreendida por Walter Benjamin, ao longo da década de 1930. O 
fi lósofo e crítico literário alemão escreveu um dos maiores clássicos da sociologia 
da arte, uma obra que aqui será abordada enquanto precursora, mas que requer 
alguma crítica e revisão: A obra de arte na época de sua reprodutibilidade técnica. 
No centro das preocupações de Benjamin estava o fato de que, por volta de 1900, 
a reprodução “tinha alcançado um nível em que não só começou a transformar 
em seu objeto a totalidade das obras de arte do passado” (2017, p. 13), como a 
submeter a sua repercussão às mais profundas transformações.
A obra de arte autêntica guarda, em relação às imagens dela reproduzidas, 
a autoridade que se relaciona a sua autenticidade e originalidade. Tal autoridade 
é maior em relação às reproduções manuais (falsifi cações) do que em relação 
às reproduções técnicas. Isso porque, segundo Benjamin, a reprodução 
técnica é muito mais independente da obra original do que a manual. Através 
da reprodutibilidade técnica fotográfi ca, por exemplo, podem-se ampliar partes 
70
 Linguagem Visual na HistoriograFia
Sugestão de fi lme: A arte da falsifi cação, 2013. O fi lme 
apresenta uma singular trajetória de falsifi cação de obras de arte, a 
de Wolfgang Beltracchi, que durante décadas se dedicou a copiar 
técnicas e estilos de artistas famosos, ao invés de reproduzir seus 
quadros famosos. Suas falsifi cações – adquiridas como verdadeiros 
Picassos e Modiglianis por museus e galerias de arte mundo afora – 
recolocam a questão sobre a originalidade da obra de arte e o “aqui e 
agora” que habitam obras únicas.
de uma obra de arte, desvelando aspectos através da lente objetiva que a 
óptica humana não consegue captar. Na era digital este postulado se expande 
infi nitamente. Pensemos na ampliação possibilitada pelos pixels, que nos 
permitem ver inclusive um pequeníssimo cílio que caíra na tinta ainda fresca de 
uma tela pintada a óleo.
Uma segunda razão da autonomia da reprodução técnica em relação às 
cópias manuais, e mesmo em relação à original, refere-se ao seu alcance, à 
capacidade de ir ao encontro de uma massa de expectadores que jamais verão a 
obra de arte original. Isso, em primeiro lugar, dá-se porque a obra original é apenas 
uma, enquanto a sua cópia pode se reproduzir infi nitamente. Depois porque, 
mesmo considerando que inúmeras obras de arte circulam entre exposições e 
mostras ao redor do mundo, existem muitas outras que são fi xas, exemplo dos 
afrescos na parede de uma catedral ou das obras arquitetônicas. Neste sentido, 
parece claro que o aprimoramento da reprodutibilidade técnica signifi cou 
para as artes a sua democratização, pelo menos no sentido da expansão do 
conhecimento e do acesso às imagens.
Por mais bem-feita que seja a cópia manual de uma obra de arte ou as 
possibilidades abertas pelas formas de sua reprodução técnica, a obra de arte 
possui uma existência única no lugar onde se encontra, seu “aqui e agora” a que 
Benjamin vai designar “aura”. A aura que habita a obra autêntica “é a essência 
de tudo o que ela comporta de transmissível desde a sua origem, da duração 
material a sua qualidade de testemunho histórico” (BENJAMIN,2017, p. 15). A 
sua autoridade de coisa original, fruto de um gênio e de uma materialidade única 
não pode ser copiada sequer pelo próprio artista, se fi zesse de sua própria obra 
uma reprodução manual cinco minutos depois da primeira. A autoridade reside 
justamente nisso: a segunda, realizada em relação de subordinação à primeira, 
dá um testemunho absolutamente diferente. Talvez seja menos o caso desta não 
possuir uma aura, do que o de ser habitada por outra, mas igualmente singular, 
como a obra original. 
71
LINGUAGEM VISUAL, MODERNIDADE E TECNOLOGIA Capítulo 2 
Benjamin entendia que a possibilidade de reprodução técnica da obra de 
arte a libertava do domínio da tradição. Na medida em que se multiplicava a 
reprodução do que antes era singular, substituía-se a existência única de uma 
obra de arte por sua existência em massa, nisso operando-se a atualização da 
obra, já que lhe permitia ir ao encontro de novos receptores. Mas, atualização 
signifi cava para o autor a liquidação do valor de herança cultural aportado pela 
obra de arte, e também o enfraquecimento de sua aura. Por um lado, enfraquece-
se porque toda aproximação, espacial e humana, subentende a perda do ritual em 
que a obra singular está envolta. Por outro, a apreensão da obra de arte, com a 
facilidade com que se dá através da sua reprodução técnica, é a manifestação da 
tendência de ultrapassar a existência única de cada situação, através da recepção 
em larga escala de sua reprodução.
O caráter único da obra de arte autentica seu lugar junto ao ritual de sua 
utilização primeira, e também sua função social. É a isso que Benjamin se refere 
quando fala da inserção da obra de arte no contexto da tradição. Realizada 
para fazer pensar, inspirar, cultuar, a obra de arte está carregada de emoção e 
de todos os sentimentos que avultam da criação artística original, os quais não 
estão presentes na sua cópia ou reprodução. Com os diferentes métodos de 
reprodução técnica da obra de arte, a possibilidade de sua exposição cresceu 
numa proporção tamanha, mensurada pela fi ssura que se abriu entre o valor de 
culto de uma imagem (culto no sentido religioso, espiritual, mas também culto 
no sentido de cultuar a genialidade da obra originária) e seu valor expositivo. 
Enquanto a obra de arte tradicional tem sua existência sob o valor de culto, a ser 
fruída por um público seleto em uma exposição ou museu, a essência da obra de 
arte reproduzida é o seu valor expositivo, já que sua razão de ser é a apreciação 
por diversas coletividades em espaços diferentes ao mesmo tempo. Isto não 
apenas subverte o “aqui e agora” da obra original, mas sugere, para o autor, que 
quanto mais reproduzida, menos ritualizada se converte a obra original.
Como parece evidente, há ressalvas contundentes a se fazer em relação 
aos conceitos de valor de culto e valor de exposição. Num exemplo simples, é 
patente que a disseminação universal da reprodução da La Gioconda de Da Vinci 
não diminuiu a função de culto da obra original. Ao expandir-se como reprodução, 
conquistou apreciadores em diferentes rincões do mundo, que hoje se espremem 
no Louvre para vê-la “pessoalmente”, a metros de distância e ainda assim com 
minutos contados. Ou seja, ao contrário de seu valor de culto ter se enfraquecido 
com a sua reprodução técnica, parece que sua aura foi potencializada, assim 
como seu valor simbólico, que cresceu na proporção da sua reprodução.
Além dessa classe de crítica em relação à aura da obra de arte, que se 
enfraqueceria na proporção das possibilidades de sua reprodução, Benjamin 
argumentou, também, no sentido de que as novas artes – a fotografi a, o cinema 
72
 Linguagem Visual na HistoriograFia
e o disco – manifestam minimamente sua aura, “seu aqui e agora”, seja pela 
reprodução em massa, seja porque são produzidas com a fi nalidade, justamente, 
de serem reproduzidas. Ou seja, há nisso uma crítica contundente à cultura de 
massa como instrumento da indústria da arte e nesta, uma refl exão sobre 
a apreciação das artes sem o pensamento crítico necessário. Onde reside 
o “aqui e agora” de uma narrativa fílmica, se a ilusão criada pela técnica não é 
resultado da atuação do ator, mas sim de um conjunto de montagens? Eis, por 
exemplo, uma das reservas do autor.
O cinema foi objeto de especial atenção de Benjamin. Na atuação para a 
câmera, ao invés dos olhos, entendia que o ator estava sozinho, exilado, numa 
atuação de natureza diferente daquela que se dá diante dos expectadores. 
Uma vez que o público se identifi ca com um personagem através da técnica, da 
máquina e de seus instrumentos de produção de sentido, perde-se o valor de 
culto do cinema como obra de arte. Para Benjamin, o único mérito revolucionário 
do cinema consistia em revolucionar as concepções tradicionais de arte. 
Não se entenda, nesta análise dura do autor, um rechaço da sétima arte. Se 
apreendermos com atenção as suas palavras, perceberemos que, ao contrário, 
ele enseja uma utilização do cinema em sua função social que esteja à altura da 
potencialidade desta técnica em representar a tragédia e as utopias humanas. 
Comparando a obra de arte em sua acepção tradicional, que requer concentração 
e que deve ser apreciada em silêncio, já que faz pensar, o autor entendia o 
cinema como o passatempo dos incultos, a arte da distração que suscitava, ao 
contrário, o barulho e o pensar superfi cial e acelerado. Comparava, fi nalmente, 
que enquanto o indivíduo mergulhava na arte, as massas eram absorvidas pela 
“arte técnica”.
Na esteira de Benjamin, outros dois intelectuais amadureceram as teorias 
críticas em relação à reprodução técnica de imagens, aqui elencados para 
apreciação de suas ideias. Além de clássicos, importa conhecer estes estudos 
porque suas refl exões abrangem distintas fases do desenvolvimento tecnológico 
ocorrido no século XX, servindo para embasar análises sobre o tempo presente, 
em relação à era digital. 
Durante os anos 1950 Roland Barthes aproximou suas análises ao tema da 
fotografi a e da reprodução técnica, nas quais julgava poder observar a codifi cação 
ideológica presente em qualquer processo da então moderna produção mitológica. 
Em textos da década seguinte o autor passa a dialogar intimamente com Walter 
Benjamin. Este acreditava que a única maneira de mobilizar a fotografi a em 
sentido contrário ao da multiplicação capitalista seria associá-la à palavra crítica. 
Ou seja, conectar uma linguagem à outra, para fi ns revolucionários. Barthes se 
mostrará um crítico desta perspectiva, pois entendia que ancorar o sentido da 
imagem a um texto verbal aprisiona o visual, transformando a imagem em uma 
73
LINGUAGEM VISUAL, MODERNIDADE E TECNOLOGIA Capítulo 2 
mensagem sem código próprio, conotada apenas em sua relação com o verbal.
A análise realizada por Barthes em A mensagem fotográfi ca (1990) tem 
como objeto a fotografi a e sua reprodutibilidade na mídia periódica, nos jornais, 
e o processo de construção de signifi cados pelos receptores. De um lado da 
produção do jornal está uma fonte emissora – o jornalista, o fotógrafo e o editorial 
do jornal – que, segundo o autor, parasitam a imagem, incorporando nela uma 
moral, uma imaginação e uma intenção logradas através da sua subordinação 
ao texto escrito. De outro lado está uma fonte receptora, que faz uma leitura da 
imagem inspirada pelos saberes manipuladores do texto que a acompanha. No 
entanto, tal leitura da linguagem fotográfi ca é histórica e será sempre, portanto, 
infl uenciada pelos saberes do leitor ou leitora, que não pode senão por meio deles 
realizar essa leitura.
Barthes expressa através do conceito de analogon a ideia da imagem como 
analogia da realidade, um produto que não apresenta códigos na sua mensagem 
em si, uma vez que representa uma realidade objetiva. Mas, no âmbito da 
fotografi a jornalística, sustenta que existem duas mensagens inerentes a este tipo 
de produção imagética. Essa primeira, denotada emobjetivos que perpassa a discussão do capítulo é também contribuir 
de alguma maneira com a cultura visual de cada cursista. Em que pese a 
disseminação profusa e sistemática de imagens de diferentes tipos, disponível 
a quem quer que seja na internet, aqui teremos a oportunidade de analisá-las 
a partir de outras perspectivas. É válido para nós o seguinte ditado: nunca nos 
10
 Linguagem Visual na HistoriograFia
banhamos no mesmo rio duas vezes. Assim, mesmo aquelas obras, imagens ou 
produtos visuais mais disseminados, com os quais nos depararmos em diversos 
momentos da vida, ganham aqui uma nova oportunidade.
2 INTRODUÇÃO À LEITURA DE 
IMAGENS
Diz o ditado popular remetido a Confúcio: uma imagem vale mais do que mil 
palavras. O contexto de produção desta lógica, a Antiguidade Oriental, difere em 
absoluto das nossas sociedades contemporâneas. Dispomos de recursos visuais 
infi nitamente mais complexos do que aqueles aos quais o fi lósofo teve acesso. 
Na época, possivelmente, esteve no centro da lógica do ditado citado, que remete 
ao século V a. C, a forma de comunicação simbólica chamada de ideograma. Tal 
ditado popular é utilizado, nos dias atuais, para expressar a ideia de que uma 
única imagem possui a capacidade explicativa de mais de mil palavras. Cabe-nos 
indagar o seguinte: resulta correta essa afi rmação? Nas páginas que seguem, 
problematizaremos a relação entre imagem e expressão/comunicação, a começar 
por uma introdução do que seria uma “leitura” da visualidade enquanto linguagem.
Confúcio e a máxima de que a imagem é um recurso visual mais expressivo 
do que o texto escrito – porque possibilita exprimir ideias complexas através de 
um único plano – é retomado aqui, em primeiro lugar, para situar um argumento 
fundamental acerca da leitura de imagens: ela é democrática, na melhor acepção 
dessa palavra. Ela é inclusiva ou, pelo menos, mais inclusiva do que a palavra 
escrita, pois, para que o leitor/a comungue de uma cultura escrita, ele deve, 
no mínimo, ser alfabetizado/a. No interior desta cultura letrada, inserem-se as 
diferentes interpretações, ou mesmo o entendimento que cada um/a fará do que 
leu. No entanto, aquele que não sabe ler, nesta lógica, fi ca alheio ao enunciado e 
ao que está sendo informado no texto escrito.
No caso da imagem, a inserção do leitor/a em um saber específi co torna-
se dispensável, pois basta ter olhos para ver. Nisso reside o valor que se dá, 
atualmente, à imagem como recurso publicitário, político ou estético. É nesse 
sentido que os recursos visuais são democráticos, pois permitem que diferentes 
públicos estejam aptos a compreendê-los, de acordo com as suas inserções 
socioculturais e políticas. Agora, assim como no texto escrito, não basta saber 
o signifi cado das palavras para dotar um texto de compreensão, na linguagem 
visual não basta enxergar para entender os enunciados da imagem. É preciso 
estar instruído e informado, além de conhecer os símbolos e os mecanismos 
mobilizados pela linguagem visual para produzir sentidos.
11
HISTÓRIA E LINGUAGEM VISUAL Capítulo 1 
Tomemos como exemplo a pintura realizada em uma rua pública na capital 
da Lituânia, a cidade de Vilnius, no Leste Europeu, em maio de 2016 (Figura 1). O 
que se vê nessa imagem? 
Para o leitor ordinário, que desconhece as fi guras envolvidas e o contexto 
político de produção do mural, dois homens se beijam, numa aparente relação 
amorosa. Para identifi car este ato, basta que a pessoa esteja inserida num padrão 
cultural em que o beijo na boca é uma das manifestações do amor romântico. A 
imagem pode manifestar ao leitor, ainda nesta hipótese, um posicionamento do 
artista em relação à homoafetividade, inserindo-a num contexto humorístico para 
ridicularizá-la ou, ao contrário, expondo-a como bandeira política.
FIGURA 1 – VLADMIR PUTIN E DONALD TRUMP SE BEIJAM EM MURAL NA LITUÂNIA
FONTE: . Acesso em: 6 nov. 2019.
O leitor/a politicamente informado identifi cará, pelos caracteres físicos, as 
fi guras de Vladmir Putin e Donald Trump representadas. O beijo, para ele/a, pode 
signifi car através da veia humorística uma aproximação entre as duas fi guras, já 
que em 2016 Trump era então candidato à presidência dos Estados Unidos e 
Putin, como ainda hoje, exercia o cargo de presidente da República da Rússia. 
Apesar da troca de elogios mútuos, essas duas fi guras têm posicionamentos 
divergentes em relação ao cenário internacional, talvez nisso reside um pouco a 
“graça” da imagem para este leitor/a. Quem sabe seria interessante reparar, ainda, 
12
 Linguagem Visual na HistoriograFia
Um terceiro leitor/a dessa imagem, munido de uma cultura política um pouco 
mais sólida, analisará possivelmente todos esses elementos de signo e de estética, de 
forma, cor e expressão, mas saberá que se trata de uma compilação, uma apropriação 
cultural do painel elaborado em 1979 por Dmitri Vrubel (Figura 2). O painel representava 
Erich Honecker, líder da Alemanha Oriental e Leonid Brejnev, premiê soviético e se 
baseava, por sua vez, numa foto verídica na qual os dois líderes se cumprimentavam. 
O beijo fraternal socialista, cumprimento comum entre lideranças do partido e demais 
membros, podia ser excepcionalmente dado na boca ao invés de nas bochechas. 
Naquele contexto, o beijo na boca como forma de cumprimento consistia em um 
escárnio dessas fi guras públicas que, atuando em forças divergentes, pareciam levar-
se muito bem.
Se comparamos ambos os murais, o beijo de Putin e Trump ganha outros 
contornos. Os lábios apenas se tocam e os olhos estão semiabertos, o que sugere 
ressalvas mútuas entre estes últimos, que se mostravam bastante menos “entregues 
à relação” do que os dois primeiros. Finalmente, destacamos que o realismo expresso 
pela Figura 2 é conquistado por meio dos elementos técnicos e não pela forma visual, 
a fi gura em si, daí que pareça mais afrontadora do que a Figura 1, a qual expressa um 
ar brincalhão.
que as cores dos dois personagens denotam em parte a personalidade de cada 
um: sisuda e acinzentada, no caso de Putin, enquanto Trump foi representado em 
tons mais fortes de laranja e amarelo do que as tonalidades da pele e cabelo dele, 
respectivamente, possuem de fato.
FIGURA 2 – ERICH HONECKER E LEONID BREJNEV NO 
MURAL DE DMITRI VRUBEL DE 1979 EM BERLIM
FONTE: . Acesso em: 6 nov. 2019.
13
HISTÓRIA E LINGUAGEM VISUAL Capítulo 1 
Que leitura é possível fazer da Figura1 estando, agora, munidos de todas 
as informações sobre os representados e suas relações, acerca do contexto de 
sua produção, do local desta manifestação artística, sobre a imagem enquanto 
representação de outra imagem, e sobre o que nela está “dito”? Parece evidente que a 
leitura dessa imagem sugere que a aproximação entre os representados se mostrava 
frágil, construída sob suspeição mútua. O beijo representado se baseou em sentimentos 
que o artista evidenciou entre os dois líderes, na materialidade das relações que eles 
estabeleciam: calor e desconfi ança, admiração e dúvida, e aproximação com reservas.
Às vésperas da eleição de Trump, o mural apontava para os paradoxos, mas 
também fazia pensar sobre os refl exos de uma possível aproximação entre ele 
e o presidente russo. Apesar dos elogios trocados, essas fi guras se mostravam 
portadoras de temperamentos políticos distintos, cuja compatibilidade haveria ainda 
que ser comprovada. Mas para os lituanos, habitantes de um pequeno país que sofria, 
historicamente, pressão da gigante Rússia sobre o seu território, fronteira e economia, o 
beijo selado entre ambos representava o seu receito frente às manifestações de Trump 
em relação à OTAN, considerada de vital importância para a sua segurança.
Esse exercício de inquerir a imagem sobre seu lugar de produção, sobre as suas 
característicasanalogia à realidade, e outra, 
conotada pela imposição de um segundo sentido à imagem fotográfi ca. Seja 
porque sua produção se dá por meio de procedimentos técnicos que manipulam 
o processo de conotação de quem faz a sua leitura, seja porque seus dizeres 
foram subjugados ao texto escrito, a imagem jornalística é trabalhada além da 
mensagem que lhe é intrínseca (para o autor, nenhuma), nisto diferindo das 
outras obras de arte, como a pintura, por exemplo.
Este processo de segundo sentido conferido à imagem reduz a liberdade 
interpretativa do “leitor” frente a um objeto já demasiadamente interpretado 
seja pelos procedimentos – pose, trucagem, esteticismo etc. – ou pela palavra 
escrita. Entretanto o autor se mostrava também em parte otimista em relação à 
reprodução técnica, eis aqui o paradoxo por ele apontado: a fotografi a, objeto 
inerte reproduzido por uma linguagem mecânica e inculta, conforme afi rmava, não 
reconhece o estado denotativo, porque ele é desnecessário (já que é analogon
de uma realidade literal). Daí que sua linguagem própria só exista socialmente 
quando se encontra com o cognitivo, a percepção, que lhe dá razão de ser e 
de existir. Isso pode ser, como apontado, indicado pelos fatores de manipulação, 
mas está condicionado também a uma reserva de signos pré-estabelecidos, 
determinado por um espaço temporal, histórico, cultural e estético no qual o leitor 
está inserido. Isso, conclui, faz desta “mecânica” a mais social das instituições 
humanas.
O terceiro teórico chamado a contribuir com esta discussão sobre arte e 
reprodutibilidade técnica é o fi lósofo tcheco Vilém Flusser, cuja obra foi em parte 
74
 Linguagem Visual na HistoriograFia
desenvolvida no Brasil, entre 1941 e 1972, para onde veio com a ascensão do 
nazismo na Europa. Em Filosofi a da caixa preta: ensaios para uma futura fi losofi a 
da fotografi a, originalmente publicada em 1983, Flusser sustenta que a invenção 
das imagens técnicas representa a segunda de duas grandes viradas na cultura 
humana (sendo a primeira a invenção da escrita linear). Situada na evolução 
da cultura ocidental como resposta à textolatria oitocentista, o resultado da 
massifi cação das imagens técnicas foi devastador para a cultura, segundo o autor, 
porque ela substitui o real por sua imagem, criando uma ilusão de experiência 
vivida quando na realidade vive-se no plano das imagens e seus efeitos. No 
glossário que propõe para uma futura fi losofi a da fotografi a, textolatria aparece 
como a idolatria do texto devido à incapacidade de decifrar seus códigos, não 
obstante a capacidade do leitor de lê-los. Neste sentido, as imagens técnicas se 
diferem de outras formas de linguagem pictórica porque estas representavam, 
sugeriam, propunham uma visão do mundo e das coisas, enquanto aquelas as 
substituem.
O objeto da refl exão de Flusser são os processos sociais transformados em 
cenas pela mediação das imagens. O que vislumbra para a transformação da 
fotografi a em instrumento crítico, à semelhança do que propunha Benjamin, passa 
pela desmagicização da imagem produzida pela técnica. Isto porque o autor via 
nesse tipo de imagem um princípio mágico do mundo que se desenvolveu na era 
pós-histórica (ou pós-industrial). Tirar a realidade fotográfi ca da mística técnica 
pressupunha, neste sentido, que o fotógrafo não se limitasse a condição passiva 
de utilizar o equipamento conforme a lógica da produção em série. Tratava-se 
de uma concepção crítica que ensejava desenvolver a consciência histórica 
nos homens e mulheres comuns, consciência diluída pela profusão de imagens 
que naturalizavam a separação entre o produtor e seu meio de vida do produto 
realizado.
O momento da produção deste texto, o início da década de 1980, foi marcado 
pela expansão dos aparelhos tecnológicos, o que abrange desde a automatização 
das câmeras fotográfi cas até o desenvolvimento dos microcomputadores. Para 
Flusser, o conceito de aparato é central: em oposição aos instrumentos da era 
industrial, os aparelhos pós-industriais não laboram nem transformam o mundo, 
nisso residindo o caráter novo das sociedades do período, em que o trabalho não 
é mais um dos alicerces. Em sua obra, inquerir o aparato fotográfi co, considerado 
o patriarca, o protótipo de todos os aparelhos modernos, foi uma tentativa de 
descrever criticamente as engrenagens pós-ideológicas do aparato industrial, 
publicitário, político e econômico que constitui o mundo contemporâneo. Como 
bem destacaram Martins e Silva (2013, p. 173-4), “o fi o condutor do livro é a 
denúncia do caráter totalitário e eminentemente massifi cador da cultura superfi cial 
(embora altamente abstrata e codifi cada) das imagens técnicas”.
75
LINGUAGEM VISUAL, MODERNIDADE E TECNOLOGIA Capítulo 2 
A interface entre esses autores, dentre outros, que teorizaram sobre a 
reprodutibilidade técnica, com destaque para a fotografi a, observa-se pela crítica 
consensual da universalização das imagens como produto e fator de alienação. 
Seja através da perda do valor de culto (Benjamin), da codifi cação ideológica 
que a imagem reforça (Barthes) ou da mística produzida pela técnica (Flusser), 
as teorias da arte posteriores ao advento da fotografi a suspeitavam não do 
seu poder de alterar a realidade social tanto quanto fora alterada a percepção 
da visualidade ao longo do século XX, pois isso era evidente. O receio que se 
observa nas análises destes teóricos era a manipulação do poder emanado 
dessas imagens técnicas para a construção de um tipo específi co de sociedade, 
alienada, manipulada, autoritária. Veja-se, por exemplo, a aproximação feita por 
Walter Benjamin entre reprodutibilidade técnica como instrumento de distração 
e manipulação e os preceitos dadaístas e futuristas. Os primeiros a refl etir um 
comportamento associal desejavam apenas “causar”: a arte era para eles um 
instrumento de distração. Os segundos viam na estetização da política um meio 
para se alcançar uma estética da guerra e aniquilar tudo o que se relacionasse 
com uma sociedade entendida como atrasada, como afi rmava o Manifesto 
Futurista, de 1909: “queremos glorifi car a guerra, única higiene do mundo, o 
militarismo, o patriotismo, o gesto destruidor dos anarquistas, as belas ideias 
pelas quais se morre, o desprezo pela mulher” (MARINETTI, 1909). Na Figura 
4 temos um exemplo do dinamismo e da temática do combate que nas artes 
caracterizaram o movimento futurista. O curso da experiência humana confi rmou, 
com os piores resultados possíveis, as conjecturas previamente levantadas por 
Benjamin. 
FIGURA 4 – CARGA DOS LANCEIROS (1915), UMBERTO BOCCIONI
FONTE: . Acesso em: 13 fev. 2020.
76
 Linguagem Visual na HistoriograFia
Sugestão de atividade de estudo: cada acadêmico deve 
realizar uma pesquisa individual sobre as vanguardas modernistas 
europeias, escolhendo uma entre elas para aprofundamento: quando 
e em que contexto histórico surgiu? Quem foram os principais 
expoentes? Quais foram as características do movimento nas artes 
e na literatura? E, sobretudo, quais foram os usos políticos sugeridos 
ou inspirados por estas vanguardas? Os resultados das pesquisas 
podem ser compartilhados entre todos.
3 A FOTOGRAFIA COMO TÉCNICA, 
PRÁTICA SOCIAL E FONTE 
DOCUMENTAL
As aproximações entre a imagem fotográfi ca e o conhecimento histórico se 
dão a partir do estatuto técnico da fotografi a em seu caráter de autenticidade e 
prova, dado seu apelo enquanto testemunha ocular de fatos históricos. Como 
sabemos, a evidência histórica do testemunho dado por uma imagem não é 
inequívoca, neutra ou passiva. Igualmente no caso da fotografi a, esse testemunho 
está constituído por investimentos de sentido, tendo que ser inquerido enquanto 
representação do passado para a construção de conhecimento histórico. A 
consciência historiográfi ca, ao incorporar àinvestigação do campo um conjunto 
amplo de registros da cultura humana, compreende que a elaboração de 
linguagens, o uso de equipamentos e as condições de sua utilização são defi nidos 
e redefi nidos pelos sujeitos históricos. É a partir dessa lógica, dinâmica não-linear, 
que abordaremos a fotografi a, em dois momentos: realizando uma breve história 
da técnica e interpelando-a como prática social; e inferindo sobre questões 
teórico-metodológicas para a sua utilização na escrita da história.
Embora haja relatos de que Aristóteles (384-322 a.C.) tenha feito a primeira 
descrição do funcionamento de uma câmara escura, foi o árabe Abu al-Hasan Ibn 
al-Haytham (965-1038 d.C.) quem descreveu, trabalhou a técnica e ampliou-a, 
conferindo-lhe também outros usos, como a observação de eclipses lunares e 
solares, que seriam fundamentais para o desenvolvimento do telescópio e do 
microscópio. Grosso modo, a técnica fotográfi ca consiste numa caixa, que 
pode ser do tamanho de um quarto ou ter as medidas da palma de uma mão, 
sendo três lados escuros e um claro. A parede oposta à clara deve conter um 
77
LINGUAGEM VISUAL, MODERNIDADE E TECNOLOGIA Capítulo 2 
orifício por onde entra a luz que projeta, na parede clara, a imagem do objeto 
que está do lado de fora da câmara escura, em frente ao orifício. A imagem da 
câmera fotográfi ca como sinônimo de aparato industrial é apenas uma de uma 
série de experiências com a câmara escura: desde os experimentos escolares 
com caixinhas de fósforo, até as Dirkons elaboradas em papel na extinta União 
Soviética demonstram como a técnica é acessível, mas também como ela está 
arraigada à cultura ocidental moderna.
Nas páginas que seguem, utilizaremos como itinerários da abordagem sobre 
a fotografi a dois estudos da historiadora Ana Maria Mauad; o primeiro datado 
de 1996, o segundo, em parceria com Marcos Felipe de Brum Lopes, de 2012, 
incorporando outras contribuições e sugestões de leitura e audiovisuais. No 
que se refere ao primeiro ponto em discussão – uma breve história da técnica 
– parece relevante pontuar, destarte, que o discurso inaugural da história da 
fotografi a a partir do daguerreótipo como resultado natural de esforços primitivos 
não parece um caminho muito preciso. A câmara escura, como dissemos, há 
muito conhecida no Velho Mundo, foi desenvolvida tecnicamente em diferentes 
lugares, em diferentes momentos. Durante o século XIX variaram, de acordo com 
seus inventores, os suportes de fi xação de uma imagem, que era, ainda, única. O 
daguerreótipo, compreendido como o primeiro instrumento técnico dessa fi xação 
– no caso, em uma placa de metal – foi apenas um dos processos que a logrou. 
Pela fama galgada pelo invento, cujo autor vivia num dos centros culturais mais 
destacados do mundo – a França do século XIX –, o daguerreótipo foi alçado à 
categoria de elo condutor entre a técnica da câmara escura e a fotografi a como 
prática social como a entendemos no século XX.
O daguerreótipo foi, isto sim, o primeiro processo fotográfi co amplamente 
comercializado a partir de 1839. A imagem capturada pela câmara escura era 
fi xada em uma placa fi na de metal, geralmente o cobre, devido ao seu baixo 
valor. A fi xação se operava pela sensibilização da placa com iodeto de prata, 
que deixava a imagem espelhada. Nesse processo, a imagem da placa fi nal 
continha seu positivo e seu negativo, a depender do ponto de vista do observador. 
As imagens eram únicas e extremamente frágeis, já que a superfície banhada 
em prata se riscava com facilidade. A invenção, designada pelo apelido de seu 
inventor, Louis Daguerre, não foi patenteada, mas sim cedida ao governo francês 
em troca de uma pensão. Isso, a falta de patente do invento, foi fundamental na 
disseminação da fotografi a e na revolução nas formas de apreensão imagética, 
como abordado no apartado anterior.
78
 Linguagem Visual na HistoriograFia
FIGURA 5 – DAGUERREÓTIPO DE LOUIS DAGUERRE, 1839
FONTE: . Acesso em: 13 dez. 2019.
O valor cobrado por um retrato tirado a partir de um daguerreótipo, por 
exemplo, ainda na primeira metade do século XIX, podia fazê-lo acessível 
às classes trabalhadoras. A arte dos retratistas, por sua vez, era difi cilmente 
acessada por esta parcela populacional. Sobre a técnica, é interessante perceber 
que a necessidade de exposição à luz solar intensa durante cerca de dez minutos 
para a fi xação da imagem resultou na sua execução a céu aberto, mas também, 
na utilização de encostos e suportes que resultavam em representações um 
tanto engessadas e em expressões sisudas de parte dos retratados, claro, com 
exceções.
Pode-se imaginar a revolução operada pela fotografi a numa sociedade em 
que o pictórico, representando a realidade subjetiva por defi nição, era até então 
um resultado da intervenção humana, que mediava a relação entre imagem e 
realidade. Ou seja, na produção das artes, o artista expressava o mundo segundo 
seu olhar. Com a fotografi a, inaugurava-se uma economia visual que reproduzia 
o mundo com todos os detalhes supostamente de forma objetiva, cujo produto 
fi nal unia realidade e imagem. Como os inventos e produtos de uma época são 
sempre fi lhos de seu tempo, parece claro que as descobertas fotográfi cas se 
estruturaram sobre as transformações das sociedades ocidentais, modernas e 
urbanas, irmanadas a um conjunto de novidades como a lâmpada elétrica, o trem 
79
LINGUAGEM VISUAL, MODERNIDADE E TECNOLOGIA Capítulo 2 
a vapor e o cinematógrafo (MAUAD; LOPES, 2012, p. 270).
Até a década de 1880, quando a técnica fotográfi ca como resultado de 
negativos se popularizou, ainda a cargo de sua operacionalização por profi ssionais, 
outras técnicas existentes eram o calótipo (sensibilização de um papel, a partir 
do nitrato de prata, que depois “copiava“, como um carimbo, a imagem negativa 
produzida na câmara escura para um segundo papel, positivando-a); o ambrótipo
(impressão fotográfi ca sob placa de vidro); e o ferrótipo (criação de uma imagem 
positiva sob uma chapa fi na de ferro revestido com verniz), as duas últimas sem o 
correspondente negativo. Seria pertinente realizar uma divisão entre os circuitos 
e usos sociais da fotografi a durante o século XIX e depois, no XX, analisando 
como esse circuito se complexifi cou até o advento da fotografi a digital.
Durante o oitocentos os usos da fotografi a atualizam a tradição das pinturas a 
óleo, tanto em relação aos retratos quanto às paisagens, já que esses dois estilos 
de produção imagética se apresentam na fotografi a segundo padrões construídos 
nas épocas anteriores: a posição dos retratados, os símbolos inseridos, a vista 
aérea para as paisagens etc. Os retratos parecem ter se convertido rapidamente 
em um enorme sucesso. Nisto infl uenciaram os custos relativamente acessíveis 
da fotografi a e a facilidade com que se instruíam os fotógrafos para o trabalho. 
Considera-se, como parece evidente, que o custo de um retrato fotográfi co era 
barato em comparação com um retrato pintado, mas também o objeto adquirido 
era de outra materialidade: pequeno, mais íntimo, portátil. 
De qualquer forma, tais aspectos multiplicaram a demanda pela produção de 
retratos e de profi ssionais que os executassem, o que contribuía para a redução 
dos valores de produção. O retrato fotográfi co é um dos sintomas do novo 
ordenamento social evidenciado no meado do século XIX em relação ao indivíduo, 
à família nuclear e aos mecanismos de autorrepresentação das camadas 
burguesas em ascensão. O retrato fotográfi co moldou a face das camadas 
médias abastadas à semelhança dos códigos pictóricos de representação de 
outrora, utilizados pela aristocracia, atualizando seu modo de vida através de um 
dispositivo de representação moderno, que articulava um universo de signos de 
distinção.
As fotografi as de paisagens foram outra modalidade produzida em larga 
escala durante o período. Um fotógrafo, que poderiatambém ser um retratista, 
acompanhava as empreitadas de companhias comerciais e agências coloniais 
a fi m de produzir imagens e construir representações dos domínios imperiais 
e de conquistas empresariais. As vistas fotográfi cas se pautavam pelos 
cânones da pintura de paisagem e, dado o objeto em apreciação, utilizavam-se 
costumeiramente chapas médias e grandes. A fotografi a de paisagens inseria-
se também nos circuitos de comportamento burgueses, pois permitiam trazer 
80
 Linguagem Visual na HistoriograFia
ao universo social de origem uma “mostra” das viagens turísticas e da refi nação 
simbólica do cotidiano proporcionada pelos trânsitos burgueses. Atente-se, 
por exemplo, para a disseminação de relatos de viagem em revistas voltadas 
às classes ricas urbanas ou os cartões postais remetidos aos pares durante o 
transcorrer das viagens.
Uma terceira utilização da fotografi a, a qual teve início ainda no século 
XIX, referia-se a sua utilidade supostamente científi ca. O urbano, o moderno e 
o civilizado se consolidaram a partir de padrões formados com base nos seus 
opostos: os bárbaros, os incivilizados, os atrasados. Categorias etnocentricamente 
construídas que utilizaram a fotografi a para criar inventários do mundo e 
categorizar a humanidade em raças e “tipos”. Nesta última categoria insere-se 
a sua instrumentalização para os estudos sobre criminologia e teorias raciais, 
uma vez que a objetividade visual aportada pela técnica informava a respeito 
das características, semelhanças e anomalias encontradas – com demasiada 
facilidade – em pessoas que haviam cometido um crime específi co, por exemplo. 
Isso permitiu a criação de estereótipos que foram cientifi cizados e adotados pelos 
Estados liberais como “provas” que reifi cavam preconceitos cujo perfi l classista 
e racista é hoje inquestionável. Como recorda Mauad (1996), a fotografi a como 
prova infalsifi cável foi inserida na documentação ofi cial para fi ns de controle 
social: tem-se, até os dias de hoje, sua obrigatoriedade na Carteira de Identidade, 
no Passaporte, na Carteira de Habilitação etc.
A fotografi a passou a ser entendida como uma forma de arte a partir do 
advento do século XX, quando o trabalho de fotógrafos pioneiros se inseriu 
nos circuitos das obras de arte “tradicionais”, deles se independizando logo em 
seguida. Destaca-se a exposição precursora de Alfred Stieglitz em 1902, no 
National Arts Club de Nova York, realizada após intentos anteriores que, além 
de subjugar a fotografi a à pintura, por exemplo, tinham como avaliadores, com 
exclusividade, pintores, ao invés de fotógrafos. Desse momento data o conceito 
de pictorialismo, surgido para descrever fotografi as que simulavam o estilo das 
pinturas e que eram manipuladas pelo uso do foco brando e do tom sépia, por 
exemplo. Este intento de aproximação da fotografi a ao campo visual das artes 
plásticas é característico de um momento em que a fotografi a, como arte, não 
dialoga intimamente com o conceito de objetividade.
De acordo com a escritora Carol King (2011), depois da Primeira Guerra 
Mundial, o espírito de celebração da mecanização e da velocidade inspirava 
fotógrafos e fotógrafas ao redor do mundo, numa evidente apologia da 
modernidade. Paul Strand, Edward Weston e Ansel Adams fundaram, em 1932, 
uma pequena sociedade de fotógrafos chamada f/64, cujo objetivo era desafi ar 
o predomínio do pictorialismo. O grupo defendia o uso mais puro e realista 
possível da fotografi a, sem manipulações. Buscava utilizar as fotografi as como 
81
LINGUAGEM VISUAL, MODERNIDADE E TECNOLOGIA Capítulo 2 
meio de promover as reformas sociais na década de 1930, nos Estados Unidos. 
No período, o Departamento para o Desenvolvimento do Trabalho nos Estados 
Unidos já contava com projetos que envolviam fotógrafos no mapeamento de 
determinadas situações sociais, como as retratadas por Dorothea Lang sobre as 
famílias migrantes e sem-teto.
Na mesma direção foram os investimentos em relação ao inventário 
imagético de períodos marcados por confl itos armados, que passaram a contar 
com a contribuição de profi ssionais que retratavam tanto o cotidiano dos exércitos 
quanto o dia a dia das pessoas de sua pátria. Nesse sentido, duas contribuições 
merecem destaque, ainda na primeira metade do século XX. A primeira foi a 
experiência de Bill Brandt ao retratar, para o Departamento de Guerra britânico, 
a depressão no seu país e o ataque de parte dos alemães. A obra, publicada 
em livro, revolucionou a fotografi a inglesa ao mostrar o contraste entre a vida 
prazerosa da aristocracia e a árdua realidade dos operários. 
A segunda contribuição consiste na trajetória de Robert Capa, profi ssional que 
se especializou em fotografi a de guerra, tendo coberto, dentre outras, a Guerra 
Civil Espanhola, a Guerra Civil Chinesa, a Segunda Guerra Mundial e a Guerra da 
Indochina, na qual morreu ao pisar em uma mina terrestre enquanto trabalhava. 
Dentre muitas imagens icônicas produzidas por ele está A morte do soldado 
legalista, realizada em 1936 durante a Guerra Civil Espanhola, e o desembarque 
dos soldados americanos na Normandia, no episódio conhecido como Dia D, que 
encerrou a Segunda Guerra Mundial (Figura 6). Capa se caracterizava pelo estilo 
destemido. Ao utilizar câmeras com lentes de curto alcance, considerava que 
uma fotografi a, quando não estava sufi cientemente boa, era o resultado de uma 
distância muito grande em relação ao objeto fotografado. Dentre os seus legados 
está também a co-fundação da Agência Magnum, junto a Henri Cartier-Bresson, 
David Seymour e George Rodger, uma cooperativa de fotógrafos livres que conta 
atualmente com mais de um milhão de fotografi as em seu banco de imagens. 
82
 Linguagem Visual na HistoriograFia
FIGURA 6 - SEM TÍTULO (1945), ROBERT CAPA 
HENRI CARTIER-BRESSON 
FONTE: . Acesso em: 13 dez. 2019.
FIGURA 7 – ATRÁS DA ESTAÇÃO ST. LAZARE (1932) 
HENRI CARTIER-BRESSON
FONTE: . Acesso em: 13 dez. 2019.
83
LINGUAGEM VISUAL, MODERNIDADE E TECNOLOGIA Capítulo 2 
Sugestão de leitura: Steinbeck e Capa, 2011. Em Um diário 
russo, John Steinbeck, jornalista e escritor estadunidense vencedor 
do Prêmio Pulitzer de 1940 – e futuramente, do Nobel, conquistado 
em 1962 – narra sua viagem com o fotógrafo Robert Capa por 
países que formavam a hoje extinta União Soviética. Para além do 
objeto central do livro, qual seja, fazer um relato “neutro” do outro 
lado da cortina de ferro, a obra apresenta também os desafi os e as 
especifi cidades do trabalho de um fotógrafo profi ssional no meado da 
década de 1940.
Um terceiro nome, uma reverência na história da fotografi a, é o do francês 
Cartier-Bresson. Enquanto Capa se caracterizou pelos detalhes obtidos em 
aproximação com o objeto fotografado, Cartier-Bresson tinha como fi losofi a 
capturar o momento decisivo, o instante único. Pioneiro em fotografi a de rua, 
apreciava a simetria e o equilíbrio; via padrões repetidos em cenas do cotidiano. 
Nas fotografi as afamadas de O momento decisivo, livro publicado em 1952, 
observa-se como o fotógrafo foi inspirado pelas formas angulosas do surrealismo 
e pelas formas geométricas do cubismo, como sua Atrás da estação St. Lazare
(Figura 7). A imagem consiste em um trabalho harmonioso, espontâneo e preciso. 
O jovem pulando uma poça d´água, tendo utilizado uma escada como ponte, 
é apenas um elemento com o qual outros dialogam: as acrobatas da fi gura ao 
fundo parecem imitá-lo; o cartaz apresenta elementos circenses, como também 
as formas arredondadas na água. A palavra Brailowski, sem o “B” apagado pelas 
grades, resultaem Railowski que lembra, por sua vez, rail, ferrovia em inglês, cuja 
estética (dos trilhos e do trem) é retomada pelas grades e pela escada no chão.
No Brasil a fotografi a deu origem a nomes destacados internacionalmente, 
como o de Sebastião Salgado e o de Araquém de Alcântara, ambos ainda em 
atividade. O primeiro, economista de formação com estudos realizados sobre a 
pobreza no Brasil e na América Latina, encontrou na fotografi a uma maneira de 
dotar de rostos as pessoas que habitavam seus trabalhos. Especializou-se em 
fotografi as de retratos de migrantes, exilados, estrangeiros, com destaque para 
mulheres e crianças que vivem em contextos de miséria e guerras, exclusivamente 
em preto e branco. Recebeu inúmeros prêmios internacionais pelos seus trabalhos 
fotográfi cos, sendo atualmente titular da cadeira n. 01 das quatro ocupadas por 
fotógrafos na Academia de Belas Artes da França. Durante a chamada carestia de 
1983-1985 na Etiópia, Salgado produziu uma de suas séries fotográfi cas mais 
84
 Linguagem Visual na HistoriograFia
aclamadas, Êxodos, na qual retratou os deslocamentos humanos resultantes da 
situação de fome e da insurgência de grupos guerrilheiros no país, que resultaram 
na morte de mais de 400 mil pessoas.
FIGURA 8 – DA SÉRIE ÊXODOS (1984), SEBASTIÃO SALGAD
FONTE: . Acesso em: 13 dez. 2019.
O catarinense Araquém de Alcântara é um dos fotógrafos mais importantes da 
atualidade, especialista em paisagens naturais. Há mais de trinta anos dedica-se a 
documentar a natureza e os biomas brasileiros, tendo sido o primeiro profi ssional 
a registrar fotografi camente a totalidade dos parques nacionais. Através da 
fotografi a, realiza um trabalho contundente no combate ao desmatamento da 
Amazônia, disponibilizando seu trabalho a entidades e instituições de defesa do 
patrimônio ambiental brasileiro. Possui mais de 50 livros publicados e um currículo 
com mais de 70 exposições realizadas no Brasil e no mundo. Como qualquer 
seleção, muitos nomes de relevo no campo da fotografi a fi caram de fora desse 
limitado sumário.
85
LINGUAGEM VISUAL, MODERNIDADE E TECNOLOGIA Capítulo 2 
FIGURA 9 – DA SÉRIE PARQUES NACIONAIS BRASIL 
(2004), ARAQUÉM DE ALCÂNTARA
FONTE: . Acesso em: 13 dez. 2019.
Em relação aos circuitos sociais da fotografi a no século XX, Mauad e Lopes 
(2012) estabelecem, para fi ns didáticos, dois roteiros: o das imagens públicas 
e o das imagens privadas. Em relação à fotografi a pública, prevaleceu, dentre 
outras possibilidades, a institucionalizada, associada e produzida pelas agências 
do Estado para dar visibilidade as suas ações, incorporadas a estratégias 
de persuasão do poder político. Um segundo tipo de fotografi a pública foi a 
considerada “engajada”. Na diversifi cação imagética ocorrida ao longo do 
século XX, a questão social emergiu na cena pública em diferentes lugares e 
de diferentes formas. Sobretudo a partir da irradiação dos movimentos sociais e 
políticos, a fotografi a tornou-se uma poderosa arma nas mãos de profi ssionais que 
registravam acontecimentos e encadeavam imagens em narrativas contestatórias. 
As bandeiras de luta foram variadas, dos direitos civis à liberdade sexual, do 
movimento operário aos movimentos pós-coloniais.
Em todos os casos mencionados anteriormente, a fotografi a se tornou ou 
foi produzida enquanto pública “para cumprir uma função política que garante a 
visibilidade do poder, das estratégias de poder, ou, ainda, das disputas de poder” 
(MAUAD; LOPES, 2012, p. 275). As fotografi as se tornam parte e objeto de 
uma memória pública que registra e projeta no tempo histórico uma versão dos 
acontecimentos, construída por uma narrativa verbal e multitemporal: o tempo do 
86
 Linguagem Visual na HistoriograFia
acontecimento, o tempo de sua recepção; o tempo e as formas de sua exibição e 
salvaguarda etc.
A experiência fotográfi ca do século XX alterou as formas de acesso aos 
acontecimentos e sua inscrição na memória pública. O valor autoral da fotografi a 
parece ter se elevado com a sua disseminação entre as camadas sociais, mas 
também se relaciona a sua profi ssionalização. De qualquer forma, esse valor 
envolve um investimento do fotógrafo na produção de sentido defi nida pela 
relação com o mundo visível, assim como sua ressonância no campo social onde 
desenvolve sua experiência fotográfi ca. Uma fotografi a adquire valor histórico 
dada sua capacidade de responder às demandas dos circuitos sociais nas quais 
esteve inserida, mas também pelos recursos técnicos e estéticos utilizados nesse 
trabalho.
Em relação aos usos privados da fotografi a, esses dizem respeito às formas 
de recolher e preservar fragmentos de experiências cotidianas, ordinárias, 
porém afetivas, por exemplo, os rituais simbólicos da infância. Um bebê dando 
os primeiros passos, fazendo traquinagens; uma criança correndo atrás de um 
cachorro na grama, tomando banho de piscina ou de mangueira; a primeira 
comunhão ou o batizado; o primeiro dia na escola. No tempo presente, toda família, 
por mais diferente que seja a sua formação e dinâmica, registra fotografi camente 
as fases da vida de seus membros, com destaque para a infância, com vias a 
construir uma memória futura e compor o legado familiar afetivo. Entre as elites, 
o predomínio de álbuns fotográfi cos em estúdio desde o último quartel do século 
XIX em diante limitou o registro de experiências cotidianas, informando pouco 
sobre as formas de ser criança de cada período. No entanto, estas narrativas 
biográfi cas visuais informam sobre as formas de autorrepresentação burguesa. 
Atualmente observamos certo renascimento deste gênero fotográfi co, quer dizer, 
as crianças voltaram a ser fotografadas em estúdio, mais do que nunca cercadas 
de elementos do universo infantil como brinquedos, parquinhos e fantasias. O 
cenário, absolutamente artifi cial, infere pouco sobre o lugar social da criança: é 
a própria produção técnica em si que delata sua origem entre as classes bem 
colocadas socialmente.
No âmbito da produção fotográfi ca não profi ssional, pelo menos dois 
momentos transformaram sua produção, circulação e consumo. O primeiro 
observou-se com o desenvolvimento de câmeras de tamanho reduzido, na virada 
do século XIX para o XX, como a Kodak n. 01 (Figura 10). Embora seu acesso 
fosse limitado pelo alto custo do produto, o invento, que utilizava películas de 
vidro, obviamente de única utilização, fáceis de inserir e alterar, permitia que um 
indivíduo comum fosse proprietário de um equipamento que fazia do entusiasta 
um produtor de imagens, tornando o mediador profi ssional desnecessário. O 
artefato não requeria, para sua utilização, mais do que o conhecimento acerca do 
87
LINGUAGEM VISUAL, MODERNIDADE E TECNOLOGIA Capítulo 2 
aparato em si – abrir a gaita da lente, apertar o botão, trocar a lâmina de vidro, 
fechar a gaita. A câmera fotográfi ca tornara-se, como o relógio havia sido dois 
séculos antes, um objeto de fetiche e uma insígnia da modernidade, mas também 
um distintivo de classe social.
FIGURA 10 – KODAK N. 01, c. 1909
FONTE: . Acesso em: 13 dez. 2019.
O segundo momento de mudanças técnicas de relevo em relação à indústria 
da fotografi a foi a entrada em cena da fotografi a digital. A partir dos anos 1980, 
dados os avanços tecnológicos introduzidos nos instrumentos fotográfi cos, 
originou-se no interior das teorias da imagem debates sobre o caráter da 
fotografi a digital, e sua relação de continuidade ou ruptura com a fotografi a 
analógica. Noutras palavras, a discussão teve origem – e perdura – em torno do 
questionamento da imagem digital enquanto fotografi a. Dentre os argumentos a 
favor da ruptura entre fotografi a analógica edigital está um determinismo técnico 
que defi niria o meio. Ou seja, para aqueles que defendem esse preceito, sem 
processo físico e químico não há fotografi a. Também se aponta que a fotografi a 
analógica mantém uma relação física com o mundo, uma indicialidade da qual está 
liberada a fotografi a digital. Neste sentido e, fi nalmente, opõe-se a objetividade 
da fotografi a analógica à manipulação como marca da fotografi a digital.
Será importante esclarecermos essas questões. Em primeiro lugar, não faz 
sentido destituir a imagem digital de seus aspectos fotográfi cos porque, embora 
88
 Linguagem Visual na HistoriograFia
não haja a transferência de energia da luz para os elementos químicos na 
superfície sensível, o processo de formação da imagem ainda ocorre no interior 
da câmera. Mas, sobretudo, porque a fotografi a é uma experiência histórica e 
uma prática social, transformada, evidentemente, pela substituição do negativo e 
da prata por grades de pixels e pela tradução de impulsos elétricos, mas isso não 
alterou em absoluto o seu circuito social. A produção de imagens digitais mantém 
com a prática analógica uma série de coisas: as lentes ópticas, o enquadramento, 
a cor e a escala de cinza, pode ser impressa ou não (como o fi lme, que pode não 
ser revelado), pode ser exposta, compartilhada, apreciada ou fi car restrita ao seu 
círculo social de origem.
Os dois últimos argumentos se relacionam às associações materiais com a 
realidade. É compreensível que estas questões se refi ram às possibilidades de 
manipulação da realidade pelo aparato digital: antes ou depois da captura, pode-
se alterar a cor, a intensidade, o enquadramento, as proporções, pode-se inserir 
outros personagens, objetos, cenários. Tudo pode ser modifi cado, forjando-se a 
realidade, antes mesmo da imagem deixar o aparelho original de captura para 
ser impressa, publicada ou compartilhada. O regime de verdade que a fotografi a 
analógica fundou se fortaleceu em relação à imagem digital, mas esta acabou por 
estender àquelas as técnicas de manipulação informática, ao passo que nenhuma 
está em condição de guardar inquestionavelmente uma verdade representada.
Sabemos que a objetividade inexiste mesmo na fotografi a analógica não 
manipulada, pois o olhar, a técnica da autoria fará de cada imagem, única, 
construída em perspectiva subjetiva. Mas parece importante pontuar que também 
a fotografi a analógica pôde desde os primeiros experimentos de fi xação da 
imagem, sofrer alterações, então conhecidas como “montagens”, por exemplo, 
pela seleção de alguns objetos fotografados e sua adição em outros cenários 
e contextos. Analogia e verdade não se conectam de forma automática, assim 
como não são necessariamente relacionadas às noções de mentira e de imagens 
digitais. Como a objetividade, conceitos como verdade, mentira e manipulação 
não são a-históricos, mas signifi cados em cada contexto, pois socialmente 
construídos. Consideramos, segundo orientações dos autores que vêm nos 
inspirando neste índice sobre a história da fotografi a, que indicar a especifi cidade 
da técnica – através da nomenclatura digital – já expõe o diferencial desta classe 
de uso da luz – foto –, e da escrita – grafi a –, não sendo necessário designá-la de 
outra forma, tampouco considerá-la outra coisa, que não isso: fotografi a digital.
Talvez um terceiro momento, então de alteração dos circuitos sociais da 
fotografi a, seja a sua produção junto aos aparatos individuais multifunção, 
os smartphones, conectados às redes e mídias sociais. A ampliação e mesmo 
a vulgarização desses aparelhos, sem exceções, compostos por câmeras 
integradas, não apenas popularizou a fotografi a de uma maneira nunca antes 
observada, como deu origem a uma cadeia de produção e consumo de imagens 
89
LINGUAGEM VISUAL, MODERNIDADE E TECNOLOGIA Capítulo 2 
que tem na fotografi a um elemento fulcral. A representação de si, a exposição das 
experiências vividas e da intimidade através do compartilhamento de instantes e 
lives se tornou uma forma privilegiada de exposição da compreensão de mundo 
de alguns grupos sociais, geracionais e inclusive profi ssionais.
Uma vez apresentadas as técnicas, tecnologias, abordagens e alguns 
momentos do pensamento ocidental em relação à fotografi a, podemos afi rmar 
com alguma certeza que hoje ultrapassamos o seu entendimento como duplicação 
da sociedade, para compreendê-la como o resultado de um investimento de 
sentido, “uma leitura do real realizada mediante o recurso a uma série de regras 
que envolvem, inclusive, o controle de um determinado saber de ordem técnica” 
(MAUAD, 1996, p. 75). Investigar esses sentidos é tão importante para a produção 
historiográfi ca quanto as informações materiais disponibilizadas pela imagem 
fotográfi ca em si. Isso nos conduz ao segundo momento da abordagem sobre 
a fotografi a: orientações teórico-metodológicas para sua utilização na ofi cina da 
História.
Ana Maria Mauad, em um texto fundamental sobre as interfaces entre 
história e fotografi a (MAUAD, 1996), apresenta o pensamento de alguns 
críticos da imagem técnica como duplicação do real. Estas críticas podem ser 
interessantes para introduzir um roteiro teórico-metodológico. Uma primeira 
demanda é a que ressalta, em que pese o efeito de realidade, que a fotografi a 
é bidimensional, plana, com cores que podem ou não reproduzir a realidade. 
Neste sentido, a fotografi a isola um determinado ponto no tempo e no espaço, 
acarretando a perda da dimensão processual do tempo vivido. Além disso, a 
imagem técnica é puramente visual, excluindo outras formas sensoriais. Outra 
crítica de relevo é a que denuncia a faceta encenada das fotografi as históricas, já 
que a interação do fotógrafo na ação e o efeito de paragem da imagem produzem 
uma determinada versão dos fatos históricos que lhes garantiriam o estatuto de 
verdade comprovada. Finalmente, uma terceira postura relacionada à fotografi a 
como transformação do real remete a uma perspectiva antropológica, segundo a 
qual o signifi cado da mensagem fotográfi ca é convencionado culturalmente, ou 
seja; sua compreensão pressupõe certa aprendizagem ligada à interação dos 
códigos de leitura da imagem técnica.
A consideração dessas críticas importa no sentido de conduzir a questões 
teórico-metodológicas norteadoras em pesquisas com fotografi as: como alcançar 
o que não foi imediatamente revelado pelo olhar fotográfi co? Como acessar um 
passado por meio dessas imagens técnicas? Como ultrapassar a superfície da 
mensagem fotográfi ca e ver além e através da imagem? 
Como resultado de um trabalho social de produção de sentido, a fotografi a 
é uma linguagem, uma mensagem “que se processa através do tempo, 
90
 Linguagem Visual na HistoriograFia
cujas unidades constituintes são culturais, mas assumem funções sígnicas 
diferenciadas, de acordo tanto com o contexto no qual a mensagem é veiculada, 
quanto com o local que ocupam no interior da própria mensagem” (MAUAD, 1996, 
p. 79). Com base nas regras de produção de sentido nas linguagens não verbais, 
temos que a representação fi nal, o produto fi nal é sempre uma escolha realizada 
em um conjunto de escolhas possíveis.
Para analisar as unidades constituintes da mensagem visual enquanto 
índice (marca de uma materialidade passada), por um lado, e enquanto símbolo 
(imagem socialmente estabelecida para ser perenizada), por outro, Mauad (1996) 
sugere a confecção de fi chas individuais que devem ser construídas para cada 
imagem. Ressalta, também, que se utilize para a construção do saber histórico 
um corpus fotográfi co, uma série extensa e relativamente homogênea que permita 
dar conta de destacar semelhanças e diferenças próprias ao conjunto de imagens 
que o/a historiador/a escolheu analisar. Essa homogeneidade pode construir-se 
em relação a um tema, como o casamento ou as festas familiares ou em função 
das diferentes agências de produção de imagens, tais como o Estado, agênciaspublicitárias, a imprensa etc.
São duas as fi chas propostas pela historiadora: a fi cha de elementos da 
forma do conteúdo e a fi cha de elementos da forma da expressão. Na primeira, 
a indicação metodológica consiste em atentar aos seguintes elementos: agência 
produtora; ano; local retratado; tema retratado; pessoas retratadas; objetos 
retratados; atributo das pessoas; atributo da paisagem; tempo retratado (dia/
noite); designação de um número para a fotografi a. Da segunda fi cha constarão 
os seguintes dados: agência produtora; ano; tamanho da foto; formato e suporte; 
tipo; enquadramento I (horizontal ou vertical); enquadramento II (esquerda, direita 
ou centro); enquadramento III (distribuição de planos); enquadramento IV (objeto 
central, arranjo e equilíbrio); nitidez I (foco); nitidez II (defi nição de linhas); nitidez 
III (iluminação); produtor (amador ou profi ssional); número da fotografi a.
Cada uma das categorias analisadas constitui unidades culturais que devem 
ser realocadas em categorias espaciais, estabelecidas para a estruturação fi nal 
da análise. Esse procedimento de instrumentalizar a noção de espaço como 
chave de leitura das mensagens visuais é comum na produção historiográfi ca 
que lida com imagens técnicas. Os campos espaciais – fotográfi co, geográfi co, 
do objeto, da fi guração e da vivência – permitem o restabelecimento dos códigos 
de representação social de comportamento, mas também reconstruções de 
realidades sociais do passado nos marcos de sua historicidade.
Como recordam Mauad e Lopes (2012), a fotografi a é uma atitude de 
representação ideologicamente elaborada, pois a manipulação dos elementos 
técnicos é exercida por pessoas que agregam valores de suas experiências 
91
LINGUAGEM VISUAL, MODERNIDADE E TECNOLOGIA Capítulo 2 
pessoais às imagens que produzem. Essas imagens fotográfi cas, como produto 
de práticas e experiências históricas de mediação, oferecem-se à apreciação 
historiográfi ca: se inqueridas, permitem investigar sobre o seu papel na produção 
de sentido social, sobre as práticas de produção e consumo de imagens, sobre 
indivíduos e instituições que as protagonizaram, seja como fi nanciadores ou como 
representados, sobre seu público de recepção etc. Obedecendo às demandas 
visuais dos grupos envolvidos na produção e no consumo de imagens, a fotografi a 
como imagem técnica se modifi cou desde a sua criação. Esse saber-fazer 
do/a fotógrafo/a e seus instrumentos, que envolve o desenvolvimento técnico, 
industrial, das relações de trabalho e das competências científi cas também pode 
ser acompanhado pelo/a historiador/a a partir de questionamentos de diferentes 
ordens.
A compreensão de um processo como histórico subentende, como visto 
no capítulo anterior, a organização de um questionário em relação ao passado, 
numa relação dialética entre as práticas sociais dos sujeitos que habitaram esse 
passado, suas experiências históricas e as evidências que são produtos destas 
relações. Entre estes produtos está a fotografi a. Sua especifi cidade consiste numa 
abordagem da realidade em termos de visualidade; realidade concebida por um 
meio (fotografi a), e a partir de um mediador (fotógrafo). Como temos abordado, a 
fundamental ancoragem metodológica no tratamento de fotografi as na pesquisa 
histórica consiste na incorporação da história do meio na elaboração do 
objeto de estudo, a fi m de compor um quadro que defi na as fotografi as como 
práticas sociais e experiências históricas. Dentre os cuidados metodológicos, 
destacamos a escolha de se trabalhar com séries fotográfi cas ou com fotografi as 
únicas a maneira de foto ícones, que potencializam um acontecimento ou uma 
ausência.
A título de síntese, os procedimentos metodológicos que instauram a 
investigação histórica com fontes visuais técnicas – mas que são antecedidos 
pela construção do questionário a que serão submetidas – compõem-se por 
quatro pontos: produção, produto, agenciamento e recepção. Esses aspectos 
orientam a análise histórica de fotografi as, contudo, destaca-se a necessidade de 
discutir também, por um lado, o estatuto epistemológico das imagens e, por outro, 
a noção de fonte histórica como fonte que contém o passado, à espera de ser 
revelado pelo/a historiador/a.
Atentar para a produção consiste em situar o dispositivo, a técnica e 
as tecnologias que mediaram a relação do sujeito e seu olhar sobre o objeto 
fotografável e a imagem que elaborou, o produto como materialidade de outro 
tempo histórico. Ou seja, por produção subentende-se a compreensão de que a 
mirada do/a fotógrafo/a se materializa através da manipulação de um dispositivo 
tecnológico com regras defi nidas historicamente. Aqui também importa situar 
92
 Linguagem Visual na HistoriograFia
um pouco a história da técnica e o regime de visualidade no qual se operou a 
produção da imagem técnica – não como pano de fundo, mas inquerindo esse 
regime como indício de uma lógica, de uma concepção de mundo e do lugar 
ocupado nele por homens e mulheres que o viveram.
A investigação sobre o produto em si, a imagem que se fez matéria, requer 
atenção dado seu potencial “efeito realidade”. A imagem possui a capacidade de 
potencializar a matéria visual, mascarando o processo de produção de sentido 
social por meio da qual foi concebida. Como relação social, as imagens técnicas 
“nos contam histórias, atualizam memórias, inventam vivências, imaginam 
a história, demarcam o campo do visível e do invisível” (MAUAD; LOPES, 
2012, p. 280). Nessa capacidade residem, ao mesmo tempo, os perigos e as 
potencialidades da fotografi a como objeto e fonte histórica. Um acervo fotográfi co 
pessoal salvaguardado que não se refi ra à pessoa pública retrata mais fi elmente a 
realidade do que o cotidiano fotografado de um líder político? Ou seja, seria mais 
“natural”, menos intencional? O que esses produtos visuais indiciam, informam ou 
simulam?
O processo social que envolve a trajetória das imagens técnicas, a biografi a 
da fotografi a como artefato, revela-se através do conceito de agenciamento. 
Neste aspecto deve-se ter em mente que até o encontro do/a historiador/a com 
uma imagem técnica ou um conjunto delas, guardadas, arquivadas, expostas 
ou destruídas, elas passaram por processos de seleção e descarte, sofreram 
alteração em seus circuitos sociais e foram utilizadas de outras formas que 
não aquela visada em sua produção original. Esta biografi a das imagens revela 
relações sociais diferenciadas e requer que a concebamos como materialização 
não de uma, mas de distintas práticas sociais nas quais estas imagens estiveram 
envolvidas. É fundamental conhecer a trajetória dos produtos e dos arquivos 
visuais ao longo de sua existência: por quais razões foram produzidos? Por 
quem foram conservados? Quando e com quais objetivos foram expostos, 
musealizados, mantidos ou retirados de sigilo?
Finalmente, atentar-se-á para a recepção da imagem técnica em análise. 
Questiona-se, neste ponto, o valor atribuído à imagem pela sociedade que a 
produziu e como estruturou a recepção da visualidade e seus espaços. Uma 
fotografi a pode ter sido produzida com valor informativo, afetivo, para fi ns de 
memória ou prova, como manifestação artística ou como forma de denúncia 
social. Pode, como parece claro, servir a mais de um desses preceitos, já que a 
condução da narrativa historiográfi ca nunca será tão simples a ponto de afi rmar 
que foi isto ou aquilo, sem interrogar os processos de recepção: quem o pensou, 
quais estratégias utilizou, quais eram os públicos-alvo etc.
93
LINGUAGEM VISUAL, MODERNIDADE E TECNOLOGIA Capítulo 2 
4 REGISTROS AUDIOVISUAIS: 
CINEMA E TELEVISÃO
Em um conjunto de textos de André Bazin (2014) publicados postumamente 
em 1960, intitulado O que é o cinema, o teórico francês analisa a imagem 
fotográfi ca e a imagem cinematográfi ca desde uma perspectiva comparada, 
realizando algumas defi nições. Para o autor, a fotografi a possuicaráter centrípeto 
(atuando como uma força que puxa o corpo, neste caso, os olhos, para o centro 
do movimento). Os olhos do/a observador/a fi cam restritos aos limites da moldura, 
não questionam se existe algo mais, além daquilo que veem: trata-se de uma 
imagem “acabada”. No cinema, por sua vez, a imagem é regida por uma força 
centrífuga (uma força inercial que empurra para fora um corpo em movimento de 
rotação). Há o deslocamento constante do olhar, pois a imagem está sempre em 
movimento, em processo. Ao contrário da imagem acabada e fi nita da fotografi a, 
no cinema convive-se com a possibilidade constante de que algo novo entre 
em cena, existindo muito além do que se deixa ver no momento, pelo menos 
enquanto possibilidade.
Parece adequado iniciar a discussão sobre o audiovisual com esta 
comparação, já que entre um produto e outro – a fotografi a e o audiovisual – 
situa-se como diferença inicial o fato de que o primeiro se constitui por uma 
imagem imóvel, enquanto o outro se funda por um encadeamento de imagens 
que adquirem sentido no movimento: uma narrativa. A comparação também 
parece relevante dado que as primeiras projeções audiovisuais resultantes 
de aparatos tecnológicos foram produzidas pelo ordenamento de imagens 
fotográfi cas acompanhadas de música que, juntas, conformavam uma narrativa 
expressa pela fórmula áudio + visual. Não é preciso ir muito longe para explicar do 
que se tratava, já que a técnica não desapareceu: fotodocumentários, produções 
escolares e, mais além, a técnica do stop motion são exemplos de audiovisuais 
produzidos com base em imagens fi xas.
Os audiovisuais são um objeto de análise difícil de situar em sua relação 
com a História, em nosso entender, porque no conceito se inserem muitas 
variantes, cada uma com sua trajetória e desenvolvimento específi cos: cinema 
(subdividido entre os vários gêneros), animação, games, vídeos (videoaulas, 
videoclipes, vídeos de canais, como o Youtube, montagens, videocasts etc.). 
Elencamos dois produtos culturais para análise retenida, o cinema e a televisão, 
e sobre eles lançaremos questões relacionadas ao seu desenvolvimento técnico 
e usos em diferentes contextos. Em primeiro lugar, inquerindo a técnica e seus 
produtos quanto aos seus fi ns comerciais e políticos. Depois, aventurando-nos a 
94
 Linguagem Visual na HistoriograFia
tecer algumas considerações sobre a sua utilização na produção historiográfi ca. 
Por fi m, problematizamos a linguagem audiovisual na produção do conhecimento 
histórico acadêmico, bem como suas potencialidades na construção de imagens 
sobre o passado. O viés adotado nas páginas que seguem é o de uma abordagem 
do audiovisual em sua inserção cultural.
De acordo com o historiador Rafael Rosa Hagemeyer (2012), em seu 
História e Audiovisual – leitura que nos inspira na discussão que segue – qualquer 
sociedade humana, visando transmitir algum aspecto de sua experiência elabora, 
de alguma maneira, representações visuais acompanhadas ou não de som 
simultâneo. Na valoração e no estabelecimento de formas consideradas legítimas 
se conforma uma linguagem audiovisual, que servirá de base para formas futuras 
de expressão. Neste sentido, consideramos que o teatro grego, por exemplo, 
constituía uma espécie de narrativa audiovisual, já que se tratava de uma forma 
elaborada de representar uma história utilizando recursos visuais e sonoros 
(dramatização).
A constituição da linguagem cinematográfi ca deve muito às antigas formas 
de enquadramento do olhar, que se desenvolveram durante o Renascimento. 
Foi durante esse período que surgiram as formas modernas de produção de 
quadros, com base em “’telas’, espaço privilegiado de composição das formas 
do mundo, no qual os artistas adotaram as metáforas teatrais da ‘cena’ e do 
‘cenário’ para ambientar as ‘ações’ e os ‘personagens retratados” (HAGEMEYER, 
2012, p. 66). Como bem percebe o autor, as expressões entre aspas continuam 
sendo adotadas como conceitos da linguagem cinematográfi ca: são critérios de 
representação visual do mundo.
No âmbito das técnicas de projeção da realidade ou de realidades fantásticas, 
os avanços da ciência óptica desde o século XVII têm no epidascópio um 
exemplar de referência. A “lanterna mágica”, como fora designada posteriormente, 
era um aparelho de projeção constituído por uma câmara escura (um candeeiro) 
e por um jogo de lentes, sendo considerada a antecessora dos aparelhos de 
projeção modernos. Athanasius Kircher, um padre jesuíta residente em Roma, 
descreveu o invento em 1645. O aparato funcionava da seguinte maneira: em uma 
sala escura, a luz de uma vela acesa dentro do candeeiro atravessava uma placa 
de vidro pintada com desenhos coloridos à mão. Na parede oposta ao “projetor”, 
apreciavam-se as imagens ampliadas. Promovendo-se o deslocamento da placa 
de vidro ou da chama da vela, produzia-se um etéreo efeito de movimento. A 
técnica foi utilizada em exibições públicas, para entretenimento ou com fi ns 
educacionais – como em algumas universidades – em diferentes partes do mundo 
até o século XIX.
95
LINGUAGEM VISUAL, MODERNIDADE E TECNOLOGIA Capítulo 2 
FIGURA 11 – UM MODELO DE LANTERNA MÁGICA
FONTE: . 
Acesso em: 13 dez. 2019.
Os espetáculos de ópera, surgidos no século XVII, também representam 
um tipo de expressão audiovisual, uma combinação complexa de drama e som 
com códigos e técnicas próprias. Para Hagemeyer (2012), no avanço das artes 
dramáticas, desenvolveram-se técnicas de deslocamento do olhar indispensáveis 
para o surgimento da linguagem audiovisual em suas manifestações modernas. 
Tal desenvolvimento está inserido nas revoluções das técnicas da era industrial, 
cujo “progresso” até a invenção do cinematógrafo respondeu a demandas culturais 
que já estavam estabelecidas no âmbito dos divertimentos e da modernidade. O 
princípio do jogo de cena da ópera, por exemplo, é muito similar ao do cinema: 
grosso modo, o palco mostra uma cena, da qual estamos distantes e da qual 
não participamos enquanto espectadores. No entanto, sabemos de tudo o que se 
passa, ao contrário dos personagens que ali estão. Um mínimo de verossimilhança 
com o real é necessário para que nós, espectadores, embora não interfi ramos na 
narrativa, acreditemos nela: seja por meio da dramaturgia, dos efeitos, do cenário 
etc.
Durante a última década do século XIX, a invenção do cinematógrafo 
pelos franceses August e Louis Lumière foi dada a conhecer como um artefato 
científi co. Seus inventores, nas sessões fílmicas que organizaram eu seu país, 
96
 Linguagem Visual na HistoriograFia
França, afi rmavam desacreditar a sua utilização com fi nalidades comerciais. O 
cinematógrafo era um aparelho que capturava séries de imagens instantâneas 
dispostas em rolo rotativo, criando a ilusão de movimento. O recurso musical, 
orquestrado ou técnico, amplifi cava a sensação de aceleração das imagens. 
O aparato era um dispositivo híbrido, pois, além das funções de captação de 
imagens, ele também as projetava. Filhos de um industrial que produzia películas 
fotográfi cas, os Lumière patentearam o invento que, na realidade, teve seu 
registro solicitado três anos antes por León Boyle. Isso sugere, como abordamos 
também em relação à fotografi a, que o processo de mitifi cação dos “gênios 
inventores” aporta pouco para uma história da técnica, pois ele é de alguma forma 
excludente, ao considerar a autoria única de uma técnica que provavelmente 
se desenvolveu em mais de uma oportunidade, ainda que fruto de um mesmo 
momento histórico e social. 
Na abordagem realizada por Hagemeyer (2012) sobre a história do cinema, 
temos que sua invenção envolveu um aspecto técnico (o aprimoramento de 
mecanismos de projeção de fotografi as em sequência), um aspecto comercial (a 
transformação operada na indústria de massas) e um aspecto comunicacional 
(que se refere ao desenvolvimento de padrões de linguagem e constituiçãode 
uma narrativa). É importante que atentemos a cada um destes aspectos, que 
estão interconectados entre si.
A evolução do maquinário de projeção e captura de imagens, como visto, 
não por acaso deu-se na região da capital francesa. Como capital mundial da 
modernidade e dos divertimentos populares, inventos como o cinematógrafo e 
depois, o cinema, estavam incorporados a uma cultura do entretenimento que 
progrediu rapidamente para a indústria do espetáculo. Ou seja, onde imperava 
uma cultura de expectação, as experiências audiovisuais constituíam-se como um 
fato social: a adaptação das projeções aos palcos respondia às demandas sociais 
e culturais do universo audiovisual na qual estavam inseridas. Esta experiência 
foi distinta daquela observada nos Estados Unidos, por exemplo, em que regia 
uma experiência de visualização e apreciação mais voyerista. Um exemplo dessa 
apreciação voltada para o individual, pelo sujeito que paga para espiar algo 
que só ele pode ver foi a invenção do cinetoscópio, equipamento simultâneo e 
mesmo anterior ao cinematógrafo dos irmãos Lumière.
O cinetoscópio fora um invento originário dos Laboratórios de Thomas Edison, 
que o patenteou. Constituía-se por um equipamento de projeção de imagens 
observadas através de um visor individual, que era acionado pela inserção de uma 
moeda. A captura de imagens em movimento se dava pela operação de diversas 
câmeras fotográfi cas em fi la, cujo produto era uma pequena tira de fi lme disposta 
em looping (formato de cobra, na vertical), dentro do equipamento de projeção. 
Como parece evidente, o equipamento fora pensado desde o princípio aliado a 
97
LINGUAGEM VISUAL, MODERNIDADE E TECNOLOGIA Capítulo 2 
sua comercialização: estava apto a ser distribuído em distintos estabelecimentos 
públicos e de entretenimento, acessível ao nível do indivíduo que podia pagar por 
ele. Esta é apenas uma de uma série de experiências, inventos e parafernálias 
desenvolvidas no país, cujo lugar de destaque na segunda revolução industrial 
permitiu a rápida ascensão de sua indústria cinematográfi ca, dominante do 
mercado da produção fílmica já nas primeiras duas décadas do século XX.
Desde a sua invenção, o cinema foi aproximado do universo do sonho, do 
subconsciente, envolto numa espécie de magia produzida pelo efeito de ilusões. 
A possibilidade de manipulação política do inconsciente coletivo através do 
cinema gerou diversas experiências de propaganda, que acreditavam ser possível 
manipular as mentes e promover o convencimento das massas em relação a um 
dado sistema de crenças. As potencialidades do cinema no âmbito da propaganda 
foram provadas já no período da Primeira Guerra Mundial, quando se produziram 
fi lmes com essa fi nalidade. De todo modo, parece claro que o poder evocativo das 
imagens cinematográfi cas, seja por meio do efeito realidade ou da manipulação 
inconsciente, não se limita a uma propaganda no sentido lato do termo: somos 
infl uenciados pelos modos de ser e existir representados no cinema, mesmo que 
o produto cultural que consumimos não tenha a intenção de convencer-nos a 
algo.
Em relação aos usos políticos do cinema, mas também ao seu apelo às 
massas (aspecto comercial), o caso da produção russa pós-revolução de 1917 
merece destaque. A arte cinematográfi ca vinha fl orescendo no país desde a 
fi lmagem da coroação do último czar russo, Nicolau II, em 1986, que foi, por 
assim dizer, um entusiasta da técnica. Ainda no período czarista, adaptações 
das obras de grandes ícones da literatura nacional, como Tolstói, Dostoiévski 
e Puchkin, alçaram o país como um dos maiores produtores mundiais (e 
consumidores) de cinema, lugar que ainda ocupa atualmente. As grandes 
produções cinematográfi cas estimuladas, fi nanciadas e distribuídas pelo governo 
bolchevique, por sua vez, são fruto do gênio de cineastas cuja importância pode 
ser sintetizada em dois pontos. O primeiro refere-se ao fato de que o interesse 
de cineastas como Vsevolod Pudovkin, Sergei Eisenstein e Lev Kulechov no 
desenvolvimento da linguagem do cinema e no ensino de suas técnicas fez deles 
os primeiros “‘professores’ de cinema a analisar os mecanismos pelos quais os 
fi lmes de Hollywood desenvolviam suas narrativas, identifi cando na rapidez da 
mudança de planos a essência de seu dinamismo” (HAGEMEYER, 2012, p. 81).
Em segundo lugar, a contribuição de Eisenstein – lembremos, cuja 
“escola” fora louvada por Walter Benjamim como única manifestação legítima 
de representação, ao utilizar ao invés de atores, pessoas que se identifi cavam 
com os personagens representados, por exemplo, os trabalhadores – originou 
um tipo novo de efeito visual de produção de sentido, realizado pelo confronto 
98
 Linguagem Visual na HistoriograFia
de duas imagens conceito. O desenvolvimento desta técnica esteve inspirado na 
lógica dos ideogramas orientais: aliando-se dois ideogramas com signifi cados 
relacionados, tem-se um terceiro, que representa outra coisa que não as duas 
primeiras. Levando isso ao plano das imagens, Eisenstein utilizou técnicas de 
montagem que se constituíam no choque entre duas imagens, a fi m de produzir 
um determinado efeito de sentido (uma terceira imagem). Sua obra-prima, O 
Encouraçado Potemkin, foi considerada por diversas instituições de cinema como 
uma das melhores produções fílmicas de todos os tempos.
O fi lme, lançado em 1925, conta a história de uma rebelião ocorrida em 
1905 no navio de guerra Potemkin, estando baseado, portanto, em fatos reais. 
O estopim para a revolta ocorre quando os marinheiros percebem que lhes foi 
oferecida uma porção de carne estragada para o jantar. A revolta contra os ofi ciais 
superiores se desdobra no desejo de lutar contra as injustiças universais, a 
começar pela revolução social que desejam empreender junto a sua cidade natal, 
Odessa, situada no atual território ucraniano. O fi lme é um clássico no seu estilo: 
fi lmado em preto e branco, com alto contraste e mudo. Recebeu diferentes trilhas 
sonoras ao longo do século XX, sendo a primeira produzida por Edmund Meisel, 
em parceria com o próprio Eisenstein. A apreensão da riqueza de signifi cados 
de cada uma das cinco partes em que está dividida a obra não se dá senão por 
certo esforço de parte do expectador/a no tempo presente, dada a complexidade 
das ideias expressas e evocadas pela visualidade. Isto ocorre, também, porque o 
fi lme está repleto de situações que aportam informações sobre o espaço-tempo 
da narrativa, efeitos de sentido conquistados por meio das técnicas de montagem 
e por uma linguagem característica da apreensão estética de seu tempo, que 
podem passar despercebidas para os/as iniciantes do gênero. Finalmente, temos 
que o caráter chocante dos confrontos parece o resultado de um gênio criativo 
dos primeiros tempos da revolução russa, impregnado de um forte senso de 
justiça e reparação para com o seu povo.
O terceiro aspecto a que nos adverte Hagemeyer (2012) acerca da invenção 
do cinema e sua relação com a História refere-se ao seu aspecto comunicacional, 
a constituição de uma narrativa e padrões de linguagem, aspectos em parte já 
abordados. Nos primeiros tempos do cinema, quando de sua era “silenciosa”, a 
possibilidade de condensar uma história, estabelecendo nexos narrativos entre 
99
LINGUAGEM VISUAL, MODERNIDADE E TECNOLOGIA Capítulo 2 
imagens separadas no tempo e no espaço, permitiu que se desenvolvesse a 
ideia de que o cinema era uma linguagem hieroglífi ca, puramente imagética. No 
entanto, a “evolução técnica” das formas de comunicabilidade utilizadas pelo/no 
cinema, a partir dos anos 1930, trouxe uma série de inovações que não foram 
entendidas consensualmente como um progresso. As ressalvas giravam em 
relação, sobretudo, à introdução do som sincronizado e à imagem colorida, dois 
elementos fundamentais na produção de sentidos e na alteração das formas de 
apreensão visual, os quais devem ser levados em conta pelo/a historiador/ana 
análise de produções cinematográfi cas.
FIGURA 12 – CENA DO MASSACRE NA ESCADARIA DE 
ODESSA, EM O ENCOURAÇADO POTEMKIN (1925)
FONTE: . Acesso em: 13 dez. 2019.
Podemos afi rmar, em relação ao âmbito sonoro, que o silêncio nunca fez 
parte da experiência cinematográfi ca. Isso porque junto à exibição visual de um 
fi lme mudo, além dos ruídos e manifestações dos/as expectadores/as, partituras, 
pianistas ou orquestras a acompanhavam. Nesse momento a trilha sonora, 
portanto, era concebida separadamente, mas em sincronicidade com os planos 
e sua alternância, o que dotava de densidade a dramatização de uma cena – 
suspense, alegria, leveza – como ainda ocorre atualmente. A mudança mais 
signifi cativa do cinema falado em relação ao mudo, por conseguinte, referia-se 
ao som verbal: substituíram-se os diálogos extremamente reduzidos do cinema 
mudo, expressos através de palavras escritas, à moda de “legendas”, pela 
100
 Linguagem Visual na HistoriograFia
sincronicidade entre a dramaturgia e os sons que ela produz. Como resultado 
do cinema falado, temos que uma produção possui, pelo menos, três tipos de 
som: o verbal, o musical, e o ruído produzido pelas situações representadas 
(HAGEMEYER, 2012).
O surgimento do cinema colorido, por sua vez, conferiu às produções um 
caráter mais realista ou uma ilusão maior de realismo, aportando também 
um sentido mais literal ao que era capturado pelas câmeras. As imagens em 
preto e branco conferiam às produções certo distanciamento em relação aos 
espectadores/as; muitos detalhes fi cavam de fora da apreciação do público 
porque a escala de cinza não permitia que se atentasse àquilo que não estava em 
primeiro plano, ou ainda, àquilo que não tivesse sido pensado para um close up. 
Nos fi lmes de arte, por exemplo, a fi lmagem em preto e branco, suas regras de 
composição e jogos de luz característicos continuam sendo utilizadas. Já o fi lme 
colorido, mais pictórico, permite que o espectador apreenda melhor a composição 
do cenário, objetos, vestimenta etc. Uma vez que na imagem colorida “tudo se vê” 
e ainda, “realisticamente”, sempre há quem se questione sobre a importância de 
algum detalhe: está na cena com alguma fi nalidade ou simplesmente compõe um 
universo recheado demais?
A fi m de tecer algumas considerações sobre a televisão, parece adequado 
apontar de antemão que a história desse meio de comunicação, suas teorias, 
chaves de compreensão e apropriação como objeto de narrativas históricas o 
coloca em lugar distinto daquele em que se situa o cinema no campo da produção 
de conhecimento. Embora, quando de sua difusão, nos anos 1950, alguns 
intelectuais a tenham considerado a “oitava arte”, convencidos de que ela abriria 
as portas para o sonho da visão e da transmissão à distância de imagens, hoje 
a televisão ocupa um lugar menos “nobre”, permeado muito mais por críticas 
quanto ao seu papel na alienação das massas do que por esperanças em 
relação ao desdobramento da técnica ou suas potencialidades, por exemplo, no 
desenvolvimento de formas estéticas ou “artísticas” de linguagem.
Ainda em relação ao cinema ou a um audiovisual que está autolimitado 
pelo tempo de sua exibição, a televisão se diferencia pela difusão de imagens e 
sons em fl uxo contínuo: anunciando novidades, informes, curiosidades, apelando 
ao consumo como uma necessidade e exigindo, de alguma maneira, atenção 
permanente. Acabado um jornal de notícias, a dramaturgia seguinte se mostra 
sedutora, o programa de auditório que o sucede, da mesma forma parece “valer 
a pena”; assim sucessivamente, toda a teledifusão será apresentada de forma 
enormemente interessante. A linguagem audiovisual desenvolvida em meio 
televisivo tem neste fl uxo contínuo sua característica. Em que pese o invento ser 
datado dos anos 1930, sua necessidade social – na qual pôde desenvolver-se – 
se daria apenas com o fi nal da Segunda Guerra Mundial.
101
LINGUAGEM VISUAL, MODERNIDADE E TECNOLOGIA Capítulo 2 
Embora atualmente a segmentação de mercados consumidores demande 
das emissoras de televisão uma série de estudos de recepção para orientar-
se na elaboração dos programas a serem exibidos e o melhor horário para 
esta exibição – sem falar da super especialização do público espectador, pelos 
canais de assinatura “temáticos” – a organização da televisão aberta ainda 
está fortemente inspirada no modelo americano dos anos 1950. Ou seja, 
organizada a fi m de satisfazer o American Way of Life, a programação da manhã 
está dedicada aos programas de variedades, culinária e bem-estar, temas e 
demandas orientados ao público feminino. À tarde, quando as crianças estão em 
casa, no contraturno escolar, exibem-se fi lmes, desenhos ou séries infantojuvenis, 
ou ainda, aquela programação designada “familiar”. O fi m da tarde e o começo da 
noite estão voltados aos mais velhos: a dramaturgia é mais suave, romântica; 
os jornais possuem caráter local e são mais informativos, com amenidades e 
menos analíticos. Finalmente, o período da noite está reservado aos adultos, 
audiência máxima: nesse espaço a programação oferece dramaturgias “nobres” e 
os noticiários promovem a síntese do cenário nacional e internacional, em que se 
veiculam análises de especialistas e a opinião de “colunistas”.
Como parece claro para nós, que nascemos e crescemos sob a infl uência, em 
maior ou menor medida, do aparato televisivo, o fl uxo contínuo da programação 
não se encerra nem mesmo com a inserção de inúmeros comerciais entre um 
bloco e outro de conteúdo. Isso porque as propagandas são parte constitutiva 
do fl uxo que compõe a transmissão. Escasseando-se cada vez mais o tempo 
de propaganda, ele tende a encarecer-se, já que em “comercial” se incluem as 
chamadas da própria programação, que compete pela audiência do público com 
os produtos oferecidos, mas também com o conteúdo a ser exibido em outros 
canais. Esse fenômeno é ainda mais evidente nos canais de assinatura pagos: 
o/a espectador/a, adquirindo o acesso à transmissão, reduz drasticamente a 
necessidade de que a programação seja fi nanciada pela propaganda.
Mais adiante, ao pontuar questões teórico-metodológicas em relação à 
televisão como fonte histórica e como um produto cultural, incorporaremos 
outros elementos a essas breves considerações sobre a “tv” como meio 
técnico. Consideramos importante situar, para o momento, duas especifi cidades 
da televisão, no interior do conjunto amplo de audiovisuais. A primeira, a de 
que a linguagem televisiva não se defi ne por si mesma, mas numa relação 
comunicacional entre a instituição que a produz, os expectadores/as e os/as 
críticos/as, reconhecendo-se nisso uma série de leituras e correlações possíveis. 
A segunda, a de que a televisão recorre a diversos tipos de representação visual 
diferentes e simultâneos. Reside nessas características, sem dúvidas, parte das 
resistências para a incorporação da televisão, sua programação e evocação 
narrativa aos estudos históricos.
102
 Linguagem Visual na HistoriograFia
Dando início ao segundo momento de nossa análise sobre história e 
audiovisual, abordaremos a utilização desses produtos culturais na produção 
historiográfi ca, com ênfase no cinema, a partir das análises do historiador 
Alexandre Busco Valim (2012) e em menor medida na televisão, com base nos 
estudos de João Freire Filho (2004). Em relação ao cinema, reiteramos que sua 
produção consiste em fenômeno complexo no qual se entrecruzam elementos 
de ordem estética, política, econômica e social, e destacamos que as questões 
abordadas a seguir se baseiam em fi lmes característicos do denominado estilo 
clássico hollywoodiano. Essa ressalva pressupõe o entendimento de que as 
questões colocadas não são adequadas para a análise de outros tipos de 
produção cinematográfi ca, a não ser a título de grosseiras generalizações.
Para Valim (2012), a narrativahistoriográfi ca pode ser analisada a partir de 
três perspectivas: 1) enquanto representação, o conjunto de ideias que compõem 
a trama; 2) enquanto estrutura, através de uma abordagem sintática; e 3) 
enquanto ato, processo dinâmico de apresentação de uma história a um receptor. 
A natureza da análise, entre uma ou outra das perspectivas, será de eleição do/a 
historiador/a, atendo-se ao gênero da produção ou produções em análise e às 
questões históricas que se colocará em relação a elas.
Uma primeira coordenada metodológica de relevo será atentar ao caráter 
necessariamente multidisciplinar da análise das relações entre a produção, 
as relações sociais e a história dos meios através dos quais o produto 
cultural foi construído (audiovisual). Ou seja, o produto deve ser analisado 
“nos seus próprios termos”, mas também em relação ao aparato teórico dos 
estudos de cinema, buscando o equilíbrio entre as teorias do Cinema, a História 
do Cinema, e a crítica cinematográfi ca. Isto prescinde, no mínimo, um diálogo 
entre dois campos do conhecimento, a História e o Cinema. Os críticos, por 
sua vez, exercem “uma função que precisa ser integrada aos trabalhos sobre 
história do cinema e seu papel deve ser estudado em conjunto com a análise 
das temáticas do fi lme, na comparação com fi lmes preexistentes e no estudo dos 
tipos de personagens e tipos de relações” (VALIM, 2012, p. 293), uma perspectiva 
que pode dizer muito, segundo o autor, acerca do período estudado.
Uma segunda orientação, adotada a partir de Marc Ferro e Michèle Lagny, 
ambos historiadores do cinema, refere-se à compreensão de que o cinema 
não se constitui apenas como prática social, sendo também um gerador de 
práticas sociais, podendo ser inquerido enquanto testemunho de formas de 
agir, pensar e sentir de uma sociedade. Investigar os processos através dos 
quais a narrativa cinematográfi ca suscita os indivíduos a se identifi carem com 
ideologias, posicionamentos e representações sociais e políticas dominantes, 
além dos rechaços a essas tentativas de dominação, propicia uma visão crítica 
103
LINGUAGEM VISUAL, MODERNIDADE E TECNOLOGIA Capítulo 2 
sobre a sociedade, e também demonstra o papel adquirido pelo cinema enquanto 
propulsor de certas transformações e de tomadas de atitude. Importa lembrar, 
ainda, que tanto as narrativas e sua produção quanto a recepção dos audiovisuais 
comprova que estes falam sempre do presente, mesmo abordando o passado ou 
contextos distópicos, residindo nisso sua potencialidade em fornecer dados sobre 
o lugar social, o contexto de sua produção e as ideias que o cercaram.
Uma incontornável preocupação dos estudos de cinema pautados pela 
História Social é a que se refere à recepção cinematográfi ca. As produções 
fílmicas em si dizem pouco acerca do processo pelo qual foram realizadas: 
as estruturas organizativas, executivas, as situações de mercado, laborais 
etc. Quando assistimos a um fi lme, não encontramos nele esta categoria de 
informações. Assim, uma terceira indicação metodológica, referente à demanda 
por enriquecer a análise historiográfi ca do produto cultural, para além de 
si mesmo, seria incorporar como fontes documentais outros meios de 
comunicação tais como revistas populares, programas de rádio, anúncios, 
suplementos de jornais, dentre outros produtos culturais que se relacionem 
com a produção, mas que informem também sobre os domínios culturais, 
instituições e valores nas quais esta produção esteve inscrita. Importa 
investigar, nesses materiais, como a vida cultural da produção a interpretou, pois 
isso informa sobre atitudes e tendências difundidas no seu contexto de produção 
e circulação, além de aportar sobre os valores sociais correntes apropriados, 
modifi cados ou negligenciados pela obra.
Para a construção de conhecimento histórico com base em narrativas 
audiovisuais, sobretudo cinematográfi cas, a análise dos gêneros é de suma 
importância. Uma produção – seja de Hollywood, Bollywood, do período áureo 
cinematográfi co soviético ou brasileiro – transmite impreterivelmente um conteúdo 
ideológico, ainda que de forma não intencional. Isso ocorre porque no processo 
de sua produção há elaboração, acumulação, formação e construção de conteúdo 
que reproduz a ideologia dominante, já que esta exerce todo o seu peso sobre 
aqueles/as que idealizam, realizam e apreciam estes produtos culturais (VALIM, 
2012). Trata-se de uma disputa de poder travada no âmbito do discurso que pode 
ser subvertida, é claro, pelo indivíduo. Ou seja, a ideologia pode ser questionada, 
seja em sua linguagem, seja no rechaço às interpretações imagéticas acerca de 
lugares, atitudes e modos de vida. Entretanto, o poder da ideologia se mostra com 
(mais) força quando o conteúdo fílmico proporciona imagens sobre uma realidade 
para a qual o indivíduo não possui conhecimento prévio; nesse caso, tende a 
assimilá-las como reais, ignorando seu poder de representação e simulacro.
104
 Linguagem Visual na HistoriograFia
Sugestão de leitura: Sadlier, 2016. No capítulo sugerido para 
leitura, a historiadora aborda imagens do Brasil retratadas pelo 
cinema nacional, desde o movimento do Cinema Novo, nos anos 
1960, até os anos 2000. O texto permite atentar para as fases da 
produção cinematográfi ca nacional e para as especifi cidades da 
indústria cultural brasileira.
Na análise acerca da produção de sentido da narrativa cinematográfi ca, em 
que residem e se transmitem as ideologias de uma época, de um regime ou de 
seus produtores, os gêneros importam porque a partir deles se estabelecem 
as fórmulas que orientam as produções. Noutras palavras, o gênero é por si 
só uma linguagem, uma estratégia de comunicabilidade através da qual se dota 
de sentido uma narrativa. Desconsiderando-se a inserção de uma obra em seu 
gênero, com todas as referências que ele aporta, a análise do/a historiador/a 
sobre o seu conteúdo, produção ou relações sociais deixará muito a desejar. 
Por essa razão parece importante prosseguir, ainda que brevemente, na 
coordenada metodológica que aqui designamos como de análise dos gêneros 
cinematográfi cos. A partir do balanço realizado por Valim (2012), abordaremos 
a contribuição de alguns autores/as sobre a discussão dos gêneros e suas 
convenções.
Para além de uma designação – western, noir, fi cção científi ca, drama, 
fantasia, policial, musical, comédia, histórico – o gênero é um conceito complexo, 
de acordo com Edward Buscombe, uma moldura dentro da qual uma história pode 
ser contada, limitando-a, portanto. Para Rick Altman, o gênero envolve múltiplos 
signifi cados: é um rascunho (uma fórmula que precede e programa a produção 
industrial); uma estrutura (que modela um conteúdo no interior de um espaço); 
um rótulo (categoria central nas decisões e comunicações entre produtores, 
distribuidores e exibidores). Já para Dudley Andrew os gêneros cumprem funções 
que abrangem toda a economia do cinema, composta pela indústria, por uma 
necessidade social de produção de mensagens, por uma tecnologia, por um 
conjunto de signifi cados, de práticas e de pessoas. Todos estes aspectos da 
economia cinematográfi ca estão inter-relacionados e sua dinâmica pode ser 
estudada com base na análise dos gêneros.
Uma contribuição de destaque na abordagem dos gêneros enquanto 
defi nidores de dada indústria fílmica e sua respectiva audiência é a aportada por 
Jesús Martín Barbero, segundo o qual os gêneros são um ponto de ancoragem 
da indústria cinematográfi ca. Para o autor, eles imprimem um tipo de qualidade 
105
LINGUAGEM VISUAL, MODERNIDADE E TECNOLOGIA Capítulo 2 
à narrativa, que serve como mecanismo de reconhecimento do seu “estilo” junto 
às massas. Trata-se, nesta perspectiva, de uma chave de leitura de decifração 
de sentidos em relação ao mundo exterior, ou seja, a recepção, o público 
apreciador. Essa relação é a peça-chave da defi nição dos gêneros proposta 
por Thomas Schatz e Leo Braudy, os quais defendemvisuais e sobre o seu signifi cado, constitui uma primeira aproximação ao 
tema da leitura de imagens, que agora veremos de maneira mais teórica. Maria Emilia 
Sardelich (2006) realizou uma síntese dos conceitos que fundamentam as propostas 
de leitura de imagens no campo do ensino de artes, o que nos interessa no sentido 
de situar os debates e as diferentes perspectivas desse campo do conhecimento que 
aqui se situa entre a história e a linguagem. Quem sabe, ao fi nal desta abordagem, 
poderemos identifi car qual metodologia de “leitura” de imagens mais nos interessa, ou 
melhor, a que se apresenta mais útil para nós, enquanto historiadores e historiadoras.
Antes de adentrarmos nestas diferentes propostas de “leitura de imagens”, cabe 
destacar que esta expressão começou a circular no campo das linguagens e das artes 
no meado da década de 1970, no bojo de um momento de intensas transformações nos 
paradigmas linguísticos e estéticos, com a explosão dos sistemas audiovisuais. Essa 
tendência que, inspirada numa ideia geral, buscava “ler” a imagem, foi infl uenciada por 
dois movimentos: o formalismo e a semiótica.
O formalismo esteve fundamentado na teoria da Gestalt, movimento datado do 
início do século XX. Esta palavra signifi ca, no idioma alemão, “forma”. Segundo a 
teoria gestáltica, o todo não pode ser apreendido pelo conhecimento de suas 
partes, pois o todo é outra coisa – uma entidade concreta e individual – que não 
a soma de suas partes. Atentar-se aos fenômenos da superfície e não às profundezas 
obscuras que compõem um objeto, por exemplo, conduz à compreensão de que é a 
sua forma externa o que sobressai na “leitura” que dele se faz. Nesse olhar para o todo 
enquanto uma forma única consiste o método de leitura dos formalistas. Esta teoria 
14
 Linguagem Visual na HistoriograFia
preza pelo processo de dar forma, de caracterizar o que se apresenta diante dos olhos, 
tendo inspirado intelectuais não só do campo das artes, mas fundado também uma 
escola psicanalítica.
A semiótica, por sua vez, é um campo de estudos que se dedica à construção do 
signifi cado, à análise do processo de signo (processo de signifi cação). Nos processos de 
signo, analisam-se indicação, designação, semelhança, analogia, alegoria, metonímia, 
metáfora, simbolismo, signifi cação e comunicação. Ao contrário da linguística, que 
explora também os processos de signifi cação, mas em linguagens escritas, 
a semiótica se volta a sistemas não linguísticos, entendendo que em toda 
expressão cultural há um processo comunicativo. Apesar do termo semiótica 
já haver aparecido nos escritos de John Locke, no fi nal do século XVII, foi Charles 
Sanders Pierce quem se destacou como o pioneiro da ciência semiótica, tendo-a 
categorizado em três eixos, em texto de 1867: primeiridade (qualidade, a primeira 
impressão), secundidade (relação, a matéria em que está impressa a qualidade) e 
terceiridade (representação, sua qualidade distintiva, original).
Voltemos ao contexto da leitura de imagens, conforme vinha se desenvolvendo 
este campo de estudos nos anos 1970, na medida em que uma imagem passa a 
ser compreendida como signo, ou seja, cujo signifi cado incorpora diversos códigos, 
surge a necessidade de construir categorias visuais que formalizem o processo de 
leitura. De acordo com Sardelich (2006), a noção de que se poderia ler e, portanto, 
ensinar a ler dados visuais, foi inspirada no livro de Rudolf Arnheim de 1957 intitulado 
Art and visual Perception. Nessa obra o autor catalogou dez categorias visuais que, 
juntando qualidades plásticas e estéticas aos aspectos formais, permitiriam desvelar 
uma confi guração que por si mesma possuía qualidades expressivas. As categorias 
elencadas por Arnheim são as seguintes: equilíbrio, fi gura, forma, desenvolvimento, 
espaço, luz, cor, movimento, dinâmica e expressão.
Outra abordagem de relevo em relação à proposta de leitura de imagens foi 
desenvolvida por Robert Ott em 1984. Sua abordagem se centra no aspecto estético 
da leitura de obras de arte. Na realidade, a proposta de Ott caracteriza-se por um 
sistema de apreciação que deve ser mediado, o que talvez explique a ampla utilização 
de seu sistema entre professores e professoras ao redor do mundo, inclusive no Brasil. 
O método de leitura de imagens proposto pelo autor foi defi nido em seis etapas, assim 
descritas: 
Aquecendo (ou sensibilizando): o mediador prepara o potencial de 
percepção e de fruição do observador. 
Descrevendo: o mediador questiona sobre o que o observador 
vê, percebe. 
Analisando: o mediador apresenta aspectos conceituais da 
análise formal. 
Interpretando: o observador expressa suas sensações, emoções 
e ideias, oferece suas respostas pessoais à obra de arte. 
15
HISTÓRIA E LINGUAGEM VISUAL Capítulo 1 
Fundamentando: o mediador oferece elementos da História da 
Arte, amplia o conhecimento e não o convencimento do observador 
a respeito do valor da obra.
Revelando: o observador revela através do fazer artístico o 
processo vivenciado (OTT, 1984 apud SARDELICH, 2006).
Por se tratar de um processo em que não existe um resultado fi nal único ou 
correto, as etapas foram descritas no gerúndio, tempo verbal que na língua portuguesa 
representa ações em movimento. Façamos um exercício de leitura de imagem a partir 
da proposta de Ott, ressalvando nosso papel, nessa hipótese, enquanto mediador do 
processo de apreciação de uma obra: a pintura Criança Morta, de Cândido Portinari 
(Figura 3). A você, como acadêmico, cabe responder às questões com vias a experimentar 
o método de leitura de imagens que estamos analisando. 
Aquecendo: o mediador aprecia a obra e suscita que o observador faça o mesmo.
Descrevendo: o que você vê nesta imagem? Como são as suas linhas? Ausentes, 
nítidas, angulosas, indefi nidas? Que cores foram utilizadas e que cores predominam? 
São fortes, misturadas ou chapadas? Há jogos entre claro e escuro? Quais são as 
texturas da obra, lisas, ásperas, macias? Você observa na imagem formas orgânicas, 
geométricas ou difusas?
Analisando: como o artista organizou as formas? No centro ou nas extremidades? 
Elas estão agrupadas ou estão distantes? Esta alocação parece ter sido espontânea? 
Qual foi a técnica utilizada pelo artista? Os seus olhos, quando veem esta obra, 
movimentam-se de forma rápida, lenta, profunda ou ritmada? Há algum objeto em 
destaque nesta pintura? Qual é o tema desta obra?
Interpretando: como o artista utilizou os elementos formais (cor, técnica, forma 
etc.) para expressar as suas ideias? Quais são as suas impressões sobre esta obra? 
Ela lhe reporta a alguma experiência? Que sentimentos suscitam? Que título você daria 
para esta obra?
Fundamentando: qual é a relação do título da obra com o que ela expressa? 
Onde você considera que o artista estava e sob quais condições realizou esta obra? 
Você considera que o artista utilizou a sua memória, a observação ou a imaginação 
para produzir esta obra? A obra se reporta a alguma outra? Você vê nela traços que 
lembram outra obra ou imagem?
Revelando: como você faria uma obra sobre este mesmo tema? Experimentação 
artística, cuja obra, resultante desta leitura, poderá também ser apreciada seguindo os 
passos propostos.
16
 Linguagem Visual na HistoriograFia
O tema desta obra de Portinari é a família migrante, a família sem posses 
que emigra do nordeste brasileiro fugindo da seca e da pobreza, que no drama 
vivido são sinônimos. A amplitude do horizonte, bem como do problema social no 
qual está inserida essa família é logrado pelos tons terrosos abaixo, de fora a fora 
da pintura, e do azulado chapado, acima. No centro da imagem está o ponto de 
destaque: as mãos do pai, que segura a criança morta, são desproporcionais, o 
que garante que este elemento será visualizado de imediato pelo/a observador/a. 
O aspecto fantasmagórico ou cadavérico das pessoas denota o tamanho da sua 
dor e do sofrimento vivido, ao que se somam as lágrimas em forma de pedras queque, para que um gênero 
se constitua como tal, é necessário que ele seja defi nido pela indústria e 
reconhecido pela audiência num duplo processo: de certifi cação pela indústria e 
de compartilhamento pelo público.
Qualquer leitor/a que tenha entrado em contato com material historiográfi co 
que verse sobre produtos ou sobre a indústria cinematográfi ca compreende a 
importância dessa discussão. Para Valim (2012), a complexidade dos debates 
que envolvem o gênero cinematográfi co resulta em certo receio de parte dos/
as estudiosos/as em deter-se a analisar produtos ou conjuntos de produtos 
audiovisuais que não se encaixem em categorias defi nidas, ou ainda, que 
apresentem referências cruzadas. Daí que grande parte da historiografi a 
relacionada ao cinema se defi na pela análise de fi lmes que possuam limites 
claros quanto ao seu pertencimento em relação aos gêneros. Atente-se a que 
esta ressalva quanto ao caráter híbrido ou limítrofe entre dois ou mais gêneros 
não depende apenas de uma intencionalidade investida em sua produção, mas 
da variação na percepção de diferentes públicos em relação à obra.
A perspectiva de análise dos gêneros – recordemos, aqui, o foco no estilo 
clássico hollywoodiano – não se trata de um mero sistema de classifi cações. 
Um gênero constitui um modelo cuja característica é a utilização repetida de um 
mesmo material, uma estrutura narrativa similar, se não reproduzida. Em que 
pesem os desfechos ou decisões particulares tomadas em uma produção fílmica, 
que a faz “destoar” de suas irmãs de gênero, o reconhecimento de uma fórmula 
traz para o/a espectador/a uma familiaridade fundamental na conformação de um 
público apreciador. Para o/a historiador/a, o conhecimento do gênero pressupõe 
também essa familiaridade, mas do ponto de vista analítico: o uso de imagens-
chave, sons, situações, ambientações, momentos de clímax etc., todo um intenso 
diálogo intertextual.
Compreender as fórmulas e formas de comunicabilidade e produção de 
sentido de narrativas audiovisuais não signifi ca dizer que o produto, nesse caso 
a obra cinematográfi ca, não esteja eivado de historicidade, dotado das marcas 
do seu tempo e de conexões com a cultura que o produziu. As convenções de 
gênero, suas referências repetidas e continuadas não devem ser supervalorizadas 
em detrimento das relações sociais e contextuais de sua produção. Numa 
equação simples, seria o caso de questionar se Por um punhado de dólares 
(1964), western estrelado por Clint Eastwood se relaciona intimamente com O 
grande assalto ao comboio (1903) mais do que serve de testemunho ao contexto 
106
 Linguagem Visual na HistoriograFia
do início da década de 1960, quando foi produzido e fi lmado. 
A identifi cação de gênero é inequívoca. A partir da linha do Rio Mississipi 
a oeste se confi guram os cenários do gênero western – ocidental, em inglês – 
que aborda o contexto da “tomada” destas terras habitadas por populações 
nativas, no período compreendido entre a Guerra Civil Americana (1861-1865) e 
o começo do século XX. Em linhas gerais, tem-se como personagem um cowboy, 
homem branco, sempre de passagem, solitário, sem posses além de um cavalo 
e um revólver. As narrativas se passam em pequenas cidades compostas por 
uma rua principal, na qual se destaca o saloon, a delegacia e uma igreja, em 
algumas oportunidades. Movidos por ideais patrióticos, os cowboys “bonzinhos” 
se deslocam ao oeste em busca de um futuro glorioso.
Em Por um punhado de dólares (Figura 13), temos que o personagem 
principal não fi gura como um patriota americano. Como o título do fi lme sugere, 
Eastwood faz o papel de um mercenário cínico, que tem em mente o benefício 
próprio a qualquer custo, visto que sua ocupação é a de caçador de recompensas. 
É quase um anti-herói, oscila entre comportamentos antiéticos – como “trabalhar” 
para gangues rivais, a custo do seu enriquecimento – e a preocupação com os 
demais – a exemplo de Marisol, a “mocinha” do fi lme. De forma sumária, limito-me 
a apontar que o contexto do fi lme revela que sua produção se deu num momento 
de decadência do gênero nos Estados Unidos (uma das razões de sua produção 
haver sido teuto-hispano-italiana), cujo declínio fora caracterizado pelo cansaço 
do público com as fórmulas do gênero, excessivamente pregadoras. Talvez isso 
justifi que a opção por um protagonista que não era nem mocinho, nem vilão, mas 
um “tipo” social sadicamente ofensivo, conforme as críticas que o fi lme recebeu 
à época de seu lançamento. De qualquer forma, tratava-se de uma abordagem 
nova, sem falar nos close ups extremos, demorados e em demasia para o estilo 
de Hollywood. Em suma, incontestavelmente inserido no gênero, a produção se 
revela pelo momento de sua produção, fi cando curta uma análise que o situe 
apenas no nível dos diálogos intertextuais.
Além da natureza repetitiva do cinema hollywoodiano clássico – 
convencionalmente situando os “estilos” originados no intervalo 1917-1960 – 
outra característica comum aos gêneros reside na promoção do chamado sonho 
americano, dos mitos e ideologias que se referem ao homem que faz a si mesmo, 
numa sociedade que valoriza as instituições e execra o comunismo, que ama 
sua pátria e quer vê-la crescer com respeito à propriedade “conquistada”. No 
fi lme western analisado anteriormente, vemos como isso está presente, ainda 
que expresso através de sua distorção: a do homem que quer realizar o “sonho 
americano” por outras vias. No entanto, a inversão de valores expressos na 
concepção do Estado, da polícia e do sistema legal como legitimadores de um 
sistema leal, habitado por homens que prosperam no exercício desses valores foi 
107
LINGUAGEM VISUAL, MODERNIDADE E TECNOLOGIA Capítulo 2 
melhor do que em qualquer outro gênero abordado pelo gênero noir. Este gênero, 
habitado por criminosos, prostitutas, oportunistas e corruptos teve seu ápice nos 
Estados Unidos entre os anos 1939 e 1950.
FIGURA 13 – CARTAZ DE A FISTFULL OF DOLLARS, WESTERN
LANÇADO NOS ESTADOS UNIDOS EM 1967
FONTE: . Acesso em: 15 dez. 2019.
Além de um gênero, os fi lmes noir possuem um estilo visual característico. 
Filmados em preto e branco em alto contraste, foram o resultado de uma estética 
visual marcada pela infl uência do expressionismo alemão dos anos 1930, bem 
como dos fi lmes de terror do mesmo período. Não por acaso os medos, as 
paranoias e a insensatez do seu conteúdo coincidem com o período da Grande 
Depressão (de 1929), nisto não residindo, obviamente, uma relação direta, mas 
constituindo-se numa das formas adquiridas pela manifestação dos receios sociais 
que dominavam a época. Num modelar exemplar do gênero, A dama de Shangai, 
estrelado e dirigido por Orson Welles, seu personagem se apaixona por uma loira 
misteriosa – personagem arquetípico deste gênero fílmico, a “loira fatal” – durante 
uma viagem de Shangai à Nova York (Figura 14). No enredo, a loira misteriosa 
o convence a forjar a própria morte para receber o seguro de vida. O clímax do 
fi lme origina uma cena clássica do gênero, um tiroteio na sala de espelhos de um 
parque de diversões.
108
 Linguagem Visual na HistoriograFia
FIGURA 14 – ORSON WELLES E RITA HAYWORTH EM A DAMA DE SHANGAI (1948)
FONTE: . Acesso em: 16 dez. 2019.
A abordagem da televisão pelo/a pesquisador/a em História caminha por 
uma trajetória diferente desta construída acerca do cinema. De acordo com João 
Freire Filho (2004), o primeiro e mais evidente obstáculo na elaboração de uma 
história da televisão é a busca e o processamento de dados, documentação e 
registros audiovisuais. Diríamos, no linguajar historiográfi co, que se trata de um 
problema de acesso às fontes. Em primeiro lugar, porque o material televisivo 
por muito tempo fora transmitido ao vivo, como ainda hoje ocorre com alguns 
programas, inviabilizandoa sua salvaguarda – pelo menos até a popularização 
dos videocassetes e sua função “gravar”. Em segundo lugar, porque os materiais 
que sobreviveram à efemeridade do meio são de propriedade de instituições que 
podem disponibilizar seu acervo mediante pagamento do acesso – o que já se 
constitui um obstáculo – ou vetá-lo, simplesmente. As salvaguardas caseiras, por 
sua vez, podem haver-se perdido dado a gravações posteriores da mesma fi ta, à 
incúria na sua conservação ou ainda, à falta de apreciação de seu valor histórico.
Uma primeira orientação metodológica em relação à História da televisão 
e seus produtos, portanto, num cenário de escassez de fontes audiovisuais, 
seria recorrer a todo o entorno discursivo de seu objeto de investigação 
(além do refi namento das questões que orientarão a análise): resenhas, 
críticas, cartas de telespectadores, memorial de realizadores, memorandos 
da editora, scripts, fotos e planos de gravação, documentos oriundos 
da censura etc. Ou seja, aventurar-se na História da televisão prescinde uma 
refl exão sobre como se engajar de maneira crítica, analítica e criativa com aquele 
109
LINGUAGEM VISUAL, MODERNIDADE E TECNOLOGIA Capítulo 2 
passado, “com as conjunturas e os processos que assentam as condições de 
possibilidade não só para o funcionamento das instituições, como também para 
a construção dos discursos, dos imaginários, das representações e das práticas 
que circundam, interpretam e interpelam” a indústria da produção televisiva 
(FREIRE FILHO, 2004, p. 4).
As linhas de investigação adotadas pelos/as historiadores/as da televisão 
para analisar sua natureza multifária, polimorfa podem ser sintetizadas em cinco 
aspectos: a televisão como instituição; como realização; como representação 
e forma; como fenômeno sociocultural; e como um experimento científi co-
tecnológico. Não é demais recordar que a opção por uma, outra ou mais de 
uma linha de investigação requer do/a pesquisador/a que ele/a tenha seguido a 
mesma “cartilha” indispensável ao historiador/a de outros meios no tratamento 
das fontes. Ou seja, neste caso, a decisão por percorrer um caminho investigativo 
é precedida pela formulação de hipóteses estruturantes; pela coleta, organização 
e sistematização de dados; pela assimilação de eventos relevantes em quadros 
de referência coerentes com o objeto e a fonte de estudo; e pela elaboração de 
uma cronologia, periodização ou fases signifi cativas relacionadas aos campos 
tecnológico, social e institucional. O feeling resultante dessa operação, digamos, 
pré-historiográfi ca, permite que o/a historiador/a se “decida” de forma mais 
coerente entre as linhas de investigação possíveis.
Cada uma das abordagens anteriormente mencionadas acerca da televisão 
e seus produtos requer do/a historiador/a que ele/a faça questionamentos 
diferentes às fontes de mídia televisiva e seus produtos. Em linhas gerais, a 
televisão como instituição inquere uma indústria específi ca e suas organizações, 
suas relações com a política governamental, regimes, as concessões e dados 
da administração corporativa. Como representação e forma, investiga-se o 
enquadramento estético que a televisão toma emprestado da crítica literária, do 
teatro e do cinema, sobretudo em relação ao vocabulário e linguagens. A televisão 
como realização tem o foco na cultura e na prática profi ssional, problematizando 
como um contexto histórico tende a ser narrado em relatos autobiográfi cos, por 
exemplo. A televisão como fenômeno sociocultural atenta às relações entre 
a produção televisiva e a esfera pública, a sociedade civil, a cultura popular, o 
caráter mutável das relações familiares e dos valores domésticos. Finalmente, 
a televisão como tecnologia, ou como experimento técnico-científi co, analisa 
como o aparato se tornou um item doméstico, uma fonte crescentemente infl uente 
e poderosa para uma mutação na estética social (FREIRE FILHO, 2004, p. 5).
Para o campo dos estudos midiáticos, no qual a História da televisão se insere, 
torna-se importante abordar a complexidade das forças e das mediações sociais, 
culturais, econômicas e tecnológicas que envolvem a formação dos programas e 
suas transformações. Em que pese o cerne da História da televisão estar centrado 
110
 Linguagem Visual na HistoriograFia
no produto cultural em si – os programas –, numa perspectiva cultural, a estrutura 
e a organização da programação, do fl uxo e do “supertexto” também são 
importantes parâmetros. Além do conteúdo do programa em si, sua relação com 
os demais programas da grade, as substituições do elenco, as alterações nas 
pautas, o período de tempo em que foi editado/transmitido, a comparação deste 
período com o de outros produtos, para citar alguns exemplos, são indicações 
analíticas de praxe para a conformação de periodizações, tão relevantes para os/
as historiadores/as do meio. A análise dessas questões que circundam o produto 
cultural televisivo e sua exibição constitui uma segunda orientação metodológica.
Outro elemento de destaque para a construção de conhecimento histórico 
a partir de fontes televisivas é a relação entre os produtos e a audiência, como 
também já apontamos em relação ao cinema. Neste caso, como a dinâmica da “tv” 
é a de um fl uxo contínuo, o estudo dos vestígios da construção de vínculos entre 
a programação e sua audiência é ainda mais signifi cativo, já que nesta relação 
de dependência da primeira em relação à segunda faz-se o meio: o conteúdo, os 
programas e produtos audiovisuais podem ser alterados ou excluídos com base 
no retorno do público em relação a eles. Finalmente, cabe o destaque para outro 
tipo de relação: a que se institui entre a televisão e seu desenvolvimento técnico, 
estético e conteudístico e as mudanças nacionais de cunho político. Importa 
atentar, neste sentido, às ações político-estatais no desenvolvimento da televisão 
e seus produtos, ponderando que eles não podem ser considerados de forma 
independente do sistema político e institucional que modela o universo social 
como um todo.
No Brasil, uma característica importante a ser considerada em estudos sobre 
a televisão se expressa em sua função social agregadora, nisto residindo certa 
continuidade em relação ao rádio, instrumento comunicacional predominante 
no país durante grande parte do século XX. A televisão contribuiu desde a sua 
popularização nos anos 1960 para a construção de imagens da nação, veiculando 
discursos acerca de sua integração e consolidando no imaginário social ideias 
sobre brasilidade. Nessas “imagens do/sobre o Brasil”, irradiadas a partir dos 
maiores centros produtivos do país, consolidavam-se mitos, transformando 
episódios e personagens em peças chave da nossa história, que se sedimentavam 
no imaginário social do país seja pela forma característica com que a televisão as 
utilizava ou pelo poder verbo-narrativo que evocava. 
111
LINGUAGEM VISUAL, MODERNIDADE E TECNOLOGIA Capítulo 2 
Sugestão de leitura: Para quem quer adentrar no universo da 
produção televisiva, História da televisão brasileira, de Sérgio Mattos 
é um ponto de partida interessante. Neste livro o autor analisa a 
emergência da televisão no panorama mundial, seus usos e algumas 
leituras sociais que dela se fi zeram. Em relação ao Brasil, a relevância 
do texto está em considerar a produção televisiva como indissociável 
do contexto político vivido e dos momentos econômicos do país – as 
concessões, a censura, as afi nidades político-institucionais – além de 
ter servido como uma espécie de termômetro para questões culturais 
em pauta na sociedade.
O último ponto de nossa análise sobre História e audiovisual refere-se à 
problematização desta linguagem, em dois sentidos: na produção do conhecimento 
histórico acadêmico; e na construção de imagens sobre o passado. Em relação a 
este par de questionamentos, limitamo-nos a sumariar as polêmicas que suscitam. 
Pode a História, uma disciplina acadêmica eminentemente escrita,abrir-se a um 
tipo de produção de conhecimento sobre o passado e sua relação com outras 
temporalidades que não tenha como suporte a palavra escrita? Noutras palavras, 
pode a História “escrever-se” através de produções audiovisuais, por exemplo? 
A História como disciplina escolar teria a ganhar com o desenvolvimento destas 
possibilidades “alternativas” de produção histórica? Em que medida, pelo caráter 
da disciplina, as imagens e os audiovisuais podem contribuir para a apreensão de 
distintas experiências do tempo histórico?
A expressão visual e a História têm em comum a característica da formação 
de imagens: como não vivenciamos a época dos descobrimentos, por exemplo, 
suscitamos através do conhecimento histórico a formação de imagens mentais 
sobre ele. A imaginação é um atributo fundamental ao historiador/a porque, ao 
narrar o passado, coloca em movimento um conjunto de imagens que constrói 
a partir dos indícios que encontra sobre este passado, completando as peças 
que faltam. Este “colocar em movimento” nada mais é do que a sua inserção 
em uma narrativa. Se imagem, imaginação e História mantêm entre si relações 
tão próximas, por que a expressão do conhecimento historiográfi co não pode 
aproximar-se de outras formas narrativas, como a que se manifesta através dos 
audiovisuais? 
As ressalvas quanto à produção historiográfi ca por meio de outras 
linguagens que não a escrita se situa na tradição acadêmica da disciplina, que 
112
 Linguagem Visual na HistoriograFia
é eminentemente letrada e não caberia aqui realizarmos esta discussão. Para 
uma defesa da imagem técnica, em qualquer dos suportes nos quais pode ser 
produzida, basta apontar que sua utilização – não como fonte histórica, mas 
como expressão de conhecimento histórico – é entendida como insufi ciente para 
informar sobre esse tipo de conhecimento. Ou seja, os detalhes informativos, 
os dados, as referências cruzadas, as citações, o debate historiográfi co, nada 
disso poderia ser comportado por uma narrativa que não fosse escrita. Esse é 
um argumento poderoso, pois se funda nas bases do método da História como 
disciplina: analisar, comparar, discutir, apontar, referenciar. No entanto, se a 
imagem é vigorosa na incorporação que fazemos de experiências em História, 
e a discussão da produção historiográfi ca é um imperativo, justo seria que fosse 
possível ao conhecimento histórico, acadêmico ou escolar, poder expressar-se por 
meio destes dois suportes, o visual e o escrito. Por exemplo: assim como a seção 
introdução, em qualquer trabalho científi co, situa o leitor, orientando a leitura que 
fará a seguir, a mesma exigência poderia ser feita em relação ao audiovisual: 
que fosse “introduzida” a fi m de incorporar demandas que a linguagem visual não 
comporta.
Por melhor que um/a historiador/a se esforce em descrever, analisar, elaborar 
formas de apreensão do conhecimento histórico, nunca o fará tão bem, com tanto 
poder de convencimento e fi xação entre os seus interlocutores – seus alunos/as, 
seus pares ou interessados/as – do que o faria através de uma narrativa visual 
ou audiovisual. A construção dessa narrativa, como a de qualquer produção 
historiográfi ca, seguirá os procedimentos teórico-metodológicos ordinários da 
profi ssão, sobretudo aqueles que regulam o ímpeto imaginativo a não afi rmar 
nada além daquilo que as fontes sugerem, apontam, indiciam. 
Quando ainda cursávamos História, no meado da década de 2000, causou-
nos enorme impressão a leitura do livro de Natalie Zemon Davis, O retorno de 
Martin Guerre. Conhecíamos pouco sobre o século XVI francês rural, habitado 
por homens e mulheres comuns. A genialidade com que a autora descreveu os 
afetos, a alimentação, os ambientes, as situações e inclusive, o horizonte no qual 
Martin Guerre reaparece, foi responsável por muito tempo pelas imagens que 
havíamos criado acerca do período. Muito do que não pudemos imaginar deveu-
se a nossa falta de conhecimento. Tal lacuna não fora empecilho, no entanto, 
para que nos apropriássemos desses conhecimentos quando, algumas semanas 
depois, assistimos ao fi lme homônimo (Figura 15): cruzando referências escritas 
e pictóricas, nossa compreensão acerca do enredo, contexto e da pesquisa havia 
se ampliado enormemente. Eis uma prova irrefutável do poder que as imagens 
emanam na produção e na apropriação de conhecimento sobre o passado – 
embora hoje entendamos que o fi lme falava tanto da investigação histórica de 
Davis acerca do contexto dos anos 1560, quanto da França do começo da década 
de 1980.
113
LINGUAGEM VISUAL, MODERNIDADE E TECNOLOGIA Capítulo 2 
FIGURA 15 – CENA DE O RETORNO DE MARTIN GUERRE (1982)
FONTE: . Acesso em: 16 fev. 2020.
Sugestão de atividade de estudo: Dentre os gêneros não 
inclusos no cinema clássico hollywoodiano consta o da fi cção-
científi ca, que conta atualmente com um público apreciador entre 
os mais destacados. Como a característica deste gênero é narrar 
histórias imaginativas, proféticas, sobre universos paralelos, que 
contradizem tanto as leis da física quanto as evidências históricas 
e arqueológicas conhecidas, ele permite atentar para uma relação 
histórica específi ca, aquela que se refere ao futuro-passado ou ao 
futuro presente. Ou seja, como se imaginou, no passado, que seria 
o futuro? E como hoje o pensamos? De que maneira cada presente 
interfere em dada visão do futuro e do passado? Cada um de vocês, 
acadêmicos, deve escolher uma obra cinematográfi ca de fi cção-
científi ca e preparar, junto a um excerto do fi lme a ser compartilhado 
com os/as colegas, um trabalho dissertativo entre 2 e 5 páginas 
analisando o fi lme em perspectiva histórica. 
114
 Linguagem Visual na HistoriograFia
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
Ao longo deste capítulo, abordamos um roteiro convencional relativo à 
temática da arte, da imagem e da reprodutibilidade técnica. Isso signifi ca, por um 
lado, que você acadêmico tem nesse material os conteúdos fundamentais para 
desenvolver saberes e práticas nesse campo de estudo. Nisso a que chamo 
“convencional”, inserem-se alguns conceitos-chave da discussão que envolve arte 
e técnica, autores/as com os quais é possível ou necessário dialogar e conteúdos 
que é imprescindível que sejam dominados. Por outro lado, dada a complexidade 
e amplitude do campo, muito ainda pode ser buscado por vocês. Filmes, livros, 
exposições, pesquisas em sites, blogues e mídias, há muito material disponível e 
que deve fazer parte do cotidiano do professor-pesquisador em História, já que o 
fi m de uma disciplina ou um curso não signifi ca que estejamos prontos, completos 
em relação a dado conjunto de conhecimentos.
No sentido de indicar caminhos para o aprofundamento de vocês nas 
discussões que tiveram lugar nesse capítulo, sugiro três caminhos conectados 
de imersão, a começar pela defi nição de alguns conceitos, como buscamos fazer 
em alguns momentos desse capítulo. Moderno, modernidade, modernização, 
modernismo; técnica, tecnologia; imagem, visualidade, linguagem visual... cada 
conceito designa uma experiência, um momento, um saber situado. Para a 
discussão sobre modernidade e tecnologia, é preciso utilizar de forma coerente 
um apanhado de conceitos, que podem se confundir seja pela presença de um 
mesmo radical na composição de uma palavra, seja porque o uso corriqueiro 
desses termos não se dá de forma precisa.
Em segundo lugar, como nenhum conhecimento é vão e nós, como 
professores e professoras, estamos sempre em busca de aprimorar nossas 
ferramentas didáticas, sugiro que vocês busquem familiarizar-se com produtos 
visuais diversos. Assistam a fi lmes, leiam biografi as de artistas, estudem História 
da Arte, visitem museus e galerias, tratem, sempre quando possível, de continuar 
os estudos acerca das imagens técnicas, sua história, seus instrumentos, seus 
usos. Não basta que saibamos uma porção de coisassobre linguagem visual e 
tecnologia, é possível também ampliar nosso leque de conhecimentos através de 
uma aproximação afetiva, no sentido de gratuita, sem fi ns utilitários, dos produtos 
culturais que virão a ser apreciados, analisados, instrumentalizados por nós em 
sala de aula ou na produção científi ca.
Finalmente, em qualquer nível de instrução, um esforço intelectual é 
necessário e aprimorar-se requer algum grau de dedicação na busca pelo 
conhecimento – o que traçamos aqui não foi mais do que uns passos iniciais. 
Cada um de vocês pode continuar aproximando-se dos temas de estudo deste 
115
LINGUAGEM VISUAL, MODERNIDADE E TECNOLOGIA Capítulo 2 
1) Em relação à obra clássica de Walter Benjamin, A obra de 
arte da época da possibilidade de sua reprodução técnica, 
assinale a alternativa correta:
a) ( ) A obra constitui uma ode à modernidade e um panorama 
apaixonado das técnicas e tecnologias que estavam se 
popularizando nas primeiras décadas do século XX.
b) ( ) Seu argumento concebe que a possibilidade de reprodução 
técnica da obra de arte retirou-lhe a aura, um atributo conferido 
pelo instante singular de sua produção, o qual só possui uma 
obra original.
c) ( ) O autor acreditava que a arte técnica não poderia produzir 
nada que fosse de validade à sociedade.
d) ( ) Para o autor, sua época se caracterizava por haver destruído 
“o aqui e o agora” da produção das artes, que havia fi cado restrito 
às obras do passado. 
2) Assinale a questão a seguir que expressa a alternativa 
incorreta acerca da fotografi a:
a) ( ) Causou, quando de sua popularização, um enorme 
entusiasmo, decorrente da possibilidade de representação fi el da 
realidade, como era então concebida.
b) ( ) Deu origem a uma técnica chamada pictorialismo, na qual o 
capítulo conforme as suas afi nidades: para os que se apropriam melhor de 
saberes através de conteúdos visuais, assistam a documentários sobre os temas, 
sobre os autores, sobre suas obras ou também videoaulas e outras produções 
que sistematizam os conteúdos. Já para os/as que se relacionam com mais 
facilidade com a palavra escrita, além das sugeridas no capítulo e daquelas que 
embasaram a sua escrita, a seguir referenciadas, há plataformas de conteúdo 
científi co nas quais muito do que está sendo discutido agora mesmo nos maiores 
centros de produção de conhecimento já está disponível para acesso e download. 
Além disso, em ambos os modelos – conteúdo visual ou textual – podemos 
encontrar produções que “explicam” as teorias e as ideias complexas dos autores 
de referência na temática da imagem técnica. Este encontro pelas margens com 
um tipo de conteúdo que parece duro, difícil de apreender, pode ser um caminho 
para preparar vocês para um contato direto.
116
 Linguagem Visual na HistoriograFia
fotógrafo buscava “simular” um retrato pintado, através do tom 
sépia e da manipulação do foco.
c) ( ) As fotografi as são parte de uma narrativa social e familiar 
multitemporal, pois incorporam o tempo do acontecimento, a 
rememoração, da exposição etc.
d) ( ) Constitui uma representação fi el da realidade tal qual no 
momento em que se produz, já que a diferença do pintor, que 
manipula o objeto representado, o olhar do/a fotógrafo/a não 
possui a capacidade de dotar a realidade de um sentido subjetivo.
3) No tópico relativo à História e Audiovisual, abordamos a 
importância de atentar para os seguintes critérios de análise 
acerca do cinema, exceto:
a) ( ) Local e contexto de produção, direção, estúdio e outras 
condições de possibilidade da produção cinematográfi ca.
b) ( ) A análise dos gêneros cinematográfi cos, dentre os quais os 
mais bem caracterizados são aqueles que conformam o estilo 
clássico hollywoodiano.
c) ( ) As mensagens subliminares distribuídas ao longo da 
narrativa fílmica, que denotam sentido à produção e se vinculam 
especialmente ao caráter de comercialização do estilo clássico 
hollywoodiano.
d) ( ) Os ruídos, o silêncio e a trilha sonora, as cores e o preto 
e branco em alto contraste: todos esses são elementos 
comunicacionais, além de estéticos.
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CAPÍTULO 3
IMAGEM E ENSINO DE HISTÓRIA
A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes 
objetivos de aprendizagem:
• Assimilar a imagem, em suas diferentes técnicas e 
materialidades, enquanto documento que embasa a produção 
do conhecimento histórico e também o seu ensinamento. 
• Apreender as potencialidades didáticas dos recursos imagéticos 
na construção do saber-fazer junto aos educandos.
• Situar a utilização de recursos imagéticos nos estudos históricos. 
• Utilizar a imagem como recurso didático em sala de 
aula desde o ponto de vista crítico e dinâmico. 
• Capacitar os educandos a identifi car, analisar e compreender as características 
e os usos das manifestações artísticas e imagéticas no tempo presente.
120
 Linguagem Visual na HistoriograFia
121
IMAGEM E ENSINO DE HISTÓRIA Capítulo 3 
1 CONTEXTUALIZAÇÃO
Percorrendo a trajetória de estudos desta disciplina sobre Linguagem Visual 
na Historiografi a, temos que o despontar da noção de que uma imagem poderia ser 
lida deu-se no campo de estudos das artes, e mais especifi camente, noensino de 
artes. Ao longo do século XX, com ênfase na segunda metade em diante, diferentes 
autores e autoras sugeriram estágios ou etapas de apreensão visual pelas quais 
alunos e alunas seriam conduzidos/as pelo/a professor/a visando a ampliação de 
seus conhecimentos técnicos, formais e estéticos, para que pudessem apropriar-
se de um “informe” contido numa pintura, numa ilustração, numa imagem fi xa 
qualquer. No Capítulo I, elencamos duas contribuições fundamentais para o 
desenvolvimento desses saberes, o formalismo e a semiótica, os quais deram 
origem a métodos de ensino-aprendizagem que estiveram centrados no estudo 
descritivo da representação visual de símbolos, formas, temas e técnicas que 
compõem uma linguagem visual.
Considerando como dada a possibilidade de nos valermos de imagens para a 
construção de conhecimento em História, indagamos o método historiográfi co em 
relação à noção de “fontes”, mas também – e sobretudo – acerca do questionário 
ao qual as imagens, como qualquer outra tipologia documental, devem ser 
submetidas no decorrer do processo. Problematizamos a concepção de “fonte” 
enquanto detentora de respostas ou da verdade histórica em si, preferindo 
considerar produtos visuais como testemunhos de um tempo histórico, inquerindo 
criticamente tal testemunho quanto aos indícios que aportam para as hipóteses 
históricas levantadas. Seja o problema histórico a investigar de ordem visual ou 
não, concordamos que a perspectiva metodológica mais adequada à produção de 
conhecimento histórico seria a utilização de um conjunto de imagens – ao invés de 
uma imagem singular – junto a documentos ou artefatos de outros tipos. Através 
do jogo de comparações entre diferentes testemunhos se dá a possibilidade de 
construção de saberes mais solidamente confi áveis.
No Capítulo II sumariamos os debates fundamentais para o estudo dos 
objetos visuais oriundos da técnica. Ou seja, a técnica como “arte ou modo de 
fazer” foi sempre a maneira através da qual um conhecimento fora disseminado. 
Contudo, o momento histórico que designamos de segunda revolução industrial 
deu origem a uma classe de desenvolvimento que redefi niu a concepção de 
técnica, aproximando-a à de tecnologia, à de instrumento, à de máquina. No 
campo da sociologia da arte a produção de imagens técnicas – daguerreótipo, 
fotografi a, cinematógrafo, cinema, etc. – originou debates acerca do estatuto 
destas imagens, suas promessas de representação do real e de “alforria” das 
artes em relação a esta função (realística). Tais debates são atuais e fundamentais 
tanto para o/a historiador/a que trabalha com esta categoria de produção visual, 
122
 Linguagem Visual na HistoriograFia
quanto para o/a professor/a que pretende utilizar essa produção em sala de aula, 
mas também iniciar os/as alunos em práticas de pesquisa em História.
Cada tipo de produto visual, e no interior de um mesmo tipo, cada uma das 
formas tomadas pelos critérios de diferenciação (na fotografi a, os retratos e as 
paisagens, no cinema, a discussão sobre os gêneros, por exemplo) compõem 
linguagens específi cas que não podem ser compreendidas senão através do 
conhecimento acerca de sua produção. Isso porque, conforme a concepção 
de linguagem que temos utilizado não se desconsidera o conteúdo veiculado, 
mas uma linguagem é um meio através do qual esse conteúdo é materializado. 
O professor-pesquisador precisa dos conhecimentos acerca das técnicas de 
produção visual e audiovisual para fazer o seu trabalho com qualidade, já que 
elas são instrumentos de produção de sentido que atuam em nível muito mais 
profundo do que o “dizível”. Por essa razão dedicamos todo um capítulo às 
imagens técnicas, ao seu processo de desenvolvimento em diferentes momentos 
históricos, ao maquinário do qual resultam seus usos, especifi cidades etc.
Neste Capítulo III, todos os conhecimentos desenvolvidos serão mobilizados 
em torno da relação entre Imagem e Ensino de História. Em um primeiro momento, 
discutiremos brevemente o universo imagético como fonte de ludicidade, 
criatividade e imaginação histórica, um dispositivo ímpar para a construção de 
conhecimentos sobre o tempo histórico. A seguir analisaremos o uso corrente de 
imagens na construção do conhecimento histórico escolar – o livro didático e o 
inquérito das imagens baseado em práticas de pesquisa. No terceiro momento do 
capítulo o foco de nossa abordagem se voltará a propostas didáticas com recursos 
imagéticos. Ao apontar a seriação às quais se destinam as propostas, sugerir 
conjuntos de imagens para cada tema e destacar, através de um questionário, 
os objetivos do saber-fazer a serem alcançados por meio de recursos visuais e 
audiovisuais, esperamos não apenas discutir princípios didáticos, mas inspirar a 
elaboração de outras propostas por cada acadêmico dessa disciplina.
2 POTENCIALIDADES E USOS DAS 
IMAGENS EM SALA DE AULA
A História como disciplina escolar está presente no currículo de crianças, 
adolescentes e jovens na faixa etária de seis a 14 anos no Ensino Fundamental; e 
de 15 a 17 anos no Ensino Médio. Lidando com conteúdos complexos, que exigem 
níveis de abstração, e mesmo imaginação, superiores àqueles demandados em 
outras disciplinas, o ensino-aprendizagem do conhecimento histórico escolar 
vem requerendo atualizações didáticas cada vez mais constantes e dinâmicas 
123
IMAGEM E ENSINO DE HISTÓRIA Capítulo 3 
neste primeiro quartel do século XXI. As razões dessas demandas são diversas 
e relacionam-se ao próprio conteúdo da disciplina, mas também às novas formas 
de apropriação do conhecimento histórico disponíveis nos tempos em que 
vivemos. Elencamos, para um breve comentário, três fatores interligados que 
compõem o quadro situacional da dinâmica escolar em relação à História: 1) o/a 
professor/a e a escola não são mais os únicos (ou principais) fontes de irradiação 
do conhecimento histórico; 2) o momento de midiatização vivido pelas sociedades 
modernas promove a inserção das crianças e dos jovens numa cultura das 
“telas”, do imaginativo, do imagético e do fi ccional desde muito cedo; 3) como 
um conhecimento que está sempre em movimento, a História se vê no centro de 
uma polarização política evidenciada a nível mundial, alvo de revisionismos e de 
narrativas contestatórias.
A escola como lócus principal de apropriação de conhecimentos por crianças 
e jovens não faz mais parte da realidade de grande parte do alunado brasileiro. 
Talvez seja, ainda, em parte verdade que algumas disciplinas – como as que 
envolvem cálculos – percorram uma trajetória na qual o professor/a continua a ser 
considerado indispensável. No caso da História, podemos afi rmar que a questão 
da dispensabilidade do mediador/a sempre esteve colocada: pelo menos desde 
a popularização do livro didático, o conteúdo estava disponível para aqueles que 
quisessem reforçar, através da leitura extraescolar, o que fora apontado em sala 
pelo/a professor/a. Como tudo estava escrito no livro à disposição do/a aluno/a, 
esse/a podia, também, despreocupar-se com as aulas, pois, quando tivesse que 
demonstrar o domínio dos conteúdos em provas escritas e outras atividades 
avaliativas, poderia recorrer ao livro didático, detentor de todas as informações a 
serem memorizadas.
Como parece evidente, o que narramos anteriormente é uma leitura 
ultrapassada e mesmo estigmatizada do ensino de História no contexto 
escolar. Estigmatizada porque, em que pese diferentes momentos, contextos 
e profi ssionais, o livro didático nunca fora um manual autodidata, requerendo 
sempre, como hoje, a mediação do/a professor/a. Ultrapassada, por sua vez, 
porque a falta de dinâmica no ensino da disciplina conduz aqueles que estão 
em processo de aprendizagem à busca de novas fontes de consulta, que 
disponibilizem conteúdos de forma mais acessível, ou seja, sintética, mas também 
através de linguagens e recursos que dialoguem melhor com a sua faixa etária 
e com as fi nalidades dos estudos empreendidos.Sem demasiado esforço, hoje 
podemos encontrar uma infi nidade de atores sociais que se prestam a “ensinar 
História”: blogueiros, youtubers, videocasters, curiosos e interessados em temas 
históricos que disponibilizam sínteses, narrativas atrativas e ilustradas sobre 
fatos, processos e personagens.
124
 Linguagem Visual na HistoriograFia
O problema é que essas sínteses não estão sendo oferecidas por professores/
as de fato, ou seja, não são produzidas por profi ssionais que dominam, para 
além dos acontecimentos, o processo de construção de narrativas sobre os 
acontecimentos. A absorção de conteúdo pelos/as alunos/as, como sabemos, 
não é o objetivo de a disciplina de História constar no currículo escolar. Nisso 
residem as ressalvas em relação a “aprender” História através de almanaques 
audiovisuais: importa a capacidade de memorização que eles mobilizam ou 
o seu fracasso em potencializar o pensamento crítico? Essa “disputa”, na falta 
de termo mais adequado, entre a escola e os novos formadores de opinião, que 
se apresentam quase exclusivamente através das redes, conduz ao segundo 
elemento alvo de nossos comentários: a inserção constante e precoce das 
crianças e dos jovens na dinâmica das mídias e dos aparatos tecnológicos.
Os desenhos infantis, os jogos, as séries, realidades fi ccionais e fantásticas 
estão disponíveis para meninos e meninas nem bem logram desenvolver a 
habilidade de assimilá-los. Ou melhor, desenvolvem com esses produtos tais 
habilidades. Atualmente, uma série de estudos vem sendo desenvolvida acerca 
dos níveis de inteligência de crianças que receberam estímulos audiovisuais, de 
imagens técnicas (sobretudo através da televisão, dos tablets e dos smartphones) 
desde bebês em comparação com crianças que não foram submetidas a esses 
estímulos até os três anos. Não nos cabe adensar essa discussão, mas sim 
apontar, através dela, que as mídias digitais são um fato concreto nas vivências 
da infância para grande parte da população mundial. Em comparação com o 
entretenimento e com a ludicidade que esses instrumentos aportam, na utilização 
que deles fazem os infantojuvenis, a escola torna-se maçante, desinteressante, 
fonte de conhecimentos inúteis.
A História, entendida como o compêndio dos feitos humanos, torna-se a 
rainha entre as disciplinas sonolentas as quais as crianças e os jovens devem 
assistir para aprovar o ano. A questão que colocamos é a seguinte: tendo a História 
uma lista de conteúdos a trabalhar, elencados pelos Parâmetros Curriculares 
Nacionais, e tendo a demanda desses conteúdos o perfi l anteriormente descrito – 
cada vez menos pacientes, mais dinâmicos, instruídos em linguagens variadas – 
podemos fazer diferente? Podemos aliar História e fi cção, ludicidade, imaginação? 
Afi nal, como aprendem essas “novas” crianças e jovens? Bem, as crianças e os 
jovens, diga-se, podem aprender melhor através de dinâmicas diferentes daquelas 
que tradicionalmente embasam o ensino de História – um encadeamento entre 
leitura, silêncio, discussão, elaboração escrita e oral. No entanto, a razão pela 
qual aprendem continua sendo a mesma: os sujeitos consolidam seu aprendizado 
através daquilo que se torna signifi cativo e relevante para eles.
125
IMAGEM E ENSINO DE HISTÓRIA Capítulo 3 
Como nos recorda Litz (2009), entre os principais objetivos da disciplina 
de História está o de desenvolver nos/as alunos/as a capacidade de escrever 
e expressar-se acerca dos conteúdos abordados, utilizando-os para melhor 
entender ou explicar a sua realidade e posicionando-se em relação a esta 
realidade, questionando-a, se preciso, em uma relação entre presente, passado e 
futuro. Para que o processo seja satisfatório, deve fazer-se dialeticamente, através 
do estímulo do/a professor/a em relação aos conhecimentos que os/as alunos/as 
já possuem, já que sua função de mediador requer a mobilização do objeto de 
conhecimento em relação ao aluno/a, para que este construa através de suas 
experiências um conhecimento elaborado acerca deste objeto. Isso prescinde 
que o/a professor se valha de elementos do universo no qual seus alunos/as se 
encontram, o que inclui considerações de âmbito geracional: se, talvez, para um 
grupo de adultos na faixa etária entre 50 e 60 anos, os jogos eletrônicos não sejam 
atrativos como veículo de saberes e para colocar em pauta algumas questões em 
relação ao seu contexto de produção, por exemplo, o mesmo não se pode afi rmar 
acerca da geração que hoje se encontra entre os 15 e os 25 anos, nascidos já na 
era dos videogames e da hiper-realidade dos jogos online.
Finalmente, nosso terceiro comentário versa sobre a tendência, inerente 
ao conhecimento histórico, de refazer-se, reescrever-se, dando margem a tipos 
perigosos de revisionismos. Perigosos porque, na medida em que incitamos 
o pensamento crítico, certas narrativas isentas de investigação científi ca, ou 
seja, oriundas de opiniões que manipulam informações propositadamente ou 
não, podem vir a ser apropriadas enquanto outros “pontos de vista”. Ora, como 
profi ssionais comprometidos com a aprendizagem para a cidadania, está entre 
nossas funções incitar nos/as alunos/as a busca por fontes divergentes, por 
conhecimentos que questionem a passividade dos processos históricos. Isto é, 
também, uma orientação metodológica basilar do conhecimento em História. No 
entanto, o divergente pode, em tempos de polarização política e de acirramento 
das disputas em torno da memória histórica de certos acontecimentos, confundir-
se com leituras, análises e narrativas ingênuas, falaciosas e mesmo mal-
intencionadas.
A máxima de que tudo tem dois lados, havendo sempre diversas opiniões 
sobre um mesmo tema, é a expressão de um maniqueísmo infértil para o 
conhecimento histórico. Se um regime foi bom, mal, quem nele agiu certo ou 
errado, por exemplo, são respostas que podem ou não ser respondidas por cada 
aluno/a no processo de apropriação de conteúdos e sua signifi cação sempre 
subjetiva sobre eles. Não convém ao professor/a respondê-las, mas apresentar 
todos os elementos, de forma crítica, ainda que isso não signifi que incorporar 
a falácia da neutralidade que, sabemos, não pode ser sustentada, já que 
professores e professoras são sujeitos com as suas próprias crenças e valores. 
Mas o que vemos no material produzido e disseminado à revelia pelas redes – 
126
 Linguagem Visual na HistoriograFia
com exceções, felizmente – cuja autoria é incerta e muitas vezes propositalmente 
anônima, é a utilização de dados convenientes para a confi rmação de uma 
dada hipótese, remetendo todos os elementos existentes em contrariedade a tal 
hipótese a uma “invenção” de grupos supostamente hegemônicos. Esses, por 
sua vez, estariam visando fi nalidades político-ideológicas com a manutenção do 
“silêncio” destas outras versões.
Em tudo isso, a função social do/a professor/a se destaca. Como mediador/a 
de conhecimentos, importa tanto que aponte a produção de narrativas falsas como 
a utilização parcial de evidências históricas por parte de agentes motivados por 
interesses difusos que não os que orientam os preceitos científi cos. Instigando o 
exercício de práticas de pesquisa histórica, o/a professor/a pode, antes mesmo 
das vertentes revisionistas aparecerem em sala, trazê-las para a discussão. Ao 
fazer esse exercício, as imagens certamente adquirirão um papel de relevo. São 
elas o lócus de produção das fake news por exemplo. Dentre as razões desse 
fenômeno, como já apontamos, está o seu poder de fi xação da realidade ou de 
realidades que são mais facilmente acessadas através da visualidade.
Utilizar as imagens como instrumentos do conhecimento histórico signifi ca 
inseri-las no contexto escolar com propósitos bem defi nidos. A ludicidade que 
elas aportam à dinâmica da aula, bem como suas potencialidades na construção 
de imagens mentais sobre o passado são gatilhos para a atenção, imaginação 
e interesse dos alunos, mas o entretenimento não éa sua razão de estarem 
no espaço das aulas de História. Noutras palavras, utilizar em sala de aula um 
fi lme, um HQ, um conjunto de imagens fi xas não tem a fi nalidade de ilustrar como 
foi dado processo ou a de abordá-lo de maneira mais divertida, mas subsidiar 
refl exões sobre esse processo, haja vista a curiosidade, para dizer o mínimo, 
que esses produtos culturais suscitam entre as crianças e os jovens. O roteiro 
da abordagem de documentos visuais, pelo/a professor/a, deve ser construído 
com base nas refl exões e nos debates que se almeja empreender junto aos 
educandos/as.
A seguir, faremos uma análise acerca de duas propostas didáticas em 
História, com foco no uso de produtos visuais e audiovisuais. Os dois “modelos” 
não são contraditórios; antes o inverso, vêm sendo utilizados em concomitância 
por grande parte dos/as professores/as de História brasileiros/as. São eles: o 
roteiro imagético proposto pelos livros didáticos; e a incorporação de imagens 
baseada em práticas de pesquisa.
Em primeiro lugar, cabe a indagação: por que abordar o livro didático? 
Porque a utilização desse tipo de material em sala de aula ainda é o recurso 
pedagógico mais utilizado em nosso país. Como consequência disso, temos que 
as imagens disponíveis nos livros didáticos se constituem as mais acessíveis 
127
IMAGEM E ENSINO DE HISTÓRIA Capítulo 3 
aos/as professores/as e alunos/as. Como apontado por Circe Bittencourt (2012), 
em que pese o fato de os livros didáticos do meado do século XIX já possuírem 
litografi as reproduzidas a título de ilustração ou para fi ns didáticos – para que 
fosse possível “ver” a História, e não apenas memorizá-la – o incremento paulatino 
de recursos visuais nos livros da disciplina demonstram a importância que as 
imagens foram adquirindo ao longo do século XX e, sobretudo, no XXI. Contudo, 
questões de ordem metodológica se impõem mais do que nunca: que abordagens 
vêm sendo desenvolvidas em relação às imagens presentes nos livros didáticos? 
Qual é a relação entre o conjunto de imagens veiculado acerca de determinado 
assunto e o texto que o acompanha? Os livros sugerem propostas didáticas com 
as imagens que oferecem apreensão para os/as alunos/as?
A natureza complexa do livro didático é responsável por tê-lo colocado no 
centro de celeumas importantes no campo da pesquisa em História, História 
da Educação, Didática da História, dentre outros nas últimas duas décadas. Há 
docentes que, embora com ressalvas, destacam seu papel norteador do ensino-
aprendizagem, utilizando-o como roteiro. Há aqueles que, por outro lado, acusam-
no pela acomodação gerada entre a classe docente, que ao apoiar-se em sua 
função de “manual”, exime-se da responsabilidade da preparação de didáticas 
variadas. Entre os elementos de sua complexidade está o fato de ser um produto, 
ao mesmo tempo, mercadológico, depositário de conteúdos, um instrumento 
pedagógico e um veículo portador de um sistema de valores (BITTENCOURT, 
2012).
Enquanto mercadoria, o livro didático está condicionado a diversas lógicas, 
como a das técnicas de fabricação e comercialização, que defi nem o tipo de 
papel, a quantidade de páginas, a qualidade da impressão, a faixa de custo do 
produto visando a sua competitividade, por exemplo. O livro didático, mesmo 
quando escrito por profi ssionais reconhecidos na área do ensino de História – 
supostamente resultando em produtos melhores avaliados pelos pares –, sofre 
interferências do editor, do designer, dos programadores visuais e de um conjunto 
de artesãos da manufatura que impõem uma forma de leitura organizada do 
conteúdo “original”, alterando no mais das vezes a lógica do raciocínio almejado 
pelo autor/a. Isto refl ete, evidentemente, na reprodução das imagens, sua 
disposição, quantidade, qualidade, tamanho etc. Pensar o livro didático como 
produto que deve apresentar-se atrativo, acessível em termos de linguagem e de 
valores, requer ter em mente que este mercado mobiliza milhões de reais todos os 
anos. Embora existam instituições privadas que produzam seu próprio material de 
ensino, a maior parte das escolas brasileiras adquire livros didáticos elaborados 
por editoras especializadas, seja através de convênios ou de avaliações como o 
Programa Nacional do Livro Didático (PNLD).
128
 Linguagem Visual na HistoriograFia
Como depositário de conteúdos selecionados pelas propostas curriculares 
como fundamentais em cada época, o livro não pode deixar de ser informativo, 
recheado de textos escritos, mas ao mesmo tempo seletivo, porque não caberia 
em si o compêndio total dos feitos humanos considerados importantes. O que 
dispõe enquanto conhecimentos necessários à formação do/a aluno/a não é o que 
importa que eles/as saibam, mas o que foi elencado como conhecimentos que 
importam. Como suporte básico e sistematizador de conteúdos, o livro didático 
realiza uma transposição dos saberes acadêmicos para o conhecimento escolar. 
Isso signifi ca não apenas uma linguagem diferenciada, acessível a cada uma das 
etapas de desenvolvimento humano, mas também a elaboração de formas de 
comunicação distintas, substituição do vocabulário, construção de sínteses, de 
reforços visuais, dentre outros instrumentos pedagógicos. Nessa relação entre 
a necessidade de abordagem de determinados conteúdos e a imposição de sua 
transposição didática, as imagens costumam apresentar-se como ferramentas 
privilegiadas. 
O livro didático está inscrito em uma longa tradição na cultura ocidental 
enquanto o principal instrumento pedagógico escolar, daí também a vitalidade 
das discussões que o cercam. Como sugere Bittencourt (2012), o livro didático é 
inseparável das técnicas e das condições de ensino de seu tempo. Sua função é 
a de elaborar um roteiro didático que auxilie o processo de ensino-aprendizagem 
para ambas as partes envolvidas, professores/as e alunos/as. Enquanto tal, 
como instrumento pedagógico, ele oferece técnicas de aprendizagem, como 
exercícios, sugestões de trabalho, curiosidades etc., tarefas que os/as alunos/
as devem executar para se apropriar dos conteúdos abordados e, às vezes, para 
ressignifi cá-los. Para o professor/a, o livro aporta sugestões para a condução das 
aulas, ou seja, orienta acerca do modo de fazer, de como levar adiante cada uma 
das discussões tendo em vista as fi nalidades inerentes àqueles conteúdos. 
Finalmente, o livro didático é um importante veículo portador de um 
sistema de crenças, valores e ideologias. Importante, dada a amplitude de sua 
utilização, mas também em relação à função de detentor de saberes universais. 
Segundo Bittencourt (2012, p. 72), “várias pesquisas demonstram como textos 
e ilustrações de obras didáticas transmitem estereótipos e valores dos grupos 
dominantes, generalizando temas como, família, criança, etnia, de acordo 
com os preceitos da sociedade branca burguesa”. Aqui cabe destacar que por 
ideologia não entendemos algo que propositalmente é reproduzido com fi ns de 
convencimento, de alienação de nossos interlocutores/as. Todos e todas nós, ao 
nos identifi carmos com algum valor, como o cristianismo, por exemplo, podemos 
reproduzir juízos de valor acerca dos não cristãos sem nos darmos conta de estar 
operando de forma estereotipada ou preconceituosa. Não há remédio senão 
uma autovigilância crítica em relação as nossas posturas profi ssionais, a 
fi m de ampliar o respeito a todas as formas de existência.
129
IMAGEM E ENSINO DE HISTÓRIA Capítulo 3 
Ainda em relação ao livro didático como portador de um conjunto de crenças, 
importa dizer que ele pode sim ser utilizado como instrumento de reprodução de 
saberes impostos por determinados setores de um Estado ou regime. Governos 
totalitários alteraram ao gosto de suas ideologias os materiais escolares que 
subsidiariam a educação formal de suas crianças e adolescentes por exemplo. 
Mesmo em regimes democráticos, o controle do conteúdo reproduzido pode 
ser exercido por instâncias de censuraque se escondem atrás de argumentos 
relacionados aos “costumes” ou acerca do que já mencionamos em relação a 
“abordar pontos de vista contraditórios”. Se não vemos com muita frequência 
essas categorias de problemas em relação ao livro didático é porque a sua autoria 
se perde, em parte, pela inserção de muitas outras mãos, a atuar sobre o produto 
fi nal. Também infl uencia, nesse sentido, o próprio caráter do material didático e 
sua demanda por textos simplifi cados, padronizados, sintéticos. A reprodução de 
textos mais autorais, que incitem uma formação intelectual um pouco mais densa 
e autônoma por parte dos/as alunos/as não costuma ser evidenciada.
Apresentando as características anteriormente descritas, parece claro que 
o consumo que se fará do livro didático em sala de aula está sob a chancela 
do/a professor/a. Isso inclui a leitura dos textos escritos, mas também uma leitura 
crítica das fontes visuais que compõem o material. Atente-se ainda ao fato de 
que, muitas vezes, é o próprio docente da disciplina quem indica para a instituição 
onde trabalha o livro didático de sua preferência. Não negamos que exista um 
tipo de detalhamento oportunizado pelas imagens, por exemplo, em relação a 
um cenário, a objetos, à corporeidade de personagens, que as imagens nos 
possibilitam apreender melhor, sobretudo aquelas que aportam um testemunho 
histórico. A fi guração de noções abstratas também é apontada como motivação 
para ilustrações personalizadas constituírem lugares comuns nos livros didáticos. 
Da mesma forma, ampliar o repertório cultural imagético dos/as alunos/as trata-se 
de uma função em nada irrelevante. No entanto, a atenção conferida às imagens, 
aos fi lmes, às charges, aos mapas e demais tipos de produção visual, se não 
vir acompanhada de refl exão pelo/a professor/a e do seu estímulo a que sejam 
inqueridas em relação a sua autoria, contexto, as suas funções sociais são 
esvaziadas em seu caráter de instrumento pedagógico. Em um cenário ainda mais 
problemático, uma utilização “ilustrativa” possibilita incorporações equivocadas 
das imagens enquanto substitutivas da realidade histórica, já que tomam o seu 
lugar na imaginação do passado.
Em linhas gerais, para oferecer alguma contribuição à dinâmica das imagens 
no livro didático, abordaremos os elementos apontados por Circe Bittencourt 
(2012), historiadora que se dedica à investigação da história do livro didático 
brasileiro. Para a autora, uma peculiaridade da produção dos livros didáticos de 
História, no Brasil, é a sua marca francesa. Essa marca se fez presente durante 
130
 Linguagem Visual na HistoriograFia
grande parte do século XX – ainda se deixando ver em alguns volumes sobre 
História Geral ou Universal – por termos nos baseado nas propostas curriculares 
francesas para a elaboração das nossas próprias. Por isso e também porque 
a disciplina de História ainda é bastante francófona nossos livros reproduzem 
muito material imagético dos manuais franceses. Isso infl uenciou também a 
aproximação entre as casas editoriais brasileiras e francesas, o que permitia 
àquelas recorrer mais facilmente a permissões para o uso de imagens, mediante o 
pagamento dos direitos de reprodução, evidentemente. Por tudo isso, em termos 
da quantidade de conteúdo visual, fi camos com a sensação de que a “História 
Universal” é demasiadamente francesa.
O mesmo não se pode afi rmar acerca dos volumes destinados à História 
do Brasil. Dada a ausência de modelos que servissem de padrão em relação 
à História nacional, desde muito cedo, como nos informa Bittencourt (2012), 
autores e editores se engajaram na construção de acervos imagéticos próprios. 
Isso confl uiu na reprodução de um conjunto em parte limitado de produtos 
visuais, os quais tiveram nos livros didáticos seus principais divulgadores. Veja-
se, por exemplo, obras como o 7 de setembro de 1822 de Pedro Américo ou A 
Primeira Missa no Brasil de Vitor Meirelles. Independentemente do valor artístico 
ou histórico dessas obras, a reprodução delas nos livros didáticos se disseminou, 
sendo hoje inviável que um livro de História do Brasil seja elaborado sem a 
presença dessas imagens. E por que razão se deu a eleição por elas? Dentre 
muitas outras razões possíveis está a de que, como obras de grandes dimensões 
e repletas de elementos fi gurativos, elas permitem imaginar com detalhamento 
os contextos aos quais se reportam. Serviam e servem, igualmente, ao propósito 
ufanista de representar os começos da nação de forma heroica e ritualística.
Outra característica marcante da produção de livros didáticos no Brasil 
é a presença de retratos e fotografi as de personagens históricos, numa clara 
manifestação da preferência conferida à História Política até recentemente no 
Brasil. Talvez aqui haja um exemplo das críticas mais contundentes à reprodução 
de imagens enquanto mera ilustração. Sem entrar no mérito da relevância dos/as 
alunos/as conhecerem fi guras como Pedro Alvares Cabral, Maurício de Nassau 
ou Getúlio Vargas, os retratos de personagens considerados importantes para 
nossa história político-administrativa costumam ser reproduzidos na forma de 
uma naturalização da História como o relato de feitos de homens do passado, 
o que vai de encontro à perspectiva da História como uma disciplina que incita 
o pensamento crítico. Como bem observa Bittencourt, como a História Política 
optou por “biografar os feitos de chefes políticos, reis e presidentes republicanos, 
seus retratos constituíram-se em uma espécie de galeria de pessoas ilustres 
com características aristocráticas” (BITTENCOURT, 2012, p. 79-80) que, longe 
de elucidar as experiências da nação, acabava servindo aos alunos/as para 
que exercitassem a arte da caricatura – bigodes, chifrinhos e metanarrativas. 
131
IMAGEM E ENSINO DE HISTÓRIA Capítulo 3 
Quer dizer que sementes são jogadas ao solo da imaginação histórica 
dos alunos com a construção de narrativas sobre um passado habitado 
apenas por homens da elite e que se dedicavam a administrar o país? E, no 
extremo, o que aporta às experiências daqueles que estão em processo de 
aprendizagem formal conhecer essas fi guras e esses feitos?
Na medida em que o inquérito das imagens presentes nos livros didáticos se 
relaciona, ou requer que assim o façamos como mediadores/as, com os métodos 
de investigação em História, vejamos agora outra forma de operar, a saber, as 
propostas levadas pelo/a professor/a para serem trabalhadas em diálogo ou à 
parte do livro didático. Trata-se de algumas considerações sobre a relação entre 
ensino e pesquisa em História.
Há cerca de uma década, a estrutura dos cursos de História no Brasil sofreu 
alterações em relação à habilitação de seus profi ssionais. Até a primeira década 
do século XXI, o currículo das universidades se organizava, obrigatoriamente, 
tendo em vista uma dupla formação: a de bacharel/a em História – historiador-
pesquisador, que se dedica à produção de conhecimento em História – e a de 
licenciado/a em História – cuja atuação se dá no ensino da disciplina de História 
em contexto escolar. Longe de discutir o mérito dessa divisão, parece-nos que, 
na prática, ambas as formações continuam em parte vinculadas. Por um lado, a 
formação do/a bacharel/a, com a ausência das disciplinas de didática e de estágio, 
por exemplo, constitui uma perda signifi cativa. Por outro lado, a formação do/a 
licenciado/a, em que pese a ausência de trabalho fi nal de curso, continua a dar 
conta da produção de conhecimento em História em diferentes momentos, bem 
como dos métodos de produção desses conhecimentos. Esses saberes estão 
concentrados, em grande parte, nas disciplinas de Teoria da História, comum a 
ambas as formações.
Uma questão inicial, porém, basilar do ensino de História, refere-se à 
possibilidade de construção de conhecimentos acerca do tempo histórico sem 
que o processo de ensino-aprendizagem disponha também sobre como aquele 
conhecimento que está sendo oferecido àapreciação foi construído. A razão 
de incitarmos a discussão sobre a História produzida e a História ensinada com 
a questão da formação do profi ssional não é à toa, ela se estende também à 
formação/ensinamento de crianças e jovens – obviamente, numa escala reduzida 
e numa dinâmica diferente. Assim como o/a professor/a de História, durante a 
sua trajetória de formação profi ssional, necessita se apropriar de discussões e 
debates acerca da produção de conhecimento em História, embora não esteja 
sendo preparado para fazê-lo (ou seja, para escrever História), para os alunos e 
alunas também é fundamental compreender qual é o contexto de produção 
das fontes, o tratamento conferido a elas na elaboração dos saberes e, 
afi nal, o processo de construção das narrativas como um todo. 
132
 Linguagem Visual na HistoriograFia
Nesse sentido, apontamos a necessidade de que o conhecimento histórico 
escolar se aproxime de práticas de pesquisa, de investigação histórica, seja para 
que o aprendizado em História seja mais qualifi cado, seja porque a incursão do 
alunado pelo processo dota de sentido àquelas experiências estudadas. De que 
maneira o/a professor/a pode fazer isso? Realizando uma abordagem crítica do 
material didático, por exemplo, elucidando o processo de construção dos saberes 
ali reproduzidos ou elaborando propostas didáticas em que os/as alunos/as 
possam provar o método de pesquisa em História. No decorrer das aulas, 
por exemplo, o professor/a pode e deve levantar questionamentos acerca de 
“como sabemos isso que está no livro”, ou ainda, em relação à produção das 
fontes que subsidiaram tal conhecimento que nos chega “pronto”: quem escreveu 
dado documento, com que fi nalidade? Por que foi salvaguardado, por que foi 
destruído? Que leituras ao longo da História se fi zeram deste documento? Como 
o/a historiador/a os acessou e que relação mantém com este tema ou com o 
lugar da produção da fonte? Que momento histórico vivia a sociedade de origem 
do documento? E sob que contexto ele foi utilizado e subsidiou a escrita deste 
conhecimento que então estudamos?
Finalmente, inserir as práticas de pesquisa no contexto escolar pode também 
ser uma proposta avaliativa interessante. Conduzir os/as alunos a elaborar 
uma hipótese acerca do presente em relação ao passado, a levantar fontes de 
consulta, analisá-las de forma crítica, através da realização de um questionário, 
a elencar um produto fi nal que expresse os resultados alcançados parece-nos 
um excelente m étodo demonstrativo de como se dá a produção do conhecimento 
em História. No campo da visualidade, crianças e adolescentes demonstram 
enorme interesse por fotografi as antigas da cidade, por obras de arte fi gurativas, 
por cartazes, charges e Histórias em Quadrinhos, por exemplo. São exímios em 
reelaborar alguns desses produtos visuais, com seus traços característicos da 
época, mas como suas lógicas próprias.
3 PROPOSTAS DIDÁTICAS COM 
RECURSOS IMAGÉTICOS
Os recursos imagéticos ou visuais no tempo presente são vastos e estão em 
grande medida à disposição do/a professor/a que queira inseri-los no processo de 
ensino-aprendizagem. Diversas seriam as possibilidades de abordagem de um 
tema ou processo em História, a partir do aporte conferido pelas imagens fi xas 
ou em movimento. Nossa intenção neste último apartado da disciplina Linguagem 
Visual na Historiografi a é oferecer modelos propositivos à incorporação visual nos 
estudos de História no contexto escolar. Para isso elencamos cinco tipologias de 
133
IMAGEM E ENSINO DE HISTÓRIA Capítulo 3 
produtos visuais, ou conjuntos de produtos, em relação aos quais construímos 
fi chas técnicas que informam sobre o conteúdo da aula, a série a que se destina, 
os objetivos almejados, o questionário a orientar o/a professor/a na condução 
dos debates e uma proposta avaliativa. Em alguns casos, sugerimos leituras que 
podem contribuir para qualifi car a abordagem docente em relação ao produto 
utilizado.
Como parece evidente, as propostas que seguem não são estáticas e 
podem ser alteradas conforme o perfi l da turma, as didáticas já provadas, os 
conhecimentos prévios etc. Seria interessante que, para cada categoria de 
produtos visuais ou audiovisuais vocês, que cursam esta disciplina, pudessem 
elaborar a sua própria proposta: elencar outros fi lmes, fotografi as, pinturas e 
charges, por exemplo, para debater temáticas diferentes daquelas elencadas a 
seguir. As imagens dos produtos visuais serão reproduzidas, nessas propostas, 
com duas fi nalidades: a de contribuir para a ampliação dos conhecimentos visuais 
de vocês; e a de permitir apreciar as propostas com as respectivas referências 
visuais. Finalmente, cabe destacar que talvez tenhamos nos desviado daqueles 
produtos visuais mais amplamente difundidos no âmbito do ensino de História; 
considerando que o livro didático também aporta propostas visuais, tratamos de 
oferecer análises alternativas àquelas que podem já constar no material de apoio 
docente.
3.1 CINEMA
 Ficha técnica
 Ano: 2º ano do Ensino Médio
 Tema: marginalização social no Brasil
 Produto: cinema 
 Sugestões: 1) Cinco vezes favela (1962). Dir.: Marcos Farias, Miguel 
Borges, Cacá Diegues, Joaquim Pedro de Andrade e Leon Hirszman; 
2) 5x favela – agora por nós mesmos (2010). Dir.: Manaíra Carneiro, 
Wagner Novais, Rodrigo Felha, Cacau Amaral, Luciano Vidigal, Cadu 
Barcelos.
 Objetivo: realizar uma leitura crítica das representações da 
marginalização social no Brasil em dois tempos.
 Questionário: em que contextos históricos estas obras foram produzidas? 
Que lugares sociais ocupam os que realizaram essas produções? Há 
estereótipos representados? Há personagens ou relações idealizadas? 
Quais são as causas da marginalização social no Brasil? Quais são os 
obstáculos para a superação desta condição? Quais os efeitos técnicos, 
visuais ou sonoros utilizados para expressar a angústia, a tristeza e o 
desespero nas duas obras? Por que o cinema brasileiro aborda a favela 
134
 Linguagem Visual na HistoriograFia
com tanta frequência? Qual é o espaço ocupado por ela no imaginário 
social? Os fi lmes contribuem para reforçar este imaginário?
 Proposta avaliativa: exposição oral coletiva. Em duplas, os/as alunos/
as devem atentar em ambas as produções para as diferenças e 
aproximações entre as temáticas, as abordagens e os recursos 
utilizados; devem conseguir descrever o espaço da favela num e 
noutro fi lme; apontar como está formado o grupo familiar e comunitário 
retratado; analisar criticamente o modo de vida das pessoas, sobretudo 
em relação à violência; relacionar a formação destes espaços com 
contextos sócio-históricos específi cos; refl etir sobre as possibilidades 
de superação da sua condição social; propor maneiras de resolver os 
confl itos apresentados.
Na abordagem de temas sociais, a favela ocupa um lugar de destaque. 
O modelo de favela tipicamente brasileiro, situado nos morros das granddes 
cidades, é palco para a construção de imaginários acerca da pobreza, da 
marginalização, da fi gura do excluído social como um “outro” oposto àqueles 
que habitam a “planície”. Para quem não é morador de favela, ela pode signifi car 
perigo, criminalidade e violência ou o lugar do desconhecido. Para quem a habita, 
engloba uma comunidade com as suas especifi cidades, onde residem famílias, 
trabalhadores e outros tipos sociais, gente com distintos perfi s, como em qualquer 
lugar. Seja qual for o caso, a temática social se deixa observar na favela de 
forma privilegiada. O cinema nacional analisou-a em diferentes momentos, que 
resultaram em imagens que permitem abordar questões como as moradias, 
o trabalho, as vivências da infância, as sociabilidades juvenis, as relações 
comunais, os papéis sociais pautados nas relações de gênero, as difi culdades, 
as solidariedades, enfi m. Pobreza e marginalização social são temas transversais 
que costumam ser trabalhados de forma interdisciplinar,junto a conteúdos 
situados no meado do século XX em diante (ou na passagem do século XIX para 
o XX).
Abordar a temática da marginalização social através de duas produções 
cinematográfi cas brasileiras, separadas temporalmente por 50 anos, apresenta 
as seguintes vantagens para a análise da questão social no Brasil: permite que 
se discuta a origem e as motivações da colocação de dado perfi l social à margem 
da sociedade, bem como alguns resultados desse modelo de não gestão da 
pobreza; elucida o aspecto dinâmico da favela, que não é um depósito de gente 
marginalizada, estática, mas uma comunidade que estabelece relações com a 
polícia e com o crime organizado diferentes daquela experenciada pelos demais 
cidadãos, por exemplo; e como a percepção sobre a favela vem sendo alterada 
pela reivindicação desse espaço pelos seus moradores e suas práticas culturais. 
A partir dos eixos temático, histórico e formal, propomos analisar como o cinema 
135
IMAGEM E ENSINO DE HISTÓRIA Capítulo 3 
brasileiro abordou a exclusão social e a miséria em dois momentos históricos.
Como produtos que serão submetidos a um questionário, o qual, por sua 
vez, está pautado pelos objetivos da aula, é necessário que o/a professor/a situe 
Cinco vezes favela e 5x favela – agora por nós mesmos, dentro da produção 
cinematográfi ca brasileira: o primeiro pertencendo ao movimento designado de 
Cinema Novo e o segundo, ao Cinema de Retomada. Antes de abordar esses 
momentos da história do cinema nacional, destacamos a sugestão de que os 
fi lmes sejam reproduzidos apenas em parte, no caso, uma parte de cada um 
deles, seguindo a ordem cronológica (primeiro o de 1962, depois o de 2010). 
Em que pese relações evidentes entre eles, o segundo fi lme não se trata de um 
remake, mas de uma visão que mantém com a anterior um jogo intertextual de 
referências, além de transitarem em um mesmo universo social. Ambos os fi lmes 
são compostos por cinco “capítulos” , dirigidos por diretores diferentes e que 
abordam temas igualmente distintos.
Uma opção interessante seria elencar um capítulo inteiro de cada uma das 
produções. Couro de gato (de 1962) e Arroz com feijão (de 2010), por exemplo, 
são capítulos que abordam dilemas morais vividos por personagens infantis. Couro 
de gato faz uma etnografi a da prática da caça a gatos de rua, com a aproximação 
do Carnaval, para a confecção de instrumentos de percussão. Isso gerava algum 
recurso econônimo para as crianças, que se divertiam ao fazê-lo. No enredo, um 
dos meninos furta um gato de uma mansão, afeiçoando-se a ele. No entanto, 
acoçado pela fome, acaba vendendo o felino ao fabricante de instrumentos, 
dotando ainda mais a história de um aspecto triste. Feijão com arroz, por sua 
vez, conta a história de Wesley, um menino que deseja “presentear” o pai com 
um frango no dia de seu aniversário. Tendo ouvido a reclamação paterna de que 
em casa só se comia arroz com feijão, Wesley realizou diversas atividades, sem 
poder, no entanto, adquirir o frango almejado, roubando-o com o auxílio de seu 
amigo Orelha. O tom mais divertido dessa história em relação à Couro de gato 
resulta também no acirramento de seu teor moral: se na anterior vigora a lógica 
da privação, a “explicar” o delito, aqui prevalece a ideia de que o ilícito é errado 
mesmo que a intenção seja nobre. Trata-se de histórias que permitem pensar as 
formas de viver a infância na favela, suas práticas de sobrevivência e o modo 
como a materialidade da vida vai construindo padrões de conduta que articulam 
frustração, privações e ilegalidade.
O movimento do Cinema Novo originou-se sob duas infl uências oriundas 
do cenário internacional, que aqui se evidenciaram em meados dos anos 1950. 
A primeira, aquela exercida pelo cinema hollywoodiano: fosse no sentido de 
reproduzir o seu glamour, a sua estética, ou submetê-lo à crítica paródica, a 
produção nacional acompanhava de perto o cinema dos Estados Unidos porque 
ele era entendido como o caminho a ser seguido para o nosso desenvolvimento 
136
 Linguagem Visual na HistoriograFia
na sétima arte (SANTOS, 2011). A outra infl uência foi a produção do chamado 
Neorrealismo italiano, uma proposta oposta àquela de Hollywood: produções de 
baixo orçamento, pautadas pelo estilo documentário, porém fi ccionais, fi lmadas 
em locações reais, com o emprego de atores e de não atores etc. O Neorrealismo 
emprestou aos cineastas brasileiros uma espécie de atitude moral na sua 
representação da realidade social tal como se apresentava, com o predomínio da 
ética sob a técnica. 
De acordo com Roberto Elísio dos Santos (2011), o acirramento das posições 
políticas oriundas da Guerra Fria marcou a produção cinematográfi ca do início dos 
anos 1960. No Brasil, o Cinema Novo surgiu como um movimento estético e 
político que se caracterizou pela denúncia da miséria e das desigualdades 
sociais e regionais do país. Seus membros buscaram construir uma 
proposta artística que fosse nacional, popular e engajada na transformação 
da sociedade. Deste período e proposta resultam algumas das obras mais 
importantes do cinema nacional, tais como Deus e o Diabo na terra do Sol (1964), 
de Glauber Rocha, e Vidas Secas (1963), de Nelson Pereira dos Santos. A marca 
dessa produção – que à exceção de Cinco vezes favela traz como cenário a 
região mais pobre do Brasil, o Nordeste – foi o desenvolvimento de uma “Estética 
da Fome”, uma proposta de emprego da realidade não produzida para dar cabo 
da representação visual e estética do povo brasileiro, que em sua grande maioria 
era assediado pela violência enquanto manifestação cultural da pobreza e das 
privações.
O movimento durou, no entanto, apenas alguns anos. Com o advento 
do regime militar, da censura e da perseguição política, inclusive em suas 
manifestações culturais, como sabemos, o movimento dissolveu-se, tomou outros 
rumos. A fi m de controlar a produção cinematográfi ca nacional e mantê-la sob 
vigilância, a ditadura dos militares criou a Embrafi lme, uma entidade de fomento 
responsável por fi nanciar durante duas décadas o cinema nacional. No período 
da redemocratização, em meados da década de 1980, a entidade agonizava, 
tendo de fato a indústria do cinema no Brasil se extinguido. Por essa razão o 
movimento em torno do cinema nacional, na segunda metade da década de 
1990, inspirado pela “visão de mercado” decorrente da postura neoliberal vigente 
nos anos 1990 foi designado “de retomada”. Nele tiveram destaque corporações 
estabelecidas no âmbito das comunicações, como o grupo O Globo, mas também 
se evidenciaram experiências regionais em menor medida ditadas pelo apelo 
comercial ou mercadológico. De qualquer forma, a permanência das questões 
sociais na produção do Cinema de Retomada foi evidenciada, resultando, por 
exemplo, em obras aclamadas como Cidade de Deus (2002) e Carandiru (2003), 
e, mais recentes, como o polêmico Tropa de Elite (2007) e 5x favela – agora por 
nós mesmos (2010).
137
IMAGEM E ENSINO DE HISTÓRIA Capítulo 3 
Atividade de estudo: Os acadêmicos devem assistir a outras 
produções que abordem temáticas afi ns, porém com maior 
disseminação entre as mídias, por exemplo, os fi lmes Cidade de 
Deus (2002) e Pixote (1987). A partir de uma síntese dos temas e 
abordagens do fi lme, o/a professor pode criar um roteiro que vincule 
os conhecimentos prévios dos/as alunos/as aos debates que deseja 
realizar com base nos audiovisuais sugeridos nesta atividade (Cinco 
vezes favela e 5x favela – agora por nós mesmos. Façam, a exemplo 
da fi cha técnica anteriormente reproduzida, questionamentos 
norteadores para a introdução da abordagem sobre marginalização 
social no Brasil.
Enquanto síntese dos aspectos temáticos, temos que ambas as produções 
têm a favela e suas relações como objeto central. O primeiro fi lme, no entanto, 
aborda-a desde uma perspectiva externa: a produção foi realizada por membros 
de uma classe média intelectualizada, cujo olhar para arolam sobre os seus rostos. A morte assombra tanto os retratados quanto a obra, 
sendo difícil ao observador/a fi car alheio à denúncia social expressa pela pintura.
Do método proposto por Ott (1984 apud SARDELICH, 2006) para a leitura de 
imagens podemos destacar algumas especifi cidades. A primeira e mais evidente 
é que ela se destina ou, pelo menos assim foi pensada, para uma mediação 
professor/aluno cujo objetivo seria o de “ensinar” a ler uma imagem. A segunda 
característica do método seria a sua aplicação limitada, sobretudo, a obras de 
arte, pois os passos e, consequentemente, o inquérito que o mediador propõe 
em relação à imagem se centra no processo artístico-criativo, nas formas, nas 
FIGURA 3 - CRIANÇA MORTA (1944), CÂNDIDO PORTINARI
FONTE: . Acesso em: 6. nov. 2019.
17
HISTÓRIA E LINGUAGEM VISUAL Capítulo 1 
técnicas e na plasticidade características da obra de arte. Finalmente, uma 
terceira especifi cidade se refere ao resultado da leitura de imagens proposta 
por este método, que seria o de realizar uma produção em relação a elas e não 
apreender um sentido ou um “dizer” expresso pela linguagem visual, no caso, 
artística.
A infl uência de Robert Ott na metodologia de leitura de imagens é 
signifi cativa. Nos estudos de Abigail Housen, a autora parte do postulado de 
que o desenvolvimento de determinado domínio se faz em direção da menor à 
maior complexidade de pensamento, confi gurando-se estágios. Para Housen, 
conforme observou Sardelich (2006), o leitor de imagens vai evoluindo, passando 
por estágios em que sua compreensão estética vai se aprimorando: estágio 
narrativo, estágio construtivo, estágio classifi cativo, estágio interpretativo e 
estágio recreativo. A descrição dessas fases ou estágios apresenta semelhanças 
evidentes com a proposta de Ott. Também Michel Parsons (1992) elaborou 
estudos nesse sentido. Para Parsons, o desenvolvimento estético ao longo 
desses estágios é favorecido pela aproximação e familiaridade que um indivíduo 
vai estabelecendo com as imagens das obras de arte. Isto depende, é claro, tanto 
do amadurecimento destas relações indivíduo-imagem quanto das qualidades 
das experiências artísticas de cada um.
As propostas de Housen e Parsons possuem diversas similitudes. Elencamos 
para a experimentação a metodologia da primeira autora, Abigail Housen, para 
quem a leitura de imagens segue cinco estágios, assim defi nidos: descritivo, 
construtivo, classifi catório, interpretativo e re-criativo. Nesta oportunidade a 
imagem a se analisar é La novia que se espanta al ver la Vida Abierta de Frida 
Kahlo de 1943 (Figura 4). O questionário ao qual submeteremos a obra, para “ler” 
a imagem segundo o método de Housen, é o seguinte:
Estágio I, descrição: o que é esta imagem? O que ela mostra? O que chama 
nela mais a atenção? Que narrativa possível está inscrita nesta imagem?
Estágio II, construção: Como a obra foi feita? Qual a técnica empregada? 
Como são as linhas, as cores, a textura? Como se dá a composição dos 
elementos? Ela se pretende realista?
Estágio III, classifi cação: Qual foi o contexto de produção desta obra? 
Quando e por quem ela foi produzida? Ela se insere nos marcos de algum estilo 
artístico?
Estágio IV, interpretação: Como a artista utilizou os elementos formais para 
expressar o que sentia? Há uma ideia expressa nesta obra? Qual seria a narrativa 
possível da história imaginada desta obra?
18
 Linguagem Visual na HistoriograFia
FIGURA 4 – LA NOVIA QUE SE ESPANTA EN VER LA 
VIDA ABIERTA (1943), FRIDA KAHLO
FONTE: . Acesso em: 6 nov. 2019.
A obra de Frida Kahlo analisada anteriormente faz referência a um padrão 
artístico chamado natureza morta. Talvez muitos/as o considerem pouco 
expressivo, com signos limitados. Bem por isso o elegemos para análise. La novia 
que se espanta en ver la vida abierta é um exemplo de como os elementos formais, 
aqui destacadamente as cores, as formas dissemelhantes e a composição dos 
objetos, aliam-se na formação de sentidos.
O movimento das folhas do abacaxi, por exemplo, e as cores vibrantes 
utilizadas na pintura transformam a obra em uma “natureza viva”, visto que 
estas características estão ausentes no gênero “natureza morta”. Essa é 
uma característica da pintora, presente em grande parte de sua obra, aqui se 
destacam as cores quentes, que fazem desta mesa de frutas uma imagem idílica 
dos trópicos. O caráter realista da imagem – a boneca retratada – contrasta com 
as frutas representadas. Do que a noiva-boneca estaria se escondendo ou com 
o que se espanta, como sugere o título da obra? Kahlo parece ter expressado 
Estágio V, recriação: A partir da ideia que a obra expressa, no seu 
entendimento, como você faria um trabalho na mesma linha deste La novia que 
se espanta en ver la vida abierta?
19
HISTÓRIA E LINGUAGEM VISUAL Capítulo 1 
através da exposição do interior suculento das melancias e do mamão as partes 
íntimas femininas, já que as frutas nos falam em uma linguagem provocativa, 
que sugere coisas ocultas. Neste sentido podemos sugerir que a noiva estaria 
preocupada com sua vida sexual de casada, situação desconhecida dada sua 
condição pueril, razão pela qual se encontra a espreitá-la com receio por cima da 
casca da melancia. 
Sugestão de fi lme: Frida (2002). No fi lme podemos acompanhar 
parte da produção artística da pintora mexicana pelo viés de 
sua biografi a. A obra fílmica permite compreender que seu estilo 
inconfundível de se autorretratar emergiu de uma vida de sofrimentos, 
tanto físicos quanto emocionais.
Maria Helena Wagner Rossi (2003) propõe a terceira metodologia de leitura 
de imagens que vamos atentar e provar. Pautada na noção de desenvolvimento 
ou de níveis de compreensão estética no qual oscilam apreciadores de diferentes 
idades em graus ascendentes de complexidade e sofi sticação, a autora sustenta 
que não é o indivíduo em si que se caracteriza por um ou outro nível, mas as 
ideias que expressa em relação à apreensão estética. Rossi destaca a não 
linearidade do pensamento estético, já que as formas tomadas pela linguagem 
visual são menos sequenciais, mais holísticas e orgânicas do que as outras 
formas de conhecimento.
Dentre tantas contribuições que se desenvolveram com base na teoria 
de Housen e Parsons, a de Rossi se destaca por considerar que os níveis 
de apreensão estética são válidos para diferentes produtos visuais e não 
apenas para obras de arte. Outro diferencial dos seus estudos se centra na 
crítica ao formalismo da leitura estética no Brasil, cujo predomínio no ensino das 
artes reduz o processo educativo a um roteiro pré-estabelecido de perguntas que 
desrespeita a construção individual da apreensão estética e dos seus sentidos.
Para desenvolver os níveis de compreensão estética de Rossi, selecionamos 
uma obra de Cindy Sherman na qual a técnica utilizada foi a impressão 
cromogênica em cores (fotografi a) realizada entre 2010 e 2012.
20
 Linguagem Visual na HistoriograFia
FIGURA 5 – SEM TÍTULO (2010-12), CINDY SHERMAN
FONTE: . Acesso em: 6 nov. 2019.
No julgamento estético que se situa no nível I, o leitor ou a leitora entende 
que a qualidade da imagem se defi ne pelos atributos do mundo representados, 
ou seja, aqueles que podem ser identifi cados e que foram “transferidos” para a 
obra pelo artista. Neste sentido, o artista é um copista, e quanto melhor a cópia, 
melhor a obra. Não há distinção entre o julgamento estético e o moral: aquilo 
que é condenável é percebido como esteticamente feio. Neste nível o leitor 
atenta para o tema, para as cores, para o realismo ou para a maestria do artista. 
Um apreciador hipotético de nível I qualifi caria a obra de Sherman como feia 
ou ruim, pois apresenta uma noiva e um chef,população marginalizada 
é crítico, denunciativo, triste, afi nal. Já o segundo fi lme foi produzido por membros 
da própria comunidade, embora orientados por cineastas e atores do Cinema 
Novo. Desse olhar de dentro resultaram histórias mais alegres, por um lado – 
demonstrando que a condição social marginal não elimina o riso e as traquinagens 
infantis, por exemplo, que são inerentes à condição humana – e complexas, por 
outro lado – evidenciando o contínuo acirramento das questões sociais no Brasil 
e a consequente complexifi cação das relações entre favela e sociedade.
O eixo histórico contribui para a compreensão dessas diferenças de 
abordagem. Enquanto o Cinema Novo encarava o cinema como uma forma 
de arte essencial para promover as transformações sociais desejadas pelos 
grupos progressistas, no século XXI, a sétima arte serve tanto ao entretenimento 
quanto à refl exão, sendo utilizada para dar voz a grupos cujas experiências são 
costumeiramente narradas a partir da concepção que outros atores sociais têm 
sobre eles. As diferenças dos eixos histórico e temático se expressam também no 
eixo formal. Em que pese a linearidade de ambas as narrativas e o predomínio 
de uma estética documental, o tom e a apreciação dos fi lmes são distintos entre 
si: no primeiro, prevalece a seriedade dotada pela fi lmagem em P&B e o aspecto 
precário e angustiante da vida na favela; no segundo, o humor alivia o peso da 
pobreza ao mesmo tempo em que as cores parecem destacar a complexidade 
das relações e das tensões.
138
 Linguagem Visual na HistoriograFia
FIGURA 1 – COURO DE GATO, CINCO VEZES FAVELA (1962)
FONTE: . Acesso em: 21 jan. 2020.
FIGURA 2 – ARROZ COM FEIJÃO, 5X FAVELA – 
AGORA POR NÓS MESMOS (2010)
FONTE: . Acesso em: 21 jan. 2020.
139
IMAGEM E ENSINO DE HISTÓRIA Capítulo 3 
3.2 CHARGES
 Ficha técnica
 Ano: 3º ano do Ensino Médio
 Tema: Ditadura Militar
 Produtos: charges
 Sugestões: no site pode-se realizar 
buscas por charges organizadas por autoria e data.
 Objetivo: analisar o período da ditadura militar brasileira segundo fatores 
econômicos, sociais, culturais e políticos; problematizar a memória 
acerca do período e os argumentos tendentes ao revisionismo do 
conhecimento histórico sobre ele.
 Questionário: quais elementos são responsáveis pelo humor em cada 
uma das charges reproduzidas? De que forma poderíamos sintetizar 
o que foi a ditadura militar em termos políticos, através das charges 
reproduzidas? Qual é a relação entre arquivos, ossadas e a ditadura 
militar? O que foram as Comissões da Verdade e por que elas foram 
instituídas? Por que há escárnio em relação ao ímpeto dos militares em 
“virar essa página da História”? Como explicar os números oriundos do 
“milagre econômico”? Por que a Anistia “à brasileira” dá lugar atualmente 
a um sentimento de injustiça em relação aos civis e de privilégio em 
relação aos militares? O que poderia signifi car que uma parte da 
população brasileira esteja a requisitar uma intervenção militar “avulsa” 
no tempo presente?
 Proposta avaliativa: como se trata de um tema recente da História do 
Brasil, para o qual há muita documentação disponível, há igualmente 
muitos elementos a serem trabalhados: os personagens, períodos, 
principais características, acontecimentos etc. Estas informações são 
relevantes para a compreensão de fenômenos sociais recentes, mas 
também costumam ser objeto dos exames de admissão para o Ensino 
Superior. Por isso sugerimos que a avaliação desse tema seja a 
construção de um mapa mental individual, material de estudo elaborado 
pelos próprios alunos que permite a incorporação de informações e 
nuances contínuas, além daquelas abordadas em aula.
O humor é um campo de atuação histórico da crítica social. Através da veia 
humorística o teatro zomba das convenções sociais, a televisão faz chacota com 
a política, o stand up parodiza personagens e acontecimentos da vida pública. 
Uma das manifestações mais populares do humor no Brasil são as charges, 
veiculadas pela mídia impressa periódica nacional desde o fi nal do século XIX. 
Atualmente sua produção ainda se dá nos jornais impressos, mas vem cada 
vez mais sendo apropriada pelas mídias eletrônicas, mais ágeis na produção e 
140
 Linguagem Visual na HistoriograFia
difusão de conteúdos e mais adaptadas à dinâmica da vida moderna. As charges 
se caracterizam por uma produção visual cujo conteúdo é político, crítico e 
humorístico, que ilustra uma percepção da realidade baseada em algum fato novo 
recente, por sua vez incluído em um fenômeno ou contexto mais amplo – uma 
declaração polêmica de parte de uma autoridade, uma saia justa vivida por um 
dirigente de futebol, por exemplo. 
Para os estudos históricos, as charges são chaves de apreensão da 
realidade, de uma realidade tal qual se mostra em perspectiva crítica. Nos 
últimos dez anos, a quantidade de charges que se produziu acerca da ditadura 
militar demonstra como o tema está envolto em polêmicas, sendo sua memória 
disputada por grupos sociais que a vivenciaram desde diferentes lugares. O 
Estado brasileiro tem sido, ao mesmo tempo, alvo e objeto desse tipo de críticas 
humoradas; ao passo que se decidiu pela abertura de investigações acerca das 
violências, torturas e assassinatos cometidos pelos gestores do Estado ditatorial, 
entre 1964 e 1985, os responsáveis por esses crimes não foram submetidos a 
sanções, como ocorreu em outros países latino-americanos. Temas como a 
Anistia, as Comissões da Verdade, a censura e as contranarrativas que colocam 
os militares no lugar de salvadores ou inocentes, ao invés de perpetradores de 
violências, foram os mais abordados por esse tipo de produção visual.
Em relação ao lugar de produção das charges, seria interessante abordar 
com os/as alunos/as a questão da autoria, para além do veículo no qual a imagem 
é reproduzida. A maior parte dos chargistas e ilustradores brasileiros trabalha com 
contrato de liberdade produtiva, já que as corporações midiáticas ressaltam que 
as colunas assinadas não refl etem necessariamente a opinião dos proprietários/
editores dos jornais. Assim, um jornal de orientação liberal pode ter entre seus 
colaboradores tanto um chargista politicamente identifi cado como conservador, 
como um de viés comunista, por exemplo, sem que isso signifi que que o veículo 
compartilha dos sentimentos e das impressões desses colaboradores. No entanto, 
parece necessário pontuar que as perspectivas críticas em relação à ditadura 
militar e às narrativas revisionistas são um consenso entre setores progressistas 
de direita, de centro e de esquerda, já que estão sustentadas por evidências 
históricas e documentais inquestionáveis (Figura 3)
À medida que a ditadura militar se encontra entre os temas principais dos 
revisionismos históricos – junto ao Nazismo e aos fascismos – o/a professor/a, 
ao abordar esse período, deve saber lidar com a contraditoriedade que o tema 
suscita no tempo presente. Recorremos muitas vezes a análises maniqueístas 
da História com vias a salvaguardar uma dada concepção acerca de uma 
experiência do passado. Um exemplo disso seria demonstrar como o período da 
ditadura foi ruim na sua totalidade, a fi m de não deixar lugar a dúvidas quanto 
à impossibilidade de revisitá-lo positivamente. Ora, mesmo quando lidamos com 
141
IMAGEM E ENSINO DE HISTÓRIA Capítulo 3 
períodos históricos marcados por grandes tragédias, como as guerras ou as 
catástrofes ambientais, as pessoas que ali viveram seguiram com as suas vidas, 
estando esse viver certamente permeado por uma infi nidade de sentimentos que 
não cabem no “bom ou ruim”. Conseguir distinguir processos de crescimento, 
desenvolvimento ou que geraram resultados satisfatórios nãoé incompatível com 
a reiteração da repressão vivida no período, da censura, do cerceamento das 
liberdades e das práticas de extermínio de alguns grupos por parte do Estado 
ditatorial.
Outro problema para o qual as charges comportam valiosas contribuições 
– por apresentarem um cenário complexo a partir de uma única imagem e sua 
breve narrativa – é a comparação que se faz atualmente entre os números do 
crescimento do país durante o regime militar e as práticas autoritárias, que alguns 
grupos têm associado numa relação de condicionalidade. Ou seja, desqualifi cando 
os grupos que se mobilizaram em torno da retomada da democracia, alguns 
setores sociais buscam legitimar o uso da violência como condição através da 
qual se conquistaram números positivos, por exemplo, na economia, durante o 
período do chamado Milagre Econômico (1969-1973). No entanto, assim como 
esse dado é falacioso, também o “milagre” fora desmentido e “explicado” por 
economistas. De qualquer forma, visões de conjunto do que foram os anos sob 
o comando dos generais-presidentes são necessárias para que se compreenda 
o projeto de país levado a cabo pela ditadura e para que se desenvolva um olhar 
crítico em relação ao chamamento das forças armadas a atuar em questões 
políticas ou de segurança (Figura 4).
Faz-se de suma importância, portanto, ao abordar o período da ditadura 
militar, situá-lo enquanto momento histórico de gestão do Estado brasileiro pelas 
forças armadas, que corresponde ao recorte de vinte e um anos, sumariados da 
seguinte forma: regime orientado discursivamente à oposição do comunismo; 
conservador nos costumes; vinculado à setores da Igreja Católica, civis e 
empresariais que promoveram sua ascensão; regido por apelos ao nacionalismo, 
à construção de obras que simbolizassem o “Brasil Grande”, mas empenhado 
na sua abertura ao capital estrangeiro; utilizou a censura, a tortura, a repressão 
e outras práticas que feriam as liberdades individuais como instrumentos de 
controle social; fortaleceu setores empresariais através de subsídios, incentivos 
e isenções que contribuíram para o sentimento de que a economia crescia como 
em um “milagre”; operou a precarização das condições de vida dos trabalhadores 
mais pobres através da alteração das modalidades de pagamento de benefícios 
por tempo de serviço; concentrou riquezas dos cofres públicos sob a justifi cativa 
de “fazer crescer o bolo para depois repartir”; arquitetou instituições e programas 
de auxílio e assistência social que não davam conta de abarcar mais do que 
uma pequena parte das famílias que a cada ano ingressavam nas fi leiras da 
marginalização social etc.
142
 Linguagem Visual na HistoriograFia
Atividade de estudo: Seria interessante que os acadêmicos 
pudessem elaborar o próprio mapa mental acerca do conteúdo 
abordado: a Ditadura Militar. Esse esboço serve tanto de modelo “do 
professor” para avaliar aquele confeccionado pelos alunos, quanto 
síntese que pode orientar a aula sobre a temática. Outra proposta 
seria a realização de uma pesquisa que mapeie quais são os temas 
mais recorrentes no universo social acerca da Ditadura; quais são os 
veículos que abordam a temática de forma crítica; quais sugerem a 
sua relativização; como as charges aparecem e com que frequência 
em relação a essa temática etc. De forma a se organizar a totalidade 
Importa que abordemos com os/as alunos o contexto de produção da Anistia 
como um novo pacto social, o qual possibilitou a saída dos generais do cenário 
político e a retomada da democracia representativa. No entanto, sob condições 
históricas desfavoráveis e no ímpeto de colocar um fi m no período ditatorial, 
acedeu-se a uma proposta de Anistia favorável aos militares, perpetradores 
de violências institucionalizadas pela máquina do Estado, que tiveram seus 
crimes “perdoados”. A existência de grupos organizados, armados ou não, que 
se levantaram contra a ditadura e que também seriam perdoados pelas ações 
cometidas foi a justifi cativa da Anistia ampla, geral e irrestrita. Mas, mensurando 
as práticas de ambos os lados, fi ca claro que eles não eram equivalentes, seja 
em quantidade, seja em força, o que justifi ca o sentimento de injustiça de parte 
das inúmeras famílias cujos membros “desapareceram” durante a ditadura e que 
ainda aguardam o reconhecimento de que elas foram, de fato, assassinadas 
pelas forças a cargo do Estado (Figura 5). 
As conclusões das comissões da verdade criadas em todo Brasil durante a 
segunda década do século XXI, por exemplo, são fontes interessantes de serem 
abordadas em complementariedade às charges. Os testemunhos coletados, 
cruzados com fontes documentais de diferentes tipos que sobreviveram a sua 
sistemática destruição por parte das Forças Armadas possibilitaram a construção 
de dados confi áveis em relação ao número de desaparecidos, mortos, torturados 
e a sua vinculação ou não com grupos de resistência (Figura 6). Seria interessante 
que o/a professor/a discutisse o mérito da existência dessas organizações, já que 
a liberdade é um dos preceitos fundamentais dos Direitos Humanos. Ainda mais 
importante seria situar a repressão, a censura e os desaparecimentos enquanto 
práticas oriundas das forças do Estado que não se voltaram exclusivamente 
àqueles que estiveram envolvidos com atividades “subversivas” - conforme eram 
designadas as organizações contrárias ao regime. 
143
IMAGEM E ENSINO DE HISTÓRIA Capítulo 3 
Sugestão de leitura: FICO, Carlos. Versões e controvérsias sobre 
o golpe de 1964 e a Ditadura Militar. Revista Brasileira de História, 
v. 24, n. 47, pp. 29-60, 2004. Disponível em: . Acesso em: 21 jan. 2020. Nesse 
texto o historiador expõe algumas das mais importantes correntes 
historiográfi cas acerca da ditadura, confrontando essa produção em 
relação a questões como consenso, censura e repressão política.
dos acadêmicos, para que não repitam as mesmas pesquisas, os 
resultados podem ser compartilhados. Dessa atividade pode resultar 
ainda um pequeno acervo coletivo de charges e seu lugar de 
produção para serem trabalhadas em sala de aula.
FIGURA 3 – O NEGACIONISMO DEMAGÓGICO 
DOS MILITARES E SEUS APOIADORES
FONTE: . Acesso em: 21 jan. 2020
144
 Linguagem Visual na HistoriograFia
FIGURA 4 – TEMPO PRESENTE E DISPUTAS DE 
MEMÓRIA EM RELAÇÃO À DITADURA MILITAR
FONTE: . Acesso em: 21 jan. 2020.
FIGURA 5 – AS COMISSÕES DA VERDADE NO BRASIL
FONTE: . Acesso em: 21 jan. 2020.
145
IMAGEM E ENSINO DE HISTÓRIA Capítulo 3 
FIGURA 6 – A CONTROVERSA LEI DA ANISTIA NO BRASIL
FONTE: . Acesso em: 21 jan. 2020.
3.3 HISTÓRIAS EM QUADRINHOS
 Ficha técnica
 Ano: 9º ano do Ensino Fundamental
 Tema: Guerras Mundiais
 Produtos: Histórias em Quadrinhos (HQs) + Cinema
 Sugestões: 1) ORIGENS DOS HERÓIS. Rio de Janeiro: Ebal, n. 03. jul./
ago. 1975 (quadrinhos protagonizados pela Mulher Maravilha, Batman e 
Capitão América); 2) Mulher Maravilha (2017). Dir.: Patty Jekins (cinema).
 Objetivos: analisar de forma crítica as duas guerras mundiais e o período 
entre guerras, problematizando parte da produção cultural oriunda 
do período e aquela que o aborda: os simbolismos, os instrumentos 
de persuasão e as narrativas vencedoras irradiadas/inerentes às HQs 
e ao cinema que as apropriou. Atentar para os desdobramentos dos 
personagens ao longo da segunda metade do século XX e início do XXI, 
trajetórias que abordam visões, por um lado, acerca do lugar ocupado 
pelosEstados Unidos nesses processos históricos, e por outro, sobre o 
cinema de massas produzido no país.
 Questionário: quais fenômenos podemos elencar como decisórios para 
a consolidação da hegemonia norte-americana no século XX? Qual é a 
146
 Linguagem Visual na HistoriograFia
relação entre a escalada estado-unidense no panorama internacional e a 
Primeira Guerra Mundial? Que acontecimentos marcaram cada uma das 
Guerras Mundiais e quais foram as suas características? Quais questões 
prevalecem na memória histórica contemporânea como determinantes 
para o estopim da Primeira Guerra, em 1914, e da Segunda Guerra, em 
1939? Há traços de continuidade entre estas questões? De que maneira 
os super-heróis criados pelas HQs norte-americanas contribuíram para a 
consolidação de uma perspectiva da História em que os EUA possuem 
papel protagônico? Como podemos relacionar a alteração do cenário 
em que se passa o fi lme da Mulher Maravilha (2017) e os quadrinhos 
originais da personagem (1942)? Que problemas podemos evidenciar na 
utilização isolada seja das HQs, seja do cinema da franquia Marvel, para 
a compreensão dos períodos históricos abordados por esses produtos?
 Proposta avaliativa: Pode-se lançar mão justamente da grande 
quantidade de conteúdos sobre os super-heróis, assim como de 
comentários e críticas dessas obras disponíveis em diversos tipos de 
mídia, para elaborar um roteiro de estudos dirigidos com questões e 
atividades que, através do auxílio de textos e outros materiais de apoio 
indicados pelo/a professor/a, possam conduzir uma análise das HQs e 
suas releituras fílmicas. Esse instrumental avaliativo tem a vantagem 
de estabelecer objetivos bastante defi nidos ao mesmo tempo em que 
consegue conservar um caráter “aberto”, com pesquisas e utilização de 
outras fontes e produções que sejam da preferência ou do conhecimento 
dos/as alunos/as.
Por se tratar de produções visuais diversas, que foram criadas há quase um 
século e ainda seguem sendo produzidas e reproduzidas até os dias de hoje, as 
HQs como recurso didático nas aulas de História se inserem em dois sentidos: 
como fonte através da qual podemos conhecer aspectos do período histórico em 
que o quadrinho foi criado e como testemunho das leituras que os fenômenos 
históricos em questão suscitaram em períodos posteriores. Nesse sentido 
podemos utilizar, por exemplo, as HQs de super-heróis para abordar conteúdos 
como o período que envolve as guerras mundiais e, conforme temos proposto, 
de maneira aliada a outro tipo de linguagem – o cinema – refl etir sobre o lugar 
ocupado no tempo presente por temas como imperialismo, nazismo, socialismo, 
capitalismo, dentre outros.
147
IMAGEM E ENSINO DE HISTÓRIA Capítulo 3 
FIGURA 7 – MULHER MARAVILHA ATRAVESSA AS TRINCHEIRAS 
DA PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL, EM FILME DE 2017
FONTE: . Acesso em: 21 fev. 2020.
Tomemos a personagem da Mulher Maravilha, que foi originalmente criada 
no contexto da Segunda Guerra Mundial. Se as fontes históricas utilizadas em 
sala de aula forem as primeiras HQs da personagem, elas remeterão a esse 
período. No entanto, quando da sua adaptação para as telas de cinema em 
2017, os/as produtores/as resolveram modifi car a trama para a Primeira Guerra 
Mundial, com a justifi cativa de que tal cenário seria mais semelhante ao momento 
global atual. Essa perspectiva vai ao encontro das ideias de pensadores como 
o fi lósofo Alan Badiou, que no mesmo ano concedeu uma entrevista em que 
comparava a geopolítica atual ao contexto da véspera da Primeira Guerra Mundial 
(veja-se a seguinte matéria: Geopolítica atual lembra véspera da Primeira Guerra 
Mundial, Folha de São Paulo, 2017. Disponível em: . Acesso em: 21 fev. 2020).
Temos aqui não apenas uma possibilidade de abordar um tema específi co em 
História, mas ao mesmo tempo nos aproximarmos de questões como geopolítica 
contemporânea (em diálogo com a disciplina de Geografi a). Sobre o fi lme em si, 
há a interessante representação de alguns elementos que marcaram o confl ito em 
questão, com destaque para a guerra de trincheiras, oportunidade ímpar para que 
os/as alunos/as criem uma imagem mental sobre algo tão abstrato. Além disso, 
o enredo se desenrola através de uma suposta perda da fé na humanidade por 
parte da heroína. A partir dessa refl exão, podemos conduzir uma interpretação da 
Primeira Guerra Mundial através da leitura que o historiador Eric Hobsbawn (1995) 
148
 Linguagem Visual na HistoriograFia
faz acerca do período. Para Hobsbawn, esse fenômeno histórico representou o 
fi m da Belle Époque, período de crença no progresso universal e de otimismo 
em relação ao futuro, que marcou o fi nal do século XIX e o início de uma Era de 
Extremos, com as grandes guerras e confl itos radicais que se desdobrariam ao 
longo do século XX.
As HQs do Batman e do Superman, por sua vez, permitem abordar a Crise 
de 1929 e a Grande Depressão econômica vivenciada no período entre guerras, 
momento em que esses personagens foram originalmente criados. O Superman 
pode ser utilizado para discutir a descrença no sistema capitalista e a tentativa, 
em contraposição, de construção de um imaginário de solidez da economia 
dos EUA; certamente uma solidez mais almejada do que disponível naquela 
ocasião, mas que também exercia a função de recuperar a autoestima dos norte-
americanos. Já o personagem Batman é construído a partir dos dilemas entre 
desigualdade social e criminalidade, especialmente das divergentes perspectivas 
de compreensão da relação entre indivíduo e sociedade, ensejando um diálogo 
interdisciplinar com a Sociologia – no caso de o tema ser trabalhado no Ensino 
Médio. 
Até que ponto Batman é um simples justiceiro – à margem da lei – que pune 
outros criminosos e até que ponto é um fi lantropo milionário que compreende 
os condicionamentos negativos a que estão submetidas as pessoas menos 
abastadas ou até excluídas da sociedade, é um dilema que perpassa o 
personagem em várias HQs, mas também as adaptações do personagem para 
o cinema, como na trilogia dirigida pelo cineasta Christopher Nolan ou no fi lme 
Batman Vs. Superman (2016). Em termos de currículo escolar pode-se trabalhar 
ainda, nesse sentido, o desenvolvimento do Estado de Bem-Estar Social como 
alternativa ao liberalismo econômico, assim como o desmantelamento neoliberal 
contemporâneo, tema cuja abordagem pode ser realizada através de recortes do 
fi lme Coringa (2019).
149
IMAGEM E ENSINO DE HISTÓRIA Capítulo 3 
FIGURA 8 – BATMAN E CORINGA EM “A PIADA MORTAL” 
(2011), DE ALAN MOORE E BRIAN BOLAND
FONTE: . Acesso em: 21 fev. 2020.
Em relação ao Nazifascismo e à Segunda Guerra Mundial, as HQs do Capitão 
América representam um dos materiais mais privilegiados. Historicamente, 
o próprio herói nasce com a função de ser também uma propaganda de 
guerra durante o confl ito contra os nazistas, muitas vezes representados pela 
organização fi ctícia da Hydra. No entanto, o mais interessante de Capitão 
América é o seu caráter refl exivo propiciado pela reprodução continuada dos 
mesmos personagens ao longo da história. No fi lme O primeiro vingador (2011), 
por exemplo, o super soldado aprimorado em laboratório é inicialmente utilizado 
apenas nas campanhas de alistamento, até que um dado acontecimento o 
coloca de fato na guerra. Esse é um aspecto em relação às HQs que deve ser 
explorado em sala de aula, em especial essa do Capitão América: elas podem ser 
concebidas como fonte histórica, mas como uma fonte que requer um questionário 
150
 Linguagem Visual na HistoriograFia
crítico na medida em que seu surgimento está ligado a todo umesforço de guerra 
que envolvia inclusive propaganda junto à população civil e justifi cativas perante a 
comunidade internacional. 
O exposto acima não signifi ca que haja uma correlação direta e contínua 
entre a indústria cultural e os interesses de Estado. Até recentemente, um link
no site ofi cial da Hydra, mantido pela editora Marvel, conduzia o/a internauta 
diretamente para a página ofi cial do presidente Donald Trump, insinuando que o 
inimigo/nazista agora seria o próprio líder dos EUA (ver: Marvel alfi neta Trump em 
ação promocional da saga, Jovem Nerd, 2017. Disponível em: . Acesso em: 21 fev. 2020). Da mesma forma, as últimas HQs do Capitão 
América, um dos super-heróis que melhor representa o patriotismo estadunidense, 
vem levantando questionamentos sobre uma suposta identifi cação com o ideário 
nazista (ver a seguinte matéria: Capitão América sempre foi um vilão, confi rma 
Marvel Comics, Zero Hora, 2017. Disponível em: . Acesso em: 21 fev. 2020). 
Em suma, as possibilidades de utilização das HQs nas aulas de História, 
em particular a dos super-heróis, são vastas. Elencamos aqui algumas 
possibilidades, mas o número de elementos que não foram mencionados, seja 
pela quantidade ou pela longevidade das obras, seja pela abrangência de temas 
e contextos históricos que os envolvem, são praticamente infi nitos. Cabe ressaltar 
que, em termos interdisciplinares, pode-se estabelecer ainda uma rica articulação 
com a disciplina de Filosofi a e a temática da indústria cultural, por exemplo. 
Interdisciplinarmente, ainda, um paralelo com a cultura de massa característica 
de períodos como a Era Vargas certamente proporcionará signifi cativas refl exões 
sobre a conjuntura política e econômica da sociedade brasileira e mundial de 
meados do século XX, se a aula for conduzida de maneira crítica em relação a 
essa produção.
151
IMAGEM E ENSINO DE HISTÓRIA Capítulo 3 
FIGURA 9 – HITLER E O CAPITÃO AMÉRICA EM QUADRINHO DE 1941
FONTE: . Acesso em: 21 fev. 2020.
Os acontecimentos que constituem o período 1914-1945 – as duas guerras 
mundiais e o período entre guerras – estão entre os mais importantes para a 
compreensão do mundo na segunda metade do século XX. São fenômenos que 
abrangem fatores econômicos, políticos e culturais, e que se vinculam à noção 
de geopolítica, absolutamente transformada pelas guerras. Seria interessante 
que vocês, acadêmicos, pudessem fazer uma “descrição” do mundo antes 
de 1914 e depois, pontuando como ele se encontrava reconfi gurado no pós-
1945. Esse exercício objetiva que construamos uma síntese didática do cenário 
internacional que subsidiará a preparação das aulas e do questionário com o qual 
as conduziremos acerca do período.
Por mais preparados que estejamos para realizar uma leitura crítica de 
produtos culturais como aqueles oriundos do cinema hollywoodiano, por exemplo, 
nunca é demais lembrar que a imagem em movimento, super produzida, que 
envolve nossos sentidos e nossas emoções, tem o poder de nos convencer e, 
inclusive, fazer com que questionemos nosso olhar enquanto críticos de uma 
hegemonia econômica, cultural e simbólica que é a razão pela qual os Estados 
Unidos e o seu modo de vida suscitam encanto e admiração entre alguns de 
nós. Estamos sendo demasiadamente críticos com aqueles que, afi nal de 
contas, cumpriram papéis tão importantes nos acontecimentos chave do século 
XX? Não seria, de fato, a produção cultural norte-americana a maior e a mais 
adequada a ser seguida, como um guia que nos conduzirá a um novo estágio 
civilizatório? É claro que as respostas para essas questões, propositadamente 
estereotipadas, não são afi rmativas. Os Estados Unidos, lembremos, atuaram 
nas Grandes Guerras Mundiais segundo uma lógica e interesses próprios. Sua 
versão da História e sua fi losofi a ideológica, expressas de maneira naturalizada 
pelo cinema de heróis e heroínas, não são senão olhares subjetivos e parciais 
152
 Linguagem Visual na HistoriograFia
Sugestões de sites: Os sites sugeridos a seguir podem ser 
utilizados como ferramentas pelo/a professor/a no momento da 
elaboração de aulas com recursos visuais, sobretudo HQs. Além de 
referências às obras originais, edições brasileiras e diversas HQs 
para download, as páginas webs também disponibilizam resenhas 
de livros, fi lmes e notícias veiculadas pela imprensa brasileira, 
relacionada às HQs. As sugestões são as seguintes páginas: Guia 
dos quadrinhos - e Plano 
Crítico - .
Atividade de estudo: Como as HQs são produtos visuais de 
linguagem e suportes específi cos, sugerimos que os acadêmicos 
leiam e resenhem o livro Como usar as histórias em quadrinhos na 
sala de aula de Angela Barbosa et al., 2014. Além de um capítulo 
específi co sobre o ensino de História, o livro contempla a utilização de 
HQs em outras disciplinas, como língua portuguesa, artes e geografi a, 
além de fornecer insights sobre propostas interdisciplinares. Essa 
atividade pode abarcar o período da disciplina Linguagem Visual na 
Historiografi a e além. As propostas resultantes dessa leitura podem 
ser compartilhadas pelos acadêmicos nos fóruns e/ou grupos nas 
redes sociais.
acerca de acontecimentos nos quais se colocam como tal – salvadores, bem 
feitores, condutores da democracia e da paz mundial.
153
IMAGEM E ENSINO DE HISTÓRIA Capítulo 3 
3.4 MAPAS
 Ano: 7º ano do Ensino Fundamental
 Tema: Grandes Navegações
 Produtos: mapas históricos
 Objetivo: compreender o empreendimento realizado pelas nações 
que impulsionaram as grandes navegações entre o fi nal do século XV 
e começo do XVI, as visões de mundo dos homens e mulheres que 
habitavam este espaço-tempo e como elas foram transformadas pelo 
encontro com novos territórios e populações.
 Questionário: sob quais perspectivas cada um dos mapas foi elaborado? 
Qual é a relação entre as visões de mundo da época da produção 
dos mapas e a representação dos territórios? Quais são os elementos 
pictóricos representados em cada uma das imagens? O que esses 
elementos informam sobre o seu lugar de produção? Quais eram as 
possíveis funções exercidas pelos mapas quando foram produzidos, 
além da sua utilidade evidente? Há equívocos, por exemplo, de forma ou 
escala nos mapas reproduzidos? Por quais possíveis razões?
 Proposta avaliativa: a atividade prevista para essa temática deve ser 
realizada em conjunto com a disciplina de Geografi a e consiste na 
elaboração de um mapa cartográfi co que aborde elementos físicos, 
geográfi cos, históricos e simbólicos da espacialidade retratada. Na 
avaliação do produto fi nal, devemos levar em consideração tanto o 
correto uso da escala, coordenadas e posição quanto a imaginação e a 
criatividade dos elementos incorporados. O espaço-tempo representado 
pode ser real ou fi ctício. 
Ainda que a especialidade da disciplina de História seja o tempo, uma 
dada temporalidade sempre está relacionada também, necessariamente, a 
uma certa espacialidade. Por isso, as representações espaciais, sobretudo os 
mapas, constituem um importante tipo de linguagem que pode ser utilizado em 
sala de aula. É certo que as técnicas cartográfi cas não se restringem apenas 
à representação de uma imagem. No caso dos mapas históricos, eles aportam 
elementos que podem contribuir para a compreensão do período no qual ele foi 
produzido e acerca da visão de mundo daquela sociedade. Além disso, é uma 
ótima possibilidade de realizar diálogos interdisciplinares com a professora ou o 
professor de Geografi a. 
Já nos primeiros conteúdos do currículo, que via de regra estãoorganizados 
cronologicamente, pode-se utilizar mapas para representar, por exemplo, que a 
expansão territorial dos homo sapiens é um fenômeno de dimensões globais, 
154
 Linguagem Visual na HistoriograFia
mesmo que observando particularidades como o fato da África ser considerada o 
“berço da humanidade” e a América, o último continente a ser povoado. Também 
na passagem para a Antiguidade, o longo processo que vai da Revolução Agrícola 
ao surgimento das primeiras civilizações ocorre no interior de uma temporalidade 
semelhante em lugares tão distantes como o norte da África, o Oriente Médio, a 
Europa, o Extremo Oriente, a América Central e os Andes. Contudo, é importante 
ressaltar junto aos alunos/as que se datações que muitas vezes conservam 
milênios de diferença podem ser classifi cadas como pertencentes a um mesmo 
período histórico é porque as escalas de tempo utilizadas na chamada “Pré-
história” ou na Idade Antiga são muito diferentes daquelas empregadas em 
tempos mais recentes, como a Idade Contemporânea – cujos processos podem 
ser acompanhados mais “de perto”, ano a ano, por exemplo. Nesse ponto, uma 
analogia com as escalas espaciais estudadas pelos/as alunos/as em cartografi a 
costuma ser um recurso interessante para conceber as várias dimensões 
temporais da História.
FIGURA 10 – MAPA O-T, DE LA FLEUR DES HISTOIRES, 1459-1463
FONTE: . Acesso em: 23 fev. 2020.
155
IMAGEM E ENSINO DE HISTÓRIA Capítulo 3 
É especialmente na passagem da Idade Média para a Idade Moderna que 
podemos recorrer aos mapas históricos enquanto recurso visual que oferece 
possibilidades didáticas de destaque. Em primeiro lugar, deve-se chamar a 
atenção para o fato de que, nesse momento, os mapas sobre a Idade Média ou já 
desde a Antiguidade Clássica deixam de ser globais e começam a se concentrar 
cada vez mais na Europa e nos entornos do Mar Mediterrâneo, oportunizando 
abordar as limitações da abrangência geográfi ca de fenômenos históricos como 
o feudalismo, acusando a tendência ao eurocentrismo na medida em que nos 
aproximamos da Era Moderna. Em segundo lugar, podemos aproveitar esses 
documentos históricos para abordar as transformações radicais na visão e no 
conhecimento do mundo ocorridas na sociedade europeia nesse curto intervalo 
de tempo. 
Na Figura 10, temos um mapa do século XV, por exemplo, no qual estão 
apenas os três continentes conhecidos pelos europeus até então. Além disso, há 
uma representação plana da Terra e não esférica. A visão teocêntrica do mundo 
fi ca evidenciada pela presença de vários elementos mítico-religiosos, como a 
Arca de Noé e a narrativa do repovoamento do mundo pelos seus três fi lhos: Sem 
(Ásia/alto), Jafé (Europa/esquerda) e Can (África/direita). O/a professor/a pode 
ponderar que se trata de uma interpretação muito particular e preconceituosa da 
passagem bíblica na qual Noé teria condenado os descendentes de Can a serem 
servos dos seus irmãos. Esse foi um dos argumentos utilizado durante muito 
tempo para legitimar a escravidão moderna dos povos africanos, tema abordado 
mais adiante no currículo escolar.
Já no planisfério do início do século XVI (Figura 11) temos uma representação 
global da Terra, possibilitada ao mesmo tempo pela experiência das Grandes 
Navegações – nesse caso portuguesas – e pelo desenvolvimento das técnicas 
cartográfi cas. Atentemos, no entanto, para o fato de que se trata de um ponto 
de vista europeu sobre as demais partes do mundo por eles “descobertas”, 
produzindo uma imagem condicionada por relações de poder que se refl etem na 
centralidade e no destaque que o continente europeu possui nesse mapa. É claro 
que o tempo não é linear, tampouco a história pode ser vista como uma sucessão 
de distintas etapas com fronteiras rígidas. A visão religiosa do mundo continuou 
sendo utilizada para signifi car o mundo durante muito tempo e, de certa forma, 
podemos dizer que ela segue importante até os dias atuais. Porém, observe-se 
como a comparação entre os dois mapas pode ilustrar aquilo que frequentemente 
é descrito como o “desencantamento do mundo” que ocorre na modernidade, 
na medida em que uma concepção teocêntrica dá lugar a uma representação 
racional do espaço.
156
 Linguagem Visual na HistoriograFia
FIGURA 11 – O PLANISFÉRIO DE CANTINO, 1502 (PORTUGAL) 
FONTE: . Acesso em: 23 fev. 2020.
O mapa Terra Brasilis de 1519 – também conhecido como Mapa Miller, nome 
do seu último proprietário – por sua vez, é uma fonte visual que traz informações 
importantes sobre diversos aspectos do início do período colonial. Dentre eles 
podemos destacar a exportação da cultura e das instituições modernas europeias 
para outras partes do mundo, mas que se dá de modo muito desigual, através 
de exploração colonial, como fi ca evidente na representação do pau-brasil 
como mercadoria obtida pelo trabalho forçado dos povos ameríndios. Mais 
especifi camente, esse mapa remete a um período particular da História do 
Brasil, muitas vezes chamado de pré-colonial, anterior à fi xação defi nitiva dos 
portugueses na América, o que está simbolizado na restrição das caravelas ao 
oceano. Além de recursos comerciais, a curiosidade pelo caráter exótico da fauna 
e pela fl ora também se destacam. 
É interessante abordar junto aos alunos/as aquela que é a característica 
singular dos mapas produzidos no período marcado pelas Grandes Navegações: a 
sua provisoriedade. A produção de mapas constituía o conjunto de conhecimentos 
cartográfi cos, que abrangia elementos físicos, geográfi cos e culturais, e requeria 
uma formação específi ca. Traduzindo as coordenadas topográfi cas daqueles 
que empreenderam viagens de reconhecimento, encargadas pelos monarcas 
dos Estados Absolutistas, os cartógrafos produziam mapas condicionados 
aos informes e às descrições resultantes dessas viagens. Assim, na Figura 10 
podemos verifi car a estabilidade do período medieval em relação à abertura 
dos horizontes espaciais. O mapa não apenas expressa, como há séculos, o 
conhecimento acerca de três continentes, como também está pautado em uma 
perspectiva teológica do território do mundo. Há, ainda, o predomínio do caráter 
157
IMAGEM E ENSINO DE HISTÓRIA Capítulo 3 
artístico em detrimento do geográfi co, além de uma evidente desproporcionalidade 
da terra fi rme em relação aos oceanos.
O mapa da Figura 11, nesse sentido, foi produzido em perspectiva 
oposta à medieval: datado de 1502, auge da expansão marítima, a terra foi 
representada como um planisfério com fronteiras abertas no caso do território 
da América do Sul; incompletas, no caso da parte superior da América do 
Norte; ou inexistentes, o que podemos observar pela união da África e da Ásia 
em um único supercontinente. O Planisfério de Cantino apresenta já algumas 
referências à fl ora e fauna nativa americana, expressa pela coloração em verde 
abundante (referência às fl orestas) e pelas araras. No mapa da Terra Brasillis a 
representação pictórica dos ameríndios, das onças, do pau-Brasil, bem como a 
já avançada designação do litoral brasileiro demonstra um conhecimento mais 
concreto acerca do território. No entanto, a imagem reproduz a fração conhecida 
do território como um todo homogêneo, denotando um equívoco seja porque a 
parte mais ao centro da “Terra Brasilis” não possuía as mesmas características 
daquelas encontradas no litoral, seja porque naquele momento os portugueses 
sequer haviam chego àqueles territórios. 
FIGURA 12 – MAPA TERRA BRASILIS, 1519 (PORTUGAL)
FONTE: . Acesso em: 23 fev. 2020.
158
 Linguagem Visual na HistoriograFia
Os mapas são documentos visuais interessantes para trabalhar com os/as 
alunos/as tambéma questão da conquista dos territórios encontrados no Novo 
Mundo. Ou seja, não passa despercebido que, sobretudo em Terra Brasilis, mas 
também noutros mapas encomendados pelos portugueses, a parte do território 
americano representada corresponde quase exatamente ao que havia fi cado 
determinado pelo Tratado de Tordesilhas como posse da Coroa Portuguesa. 
Representar as novas terras da Coroa de acordo com o tratado era uma forma 
simbólica de dispor sobre uma propriedade de direito para a qual não havia, no 
entanto, iniciativas que a assegurassem de fato. A exuberância dos elementos 
representados, seu caráter exótico ou o imaginário social presente nos elementos 
pictóricos dos mapas históricos geram muito interesse entre a faixa etária dos 
12-13 anos, daí que atividades que incorporem esse tipo de produtos visuais 
resultem em aulas dinâmicas e muito participativas.
Sugestão de site: Em é 
possível encontrar uma grande quantidade de mapas de diferentes 
procedências e períodos históricos. Cada mapa está acompanhado 
de uma breve descrição e contextualização, que oferece indícios ao 
professor/a para empreender pesquisas mais densas sobre eles.
Sugestão de fi lme: A franquia Piratas do Caribe (2003, 2006, 
2007, 2011, 2017) ilustra uma representação do mundo permeada 
pelos seres fantásticos que habitavam o imaginário europeu no 
período das grandes navegações, oferecendo também imagens 
acerca da produção de mapas e da consolidação ulterior do sistema 
colonial nas Américas.
159
IMAGEM E ENSINO DE HISTÓRIA Capítulo 3 
FIGURA 13 – DAVY JONES NO PÔSTER DE PIRATAS 
DO CARIBE 2, O BAÚ DA MORTE (2006)
FONTE: . Acesso em: 23 fev. 2020.
3.5 FOTOGRAFIAS
 Ano: 8º ano do Ensino Fundamental ou 2º ano do Ensino Médio
 Tema: Crise da monarquia e Proclamação da República
 Produtos: fotografi as
 Sugestões: o site Brasiliana Fotográfi ca reúne acervos fotográfi cos de 
várias instituições, podendo-se realizar buscas temáticas, por exemplo, 
pesquisando-se por “D. Pedro II” (ver: . Acesso em: 23 fev. 2020).
 Objetivo: analisar a derrocada do Império brasileiro sob perspectiva 
cultural, atentando para as especifi cidades do monarca e sua situação à 
frente do regime; situar o lugar das “questões” no advento da República, 
bem como seu caráter oportuno no contexto do fi nal da década de 1880.
 Questionário: qual é a representação predominante de Pedro II na 
memória histórica acerca dos anos fi nais da monarquia brasileira? Em 
que medida seu acervo pessoal de fotos revela um perfi l diferente ou 
160
 Linguagem Visual na HistoriograFia
uma outra face do imperador brasileiro? Que testemunhos oferecem 
essas imagens à compreensão do momento histórico vivido na década 
de 1880? Quais foram as questões decisivas ou relevantes para o 
advento da República no Brasil? E quais acontecimentos parecem haver 
sido o resultado de um contexto favorável a uma mudança cujos passos 
seguintes não haviam sido planejados? Há relações possíveis entre as 
imagens construídas – inclusive pela oposição – acerca de D. Pedro II e 
o imaginário da República como condição para o progresso?
 Proposta avaliativa: a sugestão de proposta avaliativa para esse tema 
consiste em duas etapas. A primeira, a cargo do/a professor/a, avaliará 
o domínio dos conteúdos e da perspectiva crítica das fontes, o que os/
as alunos terão a oportunidade de demonstrar através de seminários 
em que o tema central será subdividido em pontos específi cos, sob 
responsabilidade dos grupos formados para esse fi m. A segunda parte 
da avaliação se dará através de uma autoavaliação, em que os/as 
alunos poderão pontuar os pontos fracos de seu desempenho coletivo 
e individual, tomando a apresentação dos demais colegas/grupos como 
ponto de apoio para suas considerações pessoais.
Um dos temas mais importantes entre os conteúdos de História do Brasil, 
a crise da monarquia – que resultou na Proclamação da República – pode ser 
abordado de forma mais dinâmica do que como um conjunto de acontecimentos 
políticos encadeados. Não ignoramos o fato de que a importância desse processo 
histórico faz com que ele seja objeto de provas de admissão, como vestibulares 
e afi ns, mas também de concursos e testes seletivos para cargos variados. 
Há personagens, processos e fenômenos dos quais não podemos, portanto, 
prescindir nas aulas de História. No entanto, semeamos a seguinte proposta: 
podemos realizar uma leitura desse momento, que é fundamentalmente político, 
também pela perspectiva cultural e além, através de uma abordagem biográfi ca 
de um dos seus protagonistas. Nesse ímpeto, propomos analisar a crise do 
Império brasileiro através de fotografi as do acervo particular de D. Pedro II, 
podendo ser incorporados à análise outros documentos, como todo um conjunto 
de representações simbólicas que envolveu o imaginário de parte signifi cativa da 
sociedade brasileira no contexto de passagem do Império para a República.
Mesmo antes de abordar as “questões” políticas que tradicionalmente 
são apontadas como as responsáveis pela Proclamação da República, uma 
abordagem cultural das fotografi as do período, sobretudo ligadas à família 
imperial, pode ser interessante para demonstrar que o regime experimentava 
um longo processo de desgaste. Por um lado, as críticas ao monarca se 
acumulavam e o Império que ele regia parecia não ter herdeiros ao trono que 
gozassem de grande legitimidade, como era o caso tanto do conde D’Eu quanto 
161
IMAGEM E ENSINO DE HISTÓRIA Capítulo 3 
da princesa Isabel. Por outro lado, o reinado de Pedro II parecia ter características 
aparentemente contraditórias. Por um lado, era “esclarecido”, amante das artes, 
das viagens, da história, da tecnologia e possuía tendências políticas liberais, 
como fi ca evidente na criação do Conselho de Ministros em 1847, inspirado no 
regime parlamentarista inglês. Por outro lado, mantinha intactas as prerrogativas 
absolutistas do Poder Moderador, do qual frequentemente se utilizava para 
controlar as disputas de poder entre os partidos Liberal e Conservador. Alguns 
dos biógrafos de Pedro II, como Lilia Schwarcz (2014), chegam a sugerir que, 
se não fosse ele próprio o titular do trono, bem poderia haver sido republicano. 
Talvez esse descompasso entre seus posicionamentos políticos, seu espírito e o 
lugar que ocupava tenha se demonstrado no desdém que emanava do regime em 
relação aos seus símbolos e signos, já que a pompa e o requinte que caracterizava 
o Império – bandeiras, vestimenta, ornamentos em ouro, carruagens etc. – tudo 
andava um tanto desleixado nos últimos anos do monarca nos trópicos.
A historiografi a tradicionalmente costuma apontar que foram três questões 
específi cas a contribuir simultaneamente para o descrédito da instituição 
da monarquia. Em primeiro lugar está a relação entre republicanismo e 
abolicionismo. Os partidos republicanos vinham ganhando força na última 
década, com destaque para o Partido Republicano Paulista, fundado em 1873. 
Talvez então um aglomerado pouco signifi cativo de homens descontentes com 
o Império, além daqueles idealistas, mas de qualquer forma se tratava de uma 
força política que contestava pelas vias da legalidade o regime em curso. Alguns 
historiadores defendem que, não por acaso, o Partido Republicano fora criado 
pelos cafeicultores paulistas após e aprovação da Lei do Ventre Livre, dois anos 
antes, em meio às discussões sobre o processo de abolição da escravatura que 
já vinha se arrastando durante todo o século XIX, mas que se intensifi cou na 
década de 1870. 
O movimento abolicionista representava um enorme desgaste para o 
Império, pressionado que era pelos grandes produtores de café – a maior 
atividade econômica brasileira até então – a ressarci-los pelos milharesde 
africanos e afrodescendentes escravizados que seriam “expropriados”. Isso se 
deu justamente quando o Vale do Paraíba perdia força enquanto região produtora 
de café, dando lugar à ascensão dos cafeicultores do oeste paulista, que estavam 
no centro dos enfrentamentos com o Império. A cisão defi nitiva, por assim dizer, 
deu-se em 1888 com a abolição da escravatura, quando muitos senhores de 
escravos, contrariados, passaram a engrossar as fi leiras do republicanismo.
A nomeação do Visconde de Ouro Preto para a chefi a do gabinete 
ministerial, em meados de 1889, foi decisiva para a perda de apoio do Império 
entre setores conservadores da sociedade. As hostilidades crescentes entre o 
regime monarquista e o Exército, que não se sentia valorizado à altura de seus 
162
 Linguagem Visual na HistoriograFia
esforços na Guerra do Paraguai, acirraram-se com as punições sofridas por 
alguns militares, já que estavam proibidos por lei de se manifestarem em relação 
a assuntos políticos. Frente às tensões crescentes, o Visconde respondeu com o 
aumento dos poderes e das funções da Guarda Nacional – então uma força militar 
tímida, resquício dos tempos da regência – o que foi recebido como uma afronta 
entre as altas patentes militares. Estava colocada a “questão militar”, transmutada 
em questão política e social que pode ser sintetizada pela desconformidade do 
Exército em relação aos seus lugares e papéis sociais no regime monarquista.
A outra “questão”, a religiosa, possui hoje menos aceitação entre os/
as historiadores/as, mas continua a ser abordada com frequência pelos livros 
didáticos (BUENO, 2003). A tensão com a Igreja Católica surgiu de uma aparente 
banalidade, que se referia à vinculação do imperador Pedro II com a Maçonaria. 
A “questão” acabou envolvendo a fi gura do papa Pio XII em pessoa e gerou um 
desgaste signifi cativo à imagem do monarca. Contudo, o confl ito ocorrera cerca 
de 15 anos antes da Proclamação da República, sendo pouco provável que tenha 
galgado papel decisivo na derrocada do regime. Nesse âmbito, as fotografi as 
podem servir como gatilhos para pensar a relação entre homens bem relacionados 
na sociedade imperial e sua dupla identifi cação, como católicos e como maçons, 
e como isso, longe de representar um paradoxo, era uma prática ordinária.
As representações vitoriosas acerca da imagem de Pedro II como um velho, 
em que pese sua idade avançada no alvorecer da República, situam-no como 
um homem sonolento, de barbas longas, com hábitos antiquados; uma perfeita 
representação do passado do país, que se queria alterar. A oposição republicana 
soube bem utilizar essas imagens através de charges e acalorados debates na 
imprensa da época. Sabendo disso, nos cabe questionar junto aos alunos qual 
é o testemunho oferecido pelas fotografi as que compunham seu acervo pessoal, 
por exemplo: fi gura nelas um monarca ultrapassado, à imagem da falta de 
dinamicidade? Em parte, sim. Mas também podemos perceber, ao analisá-las, 
que o monarca se vestia com relativa simplicidade, ou melhor, com sobriedade. 
Não vemos que costumasse ostentar joias ou elementos que o identifi cassem 
como ocupante de um trono. Suas vestimentas são pretas na quase totalidade 
das fotografi as disponíveis. Na Figura 14 observamos sua preferência, nos 
últimos anos, pelas fotografi as informais, pelos retratos familiares, em detrimento 
dos protocolos com os quais conviveu toda a sua vida. Ainda assim, predomina 
sua postura costumaz: expressão séria, de pé, com as mãos para dentro do 
colete, essa última uma atitude ainda hoje utilizada por membros da monarquia.
163
IMAGEM E ENSINO DE HISTÓRIA Capítulo 3 
FIGURA 14 – FAMÍLIA IMPERIAL BRASILEIRA NA QUINTA 
DA BOA VISTA, RIO DE JANEIRO, 1889
FONTE: . Acesso em: 23 fev. 2020.
A Figura 15 faz parte de um conjunto de retratos oriundos de uma das viagens 
que o imperador fez ao Egito, em comitiva, em 1871. Entre as suas atividades 
favoritas estava viajar, mas também ser eternizado por fotografi as junto a cenários 
e artefatos culturais. Como se sabe, em meio à vasta coleção que foi tomada pelo 
fogo no Museu Nacional, em setembro de 2018, estava uma coleção de relevo 
de artefatos, objetos e inclusive, múmias, trazidas dessas expedições. A última 
de suas viagens como imperador fora um tour pela Europa e pela África que 
durou meses. Não foi uma viagem isolada, aliás, viajar era uma prática que há 
muito vinha deixando descontentes alguns setores sociais e políticos brasileiros, 
que reclamavam das ausências e da falta de iniciativa do monarca para resolver 
os confl itos internos – essa é outra nuance possível de abordar por meio das 
fotografi as de cunho pessoal do imperador.
A identifi cação de Pedro II com o Brasil, inquestionável inclusive para 
seus críticos, pode ser situada através da análise de um conjunto de retratos 
produzidos ao longo da vida. As pinturas são um tanto mais engessadas, com 
uma postura e símbolos específi cos do gênero artístico, mas as fotografi as, por 
sua vez, costumavam conter elementos de autoidentifi cação do imperador com a 
sua pátria, a exemplo da Figura 16. Nela percebemos que foi montado um cenário 
“típico” de fl oresta tropical para o registro fotográfi co. Nessa oportunidade, em 
164
 Linguagem Visual na HistoriograFia
1883, D. Teresa Cristina fora fotografada no mesmo ambiente. Não se trata do 
único retrato da família real com esse motivo, já que ao longo dessa década foram 
produzidas fotografi as individuais e coletivas em jardins e outros cenários ao ar 
livre. Sobre esta relação entre as tentativas de construção de uma identidade 
nacional brasileira ao longo do século XIX através da valorização de algumas 
paisagens naturais, o professor ou a professora de História podem fazer uma 
aproximação interdisciplinar com a disciplina de Língua Portuguesa e as aulas 
sobre o estilo literário do Romantismo.
FIGURA 15 – HÉLIOS (FOTÓGRAFO), COMITIVA IMPERIAL EM VIAGEM AO EGITO, 
COM D. PEDRO II AO CENTRO, APOIADO EM SEU GUARDA-CHUVA, 1871
FONTE: . Acesso em: 23 fev. 2020.
Em suma, as fotografi as de D. Pedro II em particular e as da família real de 
modo geral podem ser uma ótima oportunidade para utilizar esse tipo de recurso 
imagético como material didático. Até porque, em termos cronológicos, esse é um 
dos primeiros conteúdos curriculares de História do Brasil em que se pode recorrer 
a esse tipo de mídia, já que a própria técnica do registro fotográfi co é também 
uma novidade do século XIX que vai sendo apenas aprimorada nos períodos 
seguintes. Cabe lembrar ainda que essa abordagem é apenas uma das possíveis, 
apontando para uma dimensão cultural que, como vimos, atua em simultâneo às 
questões políticas mais comumente descritas pelos livros didáticos. Além disso, é 
preciso ressaltar que produções historiográfi cas mais recentes têm demonstrado, 
165
IMAGEM E ENSINO DE HISTÓRIA Capítulo 3 
numa perspectiva de cunho mais socioeconômico, a relação estruturante entre o 
sistema escravista e o regime político da monarquia que por ele era sustentado, 
colocando assim a crise do Império e de Proclamação da República no bojo 
de um processo maior e de longo prazo que culminou na Abolição em 1888. O 
mesmo site que sugerimos para consulta fotográfi ca acerca de Pedro II, Brasiliana 
Fotográfi ca, por exemplo, possui igualmente um rico acervo sobre a temática 
“escravidão” que poderá ser utilizado na sala de aula. Nesse sentido, pode vir 
a ser interessante trabalhar de forma casada ambas as temáticas, a da crise do 
Império.
FIGURA 16 – JOAQUIM INSLEY PACHECO (FOTÓGRAFO), 
PEDRO II, IMPERADOR DO BRASIL, 1883
FONTE:ca.bn.br/?p=7183>. Acesso em: fev. 2020.
166
 Linguagem Visual na HistoriograFia
Sugestão de leitura: CHIARELLI, Tadeu. História da arte/
História da fotografi a no Brasil - séc. XIX: algumas considerações. 
São Paulo: ARS, v. 03, n. 06, 2005. Disponível em: . Acesso em: 23 fev. 2020. Neste texto o autor propõe uma 
leitura da arte brasileira do século XIX em conexão com as culturas 
da modernidade, com destaque para as tecnologias da imagem. 
Realiza, nesse sentido, uma análise da imagem de Pedro II, que 
pode vir a embasar propostas de aula como a descrita acima.
4 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
Ao longo deste capítulo, que se dedicou a fazer diálogos entre imagens e 
ensino de História, reforçamos o postulado segundo o qual desaconselha-se o uso 
meramente ilustrativo de produtos visuais em sala de aula: se as consideramos 
linguagens, isso requer que estejamos atentos/as às maneiras pelas quais e 
através das quais apreendemos seu enunciado. Essa análise crítica das imagens 
como produtos oriundos de uma cultura, um lugar, um período e uma autoria, 
específi cos ou indiciários, pode embasar nosso planejamento das aulas de 
História, dos anos iniciais do Ensino Fundamental até o Ensino Médio e além, no 
Ensino Superior.
As propostas didáticas que utilizam produtos visuais como instrumentos na 
produção do conhecimento histórico escolar não são novas, vêm pelo menos 
há um século sendo implantadas, a título experimental, nas escolas brasileiras. 
Começamos a discussão desse capítulo por essa razão, tecendo comentários 
sobre alguns desafi os atuais enfrentados pela disciplina e pelos/as professores/
as que a conduzem. Na sequência, já que nos últimos vinte e cinco anos, para 
estabelecermos um recorte mais ou menos preciso, historiadores/as têm se 
dedicado a analisar a história do ensino de História através das imagens, 
analisamos, ainda que brevemente, como o livro didático costumou e costuma 
incorporar esses produtos ao processo de ensino-aprendizagem.
Lecionar a disciplina de História em contexto escolar é hoje qualquer coisa 
menos o intento de transposição de um conjunto de conteúdos do/a professor/a 
aos alunos, a fi m de fazê-los reproduzir esses conhecimentos. A História é uma 
disciplina que faz pensar a realidade, que exercita a criticidade, além, é claro, 
do seu caráter erudito, mas também poderoso em suscitar a curiosidade por 
167
IMAGEM E ENSINO DE HISTÓRIA Capítulo 3 
outras experiências humanas na Terra. Propusemos, ao longo desta disciplina de 
Linguagem Visual na Historiografi a, que as imagens, como produção humana que 
aporta um testemunho, inserem-se nas aulas segundo didáticas que “simulam” 
práticas de pesquisa. Simulam, entre aspas, porque nem sempre instigamos os 
alunos para que façam investigações sui generis. Mas conduzimos as aulas, 
isso sim, sempre, de forma que todo conhecimento e todo testemunho seja 
inquerido em relação a sua produção: se um fi lme, pintura ou retrato fotográfi co, 
questionamos quem produziu, com que fi nalidade, em que momento e contexto, 
quem fi nanciou, quais foram as infl uências, se há intertextualidade, quais são os 
lugares “de fala” etc. Assim demonstramos aos alunos/as, na prática, como os 
historiadores/as produzem conhecimento em História.
Na última parte do capítulo, propusemos temas e abordagens que podem ser 
trabalhados pelo/a professor/a a partir de produtos visuais específi cos: cinema, 
charges, HQs, mapas e fotografi as. Para cada um desses produtos, sugerimos 
a confecção de uma fi cha técnica que tem por objetivo, a princípio, mapear o 
conteúdo, os instrumentos e o roteiro das aulas. Nesse exercício acabamos, 
como professores/as, construindo um guia de muita valia para o nosso exercício 
profi ssional. Acerca das propostas apresentadas, gostaríamos de fazer, ainda, 
alguns comentários.
Em primeiro lugar, recordamos que o conteúdo curricular de História 
é trabalhado no Ensino Fundamental e em seguida retomado, com maior 
profundidade, no Ensino Médio, já que na faixa etária dos 15 aos 17 anos os/
as adolescentes possuem habilidades mais desenvolvidas, como o potencial 
de abstração, para lidar com os conhecimentos em discussão. Dessa forma, 
cada uma das aulas sugeridas pode ser adaptada, sobretudo em relação 
aos questionamentos norteadores, para um ou outro público. Nesse capítulo, 
preferimos apontar questões gerais e claro – nunca será demais dizer – as opções 
pelos produtos e pelas questões foram subjetivas e pautaram-se nas experiências 
vividas e compartilhadas com professores/as de História.
Em segundo lugar, como se trata de propostas, elas podem e devem 
ser aprimoradas pelo/a professor/a de acordo com o perfi l da turma, com as 
dinâmicas já provadas e com a eleição daqueles produtos visuais com os quais 
têm maior familiaridade. Nas propostas didáticas desse capítulo prevaleceram 
ora os comentários sobre o produto, ora as abordagens historiográfi cas. Seria 
interessante que cada uma dessas sugestões pudesse ser analisada por você, 
acadêmico, no seguinte sentido: o produto visual recomendado seria o mais 
adequado para abordar esta temática? Os questionamentos norteadores dão 
conta dos objetivos da aula? A proposta avaliativa é executável para a faixa etária 
indicada?
168
 Linguagem Visual na HistoriograFia
1) Acerca da utilização do cinema e demais produções 
audiovisuais em sala de aula, selecione a alternativa 
incorreta:
a) ( ) A escolha da obra e as formas de abordá-la se vinculam a um 
objetivo didático previamente estabelecido.
b) ( ) Dentre os objetivos da seleção de um produto audiovisual 
pode estar o entretenimento da turma e uma dinâmica 
diferenciada, mas não deve ser esse o objetivo a inspirar o/a 
professor/a a levá-lo para a sala de aula.
c) ( ) O produto audiovisual pode ser passado em sala para ilustrar 
ou complementar um tema já abordado, já que nesse caso 
serviria para cimentar conteúdos.
d) ( ) Ampliar os conhecimentos culturais dos/as alunos/as através 
de excertos de audiovisuais é uma proposta interessante, 
sempre que o produto seja problematizado e inquerido por um 
questionário qualifi cado.
2) Analise as seguintes afi rmações sobre a utilização de 
recursos imagéticos em sala de aula, assinalando aquela que 
melhor representa os conteúdos abordados nesta disciplina 
de Linguagem Visual na Historiografi a:
a) ( ) Produtos visuais chamam a atenção de meninos e meninas 
em idade escolar, esta é a principal razão pela qual o/a professor/a 
de História deve buscar inserir a visualidade nos estudos de 
História.
b) ( ) Utilizar imagens em sala de aula apenas para ilustrar vem 
perdendo lugar entre as propostas de professores e professoras 
de História, que se inclinam a propostas mais dinâmicas, como 
Em terceiro lugar e fi nalmente, sugerimos alguns textos, sites e fi lmes que 
podem tanto subsidiar a proposta das aulas quanto aperfeiçoar a abordagem do/a 
professor/a em relação a determinados temas. Há, para cada uma das sugestões, 
outras tantas, que não foram incorporadas para não os aturdir de tanto conteúdo. 
É importante que esse exercício seja reproduzido pelo/a professor/a em sala de 
aula. Como formadores de opinião e mediadores do conhecimento, por um lado, 
e por outro, dado o escasso tempo de que dispomos para cada um dos conteúdos 
trabalhados, é imprescindível que deixemos migalhas de pão para serem guias 
de nossos Joãos, Marias, Josés...
169
IMAGEM E ENSINO DE HISTÓRIA Capítulo 3 
aquelas que envolvem imagens em movimento.
c) ( ) O/a professor/a pode utilizar as imagens presentes no livro 
didático de forma mais qualifi cada do que a proposta presente 
neste material, mas convém limitar a utilização de fontes diversas 
e polêmicas, que podem dar lugar ao contraditório e gerar 
tensões desnecessárias no ambiente escolar.
d) ( ) Como aliados do/a professor/a no planejamentode aulas 
dinâmicas e com recursos didáticos variados, produtos visuais 
têm uma importante contribuição a dar para as aulas de História, 
mas a perspectiva de análise deve sempre atentar para o lugar 
de produção, tipo de produto e outros critérios que conformam 
um questionário crítico e uma proposta didática defi nida.
3) Através da mediação do/a professor/a nas aulas de História, 
a visualidade pode ser abordada por meio de propostas 
diferenciadas, exceto:
a) ( ) O/a professor/a pode qualifi car o debate trazido pelo livro 
didático em relação a um conjunto de imagens.
b) ( ) O/a professor pode sugerir um fi lme e deixar que os/as 
alunos se apropriem de seu conteúdo de forma a desenvolverem 
conhecimentos da maneira mais livre possível.
c) ( ) O/a professor/a pode inserir propostas com produtos visuais 
que se aproximem de práticas de investigação em História.
d) ( ) O/a professor/a pode sugerir que os/as alunos elenquem 
segundo critérios de afi nidade aqueles produtos visuais que 
querem incorporar aos debates em História, mas a mediação 
fi ca a cargo, de qualquer forma, do/a docente e das fi nalidades 
desses recursos na condução das aulas.
REFERÊNCIAS
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sala de aula. 4. ed. (Coleção Como usar na sala de aula). São Paulo: Contexto, 
2014.
BITTENCOURT, Circe Maria. Livros didáticos entre textos e imagens. In: 
BITTENCOURT, C. M. (Org.). O saber histórico na sala de aula. 8. ed. São 
Paulo: Contexto, 2012. pp. 69-90.
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 Linguagem Visual na HistoriograFia
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Ática, 2003.
CHIARELLI, Tadeu. História da arte/História da fotografi a no Brasil – séc. 
XIX: algumas considerações. São Paulo: ARS, v. 03, n. 06, 2005. Disponível em: 
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Temático. Programa de Desenvolvimento Educacional do Estado do Paraná. 
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SANTOS, Roberto Elísio dos. 2 Vezes 5 Vezes Favela: aproximações e 
distanciamentos do cinema brasileiro. Intercom – RBCC, São Paulo, v. 34, n. 02, 
pp. 75-91, jul./dez. 2011.
SCHWARCZ, Lilia Moritz. As barbas do Imperador. Dom Pedro II, um monarca 
nos Trópicos. São Paulo: Cia das Letras, 2014.com humores desconexos, sob 
uma montanha irreal. A imagem não fornece elemento para se compreender as 
relações que se estabelecem entre os personagens ou seu contexto.
No nível II, a principal característica do pensamento do observador é o 
deslocamento da responsabilidade da existência da obra do mundo físico para o 
mundo interior do artista (ROSSI, 2003). Ou seja, é o mundo interno e subjetivo 
do artista que determina a qualidade da obra. Neste nível o observador ainda 
acredita que o artista é um copista do real, mas são as qualidades do tema 
“copiado” que merecem julgamento e não a obra propriamente. A criatividade 
do artista relacionada a sentimentos é o critério de julgamento. Se o artista 
expressou bem algum sentimento, a obra é boa (e não mais se o sentimento 
é bom ou ruim), mas também é boa se é “criativa”. A depreciação do realismo 
começa a se transformar neste nível e o conduzirá a priorizar, no nível III, o critério 
da expressividade da obra. Aqui talvez um observador entenda que Sherman quis 
expressar seus sentimentos em relação a uma festa que não surtiu os efeitos 
esperados: seja pela tez da personagem, atrás ou pelo cenário e suas cores, que 
21
HISTÓRIA E LINGUAGEM VISUAL Capítulo 1 
despertam sentimentos lúgubres ou melancólicos.
O pensamento mais sofi sticado da interpretação se revela no nível III, quando 
o observador apreende um sentido abstrato, um tema subjetivo nos elementos 
da obra. Nesse nível os atributos do mundo representado são desprezados e 
prioriza-se a expressividade da obra. Importa se há uma mensagem, uma ideia 
ou, ainda, a refl exão de um tema relevante. Está presente a consciência de que 
a subjetividade do leitor é atuante na atribuição de sentidos ao produto visual. O 
pensamento abstrato é necessário, mas ele não garante o acesso ao pensamento 
estético, pois o fator determinante é a familiaridade com a leitura e discussão 
própria do campo estético. Como aqui se manifesta a subjetividade do apreciador, 
em toda sua complexidade, limita-se a comentar o sentimento engessado da 
mulher, com uma veste que se reporta ao romantismo. O cenário monocromático 
destaca-se em contraposição ao branco da vestimenta, cujo resultado é uma 
estética agradável.
Tendo em vista a crítica realizada por Rossi (2003) em relação a um 
questionário que limita a apreciação artística do observador, pelo mediador, 
parece claro que os aspectos formais – ou seja, a perspectiva formalista – foram 
priorizados pelos autores trabalhados até então. A incorporação da semiótica no 
campo de estudos da leitura de imagens infl uenciou a criação de dois conceitos 
basilares para o campo, como ele se apresenta atualmente: as noções de 
denotação e conotação. A denotação refere-se ao que pode ser apreendido, na 
leitura de uma imagem, enquanto objetividade. Trata-se do conjunto de elementos 
e formas que podem ser descritas: as situações, as fi guras, as pessoas, as ações.
Já o conceito de conotação se refere àquilo que não está inequivocamente 
na imagem, pois se relaciona ao campo das subjetividades. Ou seja, as 
impressões do intérprete, seus sentimentos, aquilo que a obra inspira ou faz 
pensar. Conotação se refere, também, a um signifi cado construído pelo indivíduo 
sobre a imagem que observa, sobre o que ela expressa. Ambos os conceitos 
estão incorporados ao modelo de Rossi, diluídos na construção dos níveis de 
compreensão estética, sendo que a denotação predomina no estágio primário ou 
nível I e a conotação se desenvolve paulatinamente entre os níveis II e III.
A infl uência da semiótica no modelo formalista de apreensão ou leitura de 
imagens resultou – para defi nirmos alguns pontos e fecharmos esta primeira parte 
da discussão – em uma leitura orquestrada da produção imagética ou visual, 
formada pelos seguintes códigos, conforme nos aponta Maria Emilia Sardelich 
(2006, p. 456-457):
Espacial: o ponto de vista do qual se contempla a realidade 
(acima/abaixo; esquerda/direita; fi delidade/deformação).
Gestual e cenográfi co: sensações que produzem em nós os 
gestos das fi guras que aparecem (tranquilidade, nervosismo, 
22
 Linguagem Visual na HistoriograFia
vestuário, maquiagem, cenário).
Lumínico: a fonte de luz (de frente achata as fi guras que 
ganham um aspecto irreal, de cima para baixo acentua os 
volumes, de baixo para cima produz deformações inquietantes).
Simbólico: convenções (a pomba simboliza a paz; a caveira, 
a morte).
Gráfi co: as imagens são tomadas de perto, de longe.
Relacional: relações espaciais que criam um itinerário 
para o olhar no jogo de tensões, equilíbrios, paralelismos, 
antagonismos e complementaridades. 
Chegamos ao ponto em que, já familiarizados com os conceitos mais 
utilizados para a apreciação imagética, nosso itinerário nos conduz às abordagens 
correntes entre os historiadores/as para a análise – e não leitura – de imagens. 
Estamos mais confortáveis com a utilização do conceito de análise, ao invés 
de leitura, uma vez que esta última subentende uma ideia basilar presente na 
imagem, tão explícita quanto a palavra escrita, o que nem sempre existe em 
dado produto visual. Quer dizer, uma produção visual, como ação que se realiza 
processualmente, é um empreendimento que não termina necessariamente com 
a mesma ideia com que foi iniciado, tampouco parece correto afi rmar que cada 
elemento e cada nuance foi estrategicamente pensada para formar um todo 
harmonioso.
Como sugere Ulpiano Bezerra de Meneses (2012), a trajetória inicial da 
análise de imagens pelos historiadores e historiadoras esteve inspirada em 
Erwin Panofsky (1892-1968), cujos estudos foram desenvolvidos no decorrer 
da primeira metade do século XX. Panofsky foi professor junto à Universidade 
de Hamburgo, na Alemanha e em diferentes universidades nos Estados Unidos, 
para onde migrou com a ascensão do nazismo. Durante o curso de sua carreira 
desenvolveu um método de compreensão da História da Arte que se pautava em 
três momentos ou três níveis de signifi cação.
O primeiro, aparente ou natural, é o nível pré-iconográfi co. Consiste na 
percepção da obra visual em seu estado puro ou descritivo daquilo que pode ser 
expresso em informações: a forma dos objetos, pessoas, animais ou as relações 
que estabelecem entre si. O segundo nível é o iconográfi co propriamente dito 
ou convencional. Neste nível insere-se a equação cultural do conhecimento 
iconográfi co de cada apreciador; o objeto de análise são as fórmulas, as 
convenções, os motivos artísticos e os temas representados. O terceiro nível é 
o da interpretação iconológica, a procura de uma espécie de mentalidade de 
base ou em uma questão: o que isto e aquilo, representado desta forma e, por 
esta fórmula, signifi ca?
A abordagem iconográfi ca de inspiração panofkyana é a mais utilizada na 
interpelação de imagens no campo da História, embora atualmente o conceito 
23
HISTÓRIA E LINGUAGEM VISUAL Capítulo 1 
de iconologia tenha mais destaque. Vimos, anteriormente, como ambos os 
conceitos estão pautados no método de Panofsky. Privilegiando o signifi cado 
das imagens, a iconografi a compartilha com a semiótica uma reação explícita 
contra o puro formalismo na apreciação imagética, entendendo a imagem como 
suporte sígnico com propriedades intrínsecas. Como o termo iconografi a sugere, 
uma análise iconográfi ca suporia a apreensão de uma descrição possível de se 
identifi car na imagem. Esta descrição, plausível de se “ler” na imagem, dá lugar 
a classifi cações, comparações e tradições expressas pela visualidade e pelos 
signos. Este repertório de informações primárias é o que situa a iconografi a em 
um estágio inicial da análise imagética.
Iconologia, por sua vez, seria um passo adiante na elaboração de teorias 
e perspectivas de análise de imagens, pois, apoiada em fontes heterogêneas, 
em um repertório imagético formado por emblemas e alegorias, embasa uma 
ciência da arte que vai além da busca por uma escritura representada pelaimagem visual. Uma análise que se confi gure de terceiro nível, de interpretação 
iconológica, requer que o apreciador possua uma vasta erudição, além do senso 
cultural comum e de competências em várias áreas das humanidades. Este nível 
leva em conta a história pessoal e técnica do/a observador/a para entender uma 
obra, que é produto de determinado momento histórico, que se relaciona com 
determinado inconsciente coletivo e que vai além do que aparentemente signifi ca. 
Como alguns podem já estar suspeitando, a análise realizada no começo deste 
capítulo em relação aos murais do Leste Europeu (Figuras 1 e 2) foi inspirada nos 
níveis de signifi cação de Panofsky.
Conforme a orientação de Meneses (2012), seria interessante analisarmos, 
ainda que pontualmente, alguns itinerários dos estudos iconológicos pós-Panofsky. 
Uma abordagem de destaque deste movimento é a iconologia crítica, que se 
insere no campo de pesquisa designado estudos de cultura visual. Este campo 
se caracteriza pelo estudo da construção social do visível e da construção visual 
oriunda do social. Muito mais abrangente do que o estudo da arte, a iconologia 
crítica se volta às meta-imagens, ao estatuto da imaginária mental, ao estatuto 
teológico e político das imagens, o iconoclasmo e a iconofobia, a interação entre 
o virtual e o real, dentre outros chamados “fenômenos da imagem” (MENESES, 
2012, p. 248). Uma das referências principais desta corrente é William Mitchell.
Um segundo campo de interesse entre os teóricos da visualidade é o da 
antropologia da imagem, cujo foco encontra-se no corpo como agente de 
percepção e da ação, bem como na premissa de que as imagens têm lugar, 
elas acontecem – para além do quadro na parede e da sua formação na cabeça 
do/a observador/a. Destacamos, nesse campo de estudos, a contribuição de 
24
 Linguagem Visual na HistoriograFia
Hans Belting, um dos principais nomes das teorias da visualidade, para quem 
a produção e a memória das imagens têm no corpo o agente principal de sua 
concepção.
A reversão do paradigma da imagem como privada de movimento, estática, 
na parede, abre espaço para o reconhecimento do seu caráter artefatual. E o 
que enseja a compreensão da imagem como artefato? Sobretudo para nós, 
historiadores/as, que tendemos a limitar o produto visual à condição 
de documento, perceber a imagem como artefato signifi ca operar 
paradoxalmente a sua “desdocumentalização”. Ou seja, realizar um 
procedimento de investigação que leve em conta a vida pregressa da imagem, 
os caminhos que ela percorreu, os fi ns a que serviu, antes de receber o status 
de documento. Utilizaremos o exemplo dado por Meneses para interpelar uma 
fotografi a em modelo 3x4, no caso, que consta no passaporte de Albert Einstein.
FIGURA 6 – PASSAPORTE DE ALBERT EINSTEIN
FONTE: .
Acesso em: 6 nov. 2019.
25
HISTÓRIA E LINGUAGEM VISUAL Capítulo 1 
Considerando apenas o contexto, fi ca claro que o uso da fotografi a de 
Einstein em seu passaporte difere da mesma imagem em uma carteira, que 
simboliza sua lembrança para uma pessoa querida, que a guarda consigo. Outro 
signifi cado teria a mesma fotografi a, se exposta em um porta-retrato em seu 
escritório, que reportaria ao reconhecimento daquele espaço enquanto seu lugar, 
ou seja, remete à ideia de pertencimento. Na parede da Academia de Ciências 
de Berlim, onde lecionou, abandonando-a para exilar-se nos Estados Unidos, a 
fotografi a possui valor de memorial, valorização e de continuidade institucional. 
Na fi gura anterior, em que pese o enorme valor enquanto artefato histórico, por 
ser um documento antigo de uma fi gura ilustre, a fotografi a cumpriu uma função 
social prática: reconhecer o detentor do documento, permitindo seu deslocamento 
para fora do seu país de origem, a Alemanha.
A imagem como documento consiste no fi nal de um ciclo de vida do artefato 
imagético, que então se insere numa nova dinâmica – o seu descarte da vida 
social e a sua apropriação enquanto documento. Está claro que o procedimento de 
arquivamento ou musealização de uma imagem não esgota sua vida pregressa. 
Antes o contrário, historicizar sua vida social evita que a imagem seja esvaziada 
quanto à participação em múltiplas esferas da vida, para além do arquivo/
documento e limitada à função de representação (o que teremos a oportunidade 
de analisar melhor no último momento deste capítulo). Aqui a principal referência 
talvez seja Igor Kopytoff (2008) e sua “biografi a cultural das coisas”, no campo 
dos objetos/artefatos visuais.
Sugestão de atividade de estudo: vocês, acadêmicos, 
conseguiriam escolher um objeto-documento e investigar a sua 
biografi a, os usos e fi ns a que serviu antes de tornar-se objeto 
museal, por exemplo? Utilizem as experiências de vocês em espaços 
de memória, museus e arquivos para escolher o objeto a ser 
investigado neste exercício.
Como objeto de análise, apreciação artística, artefato, documento, entre 
outros, a imagem, ou o produto visual, oferece-se à teorização de distintos 
campos do conhecimento: da antropologia à neuroestética, das artes visuais 
à psicanálise. A celeuma em relação ao campo historiográfi co se insere, como 
sugerimos já noutras oportunidades, à alforria incompleta do documento visual. 
Isto porque, ainda com base em Meneses (2012), se por um lado ninguém nega 
que a imagem pode servir de fonte histórica, por outro, tratá-la em pé de igualdade 
com outras tipologias de fontes ainda é problemático. Para este historiador, a 
26
 Linguagem Visual na HistoriograFia
razão para a cidadania de segunda classe conferida ao documento visual 
está no cerne da formação básica do historiador/a, ainda exclusiva ou 
preponderantemente logocêntrica, que trata com desconfi ança aquilo que 
possui caráter etéreo ou afetivo.
À justifi cativa acima descrita agregamos outra, que se vincula a nossa 
formação na erudição escrita. Como aprendemos, o nosso ofício, senão 
através da leitura, seja de outros trabalhos historiográfi cos ou dos documentos 
que analisamos? Também nossa forma de expressão é a palavra escrita, já 
que o produto, o resultado do metier histórico ainda são textos escritos. Pouco 
familiarizados com as teorias da imagem e também porque não conseguimos 
moderar a contento a identidade da imagem visual, transformamos a imagem em 
palavra, esvaziando assim sua natureza visual. Noutras palavras, observamos os 
objetos e as formas, desprezamos a materialidade do não verbal e transformamos 
a imagem num discurso verbalizável, apreendendo na imagem um signifi cado 
dado a priori. Desprezamos saber que tanto a ideia produz a forma, quanto é 
produzida por ela.
A questão que nos fi ca deste problema, que é específi co do campo da 
História, é saber se podemos fazer diferente; se podemos realizar uma abordagem 
da imagem como documento visual que expresse um pensamento que só pode 
perfazer-se adequadamente de modo visual. E, claro, como incorporamos esta 
perspectiva na construção do conhecimento histórico, tendo em vista ainda os 
diferentes suportes imagéticos – artes, fotografi a, cinema, publicidade, dentre 
outros. Para o historiador que vem nos inspirando nestes debates, Ulpiano 
Bezerra de Meneses, a alternativa consentânea aos papéis desempenhados pela 
imagem e seu poder de produzir efeitos seria estudar qualquer problemática da 
disciplina histórica introduzindo a dimensão da visualidade, sem que o foco 
gravitacional desta utilização seja a imagem como documento. Quer dizer, 
as imagens devem ser tratadas também como componentes do jogo social, junto 
a outras fontes capazes de encaminhar a problemática da investigação – social, 
cultural, econômica, das mentalidades – e não como um feudo com personalidade 
própria que só serve e só embasa problemáticas oriundas do campo visual.
A título de síntese, recordemoso que foi visto nesta primeira seção do 
Capítulo I. Introduzimos a discussão sobre a leitura de imagens a partir do campo 
em que esta perspectiva fl oresceu, o mundo das artes, expondo e realizando 
exercícios de leitura com base na proposta metodológica de Ott, Housen (ambas 
sintetizadas por Sardelich) e Rossi. Vimos, a partir desta última proposta, como 
a semiótica fi ssurou a concepção formalista de análise de imagens, propondo 
como base para este exercício as noções de conotação e denotação. Depois, 
abordamos a contribuição de relevo de Panofsky para uma ciência da arte ou da 
imagem, que se baseia em três níveis de apreciação (proposta que goza de muito 
27
HISTÓRIA E LINGUAGEM VISUAL Capítulo 1 
prestígio entre historiadores/as, embora criticada com a mesma intensidade). 
Também houve espaço para destacarmos, brevemente, as teorias investigativas 
do campo visual, abertas por ele e seus itinerários, conforme a sugestão de 
Meneses – os estudos de cultura visual, a antropologia da imagem e a imagem 
como artefato. Introduzimos as tensões que envolvem a concepção da imagem 
como documento, o que terá continuidade a seguir, nas seções 3 e 4 deste 
capítulo.
Sugestão de atividade de estudo: utilizando os critérios de análise 
propostos por Sardelich (2006), cada um dos acadêmicos deve 
selecionar um par de obras de arte com as quais tenha familiaridade. 
Em seguida, para exercitar, observá-las sob outras perspectivas: 
a espacial, a cenográfi ca, a lumínica, a simbólica, a gráfi ca e a 
relacional. O resultado do exercício pode ser compartilhado com os/
as colegas nos fóruns de discussão e mídias do grupo.
3 A IMAGEM COMO FONTE 
HISTÓRICA: CRÍTICA E MÉTODO
Constitui ponto pacífi co para o saber histórico que uma imagem, qualquer que 
seja, pode vir a ser utilizada enquanto fonte documental para a escrita da história. 
Menos consensual, no entanto, seria a maneira de lidar com distintas tipologias 
de imagens na operação historiográfi ca. Longe de ousarmos diluir as tensões em 
relação à utilização de imagens na escrita da história. Fiquemos, então, no campo 
das certezas: como qualquer outra fonte documental, as imagens devem 
ser submetidas à análise crítica em relação ao seu lugar de produção, ao 
seu contexto e aos seus usos. Veremos, no último apartado deste capítulo, 
as especifi cidades da imagem enquanto evidência histórica, segundo leituras 
singulares do nosso campo. Antes, parece necessário fazer considerações acerca 
do método historiográfi co.
Documentos e relatórios de Estado, fotografi as, diários íntimos, processos 
judiciais, objetos pessoais, monumentos, equipamentos, jornais, revistas, 
documentários, prontuários, autobiografi as, certidões de batismo, casamento, 
atestados de compra e venda, cartas de alforria, correspondências pessoais, 
memórias, tratados militares, políticos, manifestos, tapeçarias e as paredes de uma 
caverna são algumas das tantas fontes possíveis de inquirição pelo conhecimento 
histórico. A metodologia empregada em cada uma dessas tipologias, cujas 
28
 Linguagem Visual na HistoriograFia
diferenças são signifi cativas, possui, porém, dois pressupostos em comum: o 
procedimento judicioso em relação a sua produção; e o questionário ao qual a 
fonte deve ser submetida.
Utilizaremos nesta incursão sobre o método crítico o programa esboçado por 
Marc Bloch (2001). Como é sabido, Bloch redigiu a referida obra sob condições 
dramáticas há mais de 70 anos. Sua longeva validade reside tanto na qualidade 
de suas assertivas quanto na construção de um guia sobre como e com quais 
limites devemos trabalhar enquanto historiadores e historiadoras, como mulheres 
e homens de ofício. Em que pese a possível existência de manuais mais recentes, 
que apresentem outros problemas – por exemplo, em relação às fontes digitais – 
sua obra é uma referência para a nossa profi ssão e ousamos dizer que se trata de 
um estudo precursor da história como ciência que possui suas teorias, métodos e 
legitimidade próprios, em relação às demais Ciências Humanas.
Procedimento em relação a sua produção e submissão a um questionário. 
Do primeiro pressuposto temos que, antes de tudo, a fonte deve ser inquerida 
quanto ao seu lugar de produção e funções: aqui importa saber quem produziu 
ou construiu dada fonte documental, em que contexto político, subjetivo ou 
em relação a que processos. Com quais fi nalidades foi construída? Para um 
uso administrativo, de controle, para ser apreciada publicamente? Com quais 
intenções ou interesses? Quem a produziu, no sentido do seu lugar social? Quais 
foram os possíveis fi ltros aos quais foi submetida? Pertence a algum campo de 
conhecimento ou institucional específi co? Qual foi o caminho percorrido até a sua 
salvaguarda? Quais foram as condições de possibilidade de sua aparição e da 
sua transformação em documento?
Investigar o lugar de produção das fontes documentais requer do/a 
historiador/a um conjunto de deduções: que os textos, imagens e objetos 
mentem sua proveniência e que seus vestígios podem ser falsifi cados, 
manipulados ou ingênua e equivocamente produzidos. Neste último caso 
insere-se a situação, por exemplo, da fabricação de atos com a fi nalidade de 
repetir peças autênticas que haviam sido perdidas – um “falso-falso” (BLOCH, 
2001, p. 97). Ou ainda, o fato de que muitas testemunhas – termo que aqui denota 
não apenas o testemunho narrado, pessoal, mas o testemunho documental de 
uma época ou acontecimento – se enganam de boa-fé.
Parece evidente, no caso de um testemunho oral, por exemplo, a necessidade 
de investigar o contexto de produção do depoimento: considerar as emoções, as 
tensões e as implicações do testemunho na análise das hipóteses levantadas. 
A inexatidão ou mesmo o embuste são construídos com base em aspectos 
psicológicos, como o cansaço, as ameaças ou a perda de um ente querido. Um 
testemunho perante o operador do direito, em que a vida da testemunha está em 
29
HISTÓRIA E LINGUAGEM VISUAL Capítulo 1 
jogo, não tem o mesmo peso e consequência do que o relato confi denciado por 
uma mulher a sua vizinha ou o narrar de acontecimentos por uma menina em seu 
diário íntimo. Mas tal relativização, aplicável de maneira distinta a cada um dos 
documentos, não possui valor em si mesma, já que a crítica é instrumento do 
método e não o fi m do método em si.
A erudição, por maior que seja, cai no vazio quando se limita a detectar o 
contexto da produção documental sem investigar seus motivos, sem disto produzir 
conhecimento, mesmo quando “falsos”. No caso das inconsistências da natureza 
humana, fi quemos com o exemplo dado por Bloch (2001): confi aríamos mais no 
diagnóstico de um médico, que analisou com cuidado a situação de seu paciente, 
ou na sua descrição dos móveis do quarto em que se encontrava o enfermo? Ou 
este: ou as nuvens mudaram de forma desde a Idade Média, já que as descrições 
de então revelam visões de cruzes e espadas, ou o relato informa não sobre o 
que se viu na realidade, mas sobre o que, em sua época, era estimado natural 
ver. E mesmo no caso da falsifi cação e da manipulação sua existência interpela 
uma atmosfera social que assume ela mesma um valor documental, ou seja: a 
falsifi cação pode, igualmente, dar-se à utilização como fonte documental.
Aproximamos as contribuições de Bloch à discussão sobre o uso de imagens 
na ofi cina da história, através da seguinte assertiva: na base da crítica ou do 
método crítico está um trabalho de comparação. Embora o pressuposto seja 
válido para qualquer tipologia de fontes, para qualquer testemunho, poderemos 
dar exemplos concretos do método em relação ao campo visual. São três os 
princípios que compõem seu programa do método crítico: o princípio da 
contradição, o princípio da discrepância e o princípio da semelhança 
limitada.
Para abordarmos o princípio da contradição, consideremos a seguinte 
hipótese: suponhamos que haja uma imagem sem referências precisas, em queuma pessoa parece estar sendo nomeada, empossada, coroada ou coisa que o 
valha. A pessoa é identifi cada como sendo uma dada personagem histórica pela 
origem do desenho e pelas suas características físicas. Como verifi car o episódio? 
Há que recorrer a outros testemunhos: de imagens semelhantes, artefatos do 
período, informar-se sobre o “aparecimento” desta imagem, o que se sabe sobre 
ela. Suponhamos que haja, neste vasto corpus documental levantado, uma 
discrepância que arruíne um dos testemunhos que embasaram a hipótese prévia. 
Pelo princípio da contradição, um dos dois deve sucumbir, pois um acontecimento 
não pode ser e não ser ao mesmo tempo.
Como escolher qual testemunho será rejeitado e qual deve subsistir? 
Há muitas gradações entre o infi nitamente provável e o apenas verossímil. 
Algum vestígio entre a documentação levantada se aproximará de uma das 
30
 Linguagem Visual na HistoriograFia
probabilidades, aumentando seu coefi ciente de certeza. No caso hipotético citado 
acima consistir em demasiada abstração, fi quemos com outro: duas fotografi as 
similares, registradas em um mesmo local, remetem a datas diferentes entre si. 
Como uma pessoa não pode estar em um mesmo lugar, da mesma maneira, 
duas vezes, uma das datações está equivocada – ou mente. Se pessoa pública, 
buscaremos sua agenda ofi cial, as entrevistas concedidas às mídias em busca 
de informações. Compararemos as vestimentas, o corte de cabelo em relação a 
outras fotografi as da mesma época, investigaremos quem são as pessoas que 
também aparecem na imagem. Objetos, veículos e o ambiente ao redor podem 
ser de grande ajuda. O exemplo é pueril, mas permite expressar a ideia de forma 
clara: é pouco provável que, no universo de fontes consultadas, os indícios se 
aproximem com a mesma precisão de ambas as datas sugeridas para a fotografi a. 
Alguma há de destacar-se.
O princípio da discrepância, por sua vez, baseia-se na ideia de que o diferente 
se delata. Em uma mesma geração, de uma mesma sociedade e, sobretudo, em 
um mesmo suporte, “reina uma similitude de hábitos e técnicas muito grande 
para permitir a qualquer indivíduo afastar-se sensivelmente da prática comum” 
(BLOCH, 2001, p. 110). Eis o exemplo de um documento, supostamente do século 
XVIII, que esteja escrito em papel ao invés de pergaminho, em grafi a destoante 
e com fi guras de estilo raras, para não dizer ausentes, em outros documentos de 
sua mesma época. Pelo princípio da discrepância, a estranheza do feito aspira a 
que dele se duvide.
Talvez o caso do estilo, na arte, seja um exemplo palpável desta discrepância. 
Vejamos as fi guras 7, 8 e 9. Trata-se de um exercício de análise no âmbito mais 
elementar. As três fi guras trazem a fi gura da Madonna ou a Virgem Maria, em 
português, junto ao menino Jesus. Ao mesmo tempo em que, tão somente 
com uma primeira olhada, já sabemos que as fi guras 7 e 8 não pertencem ao 
mesmo contexto histórico, a similaridade da temática, técnica, estilo e elementos, 
conforme expressa nas fi guras 8 e 9, saltam aos olhos.
31
HISTÓRIA E LINGUAGEM VISUAL Capítulo 1 
FIGURA 7 – MADONNA COL BAMBINO, (C. 1230), BERLINGHIERO DE LUCCA
FIGURA 8 – MADONNA DEL GAROFANO, (1478-80), LEONARDO DA VINCI
FONTE: . Acesso em: 6 nov. 2019.
FONTE: . Acesso em: 6 nov. 2019.
32
 Linguagem Visual na HistoriograFia
FIGURA 9 – ALDOBRANDINI MADONNA, (C. 1509-10), RAPHAEL SANZIO
FONTE: . Acesso em: 6 nov. 2019.
A primeira das três fi guras é uma obra de Berlinghiero de Lucca, pintor 
italiano que viveu no começo do século XIII. A obra é uma referência importante 
da arte bizantina, estilo artístico que foi além dos muros do império homônimo. 
Percebemos na fi gura que a perspectiva e o volume parecem ignorados. A 
representação humana é realizada frontalmente, com uma inclinação leve que 
sugere certa espiritualidade (diga-se, inclinação que está presente em todas as 
três imagens). O dourado-ouro abunda, como se a nobreza do metal refl etisse 
a dos personagens representados. Para além dos traços fi nos característicos, 
destaca-se a representação do menino Jesus: a criança não é mais do que um 
corpo adulto em escala inferior.
A Figura 8 é a reprodução de um painel de Leonardo Da Vinci representando 
uma das inúmeras Madonnas que produziu durante sua vida. Nela vemos a Virgem 
Maria oferecendo um cravo ao menino Jesus, mote que intitula a obra (cravo, 
garofano, em italiano). Não é preciso ser um especialista na arte renascentista 
para observar algumas especifi cidades do artista, a exemplo do ambiente 
escuro no qual se inserem as fi guras principais, o rechonchudo menino Jesus, 
a expressão ímpar de Maria, neste caso, um tanto melancólica, entre atenta e 
desinteressada. Maria fora destacada por Da Vinci tanto pela expressão singular 
quanto pela vestimenta opulenta, adornada pelo broche de topázio e também 
pelo requintado penteado dos cabelos. Tudo isso conduz ao entendimento de que 
Maria fora representada como uma rainha.
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HISTÓRIA E LINGUAGEM VISUAL Capítulo 1 
A terceira desta série de três fi guras, a de número 9, é de outro artista 
renascentista, Raphael Sanzio, cuja Madonna apresenta também suas 
particularidades. Apesar da iluminação dotar esta obra de outra “cara”, da 
presença de um terceiro personagem – João Batista –, da expressão de Maria 
se inclinar à passividade e, claro, dos halos, a pintura possui inúmeros sinais de 
que pertence ao mesmo período da anterior. Reparem no signo da fl or, presente 
em ambas as pinturas; nas janelas, a dotar de perspectiva e profundidade o 
cenário; ou nas cores do manto da Madonna em cada uma das representações. 
As semelhanças continuam: nos traços de Maria, na centralidade do corpo, na 
cena cotidiana. Mesmo se tudo isso fosse diferente, ainda assim identifi caríamos 
o período das obras pelo seu estilo, pois sua visualidade os aproxima. A primeira 
fi gura, no entanto, é discrepante neste sentido, embora apresente o mesmo tema 
e as mesmas fi guras representadas.
O princípio da semelhança limitada consiste no terceiro dos princípios do 
método crítico no interior de um primeiro postulado, que se refere à produção 
do testemunho. Trata-se de uma inferência relacionada à similitude entre um ou 
mais documentos: ela deve existir, já que nenhum testemunho brota de uma ilha, 
sem relação, aproximação ou parecenças com os demais, mas deve, porém, 
guardar em relação a eles suas singularidades. Em que pese a uniformidade de 
um agrupamento social, esta não detém força sufi ciente para que não se produza 
testemunho algum fora dela – mas tampouco que se produza testemunhos 
idênticos. Se tomarmos o caso da escrita, hieroglífi ca ou grafêmica como exemplo, 
o argumento fi ca transparente: diferentes sociedades desenvolveram esta 
faculdade, em diferentes lugares, momentos e não necessariamente mediante 
contato, mas nenhuma delas se operou através do mesmo sistema simbólico.
De acordo com Bloch, a crítica deve mover-se entre estes dois extremos: 
a similitude que justifi ca e a que desacredita. Com esta ressalva, o autor 
atentava para o fato de que, em que pese inúmeras semelhanças e mesmo a 
possibilidade da livre inspiração de um documento, imagem ou artefato, com base 
em um modelo (ou ainda, que tenham bebido na mesma fonte) são muitas as 
combinações no mundo para que seja possível produzir provas idênticas, sem 
que por um ato voluntário de imitação. Isto talvez seja mais notável em relação ao 
campo das artes plásticas, e mais problemático, por exemplo, no tempo presente, 
em relação ao universo digital. Na velocidade com que a informação se projeta, 
como atestar de quem é a autoria de dado texto, esboço ou identidade visual? 
Quem o publicou primeiro? Enfi m, de qualquer maneira, a crítica do testemunhoapoia-se na lógica do semelhante e do dessemelhante, do um e do múltiplo.
A título de síntese, temos que a produção de um testemunho deve passar 
pelo crivo do/a historiador/a em relação ao princípio da contrariedade (se existem 
outros testemunhos que o invalidem ou questionem), ao princípio da discrepância 
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 Linguagem Visual na HistoriograFia
(que os testemunhos de um mesmo tipo ou época se parecem, pois a originalidade 
individual é sempre circunscrita a uma realidade ou contexto) e ao princípio da 
semelhança limitada (por mais que um conjunto de testemunhos compartam uma 
gramática, um vocabulário e um estilo, não existem dois testemunhos idênticos).
Para amarrar os três princípios, lembremos que todo fenômeno humano é 
um elo de uma série que atravessa temporalidades. Nenhum homem e nenhuma 
mulher podem, apenas com a força de seu gênio, substituir gerações inteiras 
em dado processo ou campo do conhecimento. Em tese, isso signifi ca que se 
parecem mais os testemunhos de épocas próximas do que dois testemunhos 
de realidades apartadas temporalmente. Isto fi ca evidente no caso das Ciências 
Biológicas ou Físicas, por exemplo. Há, em cada sociedade, um “legado” 
do qual a seguinte se apropria ou rechaça, de acordo com os seus valores e 
conveniências, mas que faz, de qualquer forma, referência à cadeia anterior, 
continuando-a ou interrompendo-a. Mas a herança pode, de maneira consciente, 
ativa ou não, romper-se, já que as sociedades e seu complexo sistema cultural 
não são imortais.
Outra colocação de destaque se refere à necessidade de analisar o 
documento, mas além dele. Tomemos o exemplo do/a historiador/a da antiguidade. 
Através da erudição própria do campo, este profi ssional de ofício deve converter-
se, para bem fazer o seu trabalho de compreender e interpretar, em especialista 
na semântica grega antiga, caso trabalhe com escrituras, por exemplo. Neste 
contexto, as palavras ainda hoje em curso possuíam signifi cados distintos. 
Não atentar para a sua transformação resultaria em análises anacrônicas, 
possivelmente, informando sobre valores e experiências que não eram do período 
analisado, mas sim do nosso tempo.
Vejamos um exemplo conhecido. Dentre os conceitos mais polissêmicos 
do mundo contemporâneo está o de democracia, que para os gregos, conforme 
narrou Tucídides na obra A Guerra do Peloponeso, designava um sistema de 
governo que não dependia de poucos, mas da maioria. A etimologia da palavra 
infere também a um “governo do povo”. Sabemos hoje que a noção de cidadania, 
que embasava a participação democrática ateniense, muito pouco se assemelha 
ao seu uso no tempo presente. Como a própria noção de “povo” se modifi cou, 
ampliando-se cada vez mais no sentido de incorporar a totalidade dos cidadãos – 
e também de conferir a todos e todas a insígnia da cidadania – a democracia grega 
(ou ateniense) soa para nós demasiadamente excludente, já que limitava-se a 
incorporar homens, fi lhos de atenienses e maiores de 21 anos. Seria correto “ler” 
na forma de governo grega uma falsa democracia, já que, se comparada à nossa, 
mostra-se não inclusiva? Ou, de outra forma, entender a sociedade ateniense 
como participativa e igualitária, porque a isso aspira a “nossa” democracia? 
Parece claro que ambas as proposições são problemáticas e estão equivocadas.
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HISTÓRIA E LINGUAGEM VISUAL Capítulo 1 
Da mesma maneira, uma análise crítica do campo visual prescinde o 
conhecimento da linguagem visual em seus signos, símbolos e mecanismos 
de produção de sentidos. Desse empenho saberá o/a historiador/a apreender 
que um homem sentado expressa, se político ou estadista, o seu entronamento, 
o exercício de um lugar de poder, o que por sua vez o vincula a uma cadeia de 
soberanos na qual se incorpora como último elo. Saberá distinguir, igualmente, 
quando esta posição houver sido uma escolha que informa sobre o seu caráter 
impassível ou simplesmente buscou encobrir um considerado tipo físico 
desprivilegiado. Disto só saberá se, para além de conhecer os signos, o/a 
historiador/a seja profundo conhecedor do período em que tal personalidade foi 
retratada; das pretensões da pintura em relação a sua memória histórica; dos 
usos da pintura em dado contexto e da fi nalidade daquela, em específi co; do 
estilo e das preferências do pintor; da comparação com outras pinturas de mesma 
temática do período, mas também no conjunto das pinturas do representado etc.
Dada a trajetória do estudo das artes pelo saber historiográfi co parece certo 
afi rmar ser mais profícua a análise de séries de documentos de um mesmo tipo, 
que pertençam a um mesmo contexto ou temática, do que um artefato singular. 
Ou, melhor ainda, o cruzamento de documentos de distintos suportes e tipos. 
Caso contrário, tendemos a adotar o quadro, imagem etc., como um todo 
signifi cante no conjunto de suas partes. Como pontuamos anteriormente, nem 
tudo o que compõe uma obra foi logicamente posto nela a fi m de produzir um 
sentido. Além disso, no caso do campo visual, o estilo e as ideias podem ser dos 
seus autores, individuais, portanto, mas a “gramática”, a linguagem através da 
qual se expressa ou produz sentido, é do seu tempo, deixando-se ver melhor em 
perspectiva comparada.
Em História, entretanto, por mais que o/a historiador/a “saiba”, nunca será 
sufi ciente se não puder convencer o leitor ou leitora do conhecimento produzido. A 
imperiosa necessidade de demonstrar “como sei o que estou afi rmando”, tornou-
se a base do método historiográfi co, como ele vem sendo construído ao longo 
do século XX. Isto porque o destaque que conferimos às fontes documentais – 
expresso nas listas de fontes utilizadas, ao fi nal dos trabalhos, na referência a 
cada um dos arquivos consultados e nas incontáveis notas de rodapé ao longo da 
narrativa – baseia-se no preceito moral de que os dados possam ser verifi cados e, 
assim, a consistência das afi rmações que produzimos. Cabe-nos indicar “o mais 
brevemente possível, sua proveniência, ou seja, o meio de encontrá-lo equivale, 
sem mais, a se submeter a uma regra universal de probidade” (BLOCH, 2001, p. 
94-95).
Como medievalista escrevendo no meado do século XX, Bloch nos lega 
a preocupação com a falsifi cação documental no sentido jurídico do termo. No 
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 Linguagem Visual na HistoriograFia
caso da História da Arte, essa discussão ainda é bastante viva e, no terreno 
aberto pelas fontes digitais do tempo presente, ainda mais – vide, por exemplo, 
as fake news. No entanto, em que pese o resíduo de contingências que nosso 
exercício jamais poderá eliminar – pequenas dissimulações e conveniências que 
passam despercebidas por nossos instrumentos de análise – há outros sentidos 
possíveis para a noção de falso/verdadeiro. Além da questão da veracidade de 
um documento, imagem, objeto e o que ele informa, o método crítico da ciência 
histórica enseja fazer o testemunho falar o que não tencionava dizer. Ou seja, 
o que pode dizer sobre meu problema de investigação dado testemunho, 
para além do que diz, efetivamente? Isto nos remete ao segundo pressuposto 
metodológico: o questionário de submissão das fontes.
Toda investigação histórica supõe, desde os seus primeiros passos, 
que a pesquisa já tenha uma direção. Vejamos bem: direção e não resposta. 
Assim como, se ao nos lançarmos à pesquisa em busca de respostas a uma 
tese a se confi rmar, analisaríamos o objeto de forma míope, iniciá-la com a 
atenção aberta, o foco em tudo, à espera de uma questão norteadora também 
não resultaria em uma investigação honesta. Numa adequação dos conceitos, 
diríamos que é necessário um problema histórico a guiar o caminho, uma hipótese 
a ser investigada.
Como pontuava nosso guia nesta análise crítica do método historiográfi co, 
Marc Bloch, até mesmo naqueles testemunhos mais voluntários, que tudo 
parecem dizer, de cara, temos a necessidade e mesmo o gosto de investigar 
o que ele nos deixa entender, sem pretender fazê-lo. Quer dizer,

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