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O C Â N O N B ÍB L IC O
A Origem da Lista dos L ivros Sagrados
Prof. Alessandro L im a
Prof. Alessandro Lima
O CÂ N ON BÍBLICO
A O rigem da Lista dos L ivros Sagrados
Brasília, 2007
© Copyright by Alessandro Ricardo Lima, 2007
Contato com o autor: alessandro@veritatis.com.br ou
arlima® gmail .com
Revisão: Carlos Martins Nabeto e Solange Maria Corrêa Brant de
Sá.
LIMA, Alessandro Ricardo. 1975
O Cânon Bíblico: A Origem da Lista dos Livros Sagrados.
Brasília, DF: 2007.
(Ia . edição, 125 páginas)
Bibliografia.
Registrado na Fundação Biblioteca Nacional sob o no.
392.227, Livro 729, íls. 387.
1. Cristianismo; 2.Bíblia; 3.História da Igreja;
4. Patrística. I. Título.
CDD - 220.95
índices para Catálogo Sistemático:
1. Bíblia: Eventos, História 220.95
2. Antiguidade Bíblica 220.93
3. Bíblia: Introdução 220.07
4. História da Igreja 281.1
5. Patrística 281.1
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(ai I igos 102. 103 parágrafo único, 104. 105, 106 e 107 itens 1. 2 e 3. da Lei n” 9.610. de
10.00.1998 (Lei dos Direitos Autorais]).
mailto:alessandro@veritatis.com.br
“M u itos em preenderam com por um a h istória dos acon tecim en
tos que se rea lizaram entre nós, com o no-los transm itiram aque
les qu e fo ra m desde o p rin c íp io testem unhas ocu lares e que se
to rnaram m in istros da palavra. Tam bém a m im m e p a receu
bem, depois de haver d iligen tem ente investigado tudo d esd e o
princíp io , escrevê-los p a ra ti segundo a ordem ” (Lc 1,1-3).
S U M Á R I O
Sobre o autor..............................................................................................7
Apresentação..............................................................................................9
Introdução.................................................................................................11
Capítulo 1. Qual é o conjunto dos Livros Canônicos?..................................... 13
Capítulo 2. A Septuaginta ou Versão dos Setenta (LXX)...................................17
Capítulo 3, As Escrituras Sagradas utilizadas no tempo de Jesus.................... 21
Capítulo 4. O Cânon de Jâmnia.................................................................. 27
Capitulo 5. Quais foram os livros considerados canônicos pelos primeiros
cristãos?...................................................................................................'39
Capítulo 6. Cânon das Escrituras Sagradas começa a se estabelecer na Igreja. .. 79
Capítulo 7. A Reforma, o Concilio de Trento e as Igrejas Ortodoxas..................91
Capítulo 8. Por que um Cânon Bíblico para os cristãos?................................. 97
Capítulo 9. Uma Análise Sobre os Deuterocanônicos do AT............................101
Conclusão............................................................................................... 107
APÊNDICE I - Influências dos livros Deuterocanônicos do AT no NT............... 111
Referências Bibliográficas.......................................................................... 119
S o b r e o A u t o r
A lessandro R. Lima, casado e pai, nasceu em Brasília/DF.
Vindo de uma família de classe média de quatro filhos, o pai
(falecido) funcionário público e mãe dona de casa.
Formado em Tecnologia em Processamento de Dados pela
União Educacional de Brasília (UNEB/DF) e pós-graduado em Ge
rência de Projetos em Engenharia de Software pela Universidade
Estácio de Sá/RJ. Trabalha como Professor Universitário e Consul
tor de Engenharia de Software.
Desde 1999 dedica-se ao estudo da Fé Cristã dos primeiros
séculos; pelo qual foi levado a deixar o protestantismo e ingressar
na Igreja Católica, no final de 2000.
Em 2002, juntamente com Carlos Martins Nabeto fundou o
apostolado católico Veritatis Splendor (http: / /www.veritatis.com.br)
- considerado um dos maiores sítios católicos em língua portugue
sa - onde desde então, além das suas atribuições familiares e secu
lares, dedica-se à publicação de artigos referentes ao Cristianismo
primitivo e à defesa da Fé Católica nas questões mais difíceis.
7
http://www.veritatis.com.br
I n t r o d u ç ã o
A palavra “cãnon” vem do grego kanóni e significa “régua” ou
“cana [de medir]”. A cana era usada pelos antigos como ins
trumento de medição. Desta forma, os cânones em sentido religioso
são as réguas que devem ser usadas para medir a vida, isto é, guiar
o fiel em sua vida religiosa.
O Cãnon Bíblico é a lista dos livros sagrados que compõe a
Bíblia Cristã. Esta lista também é chamada de lista canônica ou
lista dos livros canônicos (=livros autorizados).
A Palavra “Bíblia” vem do grego “biblos" que significa bibliote
ca. Assim, a Bíblia é uma “biblioteca”, porque é composta por um
conjunto de livros que os cristãos crêem serem inspirados por Deus.
A redação dos livros sagrados começou por volta do séc. XV a.C. e
somente se encerrou no final do séc. I d.C.
Ao contrário do que muitos pensam, a Bíblia Cristã organiza
da como um único livro, não foi assim entregue pelos Apóstolos.
Antes que fosse possível reunir os livros sagrados em um úni
co volume, foi necessário saber quais eram esses livros.
A Sagrada Escritura em nenhum lugar define a sua lista de
livros sagrados; o índice por si mesmo também não é um “rol” ins
pirado, mas uma criação humana visando facilitar a localização
dos diversos livros sagrados existentes nessa “biblioteca” chamada
Bíblia. Embora, alguns pesquisadores defendam a existência de
um cãnon bíblico judeu, já fixado depois do tempo do profeta Esdras,
não havia nos primeiros séculos da Era cristã um consenso sobre
quais livros de tradição hebraica deveriam ser considerados
canônicos (AT1) . A mesma dúvida pairou sobre alguns livros da lite
ratura cristã (NT2).
Desta forma, nos primeiros séculos, alguns livros eram acei
tos por toda a Igreja, enquanto outros tinham sua inspiração con-
11
(estada ou posta em dúvida. Por esta razão, alguns livros que hoje
se encontram na Bíblia, só foram considerados canônicos mais tar
de. Considerando tudo isto, os livros canônicos que compõe a Sa
grada Escritura Cristã são classificados quanto ao reconhecimento
de sua canonicidade como: protocanônicos e deuterocanônicos.
Os protocanônicos (proto=primeiro, canônicos=autorizados)
são aqueles que jamais tiveram sua canonicidade contestada, isto
é, são aqueles que sempre foram considerados inspirados por Deus.
Os deuterocanônicos (deut.ero=depois, canônicos=autorizados) são
aqueles que foram considerados canônicos mais tarde, pelo fato de
ter havido inicialmente alguma dúvida quanto à sua inspiração e
conseqüente canonicidade. Há ainda aqueles que inicialmente fo
ram considerados canônicos e posteriormente não, incrementando
assim o conjunto dos livros “apócrifos”3.
Existem livros protocanônicos e deuterocanônicos tanto para
o AT quanto para o NT. Normalmente são relacionados como
deuterocanônicos do AT: Tobias, Judite, Sabedoria, Sabedoria de
Sirac (ou Sirácida) ou Eclesiástico, Baruc (ou Baruque), 1 e 2
Macabeus. Como veremos mais adiante, a inclusão do livro de Baruc
neste conjunto parece ser equivocada, da mesma como é também
equivocada a não inclusão do livro de Ester.
Também sãose servem f../’39 (ORIGINES, 2004).
Este trecho é de sua Carta a Júlio Africano40, onde Orígenes
defende a canonicidade dos acréscimos ao Livro de Daniel, que mais
(arde serão defendidos também por São Jerônimo. Os judeus de
Jâmnia recusaram estes acréscimos em seu Cânon.
Quanto ao NT escreve:
“Conforme aprendi da tradição sobre os quatro Evangelhos, os
únicos também indiscutíveis na Igreja de Deus que há sob os céus,
fo i escrito em primeiro lugar o evangelho segundo Mateus; este ante
riormente fora publicano e depois Apóstolo de Jesus Cristo. Ele o
editou para os fié is vindos do judaísmo, redigindo-o em hebraico. O
Segundo é o Evangelho segundo Marcos, que escreveu conforme as
narrações de Pedro, o qual o nomeia seu filho [segundo o espírito] na
carta católica, nesses termos: 'A que está em Babilônia [Roma], eleita
como vós, vos saúda, como também Marcos, o meu f ilh o ’ [c f lP d
!>, 13]. E o terceiro é o Evangelho segundo Lucas, elogiado por Paulo
:/ Na maioria das listas canônicas, Isaías era m encionado logo depois dos 12 Profetas.
Nas Biblias Católica e Ortodoxa, a Epístola de Jerem ias é apêndice de Baruc, m antendo
assim a organização original conform e consta na Septuaginta.
111 Fragmento traduzido pelo autor.
111 Escritor cristão do séc. III. Nascido em Jerusalém , viveu em Roma e em Alexandria,
47
[cf. 2Cor 8,18-19; 2Tm 2,8; Cl 4,14] e composto para os fié is proveni
entes da gentilídade. Enfim, o Evangelho segundo João" (Ibid., p.
313).
Pelo testemunho de Orígenes os 4 Evangelhos são reconheci
dos como canônicos em toda Igreja (“os únicos também indiscutíveis
na Igreja de Deus que há sob os céus"). Estas palavras testemu
nham haver a inda ou tros evan ge lh os , no en tan to não
consensualmente aceitos.
Ainda sob a estreita de Eusébio:
“No quinto livro dos Comentários ao Evangelho segundo João,
o mesmo Orígenes declara o seguinte acerca das Epístolas dos após
tolos: ‘Paulo, digno ministro do Novo Testamento, não segundo a le
tra, mas segundo o espírito, depois de ter anunciado o evangelho
desde Jerusalém e suas cercanias até o Ilírico [cf. Rm 15,19], não
escreveu a todas as Igrejas que ele havia instruído; mesmo àquelas
que escreveu, enviou apenas poucas linhas" (Ibid. p. 313).
Aqui Orígenes reconhece como canônicas as cartas paulinas,
embora não cite quais são. Quanto à controversa carta aos Hebreus,
registrou Eusébio:
“Finalmente, extema-se da seguinte maneira sobre a Carta aos
Hebreus, nas Homilias proferidas a respeito desta última; ‘O estilo
da epístola intitulada Aos Hebreus carece da marca de simplicidade
de composição do Apóstolo, que confessa ele próprio ser imperito no
falar, isto é, no fraseado [cf. 2Cor 11,6]; no entanto, a carta é grego
do melhor estilo, e qualquer perito em diferenças de redação o reco
nheceria. Efetivamente, os conceitos da Epístola são admiráveis e
em nada inferiores aos das genuínas cartas apostólicas. Há de con
cordar quem ouvir atentamente a leitura das cartas do Apóstolo’. Mas
adiante [diz Eusébio], [Orígenes] adita essas afirmações: ‘Mas, para
exprimir meu próprio ponto de vista, diria que os pensamentos são
do Apóstolo, enquanto o estilo e a composição originam-se de alguém
que tem presente a doutrina do Apóstolo, e por assim dizer, de um
redator que escreve as preleções de um mestre. Se, portanto, uma
Igreja tem por certo que a carta provém do Apóstolo [Paulo], felicito-a,
pois não será sem fundamento que os antigos a transmitiram como
sendo da autoria de Paulo. Entretanto, quem escreveu a carta? Deus
o sabe. A tradição nos transmitiu o parecer de alguns de ter sido
redigida por Clemente, bispo de Roma [e discípulo de Pedro e Paulo],
outros opinam ter sido Lucas, o autor do Evangelho e dos Atos”' (Ibid.,
p. 314).
Como podemos ver, embora seja controversa a autoria da Carta
aos Hebreus, Orígenes não só a. considerava canônica, como afirma
que este é o mesmo parecer dos presbíteros que o antecederam.
Observem que quanto ao livro dos Atos dos Apóstolos, Orígenes
apenas mostra que o conhece, mas não emitiu seu parecer quanto
ã canonicidade do livro.
Ainda sob a pena de Eusébio, sobre os outros livros afirma
Orígenes:
“Pedro, sobre quem está edijicada a Igreja de Cristo, contra a
qual não prevalecerão as portas do inferno [cf. Mt 16,18], deixou
apenas uma carta incontestada, e talvez ainda outra, porém contro
vertida” (Ibid., p. 313).
Orígenes não só reconhece a canonicidade da primeira epís
tola de São Pedro, como declara que o mesmo é o parecer comum
da Igreja em seu tempo. E quanto à segunda Epístola que hoje se
encontra em nosso cânon, ele afirma que não é aceita por todos.
Identificamos então o terceiro livro deuterocanônico do NT.
Orígenes continua:
“Que dizer de João, que reclinou sobre o peito de Jesus [c f Jo
13,25; 21,20], deixou um evangelho, assegurou ser-lhe possível com
por mais livros do que poderia o mundo conter [cf. 21,25], e escreveu
o Apocalipse, mas recebeu a ordem de se calar e não escrever as
mensagens das vozes das sete trombetas [cf. Ap 10,4]?’ (Ibid., p.
313-314).
Aparece aqui afirmar a canonicidade do Apocalipse de João.
Ainda:
“Legou-nos também uma Carta de muito poucas linhas e talvez
outra e ainda terceira, pois nem todos admitem que estas sejam au
tênticas; aliás, as duas juntas não abrangem cem linhas" (Ibid., p.
314).
Quanto às cartas de São João Apóstolo e Evangelista, Orígenes
diz que comumente era reconhecida como canônica somente a pri
meira carta. Ainda não havia na Igreja antiga um parecer comum
quanto à canonicidade das outras duas. Identificamos aqui mais
49
dois livros deuterocanônicos do NT: a segunda e terceira epístola de
São João.
3. Dionísio de Alexandria
Antes de sua eleição como Bispo de Alexandria em 248, sua
vida é um mistério. No início de seu Ministério, o Império Romano
empreendeu uma grande perseguição aos cristãos, e em 249 sob o
Imperador Décio foi obrigado a fugir para do deserto da Líbia. Mor
reu enfermo e com idade avançada em 265.
Segundo Eusébio, Dionísio reconhecia como canônicos o Evan
gelho de João e a primeira carta (Ibid., p. 373-374). Dionísio dá
testemunho que alguns de seus predecessores não recebiam como
canônico o livro do Apocalipse:
“Alguns dos nossos predecessores rejeitaram e repeliram intei
ramente este livro. Criticaram-no capítulo por capítulo, declarando-o
ininteligível, ilógico e falsamente intitulado. Afirmam, de fato, não
provir de João, nem ser uma revelação, porque completamente ocul
ta sob o véu espesso do incognoscível" (Ibid.).
Os antigos presbíteros de Alexandria duvidavam até que o
livro fosse de autoria de São João, atribuindo-lhe ao herege Cerinto
a autoria do livro:
“[...] o autor não seria um dos apóstolos, nem mesmo um dos
santos ou membros da Igreja, e sim Cerinto, o fundador da heresia
cerintiana, nome derivado do seu, o qual procurou dar sua produção
um nome digno de crédito" (Ibid., p. 374).
No entanto, Dionísio prefere não duvidar da canonicidade do
livro:
“No entanto, não ouso rejeitar este livro que muitos irmãos
apreciam, mas ju lgando que suas concepções ultrapassam meu
entendimento, suponho ter cada passagem, de certo modo, signi
f ica d o ocu lto e maravilhoso. D e fa to , se não o compreendo, ao
menos suspeito existir sob as palavras um sentido mais profun
do. Não meço, nem aprecio segundo meus próprios raciocínios;
mas, atribuindo prioridade à fé , penso tratar-se de realidades
elevadas demais para serem aprendidas por mim e não rejeito o
que não compreendo, mas admiro-o tanto mais quanto não o con
templei" (Ibid.).
50
Dionísio duvidava apenas que o Apocalipse fosse de autoria
do Santo Apóstolo João:
"Por conseguinte, que ele [o autor do livro1 se chame João e este
escrito se origine de João, não direi o contrário e concedo que se trata
de homem santo e inspirado por Deus. Mas, não concordo facilmente
que seja o apóstolo, filho de Zebedeu, irmão de Tiago, de quem são o
Evangelhointitulado Segundo João e a carta católica [a primeira car
taI' (Ibid., p. 375).
Não conseguimos colher outros testemunhos relacionados ao
período do séc. III. De qualquer forma, é claro notar que ainda nes
te período o cânon bíblico cristão não estava definido, e a dúvida
acerca da canonicidade de alguns livros ainda permanecia.
Testemunhos do séc. IV
1. Eusébio de Cesaréia
Eusébio nasceu entre 260 e 264, provavelmente em Cesaréia
na Palestina. Dedicou-se em cuidar da biblioteca de Cesaréia, fun
dada por Orígenes, bem como aos estudos bíblicos, motivo pelo
qual empreendeu várias viagens a Antioquia, Cesaréia de Filipe e
Jerusalém. Sofreu a perseguição do Imperador Diocleciano, obri
gando-se a fugir para Tiro e Tebaída no Egito. Depois do Edito do
Imperador Teodósio41 em 314, voltou ã igreja de Cesaréia onde foi
nomeado Bispo. Participou do Concilio de Nicéia e foi um dos Pa
dres da Igreja que muito lutou para que a fé de Nicéia fosse aceita
em toda a Igreja contra a heresia ariana. Foi também conselheiro e
confidente do Imperador Constantino durante todo seu mandato, e
após a morte deste escreveu a sua biografia. Além de grande defen
sor da legítima Fé Cristã, também se destacou como historiador da
Igreja, cuja obra “História Eclesiástica” até hoje é usada como refe
rência para se colher dados sobre os acontecimentos dos primeiros
séculos da Igreja. Morreu não muito depois de Constantino, por
volta de 340 (DROBNER, 2003, p.231-233).
Em sua “História Eclesiástica", o Bispo Eusébio de Cesaréia,
além de colher informações dos presbíteros que lhe foram contem
porâneos, reproduz fragmentos de obras mais antigas. Obras estas
11 Que deu liberdade de culto aos Cristãos e proibiu a sua perseguição
51
que na grande maioria não chegaram até o nosso tempo, e as que
chegaram, só existem hoje em fragmentos.
Eusébio cita trechos do historiador judeu Filón de Alexandria,
em que este por admirar o modo de vida cristão, começa a relatar
como os cristãos viviam e como eram suas assembléias. Depois
Eusébio comenta que todas as coisas de que escreveu Filón “De fato,
relatam os Atos dos Apóstolos, liuro tido por autêntico “ (Ibid., p. 94).
Segundo Eusébio, Fílon, em sua obra “A Vida contemplativa'
ou “Os orantes", sobre as Escrituras Cristãs, escreve:
“Possuem também escritos dos antigos, primeiros guias de sua
seita, que deixaram numerosos monumentos de sua doutrina sob
form a alegórica. Utilizam-nas como modelos de comportamento a
imitar” (Ibid., p. 95).
E continua:
“Talvez os livros que ele aponta como sendo entre eles [os cris
tãos] os livros dos antigos sejam os evangelhos, e os escritos dos
apóstolos e provavelmente algumas interpretações dos antigos pro
fetas, tais os contidos na carta aos Hebreus e numerosas cartas de
Paulo” (Ibid.).
Uma importante contribuição no registro de Eusébio são as
cartas dos apóstolos, então conhecidas como “cartas católicas” .
Vejamos quais delas que no séc. IV eram reconhecidas canônicas
pela Igreja e quais tinham sua canonicidade posta em dúvida.
Sobre os escritos de São Pedro
Sobre os escritos de São Pedro ele registrou:
“Com efeito, de Pedro, apenas uma carta, classificada como
primeira, é reconhecida por autêntica e os próprios antigos presbíteros
utilizaram-na, citando-a em seus escritos como genuína. Quanto àque
le enumerada como segunda, tivemos notícia de que não é testamen-
tária, todavia muitos a consideram útil e fo i tomada em consideração
com as demais Escrituras" (Ibid., p. 114).
Ainda sobre São Pedro:
"... as palavras de Pedro indicam também em que províncias
ele próprio anunciou Cristo e transmitiu a doutrina do Novo Testa
mento aos circuncisos. Esclarece-o igualmente a carta que afirma
mos ser tida por autêntica [a primeira carta], dirigida aos hebreus da
52
Dispersão do Ponto, da Galácia, da Capadócia, da Ásia e da Bilínia
[cf. IPd 1,1!'. (Ibid., p. 115).
“Relativamente aos Atos que trazem seu nome [portanto, Atos
de Pedro1, ao Evangelho dito segundo Pedro, ao Kerygma e ao supos
to Apocalipse de Pedro, sabemos que não foram de modo algum trans
mitidos entre os escritos católicos e que nenhum escritor eclesiástico,
nem dentre os antigos, nem dos atuais, utilizou testemunhos tirados
destas obras” (Ibid., p. 114). Por fim , Eusébio dá seu parecer final
quanto aos escritos de Pedro: “Dos escritos atríbuídos a Pedro, co
nheço apenas uma carta reconhecida pelos antigos presbíteros como
autêntica. E é só” (Ibid.).
Sobre os escritos de São Paulo
“No tocante a Paulo evidentemente dele provêm as catorze car
ieis. Não seria justo deixar de reconhecer que alguns, no entanto,
rejeitam a carta aos Hebreus, assegurando não ser recebida pela
Igreja de Roma, por não ser da autoria de Paulo. [.. j De outro lado, os
Atos que trazem seu nome [portanto. Atos de Paulo], não os aceito
entre os livros autênticos” (Ibid., p. 114-115).
Eusébio testemunha que muitos dos antigos não recebiam
como canônica a Carta aos Hebreus:
“Caio de Roma, homem muito eloqüente, que vivia em Roma no
tempo de Zeferino [bispo de Roma], num Diálogo contra Proclo, que
ilisputava em favor da heresia catafrigía. Nesta obra, Caio refreia a
temeridade e audácia dos adversários de comporem novas Escritu-
ms: menciona somente treze cartas do santo Apóstolo [Paulo], não
i ■numerando entre as demais a carta aos Hebreus, visto que, ainda
hoje, em Roma pensam alguns não ser da autoria do Apóstolo" (Ibid.,
1>. 308).
Sobre os escritos de João
“E agora, assinalemos os escritos provindos incontestavelmen-
1a Tiago, a de Judas, a segunda carta de Pedro
e as cartas enumeradas como segunda e a terceira de João, que se
jam do Evangelista ou do outro, com idêntico nome" (Ibid., p. 147-
148).
“Entre os apócrifos, ponham-se o livro dos Atos de Paulo, a obra
intitulada O Pastor, o Apocalipse de Pedro, e além disso a Carta atri
buída a Barnabé, o escrito chamado A doutrina dos Apóstolos
IDidaqué43], depois como já disse, o Apocalipse de João, se parecer
I>em Alguns, conforme já declarei, o rejeitam, mas outros o inserem
entre os livros recebidos.
Entre esses livros alguns ainda puseram o Evangelho se-
(jundo os Hebreus, que agrada sobretudo aos hebreus que aderi
ram a Cristo. Todos esses livros estão no número dos escritos
segundo Tomé, que sendo divulgado
com afragrãncia do título evangélico corrompe a alma dos simples.
Aceite também os Atos dos Doze Apóstolos; e em acréscimo a estes as
sete Epístolas Católicas de Tiago, Pedro [duasj, João [três] e Judas; e
como um selo sobre todas elas, o último trabalho dos discípulos, as
quatorze Epístolas de Paulo. Mas deixe todo o resto de lado num
nível secundário. E qualquer outro livro não lido nas Igrejas, estes
47 Corresponde ao 2 Esdras da Septuaginta, que é Esdras e Neemias.
48 Organização de Jeremias conform e a Septuaginta.
49 Seguidores de Mani, fundador uma filosofia religiosa sincrética e dualística com binando
zoroatrism o, cristianism o e gnosticism o. Santo Agostinha pertencia a um grupo de
m aniqueus antes de ser tornar católico.
58
nao leiam mesmo por iniciativa própria, como você tem me escutado
dizer''50 (CIRILO, 2005).
Cirilo é mais um que confirma a organização: Jeremias + Baruc
+ Epístola de Jeremias + Lamentações. Não há qualquer outra refe
rência aos deuterocanônicos cio AT. Todos os deuterocanônicos do
NT são citados, com exceção do Apocalipse.
4. Rufino de Concórdia CAquiléia)
Rufino (Tyraminnus Rufinus) nasceu aproximadamente em
345, na cidade de Concórdia (a oeste de Aquiléia, na Alta Itália).
Entre 358-368, recebeu em Roma formação em gramática e retóri
ca, tendo como companheiro São Jerônimo. Mais tarde retornou à
Aquiléia, onde lhe foi despertado o interesse pela vida monástica;
seguiu para Alexandria e depois Jerusalém, onde em 381, no Mon
te das Oliveiras fundou um mosteiro masculino. Por ali, durante 16
anos viveu em íntimo contato com os Bispos de Jerusalém. Em
aproximadamente 390 foi ordenado sacerdote pelo Bispo João; a
partir de 393 ingressou em uma série de disputas com seu amigo
São Jerônimo acerca da doutrina de Orígenes que só se encerrará
em 401, por sua desistência. Então em Aquiléia, fugiu para Roma,
Terracina, por causa invasão da Itália pelos Gõdos. Faleceu em
Messina (Sicília) após a conquista de Roma em 410 (DROBNER,
2003, p. 348-350).
Em seu “Comentário ao Credo dos Apóstolos’’ encontramos uma
relação dos livros canônicos:
“[...} Este é então o Espírito Santo, que no Antigo Testamento
inspirou a Lei e os Profetas, e no Novo os Evangelhos e as Epístolas.
De onde o Apóstolo também diz, ‘toda Escritura dada pela inspiração
de Deus é útil para a instrução. ’ E conseqüentemente parece apropri
ado enumerar aqui, como nós aprendemos da tradição dos Pais, os
livros do Novo e do Antigo Testamento, que, de acordo com a tradição
de nossos antepassados, acreditamos terem sido inspirados pelo
Espírito Santo, e têm sido transmitidos pelas gerações nas Igrejas de
Cristo.
! " Fragmento traduzido pelo autor.
59
37. D o Antigo Testamento, conseqüentemente, prim eiro de
todos n os jo i transmitidos cinco livros de Moises, Gênesis, Êxodos,
Levítico, Números, Deuteronômio; Então Jesus Navé (Josué o f i
lho de Num), o Livro dos Juizes ju n to com Rute; então 4 livros dos
Reis (Reinos), os quais os Hebreus contam dois; o Livro das Omis
sões, o qual é intitulado o Livro dos Dias (Crônicas), e dois livros
de Esdras51, os quais os Hebreus contam como um, e Ester; dos
Profetas, Isaías, Jerem ias52, Ezequiel, e Daniel, além destes os
doze Profetas (menores), em um livro; Jó também e os Salmos de
Davi, um livro cada um. Salomão deu três livros às Igrejas, Pro
vérbios, Eclesiastes e Cânticos. Estes compreendem os livros do
Antigo Testamento. Do Novo existem 4 Evangelhos, Mateus, M ar
cos, Lucas e João; os A tos dos Apóstolos, escrito p o r Lucas;
quatorze Epístolas do Apóstolo Paulo, duas do Apóstolo Pedro,
uma de Tiago, irmão do Senhor e Apóstolo, uma de Judas, três de
João, a Revelação de João. Estes são os livros dos quais os Pais
consideraram dentro do Cãnon, e dos quais eles nos transm iti
ram provas da nossa fé .
38. Mas, ê necessário saber que existem também outros livros
que nossos pais não chamam 'Canônicos’ mas ‘Eclesiásticos’: a sa
ber. Sabedoria de Salomão, e uma outra Sabedoria, chamada a Sa
bedoria do Filho de Sirac, no qual ultimamente os Latinos chamam
pelo título geral de Eclesiástico, designando não o autor do livro, mas
o caráler da escrita. Na mesma classe se incluem o Livro de Tobias, e
o Livro de Judite, e os Livros dos Macabeus. No Novo Testamento, o
pequeno livro que é chamado o Livro do Pastor de Hermas, que é
chamado Os Dois Caminhos, ou o Julgamento de Pedro; todos eles
têm sido lidos nas Igrejas, mas não são usados para a confirmação
da doutrina. Outros escritos são chamados ‘Apócrifos’. Estes não são
lidos nas Igrejas.
Estas são as tradições que os Pais nos transmitiram, as quais,
como eu disse, achei oportuno registrar aqui para a instrução daque
les a quem estão sendo ensinados os primeiros elementos da Fé da
51 Corresponde ao 2 Esdras da Septuaginta, que é Esdras e Neemias..
52 Refere-se ao Livro de Jeremias, Lamentações, Baruc e a Carta de Jeremias conform e a
Septuaginta.
60
Igreja, que podem conhecer de quais fontes da Palavra de Deus seus
esforços devem ser tirados”53 (RUFINO, 2005).
O Canon Bíblico apresentado por Rufino é praticamente o
mesmo de Atanásio, exceto pelo fato de Atanásio relacionar Ester
entre os livros não canônicos.
Os livros da Sabedoria, Eclesiástico, Judite, Tobias, Esterce o
Pastor de Hermas não são considerados canônicos ou apócrifos,
mas “Eclesiásticos". Rufino testemunha que estes livros eram lidos
na Igreja junto com aqueles considerados canônicos.
Pela falta de menção à Didaque presume-se que era contada
entre os apócrifos. Entretanto, não podemos afirmar o mesmo a
respeito do livro dos Macabeus, pois como veremos pelo testemu
nho de São Jerônimo, algumas Igrejas palestinenses os utilizavam.
5. São Jerônimo
São Jerônimo (Sophronius Eusebius Hieronymus) nasceu
aproxim adam ente em 347 em Stridon (perto de Emona, hoje
Ljubljana/Laibach na Eslovênia). Tendo Rufino como companhei
ro, estudou retórica e gramática em Roma. Depois de seguir
carreira como funcionário público na residência imperial na c i
dade de Trier (Gália), em 370 dedicou-se a uma vida monástica
em Aquiléia, passando por Antioquia e Constantinopla. Em 382,
São Jerônim o se estabeleceu em Roma onde trabalhou como
secretário do Papa Dâmaso (cf. Epístola 123,9). Após a morte
deste (em 11 de dezembro de 384) foi morar em Belém (Palesti
na), onde fundou dois mosteiros: um masculino e outro fem in i
no. Veio a falecer em 30 de setembro de 420 (DROBNER, 2003,
p. 351-355).
São Jerônimo é considerado um dos maiores lingüistas da
Antiguidade Cristã, pois foi profundo conhecedor das línguas
bíblicas: Hebraico, Aramaico e Grego. Foi responsável por uma das
mais conceituadas traduções bíblicas existentes, a Vulgata54. Os
livros do AT foram traduzidos diretamente do hebraico para o latim.
1,3 Fragmento traduzido pelo autor.
1,1 Recebeu este nom e porque foi traduzida para a língua vulgar, popular da época: o latim.
61
Esta versão das Sagradas Escrituras foi encomendada pelo Bispo
Dâmaso no tempo em que São Jerônimo era seu secretário.
São Jerônimo não considerava canônicos os seguintes livros:
Tobias, Sabedoria, Eclesiástico, 1 e 2 Macabeus. Muitos acreditam
que sua opinião teve forte influência dos rabinos de Jerusalém, de
quem Jerônimo aprendeu o hebraico. Entretanto, esta tese parece
ser desmentida pelo fato dele aceitar como canônicos livros que -os
judeus palestinenses recusaram (Judite, Baruc, Carta de Jeremias,
Bel e o Dragão, História de Suzana, onde estes dois últimos cons
tam como acréscimos do Livro de Daniel).
De qualquer forma, São Jerônimo não excluiu estes livros da
sua Vulgata. Outros especulam dizendo que ele foi persuadido pelo
Papa Dâmaso para assim proceder. Isto seria simplesmente impos
sível, já que o mencionado Papa morreu antes de Jerônimo come
çar as traduções.
Suas próprias palavras na Vulgata testemunham que o moti
vo devia-se pelo fato da Igreja usar amplamenteestes livros:
“Este prefácio para as Escrituras (Samuel e Reisl podem servir
como um ‘elmo’ introdutório para todos os livros os quais nós agora
transcrevemos do Hebreu para o Latim, de modo que nós possamos
ter certeza de que os aqueles que não são encontrados em nossa
lista devem ser colocados entre os escritos Apócrifos. Sabedoria, o
livro de Sirac, e Judite, e Tobias e o Pastor não são canônicos55. O
primeiro livro dos Macabeus eu encontrei em hebraico, o segundo em
grego, como pode ser demonstrado de alto estilo''56 (JERONIMO,
2006a, p. 778).
“Nós temos o autêntico livro de Jesus, filho de Sirac [Sabedoria
de Sirac], e um outro trabalho pseudo-epígrafo, intitulado Sabedoria
de Salomão. Eu encontrei o primeiro no hebraico, com o título, ‘Pará
bolas’, não Eclesiástico, como nas versões Latinas [...] O Segundo de
form a alguma se encontra nos textos hebraicos, e seu estilo aproxi
ma-se da eloqüência grega: um número de escritores antigos afirma
55 Note que São Jerônim o não coloca na lista Baruc e a Carta de Jerem ias. Isto porque com o
já foi exposto, eram considerados canônicos jun tam ente com o Livro de Jerem ias e as
Lam entações.
56 Fragmento traduzido pelo autor.
62
I
que é um trabalho do Judeu Fílon. Conseqüentemente, apenas como
a Igreja lê Judíte, Tobias, e os livros dos Macabeus, mas não são
admitidos no cãnon das Escrituras57; a Igreja permite que estes dois
volumes sejam lidos, para a edificação das pessoas, não para darem
suporte à autoridade das doutrinas eclesiásticas"58 (Ibid. , p. 782).
Aqui se constata mais uma vez que a Igreja na Palestina, não
considerava os deuterocanônicos do AT contrários à Fé, pois neste
caso não serviriam “para a edificação das pessoas". Mas pelo fato
de não serem considerados canônicos, não eram usados para ex
trair provas da fé ou “para darem suporte à autoridade das doutri
nas eclesiásticas".
Escritos posteriores atestam que São Jerônimo mudou sua
opinião quanto ao livro de Judite, que no prefácio aos livros de
Samuel e Reis, ele relaciona entre os aprócrifos. No prefácio a este
livro, traduzido depois dos Livros de Samuel' e Reis, São Jerônimo
acaba por reconhecer sua canonicidade:
“Entre os Judeus, o livro de Judite é considerado apócrifo; /.../.
Além disso, desde que fo i escrito na língua Caldéia, é contado entre
os livros históricos. Mas, desde o Concilio de Nicêia é contado jun to
ao número das Escrituras Sagradas, eu tenho me submetido à sua
decisão (ou deveria dizer obrigação!]: e, meu outro trabalho o despre
zou59, pelo qual eu estava forçosamente entretido, por ter trabalhado
à noite, traduzindo de acordo com o sentimento do que literalmente.
[...] Fiz saber no Latim somente o que eu encontrara expresso coeren
temente nas palavras em Caldeu. Receba a viúva Judite, exemplo de
castidade, e com elogio triunfante aclamá-la com eterna celebração
pública. Não somente pelas mulheres, mas também pelos homens,
ela fo i dada como um modelo por quem retribuiu sua castidade, quem
atribuiu-lhe tal virtude que ela conquistou o inconquistável no seio
da humanidade, e superou o insuperável” (JERONIMO, 2004).
Importante dizer também que os acréscimos de Daniel, que
foram recusados pelos rabinos em Jâmnia, tinham sua canonicidade
!,/ Mais uma vez Baruc e a Carta de Jerem ias não configuram na lista dos livros que não são
canônicos.
;,s Fragmento traduzido pelo autor.
^ Provavelmente S. Jerônim o esteja se referindo aos prefácios dos Livros de Samuel e Reis.
63
reconhecida na Igreja da Palestina. É o que se verifica pelas pala
vras de São Jerõnimo em sua carta endereçada a Rufino, intitulada
"Apologia contra Rufino”:
“33. Em relação a Daniel [o livro], minha resposta será: eu não
disse que ele não era um profeta: ao contrário, eu confessei logo ao
início do prefácio que ele era um profeta. No entanto, eu quis mostrar
qual era a opinião sustentada pelos judeus e quais eram os argu
mentos em que confiavam para provar isto. Eu disse também ao lei
tor que a versão lida nas igrejas cristãs não era aquela dos traduto
res da Septuaginta, mas a de Teodocião.
É verdade que eu disse que a versão da Septuaginta deste livro
[de Daniel] era muito diferente do original e que fo i condenada pelo
correto julgamento das igrejas de Cristo; mas a culpa não fo i minha -
pois somente mencionei o fa to -, mas daqueles que leram a referida
versão. Nós temos quatro versões para escolher: a de Áquila, a de
Símaco, a dos Setenta, e a de Teodocião.
As igrejas optaram por ler Daniel na versão de Teodocião.
Que pecado eu cometi ao seguir o ju lgam ento das igrejas? Mas
quando eu repito o que os ju d eu s d izem contra a h istória de
Susana, o cântico dos três jovens e a estória de Bel e o Dragão, os
quais não se encontram na Bíblia hebraica, o homem que fa z dis
to um empreendimento em meu desfavor prova a si mesmo ser
um tolo e um psícopata, uma vez que eu explanei não o meu p ró
prio pensamento, mas o que eles [os jud eus ] geralmente dizem
contra nós.
Eu não refutei a opinião deles [os judeus] no prefácio porque
procurei ser breve e temia que parecesse estar escrevendo não um
Prefácio, mas um livro. Eu disse, entretanto, que ‘a respeito disto não
é agora o momento para se entrar nessa discussão’.
Por outro lado, eu relatei que Porfirio disse muitas coisas contra
este profeta, e chamei, como testemunhas disto, Metódio, Eusébio, e
Apolinário, que refutaram sua estupidez em muitos milhares de li
nhas, isto estará em seu poder para acusar-me por não excluir o es
crito em meu Prefácio contra os livros de Porfirio.
Se houver alguém que preste atenção a coisas tolas como esta,
devo dizer-lhe em alto tom e sem culpa que ninguém está obrigado a
ler o que não deseja; eu escrevi para aqueles que me perguntaram,
64
não para aqueles que me desprezariam; para os agradecidos, não
para os ingratos: para os sérios, não para os indiferentes.
Ademais, fico estupefato por ver como um homem [talvez seja
Rufino] poderia ler a versão de Teodocião, o herege e judaizante, e
desprezar o que provém de um cristão [Jerônimo/, embora possa este
ser simples e pecador “(JERONIMO, 2005).60
Como se vê, a discussão é sobre as partes deuterocanõnicas
do livro de Daniel, que não foram aceitas pelos judeus da Palestina.
São Jerônimo declara que as críticas feitas a elas, não são
suas, mas um registro do que os Judeus pensavam: “uma vez que
eu explanei não o meu próprio pensamento, mas o que eles [o s ju -
deus/geralmente dizem contra nós". A expressão “contra nós” é muito
significante, pois mostra que os judeus tinham um pensamento
divergente do pensamento comum da Igreja antiga.
O trecho mostra também que São Jerônimo não partilhava do
pensamento dos judeus sobre os acréscimos de Daniel: “Eu não
refutei a opinião deles [os judeus] no prefácio porque procurei ser
breve [.../ Eu disse, entretanto, que 'a respeito dislo não é agora o
momento para se entrar nessa discussão’”.
Em sua carta a Paulino, Bispo de Nola, encontramos sua lista
dos livros para o Novo Testamento:
“9. [.../ O Novo Testamento eu tratarei momentaneamente de
Mateus, Marcos, Lucas, e João são ao todo quatro, o verdadeiro
querubim (o qual significa "abundância de conhecimento”), [...] O
apóstolo Paulo escreve a sete igrejas (para a oitava tal carta, aquela
aos Hebreus, ê colocada fora do número das cartas paulinas pela a
maioria); instrui o Timóteo e o Tito; intercede com o Filemon por seu
escravo fugitivo. A respeito de Paulo eu prefiro permanecer quieto do
que escrever somente poucas coisas. Os Atos dos Apóstolos parece
relacionar-se a uma história revelada e descrever a infância da Igre
ja nascente; mas se nós soubemos que seu escritor fo i Lucas o médi
co, “cujo o elogio está no Evangelho" nós observaremos do mesmo
modo que todas suas palavras são medicina para a alma doente. Os
apóstolos Tiago, Pedro, João e Judas produziram sete epístolas mís
ticas e concisas, curtas e longas, isto é, curtasnas palavras mas lon
U1 Fragm ento traduzido pelo autor e Carlos M artins Nabeto.
65
gas no pensamento de modo que houvesse poucos que não se im
pressionassem profundamente ao lê-las. O Apocalipse de João tem
tantos mistérios quanto tem palavras. Eu disse demasiado pouco em
comparação com o que o livro merece; todo o elogio a ele é inadequa
do, para cada uma de suas palavras múltiplos significados mentiro
sos se escondem. Eu imploro a você, caro irmão, viva entre estes
livros, medite em cima deles, para conhecer nada mais, para procu
rar nada mais Í...J’61 (JERONIMO, 2006a, p .195-196).
Em um escrito seu posterior, uma carta escrita a Darnado,
prefeito da Gália, São Jerônimo comenta a canonicidade da Carta
aos Hebreus e do Apocalipse:
“Isto deve ser dito a nosso povo, que aquela epístola que é
intitulada 'aos Hebreus’ é aceita como do apóstolo Paulo não somen
te pelas igrejas do leste mas por todos os escritores da igreja de lín
gua grega dos tempos mais remotos, embora muitos a ju lguem para
ser de Bamabé ou de Clemente. Agora não é importante quem é o
autor, desde é trabalho de um homem da igreja e recebido reconheci
damente dia a dia na leitura pública das igrejas. Se o costume dos
Latinos não o recebe entre os escrituras canônicas, de outro modo,
pela mesma liberdade, fazem as igrejas dos gregos por aceitam o
Apocalipse de João. Contudo nós aceitamo-los ambos, não seguindo
o costume do tempo atual mas o precedente, dos escritores antigos,
que geralmente fizeram uso livremente dos testemunhos de ambos
os trabalhos. E isto eles fizeram, não querendo na ocasião citar escri
tos apócrifos, como fizeram ao usar exemplos da literatura pagã, mas
tratando-os como trabalhos canônicos e eclesiásticos’’62 (JERONIMO,
2006b).
Percebemos nas palavras de São Jerônimo que ainda no sé
culo IV havia divergências quanto à canonicidade da carta aos
Hebreus e o Apocalipse.
6. São Gregório de Nazianzeno
São Gregório teve como pai Gregório Sênior, este Bispo de
Nazianzo (sudeste da Capadócia). Foi amigo pessoal de Basílio Mag-
61 Fragm ento traduzido pelo autor.
62 Ibid.
66
à
no e de Gregório Nisseno, formando com eles o grupo que então
ficaria conhecido como “Os Três Capadócios”. Foi ordenado sacer
dote em 361 pelo próprio pai e com a morte deste assumiu por
pouco tempo a Igreja de Nanzianzo. Por sua iniciativa reúne-se em
381 o Concilio de Constantinopla63 e durante sua realização, São
Gregório Nanzianzeno torna-se Bispo de Constantinopla, Seu Epis-
copado64 na nova capital do Império é repentino e volta a viver em
Nanzianzo como Bispo. Dois anos mais tarde entrega o Episcopado
a seu prim o Eu lá lio e v ive seus ú ltim os dias em A rian zo
(BERARDINO, 2002, verb. Gregório Nanzianzeno, p. 653).
Sobre os livros sagrados se expressou desta forma:
“Não permita que outros livros seduzam sua mente: pois muitos
escrítos malignos foram disseminados. Os livros históricos no núme
ro de são doze conforme são contados entre os Hebreus. De Moises
são os cinco prim eiros, Gênesis, Êxodos, Levítico, Núm eros e
Deuteronômio. Depois, Josué o filh o de Nave, sexto, e o livro dos
Juizes e Rute, contado como sétimo. E dos outros livros históricos, o
primeiro e segundo livros dos Reis são entre os Hebreus um livro;
também o terceiro e quarto em um livro. E da mesma, o primeiro e
segundo das Crônicas são com eles um só livro, e o primeiro e segun
do Esdras65 são contados como um. Estes são os escritos Históricos.
Mas aqueles que são escritos em versos são cinco, Jó, e o livro dos
Salmos, e Provérbios, e Eclesiastes, e o Cântico dos Cânticos, o qual
é o décimo-sétimo livro. E depois destes vem os 5 livros Proféticos:
dos Doze Profetas em um livro, de Isaías em um, de Jeremias66 em
um, incluindo Lamentações e a Epístola; então Ezequiel, e o Livro de
Daniel, o vigésimo-segundo do Antigo Testamento. Mas, agora conte
mos também os livros do Novo Mistério: Mateus de fa to escreveu para
os Hebreus os milagres de Cristo, e Marcus para a Itália, Lucas para
a Grécia, João, o maravilhoso pregador para todos, andando no céu.
Então os Atos dos apóstolos, e as quatorze epístolas de Paulo, e sete
epístolas católicas, as quais Tiago uma, duas de Pedro, três de João
G3 Contado com o o Segundo Concilio Ecumênico.
04 M in istério do Bispo
05 Corresponde ao 2 Esdras da Septuagmta, isto é Esdras e Neemias.
66 Jerem ias e Baruc conform e a Septuaginta.
67
l
i
tumhé-m. K a sétima ó a de Judas. Você tem tudo. Se houve outros
além destes, não estão entre os livros genuínos"67 (NANZIANZENO,
2006).
Dos deuterocanônicos do AT, São Gregório Nanzianzeno rela
ciona a E p ísto la de Jerem ias. Con form e a o rgan ização da
Septuaginta, é bem provável que Baruc estivesse contado junto com
o livro de Jeremias.
Não há qualquer menção ao livro de Ester.
7. Anfilóquio de Icônio
Anfilóquio de Icônio foi sobrinho de São Gregório Nanzianzeno,
filho de sua irmã Gorgônia (Ibid.). Foi Bispo de Icônio na Gália.
Sobre os Escritos Sagrados registrou:
“A/os devemos saber que não todo livro que é chamado Escritura
deve ser recebido corno uma guia seguro. Para algum são tolerados e
outros são mais do que duvidosos. Conseqüentemente os livros os quais
a inspiração de Deus fo i atribuída, eu irei enumerar. Os livros de Moises
são os cinco prim eiros, Gênesis, Êxodos, Levítico, Núm eros e
Deuteronômio. Depois, Josué o Jilho de Navé, e o livro dos Juizes, in
cluindo Rute, contado como sétimo. E dos outros livros históricos, o
primeiro e segundo livros dos Reis são entre os Hebreus um livro; tam
bém o terceiro e quarto em um livro. E da mesma, o primeiro e segundo
das Crônicas são com eles um só livro, e o primeiro e segundo Esdras68
são contados como um. Ester é o décimo segundo livro; e estes são os
escritos Históricos. Os escritos em versos são cinco, Jó, e o livro dos
Salmos, e Provérbios, e Eclesiastes, e o Cântico dos Cânticos, o qual é
o décimo-sétimo livro. Cinco livros Proféticos: dos Doze Profetas em um
livro, de Isaías em um, de Jeremias69, Lamentações e a Epístola, um só
livro; então Ezequiel, e o Livro de Daniel, o vigésimo-segundo do Anti
go Testamento. É apropriado aqui fa lar sobre os livros do Novo Testa
mento. Receba somente quatro evangelistas: Mateus, então Marcos, a
quem tenha adicionado Lucas como terceiro, contando João como o
quarto no tempo, mas o primeiro pela grandeza de seus ensinos, que
67 Fragmento traduzido pelo autor.
68 Cf. nota 65.
69 Cf. nota 59.
68
me fa z chamá-lo com todo direito de um filho do trovão, anunciando
maravilhosamente a palavra de Deus. E receba também o segundo
livro de Lucas, aquele dos Atos católicos dos apóstolos. Adicionar em
seguida ao elenco escolhido, o arauto dos Gentios, apóstolo Paulo, que
escreveu com sabedoria às igrejas duas vezes sete epístolas: aos Ro
manos uma, a qual deve-se adicionar duas aos Coríntios, aos Gálatas,
e aos Efésios, depois aos Filipenses, depois aos Colossenses, duas
aos Tessalonicenses, duas a Timóteo, e a Tito, a Fílemon, uma cada, e
uma aos Hebreus. Mas alguns dizem que essa carta aos Hebreus é
espúria, não falando bem dela, porque a graça é genuína. Bem, quais
restam? Das epístolas católicas, alguns dizem que nós devemos rece
ber sete, mas outros dizem que somente três devem ser recebidas que
são Tiago, uma, uma de Pedro, e aquela de João, uma. Alguns rece
bem três de João, e além destas, de duas de Pedro, e aquela de Judas
como sétima. E outra vez a Revelação de João, é aprovada por alguns,
mas a maioria a considera apócrfa. Este é talvez seja o cãnon mais
coTiflável das divinas Escrituras inspiradas"70 (ANFILOQUIO, 2006).
Do AT, a lista de Anfilóquio é bem semelhante à de São Gregório
Nanzianzeno, onde o primeiro relaciona Ester entre os canônicos e
o segundo não.
Anfilóquio nos faz perceber que ainda em seu tempo perma
necem as controvérsias sobre os deuterocanônicos do NT.
8. São Epifânio de Salamina
Epifânío nasceu entre 310 e 320em Eleuterópolis, no sul da
Palestina. Passou a juventude em busca de formação cristã nos
mosteiros do Egito. Foi Bispo de Constância, antiga Salamina, hoje
Fagusta na costa oriental da ilha do Chipre. Foi o iniciador da con
trovérsia origenista na Palestina, quando ao visitar Jerusalém em
393, por ocasião de uma festa local, prega contra os ensinamentos
de Origines, entrando em conflito com João71, Bispo de Jerusalém
e favorável ao origenismo72. Faleceu aproximadamente em 12 de
maio de 403. (DROBNER, 2003, p. 316-317).
70 Traduzido pelo autor.
71 Sucessor de São Cirilo corno Bispo de Jerusalém.
72 Nesta controvérsia se envolverão mais tarde Rufino e São Jerônimo.
69
Em sua obra “Panarion” constam os livros que considerou
sagrados:
“Os livros do Antigo Testamento são Gênesis, Êxodos, Levíiico, Nú
meros, Deuteronômio, Josué Jilho de Num, Juizes, Rute, Job, Salmos, Pro
vérbios, Eclesiastes, Cântico dos Cânticos, Primeiro Reis, Segundo Reis,
Terceiro Reis, Quarto Reis, Um das Crônicas, Segundo Crônicas, os Doze
Profetas, Isaías, Jeremias com as Lamentações, a Epístola e Baruc73, um;
Ezequiel Daniel; Esdras, primeiro e segundo e Ester. Estes são os vinte e
dois livros dados por Deus aos Judeus. Foram contados como vinte e dois,
o número das letras hebraicas, desde então dez livros estão repetidos e
contados como cinco [...] Há também outros dois livros próximo a eles na
substância, a Sabedoria de Sirac e a Sabedoria de Salomão, além de al
guns outros livros apócrifos. Todos estes livros sagrados ensinaram tam
bém ao Judaísmo as coisas mantidas pela lei até a vinda de Nosso Senhor
Jesus Cristo"™ (EPIFANIO, 2006).
Quanto aos livros deuterocanônicos do AT, Santo Epifânio re
laciona Baruc e a Epístola de Jeremias. Menciona as Sabedorias de
Sirac e de Salomão como próximos aos livros demais em substân
cia. Isso mostra que ele não considerava os ensinamentos destes
livros contrários à fé, “além de alguns outros livros aprócrifos", pro
vavelmente se referindo aTobias, Judite, 1 e 2 Macabeus.
Ele conta o livro de Ester entre os canônicos. Sobre o NT as
sim se referiu:
“Se você fo i tomado pelo Espírito Santo e instruído nos profetas e nos
apóstolos, você deve ter começado do início da Gênesis do mundo até que
os tempos de Ester em vinte e dois livros do Antigo Testamento, que estão
numerados também como vinte e dois, também nos quatro Evangelhos
sagrados, e em quatorze epístolas do santo apóstolo Paulo, e nos escritos
que vieram antes destes, incluindo os Atos dos Apóstolos em suas épocas
e as epístolas católicas de Tiago, de Pedro, de João e de Judas, e na Reve
lação de João, e nos livros da Sabedoria eu considero aquelas de Salomão
e do Jilho de Sirac [Sabedoria de Sirácida ou Eclesiástico[ em resumo, to
das os escritos divinos f. . . / ’75 (Ibid.).
73 Cf. a organização da Septuaginta
74 Fragmento traduzido pelo autor.
75 Fragmento traduzido pelo autor.
70
Quanto ao NT, Santo Epifânio considera canônicos os mes
mos livros que normalmente hoje são. Recomenda a Sabedoria de
Sirac e de Salomão para a instrução dos fiéis.
9. Santo Hilário de Poitiers
Santo Hilário provavelmente nasceu em Pictavís, hoje Poitiers,
no início do séc. IV. Recebeu o batismo na vida adulta por volta de
350. Aproximadamente em 355 tornou-se Bispo de Poitiers. Junta
mente com Santo Atanásio, foi um dos principais defensores da Fé
nicena contra os arianos; e por esta razão sofreu o exílio por diver
sas vezes. Faleceu em 367 (DROBNER, 2003, p. 265-266).
Em seus escritos só encontramos menção à lista dos livros do AT;
“Há vinte e dois livros do Antigo Testamento porque este núme
ro corresponde ao número de suas letras [hebraicas]. São contados
assim de acordo com a antiga tradição: os livros de Moisés são cinco,
Josué Jilho de Num o sexto, Juizes e Ruth o sétimo, primeiro e se
gundo reis os oitavos, os terceiro e os quarto [reis] os nonos, os dois
das Crônicas form am dez. Esdras o décimo primeiro, o livro dos Sal
mos o décimo segundo: de Salomão os Provérbios, o Eclesiastes, e o
Cântico dos Cânticos são o décimo terceiro, décimo quarto, e o décimo
quinto, os doze Profetas décimo sexto; então Isaías e Jeremias (com
as Lamentações e a Epístola); e Daniel; e Ezequiel; e Jô; e Ester ter
minam o número dos livros em vinte e dois. A estes alguns adicio
nam Tobias e Judite formando vinte e quatro livros, de acordo com o
número das letras gregas, que é a língua usada entre Hebreus e gre
gos recolhidos em Roma76" . (HILÁRIO, 2006).
Como vimos, Santo Hilário de Poitiers, dos deuterocanônicos
do AT, pessoalmente reconhece a Epístola de Jeremias e provavel
mente Baruc, que sempre a acompanhava segundo a organização
da Septuaginta.
Mostra que alguns reconheciam também como canônicos
Tobias e Judite.
76 Fragmento traduzido pelo autor.
71
Testemunhos do séc V
1. Pana Inocêncio
Aos 20 de fevereiro de 405, o Papa Inocêncio I (401-417) envia
a carta “Consulenti tibi” a Exupério, Bispo de Tolosa, onde enume
rou os livros que eram considerados canônicos em Roma:
“Quais os livros aceitos no cãnon das Escrituras, o breve apên
dice o mostra. Cinco livros de Moisés, isto é, Gênesis, Êxodo, Levítico,
Números, Deuteronômio, um livro de Josué filh o de Nun, um livro
dos Juizes, quatro livros dos Reinos e Rute. Dezesseis livros dos Pro
fe tas77, cinco livros de Salomão, o Saltério, Livros históricos: um livro
de Jó, um de Tobias, um de Ester, um de Judite, dois dos Macabeus,
dois de Esdras, dois dos Paralipômenos. Do Novo Testamento: qua
tro livros dos Evangelhos, quatorze epístolas do Apóstolo Paulo, três
de João, duas de Pedro, uma de Judas, uma de Tiago, os Atos dos
Apóstolos, o Apocalipse de João" (BETTENCOURT, 2001, p.56).
Este é o primeiro pronunciamento de um Papa a respeito do
Canon Bíblico.
2. Santo Agostinho
Santo Agostinho nasceu em Tagaste (Numídia) em 13 de No
vembro de 354, filho de Patrício e Mônica. O Pai pequeno proprietá
rio de terra e conselheiro municipal, a mãe piedosíssima cristã. Foi
professor de retórica em Roma e Milão, amplo conhecedor da lín
gua e cultura latinas. Tornou-se fervoroso anticatólico professando
a doutrina dos maniqueus, até que aos 32 anos após ouvir a prega
ção do Bispo de Milão, Santo Ambrósio, decide tomar-se católico.
Recebeu o batismo no dia 25 de abril, num sábado, durante a festa
da Páscoa em 387. Em 391 na cidade de Hipona (África) é sagrado
sacerdote. Nesta época funda um mosteiro. Toma-se Bispo de Hipona
em 397. Durante seu Ministério combate com altivez as heresias
dos maniqueus e dos pelagianos. Morreu em Hipona a 28 de agosto
de 430 durante a invasão dos bárbaros.
77 Estes livros sáo m elhores detalhados na lista de S. Agostinho, logo'a seguir.
72
Em sua obra “A doutrina Cristã”, que é um tratado de exegese78
bíblica, o então Bispo de Hipona relatou quais os livros que na Á fri
ca79 eram considerados canônicos:
“O Cãnon completo das Sagradas Escrituras, ao qual se refe
rem as considerações precedentes, compreende os seguintes livros:
cinco de Moisés, a saber: o Gênesis, o Exodo, o Levítico, os Números
e o Deuteronômio: um livro de Jesus, Jilho de Nave [Josué] e um dos
Juizes; um livrinho intitulado Rute, o qual parece pertencer ao come
ço da história dos Reis; seguem-se os quatro dos Reinos e dois dos
Paralipômenos que são a sua seqüência, mas por assim dizer uma
complementação. Todos esses livros são narração histórica que con
tém o desenvolvimento das épocas■ e a ordem dos acontecimentos.
Há outras histórias de tipo diferente que não possuem conexão com a
ordem dos acontecimentos anteriores, nem se relacionam entre si,
como os livros de Jó, de Tobias, de Ester, de Judite, os dois livros dos
Macabeus, e os dois de Esdras80. Estes parecem seguir antes aquela
h is tó ria que fica ra suspensa com os liv ros dos R eis e dos
Paralipômenos. Depois seguem os Profetas, entre os quais se encon
tra um livro de Davi, os Salmos, três de Salomão: os Provérbios, o
Cânticodos Cânticos e o Eclesiastes. Outros dois dos quais um é a
Sabedoria e o outro, o Eclesiástico, são atribuídos a Salomão por cer
ta semelhança com os predecessores, mas comumente se assegura
que quem escreveu fo i Jesus, filho de Sirac. E, como mereceram ser
recebidos com autoridade, devem ser contados entre os livros profé
ticos. Os livros restantes são os propriamente chamados dos Profe
tas. Doze são esses livros, correspondendo cada qual a um profeta.
Como estão conexos e nunca foram separados, são contados como
um só livro. Eis os nomes dos profetas: Oséias, Joel, Amós, Abdias,
Jonas, M iquéias, Naum, Habacuc, Sofonias, Ageu, Zacarias e
Malaquias. Em seguida, os quatro livros dos grandes profetas: Isaías,
Jeremias82, Daniel e Ezequiel.
78 Estudo para entender as Sagradas Escrituras
79 Esta obra de S. Agostinho foi escrita depois da realização de vários Concílios Africanos,
que definiram para o continente os livros canônicos, com o verem os no próxim o capítulo.
80 Esdras e Neemias.
81 Jerem ias, Lam entações de Jeremias e Baruc conform e a Septuaginta.
73
Estes quarenta e quatro livros possuem autoridade no Antigo
Testamento. Quanto ao Novo Testamento, compreende os quatro li
vros do Evangelho segundo são Mateus, são Marcos, são Lucas e
são João; as quatorze cartas de são Paulo: uma aos Romanos, duas
aos Coríntios, uma aos Gaiatas, uma aos EJésios, wna aos Filipenses,
duas aos Tessalonicenses, uma aos Colossenses, duas a Timóteo,
uma a Tito, uma a Filêmon e uma aos Hebreus82; as duas de são
Pedro, as três de são João; o livro único dos Atos dos Apóstolos e
outro único de são João intitulado Apocalipse" (AGOSTINHO, 2002,
pg. 96-97).
O Canon relatado por Santo Agostinho é o mesmo que figura
nas Bíblias Católicas.
Testemunho do séc V III
São João Damasceno
São João Damasceno pertence à família árabe-cristã dos
Mansur. Nasceu por volta de 650 em Damasco. Cresceu próximo
ao califa Yazid e exerceu importantes cargos na corte. No tempo do
califa Abd al Malink (685-705), por causa de sua discriminação aos
cristãos, São João é obrigado a deixar o cargo. Por volta de 706 é
ordenado sacerdote por João, Bispo de Jerusalém. Em 722 ingres
sa no mosteiro de São Sabas, perto de Jerusalém, onde viveu o
restante de sua vida, vindo a falecer em aproximadamente 750.
Envolve-se na questão iconoclasta a favor das imagens e ícones
sacros. Segundo a Tradição, o Segundo Concilio de Nicéia83 apoiou-
se em seus escritos para condenar a heresia iconoclasta. Seus es
critos encerram o período dos Santos Padres gregos.
Sua lista de livros canônicos vem de sua obra “Exposição da
Fé Ortodoxa" (Livro IV, capítulo XVIII):
“Observe, mais adiante, que há vinte e dois livros do Antigo
Testamento, um para cada letra do alfabeto hebraico. Portanto são
82 Em nota da edição em língua portuguesa pela ed. Paulus, observa-se que os críticos
agostinianos apuraram que a partir de 409, data posterior a este escrito de Agostinho, o
m esm o não mais cila essa epístola com o sendo de Paulo.
83 Contado com o o Sétim o Concilio Ecumênico.
74
vinte e duas letras das quais cinco estão em dobro, e então tomam-se
vinte e sete. Para as letras Caph, Mere, Nun, Pe, Sade é dobro. E
assim o número dos livros desta form a são vinte e dois, mas são
encontrados em vinte e sete por causa cinco letras estão em dobro.
Rute está jun to aos Juizes, e os Hebreus contam-nos como um livro;
primeiro e segundo livros dos Reis são contados um; e são assim os
terceiro e quarto livros dos Reis: e também o primeiro e segundo de
Paralipômenos; e o primeiro e segundo de Esdras. Desta maneira,
então, os livros estão organizados juntos em quatro Pentateucos e
dois outros, formam assim os livros canônicos. Cinco deles são da
Lei, Gênesis, Êxodo, Levítico, Números, Deuteronômio. Isto o qual é o
código da Lei, constitui o primeiro Pentateuco. Vêm então um outro
Pentateuco, então chamado o Grapheia, ou enquanto é chamado por
alguns, o Hagiógrafo, que são os seguintes: Jesus o filho do Nave,
Juizes junto com Rute, primeiro e segundo Reis, que são um livro,
terceiro e quarto Reis, que são um livro, e os dois livros dos
Paralipômenos que são um livro. Este é o segundo Pentateuco. O ter
ceiro Pentateuco são os livros em verso, a saber, Jó, Salmos, Provér
bios de Salomão, Eclesiastes de Salomão e o Cântico dos Cânticos
de Salomão. O quarto Pentateuco são os livros Proféticos, a saber os
doze profetas constituindo um livro, Isaias, Jeremias, Ezequiel, Daniel.
Vêm então os dois livros de Esdras como um único, e Ester. Há tam
bém o Panareto, que é a Sabedoria de Salomão, e a Sabedoria de
Jesus (filho de Sirac], que fo i publicado no Hebreu pelo pai cie Sirac,
e traduzido mais tarde no grego por seu neto, Jesus, filho de Sirac.
Estes são virtuosos e nobres, mas não são contados nem eram colo
caram na arca.
O Novo Testamento contém quatro evangelhos, segundo Mateus,
segundo Marcos, segundo Lucas, segundo João; os Atos dos Santos
Apóstolos por Lucas o Evangelista; sete epítolas católicas, a saber;
uma de Tiago, duas de Pedro, três de João, uma de Judas: quatorze
cartas do Apóstolo Paulo; a Revelação de João o Evangelista: os
Cânones dos Santos Apostólos, por Clemente" (DAMASCENO, 1955).
Dos deuterocanônicos do AT, as Sabedorias de Sirac e Salomão
“são virtuosos e nobres”. A Epístola de Jeremias e Baruc estão con
tidos no título geral “Jeremias”, onde também constavam o livro de
Jeremias e as Lamentações, conforme a Septuaginta.
75
Ao NT ele adiciona “os Cânones dos Santos Apóstolos”, prova
velmente fazendo referência a um conjunto de escritos antigos
intitulados “Constituições Apostólicas” ou “Constituições dos 12
Apóstolos”84.
Testemunho do séc X II
Hugo de São Vitor
Hugo de São Vitor nasceu na Saxônia (um dos 16 estados da
Alemanha, situado no leste do país) no ano de 1096. Movido pela
vocação religiosa, ainda muito jovem, ingressou no Mosteiro de São
Vitor (Paris), onde residiu até sua morte em 1141. É considerado
um grande pedagogo, e muitos trabalhos em Pedagogia fazem men
ção às suas obras. Esta é a sua relação dos livros canônicos:
“4. Divisão das Sagradas Escrituras em dois Testamentos, cada
um dividido em três ordens.
Toda a Sagrada Escritura está contida em dois Testamentos, o
A ntigo e o Novo Testam ento. Em cada testam ento podem ser
distinguidas três ordens. O Antigo Testamento contém a Lei, os Proje
tas e os Hagiógrafos. O Novo Testamento contém o Evangelho, os
Apóstolos e os Padres.
5. Elenco dos Livros das três ordens do Velho Testamento.
A primeira ordem do Velho Testamento é a Lei, que os judeus
chamam de Torá. A Lei é formada pelos cinco livros de Moisés, cha
mados, em seu conjunto, de Pentateuco. O primeiro destes livros é o
Gênesis, o segundo o Êxodo, o terceiro o Levítico, o quarto o Livro dos
Números, o quinto o Deuteronômio.
A segunda ordem do Velho Testamento é a dos profetas, que con
tém oito volumes. O primeiro voluirte é o livro de Josué; o segundo, o
livro de Juizes; o terceiro o Livro de Samuel, também chamado de Pri
meiro e Segundo Livro dos Reis; o quinto é o livro de Isaías; o sexto, o
livro de Jeremias85; o sétimo, o livro de Ezequiel; e o oitavo é o livro que
contém as profecias dos doze profetas (menores).
Finalmente, a terceira ordem do Velho Testamento possui nove
livros. O primeiro é o livro de Jó; o segundo é o livro de Davi [Ver nota
84 Esta obra é mencionada no próxim o capítulo.
85 Cf. nota 48.
76
2] ; o terceiro é o livro dos Provérbios de Salomão; o quarto é o
Eclesiastes; o quinto ê o Cântico dos Cânticos; o sexto ê o livro de
Daniel; o sétimo ê o livro dos Paralipômenos; o oitavo é o livro de
Esdras; o nono é o livro de Ester. Todos estes livros são em número
f
de vinte e dois.
Há, ademais, outros livros, como o livro da Sabedoria de
Salomão, o livro de Jesus Jilho de Sirac [Eclesiástico], o livro de Judite,
o livro de Tobias e os livros dos Macabeus que são lidos mas não se
incluem noCãnon.
6. Elenco dos livros das três ordens do Novo Testamento.
A primeira ordem do Novo Testamento contém os livros dos qua
tro Evangelhos, aqueles escritos segundo Mateus, Marcos, Lucas e
João.
A segunda ordem, semelhantemente, contém também quatro li
vros: as Epístolas de São Paulo, em número de quatorze, reunidas
em um só livro, as demais Epístolas Canônicas reunidas em outro
livro, o Apocalipse e os Atos dos Apóstolos.
Quanto à terceira ordem, o primeiro lugar corresponde aos
Decretais da Igreja, aos quais também chamamos de cânones ou re
gras; depois deles vêm os escritos dos santos padres e dos doutores
da Igreja, como os de S. Jerônimo, S. Agostinho, S. Gregório, S.
Ambrósio, S. Isidoro, Orígenes, S. Beda e muitos outros escritores
ortodoxos, os quais são tão infinitos que não podem sequer ser conta
dos. Seu tão grande número mostra o Jervor destes homens na Jé,
por causa da qual deixaram aos seus pósteros tantas e tão memorá
veis obras. Diante deles nossa preguiça se toma evidente, pois se
quer conseguimos ler aquilo que eles puderam escrever “(HUGO,
2006 ) .
Nos mosteiros, além das atividades da colheita, da produção
de vinho, cerveja e perfumes, os monges também trabalhavam em
traduzir os escritos bíblicos para a língua local (ou vernáculo). Para
este trabalho espelhavam-se em São Jerônimo (considerado o Mes
tre dos tradutores), e utilizavam a sua Vulgata como referência.
Com efeito, influenciavam-se não somente pelo método do Mestre,
mas também por suas idéias.
Hugo de São Vítor embora não tenha reconhecido pessoal
mente a canonicidade dos livros de Tobias, Judite, Sabedoria, Ecle
77
siástico, 1 e 2 Macabeus (seguindo a opinião de São Jerônimo),
testemunha que estes mesmos livros eram comumente usados pela
Igreja. No cânon do NT ele também recebia os decretos da Igreja e a
literatura dos Santos Padres.
Sobre os testemunhos primitivos
Iniciativas, tanto católicas quanto protestantes têm vinculado
(principalmente em sítios na Internet) alguns dos testemunhos pri
mitivos que aqui foram transcritos, procurando “provar” qual era a
lista de livros canônicos estabelecida na Igreja dos primeiros sécu
los.
Nenhum destes relatos pode ser utilizado com este intuito,
pois o próprio conjunto mostra a incerteza que pairava na Igreja
sobre este tema; e porque dentre eles não há o mais importante ou
fiel. Todas as listas canônicas aqui transcritas não vieram de here-
ges ou de grupos sectários, mas de homens comumente muito con
siderados pela Igreja primitiva e medieval, dos quais muitos sofre
ram o martirio ou o exílio por amor à Cristo. Mas, a partir deles
devemos observar algumas coisas:
1. A Igreja dos primeiros tempos não adotou para o AT o Cânon
Hebraico. Livros como Baruc, a Carta de Jeremias, Suzana e o livro
Bel e o Dragão (os dois últimos como apêndices do Livro de Daniel)
que constavam na Septuaginta foram consensualmente recebidos
como canônicos;
2. Embora os primeiros cristãos seguindo o exemplo dos Após
tolos usassem a versão da Septuaginta, nem todos os seus livros
eram utilizados para a leitura nas Igrejas. Foram consensualmente
recusados: 1 Esdras, 3 e 4 Macabeus, Odes e Salmos de Salomão;
3. Os livros de Tobias, Judite, Sabedoria, Eclesiástico, 1 e 2
Macabeus eram consensualmente utilizados. Em algumas regiões,
recebidos como “canônicos”, em outras como “eclesiásticos”.
4. O livro de Ester não foi recebido como canônico por todos.
O Cânon Bíblico só começou a se estabelecer na Igreja, depois
que a lista de livros sagrados começou a figurar nas decisões Con
ciliares. É deste assunto que trataremos no próximo capítulo.
78
C A P Í T U L O 6
Cânon das Escrituras Sagradas
começa a se estabelecer na Igreja.
A s exortações individuais dos grandes Padres e Escritores da
Igreja sobre os livros que por Tradição haviam sido recebidos
como canônicos, não foram suficientes para minar a introdução de
livros apócrifos na vida religiosa. Principalmente porque estas ini
ciativas eram isoladas, e os livros apócrifos surgiam como de auto
ria dos antigos Apóstolos.
Era necessário que remédios de maior abrangência e cons
tância fossem utilizados contra o avanço da literatura dos grupos
sectários e heréticos.
É neste contexto que a questão do Cânon Bíblico começou a
ser assunto dos Concílios Provinciais, Regionais e Ecumênicos. Quais
foram as determinações que estes Concílios tomaram em relação a
tão importante assunto?
O Cânon de Muratori
No séc. XVIII, o sacerdote italiano Ludovico Antonio Muratori,
descob riu um m anuscrito datado do m esm o período , que
correspondia à cópia do original, que muitos estudiosos acreditam
ser do ano 150. É a referência mais antiga que se tem sobre o cânon
bíblico do NT. Esta descoberta ficou conhecida como Cãnon de
Muratori, levando o nome de seu descobridor.
Alguns crêem que este documento provavelmente trazia tam
bém um cânon do AT, pois o início do documento foi perdido, res
tando apenas um fragmento que corresponderia a uma segunda-
parte, que então traz o cânon do NT. Vejamos então o conteúdo
deste documento:
79
“[...] aos quais esteve presente e assim o fez.
O terceiro livro do Evangelho é o de Lucas. Este Lucas - médico
que depois da ascensão de Cristo fo i levado por Paulo em suas via
gens - escreveu sob seu nome as coisas que ouviu, uma vez que não
chegou a conhecer o Senhor pessoalmente, e assim, a medida que
tomava conhecimento, começou sua narrativa a partir do nascimento
de João.
O quarto Evangelho é o de João, um dos discípulos. Questiona
do por seus condiscípulos e bispos, disse: ‘Andai comigo durante
três dias a partir de hoje e que cada um de nós conte aos demais
aquilo que lhe fo r revelado’. Naquela mesma noite fo i revelado a
André, um dos apóstolos, que, de conformidade com todos, João es
crevera em seu nome.
Assim, ainda que pareça que ensinem coisas distintas nestes
distintos Evangelhos, a fé dos fié is não difere, já que o mesmo Espí
rito inspira para que todos se contentem sobre o nascimento, paixão
e ressurreição [de Cristo], assim como s permanência com os discí
pulos e sobre suas duas vindas - depreciada e humilde na primeira
(que já ocorreu} e gloriosa, com magnífico poder, na segunda (que
ainda ocorrerá ). Portan to , o que há de es tranho que João
freqüentemente afirme cada coisa em suas epístolas dizendo: ‘O que
uimos com nossos olhos e ouuimos com nossos ouuidos e nossas
mãos tocaram, isto o escrevemos’? Com isso, professa ser testemu
nha, não apenas do que viu e ouviu, mas também escritor de todas
as maravilhas do Senhor.
Os Atos fo ra m escritos em um só livro. Lucas narra ao bom
Teójilo aquilo que se sucedeu em sua presença, ainda que fa le bem
por alto da paixão de Pedro e da víágem que Paulo realizou de Roma
até a Espanha.
Quanto às epístolas de Paulo, por causa do lugar ou pela oca
sião em que foram escritas elas mesmas o dizem àqueles que que
rem entender: em primeiro lugar, a dos Coríntios, proibirido a heresia
do cisma; depois, a dos Gálatas, que trata da circuncisão; aos Roma
nos escreveu mais extensamente, demonstrando que as Escrituras
têm como princípio o próprio Cristo.
Não precisamos discutir sobre cada uma delas, já que o mesmo
bem-aventurado apóstolo Paulo escreveu somente a sete igrejas, como
80
fizera o seu predecessor João, nesta ordem: a primeira, aos Coríntíos;
a segunda, aos Efésios; a terceira, aos Filipenses; a quarta, aos
Colossenses; a quinta, aos Gálatas; a sexta, aos Tessalonicenses; e
a sétima, aos Romanos. E, ainda que escreva duas vezes aos Corintios
e aos Tessalonicenses, para sua correção, reconhece-se que existe
apenas uma Igreja difundida por toda a terra, pois da mesma form a
João, no Apocalipse, ainda que escreva a sete igrejas, está falando
para todas.
Além disso, são tidas como sagradas uma [epístola] a Filemon,
uma a TXto e duas a Timóteo: ainda que sejam filhas de um afeto e
amor pessoal, servem à honra da Igreja católica eà ordenação da
disciplina eclesiástica.
Correm também uma carta aos Laodicenses e outra aos
Alexandrinos, atribuídas [falsamente] a Paulo, mas que servem para
favorecer a heresia de Marcião, e muitos outros escritos que não po
dem ser recebidos pela Igreja católica porque não convém misturar o
fe l com o mel.
Entre os escritos católicos, se contam uma epístola de Judas e
duas do referido João, além da Sabedoria escriia por amigos de
Salomão em honra do mesmo.
Quanto aos apocalipses, recebemos dois: o de João e o de Pedro;
mas, quanto a este último, alguns dos nossos não querem que seja
lido na Igreja.
Recentemente, em nossos dias, Hermas escreveu em Roma
‘O Pastor’, sendo que o seu irmão, Pio, ocupa a cátedra de bispo
da Igreja de Roma. É. então, conveniente que seja lido, ainda que
não publicamente ao povo da Igreja, nem aos Profetas - cujo nú
mero já está completo nem aos Apóstolos - por ter terminado o
seu tempo.
De Arsênio, Valentino e Melcíades não recebemos absolutamen
te nada: estes também escreveram um novo livro de Salmos para
Marcião, juntamente comBasíledes daÁsia [...]“86 (MURATORI, 2006).
No tocante ao AT, o fragmento do Cânon de Muratori só men
ciona como canônico a Sabedoria de Salomão. Para o NT são men
cionados: Os 4 evangelhos (embora haja menção a Mateus e Mar-
H,i Tradução de Carlos M artins Nabeto.
81
cos, se deduz que eram aceitos pelo fragmento mencionar Lucas
como o terceiro Evangelho.), Atos, 13 cartas de Paulo (1 Coríntios,
Efésios, Filipenses, Colossenses, Gálatas, Tessalonicenses, Roma
nos, 2 Coríntios, 2 Tessalonicenses, Filemon, Tito, 1 Timóteo, 2 T i
móteo), Judas, 1 e 2 João, Apocalipse de João. O fragmento do
Cânon de Muratori não faz qualquer menção às cartas de Pedro, à
terceira carta de João, à de Judas e à carta aos Hebreus, que não é
relacionada com as demais cartas paulinas. Esta exclusão da Carta
aos Hebreus às demais cartas paulinas, deve-se pelo fato de que
ainda era controversa, ou a autoria de Paulo ainda era duvidosa.
O Cânon de Laodicéia
No tempo do Imperador Teodósio o Grande (347-395), foi con
vocado um Concilio Regional na cidade de Laodicéia na Frigia, mais
ou menos em 360. Os cânones deste Concilio são 59 na coleção dos
50 títu los de João Escolástico e na de D ion ísio o Pequeno
(BERARD1NO, 2002. Verb. Laodicéia, p. 809).
Algumas cópias posteriores das atas conciliares trazem o cânon
60, cuja autenticidade é muito questionada entre os especialistas,
principalmente por não constar nas cópias mais antigas.
O Cânon 60 traz determinações quanto aos livros canônicos,
por isso achei importante transcrever para o leitor o seu conteúdo:
"Cãnon 60. Estes são todos os livros do Antigo Testamento indicados
para leitura: Gênesis do Mundo, O Êxodo do Egito, Levítico, Números,
DeiLteronômio, Josué filho de Num, Juizes, Rute, Ester; Dos Reis, Primeiro
e Segundo; Dos Reis, Terceiro e Quarto; Crônicas, Primeiro e Segundo; O
Livro dos Salmos; Os Provérbios de Saloinão; Eclesiastes; Cântico dos
Cânticos, Jó, Os Doze Profetas; Isaías; Jerenrias, e Baruc, as Lamentações
e a Epístola87; Ezequiel; Daniel, E estes são os livros do Novo Testamento:
Os Quatro Evangelhos, segundo Mateus, Marcos, Lucas e João; Os Atos
dos Apóstolos; Sete Epístolas Católicas, uma de Tiago, duas de Pedro, três
de João e uma de Judas; Quatorze Epístolas de Paulo, uma aos Romanos,
duas aos Coríntios, uma aos Gálatas, uma aos Efésios, uma aos Filipenses,
uma aos Colossenses, duas aos Tessalonicenses, uma aos Hebreus, duas
a Timóteo, uma a Tito e uma a Filemorí' (LAODICÉIA, 2005).
87 Cf. a Septuaginta.
82
Constituições Apostólicas
As Constituições Apostólicas foram o resultado da coletânea
dos antigos cânones da Igreja, compilada em 8 volumes no final do
séc. IV na Síria.
O Cânon 85 trata da relação dos livros que deveriam ser con
siderados canônicos. Segundo alguns especialistas, esta lista foi
adicionada provavelmente no final do séc. IV.
Quanto aos livros canônicos assim se expressa:
“Cãnon 85. Que seja permitido que os seguintes livros sejam
apreciados como estimáveis e sagrados por todos vocês, clérigos e
leigos. Do Antigo Testamento: os cinco livros de Mçisés, Gênesis,
Éxodo, Levítíco, Números, e Deuteronômio; um de Josué o filho do
Num; um dos Juizes; um de Rute; quatro dos Reis; dois das Crôni
cas; dois de Esdras; um de Ester; um de Judit; três dos Macabeus;
um de Jó; cento e cinqüenta Salmos; três livros de Salomão: Provérbi
os, Eclesiastes, Cântico dos Cânticos; dezesseis dos Profetas; cuide
para que os iniciantes sejam instruídos com a Sabedoria do Sirac. E
os nossos, isto é, do Novo Testamento, são os quatro Evangelhos,
Mateus, Marcas, Lucas e João; os quatorze epístolas de Paulo; duas
epístolas de Pedro; três de João; uma de Tiago; um de Judas; duas
epístolas de Clemente; e as Constituições dedicadas à vocês, bispos,
a mim, Clemente, em oito livros, os quais não são apropriados torna-
rem-se públicos antes de tudo, por causa dos mistérios contidos ne
les; e os Atos de nós, Apóstolos “ (CONSTITUIÇÕES APOSTÓLICAS,
2006).
O Cânon de Dâmaso
Em 382 foi realizado um Concilio Regional em Roma. Neste
concilio a questão dos livros que deveriam ser considerados
canônicos também foi abordada. Pelo fato deste Concilio ter se rea
lizado durante o Ministério do Bispo Romano Dâmaso (366-384 d.C.),
este Cãnon Bíblico é conhecido como “Cânon de Dâmaso” ou “Cânon
Damasceno”. Vejamos a relação dos livros mencionados:
"Tratemos agora sobre o que sente a Igreja Católica universal,
bem como o que se dever ter como Sagradas Escrituras: um livro do
Gênese, um livro do Êxodo, um livro do Levítico, um livro dos núme
ros, um livro do Deuteronômio; um livro de Josué, um livro dos Juizes,
83
um livro de Rute; quatro livros dos Reis, dois dos Paralipômenos; um
livro do Saltério; três livros de Salomão: um dos Provérbios, um do
Eclesiasles e um do Cântico dos Cânticos; outros: um da Sabedoria,
um do Eclesiástico. Um de Isaías, um de Jeremias com um de Baruc88
e mais suas Lamentações, um de ,,zequiel, um de Daniel; um de
Joel, um de Abdias, um de Oséias, um de Amós, um de Miquéias, um
de Jonas, um de Naum, um de Habacuc, um de Sofonias, um de
Ageu, um de Zacarias, um de Malaquias. Um de Jó, um de Tobias,
um de Judite, um de Ester, dois de Esdras, dois dos Macabeus. Um
evangelho segundo Mateus, um segundo Marcos, um segundo Lucas,
um segundo João. [Epístolas:] a dos Romanos, uma; a dos Coríntios,
duas; a dos Efésios, uma; a dos Tessalonicenses, duas; a dos Gálatas,
uma; a dos Filipenses, uma; a dos Colossences, uma; a Timóteo, duas;
a Tito, uma; a Filemon, uma; aos Hebreus, uma. Apocalipse de João
apóstolo; um, Atos dos Apóstolos, um. [Outras epístolas:] de Pedro
apóstolo, duas; de Tiago apóstolo, uma; de João apóstolo, uma; do
outro João presbítero, duas89; de Judas, o zelota, uma “(NABETO,
2006).
Cânones de Hipona, Cartago e Trullos
Em 8 de outubro de 393 é realizado o primeiro concilio plená
rio das províncias africanas (Proconsular, Numída, Bizacena,
Mauritânia, Tripolitânia), onde Santo Agostinho, que fora ordenado
sacerdote dois anos antes, foi convidado a fazer o discurso de aber
tura (BERARDINO, 2002, verb. Hipona. II. Concílios, p. 683).
O cânon 36 deste concilio define o cânone das Sagradas E s
crituras:
“Parece-nos bom que, fora das Escrituras canônicas, nada deva
ser lido na Igreja sob o nome ‘Divinas Escrituras’. E as Escrituras
canônicas são as seguintes: Gênese, Êxodo, Levítico, Números,
Deuteronômio, Josué, Juizes, Rute, quatro livros dos Reinos90, dois
88 Baruc e a Epístola de Jeremias com o apêndice.
89 Na Igreja Antiga com um ente se cria que as duas últim as epístolas não eram de João
Apóstolos, mas de um presbítero de m esm o nome.
90 1Trata-se dos dois livros de Samuel (1 Reis e 2 Reis) e os dois livros de Reis (3 Reis e 4
Reis) segundo a Septuaginta.
84
livros dos Paralipômenos91, Jó, Saltério de Davi92, cinco livros de
Salomão93, dozedeuterocanônicos do AT os acréscimos no livro
de Ester (10,4 a 16,24) e no livro de Daniel (“O Cântico dos três
jovens” correspondendo aos versículos 24 a 90 do capítulo 3; “His
tória de Susana” e "Bel e o Dragão” correspondendo respectiva
mente os capítulos 13 e 14).
Do NT são deuterocanônicos: 2 Pedro, 2 e 3 João, Tiago, Judas,
Hebreus e o Apocalipse.
Não é escopo deste trabalho um estudo detalhado acerca das
traduções e manuscritos bíblicos. No entanto este assunto será
abordado na devida proporção no que concerne ao estabelecimento
do Cânon Bíblico Cristão.
1 AT =A ntigoTestam ento . Conjunto dos livros canônicos que foram escritos antes de Cristo.
2 NT =NovoTestam ento. Conjunto dos livros canônicos que foram escritos depois de Cristo.
3 São os livros cuja inspiração divina não foi confirmada ou cujo conteúdo doutrinário não é
confiável.
12
C A P Í T U L O 1
Qual é o conjunto dos Livros Canônicos?
A lgumas pessoas acreditam que é possível saber o conjunto
dos livros canônicos, simplesmente porque a sua inspiração divi
na é evidente. Este conceito além de ser bastante subjetivo, depen
de também de conceitos e critérios de verificação ainda mais subje
tivos. Por exemplo: quais atributos definem se um livro é inspirado
ou não? Quais são os critérios de avaliação e verificação destes
mesmos atributos? As opiniões seriam tão múltiplas quanto são as
estrelas do céu.
De fato, nenhum autor dos livros do NT diz ter escrito sob o
impulso do Espírito Santo, exceto São João, ao escrever o Apocalipse.
Ademais, ainda que cada livro da Bíblia começasse com a fra
se: “Este livro é inspirado por Deus”, semelhante frase não provaria
nada. Ora, o Alcorão diz ser inspirado, assim como o Livro do Mórmon
e vários livros de religiões orientais. Ainda, os livros de Mary Baker
Eddy (a fundadora da Ciência CristãJ e de Ellen G. White (fundado
ra do Adventismo do Sétimo Dia) se proclamam inspirados e mui-
los cristãos os rejeitam como tal. Pode-se concluir então, que o fato
de um escrito atribuir a si qualidades de inspiração divina não quer
dizer que assim o seja na realidade.
Diante destes argumentos, alguns recuam e afirmam que “o
Espírito Santo nos diz claramente que a Bíblia é inspirada”, uma
noção bastante subjetiva, que também pode ser usada por um hindu,
mulçumano ou espírita, para afirmar que os Deuses, Alah ou os
Espíritos, respectivamente lhes convencem que sua escritura é di
vina.
Este mesmo exemplo se aplica ainda àqueles que afirmam
que a inspiração divina de um livro pode ser verificada pela inspira
ção que causa no crente. Argumento conhecido como “É inspirado
13
porque inspira”. Ora, note que há muitos escritos religiosos antigos
que certamente são muito mais “inspirativos” ou “emotivos” do que
muitos textos e até livros inteiros do AT. Veja, por exemplo, o livro
de Números no AT. Será que com este critério é possível afirmar
que o livro de Números é inspirado? No entanto, ele está presente
em todas as Bíblias Cristãs.
Portanto, a fixação de um cânon bíblico, não está sujeita às
opiniões alheias, fundamentadas em conceitos e métodos de verifi
cação totalmente subjetivos e duvidosos.
A lgu n s a inda acred itam que a través dos livros
consensualmente considerados canônicos (protocanônicos) é pos
sível identificar dos demais. Esta proposta pode nos fornecer pistas
importantes, mas infelizmente não é suficiente. Por exemplo, em
Lucas 24,27.47 e João 10,34, aparecem as expressões “Moisés e os
Profetas”, “Lei e os Profetas”, “Lei, Profetas e Salmos”, todas elas
relacionadas ao conceito de Escritura Sagrada.
A expressão “Profetas” abrangeria quais livros? Datados da
mesma época dos profetas existe uma infinidade de outros livros
cuja autoria é atribuída aos antigos profetas do AT, no entanto,
hoje não são considerados canônicos. Assim como existem outros
cuja autoria profética ainda é duvidosa e são considerados canônicos
por todos os cristãos. O mesmo se aplica aos Salmos. Existe um
escrito chamado Salmo 151, considerado canônico apenas pela Igreja
Ortodoxa. O que dizer de livros como Provérbios, Eclesiastes, Ester,
Rute, 1 e 2 Samuel, 1 e 2 Reis e Josué? Fariam parte de qual gru
po? Lei, Profetas ou Salmos? Ou estariam em um outro grupo cuja
menção não se encontra em qualquer um dos livros protocanônicos?
Ainda, o AT faz referência a pelo menos 21 livros que hoje são
considerados apócrifos (HAMMER, 2006). O mesmo acontece com
o NT que menciona o “Ascensão de Moisés" (cf. Jd 1,9) e "O Livro de
Henoc” (cf. Jd 1,14).
Pelas questões já aqui apresentadas e pelo fato da Bíblia não
definir o seu conjunto de livros sagrados, o discernimento do Cânon
Bíblico depende de algo que é exterior aos livros sagrados. Isto sig
nifica que a Bíblia não se forma por si mesma e nem se autoriza por
si própria. A sua legitimidade depende de algo que lhe é exterior.
Por exemplo, o Pentateuco4 sempre foi considerado canônico pelos
14
judeus, não por si mesmos, mas porque tinham origem na Tradi
ção5 judaica e em Moisés que tinha autoridade de seu legítimo Ma
gistério (cf. Ex 18,13-14; Mt 19,7-8). Um outro exemplo são os es
critos dos profetas. A autoridade destes livros não tinha origem em
si mesmos, mas no anúncio dos profetas (Tradição), ou porque sua
autoria é atribuída a homens que eram legitimamente autorizados
por Deus (Magistério).
Desta forma, atribuição de autoridade divina a um livro, isto
é, a definição de sua canonicidade sempre dependeu da autoridade
de algo que é exterior ao livro: a Tradição que lhe deu origem (e que
por tanto lhe é anterior) e o Magistério legitimamente estabelecido
por Deus, reconhecido como seu legítimo guardião e difusor. Esta
antiga e divina relação não se aplica somente ao Cãnon Bíblico.
Alguns dos livros bíblicos não trazem o nome do autor (por exem
plo, o Pentateuco e os 4 Evangelhos). A atribuição da autoria de
muitos livros canônicos também dependeu da Tradição e do Magis
tério divinos.
Vejamos como o Senhor se utilizou destes dois instrumentos
para nos comunicar o que hoje conhecemos como a Bíblia.
4 Os Cinco prim eiros livros da Bíblia cuja autoria é atribuída a Moisés: Gênesis, Êxodo,
Levítico, Núm eros e Deuteronôm io.
4 Tradição com "T " maiúsculo, não significa o conjunto de costum es desenvolvidos a partir
de um conceito religioso ou conjunto doutrinário, mas a própria Revelação Divina
transm itida e conservada de forma oral ou escrita.
15
C A P Í T U L O 2
A Septuaginta ou Versão dos Setenta (L X X )
urante o reinado de Nabucodonosor6, as Escrituras Sagradas
hebraicas foram perdidas, por ocasião do cativeiro imposto ao
povo judeu, que em aproximadamente 587 a.C. foi deportado de
Jerusalém para a Babilônia. As Escrituras foram novamente cons
tituídas no tempo do Profeta Esdras, durante o reinado de Artaxerxes
(cf. Esd 9,38-41).
O conjunto de manuscritos hebraicos mais antigos que che
garam até nosso tempo, é conhecido como Texto Massorético. Nesta
compilação das Escrituras, o texto foi transcrito com a omissão das
vogais. Com origem no séc. VI, o Texto Massorético possui este nome
por ter sido desenvolvido por um grupo de judeus conhecidos como
Massoretas; que deste então se tornaram os responsáveis em con
servar e transmitir o texto bíblico hebraico.
Bem anterior ao Texto Massorético, se conservou até nosso
tempo, a versão Grega das Escrituras Hebraicas conhecida como
Septuaginta ou Versão dos Setenta (LXX). Vertida, aproximadamente
no séc. III a.C. para grego a partir dos mais antigos manuscritos
hebra icos (hoje não mais d ispon íveis), o va lor h istórico da
Septuaginta é inestimável e de profunda importância para a identi
ficação do Cânon Bíblico Cristão.
Origem da Septuaginta
Ptolomeu II Filadelfo (287-247 a.C.), rei do Egito, encomen
dou especialmente para sua Biblioteca em Alexandria7, uma tradu
6 Foi Rei da Babilônia no séc. VI a.C.
7 Fundada por Alexandre, o Grande tornou-se o grande centro cultural e comerciallivros dos Profetas94, Isaías, Jeremias95, Daniel,
Ezequiel, Tobias, Judite, Ester, dois livros de Esdras96 e dois [livrosj
dos Macabeus. E do Novo Testamento: quatro livros dos Evangelhos,
um [livro de] Atos dos Apóstolos, treze epístolas de Paulo, uma do
mesmo aos Hebreus, duas de Pedro, três de João, uma de Tiago,
uma de Judas e o Apocalipse de João. Sobre a confirmação deste
cãnon se consultará a Igreja do outro lado do mar. É também permiti
da a leitura das Paixões dos mártires na celebração de seus respec
tivos aniversários97". (BETTENCOURT, 2001, p.55).
Note o leitor que este cânon embora mencione a Carta aos
Hebreus como de Paulo, isto se dá fora do conjunto das outras 13
cartas, onde a autoria paulina é inconteste. O Cânon de Hipona
parece deixar registrado o pensamento antigo de que embora a dou
trina da Carta aos Hebreus seja paulina, não é certeza de que sua
autoria fosse mesmo do Apóstolo Paulo.
Curioso é o seguinte trecho deste cânon: “Sobre a confirma
ção deste cânon se consultará a Igreja do outro lado do mar”. A
“Igreja do outro lado do mar” é a Igreja de Roma (Ibid.). Aqui a
confirmação do Cânon de Hipona dependerá do parecer desta Igre
ja. Alguns enxergam aqui uma prova do Primado98 da Igreja Roma
na sobre as demais Igrejas (tese católica). Outros enxergam apenas
um Primado de Honra e não de Jurisdição (tese ortodoxa).
As decisões deste Concilio foram confirmadas por todos os
Concílios posteriores também realizados em Hipona, onde o último
1)1 Os dois livros das Crônicas.
'Y? Os Salmos
i)3 Provérbios, Eclesiastes, Cântico dos Cânticos, Sabedoria e Eclesiástico, segundo a
Septuaginta.
ÍM Oséias, Joel, Am ós, Obadias, Jonas, Miquéias, Naum, Habacuc, Sofonias, Ageu, Zacarias
e Malaquias.
5,5 Incluindo as Lamentações, Baruc e a Carta de Jeremias, segundo a Septuaginta.
m Livro de Esdras e o livro de Neemias. segundo a Septuaginta.
í)7 Alusão às festas em honra dos santos mártires, costum e m antido até hoje nas Igrejas
Católica e Ortodoxa.
1)8 Liderança ou autoridade sobre as demais Igrejas Cristãs.
85
da série se realizou 34 anos após o primeiro, em 24 de setembro deram considerados apenas eclesiásticos.
Foi desta forma que o Cânon Bíblico foi se estabelecendo em
toda a Igreja, sem que fosse necessário um decreto dogmático de
algum Concilio Ecumênico. Por este motivo também encontramos
ainda no séc. XII opiniões divergentes, como é o caso de Hugo de
São Vítor, o que dificilmente ocorreria se o Cânon Bíblico tivesse
sido proclamado como dogma.
Entretanto, isso iria mudar no séc. XV. Por volta de 1438, a
Igreja convocou o 172. Concilio Ecumênico de síia História. O Con
cilio de Florença marcou uma fase importante da História da Igreja,
pois tratou-se de uma retomada no diálogo entre a Igreja Católica e
99 Esta heresia era contra o uso de imagens e ícones sagrados nas Igrejas.
as Igrejas Ortodoxas100, onde destas participaram pelo menos 700
pessoas (ALBERIGO, 1995, p. 298).
Em 4 de fevereiro de 1442, o Concilio publicou a Bula “Cantate
Domino”, que sobre os livros canônicos assim se expressou:
“O Sacrossanto Concilio professa que um e o mesmo Deus é o
autor do Antigo e do Novo Testamento, isto é, da Lei, dos Profetas e
do Evangelho, pois os Santos de ambos os Testamentos fa laram sob
a inspiração do mesmo Espírito Santo. Este Concilio aceita e venera
os seus livros que vem indicados pelos títulos seguintes:
Cinco livros de Moisés, isto é, Gênesis, Êxodo, Levítico, Núme
ros, Deuteronômio, Josué, Juizes, Rute, quatro livros dos Reis, dois
dos Paralipômenos, Esdras, Neemias, Tobias, Judite, Ester, Jó, o
Saltério de Davi, as Parábolas (Provérbios), Eclesiastes, Cântico dos (
Cânticos, Sabedoria, Eclesiástico, Isaías, Jeremias, Baruque, Ezequiel,
Daniel, os doze profetas menores, isto é, Oséias, Joel, Amós, Abdias,
Jonas, Miquéias, Naum, Habacuque, Sofonias, Ageu, Zacarias,
Malaquias, dois livros dos Macabeus.
Quatro Evangelhos (Mateus, Marcos, Lucas, João) quatorze epís
tolas de Paulo (aos Romanos, duas aos Coríntios, uma aos Gálatas,
uma aos Efésios, uma aos Filipenses, uma aos Colossenses, duas
aos Tessalonicenses, duas a Timóteo, uma a Tito, uma a Filemon,
uma aos Hebreus), duas epístolas de Pedro, três de João, uma de
Tiago, uma de Judas, os Atos dos Apóstolos e o Apocalipse de João
“(BETTENCOURT, 2001, p. 58).
Os legados da Igreja Católica Romana e das Igrejas Ortodoxas
tomaram decisões em um pleno espírito de comunhão, espírito este
que infelizmente não foi levado ã frente por algumas Igrejas por
estes representados (ALBERIGO, 1995, p. 308-309).
O Cisma entre as Igrejas Católica e Ortodoxa, que foi somente
minimizado pelo Concilio de Florença, mais tarde colaborará para
uma grande ruptura dentro da Igreja Católica, e um novo Concilio
Ecumênico será realizado para reafirmar o Cânon Bíblico. Tratare
mos deste assunto no próximo capítulo.
100 As duas Igrejas romperam o diálogo a partir de 1054. A té esta data foram realizados os 7
prim eiros Concílios Ecumênicos: os posteriores não são reconhecidos pelas Igrejas
Ortodoxas.
89
C A P Í T U L O 7
A Reforma, o Concilio
de Trento e as Igrejas Ortodoxas
E m aproximadamente 1510 o monge agostiniano Martinho
Lutero, iniciou um movimento que ficou conhecido historica
mente como Reforma Protestante. Lutero questionou a autoridade
da Igreja Católica Romana e de todos os Concílios realizados desde
então, por entender que seus ensinamentos não condiziam com o
ensinamento das Sagradas Escrituras.
Suas controvérsias com a Igreja Católica levaram -no à
excomunhão pelo Papa Leão X em dezembro de 1520, através da
Bula “Exurge Domine” ; documento que foi queimado por Lutero.
Para ele a Igreja deveria basear suas doutrinas somente na Bíblia.
Este princípio ficou conhecido como “Sola Scriptura” ou “Somente
as Escrituras”. Entretanto, nem mesmo a Bíblia foi poupada de sua
Reforma.
Lutero questionou fortemente o ensinamento dos seguintes
livros: Tobias, Baruc, Judite, Sabedoria de Salomão, Sabedoria de
Sirac, 1 e 2 Macabeus (para o AT); e as epístolas de Tiago, aos
Hebreus e o Livro do Apocalipse (para o NT).
Nas traduções da Bíblia empreendidas por Lutero, os livros por
ele rejeitados foram colocados em um apêndice sem numeração de
página. Aqueles referentes ao NT, voltaram para o conjunto principal,
em traduções feitas por outros protestantes, mas os deuterocanônicos
do AT continuaram como apêndice, até serem finalmente eliminados
em 1827 pela Sociedade Bíblica Britânica e Estrangeira, motivo pelo
qual estes livros não se encontram em absoluto nas Bíblias protes
tantes contemporâneas, enquanto figuraram em apêndices e em tra
duções protestantes clássicas como a Versão King James (KJV).
91
Por este motivo, os cristãos de tradiçao protestante conside
ram até hoje estes livros como apócrifos.
A Versão KJV e o Argumento de Geneva
Alguns protestantes admiradores da Versão do Rei Tiago (KJV),
tentam negar a presença dos livros deuterocanônicos do AT na ver
são original de 1611. Eles afirmam que os tradutores não conside
ravam estes livros como Escrituras e para provar este ponto de
vista fazem referência à Bíblia de Geneva de 1560.
Entretanto, a Bíblia de Geneva foi rejeitada pela Igreja da In
glaterra , responsável pela tradução da KJV. Os tradutores
anglicanos, no prefácio, também atacaram e abertamente denunci
aram esta outra tradução protestante, por abandonar as palavras
eclesiásticas tradicionalmente aceitas: “Infelizmente, tivemos que
evitar a escrupolosidade dos puritanos, que abandonaram as anti
gas palavras eclesiásticas, e se entregaram a outras, como quando
usam ‘lavagem’ ao invés de ‘batismo’ e ‘congregação’ ao invés de
‘Igreja’” (cf. o prefácio original da KJV de 1611, p. 11, chamado “Ao
Leitor”).
Por esta razão o Rei Tiago da Inglaterra, em pessoa, declarou
que a versão de Geneva era, para ele, “a pior coisa que já aparece
ra” (cf. English Versions o fTh e Bible, 1952, p. 229).
Em 1615, o arcebispo George Abbott, membro da Corte de
Alta Comissão e um dos tradutores originais da versão da KJV de
1611, “proibiu a qualquer um que publicasse uma Bíblia sem os
Apócrifos [deuterocanônicos do AT], sob pena de um ano de prisão"
(cf. Moorman, Forever Settled, p. 183). Esta ordem mirava princi
palmente os possuidores da Bíblia de Geneva que, em 1599, fora
impressa sem os deuterocanônicos.
Aliás, uma das razões da criação da tradução da KJV foi
competir e lutar contra a versão de Geneva, ao ponto que a pos
se de uma destas Bíblias puritanas “de Geneva” na Inglaterra
Anglicana significava, quase sempre, naquela época, morte cer
ta. Portanto, a existência ou não de uma “nota de renúncia” na
Bíblia puritana de Geneva, não significava, absolutamente, que
os tradutores da KJV assim faziam ou pensavam quanto aos
livros deuterocanônicos do AT.
92
Vejamos qual foi o pensamento do Rei Tiago quanto aos livros
deuterocanônicos do AT:
“Quanto às Escrituras, nenhum homem duvide: crerei nelas;
para os Apócrifos [deuterocanônicos do AT], fa re i o mesmo que os
antigos fizeram : continuarão a ser impressos e obrigatórios em nos
sas Bíblias, serão lidos publicamente em nossas Igrejas; eu os reve
rencio como escrituras provindas de homens bons e santos, mas como
não eram encontrados no cãnon, temos deles lição secundária
(secundae lectionis) ou ordinis”101 (FULLER, 1845).
N ova arbitrariedade sobre
o conjunto dos livros canônicos
Como podemos ver, o Rei embora não considerasse os livros
deuterocanônicos do AT como canônicos, não os considerava con
trários ã Fé, seguindo a mesma linha de São Cirilo de Jerusalém,
São Jerômino, Rufino e Hugo de São Vitor. Mas, depois de sua
morte, os livros deuterocanônicos do AT finalmente foram retirados
da KJV.
O que se percebe é que a mesma arbitrariedade dos Judeus
da Palestina do séc. I se repetiu entre os cristãos protestantes do
séc XVII. Da mesma forma que os Rabinos de Jâmnia abandona
ram a Tradição dos judeus, para combater a Igreja, o mesmo moti
vo levou os protestantes a abandonarem a Tradição Cristã. Os pri
meiros abandonaram os livros que osantigos de sua religião manu
searam, e os últimos fizeram o mesmo.
No entanto, os últimos foram piores que os primeiros, pois
além de mutilarem a Bíblia que diziam respeitar, imputaram aos
deuterocanônicos do AT o fardo de serem livros contrários à Fé,
divergindo de forma brutal da opinião da Igreja dos primeiros sécu
los e medieval (ver capítulos 5 e 6 ).
As semelhanças entre os Rabinos de Jâmnia e os Protestan
tes não param por aí. Os dois grupos arbitraram sobre o Cânon
Bíblico, fazendo uso de uma autoridade que não possuíam. Que
autoridade os rabinos de Jâmnia tinham em plena Era Cristã para
definirem quais Escrituras eram sagradas? Esta autoridade era da
101 Fragmento traduzido pelo autor.
93
Sinagoga ou da Igreja? Se era da Igreja, quê autoridade possuíam
os Pais da Reforma para arbitrarem sobre o Canon Bíblico, uma vez
que tinham abandonado a Igreja original?
E foi nesta “encruzilhada” que o Canon Bíblico Protestante
surgiu: recorreu-se à “autoridade” da Sinagoga de Jâmnia para os
livros do AT e à contestada Autoridade da Igreja para o NT. As inco
erências não param por aí. Ironicamente, os adeptos da “Sola
Scriptura” lançaram mão deste princípio primordial da Reforma,
para definirem sua Bíblia.
Por causa da Reforma, em 8 de abril de 1546, o Concilio de
Trento (19-, Concilio Geral) confirmando a antiga Tradição Cristã
sobre o Cânon Bíblico, emitiu o seguinte Decreto:
“EsteTloncílio houve por bem acrescentar ao presente Decreto o
catálogo dos livros sagrados, a Jim de que nenhuma dúvida possa
haver a respeito de quais sejam os escritos que o Concilio reconhece.
São os seguintes: Do Antigo Testamento: Cinco livros de Moisés, isto
é, Gênesis, Êxodo, Levítico, Números; Deuteronômio, Josué, Juizes,
Rute, quatro livros dos Reis, dois dos Paralipômenos, o primeiro e o
segundo de Esdras (este segundo também dito de Neemias), Tobias,
Judite, Ester, Jó. O saltério de Davi com cento e cinqüenta Salmos,
Parábolas (ou Provérbios), Eclesiastes, Cântico dos Cânticos, Sabe
doria, Eclesiástico, Isaías, Jeremias com Baruque, Ezequiel, Daniel,
doze Profetas menores, isto é, Oséias, Joel Amós, Abdias, Jonas, Miquéias,
Naum, Habacuque, Sofonias, Ageu, Zacarias, Malaquias, primeiro e se
gundo dos Macabeus. Do Novo Testamento: os quatro Evangelhos (segun
do Mateus, Marcos, Lucas, João), Atos dos Apóstolos redigidos pelo
evangelista Lucas, quatorze epístolas do Apóstolo Paido (uma aos Roma
nos, duas aos Coríntios, uma aos Gaiatas, uma aos Efésios, uma aos
Fitipenses, uma aos Colossenses, duas aos Tessalonicenses, duas a Ti
móteo, uma a Tito, uma a FYÍemon, uma aos Hebreus), duas do apóstolo
Pedro, três do Apóstolo João, uma do Apóstolo Tiago, uma do Apóstolo
Judas e o Apocalipse de João Apóstolo" (BETTENCOURT, 2001, p.60).
Por causa deste decreto, alguns meios de comunicação pro
testantes têm veiculado que a Igreja Católica para dar suporte às
doutrinas contestadas por Lutero, incluiu os livros deuterocanônicos
do A T em sua B íb lia , quando na verd ad e fo i Lu tero que
deliberadamente os rejeitou.
94
Os deuterocanônicos do AT já figuravam no Cânon Bíblico na
m aioria das Igrejas desde o final do séc. IV (assim como os
deuterocanônicos do NT), confirmados por diversos Concílios Lo
cais e Regionais. Um exemplo desta aceitação são os códices102 da
primeira versão latina das Sagradas Escrituras, a Vetus Latina (LA
TINA, 2006); além do Códice Claromontano ou CodexClaromontanus,
uma das mais antigas e principais coletâneas das Escrituras Sa
gradas do AT e NT (CLAROMONTANUS, 2006).
O Concilio Ecumênico de Florença, que é anterior à Reforma,
os confirmou, ratificando a antiga Tradição Cristã. Além disto, to
das versões bíblicas anteriores à Reforma, incluíam estes livros, até
mesmo as primeiras versões da Bíblia Protestante KJV.
A primeira Bíblia impressa da história, criação de Joseph
Gutenberg (inventor da imprensa), em 1454, que já continha todos
esses mesmos livros, ou seja, 50 anos antes da Reforma Protestan
te (GUTENBERG, 2006).
Felizmente alguns estudiosos protestantes em contato com os
testemunhos dos primeiros cristãos têm constatado a verdade. É o
caso do historiador J.N.D. Kelly:
“Deveria ser observado que o Antigo Testamento admitido como au
toridade na Igreja era algo maior e mais compreensivo que o Antigo Testa-
menío protestante {...] ela sempre incluiu, com alguns graus de reconheci-
mento, os chamados apócrifos ou deuterocanônicos. A razão para isso é
que o Antigo Testamento que passou ern primeira instância nas mãos dos
cristãos era... a uersão grega conhecida como Septuaginta.. a maioria das
citações nas Escrituras encontradas no Novo Testamento são baseadas
nelas preferencialmente do que a uersão hebraica... nos primeiros dois
séculos... a Igreja parece ter aceitado a todos, ou a maioria destes liuros
adicionais, como inspirados e tratarcun-nos sem dúvida como Escritura
Sagrada. Citações de Sabedoria, por exemplo, ocorrem em 1 Clemente e
Bamabé... Policarpo cila Tobias, e o Didache cita Eclesiástico. Irineu se
refere a Sabedoria, a história de Susana, Bel e o dragão (livro de Daniel), e
Baruc. O uso dos deuterocanônicos por Tertuliano, Hipólito, Cipriano e Cle
mente de Alexandria é tão freqüente que referências detalhadas são ne
cessárias" (KELLY, 1978).
102 Maneira com o os antigos reuniam seus escritos, são os precursores dos livros.
95
Um parecer semelhante é do também protestante Leonard Rost:
“Algumas dessas obras [os deuterocanônicos do ATI foram aco
lhidas nas coletâneas de livros sagrados que, de acordo com o teste
munho dos grandes unciais103 gregos do século VI, foram adotados
pela Igreja cristã em solo egípico; mas por certo não o teriam sido, se
já não fizessem parte de uma coletânea judaica. Só assim é que se
explica o motivo pelo qual esses escritos encontraram acolhida e go
zaram do mesmo prestígio que o Cãnon hebraico que, por razões de
ordem lingüística, quanto mais tempo se passava, menos acessível
se torva aos cristãos na língua original" (ROST, 1980, p. 19-20),
Infelizmente as alterações no Cânon Bíblico não ficaram so
mente por conta dos Protestantes. A Igreja Ortodoxa Russa a partir
do séc. XVII também retirou os livros deuterocanônicos do AT de
suas Bíblias. Os livros 3 Esdras e 3 Macabeus foram declarados
canônicos nos Concílios Ortodoxos de Jassy na Romênia (1642) e
Jerusalém (1672). A Igreja Ortodoxa Copta de Etiópia tem 81 livros
ao todo na Bíblia, contendo a mais no NT "Atos de Paulo”, “ 1 Cle
mente” , “Pastor de Hermas", etc. No AT da Igreja Etíope é adiciona
do o “Livro dos Jubileus”, o “Livro de Enoque”, além de 2 Esdras,
etc. A Peshitta (Bíblia da Igreja Ortodoxa Siriaca) exclui 2 Pedro, 2 e
3 João, Judas e Apocalipse.
103 0 autor designa os códices gregos do AT, escritos com caracteres ditos unciais, is to é
maiúsculos,
96
CAPÍTULO 8
Por que um Cânon Bíblico para os cristãos?
O discernimento do Cânon Bíblico foi um processo longo, que
começou através de iniciativas individuais dos Santos Padres,
e depois foi ganhando lugar nos Concílios Regionais até serem alvo
dos Concílios Gerais.
Quando a Igreja se preocupou em definir um Cãnon Bíblico, o
principal propósito era estabelecer uma lista de livros autorizados,
para proteger os fiéis dos livros espúrios que reivindicavam autoria
apostólica, mas que eram na verdade, trabalhos de hereges. Os
grupos heréticos não conseguiam basear seus ensinamentos na
Tradição dos Apóstolos, pois seus ensinamentos eram criados fora
da Igreja, então a única maneira que possuíam para autorizar suas
heresias era distorcendo o significado dos livros sagrados, além de
forjar novos livros, sob o nome de alguma figura venerável da Igre
ja.
A Igreja sempre se defendeu contra a doutrina dos heréticos
trazendo à luz a Tradição dos Apóstolos, isto é o conjunto de
ensinamentos que eles transmitiram seja por escrito, seja por lor-
ma oral (cf. 2 Ts 2,16). Contra os livros espúrios e heréticos,Ela foi
estabelecendo uma lista autorizada de Livros Sagrados tanto para
o AT quanto para o NT.
Estabelecendo a lista canônica da Bíblia Sagrada, a Igreja não
pretendia insinuar que toda a Fé Cristã e toda a informação neces
sária à regra da Igreja estivesse contida apenas na Bíblia. A preo
cupação da Igreja era anunciar o Evangelho, e os Apóstolos o lize-
ram de viva voz. Somente em circunstâncias especiais é que se
viam obrigados a colocar algo por escrito. Mas de forma alguma se
preocuparam em colocar tudo por escrito (cf. Jo 21,25; ICor 11,12;
2Jo 1,12; 3; 3Jo 1,13-14).
97
Este também é o testemunho de Eusébio, historiador da Igre
ja Antiga:
“[Os Apóstolos] Anunciaram o reino d&s céus a todo orbe habi
tado, sem a menor preocupação de escrever livros. Assim procediam
porque lhes cabia prestar um serviço maior e sobre-humano. Até Paulo,
o mais potente de todos na preparação dos discursos, o mais dotado
relativamente aos conceitos, só transmitiu por escrito breves cartas,
apesar de ter realidades inúmeras e inefáveis a contar [...] Outros
seguidores de nosso Salvador, os primeiros apóstolos, os setenta dis
cípulos e mil outros mais não eram inexperientes das mesmas reali
dades. Entretanto, dentre eles todos, somente Mateus e João deixa
ram memória dos entretenimentos do Salvador. E a Tradição refere
que estes escreveram forçados pela necessidade. [...] Quanto a João
[o Apóstolo], diz-se que sempre utilizava o anúncio oral. Por f im tam
bém ele pôs-se a escrever pelo seguinte motivo. Quando os três evan
gelhos precedentes já se haviam propagado entre todos os fié is e
chegaram até ele, recebeu-os, atestando sua veracidade. Somente
careciam da história das primeiras ações de Cristo e do anúncio pri
mordial da palavra. E trata-se de verdadeiro motivo” (EUSEBIO, 2000,
p. 144-145).
Tradição Apostólica e o ensino Oficial da Igreja (cf. 2 Ts 2,15;
At 16,1-4) sempre foram para Cristianismo antigo a Regra da Fé
{Regula Fidei):
“2,2 Quando são [os gnósticos] vencidos pelos argumentos tira
dos das Escrituras retorcem a acusação contra as próprias Escritu
ras, [...] E quando, por nossa vez, os levamos à Tradição que vem dos
apóstolos e que é conservada nas várias igrejas, pela sucessão dos
presbíteros, então se opõem à tradição" (IRENEU, 1995, p. 248).
“25. [...] Meta comum de todos os adversários, inimigos da sã
doutrina, é abalar o fundamento da fé em Cristo, arrasando, fazendo
desaparecer a Tradição apostólica. Por isso, eles, aparentando ser
detentores de bons sentimentos, recorrem a provas extraídas das
Escrituras, e lançam para bem longe, como se fossem objetos vis, os
testemunhos orais dos Padres ]...f' (BASILIO, 1998, p. 118).
“66. Entre as verdades conservadas e anunciadas na Igreja,
umas nós as recebemos por escrito e outras nos foram transmitidas
nos mistérios, pela Tradição apostólica. Ambas as formas são igual
98
mente válidas relativamente à piedade. Ninguém que tiver, por pou
co que seja, experiência das instituições eclesiásticas, há de contra
dizer. De fato, se tentássemos rejeitar os costumes não escritos, como
desprovidos de maior valor, prejudicaríamos imperceptivelmente o
evangelho, em questões essenciais. Antes, transformaríamos o anún
cio em palavras ocas [...[’ (BASILIO, 1998, p. 168).
Não é escopo deste trabalho expor de forma detalhada essa
questão, entretanto o leitor poderá obter maiores informações em
outros trabalhos meus (LIMA, 2000; LIMA 2005) que tratam disto
de forma mais completa.
A Igreja na formação da Bíblia, não colaborou somente no
discernimento do Cânon Bíblico, mas também deu à esta “bibliote
ca” de livros sagrados o nome “Bíblia”; criou a divisão em capítulos
e versículos, os primeiros dicionários bíblicos, as primeiras tradu
ções para as línguas nacionais, as primeiras obras críticas e etc
(HAMMER, 2004).
99
C A P Í T U L O 9
Uma Análise Sobre os Deuterocanônicos do A T
M uitos protestantes através de livros, folhetos e sítios na
Internet, procuram defender sua posição contra os livros deu
terocanônicos do AT, afirmando que estes livros contêm heresias.
Segundo eles, estes livros (que eles chamam de apócrifos) não são
livros canônicos porque ensinam as seguintes heresias:
1. perdão do pecado mediante esmolas: Dizem que Tobias 12,9;
4,10; Eclesiástico 3,33 e 2 Macabeus 43-47 ensinam que as
esmolas apagam os pecados, negando então a redenção do
sacrifício de Cristo e por isso não podem ser considerados
canônicos. Primeiro estas referências são do AT, portanto não
podem ter qualquer relação com o sacrifício de Cristo. Segun
do, elas estão em plena conformidade com o AT, que ensina
que o bem feito ao próximo será considerado em nosso ju lga
mento. Este é o princípio das esmolas. E esta mesma doutrina
se encontra em Prov 10, 12, por exemplo. Serã que o Livro dos
Provérbios não é canônico também? Em terceiro lugar, esta
mesma doutrina é confirmada no NT, basta verificar Mc 9,41;
Lc 11,41. Jesus confirma até mesmo o valor da esmola junta
mente com outras formas de piedade (cf. Mt 6,2-18), veja tam
bém 1 Pd 4,8; At 10,3-4; 10,31.
2. a vingança e a prática do ódio contra os inimigos: Dizem
que isto está em Eclo 12,6 e Judite 9,4 e contradiz ferozmente
Mt 5,44-48. Mais uma vez Eclo diz respeito ao AT, onde valia a
lei do retalião. Se o Livro do Eclesiástico não é canônico por
esta razão, também não são Êxodo, Deuteronômio e Levítico,
veja Ex 21,24; Lv 24,20; Dt 19,19-21.
3. prática do suicídio: Dizem que o ensino sobre a prática do
suicido está em 2 Macabeus 14,41-42. Entretanto em Jz
101
16,28.30 Sansão se suicida e sua morte é tida como grandio
sa pelo autor do Livro de Juizes. A Bíblia possui diversos ca
sos de suicídio - principalmente entre guerreiros -basta ver:
Jz 9,54; 16,28-29; ISm 31,4-5; 2Sm 17,23; lRs 16,18.
4. ensino de artes mágicas: Dizem que Tobias 6,8-9 favorece
a prática de artes mágicas. Ora, em Tobias 8,3 vemos que não
é Tobias quem expulsa o demônio, mas sim o Anjo Rafael. O
interesse era ocultar a ação do Anjo para Tobias. Em Jo 9,6
vemos que Jesus reconstituiu os olhos de um cego com saliva
e logo em Tg 5,14 há instruções para usar óleo na cura de
enfermos; será que por isso estes livros também deixaram de
ser canônicos?
5. prática da mentira: Dizem que Judite 11,13-17 e Tob 5,15-
19 favorecem a prática de mentiras. Abrão disse ao rei Abimelec
que Sara era sua irmã, e na verdade era sua esposa (Gn 20,2).
Jacó, auxiliado pela mãe, mente ao pai cego, dizendo que era
o filho mais velho e no entanto era o mais novo (cf. Gn 27,19),
além de também enganar o sogro (cf. Gn 31,20). Será que o
livro de Gênesis também não é canônico?
6 . erros históricos e cronológicos: Dizem ainda que os livros
de Baruc e Judite são cheios de contradições em relação aos
protocanônicos do AT. Devemos nos lembrar que a Sagrada
Escritura não é um livro histórico ou geográfico, nela Deus
através das limitações humanas comunicou seus desígnios.
Veja que II Reis 8,26 se contradiz com II Cro 22,2; II Reis 23,8
também se contradiz com I Cro 11,11. Isto também faz deles
livros não canônicos?
H á citações dos deuterocanônicos do A T no NT?
Um grande motivo de disputa entre católicos e protestantes
em relação ao Cãnon Bíblico diz respeito a um conjunto de sete
livros disponíveis na Septuaginta, além de acréscimos nos Livros
de Daniel e Ester; e que se encontram no AT católico e ortodoxo e
não no protestante. Estes livros são considerados apócrifos pelas
confissões protestantes e deuterocanônicos pelas confissões católi
ca e ortodoxa. São eles: Judite, Baruc, Sabedoria de Sirac, Eclesi
ástico, I o. Macabeus, 2o. Macabeus e Tobias.
102
As confissões protestantes acreditam que este conjunto de
livros apresenta erros doutrinários e até mesmo heresias; por isso
seriam contrários à Fé Cristã104. Porém, o fato do NT possuir tantas
referências à versão da Septuaginta, que continha esses livros, pode
ser um indício de que nem osjudeus de Alexandria, nem os da
Palestina, nem Jesus e nem os Apóstolos, tiveram qualquer restri
ção a esses livros, ou então por que usariam uma versão bíblica
que continham livros heréticos?
Há ainda objeções que afirmam que nem Jesus e os Apóstolos
citaram os deuterocanônicos. Ora, se este fosse um critério verda
deiro para determinar a conformidade de um livro com a Fé Cristã,
estariam em não conformidade pelo menos os livros Juizes, Crôni
cas, Ester, Cântico dos Cânticos, que também não são citados por
eles. Entretanto, não é verdade que falta no NT referências aos
deuterocanônicos do AT.
Por exemplo, em Hebreus 11, somos animados a imitar os
heróis do AT, “as mulheres /que/ receberam a seus mortos pela res
surreição. Alguns foram torturados, recusando aceitar ser libertados,
para poder levantar-se novamente a uma vida melhor” (Hb 11,35).
Nos protocanônicos do AT (que corresponderia ao AT Protestante),
encontramos vários exemplos de mulheres recebendo a seus mor
tos mediante ressurreição. Encontraremos Elias ressuscitando o
filho da viúva de Sarepta em 1 Reis 17, encontraremos seu suces
sor Eliseu ressuscitando o filho da mulher sunamita em 2 Reis 4.
Mas jamais encontraremos (desde Gênesis atê Malaquias) algum
exemplo de alguém sendo torturado e recusando aceitar ser liberto,
por causa de uma melhor ressurreição. A história, cuja referência é
feita em Hebreus, se encontra em um dos livros deuterocanônicos,
a saber, no em 2 Macabeus. Vejamos:
“[durante a perseguição dos Macabeus] Também foram detidos
sete irmãos, jun to com sua mãe. O rei, flagelando-os com açoites e
feixes de couro de boi, tratou de obrigá-los a comer carne de porco,
proibida pela Lei. [.. j Os outros irmãos e a mãe se animavam mutua
mente a morrer com generosidade, dizendo: ‘o Senhor Deus está nos
vendo e tem compaixão de nós...’ Uma vez que o primeiro morreu [...]
104 Este assunto será abordado com mais detalhes no capítulo 7.
103
levaram o suplício ao segundo [...] também ele sofreu a mesma tortu
ra que o primeiro. E quando estava por dar o último suspiro, disse:
Tu, malvado, nos privas da vida presente, mas o Rei do universo
nos ressuscitará a uma vida etema, se morrermos por fidelidade às
suas leis”’ (2 Mac 7,1.5-9)
Um após outro os filhos morrem, proclamando que serão re
cuperados na ressurreição. Vejamos ainda:
“Incomparavelmente admirável e digna da mais gloriosa lem
brança fo i aquela mãe que, vendo morrer a seus sete filhos em um só
dia, suportou tudo valorosamente, graças à esperança que tinha pos
to no Senhor. Exortava a cada um deles, [dizendo] E u não sei como
vocês apareceram em minhas entranhas; não fu i eu que lhes dei o
espírito e a vida nem fu i eu que ordenou harmoniosamente os mem
bros de seu corpo. Por conseguinte, é o Criador do universo, o que
form ou o homem em seu nascimento e determinou a origem de todas
as coisas, quem lhes devolverá misericordiosamente o espírito e a
vida, já que vocês se esquecem agora de si mesmos por amor à suas
leis’, dizendo ao último: 'Não temas a este verdugo: mostra-te digno
de seus irmãos e aceita a morte, para que eu volte a encontrá-lo com
eles no tempo da misericórdia’” (2 Mac 7,20-23.29).
Perceba o leitor que em Hb 11,35, o escritor sagrado, ao ensi
nar um artigo de Fé refere-se a um exemplo de testemunho, que se
encontra somente em um dos livros deuterocanônicos. Ora, se por
isto o livro dos Macabeus contivesse alguma doutrina estranha à
fé, com toda certeza o autor da Carta aos Hebreus, evitaria mencioná-
lo em sua pregação.
Esta informação possui mais um detalhe muito importante: a Car
ta aos Hebreus foi escrita para os judeus da Palestina, demonstrando
mais uma vez que a versão da Septuaginta foi também aceita por eles:
caso contrário, não faria sentido o escritor sagrado fazer referência a
uma história que não era conhecida por seus destinatários.
Um estudo mais completo apresenta um rico conjunto de
influências no NT dos livros deuterocanônicos (RAMALHETE,
2000) 105.
105 Verificar o Apêndice I
104
Tam bém é im portante saber que em alguns dos livros
deuterocanônicos do AT, há revelações divinas confirmadas no NT.
Por exemplo:
“Quando tu oravas com lágrimas e enterravas os mortos, quan
do deixavas a tua refeição e ias ocultar os mortos em tua casa duran
te o dia, para sepultá-los quando viesse a noite, eu apresentava as
tuas orações ao Senhor. Mas porque eras agradável ao Senhor, fo i
preciso que a tentação te provasse. Agora o Senhor enviou-me para
curar-te e livrar do demônio Sara, mulher de teu filho. Eu sou o anjo
Rafael, um dos sete que assistimos na presença do Senhor’’
(Tobias 12,12-15) (grifos meus).
Em nenhum lugar nos livros protocanônicos do AT, há algu
ma revelação dos 7 anjos que assistem na presença do Senhor e
que Lhe entregam as orações dos justos. Esta revelação é confirma
da no livro do Apocalipse:
“Eu vi os sete Anjos que assistem diante de Deus. Foram-
Ihes dadas sete trombetas. Adiantou-se outro anjo e põs-se jun to ao
altar, com um turíbulo de ouro na mão. Foram-lhe dados muitos per
fumes, para que os oferecesse com as orações de todos os santos no
altar de ouro, que está adiante do trono. A fumaça dos perfumes
subiu da mão do anjo com as orações dos santos, diante de
Deus. Depois disso, o anjo tomou o turíbulo, encheu-o de brasas do
altar e lançou-o por terra; e houve trovões, vozes, relâmpagos e terre
motos” (Ap 8,2-5) (grifos meus).
“Ele se gaba de conhecer a Deus, e se chama a si mesmo filho
do Senhor! Sua existência é uma censura às nossas idéias; basta
sua vista para nos importunar. Sua vida, com efeito, não se parece
com as outras, e os seus caminhos são muito diferentes. Ele nos tem
por uma moeda de mau quilate, e afasta-se de nossos caminhos como
de manchas. Julga fe liz a morte do justo, e gloria-se de ter Deus por
pai. Vejamos, pois, se suas palavras são verdadeiras, e experimen
temos o que acontecerá quando da sua morte, porque, se o justo é
filho de Deus, Deus o defenderá, e o tirará das mãos dos seus adver
sários. Provemo-lo por ultrajes e torturas, a fim de conhecer a sua
doçura e estarmos cientes de sua paciência. Condenemo-lo a uma
morte infame. Porque, conforme ele, Deus deve intervir" (Sabedoria
2,13-21).
105
A profecia acima se refere ao escárnio promovido pelo Sinédrio
contra o Senhor Jesus. Veja o testemunho do NT sobre o cumpri
mento da profecia acima:
“A multidão conservava-se lá e observava. Os príncipes dos
sacerdotes escarneciam de Jesus, dizendo: Salvou a outros, que se
salve a si próprio, se é o Cristo, o escolhido de Deus! [...] Se és o rei
dos judeus, salva-te a ti mesmo, [ . . j Um dos malfeitores, ali crucifica
dos, blasfemava contra ele: Se és o Cristo, salva-te a ti mesmo e sal-
va-nos a nós!” (Lc, 23,35.37.39).
“Mas Jesus se calava e nada respondia. O sumo sacerdote tor
nou a perguntar-lhe: És tu o Cristo, o Filho de Deus bendito? [...] A l
guns começaram a cuspir nele, a tapar-lhe o rosto, a dar-lhe socos e
a dizer-lhe: Adivinha! Os servos igualmente davam-lhe bofetadas”
(Mc 14,61.65)
“Querendo Pilatos satisfazer o povo, soltou-lhes Barrabás e
entregou Jesus, depois de açoitado, para que fosse crucificado. (...)
Davam-lhe na cabeça com uma vara, cuspiam nele e punham-se de
joelhos como para homenageá-lo. Depois de terem escarnecido dele,
tiraram-lhe a púrpura, deram-lhe de novo as vestes e conduziram-no
fora para o crucificar” (Mc 15,15.19-20).
“salva-te a ti mesmo! Desce da cniz! Desta maneira, escarneciam
dele também os sumos sacerdotes e os escribas, dizendo uns para os
outros: Salvou a outros e a si mesmo não pode salvar! Que o Cristo, rei
de Israel, desça agora da cruz, para que vejamos e creiamos! Também
os que haviam sido crucificados com ele o insultavam!’ (Mc 15,30-31).
E importante dizer que nos protocanõnicos do AT, há registro
de coisas muito reprováveis, como as filhas de Lot engravidaram
dele, depois de o embebedar (Gn 19,30-36).O Rei Saul consultou
uma espírita (I Reis 28,8), Abraão arrumou um filho fora de seu
casamento (Gn 16), e o Patriarca Jacó vários (Gn 30,4-5.7.9-10.12).
Davi planejou a morte de um de seus soldados para ficar com sua
esposa (cf. 2 Sm 11). Alguém poderia dizer ainda que o Livro de
Gênesis promove a poligamia (cf. Gn 29,28-30) e todos os cristãos
sobre a terra ainda o consideram canônico apesar disso. Portanto,
se não é o juízo subjetivo e pessoal que coloca ou retira livros no
Cânon Bíblico, o que é? Qual foi o juízo adotado pelos primeiros
cristãos para receber ou não um livro como canônico?
106
C O N C L U S Ã O
E mbora os vários testemunhos acerca do Cânon Bíblico, colhi
dos do séc. I ao XII, sejam das opiniões mais variadas, pode
mos identificar neles algo em comum no critério usado para se ava
liar a canonicidade de um livro: a Tradição da Igreja. Neste impor
tante trabalho, sempre foram consideradas as informações conser
vadas e transmitidas pelos antigos presbíteros. Isso é fortemente
atestado nas expressões como “Conforme aprendi da tradição”
(Origenes), “indicados pelos Padres” (Atanásio de Alexandria), “juízo
das Igrejas” (São Jerônimo), “os bispos do tempo passado e os líde
res da Igreja que nos transmitiram estes livros” (Cirilo de Jerusa
lém), “como nós aprendemos da tradição dos Pais”, “de acordo com
a tradição de nossos antepassados” e “Estas são as tradições que
os Pais nos transmitiram” (estas últimas de Rufino).
Santo Agostinho deixou-nos bem registrado essa norma dos
antigos cristãos:
“Quanto às Escrituras canônicas, siga a autoridade da maioria
das igrejas católicas, entre as quais, sem dúvida, se contam as que
mereceram ser sede dos apóstolos e receber cartas deles. Eis o méto
do que se há de observar no discernimento das Escrituras canônicas:
os livros que são aceitos por todas as igrejas católicas se antepo
nham aos que não são aceitos por algumas. Por outro lado, entre os
livros que algumas igrejas não admitem, prejiram-se os que são acei
tos pelas igrejas mais numerosas e importantes aos que são unica
mente aceitos pelas igrejas menos numerosas e de menor autorida
de. Enjim, no caso de alguns livros serem aceitos por muitas igrejas
e outros pelas igrejas nrais autorizadas, ainda que isso seja dijicil,
eu opino que se atribuam a ambas a mesma autoridade “(AGOSTI
NHO, 2002, p. 96).
107
Isto testifica o princípio pelo qual se define o Cãnon Bíblico
para os cristãos: o juízo da Igreja Católica e Apostólica, não da sina
goga ou dos grupos “cristãos” sectários. Se somente através da Tra
dição e do Magistério da Igreja Católica podemos identificar quais
são os livros canônicos, o que dizer dos demais artigos de fé? A
própria Bíblia ensina que: “A Igreja é a Coluna e o Fundamento da
Verdade” (ci. lTm 3,14). Ora, se Lutero errou em seu julgamento
sobre os livros que deveriam estar na Bíblia, será que não se equi
vocou também em relação a outras doutrinas da Igreja?
Infelizmente alguns cristãos não percebem que o Cristianis
mo foi fundado por Jesus há quase 2 0 0 0 anos e não por homens de
épocas longínquas. Se há dúvidas sobre a autenticidade dos
ensinamentos atuais da Igreja Católica, o modelo de referência não
deve ser interpretações bíblicas pessoais e subjetivas, mas a fé dos
primeiros séculos. A História mostra que embora outros tenham
tomado empréstimo dos princípios de Lutero (“Sola Scriptura” e
“Sola Fide”), o mesmo não ocorreu com a sua doutrina. Lutero vi
veu o bastante para atestar isso, segundo verificamos pelas suas
próprias palavras:
“Este não quer o balismo, aquele nega os sacramentos; há quem
admita outro mundo entre este e o ju ízo final, quem ensina que Cristo
não é Deus; uns dizem isto, outros aquilo, em breve serão tantas as
seitas e tantas as religiões quantas são as cabeças" (LUTHERS, 1919).
A própria História da formação do Cânon Bíblico nos é uma
luz para os tempos vindouros, pois nos mostra que não se constrói
um futuro seguro ignorando o passado.Talvez um estudo mais pro
fundo das origens da Fé e da Memória Cristã possa ajudar os cris
tãos de hoje a superarem os preconceitos impostos pela indústria
da desinformação e pelas barreiras históricas que se instauraram
no seio da Cristandade; e possamos finalmente atender ao pedido
do Senhor: “Que todos sejam um" (cf. Jo 17,11).
O Senhor Jesus orou ao Pai, pedindo para que Pedro confir
masse seus irmãos [os outros apóstolos] na fé (cf. Lc 22,32), e é isto
que a Igreja Católica Apostólica Romana - detentora do Ministério
Petrino - fez ao sempre reafirmar quais são os livros canônicos. Os
seus papéis de Mãe e Mestra (cf. 1 Tm 3,14), a Igreja sempre de
sempenhou com tamanho amor, que sua fidelidade à doutrina dos
ío s
Apóstolos sempre foi reconhecida pelos primeiros cristãos, especi
almente pelos discípulos dos Apóstolos:
“2,3. Portanto, a tradição dos apóstolos, que fo i manifestada no
mundo inteiro, pode ser descoberta e toda igreja por todos os que
queiram ver a verdade. Poderíamos enumerar aqui os bispos que
foram estabelecidos nas igrejas pelos apóstolos e seus sucessores
até nós; e eles nunca ensinaram nem conheceram nada que se pare
cesse com o que essa gente [os hereges] vai delirando. [...] Mas visto
que seria coisa bastante longa elencar numa obrar como esta, as
sucessões de todas as igrejas, limitar-nos-emos à maior e mais anti
ga e conhecida por todos, à igreja fundada e constituída em Roma,
pelos dois gloriosíssimos apóstolos, Pedro e Paulo, e, indicando a
sua tradição recebida dos apóstolos e a fé anunciada aos homens,
que chegou até nós pelas sucessões dos bispos, refutaremos todos
os que de alguma forma, quer por enfatuação ou vangloria, que por
cegueira ou por doutrina errada, se reúnem prescindindo de qual
quer legitimidade. Com efeito, deve necessariamente estar de acordo
com ela, por causa da sua origem mais excelente, toda a igreja, isto é,
os fié is de todos os lugares, porque nela sempre fo i conservada, de
maneira especial, a tradição que deriva dos apóstolos" (IRENEU,
1995, p. 249-250).
“Inácio, também chamado Teoforo, à Igreja que preside na re
gião dos romanos, digna de Deus, digna de honra, digna de ser cha
mada fe liz ’, digna de louvor, digna de sucesso, digna de pureza,
que preside ao amor, que porta a lei de Cristo, que porta o nome do
Pai, eu a saúdo em nome de Jesus Cristo, o Filho do Pai” (INACIO,
1995, p. 103).
Por isso mesmo, ainda hoje na Igreja Católica Romana podem
ser ecoadas as palavras de São Paulo aos Romanos:
“Primeiramente, dou graças a meu Deus, por meio de Jesus
Cristo, por todos vós, porque em todo o mundo é preconizada a vossa
fé. [...] A vossa obediência se tomou notória em toda parte, razão por
que eu me alegro a vosso respeito. [...] O Deus da paz em breve não
tardará a esmagar Satanás debaixo dos vossos pés. A graça de nos
so Senhor Jesus Cristo esteja convosco!” (Rm 1,8; 16,19-20).
109
APÊNDICE I
Influências dos livros
Deuterocanônicos do A T no N T
1. Ordenação pelos livros do N ovo Testamento
Evangelho segundo Mateus
Mt 4,4 = Sb 16,26; Mt 4,15 = lM c 5,15; Mt 5,18 = Br 4,1; Mt 5,28
= Eclo 9,8; Mt 5,2-4 = Eclo 25,7-12; Mt-5,4 = Eclo 48,24; Mt 6,7 =
Eclo 7,14; Mt 6,9 = Eclo 23,1.4; Mt 6,10 = 1Mc 3,60; Mt 6,12 = Eclo
28,2; Mt 6,13 = Eclo 33,1; Mt 6,20 = Eclo 29,10-11; Mt 6,23 = Eclo
14,10; Mt 6,33 = Sb 7,11; Mt 7,12 = Tb 4,15 / Eclo 31,15; Mt 7,16
= Eclo 27,6; Mt 8,11 = Br 4,37; Mt 8,21 = Tb 4,3; Mt 9,36 = Jdt
11,19; Mt 9,38 = lM c 12,17; Mt 10,16 = Eclo 13,17; Mt 11,14 =
Eclo 48,10; Mt 11,22 = Jdt 16,17; Mt 11,25 = Tb 7,17 / Eclo 51,1;
Mt 11,28 = Eclo 24,19 / Eclo 51,23; Mt 11,29 = Eclo 6,24-25 / Eclo
6,28-29 / Eclo 51,26-27; Mt 12,4 = 2Mc 10,3 ; Mt 12,5 = Eclo
40,15; Mt 13,44 = Eclo 20,30-31; Mt 16,18 = Sb 16,13; Mt 16,22 =
lM c 2,21; Mt 16,27 = Eclo 35,22; Mt 17,1 = Eclo 48,10; Mt 18,10 =
Tb 12,15; Mt 20,2 = Tb 5,15; Mt 22,13 = Sb 17,2; Mt 23,38 = Tb
14,4; Mt 24,15 = lM c 1,54 / 2Mc 8,17; Mt 24,16 = lM c2,28; Mt
25,35 = Tb 4,17; Mt 25,36 = Eclo 7,32-35; Mt 26-38 = Eclo 37,2; Mt
27,24 = Dn 13,46; Mt 27,43 = Sb 2,13 / Sb 18-20.
Evangelho segundo Marcos
Mc 1,15 = Tb 14,5; Mc 4,5 = Eclo 40,15; Mc 4,11 = Sb 2,22; Mc
5,34 = Jdt 8,35; Mc 6,49 = Sb 17,15; Mc 8,37 = Eclo 26,14; Mc 9,31
= Eclo 2,18; Mc 9,48 = Jdt 16,17; Mc 10,18 = Eclo 4,1; Mc 14,34 =
Eclo 37^2; Mc 15,29 = Sb 2,17.
111
Evangelho segundo Lucas
Lc 1,17 = Eclo 48,10; Lc 1,19 = Tb 12,15; Lc, 1,19 = Tb 12,15; Lc
1,42 = Jdt 13,18; Lc 1,52 = Eclo 10,14; Lc 2,29 = Tb 11,9; Lc 2,37
= Jdt 8 ,6 ; Lc 6,35 = Sb 15,1; Lc 7,22 = Eclo 48,5; Lc 9,8 = Eclo
48,10; Lc 10,17 = Tb 7,17; Lc 10,19 = Eclo 11,19; Lc 10,21 = Eclo
51,1; Lc 12,19 = Tb- 7,10; Lc 12,20 = Sb 15,8; Lc 13,25 = Tb 14,4;
Lc 13,27 = lM c 3,6; Lc 13,29 = Br 4,37; Lc 14,13 = Tb 2,2; Lc 15,12
= lM c 10,29[30] / Tb 3,17; Lc 18,7 = Eclo 35,22; Lc 19,44 = Sb 3,7;
Lc 21,24 = Tb 14,5; Lc 21,24 = Eclo 28,18; Lc 21,25 = Sb 5,22; Lc
24,4 = 2Mc 3,26; Lc 24,31 = 2Mc 3,34; Lc 24,50 = Eclo 50,20-21;
Lc 24,53 = Eclo 50,22-23.
Evangelho segundo João
Jo 1,3 = Sb 9,1; Jo 3,8 = Eclo 16,21; Jo 3,12 = Sb 9,16 / Sb 18,15-
16; Jo 3,13 = Br 3,29; Jo 3,28 = lM c 9,39; Jo 3,32 = Tb 4,6; Jo 4,9
= Eclo 50,25-26; Jo 4,48 = Sb 8 ,8 ; Jo 5,18 = Sb 2,16; Jo 6,35 = Eclo
24,21; Jo 7,38 = Eclo 24,40 / Eclo 43,30-31; Jo 8,44 = Sb 2,24; Jo
8,53 = Eclo 44,19; Jo 10,20 = Sb 5,4; Jo 10,22 = lM c 4,59; Jo
14,15 = Sb 6,18; Jo 15,9-10 = Sb 3,9; Jo 17,3 = Sb 15,3; Jo 20,22
= Sb 15,11.
Atos dos Apóstolos
At 1,10 = 2Mc 3,26; At 1,18 = Sb 4,19; At 2,4 = Eclo 48,12; At 2,1 1
= Eclo 36,7; At 2,39 = Eclo 24,32; At 4,24 = Jdt 9,12; At 5,2 = 2Mc
4,32; At 5,12 = lM c 12,6; At 5,21 = 2Mc 1,10; At 5,39 = 2Mc 7,19;
A t 9,1-29 = 2Mc 3,24-40; At 9,2 = lM c 15,21; At 9,7 = Sb 18,1; At
10,2= Tb 12,8; At 10,22= lM c 10,25/ lM c 11,30.33 etc.; At 10,26
= Sb 7,1; At 10,30 = 2Mc 11,8; At 10,34 = Eclo 35,12-13; A t 10,36
= Sb 6,7 / Sb 8,3 etc.; At 11,18 = Sb 12,19; At 12,5 = Jdt 4,9; At
12,10 = Eclo 19,26; At 12,23 = Jdt 16,17; At 12,23 = Eclo 48,21 /
lM c 7,41 / 2Mc 9,9; At 13,10 = Eclo 1,30; At 13,17 = Sb 19,10; At
14.14 = Jdt 14,16-17; At 14,15 = Sb 7,3; At 15,4 = Jdt 8,26; At
16.14 = 2Mc 1,4; At 17,23 = Sb 14,20 / Sb 15,17; At 17,24 = Tb
7,17 / Sb 9,9; At 17,24-25 = Sb 9,1; At 17,26 = Sb 7,18; At 17,27 =
Sb 13,6; At 17,29 = Sb 13,10; At 17,30 = Eclo 28,7; At 19,7 = Sb
3,17; At 19,28 = Dn 14,18.41; At 20,26 = Dn 13,46; At 20,32 = Sb
5,5; At 20,35 = Eclo 4,31; At 21,26 = lM c 3,49; At 22,9 = Sb 18,1;
At 24,2 = 2Mc 4,6; At 26,18 = Sb 5,5; At 26,25 = Jdt 10,13.
112
Epístola aos Romanos
Rm 1,19-32 = Sb 13-15; Rm 1,21 = Sb 13,1; Rm 1,23 = Sb 11,15 /
Sb 12,24; Rm 1,28 = 2Mc 6,4; Rm 2,4 = Sb 11,23; Rm 2,11 = Eclo
35,12-13; Rm 2,15 = Sb 17,11; Rm 4,13 = Eclo 44,21; Rm 4,17 =
Eclo 44,19; Rm 5,5 = Eclo 18,11; Rm 5,12 = Sb 2,24; Rm 9,4 = Eclo
44,12 / 2Mc 6,23; Rm 9,19 = Sb 12,12; Rm 9,21 = Sb 15,7; Rm
9,31 = Eclo 27,8 / Sb 2,11; Rm 10,7 = Sb 16,13; Rm 10,6 = Br
3,29; Rm 11,4 = 2Mc 2,4; Rm 11,15 = Eclo 10,20-21; Rm 11,33 =
Sb 17,1; Rm 12,15 = Eclo 7,34; Rm 13,1 = Eclo 4,27; Rm 13,1 = Sb
6,3-4; Rm 13,10 = Sb 6,18; Rm 15,4 = lM c 12,9; Rm 15,8 = Eclo
36,20.
Epístola aos Coríntios
ICor 1,24 = Sb 7,24-25; ICor 2,9 = Eclo 1,10; ICor 2,16 = Sb 9,13;
ICor 4,13 =Tb 5,19; lC or4 ,14 = Sb 11,10; ICor 6,2 = Sb 3,8; ICor
6 ,12= Eclo 37,28; ICor 6,13 = Eclo 36,18; ICor 6,18 = Eclo 23,17;
ICor 7,19 = Eclo 32,23; ICor 9,19 = Eclo 6,19; ICor 9,25 = Sb 4,2;
ICor 10,1 = Sb 19,7-8; ICor 10,20 = Br 4,7; ICor 10,23 = Eclo
37,28; ICor 11,7 = Eclo 17,3 / Sb 2,23; ICor 11,24 = Sb 16,6; ICor
15,29 = 2Mc 12,43-44; ICor 15,32 = Sb 2,5-6; ICor 15,34 = Sb
13,1.
Epístola aos Coríntios
2Cor 5,1.4 = Sb 9,15; 2Cor 12,12 = Sb 10,16.
Epístola aos Gálatas
G1 2,6 = Eclo 35,13; G1 4,4 = Tb 14,5; G1 6,1 = Sb 17,17.
Epístola aos Efésios
E f 1,6 = Eclo 45,1 / Eclo 46,13; E f 1,17 = Sb 7,7; E f 4,14 = Eclo 5,9;
E f 4,24 = Sb 9,3; Ef 6,12 = Sb 5,17; E f 6,14 = Sb 5,18; E f 6,16 = Sb
5,19.21.
Epístola aos Filipenses
F1 4,5 = Sb 2,19; F1 4,13 = Sb 7,23; F1 4,18 = Eclo 35,6.
Epístola aos Colossenses
Cl 2,3 = Eclo 1,24-25.
113
Ia Epístola aos Tessalonicenses
lTs 3,11 = Jdt 12,8; lT s 4 ,6 = Eclo 5,3; lTs 4,13 = Sb 3,18; 1Ts 5,1
= Sb 8,8; lTs 5,2 = Sb 18,14-15; lTs 5,3 = Sb 17,14; lTs 5,8 = Sb
5,18.
2a Epístola aos Tessalonicenses
2Ts 2,1 = 2Mc 2,7.
Ia Epístola a Timóteo
lTm 1,17 = Tb 13,7.11; lTm 2,2 = 2Mc 3,11 / Br 1,11-12; lTm
6,15 = Eclo 46,5 / 2Mc 12,15 / 2Mc 13,4.
2a Epístola a Timóteo
2Tm 2,19 = Eclo 17,26 / Eclo 23,10 (vl) / Eclo 35,3; 2Tm 4,8 = Sb
5,16; 2Tm 4,17 = lMc 2,60.
Epístola a Tito
Tt 2,11 = 2Mc 3,30; Tt 3 ,4 = Sb 1,6.
Epístola aos Hebreus
Hb 1,3 = Sb 7,25-26; Hb 2,5 = Eclo 17,17; Hb 4,12 = Sb 18,15-16
/ Sb 7,22-30; Hb 5,6 = lMc 14,41; Hb 7,22 = Eclo 29,14-16; Hb
11,5 = Eclo 44,16 / Sb 4,10; Hb 11,6 = Sb 10,17; Hb 11,10 = Sb
13,1 / 2Mc 4,1; Hb 11 ,17= 1Mc 2,52 / Eclo 44,20; Hb 11,27 = Eclo
2,2; Hb 11,28 = Sb 18,25; Hb 11,35 = 2Mc 6,18-7,42; Hb 12,4 =
2Mc 13,14; Hb 12,9 = 2Mc 3,24; Hb 12,12 = Eclo 25,23; Hb 12,17
= Sb 12,10; Hb 12,21 = lMc 13,2; Hb 13,7 = Eclo 33,19 / Sb 2,17.
Epístola de Tiago
Tg 1,1 = 2 Mc 1,27; Tg 1,2 = Eclo 2,1 / Sb 3,4-5; Tg 1,13 = Eclo
15,11-20; Tg 1,19 = Eclo 5,11; Tg 1,21 = Eclo 3,17; Tg 2,13 = Tb
4,10; Tg 2,23 = Sb 7,27; Tg 3,2 = Eclo 14,1; Tg 3,6 = Eclo 5,13; Tg
3,9 = Eclo 23,1.4; Tg 3 ,10 = Eclo 5,13 / Eclo 28,12; Tg 3,13 = Eclo
3,17; Tg 4 ,2 = lMc 8,16; Tg 4,11 = Sb 1,11; Tg 5,3 = Jdt 16,17 /
Eclo 29,10; Tg 5,4 = Tb 4,14; Tg 5,6 = Sb 2,10 / Sb 2,12 / Sb 2,19.
I a Epístola de Pedro
lPd 1,3 = Eclo 16,12; lPd 1,7 = Eclo 2,5; lPd 2,25 = Sb 1,6; lPd
4,19 = 2Mc 1,24 etc.; lPd 5,7 = Sb 12,13.
114
2a Epístola de Pedro
2Pd 2,2 = Sb 5,6; 2Pd2,7 = Sb 10,6; 2Pd 3,9 = Eclo 35,19; 2Pd 3,18
= Eclo 18,10.
I a Epístola de João
lJo 5,21 = Br 5,72.
Epístola de Judas
Jd 1,13 = Sb 14,1.
Livro do Apocalipse
Ap 1,18 = Eclo 18,1; Ap 2,10 = 2Mc 13,14; Ap 2,12 = Sb 18,16[15];
Ap 2,17 = 2Mc 2,4-8; Ap 4,11 = Eclo 18,1 / Sb 1,14; Ap 5,7 = Eclo
1,8; Ap 7,9 = 2Mc 10,7; Ap 8,1 = Sb 18,14; Ap 8,2 = Tb 12,15; Ap
8,3 = Tb 12,12; Ap 8,7 = Eclo 39,29 / Sb 16,22; Ap 9,3 = Sb 16,9;
Ap 9,4 = Eclo 44,18 etc.; Ap 11,19 = 2Mc 2,4-8; Ap 17,14 = 2Mc
13,4; Ap 18,2 = Br 4,35; Ap 19,1 = Tb 13,18; Ap 19,11 = 2Mc 3,25
/ 2Mc 11,8; Ap 19,16 = 2Mc 13,4; Ap 20,12-13 = Eclo 16,12; Ap
21,19-20 = Tb 13,17.
2. Ordenação pelos livros Deuterocanônicos do A T
Acréscimos de Daniel
Dn 13,46 = Mt 27,24 / At 20,26; Dn 14,18.41 = At 19,28.
Profeta Baruc
Br 1,11-12 = lTm 2,2; Br 3,29 = Jo 3,13 / Rm 10,6; Br 4,1 = Mt
5,18; Br 4,7 = ICor 10,20; Br 4,35 = Ap 18,2; Br 4,37 = Mt 8,11 /
Lc 13,29; Br 5,72 = lJo 5,21.
Eclesiástico (ou Sirácida!
Eclo 1,8 = Ap 5,7; Eclo 1,10 = ICor 2,9; Eclo 1,24-25 = Cl 2,3; Eclo
1,30 = At 13,10; Eclo 2,1 = Tg 1,2; Eclo 2,2 = Hb 11,27; Eclo 2,5 =
lPd 1,7; Eclo 2,18 = Mc 9,31; Eclo 3,17 = Tg 1,21 / Tg 3,13; Eclo
4,1 = Mc 10,18; Eclo 4,27 = Rm 13,1; Eclo 4,31 =At 20,35; Eclo 5,3
= lTs 4,6; Eclo 5,9 = E f 4,14; Eclo 5,11 = T g 1,19; Eclo 5,13 = Tg 3,6
/ Tg 3,10; Eclo 6,19 = ICor 9,19; Eclo 6,24-25 = Mt 11,29; Eclo
115
6,28-29 = Mt 11,29; Eclo 7,14 = Mt 6,7; Eclo 7,32-35 = Mt 25,36;
Eclo 7,34 = Rm 12,15; Eclo 9,8 = Mt 5,28; Eclo 10,14 = Lc 1,52;
Eclo 10,20-21 = Rm 11,15; Eclo 11,19 = Lc 10,19; Eclo 13,17 = Mt
10,16; Eclo 14,1 =Tg 3.2; Eclo 14,10 = Mt 6,23; Eclo 15,11-20 = T g
1,13; Eclo 16,12 = lPd 1,3; Eclo 16,12 = Ap 20,12-13; Eclo 16,21 =
Jo 3,8; Eclo 17,3 = ICor 11,7; Eclo 17,17 = Hb 2,5; Eclo 17,26 =
2Tm 2,19; Eclo 18,1 = Ap 1,18 / Ap 4,11; Eclo 18,10 = 2Pd 3,18;
Eclo 18,11 = Rm 5,5; Eclo 19,26 = At 12,10; Eclo 20,30-31 = Mt
13,44; Eclo 23,1.4 = Mt 6,9 / Tg 3,9; Eclo 23,10 (vl) = 2Tm 2,19;
Eclo 23,17 = ICor 6,18; Eclo 24,19 = Mt 11,28; Eclo 24,21 = Jo
6,35; Eclo 24,32 = At 2,39; Eclo 24,40; 43,30-31 = Jo 7,38; Eclo
25,7-12 = Mt 5,2-4; Eclo 25,23 = Hb 12,12; Eclo 26,14 = Mc 8,37;
Eclo 27,6 = Mt 7,16; Eclo 27,8 = Rm 9,31; Eclo 28,2= Mt 6,12; Eclo
28.7 = At 17,30; Eclo 28,12 = Tg 3,10; Eclo 28,18 = Lc 21,24; Eclo
29.10 = Tg 5,3; Eclo 29,10-11 = Mt 6,20; Eclo 29,14-16 = Hb 7,22;
Eclo 31,15 = ML 7,12; Eclo 32,23 = ICor 7,19; Eclo 33,1 = Mt 6,13;
Eclo 33,19 = Hb 13,7; Eclo 35,3 = 2Tm 2,19; Eclo 35,6 = F1 4,18;
Eclo 35,12-13 = At 10,34; Eclo 35,12-13 = Rm 2,11; Eclo 35,13 =
G1 2,6; Eclo 35,19 = 2Pd 3,9; Eclo 35,22 = Mt 16,27 / Lc 18,7; Eclo
36.7 = At 2,11; Eclo 36,18 = ICor 6,13; Eclo 36,20 = Rm 15,8; Eclo
37,2 = Mt 26,38; Eclo 37,2 = Mc 14,34; Eclo 37,28 = ICor 6,12 /
ICor 10,23; Eclo 39,29 = Ap 8,7; Eclo 40,15 = Mt 12,5 / Mc 4,5;
Eclo 44,12 = Rm 9,4; Eclo 44,16 = Hb 11,5; Eclo 44,18 etc. = Ap
9,4; Eclo 44,19 = Jo 8,53 / Rm 4,17; Eclo 44,20 = Hb 11,17; Eclo
44,21 = Rm 4,13; Eclo 45,1 = E f 1,6; Eclo 46,5 = lTm 6,15; Eclo
46,13 = Ef 1,6; Eclo 48,5 = Lc 7,22; Eclo 48,10 = Mt 11,14 / Mt
17.11 / Lc 1,17 / Lc 9,8; Eclo 48,12 = At 2,4; Eclo 48,21 = At
12,23; Eclo 48,24 = Mt 5,4; Eclo 50,20-21 = Lc 24,50; Eclo 50,22 =
Lc 24,53; Eclo 50,25-26 = Jo 4,9; Eclo 51,1 = Mt 11,25 / Lc 10,21;
Eclo 51,23 = Mt 11,28; Eclo 51,26-27 = Mt 11,29.
Livro da Sabedoria
Sb 1,6 =T t 3,4 / lPd 2,25; Sb 1,11 = Tg 4,11; Sb 1,14 = Ap 4,11; Sb
2,5-6 = ICor 15,32; Sb 2,10 = Tg 5,6; Sb 2,11 = Rm 9,31; Sb 2,12
= Tg 5,6; Sb 2,13 = Mt 27,43; Sb 2,16 = Jo 5,18; Sb 2,17 = Hb 13,7;
Sb 17-18 = Mc 15,29; Sb 2,18-20 = Mt 27,43; Sb 2,19 = F1 4,5 / Tg
5,6; Sb 2,22 = Mc 4,11; Sb 2,23 = ICor 11,7; Sb 2,24 = Jo 8,44 /
116
Rm 5,12; Sb 3,4-5 = Tg 1,2; Sb 3,7 = Lc 19,44; Sb 3,8 = ICor 6,2;
Sb 3,9 = Jo 15,9-10; Sb 3,17 = At 19,27; S b3 ,18= lTs 4,13; Sb 4,2
= ICor 9,25; Sb 4,10 = Hb' 11,5; Sb 4,19 = At 1,18; Sb 5,4 = Jo
10,20; Sb 5,5 = At 20,32 / At 26,18; Sb 5,6 = 2Pd 2,2; Sb 5,16 =
2Tm 4,8; Sb 5,17 = E f 6,12; Sb 5,18 = Ef 6,14; Sb 5,18 = lTs 5,8;
Sb 5,19.21 = E f 6,16; Sb 5,22 = Lc 21,25; Sb 6,3-4 = Rm 13,1; Sb
6,7 = At 10,36; Sb 6,18 = Jo 14,15 / Rm 13,10; Sb 7,1 = At 10,26;
Sb 7,3 = At 14,15; Sb 7,7 = E f 1,17; Sb 7,11 = Mt 6,33; Sb 7,18 = At
17,26; Sb 7,22-30 = Hb 4,12; Sb 7,23 = F1 4,13; Sb 7,24-25 = ICor
1,24; Sb 7,25-26 = Hb 1,3; Sb 7,27 = Tg 2,23; Sb 8,3 etc. = At
10,36; Sb 8 ,8 = Jo 4,48 / lTs 5,1; Sb 9,1 = Jo 1,3 / At 17,24-25; Sb
9,3 = E f 4,24; Sb 9,9 = At 17,24; Sb 9,13 = ICor 2,16; Sb 9,15 =
2Cor 5,1.4; Sb 9,16 = Jo 3,12; Sb 10,6 = 2Pd 2,7; Sb 10,16 = 2Cor
12,12; Sb 10,17 = Hb 11,6; Sb 11,10 = ICor 4,14; Sb 11,15 = Rm
1,23; Sb 11,23 = Rm 2,4; Sb 12,10 = Hb 12,17; Sb 12,12 = Rm
9,19; Sb 12,13 = lPd 5,7; Sb 12,19 = At 11,18; Sb 12,24 = Rm
1,23; Sb 13-15 = Rm 1,19-32; Sb 13,1 = Rm 1,21 / ICor 15,34 /
Hb 11,10; Sb 13,6 = At 17,27; Sb 13,10 = At 17,29; Sb 14,1 = Jd
1,13; Sb 14,20 = At 17,23; Sb 15,1 = Lc 6,35; Sb 15,3 = Jo 17,3; Sb
15,6 = Rm 9,21; Sb 15,8 = Lc 12,20; Sb 15,11 = Jo 20,22; Sb 15,17
= At 17,23; Sb 16,6 = ICor 11,24; Sb 16,9 = Ap 9,3; Sb 16,13 = Mt
16,18 / Rm 10,7; Sb 16,22 = Ap 8,7; Sb 16,26 = Mt 4,4; Sb 17,1 =
Rm 11,33; Sb 17 ,2=M t 22,13; Sb 17,11 =Rm 2,15; Sb 17,14= lTs
5,3; Sb 17,15 = Mc 6,49; Sb 17,17 = G1 6,1; Sb 18,1 = At 9,7 / At
22,9; Sb 18,14 = Ap 8,1; Sb 18,14-15 = lTs 5,2; Sb 18,15-16 = Jo
3,12 / Hb 4,12; Sb 18,16[15] = Ap 2,12; Sb 18,25 = Hb 11,28; Sb
19,7-8 = ICor 10,1; Sb 19,10 = At 13,17.
Tobias
Tb 2,2 = Lc 14,13; Tb 3,17 = Lc 15,12; Tb 4,3 = Mt 8,21; Tb 4,6 = Jo
3,32; Tb 4,10 = Tg 2,13; Tb 4,14 = Tg 5,4; Tb 4,15 = Mt 7,12; Tb
4,17 = Mt 25,35; Tb 5,15 = Mt 20,2; Tb 5,19 = ICor 4,13; Tb 7,10 =
Lc 12,19; Tb 7,17 = Mt 11,25 / Lc 10,17 / At 17,24; Tb 11,9 = Lc
2,29; Tb 12,8 = At 10,2; Tb 12,12 = Ap 8,3; Tb 12,15 = Mt 18,10 /
Lc 1,19 / Ap 8,2; Tb 13,7.11 = lTm 1,17; Tb 13,17 = Ap 21,19-20;
Tb 13,18 = Ap 19,1; Tb 14,4 = Mt 23,38 / Lc 13,25; Tb 14,5 = Mc
1,15 / Lc 21,24 / G1 4,4.
117
Judite
Jdt 4,9 = At 12,5; Jdt 8,6 = Lc 2,37; Jdt 8,26 = At 15,4; Jdt 8 ,35 =
Mc 5,34; Jd 9,12 = At 4,24; Jdt 10,13 = At 26,25; Jdt 11,19 = Mt
9,36; Jdt 12,8 = lTs 3,11; Jdt 13,18 = Lc 1,42; Jdt 14,16-17 = At
14,14; Jdt 16,17 = Mt 11,22 / Mc 9,48 / At 12,23 / Tg 5,3.
1° Livro dos Macabeus
4,2; lMc 9,39 = Jo 3,28; lMc 10,25 = At 10,22; lMc 10,29[30] = Lc
15,12; lMc 11,30.33 etc. = At 10,22; lMc 12,6 = At 5,12; lMc 12,9
= Rm 15,4; lMc 12,17 = Mt 9,38; lMc 13,2 = Hb 12,21; lMc 14,41
= Hb 5,6; lMc 15,21 = At 9,2.
2° Livro dos Macabeus
2Mc 1,4 = At 16,14; 2Mc 1,10 = At 5,21; 2Mc 1,24 etc. = lPd 4,19;
2Mc 1,27 = Tg 1,1; 2Mc 2,4 = Rm 11,4; 2Mc 2,4-8 = Ap 2,17 / Ap
11,19; 2Mc 2,7 = 2Ts 2,1; 2Mc 3,11 = lTm 2,2; 2Mc 3,24 = Hb
12,9; 2Mc 3,24-40 = At 9,1-29; 2Mc 3,25 = Ap 19,11; 2Mc 3 ,26 =
Lc 24,4; 2Mc 3,26 = At 1,10; 2Mc 3,30 = Tt 2,11; 2Mc 3 ,34 = Lc
24,31; 2Mc 4,1 = Hb 11,10; 2Mc 4,6 = At 24,2; 2Mc 4 ,32 = At 5,2;
2Mc 6,4 = Rm 1,28; 2Mc 6 ,18-7,42 = Hb 11,35; 2Mc 6,23 = Rm 9,4;
2Mc 7,19 = At 5,39; 2Mc 8,17 = Mt 24,15; 2Mc 9,9 = At 12,23; 2Mc
10.3 = Mt 12,4; 2Mc 10,7 = Ap 7,9; 2Mc 11,8 = At 10,30 / Ap
19,11; 2Mc 12,15 = lTm 6,15; 2Mc 12,43-44 = ICor 15,29; 2Mc
13.4 = lTm 6,15 / Ap 17,14 / Ap 19,16; 2Mc 13,14 = Hb 12,4 / Ap
2 , 10 .
Este estudo é de autoria do Prof. Carlos Ramalhete (RAMALHETE,
2000 ).
118
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helênico.
17
ção grega das escrituras sagradas dos judeus. Esta foi a primeira
tradução feita dos livros hebraicos para uma outra língua. A tradu
ção do hebraico para o grego, segundo a tradição, foi feita por 72
escribas durante 72 dias, por isso possui o nome Septuaginta que
significa “Tradução dos Setenta”.
A primeira menção ã versão da Septuaginta encontra-se em
um escrito chamado “Carta de Aristéias” . Segundo esta carta,
Ptolomeu II Filadelfo tinha estabelecido recentemente uma valiosa
biblioteca em Alexandria. Ele foi persuadido por Demétrio de Fálaro
(responsável pela biblioteca) a enriquecê-la com uma cópia dos li
vros sagrados dos judeus. Para conquistar as boas graças deste
povo, Ptolomeu, por conselho de Aristéias (oficial da guarda real,
egípcio de nascimento e pagão por religião) emancipou 100 mil es
cravos, de diversas regiões de seu reino. Então, enviou represen
tantes (entre os quais Aristéias) a Jerusalém e pediu a Eliazar (o
Sumo Sacerdote dos judeus) para que fornecesse uma cópia da Lei
e judeus capazes de traduzi-la para o grego. A embaixada obteve
sucesso: uma cópia da Lei ricamente ornamentada foi enviada para
o Egito, acompanhada por 72 peritos no hebraico e no grego (seis
de cada Tribo8) para atender o desejo do rei. Estes foram recebidos
com grande honra e durante sete dias surpreenderam a todos pela
sabedoria que possuíam, demonstrada em respostas que deram a
72 questões: então, eles foram levados para a isolada ilha de Faros
e ali iniciaram os seus trabalhos, traduzindo a Lei, ajudando uns
aos outros e comparando as traduções conforme iam terminando.
Ao final de 72 dias, a tarefa estava concluída. A tradução foi lida na
presença de sacerdotes judeus, príncipes e povo, reunidos em
Alexandria; a tradução foi reconhecida por todos e declarada em
perfeita conformidade com o original hebraico. O rei ficou profun
damente satisfeito com a obra e a depositou na sua biblioteca.
Comumente se acredita, que a Carta de Aristéias foi escrita
por volta de 200 a.C., 50 anos após a morte do Rei Filadelfo.
Não há ainda entre os estudiosos um consenso sobre a ori
gem e autenticidade desta carta. Embora a grande maioria consi-
8- Por ordem divina o povo de Israel foi classificado em 12Tribos, cada uma tendo origem em
dos filhos do Patriarca Jacó (cf. Gn 49).
18
dere seu conteúdo fantasioso e lendário, questiona-se se não há
algum fundamento histórico disfarçado sob os detalhes lendários.
Por exemplo, hoje se sabe com certeza que o Pentateuco foi mesmo
traduzido em Alexandria.
Difusão e revisões
Pelo fato de serem pouquíssimos os Judeus que ainda possu
íam conhecimento da língua hebraica, principalmente após o domí
nio helenista (entre os séculos IV e I a.C.) onde o koiné (grego popu
lar) era o idioma falado, a Septuaginta foi bem acolhida, principal
mente pelos judeus alexandrinos que foram os seus principais
difusores, pelas nações onde o grego era falado. A Septuaginta foi
usada por diferentes escritores e suplantou os m anuscritos
hebraicos na vida religiosa (JAEGER, 1991).
Em razão de sua grande difusão no mundo helênico (tanto
entre judeus, filósofos gregos e cristãos), as cópias da Septuaginta
passaram a se multiplicar, dando origem a variações contextuais.
Orígenes9, motivado pela necessidade de restaurar o texto à
sua condição original, dá origem à sua revisão que ficou registrada
em sua famosa obra, conhecida como Hexápla10.
Luciano, sacerdote de Antioquia e mártir, no início do séc. IV
publicou uma edição corrigida de acordo com o hebraico; tal edição
reteve o nome de koiné, edição vulgar, e, às vezes, é chamada de
Loukianos, após o nome de seu autor.
Finalmente, Hesíquio, um bispo egípcio, publicou, quase que
ao mesmo tempo, uma nova revisão, difundida principalmente no
Egito.
Os Manuscritos
Os três manuscritos mais conhecidos da Septuaginta são: o
Vaticano (Codex Vaticanus), do séc. IV; o A lexandrino (Codex
Alexandrínus), do séc. V, atualmente no Museu Britânico de Lon
'' Há uma breve biografia no capitulo 5.
111 Recebe este nome por dispor do texto do AT em 6 colunas distintas, cada uma conforme
uma tradução (hebraico, a LXX, versão de Áquila, versão de Símaco, versão deTeodocião,
e outra de m enui importância). Foi perdida restando em nossos dias som ente alguns
fragm entos.
19
dres; e o do Monte Sinai (Codex Sinaiticus), do séc. IV, descoberto
por Tischendorf no convento de Santa Catarina, no Monte Sinai, em
1844 e 1849, sendo que parte se encontra em Leipzig e parte em
São Petersburgo.
Todos foram escritos em unciais11. O Codex Vatícanus é con
siderado o mais fiel dos três; é geralmente tido como o texto mais
antigo, embora o Codex Alexandrinus carregue consigo o texto da
Hexapla e tenha sido alterado segundo o Texto Massorético. O Codex
Vatícanus é referido pela letra B; o Codex Alexandrinus, pela letra
A; e o Codex Sinaiticus, pela primeira letra do alfabeto hebraico
[Aleph] ou S.
Os livros que estão presentes na Septuaginta
Os livros presentes na Septuaginta, conforme a ordem origi
nal: Gênesis, Êxodo, Levitico, Números, Deuteronômio, Josué,
Juizes, Rute, 1 Samuel (1 Reis), 2 Samuel (2 Reis), 1 Reis (3 Reis), 2
Reis (4 Reis), 1 Crônicas (1 Paralipôm enos), 2 C rônicas (2
Paralipômenos), 1 Esdras, 2 Esdras (Esdras e Neemias), Ester,
Judite, Tobias, 1 Macabeus, 2 Macabeus, 3 Macabeus, 4 Macabeus,
Salmos, Odes, Provérbios, Eclesiastes, Cântico dos Cânticos, Job,
Sabedoria, Eclesiástico (Sirac), Salmos de Salomão, Oséias, Amós,
Miquéias, Joel, Obadias, Jonas, Naum, Habacuque, Sofonias, Ageu,
Zacarias, Malaquias, Isaías, Jeremias, Lamentações, Baruque, Epís
tola de Jeremias, Ezequiel, Suzana12, Daniel, Bel e o Dragão (SOCI
EDADE BÍBLICA DO BRASIL, 2003, Xii-Xiii).
É importante notar que o conjunto de livros da Septuaginta é
bem maior do que qualquer versão do AT disponível nas Bíblias
Católica, Ortodoxa e Protestante. O que isto necessariamente signi
fica? Será que o catálogo da LXX corresponderia a um cânon bíbli
co conhecido e utilizado pelos antigos Judeus? Jesus e os Apósto
los utilizaram este catálogo mais amplo de Escrituras Sagradas?
11 Letras maiúsculas.
12 "H istória de Suzana" que consta corno apêndice no livro de Daniel nas Bíblias Católicas e
Ortodoxas.
20
C A P Í T U L O 3
As Escrituras Sagradas
utilizadas no tempo de Jesus
C omumente é veiculada a informação (principalmente em síti
os na Internet e livros, ambos de origem protestante) de que
desus e os Apóstolos não utilizaram a versão grega da Septuaginta,
mas que manusearam as Escrituras do AT em manuscritos dispo
níveis em h eb ra ico13. Isto se deve basicam ente, ao fato da
Septuaginta possuir livros que são considerados apócrifos pelas
confissões protestantes. Desta forma, a tese propõe que Jesus e os
Apóstolos não manusearam esta versão grega das Escrituras.
Os cristãos crêem que Jesus foi concebido pelo Espírito Santo
110 ventre da Virgem Maria. A referência mais conhecida à doutrina
da concepção virginal de Maria está em Mateus 1,18-23.
Mateus, após relatar que a Mãe do Senhor concebeu por obra
do Espírito Santo, antes de coabitar com José, e que então, um anjo
do Senhor apareceu a José em sonhos para informar que este não
deveria recusá-la como sua esposa, pois o filho que ela concebeu
era obra do Espírito Santo (cf. versículos 18 a 21), nos versículos
2/2 e 23, escreve:
“Tudo isto aconteceu para que se cumprisse o que o Senhor
falou pelo profeta. Eis que a Virgem conceberá e dará à luz um filho,
que se chamará Emanuel, que significa: Deus conosco".
Mateus transcreve aqui Isaías 7,14. Conforme podemos ob
servar, a tradução em língua portuguesa apresenta a expressão
“eis que uma virgem conceberá".
0 Protestantism o de form a gerai crê que o cânon hebreu já estava definido antes de
Cristo e que corresponde à atual Bíblia Hebraica. Este assunto será abordado no Capítulo 4.
21
Alguns cristãos defendem a tese de que Mateuscitava Isaías
7,14 conforme a versão da Septuaginta. Como defesa, afirmam que
na versão em hebraico, o adjetivo aplicado àquela que conceberá é
almah, que significa jovem, pois o adjetivo mais apropriado para
virgem seria b’tulah; enquanto que na Septuaginta, o versiculo apre
senta o adjetivo grego parthenos, que significa virgem.
Embora seja possível, o adjetivo almah significar “virgem”,
enquanto que b ’tulah também pode significar "mulher casada” (cf.
Joel 1:8). Por exemplo, “almah” aparece pelo menos sete vezes no
AT: Gn 24,43; Ex 2,8; SI 68,25; Pv 30,19; Ct 1,3; 6,8 e Is 7:14. Em
todas as primeiras seis referências tem o sentido de virgem ou
mulher solteira (que era virgem). Aliás, em Ct 6,8, o sentido de
virgem é bastante claro: fala sobre 3 classes de mulheres: as rai
nhas, as concubinas e as donzelas (“almot”, plural de “almah”). A
mesma Rebeca, que é chamada “b’tulah [virgem em hebraico] a quem
varão não havia conhecido” em Gênesis 24,16, é chamada no mes
mo capítulo de almah.
Há citações da Septuaginta no NT?
Vários estudos atestam que os Apóstolos e Evangelistas
usaram a Septuaginta, “pois, como se sabe, muitas citações (e
alusões) do Antigo Testamento no Novo Testamento procedem di
retamente da clássica versão grega" (SOCIEDADE BÍBLICA DO
BRASIL, 2003, i). Das 350 citações que o NT faz do AT, pelo
m en os 300 p rovêm da v e rsã o g rega (B ÍB L IA , 1974, iii;
BIBLEREARCH, 2006).
Temos provas de que o Senhor Jesus usou a Septuaginta.
Em Sua resposta ao diabo em Mt 4,4 Ele disse:
“Está escrito: Não só de pão vive o homem, mas de toda p a
lavra que procede da boca de Deus".
O Senhor referiu-se a Deuteronômio 8,3, onde na versão
hebraica a expressão usada é “da boca do Senhor" enquanto a
Septuaginta traz “da boca de Deus".
Nos capítulos 6 e 7 do Livro dos Atos dos Apóstolos, lemos
que Estevão foi levado ao Sinédrio14 pela multidão (cf. A t 6,12).
D irigindo-se a seus acusadores, conta-lhes como Jacó trouxe
seus 75 descendentes para o Egito (cf. A t 7,14-15).
22
Porém os textos hebraicos dizem que Jacó trouxe 70 descen
dentes para o Egito (cf. Gn 46,26-27; Dt 10,22 e Ex 1,5). O Sinédrio
conhecia bem a proibição divina de acrescentar ou retirar algo dos
livros sagrados (cf. Dt 4,2; 12,32; SI 12,6-7 e Prov 30,6), mas não
ousou acusar Estevão de estar pervertendo as Escrituras, orde
nando matá-lo porque foi contraditado na defesa de Cristo.
A solução deste caso é muito simples. Estevão citava Gn 46,26-
27 a partir da Septuaginta, que possui cinco nomes a mais que o
Texto Massorético hebraico. Os cinco nomes que faltam na versão
hebraica foram preservados na Septuaginta em Gn 46, 20, onde
Makir, filho de Manasses, e Makir, filho de Galaad (=Gilead, no
hebraico), são apontados, posteriormente, como os dois filhos de
Kfraim, Taam (=Tahan, no hebraico) e Sufalaam (=Shufhelah, no
hebraico) e seu filho Edon (=Eran, no hebraico).
Outro exemplo é o nome de um deus pagão citado por Estevão
cm At 7,43. Estevão citou-o como Renlão. Esta citação é de Aniõs
3,26. No texto hebraico o nome do deus é Quijum. Estevão citou a
versão da Septuaginta que traz Renfã e não Quijum do texto hebraico.
Isto significa que o uso da versão da Septuaginta era também
comum entre os Judeus da Palestina, contrariando aqueles que afir
mam que somente os judeus de Alexandria aceitavam esta versão.
Pelo fato da Septuaginta ter sido amplamente usada pelos
Apóstolos e presbíteros da primitiva Igreja, a Tradição Cristã confe
riu-lhe lugar especial (SOCIEDADE BÍBLICA DO BRASIL, 2003, v).
As descobertas do M ar M orto
Partes da Septuaginta foram encontradas na Judéia, entre os
manuscritos do Mar Morto, descobertos em Qumran, sendo anteri
ores ao ano 70 d.C. Alguns exemplares foram encontrados na ca
verna 4 (1 1 9 L X X L ev .; 1 2 0 p ap L X X L ev .; 121 LXXNum .;
122LXXDeut.), um texto não identificado da Septuaginta grega en
contrado na caverna 9 (Q9), e existe um fragmento de papiro, escri
to em grego, encontrado na caverna 7 (LXXExod.). A caverna 7 produ-
11 Conselho nacional que no tem po de Jesus tinha autoridade entre os judeus para julgar
casos religiosos ou civis. Jesus condenado prim eiram ente pelo Sinédrio e depois levado a
Pôncio Pilatos.
23
ziu ainda muitos pequenos fragmentos em grego (da Septuaginta),
cujas identificações permanecem em discussão ou sem classificação.
O Dr. Emanuel Tov sugere as seguintes identificações para al
guns destes fragmentos gregos do primeiro século antes de Cristo:
7Q4. Números 14,23-24;
7Q5. Êxodo 36,10-11; Números 22,38;
7Q6. 1 Salmo 34,28; Provérbios 7,12-13;
7Q6. 2 Isaías 18,2
7Q8. Zacarias 8,8; Isaias 1,29-30; Salmo 18,14-15; Daniel
2,43; Eclesiastes 6,3.
Entre estes fragmentos constam ainda trechos dos livros
deuterocanônicos do AT:
■ Em grego foram encontrados fragmentos de: 4Q478 [Tobias],
4Q383, 7QLXXEpJer. [Epístola de Jeremias];
■ Em hebraico foram encontrados: uma cópia do livro do Ecle
siástico [manuscrito 2QSir.], “A História de Suzana” (corres
pondente ao capítulo 13 do livro de Daniel) [manuscrito 4Q551]
e fragmentos do livro de Tobias [manuscrito 4Q200].
■ Em aramaico foi encontrado um fragmento do livro de Tobias
[manuscrito 4Q 196-9],
Uma cópia do livro do Eclesiástico, em hebraico, foi encontra
da nas ruínas de Masada e é datada como do início do século I a.C.
Estas evidências mostram que os livros deuterocanônicos eram
conhecidos e manuseados pelos Judeus da Palestina.
Alguém poderia objetar afirmando que tais descobertas
correspondem à literatura usada pelos Ebionitas (seita de Qumran),
um grupo estranho ao ramo principal do Judaísmo. Não é desta
forma que pensam os especialistas:
“Tanto no judaísmo moderno quanto no cristianismo, uma 'sei
ta ’ é, geralm ente, um ramo de um tronco re lig ioso m aior e é
freqüentemente vista como excêntrica ou desviada nas suas crenças.
Mas os pesquisadores e leigos deveriam recordar que durante todo o
período de existência de Qumran, os fariseus e os saduceus eram
‘seitas’, assim como eram os essênios! Foi apenas a partir do século
II d. C. que passou a se form ar um tipo de judaísm o ‘ aquele dos
fariseus, dos rabis ‘ que veio a se tornar padrão para o povo judeu
24
como um todo. Tais matérias são de menor importância se compara
das com os manuscritos bíblicos. Primeiro, porque toclos os pesquisa
dores concordam que nenhum dos textos bíblicos (tais como Gênese
ou Isaías) Joi composto em Qumran; ao contrário, todos eles se origi
naram antes do período de Qumran. Também é aceito que muitos ou
a maioria desses manuscritos foram trazidos de fora para Qumran e.
depois, aí reproduzidos. Isto significa que o valor da maioria dos
manuscritos bíblicos enganam, não em estabelecer precisamente onde
foram escritos ou copiados, mas especificamente quanto ao estudo
das formas textuais que encerram”15 (ABEGG, 1999).
Não é possível a firm ar que todo conjunto de livros da
Septuaginta foi considerado sagrado pelos judeus alexandrinos,
judeus palestinenses ou por Jesus e seus Apóstolos. Só podemos
afirmar que era conhecido por todos eles por constar na versão
bíblica por eles usada.
O tempo levará a sinagoga e a Igreja a escolherem alguns li
vros da Septuaginta como canônicos e a rejeitarem outros. Nesta
decisão a sinagoga saiu na frente. Vejamos no próximo capítulo
como isto aconteceu.
ir’ Fragm ento traduzido por Carlos Martins Nabeto.
25
C A P Í T U L O 4
O Cânon de Jâmnia
N o tempo do Imperador Romano Nero, desencadeou-se a primei
ra revolta aberta dos judeus da Palestina contra Roma (66-70).
Tilo, na primavera de 70, sitiou Jerusalém, a cidade inteira foi
saqueada, arrasada e o Templo foi destruído no dia 10 do mês de
acosto do mesmo ano. Os fariseus de Jerusalém16 se transferiram
para a cidade de Jâmnia, onde formaram próspera escola rabínica.
Aproximadamente no ano 90, este grupo de rabinos define
uma lista dos livros que deveriam ser considerados sagrados pelos
Judeus. O Cânon de Jâmnia(como ficou conhecida esta lista) deu
origem à atual Bíblia Hebraica. O Cânon de Jâmnia excluiu os sete
livros deuterocanônicos [do AT] e os acréscimos de Daniel e Ester.
Um cânon sagrado pré-existente?
Alguns afirmam que o Cânon dc Jâmnia foi a confirmação
ilc um Cãnon Sagrado anterior e definido pela autêntica Trad i
ção judaica.
Segundo esta tese, o fato de Jesus e os Apóstolos se referirem
as Escrituras Sagradas disponíveis em seu tempo de forma geral
("Escrituras”), mostra que eles tinham em mente uma quantidade
precisa de livros que estavam incluídos sob aqueles títulos gerais.
Apresenta-se como prova o registro do Evangelista Lucas ao
11 Alguns autores identificam a Escola Rabínica em Jâmnia como o antigo Sinédrio
(BERARDINO, 2002, verb. Jerusalém, p, 750). Entretanto há controvérsias entre os
especialistas, já que o Sinédrio era predom inantem ente form ado por Saduceus, que neste
tem po foram desimados.
27
diálogo entre Jesus e os discípulos na estrada de Emaús: ‘E come
çando por Moisés e por todos os profetas, explicava-lhes o que dele
se achava em todas as Escrituras.”(Lc 24,27). A expressão “todas
as Escrituras” demonstraria que já no tempo de Cristo, uma lista
de livros canônicos já estava fixada.
Cita-se ainda João 5,39, quando Jesus manda os Fariseus,
que eram os legítimos intérpretes da Lei (cf. Mt 23,1), verificarem
que Nele se cumpriram todas as profecias messiânicas. Jesus ao
utilizar a expressão “Escrituras” estaria se referindo a um conjunto
de livros bem conhecido, tanto por Ele quanto pelos Fariseus.
Chama-se ainda a atenção à expressão “Moisés e os Profetas”
(cf. Lc 24,27). “Moisés e os Profetas” ou “A Lei e os Profetas” seria a
estrutura de como este cânon judeu estaria organizado, sendo que
na seção “Lei”, estariam contidos também os Salmos (cf. João 10:34).
Assim, se quer defender a existência de um cânon bíblico, organi
zado em uma tríplice estrutura: a Lei, os Profetas e os Salmos. Tam
bém se costuma fazer referencia a Lc 24,44, onde Jesus ao apare
cer aos apóstolos e discípulos lhes disse: “(...) era necessário que se
cumprisse tudo o que de mim está escrito na Lei de Moisés, nos pro
je tas e nos Salmos”.
Estes argumentos são bastante frágeis, pois em todas as refe
rências apresentadas, Jesus está tentando demonstrar que Nele se
cumprem todas as profecias messiânicas. E onde estão estas profe
cias? Estão justamente nos livros de Moisés, nos Profetas e nos
Salmos. Desta forma, dentro do contexto em questão, é bem mais
certo que Jesus esteja referenciando esta triplica estrutura, porque
nela se encontram as profecias messiânicas, do que Ele esteja fa
zendo referência a um cânon sagrado existente em seu tempo.
Há também quem apresente como prova do suposto cânon,
então confirmado pelo Cânon de Jâmnia, os testemunhos históri
cos de Flãvio Josefo e Áquila (o qual criou uma nova versão grega
das Escrituras hebraicas, que leva o seu nome).
O testemunho de Áquila é reconhecidamente posterior ao
Cânon de Jâmnia, e por isso, também não pode ser aceito como
prova: muito pelo contrário...
28
Por outro lado, reproduziremos abaixo o texto de Josefo, con-
lorme consta em sua obra “Contra Apion’’:
“38. É, pois natural ou melhor dizendo, necessário, que não
i xista entre nós uma multiplicidade de livros em contradição entre si,
senão somente vinte e dois17 que contém os registros de toda história
e que com toda justiça são dignos de confiança. 39. Deles, existem
cinco de Moisés, os quais contêm as leis e a tradição desde a criação
tio homem até a morte de Moisés. Compreende, inais ou menos, um
geríodo de três mil anos. 40. Desde a morte de Moisés até Artaxerxes18,
■.ncessor de Xerxes19 como rei dos persas, aos profetas posteriores a
Moisés foram deixados os feitos do seu tempo em treze livros, os
i/iiatro restantes contém hinos a Deus e conselhos morais aos ho
mens. 41. Também desde Artaxerxes [tempo do Profeta Esdras] até
nossos dias cada acontecimento tem sido registrado; embora estes
nr to sejam dignos da mesma confiança dos anteriores, porque não
havia uma sucessão rigorosa de profetas. 42. Os feitos provam com
claridade como nós nos acercamos das nossas próprias escrituras:
havendo já transcorrido tanto tempo, ninguém se atreveu a adicio
nar. tirar ou trocar nada nelas “ (JOSEFO, 2006, p. 21-22).
Não é possível precisar se o testemunho de Josefo é anterior
ou posterior ao Cânon de Jâmnia, devido à incerteza entre as datas
do Cânon e seu testemunho.
Costuma-se dizer que “Contra Apion” foi terminada pelo ano
'i |; e o Cânon de Jâmnia, normalmente é referido pelos especialistas
i oi no sendo do ano 90. Entretanto, nenhuma destas datas é conclu
siva; sabemos apenas que ambos são os últimos anos do séc I d.C.
Com efeito, não é possível precisar se o testemunho de Josefo
i .mterior ou não ao Cânon de Jâmnia, devido à incerteza entre as
il.itas do Cânon e seu testemunho. Esta incerteza compromete por
i iimpleto o testemunho de Josefo, pois não se sabe com certeza se
o mesmo foi influenciado ou não pelo Cânon de Jâmnia. Porém, há
indícios que sim.
( is judeus organizavam suas Escrituras conform e o núm ero de letras de seu alfabeto.
I l.i tiadução original está Artajerjes ( " j" no lugar do " x "), o que difere do uso com um em
,,1111as traduções. Por m otivo de unidade textual m antive conform e o uso com um .
Mesma razão da nota anterior.
29
Josefo era fariseu e os rabinos de Jâmnia também, assim pos
sivelmente ele esteja simplesmente defendendo a posição de sua
facção religiosa.
O prólogo da tradução Grega do Eclesiástico (ou Sabedoria de
Sirac), livro escrito por volta de 130 a.C., portanto anterior ao teste
munho de Josefo, parece contradizê-lo. Nele lemos:
“Pela Lei, pelos Profetas e por outros escritores que os suce
deram, recebemos inúmeros ensinamentos importantes (...) Foi
assim que após entregar-se particularmente ao estudo atento da
Lei, dos Profetas e dos outros Escritos, transmitidos por nossos
antepassados [...]".
Enquanto o testemunho de Josefo procura restringir o Cânon
Sagrado ao tempo de Esdras, “porque [depois de Esdras] não houve
uma sucessão precisa de profetas", o Eclesiástico parece ser mais
amplo e fiel à História ao afirmar que “por outros escritores que os
sucederam [os profetas], recebemos inúmeros ensinamentos impor
tantes". O testemunho do Eclesiástico refere-se a livros posteriores
ao tempo dos Profetas.
Veja o que estudioso protestante Leonard Rost tem a dizer
sobre isso:
“Vê-se, pelo prólogo de Sirac [Eclesiástico ou Sabedoria de Sirac],
que, além dos escritos assumidos no Cãnon hebraico, traduziram-se
também outros que parecem ter gozado de bastente estima como obras
religiosas de edificação, em círculos mais ou menos amplos, até o
fina l do século I d.C" (ROST, 1980, p. 19).
Há ainda em Josefo um trecho bem polêmico, vejamos:
“havendo já transcorrido tanto tempo, ninguém se atreveu a
adicionar, tirar ou trocar nada nelas [nas Escrituras/’.
Alguns entendem que neste trecho Josefo confirma que os
livros escritos depois do tempo de Esdras não estavam dispostos
num mesmo volume com os livros que foram escritos antes deste
mesmo período (protocanônicos), pois isto configuraria um acrésci
mo nos primeiros.
Ora, ele está dizendo que nada foi alterado nos textos presen
tes nestes livros, nenhuma sílaba a mais, nenhuma a menos. Josefo
não está se referindo à adição ou retirada de livros a um conjunto
pré-estabelecido de outros livros.
30
A tese do Cânon pré-existente apresenta sérios problemas.
Primeiro, se este suposto cânon correspondia ao Cânon de Jâmnia,
por que era comumente usada a Septuaginta com um catálogo bem
maior, conforme é comprovado pelo testemunho do NT e as desco
bertas do Mar Morto e Massada?
Segundo, se este suposto cânon correspondesse aos livros da
Septuaginta, logo não seria permitida a definição de qualquer outro
cânon bíblico; então por que foi estabelecido o Cânon de Jâmnia?Terceiro, os judeus alexandrinos e etíopes recusaram o Cânon
de Jâm nia e até hoje guardam como sagrados os livros da
«Septuaginta. Se realmente este suposto cânon bíblico existisse, não
haveria disputas entre os judeus sobre este tema; todos adotariam
o mesmo conjunto de livros sagrados definidos pela Tradição Ju
daica.
Fílon de Alexandria, historiador e filósofo judeu, viveu entre
OS anos de 20 a 50 d.C. Em sua obra “Exposições sobre a Lei", onde
íaz comentários sobre a doutrina da Torah20, as referências ao
Pentateuco são todas da Septuaginta, que possuía os livros
deuterocanônicos e as partes deuterocanônicas de Daniel e Ester,
não aceitas posteriormente pelos Judeus de Jâmnia.
Um dos especialistas sobre a vida de Fílon de Alexandria, o
Prof. Ritter, quanto ao uso da Septuaginta pelo filósofo escreve:
“A princípio o texto que ele [Fílon] comenta é o da tradução gre-
i/a dos Setenta; algumas diferenças que se assinalou com razão en
tre seu texto e aquele que possuímos atualmente dos Setenta se ex
plicam de uma maneira satisfatória não pela leitura do texto hebraico,
mas pelo fa to de que nossa recensão é de origem posterior à da que
ele usava!’ (RITTER, 1979).
Antes que alguém objete afirmando que a Tradição dos ju
deus p a les tin en ses era d ife ren te da T rad ição dos ju d eu s
alexandrinos, devo lembrá-los que ambos os grupos manuseavam
a versão grega da Septuaginta, portanto, possuíam a mesma Tradi
ção Judaica.
A correspondência entre a Tradição Judaica Alexandrina e a
Palestina é atestada pelo estudioso Wolfson:
É com o os Judeus chamam a Lei de M oisés
31
“Ojudaísmo alexandrino, no tempo de Fílon, era do mesmo tron
co do judaísmo farisaico, que então prosperava na Palestina, ambos
tendo brotado daquele judaísmo macabeu [c. 165 a .C j que fora mol
dado pelas atividades dos escribas" (WOLFSON, 1982).
Ainda segundo o estudioso Werner Jaeger:
“O grego era falado nas synagogai21 por todo o Mediterrâneo,
como se torna evidente pelo exemplo de Fílon de Alexandria, que
não escreveu o seu grego literário para um público de gentios, mas
para os seus compatriotas judeus altamente educados" (JAEGER,
1991).
Fílon de Alexandria, falava grego como era costume em seu
tempo e utilizava as escrituras hebraicas através da Septuaginta.
Isto era muito comum até entre os judeus da Palestina. Josefo de
fende os judeus de Alexandria de diversas calúnias, mostrando haver
identidade entre eles e os judeus da palestina (JOSEFO, 2006, p.
96-102).
Se o cânon das Escrituras Hebraicas já estivesse fechado no
tempo de Jesus, todos os judeus hoje (palestinos ou alexandrinos)
observariam o mesmo conjunto de livros sagrados, e os fariseus
de Jâmnia não precisariam se preocupar com isto no final do
séc. I d.C.
Interessante é a constatação do estudioso Fedeli Pasquero:
"Na realidade, seguramente os judeus alexandrino no séc. I d.C.
reconheciam como sagrados os livros deuterocanônicos [do AT]; não
obstante a isso, eles estavam em plena comunhão de fé com os ju
deus da Palestina, coisa que não teria sido possível se houvesse di
vergências em relação aos livros sagrados. Com efeito, os doutores
hebreus faziam uso de pelo menos alguns dos livros deuterocanônicos
[do AT]; de modo especial, encontramos frequentemente citados Baruc,
o Sirácida [Sabedoria de Siarc ou Eclesiástico], Tobias” (PASQUERO,
1986).
Sobre a possibilidade de um cânon de Escrituras hebraicas
pré-definido, assim se manifesta Rost:
“[...] não havia um cãnon oficial, ou, como diz a Mixná Yaddyim
IV 6, não havia Ktby qds’, Escrituras sagradas, como grupo fechado.
21 Sinagogas, onde os judeus se reuniam para o estudo das Sagradas Escrituras.
32
Mesmo na época em que se fixou a Mixná, por volta de 100 d.C.,
11 inava ampla discussão entre os eruditos a respeito de saber se o
( 'ãntico dos Cântico ou o Eclesiastes de Salomão (Qohelet) faziam ou
não parte do grupo, discussão esta que Joi aplainada por uma sen-
tença arbitrai em favor da inclusão destes livros entre os escritos
•■agrados (Mixná Yadvim I I I5 cd). As descobertas dos manuscritos do
Mar Morto, provenientes do período que vai de 150 antes de Cristo
até 70 da era cristã, em particular os que foram encontrados nas
cavernas de Qumran, mostram-nos claramente que naquela época
ainda não havia uma distinção rigorosa entre Escritura sagrada e
menos sagrada Mas o fa lo de um fragmento bastante extenso do
Cirac hebraico, copiado em escrita esticométrica, vale dizer, executa-
e no território de Israel? Não são estes critérios
34
nacionalistas demais, já que o povo judeu viveu tanto tempo em
Icrra estrangeira, produzindo lá tantos escritos, escritos estes que
lambém constavam em uma versão bíblica comumente usada por
iodos os judeus, inclusive na Palestina?
E claro que o restabelecimento do hebraico na vida religiosa
dos judeus não poderia se dar de uma hora para outra, mas medi
das de curto prazo loram tomadas para dificultar a pregação da
mensagem cristã junto aos judeus. Novas versões gregas das sa-
gradas escrituras judaicas foram produzidas, nas quais as mais
conhecidas são as de Áquila, Símaco e Teodocião.
O leitor lembra de Isaías 7,14, que comentamos no capítulo
,interior? Em todas estas versões, no referido versículo, a palavra
grega “parthenos” que significa “virgem”, foi trocada por “neanis”,
que significa “jovem”. Por que esta alteração? Os cristãos usavam
Is 7,14 para provar que o Messias viria ao mundo através de um
nascimento virginal, o que atestaria sua origem divina; a alteração
posterior feita pelos judeus propiciaria as pessoas a entenderem
isto de forma totalmente diferente.
Esta atitude dos judeus palestinenses por causa do Evange
lho é confirmada pelo conceituado estudioso judeu, o Prof. Aage
Bentzen:
“Contra a Igreja [cristãj os judeus sustentavam que Isaías 7,14
não fa la de uma ‘virgem’ (parthenos), mas de uma 'mulher jovem ’
(neanis). Os cristãos respondiam acertadamente que a tradução
parthenos provém de tradutores judeus" (BENTZEN, 1968).
Os judeus da palestina do séc. I d.C. estabeleceram funda
mentos que permanecem até hoje. Basta observar o protecionismo
vigente nas atuais comunidades judaicas. A própria palavra hebraica
“almah”, hoje é usada pelos judeus não com o significado de “vir
gem”, mas como “jovem moça” ou “senhorita”. As traduções de Is
7,14 oriundas das versões hebraicas traduzem “almah” como “jo
vem” e não como “virgem”.
Pelo fato de nunca ter havido disputas doutrinárias entre ju
deus alexandrinos e palestinos, antes do Cânon de Jâmnia, a exis
tência de testemunhos anteriores a Josefo (prólogo do Eclesiástico
e Fílon de Alexandria), que atestam o uso de um conjunto de livros
canônicos mais amplo do que àquele definido em Jâmnia (evidênci
35
as estas corroboradas tanto pelas descobertas do Mar Morto e
Massada quanto pelo NT), torna-se mais que óbvio quão arbitrária
foi a definição do Cânon de Jâmnia.
Ainda sob a estreita de Rost:
“Não dispomos de informações para dizer quando esta versão
grega deixou de ser usada na comunidade judaica, pois faltam-nos
testemunhos em tal sentido. Como quer que seja, por volta do ano
100 d.C., segundo o que se lê na Mixná, só os textos escritos em
hebraico gozaram normativamente do caráter sagrado e, por conse
guinte, só eles podiam ser usados no culto. É impossível saber quan
do e de que modo esta norma se impôs. Seja com for, a comunidade
cristã de origem grega, utilizava a coletânea grega mais extensa dos
livros sagrados, tal como encontramos nos unciais23 mais antigos B e
A, em vez da coletânea hebraica, fixada através de medidas restriti
vas" (ROST, 1980, p.20-21).
Alguns cristãos dos primeiros séculos viajaram para a Pales
tina a fim de verificar qual era a lista dos livros sagrados do AT.
Seus testemunhos24 nos mostram que o Cânon de Jâmnia não foi
aceito de imediato na Palestina.
Tudo isto é mera coincidência ou estratégia deliberada?
Que implicações o Cânon de Jâmnia trouxe à Igreja Cristã?
O leitor se lembra do testemunho de Josefo a respeito das
Escrituras Hebraicas? Neste momento quero chamar sua atenção
para dois pontos importantes deste testemunho.
Primeiramente vejamos o seguinte trecho:
“De Artaxerxes à nossa época, todos os eventos foram anota
dos, mas não são considerados dignos de igual crédito ao res
tante porque não houve uma sucessão precisa de profetas ”
(grifos meus).
Os livros que foram escritos depois de Artaxerxes (depois do
tempo do Profeta Esdras), Josefo não os menciona como livros con
trários à Tradição Judaica, apenas diz que “não são considerados
73 M anuscritos em letras maiúsculas.
24 Estes testem unhos são transcritos no capítulo 5. Verificar M elitão de Sardes e Orígenes.
36
dignos de igual crédito ao restante". Para ele, este conjunto de livros
possuía uma certa dignidade, embora fosse em grau menor que os
livros escritos antes do tempo de Esdras.
Note o leitor que a distinção que Josefo faz destes livros em
relação aos protocanônicos, não é doutrinária, mas canônica. Ele
não afirma que os livros depois do tempo de Esdras não são
canônicos porque continham algo alheio à doutrina que Deus con-
llou aos judeus, ele não associa esses livros a conteúdo herético.
Já que para ele depois do tempo de Esdras “não houve uma
sucessão precisa de profetas", o mesmo entende que não há garan-
tla de que os livros escritos depois deste período, tenham sido es
critos sob inspiração divina. Por isso afirma que estes livros “não
■■rio considerados dignos de igual crédito ao restante porque não houve
uma sucessão precisa de profetas”.
Josefo não tinha plena certeza se a Revelação de Deus havia
cessado após o tempo de Esdras, mas nós cristãos sabemos que
não, ou não acreditaríamos hoje nos livros do NT e nem no Ministé-
i Io dos Apóstolos.
Alguém poderia objetar dizendo que o testemunho de Josefo
Ncrve apenas para o AT. O próprio Cristo afirmou que a Antiga A li
ança durou até o Ministério de João Batista (cf. Mt 11,13; Lc 16,16).
Knquanto Josefo encerra a Revelação do AT ao tempo do Profeta
Esdras, o Nosso Senhor afirma que durou até o tempo de João
I ia lista. O Cristão deve ficar com o testemunho de Flávio Josefo ou
iIo Senhor Jesus?
Portanto, as palavras de Jesus anulam o critério de Josefo em
i Icterminar quando a Revelação da Antiga Aliança cessou. Fica bem
clara a possibilidade de haver livros canônicos, referentes ao AT,
posteriores ao tempo do Profeta Esdras.
Tendo visto que até meados do séc. I d.C., o cãnon das Escri-
l nras Hebraicas ainda estava em aberto, a quem pertence a Autori-
. I.ide para definir tal lista? Aos judeus que já não eram Povo de
I icus, ou à Igreja Cristã, então herdeira da Nova e Eterna Aliança?
Como os cristãos dos primeiros séculos entendiam esta ques-
l .i? É o que .veremos no próximo capítulo.
37
C A P Í T U L O 5
Quais foram os livros considerados
canônicos pelos primeiros cristãos?
G rande era o material literário disponível para primeiros cris
tãos, no que respeita à manutenção da Fé. Pelo fato de Jesus
c os Apóstolos utilizarem a versão grega da Septuaginta, esta tam
bém passou a ser de uso da nascente Igreja Apostólica (KELLY,
1978; SOCIEDADE BÍBLICA DO BRASIL, 2003, v).
No início do primeiro século já estavam disponíveis as ep ís
tolas paulinas e outras cartas então chamadas “cató licas”25
como: as primeiras epístolas universais de Pedro e João. Na
segunda metade deste mesmo século, ficaram disponíveis os 4
Kvangelhos, a epístola universal de Tiago, as segundas epísto
las de Pedro e João, a terceira de João, a carta aos Hebreus e o
livro do Apocalipse. Com a definição do Cânon de Jâmnia (no
llnal do séc. I), levantou-se na Igreja nascente uma dúvida quanto
.i canonicidade dos livros do AT que não encontravam corres
pondência em tal cânon. Por conseqüência esta dúvida se es-
tcndeu aos livros cristãos que a eles faziam referência . O
questionamento a estes livros da literatura cristã, produzidos
cm período apostólico (séc. I), deu margem para que outros l i
vros do mesmo período também fossem questionados pelas ra
zoes mais diversas. Esta motivação se deu principalmente pelo
su rg im en to dos p r im e iro s g ru p os s e c tá r io s , com o os
ludaizantes26 e gnósticos27, onde estes últimos produziam sua
própria literatura.
E com o eram chamadas pelos cristãos prim itivos as Epístolas de Pedro, João, Judas e
I iago. Verem os isso nos capítulos 5 e 6.
39
A questãodos livros canônicos foi ainda mais agravada pelo
fato de que os Apóstolos não deixaram para a Igreja tal definição; e
na verdade nem poderiam tê-lo feito.
Em At 12,1-19 lemos que Tiago (irmão de João) foi morto à
espada por Herodes. Sua morte se deu antes mesmo da conversão
de Paulo, e são as epístolas paulinas as escrituras mais antigas do
NT. Portanto, Tiago nem sequer conheceu qualquer escritura do
NT. Paulo e Pedro morrem em Roma, sob o reinado de Nero, aproxi
madamente em 45 d.C. Neste tempo não estavam disponíveis ain
da nenhum dos 4 evangelhos. Os demais Apóstolos foram evangelizar
nos lugares mais longínquos da Terra (por exemplo, Mateus na
Etiópia, Tomé na índia, etc). Até o séc. III, os cristãos das regiões
bárbaras ignoraram a existência de qualquer um dos livros do NT
(IRENEU, 1995, p. 252-254).
Com a morte de todos os Apóstolos, já no início do segun
do século, seus discípulos assumem seu Ministério, confirm an
do toda a Igreja na Doutrina Apostólica que receberam pessoal
mente de seus mentores. Neste período começaram a aparecer
seus próprios escritos. Dentre eles se destacam a Prim eira Car
ta de C lem ente aos Corín tios, as sete Cartas de Inácio de
Antioquia, as Cartas de Policarpo de Esmirna, as cartas de Pápias
de Hierápolis e etc. Muitas destas cartas eram recebidas como
canônicas pelos fiéis28.
Como se vê, o conjunto de livros que deveriam ser considera
dos canônicos, pela Igreja Cristã, ainda era uma grande interroga
ção nos primeiros séculos.
A literatura oriunda dos grupos heréticos começou a conlun-
dir os primeiros cristãos, porque estas lhes eram apresentadas como
escrituras oriundas dos Apóstolos (ex: o Evangelho de Tomé, o Evan
gelho de Filipe, etc.); e aos poucos foram tomando lugar nos estu
dos catequéticos e nas celebrações de culto.
26 Cristãos que continuavam a observar a Lei de M oisés. É por causa deles que os apóstolos
se reúnem em Jerusalém cf. At, 15.
21 Cristãos seguidores da heresia gnóstica ou Gnose, que ensinava que a m atéria é ruim e
que por isso o m undo foi criado por um deus decaído.
28 Conform e apresentado no capítulo 5.
40
É neste contexto, que a literatura cristã pós-apostólica cres
ceu de forma exponencial, pois vários textos em defesa da antiga Fé
Apostólica foram produzidos contra os grupos heréticos. Nesta dis
puta, um tema que não poderia faltar, é claro são os livros que
deveriam ser considerados canônicos.
Através dos escritos antigos que se conservaram até nosso
lempo, vejamos qual foi o testemunho dos primeiros cristãos sobre
0 conjunto dos livros sagrados.
Testemunhos do séc II
I . Melitão de Sardes
O testemunho individual mais antigo que se tem notícia sobre
as Escrituras é o de Melitão, Bispo de Sardes. Conforme uma cita
ção de uma carta de Polícrates ao Papa Vitor, Melitão é “continente,
vivendo todo no Espirito”. Sabe-se que endereçou uma apologia em
favor dos cristãos ao Imperador Marco Aurélio. Visitou os lugares
santos para estudar o cânon do AT.
Seus escritos se perderam com o tempo. No entanto, seu tes
temunho sobre as Escrituras Sagradas foi preservado por Eusébio
de Cesaréia em sua “História Eclesiástica”. Segundo Eusébio, no
Início do prefácio da obra “Éclogas”, desta forma Melitão relaciona
os livros canônicos do AT:
“Melitão a Onésimo, seu irmão. Saudações, Visto que muitas
vezes manijestaste o desejo, inspirado pelo zelo relativamente à dou
trina, de possuir extratos da Lei e dos profetas sobre o Salvador e o
conjunto de nossa fé , e ainda quiseste conhecer com exatidão o nú
mero dos antigos livros e a ordem que seguem, dediquei-me a tal
tarefa, uma vez que conheço teu zelo pela fé e tua aplicação ao estu
do da doutrina. O Amor de Deus sobretudo fa z com que o aprecies,
enquanto lutas tendo em mira a salvação eterna.
Tendo ido, portanto, ao Oriente e tendo estado até mesmo no
lugar onde a Escritura fo i anunciada e cumprida, tive exato conhe
cimento acerca dos livros do antigo Testamento. Levantei uma lista,
dominavam a Ásia, Ptolomeu, filho de La-
i/os, muito desejoso de enriquecer com os melhores escritos dos ho
mens a biblioteca que instituíra em Alexandria, pediu aos habitantes
ile Jerusalém suas Escrituras traduzidas para a língua grega.
Estes, naquela época ainda sujeitos aos macedônios, enviaram a
llolomeu setenta anciãos, dos mais peritos nas Escrituras e no conheci
mento das duas línguas e realizou-se desta forma o plano de Deus.
Ptolomeu, querendo provar particularmente a perícia de cada
um, e a f im de evitar que, por confronto entre si, eles falseassem na
tradução a verdade contida nas Escrituras, separou-os uns dos ou
tros e ordenou-lhes que todos escrevessem a tradução do mesmo tex
to; assim fez relativamente a todos os livros.
43
Mas, ao se reunirem no mesmo lugar com Ptolom eu, e con
fe r in d o as traduções, Deus f o i g lorificado e as Escrituras f o
ram reconhecidas como realm ente divinas, po is todos haviam
expressado idéias idênticas com idênticas palavras, idênticos
nomes, do com eço ao fim . Desta form a , até os pagãos p resen
tes reconheceram terem sido as Escrituras traduzidas sob ins
p iração de Deus.
Não é de admirar tenha Deus agido desta maneira. Efetivamente,
perd idas as Escritu ras por ocasião do ca tiveiro do povo sob
Nabucodonosor, e tendo os judeus após setenta anos regressado a
seu país, mais adiante, no tempo de Artaxerxes, rei dos persas, ele
próprio inspirou o sacerdote Esdras da tribo de Levi [cf. Esd 9,38-41]
relativamente à reconstituição das palavras dos profetas anteriores
e à restauração entre o povo da legislação promulgada por Moisés"
(EUSEBIO, 2000, p. 245-246). Ainda:
“Mateus, no entanto, publicou entre os hebreus em sua própria
língua um Evangelho escrito, enquanto Pedro e Paulo anunciavam a
boa nova em Roma e lançavam os fundamentos da Igreja.
Mas, após a morte deles, Marcos, discípulo e intérprete de Pedro,
transmitiu-nos por escrito igualmente o que Pedro pregara. Lucas,
porém, companheiro de Paulo, deixou num livro o Evangelho prega
do por este último. Enfim, João, o discípulo que reclinou sobre o peito
do Senhor [cf. Jo 13,25. 21,20}, publicou também ele um evangelho,
enquanto residia em Éfeso, na Ásia". (Ibid.)
Ainda nos parágrafos 5 a 8, Eusébio afirma que no quinto
livro de “Contra as Heresias", Ireneu faz menção do Apocalipse
de João, da primeira carta de Pedro, o Pastor de Hermas31 e do
livro Sabedoria de Salomão (Ibid., p. 244-245). Ainda segundo
Eusébio, Ireneu na obra “Exposições diversas” “relembra a carta
aos Hebreus e a Sabedoria dita de Salomão, incluindo trecho de
ambas” (Ibid., p. 273).
Com toda clareza podemos observar que ainda no séc. II não
havia consenso na Igreja Cristã, sobre quais eram os livros canônicos
do AT e NT.
31 Obra da literatura cristã pós-apostólica do séc. II (HERMAS, 1995).
44
Testemunhos do séc III
I . São Clemente de Alexandria
Tito Flávio Clemente viveu entre os anos 150 e 215. Nascido
provavelmente em Atenas (cf. Stromata 1,1,11). depois de viver pela
Europa, estabeleceu-se finalmente em Alexandria. Nesta cidade
abriu uma escola de filosofia e também se dedicou à catequese.
Segundo o historiador Eusébio, Clemente de Alexandria em
Stromata:
“emprega também prouas extraídas de Escrituras não aceitas
de modo geral; cita, por exemplo, a Sabedoria dita de Salomão, a de
Jesus Jilho de Sirac [Eclesiásticol, a carta aos Hebreus, as cartas de
Barnabé32, de Clemente'33 [de Romaj e de Judas” (Ibid., pg. 297-
298).
Ainda:
“Em Hyptyposes ele [Clementel faz, em suma, exposições resu
midas dos Testamentos de toda a Escritura, sem omitir as partes con
trovertidas, isto é, a Carta de Judas e as outras cartas católicas, e a
carta de Barnabé e o Apocalipse, dito de Pedro. Acrescenta ser da
autoria de Paulo a carta aos Hebreus, escrita para os hebreus em
língua hebraica, mas que Lucas, depois de traduzi-la cuidadosamen
te, divulgou-a entre os gregos. Este é o motivo porque se assemelham
a tradução desta carta e os Atos” (Ibid., p. 298-299).
Como se pode observar, ainda no séc. III existiam escritos
cristãos cuja canonicidade ainda era controversa. Entre eles estão
a Carta aos Hebreus e a Carta de Judas, que em nosso tempo são
consensualmente aceitas. Encontramos aqui os primeiros livros
deuterocanônicos do NT.
São Clemente de Alexandria considera canônicas a Carta de
Barnabé e o Apocalipse de Pedro, ambos considerados apócrifos em
nossos dias. Clemente ainda fala sobre os Evangelhos de Mateus e
Marcos, que segundo ele foram escritos primeiro (Ibid., p.299-300).
32 Obra da literatura cristã pós-apostólica do séc. II cuja autoria foi atribuída a Barnabé,
colaborador de São Paulo (BARNABÉ, 1995),
33 Refere-se à Primeira Carta de Clemente aos Coríntios (CLEMENTE, 1995).
45
2. Orígenes de Cesaréia
Orígenes nasceu em Alexandria por volta de 190. Em Cesaréia
é ordenado sacerdote em 231 pelo Bispo Alexandre. É considerado
o criador da Ciência Bíblica. Deixou-nos muitíssimas obras, das
quais algumas se perderam e outras foram conservadas por escri
tores posteriores. Ele relacionou os livros canônicos da seguinte
forma:
“ ‘Observe-se que os livros do Antigo Testamento, segundo a tra
dição hebraica, são vinte e dois, número das letras de seu alfabeto’.
(...) Os vinte e dois livros, conforme os hebreus, são os seguintes: O
livro que damos o título de Gênesis, entre os hebreus traz inscrito, de
acordo com as palavras iniciais: Bresith, que significam “No come
ço”; Êxodo, Ouellesmoth, isto é, “Eis os nomes”, Levítico, Ouicra, isto
ê, “Ele me chamou"; Números, Ammesphecodeim; Deuteronômio,
Elleaddebareirrv “Estas são as palavras”; Jesus, filho de Navé [Josué],
Iosouebennoun; Juizes, Rute, entre elesform am um só livro, Sophteim;
Reis primeiro e segundo livros, entre eles um só, Samuel: “O eleito de
Deus"; Reis, terceiro e quarto livros, em um só, Ouammelch David,
isto é: “Reino de Davi”; Paralipômenos [Crônicas], primeiro e segun
do livros, em um só, Dabreiamein, isto é, “Palavra dos dias”; Esdras,
primeiro e segundo livros34, em um só, Ezra, isto é, “Auxiliar”; Livro
dos Salm os, S pharthe lle im ; P rovérb ios de Salom ão, M eloth ;
Eclesiastes, Koeleth; Cântico dos Cânticos - e não como alguns ju l
gam, Cântico dos Cânticos -, Sirassereim ; Isaías, Iessia; Jeremias,
com as Lamentações e a Carta em um só livro35, Iéremia; Daniel,
Daniel; Ezequiel, Ezechiel; Jó, Job; Ester, Esther. A lém destes, os
Macabeus, intitulados Sarbethsabanaiel'" (Ibid., p. 312).
Curiosamente Orígenes não cita os 12 profetas. Os judeus
normalmente organizavam seus livros sagrados em 22 volumes,
conforme o número de letras do alfabeto hebraico36. Como os livros
34 Esdras e Neemias.
35 Aqui há um detalham ento maior sobre os livros organizados pelo títu lo geral "Je rem ias"
conform e a Septuaginta. Nesta organização citada por Orígenes, o Livro de Baruc não é
m encionado pelo fato de que norm alm ente era considerado um apêndice do Livro de
Jerem ias.
36 Os alguns judeus alexandrinos organizavam as'Escrituras em 24 livros, conform e o núm ero
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sagrados são mais que 22 alguns livros eram agrupados como um
único volume. A omissão dos 12 Profetas se deve provavelmente
por estarem agrupados a outros livros, provavelmente Isaías, con
forme veremos em outras coleções mais adiante37. A omissão de
Baruc ê o mesmo caso, pois normalmente figurava como apêndice
do livro de Jeremias. Isto se atesta ainda mais pelo fato de que a
Epístola de Jeremias foi mencionada, e os dois livros sempre estive
ram juntos38.
Dos deuterocanônicos do AT faz referência apenas aos livros
dos Macabeus.
Outros escritos de Orígenes mostram que a Igreja considera
va outros livros canônicos além dos livros supracitados:
“5. [...]Nós [cristãos] procuramos não ignorar quais são as Escri
turas dos judeus a fim de que, ao disputarmos com eles, não citemos
as que não se encontram nos exemplares deles, mas sim aquelas de
que eles