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1ª Fase | 42° Exame da OAB Filosofia do Direito 2 Olá! Boas-Vindas! Cada material foi preparado com muito carinho para que você possa absorver da melhor forma possível, conteúdos de qua- lidade. Lembre-se: o seu sonho também é o nosso. Bons estudos! Estamos com você até a sua aprovação! Com carinho, Equipe Ceisc ♥ 1ª Fase | 42° Exame da OAB Filosofia do Direito 3 1ª FASE OAB | 42° EXAME Filosofia do Direito Prof. Douglas Azevedo Sumário 1. Grécia Antiga ........................................................................................................................... 4 2. Idade Média ............................................................................................................................. 7 3. Contratualismo ......................................................................................................................... 9 4. Teorias Éticas ........................................................................................................................ 10 5. Teoria Geral do Direito ........................................................................................................... 13 6. Teorias Políticas/Sociais ........................................................................................................ 22 Olá, aluno(a). Este material de apoio foi organizado com base nas aulas do curso preparatório para a 1ª Fase OAB e deve ser utilizado como um roteiro para as respectivas aulas. Além disso, reco- menda-se que o aluno assista as aulas acompanhado da legislação pertinente. Bons estudos, Equipe Ceisc. Atualizado em agosto de 2024. 1ª Fase | 42° Exame da OAB Filosofia do Direito 4 1. Grécia Antiga Prof. Douglas Azevedo @prof.douglasazevedo Este conjunto de autores leva este nome em razão do alinhamento de sua filosofia com a de Sócrates, responsável por uma completa mudança nos temas debatidos até então, ou, como se diz, Sócrates tirou a filosofia dos céus e a trouxe para dentro da casa das pessoas. Antes de Sócrates, a principal questão debatida pelos filósofos era cosmológica e metafísica – como sur- giu o mundo, as leis da natureza etc., e, em seguida, passou a se debater a humanidade e suas relações sociais, trazendo temas como justiça, política e ética para o debate. Elemento essencial para se compreender este período reside na relação sujeito-pólis (cidade), isto é, o indivíduo do período era parte de uma coletividade, e é neste meio em que vai residir a tônica da filosofia do direito deste período. 1.1. Platão Platão, em sua obra A República, trabalha a ideia de justiça, direito e política na pólis (cidade) grega; contudo, a concepção do justo do filósofo é muito diferente das atuais, o que pode gerar um estranhamento. Em primeiro lugar, há uma grande aproximação da noção de justiça com a de direito (ao passo que, hoje em dia, separamos as leis por vigentes ou não vigentes), assim, estamos ampliando o conceito, associando-o às noções de política e virtude. Aqui, no entanto, Platão critica a democracia, a mesma que condenou seu mestre, Sócra- tes, à morte. Os fundamentos são justamente no sentido de que não são os mais sábios que elaboram as leis e tomam as decisões políticas, mas, sim, a maioria – ocorrendo aqui um afas- tamento do justo. Ora, quem deveria, então, governar? Platão responderá: que os filósofos sejam os reis, ou que os reis sejam filósofos. Retornando à questão da justiça, Platão entende que esta deve ser algo interno. Assim, traça uma interessante analogia: o indivíduo é justo quando as partes que compõem sua alma (razão, espírito e apetite) estão em harmonia, obedecendo à razão. Somente assim o sujeito age com justiça. Do mesmo modo, uma cidade só é justa quando a distribuição de tarefas ocorre de forma harmoniosa: os filósofos governando, os mais fortes atuando como guardiões e os demais atuando como produtores. O pleno funcionamento ordenado, no qual cada um exerce sua função conforme sua aptidão, resulta na cidade justa. 1ª Fase | 42° Exame da OAB Filosofia do Direito 5 Há, portanto, um deslocamento interessante: a justiça não está só nos indivíduos, mas deve ser entendida dentro da lógica da pólis, adquirindo uma aresta social. Se há injustiça na sociedade, os indivíduos não estão dela alheios. Hoje, associamos a justiça ao sujeito – “tal pessoa é justa” ou “tal pessoa praticou um ato justo”. Em nosso âmago pessoal, todos somos justos, e a sociedade que é injusta. Tal ideia é totalmente contrária aos escritos de Platão. 1.2. Aristóteles Em sua obra Ética a Nicômaco, Aristóteles complementa sua teoria política (na qual polí- tica é a arte de bem governar a pólis) com sua teoria ética, a qual apresenta um caminho para o pleno desenvolvimento e a boa vida em sociedade. Isto porque concebe o homem como animal político, ou seja, afirma que a espécie humana só difere dos animais no momento em que se encontra em relação com seus semelhantes. Inclusive vale aqui ressaltar que o surgimento da cidade grega (a pólis) é um dos principais fatores que possibilitou o nascimento da filosofia oci- dental, uma vez que o homem poderia acumular riquezas e viver de forma ociosa, tendo, assim, tempo para pensar e refletir sobre as questões da vida. Para Aristóteles, todas as ações humanas possuem uma finalidade (logo, teleológica), isto é, a eudaimonia, traduzida como a felicidade ou o sumo bem. Para se chegar até essa felicidade, é preciso seguir o caminho racional das virtudes, entendidas como o meio-termo ou a mediana entre dois vícios (de excesso e de insuficiência. Ex.: coragem é equilíbrio, covardia é insuficiência e temeridade é excesso). Fala o autor, ainda, do hábito virtuoso e do exercício da razão, ou seja, as virtudes são aprendidas por meio do hábito, da repetição. Ser moderado com minhas paixões é igual a ser virtuoso, e ser moderado nas minhas ações com o outro é o mesmo que justiça. Entre as virtudes, a justiça é a mais elevada, pois se estende ao próximo – é a própria excelência moral, estando presente em todas as outras virtudes – é universal. Justiça, por sua vez, é dividida pelo autor em duas categorias: 1. A justiça lato sensu seria o princípio geral que possibilita a convivência social. É a ideia de seguir a lei. Aqui, temos de fazer uma ressalva importante: Aristóteles entendia a lei dentro de uma construção ética no seio da pólis; logo, a lei seria justa. Uma lei ruim não pode sequer ser considerada uma lei. 2. Já a justiça stricto sensu refere-se apenas a determinadas ações previstas pela lei. Esta se divide também em duas: 1ª Fase | 42° Exame da OAB Filosofia do Direito 6 a) Justiça distributiva: dá-se no âmbito da distribuição de honrarias ou bens públicos (benefícios). Por exemplo: quem exerce uma atividade mais complexa deve receber mais. As pessoas consideradas iguais recebem quantidades iguais das coisas a serem repartidas. As pessoas consideradas desiguais rece- bem porções desiguais das mesmas coisas. Assim, constitui ato justo tratar igualmente as pessoas iguais e, também, justo tratar desigualmente pessoas desiguais (ex.: é justo um filho receber mais mesada do que outro caso tenha feito tarefas). Igualdades de razões – razões proporcionais ao mérito. b) Justiça corretiva: as pessoas são tratadas conforme o princípio da igual- dade, no sentido absoluto da palavra. Na busca da correção da perda em rela- ção ao ganho, a justiça corretiva (ou comutativa) não se preocupa com a quali- dade das pessoas em questão, mas, sim, com o dano causado. Ideia de um para um. Ex.: se furtou alguém, devolver na igual medida. Lógica de igualdade absoluta: 1 por 1. A ideia é reparar o prejuízo ou garantir a obrigação, podendo ser ela voluntária (contrato) ou involuntária (um furto). Alguns cuidados acerca dos conceitos de justo:quando abordamos as justiças em sentido estrito de Aristóteles, temos de considerar que o justo só se aplica àqueles que estão em situa- ções semelhantes. Como o próprio autor diz, pessoas livres e proporcional ou aritmeticamente iguais: assim, não se fala em justiça quando, competindo por uma vaga, temos um adulto e uma criança de 10 anos, por exemplo. A justiça na lógica proporcional ocorre no âmbito dos seme- lhantes. Ou seja, entre os cidadãos da pólis – os homens, maiores de 21 anos e nascidos em Atenas, excluindo mulheres, crianças e escravos. O justo acaba sendo uma medida da elite po- lítica da época. 1ª Fase | 42° Exame da OAB Filosofia do Direito 7 Outro ponto relevante é entender a justiça como uma virtude tanto em potencial como na prática. Sobre este último aspecto, vale lembrar a ideia do meio-termo: a análise de cada caso revelará o meio-termo adequado para a ação justa. Vale destacar ainda outros dois conceitos de justo para Aristóteles: 1. Justiça política: melhor forma de organizar uma cidade / fazê-la funcionar bem faz todos serem felizes. 2. Equidade: perceber a necessidade de se buscar uma solução adequada ao caso concreto que não está na lei, que é limitada ao seu conteúdo – uma ideia de direito natural, ou seja, compreender a natureza das coisas dentro de um caso concreto (as partes, circunstâncias etc.). Em poucas palavras: regular e preencher lacunas; melhorar o justo na aplicação do caso concreto. 2. Idade Média Período marcado pela forte presença de Deus e da Igreja em todas as esferas da vida pública (ética, moral, explicações metafísicas etc.). Num primeiro momento, a filosofia seguia os ditames da chamada patrística (os pais da igreja), sobretudo os ensinamentos de Santo Agosti- nho. Só muitos séculos depois, com a escolástica, o pensamento filosófico medieval abre mais espaço para uma base filosófica mais racional, inspirada em Aristóteles, tendo como principal referência São Tomás de Aquino. No período, há de se destacar o jusnaturalismo teológico, quer dizer, o homem até pode criar leis, mas estas estão sempre fundadas na figura de Deus. 2.1. Santo Agostinho Santo Agostinho faz uma leitura cristã da filosofia de Platão, quer dizer, na existência de um mundo ideal e um mundo sensível. Agostinho fala, assim, em uma Cidade de Deus, a qual é perfeita; e uma Cidade dos Homens, sendo esta imperfeita e marcada pelo pecado (dicotomia ser x dever ser). De igual sorte, a lei dos homens também é falha, devendo tentar se aproximar da lei de Deus, que é perfeita. E é justamente nesta última que se encontra a justiça. Em outras palavras, os homens e suas ações terrenas são incapazes de compreender e atingir a justiça; o justo dá-se somente pela graça divina. Tal lei divina é imutável e se aplica a todos na Terra. Temos, aqui, uma nova etapa do direito natural: se antes, para os gregos, ele se referia à análise da natureza das coisas, flexibilizando o direito diante do caso concreto e do momento, 1ª Fase | 42° Exame da OAB Filosofia do Direito 8 com Agostinho fala-se em um direito natural teológico que não advém da “natureza”, mas, sim, de Deus, sendo inflexível e imutável. Todavia, mesmo sendo as leis humanas injustas por natu- reza, a elas todos devem se submeter. Isto porque Agostinho entende que a autoridade existe por um desígnio divino. Mesmo injustas, as leis terrenas devem ser aplicadas e seguidas, no intuito de se manter a ordem. 2.2. São Tomás de Aquino Santo Tomás, por sua vez, faz uma leitura cristã da filosofia de Aristóteles: há uma justiça universal estabelecida por Deus (em Aristóteles, era a justiça natural) e também utiliza do racio- nalismo aristotélico, quer dizer, busca explicar a existência de Deus com base em deduções lógicas. Há, assim, uma aproximação entre razão e fé – a razão melhora a fé, diferentemente de Agostinho, para quem a razão possuía pouca importância. Há espaço, portanto, para uma raci- onalidade da justiça – que, é claro, deriva de Deus. Em sua Suma teológica, Aquino apresenta-nos um tratado sobre as leis – sempre voltadas para a ideia de bem comum: 1. Lei eterna: lei de Deus, perfeita; a lei que tudo rege – o homem não a alcança; 2. Lei divina: intervenções de Deus na história para orientar os homens (ex.: os man- damentos) – o homem a alcança por meio da fé; 3. Lei natural: obra de Deus disposta na natureza, mas o ser humano é capaz de captá-la; alcançada pela razão humana; 4. Lei humana: lei natural que, depois de compreendida pela razão humana, é posi- tivada (escrita). No tocante à justiça, Tomás de Aquino utiliza as mesmas concepções de justiça aristoté- licas (justiça distributiva e corretiva). Pode-se reduzir a ideia do “dar a cada um o que é seu”. Esta questão, inclusive, já foi cobrada no exame da ordem. Tem-se, assim, a justiça geral ou em sentido amplo, a qual é dotada de princípios absolutos e estabelecida por Deus, e a justiça particular, que deriva da justiça geral e, tal qual em Aristóteles, divide-se em justiça distributiva e comutativa. A justiça distributiva também se dá na lógica meritória (igualdade proporcional), sendo aquela na qual o Estado daria bens aos indivíduos em uma relação vertical. A justiça comutativa, por sua vez, trataria das relações entre particulares sem uma relação de subordinação, logo, ho- rizontal e equilibrada (igualdade absoluta). 1ª Fase | 42° Exame da OAB Filosofia do Direito 9 3. Contratualismo Os autores a seguir analisados (Hobbes, Locke e Rousseau) buscam explicar o surgi- mento da entidade estatal ou, mais precisamente, o motivo de os homens abrirem mão de parte de sua liberdade, conferindo poderes a um grupo seleto de indivíduos – quer dizer, analisam o surgimento dos Estados e as relações de poder. Para tanto, todos partem de um mesmo ponto: um Estado de Natureza no qual o homem se encontrava antes do surgimento do Estado. 3.1. Thomas Hobbes O ponto de partida para Hobbes é o Estado de natureza, quer dizer, um momento anterior ao surgimento do Estado e da sociedade. Nesse momento, o autor entende que os homens, imbuídos de um forte senso de autopreservação, viviam num estado de guerra de todos contra todos, em que imperava a insegurança e o medo, razão pela qual afirmou ser o homem o lobo do próprio homem. Para romper esse estado de insegurança, os homens juntam-se e, por um ato de vontade, celebram o contrato social (que, como contrato celebrado, deve ser cumprido), pelo qual trans- ferem seus direitos e liberdades a outro homem, que passará a governar todos, criando meca- nismos para proteger o direito à vida. O Estado, portanto, deveria ser forte e com o poder centralizado. Logo, o autor defende a ideia de um Estado absolutista, pois seria o mais apto a impedir o retorno ao Estado de natureza. Nota-se, pois, que o direito passa a efetivamente surgir após a estrutura estatal estar consoli- dada. Ao súdito deste poder absoluto caberia, assim, o dever de obedecer aos comandos do soberano (ideia de liberdade dos súditos). 3.2. John Locke O Estado de natureza também é o ponto de partida, mas, diferentemente do modelo hobbesiano, para Locke o homem tende a ser bom e viver bem. Existem alguns direitos no Es- tado de natureza (direitos naturais), a saber: a vida, a propriedade privada, a liberdade. Tem-se, pois, a adoção de uma visão jusnaturalista, na qual já existiam direitos na natureza derivados da razão humana, mesmo antes do surgimento do Estado. O trabalho era o critério para a propriedade de terras. Eventualmente poderia haver dis- putas, configurando um estado de guerra temporário. Seria, portanto, interessante haver uma 1ª Fase | 42° Exame da OAB Filosofia do Direito 10 instituição para julgar as disputas, prevenir abusos, punir os que descumprem as leis naturais etc. Surge, assim, o contrato social e, com o consentimento das partes, há a cessãode direitos ao Estado com o intuito de se poder criar as próprias leis, um sistema coercitivo e instituir juízes imparciais. A ideia, portanto, é a de melhorar algo que já era bom. Assim, modelo de governo = democracia representativa; papel do Estado = garantia das liberdades individuais. Por fim, vale destacar o direito de defesa proposto por Locke. Para o autor, se o governo representante não garante à população os direitos de liberdade e a propriedade privada, o povo pode contra ele se insurgir. 3.3. Rousseau No Estado natural de Rousseau, o homem é bom; ele era solitário (grupo familiar, no má- ximo) e os indivíduos respeitavam a liberdade uns dos outros. O eventual crescimento populaci- onal acaba por instituir o chamado Estado de sociedade, no qual alguns homens tomam para si a propriedade, dando início a uma sociedade desigual e corrompida. As leis protegem os ricos etc. Há, portanto, a corrupção do homem pela sociedade. Não há liberdade, pois só alguns fazem as leis. O contrato social seria celebrado para sair desse Estado de sociedade para um novo mo- delo. Para isso, seria necessário romper a alienação inicial dos oprimidos e instaurar um modelo de democracia participativa pautada na ideia de vontade geral – entendida como o substrato das vontades coletivas; o interesse comum “norteando” a sociedade; o que cada homem quer em comum com seus semelhantes. 4. Teorias Éticas 4.1. Utilitarismo O utilitarismo foi uma corrente filosófica pragmática e consequencialista, isto é, estava preocupada com o resultado das ações, e não com os meios. Em outras palavras, o que importa são os fins obtidos, e não os meios utilizados para se chegar até eles. 1ª Fase | 42° Exame da OAB Filosofia do Direito 11 4.1.1. Jeremy Bentham Para Bentham, as ações são boas quando promovem a felicidade (ação moralmente cor- reta) e más, quando geram infelicidade (moralmente incorreta). Para melhor representar a teoria do autor, vale citar o seu princípio da utilidade: toda ação deve ser aprovada/rejeitada conforme tendência de aumentar ou reduzir o bem-estar (seu e geral). Deve-se, portanto, agir de forma a produzir uma maior quantidade de bem-estar. Ex.: cinco pessoas estão amarradas em um trilho de trem e uma pessoa em outro. Um indivíduo, puxando uma alavanca, pode escolher matar um ou cinco. Pela lógica utilitarista, deveríamos sempre escolher poupar cinco vidas, independentemente de quem fosse essa pessoa a ser sacrificada. Bentham trabalha a ideia, portanto, de quantidade de bem-estar/felicidade como critério para a justiça. 4.1.2. John Stuart Mill Trabalha também com a qualidade do prazer, não só a quantidade. Em outras palavras, entende que alguns prazeres têm mais valor do que outros, como os prazeres do pensamento, do sentimento e da imaginação, que resultam da experiência de apreciar a beleza, a verdade, o amor, a liberdade, o conhecimento, a criação artística. Assim, por exemplo, se uma grande man- são e uma pequena biblioteca estivessem pegando fogo, deve-se salvar primeiro a biblioteca por ser mais importante, mesmo que menor. Mill também é um crítico da chamada “ditadura das maiorias” – mostra que, num modelo democrático, muitas vezes é possível que o interesse de grupos majoritários seja prejudicial a grupos minoritários, os quais devem, portanto, ter seus direitos resguardados pelo Direito (ideia de caráter contra majoritário do âmbito de proteção). Ou seja, mesmo dentro do cálculo utilita- rista, Mill entende que violar direitos de uma minoria é pior para o todo. 4.2. Kantismo 4.2.1. Immanuel Kant Kant era iluminista, ou seja, buscava romper com a moralidade anterior que tolhia a liber- dade dos indivíduos. Para tanto, Kant vai tentar elaborar uma teoria da moralidade fundada na razão – caráter universal (vale para todo mundo). 1ª Fase | 42° Exame da OAB Filosofia do Direito 12 Em sua obra, Kant aborda a questão da ética da moral, bem como aspectos jurídicos e políticos, sobretudo sob a lógica de como orientar nossa ação. Nesse contexto é que o autor apresenta os imperativos. Estes (que são os princípios) podem ser tanto hipotéticos (inclinações – sede, fome, desejo etc.) como categóricos (baseados na razão). Nestes últimos, a ação passa a ser um fim em si mesma – é o certo a ser feito, é o puro dever. Transcrevendo os imperativos categóricos de Kant, temos: • “Age de modo que a tua ação possa se tornar uma lei universal.” • “Age de tal maneira que uses a humanidade, tanto na tua pessoa como na pessoa de qualquer outro, sempre e simultaneamente como fim e nunca como meio.” • As coisas possuem preço, as pessoas possuem dignidade. Ex.: Por que não mentir? Segundo o imperativo hipotético, alguém pode contar uma men- tira buscando evitar sofrimento, ou para se livrar de uma situação negativa. Pela lógica do impe- rativo categórico, o indivíduo não deve mentir, pois não é o correto; é inviável para uma ordem social que as pessoas mintam quando acreditarem que o podem fazer. Logo, o caráter universal – por meio da razão, o ser humano já consegue chegar a esta conclusão, não importa em qual cultura ele esteja inserido. Outrossim, a ação só estará conforme a moralidade, para Kant, caso eu não minta por não querer mentir; se eu não o faço em virtude de minha boa vontade, e não apenas por medo de uma punição. Logo, a boa vontade é elemento fundamental na ação moral – o indivíduo deve agir daquela forma pois ela é correta, independentemente dos fins. Em outras palavras, o agente, ao agir, precisa querer o resultado bom, e não agir apenas por interesse pessoal. A ação é boa independentemente dos fins que se alcançam com ela. Essa boa vontade, portanto, não deve ser afetada pelas inclinações, mas, sim, pela vontade de agir por dever. Exemplo de boa vontade: o comerciante que pratica preços justos por receio de que, caso cobre valores elevados, acabe perdendo clientes para os concorrentes. Embora o resultado seja a prática dos preços justos e em conformidade com os demais vendedores, a intenção do comerciante está moralmente maculada, pois não o faz pensando ser o certo, seu dever e obri- gação, mas tão somente para evitar seu prejuízo. Caso esse comerciante exerça preços justos motivado por uma noção de dever e obrigação moral, estará, portanto, imbuído de boa vontade. Isso não quer dizer que o homem não deva se preocupar com sua felicidade (os imperativos hipotéticos), a questão é que esta não pode ser considerada quando a questão permeia a esfera do seu dever moral. É esse agir que nos tornaria, portanto, dignos da felicidade. 1ª Fase | 42° Exame da OAB Filosofia do Direito 13 A lei, por sua vez, é algo cumprido pelo medo da coação, logo, é externa ao indivíduo. A boa vontade, por sua vez, é interna – a vontade de agir de forma ética está dentro do próprio sujeito. Por fim, temos que, para Kant, a justiça consiste em agir conforme o imperativo categó- rico, pois ao assim fazê-lo, estamos adequando nossa conduta a uma máxima universal benéfica para todos. 5. Teoria Geral do Direito A teoria geral do direito consiste no estudo dos principais conceitos jurídicos. Diferente dos demais autores que trabalhamos até agora, que via de regra debatiam sistemas filosóficos mais amplos dentro dos quais destacamos o que importa ao direito, os autores da teoria geral do direito buscam debater diretamente o ordenamento jurídico e suas particularidades. 5.1. Positivismo jurídico e jusnaturalismo O primeiro assunto a ser aqui estudado é o positivismo jurídico. O positivismo jurídico apresenta-se de diversas formas ao longo da história e por meio de diversas escolas. Para nossa prova, vale a pena destacar a escola da exegese, por ser a pioneira e por já ter sido diretamente cobrada no exame. Positivismo exegético é a tentativa de prever todas as condutas humanas nos códigos; a simples aplicação dasubsunção, ou seja, o fato amolda-se ao texto legal. O papel do juiz era o de “juiz boca de lei”, pois apenas identificava o fato e aplicava a lei sem qualquer interpretação. Tal modelo, todavia, logo foi entendido como insuficiente, pois impossível de se prever todas as condutas humanas em códigos. Para além do positivismo exegético, vale pontuar a ideia central das diversas correntes do positivismo: a ideia de direito como ciência, que recebe validade quando posto pela autoridade competente. Assim, se a lei foi criada pela autoridade devidamente incumbida de tal tarefa, e sub- metida ao devido processo legislativo de elaboração, tal lei é válida e eficaz, mesmo que grande parte da população a considere injusta ou insuficiente. Alguns autores, como Bobbio, ainda vão classificar o positivismo como uma espécie de ideologia, pois, além de uma teoria, no sentido em que descreve o direito, o positivismo também é uma forma de querer o direito – a noção do dever absoluto de se obedecer às leis. 1ª Fase | 42° Exame da OAB Filosofia do Direito 14 Já no que toca ao jusnaturalismo, temos a ideia de leis naturais que independem de leis positivas, ou seja, que existem regramentos na “natureza” e que o ser humano, sendo dotado de razão, compreende e segue. Por exemplo, é preciso estar escrito em um código penal que matar alguém é errado ou o ser humano é capaz de compreender, naturalmente, que tal prática é in- correta? 5.1.1. Hans Kelsen Kelsen abordou o direito como ciência: se existem leis que explicam a natureza e são válidas em todo o mundo, o direito também deveria ter validade objetiva e uma base universal (notamos aqui uma certa influência kantiana). Este aspecto é fundamental na compreensão da obra do autor: a separação do direito entre o que ele é na prática jurídica (ser) do que ele é como ciência (dever ser). Kelsen não se preocupa em trabalhar o conteúdo do direito, pois este é relativo (cada país tem leis diferentes, logo, impossível de se conceber bases universalmente válidas). Logo, direito não é aquilo que é justo, mas, sim, o que é posto por uma autoridade competente. O que Kelsen verifica ser universal é a estrutura do direito; sua manifestação normativa (dever ser); a relação de imputação que busca tornar válida/inválida uma conduta, entre outros aspectos. A seguir, alguns pontos importantes de sua teoria que aparecem na prova. 5.1.1.1. Modelo escalonado e norma fundamental O ordenamento jurídico, para Kelsen, obedece a uma ordem escalonada de validade. Quer dizer, as normas inferiores (sentenças, por exemplo) obedecem às normas (leis) e delas adquirem sua validade, recebendo, por sua vez, validade da norma superior (a Constituição). Assim, o que dá “validade” a um sistema jurídico? Sua Constituição. O que dá validade e objetividade a uma Constituição? A Constituição anterior. Mas como proceder diante desse re- torno infinito? Por meio da norma fundamental. A norma fundamental é fictícia; pressuposta (pelo intelecto, não pela vontade) – sem ela, o retorno infinito só seria explicado por questões alheias ao direito. A Constituição, por sua vez, dá objetividade e validade às normas gerais, que, por sua vez, darão objetividade e validade às normas individuais. A norma fundamental poderia, por exemplo, ser entendida como o comando de que “devemos seguir a Constituição Federal”, muito embora isto não esteja positivado em nenhum lugar – logo, pressuposta. 1ª Fase | 42° Exame da OAB Filosofia do Direito 15 5.1.1.2. Moldura e interpretação Kelsen aponta existirem duas espécies de indeterminação da lei: 1) Intencional (lei das alternativas a serem escolhidas. Ex.: trabalho comunitário ou prestação pecuniária); 2) Não intencional (plurissignificância das palavras). Para enfrentar os limites da in- terpretação, Kelsen imagina a figura de uma moldura de quadro, que representa o limite dentro do qual uma interpretação é válida, limite este estabelecido pelas pró- prias normas hierarquicamente superiores. A norma superior é igual à moldura (esfera de ação da norma inferior). Há, assim, dois momentos: 1) Determinação objetiva da moldura colocada pela norma superior, por meio de um ato cognoscitivo; 2) Escolha subjetiva, por meio de um ato de vontade, de uma das possíveis opções apresentadas pela norma superior para transformação em Direito positivo. Em outras palavras, primeiro o intérprete verificará os limites de aplicação impostos pelas próprias normas e, assim, decidirá, e qualquer coisa que decidir dentro desses limites configurará uma decisão válida. Todavia, caso o magistrado realize uma interpretação fora da moldura, esta também será direito, pois se trata de intérprete autêntico. O próprio Kelsen deixa claro em sua obra que, pela via da interpretação autêntica (quer dizer, pelo órgão jurídico que a tem de aplicar), também é possível se produzir uma norma que se situe completamente fora da moldura que a norma a ser aplicada representa. Por meio dessa interpretação, poder-se-ia, então, criar direito não só no caso em que a interpretação tem caráter geral, em que, portanto, existe interpretação autêntica no sentido usual da palavra, mas também no caso em que é produzida uma norma jurídica individual por meio de um órgão aplicador do Direito, desde que o ato deste órgão já não possa ser anulado, desde que ele tenha transitado em julgado. É notório que, pela via de uma interpretação autêntica deste tipo, é muitas vezes criado Direito novo, especialmente pelos tribunais de última instância. 1ª Fase | 42° Exame da OAB Filosofia do Direito 16 5.1.1.3. Kelsen versus Schmitt: quem deve ser o guardião da Constitui- ção? Temática que ainda não foi cobrada, mas que se mostra pertinente, sobretudo em virtude de sua popularidade acadêmica, é o debate travado entre Hans Kelsen e Carl Schmitt a respeito de quem deveria ser o guardião da Constituição. Para Schmitt, a Constituição possui uma conotação política (sendo a soma dos poderes reais), de modo que este caráter político se sobreporia ao caráter jurídico. Assim, seu guardião deveria ser um órgão apto a manter esse seu caráter, portanto, o Presidente, eleito democrati- camente. Já Kelsen entendia que o guardião da Constituição deveria ser um órgão autônomo, com a tarefa exclusiva de efetuar o controle de constitucionalidade concentrado, ou seja, um Tribunal Constitucional. Tal Tribunal não possuiria nenhum vínculo com qualquer outro poder e seria de- rivado da própria Constituição, portanto, independente, e teria o poder de anular normas disso- nantes do sistema constitucional. Num primeiro momento, a visão de Carl Schmitt foi dominante, sendo, inclusive, adotada pelo regime nazista alemão. Todavia, após a Segunda Guerra Mundial, praticamente todos os países passaram a adotar o modelo kelseniano de Tribunais Constitucionais, cada um, é claro, com suas particularidades tanto no funcionamento como no próprio sistema jurídico, como o brasileiro, que permite também o controle difuso de constitucionalidade realizado por juízes de qualquer instância. 5.1.2. Herbert Hart O que interessa da teoria de Hart para se enfrentar a prova de filosofia do direito reside na distinção apontada pelo autor sobre as normas e na questão da indeterminação legislativa. Inicialmente, o autor, um dos mais importantes positivistas, entende que um ordenamento jurí- dico é composto de um sistema de normas primárias e secundárias: Veja o esquema na página a seguir... 1ª Fase | 42° Exame da OAB Filosofia do Direito 17 As normas secundárias dividem-se em: a) Modificação: disciplinam mecanismos para modificação, revogação ou introdução de uma norma primária; b) Julgamento: que outorgam a determinadas pessoas poder de julgar violações das normas primárias; c) Reconhecimento – legitima o sistema das normas primárias – aceitação social da norma,logo, questão fática, não normativa. Atenção especial a esta última infor- mação, pois já foi cobrada: no momento em que se fala de aceitação social da norma, abre-se espaço para juízos valorativos no universo do direito, razão pela qual o positivismo de Hart é chamado de soft (brando). Outro ponto relevante para a prova abordado por Hart é a questão da textura aberta do direito, que ocorre por dois motivos: 1) Imprecisão linguística na descrição de uma norma, prejudicando o método da sub- sunção e do silogismo; 2) Impossibilidade de prever todas as condutas possíveis. Para o primeiro caso, Hart utiliza como exemplo uma norma que proíbe o ingresso de veículos automotores em determinado local, mas, conforme novas tecnologias se desenvolvem, exsurge a questão acerca de se novos inventos de locomoção se enquadram na categoria de veículos automotores. Muito embora exista tal indeterminação, ainda há grande margem de segurança na maio- ria dos casos, quer dizer, as normas apresentam noção de sentido. Essa noção de sentido é um núcleo de sentido fixo, o que, segundo Hart, afasta a ideia de que o direito é o que os juízes 1ª Fase | 42° Exame da OAB Filosofia do Direito 18 dizem. Assim, a discricionariedade estaria em um plano intermediário entre arbitrariedade e apli- cação literal da lei. 5.1.3. Norberto Bobbio Norberto Bobbio, em sua obra Teoria do ordenamento jurídico, destaca que um ordena- mento precisa, para sua devida manutenção, de três elementos: 1) Unidade: norma fundamental que funda e sustenta o sistema normativo; 2) Coerência: ordenamento sistemático – ideia de relação entre as normas; 3) Completude: possibilidade de que todo caso seja resolvido pelo ordenamento. É neste último ponto que a Fundação Getúlio Vargas (FGV) tem insistido na prova: nas lacunas e nas antinomias. Lacunas podem ser: • Próprias: espaço vazio no sistema; • Impróprias: originam-se da comparação do sistema real versus ideal (ex.: a lei so- bre aborto brasileira é injusta se comparada com a legislação alemã sobre o tema). As lacunas próprias podem ser resolvidas por meio da: 1) Heterointegração: busca-se alternativa em ordenamento diverso – direito natural, in- ternacionais, costume, doutrina etc. 2) Autointegração: busca-se alternativa dentro do ordenamento (analogia, princípios ge- rais do direito, interpretação extensiva). A analogia é utilizada naquelas situações não reguladas de forma expressa pelo legisla- dor, momento no qual se devem buscar regras previstas para casos semelhantes, estendendo- se o alcance. Princípios gerais de direito são aqueles postulados genéricos que, muitas vezes, dão fun- damento às regras inferiores de um ordenamento jurídico. Importante lembrar que eles fazem parte do ordenamento, muito embora nem sempre estejam positivados em um texto. Interpretação extensiva é aquela na qual se parte de uma norma e se procura estabelecer seu significado e sua abrangência, quer dizer, nos casos em que o legislador disse, no texto, menos do que tinha a intenção de dizer. A ideia, portanto, é a de se buscar a real intenção do legislador na hora da aplicação. 1ª Fase | 42° Exame da OAB Filosofia do Direito 19 As lacunas impróprias só podem ser solucionadas pelo próprio Poder Legislativo, já as antinomias são duas normas válidas e vigentes incompatíveis entre si. Elas podem ser: 1) Aparentes/solúveis – critérios de solução: • Critério cronológico: havendo duas normas incompatíveis, prevalece a norma pos- terior; • Critério hierárquico: havendo duas normas incompatíveis, prevalece a hierarquica- mente superior; • Critério da especialidade: havendo duas normas incompatíveis, uma geral e outra especial (ou excepcional), prevalece a segunda. 2) Reais/insolúveis – incompatibilidade, “impossível” de resolver: outro tema traba- lhado pelo autor é a questão da sanção no âmbito do direito. Para Bobbio, a sanção pode ser moral (aquela que obriga a consciência dos destinatários da norma, produzindo um sentimento de culpa), social (aquela que resulta dos costumes e da vida em sociedade, objetivando tornar o convívio social mais fácil) e a sanção jurídica (criada para casos de violação de regras estipula- das pelas leis e aplicada por pessoas já determinadas), ou seja, trata-se de sanção devidamente institucionalizada. 5.2. Rudolf Von Ihering Para Rudolf von Ihering, Direito e força confundiam-se, porquanto o Direito se tornaria vazio na medida em que desprovido de força. Em outras palavras, o autor afirma que o direito precisa possuir mecanismos de coação para ser efetivo; é necessário que existam sanções e todo um aparato que possibilite a implementação do direito. Outro ponto explorado pelo jurista é a ideia de luta pelo Direito e de o direito ser uma força viva (sofre modificações). A paz é o fim que o direito almeja, a luta é o meio. Luta dos povos, Estado, classes, indivíduos etc. Assim, os direitos não surgem espontaneamente na cabeça dos legisladores, mas precisam sempre ser reivindicados pela população. Ex.: os movimentos de mulheres que foram às ruas para conquistar o direito ao voto no início do século XX; o movimento LGBT, que vem conquistando bastante espaço, com a regula- mentação da união estável e do casamento entre pessoas do mesmo sexo. 1ª Fase | 42° Exame da OAB Filosofia do Direito 20 5.3. Teoria tridimensional do direito de Miguel Reale Sobre Reale, interessa-nos conhecer sua teoria tridimensional do direito, que une os prin- cipais aspectos de três correntes jurídicas: 1) Normativistas: leis deveriam ser compreendidas pelo seu valor intrínseco, afas- tando aspectos alheios na hora da interpretação. Direito, portanto, é norma; 2) Sociologismo: leis como um produto de seu tempo e espaço (eficácia e necessi- dade de uma lei, por exemplo). Direito, assim, é fato; 3) Moralismo: verificar se a lei é justa ou não e se é socialmente aceita. Para essa corrente, direito é valor. Para Reale, todas estão corretas. Cria, assim, a teoria tridimensional do direito, na qual os elementos (norma, valor e fato) se implicam e se exigem de forma recíproca, resultando na interação dinâmica e dialética dos três elementos. Temos, assim, a Dialética da complementaridade – norma, fato e valor correlacionam-se (interagem um sobre o outro), de tal modo que cada um deles se mantém irredutível ao outro e distinto, mas se exigindo mutuamente, o que resulta na origem da estrutura normativa como momento de realização do direito. Exemplo 1: art. 121 do CP. O artigo determina que matar alguém resulta em uma pena corporal – há, assim, uma imputação. O valor perseguido é o valor vida, que se entende como bem tutelado por aquela sociedade naquele momento. Exemplo 2: um título de crédito é um documento previsto na legislação e que regulamenta um fato de ordem econômica (as relações comerciais muitas vezes operam por meio de títulos de crédito) e há, por trás disso, um valor, consistente no pronto pagamento do débito contraído. 5.4. Regras e princípios: Ronald Dworkin Dworkin traz a ideia de direito como integridade, ou seja, legitimar uma decisão judicial que considere todos os aspectos fáticos, normativos e morais relevantes para a solução do caso. Com isso, cria as condições para impedir a discricionariedade do intérprete, pois a magnitude da tarefa não deixa margem a escolhas arbitrárias. Defende, assim, a ideia de uma única e melhor decisão possível para cada caso. Como a tarefa de encontrar a decisão mais adequada para cada caso é muito árdua, Dworkin cria um juiz imaginário, inspirado na mitologia de Hércules, como uma espécie de mo- delo a ser seguido pelos juízes na tarefa de decidir questões jurídicas. 1ª Fase | 42° Exame da OAB Filosofia do Direito 21 Contudo, o ponto mais explorado de Dworkin em provas é a diferença entre regras e prin- cípios. Há que se lembrar, primeiramente,que nos modelos positivistas clássicos, como o de Hart, existia tão somente a figura da regra, sendo o direito, assim, um sistema fechado. Com o novo constitucionalismo pós-guerra, abriu-se espaço para questões morais por meio dos princí- pios. Norma jurídica, portanto, é gênero, e regra e princípios, espécie. Princípios são mandados de otimização: ordens para que algo seja realizado ao máximo possível de acordo com as circunstâncias fáticas e possíveis – cumprimento gradual conforme as possibilidades (ex.: direito à saúde, previsto na Constituição, em seu art. 196 diz que tem que fazer ao seu máximo, mas são as regras que estabelecerão as peculiaridades). É, contudo, pos- sível aplicar os princípios diretamente. Estão sempre em rota de colisão a prevalência sempre se dá diante do caso concreto por juízo de ponderação – o que sucumbiu não deixa de existir. A tabela a seguir apresenta algumas outras diferenças entre princípios e regras: REGRAS Mandado de de- terminação (me- nos abstrato). Aplicadas ao modelo tudo ou nada (aplica ou não aplica – sub- sunção). É possível numerar todas as exceções de uma regra (que já vêm previstas na própria regra – ex.: legítima defesa). Uma regra exclui a outra. PRINCÍPIOS Mandado de oti- mização (aplicar ao máximo possí- vel). Aplicados na dimen- são do peso/impor- tância – prevalecem em detrimento a ou- tro, em alguns casos – logo, não são mais importantes só na- quele caso. Aplicam-se por pon- deração. Um princípio não é exceção a outro. Exemplo da ponderação de princípios encontra-se na própria ementa da ADPF n° 130. Ponderação diretamente constitucional entre blocos de bens de personalidade: o bloco dos direitos que dão conteúdo à liberdade de imprensa e o bloco dos direitos à imagem, honra, intimidade e vida privada. Precedência do primeiro bloco. Incidência a posteriori do segundo bloco de direitos, para o efeito de assegurar o direito de resposta e assentar responsabilidades penal, civil e administrativa, entre outras consequências do pleno gozo da liberdade de imprensa. Peculiar fórmula constitucional de proteção a interesses priva- dos que, mesmo incidindo a posteriori, atua sobre as causas para inibir abusos por parte da imprensa. Proporcionalidade entre liberdade de imprensa e responsabilidade civil por danos morais e materiais a terceiros (STF, ADPF no 130/DF – rel. Carlos Britto – j. 30-4- 2009). 1ª Fase | 42° Exame da OAB Filosofia do Direito 22 No julgado, percebe-se como o STF entendeu que o bloco dos direitos da liberdade de imprensa possui precedência sobre o bloco dos direitos da personalidade. Contudo, estes últi- mos ainda permanecem na relação, protegendo as partes de eventuais abusos. 5.5. Neil MacCormick A banca tem abordado o tema da argumentação explorado pelo autor. Segundo MacCor- mick, a decisão judicial precisa possuir critérios adequados de fundamentação, sendo papel do juiz nos convencer de que ela é correta. Para tanto, defende a validade do processo lógico- dedutivo (silogismo) nas decisões mais simples, pois confere uma ideia de racionalidade e im- parcialidade, e a aplicação da argumentação nos processos mais difíceis (nos quais o silogismo é insuficiente). A argumentação se da na adoção de soluções interessantes para os jurisdicionados bem como adequadas com o sistema jurídico. Isso seria possível adotando-se critérios como univer- salidade (imparcialidade); consistência (ausência de contradições); coerência (harmonização da solução com o sistema jurídico); e consequência (análise da solução argumentativa, pois tal de- cisão passa a virar um parâmetro para outras futuras). Dessa forma, a argumentação permite que os magistrados decidam adequadamente em casos em casos difíceis, sem se utilizar da discricionariedade. 6. Teorias Políticas/Sociais 6.1. Montesquieu O autor aponta, em seus estudos, os tipos de governo e em qual princípio se baseiam: despotismo (medo)/República (virtude)/Monarquia (honra). Quanto a este último, trata-se, con- tudo, de uma monarquia regida por leis. Esse modelo defendido por ele introduz a ideia de tri- partição de poderes, sendo inspirado no inglês. As leis decorrem da realidade social e histórica de um povo: não há justo ou injusto, mas, sim, uma situação do que é adequado naquele con- texto. Dentro do contexto da monarquia inglesa: liberdade é fazer tudo o que as leis permitem. Em “O espírito das leis”, Montesquieu não parte do pressuposto da existência de um Di- reito natural, inato ao ser humano, captado pela razão. Rejeita esse argumento porque as leis, de fato, não se fundamentam na razão humana; pelo contrário, elas derivam de circunstâncias naturais sob a influência de determinados fatores físicos e morais. 1ª Fase | 42° Exame da OAB Filosofia do Direito 23 Por fim, Montesquieu trabalha com a ideia da separação de poderes, que persiste até o modelo atual. Para o pensador, executivo, legislativo e judiciário precisam ser órgãos indepen- dentes e autônomos, cada um limitando a esfera de atuação do outro. Com isso, evitar-se-iam a centralização do poder e os eventuais abusos. 6.2. Hannah Arendt A questão dos apátridas em contextos de totalitarismo: tanto a Primeira como a Segunda Guerra resultaram, entre outros aspectos, em fluxos muito grandes de pessoas de uma região para outra. Essas pessoas, fugindo dos conflitos ou de perseguições de cunho ideológico, esta- vam em países estranhos, na qualidade de apátridas, não sendo titulares, portanto, de direitos (direitos humanos em especial). A autora destaca, portanto, a importância do direito a se ter direitos, o que muitas vezes implica pertencer a determinada comunidade que o aceite (o apá- trida) e garanta seus direitos. 6.3. Michel Foucault Para a prova da OAB, cabe conhecermos a obra Vigiar e Punir, na qual Foucault faz uma análise (e crítica) inédita sobre criminologia e o sistema carcerário. O autor inicia descrevendo a aplicação das penas durante o século XVIII e anteriores, durantes os quais era aplicado o suplício - aplicação pública de penas violentas para que toda população visualizasse o sofrimento do apenado (torturas, execuções, etc). Contudo, em certo momento, isso muda: a sociedade passa a aplicar penas de prisão em massa, abandonando a pena violenta e adotando a pena do afas- tamento e de regulação das condutas. Mas por qual motivo? Para o autor, essa mudança não se deu por benevolência ou por razões humanísticas, mas sim é a manifestação de um novo tipo de poder (disciplinar) que busca eficácia. A ideia não é punir diretamente o crime, mas sim “adestrar” o indivíduo. Isso porque o suplício passou a despertar “simpatia” pelo condenado torturado, logo, era improdutivo e gerava problemas para o poder estabelecido. A meta da prisão virou a eficiência; um controle muito maior sobre o sujeito que vai além do controle sobre o corpo. Cuida-se de medida de controle sobre o indivíduo no qual lhe é apli- cada a disciplina para gerar “corpos dóceis”. Foucault destaca que o poder disciplinar possui ferramentas neste processo: a vigilância hierárquica, a sanção e o exame. A vigilância consiste no adestramento por meio de “olhares” que induzem o indivíduo a agir de tal forma - a ideia da constante vigilância (podemos citar a ideia do Panóptico - estrutura 1ª Fase | 42° Exame da OAB Filosofia do Direito 24 na qual o vigilante não pode ser visto, fazendo com que os vigiados sempre estejam com medo de estar sendo vigiados). A sanção consiste na constante adequação/correção do comporta- mento do indivíduo na busca pelo padrão (o cidadão ideal, sujeito normal, etc). O exame - cons- tante avaliação do sujeito ao fim de se analisar e categorizar sua adequação A ideia não é mais controlar através da força, mas sim o exercício de um controle invisível e disciplinar muito mais eficaz. O intuito do poder disciplinar tem como principalobjetivo a do- mesticação e adequação do sujeito em uma lógica corretiva de padronização. 1ª Fase | 42° Exame da OAB Filosofia do Direito 25