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As funções biológicas têm variações indispensáveis à vida; a medição dos marcadores destas funções evidencia estas variações. Esta variabilidade, que está integrada em complexas conexões nos núcleos profundos do cérebro, é indispensável à manutenção da vida; sabemos que a deteção de ausência de variabilidade da frequência car- díaca (FC), da pressão arterial (PA) e da frequência respi- ratória é um sinal de morte iminente. A variabilidade da pressão arterial ocorre por inúmeros fatores, de que são exemplos a variabilidade da respiração e da frequência cardíaca, o comportamento do baroreflexo, os fenómenos oscilatórios com origem no sistema nervoso central, a variabilidade vasomotora local, com origem muito variada, o espessamento das paredes arteriais, entre mui- tos outros. Os nossos ancestrais teriam elevação da pressão arte- rial, da frequência cardíaca, da frequência respiratória, durante uma caçada ou durante o ato sexual. No dia a dia da sociedade atual, tudo se passa de forma menos pouco clara. Para nos centrarmos na Europa apenas, não fazemos ideia da variabilidade das funções vitais em cidadãos jovens e idosos, na bacia do mediterrâneo, na Europa cen- tral, nos nórdicos ou no leste. Parece então sensato utilizar os seguintes dados como base: - A PA varia, logo a sua avaliação em termos de esta- belecer um diagnóstico, iniciar uma terapêutica, avaliar os resultados da terapêutica, tem de ser feita repetidamente, de forma rigorosa, ao longo das 24 horas e em períodos de stress e de repouso. Como fazê-lo em fase de conten- ção de meios, é um desafio interessante. Não pretende- mos sub-estimar o valor da MAPA nas suas indicações pre- cisas (1-3). - A associação entre a elevação da PA sistólica e o risco de AVC parece consistente (2,3). Há que estar atento ao grau de elevação da PA que ocorre «em picos» nos nossos uten- tes que, frequentemente, necessitam de medicação por este motivo. - O grau de disautonomia presente nas sociedades antes mencionadas não está estudado como tal, mas inú- meros factos apontam para a sua presença, quer sob a forma de síndromes mais ou menos bem definidas, quer como factos do quotidiano: síndrome de fadiga crónica, síncope postural, entre outros (4,5) Assim, teremos sempre de considerar o papel do sistema nervoso autónomo (SNA) no tratamento da hipertensão arterial (HTA), apesar de os bloqueadores adrenérgicos considerados em geral hoje-em-dia parecerem não ser fármacos de 1.ª escolha (a não ser em indicações formais). O conhecimento de que tratar eficazmente a HTA reduz os eventos cardiovasculares fez cinquenta anos em 2010. Todos sabemos desde há muito que a pressão arte- rial é um parâmetro com grande variabilidade, que essa variabilidade se relaciona com inúmeros fatores e tem Recebido para publicação: Abril de 2012 Aceite para publicação: Abril de 2012 Fátima Ceia Médica, especialista em Medicina Interna, professora associada convidada da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa. Hospital de S. Francisco Xavier, Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental Variabilidade da Pressão Arterial: Um novo desafio 24 efeitos adversos evidentes. Curiosamente, a variabilidade da pressão arterial (VPA) tem sido muito pouco estudada (2,6), talvez porque a metodologia rigorosa para o seu estudo seja extremamente complexa. Alguns dados recen- tes vieram lançar uma explosão de interesse neste tema. O comentário de DL Clement no E-Journal do ESC Council on Clinical Practice (3) é muito interessante e coloca de forma muito clara as principais questões e dúvidas nesta área, devendo ser complementada a sua leitura pelo artigo de Mancia e pelo editorial de Kraskoff (2,6). Destacamos os seguintes pontos: 1. Deve a VPA entrar na definição de HTA? Persistem várias dúvidas: - Que grau de variabilidade deve ser considerado pato- lógico? Deve ser considerada a % de variação em função dos valores basais? E em que doentes? Sabemos, por exemplo, que a VPA aumenta com a idade, em parte devido ao espessamento das paredes arteriais. - Existe alguma relação entre a VPA e a função auto- nómica? De notar que não parece existir relação entre a VPA e a variabilidade da frequência cardíaca. 2. Qual o impacto prognóstico da VPA? Existem estudos que demonstram um maior risco de eventos cardiovascu- lares (CV) e de AVC nos doentes com maior VPA, tenham ou não patologia de base Deverá a HTA ser classificada incluindo a VPA? A ser assim, serão alterados a classificação do risco e a avalia- ção do prognóstico e vai ser influenciada a decisão tera- pêutica farmacológica. 3. Atualmente, parece existir evidência de que modu- ladores dos canais do cálcio poderão reduzir mais o risco de AVC e também a VPA (4), o mesmo sucedendo com IECA e ARA II, em comparação com bloqueadores adrenérgicos, que aumentam a VPA. Este fato não está explicado e são necessários mais estudos para o comprovar. Em suma, para o clínico prático, é preciso não esquecer: 1. Não é suficiente que o nosso doente tenha quase todas as medições de consulta em valores “aceitáveis”, porque não sabemos o que sucedeu em todo o outro tempo. Devemos obter o máximo de medições. 2. O que explica as variações da PA? Muitos fatores podem estar em causa (Quadro 1). 25 Revista Factores de Risco, Nº27 OUT-DEZ 2012 Pág. 24-26 Quadro I Fatores responsáveis pela variabilidade da pressão arterial * «Um alerta muito especial para a hipotensão postural do idoso, que é muito frequente e pode determinar riscos adicionais e agravamento do prognóstico.» Relacionados com a terapêutica • Horário das tomas versus horário da consulta • Má aderência à terapêutica Má aderência às medidas não farmacológicas Dificuldade em compreender a necessidade de tratar uma situação assintomática Má aderência à terapêutica farmacológica Terapêutica farmacológica muito complexa Efeitos adversos dos fármacos Dificuldades económicas na aquisição dos fármacos Fatores sociais • Fatores ambientais, sociais Instabilidade social Variabilidade de adaptação à instabilidade social Perda ou instabilidade laboral Instabilidade na família e/ou no local de trabalho Fatores individuais Variabilidade de adaptação dos sistemas neurohormonais Consumo variável de álcool, substâncias ilícitas, estimulantes * Admitmos que, no consutório, a PA é medida sempre no mesmo horário, com as condições de ambiente adequadas, com equipamento testado, na mesma posição, segundo as normas obrigatórias (1). Do plano terapêutico fazem parte encontrar esses fato- res e tentar dar-lhes solução, a par da adaptação da tera- pêutica farmacológica. 2. Como avaliar a VPA? A avaliação na consulta tem condicionantes bem conhecidas. Mas é preciso não esquecer, para além do fator «HTA da bata branca», outros como a relação entre a hora da toma da medicação e a avaliação da PA, ou as alterações à aderência à terapêutica (o doente tomou a prescrição porque vinha à consulta, ou então não tomou, por exemplo, o diurético, exatamente por esse motivo…). Devem ser obtidas na consulta várias medições, o máximo possível. A MAPA é importante, por nos mostrar a PA média nas 24 horas, bem como eventuais picos tensionais, por vezes sendo explícita a sua relação com eventos da vida do observado, e ainda por nos mostrar se há ou não descida da PA durante a noite. Mas a MAPA não pode mostrar variações em períodos de tempo menores que 15 minutos e as oscilações da PA ocorrem em períodos de tempo muito menores. 3. No que se refere à terapêutica farmacológica, parece existir alguma evidência de que os moduladores dos canais do cálcio não taquicardizantes sejam os fárma- cos de 1.ª linha, em associação eventualmente com IECA ou ARA II, se indicação específica (melhor controlo da PA, insuficiência cardíaca (IC) com fração de ejeção preser- vada, diabetes mellitus, doença renal).Não esquecer que, nos doentes com IC com fração de ejeção diminuída, os moduladores dos canais do cálcio aprovados são a amlo- dipina e a felodipina. Um alerta muito especial para a hipotensão postural do idoso, que é muito frequente e pode determinar riscos adicionais e agravamento do prognóstico (7). A determina- ção da PA no idoso é obrigatoriamente sempre feita em decúbito e de pé. 4. Alguns estudos demonstraram que a variabilidade da PA consulta-a-consulta com períodos de descompensa- ção frequentes é indicador de mau prognóstico CV. Este facto tem de ser um sinal de alerta importante para os clí- nicos, que deverão insistir na busca dos fatores de des- compensação e na sua abordagem. De qualquer forma, são ainda necessários muitos estu- dos corretamente delineados para responder a estes várias questões, pelo que temos de nos manter continua- mente atentos e atualizados. Fátima Ceia Referências Bibliográficas 1. O'Brien E, Atkins N, Stergiou G, Karpettas N, Parati G, Asmar R, Imai Y, Wang J Mengden T, Shennan A; Working Group on Blood Pressure Monitoring of theEuropean Society of Hypertension. European Society of Hypertension International Protocol revision 2010 for the validation of blood pressure measuring devices in adults. Blood Press Monit. 2010;15 :23-38. 2. Mancia G. Short- and long-term blood pressure variability. Present and future. Hypertension 2012; 60: 512-17. 3. Clement DL. Blodd pressure variability in a new life. E-Jounal of the ESC Council for Cardiology Practice 2012; 19, artigo nº 38. 4. Mancia G, Laurent S, Agabiti-Rosei E, Ambrosioni E, Burnier M, Caulfield MJ, Cifkova R, Clément D, Coca A, Dominiczak A, Erdine S, Fagard R, Farsang C, Grassi G, Haller H, Heagerty A, Kjeldsen SE, Kiowski W, Mallion JM, Manolis A, Narkiewicz K, Nilsson P, Olsen MH, Rahn KH, Redon J, Rodicio J, Ruilope L, Schmieder RE, Struijker-Boudier HA, van Zwieten PA, Viigimaa M, Zanchetti Reappraisal of European guidelines on hypertension management: a European Society of Hypertension Task Force document. J Hypertens. 2009; 27 :2121-58. 5. Frith J, Zalewski P, Klawe JJ, Pairman J, Bitner A, Tafil-Klawe M, Newton, JL. Impaired bloodpressure variability in chronic fatigue syndrome: a potential biomarker. QJM 2012; 104: 831-8. 6. Hyam JA, Kringelbach ML, Silburn PA, Aziz TZ, Green AL The autonomic effects of deep brain stimulation-a therapeutic opportunity. Nat Rev Neurol. 2012; 8: 391-400. doi: 10.1038 /nrneurol.2012.100. 7. Krakoff LR. Fluctuation: Does blood pressure variability matter? Circulation 2012; 126: 525-6. 8. Aronow WS, Banach M. Ten most important things to learn from the ACCF/AHA 2011 expert consensus document on hypertension in the elderly. Blood Press 2012: 1; 3-5. doi: 10.3109/08037051.2011.615902. Epub 2011 Oct 13. 26 Variabilidade da Pressão Arterial: Um novo desafio
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