Logo Passei Direto
Buscar
Material
páginas com resultados encontrados.
páginas com resultados encontrados.

Prévia do material em texto

ESTRUTURA DA APRESENTAÇÃO
1. Contextualizando as Ciências Sociais
1.1. A história das Ciências Sociais
1.2. A diferenciação entre Ciências Naturais e Ciências Sociais
1.3. O estatuto de cientificidade das Ciências Sociais
1.4. O objeto das Ciências Sociais
1.5. Metodologia das Ciências Sociais
2. Pesquisa Qualitativa
2.1. Conceito e História
2.2. Paradigmas da Pesquisa Qualitativa
2.3. Características da Pesquisa Qualitativa
2.4. Diferenciação entre Quanti-Quali
2.5. Pesquisa de Campo
2.5.1. Etnografia
2.5.2. Observação Participante
2.5.3. Entrevista
2.6. O Ciclo da Pesquisa
3. Análise, Interpretação e Validação de Dados na Pesquisa Qualitativa
MINAYO
- Cientificidade das ciências sociais, em comparação as ciências da natureza;
- Unidade ou diversidade do conhecimento epistemológico.
Algumas questões:
- A objetividade das pesquisas sociais, uma vez que os pesquisadores são também agentes sociais e, portanto, fazem parte da realidade/objeto que pretendem analisar.
- A busca dessa objetividade não seria um equívoco, dado que sendo uma característica própria das ciências naturais, não consegue atingir os processos subjetivos que envolvem os fenômenos sociais, diferentemente do que ocorre com os fenômenos da natureza?
- Existiria um método geral que fosse capaz de contemplar ambas as ciências? Como partilhar princípios entre as ciências naturais e as ciências sociais e ao mesmo tempo manter procedimentos tão distintos?
As ciências naturais não atingiram ainda o seu ápice de “cientificidade”, ainda existem revoluções paradigmática (Kunh) ocorrendo neste campo. Física quântica.
A cientificidade deve ser pensada como uma ideia reguladora de alta abstração e não como sinônimo de modelos fechados e altamente normativos. O processo de conhecimento não deve ser entendido como um “a priori” Kantiano, quer dizer, como algo que está dado e caberia a nós apenas identificar essa realidade, mas agora que se contrói e que se é produzido em determinado tempo histórico, com todas as condicionantes e variáveis que envolvem esse processo. 
Desse modo, o conhecimento científico não formula verdades absolutas, mas verdades aproximadas. A ciência trabalha, desse modo, em duas direções: de um lado, elabora suas teorias, seus métodos, seus princípios, formas pela qual se conhece algo e se chega a uma resultado; de outro, inventa, ratifica seu caminho, também se alimenta de um núcleo ideológico e, como tal, aceita os critérios da historicidade, formulando sempre resultados provisórios, que podem ser melhorados, modificados e até negados. Só assim o conhecimento científico poderá continuar avançando e não se tornar um dogma em si mesmo. 
Isso para dizer que, muito embora, as imprecisões, fazer pesquisa social é fazer ciência. Agora, não é porque se admite certas imprecisões, que fazer pesquisa social é fazer qualquer coisa. As ciências sociais também se orientam no sentido de elaborar critérios cada vez mais precisos. Obviamente, isso se faz dentro da especificidade que as ciências sociais representam no campo do conhecimento, se o procedimento científico é ao mesmo tempo aquisição de um saber, aperfeiçoamento de uma metodologia e elaboração de uma norma, a pesquisa social não se desvincula dos princípios da cientificidade. Tem um objeto, método, técnicas, que garantem a confiabilidade dos seus resultados.
O OBJETO DAS CIÊNCIAS SOCIAIS
- Objeto das ciências sociais é histórico. - (Dinâmicos, determinado espaço e tempo)
- O objeto das ciências sociais possui consciência histórica e social.
- Identidade entre sujeito-objeto. (Ser-aí) – Observados é da mesma natureza que o objeto-observado (Levi-Strauss), de modo que ele mesmo é parte da observação.
- Intrinseca e extrssicamente ideológica. – Toda ciências é comprometida, porque veicula visões de mundo. A ciência ela não é neutra, mas isso não quer dizer que seus resultados careçam de objetividade, exatamente por que há um aparato técnico e conceitual que visam oferecer uma estrutura minimamente confiável para evitar certos enviesamentos. O fato da pesquisa conter esse núcleo de subjetividade, não é em si um problema, deste que se assuma isso como uma condição da pesquisa, a ser incorporada como critério de realidade e busca de objetivação.
- O objeto das ciências sociais é essencialmente qualitativo – A realidade social ela é recheada de significados, que se imbricam, se modificam, que acompanham de fato a própria mobilidade, dinamismo e fluidez da dinâmica social. Essa realidade é mais rica que qualquer teoria, qualquer pensamento e qualquer discurso que se possa fazer sobre ela. As ciências sociais, no entanto, foi capaz de um acumular em todos esses anos, um arsenal de instrumentos e teorias que nos permitem fazer uma aproximação com todas essas expressões, representações, processos, estruturas, sujeitos e significados que englobam a vida dos seres humanos em sociedade, ainda que se forma incompleta, imperfeita e até, em certa medida, precária e insatisfatória, mas que consegue, efetivamente, estabelecer relações e compreensões acerca desses fenômenos sociais. 
METODOLOGIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS
Metodologia como o caminho do conhecimento, como prática exercida na abordagem da realidade. Não é apenas uma técnica ou um instrumento, algo exterior que se aplica, mas algo que implica (entrelaçado)...
 
Teoria – Técnica – Criatividade
Nem desprezo, nem endeusamento.
O progresso da ciência está associado as violações e não a sua obediência. (Feyerabend)
Revolução científica = quebra dos paradigmas (Kuhn)
O método não é infalível, mas é um parâmetro...
Todo problema é um problema da vida prática.
Em resumo, a teoria é um conhecimento de que nos servimos no processo de investigação como um sistema organizado de proposições, que orientam a obtenção de dados e a análise dos mesmos, e de conceitos, que veiculam seu sentido.
PESQUISA QUALITATIVA
Um nível de realidade que não pode ser quantificado.
Universo de significados, valores, crenças, relações, atitudes, enfim, tudo que não pode ser reduzido a números ou a operacionalização de variáveis.
A diferença entre qualitativo e quantitativo é de natureza.
O qualitativo avança sobre o mundo dos significados das ações e relações humanas, enquanto que o quantitativo buscam equacionar os fenômenos, em sua forma concreta.
Não há oposição entre quali e quanti. (Essa corrente não é hegemônica)
Corrente positivista nas ciências sociais.
O real são os dados brutos; valores e crenças são dados subjetivos. Positivismo = generalizações objetivas
Corrente da sociologia compreensiva = o significado é o conceito central dessa abordagem (sentido da vida social) – Objetivo não é quantificar em variáveis, mas de compreender e explicar a dinâmica social, como ocorre, porque ocorre etc...
Várias críticas têm sido feitas às teorias acima colo-cadas. Ao Positivismo se lhe contesta sobretudo a pos-tura e a prática de restringir o conhecimento da realidade social ao que pode ser observado e quantificado e de transferir para a utilização do método a questão da objetividade. Aos adeptos da Sociologia Compreensiva as críticas enfatizam o empirismo e o subjetivismo dos investigadores que confundem o que percebem e a fala que ouvem com a verdade científica e o envolvimento emocional do pesquisador com seu campo de trabalho.
Corrente da dialética = a relação de quantidade como uma das qualidades dos fatos e fenômenos. Exterioridade dos fenômenos/interioridade que os constitui.
O CICLO DA PESQUISA
O processo (espiral) da pesquisa que começa com uma pergunta/problema e termina com uma resposta provisória, capaz de gerar novos questionamentos.
Fase exploratória – projeto de pesquisa
Trabalho de campo – produção dos dados e levantamento do material
Tratamento dos dados/material – ordenação, classificação e análise
Não são processos estanques, mas articulados. 
DILYS KAREN REES
CONCEITOS DE PESQUISA QUALITATIVA
Frequentemente, o termo [pesquisa qualitativa] é usado para se referir a um conjunto de técnicas ou instrumentos de pesquisa,tais como: a entrevista, o questionário, a gravação em áudio ou vídeo de aulas ou de ambientes abertos ao público, a observação de aulas ou de outros ambientes, a análise de documentos. Nesse uso do termo, é possível integrar as técnicas mencionadas a pesquisas quantitativas, resultando nas denominadas pesquisas mistas, isto é, que usam técnicas tanto quantitativas quanto qualitativas.
Para Larsson (1998, p. 2), por exemplo, o método qualitativo é um conhecimento sistematizado de como descrever algo de tal maneira que seja possível apresentar o caráter do fenômeno.
Segundo esse pesquisador, o método pode se relacionar a três tradições que buscam interpretar um evento ou fenômeno: 
a hermenêutica (a mais antiga, com raízes no discurso teológico), 
a etnográfica (com raízes na antropologia e na sociologia) e 
a fenomenológica (com raízes na filosofia).
Wolcott (1992, p. 23), por sua vez, partindo dos pressupostos do campo da educação, faz uma categorização conforme as estratégias usadas em cada tipo de estudo qualitativo. Esse autor afirma que há um inter-relacionamento entre todos os tipos de estudo mencionados, pois, na verdade, eles fazem parte da mesma árvore, cujo tronco é o da pesquisa qualitativa que valoriza a observação dos nossos semelhantes em uma tentativa de interpretar o que eles fazem.
O sociólogo Schwandt (2000) aborda o tema do ponto de vista epistemológico e cita três possibilidades: o interpretativismo, encontrado no trabalho de Dilthey, na fenomenologia sociológica e nos trabalhos de pesquisadores que usam o conceito de jogos de linguagem de Wittgenstein (1965); a hermenêutica filosófica de Gadamer (1999) e o construtivismo social.
A PESQUISA QUALITATIVA COMO PARADIGMA CONSTRUTIVISTA (OPOSIÇÃO COM O POSITIVISMO)
Usa-se, também, o termo “pesquisa qualitativa” para se referir ao paradigma construtivista, contrastando-o ao paradigma positivista.
Exemplificando os paradigmas, Lincoln e Guba (2000, p. 168) citam cinco possibilidades: 
Os dois primeiros paradigmas são positivistas e entendem que a realidade é um dado objetivo, existindo a parte do ser humano. Já os três últimos paradigmas descrevem a realidade da forma como é construída pelo ser humano na sua vivência com o mundo que o cerca. Os dois primeiros, portanto, são incomensuráveis com os últimos três.
Quanto ao construtivismo, suas raízes intelectuais se encontram na Alemanha do século XIX quando se postulava a distinção entre as ciências naturais (Naturwissenschaft) e as ciências humanas (Geisteswissenschaft). No trabalho de Wilhelm Dilthey, historiador alemão do século IX, essa distinção se tornou ainda mais clara, porque, segundo ele, os métodos usados nas ciências humanas deveriam ser hermenêuticos, buscando interpretar as perspectivas de significação das pessoas sob estudo. Dilthey discordava do teórico francês Comte, que propunha uma ciência positivista da sociedade.
O paradigma construtivista contrasta com o positivista quando se consideram a ontologia (a teoria de mundo), a epistemologia (a teoria de conhecimento) e a metodologia. Considerando a ontologia, nos dois paradigmas há um entendimento diferente sobre o que pode ser conhecido. Para o construtivista, a realidade é construída, dinâmica e contextualizada. Ao pesquisá-la, ela é observada sem intervenções experimentais e sem tentativas de controlar as variáveis. No paradigma positivista, a realidade é considerada como estável (DEVERS, 1999, p. 5). Assim, ela pode ser estudada de forma controlada, com intervenções experimentais. No positivismo, entende-se que o método usado nas ciências exatas pode ser aplicado às ciências humanas, opondo-se a qualquer procedimento ou investigação que não seja redutível ao método científico (JENSEN e PESHKIN, 1992, p. 684).
Para o paradigma construtivista, a teoria do mundo social é o relativismo, pelo fato de a realidade ser considerada dinâmica e contextualizada. Entretanto, para o positivista, a teoria do mundo social é o realismo, visto que a realidade é entendida como fixa e estável (NIGLAS, 1999, p. 4).
Positivistas e construtivistas diferem, também, sobre o que pode ser observado. Para o positivista é preciso estudar objetos, enquanto os construtivistas se interessam por processos, pessoas e eventos.
Como consequência da ontologia e da epistemologia, a metodologia do positivismo é intervencionista, pois o estudo intervém em um grupo experimental para testar uma hipótese (ALLWRIGHT e BAILEY, 1992, p. 41). Procuram-se os fatos sobre um fenômeno social ou as suas causas, sem valorizar os estados subjetivos dos informantes. No construtivismo, como a metodologia é interpretativa, o pesquisador procura entender o comportamento humano do ponto de vista do sujeito, sendo o estudo feito através da observação (LARSEN-FREEMAN e LONG, 1991, p. 12).
No positivismo, há uma tentativa de eliminar a subjetividade ao controlar as variáveis do estudo. No construtivismo, entende-se que os pré-conceitos dos pesquisadores estão presentes no processo da pesquisa, não podendo ser retirados.
Para avaliar tanto as pesquisas quantitativas quanto as qualitativas, valemo-nos dos seguintes critérios: (1) a validade interna (a possibilidade de os resultados mapearem o fenômeno que está sendo estudado); (2) a validade externa (a possibilidade de generalizar os resultados para a população da qual saiu a amostra); (3) a replicabilidade (a possibilidade de que outro pesquisador possa reproduzir o estudo; (4) a objetividade (a confirmação de que os resultados não são tendenciosos). Esses critérios são fundamentados pelo paradigma positivista, que entende a ciência como dedutiva. As hipóteses são levantadas a partir de uma teoria e submetidas à intervenção. O conhecimento científico é obtido pelo acúmulo de fatos verificados por meio da experimentação. Procura-se não só predizer o que poderá ocorrer em certos ambientes controlados, mas também explicar a ocorrência dos fenômenos. Problemas podem surgir quando os critérios explicitados anteriormente são aplicados à pesquisa qualitativa.
A PESQUISA QUALITATIVA E OS SEUS CRITÉRIOS
Os pesquisadores construtivistas, em geral, discordam da possibilidade de generalizar os resultados, pois defendem que cada contexto é único. Também não procuram causas para as ocorrências, afirmando que essas são múltiplas. Para a pesquisa qualitativa, o conceito de formação mútua e simultânea é mais adequado (GLINER, 1999, p. 3). Em decorrência desse fato, tem surgido uma discussão sobre quais critérios devem ser usados na pesquisa qualitativa.
[...] critérios que refletem o paradigma construtivista. Chega-se ao conhecimento pela dedução, procurando descrever e interpretar os seguintes fenômenos: (1) a credibilidade (os resultados são corroborados pelos sujeitos do estudo e dentro do contexto pesquisado); (2) a transferibilidade (a extensão em que os resultados podem ser transferidos a outros ambientes, que devem ser semelhantes e dos quais pesquisador deve fornecer uma descrição densa, bem como de qualquer fator que possa ter afetado a pesquisa); (3) a confiança (a extensão em que a pesquisa pode produzir resultados semelhantes se executada da mesma forma, incluindo qualquer fator que possa ter influenciado nos resultados finais); (4) a confirmação (o pesquisador deve comprovar a evidência – por parte dos sujeitos e do contexto, não dos conceitos prévios, das motivações ou das perspectivas do pesquisador – para confirmar os resultados).
Maxwell (1992, p. 285), por sua vez, sugere os seguintes critérios: (1) a validade descritiva (para mostrar exatidão na descrição, o pesquisador deve apresentar os eventos e situações que ocorrem durante a pesquisa); (2) a validade interpretativa (trata-se da interpretação dos eventos por parte dos sujeitos, envolvendo crença, cognição, avaliação, intenção e emoção); (3) a validade teórica (consiste na teoria sobre o fenômeno sob estudo, levando em consideração a comunidade científica para validar a teoria); (4) a generabilidade (trata-se da possibilidade de estender os resultadosa outras pessoas, ambientes, ou tempos, sendo usada para ajudar a interpretar outras situações semelhantes); (5) a validade avaliativa (consiste na avaliação da pesquisa como um todo, por parte de outros pesquisadores).
PESQUISA QUALI X QUANTI
É preciso entender que os dois paradigmas, por apresentarem teorias de mundo e de conhecimento diferentes, estudam fenômenos distintos. A pesquisa quantitativa procura se inteirar de fenômenos delimitados, divididos em categorias que são comuns a grandes números de pessoas; a qualitativa procura interpretar, de forma holística, o significado das experiências de uma pessoa, de um evento, ou de um grupo. Por essa razão, torna-se difícil usar os mesmos critérios para as duas linhas de pesquisa.
A pesquisa qualitativa, ao afirmar que a realidade é dinâmica e construída, postula a impossibilidade da objetividade. A subjetividade é considerada um fator integral de qualquer pesquisa humana. Ao observar de forma participativa, a dualidade cartesiana de “observador” e “observado” é rompida. O investigador se torna parte do ambiente que está sendo investigado.
A SUBJETIVIDADE NA PESQUISA QUALITATIVA E O PROCESSO INTERPRETATIVO
Como a subjetividade faz parte dos trabalhos qualitativos, é preciso refletir sobre sua representação, ao permitir que as vozes, tanto do pesquisador/observador quanto dos participantes/ observados, sejam ouvidas. Dessa maneira, pode-se afirmar que o pesquisador é impossibilitado de aprisionar a experiência vivida no relatório de pesquisa. Na verdade, ao escrever os textos da pesquisa (anotações de campo, diários, relatórios, artigos, teses), o pesquisador está inserido em um ato de interpretação e de criação.
É preciso que o investigador descreva como percorreu o caminho da interpretação. Esse tipo de descrição é “cheio, denso, metafórico, propositadamente aberto, não artificialmente unificado” (CHILDRESS, 1998, p. 3).
Ao apresentar esses exemplos, vê-se a necessidade de representar, de forma clara, a subjetividade na pesquisa.
Jensen e Peshkin (1992, p. 719) afirmam que há uma variedade de formas que o relatório da pesquisa pode assumir, desde que nele se inclua a voz do pesquisador. Por último, é necessário pensar sobre as maneiras como o pesquisador deve se posicionar na pesquisa, para que sua voz não predomine sobre as vozes dos pesquisados.
Para Denzin e Lincoln (2000, p. 23), o pesquisador qualitativo, ao escrever os textos da pesquisa, se define como “o escritor como intérprete”, pois “as interpretações qualitativas são construídas”.
A PESQUISA ETNOGRÁFICA
A palavra “etnografia” significa, literalmente, escrevendo sobre as nações. Grafia é derivado do verbo grego que significa escrever; e etno origina-se da palavra grega que significa nação, tribo, povo (ERICKSON, 1984, p. 52). A unidade de análise pode ser “qualquer rede social que forma uma entidade em que as relações sociais são regulamentadas pelo costume” (p. 5). Assim, na sociedade moderna, pode-se estudar uma família, uma sala de aula, uma escola inteira, um grupo de trabalhadores numa fábrica, uma fábrica inteira – enfim, qualquer unidade social.
O que distingue o estudo etnográfico de outros estudos é a busca por descrever as “perspectivas culturalmente baseadas, interpretações e categorias usadas pelos membros do grupo sob estudo para conceituar e codificar conhecimento e guiar seus próprios comportamentos” (WATSON-GEGEO, 1988, p. 580). Para descrever as categorias do grupo social, objeto do estudo, usam-se as próprias palavras dos participantes (SPRADLEY, 1980, p. 90). É preciso lembrar que, ao buscar o ponto de vista do participante, o pesquisador está interpretando e, consequentemente, seus pré-conceitos estão presentes.
Valorizada por oferecer oportunidades de aprender através da própria participação nos eventos do local sob estudo, a pesquisa etnográfica envolve a observação direta de unidades sociais existentes na vida real (real life situations). Frequentemente, a observação é vinculada à participação na unidade social.
Para que a observação seja considerada válida, o pesquisador deve permanecer no local por um período de tempo adequado. Segundo Spindler e Spindler (1992, p. 65), um dos critérios básicos da etnografia é a observação prolongada e repetitiva.
A etnografia é holística, pois considera os contextos em que o evento cultural se insere.
Segundo Erickson (1986, p. 128), todos participam de micro e macroculturas. Esses termos são relativos e dependem do foco da pesquisa. O etnógrafo, ao fazer a sua pesquisa, considera todos os atos, não isoladamente, mas de forma situada dentro dos contextos socioculturais (DAVIS, 1995).
Para que haja um estudo holístico é preciso haver uma descrição densa. Essa terminologia foi veiculada por Geertz (1989, p. 15) que elaborou o conceito de Gilbert Ryle de descrição densa, exemplificado em uma análise de piscadelas de dois garotos. Para um dos garotos, a piscadela é um tique nervoso (em inglês, a blink); para o outro, é um ato de comunicação entre amigos (em inglês, a wink). Através da descrição densa, é possível distinguir entre a piscadela voluntária e a involuntária. Portanto uma descrição densa inclui toda a hierarquia de significação. Não é somente minuciosa, mas considera todas as culturas, tanto micro quanto macro, que possam ser relevantes à pesquisa.
A etnografia também considera a relação do familiar e do estranho. Inicialmente, nos estudos etnográficos entre povos de países distantes, o etnógrafo buscava tornar o estranho familiar, isto é, buscava compreender o sistema cultural do outro que, no caso daquela época, era de culturas não ocidentais. Malinowski é um exemplo dessa primeira época da etnografia.
Estudando as tribos indígenas da costa oeste do Canadá entre 1886 e 1930, Boas contribuiu também para revolucionar a antropologia ao reunir, na sua própria pessoa, o teórico e o observador. Não era mais o teórico que ficava na Europa analisando as observações feitas por administradores, viajantes, missionários. No seu trabalho, Boas defendeu a necessidade de ter acesso à língua e à cultura do povo objeto da pesquisa, razão pela qual conviveu por longo tempo com os povos Chinook e Kwakiutl (LAPLANTINE, 1997, p. 78).
À medida que etnógrafos começaram a estudar culturas nos seus próprios países, o enfoque das pesquisas mudou. A partir de 1950, a antropologia passou a reconhecer a validade dos estudos de unidades sociais existentes no próprio país do pesquisador, não exigindo que se estudassem somente as sociedades não ocidentais (MINTZ, 2000, p. 3).
Ao estudar locais e culturas conhecidos, procurou-se tornar estranho o familiar e conhecido.
Segundo Erickson (1986, p. 121), a vida cotidiana é invisível, isto é, ela é o local em que os nossos conceitos prévios agem sem que os percebamos. Para torná-la visível, Erickson (1984, p. 62) sugere perguntas do tipo, “por que isto é do jeito que é e não diferente?”. Para esse autor, é preciso lembrar “a singularidade e a natureza arbitrária do comportamento comum e cotidiano que nós, como membros, aceitamos sem questionamento”. Afirma também que o etnógrafo deve ter a consciência hermenêutica, que se mostra em uma postura intelectual de abertura. Isto é, enquanto questiona o evento, o etnógrafo permite que o evento questione os seus próprios pré-conceitos.
Spradley (1980, p. 82), por sua vez, sugere uma série de perguntas que faz parte do que ele denomina “matriz de perguntas descritivas”. As perguntas procuram respostas para todas os aspectos do evento ou do grupo sob estudo: 
• Espaço físico. Exemplo: “De que forma o espaço físico afeta os objetivos?” 
• Objetos. Exemplo: “De que maneira os objetos evocam sentimentos?” 
• Atos. Exemplo: “De que modo os atos variam nos diferentes períodos de tempo?” 
• Atividades. Exemplo: “Como as atividades variam em períodos de tempo diferentes?” 
• Eventos. Exemplo: “Como os eventos envolvem os atores?” 
• Tempo. Exemplo: “Como as atividades são organizadas por períodos de tempo?” 
• Atores. Exemplo: “Quais atores são ligadosa quais objetivos?”
• Objetivos. Exemplo: “De que forma os objetivos afetam os sentimentos?” 
• Sentimentos. Exemplo: “De que modo os sentimentos afetam os atos?”
Usando perguntas como essas, Spradley busca tornar estranho o mundo conhecido e familiar, para entender o sistema cultural que organiza o evento ou o grupo cultural objeto de estudo, por meio de uma visão crítica cultivada pelo pesquisador. O etnógrafo não somente observa, mas o faz criticamente por meio de perguntas. Para Erickson (1984, p. 62), a pergunta crítica é “a ferramenta para desenterrar o óbvio”.
Hymes (1981, p. 57) resume: “a etnografia é uma maneira disciplinada de ver, perguntar, gravar, refletir, comparar e reportar”. Para ele, a etnografia é compatível com uma maneira democrática de viver: por usar habilidades normais do ser humano como parte das suas técnicas de pesquisa; por ser possível transmitir os resultados das pesquisas em linguagem compreensível ao leigo; por valorizar o ponto de vista do informante participante da cultura pesquisada; por valorizar a vida cotidiana. A etnografia é, portanto, a forma de investigação científica menos provável de produzir especialistas que controlam o saber em detrimento dos sujeitos do estudo.
DAMATTA
1. Ciências Naturais e Ciências Sociais
Um deles diz respeito ao fato de que as chamadas “ciências naturais” estudam fatos simples, eventos que presumivelmente têm causas simples e são facilmente isoláveis. Tais fenômenos seriam, por isso mesmo, recorrentes e sincrônicos, isto é, eles estariam ocorrendo agora mesmo, enquanto eu escrevo estas linhas e você leitor, as lê.
A matéria-prima da “ciência natural”, portanto, é todo o conjunto de fatos que se repetem e têm uma constância verdadeiramente sistêmica, já que podem ser vistos, isolados e, assim, reproduzidos dentro de condições de controle razoáveis, num laboratório.
O laboratório assegura de certo modo tal condição de “objetividade”, um outro elemento crítico na definição da “ciência” e da “ciência natural”.
Em contraste com isso, as chamadas “ciências sociais” estudam fenômenos complexos, situados em planos de causalidade e determinação complicados. Nos eventos que constituem a matéria-prima do antropólogo, do sociólogo, do historiador, do cientista político, do economista e do psicólogo, não é fácil isolar causas e motivações exclusivas.
Mesmo quando o “sujeito” está apenas desejando realizar uma ação aparentemente inocente e basicamente simples, como o ato de comer um bolo. Pois um bolo pode ser comido por se ter fome e pode ser comido “motivos sociais e psicológicos”: para demonstrar solidariedade a uma pessoa ou grupo, para comemorar uma certa data (como ocorre num aniversário), para revelar que o bolo feito por mamãe é melhor do que o feito por D. Yolanda, para indicar que se conhecem bolos, para justificar uma certa atitude e, ainda, por todos esses motivos juntos. Para que se tenha uma prova clara destas complicações, basta parar de ler esse trecho e perguntar a uma pessoa próxima: “por que se come um bolo?” Verá o leitor que as respostas em geral colocam toda essa problemática na superfície, sendo difícil desenvolver uma teoria que venha a determinar com precisão uma causa única ou uma motivação exclusiva.
A matéria-prima das “ciências sociais”, assim, são eventos com determinações complicadas e que podem ocorrer em ambientes diferenciados tendo, por causa disso, a possibilidade de mudar seu significado de acordo com o ator, as relações existentes num dado momento e, ainda, com a sua posição num cadeia de eventos anteriores e posteriores.
Um bolo comido no final de uma refeição é algo que denominamos de “sobremesa”, tendo o significado social de “fechar” ou arrematar uma refeição anterior, considerada como principal, constituída de pratos salgados. O salgado, assim, antecede o doce, sendo considerado por nós separado e mais substancial que os doces. Agora, um bolo que é comido no meio do dia pode ser um sinal (ou sintoma) de um desarranjo psicológico, como acontece com as pessoas que comem compulsivamente. Finalmente, um bolo que é o centro de uma reunião, que serve mesmo como motivação para o convite quando se diz: “venha comer um bolo com o Serginho”, é um bolo com um significado todo especial. Aqui, ele se torna um símbolo importante, cuja análise pode revelar ligações surpreendentes com a passagem da idade, com as relações entre gerações, identidades sexuais etc.
Mas, além disso, os eventos que servem de foco ao “cientista social” são fatos que não estão mais ocorrendo entre nós ou que não podem ser reproduzidos em condições controladas.
Enfim, o conjunto criado pela ocasião social que de certo modo decola dela e, recaindo sobre ela, provoca o que podemos chamar de “sobredeterminações”, como a imagem projetada numa tela ou num espelho. Diferentemente de um rato reagindo a um anticorpo num laboratório, o aniversário (e todas as ocasiões sociais fechadas) cria o seu próprio plano social, podendo ser diferenciado de todos os outros, embora guarde com ele semelhanças estruturais. Esse plano do reflexo, da circularidade e da sobredeterminação me parece essencial na definição do objeto da Antropologia Social (e da Sociologia).
os fatos sociais são irreproduzíveis em condições controladas e, por isso, quase sempre fazem parte do passado. São eventos a rigor históricos e apresentados de modo descritivo e narrativo, nunca na forma de uma experiência. Realmente, não posso ver e certamente jamais verei uma expedição de troca do tipo kula, tão esplendidamente descrita por Malinowski; ou um rito de iniciação dos Canela do Brasil Central que Nimuendaju narrou com tanta minúcia. Do mesmo modo, não posso saber jamais como se sente alguém diante dos eventos críticos da Revolução Francesa ou como foram os dias que antecederam a proclamação da República do Brasil. Podemos, obviamente, reconstruir tais realidades (ou pedaços de realidade), mas jamais clamar que nossa reconstrução é a “verdadeira”, que foi capaz de incluir todos os fatos e que compreendemos perfeitamente bem todo o processo em questão. Tal totalização é impossível, embora posse ser um alvo desejável para muito cientistas sociais.
Os fatos que formam a matéria-prima das “ciências sociais” são, pois, fenômenos complexos, geralmente impossíveis de serem reproduzidos, embora possam ser observados. Podemos observar funerais, aniversários, rituais de iniciação, trocas comerciais, proclamações de leis e, com um pouco de sorte, heresias, perseguições, revoluções e incestos; mas, além de não poder reproduzir tais eventos, temos de enfrentar a nossa própria posição, histórica, biográfica, educação, interesses e preconceitos. O problema não é o de somente reproduzir e observar o fenômeno, mas substancialmente o de como observá-lo. Todos os fenômenos que são hoje parte e parcela das chamadas ciências sociais são fatos conhecidos desde que a primeira sociedade foi fundada, mas nem sempre existiu uma ciência social. Assim, classes de homens diversos observaram fatos e os registraram de modo diverso, segundo os seus interesses e motivações; de acordo com aquilo que julgavam importante. O processo de acumulação que tipifica o processo científico é algo lento em todos os ramos do conhecimento, mas muito mais lento nas chamadas ciências do homem.
Mas de todas essas diferenças a que considero mais fundamental é a seguinte: nas ciências sociais trabalhamos com fenômenos que estão bem perto de nós, pois pretendemos estudar eventos humanos que nos pertencem integralmente. O que significa isso?
Tomemos um exemplo. Quando eu estudo baleias, estudo algo radicalmente diferente de mim. Algo que posso perceber como distante e com quem estabeleço facilmente uma relação de “objetividade”. Não posso imaginar o universo interior de uma baleia, embora possa tomar as baleias para realizar com elas um exercício humanizador, situando-as como ocorre nos desenhos animados e nos contos de fadas, como uma réplica da sociedade humana. Embora possa incorporar as baleias ao reino humano, poderei imaginar oque sentem realmente esses cetáceos? É claro que não. Essa distância irremediável dada ao fato de que jamais poderei tornar-me uma baleia é que permite jogar com a dicotomia clássica da ciência: aquela entre sujeito (que conhece ou busca conhecer) e objeto (a chamada realidade ou fenômeno sob escrutínio do cientista). As teorias e os métodos científicos são, nesta perspectiva, os mediadores que permitem operar essa aproximação, construindo uma ponte entre nós e o mundo das baleias.
Mas, ao lado disso, há um outro dado crucial. É que posso dizer tudo o que quiser em relação às baleias sabendo que elas jamais irão me contestar. Poderei, é claro, ser contestado por um outro estudioso de baleias, mas jamais pelas baleias mesmas. 
Isso significa simplesmente que o meu conhecimento sobre as baleias não será jamais lido pelas baleias que jamais irão modificar o seu comportamento por causa das minhas teorias de modo direto. Minhas teorias poderão ser usadas por mim mesmo ou por terceiros para modificar o comportamento das baleias, mas elas nunca serão usadas diretamente pelas baleias.
Temos, em primeiro lugar, a interação complexa entre o investigador e o investigado, ambos ─ como disse Lévi-Strauss ─ situados numa mesma escala. Ou seja, tanto o pesquisador quanto sua vítima compartilham, embora muitas vezes não se comuniquem, de um mesmo universo das experiências humanas. Se entre nós e os ratos as diferenças são irredutíveis, homens e ratos pertencem a espécies diferentes, sabemos que os homens não se separam por meio de espécies, mas pela organização de suas experiências, por sua história e pelo modo com que classificam suas realidades internas e externas. Por causa disso ninguém pode virar baleia, rato ou leão, mas todos nós podemos nos transformar em membros de outras sociedades, adotando seus costumes, categorias de pensamento e classificação social, casando com suas mulheres e socializando seus filhos.
Podemos então dizer que é nesta avenida aberta pela possibilidade do diálogo com o informante que jaz a diferença crítica entre um saber voltado para as coisas inanimadas ou passíveis de serem submetidas a uma objetividade total (os objetos do mundo da “natureza”) e um saber, como o da Antropologia Social, constituído sobre os homens em sociedade. Num caso, o objeto de estudo é inteiramente opaco e mudo; noutro, ele é transparente e falante. No caso das ciências sociais, o objeto é muito mais do que isso, ele tem também o seu centro, o seu ponto de vista e as suas interpretações que, a qualquer momento, podem competir e colocar de quarentena as nossas mais elaboradas explanações.
A raiz das diferenças entre “ciências naturais” e “ciências sociais” fica localizada, portanto, no fato de que a natureza não pode faltar diretamente com o investigador; ao passo que cada sociedade humana conhecida é um espelho onde a nossa própria existência se reflete.
image1.png

Mais conteúdos dessa disciplina