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SISTEMAS DE PRODUÇÃO AVANÇADOS André Lunardi Steiner SUMÁRIO Esta é uma obra coletiva organizada por iniciativa e direção do CENTRO SU- PERIOR DE TECNOLOGIA TECBRASIL LTDA – Faculdades Ftec que, na for- ma do art. 5º, VIII, h, da Lei nº 9.610/98, a publica sob sua marca e detém os direitos de exploração comercial e todos os demais previstos em contrato. É proibida a reprodução parcial ou integral sem autorização expressa e escrita. CENTRO UNIVERSITÁRIO UNIFTEC Rua Gustavo Ramos Sehbe n.º 107. Caxias do Sul/ RS REITOR Claudino José Meneguzzi Júnior PRÓ-REITORA ACADÊMICA Débora Frizzo PRÓ-REITOR ADMINISTRATIVO Altair Ruzzarin DIRETOR DE ENSINO A DISTÂNCIA (EAD) Rafael Giovanella Desenvolvido pela equipe de Criações para o Ensino a Distância (CREAD) Coordenadora e Designer Instrucional Sabrina Maciel Diagramação, Ilustração e Alteração de Imagem Igor Zattera, Julia Oliveira, Thaís Munhoz Revisora Thais Piccoli Dalzochio A TEORIA DAS RESTRIÇÕES 4 A HISTÓRIA DA TOC 6 CONCEITOS GERAIS 8 MUNDO DOS CUSTOS 13 MUNDO DOS GANHOS 14 TAMBOR, PULMÃO E CORDA 15 OPERACIONALIZAÇÃO DA TOC 16 SÍNTESE 18 ANÁLISE DE SISTEMAS PRODUTIVOS 20 VALUE STREAM MAP 21 CUSTOS DOS SISTEMAS PRODUTIVOS 31 SÍNTESE 42 OUTRAS APLICAÇÕES PARA SISTEMAS PRODUTIVOS 44 LEAN OFFICE 46 PRODUTOS ASSOCIADOS A SERVIÇOS 55 SÍNTESE 70 CAPÍTULO 4 – INDÚSTRIA 4.0 72 HISTÓRICO 73 CONCEITO DE INDÚSTRIA 4.0 78 COMPONENTES DA INDÚSTRIA 4.0 80 FÁBRICA DIGITAL 92 ADAPTAÇÃO DO MODELO ATUAL PARA A INDÚSTRIA 4.0 97 SÍNTESE 102 LISTA DE SIGLAS 104 3SISTEMAS DE PRODUÇÃO AVANÇADOS APRESENTAÇÃO Os sistemas produtivos são um assunto praticamente infindável. Nunca haverá um igual ao outro: são inúmeras possibilidades, arranjos, concatenações de recursos, produtos, serviços, materiais, pessoas... enfim, sempre haverá diferentes formas de organizar essas situações. Se pensarmos que isso tudo está, sem sombra de dúvida, em constante evolução, realmente podemos afirmar que o assunto não tem fim. Obviamente, precisamos de um norte para nos guiarmos nesta jornada. Por isso, co- meçaremos com conceitos básicos de produção, evoluindo para os conceitos que se desen- volveram desde a produção artesanal até a produção em massa e, ainda, com a revisão desse conceito para a produção enxuta, sendo esse ainda o grande paradigma de produção da atu- alidade. Nesse momento, esses conceitos precisam estar bem claros para podermos juntar algumas outras nuances e irmos adiante. Certamente, o que acabamos de comentar não é suficiente para explicar e tampouco para analisar todo e qualquer sistema produtivo, apesar desses conceitos já formarem uma ótima e vasta base. O profissional que se especializa na gestão, definição ou melhoria de sistemas produtivos (não se limitando somente a esses) precisa de algo a mais, mais alguns subsídios para poder realizar melhor seu trabalho. Neste material, temos a pretensão de passar uma visão geral, um overview, algumas outras teorias e conceitos relacionados a sistemas produtivos que precisamos para conse- guir bem analisar diferentes situações. Cabe lembrar que o assunto nunca está esgotado, sempre haverá algo novo: uma nova visão sobre teorias passadas, uma nova maneira de en- xergar aquilo que já se fez ou que ainda se está por fazer. Tendo isso em mente, primeiramente vamos verificar a teoria das restrições, uma ou- tra forma de analisar sistemas produtivos. Depois, passaremos para algumas outras aplica- ções dos conceitos de produção atrelados a diferentes situações, como atividades adminis- trativas e o ramo de serviços. Para tanto, vamos verificar uma sistemática de mapeamento de processos chamada Valeu Stream Maping, as questões dos processos administrativos através do Lean Office e as situações dos processos de produtos atrelados a serviços e como analisá-las. Após, veremos o que especialistas estão apontando como a nova forma de pen- sar produção, através dos conceitos chamados hoje de indústria 4.0, para finalizarmos com uma interação entre esses diversos assuntos e alguns pontos a serem avaliados sobre os custos dos processos produtivos. Espero que gostem e aproveitem. Vamos nessa? 4 A TEORIA DAS RESTRIÇÕES Você já ouviu falar em teoria das restrições? Sabe onde se usa e para que serve? 5SISTEMAS DE PRODUÇÃO AVANÇADOS SUMÁRIO Existe uma certa mítica no mercado que diz que a teoria das restrições suplanta os conceitos do Lean Manufacturing, ou ainda que se deve pensar produção pensando no Lean Manufacturing ou na teoria das restrições, devendo-se entender e seguir os conceitos de um ou do outro, como se um trouxesse vantagem em relação ao outro em uma situação específica. Podemos entender que esse é um típico caso de miopia de conhecimento de conceitos ou ain- da de alguém querendo “vender o seu peixe” em detrimento de outro, pois estamos, sim, diante de um grande equívoco quando ouvimos algo do gênero. A melhor forma de entendermos essa situação é nos fundamentarmos na origem, nos conceitos e nas aplicações de algo para podermos afirmar o que é de fato aplicável a uma situação ou outra, entendendo que o melhor é aquilo que realmente funcionou ou deu resultado. E veja que coloquei isso no passado, pois só teremos cer- teza quando fizermos algo e medirmos seus resultados. Afirmar com veemência que algo é melhor quer dizer que você pegou uma situação, aplicou duas soluções, e uma delas promoveu resultados melhores do que a outra. Acredito que raramente alguém vai encontrar um exemplo assim para descrever, pois di- ficilmente alguém aplicou um conceito na íntegra, verificou o que aconteceu, depois voltou ao que era e aplicou outro conceito, verificou o resultado e então comparou os dois. E, mesmo a essa altura, devemos estar aptos a entender que não estaríamos sendo justos com uma ou outra si- tuação, pois até as condições do momento poderiam estar favorecendo uma delas. Sendo assim, teríamos que pensar em uma situação na qual aplicamos de maneira paralela duas soluções e uma se provou melhor que a outra; mas, sinceramente, a literatura não costuma trazer esse tipo de exemplo. Portanto, podemos até duvidar que algo assim tenha sido feito alguma vez na história. Vamos entender alguns conceitos para verificar se conseguimos tirar as nossas conclusões sobre o assunto. 6SISTEMAS DE PRODUÇÃO AVANÇADOS SUMÁRIO A HISTÓRIA DA TOC A teoria das restrições ou TOC – sigla em inglês de Theory of Constraints – foi criada pelos idos da década de 1980 por um físico Israelense chamado Eliyahu M. Goldratt e é, na verdade, um desdobra- mento de uma técnica de pesquisa operacional chamada teoria das filas. Contam algumas histórias que Goldratt foi questionado por conhecidos empresários sobre como resolver certas questões produtivas em suas empresas. Para responder, baseou-se na teoria das filas e nos princípios que estavam sendo disseminados no mercado à época, relacionados à manufatura enxuta ou Lean Manufacturing. Portan- to, alguns dos conceitos de manufatura enxuta são base para a teoria das restrições; sendo assim, tal teoria não é uma negação ou algo que vá contra tais conceitos; ao contrário, é tão somente outra forma de compreender, explicar, analisar e aplicar tais conceitos, unindo situações para a melhoria de uma questão específica. Afinal, o que fazemos não é aprender conceitos e adaptar à nossa realidade? Goldratt foi muito coerente quando, naquela época, conseguiu entender que o mundo trabalhava e pensava em virtude de duas vertentes distintas. De um lado, tínhamos o sistema tradicional ocidental de pensar produção, no qual tudo o que se consegue produzir é efetivamente vendido; assim, o foco estava no aumento de capacidade e velocidade de processo, pois estoques não eram problema – o mercado era de- ficitário, por isso absorvia o que fosse a ele destinado. Esse sistema era conhecido como Just in Case (JIC). De outro lado, tínhamos o então novo sistema orientalmatéria-prima, impostos, insumos de produção, manutenção, entre outros. Entretan- to, como dividir esses custos e analisar o que é a questão primordial? Para isso, alguns pontos têm se mostrado constantemente verdadeiros na maioria dos sistemas de custeio tradicionais: • custos indiretos de fabricação (CIF) - geralmente são alocados de forma arbitrária aos produtos, no entanto, mudam constantemente; não são verificadas detalhadamente as razões da sua existência e nem, portanto, qual dos produtos feitos pela empresa é que efetivamente está os exigindo em cada situação; • alguns sistemas de custeio não permitem a identificação de tarefas que não agregam valor relacionadas aos produtos que as estão exigindo, pois usualmente são rateadas nos custos gerais de fabricação, anteriormente citados; não se identifica, por exemplo, qual produto está utilizando (ou em que percentual) a movimentação de uma empilha- deira, que tem insumos, manutenção e mão-de-obra atrelada e, portanto, deveria ser absorvida pelo percentual de uso do processo em questão; • da mesma forma, sistemas de custos tradicionais não observam o tempo de vida de um produto no mercado para poderem, corretamente, depreciar os investimentos na defi- nição e implantação do seu processo; desse modo, se o produto tem vida curta no mer- cado, acaba por gerar uma espécie de passivo, pois no tempo em que utilizou determi- nado processo, não pagou pela sua implantação, assim como produtos com vida longa que acabam por já ter absorvido os valores referentes à implantação dos seus processos, mas seu custo não é entendido como diminuído em determinado momento no tempo; 36SISTEMAS DE PRODUÇÃO AVANÇADOS SUMÁRIO • ainda considerando o descrito anteriormente, o mesmo acontece com a obsolescência do processo, que não é encarada como custo do produ- to, sendo que, normalmente, sua taxa de absorção é feita por regras e tabelas gerais de depreciação contábil de um equipamento, mas nada impede que sejam considerados os efetivos tempos de degradação desse processo no seu custo; • os indicadores mensais de sistemas de custos tradicionais são medidos com base em diferentes maneiras de custear o produto; normalmente não levam em consideração o custo atualizado mensal - o que foi gasto mensalmente com o produto -, pois esses gastos esporádicos não estão atrelados ao pro- duto, mas sim a um gasto geral diluído. Visto isso, surgem algumas dúvidas: como saber se um produto é real- mente viável? Como saber se um produto da empresa não está “pagando” pela existência de outro? Como saber o real lucro ou prejuízo que esse produto causa no sistema? Quanto esse produto unitariamente está custando para a empresa? Todas essas questões estão se tornando primordiais para a boa gestão de um negócio. Atualmente, é relativamente fácil um produto se tornar inviável de uma hora para outra. Então, por que mantê-lo no mercado? Às vezes, é uma questão estratégica, e isso é entendível; mas não justifica a miopia de não saber o quanto ele está custando para a empresa; afinal, quem está pagando a conta? Os sistemas de gestão de custos atualizados devem obedecer às seguintes premissas (entre outras): • custeio – baseado em fatos, dados e investigação do processo; • medição do desempenho – de maneira que verifique o impacto nos custos de maneira direta; • administração de investimentos – identificação dos pontos onde efetuar melhorias ou não. O sistema de gestão de custos, portanto, é formado pela determinação, atualização e controle dos cus- tos, que vão desde o planejado até o executado por um sistema produtivo; está em constante modificação em virtude de diversos fatores. Até aqui, nada de muito novo, inclusive assunto explorado com grande proprie- dade nas disciplinas específicas relacionadas a custos; mas vamos retomar alguns conceitos a seguir. Custo variável: é o que acaba gerando menos dúvidas quanto à sua definição, apesar de alguns detalhes serem importantes. Basicamente, estamos tratando de tudo aquilo que varia em relação à quantidade de produtos fabricados, determinado geralmente pela sigla CVq, na qual “q” é a quantidade produzida. Fazem parte (mas não se limitam) os seguintes pontos: • matéria-prima direta; • componentes que são comprados e agregados ao produto unitariamente; • mão-de-obra diretamente relacionada ao produto; • embalagem individualizada. 37SISTEMAS DE PRODUÇÃO AVANÇADOS SUMÁRIO Nesse quesito, não costumam surgir tantas dúvidas. Um dos pontos a verificar são as matérias-primas utilizadas para fazer uma determinada quantidade de produto, que não po- dem ser adquiridas ou geradas de forma individual - como uma chapa que é usada para cortar X peças em processos de corte a laser – nas quais o custo de matéria-prima só é válido quando realizada aquela quantidade em específico. Qualquer discrepância quanto a isso modifica o custo (caso existam problemas dimensionais ou de matéria prima que diminuam a quantida- de de produtos ou ainda pedidos de peças em desconexo com esta quantidade padronizada). Ainda em se tratando de matéria-prima, há alguns cuidados necessários a serem avalia- dos e que necessitam de certo conhecimento técnico e do processo, não sendo tão óbvios para quem não tem noção desses detalhes, que certamente afetam bastante o custo do produto: • o valor de aquisição de matéria-prima costuma variar com o tempo e com a quantidade; sendo assim, um lote de produto pode ter diferença no seu custo visto uma compra de matéria-prima na alta do preço, em uma promoção ou numa quantidade diferenciada; • quanto da matéria-prima utilizada fica efetivamente no produto ou é usada nele, pois alguns processos possuem naturalmente perdas de materiais no seu decorrer, degra- dação no seu manuseio etc.; • quantidade de perda do material no produto, concomitante ao item anterior, quanto sobra de material para fazer produto (sobras de corte, de usinagem, canais de injeção ou moldagem etc.); • valor de retorno à empresa em função das perdas do processo, tais como a venda de sucata, reaproveitamento do material para outras peças ou no mesmo produto (fundi- ção e injeção plástica, por exemplo); • descontar eventuais impostos dos quais a empresa se ressarce com a compra de ma- téria-prima; • incluir, no valor da matéria prima, o frete para sua aquisição - o que interessa é por quanto ela chega na empresa e não seu valor na fonte. 38SISTEMAS DE PRODUÇÃO AVANÇADOS SUMÁRIO Custos fixos: costumeiramente determinados pela sigla CF, são aqueles que existem independentemente da quantidade de produto produzido; não variam conforme o volume produzido, e sim em virtude de outros fatores. Normalmente são os pontos considerados mais simples, mas, na verdade, são os mais nebulosos. Costuma entrar nesta categoria qual- quer coisa mal compreendida ligada à produção; no entanto, devem ser bastante verificados e questionados. São itens geralmente incluídos nesta categoria: • custo de liderança e coordenação de produção; • aluguel do espaço necessário para produzir; • depreciação de máquinas, equipamentos e ferramentas. Custos semifixos ou semivariáveis: geralmente representados pela sigla CSF, são cus- tos em que uma parte é fixa e outra parte é variável, como um táxi, no qual se paga um valor inicial fixo, independentemente do destino, e mais uma parte que varia conforme a distân- cia percorrida. São casos típicos incluídos nesta categoria: • valor de consumo de água; • valor de consumo de luz. Considerando os componentes acima relacionados, podemos lembrar que o custo total (Ct) de produção é dado pela seguinte equação: Ct = CVq + CG + CSF (4) Esse, portanto, é o custo total do sistema produtivo. É importante salientar que esses gastos devem ser única e exclusivamente ligados à produção; atividades administrativas devem ser avaliadas de forma separada, pois variam e são compostas de formas diferentes. É importante dissociara ideia de “custo do sistema produtivo” da concepção de “custo do produto”, sendo o custo de todos os produtos o formador do custo produtivo. No entanto, deve-se avaliar individualmente como formar o custo unitário do produto. Sendo assim, te- mos que entender outro conceito: o de custo direto. 39SISTEMAS DE PRODUÇÃO AVANÇADOS SUMÁRIO Custos diretos: esse é o grande objeto da verificação dos custos. Deve haver a maior concentração de esforços na avaliação dos componentes para se chegar a um resultado que possa ser acompanhando corretamente. Os cus- tos diretos são, basicamente, aqueles identificados diretamente no produto. Assim, podemos entender que boa parte dos custos variáveis está atrelada a eles, mas, se bem avaliados, podemos incluir uma parte dos custos tidos como fixos e semifixos também nesta categoria, ampliando ainda mais nossa aná- lise. Por exemplo, atualmente, sistemas de fornecimento da indústria auto- motiva trabalham de forma extremamente severa com a avaliação dos custos diretos, pois paga-se por eles diretamente. Um ponto importante a ressaltar é que o mal entendimento desses custos resulta na elevação da descarga de valores em cima dos custos fixos ou, na pior das hipóteses, na diminuição das margens estipuladas para o produto. No contex- to citado, da indústria automotiva, atualmente grande parte dos grupos exige dos seus fornecedores o chamado Cost Breakdown, ou custo aberto, condição obriga- tória para cotação e fornecimento. Além disso, o cliente audita os custos dos seus fornecedores, sendo objeto de grandes discussões a comprovação da existência ou não, da alocação ou não e, enfim, de ser componente ou não dos custos de um produto. Portanto, quanto mais bem entendidos esses custos forem, menor as margens para más interpretações. São pontos típicos entendidos nesta categoria: Os comentários a respeito da matéria prima feitos anteriormente são todos válidos para este ponto. Note que o valor de venda de sucata pela empresa deve ser abatido, ponto bastante cobrado pelas indús- trias do ramo automotivo. A seguir, faremos alguns comentários sobre detalhes da avaliação dos pro- cessos relacionados aos custos diretos que incidem no produto. Gasto do ferramental em relação à peça: estimativa da duração da ferramenta utilizada para rea- lizar a peça diretamente (pastilhas de usinagem, facas de corte, arame de solda etc.). Devem ser diluídos pelo número de peças no período e constar no cálculo do custo direto, eliminando-os dos gastos gerais de fabricação, aos quais são normalmente atribuídos. De forma análoga, podemos pensar a estimativa da du- ração de ferramentas ou dispositivos ligados ao processo (castanha de usinagem, elementos de frenagem) ou ligados ao produto (ferramentas de estampo, de injeção, moldes). Nesses custos, deve estar incidindo e considerada a depreciação da máquina. Gasto energético em relação à peça: nem sempre se consegue estimá-lo diretamente em relação à peça, então pensa-se em termos de tempo de uso do processo; dessa forma, é possível unitizar, em relação ao produto, o consumo de energia de uma máquina funcionando (por exemplo, potência da máquina X custo do quilowatt-hora, consumo de gás, ou de qualquer fonte de energia que se utilize) e também o consumo de energia de uma máquina ligada sem realizar trabalho, já que não se admite que o tempo das esperas do pro- cesso contabilizem no custo da mesma forma que o gasto da máquina operando. Insumos em relação direta unitária ao produto: estimar o consumo de líquido de refrigeração, óleo lubrificante, panos, material de acabamento etc., direcionados unitariamente à peça, normalmente verificadas as estimativas de tempos médios de consumo dividido pelo número de peças no período em questão. De forma semelhante, o consumo de ar comprimido pode ser bem calculado em função da va- • matéria-prima direta no produto; • processo direto no produto; • insumos diretos no produto; • embalagem direta no produto. 40SISTEMAS DE PRODUÇÃO AVANÇADOS SUMÁRIO zão da rede, tempo de uso do ar do processo e custo para gerar cada metro cúbico de ar (em função do gasto energético, insumos, manutenção e depreciação do compressor). Mão de obra em relação direta unitária ao produto: valor-hora (com encargos) das pessoas que atuam diretamente no processo de obtenção do produto, e não uma previsão dos cargos usualmente alocados no processo; considera-se a remuneração atualizada do opera- dor. Imagine que, dependendo da região do país, faixa etária do trabalhador, tempo de casa, benefícios, dissídio etc., cada pessoa acaba tendo um valor diferente dentro do sistema, mes- mo aqueles que ocupam mesmo cargo e, teoricamente, possuem salários iguais. Mas os gastos com pessoal não são somente os salários; portanto, tudo deve incidir. A forma menos com- plexa de fazer isso é transformar o valor dispendido com a folha do pessoal em taxa horária e ela incidir sobre o produto na sua proporção de uso (produto parado não recebe mão-de-obra, produto sendo transportado recebe mão-de-obra de transporte, e assim por diante). Espaço utilizado efetivamente para a realização do processo: divisão do aluguel/custo do espaço em relação ao espaço necessário e alocado ao processo, incluindo manutenção pre- dial e impostos relacionados ao local, sempre em relação àquilo que é necessário para a pro- dução. Deve-se verificar não somente o espaço ocupado diretamente pelo processo, mas, por exemplo, considerar no espaço alocado o estoque necessário ao processo para ele operar da maneira que opera (se mudar volume de estoque como uma estratégia, o valor do espaço mo- difica em relação ao produto). De forma semelhante à remuneração de pessoal, pode-se trans- formar todos esses gastos em uma taxa horária em relação ao período planejado de trabalho. Portanto, esse custo diminui em função do uso em 1, 2 ou 3 turnos. Esse valor pode ser alocado ao produto em relação ao seu uso no processo, ao seu tempo de estoque, e assim por diante. 41SISTEMAS DE PRODUÇÃO AVANÇADOS SUMÁRIO Manutenção do equipamento: de forma semelhante às questões relacionadas às fer- ramentas, o custo das manutenções preventivas do equipamento, o eventual tempo em que o equipamento deve ficar parado para a sua realização, ou outras atividades (aquecimento, resfriamento etc.) deve ser considerado. Da mesma forma, os gastos com manutenção cor- retiva devem ser atrelados ao equipamento. Portanto, isso tudo deve incidir na taxa horária do processo, dividindo o gasto pelo período entre manutenções, por exemplo. Observando os pontos abordados anteriormente, podemos entender que a taxa horá- ria (custo) de um processo deve ser formada por todos esses elementos (os que estiverem presentes no produto, é claro). Menosprezá-los não faz com que o custo desapareça, mas que incida sobre gastos gerais, não compreendendo corretamente e nem fazendo justiça aos produtos que consomem mais ou menos recursos dentre todos da empresa. Há mais alguns detalhes a serem verificados. Conforme o tipo do produto e do processo, são necessárias atividades de apoio distintas, tais como custos de inspeção (que se utiliza de mão de obra, equipamentos, manutenção etc.), custos de estocagem (necessidades especiais de espaço, condições controladas de armazenamento etc.) e transporte (custo energético de esteiras, pontes rolantes, empilhadeiras ou qualquer outro dispositivo e suas manutenções e eventual operação etc.). Também deve incidir sobre o custo do produto a taxa de falhas e custos com qualidade (devoluções, garantias etc.), em valores atuais, e não uma estimativa. Lembre que tais fatores são mutantes, portanto o custo deve ser constantemente atualizado. Os processos normalmente são avaliados com base em alguns indicadores. As seguir, estão listados alguns comentários sobre indicadores atrelados aos processos. Eficiência: medida que leva em conta qualidade e produtividade; devemedir a aderên- cia da empresa em relação ao seu planejamento (realizado x planejado); Qualidade: quando é necessário o sucateamento de um material, seu custo, acrescen- tado do valor agregado até a etapa na qual ocorreu o problema, deve ser considerado; no caso dos custos de retrabalho, usa-se o tempo deste em relação à taxa-hora do processo utilizado; 42SISTEMAS DE PRODUÇÃO AVANÇADOS SUMÁRIO Produtividade: este indicador avalia onde e quanto um produto consome de tempo de processo em rela- ção ao que lhe foi estipulado, sendo que se deve, para bem definir tempo de processo, somar a ele seus tempos considerados ineficientes (paradas necessárias, perdas etc.). Deve ter ficado claro que a avaliação correta e minuciosa de custos de um processo não é tarefa fácil. É neces- sário muito conhecimento técnico, muitos detalhes devem ser observados para um cálculo correto. Essa dinâmica faz parte de uma realidade na indústria automotiva, que estipula uma margem máxima de lucro para o produto do fornecedor. Essas informações são muito abertas e verificadas periodicamente, da mesma forma que é sobre cada um desses componentes e sua incidência sobre o custo de um produto que são avaliados aumentos em função de matéria-prima, dissídios, melhorias etc., tornando a questão muito transparente entre ambas as partes. O mer- cado, de maneira geral, tem tendência a absorver esse tipo de dinâmica; portanto, mais dia ou menos dia isso será uma realidade em todos os ramos de negócios. Quem estiver melhor preparado certamente ganhará uma vantagem. SÍNTESE Neste capítulo, verificamos metodologias de avaliação de processos e sistemas, mais especificamente falamos os benefícios e como proceder com o mapeamento de processos através da metodologia do VSM, que nos dá uma visão geral dos valores agregados e dos métodos utilizados no sistema para executar o pro- duto e suas eventuais perdas. Na segunda parte do capítulo, falamos sobre as dinâmicas de custo de um produto, uma visão um pou- co mais detalhada de alguns pormenores que devem ser objeto da nossa observação, pois são pontos que nos ajudarão a enxergar a realidade sobre os processos em que atuamos. 43SISTEMAS DE PRODUÇÃO AVANÇADOS EXERCÍCIOS SUMÁRIO 1. O que é valor agregado? 2. Qual a diferença entre custo variável e custo do produto? 3. Qual perda mais incide sobre o processo em que você está inserido profissionalmente? 4. Você vê claramente o mapa do processo do siste- ma no qual está inserido profissionalmente? Ele é claro quanto aos detalhes explicados? 5. Os produtos do processo com os quais você tem maior contato são avaliados de forma semelhante ao explicado? 44 OUTRAS APLICAÇÕES PARA SISTEMAS PRODUTIVOS Sistemas produtivos são aplicados somente na execução de produtos? Você já imaginou certos conceitos aplicados em outros ramos? 45SISTEMAS DE PRODUÇÃO AVANÇADOS SUMÁRIO Muito se fala sobre melhorias em sistemas produtivos, e isso permeia o mun- do todo. No entanto, nem só de fabricação de produtos vive o mundo, tampouco não somente disso vive o profissional que está ligado às áreas de gestão, desenvol- vimento e análise de processos. Neste momento, deve estar claro que os conceitos aplicáveis à execução de produtos funcionam bem para a avaliação de execução de serviços e de outros ra- mos de atuação, do mesmo modo que extrapolam os limites das áreas de produção e passam a ser infiltrados nas demais atividades, como os processos administrati- vos e atividades de apoio das empresas. Por mais claro que isso já deva estar, fatalmente surgem dissidências, con- ceitos e teorias que se dizem aplicáveis à gestão de negócios (e não somente à pro- dução) ou ainda que se dizem aplicáveis às atividades dentro das empresas, mas não necessariamente às atividades produtivas. Certamente sempre vai haver quem estude um assunto e busque sua adaptação para outras situações. Isso é notório principalmente quando temos algo que comprovadamente funciona em um deter- minado cenário e pensa-se: “então por que não tentar adaptar para outro?”. Teorias e conceitos existem aos montes; dissidências dessas teorias e reinter- pretações, mais ainda. O importante é conseguirmos nos munir de conhecimento para fazermos adaptações de conceitos às nossas atividades, satisfazendo as ne- cessidades dos nossos negócios e situações profissionais (ou, quem sabe, situações de ordem pessoal também). Neste capítulo, o intuito é trazer duas reinterpretações de sistemáticas aplicadas em larga escala em situações de produção, mas extrapoladas para outras áreas do negócio. Algumas talvez tenham aplicabilidade ou entendimento um pouco mais óbvio, outras nem tanto. O interessante é compreendermos que nenhuma metodologia é uma verdade absoluta: elas foram desenvolvidas, aplicadas e explicadas em situações específicas. Por mais genéricas que tenham sido, sempre pre- cisaremos realizar nossos ajustes e moldar às nossas realidades. O primeiro assunto de que vamos tratar é o Lean Office, basicamente a metodologia Lean Manu- facturing aplicada às atividades administrativas, algo que tem requerido a atenção de muitos especia- listas mundo afora, que têm notado grandes ganhos produtivos não somente nos processos produti- vos/industriais, mas na execução de outras atividades de apoio. O segundo assunto será os produtos associados a serviços, pois os serviços têm agregado muito às questões de produto, visto seu valor adicionado. E a lógica de pensamento de serviços tem algumas particularidades, que vamos abordar. 46SISTEMAS DE PRODUÇÃO AVANÇADOS SUMÁRIO LEAN OFFICE O Lean Manufacturing foi disseminado mundialmente como uma metodologia que trata de melhorias aplicadas às atividades de manufatura, aplicando nelas o pensamento enxuto (ou Lean Thinking). Essa metodologia e a maior parte do material que foi desenvolvido expli- cando e aplicando-a vêm de conteudistas americanos, apesar de ser oriunda das adaptações produtivas realizadas na Toyota Motor Company, nos idos dos de 1950 até 1980. Realmente, o STP foi o berço da metodologia, mas atualmente o que se usa e aplica tem muita relação com a interpretação que consultores e conteudistas disseminaram, apesar de existirem os materiais originais descritos por Ohno, Shingo e outros japoneses. É interessante observar que, aparentemente, não se fala de atividades administrativas nos materiais originais. Atente para o “aparentemente”. Ohno descreve que “a empresa é um organismo vivo” e comenta que “o pensamento referente à redução de perdas precisa se disseminar por toda a organização”. Shingo constrói seu material mais tecnicamente, mas não foge dessa linha de pensamento; isto é, a semente da ideia está ali. Fala-se de atividades administrativas, pela primeira vez, quando surge o conceito de TPM, Total Productive Maintenance ou Manutenção Produtiva Total, algo que não é citado nenhuma vez dentro do STP, mas que, como consenso, é tido como ensinamento oriun- do deste, visto que aparece em um dos grandes fornecedores da Toyota à época, a empresa Nippodenso, que desenvolve esse material partindo da ideia original do conceito dos 5S’s. Apesar de cada literatura que trata do assunto apresentar o conceito de forma diferente, es- truturado em pilares, não existe um conceito absoluto sobre seu formato. O mais importante é que, mesmo com todas essas divergências, um dos pilares que aparece praticamente em todos os materiais se chama “atividades administrativas” (ou al- gum nome que remeta a isso, dependendo do material). Sendo assim, podemos dizer que o TPM traz a ideia original do pensamento Lean aplicado às atividades administrativas. A partir daí, simplesmente foram utilizados esses conceitos e descritos como se fos- sem algo em separado, novo, e que os americanos chamaram de Lean Office, o que também não importa tanto assim. O importante é compreender o que isso tudo tem a nos trazer de positivo no entendimentodas nossas atividades profissionais (e pessoais também). Algumas literaturas formais divergem um pouco das ferramentas trazidas pelo Lean Office, mas podemos entender que a metodologia é sempre uma só: pensar as atividades administrati- vas de forma enxuta, de modo que se diminuam suas perdas ou ainda que agreguem mais valor. 47SISTEMAS DE PRODUÇÃO AVANÇADOS SUMÁRIO Podemos considerar que as práticas desenvolvidas com o Lean Manufacturing ultra- passam as fronteiras do chão de fábrica, visto que alguns especialistas apontam que entre 60% e 80% dos custos desprendidos para chegar ao ápice da satisfação do cliente são oriun- dos de atividades administrativas. Veja bem, não estamos dizendo que entre 60% e 80% dos custos totais ou dos esforços totais de um negócio têm relação com atividades administra- tivas, mas que toda a tratativa, documentação, registro, ajustes e deliberações referentes à satisfação dos clientes acaba sendo desenvolvido dentro delas. É inegável que tais atividades respondem por uma parte considerável dos gastos e esfor- ços de uma empresa. Note que, não raramente, a folha de pagamento da área administrativa costuma superar (em números absolutos ou em percentual) a das atividades de produção. Es- tamos tratando de atividades muito mais artesanais sob o ponto de vista produtivo, aparente- mente com situações muito menos padronizadas, situações sempre muito diferenciadas para serem tratadas e que precisam de pessoas altamente capacitadas e preparadas para tal. Claro que não estamos tratando as atividades administrativas de um negócio como um grande ladrão de recursos. Precisamos entender que as atividades organizacionais seriam impossíveis se não houvesse o trabalho administrativo, e a organização propriamente dita poderia não existir. São atividades de suma importância, altamente necessárias; não é pos- sível acontecer produção sem existir atividades (que variam de negócio para negócio) co- merciais, logísticas, de recursos humanos, de suprimentos, de qualidade, de engenharia, de segurança, financeiras, contábeis etc. Todas essas acabam existindo para fazer a produção acontecer, seja ela qual for. O que estamos dizendo é que, como consenso, dentro das atividades administrativas há uma dificuldade maior em se perceber os desperdícios. Algumas situações são encaradas como parte das operações; além disso, não se procura compreender formas mais “lean” de executar tais atividades. Quanto a isso, alguns pontos a serem observados são: • necessidade de enxergar o processamento de algo intangível, como a informação - é bem mais difícil, complexo e requer muita atenção e observação; • tendência em achar que o trabalho administrativo, por ser mais subjetivo e dinâmico, não pode ser padronizado - esse pensamento dificulta a medição de tempo das opera- ções administrativas; • perceber a informação, algo intangível, como um produto - facilita sua mensuração, percepção de onde estão parados os estoques, defeitos e outras perdas; • a gestão eficiente de documentos, e consequentemente de informações, parte do prin- cípio de padronização - essa atitude permitirá a resolução de quatro problemas: despe- sa, trabalho, tempo e precisão. Estes detalhes são mais bem compreendidos quando começamos a enxergar as perdas na visão do Lean Office, conforme Tapping e Shuker (2010). Eles descrevem não sete, mas oito perdas, listadas a seguir, que são uma interpretação das perdas ligadas aos processos produtivos, descritas de forma a atender as atividades administrativas. 48SISTEMAS DE PRODUÇÃO AVANÇADOS SUMÁRIO Superprodução: considerada a maior, pior e grande causadora das demais perdas, ca- racterizada pela produção excessiva de papéis e informações, informações redundantes, execução de atividades antes do momento, com muitas folgas de tempo, tudo aquilo que é feito mais do que o necessário ou antes do que o necessário. Se isso acontece, é porque nor- malmente existe excesso de capacidade ou descompasso nas atividades. O estabelecimento de um fluxo de trabalho, normas e padrões para cada processo e meios de sinalização, a fim de evitar a antecipação do processamento, ajudam a sanar essa perda. Atualmente, a sistematização de atividades contribui muito para isso; mas temos que entender que, para sistematizar, essas questões de fluxo, normas etc. precisam ne- cessariamente estar resolvidas. Processamento em si: caso típico no qual acontecem processamentos que os clientes não percebem e pelos quais, consequentemente, não pagarão. Esse desperdício está caracterizado pela execução de operações redundantes, como verificação de trabalhos, revisões em excesso, fluxos de aprovação longos. Casos bastante comuns apontam para atividades executadas que não geram nenhum valor, como excesso de informações em cadastros, redundância na reali- zação, preenchimento de documentos que repetem informações e assim por diante. Busca eli- minar as etapas desnecessárias, sendo um caminho normal para isso, o mapeamento do pro- cesso e, quando possível, mapear cada operação como um processo, clareando as perdas. 49SISTEMAS DE PRODUÇÃO AVANÇADOS SUMÁRIO Movimentação entre processos: o desperdício de movimentação entre processos con- siste em transportar, arquivar e empilhar informações ou papéis mais tempo do que o ne- cessário, arquivá-los em determinados locais e trocá-los de lugar depois de algum tempo, passar informações para pessoas que não executam nada com elas (mesmo que eletronica- mente), assim como o deslocamento de pessoas de um departamento para outro a fim de executar uma operação. Quanto menor esse fluxo, melhor. Estoques: nesta perda, estão representados principalmente os arquivos desnecessá- rios e suprimentos extras (materiais que costumam ficar meses guardados sem uso), prin- cipalmente os que se agravam com o problema de obsolescência. A busca pelo estoque zero deve ser uma política globalizada dentro da organização, não somente no chão de fábrica, pois não depende de apenas um setor, mas sim de toda a cadeia produtiva. Defeitos: considerada a mais óbvia de todas as perdas, é constituída pelo desperdício ou uso de mais tempo do que o necessário para retrabalhar alguma operação, em comparação a executar corretamente de uma só vez. Compreende também a utilização de mão-de-obra e outros recursos que poderiam estar sendo usados para novos projetos ou atividades. As padronizações de proce- dimentos auxiliam na redução deste tipo de desperdício, assim como sua sistematização. Tempo de espera: desperdício por espera em situações como aguardar por assinaturas, espera por uso de máquinas ou equipamentos ocupados, por telefonemas e informações, ou por suprimentos que são necessários para dar andamento às atividades. Este último é o mais fácil de ser detectado, e os demais não tão óbvios, pois acabam se confundindo com o ciclo natural de execução dos processos. Para evitá-lo, pode-se aplicar a multifuncionalidade das atividades, que consiste em transferir um profissional, quando um processo não estiver em funcionamento, para a exe- cução de outro processo, com o equilíbrio da carga de trabalho, para que todos os recursos sejam utilizados da melhor maneira possível. É importante evitar o uso de instalações e equipamentos dedicados e de sistemas separados para execução de diferentes atividades, no lugar de um sistema que possa executar várias atividades. Movimentação interna da operação: entendida como “qualquer movimentação que não seja necessária à condução bem-sucedida de uma operação”. Layouts, postos e proces- sos de trabalho mal projetados geralmente aumentam a necessidade de movimentação ou movimentos, sem agregação de valor para a execução das atividades. 50SISTEMAS DE PRODUÇÃO AVANÇADOS SUMÁRIO Conhecimento: chamada de “oitava perda” e um tanto discutida por alguns autores, é caracterizada pela não utilização da criatividade dos funcionários. Con- siste em perdasdecorrentes do fato de não escutar o que o funcionário tem a di- zer a respeito do processo, não dar importância para as ideias expostas, ignorar a habilidade desenvolvida pela experiência. Todos esses elementos desmotivam, fazendo com que esses trabalhadores não procurem possíveis melhorias no am- biente em que trabalham. Trata-se de uma perda um tanto subjetiva, tanto na ex- plicação quanto na maneira de buscar expressar, tornando-se fonte de discussão. METODOLOGIAS PARA MELHORIA Após compreender como se caracterizam as operações administrativas, partimos para as ferramentas mais usuais do Lean Manufacturing, que são consi- deradas aplicáveis pela grande maioria dos autores na visão do Lean Office. Heijunka: palavra japonesa para “alisamento”, mas compreendida como nivelamento de operações; na visão do Lean Office, muito próximo de como é utilizada em operações de processos produtivos, busca o sincronismo de execução e balanceamento da capacidade entre as diferentes operações. A palavra de ordem neste âmbito é “equilibrar a demanda”. É muito importante, pri- meiro, compreender corretamente as operações, necessidade de padrões, sistematização etc., para depois sequenciar a informação de forma harmônica. O fator que torna esse processo mais com- plexo é que muitas operações são difíceis de compreender quanto à sua padronização, do mesmo modo que algumas atividades que demandam tempo promovem certa dificuldade de serem com- preendidas, pois decorrem da maneira particular como cada pessoa recebe, processa, compreende e age em relação à atividade que executa. No geral, busca-se o equilíbrio entre o volume de trabalho que precisa ser realizado, definido como carga, e a habilidade que máquinas e pessoas têm de executar essa demanda, definida como capacidade, sendo que o objetivo do balanceamento é fazer um processo ou operação para produzir a mesma quan- tidade, na mesma velocidade que o processo ou operação precedente. Nem sempre se consegue: quanto mais dependente do talento e menos sistematizada a operação, maior a dificuldade em equalizá-la. Sem entrar muito no mérito, o uso de sistemáticas de troca rápida ajuda bastante nessa situ- ação, entendidas como a preparação ou processo que uma pessoa necessita para deixar de executar uma atividade e passar a executar outra, como abrir documentos, executar uma rotina do sistema, buscar e usar formulários, buscar e usar algum instrumento ou recurso. Todas essas podem ser con- sideradas atividades de Setup, ou seja, de preparação e não de sua efetiva execução. Portanto, podem ser pensadas de forma a serem diminuídas; quanto mais setups acontecem e mais repetitivas são as atividades, mais se tornam evidentes esses pequenos ganhos. 51SISTEMAS DE PRODUÇÃO AVANÇADOS SUMÁRIO Interessante entender que não somente as perdas (Muda, em japonês), mas também a dis- tribuição desigual de atividades (Mura) e a sobrecarga (Muri) causam falhas no nivelamento dos processos, operações e atividades. Metodologia 5S’s: a metodologia de 5S’s, chamada também no Brasil de 5 Sensos, é muito diversificada e versátil. Pode ser considerada como a base do entendimento das perdas de pro- cessos, base da TPM, base do Lean Office e melhoria de operações, enfim, não deve ser encarada somente como um método de organização. Existe uma imensidão de obras que tratam do tema, algumas até ampliando para seis, sete e oito ésses (8S’s), mas podemos partir do princípio de que o atendimento do básico já nos traz bastante resultados; o restante são ampliações da aplicação dos conceitos e suas dissidências, sendo uma metodologia muito consagrada em todas as partes do mundo. Por isso, não poderíamos deixar de comentar sobre essa metodologia, visto que, em se tratando de atividades administrativas, talvez seja a ferramenta mais diretamente aplicável e conhecida, inclusive como objeto de programas de avaliação de setores e distribuição de resultados em algumas empresas. Sendo os conceitos dos 5S’s bastante disseminados, vamos apenas citar cada um dos seus elementos sem entrar nos detalhes de cada um: Nagara: entendido no contexto do Lean Office como multidisciplinaridade ou ain- da multifuncionalidade, deve ser buscado desde que possível e que a carga de trabalho da pessoa permita. Trata da execução simultânea de várias atividades de acordo com Metodologia 5S’s Fo n te : e la b o ra d o p e lo a u to r. 52SISTEMAS DE PRODUÇÃO AVANÇADOS SUMÁRIO o fluxo de operações, amplamente justificado pelo aumento da flexibilidade do mercado e a redução de custos, no qual o melhor aproveitamento da mão de obra, atribuindo-lhe mais atividades, é primordial pelo seu alto custo para a empresa. É importante entender que, neste caso, não existe uma obrigação, mas sim uma adequação. Dentro do possível, deve-se buscar a multidisciplinaridade, mesmo naquelas atividades que exijam alto grau de especia- lização. Atividades paralelas ou concomitantes são possíveis, apesar de alguns entenderem o conceito de for- ma exagerada, não permitindo o bom conhecimento do profissional em relação àquilo que precisa ser feito, em detrimento de fazer mais do que uma atividade. Portanto, deve-se pensar que o primordial é a atividade bem executada e depois expandida, pois o custo do erro normalmente é mais alto que o da distribuição de tarefas. Trabalho standard: comentamos anteriormente sobre a padronização das atividades; tratamos, portan- to, de uma busca incessante por tornar uma operação o mais padronizada possível. A intenção é entender que, quanto mais padrão, mais fácil de ser disseminada, treinada, reproduzida e, consequentemente, sistematiza- da, agilizando os processos. Diversas técnicas podem ser usadas para a padronização do trabalho; no entanto, vamos nos deter na realização do Mapeamento do Fluxo de Valor (VSM), que aqui também é aplicável. Na visão do Lean Office, devemos entender as atividades divididas nos tipos a seguir. • Atividades de agregação de valor: são as atividades que realmente agregam valor ao resultado de- sejado da operação, aquelas que contribuem para a execução das outras atividades (não esquecer que estamos tratando de atividades administrativas, geralmente vistas como apoio). Quanto maior a proporção de trabalho com valor agregado, maior é a eficiência do executor da atividade. É necessá- rio sempre pensar o que se quer com a atividade em análise. • Atividades auxiliares: são as atividades secundárias, necessárias para re- alizar as atividades de real agregação de valor; porém, não são percebidas pela “atividade cliente”, como atender telefone. Só é possível eliminá-las quando as condições de trabalho forem alteradas, ou seja, quando os meios promoverem essa melhoria, como um sinal automático no sistema sobre a execução de algo e outras melhorias referentes às perdas. • Atividades desnecessárias: são aquelas que não agregam valor e nem são necessárias para realizar as atividades que agregam valor. É nessas ativi- dades que deve estar o foco maior da eliminação do desperdício, apesar de algumas serem consideradas comuns e partes da operação. É necessário avaliar com muito cuidado, sendo incoerente dizer que um operador não pode se afastar de uma máquina enquanto nas atividades administrativas existem conversas, pausas etc. Ainda sobre a visão apresentada no capítulo anterior sobre VSM, alguns sím- bolos dedicados às atividades administrativas podem ser acrescentados para a rea- lização de um mapeamento mais direcionado e compreendido para essas atividades. Processo compartilhado - as atividades continuam sendo entendidas como processos que devem trazer suas informações; mas algumas ativida- des administrativas costumam ser compartilhadas; isso pode ser indicado e ainda reforçado com a informação de percentual das horas diárias dedicadas àquela atividade específica. 53SISTEMAS DE PRODUÇÃO AVANÇADOS SUMÁRIO No exemplo da figura, podemos ver umaatividade de folha de pagamento, na qual trabalham duas pessoas por turno, que demoram para processar cada demanda, em média, 20 minutos. Está estipulado que essa folha é realizada para um lote de 300 funcionários todo mês e que as pessoas que trabalham na atividade têm 75% do seu tempo dedicado a ela; o restante provavelmente está destinado a outras atividades. Documento físico: este símbolo é destinado à demonstração de que a atividade gera algum tipo de do- cumento físico, o qual será destinado a algum lugar. Banco de dados: este símbolo é destinado à demonstração de que a atividade gera ou recebe informações vindas ou processadas de um banco de dados (seu estoque de matéria prima, por exem- plo; são informações de sistema). Tempo de espera: este símbolo é destinado à demonstração de que a atividade necessita receber uma liberação, informação, aprovação ou informação vinda de outra atividade para poder dar continuidade à sua operação. Pode ser acompanhada de uma in- formação de tempo médio de espera (recomendado). Processo compartilhado Banco de dados Tempo de espera Documento Fonte: adaptado de Tapping e Shuker, 2010. Fonte: adaptado de Tapping e Shuker, 2010. Fonte: adaptado de Tapping e Shuker, 2010. Fonte: adaptado de Tapping e Shuker, 2010. T = 1 dia 54SISTEMAS DE PRODUÇÃO AVANÇADOS SUMÁRIO Exceções ou rupturas: indica que é necessária uma atividade ex- tra em uma situação específica; neste caso, a saída normal da operação é uma; mas existe, em determinados casos, outra saída necessária. Horário: indica que existe um horário específico para executar uma determinada atividade. No exemplo da figura a seguir, podemos ver uma atividade de fo- lha de pagamento que gera normalmente (75% do tempo) informações eletrônicas que são armazenadas no sistema diariamente. Às 9h30, a atividade faz lançamentos no sistema, que utilizam mais de 10% do seu tempo dedicado e, posteriormente, realizam atividade de geração de financeiro, que utiliza 15% do seu tempo dedicado e que, finalmen- te, também gera informação eletrônica para um banco de dados. Em momentos específicos, em função de alguma exceção, essa atividade precisa passar por aprovação de faltas, a qual é entregue fisicamente e costuma ter tempo médio de espera de um dia. Horário Exemplo administrativo Fonte: adaptado de Tapping e Shuker, 2010. Fonte: elaborado pelo autor. HORÁRIO 09:30 Ruptura Fonte: adaptado de Tapping e Shuker, 2010. 55SISTEMAS DE PRODUÇÃO AVANÇADOS SUMÁRIO PRODUTOS ASSOCIADOS A SERVIÇOS Além das atividades administrativas, outro desafio comum para quem lida com siste- mas e processos é a questão dos serviços. A execução de serviços pode ser encarada tal qual a execução de um produto: o fluxo de ideias, o pensamento enxuto, o trabalho em cima de perdas, de execução com menor quantidade de recursos, a busca por agregar mais valor, tudo isso funciona exatamente igual. No entanto, o desafio, quando se trata dos serviços, fora a comum falta de conhecimento e prática das pessoas que lidam com melhorias de processos, é que normalmente o proces- so que executa esses serviços possui características de atividades administrativas. Assim, a análise e os conceitos do Lean Office são bastante aplicáveis e se portam como a execução de processos produtivos comuns, os quais podem ser verificados, analisados e melhorados, da mesma forma que os ditames da teoria das restrições ou do próprio Lean Manufacturing. É fato que, principalmente nos dias de hoje, os serviços são o grande promotor de fide- lização de clientes, pois produtos físicos, com relativa facilidade, podem ser copiados, já que podem ser desmontados, medidos, verificados etc. Entretanto, os serviços não são tão visí- veis assim: talvez você consiga compreender o resultado final, o que nem sempre é tão óbvio; mas as etapas para executar esses serviços é que costumam ser bem mais obscuras aos olhos de um observador iniciante. Isso é tão verdade que o cerne da economia de países altamente desenvolvidos são os serviços, nos quais suas economias são nitidamente baseadas. 56SISTEMAS DE PRODUÇÃO AVANÇADOS SUMÁRIO Note que, cada vez mais, esses países relegam a fabricação de produtos para países em desenvolvimento, enquanto a produção de materiais base (agricultura, pecuária, mine- ração) é, exceto raros casos, objeto de base econômica de países subdesenvolvidos. Países altamente desenvolvidos têm empresas de forte renome que, no entanto, focam neles as atividades estratégicas, de desenvolvimento de produto, atividades comerciais, financeiras e suprimentos em suas sedes, enquanto espalham plantas fabris pelo mundo. Isso sem citar as empresas mais valorizadas da atualidade, altamente focadas em serviços ou em algum produto fortemente associado a um serviço. Isso acontece pois, de maneira geral, a menor parte dos custos em relação ao valor agre- gado está ligada à geração de serviços, tanto que essas grandes empresas entendem que seus produtos podem ser considerados como a materialização dos seus serviços fornecidos, visto o grau de importância que eles representam. Sabe-se também que esse foco todo é dado visto a tendência ao crescimento dos serviços em função do crescente aumento do tempo de lazer, evo- lução tecnológica e ainda a complexidade de produtos que requerem serviços dos dias atuais. Entende-se, portanto, que as pessoas estão cada vez mais adeptas a pagar não somen- te por produtos, mas por serviços que tornem a experiência com o uso desses produtos mais interessante. Por exemplo, de nada adianta o melhor equipamento de reprodução de música possível sem música tocando nele. Entretanto, essa música, até então encarada como um produto (discos), era vendida em uma loja e hoje é obtida de aplicativos, da internet ou de outros meios que o valham. O interessante para o grande público não eram os discos (físi- cos), era a música contida neles (o serviço, a experiência). Esse é somente um exemplo, mas existem muitas nuances a entender nessa questão dos serviços. 57SISTEMAS DE PRODUÇÃO AVANÇADOS SUMÁRIO Dessa forma, é bem plausível que, na atualidade, uma parte considerável dos negócios que até então entendiam que comercializavam somente produtos, passem a oferecer serviços agregados como forma de aumentar clientela, fidelizar clientes, aumentar o valor percebido (e por consequência cobrado) sobre seus produtos etc. Esses serviços associados a produtos físi- cos podem ser de diversos formatos, vieses e objetivarem diferentes situações, listadas a seguir. Serviço comercial: associado a produto - seja o fabricante ou um distribuidor/loja, acaba por oferecer produtos similares (e às vezes iguais) ao de outro concorrente, mas com um prazo de entrega menor, entrega a domicílio e garantia de estoque à pronta entrega (dessa forma, o cliente tem a certeza de que, procurando aquele estabelecimento, ele terá o produto quando precisa). O que algumas marcas específicas fazem (por exemplo, de re- frigerantes) é fidelizar alguns estabelecimentos para venderem somente produtos da sua linha, oportunizando um plano de vendas diferenciado (ajuda com divulgação do estabe- lecimento, equipamento para armazenar/resfriar o produto etc.). Todos esses são serviços comerciais associados a um produto físico. Serviço financeiro: em alguns momentos, acaba se confundindo com serviço comer- cial. Neste caso, no entanto, a fidelização do cliente ou argumento de venda não vêm de um serviço propriamente dito para o cliente (como visto anteriormente), mas em forma de crédito para aquisição de mercadorias, prazo de pagamento diferenciado, plano de vendas associado a desconto em função de fidelidade ou volume de compras. É o caso típico dos atacados que vendem produtos similares ou iguais aos mercados, mas promovem descontos baseados nas vendas em quantidades maiores. 58SISTEMAS DE PRODUÇÃO AVANÇADOS SUMÁRIO Serviço de suporte ao produto:neste caso específico, o suporte pode se dar antes ou depois da compra. No caso da antevenda (pré-compra), o produto pode ser similar ou até o mesmo que o concorrente, mas a consultoria para escolher o melhor modelo, o melhor atendimento, o melhor nível de informações e direcionamento do produto são qualificadores de escolha entre um estabelecimento e outro. No caso do pós-venda, o produto é escolhido por ter mais pontos de atendimen- to (concessionárias e oficinas especializadas no caso de automóveis), melhor rede de peças em relação ao seu concorrente, serviço de apoio a emergências (suporte em pane durante uso, atendimento local etc.), suporte técnico no uso do produto (no caso de equipamentos de informática). 59SISTEMAS DE PRODUÇÃO AVANÇADOS SUMÁRIO Todas essas situações são muito dinâmicas, e por vezes confunde-se o pró- prio produto com o serviço. Mas é importante entender que existem, nessas em- presas, processos destinados a gerar o produto e processos destinados a gerar e cuidar desses serviços. O cliente pode até enxergar os dois concomitantemente, o que é até interessante; mas é inegável o fato de que os dois são situações sepa- radas e devem ser analisados, mapeados e ajustados conforme necessário. Quem precisa enxergar ambos como algo simbiótico e inseparável é o cliente; mas, do ponto de vista de processos, são situações distintas: seria possível, em alguns ca- sos, trocar o produto e manter o serviço ou ainda copiar/expandir o mesmo tipo de serviço para outro tipo de produto. Devemos entender, entre produto e servi- ço, qual o grau de importância de cada um na situação, principalmente na visão do cliente. Assim, podemos identificar três categorias divididas em cinco níveis. Bem tangível associado a serviço - caso mais comum, produto associado a um ou mais serviços comerciais, financeiros ou de suporte, do qual o exemplo mais claro é o carro, que é vendido como produto e é associado com o suporte à venda e à rede de concessionárias e assistência técnica. Produto de oferta híbrida - caso no qual tanto os bens (produtos) quanto os serviços são associados diretamente à aquisição de outros bens e serviços, sendo argumento para definição da compra tanto o produto quanto o serviço. É o caso típico dos serviços de telefonia móvel, que são associados a um pacote de inter- net, que também são associados a outro serviço de telefonia, internet e TV resi- dencial; o cliente adquire um pacote de serviços. Além disso, esse serviço pode fornecer um aparelho que exige um plano de fidelização, um modem ou algo que vai ser utilizado de maneira simultânea ao serviço e interfere na qualidade, experiência e opinião sobre ele. Serviço principal associado a bem secundário: serviços que oferecem produtos associados como forma de angariar mais clientes, como o caso da adesão a um curso no qual você recebe como brinde um produto (mochila, pasta, camisa etc.). Nesse caso, o produto da empresa é o serviço, o brinde é normal- mente adquirido de um fornecedor e não costuma interferir diretamente na execução do serviço. Neste caso, a ideia não é pensarmos a execução de produtos, mas sim a de serviços. Portan- to, precisamos compreender que esses serviços possuem certas características (quanto mais serviço puro, mais os efeitos serão visíveis) que precisam estar claras, da mesmas forma que suas implica- ções, listadas a seguir. Exemplo administrativo Fonte: elaborado pelo autor. 60SISTEMAS DE PRODUÇÃO AVANÇADOS SUMÁRIO Intangibilidade: os serviços não podem ser vistos, geralmente não podem ser provados antes da sua execução; não podem ser sentidos, nem ouvidos ou cheirados antes de serem adquiridos. Quanto mais puro o serviço, mais isso fica evidente, pois ele se apresenta como uma experiência que o cliente vivencia du- rante a sua produção. Portanto, de maneira geral, os clientes percebem mais ris- cos na compra de serviços do que na de bens. Outro fator interessante é que os serviços são inseparáveis daqueles que os fornecem, sejam pessoas ou máquinas/equipamentos. Dessa forma, se o serviço não for agradável na visão do cliente, é porque a pessoa foi incompetente ou o equipamento não funciona, pois se um erro é cometido du- rante a produção o cliente percebe, na maioria das vezes, o defeito por conta da simultaneidade; dessa forma, a qualidade é julgada durante o processo produtivo. Por conta desses fatores, para reduzir a incerteza, os compradores procuram sinais de qualida- de de serviço a partir de tudo o que puderem observar: objetos, ambiente, pessoas, trajes, visual etc., mesmo esses não interferindo diretamente no serviço. Dessa forma, o prestador pode procurar tornar os serviços um pouco menos intangíveis de várias maneiras, como a partir da valorização de caracte- rísticas que possam ser observadas pelo consumidor (clareza de um contrato, visual do local, volume/ fluxo de pessoas nele, aparência moderna etc.). Outra dificuldade dos serviços é que, até então, não são patenteáveis e criam certa dificuldade de comprovar sua cópia; assim, exigem estratégias próprias para assegurar o benefício da inovação. Participação do cliente no processo produtivo: em boa parte dos serviços, o cliente pode parti- cipar desde o desenvolvimento até o consumo, sendo geralmente ele quem provoca o evento que inicia a execução do processo; com isso, podemos entender que não há total controle sobre a taxa de entrada dos clientes no sistema, já que, nesses casos, o cliente é um dos recursos do processo, sendo encarado muitas vezes como a própria “matéria-prima”. O gargalo da execução dos processos de serviços está associado a um roteiro de produção re- lativamente tentativo e uma taxa conhecida/estimada de demanda, pois nenhum desses elementos é perfeitamente conhecido em serviços, necessitando da utilização de procedimentos que visem ou 61SISTEMAS DE PRODUÇÃO AVANÇADOS SUMÁRIO procurem garantir a plena utilização dos recursos. Outro ponto a se analisar é que o tem- po e o custo de deslocamento do cliente até as instalações (se esse for o caso), assim como sua tolerância a esperas do processo, devem ser consideradas na decisão econômica quanto à localização: locais mais próximos, mais movimentados e de acesso mais fácil tendem a atrair um volume maior de clientes. Um fator agravante nesse processo é o de que, com o alto contato com o consumidor, precisa-se posicionar a mão-de-obra como recurso determinante da eficácia na organização, na grande maioria dos casos; no entanto, também permite uma maior flexibilidade para aten- dimento às necessidades dos clientes de diferentes formas. Esses fatores juntos tornam mais difícil, no caso dos serviços, o gerenciamento quanto a resultados individuais das pessoas no processo, visto que em algumas situações o resultado se dá pelo encadeamento das ações do conjunto da mão de obra, dificultando a aplicação de conceitos inerentes à padronização. Um dos objetivos da qualidade em serviços a ser considerado é a “zero deserção”: ao iniciar o serviço, a pessoa se mantém até o seu final, uma vez que a percepção do serviço prestado é imediata, subjetiva e qualitativa. Outro objetivo costuma ser o “retorno” para uma nova execução do serviço. Produção e consumo simultâneos: é um dos grandes complicadores dos serviços, pois geralmente não há etapa intermediária entre a produção de um serviço e o seu consumo: na grande maioria dos casos, o produto vai sendo consumido à medida que seu processo vai sendo executado; dessa forma, não podem ser estocados e tampouco transportados, elimi- nando a possibilidade de isolamento entre o sistema de operações e as variações do ambien- te externo, impossibilitando a proteção da produção quanto à saída do sistema. Assim, não há como realizar serviço, guardar e entregar para o cliente quando ele pedir e nem executar em um local e entregar em outro, o que gera uma maior dificuldade na utilização eficazda capacidade produtiva, pois caso ela não seja utilizada (por ausência de demanda), será per- dida. Da mesma forma, se a demanda for maior que a capacidade produtiva, ou ela aguarda ou perde-se aquele cliente no momento específico. 62SISTEMAS DE PRODUÇÃO AVANÇADOS SUMÁRIO Portanto, a grande variabilidade nas operações é o fator que torna o processo produ- tivo de difícil gerenciamento, principalmente quanto à alocação de capacidade. Por isso, frequentemente deve-se trabalhar com excesso de capacidade, a fim de não perder as opor- tunidades de negócio, o que acarretaria um aumento de custo e eventual ineficiência em relação o que poderia efetivamente ser realizado. Outro efeito comum é a busca por padro- nização da produção do serviço a partir da padronização dos eventuais produtos oferecidos aos clientes, quando for o caso de haver produto físico associado. Em resumo, podemos considerar o seguinte comparativo, demonstrado na tabela. Comparativo - serviços e produtos Fonte: elaborado pelo autor. Produção de serviços Produção de bens Intangível Tangível Não pode ser estocado Estocável Produção e consumo simultâneos Normalmente produção precede consumo Alto grau de contato com o consumidor Baixo grau de contato com o consumidor Não pode ser transportado Transportável Qualidade de julgamento subjetivo Qualidade de julgamento mais objetivo 63SISTEMAS DE PRODUÇÃO AVANÇADOS SUMÁRIO Em relação a esse assunto, podemos ainda destacar alguns fatores que podem ser considerados complicadores na execução de serviços atualmente: • um acelerado e imprevisível desenvolvimento das tecnologias de produto, processos e materiais, desestabilizando a definição, formatação e oferta de alguns serviços; • as enormes possibilidades oferecidas pelas comunicações, criando produtos substi- tutos para diversos serviços (execução a distância); • o aumento da capacitação intelectual e profissional das pessoas, tornando o julgamen- to mais crítico, a percepção mais aguçada e a clareza do que se quer ou objetiva maior; • a oferta de serviços em quantidade e variedade além da capacidade de consumo das pessoas, forçando um certo combate de preços entre os seus prestadores. Durante a execução e oferta de serviços existem, assim como na execução de pro- cessos que geram produtos, uma série de medidas que podem ser tomadas. Claramente, existe muita diferença entre a execução de produtos e de serviços, da mesma forma que a consequência para o processo costuma ser um pouco diferente se compararmos medidas relativamente similares entre ambos. No entanto, sempre existem consequências, afinal toda ação resulta em uma reação. No quadro a seguir, procuramos demonstrar os impac- tos comuns aos processos de execução de serviços no caso da adoção de determinadas medidas ou ênfase em algum ponto. 64SISTEMAS DE PRODUÇÃO AVANÇADOS SUMÁRIO Impacto na execução de serviços Serviços em relação ao material processado Fonte: elaborado pelo autor. Fonte: elaborado pelo autor. Pessoas Propriedades Ta n g ív ei s Relacionados ao corpo do cliente: • Serviços de beleza • Medicina • Transporte de passageiros • Saúde e esporte Relacionados a bens físicos: • Transporte de carga • Manutenção/reparo • Cuidados veterinários In ta n g ív ei s Relacionados a mente do cliente: • Educação • Informação • Entretenimento Relacionados a bens intangíveis: • Serviços financeiros • Serviços legais • Serviços contábeis Característica do processo Impacto no processo Foco na utilização de pessoas para execução do processo • Maior flexibilidade • Dificuldades na padronização das operações • Dificuldade de controle de execução • Aumento da variabilidade do processo Foco na utilização de equipamentos para execução do processo • Menor flexibilidade • Maior facilidade na padronização das operações • Maior facilidade de controle de execução • Diminuição da variabilidade do processo Alto grau de contato com o cliente durante a execução do processo • Aumento da variabilidade do processo • Diminuição da eficiência/produtividade • Dificuldade de controle de execução • Rapidez na avaliação e feedback do resultado Alto grau de participação do cliente na execução do processo • Aumento da gestão/direcionamento sobre o cliente • Aumento de eficiência (uso de recursos) em função de uma parte do processo ser realizada pelo cliente Alto grau de personalização do serviço • Dificuldades na padronização das operações • Tendência à criação de pacotes de execução de serviço modular Alto grau de decisão dos funcionários na execução do serviço • Dificuldades na padronização das operações • Maior flexibilidade e personalização dos resultados Alto grau de tangibilização do serviço • Facilidade em melhorar a execução do processo através dos produtos • Menor flexibilidade A tangibilização dos serviços acaba sendo tema de bastante discussão: é difícil, para alguns serviços, criar algo tangível, mesmo sendo uma espécie de símbolo de que o servi- ço foi realizado. Alguns tipos de serviços permitem maior facilidade em torná-lo tangível, principalmente em função do que está sendo processado na sua execução. Podemos entender esse “o que” como a matéria-prima do serviço ou o tipo do mate- rial processado, que, em alguns casos, é um bem físico (por exemplo, a lavagem de um car- ro, a instalação elétrica em um apartamento etc.). No entanto, muitas vezes, esses serviços têm como matéria-prima justamente as pessoas, que costumam ser os próprios clientes. No quadro da figura a seguir, demonstramos alguns desses serviços em relação ao tipo de ma- terial que está sendo processado: 65SISTEMAS DE PRODUÇÃO AVANÇADOS SUMÁRIO Da mesma forma que é possível classificar um sistema produtivo de produtos físicos em relação ao seu volume de produção, grau de padronização, possibilidade de variedade, disposição física dos recursos etc., também é possível perceber situações análogas em relação a serviços. Essa classificação nos ajuda a entender algumas peculiaridades de cada tipo de serviço, direcionando-nos para o tipo de ação que costuma resultar em maiores ganhos ou que necessita de maior atenção, para que se busquem melhores resultados na sua execução. Arquétipo de serviços: basicamente, define o modelo de serviços prestados em relação ao volume possível da sua realização e seu grau de padronização. Quanto mais padronizado, maior volume produtivo pode ser executado e menor precisa ser a flexibilização ou variedade de serviços oferecidos. Podemos citar os tipos listados a seguir. • Serviços profissionais: possuem alto grau de contato cliente/fornecedor e grande participação do cliente no serviço, dispondo de maior variedade de resultados possíveis, o que possibilita menor pa- dronização, mas permite maior grau de customização dos produtos resultantes e costumam requerer maior autonomia da mão de obra. Nesses casos, a ênfase costuma ser no treinamento e qualificação de pessoas, na correta e possível definição do processo de execução do serviço e nas atividades chamadas de front office, como os serviços de consultoria, médicos, manutenção multimarcas etc. • Loja de serviços: possuem características moderadas entre os serviços profissionais e os serviços de massa; existe a possibilidade de atendimento de médios volumes, mas requerem o foco em um grupo de serviços ou de produtos associados, para possibilitar a busca por melhorias e enfatizar tanto a exe- cução do processo quanto a tangibilização do serviço. É o caso de restaurantes (atendimento e comida), hotelaria (atendimento e instalações), instituições financeiras (atendimento e instalações/tecnologia) e o varejo em geral (atendimento, produtos, instalações). 66SISTEMAS DE PRODUÇÃO AVANÇADOS SUMÁRIO • Serviços de massa: possuem menor grau de contato e participação do cliente no processo de execução do serviço, permitindo maior padronização. No entanto, possibilitamum menor nível de flexibilização, personalização e variedade dos serviços oferecidos, requerendo uma mão-de-obra não tão qualificada e, por- tanto, com menor autonomia na tomada de decisões e execução de atividades. Assim, a ênfase costuma ser na tangibilização do serviço, nos equipamentos utilizados e nas atividades denominadas de back office. É o caso de serviços de transporte coletivo, serviços de comunicações, serviços de crédito etc. • Front office: atividades executadas junto ao cliente, ge- ralmente as de atendimento propriamente ditas, que fi- cam expostas durante a execução do serviço e que mais facilmente podem ser visualizadas e questionadas pelo cliente. Requerem alto nível de contato com o cliente e necessitam grande ênfase nas pessoas, visto que são ca- racterizadas por altos níveis de incerteza e variabilidade e, portanto, são de difícil controle e padronização. • Back office: atividades que não são necessariamente re- alizadas aos olhos do cliente, geralmente as de execução propriamente ditas, que não ficam expostas à validação do cliente de forma direta; possuem baixo contato com o cliente e, portanto, são caracterizadas por um nível de previsibilidade maior, permitindo maior padronização e melhor controle de execução e resultados. Diversas definições podem ser consideradas sobre es- sas atividades relacionadas a diferentes pontos do processo. Procuraremos, no quadro a seguir, fazer um apanhado geral, comparando as situações de alto contato com o cliente (front office) com as de baixo contato com o cliente (back office). Vale lembrar que essas situações são aplicáveis ao processo em questão; porém, nem todo serviço tem produto associado. Arquétipo de serviços Fonte: elaborado pelo autor. Fonte de adição de valor: esta classificação procura demonstrar a atividade que possui mais relevância para a agregação de valor ao serviço, ou seja, a que ponto deve se dar a ênfase das ações e melhorias no serviço. Claro que diversas atividades ligadas a um serviço podem ajudar a agregar valor a ele, mas note que falamos na mais rele- vante. Costumamos dividir em dois tipos as atividades na realização de um serviço. 67SISTEMAS DE PRODUÇÃO AVANÇADOS SUMÁRIO Natureza da interação com o cliente: nos serviços, temos uma forte relação com aten- dimento do cliente; essa relação se divide em três tipos: o cliente pode ir até o local do servi- ço (por exemplo, cliente vai até uma loja, clínica etc.); em outros momentos, são os serviços que vão até o cliente (encanador que atende a domicílio, tele-entregas); ou ainda, de ma- neira bem particular, alguns serviços estão simplesmente disponíveis a qualquer momento, chamados de “ao alcance da mão” (compras pela internet, site ou aplicativo de instituições financeiras). É importante compreender como acontecem esses serviços em relação a esses tipos de interação, pois vão modificar severamente seu sistema produtivo, como podemos observar na tabela a seguir. Base de operação do serviço: serviços podem ser executados por pessoas de forma di- reta, ou podem ser realizados através do uso de equipamentos. Apesar de já termos citado situações do gênero nas classificações anteriores, visto que nada existe de forma isolada, é importante que façamos algumas considerações sobre essas duas bases operacionais: Arquétipo de serviços Interação com o cliente Fonte: elaborado pelo autor. Fonte: elaborado pelo autor. Ponto de avaliação Front office Back office Localização O mais próximo possível do público-alvo O mais próximo possível de fornecedores e colaboradores Layout Boas acomodações para cliente, detalhes visuais Boas condições e facilitação de execução das atividades Projeto de produto Visual do produto deve chamar atenção do cliente Facilidade de manuseio Projeto de processo Cada etapa produz efeito direto e imediato no cliente Boas condições e facilitação de execução das atividades Programação Considerar conveniência do cliente, tempo variável Controle de tempo de execução e conveniência do processo Planejamento de produção Ações imediatas, não permite acúmulo Distribuição de tarefas conforme capacidade instalada Habilidade das pessoas Alta necessidade de qualificação e habilidade Menor qualificação, ênfase no equipamento Qualidade Avaliação subjetiva à medida que é realizado Definição de padrões comparativos e verificações Tempo padrão Considerar conveniência do cliente, tempo variável Controle de tempo de execução e conveniência do processo Forma de pagamento De acordo com o executado, variável Definição e fixação de parcelas e valores Planejamento da capacidade Atendimento de pico de demanda, obsolescência Ajuste de acordo com demanda planejada Previsão Curto prazo, orientado pelo tempo, flexibilidade Médio e longo prazo, planejamento Ponto de avaliação Cliente vai até o serviço Serviço vai até o cliente Serviços ao alcance da mão Transporte Por conta do cliente Por conta do fornecedor Quando necessário, provido por terceiros Objeto que recebe serviço Consumidor leva objeto até o serviço Serviço vai até o objeto Informação processada com uso de tecnologia Equipamentos Uso livre de equipa- mentos sem restrição Equipamentos portáteis Uso livre de equipa- mentos sem restrição 68SISTEMAS DE PRODUÇÃO AVANÇADOS SUMÁRIO • serviços baseados em equipamentos: os serviços baseados no uso de equi- pamentos possibilitam maiores ganhos de escala em função da automati- zação e modernização dessas ferramentas, visto que sua tecnologia pode ser aprimorada, além das vantagens decorrentes da mecanização do traba- lho antes realizado por pessoas: os custos operacionais tendem a diminuir, visto a maior disponibilidade de tempo de trabalho, a redução de impostos, de horas extras etc.; a tendência é de independência do serviço, já que sua realização não depende de uma pessoa em específico; há maior padroni- zação de atividades e consequente diminuição de variabilidade (erros, di- ferenças de tempo etc.), ao mesmo tempo que cria o efeito da redução da personalização - o cliente costuma entender que está recebendo algo mais padronizado e menos customizado ao seu gosto; • serviços baseados em pessoas: os serviços baseados na execução por pes- soas cria o efeito de alto nível de personalização para o cliente, que entende que algo está sendo feito somente para ele; no entanto, sofre de uma maior variabilidade em função de fatores humanos (como cansaço, humor etc.), o que também ocasiona uma menor padronização da sua realização e uma grande dependência do profissional que a executa; ainda assim, possibilita redução de custos quando despesas operacionais (insumos, possibilidade de deslocamento, energia, manutenção) do equipamento superam os cus- tos com mão de obra, apesar dessa situação estar em tendência de redução devido a tecnologia ser cada vez mais abrangente e acessível. 69SISTEMAS DE PRODUÇÃO AVANÇADOS SUMÁRIO MELHORIA EM PROCESSOS DE SERVIÇO Visto a classificação dos serviços e o entendimento de suas particularidades, é comum que se procure analisar a realização desses processos para sua melhoria, afinal esse é o gran- de trabalho do profissional que lida com esse tipo de situação. Isso é feito através do mape- amento da atividade, classificando-a, buscando descrever como acontece e demonstrando suas variações, semelhante ao o mapeamento do processo de realização de um produto. Porém, a execução de alguns serviços dificulta bastante seu mapeamento e, portanto, sua melhoria. Isso costuma se dar pela alta possibilidade de variações que ele proporciona ou necessita (necessidade de personalização, usualmente) ou ainda pela alta dependência de pessoas na sua realização, exatamente como funciona o processo de realização de um produto, em relação à dificuldade no seu entendimento. Independentemente de já termos citadoou de estarem intrínsecos na compreensão dos fatores explanados anteriormente, listaremos alguns pontos a serem observados quan- to ao processo, tanto de mapeamento quanto de melhoria dos serviços. Alguns são bastante particulares deste tipo de situação, funcionando até mesmo como dicas. • Buscar a racionalização através do agrupamento de diversos serviços em um só, elimi- nando a linearização das atividades em que isso não se mostrar necessário para criar o efeito de padronização entre eles e tentar vislumbrar o que existe de comum e de dife- rente entre os serviços ofertados. • Pode ser necessário estabelecer várias versões de um processo para atendimento às di- versas necessidades dos clientes e para redução dos controles e pontos de contato do processo com os agentes causadores de falhas. Assim, é bem comum que esse mapea- mento tenha várias dissidências ou várias versões, dada sua aplicação ou público-alvo. 70SISTEMAS DE PRODUÇÃO AVANÇADOS SUMÁRIO • Envolvem a perspectiva da relação entre o consumidor e a organização, visto que quanto mais personalizado for o serviço, maior o impacto que o nome de seu executor ou da empresa terá sobre sua escolha, criando difi- culdade de separação entre o serviço e a pessoa que o executa, o que torna esse um processo que deve ser analisado com bastante cautela. • Compreensão dos processos na sua totalidade - tanto pela gerência quan- to pelos prestadores do serviço – isto é, tanto mapeamento quanto ações e melhorias devem estar claros para ambos. Opiniões e análise das diversas partes em relação ao processo mapeado são interessantes e geram maior facilidade na sua compreensão e na aprovação da melhoria proposta. • Comunicabilidade: já que todas as pessoas envolvidas devem possuir a mesma base para a conversação e compreensão, denominar as situações existentes nos processos pela forma como são conhecidas, às vezes até em detrimento de estarem tecnicamente denominadas de forma equivo- cada, costuma criar uma linguagem de fácil entendimento. • Gerenciabilidade: permite a análise e a tomada de decisões de forma se- gura e confiável, baseadas em dados quantificáveis. O estabelecimento de pontos de controle no processo e a definição, inserção e acompanhamento de indicadores é bastante útil, tanto para controlar como para demons- trar situações ocorridas, melhorias impostas etc. • Com ferramentas adequadas de modelagem sistêmica, pode-se promover a melhoria, buscando a eficácia e eficiência do processo a partir de seu reprojeto; a total modificação na forma como o processo era executado deve ser considerada como uma possibilidade e não como uma barreira. • Desenvolvimento de estrutura organizacional enxuta baseada na análise do modelo: assim como na execução de produtos físicos, grandes níveis hierárquicos acabam por criar diferenças naturais na execução dos processos, da mesma forma que dificultam seu controle e a tomada de decisões e ações referentes à sua execução. SÍNTESE Neste capítulo, verificamos a aplicação de metodologias e ferramentas no âmbito de processos que são executados de forma diferente daqueles que geram produtos físicos. Para tanto, verificamos os conceitos do Lean Office, através do qual se busca a compreensão, melhoria e eficiência de atividades ad- ministrativas e de apoio nas organizações, trazendo a adaptação das ferramentas do Lean Manufacturing para a visão, compreensão e melhor aplicabilidade às atividades que circundam a realização de produtos. Também comentamos sobre o caso típico das operações de serviços. Por mais que normalmen- te se defina que sua execução deve ser entendida da mesma forma que os processos de execução de produtos, eles possuem algumas características especiais. Sendo assim, procuramos descrever essas diferenças e nuances, classificar e demonstrar as características específicas de cada situação, procu- rando um caminho que abrevie a melhoria desses processos que tanto agregam valor às organizações e que estão em franca ascensão. 71SISTEMAS DE PRODUÇÃO AVANÇADOS EXERCÍCIOS SUMÁRIO 1. Que atividades podem ser melhoradas com a apli- cação dos conceitos do Lean Office? 2. Que perdas nesse tipo de atividade você consegue enxergar como as mais óbvias ou latentes? Obser- ve as atividades que acontecem no seu entorno. 3. O que é um serviço? Quais são suas características principais? 4. Você consegue classificar, no âmbito da sua ex- periência profissional, os serviços prestados por sua atividade ou por aquelas que a circundam? 5. Se lhe fosse possível, de maneira bem direta e rá- pida, que tipos de melhorias você apontaria ou realizaria nessa atividade? 72 CAPÍTULO 4 – INDÚSTRIA 4.0 Já ouviu falar em indústria 4.0? Sabe o que é, para que serve e como afeta os processos atuais? 73SISTEMAS DE PRODUÇÃO AVANÇADOS SUMÁRIO Assunto muito comentado atualmente, a ideia de indústria 4.0 se prolifera pelos meios in- dustriais e pela mídia, tornando-se amplamente divulgado, utilizado também para chancelar qualquer nova situação aplicada a processos e servindo como uma ferramenta de marketing, já que denota inovação. Isso tudo não está equivocado: sendo que vivemos em um mundo que pre- cisa de divulgação, de uso de mídias sociais, e que utiliza questões de aparência como fonte de perpetuação de negócios, é uma atitude inteligente e bastante interessante. Para o profissional da área que lida com processos, que busca melhoria contínua e que pen- sa estratégias de negócio, é uma ótima oportunidade. No entanto, se faz necessário, a despeito de como se queira interpretar ou divulgar as situações (como falamos, isso é uma questão particular e de marketing, muitas vezes), que se saiba tecnicamente do que se está falando e como isso implica na sua atividade. O uso dos conceitos e aplicações depende sempre da adaptação a cada situação. Inicialmente, precisamos dizer que não existe um certificado que diga que um negócio está de acordo com os ditames da indústria 4.0, ou algo que defina que um determinado processo está ou não de acordo com esses propósitos. Também é difícil encontrar efetivamente situações, pro- cessos ou negócios que se utilizem na íntegra de todos os conceitos atrelados. Portanto, não exis- te um modelo pronto a ser seguido. Vamos buscar desmistificar esses conceitos e apresentar uma base para o seu entendimento, para que você possa tirar suas conclusões. O certo é que, se você se deixar levar, certamente poderá tomar algumas decisões que não vão melhorar os processos; ao contrário: podem criar problemas maiores do que os atualmente existentes. HISTÓRICO Para entender de onde vieram os conceitos é interessante retomarmos alguns fatos históricos e entendermos outros fatores que se juntam para definir o termo “in- dústria 4.0”. Para começar, vamos pensar: por que o número 4? Existe uma indústria 3.0? Ou ainda, existe um processo, talvez, que possa ser denominado “Industria 2.3”? Para entender, vamos lembrar de uns detalhes históricos. Primeira revolução industrial: em torno dos anos 1760 até 1840 (essas datas variam conforme o entendimento e a literatura que se busca), a junção de dois fatores latentes para aquela época propiciou algo que é objeto de estudo para os profissionais das áreas produtivas. Nessa época, surge o conceito de “manufatura” – o aumento da função das mãos por parte dos trabalhadores –, quando as atividades artesanais foram crescendo em tamanho e volume e foi necessária a divisão da tarefa, antes feita do início ao fim por um mesmo artesão, em etapas. Isso proporcionou o aumento do volume produtivo, já que cada trabalhador passou a executar um número menor de tarefas, com mais repetições, sem ter que pensar na execução do produto como um todo, podendo concentrar-se ape- nas no seu fazer. O trabalho, então, passa a ter um caráter mais manual, tirando um pouco a necessidade do conhecimento de todo o processo, característica básica dode pensar produção, no qual o foco é produ- zir somente aquilo que for efetivamente vendido, preocupando-se com estoques, espaço e mão-de-obra. Partia-se do pressuposto de que, num mercado competitivo, existem diferentes empresas disputando um mesmo cliente, sendo necessário pensar na deficiência de recursos, pois o mercado não tem capaci- dade de absorver tudo o que pode ser produzido. Esse sistema ficou conhecido como Just in Time (JIC). Goldratt conseguiu compreender que temos momentos de mercado para di- ferentes situações: em algumas, o mercado compra; em outras, o cliente é dispu- tado; em certos momentos, vale a pena ter estoques; em outros, precisa-se pensar em recursos restritos. São mercados e situações diferentes, e isso combina muito com a ideia de teoria das filas. Ele decidiu, então, criar um software que conseguis- se lidar com essas situações de acordo com a capacidade de cada recurso produ- tivo, baseando-se em algumas premissas e conceitos que o autor descreveu para entender a empresa como um todo e não somente como o processo produtivo. 7SISTEMAS DE PRODUÇÃO AVANÇADOS SUMÁRIO O software desenvolvido por Goldratt na época se chamava OPT, sigla para Optimized Pro- duction Technology, ou tecnologia de produção otimizada, que basicamente utilizava a teoria das filas aliada a alguns outros aspectos para fazer a programação da produção de maneira dinâmi- ca, algo que atualmente é relativamente normal para a capacidade dos atuais softwares ERP, em termos de processamento e lógicas instaladas, mas que não era tão comum naquela época. Entretanto, esse software funcionava baseado em alguns princípios desenvolvidos pelo autor, sendo necessários alguns ajustes de produção para o seu bom funcionamento; caso contrário, o programa por si só não conseguia resolver problemas, somente tentava criar uma situação de programação com base nas informações nele inseridas, assim como qual- quer outro software do gênero hoje em dia. Goldratt imaginou que seu software seria uma ótima fonte de renda. A história conta, inclusive, que ele o vendia por valores exorbitantes e que vários desenvolvedores de ERPs mundiais o procuraram para realizar parcerias, para que essa lógica funcionasse dentro de seus softwares, mas sem muito sucesso. O software era caro e não conversava com as demais funções da empresa, só pensava a programação da produção e, dessa forma, somente gran- des empresas tinham condições de comprar e lidar com esse tipo de inconveniente. Entendendo que o problema da venda e uso do software por mais empresas, inclusive de menor porte, era a dificuldade de as pessoas compreenderem os conceitos necessários para o seu bom funcionamento, Goldratt resolveu escrever um livro para explica-los. Dife- rentemente de outros livros que tratavam sobre técnicas de produção e negócios, seu livro, chamado “A meta” (The Goal, de 1984), trazia sob a forma de uma espécie de romance no- velesco a história do gerente de produção Alex Rogo, que se via de frente com cobranças por parte do dono da empresa em função da lucratividade da fábrica que comandava, ao mes- mo tempo que enfrentava problemas em seu casamento. Nessa jornada, acaba tendo como mentor o seu professor Jonah, que, através de um processo socrático (perguntas, reflexões e respostas), ajuda Alex a descobrir como resolver as situações. As situações são muito bem costuradas pelo autor, que vai fazendo diversos paralelos de situações do cotidiano de Alex (como uma caminhada de que participa com o grupo de escoteiros do filho) com os problemas que acontecem no chão de fábrica da empresa (como falta de capacidade e atrasos). O livro foi um best seller em diversos países nas décadas de 1980 e 1990 e, em pouco tempo, o livro vendeu mais que o próprio software. As empresas começaram a implementar a ideia da obra de acordo com sua interpretação e disseminavam seus resultados, mesmo sem o uso do software. Goldratt notou o novo filão de mercado e queria direcionar seus esforços para tal, mas acabou sendo demitido da própria empresa de software. Fundou, então, uma nova empresa fo- cada em educação (consultoria) de empresas, que vendia seminários (inclusive com uma parte baseada em uma espécie de peça teatral) sobre o assunto, e escreveu novos livros, que expli- cavam efetivamente os conceitos apresentados e escondidos no anterior, criando a concepção de “teoria das restrições”. Nesse mesmo tempo, criou jogos educativos (alguns baseados em jogos de dados), vendidos para empresas treinarem seus funcionários nos conceitos. Escreveu mais livros, sempre ampliando as ideias apresentadas anteriormente, inclusive mantendo o personagem Alex Rogo em outras aventuras, agora não somente tratando de questões produ- tivas, mas entrando em questões contábeis, financeiras, de marketing, compras etc. 8SISTEMAS DE PRODUÇÃO AVANÇADOS SUMÁRIO A grande virtude da teoria das restrições de Goldratt foi conseguir captar a atenção, tanto das pessoas que lidavam com o processo produtivo, quanto das que pensavam o negócio da em- presa como um todo. Assim, não é somente de atividades ligadas à produção ou de atividades co- merciais que vive uma empresa; ela vive de resultados, que precisam alinhar esses dois grandes mundos. A empresa precisa estar toda amarrada a uma mesma forma de pensar para maximizar seus ganhos. Como mencionado, isso não nega os conceitos de manufatura enxuta anteriores; ao contrário, somente os explica de outra forma. Goldratt faleceu em 2011, reconhecido como um guru da indústria americana ou gênio, de acordo com algumas publicações. A partir de agora, apresentaremos um compilado dos conceitos desenvolvidos e apresentados por Goldratt, alguns bastante disseminados no mercado, outros nem tanto. Vamos procurar entender que eles são precursores do pensamento empresarial atual. CONCEITOS GERAIS Alguns conceitos são utilizados para o entendimento e compreensão da dinâmica da TOC, e devem ser firmados antes de se explicar o funcionamento das lógicas que virão adiante. Meta: o primeiro conceito que precisa ser entendido, e que Goldratt coloca como uma for- ma de provocação, é o de meta: “mas afinal, qual é a meta da empresa?”. Normalmente, algumas questões surgem nesse momento, como qualidade, faturamento, produtividade, segurança, re- dução de custos etc. Todas são importantes, claro; mas a meta global de uma empresa normal- mente não é nenhuma destas, e sim ganhar dinheiro hoje e no futuro. Um exemplo de suas obras é o livro It’s not luck – em português, “Não é sorte”. Em outro livro, chamado “Corrente crítica” (Critical Chain, em inglês), comenta a síndrome do estudante – a famosa procrastinação, ou permanente busca por adiar algo. Transformou seu livro “A meta” em um filme curta-metragem educativo, dis- seminado incisivamente em diversos treinamentos, palestras, disciplinas relacio- nadas à produção e negócios etc., que possui diversas edições com cenas extras e até comentários do próprio autor, nos quais identifica que seu material é um processo científico de melhoria organizacional, sendo tudo uma questão de bom senso. 9SISTEMAS DE PRODUÇÃO AVANÇADOS SUMÁRIO Ao pensar uma empresa, você precisa de indicadores: os índices, que são utilizados para acompanhar o desempenho dos diferentes processos. Eles não são a meta da empresa, são maneiras de ajudar a compô-la. É importante pensar que um grande faturamento não pode acontecer a qualquer custo; o interessante é entendermos quanto de faturamento se traduz em ganhar o que a empresa almeja ganhar. Do mesmo modo, não é a produtivida- de que deve ser buscada a qualquer custo; ela deve estar contribuindo para a meta geral da empresa, e não ser esse o objeto a ser perseguido o tempo todo, pois pode esconder outros pontos que estão indo contra a meta geral. A redução de custos, tratada por muitos como ponto crucial de seus negócios, não ne- cessariamente pode trazer os melhoresartesão. Juntou-se à ideia de manufatura a criação do motor a vapor, um equipamento que utilizava a força gerada pela água em alta temperatura e pressão para gerar movi- mento e forças bastante consideráveis. Isso eliminou a dependência que os processos tinham, até então, do uso de força dos animais (que geralmente cansavam e não ti- 74SISTEMAS DE PRODUÇÃO AVANÇADOS SUMÁRIO nham constância na atividade), ou da instalação em lugar que lhes proporcionasse o uso de algu- ma força para gerar movimentos, como uma roda d’água, que dependia de um forte fluxo de água corrente, e o moinho de vento, que necessitava de uma estrutura de grandes proporções e fortes e constantes ventos para movimentar um mecanismo. O motor a vapor propiciou a instalação de empresas no local que fosse mais con- veniente para o negócio e não para o processo, podendo concentrar esforços em algum lugar específico e sob os olhos de seus proprietários, apesar da complexidade e custo do sistema. Desta forma, o motor a vapor, em conjunto com a ideia de manufatura, criaou o efeito que hoje conhecemos como “Revolução industrial”: o aparecimento das primeiras grandes empresas, principalmente na Inglaterra e posteriormente no restante da Europa, em função da mecanização dos seus processos. Segunda revolução industrial: anos mais tarde, segundo especialistas, de 1850 até os anos de 1940, a ideia da industrialização se espalhou pelo mundo, chegando aos Estados Unidos e vendo a Alemanha despontar como grande criadora de máquinas e dispositivos, o que proporcionou o surgimento de outras potências industriais e fi- nanceiras. A humanidade, na sua constante evolução tecnológica, vai descobrindo e aprendendo a manipular outros fenômenos físicos: descobre-se a eletricidade e seu uso para iluminar os ambientes através de lâmpadas e não mais através de lamparinas a fogo. Rapidamente os estudos sobre esse fenômeno aumentam exponencialmente, até que seja possível a criação de motores e máquinas elétricas e, portanto, o uso em caráter industrial da eletricidade. O uso industrial da eletricidade acaba proporcionando a viabilidade da execução de diversos processos, como a produção do aço em larga escala e o barateamento de máquinas e equipamentos em relação àqueles que usavam as complexas instalações de vapor. Desse modo, a industrialização dá mais um grande salto. 75SISTEMAS DE PRODUÇÃO AVANÇADOS SUMÁRIO No início dos anos 1900, o industrial americano Henry Ford desenvolve sua empresa que, com o passar dos anos, cresce vertiginosamente, até desenvolver um sistema produ- tivo no qual o produto fica em constante movimento e as operações vão acontecendo de maneira cadenciada sobre ele, a chamada “linha de montagem móvel”. Isso proporciona a produção e execução de produtos complexos em volumes consideráveis, diminuindo drasti- camente seus custos e preço e tornando-os mais acessíveis. Nesse momento, o automóvel a preços acessíveis acaba sendo disseminado pelo mundo, mudando radicalmente as cidades, que precisavam de ruas que comportassem automóveis, ocasionando a criação de estradas pavimentadas (melhorando a condição de uso do automóvel) e aumentando o uso dos com- bustíveis (insumo primordial para o automóvel até então). Portanto, podemos dizer que a criação da linha de montagem, juntamente com o uso em escala industrial da eletricidade, proporcionou uma mudança drástica na maneira de produzir no mundo, fenômeno chamado de “Segunda revolução industrial”. Terceira revolução industrial: passam-se anos em que os ditames da indústria, ou o paradigma industrial, é a produção em larga escala. Mas alguns acontecimentos, que datam do início dos anos 1950 e se estendem até os anos 2000, modificam a ideia da industria- lização. Acontece que a Segunda Guerra Mundial é o momento do surgimento de diversas empresas e novas tecnologias (motor a jato, eletrônicos etc.), que foram rapidamente de- senvolvidos em função de alimentar a própria guerra. O fim do conflito (1945) faz com que essas empresas convertam seus produtos e ajustem seus negócios para gerar produtos e bens para uso comum e não militar. 76SISTEMAS DE PRODUÇÃO AVANÇADOS SUMÁRIO Esses itens acabam se somando aos produtos e tecnologias até então existentes, aumentando a oferta de diferentes produtos no mer- cado e superando a sua demanda. Assim, as empresas percebem que não cabe mais fabricar produtos iguais, o mais barato possível e em grandes quantidades, pois não existe mais mercado que consuma isso. A partir de então, acaba sendo necessária a diferenciação de produtos e a competição por diferentes objetivos conforme o público alvo. O mundo vê o surgimento de tecnologias eletrônicas e digitais, do computador e, com sua disseminação em escala industrial, de equipa- mentos que executam atividades quase que de maneira independente, alcançando aquilo que conhecemos como automação desses processos. Esse fato, em conjunto com a competição por objetivos, força o mer- cado mundial e o meio industrial a repensar a maneira de produzir. Eis que o mundo se vê de frente com os conceitos da Manufatura Enxuta ou Lean Manufacturing, através da disseminação daquilo que foi conce- bido na Toyota Motor Company. O advento da digitalização ainda abrange o surgimento da inter- net e o aumento das possibilidades de comunicação, inclusive em es- cala industrial. Portanto, a digitalização, a internet, os conceitos do Lean Manufacturing e a competitividade por objetivos, juntos, criam o fenômeno que os teóricos chamam de “Terceira revolução industrial”. 77SISTEMAS DE PRODUÇÃO AVANÇADOS SUMÁRIO Quarta revolução industrial: especialistas apontam para no- vos fenômenos que estão surgindo, se juntando e formando novas situações de mercado. Essas situações, principalmente focadas na necessidade de novos produtos a todo tempo, na baixa tolerância de espera por produtos no mercado – visto a rápida mudança de deci- são por parte dos clientes – e na necessidade cada vez maior da não existência de estoques e de altos níveis de customização dos produ- tos vão criando um efeito que está modificando de forma conside- rável os negócios, principalmente da indústria. Esse fenômeno está sendo chamado, segundo Klaus Schwab (2016) de “Quarta revolu- ção industrial”, cujo advento está sendo apontado para o início dos anos 2000, mas que ainda não está totalmente concretizado, apesar de que alguns poucos autores já inventam uma quinta revolução in- dustrial – sem sentido, visto que ainda não temos a consolidação da quarta e que não há uma espécie de modelo a ser seguido (tivemos a indústria da tecelagem na Inglaterra, o Sistema Ford de Produção e o Sistema Toyota de Produção como grandes modelos nas anteriores). O autor aponta sobre a fusão entre os mundos físico e digi- tal e discorre sobre promessas e perigos atrelados a ela, da mesma forma que trata de como as mudanças tecnológicas estão influen- ciando as organizações a revisarem sua criação de valor e, por con- sequência, seus processos. 78SISTEMAS DE PRODUÇÃO AVANÇADOS SUMÁRIO Revoluções industriais Fonte: elaborado pelo autor. Apesar desse modelo ainda não estar consolidado, conforme o próprio autor, o que se tem de concreto são os fatores geradores desse novo fenômeno, que pode- mos acrescentar aos já citados: • novos materiais disponíveis no mercado e viáveis para uso em produtos de consumo, como o Kevlar e a fibra de carbono, por exemplo; • alto nível de conectividade das pessoas e dos negócios, mudando o foco da televisão, rádio e mídia impressa para outros meios; • velocidade das máquinas em aumento exponencial, principalmente com o advento do uso de no- vos materiais nelas; • miniaturização dos equipamentos e sensores, tornando-os mais baratos, acessíveis e disponíveis; • globalização, praticamente inexistindo barreiras que impeçam de se saber sobre e comercializar produtos por todo o planeta;• alto nível de especialização da mão de obra, sendo a educação mais acessível e disseminada, pro- porcionando disponibilidade de pessoal qualificado no mercado como um todo; • diminuição do custo da informação e armazenamento de dados, como, por exemplo, a redução de cus- to de US$10 mil, em 1956, para armazenamento de 1 MB de dados, para US$0,01 por 122MB em 2012. CONCEITO DE INDÚSTRIA 4.0 O termo “indústria 4.0” vem da apropriação da ideia da quarta revolução industrial e surgiu em meados de 2013 na Alemanha, fruto de uma estratégia do governo daquele país em juntar, no ano de 2011, representantes do próprio governo, da indústria, da iniciativa privada e da academia (institui- ções de ensino) para debater os rumos que deviam ser tomados no país para que ele fosse um líder em tecnologia e se mantivesse competitivo face ao mercado globalizado. Para isso, criaram um grupo de trabalho dedicado, que gerou uma espécie de protocolo denominado, em alemão, de “Industrie 4.0”, divulgado durante a feira de Hannover de 2013, que define as diretrizes sobre o que manteria o país competitivo. Esse protocolo trata, basicamente, de três assuntos relativamente distintos, mas que se entrelaçam, por fim, na indústria: 79SISTEMAS DE PRODUÇÃO AVANÇADOS SUMÁRIO • integração horizontal das redes de valor a nível estratégico - proto- colos de comunicação entre indicadores econômicos e a tradução de como influenciam a produção de cada empresa, tornando mais rápida a tomada de decisão estratégica; dessa forma, por exemplo, no momen- to em que um indicador econômico sinalizar melhoria em determina- do mercado, rapidamente as empresas ligadas a ele já conseguiriam compreender o que isso significaria em termos de volume produtivo, variedade de produtos etc.; • integração digital total da engenharia com toda a cadeia de valor a ní- vel de processo de negócio – trata-se de um protocolo de comunicação das decisões da empresa em termos produtivos, que vão se disseminan- do ao longo de toda a cadeia produtiva e de fornecedores; dessa forma, por exemplo, quando uma empresa definisse seu novo volume produtivo, toda a cadeia de empresas ligadas a ela, incluindo seus fornecedores, con- seguiriam rapidamente compreender o impacto que isso causaria no seu próprio volume produtivo – variedade, oferta ao mercado etc.; • integração vertical e redes de sistemas de produção – trata-se de um protocolo de integração e tomada de decisão dentro de cada empresa so- bre como o volume produtivo previsto resulta em necessidade de matéria prima, carga máquina, mão de obra e insumos, além do acompanhamento em tempo real do que acontece a todo momento em todos os processos. 80SISTEMAS DE PRODUÇÃO AVANÇADOS SUMÁRIO Pode causar estranheza que esses protocolos causem tanto impacto; no entanto, eles acabam por apontar quais seriam as grandes vantagens em se atender esses três níveis de integração citados, indicando que tipos de benefícios poderiam se espalhar pela cadeia pro- dutiva ao serem adotados: • vantagem de customização do produto – modelo certo de produto para o público correto; • flexibilidade aumentada do processo – a comunicação em tempo real acaba resultando em definições mais exatas sobre quantidades e em que momentos produzir determina- do produto, usando a capacidade dos processos de forma correta; • otimização da tomada de decisão por meio do processamento, visto que informações, dados e resultados atualizados estão disponíveis a todo o momento; • compartilhamento da informação em tempo real, na qual todos os processos e toda a cadeia está falando a mesma linguagem, evitando desperdícios e mal entendimento ou interpretações errôneas de fatos; • melhoria na eficiência e produtividade dos recursos, resultante do uso racional de ma- teriais, mão de obra e capacidade produtiva de toda a cadeia; • novas oportunidades de criação de valor, visto que se pode vislumbrar novos mercados para produtos existentes, além do aproveitamento de capacidade excedente, matéria prima etc. Não podemos deixar de expor que outros países também, a partir do protocolo gera- do na Alemanha, montaram as suas iniciativas em relação a rumos análogos. Falando mais especificamente do Brasil, em junho de 2017, governo, indústrias e associações de classe se uniram para formar o Grupo de Trabalho para a Indústria 4.0 (GTI 4.0), integrando cerca de 50 entidades representativas, com a missão de elaborar uma proposta relacionada ao tema. Inúmeros pontos foram abordados e, em meados de 2018 foi lançado pelo Ministério da In- dústria, Comércio Exterior e Serviços um protocolo nacional com iniciativas que vão desde a divulgação do tema até o desenvolvimento de profissionais, crédito para a indústria e de- finições de normativas específicas englobando o assunto, sendo que o entendimento geral é que a adoção dessa estratégia possui impacto na casa dos bilhões de reais/ano. COMPONENTES DA INDÚSTRIA 4.0 Para tornar realidade os protocolos mencionados, diversos materiais foram desenvol- vidos e disseminados, tratando de componentes que, em tese, contribuiriam para sua efeti- vação. Dessa forma, existe muita divergência entre os fatores que compõem essa indústria 4.0, dependendo da fonte consultada. Algumas tratam de poucos componentes mais gerais que proporcionariam uma situação de verdade aos protocolos; outras literaturas já tratam de diversos componentes, muitos, inclusive, conflitantes uns com os outros. Isso representa uma visão particular de cada autor e tem relação com a ideia daquilo que defende. A seguir, traremos aqueles componentes ou tecnologias que aparecem de forma mais corriqueira na grande maioria das publicações sobre o assunto. 81SISTEMAS DE PRODUÇÃO AVANÇADOS SUMÁRIO Se olharmos à nossa volta, veremos que temos computadores, telefones celulares, re- lógios, televisão, equipamentos de áudio, caixas de banco, automóveis e uma série de outros dispositivos que nos proporcionam acessar um mundo de informações e realizar atividades a qualquer hora, em qualquer tempo, sem depender do nosso deslocamento até um deter- minado local. Isso tudo trata do âmbito da vida cotidiana; se extrapolarmos para as em- presas, ainda estaríamos falando em estações de trabalho, máquinas, equipamentos, todos conectados ou aptos a fazerem isso, conforme a figura a seguir. Componentes da indústria 4.0 Fo n te : e la b o ra d o p e lo a u to r. Internet das coisas (IoT): chamada assim por algumas fontes, mas sub- dividida em dois componentes por outras – denominados Internet of Things ou Internet of Services (internet dos serviços, IoS) -, basicamente trata dos obje- tos, tanto físicos (equipamentos) como virtuais (sistemas) ligados à internet. Há de se pensar que, segundo estatísticas, em 2003 a população mundial era de 6,3 bilhões de habitantes e havia 500 milhões de dispositivos conectados no mundo (cerca de 0,08 dispositivos por pessoas). Esse número, no ano de 2020, é de 7,6 bilhões de habitantes e mais de 50 bilhões de dispositivos conectados (cerca de 6,58 dispositivos por pessoa). 82SISTEMAS DE PRODUÇÃO AVANÇADOS SUMÁRIO Internet das coisas Fonte: elaborado pelo autor. 83SISTEMAS DE PRODUÇÃO AVANÇADOS SUMÁRIO Obviamente, esse componente não simplesmente apareceu nos últimos anos. A internet existe desde a década de 1970 quando, em escala e uso industrial, faláva- mos ainda de terceira revolução industrial. Mas o que era uma aplicação que facili- tava operações, hoje é uma realidade em boa parte dos lares das pessoas do mundo. Esse fenômeno foi fortemente impulsionado pelo aparecimento e uso generalizado de sensores cada vez mais pequenos e baratos, assim como pelo avanço nos disposi- tivos móveis, comunicações wireless e tecnologias cloud. Big Data: chamadas assim as grandes quantidades de dados que são gerados e armazenados a cada instante, visto que os dispositivos atuais produzem dados em temporeal sobre quase tudo e estão dis- poníveis em tempo integral em qualquer lugar. Isso é efeito da exis- tência de milhões de sistemas atualmente ligados à rede (IoT). As estatísticas atuais dão conta de que, atualmente no mundo, são geradas cerca de 1,7MB/s de informação por habitante do planeta (12.900 TB) por segundo, sendo que já existem cerca de 4,4 ZiB (zettabytes), com perspectivas de chegarem a 44 ZiB em 5 anos, visto que somente a platafor- ma YouTube recebe cerca de 576 mil uploads por dia, armazenando 400 horas de vídeo por minuto. Toda essa massa de dados, só via plataforma Google, é acessada cerca de 40 mil vezes por segundo. Sistemas Ciber-físicos (CPS): chamados de Cyber-Physical Systems, são os sistemas que integram computação, redes de comunicação, compu- tadores embutidos e processos físicos interagindo entre si e influencian- do-se mutuamente, basicamente resultado da evolução tecnológica dos computadores, dos sensores e das tecnologias de comunicação e atuação. Seus preços estão cada vez mais acessíveis, e isso tem permitido a sua conjugação de forma efetiva e em tempo real em vários âmbitos do nosso cotidiano, sendo alguns dos maiores exemplos os ligados à área automo- tiva, como sistemas ABS, ESP e Airbag – são sistemas que utilizam sensores que ficam lendo em tempo integral a situação do veículo e, conforme a circunstância, atuam de forma física sobre ele. Os CPS notavelmente garantem melhores condições de segurança e eficiência no uso de equi- pamentos, evitando eventuais erros do usuário e, inclusive, se antevendo a eventos, visto que um sistema computadorizado pode monitorar uma quantidade muito maior de eventos ao seu redor, fazer cálculos e tomar decisões comparado ao usuário dos sistemas. No entanto, os processos de validação, garantia de confiabilidade, desenvolvimento, programação etc. são complexos, pois precisam prever inúmeras possibilidades que necessariamente devem estar definidas para que o sistema execute as ações corretas. 84SISTEMAS DE PRODUÇÃO AVANÇADOS SUMÁRIO Imagine que, atualmente, os sistemas de navegação e controle de voo de grandes avi- ões se utilizam dessa lógica, da mesma forma que tais conceitos podem ser transpostos para dentro das empresas e dos negócios. No entanto, ainda são caros (em grande tendência de redução) e realmente necessitam de um processo de desenvolvimento muito cuidadoso, visto que soluções prontas nem sempre são eficientes nem estão de acordo com qualquer realidade. Cloud Computing: a também chamada computação em nuvem surge da tarefa cada vez mais difícil que os sistemas de hardware pos- suem de processar e suportar com rapidez e agilidade os softwares exis- tentes e fazer o controle da carga de dados gerada, tornando computa- dores e softwares muito caros. Basicamente, a ideia consiste em utilizar sistemas computacionais (hardware e software) em “nuvem”, ou seja, o usuário pode aces- sar qualquer aplicação necessária ao desenvolvimento de negócio sempre que for preciso através da internet, utilizando os servidores instalados num fornecedor de serviço em lugar de manter centros de dados dentro das organizações. Dessa forma, precisa-se somente de velocidade de rede e capacidade de processar os dados baixados, sem o custo de software e de hardware com altíssima capacidade de pro- cessamento, o que torna a gestão de dados mais flexível e ágil e os custos com alta tecno- logia mais baixos. Isso se torna possível uma vez que novas arquiteturas de informática e soluções de hardware são desenvolvidas e disponibilizadas, tais como os computadores quânticos ou a ideia de ubiquitous computing, ambos praticamente inacessíveis em termos de valor para o usuário comum. 85SISTEMAS DE PRODUÇÃO AVANÇADOS SUMÁRIO As discussões sobre o assunto ainda são grandes, visto que, em teoria, al- guns desses sistemas precisariam acessar tanto dados de redes públicas de in- formação quanto dados de redes privadas de informação, propiciando diminui- ção de custos, agilidade e escala. Isso oferece oportunidade de escolha entre diferentes sistemas conforme a situação, mas mantém a gestão de dados e de sua mudança, de certa forma, atrelada ao usuário, facilitando a gestão de mu- dança (change management). No entanto, a ideia ainda sofre com desconfiança em função da segurança de acesso desses dados e o temor de que a base de dados possa ficar inacessível em função de encerramento de um negócio, divergências comerciais, problemas legislativos, etc. Trata-se de algo que ainda precisa ser discutido, já que para isso seria necessária uma espécie de legislação globalmente válida e aceita, pois tais serviços podem estar em qualquer lugar e ser acessados de qualquer outro. Realidade aumentada: A simulação de objetos pas- sa a ser cada vez mais comum. Consiste na visualização (e inclusive manipulação) de objetos virtuais em um ambien- te que interage ou emula o ambiente físico, sendo possível enxergar objetos que são virtualmente existentes como se estivessem junto ao usuário. Isso gera inúmeras possibilidades, que vão desde a simples visualiza- ção para verificar questões estéticas, design etc., até a projeção de instruções, interpretação ou interação com outros objetos. 86SISTEMAS DE PRODUÇÃO AVANÇADOS SUMÁRIO Existem diversos sistemas, desde os mais primitivos, que simplesmente demonstram ambientes dentro de um sistema computadorizado e criam um avatar do usuário, sistemas que permitem projeções em três dimensões através de telas e objetos que misturam o am- biente real com o objeto virtual, até sistemas mais realistas, nos quais o usuário se enxerga dentro do sistema através do uso de um óculos que efetivamente projeta esse ambiente na sua frente ou, ainda, óculos com certo grau de transparência que permitem que o usuário enxergue ao mesmo tempo o ambiente que o rodeia e o objeto virtual nele inserido. O conceito pode ser dirigido a muitas áreas: aplicações militares (simulação de situa- ções de confronto, por exemplo), setor da saúde (visualização de partes afetadas do pacien- te por um cirurgião), educação (imersão do usuário em ambientes profissionais), turismo (visita a lugares ou informações automáticas sobre um determinado objeto), arquitetura (verificação de designs), vendas e marketing (demonstração de produtos) etc. Tratando mais especificamente da indústria, ambientes virtuais podem ser usados em cada momento do processo industrial, seja para planejar, projetar, fabricar, prestar serviços e manutenção, testar produtos ou realizar o controle de qualidade, como a pro- jeção de instruções de trabalho para o operador durante a execução da operação. Assim, deixa de ser necessário uma empresa estar instalada para perceber se conseguirá operar de forma eficiente e como serão os produtos que colocará no mercado, já que cada pro- cesso poderá ser simulado e verificado virtualmente e, só quando a versão final estiver pronta, se dará início à produção física. Isso reduzirá severamente os custos com aquisi- ção e instalação de equipamentos físicos que possuam alguma interferência que impos- sibilite seu correto uso em um ambiente. Os custos atuais desses sistemas, que vão além da simples aquisição de um óculos (que, por sinal, está reduzindo seus preços), incluem a necessidade de um software e de pessoas qualificadas para conseguirem realizar sua implementação, pois estamos falando da cus- tomização bastante específica de uma situação; portanto, dificilmente existirão soluções prontas. Todavia, esses custos estão reduzindo, visto a disseminação da ideia e o aumento de fabricantes de soluções de hardware e softwares do gênero. 87SISTEMAS DE PRODUÇÃO AVANÇADOS SUMÁRIO Manufatura aditiva: O conceito de manufatura aditiva, mais comu- mente conhecido como “impressão 3D”, não é novo: data de muito tempo atrás. No entanto, cada vez mais novos materiais para uso, hardwares e, portanto, possibilidadesvão se tornando mais viáveis. Processos de produção de tentativa e erro, tais como protótipos físicos utilizando pro- cesso usual com ferramentas, moldes e maquinário, têm custos muito elevados, além de acabarem se tornando um entrave à competitividade em virtude do tempo que a empresa demora para colocar um novo produto no mercado. O processo de impressão de protótipos tem se desenvolvido a ponto de, ao utilizar esses novos materiais e processos produtivos (através de simples deposição até fusão de materiais cerâmicos, metálicos etc.), possibilitar realizar esses protótipos com características mecânicas e visuais praticamente idênticas aos produtos obtidos no processo de produção convencional. No entanto, quando tratamos de manufatura aditiva, estamos falando do uso em es- cala industrial de processos de deposição para a realização de produtos finais de consumo, e não de protótipos. Isso está se tornando cada vez mais viável, pois aumenta a flexibilida- de, reduz o capital necessário para a realização de um produto único, sem a necessidade de passar por inúmeros processos diferentes, e amplia a variedade de produtos que podem ser produzidos em uma única unidade, sem necessariamente utilizar moldes para injeção ou estampagem e nem ferramentas dedicadas. Assim, reduz-se drasticamente os custos asso- ciados a mudanças de produção e customização, permitindo custos cada vez mais competi- tivos em quantidades de produção cada vez mais pequenas. Essa tecnologia é crucial no momento de decidir entrar num mercado em que os cus- tos de instalação de um processo são muito altos ou os custos de produção de uma unidade de produto são muito baixos, atendendo quase que integralmente o objetivo de altíssimos níveis de customização do produto. Outras nuances podem ser observadas, visto que tais processos de impressão possi- bilitam economia de materiais (não é necessário que o produto seja sólido, pode ser oco ou estruturado internamente, algo quase impossível de se realizar em processos usuais). 88SISTEMAS DE PRODUÇÃO AVANÇADOS SUMÁRIO Há também algumas possibilidades de designs que seriam extremamente complexas e caras de se obter em processos convencionais. Essa é outra tecnologia que está se tornando cada vez mais viável, com menores custos de aquisição de equipamentos, maiores velocidades de execução e maior gama de materiais possí- veis de serem utilizados. Cyber-Security: conhecido também como cibersegurança, basicamente é um compo- nente necessário a ser desenvolvido, vistos os demais componentes de big data, IoT e Cloud Computing, nos quais a transmissão de dados e informações sensíveis representa uma nova vulnerabilidade para todos os tipos de negócios, pois informação comprometida eleva os riscos tanto para pessoas como para organizações. Principalmente em função da IoT, os ris- cos de segurança são muito maiores, pois existe a eventual exposição de elementos pessoais, tais como fotos, dados de cartão de crédito, dados pessoais, contatos etc., tudo existente na grande maioria dos dispositivos conectados e, em grande parte das vezes, salvos em nuvem de dados. Outra questão latente está relacionada com os problemas que podem surgir quando se conectam disposi- tivos mais antigos a equipamentos mais modernos, pois eventuais diferenças nos protocolos de comunicação entre eles podem gerar situações de quebra na segurança dos dados desses dispositivos. O desejável é que os dados só sejam disponibilizados a pessoas autorizadas e que as fontes de informação e a sua integridade sejam verificadas, algo que não é tão complexo de se garantir. Portanto, os investimentos em proteções nesse sentido, tais como criptografia, chaves biométricas, softwares antivírus/spywares etc., aliados a legislações que começam a tratar de maneira mais contundente as questões legais atreladas ao tema, tais como a LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados) ou outros protocolos internacionais, são pontos cruciais a serem tratados e, certamente, preci- sam ser bastante pensados quando se decide ir para o caminho da conectividade ou uso de sistemas interligados. 89SISTEMAS DE PRODUÇÃO AVANÇADOS SUMÁRIO Integração de sistemas: também chamado, no ramo indus- trial, de fábrica digital, ganha a alcunha de “integração de sistemas” quando verificados outros ramos de atuação. Juntamente com a IoT, é um dos pontos que mais garantem o atingimento dos objetivos traçados nos protocolos da indústria 4.0 quando se trata de atividades de produção. Basicamente, trata da integração entre os processos e setores das fábricas, trocando infor- mação de maneira mais rápida e eficiente para a tomada de decisão mais veloz, a fim de aumentar a produtividade, diminuir perdas, otimizar recursos e levar a transformação digital para dentro das indústrias. A falta de sistemas integrados faz com que os níveis de gestão tenham um traba- lho muito maior em analisar se o que está sendo fabricado realmente condiz com a demanda re- cebida e se os fornecedores e distribuidores estão alinhados com essa produção, se os processos estão respondendo corretamente, se os níveis de rejeição não estão extrapolando o planejado, se os embarques estão sendo feitos de acordo com o previsto etc. A integração horizontal conecta todos os setores (e seus respectivos sistemas) da cadeia produtiva de uma determinada indústria, que vão desde a análise de mercado e gerenciamento de fornecedores até a produção, logística, manutenção externa e distribuição, algo que está sen- do cada vez mais possível visto a grande disponibilidade de softwares e sistemas que permitem a existência de protocolos entre diversas e diferentes empresas e negócios. Não obstante, certa troca de informações e conexões não são uma novidade, visto que sistemas de EDI (eletronic data interchange - intercambialidade de dados eletrônicos) entre empresas existem há um bom tempo. A novidade está no estabelecimento de protocolos de conversação direta entre pontos, como a interpretação exata, de acordo com a taxa de juros de um banco, de quanto isso significa a mais de veículos a serem produzidos, quantos painéis metálicos a mais precisam a serem produzidos isso representa, qual capacidade a mais de corte de chapas um sistema precisa ter e entregar e quantas toneladas de aço a usina precisa realizar em função de quanto a mais de minério a mine- radora precisa fornecer. Isso costuma levar semanas para perfazer toda a cadeia produtiva com exatidão, mas deseja-se que seja uma informação disponível em algumas horas, no máximo. 90SISTEMAS DE PRODUÇÃO AVANÇADOS SUMÁRIO A integração vertical começa na sensorização de máquinas e processos produtivos; portanto, começa no chão de fábrica (nível de controle). Essas informações vão para o nível operacional, englobando planejamento, gestão de qualidade, gestão de manutenção e da eficiência dos equipamentos por meio de um sistema MES (Manufacturing Execution Systems ou Sistemas de Execução de Manufatura), integrando todas as informações em painéis de controle (dashboards ou supervisórios) e, já no nível de gestão corporativa, o uso do ERP (En- terprise Resource Planning, Planejamento de Recursos Empresariais), para fazer a gestão de pedidos, planejamento de materiais, planejamento de recursos humanos e gerenciamentos dos processos. Todas essas situações estão cada vez mais viáveis em função de maquiná- rio que permite conexão com demais sistemas, diminuição e maior oferta de software, que promovem a integração desses sistemas, distribuição e maior oferta de hardware/instala- ções, que permitem a conexão entre os diversos dispositivos, redução do custo de sensores de monitoramento de situações de âmbito industrial etc. Essas informações disponíveis vão proporcionar a Integração Horizontal. Simulações: componente que, na verdade, é um subcomponente da ideia de fábrica digital, funcionando como um grande e importante auxi- liador na tomadade qualquer tipo de decisão. A simulação pode ser fei- ta por meio de softwares específicos, não necessariamente interligados ao sistema de integração vertical da empresa, que são abastecidos com os dados da produção (ca- pacidade, velocidade, tempos produtivos, tempos de setup) e fazem análises de variáveis e de intervalos de tempo, o que, em conjunto com os indicadores da empresa e suas metas, conse- guem apontar onde estão os gargalos da produção e o que poderia ser feito para solucioná-los. Não que os softwares consigam responder sozinhos a tais questões, mas o usuário consegue criar uma série de possibilidades e cenários, verificar quais seriam os resulta- dos e, com base nisso, tomar as decisões mais acertadas. Imagine definir uma mudança de layout, que demande uma boa quantidade de investimento, esperando uma melhoria na velocidade de entrega e um provável ganho, mas que essa definição seja feita somente à base de suposições. Nesse ponto é que entram os simuladores, que se utilizam de dados re- ais, conseguem extrapolar uma série de cálculos e alternativas e demonstrar quais seriam os resultados de acordo com cada configuração de layout, o que possibilita tentativas em números significativos antes de se movimentar a primeira máquina de lugar. 91SISTEMAS DE PRODUÇÃO AVANÇADOS SUMÁRIO Certamente a efetividade da simulação depende da quantidade e qualidade dos dados que alimentam os sistemas: dados com baixa confiabilidade vão ter resultados tão dispersos quanto eles. Por melhor que seja um software, ele não consegue com- preender se os dados nele alimentados estão coerentes e são fidedignos. Para tanto, a fábrica precisa já ter uma estrutura de dados organizada, que os unifique e padroni- ze, a fim de que o sistema possa usar as informações também na integração vertical. Dessa forma, é bem possível definir hipóteses, testá-las por meio do software, avaliar os resultados, melhorar a partir de pesquisas de mercado, implementar a melhoria na fábrica e monitorar se os resultados são compatíveis com o planejamento. Isso tudo não serve somente para ajustes nos processos para fins produtivos, mas para fins de segurança, ergonomia, fluxo logístico etc. Robôs colaborativos: a ideia de robôs produtivos não é um assunto novo; ao contrário: além de habitar o imaginário popular e os filmes desde a década de 1950, os robôs produtivos são uma realidade que vem se desen- volvimento constante e consistentemente desde a década de 1980, tanto que a ideia do seu uso - isto é, de automação - ocorre desde a Terceira Revolução Industrial. O que acontece é que esse tipo de robô não costuma interagir de maneira apropriada com questões do ambiente à sua volta, especialmente com seres humanos, visto que precisa estar executando suas atividades com rotas de deslocamento programadas e em locais onde não haja interferência, pois são desenvolvidos para cumprir tarefas repetitivas e não conseguem avaliar se algo entrou no seu raio de ação. Portanto, podem colidir, causar uma lesão em um ser humano ou uma perda financeira substancial, dependendo do caso. Posto isso, temos também a ideia de robôs colaborativos, equipamentos que precisam cap- tar dados do ambiente em que estão, trabalhar e se deslocar somente se não existir a interferência humana ou de qualquer outro objeto e substituir o trabalho humano em situações de perigo. Um grande exemplo disso são os AGV (Automated Guided Vehicle ou Veículo Guiado Automaticamente), considerados uma espécie de robôs utilizados para transportar materiais. No entanto, diferente- mente dos seus antepassados que precisavam de uma espécie de trilho físico ou magnético, esses veículos têm a capacidade de se orientarem no espaço e, a partir de um destino desejado, se deslo- carem criando as suas próprias rotas sem uma pessoa direcionando seus movimentos, desviando de obstáculos e, inclusive, parando quando estão em vias de colisão com algo ou com pessoas. 92SISTEMAS DE PRODUÇÃO AVANÇADOS SUMÁRIO Alguns robôs colaborativos possuem a capacidade de aprenderem sozinhos: conse- guem ganhar novas habilidades sem ajuda externa (programação específica para tal), re- formular sua estratégia de acordo com o ambiente em que estão e interagir com outras má- quinas e pessoas. Mas, claramente, precisam de algumas informações iniciais e parâmetros para posteriormente gerarem novas estratégias. A velocidade e capacidade desses robôs, pelo menos os disponíveis no mercado, são relativamente baixas; mas estão em vias de ex- pansão e acabam sendo bastante utilizados para substituir operações manuais muito repe- titivas ou auxiliar os seres humanos em operações de, por exemplo, montagem, posicio- nando, alcançando ou movimentando componentes. Ainda dentro da ideia de robôs colaborativos, uma evolução natural do conceito leva aos chamados robôs autônomos, basicamente os que seriam capazes de executar suas ope- rações independentemente de comandos. Eles verificam a necessidade de acontecer uma atividade e a realizam: algo digno dos melhores androides, que facilmente aparecem nos filmes de ficção científica, mas não necessariamente com aparência humanoide. As dificuldades da adoção desses recursos ainda estão em fatores que incluem o cus- to inicial, a viabilidade de realizarem certas operações, a capacidade de carga, a velocidade e a complexidade de implementação. Isso se deve à grande variabilidade que se apresenta, principalmente, nos processos manuais e à consecução de mão de obra qualificada para fa- zer a efetiva implementação e ajustes nos processos de forma a tornar a operação desses robôs viáveis em detrimento do uso de mão-de-obra humana. Outro grande receio é a substituição do ser humano, algo que é plausível de se pensar e que, em operações mais simples, pode ser uma verdade, mas em situações mais complexas ainda não. Além disso, ainda serão necessárias pessoas para fazerem todas essas imple- mentações nos processos. O mais plausível é a busca pela adoção desses robôs em operações menos nobres e que podem ser entendidas como repetitivas. FÁBRICA DIGITAL Apesar de ser entendido, como já mencionado, dentro do conceito de integração de sistemas, é interessante comentarmos e explorarmos um pouco mais sobre a ideia de “fá- brica digital”, um conjunto de tecnologias virtuais que integram diversas informações em um ambiente virtual e físico, possibilitando a simulação, análise, quantificação e planeja- mento, subsidiando a tomada de decisão sobre processos produtivos e fabris. A ideia não é nova: softwares de simulações de eventos e digitalização de partes do processo fabril e do produto já são realidade há muito tempo, mas nos últimos anos as atenções dos fabricantes de equipamentos e softwares e, mais ainda, a própria colabora- ção entre ambos, cresceram substancialmente, possibilitando uma integração cada vez maior entre todos esses pontos. Hoje podemos dizer que produto, infraestrutura predial, processo e fluxo produtivo podem ser efetivamente integrados, utilizando as informa- ções disponíveis entre todos e proporcionando praticamente uma espécie de “réplica” da empresa dentro do ambiente virtual. 93SISTEMAS DE PRODUÇÃO AVANÇADOS SUMÁRIO Não estamos tratando de um “passeio” virtual pelo ambiente, mas da interpretação de um software de design de processos sobre a interferência dele junto à estrutura física da fábrica. Ou, ainda, que ele consiga manipular as partes do produto dentro de si, não enten- dendo como um simples objeto, mas como uma peça, que tem dimensão, massa e necessi- dades a serem atendidas, ao mesmo tempo que consegue se comunicar com um software de planejamento e monitoramento de fluxo e produção, que se utiliza de dados reais para si- mular eventos, modificações de fluxo e mudanças de programação, possibilitando escolhas e tomadas de decisão assertivas e rápidas. A implementação de algo do gênero possui alto custo, visto que cadasituação requer um software - seja independente ou da mesma produtora - e demanda investimentos signi- ficativos, não somente na aquisição de licenças, mas na preparação de pessoal para utilizar esses softwares e estrutura que proporcione seu correto e desejável funcionamento. Basicamente, os componentes iniciais para formar o conceito de fábrica digital são os listados a seguir. 94SISTEMAS DE PRODUÇÃO AVANÇADOS SUMÁRIO Dados e premissas: dados referentes à demanda produtiva atu- al, histórico de execução, falhas, materiais utilizados e estrutura de produtos precisam estar em meio eletrônico. Trata-se de softwares ERP que comportem e, mais importante do que isso, contenham tais dados, já que praticamente todo o resto será relacionado a eles. Por- tanto, a correta definição de pedidos e necessidades e o correto enten- dimento da estrutura completa dos produtos e seus materiais se torna ponto de partida e condição crucial para o funcionamento do restante. Produto: nesta fase, a ideia de produto tem que estar extrema- mente bem definida no sistema da empresa. É importante que exista o produto modelado em software CAD 3D, não somente em termos de dimensões de volume, mas que estejam claras as ideias de massa desse produto, oriundas do correto material, sua resistência etc. É importante que essa modelagem enxergue o produto montado em seus diferentes estágios de produção, incluindo a correta definição e existência de subconjuntos, conjuntos e produto pronto defini- do dentro do software, preferencialmente utilizando informações interligadas ao ERP em relação a codificações, nomenclatura, ma- teriais, entre outros. Alguns desses softwares conseguem realizar análises de durabilidade de produtos, interferências de montagem levando em conta as diferentes interações entre as tolerâncias de cada um dos componentes etc. 95SISTEMAS DE PRODUÇÃO AVANÇADOS SUMÁRIO Processo: ainda dentro da ideia do software ERP, é necessário que, em todos os roteiros de produção de cada produto, constem os tempos produtivos atualizados de peças em cada operação, com previsão de tempos de setup atrelados a cada recurso produtivo com capacida- de real definida, taxas de produção horária, taxas de qualidade, paradas etc. Além disso, es- ses recursos produtivos devem possuir em seus cadastros os dados de manutenção, tempos, peças, roteiros/procedimentos, entre outros, observando que quando tratamos de recursos estamos falando de máquinas, equipamentos, ferramental, postos de trabalho etc., todos efe- tivamente definidos. Outro ponto que precisa estar bem definido são os custos operacionais de cada etapa, verificando os pontos que abordamos em capítulos anteriores sobre o tema. Recursos: aqui entra a necessidade da existência de um software que possibilite a real modelagem do equipamento, máquina ou recurso produtivo. Esses softwares possibilitam, quando atrelados ao ERP, concatenar o cadastro de recursos com o próprio recurso mode- lado, tornando-o funcional em ambiente virtual. Alguns fabricantes de máquinas, a pedido do cliente, já fornecem o modelo funcional da máquina adquirida, sendo que alguns desses modelos permitem que virtualmente o equipamento realize os mesmos movimentos que executa fisicamente e que, através de simulações, utilizem os dados do ERP para prever pa- radas, perdas, tempo operacional, de movimentação etc. 96SISTEMAS DE PRODUÇÃO AVANÇADOS SUMÁRIO De maneira ainda mais aprofundada, a maioria desses softwares consegue entender o ser humano como um recurso, inclusive executando movimentos básicos e cadastrando, por meio de digitalização, movimentos específicos realizados pelas pessoas no processo de produção em questão. Tudo isso possibilita realizar, além de simulação de produção, ava- liações ergonômicas e de segurança, além dos chamados “comissionamentos virtuais” de recursos, através dos quais é possível, por exemplo, realizar a programação de um recurso e simular sua execução, alterando e testando parâmetros e possibilidades antes de colocar em prática a ideia, além das eventuais interferências entre diferentes sequências de produção, pois até mesmo operações de montagem manual podem ser avaliadas. Layout: muito mais do que uma simples planta-baixa desenhada comumente em um software de CAD 2D, trata-se de softwares que possibilitam um real cadastro de equipa- mentos e recursos (preferencialmente vindos do ERP), com distâncias reais entre eles. Tais softwares, mais do que produção, conseguem simular o fluxo produtivo, taxas de saídas de produtos, estoques etc. O ideal é a utilização de um software que consiga compreender e uti- lizar na montagem do layout o que é definido no cadastrado dos softwares de recursos, visu- alizando áreas, distâncias e espaços realistas. Infraestrutura: através de softwares, normalmente da área de engenharia civil, é pos- sível compreender a estrutura predial e de instalações e as facilidades de uma planta produ- tiva, tendo as reais noções sobre onde efetivamente passam tubulações e fiações, onde estão alocados recursos como compressores, geradores, pontes-rolantes, transformadores, re- des sanitárias, iluminação etc. Esses programas, de maneira ideal, conseguem compreender os dados vindos dos softwares e layout e, consequentemente, de recursos, possibilitando in- clusive um tour virtual na empresa. No entanto, sua aplicação vai muito além disso: pode-se verificar se o layout não vai interferir em alguma parte de infraestrutura, prever necessida- des de modificação em função da instalação de novos processos e compreender claramente eventuais problemas em termos de fluxo de processo, como entrada e saída de materiais, acesso a estoques, volume de materiais etc. 97SISTEMAS DE PRODUÇÃO AVANÇADOS SUMÁRIO Todos esses softwares existem e muitos deles possibilitam a interação uns com os outros, princi- palmente os que acabam sendo adquiridos de um mesmo fabricante. Você deve ter notado que é possí- vel verificar o real produto da empresa perfazendo todo o processo, visando a cada recurso e prevendo questões produtivas de volume, qualidade, datas de entrega, roteamento logístico etc. Isso proporciona, por exemplo, análises de simulação de consumo de insumos, lotes de entrega, previsão de uso, entre outros. Além disso, tendo o produto real em contato com o processo, consegue-se verificar as já citadas condições ergonômicas, de segurança e outras, sem contar as vantagens em termos de centralização de informações, facilidade de comunicação entre as diferentes áreas, previsão de produtos em desenvolvi- mento, transferência de tecnologia e soluções. ADAPTAÇÃO DO MODELO ATUAL PARA A INDÚSTRIA 4.0 Entendemos que a ideia de indústria 4.0 é o futuro da produção. Existe uma certa corrida de algumas empresas no mundo por essa transformação di- gital, mas é importante pensar em alguns pontos, ou clareá-los. Primeiro, é necessário enfatizar que a adoção desses protocolos não é im- plicada por obrigação legal ou nada nesse sentido; portanto, é de livre escolha da empresa. Do mesmo modo, nada determina que ela esteja no patamar da indústria 4.0 ou ainda 3.0, 2.0 ou 1.0; não há um certificado, uma bonificação, uma determinação nesse sentido. Por isso, essa classificação não tem sentido nenhum: definir que uma empresa está em um ou outro grau não muda seus resultados, tampouco define que está ou não apta a adentrar ou fornecer para um mercado ou outro. Não existe esse requisito, e é isso que importa. Sendo assim, por que compreender o que é um modelo ou outro? Porque precisamos compreender que fatores de mercado se fazem presentes nos nossos negócios e que fatores competitivos poderiam nos dar alguma nova ou maior vantagem, melhorando resultados, agregando mais valor aos nossos negócios, aumentando sua capacidade de gerar resultados, enfim, precisamos conhecer os modelos para que tenhamos uma espécie de “caixa de ferramentas”, daqual vamos selecionar, entre as existentes, aquela que seja mais adequada para uma situação em específico ou outra. 98SISTEMAS DE PRODUÇÃO AVANÇADOS SUMÁRIO Dito isso, temos o segundo ponto a tratar. Compreendido o aspecto anterior, pode- mos afirmar que ir em direção à ideia da indústria 4.0 não obriga a adoção de todos os ele- mentos e eventuais outros pontos apregoados no mercado como ditames de algo melhor. O que realmente importa é saber quais elementos nos permitem angariar uma vantagem competitiva ao negócio em questão; essa avaliação é muito subjetiva e dependente de uma série de fatores, que devem passar longe da simples vontade de implementar algo por mo- dismo, porque todo mundo comenta, porque é moderno ou outro motivo nesse sentido. A resposta vem da avaliação simples sobre ser necessário. Obviamente, se a resposta for sim, porque seu negócio realmente ganha em agilidade, chega mais próximo de mais clientes, vende mais ou ainda ganha em flexibilidade, pois o mercado no qual atua requer altos níveis de customização, então não precisamos discutir sobre o tema: a implementa- ção das tecnologias citadas logo se pagará e isso retornará de forma positiva ao sistema. Entretanto, se o tipo de mercado que seu negócio atende dá valor à atividade manual (veja produtos de alto luxo, por exemplo), estaria se incorrendo em um grande contrassenso em função da sua atividade. Ou ainda, de maneira totalmente contrária, se o seu mercado aceita produtos altamente padronizados e de baixo custo, pense seriamente em automação mais direcionada e corriqueira do seu processo, não para ganhar em agilidade, e sim em velocidade, pois é isso que vai lhe trazer benefícios. Isso quer dizer que, conforme os grandes e sérios pensadores da área produtiva co- mentam e que os gurus dos comprovados altos resultados sempre indicarão, deve-se fazer a adoção seletiva das tecnologias, métodos, processos, metodologias e sistemáticas que mais convierem ao seu produto, processo e mercado, visto que esses três, sim, precisam estar sempre em absoluta consonância, sob pena do negócio amargar quedas, perdas de mercado e perdas produtivas. Claro que temos os mais diversos exemplos e situações no mercado: empresas grandes e pequenas, com mais ou menos recursos, com mais ou menos variedade de produtos, com neces- sidades diversas e diferentes graus de evolução. O que costuma ser uma constante é que, indepen- dentemente disso, a esmagadora maioria dos negócios busca produzir mais, melhor e mais barato. 99SISTEMAS DE PRODUÇÃO AVANÇADOS SUMÁRIO Alguns fatos típicos em empresas de quase todos os níveis e portes na atualidade são: • informações dos diferentes sistemas da empresa não integradas; • ajustes de produção realizados de forma local, não simulados; • melhorias de processo e tomadas de decisão baseadas em dados históricos; • presença de alguma ou várias máquinas e processos convencionais, sem integração; • processos com altos níveis de dependência de mão-de-obra. A maioria - senão todas - das situações descritas são fatos muito pre- sentes, principalmente, nas médias e pequenas empresas do nosso país. Isso nos leva a crer que os avanços para os ditames da indústria 4.0 ainda estão bastante tímidos, em parte por desconhecimento do que pode ser feito, em parte por dificuldade de enxergar o que isso poderia trazer de benefícios, e uma parte considerável provavelmente atrelada ao alto custo dos equipa- mentos. Enfim, independentemente da situação, é necessário compreender que não existe uma fórmula pronta; o investimento em termos de capital e, mais do que isso, em termos de dispêndio de tempo e de pessoas para reali- zar quaisquer dos componentes ou instalar corretamente qualquer das tec- nologias citadas é, certamente, muito representativo. 100SISTEMAS DE PRODUÇÃO AVANÇADOS SUMÁRIO Um caminho natural para a adoção dos modelos (claro, quanto mais desenvolvida a empresa, certamente mais breve ou curto será esse caminho), a fim de se obter uma adoção consistente e que traga bons resultados costuma ser: • Costuma-se iniciar pela sensorização e captação de dados dos diferentes sistemas, ao mesmo tempo em que se avalia, em cada ponto, a necessidade e capacidade de processamento inerentes ao sistema (IoT, Cloud Computing e Cyber Security); • posteriormente, passa-se para a integração horizontal e vertical das informações da produção com o restante da organização, seus clientes e fornecedores (integração de sistemas); • essas informações agora estão aptas a serem tratadas e utilizadas para simular diferentes situ- ações e possibilidades de melhoria via softwares (simulações e realidade aumentada); • essas simulações podem avaliar a viabilidade de implementação de tecnologias alternativas (CPS, manufatura aditiva e robôs colaborativos); • aptidão para tomada de decisão em tempo real, flexibilização da produção e customização de produtos (Big Data). Mais um ponto que deve estar muito presente na avaliação da adoção dessas práticas é o entendi- mento de como está a situação do atual processo. Não podemos esquecer que máquinas, robôs, disposi- tivos e tecnologias nem trabalham sozinhas, nem compreendem qualquer dado ou situação. É necessária a padronização de informações, dedicação de pessoas para resolução dessas situações, modularização de dados, produtos, processos, enfim, algumas questões ou provocações devem ficar muito claras. 101SISTEMAS DE PRODUÇÃO AVANÇADOS SUMÁRIO Há alguns pontos, sob forma de questionamentos, sobre os quais o profissional da área deve pensar, avaliar e se posicionar. Entendemos que todas as perguntas levarão a uma preparação para a adoção das tecnologias da indústria 4.0: de maneira geral, tudo o que já vem definido da ideia de indústria 1.0, 2.0 e 3.0 precisa estar muito claro e efetivado para partir para esse novo patamar. Antes disso, a implementação fica bastante dificulta- da. Os pontos são os listados a seguir. • O produto e o processo da empresa precisam mesmo ser flexíveis? Se não for necessá- rio, existe um problema a menos a ser resolvido. • As máquinas e eventuais robôs já instalados estão aptos a compreenderem e lidarem com alta variedade de produção? Quando variedade é uma necessidade, os processos precisam combinar com os requisitos. • O atual setup do processo é rápido (menos de 10 minutos)? Não adianta produzir rá- pido e gastar tempo para fazer setup. • O processo como um todo e em partes está claramente mapeado? É necessário enxer- gar claramente como as coisas acontecem. • É conhecido o atual percentual de agregação de valor do processo? Dessa forma, po- demos entender qual o nosso potencial para melhorar. • Estão claras, descritas, definidas e tratadas todas as perdas presentes no processo? Sempre existem perdas no processo. • As atividades administrativas são realizadas de forma eficiente? Atividades administra- tivas custam tanto quanto atividades produtivas. • O processo executado da maneira atual permite, de alguma forma, a geração de produtos com defeito? Se o processo permite, ele vai realizar produtos com defeito. • Como a empresa entende e são alocados os custos indiretos e gerais do processo? Estão claros? Custos mal-entendidos ficam escondidos. • Qual a produtividade real do processo? Comparação de realizado versus planejado, sendo que o básico é conseguir executar de acordo com o que se planeja. • Qual a eficiência real do processo? Quanto gera de valor versus quanto custa; compa- ração do que pode teoricamente ser feito com os recursos atuais versus o que efetiva- mente está sendo feito. São perguntas duras e capciosas, certamente. No entanto, o que gostaria de deixar claro é que ainda existe muito a ser feito e a ganhar com os processos atuais, ainda mais se utilizar- mos tecnologia para tal. Mas não podemos esperar que o simples fato de adquirir uma tecno- logia vai resolver automática ou magicamente todos os problemase situações e que de uma hora para outra a empresa ou negócio simplesmente dê um salto. Ainda é necessário muito trabalho, muita dedicação, muita análise sobre todos os pontos. Portanto, fica a questão: estamos prontos para a indústria 4.0? 102SISTEMAS DE PRODUÇÃO AVANÇADOS SUMÁRIO O caminho para a resposta dessa pergunta passa pela avaliação e execução dos seguintes pontos: • mapeamento dos processos a nível estratégico, tático e operacional, demonstrando seu fluxo, perdas e agregação de valor; • estabelecimento de processos padrão para cada produto e suas variações; • aplicação da metodologia de troca rápida de ferramentas em todos os níveis; • custo unitário do produto claramente definido, tendo o mínimo possível de gastos gerais e custos indiretos; • compreensão e ajuste da capabilidade (medida de confiabilidade) de proces- sos, diminuindo a possibilidade de gerar produtos com defeito; • produção planejada deve ser a mesma que produção realizada; • utilização da capacidade total do sistema dentro do possível (365 dias por ano e 24 horas por dia); • adoção das práticas e ferramentas do Lean Office. SÍNTESE Neste capítulo, verificamos os conceitos, origens e componentes da Indús- tria 4.0, descrevemos cada uma das tecnologias mais atribuídas e entendidas pelo modelo, procurando demonstrar o que pode nos beneficiar e que pontos precisam ser verificados para isso. Ao final, procuramos deixar claras as aplicabilidades e dificuldades da transi- ção do modelo atual para os patamares da manufatura digital, criando uma espécie de caminho a percorrer a fim de buscar efetiva melhoria para os negócios e processos. 103SISTEMAS DE PRODUÇÃO AVANÇADOS EXERCÍCIOS SUMÁRIO 1. Para que tipo de situação é mais indicada a imple- mentação dos conceitos da indústria 4.0? 2. Quais são as dificuldades para implementar a ideia de indústria 4.0? 3. Que tipo de benefícios a adoção dos conceitos da indústria 4.0 pode nos proporcionar? 4. Com que tipos de tecnologias ligadas à indústria 4.0 você já teve contato ou pôde ver funcionando? 5. Qual tecnologia da Indústria 4.0 você enxerga como mais facilmente adotável no seu âmbito profissional ou pessoal? 104SISTEMAS DE PRODUÇÃO AVANÇADOS SUMÁRIO LISTA DE SIGLAS Como utilizamos várias siglas que se repetem ao longo do E-book, para não haver a necessidade de a todo momento ficar procurando-as ao longo do texto, criamos esta lista para facilitar sua consulta. AGV – Automated Guided Vehicle (Veículo Guiado Automaticamente) BPM - Business Process Management (Gestão de Processos de Negócio) CAD – Computed Aided Desing (Desenho Assistido por Computador) CCR - Capacity Constraints Resources (Recursos com Capacidade Restringida) CG – Custos Gerais CIF – Custos Indiretos de Fabricação CPS - Cyber-Physical Systems (Sistemas Ciber-Físicos) CSF – Custos Semi Fixos CVq – Custos Variáveis EDI - Eletronic Data Interchange (Intercambialidade de Dados Eletrônicos) ERP - Enterprise Resource Planning (Planejamento de Recursos Empresariais) IoS - Internet of Services (Internet dos Serviços) IoT - Internet of Things (Internet das Coisas) JIC - Just in Case (No Caso) JIT – Just in Time (Somente à Tempo) LT – Lead Time (Tempo de Atravessamento) MES - Manufacturing Execution Systems (Sistemas de Execução de Manufatura) MTM - Method Time Measurement (Método de Mensuração do Tempo) OPT - Optimized Production Technology (Tecnologia de Produção Otimizada) PDCA – Planejamento, Desenvolvimento, Conferência e Ação PERT/CPM – Program Evaluation and Review Technique/Critical Path Method (Técnica de Avalia- ção e Revisão de Programas/Método do Caminho Crítico) STP – Sistema Toyota de Produção TAV – Tempo de Agregação de Valor T/C – Tempo de Ciclo TOC – Theory of Constraints (Teoria das Restrições) TPC – Tambor, Pulmão e Corda TPM - Total Productive Maintenance (Manutenção Produtiva Total) VSM - Value Stream Map (Mapeamento do Fluxo de Valor) 105SISTEMAS DE PRODUÇÃO AVANÇADOS REFERÊNCIAS SUMÁRIO ANTUNES, Junico et al. Sistemas de Produção: conceitos e práticas para projeto e gestão da produção enxu- ta. Porto Alegre: Bookman, 2008. FITZSIMMONS, James A.;FITZSIMMONS, Mona J. Administração de Serviços. Porto Alegre : AMGH, 2014 FORD, Henry. Hoje e Amanhã. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1927. Tradução de: Monteiro Lobato. GOLDRATT, Eliyahu M.; COX, Jeff. A Meta: Um Processo de Melhoria Contínua. São Paulo: Nobel, 2002. KOTLER, Philip. Marketing para serviços profissionais. 1º ed. São Paulo: Atlas,1988. OHNO, Taiichi. O Sistema Toyota de produção: além da produção em larga escala. Porto Alegre: Bookman, 1997. Tradução de: Cristina Schumacher. PADOVEZE, Clovis. Contabilidade de Custos. São Paulo : Cengage Learning, 2013 ROTHER, Mike; SHUKER, John. Aprendendo a Enxergar. São Paulo: Lean Institute Brasil, 2004. SHINGO, Shigeo. O Sistema Toyota de Produção do ponto de vista da Engenharia de Produção. 2. ed. Porto Alegre: Bookman, 1996. Tradução de: Eduardo Schaan. SLACK, Nigel; CHAMBERS, Stuart; JOHNSTON, Robert. Administração da Produção. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2008.Goldratt SCHWAB, klauss. A Quarta Revolução Industrial. São Paulo: Edipro, 2018 TAPPING, Don; SHUKER, Tom. Lean Office. 2. ed. São Paulo: Hemus, 2010. A teoria das restrições A história da TOC Conceitos gerais Mundo dos custos Mundo dos ganhos Tambor, pulmão e corda Operacionalização da TOC Síntese Análise de sistemas produtivos Value Stream Map Custos dos sistemas produtivos Síntese Outras aplicações para sistemas produtivos Lean Office Produtos associados a serviços Síntese Capítulo 4 – Indústria 4.0 Histórico Conceito de indústria 4.0 Componentes da indústria 4.0 Fábrica digital Adaptação do modelo atual para a indústria 4.0 Síntese Lista de siglasresultados para a empresa. Às vezes, move-se mui- tos recursos para reduzir o custo de um produto; mas, afinal, o investimento nessa redução está se pagando? Vamos vender mais com isso? Vamos ganhar mais com isso? Se as respos- tas forem sim, ótimo! Estamos no caminho certo: essa redução de custos vai contribuir com a meta global da empresa de ganhar mais. No entanto, nem sempre é assim; pensar um ne- gócio é muito mais amplo do que isso. Média produtiva: em consonância com o conceito da meta, a média produtiva nos in- dica como, de maneira geral, nossos recursos trabalharam de forma a obtermos o melhor re- sultado possível. Não adianta um recurso produtivo obter resultados fantásticos se outro não o fizer e isso não contribuir com a meta; é preferível que ambos tenham desempenhos mais homogêneos e que se consiga obter um resultado melhor ao final. Uma reflexão que cabe aqui é que a capacidade produtiva de cada recurso, costumeiramente, não é fixa: ela sofre certas variações em função do operador, quebra de máquina, oscilações de matéria prima etc. Média produtiva Fonte: elaborado pelo autor. Por exemplo, todos os recursos produtivos A, B, C e D de um sistema possuem capaci- dade balanceada de 10 peças/hora entre si, em consonância com uma demanda de 10 peças/ hora, portanto aptos a atendê-la. Acontece que cada um deles está sujeito a variações (por exemplo, entre 8 e 12 peças/hora). O sistema, dificilmente, ao seu final, produzirá 10 peças/ hora, pois se somente um dos elementos estiver oscilando na capacidade mínima - 8 peças/ hora -, todos produzirão 8 peças/hora, pois são elementos diretamente dependentes - uma operação precisa estar completa para que outra possa iniciar. Então, mesmo que um deles esteja podendo trabalhar na capacidade máxima (12 peças/hora) naquele momento, o resul- tado continuará a ser 8 peças/hora. Isso nos leva a ideia de que a soma dos ótimos locais é diferente do ótimo global do sistema. Portanto, não interessa a média produtiva ou capacidade média de um processo, mas sim o que efetivamente a soma destes resultados dependentes provoca no sistema. Goldratt co- menta que quanto mais próximo a média produtiva está dimensionada em relação à demanda geral do sistema, mais próximo esse sistema está de falir ou não atender a essa demanda (vide a média do exemplo acima, de 10 peças/hora em relação a uma demanda de 10 peças/hora). 10SISTEMAS DE PRODUÇÃO AVANÇADOS SUMÁRIO Gargalo: é na TOC que é criado o conhecido conceito de gargalo (em inglês, Bottleneck). Por defini- ção, o gargalo é o recurso produtivo com a capacidade conhecida mais baixa dentro do sistema, ou seja, gargalo é uma restrição ao sistema. Normalmente, um sistema terá somente um gargalo, pois essa restrição é estrutural; tem rela- ção com o fato de a capacidade instalada do recurso ser efetivamente mais baixa. Portanto, para me- lhorar o gargalo, a única alternativa é alargá-lo, isto é, aumentar sua capacidade produtiva. Em outro exemplo, descrito na última figura, existe uma demanda de 10 peças/hora, que entra no recurso produtivo A, o qual tem capacidade para executar essa demanda, que vai para um recurso B que, ao processar as peças vindas de A, somente consegue executar 9 peças/hora. Assim, passa a acumular 1 peça no estoque de entrada desse processo. Esse volume produtivo passa para o processo C, que somente consegue executar 5 peças/hora, acumulando 4 peças no estoque de entrada do pro- cesso a cada hora de produção. Por fim, essas peças entram no processo D, que tem capacidade de executar 50 peças/hora. No entanto, só produz 5 peças, pois não chegou nele nada a mais do que isso para ser processado. É interessante observar esses resultados na tabela a seguir. Gargalo Fonte: elaborado pelo autor. 11SISTEMAS DE PRODUÇÃO AVANÇADOS SUMÁRIO Exemplo produtivo Hora Resultados Início A B C D Final 1 Entrada 70 10 0 0 0 0 Saída 10 0 0 0 Eficiência 100% 0 0 0 Estoque 0 0 0 0 2 Entrada 60 10 10 0 0 0 Saída 10 9 0 0 Eficiência 100% 100% 0 0 Estoque 0 1 0 0 3 Entrada 50 10 10 9 0 0 Saída 10 9 5 0 Eficiência 100% 100% 100% 0% Estoque 0 2 4 0 4 Entrada 40 10 10 9 5 5 Saída 10 9 5 5 Eficiência 100% 100% 100% 10% Estoque 0 3 8 0 5 Entrada 30 10 10 9 5 10 Saída 10 9 5 5 Eficiência 100% 100% 100% 10% Estoque 0 4 12 0 6 Entrada 20 10 10 9 5 15 Saída 10 9 5 5 Eficiência 100% 100% 100% 10% Estoque 0 5 16 0 7 Entrada 10 10 10 9 5 20 Saída 10 9 5 5 Eficiência 100% 100% 100% 10% Estoque 0 6 20 0 8 Entrada 0 10 10 9 5 25 Saída 10 9 5 5 Eficiência 100% 100% 100% 10% Estoque 0 7 24 0 Fonte: elaborado pelo autor. Perceba que, se verificarmos ao longo de oito horas produtivas, 80 peças entraram no processo produtivo que estava descarregado e saíram somente 25. Tal situação seria minimizada se o processo estivesse todo carregado, possibilitando uma saída máxima de 40 peças, o que representaria uma produtividade/eficiência global de 50%. No entanto, o fato de estar carregado não mudará os demais resultados. Os efei- tos vão se acumulando ao longo do dia: a operação B cria um estoque que responde por 10% de tudo que entra nela, mas trabalha com produtividade de 100%, sua capacidade máxima. Esse fato também ocorre na operação C, mas ela acumula um estoque de cerca de 40% de suas entradas. Entretanto, a operação D não acumula estoque, consegue pro- cessar tudo que entra nela, mas trabalha com uma eficiência de 10%. Seria a operação D a de piores resultados? Se verificado por eficiência local, sim, a operação D é a de pior performance; mas precisamos entender que ela não está parada, está dando conta de toda a demanda que a ela chega; o problema é, portanto, o que está chegando. Já a operação C é a de menor capacidade: é a que mais acumula estoque na sua entrada, pois não consegue produzir tudo o que chega, mesmo trabalhando com uma eficiência de 100%. Veja que as análises de eficiência locais podem nos ajudar em alguns aspectos, mas são totalmente incoerentes com os resultados. É fato que o processo, todos os dias, vai consumir 80 matérias primas e vai entregar um máximo de 40 produtos prontos, o que representa uma eficiência de 50%, acumulando estoques e mais esto- ques à medida que o tempo passa. 12SISTEMAS DE PRODUÇÃO AVANÇADOS SUMÁRIO Fonte: elaborado pelo autor. O conceito de gargalo busca identificar justamente a operação de menor capacidade, que é a operação C, destacada em vermelho na figura “Gargalo” e demonstrada em forma de restrição ao fluxo nesta última figura. Essa operação sempre vai restringir a saída do sistema. Independentemente de estar no início, no meio ou no final, o processo nunca vai conseguir produzir mais do que a capacidade do seu gargalo quando temos operações de- pendentes, da mesma forma que uma corrente nunca é mais forte que seu elo mais fraco. Um sistema nunca terá mais capacidade do que a capacidade do seu gargalo. A identificação dos gargalos é ponto crucial para o correto entendimento, interpreta- ção e aplicação dos conceitos da TOC. Outro ponto importante a ressaltar é que nem sempre os gargalos estão dentro do sistema produtivo: eles podem estar fora, assim como a capa- cidade de despachar um produto, a capacidade de fornecer uma matéria prima ou, ainda, a demanda menor do que a capacidade produtiva. Se mal identificado, estaremos tratando de um recurso produtivo com capacidade aparentemente restrita e que, ao ser melhorado, não irá modificar os resultados. É preciso muito cuidado com a identificação dos gargalos! Gargalos podem mudar de lugar. Quando mexemos em algo que afete a capacidade produtiva de um recurso, esse efeito pode acontecer. A forma mais rápida de identificar um gargalo é verificar o acúmulo de estoque na entrada de uma operação. Veja bem que esse não é o único método, mas sim uma forma relativamente rápida de fazê-lo, sendo ainda neces- sárias algumas avaliações para se ter certezadisso. CCRs: os CCRs vêm da sigla para a expressão em inglês Capacity Constraints Resources, ou recursos com capacidade restringida. Costumam ser confusos, dada a má interpretação do conceito de gargalo, pois não possuem capacidade inferior aos demais recursos, mas es- tão restringidos em função do recurso de menor capacidade ou da volatilidade do sistema, como se fossem “gargalos momentâneos”. Mas isso é uma forma errônea de pensar. Por exemplo, se verificarmos a figura “Média produtiva”, há recursos produtivos que têm capacidades que, teoricamente, atendem à demanda. No entanto, em virtude de varia- ções no sistema produtivo, acabam produzindo menos do que sua capacidade normal per- mite. Tal fato também ocorre com o recurso produtivo D na figura “Gargalo”, já que possui capacidade produtiva de 50 peças/hora, mas produz somente 5 peças/hora; portanto, é um recurso com capacidade restringida, ou CCR. A má observação de um sistema produtivo incorre na errônea identificação e tratamento de CCRs como gargalos. No entanto, as medidas que deverão ser impostas aos gargalos não pos- suem os efeitos desejados nos CCRs, pois eles têm capacidade produtiva. Porém, algo momen- tâneo aconteceu e os tornou restritos. Geralmente, esses CCRs são frutos de problemas como: Efeito do gargalo 13SISTEMAS DE PRODUÇÃO AVANÇADOS SUMÁRIO • sequenciamento de produção equivocado; • quebras de máquinas/manutenção; • set-up com anomalias; • fornecimento de produtos com problemas; • produtos com problemas de qualidade oriundos de outros processos; • sazonalidade da demanda. Observe que um gargalo somente se resolve aumentando sua ca- pacidade produtiva. Já o CCR não será resolvido com aumento de capa- cidade; se investirá em um recurso que já tem capacidade maior, mas foi restringido por outro fator. Tome como exemplo o recurso D da figura “Gargalo”: se disponibilizarmos dinheiro para melhorar sua capacida- de, o que acontecerá? O que subir para 60, 70, 100 peças/hora mudará no resultado? Absolutamente nada. Portanto, reiteramos o fato de que a observação e definição dos gargalos deve se dar única e exclusivamen- te pela verificação da capacidade com restrição no sistema, o restante deve ser tratado de outras formas. Geralmente, os CCRs mudam de lu- gar mais rapidamente que os gargalos. MUNDO DOS CUSTOS Goldratt chamou de “Mundo dos custos”, ou Cost World, tudo aquilo que uma empresa utiliza para “fazer dinheiro” – lembrando que faturamento não necessariamente significa ganhar, mas sim vender. Portanto, faturamento faz parte do mundo dos custos, pois precisamos faturar para depois verificar o que sobra. Essas são as explicações dadas pelas lógicas de Goldratt: pensar onde colocar cada coisa de um negócio e entender o que cada uma delas quer dizer. Visto dessa maneira, Goldratt sugere algo que chama de “medidores gerais de performance operacio- nal”, indicadores simples, que podem ser ampliados ou desmembrados, mas que ele entende que são vitais em termos de entendimento para a correta gestão do negócio. Ganho (G): assim foi traduzida a expressão em inglês para Througput, que representa “quanto dinheiro a empresa está gerando?”. É a taxa pela qual um sistema gera dinheiro por meio de vendas (não por meio da produção), ou seja, o que efetivamente foi entregue, faturado e recebido. Não podemos confundir com o vo- lume de vendas, que pode não ter sido entregue ou recebido. Para bom entendimento, é necessário subtrair todo o dinheiro não gerado pela/para a empresa (materiais, comissões etc.). Investimento (I): também conhecido como inventário ou Inventory, em inglês. Representa “quanto dinheiro a empresa capta?”. É o dinheiro que um sistema investe na compra de coisas que pretende vender, incluindo edifícios e máquinas. Os estoques de produtos são passivos, não ativos, sendo que estoques de se- gurança são “algo que frustra o alcance da meta”. O valor do estoque de produtos não inclui o valor adicio- nado pelo sistema (valor agregado), apenas os materiais. A linha de pensamento aqui deve ser a de que não é 14SISTEMAS DE PRODUÇÃO AVANÇADOS SUMÁRIO importante agregar valor aos produtos; os gestores devem agregar valor à empresa: o valor agregado deve estar além daquele entregue sob forma de produto. Pode-se entender como investimento tudo aquilo que você pode, se quiser, vender, como matérias primas, produtos em estoque, maquinário, ferramentas, prédios etc. Despesas operacionais (DO): da expressão em inglês para Operating Expenses, repre- senta “quanto dinheiro a empresa gasta para operar?”. Inclui todo o dinheiro que um siste- ma gasta para transformar estoque em rendimento (mão de obra direta, mão de obra indi- reta, vendedores etc.). Depreciação também é considerada despesa operacional. Em outras palavras, representa o custo de transformar investimento em ganho; diferentemente do in- ventário, não se consegue vender e transformá-lo em dinheiro, portanto representa um risco mais elevado em relação aos demais. MUNDO DOS GANHOS A maneira de Goldratt explicar a avaliação sobre os resultados de um sistema foi tradu- zida como “Mundo dos ganhos” ou do inglês Throughput World. É uma forma de dizer que uma empresa tem resultados melhores do que outras e qual a mais rentável – o que não significa dizer qual a que mais fatura. Obviamente, estamos utilizando uma visão relativamente sim- plista do negócio; o valor de um negócio ou de uma empresa é uma equação extremamente complicada que muda de visão para visão. No entanto, temos alguns pontos que também são traduzidos sob forma de indicadores simples, que Goldratt nos indica avaliar e que chama de “medidores usuais globais”, os quais também podem, da mesma forma que os anteriores, ser ampliados para uma melhor compreensão dos os diversos subsistemas do negócio. Lucro líquido (L): definido como o medidor absoluto de um sistema (Net Profit), indica realmente o montante total de valor agregado pela empresa efetivamente transformado sob forma de resultados; isto é, utilizando seus recursos, materiais, mão-de-obra etc., quanto a empresa conseguiu acrescentar de resultado. Note que uma margem alta e um custo baixo sempre vão contribuir para isso, que depende muito do mercado no qual a empresa está tra- balhando, pois pode ser diferente em situações de mercado diferentes. O medidor de lucro líquido pode ser compreendido também pela expressão: L = G – DO (1) Retorno Sobre Investimento (RSI): muito conhecido pela sigla ROI, da expressão em inglês para Return Over Investiment, representa basicamente qual é a capacidade da empresa ou do sistema de agregar valor a algo, ou seja, o quanto retorna a cada unidade monetária investida (por exemplo, qual o retorno a cada real investido). Este é um indicador relativo, pois se trata de uma taxa e não de um número absoluto. Dessa forma, uma empresa com alto RSI pode não ter nem um alto faturamento e nem um alto lucro, mas conseguir agregar muito valor àquilo que investe. O RSI pode ser compreendido pela seguinte expressão: RSI = L / I (2) Fluxo de caixa (C): talvez o mais complexo de todos os indicadores apresentados. O cash flow define a capacidade de um negócio de transformar seu resultado em dinheiro em espécie (e não sob forma de investimento ou patrimônio), entendido por alguns como a quantidade de dinheiro disponível para o negócio. Costuma ser visto como um medidor de sobrevivência 15SISTEMAS DE PRODUÇÃO AVANÇADOS SUMÁRIO da empresa pois, em um momento de necessidade, facilmente pode ser utilizado, diferentemente da empresa ter patrimônio ou investimento, que precisaria ser rapidamente vendido e, assim, não se traduz no valor que efetivamente vale. Os especialistas possuem diversas formas ou fórmulas de definir este indicador, não cabendo aqui para nosso estudo. Apenas devemos compreender que, conforme esses estudiosos, “se o fluxo de caixa está bem, não é importante; noentanto, se está comprometido, passa a ser o mais importante de todos”, pois significa segurança financeira. TAMBOR, PULMÃO E CORDA O mecanismo operacional da TOC é chamado de “pulmão, tambor e corda”, ou TPC (Drum- -Buffer-Rope systems em inglês). Essa foi a forma lúdica que Goldrat utilizou para explicar como os conceitos apresentados operam e se relacionam entre si. Essa forma de explanar a sistemática acabou sendo descrita tempos depois no livro “A meta”, quando o autor resolveu efetivamente descrever a teoria das restrições. Tambor (drum): basicamente, podemos entender que é quem dá o ritmo ao sistema, assim como nas antigas embarcações à remo, em que uma pessoa ia batendo um tambor para definir o ritmo no qual os remadores deveriam remar para a embarcação andar em linha reta na velocidade e direção corretas. O gargalo pode ser entendido como o tambor: é a sua taxa de produção que vai definir a taxa de produção de todo o sistema, como dito anteriormente, independentemente de recursos que venham antes ou depois dele. Em algumas literaturas, o tambor também é chamado de PMP (Plano Mestre de Produção). Pulmão (buffer): assim é chamado o “estoque de segurança ou de proteção” para o gargalo. De forma a maximizar o gargalo (tambor) e evitar que qualquer oscilação produtiva nos recursos anteriores produzam o efeito de, eventualmente, sua capaci- dade ser diminuída, posiciona-se uma espécie de estoque na entrada desse recurso. Esse estoque mantém o gargalo produzindo até que os recursos anteriores a ele voltem a produzir no ritmo necessário, evitando diminuição no volume produtivo total que seria prejudicado caso momentaneamente um recurso produtivo tenha uma saída in- ferior à capacidade normal do gargalo. Uma baixa na capacidade do gargalo afetaria o sistema como um todo, pois não tem capacidade sobrando para poder tirar o prejuízo. Qualquer falha posterior ao gargalo não acarretaria esse problema pois, teoricamente, tais recursos teriam capacidade produtiva sobrando para conseguir tirar o atraso. O pulmão deve ser dimensionado em virtude da probabilidade de falha nos recursos an- teriores: se a probabilidade é baixa ou a recuperação costuma ser rápida, esse estoque em processo pode ser pequeno, sendo o contrário também possível. Corda (rope): trata-se de qualquer sistemática que interaja com a liberação de produtos para entrarem no processo antes do gargalo em virtude de uma eventual alta na sua capacidade, vinculando os processos anteriores à taxa produtiva atual do gar- galo (tambor), e evitando excesso de produtos em processos (work in process ou WIP) desnecessários, sem exceder o volume determinado para o “pulmão”. Podem ser con- siderados como “corda” sistemas informatizados (MRP), Kanban, ordens de produ- ção, avisos visuais ou sonoros e qualquer sistemática que garanta esse sincronismo. 16SISTEMAS DE PRODUÇÃO AVANÇADOS SUMÁRIO Podemos observar, na figura, um esquema baseado nos nossos exemplos anteriores: a operação C, que é o gargalo produtivo, identificada como tambor, ligada às operações A e B através da corda, que faz o efeito de puxar a sincroni- zação quando a capacidade do gargalo eventualmente mudar. A operação D está identifica como um Recurso de Capacidade Restringida (CCR), e podemos ver que existe um local denominado “pulmão” antes do recurso restritor/gargalo, como forma de gerar proteção às eventuais oscilações de produção nas operações A e B. OPERACIONALIZAÇÃO DA TOC Com todos os conceitos necessários já definidos, podemos partir para as questões de operacionalização da teoria das restrições, também chamada de manufatura síncrona em algumas literaturas. Goldratt descreveu que a linha de pensamento para operacionalizar a produção deveria seguir cinco passos. Esquema de funcionamento do TPC I. Identificar as restrições do sistema: basicamente, trata-se de ter o processo produtivo muito bem descrito, com a definição clara das operações, sua sequência de produção, as relações de dependência direta e a capacidade de cada uma (se possível, uma ideia de grau de flutuação ou de variação estatística dos processos). Esse primeiro passo vai identificar o “tambor” e está di- retamente conectado ao mundo dos ganhos, pois teremos a ciência da capacidade máxima que o sistema pode produzir. II. Maximizar o recurso restrito: tendo o gargalo identificado, precisamos maximizar sua operação, através de medidas como trabalho sem horas de paradas (por exemplo, no horário de intervalo dos operadores, um outro grupo passar a operar essa atividade, obtendo capacidade extra) e pos- sibilidade de turnos estendidos (horas extras ou turnos suplementares aos normais). Esse passo também está atrelado ao mundo dos ganhos pois, segundo Goldratt, “Uma hora ganha no gargalo é uma ganha no sistema como um todo”. III. Subordinar todos os demais recursos ao gargalo: esse passo prevê que todos os demais re- cursos produtivos, principalmente aqueles posicionados antes do gargalo, sejam diretamente subordinados a ele, ou seja, que seu volume produtivo seja sincronizado e limitado ao volume produtivo do gargalo, estabelecendo o “pulmão” e a “corda”. Esse passo está diretamente liga- do ao mundo dos custos, pois evita-se o consumo de inventário e despesa operacional desne- cessária, e inclui atitudes como a revisão da capacidade operacional desses recursos, trabalho em turnos reduzidos, com menor quantidade de mão-de-obra, aproveitamento da capacidade excedente para outras situações e assim por diante, pois, independentemente de sua eficiência, isso não representa ganho e sim custos. Fonte: elaborado pelo autor. 17SISTEMAS DE PRODUÇÃO AVANÇADOS SUMÁRIO IV. Aumentar a capacidade do recurso restrito: tendo o sistema praticamente resolvido nos passos anteriores, é hora de trabalhar novamente no mundo dos ganhos, buscando alternativas para executar atividades relacionadas ao gargalo em outros recursos pro- dutivos, melhorias de sua capacidade, eventual terceirização de operações, enfim, aqui- lo que se puder fazer para aumentar sua capacidade, até que ele não seja mais o gargalo ou que a demanda possível seja suprida (tornando a demanda o gargalo, neste caso). V. Voltar ao primeiro passo continuamente: baseando-se na lógica do PDCA, periodica- mente precisamos revisar o sistema desde o primeiro passo. Sistemas instáveis, com al- tas variedades de produto ou variações bruscas de demanda, costumam facilmente estar desatualizados quanto às definições anteriores, sendo interessante um monitoramento constante dos resultados, das capacidades produtivas, da demanda e, eventualmente, a realização de ciclos em grupos de melhoria para revisar as premissas definidas. Observando os cinco passos e os conceitos apresentados, alguns princípios básicos devem ser seguidos e relembrados continuamente por todos aqueles que fazem parte do sistema produtivo, pois não é difícil perder o foco da sistemática: • não focar no balanceamento das capacidades e sim na sincronização do fluxo; • os ganhos no gargalo são proporcionais aos ganhos no sistema todo; • os ganhos nos demais recursos são negligenciáveis; • o nível de utilização de um recurso não restritor deve ser determinado pelo gargalo; • os recursos devem ser utilizados, não simplesmente ativados; • o lote de transferência não necessita ser o lote de processo; • o lote em processo deve ser variável. Neste momento, é possível enxergar semelhanças e certo sincronismo entre as ideias da teoria das restrições e os ditames da manufatura enxuta, no que tange às perdas as- sociadas aos processos (estoques, produtos defeituosos, processamentos desnecessários, esperas, superprodução, movimentações desnecessárias), à necessidade de maximização de recursos (como a aplicação de troca rápida de ferramentas para maximizar a operação gargalo), à necessidade de sincronização das operações, à ideia de uma revisão periódica do sistema (cicloKaizen) e assim por diante. Portanto, podemos entender que a ideia central não foge dos conceitos da manu- fatura enxuta: devemos buscar realizar mais utilizando os recursos que já temos dis- poníveis, e somente as atividades de processamento agregam valor, o resto deve ser repensado. Sendo assim, a grande ideia é que sempre devemos fazer distinção entre ca- pacidade instalada e capacidade utilizada (maximização da eficiência local versus ma- ximização da eficiência global). Para finalizar, Goldratt descreveu o que chamou de “contabilidade dos ganhos”, constituída por algumas questões que o gestor ou responsável pela empresa sempre deve fazer a si mesmo quando pensar em algo ou tomar alguma decisão, listadas a seguir. 18SISTEMAS DE PRODUÇÃO AVANÇADOS SUMÁRIO • Qual o impacto da decisão no ganho da empresa? • Qual o impacto da decisão no inventário da empresa? • Qual o impacto da decisão na despesa operacional da empresa? As respostas devem ser de forma a se obter melhoria em, pelo menos, um desses pontos, pois tudo isso impacta na lucratividade da empresa. SÍNTESE Neste capítulo, vimos a teoria das restrições, uma forma de pensar produção elaborada pelo físico Israelense Eliyahu Goldratt, através do conceito de teoria das filas aplicado à maximização dos resultados. Através dele, observa-se o que realmente resulta em ganhos e atingimento de metas e o que é considerado custo para o negócio, baseando-se, para isso, no entendimento de que todo sistema tem uma restrição e ela deve ser identificada, tratada e maximizada, como forma de melhorar os resultados operacionais. 19SISTEMAS DE PRODUÇÃO AVANÇADOS EXERCÍCIOS SUMÁRIO 1. Qual a meta de um negócio? 2. O que é um gargalo? 3. Quais são os passos básicos para operacionalizar os conceitos da TOC? 4. Qual a diferença entre Gargalo e CCR? 5. Você enxerga a aplicação desses conceitos no âm- bito do seu exercício profissional atual? 20 ANÁLISE DE SISTEMAS PRODUTIVOS Sistemas produtivos são simplesmente o que são, ou podem ser analisados e melhorados? Que tipos de verificação podemos fazer para isso? 21SISTEMAS DE PRODUÇÃO AVANÇADOS SUMÁRIO O assunto “melhoria em sistemas produtivos” é amplamente debatido. Cremos que, neste momento, isso esteja muito claro; no entanto, sempre há o que ser verifica- do, formas de enxergar diferentes a fim de buscar outros pontos de vista, de conseguir demonstrar diferentes nuances... enfim, cada teoria vai trazer uma maneira de enxer- gar, de analisar, de melhorar, de explorar outros critérios. Não temos a pretensão de revisar todas as formas de melhorar sistemas produ- tivos ou de analisá-las, mas sim de mostrar pelo menos dois pontos de vista. O pri- meiro deles, mais geral e mais amplo, procura nos mostrar como avaliar o negócio ligado ao sistema produtivo: o que realmente importa, o que realmente agrega valor, onde estamos perdendo etc. Todos os conceitos de perdas neste âmbito não estão descartados; ao contrário, precisamos tê-los sólidos na mente para conseguirmos encontrar opções para os sis- temas. Sendo assim, apresentaremos alguns detalhes da metodologia de VSM, uma sistemática de mapeamento de processos que procura, de uma forma bem visual e di- dática, deixar muito claro o funcionamento de um sistema através da descrição do seu estado atual e a previsão do que se pode ganhar no seu estado futuro. O segundo ponto que discutiremos é a verificação de custos em um sistema pro- dutivo, não com a intenção de revisarmos como se calcula um custo geral, custo in- dustrial ou afins, mas sim com a intenção de chamarmos atenção para alguns detalhes que fazem diferença na hora de verificamos como se chega no custo de um produto. Note que não estamos falando de valor ou preço: isso é uma questão de mercado; mas, tec- nicamente, temos como enxergar os custos de forma mais profunda, mais detalhada, mais re- finada? Quando falamos em despesas gerais, será que estamos julgando de forma correta? Será que são gerais mesmo? Será que não deveriam compor o produto ao invés de serem dissolvidas entre todos? Comentaremos um pouco sobre isso. VALUE STREAM MAP O Value Stream Map, conhecido pela sigla VSM e traduzido para o português como mape- amento do fluxo de valor é, basicamente, uma metodologia, como o próprio nome sugere, de mapeamento de processos. Neste caso, a literatura nos aponta uma infinidade de metodolo- gias do gênero, cada qual com sua nomenclatura, formato de demonstração gráfica, aponta- mento de aplicabilidade etc. Podemos citar a sistemática de mapeamento de processos definida e disseminada por Shin- go no Sistema Toyota de Produção, os métodos de mapeamento de processos utilizados nas siste- máticas de avaliação de tempos e movimentos, como os Therbligs, o próprio MTM (Method Time Measurement), sistemáticas mais recentes como o BPM (Business Process Management) ou advindas do ramo de projetos estratégicos, como o diagrama de Gantt ou o PERT/CPM (que também pode ser usada para mapear um processo usual e não um projeto). Cada uma tem a sua simbologia pró- pria, sua metodologia, sua maneira de pensar. Se fôssemos verificar cada uma delas, provavel- mente encontraríamos a nossa forma de adaptar para a própria situação, e isso é uma constante: as pessoas aprendem um método, o utilizam - e acabam por defendê-lo - em seus negócios. 22SISTEMAS DE PRODUÇÃO AVANÇADOS SUMÁRIO A ideia do VSM não é diferente, é uma metodologia que visa à descrição de processos organizacionais focando nas atividades que realmente agregam valor ao negócio. Mas, nova- mente, se formos analisar, qualquer uma das metodologias citadas anteriormente acaba pro- porcionando mais ou menos a mesma coisa; e aí é que está o ponto crucial: o “mais ou menos”. A sistemática adotada por Shingo foi a que funcionou nos idos das décadas de 1950 a 1980, quando o Sistema Toyota de Produção foi desenvolvido. Era basicamente um mapa de processos de atividades próprias da indústria de transformação e suas atividades de apoio. Isso nos dá uma ideia de fluxo, mas várias adaptações foram realizadas para que pudéssemos entendê-lo em outros contextos. O MTM e outras metodologias aplicáveis a tempos e movimentos acabam nos dando também a noção exata das operações e seus tempos, mas falta uma maneira de deixar cla- ras as melhorias ou diferentes maneiras de pensar certas operações; estão lá, intrínsecas na sua interpretação, mas não diretamente definidas. O BPM e as metodologias de PERT/ COM, apesar de nos darem a ideia do que acontece, parece que não verificam os porme- nores das execuções das atividades, não deixam esclarecem certas diferenças de métodos. Vale ressaltar que em nenhum momento estamos tentando denegrir ou dizer que uma sistemática é inferior em relação à outra, mas que todas podem ser utilizadas nas di- versas situações e, bem interpretadas, chegarão provavelmente nos mesmos resultados. Queremos enfatizar uma linguagem bastante dinâmica, criada entre o final da dé- cada de 1990 e o início dos anos 2000: o VSM é uma sistemática americana bastante visual e que busca deixar muito claras todas essas situações que comentamos. Trata-se de uma metodologia de mapeamento de processos, e não apenas uma simbologia, sendo hoje a base para a maioria das metodologias Kaizen (melhoria contínua) aplicadas mundo afora, algumas até com diferenças na simbologia. 23SISTEMAS DE PRODUÇÃO AVANÇADOS SUMÁRIO Mas isso não é o mais importante; essas ideais estão descritas em um li- vro, com uma linguagem bastante visual, chamado “Aprendendo a enxergar”, ou Learning To See no original em inglês, escrito pelos autores Mike Rother e John Shook. Nossa ideia é trazer um apanhado geral da metodologia e sua sim- bologia, não temos pretensão de fazer uma cópia do livro original. MAPEAMENTO DO FLUXO DE VALOR Rother e Shook indicam que a primeira ideia é compreender a diferença entre mapeamento de processoe mapeamento de fluxo de valor. O mapeamento de um processo usualmente se concentra nas etapas e no fluxo do produto, o que é correto. No entanto, incorre na falta de clareza sobre o fluxo de informação, ponto defendido pelos autores como objeto de melhorias e que tende a agregar muito valor ao negócio quando eliminados desperdícios corriqueiros. Portanto, os fluxos de processo e informação juntos é que formam o fluxo do valor. Ainda dentro desse conceito, deve ficar claro que o processo deve ser visto de porta a porta: desde o fornecedor até o cliente. Claro que podemos entendê-los como o fornecedor interno e o cliente interno de uma organiza- ção, mas a ideia é que se entenda como o processo inicia e para onde ele vai, compreendendo o que é feito e como realizar igual - ou maior - valor para o cliente utilizando a mesma - ou menor - quantidade de recursos, avaliando cada ponto desse sistema. O enfoque deve ser dado a um produto ou uma família de produtos bem determinada e que tenha semelhanças entre si quanto ao processo. Quanto mais dispersos os produtos, menos efetivo é o traba- lho por falta de foco; portanto, esse detalhe deve ser observado com cautela. Não existe uma forma de juntar toda e qualquer situação possível em somente uma maneira de enxergar; pode-se incorrer em uma grande falha de avaliação ou perder oportunidades de melhoria. 24SISTEMAS DE PRODUÇÃO AVANÇADOS SUMÁRIO Cliente/fornecedor: de onde vêm ou para onde vão as peças fora da empresa; é necessá- rio identificar quem é o cliente/fornecedor de forma clara. Alguns dados típicos: • demanda; • turnos de trabalho; • padrão de entrega/embalagem; • principais produtos comprados/fornecidos. Processo: etapa do processo (transformação ou controle). Alguns dados típicos: Fluxo de valor Cliente/fornecedor Fonte: adaptado de Rother e Shook, 2003. Fonte: adaptado de Rother e Shook, 2003. MAPA DO ESTADO ATUAL A próxima etapa, segundo Rother e Shook, é a descrição do estado atual, isto é, como o processo funciona hoje, sem modificações, simplesmente como ele realmente é. A seguir, uma simbologia que pode ser feita à mão (como o próprio método sugere), na qual é importante seguir algumas dicas: • para mapear o fluxo, siga o objeto que está sendo mapeado (peças); • começa do fim para o início, porque o fim é o resultado que é construído pelos demais; • meça os tempos e não use tempos padrão (roteiro); • verifique pessoalmente o processo do início ao fim e não junte informações; • anote e não conte apenas com a memória; • faça primeiro um rascunho (à mão e com lápis). • quantidade de mão de obra; • padrão da embalagem de saída; • variações operação/produtos; • capacidade; • turnos de trabalho; • tempo de ciclo; • tempo de troca; • lote de produção; • taxa de refugos. 25SISTEMAS DE PRODUÇÃO AVANÇADOS SUMÁRIO Estoque: material parado na saída de uma operação; indica que ela produziu material, mas que ele não foi para o processo posterior. Alguns dados típicos: • quantidade; • padrão de disposição; • equivalência do estoque em turno/dias. Estoque de segurança (Buffer): ocorre quando existe “pulmão” para evitar parada de processo, localizado na entrada de uma operação, ou “estoque supermercado”, localiza- do na saída de uma operação; indica controle visual de necessidades de fornecimento para operação posterior (Kanban). Alguns dados típicos: • quantidade; • padrão de disposição; • equivalência do estoque em turno/dias. Fluxo de operação empurrada: indica para qual processo o material é destinado; quan- do o processo seguinte produz o que é enviado para ele, produz pela programação definida pela demanda ou demanda esperada. Cuidado com a eventual existência de programação isolada entre processos. Processo Estoques de segurança Estoque Fonte: adaptado de Rother e Shook, 2003. Fonte: adaptado de Rother e Shook, 2003. Fonte: adaptado de Rother e Shook, 2003. 26SISTEMAS DE PRODUÇÃO AVANÇADOS SUMÁRIO Retirada de materiais (físicos): quando é a opera- ção que retira materiais de algum lugar para produzir, e não os materiais que são levados até ela. No exemplo descrito na figura a seguir, consegui- mos ver uma situação de estoque do tipo “supermercado”, que é abastecida por uma operação de corte; essa opera- ção funciona somente quando o estoque define reposição. Esse estoque fica com as peças aguardando, as quais são retiradas por um processo de usinagem, que atua confor- me programação estabelecida diretamente para ele e não conectada ao processo de corte. Nivelamento de carga: quando as puxadas de materiais forem feitas em sequência e quantidades diferentes conforme necessidade, e não em quantidades padronizadas e momentos específicos. Fluxo sequencial (FIFO): sistema Firs In, First Out (ou PEPS em português, Primeiro que Entra, Primeiro que Sai) – indica que a saída dos materiais da operação obedece à ordem em que chegaram: o primeiro que entra é o primeiro que sai e assim por diante. Normalmente vem acompanhado da informação de uma quantidade máxima de estoque que de- fine parada da operação fornecedora. Fluxo empurrado Retirada Exemplo de retirada Nivelamento de carga Fonte: adaptado de Rother e Shook, 2003. Fonte: adaptado de Rother e Shook, 2003. Fonte: adaptado de Rother e Shook, 2003. Fonte: elaborado pelo autor. 27SISTEMAS DE PRODUÇÃO AVANÇADOS SUMÁRIO Puxada: ao invés de usar um supermercado com peças pré-determinadas, in- dica que a operação posterior “puxa” a produção de um item específico quando ne- cessita da operação anterior; a programação é colocada na operação posterior e a anterior simplesmente segue o que for pedido. No exemplo da figura a seguir, podemos ver um estoque do tipo “supermerca- do”, que é demandado por alguma outra operação que não aparece. À medida que ele precisa de peças, emite um sinal (cartão Kanban, neste exemplo) para a operação de corte, que vai empurrando por um sistema FIFO o que a operação de usinagem deve executar. A operação de usinagem segue o que foi imposto pela operação de corte em um sistema de produção empurrada; neste caso, a operação de corte para de produ- zir quando atingir o que foi solicitado no cartão Kanban. Fluxo de informação: define como ou quando a informação é enviada de um processo a ou- tro, podendo ser levada de maneira física e presencial (fluxo manual) ou enviada em meio ele- trônico, através de algum sinal ou dispositivo (fluxo eletrônico). Existe também uma simbologia própria para quando a informação é verificada ou modificada no local, de acordo com o anda- mento da operação; a programação segue a definição de um momento em específico, chamada de “programação vá ver”, sendo a forma menos sistematizada de todas. Fluxo sequencial Exemplo de empurrada Fluxos de informação Puxada Fonte: adaptado de Rother e Shook, 2003. Fonte: adaptado de Rother e Shook, 2003. Fonte: elaborado pelo autor. Fonte: adaptado de Rother e Shook, 2003. 28SISTEMAS DE PRODUÇÃO AVANÇADOS SUMÁRIO Sistema Kanban: não deixa de ser um sistema de fluxo de informação. No entanto, é tratado de maneira específica por usar meios físicos, mas sem a necessidade de pessoas; assim, o que circula de informação está definido em cartões (Kanban, em japonês), que são ordens de produção fixas e padronizadas, e têm definido em seu conteúdo o que deve ser feito, em que quantidade, para onde deve ser enviado e, eventualmente, um sistema (muitas vezes de cores) que define questões de prioridade de produção ou atendimento. A simbologia trata de maneira diferente os cartões que são ordens de produção, que chegam à operação e disparam a execução do produto (Kanban de produção) e os que são ordens de retirada de materiais através de cartão padronizado (Kanban de retirada). Ainda existe um símbolo específico para quando o fluxo de cartões Kanban não é contínuo/unitá- rio, mas chegam em períodos predeterminados em quantidades, sendoessa uma outra ma- neira de pensar atendimento e programação (Kanban em lotes). Cartões que chegam de maneira contínua ou unitária vão sendo atendidos à medida que chegam; cartões que chegam em lotes têm a possibilidade de serem organizados con- forme conveniência da produção para serem atendidos. Outro símbolo indica, se necessário, o local onde ficam centralizados os cartões Kanban para serem disparados (posto Kanban). No exemplo da figura seguinte, podemos ver um estoque do tipo “supermercado”, que, à medida que precisa de peças, emite um sinal (cartão Kanban, neste exemplo) para a ope- ração de corte, a qual executa o produto e o abastece. Ao mesmo tempo, esse supermercado recebe um sinal de retirada (cartão Kanban de Reirada), vindo da operação de usinagem. Nesse caso, a operação de usinagem segue algum tipo de programação e retira seu material do supermercado, que é abastecido pela operação de corte. Essas duas programações não estão conectadas diretamente, já que são sistemas independentes. Transporte: esta simbologia define o tipo de sistema utilizado para movimentar ma- teriais, quando é necessário algum outro meio que não o operador propriamente dito; assim, é necessário algum equipamento ou modal de transporte específico. Os padrões podem ser utilizados definindo a frequência normal (diário, semanal, mensal etc.). Somente se indica quando o transporte é padrão e não ocasional, quando existe uma definição fixa para ele. Sistema Kanban Exemplo de Kanban Fonte: adaptado de Rother e Shook, 2003. Fonte: elaborado pelo autor. 29SISTEMAS DE PRODUÇÃO AVANÇADOS SUMÁRIO Linha do tempo: segue o tempo do processo, sendo ele mapeado da esquerda para a direita na horizontal e na ordem do processo, e não de acordo com o layout. O degrau inferior deve coincidir com as operações de processamento (Lead Time da ope- ração e TAV) e deve, na medida do possível, demonstrar também o tempo de agrega- ção de valor. O degrau superior deve coincidir com o deslocamento entre os processos (tempo de deslocamento) ou os estoques intermediários (tempo resultante da quan- tidade padronizada no estoque pelo consumo total), constando, portanto, o Lead Time dessas operações de transporte ou estoque. Cuidado para não confundir o Lead Time da operação com o tempo de ciclo da operação (os dois somente são iguais quando o lote de produção da operação é unitário). Lead Time (LT): também chamado de “tempo de atravessamento”, é o tempo total entre a entrada do produto em produção e sua saída. Pode ser verificado tanto em relação a uma ope- ração (tempo entre todos os produtos de um lote iniciarem e terminarem uma operação) como em relação a um processo (tempo entre iniciar um lote de produto na primeira operação até sua saída ao final da última operação, sendo que, em casos práticos, utiliza-se o período necessário entre a entrada do pedido e seu atendimento). É importante salientar que o Lead Time consegue ser balanceado com estoques ou tamanho de lotes, pois quanto maior o lote, maior o Lead Time. Para passar um produto mais rapidamente por um processo, podemos ter estoques intermediá- rios de peças de uma determinada operação, abreviando o tempo. Se tomarmos como exemplo o processo descrito nesta última figura, podemos entender que o Lead Time de cada operação está padronizado em uma hora, tanto que temos definidas as capacidades de 10 peças/hora nas operações A, B e C e a capacidade de 20 peças/hora na opera- ção C. O Lead Time do processo é de quatro horas para um lote de produtos de 10 peças; isso sig- nifica que, para ele atravessar todo o processo e sair, são necessárias quatro horas – passar por quatro operações com Lead Time de uma hora cada. Se esse mesmo lote fosse unitário, teríamos que pensar de maneira diferente. Se em uma hora a operação A consegue executar 10 peças, então a mesma operação demora seis minutos Sistemas de transporte Lead Time Linha do tempo Fonte: adaptado de Rother e Shook, 2003. Fonte: adaptado de Rother e Shook, 2003. Fonte: elaborado pelo autor. 30SISTEMAS DE PRODUÇÃO AVANÇADOS SUMÁRIO para executar uma peça (60 min = um hora, dividido por 10 peças possíveis nesse tempo). O mesmo acontece para as operações B e C e, no caso da operação D, o tempo seria de três mi- nutos (60 min = 1 hora, dividido por 20 peças possíveis nesse tempo). Assim, se o lote fosse unitário, o Lead Time seria de 21 minutos (soma de 6 + 6 + 6 + 3 minutos). Portanto, pode- mos compreender que o Lead Time é dependente do tamanho do lote. Tempo de ciclo (T/C): definido pelo tempo transcorrido entre a repetição de um mes- mo evento (saída de um produto até a saída do próximo produto). Tem relação com a velo- cidade do processo de executar um produto. O Lead Time de um processo nunca será menor que seu tempo de ciclo, sendo este dependente, muitas vezes, dos recursos alocados no pro- cesso. Por exemplo, uma pessoa consegue realizar um determinado processo em X tempo; se duas pessoas forem colocadas nesse processo, esse tempo será Y. O tempo de ciclo não pode ser confundido com o tempo de valor agregado. Além disso, se formos pensar em ter- mos de processos contínuos, o tempo de ciclo geralmente é definido como o tempo da ope- ração mais lenta (gargalo, conforme conceito apresentado anteriormente). Tempo de agregação de valor (TAV): é o tempo em que realmente é agregado valor a um produto. No caso de um processo, são consideradas somente as operações de transfor- mação efetiva do produto; no caso de uma operação, deve ser considerado somente o tem- po em que o produto está sendo efetivamente transformado. Temos que lembrar que o que importa em um processo ou empresa é o motivo pelo qual o cliente compra o seu produto; quanto maior esse tempo, melhor. Vale lembrar que ele nunca será maior que o tempo de ciclo do processo. Assim, podemos entender que: LT > T/C > TAV (3) Quanto maior a discrepância entre os tempos, pior podemos considerar o processo. O mapa do estado atual é a representação de como o processo é executado atualmente. Sendo assim, utilizamos a nomenclatura, conceitos e simbologia descritos anteriormente para demonstrar o que nosso processo executa neste momento. Um exemplo de mapa de estado atual pode ser verificado na figura a seguir. Mapa do estado atual Fonte: elaborado pelo autor. 31SISTEMAS DE PRODUÇÃO AVANÇADOS SUMÁRIO MAPA DO ESTADO FUTURO Tendo o mapa do estado atual (onde estou) definido, que é nossa base line, é hora de fazer o mapa do estado futuro (onde quero chegar). A simbologia é exatamente a mesma, mas devemos pensar em alternativas, metodologias, situações que nos levem a um resul- tado melhor do que o que temos. Não quer dizer que a situação atual é ruim; ao contrário, a empresa usualmente teve resultados até hoje, mas, nos ditames dos dias atuais, acabamos sempre precisando buscar novas maneiras de fazer as mesmas coisas. O estado futuro é interessante de ser explorado com diversas ideias, até que se chegue em uma que se mostre interessante. Depois disso, é preciso definir ações para tornar a ideia verdade e, ao final dessas ações, analisar se chegamos no resultado almejado. Dessa forma, a metodolo- gia ajuda a enxergarmos possibilidades; mas ela não resolve o problema por si. Algumas dicas: • tendo em mente as definições das sete perdas, verificar todos os elementos do mapa do estado atual (um a um), determinando quais os que contêm desperdícios (acrescentar dados sobre quantidade de perdas); • estimar os recursos humanos e materiais necessários para realizar as mudanças; • escolher as ações de implementação rápida, definindo o tempo para implementação e coleta dos primeiros resultados; • esse mapa passa a ser o novo mapa do estado atual; • definir continuidade das mudanças, novas propostas etc. CUSTOS DOS SISTEMAS PRODUTIVOS Um dito popular sempre falado em forma de piada é: “as pessoas se preocupam quan- do atingimoso órgão do corpo mais dolorido: o bolso!”. Piadas à parte, se pensarmos no mundo capitalista, isso não chega a ser uma falácia: é uma constatação, uma verdade, algo absoluto em termos de mundo. Por mais que uma pessoa ou outra diga que não se preocu- pa com isso, temos que entender que o ser humano tem necessidades. Maslow (conforme a Mapa do estado futuro Fonte: elaborado pelo autor. 32SISTEMAS DE PRODUÇÃO AVANÇADOS SUMÁRIO próxima figura) já colocava essas necessidades sob forma de uma pirâmide, sendo que sua base - o que a sustenta, a parte mais larga - tem relação com necessidades fisiológicas (ar, comida, água etc.); o segundo degrau se relaciona à segurança (propriedade, emprego, re- cursos etc.) e assim por diante. Não temos a intenção de discutir necessidades humanas; mas essa representação ser- ve para nos darmos conta de que, no mundo atual, boa parte do que trata a base fundamen- tal dessa pirâmide tem custo, necessita de dinheiro para ser satisfeito. Mesmo que algumas pessoas defendam que parte disso é função estatal, isso também custará dinheiro ao Estado, e esse recurso precisa vir de algum lugar, pois é finito e não se cria, apenas troca de mãos. Assim, não estamos afirmando, mas constatando que, por mais que ideologias à parte tra- tem de um senso comum, grande parte do mundo vive da geração de riquezas, das trocas mone- tárias, da agregação de valor, do acúmulo ou dispêndio de recursos. Sendo assim, não é absurdo considerar que um dos grandes pensamentos da atualidade dá conta de que “quanto mais valor meu cliente enxergar no meu produto, mais pagará por ele”, ao passo que “quanto menos esse produto me custar, melhor para meu negócio”. Portanto, é verdade que dois mantras reinam absolutos no mercado, um deles trata de agregar valor e o outro de diminuir custos. Agregar valor é uma das funções do marketing e, por consequência, do desenvolvimento de produtos e serviços. Esses estão ligados ao mercado e não serão objetos da nossa discussão. Por outro lado, diminuir custos é um dos grandes objetivos perseguidos pelo desenvolvimento e melhoria de processos. Obviamente, temos as questões de segurança, de qualidade, de con- fiabilidade, de atendimento de prazos, demandas e necessidades de clientes, mas todas elas in- variavelmente acabam atreladas à ideia de fazer isso ao menor custo possível. Portanto, um dos grandes objetivos da humanidade, sem medo de errar, é a redução de custos: em todos os âm- bito, em todos os momentos, fazer mais por menos é uma constante que vem de tempo e conti- nuará a figurar até que a afirmação de que os “recursos são finitos” não seja mais uma verdade. A área técnica relacionada a sistemas produtivos (processos, qualidade, engenharia, produção etc.) atualmente é uma das grandes demandadas nas questões de custos, pois de- tém o conhecimento para bem verificar, analisar, ajustar e modificar essas questões. Dessa forma, temos que ter em mente que, quanto melhor nosso entendimento nessa área, mais acertadas serão nossas decisões e definições. Pirâmide de Maslow 33SISTEMAS DE PRODUÇÃO AVANÇADOS SUMÁRIO Espera-se um detalhamento e uma visão muito crítica dos profissionais ao lidar com as questões de custos. Existem diversas maneiras de pensá-los e diversas técnicas de avali- á-los, métodos distintos e vertentes de análise, como a absorção total, RKW, UEP, margem de contribuição, entre outros. Não trataremos dessas vertentes, mas de um modo de pensar ao alimentar os dados utilizados por elas. Sabemos que é possível enxergar custos de formas mais amplas e de formas mais de- talhadas, de formas mais simples e de formas mais complexas. Esses fatores dependem da necessidade de cada negócio, de cada função da empresa (uma função gerencial usualmente enxerga de forma mais ampla e geral, enquanto uma função mais técnica se atém a detalhes específicos de algo), do tipo de mercado que se atende, do produto (produtos mais repetiti- vos requerem um detalhamento maior do que produtos realizados de forma mais artesanal ou em menor volume), e assim por diante. Não estamos, absolutamente, negando os conceitos mais básicos; eles são os funda- mentos do entendimento dos custos, sendo redundante dizer que a maior preocupação em termos de gestão de custos é de, pelo menos, realizar aquilo que foi planejado – conceito que vem atrelado à ideia de “manutenção dos custos”. Entrando por esse viés, por si só, isso já propõe que os conceitos de qualidade (fazer certo da primeira vez) e de produtividade (efi- ciência) são uma das grandes chaves dessa manutenção de custos, pois não adianta com- preender custos em suas minúcias e, na hora de executar algo, simplesmente fazer errado, desperdiçando mão de obra e matéria-prima, ou então fazer de modo diferente ou em tempo maior do que o planejado. A figura a seguir mostra justamente essa linha de raciocínio. 34SISTEMAS DE PRODUÇÃO AVANÇADOS SUMÁRIO Qualidade e produtividade nos custos Fonte: elaborado pelo autor. A gestão dos fatores de custo é bastante complexa, pois vem atre- lada a todas as questões de gestão de um negócio e estas, certamente, estão amarradas a diversos trade-offs. Há conflitos de escolhas: cada es- cola de negócios vai defender seu ponto de vista; cada setor ou departa- mento em uma empresa vai buscar melhorar sua atividade; cada pessoa, no exercício da sua função, vai argumentar em favor de um fator ou de outro; cada cobrança de diferentes organismos, clientes, departamen- tos governamentais etc. vai buscar comprovar a necessidade de atender a uma determinada demanda em detrimento de outras. Esse é o grande motivo pelo qual fazer a gestão de algo é tão complexo. Alguns trade-offs bastante comuns são: • custos – executar pelo menor valor, maximizando o lucro; • qualidade – atender a expectativa pelo produto, encantar o cliente, obedecer a especificações, garantia de isenção de falhas, independen- temente do custo; • prazo de entrega – qualificador da empresa, entregar na data e atender a demanda, independente do custo, sob pena de multas ou descrédito; • flexibilidade – diversificação de mercado, atender diferentes ni- chos; variedade de produtos significa menos volumes de entregas diferentes, maior número de preparações e setup, mão de obra espe- cializada em cada situação; • produtividade – atender o planejado, manter máquinas trabalhando, evi- tar quebras, atender tempos de roteiro, uso de material, mão-de-obra e recursos ajustados exatamente à demanda, sem sobras; • inovação – antecipação das demandas, investimento em melhoria, em lançamento de novidades, em pesquisa, desenvolvimento, protótipos, novos maquinários. É muito interessante analisar que todos os pontos citados são uma cons- tante em praticamente todos os negócios. Alguns acabam indo ao encontro de outros em um momento e sendo discrepantes em outro. Mas, na maioria das vezes, todos são bastante conflitantes e objetos de discussões, argumen- tações, pontos de vista e situações que, ao mesmo tempo, são verdades e tem seu grau de razão, mas que também se desencontram umas com as outras. 35SISTEMAS DE PRODUÇÃO AVANÇADOS SUMÁRIO COST MANAGEMENT SYSTEMS O Cost Management System ou Sistema de Gerenciamento dos Custos é uma questão bastante particular de cada negócio. No entanto, independentemente do negócio, alguns detalhes devem ser analisados e explorados para uma melhor visão, garantia de futuro e perpetuação do próprio negócio. A primeira situação a se analisar é a de que sistemas de custeio tradicionais, simples e de visão geral acabam por não dar os subsídios corretos e necessários para uma boa gestão de um sistema produtivo, visto que são ineficazes em lidar com certos argumentos e detalhes impor- tantes para a tomada de decisão. Não se pode negar que o custo de uma empresa é a soma de tudo que ela paga durante um determinado mês, incluindo aluguel, água, luz, folha de paga- mento,