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CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE CLÍNICA MARIA ACIRENE GOMES MONTEIRO MÓDULO 12 – PSICANÁLISE E MITOLOGIA Palmas – TO 2023 PSICANÁLISE E MITOLOGIA Criar mitos é algo inerente à natureza humana. A vontade de narrar histórias remonta aos tempos mais antigos da existência humana, uma vez que somos seres que buscam significado. Os mitos ultrapassam a lógica e ultrapassam as fronteiras de uma cultura. Freud mostra que os mitos estão investidos em algo vivo que reside no ser humano, revelando em sua mitologia psicanalítica, seus interesses pelas origens. Ele viu os mitos, assim como os sonhos, como expressões codificadas do inconsciente. Freud afirma ainda que se pudéssemos compreender os mitos, ganharíamos acesso ao nível da mente humana que é a chave para a saúde mental. Sendo os mitos uma pista para a nossa própria história psíquica, como por exemplo no mito de Electra, que amava tanto o pai que matou a mãe, e o mito de narciso, que gostava tanto de si próprio que voltou as costas à vida social. Freud nas suas últimas obras utilizou as palavras gregas Eros e Thanatos para exemplificar as teorias das pulsões, que explica a formação psíquica de todos os indivíduos. Jung conceitua os mitos como projeções do inconsciente coletivo, uma espécie de sonho comum da humanidade. Os temas das histórias mitológicas, que se repetem em qualquer época e lugar, são chamados de arquétipos. Para Jung, os mitos dão voz às verdades do nosso inconsciente, aos deuses, deusas e heróis da mitologia, corporizando aspectos da criatividade, inteligência, dor, alegria, agressividade, êxtase, entre outros. Desta forma, ao mencionarmos os mitos, estamos nos referindo a símbolos que não têm um significado comum, particular, exclusivo e, precisamente por isso, atravessam o tempo e a cultura. Seu uso como uma ferramenta para a construção do pensamento freudiano tornou-se relevante no desenvolvimento de diversos estudos psicanalíticos desde sua origem. Isso implica que Freud encontrou uma maneira de demonstrar que suas descobertas ultrapassavam a singularidade de cada paciente, tratando também das grandes questões humanas. Assim, o mito assume a expressão da relação entre o singular e o universal. A Psicanálise, assim como a mitologia não obedece a regras de tempo, espaço e ação, visto que ela pontua que os pensamentos, sonhos, atos psíquicos podem ser deslocados, condensados, por estarem ligados a conteúdos inconscientes, tendo um caráter atemporal. Logo a linguagem do mito guarda relações profundas com o funcionamento do inconsciente, uma vez que não há uma lógica linear, o mito é circular, é universal, aparece com diferentes nuances, mas com uma profunda similaridade em diferentes culturas, em diferentes épocas e fala sobretudo do que há de mais profundo no ser humano: sua estruturação e funcionamento psíquico. No caminho da compreensão da constituição do indivíduo e do funcionamento do aparelho psíquico, Freud em sua teoria das pulsões, Eros e Thanatos, ambos da mitologia grega, são mitos usados como demonstrativos de sua teoria, pulsão de vida e pulsão de morte, mitos capazes de gerar subjetivação. O MITO DE THÁNATOS Freud considerou que a vida psíquica estava ligada, principalmente, a esse tipo de pulsão, sendo a libido o núcleo da vida psíquica e da energia vital. Thanatos e a pulsão de morte. Ou seja, Freud trabalhou amplamente sobre a libido e o desejo sexual em seus pacientes. Ao longo de seu trabalho e à medida que avançava na formulação de sua teoria, Freud considerou a existência de outro tipo de pulsão contrária à primeira, que explica uma parte da psique humana que Eros não comporta, abordando então acerca da pulsão de morte ou Thanatos. O instinto de morte ou Thanatos é um conceito desenvolvido por Sigmund Freud, nascido em oposição ao instinto de vida, ou Eros, e definido como o gerador de impulsos inconscientes e excitação orgânica, que aparece como a busca de voltar ao absoluto descanso da não-existência. Pode ser considerado como o impulso que busca a própria morte e desaparecimento. Enquanto Eros procura unir e preservar a vida, além de satisfazer a libido, Thanatos procura satisfazer impulsos agressivos e destrutivos, visando a desunião da matéria e o retorno ao estado inorgânico. Esse impulso muitas vezes aparece na forma de agressividade para com os outros ou para consigo mesmo, seja direta ou indiretamente. Enquanto Eros é uma força que gera dinamismo, Thanatos é caracterizado por gerar retiro e buscar descanso, a menos que seja associado ao erotismo. Thanatos não é guiado pelo princípio do prazer, como Eros, mas na direção da dissolução, a redução da excitação, não para encontrar prazer na resolução de conflitos que permitem a sobrevivência, mas para encontrá-lo na dissolução e no retorno ao nada. Vemos como exemplo disso, a emissão de comportamentos insalubres, ou a renúncia e aceitação passiva de algum evento aversivo. Na fusão pulsional, Eros e Thanatos não permanecem como unidades separadas, mas interagem continuamente, embora sejam forças opostas: Eros é uma força de ligação e Thanatos de desunião. No entanto, a pulsão da morte nem sempre é negativa segundo Freud, que via tanto a pulsão de vida quanto a pulsão de morte como essenciais para os seres humanos. Sendo esse conflito contínuo, em muitos aspectos, benéfico para o homem, sendo um impulso necessário para a sua sobrevivência. Também haveria uma certa conexão com o complexo de Édipo, enquanto os aspectos libidinosos e agressivos em relação aos pais existirem. Além disso, evolutivamente, a agressividade resultante da fusão de ambos os tipos de acionamento é vantajosa em certas situações, permitindo a luta pela sobrevivência e autodefesa. O conflito entre pulsão de vida e pulsão de morte é também associado ao momento do orgasmo, sendo que Eros faz buscar a satisfação sexual e erótica, mas ligando o próprio sexo e o momento do clímax a uma descarga, ligada à ideia de descanso e regresso. Sob a análise patológica, a pulsão de morte pode ser positiva, mas também pode se refletir em aspectos que não são tão benéficos ao ser humano. Para Freud o conceito de culpa estaria ligado à pulsão de morte, assim como a insistência em condutas contrárias à saúde ou mesmo a compulsão à repetir atos desagradáveis, como a automutilação ou outros tipos de comportamentos compulsivos. Também o surgimento de resignação, desespero e apatia, pode estar relacionado a Thanatos, bem como a ruminação de pensamentos negativos. Da mesma forma, levado ao extremo, esse impulso pode levar a atitudes masoquistas ou a ideias autolíticas. Não apenas a nível psicopatológico, a emissão de respostas de raiva, de negação, de rejeição ou a omissão na presença de dificuldades, como o acometimento de uma doença crônica, também está ligado a Thanatos. A exemplo disso seria fazer algo que sabemos ser contra a nossa saúde, mas ainda assim cometermos tal prática (uma pessoa com diabete comer algo que não deve, ou mesmo alguém com enfisema pulmonar continuar fumando). Em um contexto contemporâneo podemos perceber que as pulsões traduzidas pelo mito de Eros e Thanatos são recorrentes, sendo observados no comportamento violento que constrange e agride o psicológico e o físico e nas pulsões de Eros, incentivadas e recriminadas, como no caso da mulher que deseja ser atraente, mas é agredida por essa “transgressão” de vestirse sensualmente. No Brasil, mantémse a cultura do patriarcado, e é vista como inaceitável a emancipação da mulher ou a dignidade do negro. Também podemos observar em relação ao idoso e às crianças, que mesmo com todas as leis os favorecendo, são vítimas no dia a dia da falta de consideração e apreço até nos transportes públicos, que mesmo existindo assentos reservados aos idosos, estes permanecem em pé enquanto outros utilizam tais assentos. Em relação às relações conjugais, os casamentos e os filhos, historicamente não eram concebidos por amor e sim por conveniência. As relações românticas é uma concepção moderna, o que permitiu o rompimento com odivórcio, atribuído à paixão que se extingue. Assim como a pulsão de Eros tem sua finitude e seu lado “mau”, também em Thanatos há observações positivas. Deste modo, o mito de Thanatos, nos propõe a reflexão sobre as pulsões de vida e de morte, que naturalmente são oprimidas a todo instante, impedindo que a violência ou o desejo sexual aconteçam a todo instante, mas que são levados ao inconsciente e liberados por meio dos sonhos como isso nos influencia, visto que Thanatos, no nível simbólico, é o aspecto perecível e destruidor da vida. CONSIDERAÇÕES FINAIS A mitologia pode ser definida como um conjunto de histórias sobre a sabedoria de vida, existindo dois tipos: a que coloca o ser humano em harmonia com a natureza e a que liga o ser humano a uma sociedade específica. Freud trata dos arquétipos como a acumulação de experiências traumáticas reprimidas no curso de uma vida individual e Carl Jung usa base biológica na psicologia clínica. Assim, percebemos no cotidiano que as características arquetípicas dos deuses estão na personalidade, na forma de agir, de vestir, de se relacionar do ser humano, evidenciando um ou mais perfis desses arquétipos. Mitos que representam o poder em uma posição social, política e econômica, permitindo visualizar pela psicanálise os aspectos considerados positivos e negativos no comportamento humano. BIBLIOGRAFIA CAMPBELL, J. O poder do mito. São Paulo: Palas Athena, 2003. FREUD, SIGMUND. A história do movimento psicanalítico, artigos sobre metapsicologia e outros trabalhos. Edição Standad Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Vol XIV. Rio de Janeiro: Imago, 2006. JUNG, C. G. (Org.) O homem e seus símbolos. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008. ZIMERMANN, D E. Vocabulário contemporâneo de psicanálise. Porto Alegre: Artmed, 2001. image1.png