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NEM A CURA, NEM A DOENÇA – Ascetismo e Marginalidade no 
séc.XXI. 
 
 
 
 
 
 
 
Mateus Notariano Belizario 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA JÚLIO DE MESQUITA 
CAMPUS MARÍLIA. CIÊNCIAS SOCIAIS 4ºANO 
 
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Resumo 
A utilização da elevação espiritual, seus meios, e suas técnicas enquanto ideal 
ascético numa estrutura de confinamento e retiro, como forma de tratamento e de 
inserção na estrutura da clínica enquanto paciente, destacando o uso da disciplina como 
forma de aceitação de uma coerção comportamental que pede uma nova vida, um novo 
ser, dentro dos parâmetros da normalidade, para que haja o retorno à sociedade, 
buscando integrar socialmente o indivíduo, a clínica acaba sendo um paliativo 
momentâneo e não resolve o problema central que faz do paciente um marginalizado, 
cria portanto, um processo de aprofundamento da problemática pois cria a condição de 
institucionalizado, dentro da clínica, o paciente entra em contato com duas perspectivas 
de ideais ascéticos, a promovida pela via da aceitação e entendimento e convivência 
com a doença e a outra a exercida pela via da cura, do que recebe o toque, desperta 
espiritualmente e acredita-se curado, como e de que maneira estas doutrinas 
comportamentais entram em choque devido a oposição de seus fundamentos, no entanto 
a clínica apela para um convívio mutuo querendo melhores resultados, mas devido as 
restrições e ao fato de negar sua vontade, o paciente, sendo obrigado a estabelecer para 
si uma moral de rebanho, se rebela com um e busca outro, na esperança de ser diferente 
e adere a papeis que o aproximam a figuras bíblicas ou a personas, com vícios morais e 
duvidosa virtude, em suma, o aparecimento de um novo ser disposto a viver a 
normalidade é muito frágil, devido ao apelo à disciplina como fim, que perde seu papel 
na busca pela ascese, e acaba sendo usados dentro da pratica ascética como meio de 
coerção pessoal para institucionalizar o paciente. Palavras chave: elevação espiritual, 
ascetismo, clínica, disciplina, doença, cura. 
 
 
 
 
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INTRODUÇÃO 
A maneira que uma coisa passa do desconhecido à novidade e é absorvido pela 
identidade integra o sentido que gera um significado representado por um símbolo. Essa 
formação de teia interpretativa formadora da cultura é vivida de modo a representar a 
vida em suas possibilidades de estruturação da ação humana, o que demonstra um 
pensamento acabado, porém diluído nas práticas. Esse instante que gera o ser 
interrompe o devir, inicia o processo cultural que exponencialmente se sofistica e 
absorvendo todo e qualquer elemento solto em busca de uma unidade, a isso chamamos 
referência (GEERTZ, , 1989). 
 A construção dessa unidade cria as referências, o papel da referência é nortear 
um entendimento que abarque diversos tipos de casos, entretanto acabam tendo o 
mesmo enredo e texto, terminando como mais um caso do mesmo tipo, onde se permite 
uma experiência socializada que não fica nem na instância do universal objetivo e nem 
na do particular subjetivo. Afinal de contas no que se baseia a interação social senão 
nessas referencias individuais que podem ser apreciadas pelo outro e essas referências 
do outro que podem ser internalizadas e processadas pelo indivíduo. 
Interpretar a experiência é criar uma referência, pois se permite conhecer e 
apreciar o devir a partir desse ponto, enquanto se analisa o ser que essa referência busca 
se sobrepor, enquanto a própria experiência se perde na construção do simbólico, ocorre 
que existe um arranjo social de termos que afetam os costumes com novos valores, 
fazendo com que uma denominação, apesar de culturalmente popular, se encontre 
marginalizada dentro da construção do significado tem socialmente e cientificamente - 
sendo um elemento de reconhecimento de um pequeno grupo, uma tribo por assim 
dizer. 
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A condição de “doente” ou de “saudável” é usado como principal artifício para 
encontrarmos os problemas e condições de vida de cada um: nos definimos com uma 
nova vida e um novo ser, essa busca pode ser inata como sendo o sentido espiritual de 
nossa essência, mas esse desenvolvimento é perpassado pela disciplina como principal 
agente de uma mudança (GIDDENS, 2002). 
O presente trabalho teve início em maio de 2013, quando houve uma abordagem 
inicial, dialogando com psiquiatras além de algumas incursões ao grupo “Boa Vontade 
de Narcóticos Anônimos”, localizado em Amparo, São Paulo. Em 10 de agosto do 
mesmo ano, começo uma estadia de três meses na Clínica São Judas Tadeu, localizada 
em Monte Alegre do Sul, com nome fantasia de Clínica Travessia, permanecendo ali até 
15 de novembro de 2013. 
Em 2014 apenas mantive o contato com o grupo de Narcóticos Anônimos, no 
entanto neste ano a pesquisa não teve maiores desdobramentos, retomando em 15 de 
abril de 2015, na clínica Projeto Vida Nova, de nome fantasia Comunidade Terapêutica 
Luz e Liberdade, localizada em Santo Antônio da Posse-SP, uma internação de seis 
meses, até 15 de outubro de 2015. 
No dia 7 de dezembro de 2015, tem início um tratamento no CAPS AD 
localizado em Amparo – SP, indo três vezes na semana ali, até fevereiro de 2016. No dia 
17 de fevereiro de 2016 tem início uma internação na Fundação Espírita “Américo 
Bairaal”, ou Clínica Instituto Bairaal de Psiquiatria, na ala Girassol, localizada em 
Itapira, São Paulo, até 08 de junho de 2016. Passando por ali também, no mesmo ano, 
do dia 07 de outubro até o dia 20 de dezembro de 2016. 
Finalizamos essa trajetória em 2017 na Clínica Fazenda Palmeiras, localizada 
em Amparo, São Paulo no período de 08 de julho até 08 de agosto 
 
O espaço asilar fora do seu “lugar” – “ Ascetismo e poder disciplinar” 
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Essa busca espiritual ganha outra dimensão quando inserimos as instituições de 
controle e a forma coercitiva que aplicam o ideal ascético destacando a disciplina com o 
castigo e a vigilância, e assim, alterando o seu papel. E a disciplina passa de meio para 
realizar a ascese espiritual para ser o fim último: qual é disciplinar o indivíduo, a não 
possuir o êxtase através da substancia danosa ou de manias e violências (FOUCAULT, 
2006). O tratamento consiste em obrigar à disciplina para obter os resultados de um 
desenvolvimento novo das ideias e do espírito, em vez de o êxtase sagrado, o paciente 
busca adaptar-se a condição de presidiário temporário, portanto devemos questionar 
porque é tão efêmera a eficácia do tratamento quando fora da instituição, quando não se 
encontra os agentes da disciplina para orientar o levante moral do paciente 
(GOFFMAN, 2001). 
O próprio poder disciplinar é o ideal de conduta do novo ser. Ela prodpuz o 
discurso da cura e o da doença. O próprio poder disciplinar se torna referência para o 
ascetismo, se tornando uma referência de conduta também para a marginalidade, pois a 
questão da busca por legitimidade passa a ter relevância a partir daqueles que cumprem 
com a disciplina espiritual ,com o próprio poder disciplinar , a partir do momento que o 
indivíduo se associa a uma prática discursiva, legitimada por um dispositivo de poder, 
condicionado por um enredo produzindo uma função, as possibilidade de representar 
moralmente os costumes se torna possível a partir dessa construção ascética de um novo 
ser e um novo ideal (FOUCAULT, 2006). 
Somente quem desenvolve uma disciplina consegue atingir e dar continuidade a 
um ideal espiritual que se desenvolve na moral, no julgamento da razão pelo que sente o 
instinto. Mas esse instinto é elaborado segundo normas e regras que colocam uma moral 
de rebanho e uma referência no sacerdote (NIETZSCHE, 1999). Dentro dessa 
organização se constroem a partir do indivíduo, uma persona que se referência a 
comunidade como elemento fundamental da construção do seu ser, onde a identidadeà prática ascética desperta questões de identidade e de caráter político 
a partir da função das novas representações na construção do discurso qual se insere o 
paciente, o intuito é para que o paciente mude suas referências e passe a legitimar a 
sociedade e o dispositivo de poder, se adequando a um conjunto de ideias que permitam 
uma ausência de conflito direto da pessoa marginalizada com a sociedade para que ela 
não incomode os outros com sua situação precária. É inevitável que o marginal acabe 
ficando como um devedor diante a sociedade e seja cedo ou tarde a pagar sua dívida 
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para consigo mesmo e os outros (NIETZSCHE, 1999). 
O asceta aceita que pisou no terreno do pecado, mas agora ele condena esse 
impulso e projeta um ideal espiritual de acordo com sua vontade que não vai mais 
seguir os instintos e a natureza, mas vai enfim adentrar num processo de despertar da 
consciência, que funda a serenidade ou o fervor (NIETZSCHE, 1999). Caso sofra uma 
recaída é cobrado do indivíduo em recuperação a consciência que já detinha o 
conhecimento e os saberes e atitudes que poderiam evita-las e este acaba adquirindo 
uma nova dívida e é levado a um novo tratamento para se fortalecer, sair da crise, e criar 
as condições para que não recaia novamente 
A nossa busca investigativa não deve se pautar nas representações, pois é 
necessário tirar do quadro da experiência os condicionamentos que a adesão a uma 
determinada narrativa desperta, elaboramos um personagem para nosso papel em adesão 
à clínica, isto é, no enredo da recuperação, e aceitamos seguir um determinado roteiro 
proposto pelo dispositivo de poder a fim de validar sua prática discursiva e para sua 
prática discursiva legitimar o dispositivo de poder (FOUCAULT, 2006). A visão de um 
agenciamento dentro desses espaços é inevitável, a clínica busca ofertar uma serie de 
agenciamentos possíveis que confirmam suas práticas e procuram combater aqueles que 
a negam (JOSEPH,2000). 
O que se busca destacar nesse ponto é que o agenciamento incute uma direção 
para a ação, temos como a guia dos evangélicos o milagre e a cura, e como guia dos 
doze passos, temos a serenidade e a aceitação. A ordenação da construção simbólica e 
mítica trazem o milagre e a serenidade. A força encontrada no desamparo e na derrota 
pode trazer um verdadeiro sentido para a mudança e um caminho a percorrer em direção 
à glória e o encontro consigo mesmo e sua satisfação plena que se completa com um 
significado que transcende o vazio de nascer e morrer apenas preso a essa materialidade, 
ligando o indivíduo a uma realidade espiritual que pretende ser a razão de sua nova 
consciência (GOFFMAN 1988). 
No entanto é nesse vácuo que surge a persona e a fascinação mítica que gera 
essa nova consciência convivendo com formações antigas do paciente, esse novo 
objetivo e realidade carentes de legitimidade em contraposição a posição atual de seus 
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elementos que ainda dependem de uma transformação para criarem forma (GOFFMAN 
2007). Nesse sentido, um personagem para um ator cria um sentido de ação social, 
posto que uma persona gerada pelo recurso mítico pode se direcionar à concepção de 
um novo “eu”. Esse “eu” transcende a um novo paradoxo, passando a atuar 
espiritualmente como se fosse outro, ou outro agora é você transformado na vivência do 
hoje através da incorporação de novos valores e da negação de sua vontade na adesão a 
uma moral de rebanho e respeito submetidos a um sacerdote que, seguindo esse 
corolário, enxerga o mesmo elemento mítico em todo o seu rebanho (NIETZSCHE, 
1999). 
O caminho proposto para se sair da marginalidade é um percurso espiritual, uma 
adesão por determinadas práticas ascéticas das quais detém um duplo efeito: o de 
estabelecer um contrato de aceitação entre o paciente e a clínica, e por outro lado o de 
estender o seu domínio fora do lugar em que exerce os seus locais. Ao aceitar o 
conteúdo do tratamento se cria um vínculo com o poder disciplinar e este passa a ser 
exercido pelo paciente incorporando seu funcionamento e regras que permitem que ele 
esteja onde o paciente está e também subordinando as relações a partir de seus valores, 
se encontrando enquanto prática discursiva por onde influem as representações criadas 
por esse dispositivo de poder, ou seja, em toda a sociedade (FOUCAULT, 1987). 
Temos então que os funcionamentos do espaço asilar encontram-se diluídos na 
sociedade, entre o mais evidente está a questão da temporalidade; o tempo, a sensação e 
a contagem das horas se alteram, o que traz uma noção compartilhada com aqueles que 
se veem por horas do dia imbuídos de obrigações, o que fatalmente desperta 
determinado nível de agonia, gerando um desejo no paciente para que o tempo passe 
depressa. Voltar para casa é com certeza o momento mais aguardado de todo tratamento 
e se ver livre daquela situação é uma incomparável sensação de alívio que acompanha 
enquanto desejo todo o trajeto pela instituição (GOFFMAN 2001). 
Esse deslocamento é efeito do isolamento dentro do espaço asilar, no entanto 
essa temporalidade é a mesma daqueles que se encontram fora e vivenciam tal 
temporalidade através do trabalho ou do estudo e sofrem alguma espécie de vigília ou 
controle de seus comportamentos. O próprio desenvolvimento do tratamento prepara o 
paciente para essa situação de dedicação total à um exercício à sua parte material, 
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objetiva, como também espiritual, que passa a não ser mais subjetiva e se aplica em 
convívio e contato direto com o exercício da objetividade, através do ascetismo tudo se 
espiritualiza (NIETZSCHE, 1999). 
O que normaliza essa temporalidade deslocada (esperar sob alguma forma de 
coerção) mesmo fora do espaço asilar - que na realidade é uma função desenvolvida da 
vigília – é a forma de controle direta qual elabora um eu, que exerce para si mesmo os 
condicionamentos ao moldar sua própria ação social, enquanto um ator representando 
um personagem específico dentro da narrativa social. O autocontrole ou a auto vigília 
seria a inovação do ascetismo na clínica, expandindo, para fora de seus lugares os seus 
locais, colocando o paciente como o próprio algoz que caso descumpra com o ideal 
ascético se arrepende de imediato. O ponto que esse trabalho busca abordar é esse, nada 
de executar uma representação desses ideais ascéticos, mas observar a relação deste 
com outro mecanismo, aquele que sustenta os dispositivos de poder através da prática 
discursiva, na manutenção de um enredo, dentro dos quadros da experiência, onde as 
interações estão constantemente questionando a formação de um eu que absorve e é 
absorvido (FOUCAULT, 1987) 
. 
Veremos o conflito traçado a partir do embate de dois ideais de práticas ascéticas 
– a perspectiva da cura e a perspectiva da doença - destacando a mobilidade que ocorre 
de acordo com as referências já constituídas da religiosidade do paciente, sabido que o 
movimento que buscamos analisar é aquele em que os católicos em disputa aos 
evangélicos aderem à perspectiva do ascetismo de aceitação de uma doença. Esse 
ascetismo não é religioso, pois não almeja suprir o papel da religião na clínica e fora 
dela. 
Por sua vez, os evangélicos aderem a um ideal e prática ascética da incorporação 
do milagre e da vivência da cura, criando um cenário de diversas disputas e demandas 
entre esses dois grupos, através desse agenciamento o paciente adere à prática 
discursiva da clínica e passa a colaborar e a pertencer ao processo do dispositivo de 
poder, mesmo se dividindo e se organizando de acordo com determinada prática 
ascética. 
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Esta adesão pode representar, atingindo o nível institucional de maneira a mover, 
duas figuras que simboliza esses dois ideais de tipos ascéticos. Através da figura dos 
que se acreditam curados, e a figura daquele que aceita a doença, sintetizando a lutaentre católicos e evangélicos por uma demanda diferente quanto à essência do 
problema, os que querem a cura, contrabalanceando com os que desejam aceitar sua 
“doença” e seguir os doze passos. 
A dinâmica é simples, como os evangélicos dominam o ascetismo do tipo da 
cura, os católicos, em oposição, se aproximam aos doze passos; esse fenômeno cria a 
personalidade mítica do pescador que reconhece seus defeitos e assume não poder 
levitar sobre as águas, se vê defronte ao guerreiro que se acredita estar curado fazendo 
parte de uma fé missionaria que passa a combater o mal que agora não está mais nele, 
mas se encontra no mundo. 
O ascetismo que prega a existência de uma doença incurável, progressiva e fatal 
tenta conter a má consciência em si mesmo assumindo seus defeitos e vícios morais em 
direção a um contato consciente com Deus que pretende atingir uma ideal de serenidade 
e reconhecimento da diferença; Enquanto o fervor mobiliza os seres “perfeitos” aqueles 
que se julgam curados e levam a diante a palavra do Senhor em palestras, em reuniões e 
cultos, assumindo e ilustrando detalhadamente como era sua vida de pecado e como a fé 
deu uma nova realidade a ele, acreditando que apenas nesse trajeto do milagre, a causa 
dos males e tropeços mundanos pode ser extinta. 
A possibilidade de valores morais tomarem uma forma em condicionamento, 
isto é, seguindo os exemplos que cativam o paciente, criar uma ação social onde se 
representa através da identidade, uma ação direcionada a alterar a estrutura (WEBER, 
1987), deve encontrar um movimento oposto, aquele que vai da estrutura à ação social, 
para que este efeito de ação social consiga se diferenciar na estrutura e criar uma nova 
prática discursiva que legitima um dispositivo de poder que atualiza um anterior ou põe 
fim a este, colocando uma nova realidade e novas representações em cena 
(FOUCAULT, 2006). Visto que o diagnostico providencia o termo de contato dessas 
duas realidades. 
Este estilo de vida condicionado torna-se mais efetivo se enquadrado numa 
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proposta de estruturação da subjetividade que vislumbra apenas um resultado: a 
possibilidade de resgatar sua personalidade destruída por meio do lúdico e da fé 
encontrando no grupo e congêneres a força para superar os seus problemas (GOFFMAN 
1988). O orientador, guia e detentor da verdadeira palavra seria o sacerdote, ou o poder 
superior, a liderança a levar o rebanho à glória, guiado por um poder superior mostrará o 
caminho para o adicto em recuperação que neste processo pode ser também o fiel, e o 
fiel não se identificando necessariamente como um adicto em recuperação, quando 
adere plenamente ao ascetismo do tipo de cura (NIETZSCHE, 1999). 
Esta é a possibilidade de os valores morais tomarem uma forma de 
condicionamento, seguindo os exemplos que cativam, e moldando uma ação social onde 
se tem representado através da identidade uma identificação com nossa vida que ganha 
uma avaliação, uma rotulação, uma proposta de estruturação da subjetividade em prol 
de uma objetividade, a possibilidade de resgatar do lúdico uma personalidade destruída, 
e buscar num grupo a força para superar o seus problemas e acreditar num sacerdote que 
leve o rebanho para a glória ou um poder superior que ajudará e mostrará o caminho 
para o adicto em recuperação (NIETZSCHE, 1999). 
Podemos dizer que a negação da vontade através de um espírito de sacrifício que 
eleva o ser e condiciona o corpo a não se realizar enquanto sua natureza ou instintos e se 
afirmar à maneira de um projeto para sua saúde e o espírito, incutindo a consciência e a 
crítica, aceitando castrar o instinto e moldar o seu ser segundo os valores instituídos. 
Constroem um ideal de razão onde o pensamento cria a possibilidade de um novo 
mundo, uma nova realidade (NIETZSCHE, 1999). pois não se tem recursos que 
viabilizem de fato uma integração social, então se cria uma comunidade e um grupo, 
transferindo ao “doente” a total responsabilidade de sua evolução, não levando em conta 
os termos sociais daquela situação, é colocado ao paciente que ele sozinho é capaz de 
reverter sua marginalização social buscando os auxílios necessários , já que “lá fora” 
realmente as coisas são mais difíceis e apesar de depender da própria capacidade para 
reverter a situação apenas com ajuda o paciente terá sucesso na sua jornada pela 
recuperação NARCÓTICOS ANÔNIMOS (1993c).. 
Saber pedir ajuda é o primeiro ensinamento do ascetismo, se convertendo, 
assumindo que sozinho não consegue realizar seus projetos e precisa dos companheiros 
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para lograr seus objetivos, portanto toda coerção é justificada com o caminho 
estabelecido como o correto e o que traz resultados para si mesmo, mas somente no 
coletivo é que essa força se realiza e passa a existir. Diante disto, observamos que o 
interesse que o ascetismo busca mascarar dentro da clínica é a possibilidade do 
instituído aceitar a disciplina e aceitar permanecer na instituição realizando o 
tratamento, a partir dos seus méritos em aceitar as técnicas impostas na reforma do self, 
na perspectiva de uma melhora de vida geral (GOFFMAN 2001). 
Podemos considerar o ascetismo como o método evidente para se aplicar a 
disciplina por meio do domínio da categoria de liberdade moderna, acaba traçando uma 
conduta de caraterística ascética como a atividade que eleva o espírito do indivíduo, 
para elevar seu corpo, sua saúde e a estar socialmente apto a se integrar e aceitar uma 
predestinação à uma demanda específica da sociedade que irá ocupar com seu novo ser 
(NIETZSCHE, 1999). 
A solução proxacposta pela clínica é uma nova vida, uma nova moral, um novo 
conjunto de habilidades que possibilitem uma vida normal ao paciente, isso de fato tem 
efeitos numa proposta de elevação espiritual contra os “pecados da carne”, pois este 
condicionamento restabelece a saúde do sujeito, com uma rotina que coloca seu corpo 
para funcionar segundo uma ideia de melhorar seu espírito. A melhora é o principal 
termo de convencimento para o paciente adentrar no projeto ascético de 
desenvolvimento de seu espírito, a melhora, o afastamento da crise, permite no paciente 
uma outra perspectiva de si mesmo e de sua situação, reconhece que não quer mais 
aquela vida pra ele (FOUCAULT, 2006). 
Constata-se que o indivíduo não é mais doente, porém não deixa de ser 
marginalizado, essa é a essência da visão ascética que prevalece no discurso da doença: 
“agora somos adictos em recuperação”. O que demonstra o programa de Narcóticos 
Anônimos considerar que a doença não deixa de existir, mesmo controlada, porque 
estar saudável não significa necessariamente que uma pessoa está bem e continua 
seguindo o seu propósito, a sua vocação, ela deve moldar sua vida a partir do “evite” de 
situações que coloquem em risco e possam levar à recaída, afinal se ela houver(a 
recaída) não haverá situação social que não vai piorar, visto que o ganho se encontra 
nesse ponto, ficar limpo evita os prejuízos e condições mais precárias. Por outro lado, 
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podemos dizer que a doença continua numa situação estável e é necessário ficar atento 
para não acontecerem desvios, ou seja, a situação social não muda necessariamente ao 
se tornar saudável e executar práticas ascéticas voltadas ao trabalho, no entanto, se evita 
os maiores prejuízos que se possam ter, contanto que se mantenha em tratamento 
NARCÓTICOS ANÔNIMOS (1993c). 
O próprio interesse da clínica de lucro rivaliza com o propósito de educar o 
paciente a não ter que regressar para a instituição. Temos em vista que o intuito da 
instituição é a de que recuperar o exército de reserva, o que acaba sendo uma 
justificativa para afastamentos em relação ao trabalho que é detentor de preço e valor, 
mas o ascetismo destaca que a elevação espiritual pode se dar na atividade humana sem 
os recursos do salário. Portanto, se constituindocomo instituição total se aplicou um 
método trazer o ambiente do trabalho para a instituição que exerce a vigília e o controle 
- e a este emprego estamos condicionados dentro dos ambientes de clausura a qual 
chamamos clínica. 
A produção no interior da clínica exercita os valores sociais vigentes e dão força 
à eles, criam uma moral que serve a sociedade alimentado os dispositivos de poder com 
as práticas discursivas, criadas por aquele e compartilhadas pelo grupo, que apesar de 
isolado projeta o bem-social e busca soluções para o entrave e limitações de se 
desenvolverem na atual modernidade, que em crise com a formação do sujeito, abriga a 
existência de diversos polos que se manifestam no personagem do paciente (FOCAULT, 
2006). Sua personalidade adquire contato com outras personas que tem os mesmos 
objetivos da sua e a possibilidade de se diferenciarem é a forma de ter uma especifica, 
que se obriga a se fetchizar e adquirir possibilidades míticas e místicas e executarem 
qualquer maravilha que seja capaz de provar uma consciência e habilidade do indivíduo 
em recuperação (NIETZSCHE, 1999). 
A dinâmica que se dá esse ascetismo enquanto prepara um novo homem para a 
sociedade, busca suprimir as deficiências e necessidades da vida cotidiana se 
habilitando a exercer meios que ninguém aceitaria a não ser em nome da elevação 
espiritual. Porque ausentes de um contexto podemos melhor surgir para esse como 
solução prática à problemas colocados pela modernidade. Como se dá essa dinâmica é 
algo sentido pelas pessoas normalmente através da fé ou do ideal, ou seja, por discursos 
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invisíveis que constantemente mostram a sua força na sociedade, mas isso dentro de um 
contexto voltado para a produção e o aperfeiçoamento, através do progresso técnico, se 
torna bem sensível (NIETZSCHE, 2005). 
Lutero encenava pelas ruas a comédia trágica de sua vivência com o diabo, a 
possibilidade da materialidade da fé, num mundo dominado pelo pecado e pela 
dominação da tradição. Sócrates convivia com a entidade, chamada Damon, a razão e 
pureza (de pensamento), dos homens perante o destino trágico e a possibilidade de 
discordar do divino. Podemos dizer que vamos tratar de uma vivencia ascética na qual 
os sujeitos são atores, assumem possibilidades de narrativas provindas de elementos 
históricos e míticos que convergem na personalidade mítica de alguns (NIETZSCHE, 
2005). 
É claro que poucos se assumem enquanto encarnação de tal ou tal pessoa 
histórica, sobretudo se traz algum elemento messiânico, mas a ideia é que este elemento 
messiânico passa a ser a possibilidade de enfrentar tragédias específicas de um 
momento histórico, com armas interpretativas provindas, normalmente, da bíblia ou 
mais precisamente: a encarnação teatral da presença do espírito santo. O estado de 
êxtase permite se enxergar como força que não se resume a identidade do indivíduo que 
a expressa e esse deriva parte de seu ser à uma existência espiritual condiciona por 
alguma imagem ou referência que explica e da conta da sensação de mundo da parte que 
habita o indivíduo enquanto entidade (NIETZSCHE, 2005). 
Este enredo nos leva à crença de estarmos diante da glória, mas Pedro não é mais 
Pedro Albuquerque, é Pedro, o pescador, que negou três vezes seu mestre e tem que 
conviver com a culpa, não a culpa por ter batido em Lúcia Maria no dia anterior, mas a 
culpa por ter negado seu mestre. Chegamos, portanto, à uma formulação de como se dá 
o ascetismo praticado dentro da instituição e como essa instituição viu no ascetismo, a 
possibilidade da disciplina e da ordem. Aplicando essa ferramenta se expõem uma 
grandeza ao paciente e este debilitado se converte a ela, pois ela transforma algo sem 
sentido numa razão e consciência que fazem o indivíduo parar de sofrer com a culpa e 
se projeta de forma a facilitar a forma que se encara o trauma (NIETZSCHE, 2005). 
A instituição elabora um personagem, um tipo-ideal, esta negação da vontade 
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pode ser entendida como o triunfo da razão e do processo da consciência sobre os 
impulsos do instinto e da necessidade latente do prazer, que tem em sua satisfação, o 
esvaziamento de todo o significado construindo enquanto valor de vida até então.A 
famosa recaída não é apenas o pecado, é a conversão ao território proibido 
(NIETZSCHE, 1999). Um crime cometido em plena consciência tem um peso maior, 
significa derrota, pois é a derrota do personagem. 
A neurose religiosa é implícita, pois apesar de seu senso real, quantos nomes 
diferentes não adquire a paixão, quando quer se determinar um guia único, mas também 
é reforçada quando o contexto do cárcere é institucional, e se busca na religião o refúgio 
e a rápida conversão que irá libertar a alma, pois libertando a alma, se estará preparado 
quando libertado estiver o corpo. A questão que é colocada ao paciente é a seguinte: a 
prisão não são os muros que cercam o instituído, é ele mesmo sob domínio da crueldade 
e falta de consciência de suas vontades e instintos (NIETZSCHE, 2005). 
A absorção de um papel através da identificação com um personagem, 
normalmente cria uma necessidade de preenche-lo com virtudes, no entanto estas 
virtudes, escondem defeitos e vícios morais, que são trabalhados nas reuniões de grupo 
e colocados por seus membros na partilha, na tentativa de validar a nova representação a 
que estão condicionados, através do reconhecimento dos erros e das falhas é possível 
expor os sentimentos humanos que dão vida ao personagem que se baseia o ator. Fazer 
essa ligação é o objetivo da prática discursiva criada por um dispositivo de poder. A 
interação assim é usada na efetuação do valor humano (FOCAULT, 2006). 
A mente é um fator presente demasiado, cria-se um ambiente de psicologismo 
que propicia fugas mentais levando a outras ideais e imagens, muitas vezes distantes do 
que realmente se passa, pois, a distração e o devaneio (isto é, quando se dedica atenção) 
são os disfarces perfeitos dentro de uma sociedade de vigília e controle, disfarces para o 
bem do pensamento próprio. Esse espaço mental é onde o paciente encontra realização e 
consegue visualizar com seu próprio pensamento a situação e consolidar sua 
subjetividade embarcada pelos recursos ascéticos de tornar palpável a realidade 
espiritual (GOFFMAN, 2001). 
A sobrevivência dentro destes espaços está além da vida futura e não combina 
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com os ideais pregados, para se viver em liberdade, somos um ali dentro, mas passamos 
a ser outro, dentro de outro processo, quando saímos. Vamos buscar porque enquanto se 
está na disciplina ascética, o sujeito não sente a necessidade de se destruir e quando 
perde essa referência espiritual e disciplinar já não pode ser outro a não ser o sujeito 
doente, assim podemos dizer que a cura está em reconhecer que era outro e agora 
enxerga a vida de uma nova maneira devido a algum ideal ascético qualquer que 
promove um desenvolvimento espiritual, se vendo como libertado por conhecer-se tanto 
quanto reconhecendo uma doença, quanto reconhecendo uma cura (NIETZSCHE, 
1999). 
Porque a negação da vontade é o meio de se disciplinar e aceitar a vigília, porque 
o ascetismo marca a destruição pessoal, no ideal de sacrifício, que possibilita um 
caminho de saída para uma nova existência, através de uma transformação do ser. Essa é 
a principal ferramenta do tratamento, ou apenas um apêndice? Descobriremos isso, 
possibilitando elucidar diversas hipóteses e responde-las, de acordo com o objetivo de 
estabelecer a relação entre marginalidade e ascetismo para chegar num quadro 
contemporâneo que esclareça a diferença entre um e outro, já que andam sempre muito 
colados, podemos pôr fim dizer que nem todo asceta é um marginal, mas todo marginal 
tem que se tornar um asceta, se quiser ter alguma chance de viver longe da instituição 
(NIETZSCHE, 2005). 
Temos a privaçãodo sexo, da comida, mas também como fator essencial, a 
privação da liberdade, a constatação de que ela talvez nem exista, é melhor estar nas 
mãos de deus, quando não se tem para onde ir (NIETZSCHE, 2005). Digo a afirmação 
acima, pois é evidente que temos a prática espiritual voltada para o trabalho, como 
elemento fetichizado pela sociedade, se tem uma alusão positiva do senso comum à vida 
dos santos. 
Mas a questão do cárcere se insere não somente pela presença do ascetismo nas 
instituições de controle, como no próprio paradoxo de sua concepção que converte a 
tendência libidinosa do pecado numa doutrina de negação da vontade, gerando a 
neurose religiosa: 
 
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Onde quer que tenha se manifestado a neurose religiosa, 
encontramo-la vinculada a três perigosas prescrições: solidão, jejum e 
castidade — mas não se pode estabelecer com certeza qual seja a 
causa, qual o efeito, nem mesmo que exija propriamente uma relação 
de causa e efeito. O que dá o direito de manifestar uma tal dúvida é o 
fato de que entre os sintomas mais comuns que costumam 
acompanhá-la encontra-se ainda uma imprevista e desenfreada 
volúpia, tanto entre os povos selvagens quanto nos civilizados, 
libidinagem que se converte com a mesma celeridade em fanatismo de 
contrição, em renegação do mundo e da vontade; deve-se procurar a 
explicação numa epilepsia dissimulada? (NIETZSCHE, 2005, pg 
59) 
 
É colocado que a prisão não são os muros que cercam o instituído, a verdadeira 
prisão é o ser antigo que vivia separado do rebanho e sem o ideal do povo predestinado 
perecerá e possuindo a vocação devido a suas condições precárias deve se restaurar 
deve seguir seu caminho em busca de uma nova essência, um novo pensamento, capaz 
de traçar uma nova realidade, uma nova materialidade, enfim que se possa com uma 
mudança de comportamento se adaptar a uma busca espiritual que vai restaurar sua vida 
e suas condições como ser, sendo que as condições somente podem melhorar a partir 
disso, a partir de um sacrifício por parte do instituído que deve aceitar o controle social 
para aceitar deus. 
 Para vencer esta batalha espiritual o paciente deve aderir a uma moral de 
rebanho e a referência em algum sacerdote ou guia, e promover em si mesmo essa 
mudança de valores a partir de um personagem que absorve todo um aparato espiritual 
que tinha contato antes, mas não possuía as técnicas e tecnologias para operar e passa a 
desenvolver esses elementos dentro da reforma íntima. Através da prática discursiva ele 
se posiciona diante um dispositivo de poder e o diagnóstico passa a oferecer relevância 
e maneiras de captar recursos e possibilidades para exercer uma atividade e pagar o que 
deve à sociedade e a si mesmo (NIETZSCHE, 2005). 
 
 
 
 
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CAPÍTULO 2 – UM PASSEIO NO SET – UM PERCURSO METODOLÓGICO 
 
Neste capítulo buscaremos estabelecer os parâmetros da análise que possibilitam 
a utilização de determinada sequência de experiências de minha vida num trabalho de 
campo, que se refira a elementos do mesmo tipo de conjunto e de natureza semelhantes, 
onde possa ser válido enquanto material etnográfico que se refere à mesma coisa, no 
sentido de ser um processo que possibilita surgir o antropólogo, a partir de uma questão 
orgânica, enquanto a formação do seu ser, onde se coloca de uma forma não 
convencional ao pesquisador, aquela em que imerso no trabalho de campo, passa pela 
condição de nativo, não apenas a convivência direta com os aspectos culturais da 
formação de um povo, mas ele próprio subjugado pelos fenômenos e leis que busca 
compreender. 
O desenvolvimento de uma etnografia que coloca o antropólogo como o nativo e 
a partir dele extrai os conhecimentos que legitimam a ciência antropológica seria aquilo 
que Eduardo Viveiros de Castro denomina perspectivismo. Ou seja, vivemos em uma 
única cultura mas convivemos, porém, com diversas naturezas sendo possível dialogar 
no âmbito da cultura (VIVEIROS DE CASTRO, 2004). 
Essa condição impossibilitaria um trajeto clássico de um cientista, mas abriria 
novas possibilidades de análise, caso passasse por uma teorização dessa prática em que 
o objetivo não tem como objetivo fins antropológicos, mas que se referem às condições 
da existência que muitos sofrem e passam a conhecer realidades difíceis, na qual trazem 
desafios à sobrevivência, além da necessária continuidade da vida. A busca por um 
“lugar de fala” legitimado que permita quem passou pela experiência tenha autoridade 
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para falar dela garantido sua posição sobre o assunto, mesmo que marginalizado e possa 
afirmar sentimentos e pensamentos que poderia passar despercebido por um “expert no 
tema” mas não tenha tido uma visão nativa do problema. A configuração que assume o 
lugar é diferente de acordo com o que encontra-se no seu local (LIPPARD, 1997a). 
Outras experiências orgânicas podem trazer essa possibilidade, no entanto, 
refiro-me àquelas que são afetadas pelos elementos marginalizados de nosso conjunto 
social, onde se encontram os efeitos da desigualdade e da negligência do Estado, 
lidando de forma problemática e não satisfatória com os efeitos colaterais de nosso 
modo de vida. Como a sociedade resolve? Com interesses duvidosos e insuficientes 
algo complexo ou mais próximo de algo humano e eficaz? Quem acaba numa posição 
de precisar de ajuda, descobre que essa ajuda apenas resolve uma parte do problema e 
não tira dessa situação a maioria das pessoas que compõem o cenário desastroso da 
marginalidade social. 
De fato, somente conhece os percalços dessa situação quem vive situações de 
pobreza absoluta ou desespero psicológico entre outros, chegando ao chamado fundo do 
poço, ou o agravamento do uso de drogas e outras questões de saúde, colocando o 
indivíduo social em situação de crise, o que a expõem a pequenos crimes, ou surtos, 
quando então, é afastada da sociedade pode conhecer a “dor” desse processo específico. 
Isso é apenas uma parte da história, poderia ser o caso de dizer que os conflitos 
se resolveriam e suas consequências tem um encaminhamento digno que não desperta 
um aprofundamento da questão, sendo o problema da marginalidade resolvido, ou tem 
um desfecho onde tudo acaba bem. Mas parece que as atuais autoridades apenas 
conseguem despachar a problemática para outro ponto, trazendo toda uma carga de 
conhecimento, técnicas e tecnologias, mas que cria uma série de aprofundamentos e 
complexidades através da transformação de um problema social coletivo numa questão 
de saúde individual, porque haveriam de ter apenas eles autoridade para efetuar o 
discurso verdade (FOCAULT, 2006)? 
Obviamente essa transformação de valor gera questões econômicas. A 
marginalidade instituída pode ganhar dimensões que mais parecem se tratar de um ramo 
da indústria, desenvolvido em pleno capitalismo do século XXI, com todos os seus 
apêndices controlados pela produção, apropriando-se de um conjunto de técnicas e 
tecnologias que colocam uma modernidade numa questão tradicional da saúde, 
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desenvolvendo assim seus aspectos sociais e contando com uma estrutura que passa por 
constantes rearranjos e pequenas alterações em busca da perfeição produtiva (MARX, 
pensadores) . 
Questionamos se essa modernidade não possa ser representada como um disfarce 
para práticas que se tornaram diferentes, mas guardam uma mesma função, mantendo 
seu significado e se apropriando de novos sentidos do que seria estar “recuperado”. No 
lugar de resolver o problema central com os avanços, é ainda vítima quanto à questão de 
significar uma continuidade do problema e não sua resolução (FOUCAULT, 1987)? 
Ocorreu uma humanização que justifica o uso da força e violência em casos extremos 
ou todo o processo se sofisticou e produziu novas forma de controle sem usar 
precisamente a força através de uma espiritualização da crueldadeque desenvolve 
mecanismos mais eficazes (NIETZSCHE 2005)? 
Esta concepção de como se dá essa modernidade pode inicialmente traçar um 
ponto de atrito entre aqueles que acreditam que as instituições cumprem o seu papel na 
sociedade e é possível nesses lugares uma recuperação digna e ainda encontrar algo que 
ajude as pessoas de fato a se inserirem em seu contexto, outras diriam que estes lugares 
reproduzem através de novos meios as mesmas práticas do passado e o que propõem de 
novo são inovações que não alteram o papel social da instituição, que apesar de 
aparentemente mais humano, não muda a essência do fenômeno e sua função 
(FOCAULT, 2006). 
O fato de uma grande parte dos que saem da instituição voltarem a serem 
internados e o fato da clínica deter todo seu poder de persuasão na contenção da crise e 
justificar a maior parte do tratamento como construção e meio de evita-las, é sem 
dúvida uma contradição. Questionarmos se os métodos adotados pelas instituições são 
os mais humanos e dignos e suas práticas tidas como necessárias não seriam inúteis e 
produzidas com determinados fins que não aqueles do tratamento e sim do controle e do 
lucro. Nesse ponto, pode haver bons exemplos. No entanto, o problema é sistemático e 
na maioria dos casos ser internado marca um aprofundamento da questão da 
marginalidade, que não o torna menos pior. 
A pessoa instituída é isolada da sociedade e obrigada a adentrar em um projeto e 
um processo de reforma espiritual, através do poder disciplinar, em busca de um novo 
ser em sua personalidade, com uma nova conduta, recria todas as referências de sua 
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vida. Todo um processo radical que tem justificativa baseado na questão da crise, de 
tirar a pessoa da crise (ninguém consegue lidar com o elemento social em crise), e 
realmente a instituição resolve o incômodo da família e da sociedade e tiram o sujeito 
de seus aspectos mais impressionantes quanto à sua condição de marginalizado, através 
de um regime ascético de disciplina e espiritualização, resolvido isso, a instituição 
detém de apenas paliativos para efetuar um porquê de deter o sujeito em seus muros, 
sem a justificativa da crise, a transformação do ser passa a ser a justificativa para se 
estar instituído (FOCAULT 2006). 
Existe, segundo Erving Goffman (2001) em “manicômios, prisões e conventos”, 
uma anulação do self da pessoa onde ela perde suas referências para ser apenas mais um 
internado, mais um instituído, temos que essa é a primeira violação infringida com a 
pessoa, é dada uma numeração e uma identificação, se tem um registro de seus 
pertences que também são numerados e, além disso, é passada as regras e os padrões do 
lugar são percebidos como estranhos e aterrorizantes, ou seja, a própria incorporação à 
instituição já é uma violência. 
É necessário que se altere a essência da pessoa para que ela não venha a ter os 
mesmos comportamentos que a levaram a entrar em crise, evitar assim o pior é instaurar 
um modo de vida ascético (NIETZSCHE, 1999). Mas mesmo tendo passado por todo 
esse processo, caso a pessoa entre em crise novamente, ela será instituída da mesma 
forma, mesmo detendo o conhecimento de todo o projeto de transformação, ela precisa, 
portanto, recomeçar do zero e aprimorar mais ainda sua reforma do espirito porquê de 
certo modo ela foi insuficiente e o conduziu a uma nova crise. 
A recaída foi assim instituída e se criou todo um enredo para lidar com quem é 
recorrente a crise, mas já conhece o trajeto dentro da instituição, e a reforma do eu e 
espiritual que levará o ser ao equilíbrio, se torna mais uma barganha entre paciente e a 
instituição, sem precisar de justificativas para encarar todo dia uma nova vitória que o 
levara à sobrevivência. Esse conhecimento prévio do enredo da recuperação que é o da 
elevação espiritual voltada ao trabalho, permite um trato mais direto com a equipe e a 
direção no que tange ao tempo de internação, por exemplo. Numa primeira internação é 
comum o desconhecimento acerca dos fatores que implicaram nas condições do 
tratamento, isto é, o paciente desconhece a maior parte das partes que se constituem o 
tratamento, não sabe quanto tempo vai ficar e pode ser levado a acreditar em atenuantes 
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de sua situação que permitem um dia a dia sem questionamento e exigências do 
paciente à equipe. 
A insistência em saber o seu tempo de tratamento, pode levar o paciente a ser 
convencido que deve ficar mais tempo do que o prescrito, já o “veterano” sabe que terá 
que provar para a equipe a todo instante que esta pleno e apto à deixar a instituição, 
mesmo que isso possa levar alguns meses, o veterano sabe que tem que ficar entre o 
agradar sem teimosia e insistência, para acelerar o processo e tentar sair mais rápido, 
como também, evitar a postura do acomodado, de quem não melhora e não se esforça, 
acreditando que somente é preciso cumprir com o tempo do tratamento e ir pra casa, no 
entanto o nível de exigência pode subir para com esse paciente acomodado e este se não 
provar que está melhorando pode ser levado à uma situação em que ele perca a 
tranquilidade com os questionamentos e exigências da equipe que podem ameaça-lo de 
ficar mais tempo internado se não conseguir reverter a situação. 
A sobrevivência é o primeiro passo para se sair da marginalidade, conseguir 
passar um dia sem recorrer aos comportamentos e hábitos de quem está excluído do 
processo social é uma vitória, é uma conquista segundo o programa dos “Narcóticos 
Anônimos”: o hoje é uma conquista, cada dia que se passa longe dos maus 
comportamentos é uma vitória e é necessário viver um dia de cada vez, não importando 
o que até então tenha acontecido, importando se o “adicto em recuperação” está hoje 
sem adentrar no terreno proibido da recaída (NARCÓTICOS ANÔNIMOS, 1993c). 
Busca-se determinar um rito, uma comunhão, que torna o sagrado acessível para quem 
está “limpo”, e se encontra em um projeto de transformação pessoal, e delimita o 
território profano a quem se põem em situações de risco que tiram o indivíduo de sua 
função social na solidariedade do grupo, se tem, portanto, uma sacralização da 
existência, se tem uma adesão a um projeto ascético de elevação espiritual com fins 
disciplinares (DURKEIM, 1996). 
Procura-se assim sair da marginalidade, retirando seus aspectos perturbadores e 
impressionantes no hábito da pessoa, inventando assim um novo ser, que não tem 
mudanças significativas na sua questão social e permanece marginalizado mesmo 
estando sem aspectos de decadência moral e física, não ocorre à possibilidade real, 
portanto da pessoa sair de sua condição, sempre estando sujeito a crises, pois a 
problemática de sua situação não se resolve, somente se consegue diminuir os 
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problemas. A solução para muitos é viver e trabalhar na comunidade terapêutica, já que 
não existe a possibilidade de preservar a prática ascética afastado dos meios 
institucionais, sem a qual não encontraria os elementos que permitem manter sua saúde 
sem ser prejudicado por questões sociais precárias. Outros ainda trabalham diretamente 
e indiretamente com a recuperação e assim conseguem manter mais facilmente as 
condições dessa recuperação, ficando próximo ao programa constantemente. 
Se existe um caminho pregado dentro desses espaços, este é o do 
autoconhecimento que muda as práticas da pessoa e ela consegue avançar, seguindo sua 
predestinação, entra em outro patamar quando retoma sua vida e a ideia de melhorar 
suas condições a cada dia. Esta posição é almejada e são realmente poucos que obtém 
sucesso no uso de técnicas para alterar todo o condicionamento e o espirito de seu ser, 
criando uma nova persona. Essa persona pode ser problemática se não for verdadeira em 
seus propósitos de mudança, mas uma coisa é fato: todos incorporam dentro do 
processo ascético uma referência mítica que norteia o desenvolvimentopessoal em 
contato com referências mais amplas (NIETZSCHE, 2008). 
O conhecimento, portanto, é a chave para um indivíduo evitar a crise e conseguir 
avançar na reforma de seu espírito, é a forma que valida os meios institucionais 
coercitivos que aplicam a força necessária para que isso aconteça, a melhora de vida de 
um modo geral não é utilizada com referência para se saber se existe uma recuperação 
de sucesso ou não, importa se o indivíduo em recuperação consegue avançar nos seus 
propósitos espirituais e de reforma íntima. Acredito que dentro desse paradigma de que 
um conjunto de posses maiores não significa realmente uma recuperação, pode ser 
colocado da seguinte forma: uma recuperação enfim de sucesso, não necessariamente 
significa uma melhora da vida material de um modo geral, mas o desfrute de momentos 
de paz e tranquilidade que não haviam antes. 
Digamos que se consegue de uma forma e se justifica com outra. O 
conhecimento é prático e a sabedoria sempre mostra uma mesma coisa de uma forma 
diferente à flexível, portanto, se mostra diferente perante a rigidez moral e a 
envergadura que se pretende chegar com a elaboração de um novo ser (NIETZSCHE 
2005). Afastando-se da instituição, o indivíduo não consegue sustentar sua persona e 
sua sabedoria conquistada se mostra insuficiente para lidar com os problemas da 
realidade. Sem o arcabouço disciplinar da instituição que cria um ambiente isolado 
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controlando todas as partes da vida do instituído, ele fica fadado a não conseguir sua 
meta servindo constantemente o mercado, enquanto se busca com isso tudo uma 
elevação, seguir sua vocação, alcançar a predestinação, acaba mesmo servindo as 
demandas precárias da sociedade, enquanto não se encontra internado. 
Como fica então o papel do antropólogo nesse caso? Ele absorve toda essa cultura e 
muda sua natureza para expressar enquanto um nativo as experiências de outros nativos, 
ou sofistica sua ciência e se torna o sujeito do conhecimento e não mais o objeto, em 
suma, ele se distancia ou se aproxima da fonte de seu conhecimento e experiência (DA 
MATTA, 1978)? Mas poderia ocorrer o caso em que o antropólogo não é um instituído, 
nesse caso ele teria que buscar uma aproximação de seu objeto, quanto a isso tem seu 
papel garantido como outras ciências, mas não seria enfim a antropologia capaz de 
transformar uma experiência e um conhecimento orgânico em uma ciência válida que 
pode fazer uma leitura etnográfica a partir da experiência do nativo, buscando um 
distanciamento do sujeito e do objeto e com isso descobrir outras possibilidades da 
presença da cultura em outros meios sociais, também distantes da instituição, ou seja, 
marginalizados que mantém uma referência no aparato institucional enquanto 
dispositivo de poder que produz a pratica discursiva da sociedade e a elaboração do 
discurso verdade (VIVEIROS DE CASTRO, 2004)? 
 
2.1 – O lugar “Cada lugar na sua coisa, cada local no seu sujeito” 
O set de uma cena, portanto, somente passa a fazer sentido quando se tem o 
enredo para se apoiar e desenvolver uma questão que signifique algo dentro de um 
contexto maior na apreensão da ação e do sentido da ação dos atores e o conteúdo 
subjetivo da cena diante da objetividade do enredo (BORDWELL, 2005) e aquilo que 
se mostra como um hábito diante do costume padrão do ambiente analisado, pode trazer 
o material etnográfico que permite evocar o exótico diante do familiar (DA MATTA, 
1978). 
Devemos nos perguntar o que é necessário, quais são os elementos que permitem 
analisar um acontecimento dentro de um trabalho de campo onde se busca o sentido 
social do fenômeno, enquanto coleta dados para a construção objetiva da análise do 
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fato, a partir de pistas que ganham vida com seus fatores subjetivos, em que se pode 
tirar o significado cultural da imagem coletada dentro da instituição (GEERTZ, 2012). 
O primeiro elemento é o local onde a coisa acontece, a partir do local, podemos 
extrair o lugar, ou melhor, havendo coerência do local de uma coisa com o seu lugar 
podemos extrair um elemento específico que constroem uma unidade com outros 
lugares e locais que atentem aos mesmos elementos específicos e acabam sendo 
manifestações diferentes de uma mesma coisa, que contém caraterísticas que o definem 
como locais do mesmo tipo que são o lugar para os mesmos determinados fins 
(LIPPARD, 1997a). 
Uma mesma essência pode ser catalogada de acordo com seus diferentes tipos e 
as diferentes formas da substância, implicam situações diferentes, mas que podem 
significar os mesmos elementos em ação, se referindo ao mesmo momento ou situação 
que uma colocação possa analisar, a mesma esfera de acontecimentos dentro de 
diferentes lugares, mas que acabam sendo os locais das mesmas coisas (LIPPARD, 
1997a). 
Enfim o local em que as cenas (colocadas em diferentes lugares) vão acontecer é 
aquele definido por Goffman como instituições totais, onde as pessoas colocadas nesses 
ambientes vão ocupar dois lugares diferentes: o do instituído, ou institucionalizado, o 
subordinado e o lugar do superior, o institucionalizador (GOFFMAN, 2001). Esses dois 
papeis vão ocupar esses lugares em diferentes locais, mas vão tecer as cenas enquanto 
dois elementos distintos como o bem e o mal, onde um vai existir em função do outro, e 
o contato fica claro e determinado por um ritual que demonstra o grau da técnica 
desempenhado no funcionamento de determinado lugar, que abriga segundo os seus 
funcionamentos determinados locais que vão atender a determinadas funções segundo o 
tipo a que se apresentam erigindo uma tradição que se atualiza segundo cada novo caso 
(GOFFMAN, 2001) 
Um acúmulo de experiências no mesmo sentido acaba determinando as 
mudanças nesses lugares que tem um mesmo local na sociedade e o padrão estabelecido 
é seguido pela maior parte das instituições, atendendo a especificidades desses, buscado 
atender ao funcionamento de um mesmo tipo de local em cada lugar diferente 
(SANTOS, 1999b). As instituições totais podem ser definidas: 
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Urna instituição total pode ser definida como um local de residência e 
trabalho aonde um grande número de indivíduos com situação semelhante, 
separados da sociedade mais ampla por considerável período de tempo, 
levam urna vida fechada e formalmente administrada As prisões servem 
como exemplo claro disso, desde que consideremos que o aspecto 
característico de prisões pode ser encontrado em instituições cujos 
participantes não se comportaram de forma ilegal. Este livro trata de 
instituições totais de modo geral e, especificamente, de um exemplo, o de 
hospitais para doentes mentais. O principal foco refere-se ao mundo do 
internado, e não ao mundo do pessoal dirigente. O seu interesse fundamental 
é chegar à urna versão sociológica da estrutura do eu (GOFFMAN, 2001, pg 
11). 
 
Os lugares que pude analisar foram: um mosteiro para dependentes químicos, 
uma comunidade terapêutica enquanto clínica para dependentes químicos, e mais dois 
hospitais psiquiátricos. Apesar de Goffman ter esboçado uma classificação, cada lugar 
apresenta características que não permitem enquadrar num grupo especifico um lugar, 
tendo seus locais que os constituem atendendo a diferentes tipos de lugares. 
 
As instituições totais de nossa sociedade podem ser, grosso modo. 
Enumeradas em cinco agrupamentos. Em primeiro lugar, há instituições 
criadas para cuidar de pessoas que, segundo se pensa, são incapazes e 
inofensivas; nesse caso estão as casas para cegos, velhos, órfãos e indigentes. 
Em segundo lugar, há locais estabelecidos para cuidar de. Pessoas 
consideradas incapazes de cuidar de si mesmas e que são também urna 
ameaça a comunidade, embora de maneira não-intencional; sanatórios para 
tuberculosos, hospitais para doentes mentais e leprosários. Um terceiro tipo 
de instituição total é organizado para proteger acomunidade contra perigos 
intencionais, e o bem-estar das pessoas assim isoladas não constitui o 
problema imediato: cadeias, penitenciárias, campos de prisioneiros de guerra, 
campos de concentração, Em quarto lugar,' há instituições estabelecidas com 
a intenção de realizar de modo mais adequado alguma tarefa de trabalho, e 
que se justificam apenas através de tais fundamentos instrumentais: quartéis, 
navios, escalas internas, campos de trabalho, colônias e grandes mansões (do 
ponto de vista dos que vivem nas moradias desempregados). Finalmente, há 
os estabelecimentos destinados a servir de refúgio do mundo, embora muitas 
vezes sirvam também como locais de instrução para os religiosos; entre 
outros exemplos de tais instituições, é possível citar abadias, mosteiros, 
conventos e outros claustros. Esta classificação de instituições totais não é 
clara ou exaustiva, nem tem uso analítico imediato, mas dá urna definição 
puramente denotativa da categoria como um ponto de partida concreto. Ao 
firmar desse modo a definição inicial de instituições totais, espero conseguir 
discutir as características gerais do tipo, sem me tornar 
tautológico(GOFFMAN, 2001, pg 16-17). 
 
A questão é que esses lugares desempenham locais que podem atender a 
elaboração de uma cena, onde o sentido do roteiro pode ser colocado em tramas 
diferentes, originando um significado que atenda a outras instituições totais que não 
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aquelas que estive, portanto o conhecimento não é o conhecimento apenas desses 
lugares, é também um entendimento sobre os locais a que as mesmas cenas podem 
desempenhar, se referindo a lugares diferentes, onde a mesma pratica ocorre devido à 
existência de um mesmo local que atende à um conjunto de necessidades específicas 
dentro do funcionamento da instituição total (GOFFMAN, 2001). 
A relação com o portão pode determinar o tipo de lugar que uma instituição total 
pode ser, quanto mais controle se exerce através desse meio, mais desenvolvida 
tecnicamente é a instituição, mais seus aparatos se resumem a cumprir com a função de 
isolar os pacientes e quanto mais complexa e subjetiva se manifesta menos controle 
direto exercem nos pacientes, mais imprópria e ilegal se torna, onde muitas não têm a 
autorização legal para encarcerar seus pacientes e precisam dissimular que todos ali 
estão de boa vontade, para não serem autuadas pela lei .Essa noção do local do portão, 
em diferentes lugares, pode ser uma forma rápida de detectar o tipo de instituição total a 
que se refere a observação, pois essa diferença da configuração dos locais não muda a 
essência desses lugares (LIPPARD, 1997a). 
No mosteiro a relação com o portão era a mais aberta possível, se confiava na 
boa vontade para não haver fugas, o que demonstra que seus meios de coerção são 
outros, talvez o aparato religioso mais bem desenvolvido e uma qualidade de vida 
melhor que qualquer outro lugar, tornava aquilo quase como um “spa”, em que se tem 
uma dieta espiritual e se evita um regime fechado com necessidade da vigília, sendo que 
a maior e melhor vigília é aquela que Deus exerce sobre os homens. Mas na realidade 
um portão aberto não significava que o paciente estava menos obrigado a aquela 
situação, e tinha uma serie de comprometimentos com outra ordem, que faziam ele ali 
ficar mesmo podendo fugir a qualquer hora do dia, nesse caso a relação com o portão 
era totalmente complexa e subjetiva 
Na comunidade terapêutica as coisas eram menos terapêuticas sendo que a 
relação com o portão era intermediaria entre um sistema totalmente fechado e um 
aberto, até porque a vigília era exercida pelos próprios pacientes, que estavam num 
patamar acima e ocupavam postos e podiam usar tênis, caso alguém tentasse fugir ele 
tinha uma vantagem e era condicionado à posição que detinha a correr atrás do próprio 
companheiro, sendo que muitas vezes, talvez, até também ele próprio desejasse fugir. 
O portão ficava algumas vezes aberto e as pessoas que limpavam a frente eram 
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vigiadas por um paciente de tênis, específico, de maior confiança, que não aceitaria 
nenhum trato para facilitar uma possível fuga, no entanto para sustentar uma imagem de 
maior despojamento e clima de amizade se deixava o portão aberto, porém, se dobrava a 
atenção da vigília. Este ato apesar de simbólico, não escondia a verdade que a 
comunidade tinha que representar é que detinha um controle parcial e ainda dependia de 
certo grau da boa vontade dos pacientes para ali permanecerem, não era capaz, não 
detinha a capacidade e as técnicas para evitar por exemplo um motim, um levante, 
sendo a maior parte dos problemas aqueles de ordem de relacionamentos, onde a 
instituição detinha dos meios para controlar uma maior parte de porcentagem da vida 
social a que o internado estava condicionado, mesmo assim havia muitas brechas e o 
controle ainda se dava de maneira a depender do sentimento geral enquanto fator da 
ordem e da rotina. 
Nos hospitais psiquiátricos o portão era totalmente inacessível num caso e 
totalmente aberto em outro. Na verdade nos dois casos eram totalmente controlados, 
mas devido ao fato de um depender de um ambiente aberto que não era fechado, o pátio 
principal, a não ser por muros que detinham muitas brechas, o controle era menor com 
um impacto de tratamento menor que convencia os internos a não fugirem, havendo 
casos em que fugiam, mas, no entanto retornavam ante de dar a hora do despertar, saiam 
para buscarem drogas ou se divertirem, exercendo o controle com um tratamento não 
tão agressivo, sem muitas atividades e com um ambiente agradável, que permitia 
contato durante maior parte do dia com um ambiente arejado e aberto e a comida 
também igualmente agradável é porem humilde, em comparação à aquela em que era 
servida no que o ambiente era totalmente fechado com uma hora e meia de banho de sol 
por dia. 
A comida tinha uma tradição de ser mais servida e de melhor qualidade, o que 
acontecia muitas vezes devido a um sistema com mais recursos e aprimorado, mas que 
na realidade não guardava diferenças substanciais para a comida servida no hospital que 
tinha o pátio aberto, tinha fama de ser boa na realidade, e também oferecia uma cantina 
para os que tinham dinheiro pudessem completar a alimentação com quitutes e doces, 
assim buscava com uma maior oferta de comida convencer seus internos a suportar um 
ambiente totalmente fechado e controlado em que a relação com o portão era imposta 
totalmente através da técnica de controle da logística dos internados e da força, 
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deixando um número mínimo de brechas, na verdade uma ou duas que eram mantidas 
com interesses de aprimorar o sistema de controle, oferecendo uma possibilidade de 
fuga impossível e quase sempre contida e controlada, usada para servir de exemplo aos 
demais internados que pensariam duas vezes antes de fugir. 
Todos esses lugares tinham um mesmo local que era o portão, todos os tipos de 
portão permitem um entendimento do funcionamento da instituição total de acordo com 
as cenas que desenrolariam em torno desse elemento, situações e acontecimentos que 
possibilitam identificar um tipo de lugar especifico destinado a um fim semelhante, mas 
usado e expressado de acordo com as circunstancias de cada lugar em referência a um 
mesmo tipo de local, presente em todos esses diversos lugares. Visto que aqui foi 
exposto a relação com o portão principal, diferente da “contenção” que existia em todos 
esses lugares, destinada aos rebeldes e recém-chegados, que eram totalmente fechadas e 
se impunham pela força e objetividade de “estar preso”. Mas essa condição é totalmente 
imprópria ao tratamento, onde não existe nenhum recurso terapêutico, e ficava mais 
como castigo, para alguém porventura que cause problemas, ou até o recém-chegado 
“aceitar” sua condição e não oferecer mais riscos de fuga. 
Portanto o lugar estudado é a instituiçãototal, com este primeiro elemento é 
possível começar a traçar a cena onde acontecera a utilização de locais a que o trabalho 
de campo se refere, onde situa o aonde em que a análise se pauta. 
O louco e o viciado parecem não saber o seu lugar sua doença pode ser encarada 
como um distúrbio de lugar as evidencias é que os vínculos são desfeitos, as noções de 
posições e relações são alteradas, se exige das expressões algo que elas não podem dar, 
uma das principais questões da interação é de como cooperar com aquele que devasta, 
com aquele que tem sua comunicação prejudicada e e sem a capacidade de elaborar uma 
prática discursiva. Ele não consegue se manter no seu lugar sem afeta-lo diretamente a 
sua organização (JOSEPH,2000). 
 
 
2.2 A Câmera “o trabalho de campo forçado e o disturbio de lugar” 
Agora antes de adentrar no palco temos que analisar um aparato tecnológico que 
permite registrar os acontecimentos. No cinema o desenvolvimento das técnicas e dos 
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estilos permitiu criar diversos jeitos e formas de se manipular o recurso da câmera, 
desde o zoom, a panorâmica e outros viraram técnicas consagradas que são utilizadas de 
acordo com o interesse estético e as necessidades da produção do filme 
(MASCARELLO, 2006). 
Este elemento está intrinsicamente ligado com o desenvolvimento da técnica e 
no desenvolvimento de métodos para a utilização do recurso tecnológico, que permite o 
registro controlado e estruturado das imagens, que vão ser observadas e assistidas pelas 
pessoas que consomem o produto final e também pelas pessoas que participaram da 
criação da cena e agora podem analisar os detalhes e os elementos que constroem a 
imagem de uma cena, da qual tinha outra sensação de mundo enquanto participava e 
agora de fora, conseguem ter uma visão do objeto, uma perspectiva da qual não tinham 
antes (EISENSTEIN, 2002). 
Poderíamos facilmente associar este recurso tecnológico que abriga técnicas e 
métodos para o registro da cena como sendo o antropólogo dentro de uma instituição 
total, onde realiza o trabalho de campo que são os rolos da câmera, da onde levará para 
a edição numa fase a posteriori onde vai exercer a reflexão que permitirá “montar” a 
etnografia que vai ser apresentada, depois desse trabalho de edição como a mercadoria 
que materializará o processo e produção do filme (EISENSTEIN, 2002). 
A referência da câmera é baseada no recurso do registro, o aprimoramento da 
questão da elaboração estética em seu sentido do uso da perspectiva e também na 
apreensão de uma “visão” que parte de um panorama conceitual, traz a problemática 
extensa do que consiste na essência do trabalho de campo que é possibilitar uma leitura 
de seu objeto a quem não estava presente e não conhece os bastidores daquele trabalho, 
mas que, no entanto podem ter uma visão, uma imagem, daquele objeto mesmo sem ter 
entrado em contato diretamente com ele (MASCARELLO, 2006). 
Muitos se recordam de suas lembranças como se fossem um filme que vai 
acontecendo de acordo com o que é despertado na memória (DA MATTA, 1978), esse 
devaneio é o movimento que a câmera faz para tentar atingir outro foco da mesma 
tomada, ou tenta, por exemplo, destacar algum detalhe com o recurso do zoom 
(BORDWELL, 2005). Essa onipresença com certeza não é o antropólogo que captura, 
mas o diretor elabora a cena, sendo ele, dentro da ciência, o próprio fenômeno. 
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De acordo com o fenômeno, o antropólogo controla os recursos da câmera que 
permitem visualizar e registrar uma boa imagem, uma boa tomada, mas qual é a 
situação do antropólogo dentro da instituição total? Qual é a relação do filme com a 
câmera? Qual é a relação da câmera com o filme (EISENSTEIN, 2002)? Sustento que 
dois pontos de vista são possíveis para o antropólogo: aquele que ele é colocado como 
instituído e aquele que ele não é um instituído (GOFFMAN, 2001). 
Da mesma forma que boa parte do conhecimento da área é validada por aqueles 
que não são ou não foram instituídos, parece que o antropólogo não teria problemas em 
também ocupar essa posição, como uma ciência válida, assim como qualquer outra. 
No entanto, devemos nos perguntar: e se o antropólogo for um instituído? Qual é 
o sentido que valida a ciência sob essa perspectiva? Acredito ser necessário para 
simplificar esse processo, a criação de um conceito que resolverá os problemas 
específicos de meu trabalho, podendo discutir e contribuir para uma elaboração mais 
desenvolvida e complexa dessa questão, busco, portanto, não resolver esse dilema e sim 
torna-lo viável e prático, tirando daí consequências que poderão ser analisadas depois de 
colocadas, para constatar se é viável esse recurso dentro da antropologia: o do 
antropólogo ocupar o lugar do nativo (BANIWA, 2016). 
A construção do enredo é o elemento onde se atesta a validade do processo 
científico a que se submetem os elementos sociais marginalizados, colocar este enredo 
no papel parece ser a contribuição que melhor realizaria enquanto caso particular, estou 
fadado às circunstâncias de meu objeto e não posso me declarar livre diante dele, este 
seria mais um passo em direção ao entendimento e esclarecimento que parecem ser as 
armas que tenho acesso (BORDWELL, 2005). 
Como fica a autoridade etnográfica, quando você é vítima das circunstâncias e 
fica condicionado ao processo que busca analisar? Deveríamos nos perguntar se é 
possível então realizar uma ciência. Muitas questões poderiam ser colocadas para 
abordar este tema inicial, no entanto, a que mais me aflige é aquela na qual um trabalho 
etnográfico, segundo DA Matta (1978), estaria condicionado a três elementos fixos que 
marcariam o trajeto do herói. 
Teria que criar um novo tipo de personagem, pois, no meu caso a experiência 
prática estaria antes do aprofundamento teórico, o que não invalida o terceiro momento 
de reflexão. 
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Criei o elemento que possibilita utilizar minha experiência como material 
etnográfico, seria o “trabalho de campo forçado”, espero que diante da exposição se 
possa utilizar dentro dos caminhos do conhecimento fatalidades a que estão 
condicionados os sujeitos em suas vidas, e como boa parte do que temos como 
conhecimento do outro foi fora do laboratório antropológico (VELHO, 1978). 
Não existiria ciência sem laboratório, ciência que não pode comprovar os dados 
da sua observação em um ambiente controlado, onde se extrai os números e dados que 
permitirão a validade do conhecimento, talvez nosso laboratório não seja a totalidade do 
trabalho de campo, mas como, sem o olhar antropológico, se pode construir um material 
etnográfico? E para piorar, sendo essa apreensão etnográfica da experiência, a posteriori 
(DAMATTA, 1987). 
Em nosso favor, temos que uma proximidade maior com o objeto traz uma maior 
familiaridade com a coisa estudada, o que não significa que deixou de ser estranha e 
exótica, tudo aquilo que a pessoa passou e busca agora compreender com maior 
profundidade e resolução: sua experiência através da antropologia, significaria um 
“trabalho de campo forçado” (DA MATTA, 1978). 
A maior contribuição que um trabalho de campo forçado pode trazer é a 
exposição de seu caso particular, e como ele é mais um caso comum diante de tudo o 
que se observou, como ele pode significar com sua especificidade algo genérico do seu 
objeto que traz um conhecimento valido do processo a que esteve imbuído (GEERTZ, 
2002). 
Portanto, identificar o processo que cria um sujeito é o embasamento do 
“trabalho de campo forçado” que a partir do testemunho, busca fazer ciência e colocar 
questões pertinentes ao trajeto antropológico que está aparecendo na construção do 
texto, da teoria parando o devir. A necessidade indicaria o uso da literatura onde se 
pretende uma leitura havendo outras possíveis, nunca determinar a experiência e tirar 
dela a potencialidade para representar coisas adversas daquelaobservada e sentida 
(GEERTZ, 2001). 
Vamos ao primeiro ponto: como pode surgir esse trabalho de campo forçado? Na 
verdade, usar nossas próprias experiências é criar uma nova perspectiva ao que 
aconteceu, podendo mudar o que se entende, chegar à outras conclusões diante dos 
mesmos fatos. 
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Nesse sentido, as coisas se libertam e ganham outro sentido, isto, portanto, está 
inerente no resgate da experiência, mas o trabalho de campo forçado exige uma 
transformação mais especifica, como inserimos um parecer técnico e cientifico dentro 
da obrigação a que a sociedade exige de um indivíduo, independentemente de sua 
escolha. 
Podemos ver a própria natureza nesse sentido, que limita as possibilidades, de 
onde sai complexidades e sistemas diversos de sobrevivência e adaptação. 
Teríamos que o trabalho de campo forçado sob essa perspectiva seria aquele 
onde se desenvolve uma adaptação à uma condição específica, onde se pretende uma 
mutação que levará essa espécie a um novo patamar, encontrando novas habilidades 
para fugir da condição de ser um efeito colateral do sistema, que passa a lutar por algo 
que passa a ser identificado, pertencer a um tipo. 
Seria assim o drama da existência e da sobrevivência, observado a condição do 
outro que se diferencia do nativo, o outro seria um novo patamar de consciência que 
absorveu se diferenciando da condição de nativo, se busca, portanto, uma nova natureza 
para a mesma cultura, e não um entendimento cultural mais complexo, diverso, sobre a 
mesma natureza. 
Essa natureza diversa que cria o outro, se diferenciando da sua própria condição 
de nativo que viveu a experiência do controle, é a busca ascética do ser que busca uma 
essência diversa para a sua substância. Essa transformação indica a condição que o 
outro é aquele que se diferencia da experiência e cria essa perspectiva diante do nativo 
que é ele mesmo, agora como um não nativo (VIVEIROS DE CASTRO,1ªed). 
Teríamos também a questão da família, muitas vezes nasce dela, ou é dela a ação 
legal que permite o afastamento em instituições de controle, apesar de ser socialmente 
que se constrói essa demanda, é a família que se apropria do enredo social que perdeu, 
afastando o seu elemento que se marginalizou seja por drogas ou pela loucura, ou ainda 
pequenos crimes (LOCKE, 2006). 
Nesse sentido o trabalho de campo forçado seria um resgate de uma obrigação, 
muitos jovens que passam por internatos e diversos, tiveram essa condição familiar, de 
não haver opção para o indivíduo e esse ser “forçado” a uma instituição que irá produzir 
nele todo um modus operandi, que vai ser questionado em outra perspectiva, se 
estranhando e absorvendo a experiência (LOCKE, 2006). 
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Talvez essa abordagem se aproxime da psicologia, se não fosse a questão social 
preponderante, da expansão da subjetividade de seus próprios trajetos, que necessitam 
resgatar todo o funcionamento da estrutura e da cultura, da instituição, para evocar suas 
lembranças e socialmente vai refletir essas apreensões, tendo-se que o devir não para e o 
sujeito tem que se inventar enquanto tudo acontece (GOFFMAN, 2007). 
Fica, portanto, evidenciado mais uma característica do trabalho de campo 
forçado, sendo aquela em que se cria o trauma e com ele busca desenvolver um material 
etnográfico que transforme a experiência de um agente passivo, naquela perspectiva que 
o coloca como investigador da própria realidade e busca estabelecer, portanto, os meios 
como fins, e focar no entendimento do processo, pois assim nasce o novo ser. 
Outro ponto que gostaria de colocar é a apreensão do trabalho de campo forçado 
enquanto direito, enquanto a posse de um contrato com a sociedade, onde este passa a 
afirmar um discurso vinculado com a instituição, mesmo que não concorde com seus 
meios, passa a autorizar o empreendimento, caso contrário esse contrato será desfeito e 
o indivíduo ficara desprotegido e passará a ser novamente marginal e perigoso (DA 
MATTA, 1987). 
A quebra dentro dos contratos com o discurso vigente instituído que afeta, 
inclusive, o senso comum, é tarefa do trabalho de campo forçado que busca 
desmarginalizar a perspectiva do nativo que passa por isso, mas deve ser reconhecido 
mesmo com suas críticas ao sistema, e com um desacordo resolvido com a instituição, 
para isso se transforma a experiência forçada em trabalho de campo (GEERTZ, 2001). 
Seria possível entender o trabalho de campo forçado como um aprimoramento 
da cidadania e da experiência democrática dentro do sistema político vigente, indicando 
contradições do mesmo, podendo ser esses problemas discutidos pela sociedade civil, 
que busca aprimorar o direito de ambas as partes do contrato. 
No entanto, é interessante destacar que muitas dessas experiências forçadas, 
nascem de regimes políticos totalitários, que investem no controle institucional e 
privação das liberdades, traçar um entendimento e um diálogo seria, portanto, uma 
questão política para o sujeito que busca transformar aquilo em material etnográfico 
válido, tendo, portanto, um contexto que indica como posicionar alguns fatos. 
Este contrato, sendo estabelecido, evita a condição de preso político reconhecido 
pela instituição e pelo estado, pois se este contrato é quebrado, a questão da doença é 
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recolocada e o indivíduo acaba na condição de privação da liberdade novamente, por 
condutas não aprováveis que merecem destinação carcerária que exerça um controle no 
indivíduo que é posto em vigília, através desse disfarce, que se priva alguém dos seus 
direitos porque essa poderia cometer um crime ou algo pior, enfim é perigoso para a 
sociedade e não um cidadão que discorda politicamente da instituição. 
Visto por esses três patamares do direito, a natureza, a família, e a cidadania, 
temos a possibilidade de determinar o trabalho de campo forçado, estas três instâncias 
convivem com a questão da marginalidade, no que tange a cultura de nossa sociedade 
diferenciando da questão estrutural econômica do fenômeno (LOCKE, 2006). 
A verdade é que esse é um jogo do qual não se pode vencer, pois nunca poderá 
se enxergar o marginal como inofensivo, ele sempre é um problema, talvez um menor 
sob as mãos da instituição, mas devemos crer que somente não são as pessoas 
integradas marginais porque aceitam o funcionamento social moralmente como 
necessário e, de algum modo, o marginal é aquele que tem outra natureza e se acredita 
que ele tem outra cultura (VIVEIROS DE CASTRO, 2004). 
Uma câmera sempre terá a mesma cultura em diferentes naturezas de câmera, 
assim o aparato técnico tem em comum com tudo o que captura e transforma em 
realidade, o registro identificado de uma mesma cultura, apontando para naturezas 
diferentes, a sua cultura é única, é a das imagens fotografadas em sequência por um rolo 
que divide um segundo em 24 quadros, na qual chamamos cinema (MASCARELLO, 
2006). 
A câmera está assim sempre buscando outra perspectiva, outra natureza para a 
mesma cultura, outros seres habitando o mesmo espírito na formação das imagens, o 
antropólogo por isso deve conceituar uma natureza social diversa, não resinificar outra 
cultura, esta cultura está sempre habitando outros tipos de antropólogos, mas quando ele 
é o nativo temos outra natureza para a essência da substancia, que é o ser do 
antropólogo, o ser do pesquisador, o ser de mais um aparato técnico do conhecimento, o 
ser da tecnologia, da magia, do encanto, da ilusão, da ciência (VIVEIROS DE 
CASTRO, 1ªed). 
Assim é o zoom que avança dentro de uma mesma perspectiva, uma mesma 
possibilidade de imagem em outra visão, mas aqui temos que quando o antropólogo é o 
nativo, se tem uma busca estética e teórica que somente outra câmera colocada em outro 
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ponto poderia ter, assim formando outra imagem que poderia ser posta em sequência 
com a tomada anterior (EISENSTEIN,2002). 
Portanto, estabelecer a sequência de uma cena é o que se pretende aqui, natureza, 
outra câmera capturando com outro foco uma mesma imagem. O antropólogo como 
nativo poderia representar um foco da imagem que passe talvez apenas por um instante 
no filme, mas que mostre outra natureza para uma mesma cultura. Assim, no momento 
que um personagem num suposto filme fosse falar algo ao pé do ouvido para alguém, 
neste instante se mudasse a câmera para “escutar” o que ela vai dizer, coisa que com a 
câmera anterior “não era possível”, escutar o que se diria. 
Assim, não pretendemos mudar a imagem ou o que se pretende filmar, mas se 
pode agora “escutar” o que se dito é ao pé do ouvido. Outra natureza para a mesma 
cultura, outra possibilidade para a mesma imagem. 
 
Mas há uma questão bem mais importante aqui. A teoria perspectivista 
ameríndia está de fato, como afirma Århem, supondo uma multiplicidade de 
representações sobre o mesmo mundo? Basta considerar o que dizem as 
etnografias, para perceber que é o exato inverso que se passa: todos os seres 
vêem (‘representam’) o mundo da mesma maneira — o que muda é o mundo 
que eles vêem. Os animais utilizam as mesmas categorias e valores que os 
humanos: seus mundos, como o nosso, giram em torno da caça e da pesca, da 
cozinha e das bebidas fermentadas, das primas cruzadas e da guerra, dos ritos 
de iniciação, dos xamãs, chefes, espíritos etc. Se a lua, as cobras e as onças 
vêem os humanos como antas ou porcos selvagens, é porque, como nós, elas 
comem antas e porcos selvagens, comida própria de gente. Só poderia ser 
assim, pois, sendo gente em seu próprio departamento, os não-humanos vêem 
as coisas como ‘a gente’ vê. Mas as coisas que eles vêem são outras: o que 
para nós é sangue, para o jaguar é cauim; o que para as almas dos mortos é 
um cadáver podre, para nós é mandioca fermentando; o que vemos como um 
barreiro lamacento, para as antas é uma grande casa 
cerimonial…(VIVEIROS DE CASTRO, 2004, pg 239) 
 
Assim, outro foco de uma mesma imagem mostra um mundo diferente, o que 
nos causa nojo pode ser um produto de nosso interesse em outro universo, assim um 
jaguar bebe vinho quando se alimenta de sangue. Um mesmo habitus de imagem estaria 
exposto em outras cenas, mas numa mesma cena haveria diversos habitus que se 
compõem e recompõem, vendo o mundo sempre da mesma forma, através dos mesmos 
meios culturais que são as capacidades do espírito, a potencialidade das almas de 
absorver diversas naturezas. 
 
O corpo humano pode ser visto como lugar de confrontação entre humanidade e 
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animalidade, mas não porque carregue uma natureza animal que deve ser velada e controlada 
pela cultura. Ele é o instrumento fundamental de expressão do sujeito e ao mesmo tempo o 
objeto por excelência, aquilo que se dá a ver a outrem. Por isso, a objetivação social máxima dos 
corpos, sua máxima particularização expressa na decoração e exibição ritual, é ao mesmo tempo 
sua máxima animalização (Goldman 1975:178; S. Hugh-Jones 1979:141-142), quando eles são 
recobertos por plumas, cores, grafismos, máscaras, sons e outras próteses animais. O homem 
ritualmente vestido de animal é a contrapartida do animal sobrenaturalmente nu: o primeiro, 
transformado em animal, revela para si mesmo a distintividade “natural” do seu corpo; o 
segundo, despido de sua forma exterior e se revelando como humano, mostra a semelhança 
“sobrenatural” dos espíritos. O modelo do espírito é o espírito humano, mas o modelo do corpo 
são os corpos animais; e se a cultura é a forma genérica do eu e a natureza a do ele, a 
‘objetivação’ do sujeito para si mesmo exige a singularização dos corpos — o que naturaliza a 
cultura, isto é, a incorpora —, enquanto a subjetivação do ‘objeto’ implica a comunicação dos 
espíritos — o que culturaliza a natureza, isto é, a sobrenaturaliza. A problemática ameríndia da 
distinção natureza/cultura, nesses termos, antes de ser dissolvida em nome de uma comum 
socialidade anímica humano-animal, deve ser relida à luz do perspectivismo somático ( 
VIVEIROS DE CASTRO, 2004, pg 246). 
 
O corpo seria uma instância que poderia absorver outra natureza, mas não outra 
cultura, um corpo humano sempre vai ser um corpo humano, mas pode ser habitado por 
outras naturezas que aproximem sua capacidade de se transformar, representando assim 
que a natureza humana pode habitar outros corpos também. 
Dessa forma podemos dizer que o mito é sempre contado por diferentes pessoas, 
vários tipos de natureza habitaram o que é ser um instituído (o mito) que vai 
construindo uma mesma cultura, que vai se referindo a diferentes corpos, mas que 
buscam sempre um mesmo corpo (o instituído), sendo encarnado por outras naturezas e 
tendo sempre um mesmo corpo, uma mesma cultura que se transforma, no que não é, 
para absorver novos pontos de vista, que se referirão a mesma formação social, a mesma 
estrutura que absorvendo outro corpo adquirirão para a mesma cultura outra 
natureza(VIVEIROS DE CASTRO, 2004). 
A câmera não estaria presente no momento da cena apareceria depois, temos que dentro 
do trabalho de campo forçado absorvemos diversos papeis, mas não somos em 
momento nenhum o antropólogo, a câmera, apenas depois, dentro das imagens é que 
desenvolvemos a visão e o olhar antropológico, temos que a câmera(que era o exercício 
de algum papel) pode ter sido qualquer um dos papeis, pode ter sido qualquer natureza, 
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qualquer personagem e agora essa natureza social ocupa o corpo da câmera , que possui 
uma única cultura, o antropólogo surge assim ao se assumir uma perspectiva depois que 
se revive a cena e a sequência das imagens (DA MATTA, 1978) 
.O oprimido pode também ser a câmera, pode transportar sua natureza para outro 
corpo, como seu corpo pode ser habitado por outra natureza. O papel da cultura seria 
legitimar sua visão dentro da amplitude a que a complexidade se refere, deveria permitir 
o uso de seu estilo com seus recursos de forma a legitima-lo, tendo a consciência que o 
fenômeno não depende de um ponto de vista para acontecer, mas o ponto de vista 
somente existe graças ao fenômeno. Assim como para se ter uma cultura são 
necessários vários tipos de natureza, um corpo pode sempre absorver outra fonte de 
visão de seus próprios condicionamentos em outros olhos e nos seus olhos verá outros 
condicionamentos, outras formas de elaborar a análise (VIVEIROS DE CASTRO, 
1ªed). 
 
2.3 Os papéis “ o instituído e a liberdade” 
Já falamos dos personagens que estão colocados neste lugar no primeiro 
capítulo, diante o futuro antropólogo (a câmera), é necessário abordar a transformação 
dos papéis segundo as fases do roteiro. Para o papel do instituído, são essenciais no 
funcionamento e na continuidade da rotina de uma clínica, a noção dos que acabam de 
chegar e os que estão prestes a sair. A primeira fase a percorrer no roteiro, fundamental, 
que enquanto internado se conhece, é o seu, da qual é denominado “recém-chegado”. O 
recém-chegado é importante como o próprio programa de doze passos sugere, criando o 
lema que o “recém-chegado” é a “pessoa mais importante no dia de hoje”. Mas o que 
significa culturalmente esse papel, e o quanto é importante para o ciclo do ritual da 
clínica? 
Poderíamos dizer que o recém-chegado é a alma do negócio. Ele cria 
praticamente todas as justificativas para o exercício dos valores do tratamento, enquanto 
condição do grupo a que passa ser colocado diante alguém que precisa entender o que 
está acontecendo, sendo colocado no cenário, na maior parte das vezes, de maneira 
forçada, contra a sua vontade, então o grupo tem a missão de acomodar o 
recém-chegado para convencer ele a ficar instituído pela sua própria vontade. 
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A análise de meu trabalho de campo segue um movimento interessante. Num 
primeiro momento estive no que poderíamos chamar de um mosteiro, uma comunidade 
orientadadeste é traçada nos mecanismos de representação do seu indivíduo para com o coletivo, 
abrindo possibilidade de exercer um papel a partir dessa representação e essa 
representação se basear nos elementos da busca espiritual e de formação do novo ser 
que passa a possuir um novo ideal (GOFFMAN, 2007). 
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A importância deste trabalho consiste, portanto, na elucidação das diversas 
correntes e suas intenções políticas e institucionais que aplicam um ascetismo gerado 
pelo próprio sistema como domínio da categoria de liberdade, pode se dizer que atuam 
enquanto meios disciplinadores, pretendendo ser o guia comportamental da conduta 
padrão de um novo tipo de persona, a que busca um caminho para se recuperar 
(NIETZSCHE, 1999). De que forma a experiência pode recuperar esse trabalho e de que 
forma esse trabalho pode recuperar a experiência? Em que sentido se tornam fixas o 
conjunto de ideias do ascetismo como exigências da vida social? 
 
A justificativa para este trabalho é elucidar a sensação de mundo do internado, 
no entendimento do processo civil de manejo da força destinando pacientes ao 
isolamento e vigilância, enfim, do controle que a instituição exerce sobre os indivíduos 
e de como ainda através do exercício de determinadas técnicas e tecnologias, estende, 
para além de seus muros o ideal comportamental que visa o funcionamento da estrutura, 
a partir da ação condicionada dos indivíduos (FOUCAULT, 2006). Em que medida isto 
serve a alguém que corre o risco ou passou pela instituição, enquanto seu caráter 
totalizante e repressor, mesmo que estas instituições se mostrassem diluídas no 
comportamento, tornar esse fenômeno perceptivo mesmo com a espiritualização da 
crueldade (NIETZSCHE, 1999). 
Diante disso, podem ser entendidos como atores que se beneficiam de uma 
determinada “modernidade da instituição”, mas que não os poupa de ver esse avanço 
como problemático, já que preserva as antigas formas, e as deixam mais sutis, no 
entanto, mantém determinada função que apenas se mostra com uma representação 
diferente utilizando uma capacidade e uma tecnologia mais “avançada”. Como e de que 
forma, estes elementos permitem uma dramatização e uma ritualização das interações 
sociais, nas reuniões de grupo, por exemplo? Na qual criam uma cena, o elemento do 
público, os espectadores e por fim, os bastidores (JOSEPH, 2000). 
Esse controle e essa vigilância nos colocam como atores em cena para validar a 
narrativa do dispositivo de poder na qual a instituição responde e exerce sua 
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legitimidade e seu ideal de forma a incutir na sociedade o seu valor, na moral dos atores 
e espectadores (GOFFMAN, 2007). Através da representação e da criação de imagens 
ela condiciona o seu conjunto ideológico a quem sua força não atinge diretamente e 
precisa de uma noção ao menos estética de como esses fundamentos obedecem a 
dispositivos de poder que criam um discurso de verdade para os internados que vão 
reproduzi-los em seus próprios casos e caçar uma série de singularidades e 
universalidades que vão beneficiar a perca de particularidade pelo paciente 
diagnosticado, mas um ganho de troca indispensável para seu re-convivio em sociedade: 
estar diagnosticado e se está se tratando esta saudável, e se não segue o receituário está 
novamente doente (FOUCAULT, 2006). 
Levantarei questões no sentido de uma experiência prática como paciente que 
passou pelo processo de internação e recuperação que conhece por dentro e pretende 
agora ver de fora esse processo, que vislumbra novas possibilidades de se pensar a 
clínica enquanto instituição reprodutora de um ideal ascético produzido pelo próprio 
capitalismo, e que, no fim, esconde seu verdadeiro interesse do lucro, tendo isso como 
justificativa pessoal o desenvolvimento de uma percepção pessoal de seu fenômeno até 
a sua elucidação cientifica. 
A pesquisa de campo foi feita baseada em minha própria experiência elucidando 
questões propostas, assim como as que serão levantadas. Para tal entrevistei pessoas que 
passaram por esse processo de internação, além de realizar entrevistas com adeptos de 
algum tipo de ascetismo, a fim de buscar comparações e semelhanças, proximidades e 
também as diferenças e contradições entre esses dois discursos: o da cura e o da doença. 
Destacamos como problema de pesquisa essa capilaridade entre o ideal ascético 
e a organização de rebanho sendo que ambos mantêm uma relação de dependência para 
o bem do funcionamento da comunidade e do indivíduo, forjando a construção de um 
sacerdote que leve a comunidade a ter esclarecimento e ser capaz de combater e ajudar 
os doentes (NIETZSCHE, 1999).0Essa é a organização primordial que se dará conta 
levando em conta as referências de quando se está internado e responde claramente a 
uma força coletiva de um conjunto que torna a percepção da individualidade mas tênue 
que atinge uma auto imagem mais facilmente. Temos isso como técnica ascética de 
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transformação do ser segundo uma outra individualidade que difere daquela que se 
desfaz (GOFFMAN, 2007). 
Somente quem desenvolve uma disciplina consegue atingir e dar continuidade a 
um ideal espiritual que se desenvolve na moral, no julgamento da razão pelo que sente o 
instinto. Mas esse instinto é elaborado segundo normas e regras que colocam uma moral 
de rebanho e uma referência no sacerdote. A expressão do instinto é uma regressão que 
coloca principalmente a violência como elemento trágico e a ela ligados a intolerância e 
a agressividade das manias, o pensamento obcecado por uma ideia fixa que aparece em 
todo o conjunto de expressão e representatividade própria do paciente são colocados 
como furtivos à saúde do elemento (FOUCAULT, 2006). 
A pergunta da pesquisa é, portanto, por que a clínica não consegue recuperar o 
paciente socialmente apesar da mudança de conduta e condicionamento introduzido ao 
paciente, e este volta a ter os comportamentos sobre a sua saúde que a clínica procurou 
combater que levavam seus pacientes a recair, em sua maioria há reincidência na 
internação. E por que alguns poucos conseguem se estabilizar, mas principalmente, por 
que somente é possível ter um processo de recuperação pleno com adesão a moral de 
rebanho e o processo de negação da vontade que colocam o curado ou doente consciente 
em constante vigília de si mesmo (NIETZSCHE, 1999). 
O tema desse trabalho é: nem a cura e nem a doença, pois se refere a acepção do 
grupo dos Narcóticos Anônimos em referência a uma doença e ao papel da fé 
evangélica em referência a uma cura. Ambos tratam do mesmo problema dentro da 
clínica com soluções e perspectivas diferentes. Esses dois elementos são a ação dos 
ideais e práticas ascéticas acampados dentro da instituição como sendo do tipo de uma 
revelação de uma cura ou então o ascetismo do tipo aceitação de uma diagnosticada 
doença, é através desse objeto, o do ascetismo dentro da clínica como reforma do eu, 
através de um ideal, que iremos colocar nosso problema (GOFFMAN, 2007). 
Podemos dizer que, basicamente os doze passos do grupo Narcóticos 
Anônimos(o termo anônimo se refere tanto quanto o zelo para que se permaneça o que 
foi discutido no grupo fique no grupo, quanto também se refere a condição que a 
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substancia de preferência do uso em si não importa qual seja, importa toda a série de 
condições e condicionamentos que levam o dependente químico ao chamado fundo do 
poço, a isso se refere o termo “adicto“) correspondem a um contato consciente com 
deus através da entrega e aceitação das limitações que uma possível doença inflige a um 
grupo de pessoas incapazes de controlar suas vidas, e por conta dessa impotência, tais 
pessoas colocam suas capacidades de decisões nas mãos de um poder superior; esse 
paradigma se enquadra ao ascetismo do tipo de aceitação de uma doença, tendo como 
trajetória a serenidade.para a prática ascética que era regida por um padre, que exercia a chefia da 
vida da comunidade, enquanto a administração era separada deste processo, com essa 
estrutura buscavam um modelo de funcionamento mais liberal, os portões eram abertos, 
no entanto se tornava obrigado a ficar ali o internado por outros motivos, a coerção se 
dava pela família já que era um ambiente de classe média, portanto como mexe com 
famílias que tem mais recursos, o sujeito até pode fugir, mas sem dinheiro e documentos 
terá que voltar pra casa e em casa o discurso da família já é o da clínica. 
Poucas fugas representam o fim do tormento, em sua maior expressividade, as 
punições são drásticas aumentando muitas vezes o tempo de internação, devido a ser 
considerado que após um indivíduo executar um ato assim ele volta para seu tratamento 
no estágio zero, e terá que começar tudo de novo, pois mostra que não estava 
concordando em nada com sua destinação. Uma infração fica contada, como falha na 
capacidade de previsão da instituição que não previu diante do comportamento 
simulado do paciente uma possível tendência para discordar dos meios institucionais 
pregados, que aparentemente eram respeitados pelo “recém-chegado”. 
Fica difícil dizer o que seria da crítica se ela não expusesse a crueldade de forma 
sistemática e pudesse ser atestada, pelos que obtém em suas vidas à experiência de 
passar o que está escrito nos livros, talvez a reação libertadora da exposição de 
contaminações do “eu” seja ou a vingança ou a conquista de infinita misericórdia. 
Muitas vezes a função da crítica é retirar o disfarce de uma situação expondo seus fatos 
que se tornam chocantes. 
Podemos dizer que os mesmos mecanismos de antigamente prevalecem nas 
rotinas das instituições totais, mesmo com os avanços da técnica eles encontram cada 
vez mais sua decadência em vistas da sua obrigação de ser um lugar utópico. Esta 
contradição é exposta, porém estes se modernizaram e assumiram um disfarce mais 
convincente, trocando o choque elétrico pela administração de drogas mais 
desenvolvidas que permitem um controle maior do que o uso deliberado da força. 
Consegue-se, portanto, com o avanço da técnica um apoio maior da sociedade e 
da criação de um mito que o louco hoje é bem tratado, assim como o mito da crença de 
que, se o drogado se esforçar, ele vai conseguir esta transformação necessária para 
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abandonar o vício. Se ficar internado numa clínica considerada boa, ele poderá ter mais 
chances, do que procurar outras soluções, a única solução possível para a instituição é 
aquela que passe pela inclusão num programa através de uma total modificação do seu 
ser. 
Podemos dizer que alguns dos internados jogam o jogo e fingem concordar, mas 
não concordam com os meios institucionais, outros assumem o papel imposto, outros 
ficam paranoicos e amedrontados e mudam até seus gestos e reações com medo da 
repressão, enfim alguns são mais autênticos e outros nem tanto, mas temos os autênticos 
que concordam com os meios repressivos e os autênticos que se rebelam. Os que não 
são autênticos estão condenados a passar por diversos testes que possam situar em grau 
preciso o tipo de comportamento que tem e em que grau concordam ou discordam, 
podemos dizer que em regra geral somente se consegue sair de uma instituição total 
pela porta da frente, cumprindo com a menor pena e o menor tratamento possível. 
Aqueles que autênticos ou falsos cumpram com a vontade institucional passando por 
testes que, às vezes os colocam como algozes de seus próprios companheiros para pôr 
em prova a lealdade com os meios coercitivos, colocando os pacientes como 
bajuladores ou depreciadores da ordem em geral. 
Isto é quadro de repressão extrema onde temos uma ordem institucional maior 
do que qualquer laço que você venha a adquirir estando internado com seus 
companheiros. Como antropólogo, me vejo em maus lençóis caso me perguntem se eu 
já concordei com os meios institucionais, de fato, posso dizer que conseguir sair pela 
porta da frente, isto já significa que de certa maneira aderi aos condicionamentos e 
também me “transformei”, portanto havia casos, por exemplo, quando todo o grupo 
ficava contra alguém que está se tornando um problema e ele não o é, se mostra apenas 
como um bode expiatório. Não é sem motivo que as pessoas acabam condenando o 
alvo: se você não se posiciona de acordo com o rebanho sofre coerções ou rompe todo o 
seu sistema de alianças para terminar com alguém que vai te trazer problemas de 
qualquer jeito. Exerci também a vigília, num cargo superior que se conquista mesmo 
estando internado, uma rotina diferente, funções comprometedoras com o resto do 
grupo, os meus companheiros que eram vigiados por mim. 
Podemos dizer que mesmo com a modernização das técnicas empregadas em 
instituições como estas, não mudou essa questão do controle exercer nas pessoas um 
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condicionamento que reflita na elaboração de um personagem que conduzira a trama da 
recuperação e este agente sabe de primeira instância que tem que concordar com os 
meios empregados e tem que aceitar um reforma de seu eu, tem que pelo menos parecer 
que concorda de boa vontade, para ser inserido no processo ascético disciplinar que irá 
moldar a mente e o corpo e, muitas vezes com a melhora, a pessoa passa a acreditar 
nesses meios e cria um vínculo de dependência maior o que dá mais segurança aos 
superiores que agora o conseguem controlar pela própria regra do jogo, sem usar 
necessariamente da força, e não vão precisar tratar aquele como caso adverso que 
precisa ser isolado, mas um futuro cliente, que vai retornar várias vezes graças a 
recaídas e a um agente que com repetidas internações de tanto conhecer o roteiro e o 
processo a que será submetido, acaba executando os meios institucionais exercendo um 
trabalho, não recebendo nada em troca, pelo contrário quanto mais vantagens exige dos 
dirigentes por ser “veterano”, mais o nível de dependência do vínculo cresce, no entanto 
se tenta fugir desse contrato é impelido a uma posição pior de continuidade da 
marginalidade, alguns ganham a batalha, porem inicialmente, os que saem pela 
tangente, conseguem um alivio temporário da perseguição pois se os problemas 
continuarem, ele vai ser mandado para um lugar pior. 
 
Como a instituição total lida com muitos aspectos da Vida dos Internados, 
com a consequente padronização complexa na admissão, existe urna 
necessidade especial de conseguir a cooperação inicial do novato. A equipe 
dirigente murtas vezes pensa que a capacidade do novato para apresentar 
respeito adequado, em seus encontros iniciais face a face é um sinal de que 
aceitará o papel de internado rotineiramente obediente. O momento em que 
as pessoas da equipe dirigente. Diz pela primeira vez ao internado quais são 
as suas obrigações de respeito pode ser estruturado de tal forma que define se 
o internado a ser um revoltado permanente ou a obedecer sempre. Por isso, os 
momentos iniciais de socialização podem incluir um "teste de obediência" ou 
até um desafio de quebra de vontade; o futuro internado que se mostra 
insolente pode receber castigo imediato e visível, que aumenta até que 
explicitamente peça perdão ou se humilhe. 
 
O contato inicial sempre pode ser o mais traumático, a resposta à ele pode 
determinar tudo, somente quando não convence de sua disposição é que um paciente 
que aceita o tratamento é recolocado no início, como castigo, digamos por que vinha até 
ali com falsos progressos, chegando em vão na metade do tratamento, por exemplo, e é 
colocado pelos companheiros e pela equipe como uma pessoa que está se sabotando e 
somente demonstra mudanças na aparência e não está executando a transformação 
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verdadeira da sua conduta; sinal que entendeu como sobreviver, mas não entendeu como 
sair de fato deste lugar. É talvez a figura que mais recebaadvertências, aquele que é 
sociável e que respeita, interage, absorve o conteúdo do programa, entende as reuniões, 
o propósito, o lema, mas não pratica, fica apenas simulando a disciplina e os 
comportamentos não mudam, passa a efetuar um discurso e acaba criando uma persona 
com vícios morais, que tem um acaguete, que demonstra evidentemente que esse 
paciente não mudou de verdade. 
Isto se estende como problemática para a instituição, porque a falta de prática 
coloca em cheque os próprios parâmentos da clínica de que, como uma pessoa que 
representa a ordem possa não estar cumprindo com os objetivos do tratamento e sabota 
constantemente em favor de intrigas e súbitas subidas de posição que o colocam em 
xeque na equipe e dos companheiros e perde tudo, digamos assim na etapa em que se 
aprofunda, porque fica evidente que ele estava ali o tempo inteiro manipulando um 
personagem para ser aprovado, que caiu facilmente e serve de exemplo. Mesmo 
seguindo a ordem, quem não realizar a verdadeira transformação espiritual sofrera 
exposições diante do grupo e medidas da equipe com perda da posição que tinha até ali 
conquistado e volta assim, digamos, ao “chinelo”, visto que muitas vezes estava numa 
posição do grupo que já era permitido usar tênis. O tênis era para as vigílias, internados 
que conquistavam certa posição, e os chinelos, eram para os duvidosos que poderiam 
fugir a qualquer momento, os que amargavam a subordinação, mas na realidade a 
instituição se mostrava acima de tudo ser justa, pois demonstrava através de exemplos 
que ninguém tem vantagens ou está acima da lei. Desse modo, os que usavam tênis 
tinham que acordar todo dia meia hora mais cedo e ficar três horas na contenção 
vigiando os “recém-chegados”. 
A técnica utilizada é de cunho de utilidade, não assume a princípio nenhum valor 
estético ou cultural, se refere à vantagem do tênis numa possível fuga contra alguém que 
usa chinelo, mas não podemos determinar o quanto esse motivo se escondia, ficando 
imperceptível o caráter opressivo daquele termo, na fetichização e no significado que 
esse símbolo adquiria, pois havia muitas poucas fugas comparadas às cenas que se 
esbanjavam com o estilo e os tipos de tênis que usavam como se estivessem no colégio, 
comparando e aquilo ficava registrado como imagem da pessoa e o poder daquilo com 
certeza não se devia a utilidade que apresentava, mas refletia referências que 
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despertavam referências de quando estavam do lado de fora, as pessoas que viam 
usarem e as que usavam aqueles tênis, podiam se sentir mais próximas da liberdade. 
Os recém-chegados supostamente eram as pessoas mais importantes, no entanto 
chegavam e ficavam isoladas, mas existia toda uma pompa para recebê-los, um novo 
membro do grupo, significava que um havia deixado, ou na verdade para cada cinco que 
entravam, saía um, mas a quantidade de internados continuava o mesmo devido a um ou 
outro que abandonava por razões diversas no meio do caminho ou era expulso de 
alguma forma, mas como entravam bastante pessoas juntas, a instituição soltava de vez 
em quando uma leva considerada de bens sucedidos, que adentraram num mesmo 
contexto e são os formados do período e merecem ir pra casa, áàs vezes se passa 
períodos de dois meses e ninguém deixa a clínica, principalmente em fases que estas se 
reestruturam sendo mais comumente o período de um mês sem ninguém sair, o que 
marca um ritual de passagem quando figuras que eram importantes no meio deixam o 
local e outras que antes eram novatas, passam a serem os que agora de certa forma 
controlam e aceitam plenamente os meios institucionais. 
Em hospícios, a dinâmica é diferente dessas clínicas terapêuticas onde se 
constroem uma comunidade, nos hospícios mesmo a ala dos dependentes químicos é 
perpassada por outra lógica de dinâmica. Existe entre os dependentes químicos os 
mesmos programas de recuperação e irmandade oferecido aos loucos, mas por esse tipo 
de doença ter mais histórico de tratamento em comunidades, se tenta simular na ala dos 
dependentes químicos o comportamento que faz daquilo uma família em recuperação, 
busca-se formar uma comunidade mas parece que o hospício enquanto instituição não 
permite isso fora do quadro de aplicar as técnicas de controle e coerção do “eu”, quer de 
certo modo incutir um ambiente de trabalho e vivencia dentro de um hospital, dividido 
com o da alimentação e descanso, dentro de um espaço hospitalar. O lazer é 
sumariamente excluído, ou é algo burocratizado pela instituição, marcado por dias que 
tem alguma alteração da rotina, ou dias de visita, que ajudam a manter a ordem nos dias 
“normais”, pode ser uma confraternização entre os internados, ou efetuação da 
referência do calendário para alguma data comemorativa, ,por exemplo, o natal. 
O próprio recurso ascético é passado ao paciente como uma forma de controle. O 
enredo da elevação espiritual voltado ao trabalho é o meio do conselheiro cobrar um 
determinado comportamento condizente com a recuperação e com o bem-estar do 
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grupo, e fora disso qualquer organização e manifestação de comunidade que não tenha 
essa referência no sacerdote, enquanto o conselheiro que é a referência da recuperação, 
pode ser desestimulada. Formações contrarias de entendimento dos doze passos, e 
manifestações religiosas em grupo não são permitidas e podem ser exemplos de como 
em hospícios a dinâmica se altera, apesar da recuperação estar representada pelo mesmo 
conjunto de representações de uma comunidade terapêutica, nos hospícios a utilidade 
disso como forma de manter o controle é mais evidente e acabam se justificando 
enquanto meios de manter a ordem, e não de atingir uma recuperação plena e 
instrumentalizada, apesar do esforço de manter essa referência em um lugar que limita a 
concepção do ideal de recuperação e busca melhor conter a crise através dos 
medicamentos e do regime disciplinar e apenas dar os ‘primeiros passos’ na recuperação 
enquanto filosofia de vida e prática espiritual voltado ao trabalho, apesar do seu regime 
disciplinar levar à uma espiritualização, nos hospitais psiquiátricos fica mais evidente a 
forma mecânica que são aplicados, visto também o menor tempo de tratamento e um 
ambiente mais fechado não favorável à uma prática espiritual em comparação com as 
comunidades terapêuticas . 
A primeira vantagem que esses hospitais parecem ter a primeira vista, é 
oferecerem ao paciente, internações mais curtas, de quarenta e cinco dias a dois meses e 
meio, no entanto quanto à tranquilidade despojada em clínicas terapêuticas parece 
maior, tendo um maior contato com o ar livre e menos com grades, parece não 
compensar segundo o que dizem muitos, ficar em hospitais, apesar do menor tempo de 
internação comparado aos meses que se passa numa clínica terapêutica. O clima de 
prisão de um hospital psiquiátrico, e um processo mais radical como um todo, deixam 
marcas mais evidentes de se ter passado pelo “inferno”. 
As grades e o espaço apertado já começam por aumentar a angústia que somente 
piora quando se vai descendo as alas e chegando até a primeira onde estão os somente 
loucos, até chegar à ala dos mais limpos, que é a dos somente dependentes químicos, no 
entanto as alas intermediarias convivem com os extremos ao invés de ser juntadas numa 
ala do meio digamos assim, os alcoólatras e dementes são postos com os somente 
loucos, e os que adquirem complicações mais severas devido ao uso de drogas são 
colocados com os somente dependentes. Poderiam se juntar os alcoólatras e 
dependentes químicos numa ala e os que sofrem de debilidades e debilidades em 
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decorrência ao uso de drogas numa outra. No entanto se aproxima os loucos viciado dos 
somente viciados, e se coloca os alcoólatras com os somente loucos. 
Seria mais lógico colocar os que têm uma debilidade leve juntos, ou os que 
ficaram loucosdevido a droga com os somente loucos, mas a natureza do problema de 
um louco e viciado é diferente do somente louco e se aproxima mais da condição do 
viciado, e o alcoólatra se aproxima mais do somente louco. Separa-los implicaria ao 
hospital psiquiátrico se excluir de tratar somente os dependentes, ou ter que criar mais 
uma ala para acomodar a nova formação, além de uma estrutura maior, parece não fazer 
parte da intenção do hospital psiquiátrico mudar essa composição dos elementos, pois 
como será sistematizado mais adiante, seu controle ocorre pela construção do discurso e 
de aprimoramento das formas de controle, então os que são mais loucos são usados de 
exemplo para os que não enlouqueceram ainda, que existe somente um caminho para 
sair dessa situação bem, é aquela em que o indivíduo aceita sua identificação e por ela 
consegue sua melhora e alta, se for constatado que é um doente de outro tipo ele é 
reinserido na estrutura e começa todo o trajeto do zero. 
Mas o que queria salientar no momento é a questão do recém-chegado, ele é 
colocado em isolamento, caso ofereça riscos de diversos tipos, ficando no que é 
chamado de “quadrado”, onde a disciplina é mais rígida. Enquanto o paciente que está 
nas alas chega a fumar de doze a quinze cigarros por dia, ele é regulado durante o dia 
por cinco cigarros, posto que é o único alívio de ficar isolado e inerte. É colocado num 
grupo de quatorze pessoas no estado mais grave de suas situações, delirando e muitas 
vezes sem saber onde estão. São constantemente medicadas para ficar dormindo, é dado 
aos que chegam uma dose de Aldol , este remédio senão ministrado com o Fenergan 
pode dar alterações sérias na pessoa que aproximariam aos efeitos de tortura. 
O nível de dor da reação alérgica e do travamento do corpo é assustador, sendo 
que presenciei uma pessoa sob efeito do Aldol, ao assistir um nível de dor tão forte 
aconteceu de um paciente vomitar diante do horrendo espetáculo de um recém chegado 
em que foi administrado o Aldol sem o Fenergan, todos os músculos do seu corpo 
endureceram e ele ficou torto e travado sem conseguir respirar, parecia estar tendo um 
ataque que realmente o colocou em risco de vida, no último momento em que ele já 
estava quase desistindo de viver e se entregando, os enfermeiros chegaram com a dose 
de Fenergan que é um antialérgico que corta os efeitos do Aldol. 
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O controle é exercido e para efeitos práticos o indivíduo foi torturado e açoitado 
até desistir de sua rebeldia de “recém-chegado” para aceitar os meios institucionais que 
violariam o seu “eu” de todas as formas possíveis. Preferindo ficar inerte de vez e 
apenas pensar em dormir e vegetar. O questionei porque ele vegetava, dizia que estava 
impelido e que muitos movimentos ou emoções davam a crise nele e ele “travava” 
graças ao Aldol, coisas como raiva e revolta eram coisas que tinham que ser cortadas de 
seu emocional, senão acontecia de despertar os efeitos colaterais do remédio, o que 
significa uma crise dolorosa que apesar de conhecida, por nada nesse mundo se 
desejaria contrair de novo até desfigurar, perder a fala, a respiração e os movimentos. 
Portanto, a aceitação é o veículo utilizado para medir o quanto o paciente está de 
acordo com sua mudança ou não e merece sofrer reparos no seu comportamento de 
modo a tornar sua disciplina eficiente para os propósitos espirituais e os da ordem da 
clínica, pois um não pode se legitimar sem o outro, o progresso acontece por uma 
afirmação nos dois sentidos, se o tratamento vai bem é porque para a clínica o paciente 
está apto a prosseguir e desenvolveu uma disciplina sincera ou pelo menos satisfatória 
que não o coloca como agente de risco para a instituição, como fugas, tumultos e 
intrigas, ou mesmo jogar um jogo tentando sair rápido do tratamento querendo voltar 
para a casa, articulando família, companheiros, casos e cenas para construir um enredo 
mais forte do que o da clínica e conseguir ser colocado pra fora por alguma 
circunstância, mas no geral o caminho adotado pela maioria é cumprir com o ordenado 
para desse modo, não causando problemas, consiga sair daquele local. Mas a tensão 
entre permanecia e desejo de sair logo é constante, muitos se agonizam e falam o dia 
inteiro sobre o período de sua estadia e quanto ela ainda pode durar. 
O papel do instituído assim é moldado em contraposição à ideia de liberdade, é 
recorrente que se elabore uma personagem para esse papel, baseando-se no projeto de 
recuperação da clínica e no ideal espiritual do paciente e através desse personagem 
constituído no papel de instituído que o paciente lida com a liberdade, seja com os 
indivíduos ‘livres’ que tem contato, enquanto funcionários ou visitantes e a família, 
quanto com a sua própria liberdade. 
 
2.4 O enredo” o dispositivo de poder que gera a narrativa, a instituição e o 
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individuo psicologico” 
A construção do discurso é o enredo, o enredo seria o dispositivo de poder, 
através do domínio da narrativa e do entendimento acerca do domínio teórico e técnico 
sobre as práticas exercidas pela sociedade em sua alta complexidade e desenvolvimento 
oferecido no que há de mais moderno e eficiente, se tratando desse tipo de problema, 
colocado na instituição, ou seja, qualquer indivíduo, internado ou não, terá seu 
conhecimento e habilidades descartados diante da construção do enredo que a 
instituição constrói sobre a doença de acordo com o roteiro que acontece dentro e fora 
da instituição total, extremamente conhecido e experimentado em diversos casos de 
pacientes que passaram pela instituição, e totalmente desconhecidos pela maior parte da 
população, inclusive os envolvidos de primeira viagem. 
O “dispositivo de poder como instância produtora da prática discursiva” 
(FOUCAULT, 2006) levando esse mecanismo em consideração, abandonamos o sistema 
de representações em prol, de uma reflexão acerca do uso das referências e linguagens 
em vista de programar um enredo para a instituição e para o paciente, que constitua na 
elaboração do poder enquanto forma e tática infiltrada nas interações, cumprindo uma 
‘função’, e não apenas nos objetos de expressão da força física desse poder e seus 
discursos. O poder disciplinar pode ser entendido como uma inovação tecnológica, 
tendo o ascetismo como técnica e justificativa para uma série de privações a que são 
condicionados os indivíduos em seus meios, e dessa forma tornando mais sutil e 
proveitoso todos os elementos do processo, para gerir os locais da instituição total que, 
dessa forma, atravessam seu muros, os seus lugares, para estar presente de forma mais 
efetiva, de forma que a própria pessoa aceita a vigília e o controle tanto dentro como 
fora, e de como ela passa exercer essa função consigo e com os outros, como se fosse 
uma espécie de atividade, se mantendo funcional, ou melhor, se mantendo dócil 
(FOUCAULT, 1987). 
Não podemos usar as representações de forma a se prender na superfície e na 
primeira instância da objetividade, devemos observar os condicionamentos 
arqueológicos que possibilitaram o atual terreno e a busca incessante pela legitimidade 
da atualidade segundo o percalço da formação do discurso e da justificação institucional 
de acordo com as representações sociais vigentes. O conflito surge na elaboração da 
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prática discursiva pelo dispositivo de poder, onde se busca através dessa função, um 
entendimento a partir das ações desencadeadas pelos personagens e um controle da 
narrativa e das expressões e seus encaminhamentos na colocação de um roteiro que 
deve ser seguido pelos pacientes. 
Focar nessas representações podem não trazer a verdadeira lógica do enredo e do 
discurso que se utiliza para comandar o roteiro, as formações e estruturas têm de se 
tornar visíveis ao olhar antropológico através da história e da formação analítica de 
nosso método.O que é a representação do indivíduo em recuperação, pode não trazer os 
conflitos a que estão submetidos e pode haver a ausência nessa representação do 
encadeamento dos fatos que fundamentam a narrativa. 
Por exemplo, ver de fora a volta para casa do paciente pode ser entendido como 
o fim da tensão, no entanto observando a prática discursiva gerada por um dispositivo 
de poder, pode-se identificar o clímax (momento de maior tensão). Através do desafio 
de começar uma nova vida sem os comportamentos que levam a pessoa ao “fundo do 
poço” e sem também a estrutura e rotina da clínica, mas utilizando da sua prática 
discursiva elaborada por esse dispositivo de poder da recuperação, unido com o alivio 
de deixar a instituição, existe um comprometimento e um contrato com o grupo e a 
clínica, parece que ele sai independente e livre, no entanto soma-se uma série de 
condições para essa liberdade, é o momento mais esperado, mas não significa que o 
desfecho vai ter um final feliz ou não vá exigir maior comprometimento do paciente 
para com a sociedade como um todo. 
O enredo é, assim, um dispositivo de poder que gerencia os conflitos entre os 
personagens na narrativa onde a colocação do roteiro legitima sua prática discursiva, 
deixando bem claro as fases do tratamento que o paciente deverá seguir, para a 
estruturação do enredo que explica além das representações do roteiro, a dinâmica e os 
acontecimentos da narrativa que vão preenchendo esse roteiro e damos ao enredo a 
capacidade de produzir o discurso da sociedade e as táticas para lidar com as 
representações que afetam o fato social, enquanto fenômeno que se utiliza dessas 
representações. No entanto a ambiguidade disso se reflete no fato de que esse sistema de 
representações oculta a verdadeira dinâmica do roteiro e ainda esconde esse enredo que 
é dominado pela instituição que o exerce sob outra representação que não àquela que se 
encontra nas relações e sim àquela exposta como justificativa para o uso condicionado e 
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não mais deliberado da força, e que passa a ser aceito como corrente pela sociedade 
civil, aceito como necessário. 
A estrutura econômica determina o grau de domínio do enredo pela instituição, 
portanto, a modernidade expressa nessas instituições é de fato um progresso em 
círculos, onde o avanço técnico e tecnológico não resolve os paradigmas e estende a 
outra formação técnica a mesma problemática e o mesmo conjunto de funções da 
formação anterior, esse novo arranjo é o uso do domínio técnico e tecnológico para 
manter o domínio do enredo e dos dispositivos de poder a ele vinculados, para dar conta 
de um novo sistema de representações e imagens elaboradas pela sociedade que buscam 
dividir o controle com a instituição do domínio da categoria, hoje dado pela questão 
médica e psiquiátrica. 
O domínio da técnica é uma instituição com capacidades de prever o 
comportamento, porque se reconhece como instituição que reproduz a problemática de 
um mesmo tipo de indivíduo e almeja introduzir ferramentas de controle do 
comportamento, então submete seus pacientes ao processo disciplinador à luz duma 
suposta normalidade, fazendo, então, chamuscar uma fagulha espiritual que pode mudar 
o sentido da ação social desse indivíduo, colocando-o no estado de recuperação para 
uma nova vida. Assim seguindo o roteiro da clínica o paciente passa a ter um enredo 
para se estruturar, caso não siga o roteiro, a própria dinâmica do enredo dominado pela 
clínica, condiciona o encadeamento da prática discursiva do paciente em referência ao 
dispositivo de poder da clínica. 
O domínio técnico sobre a elevação do espírito oferece a oportunidade de 
controlar as vias que se darão o conhecimento, o processo de autoconhecimento é assim 
controlado pelas vias de fato se resumindo ao que a instituição propõe e permite, através 
da constante prática se elabora um método eficiente para convencer as pessoas da 
melhora, determinando assim o roteiro desse enredo. Assim sabendo o que é doença, a 
instituição ganha autoridade para dizer o que não é doença, porém, a questão de reduzir 
sempre os custos cria condições que fazem as instituições testarem seus próprios 
métodos em condições precárias. 
Podemos precisamente dizer que tais práticas ascéticas foram estabelecidas 
como técnica para executar a tecnologia desse poder disciplinar dentro do capitalismo 
para esse capitalismo, não conseguem, mesmo tratando um desgaste e uma provável 
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doença, retirar as pessoas da condição de marginal impostas pela sociedade, na qual 
coloca os pacientes à mercê do domínio das instituições, que determinam o tempo de 
tratamento, destarte, sendo capaz de prever quando e como um paciente poderá voltar 
para sua casa. Esse é o enredo que a clínica busca conter trazendo toda a problemática 
para a questão da saúde, retirando a força do social na construção da narrativa. 
Portanto, a clínica faz parte do processo de marginalização e não de uma 
provável resolução em relação à situação em que o sujeito está condicionado, e traz 
através da doença, o discurso político que sustenta o mercado de internações com 
dinheiro público, nas quais dão resultados pífios e servem apenas para o indivíduo sair 
da situação de surto, de extrema dependência ou qualquer situação em que o indivíduo 
se encontre falido, incluindo depressões e tentativas de suicídio. Portanto, tira da crise, 
mas não resolve o problema central. 
A narrativa da crise é um ponto fundamental, porque a própria internação não se 
justifica se o seu principal paliativo de retirar a pessoa da crise, de surtos, de severa 
dependência não tiver o seu papel para aquele ator em questão, e ele chegar à conclusão 
que está internado sem precisar, o pior a sociedade chegar a esta certeza que ocorreu 
uma internação sem necessidade. A possibilidade de questionar o poder disciplinar é 
evitada pela justificativa de que somente a internação resolveria determinado caso, essa 
visão é incutida pela instituição e pelos indivíduos que com ela concordam e que 
sustentam os dispositivos de poder, a que essas práticas discursivas se estruturam na 
narrativa dominada pelo enredo exercido pela clínica, que tem sua função também fora 
de seus muros. É difícil dizer isso, mas parece que existe uma força, que termina por 
prejudicar aqueles que por si só não chegam nessa situação extrema, mas, no entanto, 
são levados a terminar de percorrer este trajeto, para que enfim a sociedade possa 
leva-lo a internação. 
O domínio da narrativa, cria, portanto, o enredo, este elemento é fundamental 
porque é a própria ação prevista que encontra outras formas de se realizar e formas de 
realização do enredo, através de uma reelaboração do roteiro, por sua vez, resultam em 
um aumento das capacidades de previsibilidade e previsão que o domínio da narrativa 
oferece a instituição. Portanto o enredo enquanto dispositivo de poder cria uma prática 
discursiva que legitima o poder médico e disciplinar, através do ascetismo a clínica 
domina a narrativa e passa a determinar a sua estrutura pela evolução das práticas 
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espirituais efetuadas pelo paciente. 
Destacamos como estruturante do enredo essa capacidade do ideal ascético 
depender de uma organização de rebanho para funcionar, construindo um sacerdote que 
leve a comunidade a ter sua saúde e ser capaz de combater e ajudar os doentes. Dessa 
forma o ascetismo determina as dinâmicas do enredo e as relações possíveis e seus 
conteúdos e o que vai ser tratado por todos como a narrativa em que se baseia o 
encadeamento de acontecimentos, previsto no roteiro, que vai absorver toda a realidade 
vivenciada na clínica pelos pacientes. A disputa pela construção dessa narrativa é a 
colocação do roteiro que permita surgir determinadas práticas discursivas a partir do 
dispositivo de poder, que é a estruturação dessa própria narrativa noenredo. 
Portanto, porque a clínica não consegue recuperar, apesar da mudança de 
conduta e condicionamento introduzida no paciente, e mesmo assim este volta a ter os 
comportamentos que a clínica procurou combater que levavam seus pacientes a recair 
em sua maioria, e porque alguns poucos conseguem se estabilizar, mas principalmente, 
porque somente é possível ter um processo de recuperação pleno com a adesão à “moral 
de rebanho” e o processo de negação da vontade que colocam o curado ou doente 
consciente em constante vigília e incluídos no enredo da clínica. 
O meu objetivo é estabelecer uma visão clara do processo que é inserido o 
paciente após este ser internado e porque ou não consegue se inserir num ideal ascético 
e se integrar na sociedade e possuir evidências suficientes para construir uma conclusão 
do por que, afinal, a taxa de recuperação é tão pequena. Apesar da força para determinar 
esse enredo, porque esse enredo é deixado de ser vivenciado pelos pacientes que não 
encontram os recursos narrativos para sustenta-lo fora da instituição e porque ainda esse 
enredo se torna a barganha entre os que recaem e a clínica que volta a institucionalizar o 
paciente. 
A clínica como instituição tem como principal recurso, propor através da 
disciplina, o ideal ascético como tratamento, pretende despertar uma nova consciência, 
mas tem como principal objetivo disciplinar o indivíduo para tê-lo institucionalizado 
seguindo as regras, ceifando as vontades e estabelecendo condicionamentos, aplicando 
em si mesmos a negação da vontade e aderindo ao ideal de sacrifício e rebanho para 
conseguirem a liberdade. 
Este ideal ascético é o que vai guiar o indivíduo quando estiver 
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desinstitucionalizado, mas quando busca a disciplina o que lhe resta é o trauma 
institucional e este entra muitas vezes em choque com a perspectiva da doença devido à 
necessidade de ter que começar o trajeto se reconhecendo como doente que busca uma 
recuperação. 
O enredo é o da elevação espiritual voltado à disciplina em busca do 
autoconhecimento, em toda cena esta questão vai aparecer, em toda situação a 
continuidade do tratamento vai ser posta em xeque, e o tratamento consiste em 
transformar o espírito segundo técnicas que apresentam um novo ser, que está em 
processo de nascimento e um dia vai estar mais experiente, este crescimento vai guiar 
toda a formação do enredo contrabalanceando com a questão da marginalidade a que 
estas pessoas estão submetidas. 
Acaba havendo de qualquer forma uma moral de rebanho como principal agente 
de integração do sujeito com a sociedade, mas o processo não encontra efetividade e 
acaba funcionando porque o sujeito fica preso, quando em liberdade entra em choque 
com a negação da vontade que foi submetido e acaba recaindo e voltando para a 
instituição criando um ciclo que o mantém constantemente preso, pela conduta que é 
obrigado a traçar para ter alguma liberdade. 
Isso acaba criando um cenário dentro da clínica em que estes diferentes ideais 
ascéticos que promovem o contanto com Deus entram em conflito devido as suas 
diferentes determinações, mas a clínica não consegue enfim, sucesso em integrar o 
sujeito, porque seu próprio rebanho é divido e não tem uma integração total, além disso, 
a sociedade normal acaba marginalizando mais ainda o indivíduo a cada internação que 
este tem, não tendo nem seu grupo, nem o sucesso de voltar para a sociedade. 
A clínica abriga o conceito de doença elaborando uma consciência política 
partindo da experiência médica, define assim a relação da doença com o corpo e 
estabelece os parâmetros do diagnostico, esse processo é a contínua manutenção da 
técnica, onde a fim de se tornar cada vez mais enxuto e viável para sintetizar o 
tratamento na elaboração de um ideal ascético, onde a disciplina e o vínculo com a 
estrutura da clínica elaboram o novo ser à nova conduta. Esse uso do ascetismo como a 
referência para retiros, que consiste no apreender das categorias espirituais e do 
dinamismo da consciência que se estabilizam com a aplicação de uma rotina precisa, 
encontra uma série de privações que, por sua vez, são capazes de elevar o espírito e 
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devolver sanidade às pessoas psicologicamente afetadas por alguma forma de 
depreciação. 
Este é o perfil da clínica que pretendemos discutir, uma clínica com consciência 
política e que considera os espaços e classes oferecendo - ou impondo - uma solução 
importada da psicologia comportamental, e esta, por conseguinte, abriga diferentes e 
diversas correntes de ideais ascéticos. Portanto, a construção do discurso é o enredo que 
permeia estas instituições, colocando uma intenção política dentro do tratamento, 
usando a instituição das bases da experiência, para aprimorar suas técnicas e seu 
domínio na narrativa do que é ser instituído, não restando nenhuma arma ao paciente, 
para este assegurar sua independência e liberdade. 
O enredo, portanto, permite isolar os termos da questão segundo a concepção da 
instituição e para isso as próprias formas descentralizadas do poder devem tecer a 
narrativa que possibilita o sentido da ação estabelecido socialmente pela instituição, os 
casos, devem acontecer dentro da previsibilidade da instituição e não devem trair seu 
juízo sintético a priori, pois todo caso que acontece fora da narrativa estabelecida e 
inaugura uma nova possibilidade é absorvido pelo enredo num desdobramento e na 
elaboração de uma representação que seja a continuidade das já dominadas pela 
instituição e acabe significando um aperfeiçoamento produtivo por parte da instituição 
que passa a prever segundo o encadeamento de seu poder o que possivelmente tinha 
saído pela tangente. A narrativa se constroem a partir desse renascimento espiritual, 
permitido pelo ascetismo em suas diversas fases. 
O despertar espiritual é regido pelos doze passos, seguindo esse enredo o 
paciente estará preparado para um contato consciente com deus e preparado também 
para levar a mensagem para outros “adictos”, esse percurso espiritual é o enredo que se 
apoia a recuperação em suas diferentes etapas, até o paciente estar pronto para levar 
uma nova vida em recuperação fora da clínica com essa nova narrativa para lhe auxiliar 
a se manter limpo e sem crises. O primeiro passo é o seguinte: “1º. Admitimos que 
éramos impotentes perante a nossa adicção, que nossas vidas tinham se tornado 
incontroláveis. ” nesse passo é necessário reconhecer a derrota e que perdeu o controle 
de sua vida, tomando caminhos que apenas prejudicavam o paciente e o levava à crises 
que afeta todo o meio social em que vive, sendo necessário o início de uma recuperação, 
mas antes disso é necessário reconhecer a derrota, e que se havia perdido o controle de 
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sua própria vida, como afirma o primeiro passo, para estar pronto e consciente de que se 
precisa de ajuda e se quer obter uma melhora, bem como a abstinência se torna um 
objetivo, bastando ficar limpo apenas no dia de hoje, não tendo que se preocupar em 
conseguir ficar limpo por um grande período de tempo, apenas, um dia de cada vez . 
“2º. Viemos a acreditar que um Poder maior do que nós poderia devolver-nos à 
sanidade”. A insanidade segundo Narcóticos Anônimos não seria errar, mas, no entanto, 
se referiria a repetir os mesmos erros, não conseguindo agir diferente da maneira doente 
e obsessiva, levando o paciente ao “fundo do poço”, ou seja, é possível que se aprenda a 
não repetir os erros através de algo maior que o próprio adicto que pode evitar o adicto 
de ter pensamentos obsessivos, ego-centrados e a sua respectiva compulsão a partir do 
momento que este buscar ajuda. 
“3º. Decidimos entregar nossa vontade e nossas vidas aos cuidados de Deus, da 
maneira como nós O compreendíamos.” Neste terceiro passo, é feito uma entrega de 
suas vontades e seus desígnios ao que determina deus em sua vida,ou seja, quem vai 
providenciar o desenvolvimento e as novas portas abertas e os caminhos a se seguir é 
Deus, aliviando o fardo de ter que decidir e racionalizar por si mesmo, não tendo que se 
preocupar se a vontade de deus para sua vida é respeitada, tem que haver uma entrega e 
o paciente se vê sem conseguir manipular os acontecimentos, aprendendo a esperar a 
hora certa das coisas acontecerem ao mesmo tempo que cumpre com sua obrigação de 
se manter limpo e em recuperação. Um dado importante desse passo também é o fato 
que a figura de deus utilizada é aquela que o paciente deposita sua fé, seja qual for ela, a 
crença individual não é prejudicada já que a entrega se dá à um poder superior de sua 
escolha. 
“4º. Fizemos um profundo e destemido inventário moral de nós mesmos.” Nesse 
passo o paciente deve escrever sua história pessoal e seu trajeto para expor ao grupo ou 
ao terapeuta, para encontrar explicações e motivos profundos que o levam ao uso da 
substância e a dor dos traumas é exposta e fica claro que muitas vezes o vício se deu na 
tentativa de afastar essa dor. E essas coisas mal resolvidas que ficaram para trás impede 
o paciente de ficar limpo, portanto deve-se saber os itens que constituem a formação e 
os valores de cada um, para que sejam trabalhadas e possa surgir uma nova consciência 
que lida com esses problemas com o intuito de resolvê-los ao invés de deixar oculto e 
fechado uma dor que leva ao uso e como ela não acontece no presente, se resolve 
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tratando da trajetória do paciente. 
“5º. Admitimos a Deus, a nós mesmos e a outro ser humano a natureza exata das 
nossas falhas.” Esse quinto passo é a leitura do inventário pessoal para o terapeuta, para 
o grupo, ou o padrinho, onde é constatada que além do processo de escrita é necessário 
um diálogo sobre o conteúdo e natureza de sua trajetória, donde aparece o depoimento 
dos erros que o levaram aquela situação, e se encontra junto com o terapeuta, o grupo, 
ou padrinho, a conscientização destes mesmos e a forma errada que se dava o trauma, 
sem aceitação por parte do paciente que agora passa a enfrentar cara a cara seus dilemas 
e dores e consegue em fim se perdoar. 
“6º. Prontificamo-nos inteiramente a deixar que Deus removesse todos esses 
defeitos de caráter. ” O aumento de consciência faz o paciente se voltar para a causa e 
origens de seus problemas, no entanto é necessária uma rendição para que ocorra 
transformações mais profundas que tratem não apenas do problema da droga, mas todo 
o conjunto que é afetado pelo comportamento do adicto. Lembrando de suas fraquezas, 
tendo boa-vontade, confiança e comprometimento ele conseguirá dar esse passo, onde 
ele reafirma o compromisso com o programa e busca agora lidar com problemas não 
ligados diretamente ao uso, confiando que deus possa fazer o que ele não consegue 
sozinho, se prontificando à mudança que ocorrerá no sétimo passo que vai exigir da 
paciente humildade para entregar esses defeitos à deus (“7º. Humildemente pedimos a 
Ele que removesse nossos defeitos. ”). A diferença entre o sexto e o sétimo passo é que 
um é o preparo do outro, já que no sétimo passo nós entregamos voluntariamente, 
diferente da entrega dos dois primeiros passos onde estava evidente que o paciente 
precisava de ajuda, e que no sexto passo se tome consciência e refirma o rendimento 
para a libertação do sétimo passo sobre essa questão que já trata a droga apenas como 
“ponta do iceberg”. 
Esses passos não necessariamente são tratos independentemente ou na ordem e 
podem ser trabalhados em simultaneidade, é através desses passos que a clínica vai 
estruturar a narrativa do percurso espiritual, criando com esse enredo o dispositivo de 
poder que efetua a prática discursiva da clínica e produz uma visão acerca do que é a 
recuperação e como atingi-la, bem como suas fases e trajetos. A importância dessa 
técnica dos doze passos é a possibilidade de a tecnologia do poder disciplinar existir 
dentro da clínica organizando a prática ascética exercida por todos na comunidade, tal 
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qual o enredo, estrutura a narrativa, para dar cabo do roteiro, e os acontecimentos 
estabelecerem uma ligação e uma interação correspondente a esse enredo e deter a 
lógica do encadeamento dos fatos, tendo controle da narrativa e os conceitos por ela 
levantadas na trajetória dentro da instituição. 
“8º. Fizemos uma lista de todas as pessoas que tínhamos prejudicado e nos 
dispusemos a fazer reparações a todas elas. ” É inevitável que na trajetória do uso se 
tenha feito “mal” a alguém, ou diretamente ou indiretamente, já que não havia limites 
para realizar o uso, incluindo família, amigos e conhecidos, muitos se sentiram 
prejudicadas pelos atos durante o período de uso do adicto e é necessário colocar isso no 
papel, para que desentendimentos do passado não atrapalhem a recuperação presente, 
seja como arrependimento ou como intriga que persiste que pode enfraquecer a 
recuperação e levar ao uso, levando o paciente ao nono passo: “9º. Fizemos reparações 
diretas a tais pessoas, sempre que possível, exceto quando fazê-lo pudesse prejudicá-las 
ou a outras.” Depois de colocar no papel e na consciência a necessidade de reparar essas 
pessoas prejudicadas, através do comprometimento do próprio adicto com a 
recuperação, tem que se analisar a possibilidade de exercer essa reparação, não sendo as 
vezes possível realiza-la diretamente, pois então o programa sugere que já que não é 
possível uma reparação direta com a própria pessoa prejudicada, se faça uma indireta 
que compense a impossibilidade de reatar uma conversa com uma pessoa que guarda 
ressentimentos e pode não entender o propósito da reparação e acabar que piorando a 
situação ao invés de resolve-la. 
“10º. Continuamos fazendo o inventário pessoal e, quando estávamos errados, 
nós o admitíamos prontamente. ” A conquista efetuada pelo trajeto nos outros passos 
tem que continuar e se aprofundar e se deve atualizar o inventário estando em processo 
de recuperação, onde fica cada vez mais evidente que a droga era apenas a “ponta do 
iceberg” e é necessário fazer um autoexame para analisar como as coisas estão indo, 
preparando o adicto para viver o desafio do presente e conseguir deixar para trás o seu 
passado, se propondo a reconhecer seus erros e dificuldades durante o processo, 
atualizando a recuperação com a vivência desta mesma e absorvendo as novas 
experiências a partir da experiência de viver em recuperação . 
“11º. Procuramos, através de prece e meditação, melhorar o nosso contato 
consciente com Deus, da maneira como nós O compreendíamos, rogando apenas o 
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conhecimento da Sua vontade em relação a nós e o poder de realizar essa vontade”. O 
adcito nesse passo entrega não apenas sua fé, mas como também entrega sua vontade, 
seu poder, seu interesse, marca a prática ascética como constante em busca de um 
aperfeiçoamento, suprime de vez um contato delirante com a transcendência através de 
uma comunhão, traz o conceito da meditação apreciando que devemos estar calmos para 
ter um contato com o divino e que ele possa colocar sua vontade acima da nossa. São 
marcas caracteristicamente ascéticas, de onde se destaca o aperfeiçoamento e a criação 
de uma técnica para se determinar os caminhos que se possam ir. 
 “12º. Tendo experimentado um despertar espiritual, como resultado destes 
passos, procuramos levar esta mensagem a outros adictos e praticar estes princípios em 
todas as nossas atividades. ” Um despertar espiritual indica que se transcendeu a uma 
nova realidade e dentro dessa realidade é necessário percorrer novamente o caminho de 
alguma forma, já que se liga de forma total a novo conjunto de valores da existência e 
tem que se impor pela pressão para que triunfe. Opta por se ligar-se a doença e busca a 
potência do tratamento nesse ponto, em incorporar o sofrimento novamente.Portanto o 
enredo é o da elevação espiritual e as formas de atingi-lo a partir dos sujeitos e suas 
trajetórias em questão. 
 
 
2.5 O roteiro – “o espaço dos possíveis, Em contato com a língua e o 
enunciado” 
 
 
 
O roteiro é gerado de forma a posicionar os acontecimentos e passagens da 
trama, se utilizando do enredo, para criar a narrativa. A linguagem tem por função 
movimentar o roteiro, mais precisamente: o roteiro movimenta a linguagem. Podemos 
numa situação social, nos perguntar de onde surge o discurso e o que dizer, as formas 
que se concebem e se executam a interação. Afinal que força é essa que é capaz de 
determinar o que e como vamos dizer e a maneira que vamos nos portar em determinada 
situação (BORDWELL, 2005)? 
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Vamos neste subcapítulo selecionar algumas das diversas interações que 
ocorreram em meu trabalho de campo com o intuito de aplicar nosso método de análise 
do dispositivo de poder que gera os discursos e representações, que nesse caso, seria 
nada menos que a dinâmica do roteiro (EISENSTEIN, 2002). Utilizar os elementos da 
analise destacados na metodologia para recompor o set e retirar uma imagem válida 
possível de ser vislumbrada nos seus termos que fazem essas interações terem força na 
sociedade ao mesmo tempo em que é o foco de diversas forças sociais também 
(JOSEPH,2000). 
A primeira delas que gostaria de relevar é aquela interação presente nos grupos 
de apoio de Narcóticos Anônimos. É difícil dizer a primeira sensação de se estar ali, é 
um misto de querer correr e querer ficar. Entra-se numa sala e conhece pessoas com 
problemas similares que despertam em você empatia pelos problemas e dificuldades da 
vida e de como é possível superá-los, através do compartilhamento da experiência de 
luta contra este problema, com as pessoas que tem esse “mesmo” problema. 
As pessoas contam como está suas vidas e em que situações utilizaram aquilo o 
que aprendeu no grupo e com o programa de recuperação. Como se sentiram desafiados 
e de que forma conseguiram dessa vez fazer diferente. Discursa-se sobre cada pequena 
atitude que pode ser uma vitória de si mesmo contra a sua imperfeição. Expressa sua 
recuperação e a melhora e realiza cada vez mais o propósito da abstinência com 
qualidade de vida, consciente no seu contato com o poder superior. e de como cada vez 
mais esse poder superior toma conta da vida e das decisões de quem perdeu essa 
capacidade e precisa começar do zero uma nova vida, onde tudo é novo: o seu ideal, o 
seu propósito, seu corpo, suas práticas espirituais, enfim indicam um sentido para sua 
vida e sua recuperação que antes não havia. 
Como há também os casos em que as pessoas têm que admitir no grupo os seus 
erros e de como pode e vai melhorar, para que não cometa a insanidade de repetir os 
mesmos erros. Oferece uma satisfação para si mesmo e para o grupo do porque não 
conseguiu agir de uma forma que não fosse através de sua doença, que o torna 
problemático, o tornando obsessivo, compulsivo e egocêntrico. Expressa na reunião que 
ele não quer mais ser assim(agir sob essa força da doença), quer adquirir uma nova vida 
e assume um compromisso, uma dívida para com o grupo, ele mesmo e com o poder 
superior. 
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A sensação de pertencer a um grupo que se reconhece, fala a mesma língua e se 
reúne para discutir um problema específico, pode despertar uma sensação estranha na 
pessoa que se defronte com tal grupo pela primeira vez e se veja coagido a observar e 
absorver uma série de comportamentos para criar um entendimento dessa força coletiva 
que se expressa nos membros do grupo através da fala. O desenvolvimento dessa 
técnica de falar em grupo e fazer seu discurso reconhecer os elementos que validam a 
narrativa para determinado enredo (dispositivo de poder) através da utilização do roteiro 
que é a prática discursiva gerado por esse enredo, marcando um distanciamento do ator 
com seu personagem e seu papel, já é a maneira de iniciar a recuperação e um 
entendimento dos acontecimentos e encadeamentos (FOCAULT, 2006). 
O primeiro passo indica assumir uma derrota, te coloca como alguém impotente 
perante suas próprias ações e que sua vida tinha se tornado incontrolável, dar um passo 
para trás e reconhecer isso é um fato que torna o indivíduo pronto para receber as outras 
lições e ingressar no grupo que o fará conseguir ficar em abstinência. A vida do adicto 
pode ser distinta entre antes de ingressar em narcótico anônimos e depois que ingressa 
no grupo, como os próprios membros assim definem a diferença que em suas vidas fez 
o programa (NARCÓTICOS ANÔNIMOS, 1993c). 
Ali o indivíduo aprende porque está errando e aprende a reconhecer suas atitudes 
e passa a refleti-las de acordo com o programa que mostra cada passo e como deve se 
agir em cada situação que se torna mais um desafio na recuperação, aprendendo a viver 
um dia de cada vez, melhorando a cada dia um pouco. 
No entanto, na reunião essas representações aparecem diluídas nos discursos dos 
adictos em recuperação e significam alguma coisa perante o dispositivo de poder que é 
o arranjo social que passa a aceitar aquela pessoa sob determinadas condições impostas 
pelo grupo e que são cumpridas por seus membros na sociedade fora do local da 
reunião. 
Ali se assume um papel dentro do grupo, às vezes até alguma função 
burocrática, existe um compromisso e uma aceitação da forma de lidar com o problema 
por parte do grupo. No entanto para fazer parte do grupo basta possuir o real desejo de 
parar de usar, não existe nenhuma outra exigência para ingressar em Narcóticos 
Anônimos (NARCÓTICOS ANÔNIMOS, 1993c). 
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Se acaba tendo uma experiência coletiva da recuperação individual, pois se 
identificam como iguais, possuindo uma mesma estrutura de ser, conseguem se por uns 
no lugar dos outros e vivenciar através da imaginação a experiência de recuperação dos 
companheiros de grupo, devido a este fato, podemos dizer que não é a experiência em si 
mesma que se lida no grupo, mas com representações desta história sobre recuperação. 
Apesar do programa de narcóticos anônimos não considerar a internação algo 
necessário, o grupo que pude analisar, tinha a política de indicar internações e os meios 
de conseguir enganar a pessoa que está no uso, para a família conseguir tirar a pessoa da 
crise e do uso compulsivo, de uma forma mais rápida e eficiente, tirando o problema das 
vistas, ao invés de encará-lo na sociedade como estabelece a lei. Não havia no grupo 
alguém que já não tivesse sido internado, isso fazia parecer (vendo o conteúdo das 
relações) que o que determinava o pertencimento ao grupo não era essa “opção 
possível” do desejo de parar, mas sim, quem havia entrado em contato com o processo 
disciplinar da clínica. Visto que não era recomendado por seus membros o tratamento 
no CAPS AD e sim era recomendada a internação quando havia recaída. 
É inevitável que se exponha que este processo não é legalizado em todos os seus 
apêndices e detalhes e é facilmente reconhecível toda uma rede de interesses e de 
ganhos, que esta relação envolve, tudo isso aparece na interação, quando o grupo está 
numa reunião, mas todos ali absorvem o discurso e efetuam a prática do dispositivo de 
poder de ocultar essas relações econômicas precárias em prol de uma recuperação que 
se pretende um ideal. A justificação da força diante a crise em vistas de um ideal de 
recuperação que oculta interesses precários econômicos é a forma que se utiliza o 
enredo do percurso espiritual na elaboração do roteiro e de suas práticas discursivas que 
representam o encadeamento dos acontecimentos e as explicações para esses através do 
discurso. 
A análise dos discursos foi durante um tempo pautada nessa escolha objetiva, a 
de ingressar em narcóticos anônimos, mas foi percebido que esta era apenas uma 
representação da interação e que o que movimentavaa prática discursiva era outro 
elemento, o roteiro, enfim, seguia outra força, o enredo por si só não era apenas o 
percurso espiritual, mas toda a rede de relações e trajetórias que efetuavam o dispositivo 
de poder que legitimava o grupo realmente. A narrativa exposta no grupo era recorrente 
não apenas ao propósito mais evidente, mas que havia uma série de acaguetes que 
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denunciavam que aquela prática discursiva era resultado principalmente dos meios que 
tornavam possível vivenciar esse propósito da recuperação e não apenas o real desejo de 
parar, sendo o dispositivo de poder toda essa série de funções que colocam a elevação 
espiritual com fins disciplinares. 
“Vemos que a questão da narrativa sobre trajetória do indivíduo é, desde o início, 
definidora do próprio projeto, ou seja, para a existência do próprio projeto há necessidade de sua 
comunicação e, na sua formulação, o sujeito desenvolve uma narrativa de coerência em uma 
trajetória de vida fragmentada, de uma vida já vivida e reorganizada no momento da narrativa, a 
fim de dar sentido ao projeto e, em algum grau, apontar para sua possibilidade de efetivação ou 
até sucesso...a trajetória não como uma narrativa coerente de uma sequência de acontecimentos 
lineares, que apresenta começo, meio e fim; mas sim, como uma narrativa que constrói e 
ressignifica percursos, acontecimentos, experiências, representações de si e dos outros, que se 
desviam e se deslocam a todo o momento, a partir dos lugares sociais e culturais ocupados pelos 
sujeitos (PIRES, 2015, pg?” 
Temos como problemática que exemplifica essa economia precária e altera a 
possível boa vontade dos participantes do grupo, evidenciando que as próprias pessoas 
que passam por esse processo assumem como suas, práticas de opressão da instituição. 
Quando veem uma pessoa em crise é oferecida a internação para a família numa clínica 
que os participantes do grupo, indicam já segundo um clientelismo, e ainda essas 
pessoas que se veem como doentes oferecem algo totalmente fora da lei, para que 
possam “salvar mais uma vida”, que a família em decorrência da crise do paciente acaba 
aceitando, que é o sequestro, e extração, e o consequente cárcere privado já na 
instituição total, onde é separado do grupo numa espécie de isolamento, até que aceite o 
tratamento e a internação e não fuja e nem de trabalho para a equipe da clínica. 
Enfim, existe uma discrepância entre as posições e a forma que estas posições 
foram tomadas: 
“ o modo como os indivíduos comportam-se é determinado por suas relações passadas 
ou presentes com outras pessoas, mas nem a totalidade dessa rede de relações estabelecidas nem 
a forma assumida por cada um de seus fios podem ser compreendidas como um único fio 
condutor, ou mesmo de todos eles isoladamente considerados. A rede somente é compreensível 
na maneira como eles de ligam, de sua relação reciproca e em movimento constante, como um 
tecer e um destecer as ligações. É assim que o indivíduo cresce, partindo de uma rede de pessoas 
que existiam antes dele para uma rede que ele ajuda a formar (PIRES, 2015, pg?” 
Todos estes elementos parecem já estar refletidos em uma interação definida 
pela terapia em grupo, mas temos que outras situações mesmo aquelas imersas na 
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vivência aberta da sociedade podem ser extraídas interações onde dentro de um ritual a 
arena simbólica aparece e se torna acessível, teríamos imprimido no ritual, algo além da 
função do rito, já que as representações criam um conflito com o aparato simbólico que 
estrutura a interação, aparecendo um objeto de valor, que se torna a referência para o 
entendimento do ritual, estabelecer esse objeto é metade do caminho, mesmo numa 
interação mais bem definida como a terapia em grupo, as pontas soltas aparecem e 
claramente as pessoas tendem a unificar o caráter de seus discursos com o intuito de que 
tudo signifique algo e seja explicado e incorporado pelo ritual através da criação de uma 
unidade que se mantém a cada reunião e de como é trabalhado esse objeto de valor 
(JOSEPH, 2000). 
Se a pessoa responde a esse objeto de valor e o compreende e manipula, ela não 
é identificada como doente e se efetua a interação mesmo havendo trajetórias diferentes 
que se encontram e buscam um diálogo e uma conexão. Ocorre que falamos não apenas 
de indisposições, mas uma ausência total de trocas que permitem identificar alguém 
afetado a partir de suas interações. Essa ruptura de representação é trabalhada nas 
reuniões em grupo validando o conteúdo da pratica discursiva através da atuação do 
roteiro (respondendo a um código ético-moral), a partir do dispositivo de poder baseado 
no enredo (que cria esse código ético e moral) (JOSEPH, 2000). 
Podemos identificar o objeto de valor de uma interação, sendo aquele como o 
destino da reflexão daquela interação, numa outra interação. Podemos dizer que a 
descrição e entendimento de nossas diversas interações constituem outras interações que 
tem por objetivo refletir e definir qual é objeto de valor que condicionou os elementos 
na interação anterior e como os discursos e representações se vincularam ou criticaram 
os dispositivos de poder que se relacionam com esse objeto de valor da interação, na 
tensão entre a representação e o simbólico, sendo que o objeto de valor de uma 
interação será outra interação que vai ser refletida nessa, que por sua vez traz novas 
representações e vínculos com a estrutura, que por sua vez, será refletida em outra 
(JOSEPH, 2000). 
Podemos chegar ao ponto que o objeto de valor de uma interação, se torna 
reduzido e cada vez mais claro, quanto, maior o número de interações que tornam cada 
vez mais um objeto grande que emana em vários sentidos, num micro que se estaciona, 
criando uma estabilização tornando cada vez menor e mais específico o objeto de valor, 
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enquanto este vai se tornando mais evidente e claro no arranjo dos discursos e 
representações se referindo a um dispositivo de poder que organiza todos os detalhes na 
criação de uma unidade social do conjunto de diversas interações (GOFFMAN,2007). 
“Leve a mensagem não o mensageiro”, as diversas interações a que se refere à 
interação da reunião do grupo de apoio, traz o entendimento dessa dinâmica, ao situar 
que o conteúdo da interação da reunião deve expressar para além dela a sua 
importância, com o adendo que não leve as representações a as formas específicas 
daquela interação que se refere ao dispositivo de poder do grupo, para outro onde essas 
representações e discursos se transformam e temos outros dispositivos de poder e outro 
aparato simbólico. Os membros do grupo buscam significar aquele objeto de valor da 
reunião que se torna mais claro e evidente, na mesma proporção que se diminui e reduz 
o papel de sua representação para continuar em unidade com o dispositivo de poder de 
uma interação seguinte, esta que busca significar um sentido que absorveu e significou 
outros sentidos. Isso permite dizer como as coisas vão indo, porque se estabeleceu antes 
como as coisas são e como elas estão é algo em processo que ocorre antes e depois da 
interação (GOFFMAN, 2007). 
É fundamental ter uma ideia da dinâmica da interação, por conta de estabelecer 
um entendimento perante a essência fragmentada do frame a que se refere tal ou qual 
interação. Situar o roteiro e o ponto do enredo a que se refere um frame é fundamental 
para criar o entendimento da representação dos personagens para tirar deles o papel que 
cumprem com a narrativa vinculada ao dispositivo de poder, através da trajetória, assim 
podemos estabelecer esse frame. A partir desses quadros ocorrem as adaptações que 
definem uma interação em outro quadro e se pode dizer que já é uma outra atividade, no 
entanto existe algo totalizante no momento da reunião que colocam todos estes quadros 
num mesmo proposito, a própria ideia e o idealde recuperação, sendo isso uma imagem 
e uma referência, uma representação, não é de fato como se deu a prática discursiva 
(GOFFMAN, 2007). 
A trajetória da geração é a trajetória da instituição em contato com as trajetórias 
de vida, como podemos analisar uma interação como sendo o contato dessas duas 
trajetórias. É importante entender a interação como o contato de diversas trajetórias para 
compreendermos os personagens e os papeis que desempenham segundo a narrativa das 
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interações, significando em trajetórias e trajetória resultando em interações (PIRES, 
2015). 
A modernidade da clínica se dá na redefinição do sujeito enquanto principal 
agente de sua recuperação (PIRES, 2015), bem como um agente do poder disciplinar, a 
ideia que o paciente podia ser consciente, mas não necessariamente essa consciência 
pertença somente a ele bem como pertencente a todo o rebanho. O sacerdote assim pode 
não necessariamente ser um sujeito, mas a força desse nas ideias que obriga a 
consciência, ou a própria ideia em si mesma que é capaz de penetrar nas interações 
enquanto dispositivo de poder que gera uma determinada prática discursiva 
(FOCAULT,2006). 
Diferente de uma situação onde há o embaraço, na reunião de grupo não se lida 
com as maneiras de dizer, nem tampouco como conflito entre as regras da gramatica e 
as regras do uso, a estrutura linguística é absorvida no discurso compartilhado 
significando que ao fazer uma fala não ocorrendo o fato de linguagem ou acontecendo 
um conflito para com as formas de dizer, não se possa significar algum elemento 
pertinente ao desenvolvimento da recuperação. Ocorre uma desconstrução da linguagem 
que tem como objetivo estabelecer um entendimento e expor a consciência que nasce da 
experiência e da forma “correta” de absorve-la e como se deve agir dali em diante a 
partir dos pressupostos e do enunciado do grupo (JOSEPH,2000). 
Na reunião em grupo o paciente pode se revelar sem embaraço, distúrbio de 
lugar, ou constrangimentos com seu estigma O paciente não tem que se preocupar com 
o que vão pensar dele e pode expor sua intimidade e seus segredos sem que ocorra o 
julgamento e ao invés disso, haja identificação, isso pode ser o caráter terapêutico, em 
que a violências (impulsos) e as manias são controladas. O paciente assim passa a ser 
agradável, ordeiro e simpático (JOSEPH,2000). 
É evidente que a linguagem se constrói ao ser destruída, uma forma de dizer o 
enunciado e ao mesmo tempo romper com esse enunciado, este desfato de linguagem 
pode gerar outro fato, já que se legitima um discurso de poder, um enredo e isso é uma 
referência conquistada pelo adcito em recuperação, que pode então dar conta do roteiro 
em que suas ações estão imersas num dispositivo de poder que gera uma prática 
discursiva pelas formas de se reconhecer instituídas pelo grupo (JOSEPH,2000). 
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Essa mistura é possível devido ao ambiente em que pessoas entraram em contato 
com drogas e conhecem a “viagem” e pretendem em suma, viver a partir desse 
dispositivo em sobriedade incluindo um poder superior que é capaz de guiar as ações e 
indica constantemente o que fazer como modelo de transformação através da diferença, 
da prática da diferença que essencializa o que é ser um dependente químico. 
A visão de unidade ocorre com a vivencia dos opostos que se validam a partir do 
conceito de complementação, podemos deduzir que no grupo a diferença é tratada dessa 
forma, considerando uma coisa diferente da outra a partir do momento em que se 
complementam, o antes e o depois é assim uma imagem recorrente, porém, sem uma 
não existiria o outro. Os diferentes seriam os opostos. 
Já a de essencialização acontece a partir do traço dessa diferença do que é ser e o 
que não é ser do adicto, considerando à pratica da força com determinadas 
particularidades que somente um adicto com suas singularidades pudessem conquistar 
diante universalidades que se expressam de maneira diferente no adicto do que numa 
pessoa que não possui a doença, assim se institui uma natureza especifica, e uma 
referência sagrada (estar limpo) e como conquista-la sem recair no território do profano. 
Sendo obrigado, por fim, a seguir determinados ritos e confirmar determinados valores 
sendo que: considera aquela a sua natureza e não questiona se pudessem haver outros 
tipos de adictos que optam por não gerar esse drama diagnosticológico comportamental 
que é a moral da recuperação pela diferença e essencialização (PIRES, 2015). 
A reunião de grupo por fim ensina o adicto a falar, e não é qualquer tipo de fala, 
é uma fala dos problemas e sucessos, algo que pode ser construído e preparado para 
falar de outros assuntos e exercer a linguagem, a partir do aprendizado da desconstrução 
da linguagem, em suma a entrega que acha as formas de dizer e se institui como 
referência ao objeto que é partilhado no grupo, pode ser utilizada quando não é 
necessário se entregar à fala e a emoção e se pode calcular e prever o comportamento, 
sem que ocorra necessariamente uma manipulação do adicto numa situação comum 
onde pode manifestar os seus “poderes”, mas ocorra a elaboração de um mecanismo de 
defesa que é um atestado de complexidade e controle por excelência. 
Não é estimulado a resposta aos depoimentos, se acredita que a pessoa chega 
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sozinha às conclusões necessárias, basta ouvir, e ouvindo, a pessoa se recupera também, 
mais até do que dizendo, muitos que estão ali a anos fazem a mesma fala todas as 
reuniões. A recuperação é assim marcada por esses trajetos entre o sucesso e os 
problemas, entre as dificuldades e bênçãos. O envolvimento com o grupo como um todo 
é uma parte importante da recuperação, muito ali mantem suas religiões e junto com a 
família, são responsáveis, segundo os que ali estão, por uma recuperação de sucesso. 
Pena que para muita essa realidade dure apenas alguns meses e momentos, mas acabam 
servindo de alicerce para o restante da trajetória da pessoa, por falar muitas vezes 
conhecimentos que não se encontram em qualquer lugar e principalmente pessoas 
abertas e dispostas a levar a mensagem e ajudar o próximo. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
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Considerações Finais 
 
Não faz sentido coibir os instintos com a razão, pois com isso cessa toda a fonte 
de potência do ser, a isso serve o ascetismo, tornar a vida possível sem os seus 
mecanismos naturais de criação da própria força do ser, busca mortificar o corpo e 
disciplina-lo para não ser vítima dos impulsos que realizam as vontades que acabam se 
tornando desejos controlados através de um processo de privação e desenvolvimento de 
uma consciência que não dependa dessa força, é uma maneira ressentida de absorver 
essa realidade, ao invés de dominar essa força e estar sujeito aos seus desvios enquanto 
adversária, o ascetismo tem a preferência por nega-la no território profano e sacraliza-la 
e mantendo sob o controle da instituição no terreno do sagrado. De um modo geral o 
ascetismo associa fraqueza e retidão à virtude. Sua série de valores indicam uma 
aceitação sistemática e condicionada ao próprio princípio totalizante da sociedade e uma 
boa-vontade que aceita a tirania, para conquistar objetivos espirituais e ideais para 
comprovar não a força do ser, mas a força do mundo imaterial e religioso, que em suma 
é a comunidade guiada por um ideal de rebanho em referência a um sacerdote, abrindo 
espaço para os profetas e os feiticeiros, que se vinculam a esse ideal ascético que 
promove uma rendição de todo o rebanho a esse poder místico. 
Constatando a dificuldade de viver esses princípios esse trabalho vem de acordo 
com a atual política pública baseada na redução de danos, ao invés da atual 
jurisprudência dos juízes, que impõem o fenômeno da judicialização da saúde numa 
área que ela se torna problemática, vistoque não é uma ampliação ao acesso à saúde, o 
efeito dos juízes nessa área da saúde tem sido transformar esses lugares em verdadeiras 
prisões. Como também é adverso o princípio do diagnostico nessa área que ao invés de 
ampliar os direitos na sua utilização, promove uma sistemática transformação do valor 
de uso em valor de troca deixando apta um exército de reserva, sob o sacrifico e 
salvamento do indivíduo marginalizado. Busca, portanto, através da saúde, o estado, 
resolver um problema social e político. 
Podemos estender essa relação da instituição total com o ascetismo, pois isola o 
paciente do convívio para depois adentrar como solução no meio social, podemos 
também estender essa reflexão aos próprios condicionamentos e valores da sociedade 
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que são em suma ascéticos e devido a essa combinação os meios institucionais estão 
presentes mesmo fora dos seus muros, a própria sociedade é pautada por esse ideal 
espiritual que condiciona o controle dos instintos em prol do coletivo. Isso pode ser uma 
vantagem ao paciente que entende agora esse mecanismo, pois diferentemente da 
clínica, a sociedade é pautada pela materialidade e vive essa realidade espiritual no 
âmbito da cultura, mas não deixa no entanto de uma série de operações no trabalho se 
referir a essa realidade imaterial e subjetiva, conhece de antemão a essência do trabalho 
e sua utilidade e somente precisa aprender articular os mecanismos de produção daquele 
tipo, genericamente ele está apto a exercer qualquer atividade, visto que a 
espiritualização tomou conta de todo espaço e vive em coincidência com o mundo 
material , segundo o ascetismo. 
O poder disciplinar é hoje exercido pelo conjunto da marginalidade social, 
através da organização disposta diante o quadro institucional, aplicando o controle em si 
mesmos sob a forma de conduta e regras que são partilhados pelos membros dessa 
situação de ser perseguido pelas leis e pelo estado em geral. A própria instituição é 
incorporada pela organização do grupo que suplanta necessidades emergentes e busca 
um diálogo e disputas com o próprio estado na manutenção de parte do controle do 
processo sob o domínio da própria organização dos instituídos. 
O quadro se agrava atualmente devido a demanda judicial que visa solucionar 
problemas políticos e sociais com o aparato destinado a saúde, criando uma política 
pública que se sobrepõem a política instituída nas leis de redução de danos e redução 
das internações, mudando a jurisprudência de preferencialmente nos diversos casos, 
recomendar a internação. A instituição fica fadada a realizar prisões determinadas 
judicialmente, levando pequenos crimes e qualquer situação de quebra das leis 
relacionado à drogas e desvios mentais à retenção em clínicas e hospitais psiquiátricos 
É evidente que se pode utilizar as clínicas e hospitais psiquiátricos como meio de 
perseguição, onde acabam ocorrendo prisões políticas. Já que não precisa 
necessariamente ter cometido um crime para ser encarcerado numa clínica ou num 
hospital psiquiátrico. Se consolida o disfarce como meio de esconder a tortura com o 
gozo, visto que os mecanismos institucionais são usados em prol do controle e tenta 
justificar que uma boa saúde está relacionada a esse controle, mas o que ocorre é o 
disfarce uma situação que se oculta e se mostra ser outra coisa. Dificilmente se visitar 
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esses lugares que são considerados bons se poderá perceber o conjunto de relações 
opressivas que controlam aquela situação, visto que o próprio paciente diante a 
gravidade da crise aceita os meios institucionais e pratica o proposto pela clínica, pois é 
sem dúvida, obrigado à isso 
A clínica como instituição tem como principal recurso, propor através da 
disciplina, o ideal ascético como tratamento, pretendendo despertar uma nova 
consciência. Tem como principal objetivo disciplinar o indivíduo para tê-lo 
institucionalizado seguindo as regras, ceifando as vontades e estabelecendo 
condicionamentos, aplicando em si mesmos a negação da vontade e aderindo ao ideal 
de sacrifício e rebanho para conseguirem a liberdade. 
Este ideal ascético é o que vai guiar o indivíduo quando estiver 
desinstitucionalizado, mas quando busca a disciplina o que lhe resta é o trauma 
institucional e este entra muitas vezes em choque com a perspectiva da doença devido à 
necessidade de ter que começar o trajeto se reconhecendo como doente que busca uma 
recuperação e prefere aderir à fé evangélica como meio de libertação, preferindo seguir 
“a vontade de Deus” ao invés da “fé” no programa de Doze passos. 
Acaba havendo de qualquer forma uma moral de rebanho como principal agente 
de integração do sujeito com a sociedade, mas o processo não encontra efetividade e 
acaba funcionando porque o sujeito fica preso, quando em liberdade entra em choque 
com a negação da vontade que foi submetido e acaba recaindo e voltando para 
instituição criando um ciclo que o mantem constantemente preso, pela conduta que é 
obrigado a traçar para ter alguma liberdade. 
Isso acaba criando um cenário dentro da clínica em que estes diferentes ideais 
ascéticos que promovem o contato com Deus entram em conflito devido as suas 
diferentes determinações, mas a clínica não obtém sucesso em integrar o sujeito, pois 
seu próprio rebanho é divido e não tem uma integração total, além disso, a sociedade 
normal acaba marginalizando mais ainda o indivíduo a cada internação que este tem, 
não tendo nem seu grupo, nem o sucesso de voltar para a sociedade. 
A clínica abriga o conceito de doença, elaborando uma consciência política 
partindo da experiência médica, define assim a relação da doença com o corpo e 
estabelecem os parâmetros do diagnóstico, esse processo é a contínua manutenção da 
técnica, onde a fim de se tornar o processo como um todos cada vez mais enxuto e 
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viável para sintetizar o tratamento, ocorre a elaboração de um ideal ascético, onde a 
disciplina e o vínculo com a estrutura da clínica elabora o novo ser à nova conduta. 
Este uso do ascetismo como a referência para retiros, que consiste no processo 
de apreender as categorias espirituais e do dinamismo da consciência que se estabilizam 
com a aplicação de uma rotina precisa, aplica e desenvolve uma série de privações que, 
por sua vez, são capazes de elevar o espírito e devolver sanidade às pessoas 
psicologicamente afetadas por alguma forma de depreciação. Marca também o uso do 
poder disciplinar enquanto tecnologia promovida por essa técnica, o que funda a 
modernidade da instituição, esse processo que justifica a internação e busca propor algo 
além do controle da crise e se diz capaz de prescrever as formas de evita-la, para 
justificar o longo período da internação (um maior período de tempo internado 
significaria mais chances de conseguir o objetivo). 
Não obstante há a questão social, pouco trabalhada e tendo como acesso 
próximo a assistência social na qual viabiliza a possibilidade do individuo ficar 
legalmente institucionalizada, buscando resolver a burocracia quanto aos afastamentos e 
do contato para com a família, por exemplo. 
A clínica enquanto saída da marginalidade discute os problemas e trabalha 
apenas no escopo da saúde e do desenvolvimento do paciente, deste modo, isola a 
possibilidade dentro do alcance do paciente; mas isto é precisamente falso, visto que tal 
processo não é capaz de integrar socialmente o indivíduo e sabido que muitas questões 
escapulam do alcance do paciente, e este não encontra o suporte para realizar seu 
projeto pessoal orientado pela clínica. O paciente aprende a discutir algumas questões, 
tais como, sua relação com a doença e a viver na normalidade urbana, mas não 
consegue superar sua condição social marginalizada, logo acaba recaindo ou 
interrompendo o tratamento medicamentoso; almeja uma reforma íntima, porém é 
impedido pelas suasJá os evangélicos corresponderiam majoritariamente ao ascetismo do tipo de 
aceitação ou realização da cura, onde as premissas dessa prosperidade ratificam que 
nascemos perfeitos e somente nos encontrávamos perdidos do rebanho do pai ou do 
iluminado caminho certo, e por isso estaríamos no breu, no mal; portanto são curadas 
apenas as que aderem ao modo de vida ascético do tipo que desenvolve o curandeirismo 
em direção ao labor reificando assim a premissa da natureza-humana perfeita que se 
perde nos prazeres e estilos de vida mundanos ate onde se pode chegar e desenvolverse, 
fatalmente o paciente que se submete a esse tipo de tratamento se encontra ou tem como 
fim da cura o louvor a Deus e seus milagres, tendo como trajetória ascendente ao fervor. 
O objetivo geral é esclarecer o dado estatístico que prova a alta taxa de 
reincidência e o porquê isso ocorre, estabelecer uma visão clara do processo que é 
inserido o sujeito após este ser internado e porque ou não consegue se inserir num ideal 
ascético e se integrar na sociedade. É necessário evidências suficientes para construir 
uma resposta de por que afinal a taxa de recuperação é tão pequena e em que ponto 
podemos nos basear na questão da modernidade da instituição total para explicar a 
inserção do ascetismo no tratamento ou se a inserção do ascetismo marca a 
modernidade da instituição, que papel nesse conjunto para alterar a representação 
social e disciplinar do paciente se aplica a clínica, para manter a função tradicional do 
dispositivo de poder que cria uma prática discursiva do indivíduo em recuperação o 
associa o paciente numa nova condição, que muda a condição social através da saúde, 
no entanto sua saúde pode não ser suficiente para mudar sua condição social e de que 
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forma isso pode refletir e explicar a realidade difícil da recuperação e seus poucos casos 
de sucesso pleno no tratamento. (FOUCAULT, 2007ª) 
Temos observado o papel do ascetismo na disciplina que a instituição promove 
enquanto manutenção e aperfeiçoamento desse controle, o que não necessariamente 
resulta em uma maior taxa de recuperação, por mais que esse domínio se mantenha fora 
da instituição, o instituído muitas vezes não encontra os meios e as formas de realizar 
esse novo ser que nasce através do novo ideal projetado pela clínica. (GOFFMAN, 
2001).o resultado da espiritualização pode ser um pré recurso, uma vantagem para o 
trabalho assalariado, mas não seria antes o trabalho assalariado a condição para se 
espiritualizar? Não seria enfim o ideal e a capacidade de elaborar o abstrato presente na 
realidade, um produto apenas, que ilude o indivíduo, se mostrando como poder criador, 
que aparenta conseguir moldar a materialidade? (WEBER, 1987) 
A clínica efetua esse discurso de que o pensamento, a força do pensamento pode 
mudar a realidade, porque não pode contar que a realidade material do paciente seja 
capaz de mudar o seu pensamento, visto que a condição social do paciente não muda, 
mas ele tem que encontrar os meios para realizar esse ideal que a clínica impõe, 
colocando a questão apenas no escopo da saúde, negligenciando os fatores sócias que 
impedem determinado ideal de se realizar para o paciente (GOFFMAN, 2001). As 
transformações permitidas pelo ascetismo enquanto mecanismo que altera o corpo, a 
mente e o espírito somente se mantem com uma progressiva adesão a moral de rebanho 
e da comunidade e um aperfeiçoamento da relação com o sacerdote ou o poder superior, 
sem essa referência institucional, sem a rotina da clínica, sem as limitações da liberdade, 
sem um constante trabalho de negação da vontade, se recai facilmente no mundo 
mundano que leva o doente em recuperação e se tornar novamente apenas “doente” 
(NIETZSCHE, 1999). 
O interesse que o ascetismo busca mascarar na clínica é a possibilidade do 
instituído aceitar a disciplina dos indivíduos, participando da instituição total para, 
enfim, incorporar a agenda do tratamento instituído, isto é, na proposta de uma melhora 
de vida geral a partir dos seus méritos em aceitar e praticar as técnicas impostas na 
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reforma do self (GOFFMAN, 2001).podemos dizer que a privação e o 1
condicionamento forjada com intuito e técnicas pode resultar numa mudança de 
comportamento através da extração do risco da sobrevivência num elemento de 
potência e realização do ser, no entanto, uma potência resignada, ressentida, e 
essencialmente ascético, onde o controle do instinto e da força se referenciam a um 
sacerdote e a uma moral de rebanho. (NIETZSCHE, 1999). 
Temos observado o papel do ascetismo na disciplina promovida pela instituição 
enquanto manutenção e aperfeiçoamento desse controle, o que não necessariamente 
resulta uma maior taxa de recuperação, por mais que esse domínio se mantenha fora da 
instituição, o instituído muitas vezes não encontra os meios e as formas de realizar esse 
novo ser que nasce através do novo ideal projetado pela clínica (GOFFMAN, 2001). o 
ideal ascético da cura e da doença marca essa possibilidade da instituição ultrapassar 
seus muros, determinando o propósito de recuperação como um todo, efetivando o 
controle institucional a partir da adesão dos próprios pacientes ao conjunto de 
determinações e valores de um grupo, que passam a existir fora dos locais da clínica, 
aparecendo em outros lugares, recriando a efetividade desse locais institucionais, 
através dos próprios membros que exercem um sobre o outro a vigília e o controle, que 
são obrigados a aplicar em si mesmos. (FOUCAULT, 2007ª) 
 
 
 
Objeto 
1 A maneira que constituímos nossa identidade permite a elaboração de um eu (self) que responde a 
determinados estímulos e ideias, reformá-lo significa infligir uma violência que anula o processo de 
identidade da pessoa e fabrica um novo eu que segue outro parâmetro, outro conjunto de normas e valores 
padronizados pela instituição (GOFFMAN, E. 2007. A representação do eu na vida cotidiana. 14ª ed., 
Petrópolis, Vozes). 
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12 
 
Este trabalho foi desenvolvido com o intuito de elucidar as correntes presentes 
de reforma íntima e sua ligação com as possibilidades de exercer uma espiritualidade, 2
seus diferentes ideais ascéticos no contexto das clínicas e hospitais psiquiátricos, 
projetados para promover no paciente uma mudança radical da sua visão de mundo. 
Esses elementos foram incorporados ao tratamento em diversos momentos, no entanto, 
situa-se já no século XXI e busca compreender a problemática contemporânea, quando 
a reforma psiquiátrica no Brasil completa seus primeiros anos e observa-se seus 3
primeiros desdobramentos na atualidade. 
Vale salientar que apesar do estado brasileiro ter uma política pública erigida por 
leis satisfatórias no que concerne ao ideal de tratamento e manejo de saúde pública, 
pautadas em uma perspectiva de evitar a institucionalização aderindo a redução de 
danos , é um processo em andamento e ainda encontra dificuldades para estabelecer 4
mudanças. A política reafirma assim, a luta da sociedade para a humanização do 
tratamento dado ao louco ou ao usuário de álcool e outras drogas (MINISTÉRIO DA 
SAÚDE, 2005). 
Buscamos, portanto, analisar a suposta modernidade dos espaços de isolamento 
que ainda restam na sociedade, chamados de instituições totais , e mais especificamente, 5
compreender o papel dos ideais ascéticos incorporados por essas instituições na 
manutenção da disciplina e do controle sobre as pessoas que acolhe. Mesmo quando os 
acolhidos não se encontram situados em seus espaços de isolamento, os seus domínios 
5“Uma instituição total pode ser definida como um local de residência e trabalho onde um grande número 
de indivíduos com situação semelhante, separados da sociedade mais ampla por considerável período de 
tempo, levam uma vida fechada e formalmente administrada. As prisões servem como exemplo claro 
disso, desde que consideremos quecondições enquanto cidadão. 
A clínica é assim, por ilustração, um apêndice, funciona como uma unidade de 
escoamento, para onde se confina pessoas marginalizadas com o intuito de se 
qualificarem num exército de reserva em condições de substituírem outros 
trabalhadores, mormente em subempregos de baixa qualificação; tal situação abarca, em 
maioria, marginais quais acabam ali enquanto doentes. Mas o que acaba acontecendo é 
que através do ascetismo se realiza a incorporação do marginal ao poder disciplinar que 
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é executado tanto pela marginalidade em sua própria defesa, como pela instituição na 
tentativa de controlar e vigiar seus subordinados. 
Portanto o renascer espiritual é concebido como elementar para a saída de sua 
condição, de fato acaba mesmo é se disciplinando através da coerção, isto é, na busca 
em elaborar uma nova vocação em sua vida, o paciente pretende mesmo é estar-livre do 
confinamento; ele tem um ímpeto para começar de novo, ganha um novo impulso 
tornando-se capaz de cessar algumas demandas do sistema, mais precisamente em 
algum novo formato de emprego nos qual não se encontra trabalhadores, alguém, por 
exemplo, que aceite ser terceirizado. 
Este é o perfil da clínica que pretendemos discutir, uma clínica com consciência 
política e que considera os espaços e classes oferecendo - ou impondo - uma solução 
importada da psicologia comportamental, e esta, por conseguinte, abriga diferentes e 
diversas correntes de ideais ascéticos. 
O cunho e o papel da psiquiatria é deveras amplo, muitas vezes é efetivo, em 
outras nem tanto. Basicamente são dois os tipos de clínicas analisados neste trabalho: as 
comunidades terapêuticas e os hospitais psiquiátricos. 
Enfim, a clínica faz parte do processo de marginalização e não de uma provável cura em 
relação à situação em que o sujeito está condicionado, e traz através da doença, o 
discurso político que sustenta o mercado de internações com dinheiro público nas quais 
dão resultados pífios e servem apenas para o indivíduo sair da situação de surto, de 
extrema dependência ou qualquer situação em que o indivíduo se encontre falido, 
incluindo depressões e tentativas de suicídio. Portanto, retira-o da crise, mas não resolve 
o problema central. 
 
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[Digite aqui] 
 
101 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
[Digite aqui]o aspecto característico de prisões pode ser encontrado em instituições 
cujos participantes não se comportaram de forma ilegal” (GOFFMAN, 2001, pg. 11). 
4 A redução de danos caracteriza-se como uma abordagem ao fenômeno das drogas que visa minimizar 
danos sociais e à saúde associados ao uso de substâncias psicoativas. O início destas intervenções foi 
marcado por ações no campo da saúde, que hoje tem se ampliado da esfera do direito à saúde para a do 
direito à cidadania e dos Direitos Humanos. As práticas de redução de danos buscam a socialização 
política de usuários de drogas de maneira crítica, no sentido de tornarem-se protagonistas, de 
promoverem o auto-cuidado com a saúde e a busca por direitos, pela discussão de política 
governamentais e políticas de estado, numa perspectiva que passa pelo individual e também pelo coletivo 
( Disponível em: .Visualizado em 10/01/2019.). 
3 Começou a ser discutida e implantada na década de 1970, mas tendo como marco institucional a lei 
Paulo Delgado, aprovada em 2001. 
2 Reformas íntimas, segundo a definição dos Narcóticos Anônimos (NA), significa um processo que se 
realiza lentamente pela aquisição de recursos espirituais, através da prática do amor fraterno, da prece, da 
meditação, da realização de boas obras. 
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13 
 
se estendem além dos muros, sendo uma inovação tecnológica da instituição, essa 
prática dos ideais ascéticos que marca um desenvolvimento da técnica, no 
aprimoramento dos meios coercitivos que devem ser mais sutis, contando com a adesão 
do paciente ao projeto disciplinar da clínica ou hospital (FOCAULT, 2006). 
O contexto histórico que se busca abordar é aquele que se constrói a partir do 
início da reforma psiquiátrica no Brasil, quando também se inicia as discussões de 
políticas públicas voltada para a questão do uso do álcool e outras drogas. Como 
proposta de retirada de pessoas das instituições e redução de danos em um processo 
progressivo de políticas públicas e leis pelo estado brasileiro, o que também permitiu 
uma política de redução de leitos em hospitais psiquiátricos, bem como todo um aparato 
que buscou manter os seus pacientes na sociedade, não os isolando do convívio social 
necessário e mesmo terapêutico. Segundo o documento Reforma psiquiátrica e política 
de saúde mental no Brasil, documento apresentado à Conferência Regional de Reforma 
dos Serviços de Saúde Mental: 15 anos depois de Caracas. OPAS em Brasília, 
(MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2005): 
 
A Reforma Psiquiátrica é processo político e social complexo, 
composto de atores, instituições e forças de diferentes origens, e que 
incide em territórios diversos, nos governos federal, estadual e 
municipal, nas universidades, no mercado dos serviços de saúde, nos 
ementais e de seus familiares, nos movimentos sociais, e nos 
territórios do imaginário social e da opinião pública. Compreendida 
como um conjunto de transformações de práticas, saberes, valores 
culturais e sociais, é no cotidiano da vida das instituições, dos serviços 
e das relações interpessoais que o processo da Reforma Psiquiátrica 
avança, marcado por impasses, tensões, conflitos e desafios 
(MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2005). 
 
Portanto, o contexto histórico em que problematizamos a pesquisa é aquele em 
que os primeiros efeitos da reforma psiquiátrica começam a ser consolidados, onde já 
aparece uma série complexa de fenômenos que devem ser analisados com o intuito de 
validar uma reflexão que aponte possibilidades e limites encontrados até o presente 
momento. Também busca-se analisar de que modo a instituição procura ser um caminho 
válido para a recuperação, modernizando-se e humanizando, mas sem conseguir muitas 
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14 
 
vezes, esconder seu interesse no lucro e na falta de liberdade para com o paciente ou 
usuário de álcool e drogas. 
Por meio do ascetismo a instituição se modernizou e convenceu a sociedade e o 
paciente de que a institucionalização é um caminho legal e válido que resulta 
significativamente para o paciente, para sua família e sociedade, assim, não apenas 
tirando a pessoa da crise, mas construindo uma forma de evitá-las. Transformando, 
enfim, os valores por meio de um ideal na qual imprime uma nova conduta, uma nova 
motivação e uma nova ética como justificativa válida para manter as pessoas 
institucionalizadas, pois era necessário libertar o paciente do que supostamente seria a 
verdadeira prisão: ele mesmo (WEBER, 1987). 
O que somos para nós mesmos é diferente do que somos em nós mesmos. A 
elaboração de um condicionamento que venha a encurtar a distância entre essas duas 
dimensões, pode ser considerada um movimento de ascetismo (NIETZSCHE, 1999). 6
Mas o que determina uma coisa enquanto ascética? Podemos simplificar dizendo 
que é o exercício da disciplina com fins espirituais. Avançando da condição de simples 
sujeito e se aproximando dos santos. Presente na doutrina dos negadores da vontade, se 
utilizando do jejum, da castidade e da solidão para se incorporar num ideal de pessoa 
transformada. Transcende a uma nova realidade, o sofrimento é incorporado, 
libertando-a de algum vício ou uma deficiência moral e assim consegue finalmente se 
sentir completa, através do autoconhecimento que aprimora o contato com o divino e 
projeta uma razão para seu ideal de vida (NIETZSCHE, 1999). 
Segundo Nietzsche em “A Genealogia da Moral” essa realidade transcendental 
se deve a uma reaproximação da natureza, de forma que ela permita negar a vontade dos 
modos instintivos de expressar tal natureza; é a determinação de um ideal criando o 
novo homem através de uma moral de rebanho e um sacerdote. A pessoa que passa por 
esse processo deve recobrar seu contato consciente com Deus através de uma ideia que 
molda uma nova ética, uma nova ação, adquirindo uma nova conduta que logo se 
transforma em tradição. 
6 Como, por exemplo, Buda que atravessou um dado percurso espiritual e libertou-se por meio de uma 
nova consciência nascida dessa busca de compreender o que devemos ser a partir do que somos. Não 
deve haver ilusões nesse percurso se quisermos sermos seres criadores, espíritos livres do corpo. 
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Devemos estar atentos a essa transformação contrária dos valores ascéticos que a 
princípio sua motivação se mostra nova como a água da chuva, e depois quase como a 
seiva endurecida do milenar âmbar, motiva o homem dentro de uma moral em que 
representa e expressa valores constituídos por esse Deus na mudança que ocorre no 
presente, se consolidando por toda a eternidade da mesma forma (NIETZSCHE, 1999). 
Este salto temporal para trás marca as coisas ascéticas, a qual sempre se recorre 
ao passado para afirmar o presente, mas busca com isso suprimir uma nova demanda da 
sociedade das quais suas vidas se encaixam e são predestinadas a exercer essa vocação, 
para estarem entre os escolhidos, os que triunfarão quando Deus instaurar o seu tempo e 
a sua realidade, aquela em que o homem se torna um vencedor e pode desfrutar de sua 
vida e suas conquistas para sempre. É precisamente esta inversão de valores que o 
ascetismo pretende tal qual uma ampulheta que se vira, transformar o novo numa 
tradição preenchida que supera a antiga forma por uma nova prática corrente de acordo 
com a eternidade (WEBER, 1987). 
A questão ganha outra dimensão quando inserimos as instituições de controle e a 
forma coercitiva que as instituições totais aplicam esse ideal ascético, destacando o 
papel da disciplina com o castigo e a vigilância, alterando a função dessa disciplina, que 
de meio para realizar-se a ascese espiritual, passa a ser o fim último, servindo para 
disciplinar o indivíduo para viver dentro e fora da instituição total e não como forma e 
meio de se atingir o objetivo da ascese espiritual (FOUCAULT, 1980). O tratamento 
consiste em obrigar o indivíduo a aderir à disciplina (rotina, condicionamentos, 
comportamentos,adequação às normas, aceitação do tratamento, entre outros) para 
obter os resultados de um desenvolvimento novo das ideias e do espírito, é inovador 
sem dúvida, mas porque demora tão pouco tempo a se desgastar quando se está fora da 
instituição e não encontra os agentes da disciplina para guia-lo no seu levante moral 
contra si mesmo na adesão ao ideal ascético? (NIETZSCHE, 1999) 
Devido à essa capacidade de inverter valores, recondicionar a natureza, 
disciplinar, faze negar a vontade adentrando numa moral de rebanho, despertar uma 
nova consciência, uma nova conduta, uma nova motivação, pretendendo mudar através 
de um pensamento a ação, que o ascetismo adentrou na clínica como cura ou como 
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doença, ou melhor, dizendo, trazendo a cura, ou, aceitando a doença (NIETZSCHE, 
1999). 
Neste trabalho analisaremos as doutrinas acampadas dentro da instituição total 
como sendo duas majoritariamente; a primeira são “Os Doze Passos”, presente mesmo 
em hospícios, devido à recorrência de muitos casos haver o envolvimento com álcool e 
drogas, além do quadro psiquiátrico, configurado como doutrina para a aceitação de 
uma provável deficiência pertencente a um conjunto de grupo que tem a trajetória igual, 
ou parecida. Também analisaremos as disciplinas que trazem a cura, através da fé e do 
fervor dos evangélicos e minoritariamente como terceiro elemento, os católicos. 
De que forma podemos avaliar que o ascetismo é uma inovação técnica e 
tecnológica da clínica do qual o controle da instituição é expandido e perpassa fora do 
lugar da onde exerce os meios diretos de aplicação da força, e mesmo distante desses 
lugares coloca os meios institucionais da instituição total, fora de seus muros. Essa 
modernização, que consta sendo basicamente a elaboração do ascetismo de cura e 
doença no espaço da clínica, donde o desenvolvimento da técnica espiritual e da 
tecnologia que vislumbra modificar o espírito e o ser, encontra uma justificativa e acaba 
disciplinando o paciente de uma forma total de acordo com modelo clínico usado 
(FOUCAULT, 2007a.). 
E embora o paciente seja deliberadamente forçado à situação de privação, ele 
acaba aceitando esse projeto de mudança devido à vida destrutiva que estava levando, 
sendo condicionado a concordar com os meios institucionais e expondo a inevitável 
fuga de se ver enquanto marginal ou párea não podendo negar tal condição já alcunhada 
e devido a essa carência de perspectivas quais possibilitariam maior plenitude, logo é 
levado a concordar com o castigo e a vigilância, pois a instituição incutindo ao paciente 
o personagem do marginal o faz sentir culpa por sua esperteza e delitos (GOFFMAN, 
2001). 
A presente proposta é, portanto, uma tentativa de compreender a estrutura da 
instituição total e o papel do ascetismo na disciplina que projeta uma modernidade para 
a clínica e que busca sobreviver a partir de uma política pública voltada para a redução 
de danos e diminuição de pessoas internadas. Ressaltar um papel econômico, político e 
social da clínica é uma tarefa coletiva que este trabalho busca abordar com o intuito 
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questionar os novos condicionamentos aplicados, a fim de justificar a internação além 
das inovações e conjuntura a que estão submetidos os pacientes hoje. O método deve ser 
suficiente para equalizar a questão do que perpassa dentro e fora da instituição total, em 
referência ao paciente como também considerar seu papel social político, econômico e 
cultural, para fundamentar uma análise das interações e das experiências a que estão 
condicionados, as pessoas que de alguma forma entraram e estão sob esse processo 
(FOUCAULT, 2006). 
 
Métodos 
A metodologia proposta, segundo principalmente Michael Foucault (2006) e 
Erving Goffman (2007), corresponde a uma análise de diversas situações de interação 
dentro das instituições totais, partindo-se da elaboração do set [Onde se desenrola a 
cena], preenchendo o drama com os meios em que é possível realizá-lo, e em que 
medida é possível tirar dos atores, do roteiro, do personagem, do enredo, dos papéis, do 
lugar, da câmera, uma imagem válida para ser analisada em um contexto mais amplo, 
estendendo-se assim suas teias de significados (GEERTZ, 2012), pela apreensão dos 
múltiplos sentidos e dos símbolos, expressos nas cenas colocadas em edição e 
montagem do filme. Questiona-se, portanto, uma suposta modernidade das instituições 
totais, não a partir da psicologia social, e tampouco baseada em uma análise estrutural 
condicionada aos funcionamentos e leis gerais, mas a partir de um determinado contexto 
histórico e analítico (JOSEPH, 2000). 
O método utilizado é aquele em que se complementam e interconectam o quadro 
da experiência com as formas de poder elaboradas pelas representações e discursos, 
numa análise que busca retirar das situações de interação a estrutura da cena e a ação 
dos atores a que estão condicionados os elementos da narrativa postos em cena, 
vislumbrando “[...] o dispositivo de poder como instância produtora de prática 
discursiva” (FOCAULT, 2006, p. 17) e também de força [social, cultural, política] que 
se aplica aos pacientes em seus condicionamentos e valores que resultam nas vivências 
diante das interações que ocultam outra ordem social que fundamenta a cena e explica a 
interação e a experiência da forma que são realizadas (GOFFMAN, 2007). 
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18 
 
Essa análise é a forma que ganha os diversos depoimentos, lembranças, 
memórias, falas, interpretações, como também as imanências e o próprio trabalho de 
campo imerso nas clínicas, além do processo de internação das pessoas, usados neste 
trabalho para executar o método que consiste na análise de diversas interações e 
discursos presentes na cena elaborada a partir dos elementos traçados na metodologia. 
As técnicas utilizadas foram o registro no diário de campo e o trabalho de 
campo. Também foram registrados depoimentos, reflexões e conversas, construindo 
assim uma perspectiva a partir do método analítico de dedução das interações e dos 
discursos, que geram sentidos e significados para os símbolos expressos nessas 
situações especificas nos contextos das instituições totais. 
A técnica de pesquisa utilizada foi o processo de internação enquanto paciente, 
como agente já inserido, logo, por dentro e enfrentando toda a realidade, todavia, 
acrescenta-se a esse processo o prisma do pesquisador, aquele que vê, no limite, de fora, 
pois prioriza a perspectiva antropológica na pesquisa em busca de transformar a 
observação participante em conhecimento válido da realidade, neste caso usarei o texto 
e anotações, bem como, entrevistas a fim de elucidar questões traçadas. 
Iremos retirar desse material de análise a relação com a questão disciplinar e 
espiritual, tentando estabelecer relações entre um e outro a partir de entrevistas, 
relacionando as representações com os dispositivos de poder, sendo o paciente o 
principal material de análise assim como a pessoa que se enquadra num ideal ascético 
qualquer na busca à elevação espiritual, então poderemos estabelecer parâmetros de 
características ascéticas presentes no processo disciplinar, além de especificidades do 
uso de coerção dentro da clínica. 
A investigação acontece e por meio do levantamento de dados legitimadores da 
análise que possibilitará uma conclusão, portanto este trabalho vai pôr pistas e 
evidências, a fim de elaborar uma tese, argumentá-la e concluí-la. 
A busca de referência no material etnográfico vislumbra validar a discussão no prisma 
da utilização de conceitos que coloquem o exemplo observado em condições de extrair 
dele conhecimento etnográfico; finalmente permitindo a elaboração de um trabalho de 
campo, refazendo as cenas onde aconteceram as atuações dos atores. 
 
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CAPÍTULO 1 – UM BREVEENSAIO SOBRE A QUESTÃO- ASCETISMO X 
MARGINALIDADE 
 
Como se constroem um personagem? Podemos dizer que há sempre um enredo 
por trás dessa construção - de onde se tira o roteiro - e isto é aprimorado de acordo com 
o desenvolvimento nos moldes do self por determinada subjetividade, o que marca sua 
identidade e se torna uma referência na história e local baseada para criar o papel, assim 
reproduzindo o texto e lugar em que personagem se exprime ou representa 
(GOFFMAN, 2007). 
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20 
 
Temos situações em que atores diferentes podem representar o mesmo papel, 
serem o mesmo personagem ou melhores tipos de um personagem que age conforme a 
trama seguindo a razão ou a emoção, adquirindo tristeza ou alegria. Esse mecanismo é 
possível ao personagem que com o texto preenche um papel, uma função na trama, 
realizando através das dificuldades seus méritos e através dos aproveitamentos sua 
esperteza em se levar e continuar a ocupar um papel na trama. Assim o personagem se 
faz, mas existem recursos que possibilitam uma sequência e um apontamento diverso da 
construção tradicional do personagem, expondo, por exemplo, a subjetividade e a 
objetividade se contrabalanceando em diversas possibilidades a fim de atingirem a 
imagem que tornará o texto palpável e possível de ser apreciado (GOFFMAN, 2007). 
O personagem que pretendemos construir é aquele que pretende a elevação 
espiritual a fim de entender e prosseguir com seus objetivos e sua jornada através do 
conhecimento do universo e de si mesmo. Aquele que fica doente e desesperado 
continua, portanto, embrenhado ao processo narrativo do qual é vítima e algoz, 
ajudando para ser ajudado, e busca com isso uma satisfação de ser e viver bem em 
comunidade e saudável, sem cair em crises (NIETZSCHE, 1999). 
Vamos tratar do papel do instituído e como este pretende reverter o caminho da 
contravenção assumindo uma postura saudável para sua recuperação social, se ocorresse 
o contrário (investir numa recuperação social para ter uma melhora na saúde) 
certamente a degeneração seria tratada de outra forma, melhores condições sociais 
permitem melhor qualidade de vida, no entanto, segundo o programa de recuperação 
dos Narcóticos Anônimos, mesmo sem condições sociais ideais, poderia haver uma 
recuperação, ao mesmo tempo que condições sociais ideais poderiam despertar esse 
problema social e de saúde NARCÓTICOS ANÔNIMOS (1993c). 
Com isso pode-se traçar os personagens, no caso nosso personagem será o louco 
ou o dependente químico, sendo que ambos podem atuar nesses papeis de instituído, 
seus tipos sociais são preenchidos por atores que absorvem um personagem e com ele 
um papel, invocando um sentido para sua ação na forma de um personagem 
representando uma identidade e indicando uma potência que preenche o espaço da ação. 
Assim segue o enredo, construindo a estrutura da narrativa, de forma que algo sólido, 
previsto no roteiro, encontra a locomoção entrando em movimento, através do texto que 
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21 
 
absorve essa dinâmica e põem em contato a imanência da cena com o rompimento das 
quebras que se apresentam, interrompendo o processo narrativo, e criando o espaço na 
cena donde se cria o sujeito. Esse sujeito alternando nas quebras e continuidades da 
narrativa, proposta pelo enredo seria onde o ator situa o personagem, criando através 
desse balanço a vivencia na rotina das instituições totais (GOFFMAN, 1988) 
Para isso serve o papel do instituído, para oferecer condições mínimas à pessoa a 
fim de que ela ocupe o exército de reserva e ao mesmo tempo movimente um mercado 
paralelo da saúde e do dinheiro público, seja em recursos, seja em investimento ou no 
aprimoramento das estruturas que dão retorno à sociedade. Logo, por meio da 
manutenção do exército de reserva o estado financia este ramo do mercado no escopo da 
saúde e da segurança, repassando verbas para instituições que cumpram com uma 
demanda constante e especifica da sociedade em que estão inseridas (MARX, 1978). 
O que poderíamos falar do louco ou do drogado, se refere a pessoas sem 
objetivos ou que acreditam deter o necessário para um determinado percurso de essência 
completamente oposta da que veiculam, isto é, o trajeto da potência do ser e a 
transcendência de seus limites através do considerado depravado. Dentro da instituição 
o doente conhece outro lado da mesma arte que praticava de uma forma errada, que 
antes o levava ao vício e à loucura, mas que agora busca se instrumentalizar com mais 
conhecimentos para evitar a crise e com isso ter que ser instituído novamente 
(NIETZSCHE, 1999). No entanto a lógica de mercado prevalece e não necessariamente 
o paciente é um marginal que precisa de saberes e práticas ascéticas para atingir um 
objetivo espiritual, mental e físico, mas o que podemos dizer é que, no entanto, o 
personagem é colocado nessa narrativa, independentemente do ator, ao mesmo tempo 
em que essa narrativa é colocada para o personagem, o ator lida com outro conjunto de 
estruturas que não aquelas a serem representadas enquanto justificativa para cena de um 
modo geral, podendo perceber esse conjunto nas interações dentro das clínicas, onde o 
ator é condicionado à um enredo em que seu personagem cumpra com um papel, o 
papel do instituído, mas é evidente que o ator não resume todas as suas subjetividades 
nesse papel (FOUCAULT, 2006). 
O dependente químico ou o louco cria a perspectiva da elevação espiritual 
através da depravação dos costumes, se busca atingir o sucesso pela via do risco e da 
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marginalidade, pretende transcender uma sociedade pautada nos valores conservadores 
da concepção espiritual e efetuando uma possibilidade de vivência prática para esses 
meios tradicionais (NIETZSCHE, 1999), no entanto o “marginal” parece não 
compactuar com as ideias e ideais da sociedade e não consegue exercer plenamente a 
sua pérfida função, por isso é uma mercadoria para aqueles que detêm o método e as 
técnicas capazes de atingir tais objetivos de elevação espiritual. Entendem o que o 
“marginal” busca e oferecem a maneira dele conseguir isso corretamente, percebem que 
entre o ascetismo e a marginalidade somente se altera o fim. Como seria se buscassem 
outros meios para a realização de ser saudável sem os interesses do mercado na 
manutenção de um indivíduo? (MARX, 1978). 
O personagem é um antípoda, a forma ruim de uma essência boa, do tipo que 
marca a excelência na prática de uma arte, mas a ele falta a disciplina e é normalmente 
colocado como adversário do bem, este é o percalço do anti-herói que se destina a sofrer 
as consequências de sua escolha. Tudo tem um preço é verdade, mas, por exemplo, 
temos o elemento em que o despertar espiritual se dá nos alcoólatras em seu 
enfrentamento de delírios e perturbações da abstinência, quer dizer, o sofrimento do 
corpo em ficar sem a substância é capaz de trazer os elementos para um renascer a uma 
nova realidade e um novo ser (NIETZSCHE, 1999). 
Esta posição de vilania é usada no controle dos loucos e por este fato se 
associava indivíduos indesejados à ordem o rótulo da loucura, capaz de demonizar a 
imagem a um indivíduo diante da prerrogativa de que é, portanto, um mau aprendiz, 
uma pessoa que não tem a disciplina correta para os fins almejados de progresso e 
elevação - que é um indicativo da mobilidade do social e de como nos estruturamos. 
Assim mesmo que não tenha intenção de rivalizar, o indivíduo se torna um pária 
(FOUCAULT, 2006). 
Essa acusação de imoralidade arranca o mérito da conquista da técnica e da 
tecnologia para o uso exclusivo do poder através dos mecanismos vinculados á postura 
cidadã, teríamos, por ilustração, a condenação da organização do diferente como caótica 
do pensamento enquanto um distúrbio de lugar, sem a aplicação de um sentido que pode 
absorver o seu significado, através da arte, por exemplo, e busca na realidade agravar acondição de desorganização, para evidenciar o diagnóstico e a necessidade de 
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internação (JOSEPH,2000). A justificativa social se dá pela construção da trama da 
crise, é necessária uma situação extrema para se levar uma pessoa à força para um 
destino que seja uma instituição total. Deslegitima, portanto, o saber e a forma do louco 
ou do viciado de elaborar o problema e a questão, torna sua prática discursiva 
desvinculada do dispositivo de poder, além disso, coloca essa prática discursiva do ator 
enquadrado como louco ou drogado, como algo a ser combatido pela prática discursiva 
que se vincula ao dispositivo de poder e as representações do “saudável”, de forma a 
ajuda-lo, mas também de coibi-lo (FOUCAULT,2006). 
Sem crime não há acusação, então a justificativa é construída socialmente através do 
convencimento de que realmente aquela pessoa merecia tal destinação como aquela, 
sem esse elemento da crise, portanto, fica injustificada a internação, podemos dizer com 
certa precisão que uma pessoa indesejada pode ser levada pelos meios coercitivos a ter 
uma crise, perdendo o emprego ou tendo sua imagem difamada, por exemplo, para 
colocá-la fechada na instituição total. 
Podemos traçar três prerrogativas que atestam se alguém está num processo 
saudável ou não através de seu comportamento social. Primeiro: a capacidade de 
prometer e cumprir promessas, segundo: ter ou não responsabilidade, terceiro: adquirir 
consciência de seus atos, perante essa tríade forma se distingue o marginal do asceta 
(NIETZSCHE, 1999). 
O marginal não é senhor de si, não conseguiu através da solidão se emancipar da 
moralização dos costumes, não consegue exercer os costumes, é impedido, pois, o que 
promete não se realiza: horários, compromissos, desenvolvimento entregue ao caos, 
sobrevivendo no talento que se esvai a cada dia, vivendo no fundo do poço. O marginal 
não oferece a seu corpo o descanso, não torna calculável sua rotina, não se torna 
semelhante ao rebanho, não exerce o trabalho que dignifica os costumes e o torna 
visível, apreciado e praticável, pelo contrário, o marginal significa uma depravação 
desses ideais, o oposto, ele não consegue exercer a responsabilidade, não é um 
indivíduo soberano, nem tem autonomia perante o social. É sua própria vítima, está 
imbuído a perder sua independência a todo instante se fechando em relações que 
comprometem sua autonomia perante o que é soberano (NIETZSCHE, 1999). 
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24 
 
. 
Não consegue, pois, ter consciência. É incapaz de dizer sim a si mesmo, não se 
aceita e cria uma série de justificativas para continuar com seu modo de vida 
depreciativo isolado do bem social; não aceita muitas possibilidades por supostamente 
terem sido forjadas em crueldade, portanto, não tem acesso ao conteúdo fixo de nossas 
relações, é um errante, um andarilho, um compositor, que cria o próprio mundo para 
perdê-lo. Dessa forma a prática ascética do marginal é oposta àquela idealizada pelos 
disciplinadores e sacerdotes, merece então, o castigo, para que sua alma seja salva, já 
que o corpo é um caminho para o pecado (NIETZSCHE, 1999). 
Como fim desse roteiro de espiritualização da crueldade, se pretende a reforma 
espiritual e o autoconhecimento permitidos pelo ascetismo, tanto aquele que aceita a 
doença, quanto daquele que promove a cura dentro das instituições totais, então temos 
que não há castigo, apesar dos meios disciplinadores serem usados como fim, e não 
como meio, visto que existe o surgimento de uma oportunidade para o indivíduo exercer 
sua vocação, o seu trabalho (NIETZSCHE, 1999). Esse é o discurso, ou seja, o enredo 
que vai ser colocado para provar para si mesmo que se está no caminho errado e é 
preciso aceitar o tratamento para retomar a sua vida e a sua dignidade, mas isso não 
muda o fato do indivíduo permanecer em contato com o enredo da marginalidade, a 
clínica busca superar a questão social incutindo todo drama da questão na saúde e nos 
valores do paciente (FOUCAULT,2006). 
A disputa para se criar a narrativa é, portanto, o meio da qual a instituição exerce 
o seu controle. É a maneira como aproveita a sua memória na criação e 
desenvolvimento da técnica. Tornando o discurso da instituição cada vez mais elaborado 
em contraposição com o discurso do marginal que, desarmado, é vencido pelo aparato 
técnico da instituição, sendo que a instituição constantemente se aprimora com mais 
casos do mesmo tipo (NIETZSCHE, 1999). 
Temos que existe uma previsibilidade desenvolvida pelo sistema das instituições 
totais que aprisionam o personagem num roteiro. Configurando o enredo de modo a 
tornar o propósito da clínica, o propósito do paciente. Esse domínio da narrativa oferece 
então um domínio sobre o enredo através do controle social exercido na subjetividade, 
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confirmando o poder que tem objetivamente. Pode cobrar do paciente sua melhora, pois 
identifica uma parte que precisa ser trabalhada a fim de sanar sua deficiência consigo 
que cria condições sociais precárias de existência, onde o ser social passa a não cumprir 
com o seu dever, e adquire um dividendo, um pagamento que dê a sensação de justiça à 
sociedade, para quem ele paga por seus atos e delitos que faz a si mesmo (NIETZSCHE, 
1999). 
Para que o personagem pague sua dívida ele tem que se transformar em uma 
mercadoria, através do diagnóstico, o personagem ocupará um papel na trama e não será 
um marginal, mas sim alguém em recuperação, que o coloca no papel de instituído, 
alguém que adquire uma série de obrigações e projeta um sacrifício em prol de algo 
maior (NIETZSCHE, 1999). Assim o sacrifício de enclausurar uma pessoa ganha 
sentido, pois ele paga o que deve a si mesmo e a sociedade e se torna um item de 
aproveitamento da logica estrutural, o integrando como um doente em recuperação, não 
mais apenas um doente, mas um marginal minimamente saudável capaz de suprir as 
demandas por sua colocação e mão de obra na sociedade. 
Existe um disfarce dentro da instituição total que impede de perceber aquilo tudo 
como algo negativo, diante daquilo ser considerado necessário, a aceitação dos 
pacientes à esse objetivo que é traçado na clínica para melhora da vida do paciente, 
procuram esconder que ali todos pagam uma dívida para com a sociedade, uma dívida 
que impede a continuidade da vida como ela tem que ser, e aquilo que se passa na 
instituição pode ser uma oportunidade para a pessoa retomar seus relacionamentos e se 
afastar de relações que o levavam em contato com o crime e o proibido e os fazia 
doentes sem controle de suas vidas. O paciente está exposto no palco e mesmo que não 
haja plateia ele mesmo já se convenceu de seu papel e produz a vigília em si mesmo, 
através da cobrança e ideal que ele busca contemplar. (NIETZSCHE, 1999). 
Somos observados, o sentido de nossa ação nos escapa, temos que simular um 
comportamento constante ali dentro, de forma a ter uma identidade de seu personagem 
onde a equipe leva em conta o seu caso de acordo com as questões próprias de cada 
paciente, o personagem adquire uma identidade, será cada vez mais desmarginalizado 
de seu papel que de recém-chegado, precisa vir a ser do papel de um instituído em 
recuperação. Alguém tocado pela força divina que faça desenvolver uma persona para 
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evitar o choque de realidade de se constatar num meio cruel, sendo essa personalidade 
mítica do personagem a caraterística que marca uma fuga da realidade onde o sujeito 
não quer e não pretende reverter a situação, entrando em acordo com os meios 
institucionais de certa forma aceitando que as coisas boas dependem de algum sacrifício 
(GOFFMAN 2007). 
Essa Self que absorve uma postura neurótica através de sua nova persona é 
oposto daquela pessimista, porém as duas podem ter sucesso e fracasso no tratamento, 
tanto a pessoa que se convence da mudança, quanto àquele que é descrentee crítico dos 
meios que a instituição promove o aperfeiçoamento moral de cada um. De forma a 
moldar uma conduta padrão do sujeito que deixa de viver o mundo da fantasia, como 
deixa também de ser descrente nas coisas da fé. A pessoa que nega totalmente o 
tratamento pode estar se iludindo ou enganando-se, como também a que demonstra 
certeza em acreditar nos meios institucionais pode se mostrar falsa nos seus propósitos, 
ou se esconder atrás do programa, cega, onde a instituição marca os dois extremos com 
avisos de condutas e reprimendas (GOFFMAN, 2001). 
Essas variações de personagem geram um sentimento de desconfiança, o 
sentimento que falta o compromisso pessoal daquele sujeito para com o tratamento, 
enfim são acusados como devedores diante os credores que atingem algo mais 
satisfatório, assim uns são mais que os outros, dentro desse espectro que o papel do 
instituído pode atingir enquanto personagem, passando do dissimulado ao demasiado 
sincero, atingindo muitas vezes uma equação que agrada a instituição e está colocada 
como exemplo de uma narrativa bem sucedida. Algumas pessoas que passam a 
desprender uma diferenciação do papel de simples instituído e passa a ser um instituído 
com poder e obrigações que o faz no papel de credor, enquanto os outros emprestam e 
devem a esse uma retribuição, equilibrando assim a balança dos personagens a um só: o 
doente ou curado em recuperação (NIETZSCHE, 1999). 
Este será nosso personagem, atingido através do equilíbrio e do padrão de uma 
biosfera diversa de personagens nos mesmos papeis ou nos mesmos papeis com outros 
tipos de personagens, mas nenhuma das posições supera a colocação deste personagem 
em todos os papeis de instituído e muitas vezes também no papel do não instituído: o 
doente ou curado em recuperação. Busca reparar os seus danos e compensar seus 
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credores com um novo comportamento que retirara de si as acusações de dívida para 
com o todo, podendo voltar a usufruir dos bens da comunidade se aceitar se regenerar, 
pois estava como um vencido, como um derrotado, e agora precisa acertar, refazendo o 
contrato que quebrou com a sociedade, sendo novamente aceito em seu seio como um 
indivíduo que tem o seu valor e o seu papel e não está fadado a um personagem que 
amargura a derrota e não tem mais para onde ir (NIETZSCHE, 1999). 
Aceitando a crueldade e estando disposto a realizar um sacrifício, o indivíduo 
pode novamente ser aceito na sociedade, pois paga o que deve a ela e volta a poder 
habitar a sua comunidade e a sociedade pacificamente em busca da sua vocação mais 
nobre de seu ser, aquela capaz de infiltrar em tudo a rotina do doente ou curado em 
recuperação. Criando-se uma nova conduta que vai permitir que ele trabalhe e aguente 
mais tempo nesse ciclo do uso de mão de obra barata e possa logo ser substituído, 
quando começa a subir de posto (NIETZSCHE, 1999). 
A sociedade busca encenar a crise e os meios que levam a crise, quando um 
devedor termina de pagar a sua dívida ele é obrigado a retomar do zero e adquirir novas 
dívidas que o levarão a ser reiterado no processo de disciplina. Para não se desgastar 
enquanto se prepara a ocupar um novo cargo temporário, é recolocado na sua posição de 
marginal que precisa esperar e se realizar como asceta, antes de retomar o trabalho e 
como um asceta trabalhar. Realizando uma produção maior durante o tempo que 
aguentar, continuando marginalizado mesmo com o salário, ou poderíamos melhor 
dizer, como sem o recurso do salário, as instituições totais projetam o trabalho em todas 
as esferas da vida, com o objetivo de reformular a conduta do personagem instituído, 
através da boa vontade de exercer uma atividade sem ser pago para isso, com a 
justificativa de que tal trabalho faz parte do tratamento (WEBER, 1987). 
E ainda como através disso podemos aprimorar nosso contato consciente com 
Deus e elevar nosso espírito na jornada do autoconhecimento. Progredir, enquanto se 
sacrifica, agora com um sentido, com uma melhora, com uma recuperação. Dentro desse 
conjunto, o sistema expõe o seu domínio, o seu avanço técnico na direção do que 
fundamenta o discurso legitimado pela ordem médica e acrescenta a ordem cultural à 
legitimidade dessa prática discursiva perante o dispositivo de poder instituído, ou seja, a 
prática ascética tanto da cura (fervor) quanto da doença (serenidade), está de acordo 
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com o que propõem a ordem médica e ajudam a ressaltar o papel social, econômico e 
político da clínica (FOUCAULT, 1980). 
E com isso, passa a tolerar os desvios de seus exiliados pacientes, conquanto que 
estes aceitem serem reinseridos quando a sociedade cria a narrativa da crise que sustenta 
o enredo para recolocá-lo numa clínica. Os reais motivos são o esgotamento da proposta 
que aquele indivíduo oferecia à sociedade e volta a ser um devedor, um “pecador”, e por 
isso deve recomeçar a pagar novamente sua dívida, não porque não tem condições de 
progredir, mas porque todo este processo não retira de fato a pessoa da marginalidade e 
do exército de reserva. Aproveitando-se desses indivíduos para terem os seus ganhos 
temporários, já que as instituições totais oferecem um fluxo constante de novos 
trabalhadores temporários que se mantem saudáveis em recuperação (NIETZSCHE, 
1999). 
A instituição não necessita cobrar os devedores, pois o processo ascético 
imprime ter que se começar do zero, quando se falha e volta a dever diante dos valores 
da recuperação que ajuda o marginal a se manter dentro da sociedade, em suma, quando 
os valores da recuperação são colocados em risco afetando o personagem do doente ou 
do curado em recuperação, o indivíduo é obrigado a recomeçar do zero para não 
prejudicar o personagem que é socialmente usado. Agindo de forma a levar o próprio 
paciente percorrer o ciclo que leva à crise, o indivíduo é esclarecido disso que caso 
recaia voltará a ser internado e caso aceite diante uma recaída ser internado novamente 
permite que o indivíduo passe por um processo menos doloroso quando precisa ser 
reinserido no processo de diagnóstico, temos como evidencia, que isto torna possível de 
se fazer obrigar o sujeito a se instituir por seu próprio bem, aceitando de imediato, sem 
precisar ser cobrado, as condições de pagar a sua nova dívida. Temos também que o 
ascetismo pode ser entendido como uma inovação técnica da clínica (NIETZSCHE, 
1999). 
Não sofre a coerção da mesma forma, porém é cobrado como se tivesse voltado 
ao ponto inicial de sua vivência ascética: a derrota, portanto, conhecendo o papel de 
instituído, o paciente sabe melhor elaborar o personagem do doente ou curado em 
recuperação e por esse motivo recebe uma atenção especial e diferenciada da equipe que 
cobra novas mudanças para suprir às deficiências que o levaram a cair novamente com 
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isso se evita a cobrança e o desencadeamento da crise num sofrimento que será a 
própria dívida e o meio de pagá-la. Evita assim aceitando a derrota um processo mais 
doloroso que levaria aquele indivíduo a traumas e desgastes maiores, então este aceita 
restabelecer novamente o contrato de modo que este é o único modo de usá-lo - o 
desvalidando e validando a todo instante. 
Os pressupostos modernos para a formação do conhecimento e as formas de 
poder a ele vinculados nas práticas discursivas, segundo Foucault (2007ª), moldam o 
entendimento das coisas deslocando o eixo de poder para que apenas a ciência moderna 
fosse habilitada e legitimada, com isso passou a excluir outras formas dos saberes que 
não àquelas subordinadas à lógica da autoridade e à ordem médica e cientifica. As 
circunstâncias que moldam a formação do conhecimento não seguem uma 
especificidade e pressupõe apenas que se desenrole através do processo científico. 
Então, uma experiência pode significar a elaboração de um sentido onde busca-se 
apreender um fenômeno, não descartandoa amplitude da questão, como também não 
evitando que as coisas possam se explicar. 
O que significa uma visão sistemática para elaborar a ciência que produzirá uma 
conclusão acerca do estudado e poderá apresentar um entendimento que permite se dizer 
como a realidade se tornou diferente ou mais explicada, melhor dizendo, sob condições 
de ser apreciada através dos seus mecanismos e leis naturais. Ela produzira então o 
discurso verdade e poderá determinar os seus meios como os únicos válidos para lidar 
com o problema e o entendimento da questão e por fim o que pode ser dito sobre o 
assunto (FOUCAULT, 2007ª). 
Essa verdade se constitui como prática discursiva que legitima o poder médico 
em referência à sociedade, um dispositivo de poder que legitima o uso da força em prol 
do desenvolvimento de uma modernidade que exclui os elementos que a ajudaram a se 
constituir. No entanto não se pode fugir da questão epistemológica entre sujeito e 
objeto, mais especificamente em referência ao conhecimento do nativo que perde 
legitimidade e fica fadado a um entendimento em si mesmo numa prática discursiva do 
saber, a questão é como legitimar outra prática discursiva, evidenciar outro dispositivo 
de poder, enfim trazer um papel para o outro, para que se possa articular os elementos 
da linguagem e ter acesso aos símbolos sociais a partir de sentidos que eram 
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marginalizados e também tem direito a constituir conhecimento sobre o objeto que são 
eles mesmos e no objeto em que incide algum aspecto de sua trajetória (FOUCAULT, 
2006). 
Apesar de o objeto ser a fonte do conhecimento ele não pode significar em si 
mesmo o que se observa e aprende sobre ele, deve-se buscar estabelecer uma referência, 
um “para-si” que possibilite um entendimento mais largo do que aquilo significa, uma 
posição descolada do objeto. Como poderia então surgir um conhecimento fadado a si 
mesmo, numa experiência em que o pesquisador não existia, ou melhor, não havia o 
distanciamento entre sujeito e objeto? (NIETZSCHE, 1999). 
Foucault tem como método o questionamento da própria estrutura da formação 
do conhecimento, questionando a validez a própria estrutura da modernidade que coloca 
um objeto e um sujeito definidos e impõem a maneira que se dará essa interação, 
sempre de acordo com a legitimação de algum poder especifico, mais precisamente o 
psiquiátrico (FOUCAULT, 2006). 
A resposta encontra-se na investigação, temos que o crime já foi feito, não se 
pode evitá-lo, mas se pode solucioná-lo através das pistas chegando a um indicativo que 
aponte a veracidade dos fatos, bem como, da validade de uma experiência enquanto 
material científico que não foi realizado em condições ideais e especificas de alguma 
ciência. Porque afinal de contas a instituição deslegitima determinadas formas de 
saberes em prol de seu discurso de verdade (FOUCAULT, 2006). 
A estrutura social motriz do mecanismo de controle que geram um número fixo 
de internações correspondentes à formação de um mercado especifico de nicho próprio, 
será discutida na investigação, dado isso, temos que os valores de uso das diferentes 
mercadorias que são “compradas” pelas instituições acabam adquirindo um valor de 
troca que traz uma unidade na questão do preço e podem ser negociadas com o estado 
de acordo com os custos da produção, buscando sempre a instituição de controle 
aperfeiçoar o mecanismo e tornar os custos os menores e mais fixos possíveis (MARX, 
1978). 
O diagnóstico tem essa função, portanto, de oferecer à marginalidade uma 
condição de buscar por direitos e recursos provindos do estado e da sociedade, oferece a 
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possibilidade de um caso ser classificado e significado diante de algo legitimado pela 
ciência (FOUCAULT, 2006). 
Seria interessante avaliar este papel do nascimento da clínica enquanto seus 
aspectos políticos, econômicos e sociais para tentar absorver a função desse agente no 
funcionamento da estrutura social, enquanto não se encontra em movimento subjugado 
a dinâmica social, essa observação ontológica, permitirá a visão da indústria a que o 
aperfeiçoamento da técnica - que o setor do controle social - através dos mecanismos 
políticos da saúde, desenvolveu durante o século XX e agora culmina no patamar 
histórico em que as técnicas e tecnologias se mostram mais sofisticadas, mas continuam 
com sua essência e utilidade, isto é, segundo uma determinada função .( FOUCAULT, 
1980). 
Dizendo em outras palavras, agora despertam um patamar histórico em que tais 
conhecimentos se desenvolveram, muda-se o discurso, mas continuam efetuando uma 
prática discursiva que mantém o dispositivo de poder com sua essência e utilidade 
segundo essa determinada função, descrita por outros autores durante o século XX, mas 
atualmente encontraram outros meios, mais tênues e elaborados para se chegar aos 
resultados iguais (FOUCAULT, 1987). 
.O aperfeiçoamento da técnica explicitou uma miríade de contradições que 
resultaram em vários questionamentos, e afinal, porque longe das aparências e dos 
discursos esta melhora não permite que a coisa tenha ficado mais humana? Segundo 
Foucault (2006), cada vez mais, a utilidade e serventia desses lugares se inclinam a 
interesses específicos de controle social, o que afasta a possibilidade da substância ter 
mudado sua essência pelos novos meios que o desenvolvimento da técnica permitiu. 
Buscaremos compreender um fenômeno especifico de ordem social e cultural, mas para 
isso é necessário estabelecer suas questões em todos os campos que desempenham uma 
força para o funcionamento dessa estrutura. 
O fenômeno é simples, e pode ser introduzido como pergunta: como os 
diagnósticos transformam aspectos da marginalidade em possibilidades de 
aproveitamento do indivíduo no padrão socialmente aceito? Sendo o ascetismo o caráter 
comum que viabiliza este processo. Enquanto o processo estrutural se mantém na ordem 
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econômica devemos observar os aspectos que a partir disso moldam a cultura 
legitimadora deste processo que não pode se resumir na aplicação do diagnóstico, e 
necessita de uma série de técnicas e tecnologias que, no limite, significam o ascetismo 
dentro da clínica e por isso deve propor algo além do diagnóstico para potencializar a 
nova predestinação do ser (o ascetismo) – inteirando a absorção da prática discursiva da 
clínica que se efetua a partir do diagnóstico (FOUCAULT, 2006). 
O diagnóstico é o que separa o marginal do asceta, o que faz de um problema 
uma solução, assim como o trabalho permite uma prática ascética de elevação do 
espirito, o diagnostico permite sem os recursos de o salário estabelecer um preço, 
colocando um valor de troca, se aproveitando assim do seu exército de reserva, 
simulando a criação de uma mercadoria através da alienação do sujeito, em determinado 
diagnóstico, o preparando para cobrir determinada demanda da sociedade e gerando 
lucro através dos investimentos na saúde. A prática ascética no espaço asilar confirma o 
papel do diagnóstico para o indivíduo, tirando a marginalidade da inércia social e da 
incapacidade de efetuar atividades que representem o trabalho e a integração aos 
elementos sociais, transformando uma prática sem preço de valor do marginal na 
criação de um valor para o preço do asceta (NIETZSCHE, 1999).. 
Assim, a internação se justifica, pois o diagnóstico não consegue efetuar sozinho 
essa mudança estrutural, é necessário, portanto, todo o processo de institucionalização, 
para que o paciente diagnosticado, cumpra com o processo social de criar valor sem o 
salário, ou ainda à margem desse recurso, sendo preparado para cargos terceirizados por 
exemplo; o objetivo é projetar uma nova concepção de predestinação para ele que não 
mude o local que habita na sociedade, mas mude seu lugar. Incorpore assim o trabalho e 
o seus valores, mas não o seu recurso (GOFFMAN 2001). 
A adesão

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