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GEOGRAFIA DA SAÚDE 
AULA 4 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Prof. Thiago Kich Fogaça 
 
 
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CONVERSA INICIAL 
O registro das doenças e as políticas públicas de saúde 
Estudamos sobre a importância da Geografia no planejamento das 
sociedades e nas intervenções para subsidiar ações para melhoria da saúde das 
populações. Para tanto, nesta aula, discutiremos o conceito de políticas de 
saúde, que são mecanismos para gerir os territórios e garantir acesso aos 
serviços. 
Na história das civilizações, o papel das políticas foi primordial no que diz 
respeito à criação de normas e leis para o benefício das coletividades e, dessa 
forma, abordaremos esse contexto histórico. 
Passando a retratar o cenário brasileiro, demonstraremos como ocorreu 
o desenvolvimento das primeiras políticas públicas de saúde dos dois últimos 
séculos para podermos, em seguida, tratar da criação e das atribuições do 
Sistema Único de Saúde (SUS), que é a base dos serviços de saúde do país e 
que acabou se tornando referência internacional; retrataremos também conflitos 
e dificuldades encontrados atualmente. 
TEMA 1 – GEOGRAFIA, PLANEJAMENTO E POLÍTICAS DE SAÚDE – 
CONCEITO 
Ao longo de nossos estudos, visualizamos as concepções de saúde e de 
doença que foram moldando as relações sociais no decorrer da história das 
civilizações. Agora, devemos pensar na consolidação da Geografia e sua 
aplicabilidade no diagnóstico do meio ambiente e das relações sociais para 
subsidiar ações, ou seja, as políticas para o meio ambiente, urbanização e 
saúde, por exemplo. 
Para esta aula, vamos buscar entender as políticas como um conjunto de 
ações para organizar o espaço geográfico. Devemos ter em mente que a criação 
das políticas perpassa por questões identitárias – e interesses –, muitas vezes, 
de parcela pequena da população, mas que detém o poder e as condições de 
determinar os rumos da sociedade. 
Já estudamos sobre os estudos geográficos de diagnóstico de 
determinadas doenças, bem como sua relação com o modo de vida das 
populações. Além disso, apresentamos os mecanismos para aquisição de dados 
 
 
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de saúde. O fato do pesquisador ter acesso aos dados já significa mecanismo 
legal (políticas) para o manuseio dessas. Assim, introduzimos a reflexão das 
políticas nos estudos geográficos. 
Qualquer pesquisador, independentemente do nível de titulação, terá 
acesso aos dados de saúde se atender aos requisitos mínimos, como a 
aprovação em um conselho de ética e estar atrelado a alguma instituição de 
ensino e pesquisa. Este fato está associado ao conjunto de políticas que 
permitem o acesso aos dados para pesquisadores brasileiros. 
Outros aspectos que representam relações entre a Geografia da Saúde e 
as políticas públicas estão na organização das cidades. A abordagem da 
vulnerabilidade é a mais comum em estudos de doenças transmissíveis nas 
cidades, pois proporcionam análises com diferentes contextos e atores 
envolvidos. Porém, populações vulneráveis a determinada doença estão 
inseridas em uma dinâmica social e de modo de vida, que as coloca em risco de 
contaminação. Esta noção é importante para que se entenda a doença e sua 
difusão mediante a análise de diferentes condicionantes geográficos. 
Nesse sentido, é improvável que temas de estudo da Geografia da Saúde 
não apresentem o contexto das políticas, ora na obtenção dos dados, ora para 
diagnosticar uma localidade com problemas de saúde. Ou seja, alguma relação 
com a estrutura das políticas públicas será evidenciada e necessária para 
compreender os processos que caracterizam a vulnerabilidade de determinados 
locais, por exemplo. 
Portanto, esperamos que, com esta aula, você possa entender melhor o 
funcionamento das políticas públicas de saúde e sua relação com a Geografia e 
com o planejamento das ações. 
TEMA 2 – POLÍTICAS DE SAÚDE NO MUNDO – HISTÓRICO 
Ao tratarmos do contexto das doenças na Antiguidade, foi possível 
identificarmos algumas ações organizadas para a manutenção da vida nas 
cidades, por exemplo. O saneamento foi uma das políticas criadas para melhorar 
as condições de vida das populações. 
No entanto, para essa aula, nos deteremos ao século passado (século 
XX) para destacarmos algumas importantes organizações preocupadas com a 
manutenção da saúde das populações. 
 
 
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Logo no início do século XX, em 1902, foi criada a Organização Pan-
Americana da Saúde (OPAS), após reuniões dos países das Américas ocorridas 
no final do século XIX, cujo objeto central foi a abordagem de aspectos da 
regulamentação sanitária e sua importância no comércio entre os países 
membros. Dessa forma, já podemos visualizar parte das discussões que deram 
origem à OPAS. 
Entre os dias 2 e 5 de dezembro de 1902, ocorreu a Primeira Convenção 
Sanitária Internacional das Repúblicas Americanas, realizada em Washington, 
D.C. (Estados Unidos), que possibilitou a fundação do Escritório Sanitário 
Internacional. Sobre esse tema, veremos suas funções preconizadas no início 
do século passado, mas que já refletiam a preocupação com as fronteiras de 
saúde. As funções do Escritório Sanitário Internacional apresentadas em 1902 
foram: 
• Solicitar que cada país atendido envie pronta e regularmente ao 
Instituto todos os dados relativos ao estado sanitário de seus portos 
e do território nacional; 
• Obter toda a ajuda possível para fazer estudos científicos completos 
sobre surtos de doenças contagiosas que podem ocorrer nos 
países; 
• Oferecer sua maior ajuda e experiência para obter a melhor 
proteção possível para a saúde pública dos países, a fim de 
alcançar a eliminação da doença e facilitar o comércio entre as 
nações; 
• Incentivar, ajudar ou impor todos os meios legais à sua disposição 
para a saneamento dos portos marítimos, incluindo a introdução de 
melhorias sanitárias nas estradas, sistema de drenagem, drenagem 
do solo, pavimentação e eliminação da infecção dos edifícios, 
também como a destruição de mosquitos e outros insetos nocivos. 
(OPAS, 2021; tradução nossa) 
Hoje, no século XXI, já temos exemplos de surtos de doenças 
transmissíveis de diferentes magnitudes, como a dengue, o Zika vírus e, mais 
recentemente, o Coronavírus, que se tornou uma pandemia em 2020. É 
interessante, para nossa discussão, o texto apresentado em 1902, que já 
apresentava as fronteiras de saúde diferentemente das fronteiras políticas e, 
desse modo, exigindo intervenções de ordem estrutural e de saúde para impedir 
o progresso de doenças. 
Prosseguindo com eventos importantes no século XX, temos a 
constituição da Organização das Nações Unidas (ONU) e da Organização 
Mundial de Saúde (OMS). Sobre a formação da ONU, devemos comentar que 
foi em decorrência de suas reuniões que surgiram as primeiras iniciativas para a 
criação da OMS. A ONU foi criada em 1945, logo após o final da Segunda Guerra 
 
 
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Mundial. Naquele momento, vários países sofriam os impactos da guerra e 
precisariam de ajuda para sua reconstrução. Assim, levando em consideração o 
contexto daquele período, a ONU buscou a paz e a cooperação entre os países 
para o desenvolvimento mundial. 
Segundo os registros históricos (OMS, 2021), foi na Conferência de 
Criação da ONU (1945) que representantes da China e do Brasil abordaram a 
necessidade de pensar as questões de saúde de forma integrada. Assim, 
resultante das reuniões que a sucederem, foi constituída a OMS, em 1946. Sua 
importância, em âmbito mundial, está presente nas ações de controle e 
mediação das ações para combater problemas de saúde. Na website oficial da 
organização, são apresentados os valores da OMS: 
A OMS, como autoridade de direção e coordenação em saúde 
internacional dentro do sistema das Nações Unidas, adere aos valores 
da ONU de integridade, profissionalismo e respeito pela diversidade. 
Além disso, os valores da força de trabalho da OMS refletem os 
princípios de direitos humanos,universalidade e equidade 
estabelecidos na Constituição da OMS, bem como os padrões éticos 
da Organização. Esses valores são inspirados pela visão da OMS de 
um mundo em que todos os povos alcancem o mais alto nível de saúde 
possível e nossa missão de promover a saúde, manter o mundo seguro 
e servir aos vulneráveis, com impacto mensurável para as pessoas em 
nível nacional. Estamos individual e coletivamente comprometidos em 
colocar esses valores em prática. (WHO, 2021) 
É importante destacarmos o contexto que levou à criação da ONU e da 
OMS, e os desdobramentos da guerra. Com o término da Segunda Guerra 
Mundial, estabeleceu-se a Guerra Fria, cuja força motriz esteve no confronto 
entre capitalismo (EUA) e socialismo (URSS), iniciando a corrida espacial e o 
desenvolvimento de políticas armamentistas. 
Foi no período pós-Segunda Guerra que o termo vigilância passou a ser 
adotado para questões de saúde. Na atualidade, possuímos setores estratégicos 
nas secretarias estaduais e municipais que trabalham na vigilância em saúde e 
epidemiológica. Naquele período, no entanto, outros assuntos preocupavam os 
países, com destaque para os Estados Unidos, que adotaram a vigilância como 
estratégia de saúde e inteligência, devido à presença de risco relacionada às 
guerras química e biológica (conceituadas atualmente como bioterrorismo) 
(Augusto, 2003). 
Nas décadas de 1960 e 1970 ocorreram importantes eventos que 
alteraram e/ou aperfeiçoaram o trato das questões de saúde e doença das 
populações. O primeiro destaque está na interferência da África na OMS, na 
 
 
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década de 1960, devido à emergência de novos países no pós-guerra e sua 
inserção na OMS. Logo, trouxeram à tona a necessidade de pensar no 
desenvolvimento de políticas públicas para áreas rurais como as da África. Além 
disso, ressalta-se também que foi na década de 1960 que surgiu o conceito de 
Atenção Primária de Saúde (APS), relacionado aos serviços básicos e 
essenciais para a saúde das populações (Viegas, 2014). 
Em 1977, a OMS apresentou o slogan “Saúde para todos no ano de 2000”, 
relevando a preocupação com a saúde no mundo e na promoção de serviços de 
saúde. Nas próximas décadas, diferentes encontros passaram a aprimorar as 
discussões sobre a saúde das populações, inserindo novos contextos, como o 
ambiental, socioeconômico e cultural como elementos essenciais das políticas 
públicas (Brasil, 2002). 
Aproveitando as discussões do final do século XX, devemos destacar o 
conceito de doenças emergentes e reemergentes da década de 1990. Como o 
próprio termo sugere, são aquelas que, ou surgiram recentemente nas 
populações humanas, ou são aquelas já conhecidas, mas que se tornaram 
problema de saúde devido ao seu avanço nas últimas décadas. Um exemplo 
didático consiste na dengue, que reemergiu como problema de saúde no Brasil 
no final do século passado, e tem mantido altos índices de infecção hoje. Além 
disso, quanto às doenças emergentes e reemergentes, os geógrafos da saúde 
têm estudado a propagação da AIDS, da doença de Chagas e da tuberculose, 
por exemplo. 
Outra questão de âmbito internacional consiste nos diferentes problemas 
de saúde gerados pelo modo de vida das populações. No século XX, vimos o 
maior desenvolvimento de tecnologias e produtos cujas matérias-primas 
dependem dos recursos naturais. Além disso, a estrutura das sociedades, 
baseadas no valor de mercado (capitalismo), suscitou o agravamento de 
diferentes problemas socioambientais, como a grave segregação socioespacial, 
dividindo o mundo entre países desenvolvidos e não desenvolvidos, que 
impactam diretamente na saúde das populações. Nesse cenário, fortaleceu-se a 
discussão sobre a ecologia política por geógrafos da saúde, devido à 
necessidade de estudar, diagnosticar e propor ações para minimizar e/ou mitigar 
diferentes problemas socioambientais. Um exemplo é a proliferação do HIV, que 
no final do século passado era mais registrado nas mulheres e associado à 
prostituição, por exemplo (King, 2010). 
 
 
7 
Para finalizarmos o roteiro de fatos selecionados sobre o processo de 
saúde e doença das populações e as políticas públicas do século XX, trataremos 
de dois assuntos: a saúde ambiental e o conceito de biopoder. A saúde ambiental 
(environmental health) é resultante dos impactos ambientais associados ao 
modo de vida e intensa utilização de recursos naturais como combustível das 
atividades humanas; como exemplos, há os complexos industriais, o 
desmatamento, a perda de qualidade da água potável, entre outros. Logo, 
pensar na saúde ambiental tornou-se necessário para a manutenção do meio 
ambiente e da saúde da população. 
 Para falarmos do conceito de biopoder, é necessário contextualizarmos 
com dinâmicas populacionais internacionais, como a dos refugiados, asilados e 
pessoas carentes. Diferentes fluxos pelas fronteiras e processos 
socioeconômicos e ambientais condicionam o modo de vida das populações. 
Logo, o biopoder, com base na biopolítica, apresentou-se como alternativa para 
coordenar e/ou controlar as pessoas negligenciadas pelo Estado (Connell; 
Walton-Roberts, 2016). 
Com esse tópico, apresentamos diferentes fatos que ilustram o 
desenvolvimento de políticas públicas de saúde em contexto mundial. Porém, 
ressaltamos os estudos geográficos sobre saúde e doença das populações e 
sua capacidade de auxiliar no planejamento das políticas públicas. 
TEMA 3 – AS POLÍTICAS DE SAÚDE NO BRASIL – SÉCULOS XIX E XX 
O desenvolvimento de políticas públicas está enraizado na dinâmica e no 
modo de vida, e sofre influências externas que podem facilitar ou impedir a 
geração de ações para o coletivo. Esse contexto é importante para conseguirmos 
relacionar o surgimento das primeiras políticas de saúde no país e qual ou quais 
fatos desencadearam essa preocupação. Para tanto, precisamos nos remeter ao 
período do Brasil colonial, mais precisamente, ao início do século XIX, quando a 
família real portuguesa chegou ao Brasil (em 1808), surgindo, então, uma 
demanda sobre questões de saúde para a realeza e para as pessoas (mão de 
obra) envolvidas com a coroa. 
Em paralelo à vinda da coroa para o Brasil, também devemos mencionar 
os problemas de saúde daquele período, pois a malária e a febre amarela 
ameaçavam os brasileiros. Além disso, são doenças tropicais e de países menos 
desenvolvidos, não sendo uma realidade na Europa, ou seja, tornaram-se 
 
 
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desafio para os médicos portugueses e demandaram ações para seu controle 
(Baptista, 2007). Temos, então, a construção da primeira Faculdade de 
Medicina, em Salvador (Bahia), no ano de 1808, e os primeiros incentivos para 
a construção de hospitais públicos. Em 1852, foi construído o primeiro hospital 
psiquiátrico do país, na cidade do Rio de Janeiro, com enfoque no tratamento de 
doenças mentais (Brasil, 2011; Baptista, 2007; Polignano, 2001). 
Vale ressaltar que não será possível detalhar todos os fatos que 
culminaram em avanços nas políticas de saúde do Brasil, mas algumas leis e 
personagens merecem destaque. O que nós conhecemos hoje como Fundação 
Oswaldo Cruz (FIOCRUZ) surgiu em 1900, com a criação do Instituto 
Soroterápico Federal (que foi renomeado para Instituto Oswaldo Cruz), com 
intuito inicial de fabricar soros e vacinas, principalmente contra a peste bubônica. 
Entre os anos de 1903 e 1904, Oswaldo Cruz iniciou o processo de reforma da 
saúde e propôs um código sanitário, com o objetivo de fiscalizar ambientes 
insalubres, e também tornando a vacinação obrigatória no país. 
Oswaldo Cruz se consagrou como personagem-chave para o 
desenvolvimento de políticas públicas de saúde, preconizando ainda ações de 
combate à febre amarela, que no início do século XX estava sem controle no Rio 
de Janeiro. No entanto, ele possuía postura autoritária e não fazia uma gestão 
transparente, fatos estes que desagradaram a população, culminando com o 
evento conhecidocomo a “Revolta da Vacina”. Os registros indicam que mesmo 
com os conflitos sobre a vacinação, foi possível erradicar a febre amarela do Rio 
de Janeiro (Polignano, 2001; Baptista, 2007). 
Outro fato que ilustra o desenvolvimento de políticas públicas de saúde 
no país ocorreu em 1918, quando uma forte epidemia de gripe espanhola 
infectou muitos brasileiros. Um ponto importante dessa epidemia é o fato de ela 
ter infectado pessoas ricas (a elite) e, dessa forma, impulsionou o debate sobre 
a saúde pública do país. Esse não é um fato isolado ou exclusivo do Brasil, pois 
as populações com maior poder aquisitivo tendem a influenciar o planejamento 
das cidades e em diferentes seguimentos. A década de 1920 ficou conhecida 
pelas campanhas de saúde realizadas pelo Governo Federal. 
A partir da década de 1930, com o presidente Getúlio Vargas e seu 
governo ditatorial, as questões de saúde se concentraram na área de higiene 
pública. Esse fato foi considerado negativo pelos pesquisadores, que relatam 
que as políticas públicas preventivas foram anuladas (Pessoto; Ribeiro; 
 
 
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Guimarães, 2015). Foi também no início do governo Vargas que foram criados o 
Ministério de Educação e Saúde e o Departamento Nacional de Saúde e 
Assistência Médico-Social, em 1937 (Sarreta, 2009). 
A partir da década de 1950, no período pós-guerra, fortaleceu-se o 
conceito de bem-estar social na Europa que, por um lado, estava vivenciando os 
impactos da guerra e, de outro, se preocupava para frear o possível avanço do 
comunismo. No entanto, foi considerado benéfico para as políticas públicas ao 
pretender-se proporcionar bem-estar socioeconômico para a população. 
Diferentemente da Europa, no Brasil da década de 1950, a maior preocupação 
era com o desenvolvimento industrial. 
No período que compreende os anos de 1945 e 1964, as políticas públicas 
de saúde foram influenciadas pelos estadunidenses, culminando com a 
construção de grandes hospitais. Os autores, porém, salientam que ocorreu 
priorização da assistência médica individual, diminuição dos recursos para a 
saúde e, consequentemente, diminuição das ações para a atenção básica 
(Sarreta, 2009). É seguro afirmar que a segregação socioeconômica e espacial 
crescente no país contribuíram para um cenário de mercantilização da saúde, 
tornando-a inacessível às populações mais pobres. 
 Na década de 1960, o principal fato histórico ocorrido foi o golpe militar 
(1964) que alterou os rumos do país. No contexto da saúde pública, apenas as 
pessoas que estivessem devidamente cadastradas e contribuindo com o Instituto 
Nacional de Previdência Social (INPS) teriam direito aos serviços de saúde. O 
INPS foi criado em 1966, com objetivo de concentrar as políticas previdenciárias 
do país. Ou seja, ocorreram muitas restrições aos serviços de saúde (Baptista, 
2007; Sarreta, 2009). 
Na década de 1970, o país já se encontrava enfrentando crises de ordem 
política, econômica e institucional, como reflexo das ações autoritárias dos 
militares. Porém, é possível evidenciarmos avanços nas políticas de saúde, com 
a criação da Superintendência de Campanhas da Saúde Pública (Sucam), do 
Sistema Nacional de Saúde (1975) e do Sistema Nacional de Vigilância 
Epidemiológica (SNVE), todos objetivando melhorias nos serviços de saúde e 
fiscalização sanitária. 
Ainda na década de 1970, ocorreu a criação do II Plano Nacional de 
Desenvolvimento (II PND), que incluiu no planejamento das ações as questões 
 
 
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sociais. Outro fato importante é o fortalecimento dos movimentos sociais, que só 
foi possível devido à política de abertura do governo (Baptista, 2007). 
A década de 1980 foi decisiva para mudanças nas políticas públicas do 
país. Na área de saúde surgiram críticas à centralidade das ações na União, que 
possibilitaram as discussões sobre a descentralização para as outras esferas de 
governo (estadual e municipal). Com a Constituição de 1988, foi legalizada a 
criação do Sistema Único de Saúde (SUS). 
TEMA 4 – SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE (SUS) – CONCEPÇÃO E CRÍTICAS 
O SUS é resultado de políticas públicas inclusivas que foram discutidas 
na década de 1980 e legalizadas com a Constituição de 1988. Por se tratar de 
um sistema de abrangência nacional, reúne diferentes atributos e funções, 
divididos em setores, mas conectando-os ao sistema maior. A primeira 
informação a ressaltar é o conceito de saúde apresentado na Constituição de 
1988, que reforça o direito de todos os brasileiros aos serviços de saúde, os 
quais deverão ser mantidos pelo Estado com a promoção de seu acesso 
universal e igualitário. 
A organização das atividades atreladas ao SUS ocorre mediante relações 
estabelecidas em um sistema hierárquico contemplando as três esferas de 
governo. A Figura 1 apresenta o esquema hierárquico do SUS e é necessária 
para entendermos sua organização inicial. 
Figura 1 – Hierarquia da estrutura do SUS 
 
 
 
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O Quadro 1, a seguir, apresenta uma síntese da função de cada elemento 
apresentado na Figura 1. 
Quadro 1 – Estrutura do Sistema Único de Saúde (SUS) 
Ministério da Saúde 
Gestor nacional do SUS, formula, normatiza, fiscaliza, monitora e avalia políticas e ações, 
em articulação com o Conselho Nacional de Saúde. Atua no âmbito da Comissão 
Intergestores Tripartite (CIT) para pactuar o Plano Nacional de Saúde. Integram sua 
estrutura: Fiocruz, Funasa, Anvisa, ANS, Hemobrás, Inca, Into e oito hospitais federais. 
Conselhos de Saúde 
O Conselho de Saúde, no âmbito de atuação (Nacional, Estadual ou Municipal), em caráter 
permanente e deliberativo, órgão colegiado composto por representantes do governo, 
prestadores de serviço, profissionais de saúde e usuários, atua na formulação de estratégias 
e no controle da execução da política de saúde na instância correspondente, inclusive nos 
aspectos econômicos e financeiros, cujas decisões serão homologadas pelo chefe do poder 
legalmente constituído em cada esfera do governo. 
Cabe a cada Conselho de Saúde definir o número de membros, que obedecerá à seguinte 
composição: 50% de entidades e movimentos representativos de usuários; 25% de 
entidades representativas dos trabalhadores da área de saúde e 25% de representação de 
governo e prestadores de serviços privados conveniados, ou sem fins lucrativos. 
Comissão Intergestores Tripartite (CIT) 
Foro de negociação e pactuação entre gestores federal, estadual e municipal, quanto aos 
aspectos operacionais do SUS 
Secretaria Estadual de Saúde (SES) 
Participa da formulação das políticas e ações de saúde, presta apoio aos municípios em 
articulação com o conselho estadual e participa da Comissão Intergestores Bipartite (CIB) 
para aprovar e implementar o plano estadual de saúde. 
Comissão Intergestores Bipartite (CIB) 
Foro de negociação e pactuação entre gestores estadual e municipais, quanto aos aspectos 
operacionais do SUS 
Secretaria Municipal de Saúde (SMS) 
Planeja, organiza, controla, avalia e executa as ações e serviços de saúde em articulação 
com o conselho municipal e a esfera estadual para aprovar e implantar o plano municipal de 
saúde. 
Fonte: Ministério da Saúde, 2021. 
Podemos perceber que os Conselhos de Saúde, a Comissão 
Intergestores Tripartite (CIT) e a Comissão Intergestores Bipartite (CIB) 
representam a necessidade de comunicação entre os gestores para adequar as 
ações para as necessidades da população. Esse fato é melhor evidenciado 
quando analisamos os princípios do SUS, conforme o Quadro 2. 
 
 
 
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Quadro 2 – Princípios do Sistema Único de Saúde (SUS) 
Universalização 
A saúde é um direito de cidadania de todas as pessoas e cabe ao Estado assegurar este 
direito, sendo que o acesso às ações e serviços deve ser garantido a todas as pessoas, 
independentemente de sexo, raça, ocupação ou outras características sociais ou pessoais. 
Equidade 
O objetivo desse princípio é diminuir desigualdades. Apesar de todasas pessoas possuírem 
direito aos serviços, as pessoas não são iguais e, por isso, têm necessidades distintas. Em 
outras palavras, equidade significa tratar desigualmente os desiguais, investindo mais onde 
a carência é maior. 
Integralidade 
Este princípio considera as pessoas como um todo, atendendo a todas as suas 
necessidades. Para isso, é importante a integração de ações, incluindo a promoção da 
saúde, a prevenção de doenças, o tratamento e a reabilitação. Juntamente, o princípio de 
integralidade pressupõe a articulação da saúde com outras políticas públicas, para 
assegurar uma atuação intersetorial entre as diferentes áreas que tenham repercussão na 
saúde e qualidade de vida dos indivíduos. 
 
Princípios organizativos: 
 
Regionalização e hierarquização: os serviços devem ser organizados em níveis crescentes 
de complexidade, circunscritos a uma determinada área geográfica, planejados a partir de 
critérios epidemiológicos e com definição e conhecimento da população a ser atendida. 
A regionalização é um processo de articulação entre os serviços que já existem, visando o 
comando unificado destes. 
Já a hierarquização deve proceder à divisão de níveis de atenção e garantir formas de 
acesso a serviços que façam parte da complexidade requerida pelo caso, nos limites dos 
recursos disponíveis numa dada região. 
Descentralização e comando único: descentralizar é redistribuir poder e responsabilidade 
entre os três níveis de governo. Com relação à saúde, descentralização objetiva prestar 
serviços com maior qualidade e garantir o controle e a fiscalização por parte dos cidadãos. 
No SUS, a responsabilidade pela saúde deve ser descentralizada até o município, ou seja, 
devem ser fornecidas ao município condições gerenciais, técnicas, administrativas e 
financeiras para exercer esta função. Para que valha o princípio da descentralização, existe 
a concepção constitucional do mando único, onde cada esfera de governo é autônoma e 
soberana nas suas decisões e atividades, respeitando os princípios gerais e a participação 
da sociedade. 
Participação popular: a sociedade deve participar no dia a dia do sistema. Para isso, 
devem ser criados os Conselhos e as Conferências de Saúde, que visam formular 
estratégias, controlar e avaliar a execução da política de saúde. 
Fonte: Ministério da Saúde, 2021. 
Com as informações disponíveis no website do Ministério da Saúde, 
podemos verificar que a transparência e participação popular são essenciais 
para a formulação de ações e a garantia de melhoria do SUS. A descentralização 
se apresentou como avanço, por permitir que aspectos locais pudessem ser 
 
 
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privilegiados. Um exemplo de demanda diferenciada é a presença de 
determinadas doenças: a malária é um problema encontrado na Amazônia, 
enquanto a dengue está presente em todos os estados; entretanto, algumas 
cidades da região Sul, devido ao clima frio, ainda não são impactados pela 
doença. Ou seja, é necessário visualizar ações que atendam às demandas 
locais. 
TEMA 5 – POLÍTICAS DE SAÚDE: SÉCULO XXI 
Para finalizarmos esta aula sobre políticas de saúde, é importante 
destacarmos os avanços produzidos pela criação do SUS, assim como os 
desafios impostos por novas doenças. Para tanto, falaremos sobre a questão 
ambiental, o pacto pela saúde e a questão do Coronavírus, surgida em 2020. 
A problemática da questão ambiental está presente em diversos 
seguimentos da sociedade. Atualmente, o comércio de produtos tem se 
preocupado com a preservação ambiental (certificação ambiental), por exemplo. 
Desse modo, é importante estabelecermos relações entre o meio ambiente e os 
problemas de saúde das populações. Diferentes impactos ambientais podem 
condicionar a transmissão de doenças, como as enchentes urbanas, que 
passaram a ser evidenciados no planejamento das políticas públicas de saúde. 
O Pacto pela Saúde consiste em um conjunto de ações propostas para as 
três esferas de governo no aprimoramento do SUS, e foi assinado em 2006. 
Estados e municípios passaram a receber os recursos federais por 
meio de seis blocos de financiamento: Atenção Básica; Atenção de 
Média e Alta Complexidade; Vigilância em Saúde; Assistência 
Farmacêutica; Gestão do SUS e Investimento. (Teston, 2016, p. 109) 
Por fim, a pandemia do Coronavírus trouxe à tona uma série de questões 
que envolvem a ações do SUS. O Governo Federal não acreditou na força da 
pandemia e demorou para tomar atitudes para combater a doença, disparando, 
muitas vezes, ataques e ofensas aos governos estaduais. Alguns destes, 
contrariando o Governo Federal, adotaram medidas para diminuir o contágio, 
como a obrigatoriedade do distanciamento social, que não foi adotado por todos 
os municípios. A descentralização das ações permite aos governos municipais 
adotarem medidas isoladamente, como a seleção de setores da economia que 
se tornaram essenciais, mesmo que não fossem justificados com critérios 
estabelecidos com base em diretrizes mundiais (orientações da OMS foram 
 
 
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ignoradas, por exemplo). A pandemia iniciou-se no ano de 2020, e serão 
necessários vários anos de estudo para compreender a dinâmica das políticas 
públicas e o aperfeiçoamento do SUS para preparar o país para enfrentar 
epidemias e pandemias futuras. 
NA PRÁTICA 
Considerando as políticas públicas de saúde e sua real efetivação, faça 
uma pesquisa sobre como está a saúde no Brasil em pelo menos duas regiões, 
apontando quais as principais falhas e necessidades dessas populações. Você 
poderá optar por um setor da saúde (infância, atenção básica, traumas etc.). 
FINALIZANDO 
Nesta aula, tratamos da questão do planejamento das ações para o bem-
estar e saúde das populações. Inicialmente, discutimos o papel dos estudos 
geográficos e o planejamento das sociedades, como subsídio para estratégicas 
de diagnóstico e prevenção de doenças. 
Além disso, apresentamos aspectos da história das políticas públicas de 
saúde no mundo, com a criação de organizações de extrema importância, como 
a OMS e a OPAS. 
Acerca do Brasil, abordamos o processo de legalização das ações, 
iniciado no processo de colonização, mas que se intensificou a partir do século 
XIX. No fim do século XX, vimos a criação do SUS e como suas leis alteraram a 
dinâmica de pensar o planejamento das cidades, descentralizando as ações e 
atribuindo responsabilidades à participação popular. 
Por fim, já no século XXI, abordamos o contexto dos avanços no trato da 
saúde e da doença, evidenciando os problemas na real efetivação do SUS. 
 
 
 
 
15 
REFERÊNCIAS 
AUGUSTO, L. G. S. Saúde e vigilância ambiental: um tema em construção. 
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