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PSICOLOGIA_FORENSE_APOSTILA_DE_PSICOLOGIA_FORENSE__TURMA_A (1)

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1 
C E N T R O U N I V E R S I T Á R I O A R A R A Q U A R A 
 
 
 
 
 
P S I C O L O G I A F O R E N S E 
 
Introdução ao estudo da Psicologia aplicada ao Direito: 
 
 
 
Curso de Direito 
Prof. Fábio de Carvalho Mastroianni 
2013 
 
 
2 
 
 
 
3 
Índice 
 
 
A Psicologia em interface com as Ciências Jurídicas: conceito e 
interdisciplinaridade __________________________________________ 4 
O homem e sua relação com a justiça _________________________________________ 4 
Conflitos: compreensão e dinâmica ___________________________________________ 6 
Estratégias para lidar com o conflito _________________________________________ 10 
A Psicologia aplicada ao Direito na prática cotidiana ______________ 12 
As primeiras aproximações _________________________________________________ 12 
O paradigma atual e as novas perspectivas ___________________________________ 15 
O papel do psicólogo no campo jurídico ______________________________________ 19 
A Psicologia e o Direito Penal__________________________________ 21 
Crime e Criminologia ______________________________________________________ 21 
Agressividade e Violência __________________________________________________ 23 
A Psicologia e o Direito de Família______________________________ 24 
Uma visão histórica acerca da família ________________________________________ 24 
Rompimento do vínculo familiar e as disputas de guarda ________________________ 26 
Considerações sobre os filhos ______________________________________________ 29 
Alienação Parental ________________________________________________________ 30 
A Psicologia nas questões referentes à Infância e a Juventude ______ 34 
Um olhar mais atento para a infância (ECA) ___________________________________ 34 
A Avaliação pericial __________________________________________ 38 
A avaliação psicológica ____________________________________________________ 38 
O laudo pericial __________________________________________________________ 41 
Laudo psicológico ou prova pericial? ________________________________________ 43 
O perito e o assistente técnico ______________________________________________ 44 
 
 
Saúde Mental e Legislação ____________________________________ 46 
Conceitos e definições _____________________________________________________ 46 
Exemplos de vivências nas Varas de Infância e Juventude / Família e 
Sucessões _________________________________________________ 48 
“Uma possível negociação? – Regulamentação de visitas de uma menina de 4 anos na 
Vara de Família” __________________________________________________________ 48 
“Situação de vulnerabilidade observada em um processo de ação de guarda oriundo da 
Vara de Família e Sucessões” _______________________________________________ 50 
REFERÊNCIAS ______________________________________________ 52 
 
 
 
4 
A PSICOLOGIA EM INTERFACE COM AS 
CIÊNCIAS JURÍDICAS: CONCEITO E 
INTERDISCIPLINARIDADE 
 
O homem e sua relação com a justiça 
 
O imperativo da diversidade existente entre os homens e a necessidade da 
convivência com o outro o obrigou a construir normas e regras que possibilitassem a 
vida em conjunto, uma vez que diferentes visões de mundo e distintas aspirações 
podem gerar divergências entre os membros. Barros (1997, p. 42) afirma: 
 
[...] é o reconhecimento da existência do outro que nos permite 
perceber que lá onde desejamos um objeto idêntico as nossas 
fantasias e desejos, insiste a diferença, ou seja, o sujeito é ina-
preensível em sua singularidade. 
 
A lei, nesse sentido torna-se o instrumento que permite a convivência ade-
quada e harmoniosa entre os indivíduos, ou que pelo menos regulamenta as ações 
daqueles que convivem na cidade: os cidadãos. Surge aí, o conceito de justiça como 
algo idealizado e almejado, que permitiria ao homem a coexistência praticável. No 
entanto, embora o termo justiça possa ter definição própria, possui, não obstante 
representações e aspirações individuais. A justiça, enquanto ideal, é uma ficção, 
cada um tem uma concepção sobre o tema, o sujeito jurídico e a justiça são noções 
ideológicas, ficcionais. “[...] a justiça é um bem que se demanda porque não é dada” 
(HANS KELSEN, 1974 apud BARROS, 1997, p.40). Ou ainda: 
 
Se todos amássemos uns aos outros em harmonia, se esta estru-
tura fosse infalível, não haveria necessidade do mandamento, da 
lei. Há a lei porque essa estrutura manca, pois, muitas vezes o 
ódio que advém de um ato diferente de nosso desejo nos faz ide-
alizar uma sociedade de iguais (BARROS, 1997, p.41). 
 
Neste contexto, a justiça se constitui como o objeto idealizado que possibili-
taria “ressarcir” ou “preencher” esse vazio existente em cada indivíduo. A justiça é 
uma das mais legítimas e mais impossíveis demandas, o que não significa dizer que 
ela é totalmente irrealizável. O trabalho constante da justiça é resgatar, simbolica-
mente, a crença na possibilidade da convivência humana. Deste modo, a relação 
com a lei é sempre conflitiva, pois ao mesmo tempo em que cerceia o desejo, possi-
bilita a sua realização ao regular a relação com o outro. O juiz, como representante 
da lei, ocupa um lugar angustiante de decisão, o de “preenchimento/ressarcimento”. 
 
 
Figura 1 
 
A relação entre o homem e a justiça se desenvolve em uma natureza dinâ-
mica e constante (Figura 1). O Direito é um fenômeno histórico e cultural, criado pela 
mente humana com o objetivo de servir como instrumento de resolução de conflitos 
sociais. Por vezes esse instrumento se mostra justo, por outras, se revela um meca-
nismo de controle e opressão do indivíduo. Sua origem está vinculada ao Estado 
(fonte produtora de leis por excelência), refletindo-o. Focault (1977, apud ARANTES, 
2010) lembra que não existem sociedades sem algum tipo de repressão, para o au-
tor, o importante não é inexistir regras, limites e cerceamentos, mas sim a possibili-
dade de pessoas e grupos por eles afetados, de conseguir modificá-las. 
 
As dificuldades humanas, ine-
rentes ao convívio dos homens 
de uma dada sociedade 
Criação de um sistema de leis 
que regem esse convívio e 
facilite a resolução dos conflitos 
levam a 
para tentar lidar com 
 
 
5 
[...] partirmos do pressuposto de que as concepções de justiça se 
organizam numa estrutura complexa de ideias, que são, histori-
camente herdadas, mas que sofrem adaptações e consequentes 
mudanças a partir da experiência do indivíduo e dos grupos 
(SPADONI, 2009, p.16). 
 
Ao Direito, portanto se atribui a tarefa de assegurar e garantir a ordem públi-
ca e regular a convivência social. Enquanto as ciências jurídicas se ocupam das 
consequências dos atos humanos, ao criar regras que aspiram à obrigatoriedade de 
seu cumprimento, as ciências ligadas à área de saúde mental abordam os fenôme-
nos humanos procurando analisá-los, numa tentativa de explicar as constantes mo-
dificações do indivíduo. 
 
 
 
A Psicologia e o Direito se diferem quanto ao objeto formal, a Psicologia vol-
ta-se ao mundo do ser, enquanto o Direito se volta para o mundo do dever ser. Po-
de-se dizer que a Psicologia se ocupa das leis internas do ser humano, enquanto 
que o Direito impõe leis externas (sociais) criadas pelos homens. A intersecção entre 
esses dois saberes se mostra inevitável, uma vez que os planos do ser e do dever 
ser não são elementos independentes, se justapõem e se entrelaçam de maneira 
inextrincável em que um não pode ser compreendido sem o outro. 
 
[...] a Psicologia e o Direito caminham juntos, ou pelo menos per-
pendicularmente, pois enquanto a psicologia se esforça em com-
preender as condutas humanas, o direito se preocupa em contro-
lá-las (SPADONI, 2009, p.29). 
 
A Psicologia Jurídica, nesse contexto, surge como um ramo específico da 
Psicologia que estuda as relações do homem com as leis e as instituições jurídicas. 
Trata-se, portanto de uma relação de mão dupla, pois o comportamento humano 
influencia o Direitoe este influencia o comportamento humano (Figura 1 e 2). Profis-
sionais de Psicologia e Direito compartilham o fato de trabalharem com o homem 
sob diferentes perspectivas, mas o seu objeto de intervenção tem aspectos comuns. 
 
 
Figura 2 
 
Para maiores informações sobre este tópico consulte: 
BARROS, F. O. O amor e a lei: o processo de separação no Tribunal de Família. Psico-
logia, Ciência e Profissão. Brasília (DF), 3: 40-47, 1997. Disponível em: 
<http://pepsic.bvspsi.org.br /pdf/pcp/v17n3/07.pdf>. Acesso em: 20 jul.2010. 
MIRANDA, H. C. J. Psicologia e Justiça: a Psicologia e as Práticas Judiciárias na Cons-
trução do Ideal de Justiça. Revista Ciência e Profissão, São Paulo, n.18, p. 28-37. 
1998. Disponível em: <http://pepsic.bvsalud.org/pdf/pcp/v18n1/04.pdf>. Acesso em: 20 
mai. 2011. 
 
 
Psicologia Direito 
- ciências humanas 
 
- lidam com área de conflito 
 
- criam/pensam estratégias para lidar 
 com os conflitos Psicologia: ciência que estuda os processos mentais e o comportamento huma-
no, assim como atitudes, sentimentos, pensamentos, percepções e etc. Visa 
melhorar as relações do sujeito com o mundo, consigo próprio e com os demais. 
 
Direito: sistema de normas de conduta imposto por um conjunto de instituições 
para regular as relações e garantir a convivência social. É essencial à vida em 
sociedade, define obrigações entre as pessoas e busca resolver os conflitos de 
interesse. 
 
 
6 
 
Conflitos: compreensão e dinâmica 
 
Por definição, conflito é o conjunto de propósitos, métodos ou condutas di-
vergentes, oposto de congruência. É algo inerente à vida e por meio dele a evolução 
se processa. Para o Direito, conflito refere-se à pretensão resistida que se pode re-
solver ao final do processo, enquanto que para a Psicologia, faz parte da vida, não 
se encerra, mas se transforma. O convívio social tem se tornado cada vez mais 
complexo, sofrendo diversas modificações ao longo da história da humanidade, o 
que gera constantes conflitos entre as pessoas. O processo de crescimento e de-
senvolvimento, tanto individual como coletivo, também favorece o surgimento de 
conflitos, sejam eles intra ou interpessoais. A sociedade atual costuma lidar com os 
conflitos de duas formas: 
a) pela via cooperada – os próprios envolvidos buscam uma solução para o 
conflito que os aflige (conciliação/mediação); 
b) pela via adversarial – quando um terceiro, juiz ou árbitro, é chamado para 
colocar fim ao litígio (arbitragem/julgamento). Mais adiante retomaremos es-
sas questões quando abordarmos estratégias para lidar com os conflitos. 
 
Diversos elementos e aspectos devem ser considerados quando analisamos 
a natureza e a dinâmica dos conflitos. A mudança ou a perspectiva dela pode con-
duzir ao conflito, tornando-se a causa raiz de todas as divergências, sejam elas fami-
liares, organizacionais, societárias, comunitárias e internacionais, entre outras. A 
necessidade de abandonar posições e posturas nas quais indivíduos ou grupos es-
tão adaptados (status quo) pode gerar resistências, estas por sua vez, podem favo-
recer a ocorrência de conflitos. Contudo, é importante lembrar que nem toda mudan-
ça gerará necessariamente um conflito, algumas são almejadas e podem até ser o 
resultado de estratégias utilizadas para lidar com algumas formas de conflito, como 
por exemplo, os movimentos populares que reivindicam mudanças nas condições de 
vida das pessoas e/ou de trabalhadores. 
As mudanças estão relacionadas a diversos elementos, podendo ocorrer in-
dependente da ação humana. Acontecimentos e fenômenos da natureza como en-
chentes, desastres naturais e alterações climáticas exigem dos indivíduos novas 
adaptações. Etapas inerentes ao desenvolvimento humano como a adolescência e o 
envelhecimento, assim como a perda ou o ingresso de novos elementos no grupo 
familiar, também podem gerar conflitos (intrapessoais), pois estas exigiriam novas 
formas de se organizar, impondo novos papéis e diferentes funções. Além disso, as 
mudanças podem estar relacionadas a intervenções de outros indivíduos ou grupos 
(conflitos interpessoais). 
Nas questões interpessoais pode-se entender o conflito como a intenção de 
uma das partes de introduzir a mudança e da outra, em resistir a ela. Instala-se, 
portanto quando duas ou mais partes, cada qual a sua maneira, resistem à mudan-
ça. O fenômeno que gera um conflito pode ser o mesmo, entretanto, a sua natureza 
dependerá da dinâmica dos envolvidos, de suas percepções de mundo, de seus 
interesses, expectativas, motivações, valores e crenças. A interpretação que cada 
indivíduo dá ao conflito recebe influência de um conjunto de fatores diretamente 
relacionados à sua história pessoal e a de seu grupo, dessa forma, o que pode ser 
visto como altamente desvantajoso para um indivíduo, pode representar extraordiná-
ria oportunidade para outro. 
A perda do emprego ou uma colisão de veículos pode ser fonte de inesgotá-
vel sofrimento para uns, enquanto que para outros podem representar a oportunida-
de de novas conquistas. As divergências entre os indivíduos geralmente incluem 
elementos que durante as disputas podem ser submetidos à mudança, tais como: 
bens, compreendendo patrimônios, direitos e haveres pessoais, entre outros; princí-
pios, valores e crenças de qualquer natureza, inclusive políticas, religiosas e científi-
cas; poder, em suas diferentes acepções; relacionamentos interpessoais; afeto, sta-
tus e etc. 
A mudança pode gerar conflitos na medida em que a “percepção de eu” que 
cada indivíduo possui é afetada. A construção dessa “percepção de eu” é uma com-
plexa combinação de elementos que incluem: corpo (físico, estrutural, fisiológico e 
 
 
7 
funcional); identidade profissional e outros elementos citados anteriormente, assim 
como bens e direitos. Em relação a estes últimos, sejam materiais ou não, é válido 
destacar a influência que o “ser” recebe do “ter” nas mais variadas formas, agravan-
do-se ainda mais em sociedades que privilegiam os bens materiais e estimulam a 
competição entre seus membros. Os bens são símbolos perante os pares (de poder; 
de status; de afeto), influenciando, portanto a “percepção de eu”. 
 A mudança pode gerar um desequilíbrio em um ou mais desses elementos, 
conduzindo a um conflito em que o indivíduo é compelido a resolver para atingir no-
vo equilíbrio (homeostase). Assim, o conflito poderá servir como oportunidade de 
desenvolvimento da pessoa/grupo, ou para prejudicá-la de diferentes formas. Os 
conflitos podem melhorar as relações do sujeito com a sociedade ou dificultá-las 
ainda mais, agravando a situação. Quando o processo que envolve o conflito se 
mostra educativo, benéfico (a pessoa aprende a conviver com as dificuldades de 
maneira funcional e amplia sua visão de mundo), o psiquismo aprende com a expe-
riência e incorpora novas percepções, enriquece o repertório de resposta e utiliza o 
conflito para enriquecer o pensamento abstrato. 
Por outro lado, de maneira negativa ou disfuncional (quando não envolve 
crescimento e promove a estagnação), o psiquismo pode regredir para estágios me-
nos desenvolvidos, adquirindo assim, concepções e comportamentos menos funcio-
nais do ponto de vista social. O conflito, portanto possibilita: 
 Verificar as ideias existentes, assim como gerar novas (ideias exis-
tentes são contestadas e modificadas, podendo ser introduzidas no-
vas formas de pensar, ampliando a visão de mundo dos envolvidos); 
 Revelar diferentes interesses dos indivíduos e seus pares, assim 
como comprovar a coesão do grupo (força os envolvidos a rever os 
seus interesses, gerando novas lideranças e novos padrões de rela-
cionamento); 
 Aprender coisas a respeito do outro e descobrir como pensam os 
demais (rompem-se os silêncios e impõem-se novas organizações). 
 
Outro fator que faz parte da “percepção do eu” e favorece ou não a motiva-
ção à mudança, gerando assim o conflito, é a ”concepçãoou percepção de justiça”. 
Spadoni (2009) faz uma revisão sobre o tema, proporcionando rever as principais 
teorias psicológicas sobre justiça. A percepção de justiça representa a crença de que 
seus esforços receberão justa recompensa e de que as relações humanas são cons-
tituídas sob um prisma de “igualdade” ou de que as regras são universais. Trata-se 
de uma questão complexa, pois experiências anteriores do indivíduo e aspectos 
históricos e sociais contribuem diretamente para a sua formação. 
A concepção de justiça e o conceito de valor são incorporados ao indivíduo 
desde a infância e, uma vez assumido tal valor, torna-se muito difícil removê-lo ou 
modificá-lo. Comumente se encontra relacionada às situações em que uma pessoa 
se compara a outra, afinal, faz parte da “percepção de eu”; e cada indivíduo precisa 
do outro para “enxergar” a si mesmo ou construir uma identidade própria. A teoria da 
privação relativa afirma que a satisfação ou insatisfação das pessoas nas situações 
sociais, não está diretamente relacionada à objetiva qualidade de suas recompensas 
ou riquezas, mas sim socialmente determinada pela comparação social. 
O ponto central desse conceito é a escolha das referências de comparação – 
a (in)satisfação depende com quem cada pessoa se compara. No dia a dia, costu-
ma-se haver comparação com as pessoas que estão mais próximas, denominadas 
ou classificadas por cada um como “iguais/semelhantes”. Trabalhadores de um de-
terminado setor tendem a se sentir “mais injustiçados” ao verem seus semelhantes 
recebendo recompensas ou benefícios superiores quando comparados a recompen-
sas dadas a indivíduos de outras classes trabalhadoras ou outros setores. 
Um aspecto essencial da justiça é que esta separa o que é justo daquilo que 
é vantajoso e, por isso, funciona como um facilitador para as relações entre as pes-
soas e os grupos. Nesse sentido, pessoas com o mesmo potencial podem se sentir 
muito felizes e satisfeitas ou completamente infelizes e insatisfeitas, dependendo 
com quem elas se comparam. Uma pessoa que ganha um salário “x” tende a se 
sentir mais satisfeita quando se compara a outras pessoas que ganham o mesmo 
valor, do que quando se compara a outro que ganha três vezes mais. Uma possível 
 
 
8 
relação entre insatisfação e criminalidade não pode, entretanto, ser estabelecida de 
forma direta, pois a compreensão da criminalidade impõe a consideração de diver-
sos outros fatores. Não obstante, a desigualdade social e a diferença acentuada 
entre as classes sociais poderiam levar ou justificar o aumento da criminalidade. 
Em sua revisão, a autora divide as teorias psicológicas sobre a justiça em 
três grupos distintos que, de modo geral, englobam a percepção que as pesso-
as/sociedade têm sobre: 
a) como os bens e recursos são distribuídos entre os membros (justiça 
distributiva); 
b) como as regras que regem os julgamentos e os procedimentos de justiça 
são conduzidas (justiça dos procedimentos); 
c) o que ocorre quando as regras e normas são quebradas, decisões sobre 
quais punições devem ser aplicadas (justiça retributiva). 
 
I – Justiça Distributiva 
Neste primeiro grupo de teorias, o merecimento das recompensas foi colo-
cado como questão primordial. Deve-se lembrar de que os primeiros estudos a res-
peito iniciaram-se nos Estados Unidos, logo após a Segunda Guerra Mundial. Os 
estudiosos tentavam compreender porque as pessoas estavam insatisfeitas com as 
suas condições de trabalho e com o que ganhavam. A questão relativa à distribuição 
dos recursos foi um dos primeiros aspectos a ser analisados. A partir de várias pes-
quisas, em diversos campos, os psicólogos identificaram alguns princípios que re-
gem os julgamentos de justiça distributiva, são eles: 
a) Princípio da equidade – o justo é percebido como aquilo que é proporcio-
nal ou equivalente ao merecimento de cada membro. Nesta abordagem, quem con-
tribui mais, recebe mais. Este princípio, entretanto possui um caráter subjetivo, pois 
dependerá da interpretação que cada membro faz sobre a sua contribuição e conse-
quente merecimento. Este tipo de princípio tende a predominar no mundo dos negó-
cios, mas pode também ser utilizado nas relações pessoais de forma geral; 
b) Princípio da igualdade – os recursos deveriam ser divididos em partes i-
guais, cada membro deve receber o mesmo que o outro, não há diferenças entre os 
indivíduos. Este tipo de princípio costuma ser aplicado em situações familiares ou de 
pequenos grupos onde predomina um sentimento de unidade; 
c) Princípio da necessidade – os recursos são divididos de acordo com a ne-
cessidade de cada um, ou seja, quem precisa de mais, recebe mais. Este princípio é 
muito utilizado na esfera política e social, nas situações em que o Estado dirige re-
cursos para auxiliar pessoas desprivilegiadas que necessitam de uma ajuda maior. 
Cada um desses princípios irá se encaixar numa determinada situação ou 
cultura e isso não deverá ocorrer da mesma forma para todas as pessoas ou grupos, 
podendo ou não gerar conflitos. Em situações de guerra, desastres ou escassez, por 
exemplo, o princípio de necessidade tende a predominar e as pessoas passam a 
modificar suas concepções e percepções de justiça, devido ao contexto social. 
 
II – Justiça dos Procedimentos 
Neste conjunto de teorias, as pesquisas verificaram que as pessoas se sen-
tem mais satisfeitas e “justiçadas” quando avaliam que os procedimentos utilizados 
nos processos ou julgamentos foram neutros e imparciais, ou seja, a legitimidade 
das autoridades contribui para a percepção de que existe justiça. Quando as autori-
dades responsáveis não exercem suas funções de forma adequada, gera-se um 
sentimento de desconfiança, podendo levar as pessoas a se preocuparem somente 
consigo mesmas e a buscar vantagens pessoais, criando-se assim, uma crise social 
e política. 
Outro fator que também contribui para a concepção de justiça é quando as 
pessoas têm a oportunidade de falar o que pensam, quando participam do processo, 
ainda que seus requerimentos não tenham sido “atendidos”. Este aspecto levanta a 
importância do indivíduo se sentir “acolhido”, ouvido e até mesmo “preenchido” em 
sua demanda. Como visto anteriormente, a justiça ou os indivíduos ligados às práti-
cas jurídicas, muitas vezes são colocados no lugar daquele que irá “ressarcir” o bem 
perdido ou oferecer a dádiva almejada. Se por um lado as sentenças nem sempre 
 
 
9 
correspondem às expectativas dos requerentes, a “escuta” atenciosa e imparcial dos 
operadores da lei, por outro lado, favorece e reforça a crença na possibilidade da 
convivência humana. 
 
III – Justiça Retributiva 
Assim como a ideia de que os bens e os recursos devem ser justamente dis-
tribuídos entre os membros, a ideia de punição aos comportamentos que infringem a 
ordem social também é importante para a formação da percepção de justiça. A Lei 
de Talião, nesse sentido, seria uma das mais antigas formas de justiça retributiva: 
“Olho por olho, dente por dente”. A punição, portanto serviria como: a) uma forma de 
evitar que possamos nos tornar vítimas desse crime; b) um modo de garantir a coe-
são grupal, protegendo os valores normativos da sociedade e c) uma maneira do 
Estado exercer um controle ideológico sobre os cidadãos. 
A punição não seria apenas retribuição a uma infração, teria, portanto um va-
lor simbólico para as pessoas e os grupos. Spadoni (2009) salienta ainda a relação 
entre o sentimento de injustiça e o desejo de vingança, no qual a sensação de impu-
nidade poderia acarretar em uma desorganização social. De maneira geral, conclui-
se que a percepção de injustiça ocorre quando o indivíduo ou um grupo se vê in-
fringido no seu quadro referencial de valores. Ainda em relação à punição, é válido 
lembrar o aprendizado oferecido pela Psicologia Comportamental, onde se verifica 
que a efetividade da punição está atrelada à presença davigilância contínua, ou 
seja, situações em que não existe fiscalização, a punição tende a não ser eficaz. 
 Para se compreender a dinâmica dos conflitos deve-se, portanto considerar 
esses diversos aspectos que, associados ao contexto sociocultural, influenciarão ou 
não o modo como os indivíduos lidam com os seus conflitos. A Figura 3 tenta resu-
mir, de maneira esquemática, essas condições, favorecendo assim um entendimento 
mais amplo sobre os processos e as lides que permeiam o universo jurídico. 
 
 
 
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10 
Estratégias para lidar com o conflito 
 
 Alguns autores classificam as estratégias para lidar com os conflitos em dois 
grupos distintos: os métodos “informais” e os métodos “formais”, podendo, entretan-
to, considerar que todos eles se combinam entre si. Os métodos informais de solu-
ção de conflitos são: 
a) “nada fazer ou dar um tempo”: costuma-se aguardar ou “colocar panos 
quentes”, na crença de que o tempo se incumbirá de trazer a solução para o 
problema ou para a queixa; 
b) acomodação: buscar por si próprio esforços e iniciativas para se adaptar 
ao problema, sem buscar auxílio. As soluções, no entanto, nem sempre são 
as melhores e costumam ser parciais; 
c) aconselhamento: busca-se a opinião de pessoas mais experientes e res-
peitadas como lideranças locais e chefias, entre outros. 
 
Para os autores, esses métodos, de maneira geral, se combinam: “dá-se um 
tempo, tenta-se acomodar com iniciativas nem sempre bem-sucedidas e se pede 
conselhos”. Já os métodos formais de solução de conflitos são: 
a) julgamento: comumente o mais utilizado, o poder judiciário decide fun-
damentado na apreciação dos fatos e na aplicação do direito, é 
um método tipicamente adversarial. Nesse método, os “certos ou 
errados, justos ou injustos” não pertencem mais as partes, mas 
ao julgador e podem contribuir para ratificar a percepção de que 
a outra parte é a inimiga, assim como facilitar a transferência da 
culpa – “eu estava certo, mas o juiz errou”; 
 
b) arbritagem: também é um método adversarial, porém, a decisão cabe a 
um terceiro escolhido pelas partes. Esse método reduz o impacto 
emocional favorecido pelos rituais da justiça formal, podendo 
haver confiança entre as partes, pelo menos no que se refere à 
idoneidade do árbrito escolhido. Independente disso, a postura dos advogados é 
muito importante, pois eles podem acirrar ou apaziguar o conflito; 
 
c) conciliação: constitui-se num método cooperativo assim como a media-
ção. O objetivo é colocar fim ao conflito manifesto, não há interesse em buscar ou 
identificar razões ocultas que levaram ao conflito e outras 
questões pessoais dos envolvidos. O conciliador não tem 
poder de decisão, esta deve ser tomada de maneira coopera-
tiva entre os litigantes. No entanto, ele pode interferir e ques-
tionar as partes, mostrando as vantagens que podem advir 
de um acordo, favorecendo concessões mútuas e evitando outros tipos de prejuízo 
que possam ocorrer, tais como: demora e incerteza quanto aos resultados, entre 
outros. O objetivo principal dessa estratégia e da seguinte (mediação), é restabele-
cer a negociação entre os litigantes; 
 
d) mediação: um terceiro (mediador) atua para promover a solução do con-
flito por meio do realinhamento das divergências (MOORE, 
1998). O mediador não decide, mas favorece aos litigantes 
perceber o ponto de vista do outro. É fundamental que os 
participantes aceitem, pois diferente da conciliação, explora-
se os conteúdos emocionais no desenho do acordo. O me-
diador irá explorar o conflito para identificar os interesses que se encontram além ou 
ocultos pelas queixas manifestas. De acordo com os autores, a mediação trabalha 
com as emoções promovendo: 
- a concentração em sentimento e emoções positivas; 
- desenhar o futuro com base no sucesso, para construir aquilo que 
pode ser bom para ambos; 
- focalizar o apaziguamento, o que não significa realizar reconcilia-
ção ou reatamento de relações interpessoais, pois a permanência de 
uma inimizade não implica na continuidade do conflito; 
J 
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11 
 
A mediação incide muito menos sobre o acordo e mais sobre o resgate da 
comunicação entre as partes, ao favorecer que elas consigam perceber o conflito 
sobre diferentes ângulos. Em São Paulo, desde 2004 foi autorizada a instalação de 
setores de conciliação e/ou mediação, podendo haver intervenção pré-processual ou 
no curso do processo com atuação de profissionais de diversas áreas. Tais condi-
ções indicam o reconhecimento da importância da intersecção entre o Direito e ou-
tros saberes para a solução ou composição dos conflitos e problemas sociais, permi-
tindo a valorização de todos os profissionais que colaboram com a atividade e a 
prática jurisdicional. 
Silva (2010) destaca a possibilidade de introduzir essas práticas, uma vez 
que com a ampliação de garantias e direitos individuais houve aumento da procura 
pelo judiciário, o que gera uma verdadeira judicialização dos conflitos que ocorrem 
no âmbito privado. Groeninga (2010) por sua vez, alerta para os cuidados que se 
deve tomar com essas estratégias de enfrentamento do conflito (conciliação e medi-
ção), para que a intersecção de práticas psicológicas no campo jurídico não desen-
volva apenas atividades que venham a diminuir a intensidade de processos que 
existem no judiciário, tornando-a uma atividade banalizada e sem realizar as carac-
terísticas inerentes da profissão, que possui alto valor preventivo: 
 
A mediação e a conciliação não podem ser mal utilizadas visando 
somente desafogar o Judiciário. Atualmente vemos um movimen-
to em que são recrutados mediadores voluntários que estão, na 
verdade, fazendo conciliações, como forma de diminuir as de-
mandas ao Poder Judiciário. Não cabe aqui um posicionamento 
contra a finalidade destas empreitadas, mas alertar para a confu-
são e o tratamento indevido que está sendo dado aos conflitos. 
Questiono se, com isto, não estaria havendo uma banalização e 
uso indevido dos conhecimentose práticas próprias à Psicologia 
(GROENINGA, 2010, p. 24). 
 
 
 
Para maiores informações sobre este tópico consulte: 
CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA (CFP). Referências técnicas para atuação 
do psicólogo em Varas de Família. Brasília: CFP, 2010. 56 p. 
FIORELLI, J. O.; FIORELLI, M. R.; JUNIOR MALHADAS. J. O. M. Psicologia aplicada 
ao Direito. 2 ed. São Paulo: LTr, 2008. 268p. 
FIORELLI, J. O.; MANGINI, R. C. R. Psicologia Jurídica. São Paulo: Atlas, 2009. 440 p. 
SPADONI, L. Psicologia Realmente Aplicada ao Direito. São Paulo: LTr, 2009. 96 p. 
 
 
12 
A PSICOLOGIA APLICADA AO DIREITO 
NA PRÁTICA COTIDIANA 
 
As primeiras aproximações 
 
O Direito, no atributo de suas funções e ao mesmo tempo almejando encon-
trar a verdade, alcançar o ideal de justiça e obter maior convicção acerca de suas 
decisões, precisou buscar por meio de outras ciências e diversos saberes, embasa-
mento para melhor compreender as questões envolvidas nos processos de justiça. A 
aproximação com a Psicologia se deu, inicialmente, no campo da Psicopatologia, 
onde o diagnóstico clínico exercia um papel fundamental. Para os operadores do 
Direito, os psicodiagnósticos eram considerados instrumentos que ofereciam dados 
comprováveis para orientá-los em suas decisões. Acreditava-se que as técnicas 
empregadas seriam precisas e suficientes para revelar conteúdos psíquicos ou 
mesmo prever comportamentos. As primeiras aplicações ocorreram através de ava-
liações realizadas no campo do Direito Penal, não só àqueles que cometiam delitos, 
como também às testemunhas. 
Neste contexto, a Psicologia passou a ser utilizada pelos juristas como uma 
alternativa metodológica para a efetiva aplicação da lei. A prática profissional volta-
va-se quase que exclusivamente para a realização de perícia baseada no psicodiag-
nóstico e na aplicação de testes. Para Focault (1986, apud LEAL, 2008) a Psicologia 
passa a ser utilizada para substituir, cientificamente, o inquérito na produção da ver-
dade jurídica: detecção de falsos testemunhos, fidedignidade dos relatos e amnésias 
simuladas (Psicologia do testemunho: Psicólogo perito = testólogo/papel clínico). 
 
 
A possibilidade de compreender a natureza das ações criminosas e a ex-
pectativa de que as classificações diagnósticas pudessem “desvendar o enigma” de 
certos crimes sem razão aparente, levaram os juízes, na França no início do século 
XIX, a buscar auxílio com os médicos alienistas
1
. A Psicologia surge nesse contex-
to, em 1868, com a publicação do livro Psychologie Naturelle, do médico Prosper 
Despine. Este autor conclui que, com exceção de poucos casos, o delinquente não 
apresenta enfermidade física ou mental, mas carece de consciência moral. 
Com o nascimento da perícia, a prisão torna-se um local onde se é possível 
construir um novo saber sobre o criminoso. Adquire assim, o poder de definir se 
novas punições deverão ser acrescidas, avaliando se o indivíduo se comporta ou 
não, se está ou não progredindo. O trabalho do psicólogo, nessas instituições, torna-
se quase que predominantemente voltado à realização de perícia e à formulação de 
diagnósticos. Esta perspectiva positivista leva diversos autores, ao longo da história, 
a criar uma tipologia específica do delinquente, que acaba favorecendo a criminali-
zação da loucura e patologização do crime. 
Entre os principais autores responsáveis pela construção de uma biotipologia 
do criminoso, pode-se destacar: 
a) Morel (1857): apresentou uma tese sobre degeneração, condição esta 
que engendrava verdadeiros tipos antropológicos desviantes, hereditaria-
mente destinados à uma vida imoral, à alienação e ao crime, ou seja, via de 
regra, apresentavam uma tendência precoce para o “mal”, podendo esta a-
normalidade se manifestar em diferentes formas sintomáticas e com diferen-
tes graus de gravidade; 
b) Lombroso (1870) – antropologia criminal: propõe a existência do criminoso 
nato, que assim como os degenerados de Morel, também não podiam esco-
 
1
 Esse termo refere-se aos médicos que naquela época tratavam as pessoas atualmente denominadas 
portadoras de transtorno mental. Naquele período, estes indivíduos eram considerados como sujeitos à 
parte da sociedade, inclusive de direitos e, portanto, alienados do convívio social, daí o termo ou o nome 
que identificava esses médicos como conhecedores das questões referentes a esse público: alienistas. O 
conto de Machado de Assis com o mesmo nome - “O Alienista” - favorece reflexões interessantes sobre a 
loucura e o modo como os profissionais da área de medicina e saúde, de forma geral, lidavam com essas 
questões e com os indivíduos portadores de transtorno mental. 
Psicologia do Testemunho: prática psicológica utilizada com a finalidade de “testar” a 
fidedignidade do relato do sujeito (testemunha), por meio de instrumentos de análise 
psicológica. Nasceu através da evolução da Psicologia experimental, que desenvolveu 
diversos estudos sobre memória e sensopercepção e com isso acabou chamando o 
interesse dos operadores do Direito. O fenômeno das falsas memórias apresentou 
papel relevante nesse sentido e, ainda hoje, existem profissionais que realizam pesqui-
sas nesse âmbito. 
 
 
 
13 
lher ser honestos, pois o crime fazia parte de sua natureza e era o resultado 
de sua inferioridade biológica. Definiu características físicas relacionadas à 
prática criminal, uma série de sinais e atributos que os identificavam (braços 
excessivamente compridos, maxilares superdesenvolvidos e impulsividade, 
entre outros aspectos); 
c) Garófalo (1878): seguiu os passos de Lombroso, porém orientando sua 
pesquisa para os aspectos da personalidade dos indivíduos que cometiam 
crimes, atribuindo a tendência ao delito a um tipo de anomalia moral, curável 
ou incurável que, nos casos mais graves, privaria seu portador dos senti-
mentos morais mais elementares; 
d) Ferri (1880): atribuiu a criminalidade à existência de diferentes classes so-
ciais, tratando as desigualdades sociais de maneira preconceituosa (KOL-
KER, 2004). Segundo a autora, Ferri dividia as camadas sociais em três ca-
tegorias, os mais elevados (por sua condição orgânica e senso moral) que 
não cometem crimes, daqueles que não nasceram para o delito, mas não 
são completamente honestos, e de uma classe mais baixa, composta por in-
divíduos refratários a todo sentimento de honestidade, porque foram priva-
dos de toda educação e estavam impregnados de miséria material e moral, 
que herdaram de seus antepassados. 
 
Porém, alguns autores mais contemporâneos (BANGER, 1943; MIRA Y LO-
PES, 1950; COHEN, 1996; SEGRE, 1996 apud LEAL, 2008) concluem que não há 
um perfil criminoso e sim uma série de variáveis, circunstâncias e contextos que 
levam o indivíduo a cometer um delito. Conclui-se daí, que as decisões judiciais ba-
seadas em laudos e avaliações psicológicas (psicodiagnósticos) colocaram a Psico-
logia em uma posição de subordinação ao Direito, auxiliando-o a exercer a função 
de controle social dos indivíduos. 
O laudo, informando à instituição judiciária um mapa subjetivo do sujeito di-
agnosticado, servia para melhor classificar e controlar os indivíduos. Dentro desse 
contexto de subordinação, o perito trazia aos autos um laudo com argumentos técni-
cos que esclareciam a “verdade” do fato posto em questão, servindo, portanto, aos 
paradigmas de um Estado intervencionista (controle dos cidadãos). Destaca-se daí, 
a participação da Psicologia na rotulação dos indivíduos, onde o conhecimento psi-
cológico passou a servir ao julgamento e à ação jurídica, transformando-se o laudo 
psicológico em uma sentença psicológica. 
No entanto, estudos revelaram que a maioria dos laudos realizados na área 
criminal eram preconceituosos e estigmatizantes, pois repetiam os preconceitos que 
a sociedade já concebia com relação ao “criminoso”. Tais laudos, ao invés de garan-
tir os seus direitos,favoreciam a segregação e a exclusão dos mais vulneráveis, 
assim como justificavam o controle social dos indivíduos. Diversos autores destacam 
a necessidade do psicólogo se limitar a descrever e analisar os aspectos envolvidos 
na questão, deixando a decisão sobre o julgamento para os operadores do Direito. O 
profissional deve colocar seus conhecimentos à disposição do juiz (que é quem deve 
exercer a função julgadora), trazendo ao processo uma realidade psicológica dos 
agentes envolvidos. 
 França (2004) lança algumas indagações que favorecem aos profissionais 
de Psicologia refletir sobre essas questões: 
 
Deve a Psicologia responder a todas as perguntas que lhe são lançadas? 
É possível fazê-lo? É possível encontrar a verdade jurídica? 
O que é, afinal, a verdade dos fatos? 
 
Miranda Júnior (1998) salienta que, mesmo que algumas teorias e pesquisas 
estatísticas possam estabelecer uma correlação entre certos fenômenos mentais e 
uma tendência à agressão, esta relação nunca é exata. Barros (1997, p.43) destaca 
ainda que: 
 
Se a Psicologia tem como fundamento no campo jurídico oferecer 
a verdade aos outros, sabemos que esta verdade é sempre pelas 
metades, não é possível apreender toda a verdade do sujeito. Im-
possível responder à demanda de dar provas à verdade. Existem 
 
 
14 
certas verdades que determinam a vida do sujeito, mas que são 
inconscientes e dessa forma inapreensíveis. 
 
Para a autora, no campo jurídico os processos se tornam literaturas ficcio-
nais, onde versões distintas tentam provar a sua veracidade: a verdade de cada um 
(“advogados de si mesmo”). Trata-se de um lugar repleto de a/versões, um campo 
imaginário onde o outro é sempre responsável pelo caos deflagrado. Se no contexto 
clínico o profissional de Psicologia se depara com a verdade escondida em cada um 
(resistência do inconsciente), no setting/enquadre pericial, o sujeito não está ali na 
posição de quem fala de si, mas para dizer o que pensa que pode e não falar sobre 
o que acredita que possa lhe prejudicar, a resistência é consciente. 
 
O Sujeito da Psicologia difere do Sujeito do Direito: 
 
Psicologia Direito 
 
Subjetivo, inapreensível, 
governado pelos seus impulsos in-
conscientes, uma possibilidade 
de vir a ser 
 
O mundo do ser 
 
 
Cartesiano, consciente de seus atos, 
governado pela ordem 
pública e a moral instituída 
por um Estado Maior 
 
O mundo do dever ser 
 
O Direito buscava na Psicologia uma precisão sobre o comportamento do 
sujeito, porém o objeto de estudo da Psicologia não se limita ao comportamento ou a 
tendências e impulsos inconscientes, mas sim ao conceito de Subjetividade (defini-
ção encontrada para unificar os diversos objetos de estudo da Psicologia e que am-
pliam a visão de indivíduo. 
 
A subjetividade é a síntese singular e individual que cada um de 
nós vai construindo conforme nos desenvolvemos e vivenciamos 
as experiências da vida social e cultural [...] é o mundo de ideias, 
significados e emoções construído internamente pelo sujeito a 
partir de suas relações sociais, de suas vivências e de sua consti-
tuição biológica; é também, fonte de suas manifestações afetivas 
e comportamentais (BOCK; FURTADO e TEIXEIRA, 1999, p.23). 
 
As diferentes concepções de sujeito não permitem à Psicologia atender as 
demandas jurídicas de maneira objetiva, tornando-se, portanto, contraindicada sua 
subordinação ao Direito. O contraste, entretanto, não aponta o distanciamento entre 
os saberes, ao contrário, evidencia a necessidade de diálogo: 
 
É preciso rever os conceitos e paradigmas para estarmos mais 
próximos de uma posição ética. Caso contrário, a intervenção no 
campo jurídico de conceitos psicológicos operará como um ins-
trumento de alienação e subordinação do sujeito a um discurso 
do mestre, que pretende saber o que é o melhor, a serviço do po-
der (BARROS, 1997, p.44). 
 
Por esse motivo a Psicologia, atuando nesse campo, não busca provas no 
sentido jurídico do termo, mas sim indicadores da situação analisada que nortearão 
a atuação do psicólogo, do advogado, do promotor e do juiz. O objeto de estudo é o 
ser humano, que participa de um conflito de relações e divergências com o outro, 
com a sociedade e, até mesmo, com a lei. Trindade (2004) destaca que a importân-
cia do Direito, na pós-modernidade, é dialogar com outras ciências, ressaltando que 
no momento atual, não há mais espaços para o isolamento das disciplinas: 
 
Um saber individualizado e disciplinário já não encontra vez em 
um mundo marcado pela complexidade e pela globalização. O 
tempo de solidão epistemológica das disciplinas isoladas, cada 
qual no seu mundo e dedicada ao seu objeto próprio, pertence, se 
não a um passado consciente. Pelo menos a um tempo que deve 
urgentemente ser reformado em nome da própria sobrevivência 
da ciência. (TRINDADE, 2004, p.23). 
 
O autor ressalta ainda a necessidade de se modificar a relação de subordi-
nação da Psicologia com o Direito, assinalando que ambos os saberes possuem um 
encontro inevitável: o homem e a necessidade de se buscar o seu bem-estar. Apon-
ta também, três formas de relacionamento possível entre Psicologia e Direito: 
 
 
15 
a) Psicologia do Direito: cujo objetivo seria explicar a essência do fenô-
meno jurídico, a fundamentação psicológica do direito, uma vez que em 
seu entender, estaria ele (o Direito) repleto de conteúdos psicológicos; 
b) Psicologia no Direito: estudaria a estrutura das normas jurídicas en-
quanto estímulos vetores das condutas humanas e; 
c) Psicologia para o Direito: como ciência para auxiliar o direito, convo-
cada a iluminar os fins do Direito. 
 
A Psicologia, de um modo geral, pode permitir ao homem conhe-
cer melhor o mundo, os outros e a si próprio. A Psicologia Jurídi-
ca, em particular, pode auxiliar a compreender o hommo juridi-
cus e a melhorá-lo, mas também compreender as leis e conflitua-
lidades, principalmente as instituições jurídicas, assim como me-
lhorá-las (TRINDADE, 2004, p.28). 
 
No Brasil, as aproximações entre Psicologia e Direito também foram ocor-
rendo sob esse paradigma e, até hoje, os profissionais da área, envolvidos com prá-
ticas jurídicas, se esforçam para alterar essa realidade e modificar esse paradigma. 
As bases iniciais para a prática psicológica no Tribunal de Justiça foram fundadas na 
expectativa de que a equipe técnica deveria apresentar relatório para a pronta deci-
são do caso pelo magistrado, contribuindo para a celeridade das decisões nos pro-
cessos. A concepção dominante de que a Psicologia é uma ciência reconhecida por 
seus instrumentos de avaliação e controle da conduta humana (capaz de prever e 
controlar comportamentos), parece embasar expectativas de que a mesma empreste 
ao exercício do Direito uma eficácia e eficiência desejáveis na resolução de conflitos. 
 
 
O paradigma atual e as novas perspectivas 
 
A perspectiva e o pensamento positivista favoreceram o estudo do indivíduo 
sem considerar os aspectos sócio-históricos que o constituem. O enfoque demasia-
do no diagnóstico do sujeito restringiu o papel do psicólogo apenas à realização da 
perícia, segregando e excluindo o indivíduo. Numa perspectiva atualizada, este pa-
pel profissional começa a ser questionado exigindo-se do psicólogo, em sua relação 
com o indivíduo e a sociedade, uma função mais crítica, abandonando, portanto, a 
posição de quem opera como um sentenciador (pré-julgador) para aquele que se 
preocupa com o desenvolvimento e o crescimento dos indivíduos em sociedade. 
O artigo 4° do §1º parágrafo do Código de Ética Profissional dos Psicólogos - 
CEPP de 1987, anterior ao código vigente (CEPP, 2005), já definia algumas funções 
fundamentais do psicólogo no capítulo “Das Responsabilidades e Relações com 
instituições empregadoras e outras”: 
 
O psicólogo atuará na instituição de forma a promover ações para 
que esta possa se tornar um lugar de crescimento dos indivíduos,mantendo uma posição crítica que garanta o desenvolvimento da 
instituição e da sociedade (CEPP, 1987). 
 
 O código vigente, de 2005, também destaca estas questões nos três primei-
ros princípios fundamentais: 
 
I. O psicólogo baseará o seu trabalho no respeito e na promoção 
da liberdade, da dignidade, da igualdade e da integridade do ser 
humano, apoiado nos valores que embasam a Declaração Uni-
versal dos Direitos Humanos. 
II. O psicólogo trabalhará visando promover a saúde e a qualida-
de de vida das pessoas e das coletividades e contribuirá para a 
eliminação de quaisquer formas de negligência, discriminação, 
exploração, violência, crueldade e opressão. 
III. O psicólogo atuará com responsabilidade social, analisando 
crítica e historicamente a realidade política, econômica, social e 
cultural. 
 
Há, portanto, a necessidade de se repensar o papel do psicólogo no âmbito 
da justiça em um contexto mais amplo e menos restrito à prática da perícia. Na 
perspectiva atual, o psicólogo deixa de servir a um estado intervencionista e passa a 
funcionar como um agente de promoção de saúde, de qualidade de vida e de liber-
dade dos indivíduos, ao invés de exercer o controle social sobre os mesmos. Nessa 
perspectiva, abre-se a possibilidade de realizar orientações e acompanhamentos, 
 
 
16 
contribuir para a construção de políticas preventivas, assim como estudar e compre-
ender os efeitos das ações jurídicas sobre os indivíduos. 
Atualmente, mesmo a questão relacionada à prática de avaliação psicológica 
deixa de ser algo realizado com o intuito de classificar ou controlar o indivíduo, Ri-
cardo Primi (2005, p.19) assim define a avaliação psicológica: 
 
A avaliação é um processo de busca de informações sobre o fun-
cionamento psicológico das pessoas em situações específicas. 
Refere-se à análise e síntese dessas informações à luz dos co-
nhecimentos da psicologia com o propósito último de entender os 
processos psíquicos e sua relação com as situações-problema, 
de forma a planejar ações e intervenções profissionais. O objetivo 
último deste processo é beneficiar as pessoas envolvidas, promo-
ver a saúde e o desenvolvimento psíquico dos indivíduos e, por 
conseguinte, da sociedade. (grifo meu). 
 
De acordo com Fernandes et al. (2005), o trabalho do psicólogo: 
a) não deve ser estigmatizante e tampouco promover controle 
social; 
b) visa a saúde mental, a busca por cidadania e a garantia dos 
direitos fundamentais dos indívíduos; 
c) atua junto às instituições, para que estas se tornem um lugar 
de crescimento dos indivíduos; 
d) contribui para a formulação, revisão e interpretações das leis; 
e) preocupa-se com a promoção do bem-estar dos sujeitos en-
volvidos com queixas jurídicas. 
 
Nesse contexto, pode-se dizer que a Psicologia vai na contramão daquilo 
que normalmente se almeja do judiciário, ou seja, as pessoas buscam uma solução 
mágica e pronta do juiz e o psicólogo atua no sentido de fazê-las buscar esta solu-
ção internamente, questionando os objetivos do processo. Ao oferecer ao judiciário 
elementos de análise sobre a condição particular dos sujeitos envolvidos na deman-
da jurídica, o psicólogo constrói a possibilidade de resgatar o sujeito frente à desper-
sonalização que o processo judicial favorece, humanizando a justiça. Para Barros 
(1997, p.46) “[...] o campo da psicologia jurídica deve ser o de restituir àquele que 
procura a dignidade, de ser autor de sua história”. 
A prática dos psicólogos, no âmbito jurídico, foi inserindo variáveis que de-
monstram a insuficiência da perícia. Popolo (1996 apud FRANÇA, 2004) ressalta a 
importância dos profissionais de reconhecerem a limitação da perícia, pois se trata 
de conhecimento produzido a partir de um recorte da realidade. O conhecimento 
resultante da perícia não representa a compreensão do indivíduo como um todo, no 
entanto, por vezes, esses dados são tratados como a verdade sobre os indivíduos. 
Este modelo, portanto serve aos paradigmas de um estado intervencionista em opo-
sição à concepção de um estado plural, onde as diferenças devem ser respeitadas. 
Sob o novo paradigma, a Psicologia e o Direito interagem e dialogam na ten-
tativa de se compreender as demandas, estendendo o diálogo também, a outros 
saberes como Sociologia e Criminologia, entre outros. Passa-se de uma relação de 
subordinação para uma relação de complementaridade, devendo existir uma inter-
secção de saberes (interdisciplinaridade). Groeninga (2010, p. 22) coaduna com 
esses avanços: 
 
Felizmente assistimos atualmente a uma mudança de paradigmas 
em que ganham espaço as ciências humanas. O paradigma ante-
rior da disjunção entre sujeito/objeto, mente/corpo e objeti-
vo/subjetivo está sendo substituído pelo paradigma da integração. 
Neste sentido nos interessa, sobremaneira, o valor que tem sido 
dado à subjetividade e à intersubjetividade, antes excluídas da 
moldura legal, na qual são interpretados os conflitos. 
 
Desse modo, a situação hierárquica na relação com o juiz não deve implicar 
subalternidade, uma vez que existe autonomia técnica, que permite ao profissional 
sua livre manifestação no caso. A interdisciplinaridade se torna possível quando o 
profissional consegue mostrar sua opinião, do ponto de vista técnico, sem propiciar 
uma disputa de poderes e saberes entre os diversos profissionais. A Psicologia e o 
Direito, sob um novo paradigma, estão caminhando além da interdisciplinaridade, 
numa perspectiva transdisciplinar, uma vez que para os autores, o Direito já não é 
mais o mesmo após a sua intersecção com a Psicologia e outros saberes. 
 
 
17 
 
 
 
A partir daí, surgem novos questionamentos: 
 
Quem é o cliente? 
A instituição que lhe demanda o trabalho ou o sujeito que por algum 
motivo foi inserido no discurso institucional? 
 
Para Miranda Jr. (1998) não se pode reduzir a função da Psicologia à prática 
pericial nos moldes em que é definida legalmente, pois ao se abrir espaço de escuta 
do outro, o psicólogo abre também a possibilidade de emergência do sujeito enquan-
to singularidade na sua relação com a lei: “nosso cliente é o sujeito que atendemos”. 
As informações não devem ser passadas apenas aos juristas, mas também aos 
indivíduos que necessitam de intervenção. Embora o Direito exija respostas imedia-
tas e definitivas - “Art. 339 do Código de Processo Civil (CPC) determina que: “Nin-
guém se exime do dever de colaborar com o Poder Judiciário para o descobrimento 
da verdade.” - o laudo psicológico não pode afirmar com certeza, mas pode, não 
obstante, apontar tendências. O psicólogo deve apenas sugerir medidas e não atri-
buí-las ou aplicá-las, pois isso é competência do juiz. 
A atuação do psicólogo na justiça foi se delineando na direção de um asses-
soramento direto ao Magistrado (relação de subordinação) para a construção de um 
estudo psicossocial. O termo psicossocial reconhece que, questões mediadas no 
judiciário, possuem uma dimensão que é da ordem do social, não se restringindo 
apenas a questões da ordem do psicológico ou psicopatológico, como perícia ou 
avaliação psicológicas. 
 
Perícia Estudo Psicossocial 
 
mais próxima da construção de uma 
classificação, de um 
psicodiagnóstico 
 
 
 
relação de subordinação 
 
 
conotação mais compreensiva 
 e discussiva, possibilitando 
ao psicólogo construir uma 
dimensão interventiva 
em seu trabalho 
 
relação de complementaridade 
 
No Brasil, esse quadro começou a mudar a partir dos anos 80 com a abertu-
ra política, após um longo período de regime militar. A discussão sobre cidadania e 
direitos humanos se intensificou com a votação de uma nova constituição. Nos anos 
90, crianças e adolescentes foram contemplados com uma lei inspirada na Doutrina 
da Proteção Integral, que os reconhece como sujeitos plenos de direitos fundamen-
tais e sociais, devendo-se priorizá-los em decorrência de sua condição de pessoas 
em desenvolvimento. 
A tabela aseguir busca resumir e esclarecer as principais diferenças da atu-
ação da Psicologia sob uma perspectiva clássica de um novo paradigma: 
 
 
Muitas vezes os termos multidisciplinaridade, interdisciplinaridade e trans-
disciplinaridade são apresentados de maneira equivocada ou entendidos como 
sinônimos. Uma distinção entre estes conceitos se faz necessária e auxilia a refletir 
sobre a relação entre Psicologia e Direito numa perspectiva atual: 
 
Multidisciplinaridade: baseia-se na justaposição de disciplinas heterogêneas, que 
trata do estudo de um mesmo objeto, sem haver a necessidade de interação entre 
elas. Pode haver, entretanto, certa organicidade na apresentação dos resultados se 
houver cooperação entre os saberes, uma vez que diversos olhares observando 
uma mesma situação podem favorecer a compreensão do estudo. 
 
Interdisciplinaridade: há troca de informações e conhecimento entre as disciplinas, 
o que amplia o espectro de ações, uma vez que a interação entre as áreas e a con-
junção de conhecimentos são favorecedores do saber. A prática interdisciplinar 
exige uma relação de reciprocidade e mutualidade, assim como uma atitude diferen-
te a ser assumida, deixando de lado a concepção fragmentária do ser humano e 
buscando a horizontalidade das relações. 
 
Transdisciplinaridade: quando duas ou mais ciências se transformam pela influên-
cia de uma sobre a outra proporcionando reflexões que favorecem um reordena-
mento e reorientação de novas ações. 
 
 
18 
Perspectiva Clássica Paradigma Atual 
 
- Avaliação mais voltada aos aspectos clínicos 
(Psicopatologia) 
 
- Exercício prioritariamente voltado à realização 
de perícia 
 
 
- Relação de subordinação às ciências jurídicas 
 
- Diagnóstico psicológico e perícia (sentença 
psicológica) 
 
- Verdade dos fatos 
 
 
- Discurso científico que sustenta o controle 
social 
 
 
- Atenção ao contexto sócio-histórico e dinâmico 
dos indivíduos 
 
- Desenvolve trabalhos de apoio, intervenção, 
mediação, orientação, encaminhamento e pre-
venção 
 
- Relação de complementaridade 
 
 
- Estudo psicossocial 
 
 
- Compreensão dos fatos e escuta do sujeito 
 
- Intervenções que favorecem o crescimento dos 
indivíduos 
 
Numa perspectiva positivista, a Psicologia interage e se coloca em relação 
aos indivíduos e a sociedade no sentido de intervir e controlar, apresentando um 
discurso científico que, ao invés de promover mudanças, classifica e limita os sujei-
tos. Porém, ao longo dos anos, sua relação com esses agentes foi se modificando, 
estabelecendo-se novas funções. O direito, por sua vez, também se modificou e foi 
adotando novos paradigmas. Sanches (2009) aponta a evolução de algumas mani-
festações filosóficas do Direito, iniciando-se com o Jusnaturalismo, passando pelo 
Positivismo até chegar ao Pós-positivismo. 
Em sua revisão sobre o tema, a autora explica que o Jusnaturalismo de-
fende a existência de um Direito Natural, sendo este, àquele que todo homem tem 
pelo simples fato de ter nascido homem. Este direito não se encontraria nas leis, 
mas no interior de cada indivíduo. Tal concepção foi o móvel para a Declaração dos 
Direitos do Homem e do Cidadão, em 1789, porém não se mostrava suficiente para 
explicar porque nem todos os homens podiam usufruir as mesmas prerrogativas, já 
que, conceitualmente, eram “iguais”. A partir do século XIX, sob a influência do posi-
tivismo e a prevalência do conhecimento científico, os operadores passaram a lutar 
para solidificar esse campo do conhecimento, o Direito, como ciência. 
O Positivismo jurídico considerava o Direito como apenas as leis emanadas 
do próprio Estado, mediante a produção intelectual dos homens, separando o Direito 
da Moral e da Justiça. O apego excessivo às leis, sem levar em consideração os 
casos concretos e a conjuntura social
2
 em que foram editados, desprovidos de qual-
quer senso de justiça, fez surgir correntes filosóficas críticas, dando início a um novo 
fenômeno: O Pós-positivismo que, fundamentado nos princípios de justiça, moral e 
equidade, tem a satisfação dos direitos fundamentais e a busca por uma vida digna, 
seus principais pilares de sustentação. 
Para a autora, foram estes movimentos críticos que favoreceram a intersec-
ção do Direito com as demais ciências, incluindo aí, a tão necessária transdisciplina-
ridade entre Psicologia e Direito: 
 
[...] essas duas ciências, Psicologia e Direito, até então comple-
tamente autônomas, revelam-se estreitamente ligadas, pois na 
medida em que o Direito, na sua função de pacificar a sociedade, 
se ocupa das leis formalmente aprovadas, chamadas normas ju-
rídicas, a Psicologia tem seu foco no indivíduo e nas relações in-
trapsíquicas e interrelacionais [...] É impossível, deste modo, ne-
gar a relação de convergência entre elas (SANCHES, 2009, 
p.28). 
 
Trindade (2004) também destaca a necessidade de se abandonar os para-
digmas anteriores e se construir um novo campo de interação entre Psicologia e 
Direito: 
 
[...] parece haver chegado o momento de arrancar a psicologia do 
estatuto restritivo de ciência meramente auxiliar do direito e cons-
tituí-la num ramo do pensamento e da aplicação do direito. Isso 
exige uma tomada de consciência epistêmica, que obriga a cria-
ção de um verdadeiro espaço de interlocução, de transdisplinari-
dade, que não é nem metapsicológico nem metajurídico, mas a 
um só tempo psicojurídico (TRINDADE, 2004, p.27). 
 
 
2
 Os autores que fundaram a antropologia do criminoso (início dos estudos sobre criminologia: Criminolo-
gia Clássica), favorecendo a elaboração de uma biotipologia do crime, tendo através de Lombroso um de 
seus maiores expoentes podem ser entendidos como alguns desses exemplos onde Justiça e Moral, sob 
uma perspectiva científica, se arredavam do Direito. 
 
 
 
19 
 
O papel do psicólogo no campo jurídico 
 
Na perspectiva atual, o papel do psicólogo jurídico passa de um investigador, 
daquele que dá o “pré-veredicto”, para aquele que favorece a construção de uma 
nova realidade social. Neste sentido, perito
3
/técnico é aquele que exerce a crítica, 
que busca alternativas que favoreçam o crescimento dos indivíduos (papel social). 
De acordo com o Conselho Federal de Psicologia: 
 
Essas questões, de cunho interdisciplinar, exigem do profissional 
psicólogo postura crítica perante sua própria atuação. Cabe aos 
profissionais buscar avanços que possam ir além do aperfeiçoa-
mento dos métodos de exame e avaliação das pessoas, direcio-
nando o sentido do trabalho para a consolidação dos direitos hu-
manos e da cidadania. Daí a importância de considerar quais os 
efeitos das ações profissionais além de cada caso atendido. Elas 
podem tanto contribuir para a consolidação de representações e 
práticas sociais, mais ou menos excludentes, quanto podem con-
tribuir para promover uma nova compreensão do agir humano 
(CFP, 2010, p.16). 
 
O psicólogo jurídico deve estar apto para atuar no âmbito da justiça: 
a) considerando a perspectiva psicológica dos fatos jurídicos; 
b) colaborando no planejamento e execução de políticas de cidadania, di-
reitos humanos e prevenção à violência; 
c) fornecer subsídios ao processo judicial; 
d) contribuir para a formulação, revisão e interpretação das leis. 
 
O novo paradigma favorece um olhar mais amplo sobre o indivíduo e a soci-
edade, devendo o profissional encontrar também soluções para os problemas. Isso 
não significa que ele deva se abdicar da função de avaliar, afinal, a testagem e a 
avaliação constituem uma prática necessária e importante, mas não a única. A ela-
 
3
 Perito, do latim peritus, significa experimentar, saber por experiência, é uma pessoa que pelos conheci-
mentos especiais que possui, geralmente de natureza científica, técnica ou artística, colhe percepções ou 
emite informações ao juiz, colaborando na formação do material probatório àconvicção decisória. 
boração de relatórios ao Magistrado constitui uma parte notável do trabalho do psi-
cólogo, no entanto, o profissional deve estar atento para não relatar hipóteses diag-
nósticas que: 
- possam não ser confirmadas na avaliação com o clínico; 
- possam expor a clientela a estigmatizações indevidas; 
- nada colaborem para o deslinde jurídico do caso, podendo acirrar ainda 
mais os conflitos. 
 
A avaliação pode partir de supostos clínicos, mas o fazer se dá em outra ins-
tituição. A clareza desse lugar específico é essencial para que se possa intervir. No 
Foro não se faz psicoterapia e o trabalho do psicólogo assume matizes jurídicos, 
localizado numa instituição e num discurso normativos e corretivos. No âmbito jurídi-
co, o psicólogo atua como intermediário entre o sujeito (partes ou usuários) e o des-
tinatário dessas informações (autoridade judiciária). Seu compromisso é com a ci-
dadania e os deveres, diferente do enquadre clínico, onde o psicólogo (terapeuta) 
assume o compromisso com o seu cliente (sujeito), no sentido de auxiliá-lo a desen-
volver autonomia e responsabilidade. 
Os autores destacam ainda a distinção no tipo de relacionamento que se es-
tabelece nesses dois campos, onde o contexto judiciário se difere do contexto clínico 
por não se pautar em uma relação de confiança, mas permeado pelo poder que re-
presenta a instituição judiciária. Desta forma, a informação produzida pelo técnico 
deve ser comunicada de forma clara ao destinatário (autoridade judicial), o que pode 
gerar uma crise de identidade profissional, assim como remeter a problemas éticos, 
uma vez que a informação registrada ingressará em um curso processual, sujeito a 
vicissitudes de toda espécie e saindo do controle do psicólogo. 
 
É interessante que possamos como profissionais da área psi, 
quer seja como psicólogos do Judiciário ou pesquisadores, nos 
interrogar sobre nossas práticas, recusando-nos a assumir ape-
nas o lugar de um técnico, de um agente solucionador de proble-
mas imediatos. É importante que possamos nos colocar como 
problematizadores das articulações coletivas, que contemplem as 
diferentes instituições que atravessam o tecido social, o Judiciário 
 
 
20 
e a nós próprios. Ou seja, que possamos entender a Psicologia 
como uma prática política, uma ferramenta de intervenção social 
e nós, como sujeitos comprometidos. (COIMBRA; AYRES e 
NASCIMENTO, 2008 apud CFP, 2010, p. 27). 
 
A Psicologia se insere no campo jurídico em diversos eixos: 
 
Questões de Infância e Juventude: adoção, crianças e adolescentes em 
situação de risco, intervenção junto às crianças abrigadas, infração e medi-
das sócio-educativas, destituição do poder familiar, cadastro de pretendentes 
à adoção; 
 
Direito de Família: disputa de guarda, regulamentação de visitas, modifica-
ção de guarda; 
 
Direito do Trabalho: acidentes de trabalho, indenizações; 
 
Direito Penal (fase processual): insanidade mental, crime e delinqüência; 
 
Direito Penal (fase de execução): Psicologia Penitenciária – penas alterna-
tivas, intervenções junto aos reclusos, egressos, trabalho com agentes de 
segurança; 
 
Psicologia Policial e das forças Armadas: seleção e formação da polícia 
civil e militar, atendimento psicológico; 
 
Mediação: nas questões referentes ao Direito de Família e Penal; 
 
Vitimologia: atenção à vítima e seus familiares, criação de medidas e pro-
gramas de prevenção; 
 
Outras: formação e atendimento aos juízes e promotores; 
autopsia psicológica. 
 
 
Para maiores informações sobre este tópico consulte: 
ALTOÉ, S. Atualidade da Psicologia Jurídica. Revista de Pesquisadores da Psicologia 
no Brasil (UFRJ, UFMG, UFJF, UFF, UERJ, UNIRIO), Juiz de Fora, Ano 1, nº2, jul-dez. 
2001. Disponível em: <http://www.estig.ipbeja.pt/~ac_direito/psicologia_ juridica.pdf>. 
Acesso em: 20 jul. 2010. 
COSTA, L. F.; PENSO, M. A.; LEGNANI, V. N.; SUDBRACK, M. F. O. As competências 
da psicologia jurídica na avaliação psicossocial de famílias em conflito. Psicologia e So-
ciedade, Florianópolis, vol.21, n.2, p. 233-241. 2009. Disponível em: 
<http://www.scielo.br/pdf/psoc/v21n2/v21n2a10.pdf>. Acesso em: 20 jul. 2010. 
FRANÇA, F. Reflexões sobre a Psicologia Jurídica e seu Panorama no Brasil. Psicologi-
a: Teoria e Prática. São Paulo. 6 (1): p. 73-80. 2004. Disponível em: 
<http://www3.mackenzie.br/editora/index.php/ptp/article/viewFile/1200/896>. Acesso em: 
20 set.2011. 
 
 
 
 
 
 
 
21 
A PSICOLOGIA E O DIREITO PENAL 
 
 
Crime e Criminologia 
 
Conforme fora observado anteriormente, o Direito tem como objeto de estu-
do não a conduta humana, mas sim a fixação de um padrão de conduta. As normas 
jurídicas visam garantir a harmonia entre os membros de uma determinada socieda-
de, entretanto, não são suficientes para inibir, asseguradamente, os comportamen-
tos indesejáveis, para os autores utilizados nesta revisão, o crime é considerado um 
problema da sociedade, nasce da sociedade e nela deve encontrar fórmulas de so-
lução positiva: vítima e delinqüente são membros ativos da sociedade. 
O enfoque do Direito (Penal), nas aproximações iniciais entre Psicologia e 
Direito, levou os estudiosos da época a dar menos ênfase à investigação do ato 
criminoso e a explorar com maior intensidade àquele que comete o crime, funda-se, 
a partir daí, a Criminologia (estudo dos aspectos psicológicos do criminoso). A gran-
de questão colocada refere-se à busca, análise e discussão das “causas” do com-
portamento criminoso e dos motivos pelos quais as pessoas cometem crimes. 
 
[...] conclui que tudo se resumia em um problema especial de 
conduta, que é a expressão imediata e direta da personalidade. 
Assim, antes do crime, é o criminoso o ponto fundamental da cri-
minologia (MACEDO, 1977, p.16, apud LEAL, 2008). 
 
Kolker (2004) e Carvalho (2004) realizaram uma revisão sobre o tema apon-
tando alguns autores que, ao longo de suas investigações, desenvolveram uma teo-
ria crítica sobre a criminalidade, entre eles são citados: Michel Foucault, com suas 
obras: Microfísica do poder (1992); Vigiar e Punir: história da violência nas prisões 
(1993) e A verdade e as formas jurídicas (1996) e Robert Castel com a obra: A or-
dem psiquiátrica: a idade de ouro do alienismo (1978). Segundo estes autores, as 
formas punitivas (justiça retributiva) sempre foram adotadas de maneira relacionada 
ao modelo econômico vigente, em geral, respondendo à necessidade de formação, 
aproveitamento e/ou controle de mão de obra pouco qualificada, ou como instrumen-
to para a gestão das classes consideradas perigosas por sua pobreza ou marginali-
dade e não por sua criminalidade. 
A punição tornou-se, desta forma, uma estratégia política para controlar as 
classes trabalhadoras. Nos períodos em que a mão de obra era escassa, os presos 
eram obrigados a trabalhar; mendigos, vagabundos e delinquentes passam a ser 
considerados riscos para a sociedade, uma vez que poderiam se tornar “indepen-
dentes” e, assim, recusar o trabalho. Surge daí, a necessidade de se criar novas leis 
para coagir o povo a aceitá-las e punir a recusa ao trabalho. Esta estratégia obrigava 
os inativos a se empregarem por qualquer valor no mercado de trabalho, fazendo 
com que os salários caíssem. 
Na atualidade o confinamento destes indivíduos torna-se uma alternativa à 
falta de emprego, uma maneira de utilizar ou neutralizar uma parcela considerável 
da população, o que abre grande perspectiva para a inserção no tráfico de drogas. 
Se por um lado as populações miseráveis crescem, por outro, as riquezas se multi-
plicam na mão de alguns poucos, o que gera a necessidade de aperfeiçoar os ins-
trumentos de controle social: necessidade de segurança (polícia). Enquanto na soci-
edade feudal monárquica a principal forma de gerir os homens era a punição (pela 
via da legislação penal, através do suplício e da pena capital), na passagem para o 
capitalismo liberalnasce uma nova forma de controlar os indivíduos: 
 - a vigilância individual, perpétua e ininterrupta. 
- tecnologia da disciplina, colocada em prática nas escolas, nos conventos, 
nas fábricas e nos hospitais, entre outros. 
Essas estratégias transformam as multidões confusas e perigosas em uma 
multiplicidade organizada e manipulável, onde a punição dos criminosos deixa de ser 
uma prerrogativa do rei para se tornar um direito da sociedade. A punição deixa de 
ter a função de apenas castigar os prejuízos do crime e passa a se preocupar, prin-
cipalmente, em inibir a sua possível repetição. Mais do que o ato em si, o criminoso 
passa a ser considerado aquele que rompe com o pacto social; ao invés de ofensa 
 
 
22 
ou dano, que conotam ataque à vítima, surge a noção de infração, que se refere ao 
ataque ao próprio Estado, à lei e à sociedade de maneira geral. 
As prisões que até então não eram vistas como uma punição em si, servindo 
apenas ao propósito de manter sob guarda (evitando a fuga de alguém que se que-
ria punir por outros meios), tornam-se o lugar de punição por excelência, que permiti-
rá punir e, ao mesmo tempo, isolar, vigiar, controlar, conhecer e corrigir esses indiví-
duos. Como o enfoque principal deixa de ser o ato criminoso e sim aquele que co-
meteu o crime, as prisões transformam o infrator em delinquente. Mais do que corri-
gi-los, essas instituições irão marcá-los para sempre pela infâmia, segregando-os 
cada vez mais do convívio social. O estudo biográfico do sentenciado se torna im-
portante na história da penalidade, porque faz existir o “criminoso” antes do crime. 
A criminologia, nesse período inicial (causalística
4
), visa, portanto estudar e 
compreender a natureza do delinquente, tentando inclusive tipificá-lo, o que acentua 
ainda mais a segregação e reforça o controle social dos indivíduos. Nasce então a 
noção de periculosidade e, a partir de agora, o juiz não julga mais sozinho. Os posi-
tivistas, corrente predominante na época e que, até hoje apresenta resquícios nos 
mais diversos campos das ciências, inclusive no Direito, propunham que para orien-
tar a boa aplicação da pena, as sanções deveriam ser individualizadas e uma nova 
modalidade de técnicos deveria ser chamada ao tribunal para examinar o criminoso 
e avaliá-lo segundo o tipo de crime cometido. 
Como se viu anteriormente, com o nascimento da perícia, a prisão tornou-se 
um local onde se é possível construir um novo saber sobre o criminoso. Adquire 
assim, o poder de definir se novas punições deverão ser acrescidas, avaliando se o 
indivíduo se comporta ou não, se está ou não progredindo. O trabalho do psicólogo, 
 
4
 Uma compreensão mais abrangente sobre a ciência criminológica permite verificar que essa corrente 
não é a única existente, ao longo do tempo, o pensamento criminológico foi evoluindo de uma concepção 
que enfoca principalmente as causas do comportamento criminoso (Criminologia Causalística), passando 
por uma abordagem que avalia outros fatores (Criminologia multifatorial) e por uma corrente que critica as 
anteriores (Criminologia Crítica) questionando o modo pelo qual a sociedade lida com o indivíduo que 
comete um crime. Esta corrente, ao contrário das anteriores, enfatiza e explora as condições que favore-
cem a ocorrência da criminalidade e não o indivíduo em si, envolvido nessas práticas. 
nessas instituições, torna-se quase que predominantemente voltado à realização de 
perícia e à formulação de diagnósticos. 
No Direito Penal, a Lei nº. 7.210/84 (LEP – Lei de Execuções Penais), modi-
ficada pela redação dada pela Lei nº 10.792, de 1º.12.2003 determina que: 
 
Art. 6º - A classificação será feita por Comissão Técnica de Clas-
sificação que elaborará o programa individualizador e acompa-
nhará a execução das penas privativas de liberdade e restritivas 
de direitos, devendo propor, à autoridade competente, as pro-
gressões e regressões dos regimes, bem como as conversões. 
Art. 6º - A classificação será feita por Comissão Técnica de Clas-
sificação que elaborará o programa individualizador da pena pri-
vativa de liberdade adequada ao condenado ou preso provisório. 
(Redação dada pela Lei nº 10.792, de 1º.12.2003). 
Art. 7º - A Comissão Técnica de Classificação, existente em cada 
estabelecimento, será presidida pelo diretor e composta, no mí-
nimo, por 2 (dois) chefes de serviço, 1 (um) psiquiatra, 1 (um) psi-
cólogo e 1 (um) assistente social, quando se tratar de condenado 
à pena privativa de liberdade. 
 
É possível perceber que a mudança na redação do artigo 6° se mostra mais 
próxima da perspectiva atual, diferente da redação anterior onde, além de elaborar 
um programa individualizador aos sentenciados, os profissionais que compõe a Co-
missão Técnica de Classificação deveriam “propor” um formato que mais se parece 
com outra “audiência” ou “pré-julgamento”. O próprio nome Comissão Técnica de 
Classificação se mostra controvertido, uma vez que essa denominação está mais 
voltada para o controle dos indivíduos do que à promoção de condições que favore-
çam o desenvolvimento psicossocial dos sentenciados. 
Vê-se, portanto, que Inicialmente a ação da Psicologia se limitava a averi-
guação dos indivíduos, quando eram aplicados os denominados Exames de Verifi-
cação de Cessação de Periculosidade (EVCP) , onde as progressões e regressões 
das penas eram avaliadas. Sob uma nova perspectiva, associada à Criminologia 
Crítica, entende-se que o crime não deve mais ser observado apenas sob o prisma 
daquele que o comete, mas compreender também as relações entre esse indivíduo 
e a sociedade na qual ele se insere. Para Baratta (1990, apud Sá et al., 2002) os 
 
 
23 
efeitos da prisionização
5
 são prejudiciais ao indivíduo, estes, segundo o autor, so-
frem marginalização e consequente rejeição por parte da sociedade (marginalização 
primária). 
A partir da sua detenção, sofrem a segunda marginalização, quando o Esta-
do concretiza o antagonismo entre o condenado e a sociedade. Em sua visão, co-
munidade e presídio fazem parte de uma mesma unidade, que precisam superar as 
suas diferenças voltando a integrar-se. O autor, portanto, defende a reintegração 
social desses indivíduos marginalizados. Na perspectiva atual, o campo de atuação 
se expande para o estudo sobre os reeducandos, intervenção sobre a população 
carcerária, penas alternativas e trabalho com agentes de segurança, além de estu-
dos sobre o crime. 
 
Agressividade e Violência 
 
Não há como dissociar a delinqüência da violência, pois todo ato de delinqüir 
contém uma expressão dela, ainda que indolor do ponto de vista físico, invisível e 
simbólica. A maior parte das ações destinadas a conter a violência também contem-
pla manifestações do mesmo tipo. Além da violência física, mais perceptível, existe a 
violência contra a ética e contra a moral que embora não ocasione fraturas em pes-
soas, provoca rupturas na frágil „epiderme de crenças‟, valores e fundamentos da 
convivência social: a violência física é o resultado indesejado da violência contra a 
ética e contra a moral: 
 
O fato de a violência contra a ética e contra a moral ocupar um 
espaço secundário nas preocupações dos gestores maiores da 
sociedade tem reflexos sociais e psicológicos que merecem pro-
funda reflexão e, não apenas isso, ações objetivas (FIORELLI e 
MANGINI, 2009, p. 265). 
 
 
5
 É considerado um processo que ocorre em um determinado espaço de tempo e gera mudanças, haven-
do aculturação do indivíduo com a adoção dos costumes, hábitos e usos de um grupo social com o qual 
se vive, exigindo, inevitavelmente, na “perda” ou “acomodação” da própria identidade (SÁ et al., 2002). 
Embora agressividade e violência, na maioria das vezes, sejam utilizadas 
como sinônimos é importante fazer algumas considerações: a agressividade traz em 
si algo de força combativa,

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