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ANAIS DA XX CONFERÊNCIA NACIONAL DOS ADVOGADOS Estado Democrático de Direito X Estado Policial Dilemas e Desafios em duas Décadas da Constituição Volume 2 Natal – Rio Grande do Norte De 11 a 15 de novembro de 2008 Ordem dos Advogados do Brasil - Conselho Federal Gestão 2007/2010 Diretoria Cezar Britto : Presidente Vladimir Rossi Lourenço : Vice-Presidente Cléa Carpi da Rocha : Secretária-Geral Alberto Zacharias Toron : Secretário-Geral Adjunto Ophir Cavalcante Junior : Diretor-Tesoureiro Conselheiros Federais AC: Cesar Augusto Baptista de Carvalho, Renato Castelo de Oliveira e Tito Costa de Oliveira; AL: Marcelo Henrique Brabo Magalhães, Marilma Torres Gouveia de Oliveira e Romany Roland Cansanção Mota; AP: Cícero Borges Bordalo, Guaracy da Silva Freitas e Jorge José Anaice da Silva; AM: Eloi Pinto de Andrade, José Alfredo Ferreira de Andrade e Oldeney Sá Valente; BA: Durval Julio Ramos Neto, Luiz Viana Queiroz e Marcelo Cintra Zarif; CE: Jorge Hélio Chaves de Oliveira, Paulo Napoleão Gonçalves Quezado e Valmir Pontes Filho; DF: Esdras Dantas de Souza, Luiz Filipe Ribeiro Coelho e Marcelo Henriques Ribeiro de Oliveira; ES: Agesandro da Costa Pereira, Gladys Jouffroy Bitran e Luiz Antonio de Souza Basílio; GO: Daylton Anchieta Silveira, Felicíssimo Sena e Wanderli Fernandes de Sousa; MA: José Brito de Souza, Raimundo Ferreira Marques e Ulisses César Martins de Souza; MT: Almino Afonso Fernandes, Francisco Eduardo Torres Esgaib e Ussiel Tavares da Silva Filho; MS: Geraldo Escobar Pinheiro, Lúcio Flávio Joichi Sunakozawa e Vladimir Rossi Lourenço; MG: Aristoteles Atheniense, João Henrique Café de Souza Novais e Paulo Roberto de Gouvêa Medina; PA: Frederico Coelho de Souza, Maria Avelina Imbiriba Hesketh e Ophir Cavalcante Junior; PB: Delosmar Domingos de Mendonça Junior, José Araújo Agra e José Edísio Simões Souto; PR: Jacinto Nelson de Miranda Coutinho, Manoel Antonio de Oliveira Franco e Romeu Felipe Bacellar Filho; PE: Octavio de Oliveira Lobo, Ricardo do Nascimento Correia de Carvalho e Sílvio Neves Baptista; PI: Marcus Vinicius Furtado Coelho, Reginaldo Santos Furtado e Willian Guimarães Santos de Carvalho; RJ: Carlos Roberto Siqueira Castro, Cláudio Pereira de Souza Neto e Nelio Roberto Seidl Machado; RN: Adilson Gurgel de Castro, Wagner Soares Ribeiro de Amorim e Sérgio Eduardo da Costa Freire; RS: Cléa Carpi da Rocha, Luiz Carlos Levenzon e Luiz Carlos Lopes Madeira; RO: Gilberto Piselo do Nascimento, Orestes Muniz Filho e Pedro Origa Neto; RR: Alexander Ladislau Menezes, Ednaldo Gomes Vidal e Francisco das Chagas Batista; SC: Anacleto Canan, Gisela Gondin Ramos e José Geraldo Ramos Virmond; SP: Alberto Zacharias Toron, Norberto Moreira da Silva e Raimundo Hermes Barbosa; SE: Carlos Augusto Monteiro Nascimento, Jorge Aurélio Silva e Miguel Eduardo Britto Aragão; TO: Dearley Kühn, Júlio Solimar Rosa Cavalcanti e Manoel Bonfim Furtado Correia. Ex-Presidentes 1. Levi Carneiro (1933/1938) 2. Fernando de Melo Viana (1938/1944) 3. Raul Fernandes (1944/1948) 4. Augusto Pinto Lima (1948) 5. Odilon de Andrade (1948/1950) 6. Haroldo Valladão (1950/1952) 7. Attílio Viváqua (1952/1954) 8. Miguel Seabra Fagundes (1954/1956) 9. Nehemias Gueiros (1956/1958) 10. Alcino de Paula Salazar (1958/1960) 11. José Eduardo do P. Kelly (1960/1962) 12. Carlos Povina Cavalcanti (1962/1965) 13. Themístocles M. Ferreira (1965) 14. Alberto Barreto de Melo (1965/1967) 15. Samuel Vital Duarte (1967/1969) 16. *Laudo de Almeida Camargo (1969/1971) 17. *José Cavalcanti Neves (1971/1973) 18. José Ribeiro de Castro Filho (1973/1975) 19. Caio Mário da Silva Pereira (1975/1977) 20. Raymundo Faoro (1977/1979) 21. *Eduardo Seabra Fagundes (1979/1981) 22. *J. Bernardo Cabral (1981/1983) 23. *Mário Sérgio Duarte Garcia (1983/1985) 24. *Hermann Assis Baeta (1985/1987) 25. *Márcio Thomaz Bastos (1987/1989) 26. *Ophir Filgueiras Cavalcante (1989/1991) 27. *Marcello Lavenère Machado (1991/1993) 28. *José Roberto Batochio (1993/1995) 29. *Ernando Uchoa Lima (1995/1998) 30. *Reginaldo Oscar de Castro (1998/2001) 31. *Rubens Approbato Machado (2001/2004) 32. *Roberto Antonio Busato (2004/2007). *Membros Honorários Vitalícios ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL CONSELHO FEDERAL ANAIS DA XX CONFERÊNCIA NACIONAL DOS ADVOGADOS Estado Democrático de Direito X Estado Policial Dilemas e Desafios em duas Décadas da Constituição Volume 2 Natal – Rio Grande do Norte De 11 a 15 de novembro de 2008 Brasília / 2009 © Ordem dos Advogados do Brasil Conselho Federal, 2009 Editoração e distribuição: Gerência de Relações Externas Setor de Autarquia Sul - Quadra 5, Lote 2, Bloco N, Sobreloja Brasília, DF CEP 70.070-438 Fones: (61) 2193-9663 e 2193-9605 Fax: (61) 2193-9632 e-mail: biblioteca@oab.org.br Tiragem: 1.000 exemplares impressos / 2.000 exemplares em mídia eletrônica Coordenação: Aline Machado Costa Timm Capa: Susele Bezerra de Miranda Fotos: Eugenio Novaes FICHA CATALOGRÁFICA Conferência Nacional dos Advogados (20.: 2008 : Natal, RN) C748a Anais da Conferência Nacional dos Advogados do Brasil: Estado Democrático de Direito X Estado Policial – Dilemas e Desafios em duas Décadas de Constituição, Natal, 11 a 15 de novembro de 2008 / coordenação Aline Machado Costa Timm. - Brasília : OAB, Conselho Federal, 2009. 2 v. ; il. ISSN 2175-5752 1. Advogado – Congresso - Brasil. 2. Estado Democrático de Direito. 3. Estado Policial. I. Timm, Aline Machado Costa. II. Ordem dos Advogados do Brasil. Conselho Federal. III.Título. CDDDir: 341.41504 Suzana Dias da Silva – CRB1/1964 SUMÁRIO VOLUME 1 Apresentação Cezar Britto...................................................................................................................27 Biografia do Patrono Nacional Miguel Seabra Fagundes (in memorian)......................................................................28 Biografia do Patrono Local Francisco Ivo Cavalcanti (in memorian)......................................................................30 Biografia do agraciado com a Medalha Rui Barbosa Agesandro da Costa Pereira..........................................................................................32 Comissões da XX Conferência.....................................................................................34 Regimento Interno........................................................................................................35 Programa da Conferência.............................................................................................41 Conferências Nacionais................................................................................................44 CERIMÔNIA SOLENE DE ABERTURA DA XX CONFERÊNCIA NACIONAL DOS ADVOGADOS Discurso do Presidente do Conselho Seccional da OAB / Rio Grande do Norte Paulo Eduardo Pinheiro Teixeira..................................................................................45 Discurso do representante do Colégio de Presidentes dos Conselhos Seccionais Ercílio Bezerra de Castro Filho....................................................................................48 Discurso da Governadora do Rio Grande do Norte Wilma Maria de Faria...................................................................................................54 Discurso do Presidente do Conselho Federal da OAB Cezar Britto...................................................................................................................55 CERIMÔNIA DE ENCERRAMENTO Caravana da Anistia do Ministério da Justiça – Sessão Especial de Julgamento do Processo de Anistia Política do Presidente da República João Goulart.......................61 Mensagem do Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva.............................................................................................62Homenagem ao Centenário da Imigração Japonesa Discurso proferido por Kiyoshi Harada........................................................................64 Carta de Natal Leitura de Hermann Assis Baeta..................................................................................66 Discurso do Presidente do Conselho Federal da OAB Cezar Britto...................................................................................................................68 Mensagem do Vice-Presidente da República – Presidente em Exercício José Alencar Gomes da Silva........................................................................................71 Conferência Nacional - Constituição de 88 e o resultado provocado pelas emendas após 20 anos Celso Antonio Bandeira de Mello................................................................................77 Conferência Internacional - Estado Democrático de Direito X Estado Policial Reynald Peters..............................................................................................................91 PAINÉIS A FUNÇÃO SOCIAL DO DIREITO CIVIL A tensão entre a necessidade de segurança jurídica e a nova teoria dos contratos Luiz Edson Fachin........................................................................................................97 Direito civil e cláusulas sociais Gustavo Tepedino.......................................................................................................115 Direitos reais de interesse social e sua relevância na organização do espaço urbano José Norberto Lopes Campelo....................................................................................125 Estatuto das famílias e as relações sócio-afetivas no direito contemporâneo Rodrigo da Cunha Pereira...........................................................................................131 Função social da propriedade Marcos Bernardes de Mello........................................................................................139 CONFLITOS GEOPOLÍTICOS, DIREITO E SOBERANIA Neoliberalismo, constitucionalização e limites à soberania Antonio José Avelãs Nunes........................................................................................155 A legalidade da dívida externa no direito internacional Hugo Ruiz Diaz Balbuena..........................................................................................169 Internacionalização de conflitos Jorge Neto Valente......................................................................................................183 Soberania e paradigmas energéticos de desenvolvimento José Walter Bautista Vidal..........................................................................................195 Amazônia, soberania e biopirataria Edson de Oliveira.......................................................................................................201 DIREITO PROCESSUAL E ACESSO À JUSTIÇA. PROCESSO COLETIVO Tutela jurisdicional do consumidor em face da cf de 1988 Luiz Guilherme Marinoni...........................................................................................213 Regime das medidas cautelares e da tutela antecipada como garantia dos direitos fundamentais Paulo Roberto de Gouvêa Medina.............................................................................257 Os tribunais e a tutela coletiva Fredie Didier...............................................................................................................269 A responsabilidade civil e os tribunais Salomão Resedá..........................................................................................................281 Ação civil pública, improbidade administrativa e a tutela dos direitos difusos Luiz Viana Queiroz.....................................................................................................307 DIREITOS FUNDAMENTAIS E ESTADO POLICIAL Estado de bisbilhotice e generalização dos grampos Fábio Ricardo Trad.....................................................................................................313 Estado de polícia e legislação penal de terror: a dificuldade de efetivar a cf/88 René Ariel Dotti..........................................................................................................325 O fortalecimento da cultura autoritária e banalização da violência Jorge Hélio Chaves de Oliveira..................................................................................331 Autonomia da polícia e investigação policial Sérgio Alberto Frazão do Couto.................................................................................337 Investigação policial: excessos e virtudes Sandro Torres Avelar..................................................................................................347 MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO SOCIAL Problemas da crescente judicialização das demandas nas áreas ambiental e social Andréas Krell.............................................................................................................355 Direito fundamental das futuras gerações ao meio ambiente equilibrado ecologicamente Marcelo Abelha Rodrigues.........................................................................................369 Efetivas soluções para os conflitos de competência ambiental Paulo Afonso Leme Machado....................................................................................383 Direito fundamental ao desenvolvimento e a proteção ambiental Maria Artemísia Arraes Hermans...............................................................................397 Direito intergeracional ambiental e patrimônio ecológico brasileiro Flávia Witkowski Frangetto.......................................................................................407 A CONSTITUIÇÃO E O ADVOGADO A inviolabilidade do escritório de advocacia Marcus Vinícius Furtado Coelho................................................................................415 A função social do advogado Alberto de Paula Machado.........................................................................................426 Sigilo profissional e processual Ercílio Bezerra de Castro Filho..................................................................................429 O advogado como obstáculo ao fortalecimento da cultura autoritária Antonio Marinho e Pinto............................................................................................435 Defesa das prerrogativas profissionais Alberto Zacharias Toron.............................................................................................439 O PODER PUNITIVO DO ESTADO E A CONSTITUIÇÃO Criminalização da pobreza? Lênio Streck................................................................................................................451 Sistema prisional: uma vergonha nacional Jacinto Nelson de Miranda Coutinho.........................................................................477 O mito da redução da maioridade penal Nélio Roberto Seidl Machado....................................................................................491 O sistema de penas é o melhor caminho para a ressocialização? Enrique Basla..............................................................................................................501 Penas alternativas Ussiel Tavares da Silva Filho.....................................................................................517 A FUNÇÃO DEMOCRÁTICA DA COMUNICAÇÃO O papel das tvs públicas na democratização do acesso à informação Maurício Dias.............................................................................................................533 Poder político e concentração de poder dos meios de comunicação social Valmir Pontes Filho....................................................................................................539A responsabilidade penal e civil das empresas de comunicação Cláudio Pereira Souza Neto........................................................................................545 Sensacionalismo, ética e manipulação da verdade Maurício Azedo..........................................................................................................551 A compatibilidade ou incompatibilidade da lei de imprensa com a constituição federal Marcelo Henrique Brabo Magalhães..........................................................................563 O PAPEL DOS TRIBUTOS NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO Poder judiciário como agente arrecadador e lançador? Renato de Magalhães..................................................................................................579 Autonomia tributária e pacto federativo Osires de Azevedo Lopes Filho..................................................................................587 Reforma tributária constitucional e defesa do contribuinte Roque Antônio Carrazza.............................................................................................593 O processo administrativo tributário na constituição de 1988 Eduardo Bottallo........................................................................................................605 Precatórios judiciais e a descrença no poder judiciário Orestes Muniz Filho...................................................................................................613 DEMOCRACIA PARTICIPATIVA E MOBILIZAÇÃO POPULAR A reforma política e o aperfeiçoamento da democracia participativa Dom Dimas Lara Barbosa..........................................................................................627 Emenda constitucional por participação popular e reforma constitucional Fabio Konder Comparato...........................................................................................643 Autoconvocação de referendos e plebiscitos pela população Ruy Samuel Espíndola................................................................................................657 Caminhos políticos para a nova efervescência sócio-política Luis Alberto Warat......................................................................................................673 Qual o papel do movimento estudantil no cenário político brasileiro? Lúcia Stumpf..............................................................................................................681 DIREITOS SOCIAIS E A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 Concretização dos direitos sociais: superando a análise econômica do direito Aldacy Coutinho.........................................................................................................687 A justiça do trabalho realmente efetiva os direitos trabalhistas? Nilton Correia.............................................................................................................697 Direito à promoção da igualdade nas relações de trabalho Roberto de Figueiredo Caldas....................................................................................703 Direito à saúde do trabalhador, meio ambiente do trabalho e a responsabilidade do empregador Luiz Salvador..............................................................................................................721 Assédio processual e o princípio constitucional da razoável duração Luis Carlos Moro........................................................................................................737 VOLUME 2 PODER JUDICIÁRIO E OAB O acesso dos pobres à justiça Reginaldo Oscar de Castro........................................................................................789 O quinto constitucional como indispensável à administração da justiça Cléa Carpi da Rocha..................................................................................................795 O poder judiciário e o combate ao estado policial José Roberto Batochio................................................................................................801 O poder judiciário e advocacia internacional Roberto Antonio Busato.............................................................................................809 A constituição e a justiça desportiva Rubens Approbato Machado e Alexandre Hellender de Quadros..............................815 ENSINO JURÍDICO, FORMAÇÃO PROFISSIONAL E MERCANTILIZAÇÃO DO CONHECIMENTO A interdisciplinaridade, o ensino jurídico e o exame de ordem Ademar Pereira............................................................................................................829 O ensino jurídico e a educação à distância Álvaro Melo Filho......................................................................................................835 O papel da oab na melhoria do ensino jurídico e o combate à mercantilização do conhecimento Adilson Gurgel de Castro...........................................................................................851 A ena na formação do advogado Geraldo Escobar Pinheiro...........................................................................................859 A expansão do ensino jurídico e o desafio da qualidade Fernando Haddad.......................................................................................................873 DIREITOS ESQUECIDOS Responsabilidade civil do estado pelos crimes do regime militar Edilson Alves de França.............................................................................................885 A questão indígena no brasil Lúcio Flávio Sunakozawa..........................................................................................893 Proteção dos saberes tradicionais e as ameaças de globalização Paulo Lopo Saraiva.....................................................................................................909 Constituição e proteção de grupos vulneráveis Eduardo Rabenhorst...................................................................................................921 As ações afirmativas nos 20 anos da constituição Ângela Serra Sales.....................................................................................................925 DIREITO À VIDA, ESTADO LAICO E CÉLULAS EMBRIONÁRIAS Estado laico x estado religioso com objetivo de proteção à vida Daniel Sarmento.........................................................................................................933 Política de saúde pública e aborto Leila Adesse................................................................................................................941 Controvérsias sobre as células embrionárias Alice Teixeira Ferreira................................................................................................951 Vida, cuidado e dignidade humana Rejane Maria Dias de Castro Bins..............................................................................959 O DIREITO CIDADÃO À EFETIVIDADE JURISDICIONAL Responsabilidade civil do estado pela não duração razoável dos processos Fernando Facury Scaff................................................................................................981 Sistema eletrônico processual, inclusão digital dos advogados e sua responsabilidade processual Alexandre Atheniense................................................................................................995 Modernização do poder judiciário e a efetiva prestação jurisdicional Marcelo Navarro Ribeiro Dantas..............................................................................1009 Defensoria pública e o acesso à justiça Roberto Gonçalves de Freitas Filho.........................................................................1015 Juizados especiais e o comprometimento do direito de defesa Juvêncio Vasconcelos Viana.....................................................................................1023ENTRE O ESTADO MÍNIMO E O ESTADO PROVIDÊNCIA Limites da função reguladora das agências Maria Sylvia Zanella di Pietro..................................................................................1033 A desconstrução do estado bem-estar e as políticas econômicas Mário Ramos Ribeiro...............................................................................................1041 Balanço crítico das reformas Luciano Silva Costa Ramos......................................................................................1049 Estado brasileiro do futuro: que país queremos? Plínio de Arruda Sampaio.........................................................................................1053 Processo neoliberal e seus reflexos na américa latina Carlos Alberto Andreucci.........................................................................................1059 INCLUSÃO SOCIAL: AMPLA, GERAL E IRRESTRITA Proteção das pessoas portadoras de deficiência Luiz Alberto David Araújo.......................................................................................1077 O direito fundamental à educação inclusiva Eugenia Fávero.........................................................................................................1089 Criança, adolescente e idoso Carlos Augusto Macedo Couto................................................................................1095 Carreiras jurídicas e vagas reservadas Ricardo Tadeu Marques da Fonseca.........................................................................1101 Cotas sociais e raciais: avanços ou retrocessos? Silvia Cerqueira........................................................................................................1115 CORRUPÇÃO COMO SUBTRAÇÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS Medidas efetivas de combate a corrupção eleitoral Luiz Carlos Levenzon...............................................................................................1129 Combate à corrupção a partir da constituição federal de 1988 José Afonso da Silva.................................................................................................1137 O papel da sociedade no combate à corrupção Márlon Jacinto Reis..................................................................................................1145 A advocacia de estado como responsável pelo combate à corrupção Luis Henrique Martins dos Anjos.............................................................................1153 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS E A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA Direito fundamental à transparência e a boa administração pública Juarez Freitas............................................................................................................1173 Aplicação concreta do princípio da moralidade na administração pública e o controle judicial em face da constituição federal de 1988 Marcelo Figueiredo..................................................................................................1183 Defesa do estado por advogado privado Mário Sérgio Duarte Garcia.....................................................................................1203 A participação do administrado na formação da vontade da administração pública Weida Zancaner........................................................................................................1219 O advogado público como garantidor dos princípios constitucionais Willian Guimarães Santos de Carvalho....................................................................1229 DIREITOS FUNDAMENTAIS NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 O judiciário e a interpretação da constituição: a questão da separação entre política e direito Francisco Rezek........................................................................................................1243 A constituição brasileira no contexto da pós-modernidade Eduardo Bittar...........................................................................................................1251 Legitimação democrática dos direitos fundamentais na constituição João Mauricio Adeodato...........................................................................................1263 A eficácia do modelo constitucional em sistemas regionalizados e direitos globalizados Tarso Genro..............................................................................................................1275 A internacionalização dos direitos fundamentais na constituição federal de 1988 Carlos Roberto Siqueira Castro................................................................................1281 PROCESSO PENAL E DEMOCRACIA As reformas do cpp x segurança social Gustavo Badaró........................................................................................................1311 Presunção constitucional de inocência e prisões processuais Antonio Magalhães Gomes Filho.............................................................................1319 O direito penal garantista e a vítima Luiz Flávio Borges D’Urso......................................................................................1329 A culpabilidade como limite ao direito penal do terror rainer Hamm............................................................................................................1337 Atuação do ministério público e prerrogativas dos advogados Paulo Sergio Leite Fernandes...................................................................................1347 PREVIDÊNCIA SOCIAL APÓS A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 Regime geral Melissa Folmann.......................................................................................................1357 Caixas de assistência do advogado e o seu plano de ação Sidney Uliris Bortolato Alves...................................................................................1381 Previdência privada Daisson Silva Portanova...........................................................................................1393 Regime próprio Wagner Balera..........................................................................................................1405 Previdência social e assistência dos advogados Jefferson Luis Kravchychyn.....................................................................................1419 CONSTITUIÇÃO FEDERAL, DEMOCRACIA, HISTÓRIA E VERDADE Proteção dos defensores dos direitos humanos Flávia Piovesan.........................................................................................................1431 Possibilidade jurídica de responsabilidade penal e imprescritibilidade dos crimes da ditadura Helio Bicudo.............................................................................................................1443 Guerra, paz, verdade e reconciliação Manuel Vicente Inglês Pinto.....................................................................................1455 O direito à memória e à verdade: dever do estado Paulo Vannuchi.........................................................................................................1459 Participação direta do cidadão na democracia brasileira Cármen Lúcia Antunes Rocha..................................................................................1467 MUDANÇAS DE PARADIGMAS NA ADVOCACIA Sociedades de advogados Alfredo de Assis Gonçalves Neto.............................................................................1481 Advocacia e a redefinição dos perfis profissionais Henri Clay.................................................................................................................1489 Desafios e perspectivas do advogado no início de carreira Ricardo do Nascimento Correia de Carvalho...........................................................1493 Advocacia sustentável: pessoas, produção, clientes e finanças Lara Cristina de Alencar Selem...............................................................................1497Sociedade de serviços, cotas, sócios patrimoniais e sócios de serviços Horácio Bernardes Neto...........................................................................................1511 Anexos Indice Temático........................................................................................................1524 Indice de Conferencistas...........................................................................................1532 787 O rdem dos A dvogados do B rasil C onselho Federal PODER JUDICIÁRIO E OAB CONFERENCISTAS Reginaldo Oscar de Castro Cléa Carpi da Costa José Roberto Batochio Roberto Antonio Busato Rubens Approbato Machado e Alexandre Hellender de Quadros MESA Presidente: Claudio Pacheco Prates Lamachia Relator: Almino Afonso Fernandes Secretário: Pedro Origa Net 789 O rdem dos A dvogados do B rasil C onselho Federal O ACESSO DOS POBRES À JUSTIÇA Reginaldo Oscar de Castro712 Senhoras e senhores “O acesso dos pobres à Justiça” – é um tema que não pode ser dissociado de um exame mais profundo a respeito do quadro de disparidades sociais que caracteriza o Brasil desde os primórdios de sua formação. Somos ainda, em que pesem os eventuais avanços já obtidos, um país de excluídos. E a exclusão social não afasta o ser humano apenas da justiça, mas de todos os demais benefícios da civilização. Não basta uma Constituição que garanta direitos. E a Constituição de 1988, sem dúvida, garante. Mas a realidade mostra o quão isso é insuficiente. É preciso que o indivíduo saiba que possui esses direitos e os postule. Ora, o excluído social desconhece não apenas quais direitos possui, mas até – e sobretudo – que os possui. São recorrentes, nas periferias do país, cenas de truculência policial, com prisões sem flagrante ou mandado judicial, ou até mesmo sem motivo. Nas delegacias, a prática de tortura é rotina, sem que em defesa dessas vítimas se levante qualquer voz expressiva, capaz de pôr fim a tal absurdo. Tortura a preso político mobilizou segmentos influentes da sociedade civil e, na seqüência, reparações judiciais, o que é justo. Mas e em relação aos pobres? A não ser um ou outro espasmo de indignação, nada. Justiça, no Brasil, tem sido, ao longo da história, iguaria reservada aos afortunados. A truculência reservada aos pobres fere os mais elementares direitos humanos, e no entanto não gera reclamações judiciais – e não apenas por falta de acesso do pobre à justiça, mas sobretudo por desconhecer que dispõe desse direito, que a lei está a seu lado e que não existe apenas para lhe impor deveres. Temos visto recentemente a extensão de algumas dessas truculências policiais a pessoas socialmente incluídas, sob suspeição de crimes financeiros contra o patrimônio público. Como se trata de pessoas que conhecem a lei – e, por conhecê-la, sabem quais os seus direitos – recorrem à justiça. Dispõem de meios de contratar advogados e, em virtude de violação às suas garantias individuais, reclamam reparação pelos excessos de que foram alvo. O mesmo, porém, não se dá em relação ao pobre. Vimos, em diversas oportunidades, autoridades policiais, judiciais e governamentais protestarem 712. Advogado. Membro Honorário Vitalício do Conselho Federal da OAB. 790 A na is d a X X C on fe rê nc ia N ac io na l d os A dv og ad os que os métodos excessivos aplicados, nas operações da Polícia Federal aos acusados de crimes do colarinho branco, não encontram defensores quando aplicados aos pobres. Pretendem assim nivelar a ilegalidade, quando, ao contrário, deveriam nivelar a legalidade. O diferencial aí, mais uma vez, é o acesso à justiça, motivado pelo desconhecimento da lei. O criminoso rico reclama seus direitos – e mesmo eles os têm. A presunção de inocência e o devido processo legal são direitos de todos. São uma conquista – penosa conquista - da civilização, ao longo de séculos e séculos. Num quadro de exclusão social, no entanto, quem está de fora não desfruta dessas conquistas. Por isso, digo que a falta de acesso do pobre à justiça não pode ser vista dissociado de uma conjuntura mais ampla – conjuntura social, política, moral e econômica. O desafio que hoje está posto ao país, sobretudo a suas elites governantes, não é menor que o enfrentado ao tempo da luta contra a ditadura. De certa forma, é mais complexo. Trata-se de dar concreção social e ética às conquistas institucionais que ajudamos a efetivar, e que a Constituição de 1988 expressa, sobretudo em seu capítulo dos Direitos e Garantias Individuais. A idéia-chave, a nosso ver, continua sendo direitos humanos, algo bem mais abrangente que a mera luta por liberdade de expressão e respeito à integridade física de presos políticos. Direitos humanos envolvem a luta por mais cidadania, por justiça social, por acesso à educação, saúde, moradia, emprego, justa remuneração. Que valor tem a democracia se exclui de seus benefícios parcela expressiva da população? Algo em torno de dois terços dos brasileiros vivem à margem do processo econômico, órfãos de justiça e cidadania, alheios aos seus mais elementares direitos. Os auxílios assistenciais como bolsa-família atenuam, mas não resolvem. São paliativos. Mas o quadro clínico exige cirurgia reparadora, sempre negligenciada. Reporto-me aqui a uma frase proferida há tempos pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso: “O Brasil não é um país pobre – é um país injusto”. O diagnóstico é corretíssimo. Basta ver que ostentamos há anos o oitavo PIB do planeta e somos apontados como uma das potências emergentes do Terceiro Milênio. 791 O rdem dos A dvogados do B rasil C onselho Federal Quando se trata, no entanto, de medir indicadores sociais, somos sistematicamente postos nos últimos lugares, ao lado das mais atrasadas nações africanas. Nosso desafio, pois, para ficar na síntese da frase do ex-presidente da República, consiste em distribuir justiça - no sentido amplo e estrito do termo. No sentido amplo, trata-se da luta pelo fim da exclusão social; no sentido estrito - e aí, nós, advogados e magistrados, profissionais do Direito, temos responsabilidade direta - trata-se da luta pela democratização da justiça, pelo fortalecimento da estrutura do Poder Judiciário. Há quatro anos, o Congresso Nacional aprovou uma reforma do Poder Judiciário, reforma pela qual a OAB propugnou por muitos e muitos anos. Não foi a reforma que queríamos, nem a que o país necessita. Mas foi a reforma possível. Estabeleceu-se algum controle externo, por meio do Conselho Nacional de Justiça, mas persiste a debilidade estrutural daquele Poder, tornando-o ineficaz, acessível apenas aos mais afortunados. Apenas pequena parcela da população possui meios para constituir advogado ou pagar as despesas judiciais. As defensorias públicas são insuficientes para distribuir justiça ao povo. Alguns estados nem sequer as possuem. São Paulo, por exemplo, o maior e mais rico, não possui nenhuma. Há escassez de juízes, mão-de-obra de apoio, equipamentos, principalmente nos juizados especiais. A chamada advocacia pro bono, que nasceu em São Paulo e é praticada em alguns estados, não resolve o problema. Consiste em prestar assistência gratuita a pessoas de baixa renda, mas sobretudo a instituições não dotadas de capacidade econômica. Além de estar cercada de controvérsias, é uma iniciativa também pouco abrangente. Sua prática é contemplada por convênio entre OAB de São Paulo e Procuradoria do Estado, por meio da Procuradoria de Assistência Judiciária. Há alguns milhares de advogados que estão neste convênio atendendo pessoas físicas que ganham até três salários mínimos. São pessoas carentes que também podem recorrer aos escritórios-modelo das Universidades. A Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, por exemplo, possui um escritório modelo na Zona Oeste da cidade, para atender pessoas que ganham até três salários mínimos. Infelizmente, isso não é suficiente nem de longe para resolver o problema de acesso à Justiça no Estado de São Paulo – e muito menos no Brasil, em que persiste o problema da exclusão social de numerosos contingentes da população. Se pretendemos pr0omover o acesso de todos à justiça, a ação primeira é dotar o Judiciário de meios para que funcione. Sem estrutura - aí entendidos 792 A na is d a X X C on fe rê nc ia N ac io na l d os A dv og ad os magistrados em número suficiente e bem-formados, pessoal de apoio, equipamentos e recursos mínimos para provê-los - a Justiça não tem como chegar à população de baixa renda. Penso que aí o problema não é exatamente de escassez de recursos, mas de metodologia de aplicação. Não que a Justiça não precise de mais recursos, mas não basta aumentá-los. É preciso dotar o Estado de um órgão central de governo que racionalize o uso das verbas da Justiça, concentrando-as onde há maior carência. Não se trata de interferir na autonomia do Poder Judiciário, mas de dotá-lo de meios mais eficazes e modernos de gestão administrativa. O controle externo que queríamos objetivava exatamente isto: racionalizar o processo administrativo do Judiciário, tornando-o mais transparente, moderno - e eficaz. O que obtivemos com a pálida reforma do Judiciário não foi suficiente para proporcioná-lo. A impunidade, flagelo da cidadania brasileira, não é apenas desvio cultural e subproduto da exclusão social: é, também, resultado inevitável da precariedade estrutural do Judiciário. Mas a questão da Justiça – e da dificuldade de acessá-la - não se esgota em seu âmbito. Há diversas outras reformas, de enorme relevância, que o país precisa empreender para começar a equacionar a pesada herança de exclusão, que passa de geração a geração, de governo a governo. Não bastam programas assistencialistas, embora eles sejam necessários. São necessários, mas, como já disse, são paliativos. Funcionam como pronto- socorro social. Atendimento de emergência. Precisamos de bem mais. Precisamos não apenas cuidar das enfermidades sociais, mas criar um ambiente que viabilize a saúde social. O diagnóstico já temos: as reformas estruturais. Entre outras, a tributária e a política, a respeito das quais não vamos entrar aqui em pormenores, pois não é o nosso tema central. Mas a OAB, desde minha gestão na presidência do Conselho Federal – e antes mesmo dela e depois dela -, propugna por essas iniciativas, que são acolhidas na teoria por todos os governos, mas que não são postas em prática, ou o são parcialmente, sem ensejar o efeito pretendido. Prevalecem interesses menores, que mantêm o ambiente de exclusão e impedem a regeneração social do país. Ao mesmo tempo em que se evitam as reformas essenciais, estimula-se o furor legisferante. É preciso, acima de tudo, estar atento à própria delimitação da amplitude das reformas constitucionais. O que é reformável e o que não é. Uma frase oportuna, neste momento em que a Constituição de 88 faz 793 O rdem dos A dvogados do B rasil C onselho Federal 20 anos – e exibe um prontuário de 58 emendas e quase duas mil propostas de emenda em tramitação no Congresso -, é esta: não é a Constituição que tem que se adaptar aos programas de governo, mas os programas de governo, sim, é que precisam se adaptar à Constituição. Do contrário, continuaremos a fragmentá-la até o ponto de torná-la irreconhecível, como, aliás, já está. É preciso também lutar pela regulamentação do uso das medidas provisórias, compromisso reiterado por todos os governos e descumprido igualmente por todos. Não pode um instrumento dessa natureza sobrepor-se ao Poder Legislativo, tornando-o peça meramente decorativa. Outro tema que se relaciona com a exclusão social é o da globalização. Não discuto seu determinismo histórico, fruto do progresso tecnológico que deu concretude à profecia de McLuhan, que nos anos 60 já antevia a transformação do planeta numa aldeia global. O que se discute - ou por outra, precisa discutir-se mais - são os critérios com que nos deixamos envolver nesse processo. Penso que é correto o esforço do governo brasileiro em fortalecer o Mercosul, e investir diplomática e comercialmente no continente. A globalização tem sido fator de consideráveis desarranjos sociais em todo o mundo. Sabe-se que pode trazer no futuro grandes benefícios para a humanidade, pela difusão de novas tecnologias. Mas no presente – vide a crise financeira norte-americana - estabelece ajustes dolorosos, que exigem cuidadosa monitoração por parte dos governos, circunstância que se agrava quando se trata de países, como o Brasil, desigualmente desenvolvido. O Brasil rico possui anticorpus para defender-se dos efeitos da veloz abertura da economia, e de seus efeitos colaterais nocivos. O Brasil pobre, não. Depende do Estado. Vê-se, diante dela, em condições ainda mais dramáticas que as de costume. O desemprego, entre nós, possui faceta ainda mais perversa que nos países ricos, pois transforma os trabalhadores mais humildes, aqueles sem especialização, em algo mais que desempregados: transforma-os, para usar uma expressão em voga, em “inempregáveis”. Num mundo movido cada vez mais a tecnologia – e tecnologia que se aprimora e renova a cada mês -, os excluídos sociais passam a viver em outro planeta, transformam-se em verdadeiros fantasmas sociais, sem condições de serem absorvidos pelo mercado de trabalho. O resultado é o que vemos: legiões de sub-cidadãos, de fora dos benefícios mais elementares da civilização. De fora da Justiça. E a justiça, no caso, é apenas um dos quesitos ausentes na vida desses espoliados. Mas, por ser o que é – fundamento da dignidade humana -, gera danos irreparáveis ao ambiente moral e institucional do país. 794 A na is d a X X C on fe rê nc ia N ac io na l d os A dv og ad os Esse o contexto em que se processa em nosso país a sistemática exclusão de expressivo percentual da população brasileira, que não será aplacada com medidas tímidas, nem por ato unilateral de governos, mas pelo conjunto da sociedade, que precisa ser mobilizada agora como o foi antes, na luta contra o regime militar. Esse o grande desafio dos partidos e líderes políticos, que, infelizmente, parecem bem aquém da missão que lhes cabe. Não se trata de produzir outra Constituição, mas de cumprir e fazer cumprir a que aí está, completando duas décadas de existência. Muito obrigado. Recomendação: Sugerir que o Poder Judiciário deixe em seu orçamento percentual a ser destinado especificamente para garantir o funcionamento dos juizados especiais. 795 O rdem dos A dvogados do B rasil C onselho Federal O QUINTO CONSTITUCIONAL COMO INDISPENSÁVEL À ADMINISTRAÇÃO DA JUSTIÇA Cléa Carpi da Rocha713 Advogadas e advogados, Estudantes de Direito, Senhoras e senhores, A questão sobre o Quinto Constitucional, levantada ultimamente pela Associação dos Magistrados do Brasil (AMB) e ANAMATRA, e pelas PECs em tramitação na Câmara dos Deputados (128, 268 E 358), não pode ser encarada como matéria de interesse exclusivo das classes que compõem os tribunais, muito menos de somente uma dessas classes. Mas a discussão em torno do Quinto deixou de ser apenas teórica. Materializou-se no presente impasse da lista sêxtupla da OAB, que o Superior Tribunal de Justiça ainda não votou, não a reduziu em tríplice. O impasse expôs publicamente essa velha polêmica. Deu ressonância ampla a um tema que era de interesse restrito.No caso da OAB, a escolha dá-se – e deu-se, no caso específico do STJ - de maneira pública e transparente. A lista em pauta teve seus integrantes escolhidos, em sessão transmitida pela internet, ao vivo, em 9 de dezembro passado, com a presença de 12 ex-presidentes (membros honorários vitalícios) e de seus 81 conselheiros federais. A lei diz que cabe ao tribunal – federal ou estadual –, em casos como esse, receber a lista e dela extrair três nomes e remetê-los ao governador ou ao presidente da República (dependendo do âmbito em que se dê a nomeação), que optará por um nome para preenchimento da vaga. Essa vaga – e isso precisa ficar bem claro – é da advocacia ou do Ministério Público -, não dos integrantes do tribunal. A única hipótese de rejeição à lista é o eventual desatendimento aos requisitos constitucionais. E isso tem que ser demonstrado. Cada indicado deve ter mais de 35 anos, dez anos de carreira efetiva, conduta ilibada e saber jurídico, aferido e documentado por seus pares, em sabatina. Tudo isso foi cumprido e o STJ, ao dar início à primeira apreciação de lista e negou quórum à votação. Se a lista atende aos requisitos legais, não há outra alternativa ao tribunal senão a de votar os três nomes e encaminhá-los ao presidente da República. Qualquer outra atitude – inclusive a de negar sistematicamente quórum 713. Advogada. Secretária-Geral do Conselho Federal da OAB. 796 A na is d a X X C on fe rê nc ia N ac io na l d os A dv og ad os às sessões de votação, como ocorreu – infringe a lei. Mais grave ainda se torna a situação quando se sabe que outras vagas, abertas posteriormente naquela Corte, foram preenchidas sem que antes se resolvesse o impasse criado em relação à vaga da advocacia. Não se muda uma lei, sobretudo uma norma constitucional – no caso, o artigo 94 -, descumprindo-a. Assim, a relevância do Quinto Constitucional é bem maior e ultrapassa interesses pessoais e corporativos. Antes de mais nada, importa ter presente que a distribuição da justiça à cidadania é do interesse de todos e não apenas de alguns. De outra parte, não se faz justiça apenas com a visão de um estamento social. É preciso que todos os matizes que dão o colorido que identifica a sociedade brasileira estejam representados nos órgãos judiciais, que traçam os rumos do que é justiça num determinado instante da vida nacional. A preservação e o aperfeiçamento da fórmula que integra na composição dos tribunais de segundo grau advogados e agentes do Ministério Público representaram, na Assembléia Nacional Constituinte, expressiva conquista da cidadania. De um lado, ocorreu a preservação dessa participação, porque o esquema preexistia à Constituição de 1988, todavia na vigência da Carta Política anterior as entidades de classe não integravam do ato complexo de escolha dos candidatos. Efetivamente, o instituto da magistratura oriunda do quinto, estabelecido pelo art. 104, § 6º, da Constituição de 16 de julho de 1934, perpassou, incólume, as Constituições de 1937 (art. 105), de 1946 (art. 124, V), de 1967 (art. 136, IV), a Emenda nº 1/1969 (art. 144, IV), e hoje sob novo formato que veio democratizar a escolha, completando agora setenta e quatro anos de existência. Assim, verificou-se notável aperfeiçoamento, porque essa integração começa com a elaboração pela Ordem dos Advogados do Brasil de uma lista sêxtupla de candidatos ornamentados com os predicados da reputação ilibada e de notório saber jurídico, com mais de dez anos de efetiva atividade profissional, passa pelo Tribunal que receberá o escolhido, que reduz a lista para três nomes e acaba com o juízo político do Chefe do Executivo. Quer dizer que as instâncias recursais do Poder Judiciário devem contar com a participação de representantes da nossa categoria profissional. Aqui, mais uma vez, é importante assinalar que a menção a advogados não é abstrata ou desligada de exigências sistemáticas. Pelo contrário, estes advogados terão de ser integrantes de sua entidade. Por isso mesmo, a parte final do art. 94. CF estabelece que eles sejam indicados em lista sêxtupla pelos órgãos de representação das respectivas classes. Os constituintes de 1988 entenderam que as forças que labutam na busca 797 O rdem dos A dvogados do B rasil C onselho Federal do equilíbrio das decisões judiciais nos tribunais se daria com a representação da magistratura na ordem de quatro quintos (80%) e um quinto (20%) pelos advogados e membros do Ministério Público em igual número (10% para cada categoria). Para a composição do Superior Tribunal de Justiça, o Quinto torna- se 1/3, em partes iguais, dentre advogados e membros do Ministério Público Federal, Estadual e do Distrito Federal, alternadamente. A presença da advocacia na composição dos tribunais está em perfeita consonância com o que estabelece o artigo 133 da Constituição Federal, que considera o advogado indispensável à administração da Justiça. Ele não é apenas coadjuvante, mas, nos termos da Constituição, é também protagonista – e por isso indispensável. De uma forma eminentemente corporativa, os juízes que ingressam na carreira mediante concurso entendem que todos os tribunais deveriam ser compostos única e exclusivamente por magistrados que passaram em concurso público. O conjunto de participações é indispensável nos tribunais. Os cidadãos constituem o grupo da sociedade e pagam a conta da administração pública, enquanto os operadores forenses têm o senso de conhecimento das coisas dos cidadãos mais rente à realidade dos fatos. Esse senso supre com vantagem qualquer concurso público, principalmente no exercício de Poder nos tribunais, e certamente por isso nos Poderes Executivo e Legislativo não se adotam concursos públicos formais. Assim, um Poder da República estruturado e composto apenas por pessoas que fizeram concurso, onde o corporativismo é inegável e preponderante, não pode ser exercido com equilíbrio. Os concursados não podem ter em suas mãos o poder de tudo poderem, pelo perigo que pode representar essa concentração de forças contra a tese republicana. É imprescindível que a composição dos Tribunais seja a mais democrática possível, com a participação de elementos que trazem na sua bagagem a sensibilidade de quem, no dia-a-dia, está misturado com aqueles que procuram no Judiciário ver resguardados os seus direitos, sem dispensar, por evidente, a participação dos concursados. Se a fórmula apresentou distorções, no curso de sua aplicação, seguramente tal não decorre de alguma assimetria intrínseca, mas da fraqueza inerente ao ser humano das pessoas encarregadas de participar desse longo processo. Mas jamais a Ordem dos Advogados do Brasil poderá admitir, implicitamente que seja, incapacidade para conduzir o processo eleitoral. É compreensível, por outro lado, que a magistratura de carreira pretenda extinguir o quinto constitucional. Não há nenhuma preocupação mais elevada com os interesses da sociedade, mas simples interesse nas vagas assim abertas e conseqüente benefício em prol da carreira. Decerto é preciso considerar que nem tudo que interessa aos magistrados interessa, na mesma proporção, à sociedade. 798 A na is d a X X C on fe rê nc ia N ac io na l d os A dv og ad os A participação de advogados e de representantes do Ministério Público nos tribunais de segundo grau justifica-se plenamente do ponto de vista político. Essa presença aproxima a Administração da Justiça do povo. Assim, a magistratura não tende a formar uma casta, voltada aos seus próprios interesses, e esse espírito de corpo é quebrado, justamente, pela voz e pela visão heterogênea promovida pelo integrante do quinto. Ao invés de extinguir a participação,estimo que seja imperativo ampliá-la, assegurando aos advogados e ao Ministério Público, ao menos UM TERÇO dos tribunais de segundo grau, como acontece com a composição do Superior Tribunal de Justiça. Afinal, se um Tribunal superior tem sua força na composição mais variada, por que não os tribunais de segundo grau? Se existem dificuldades na implementação da fórmula de escolha imprimida pela Constituição de 1988, pondere-se: (a) tal dificuldade é episódica, não pode ser generalizada; (b) não se pode imaginar sistema melhor, porque o atual passa por três crivos políticos diferentes. Para tanto, é necessário constantemente reavaliar nossos critérios de escolha. O melhor argumento em favor do Quinto Constitucional encontra-se, em síntese lapidar, na Constituição de 1988. Ao alencar os requisitos, o art. 94 os coloca como fundamentais, pois condizem com o exercício da democracia. Eles delineiam, para nós, o perfil de todo advogado, muito mais ao candidato à função jurisdicional: notório saber jurídico e reputação ilibada, com mais de dez anos de efetiva atividade profissional. Aqui destaco a importância do último requisito: dez anos de efetiva atividade profissional fortalece e tempera as demais exigências. O exercício da advocacia, em todos os níveis, é a forja em que o bacharel em direito, habilitado pela Ordem, torna-se o advogado, quando as várias atuações se interligam na formulação de perguntas, na dúvidas esclarecidas, na perquirição da verdade e no pleito para uma melhor prestação jurisdicional. O saber jurídico nasce dessa caminhada e torna-se notável sempre que propugna pela justa decisão na dialética do contraditório. O advogado de notório saber jurídico não será o detentor da melhor razão, mas, o mentor de uma reflexão amadurecida e comprovada no estudo, elaboração de teses, cursos ministrados e conferências, incluindo autorias de livros de direito, que contribui para alcançar a melhor solução entre partes envolvidas, na busca do equilíbrio do convívio humano. O saber jurídico pode ficar adstrito ao escritório e aos tribunais, mas o notável saber jurídico só se contenta com a harmonia social, ilustrando sua nova missão outorgarda pelo Quinto Constitucional. São vários os passos para aqui chegar: dez anos de efetivo exercício da advocacia, dez anos de caminho andado. E como corolário desse andamento, a conduta ilibada do peregrino do direito perfaz a trinitária exigência constitucional. 799 O rdem dos A dvogados do B rasil C onselho Federal Reputar algo a alguém é dar-lhe o justo valor e esse tem o peso da pedra, mais o brilho do cristal: reputação ilibada. Cabe lembrar que a ética não é feita de conceitos lógicos ou ideologias preferenciais, mas comprovadas pelas obras humanas. Se Paulo de Tarso afirma que a fé sem as obras é vã, podemos afirmar que a ética do advogado confere seus passos no caminho individual e coletivo. Será um cidadão de reputação ilibada. Dizer o direito é mais que um poder, é uma missão. Nesse sentido, o jurista Alfredo Como afirma ser o advogado o primeiro juiz da causa. Cito, à propósito, a Ministra Maria Cristina Irigoyen Peduzzi, exemplar representante do Quinto Constitucional no Tribunal Superior do Trabalho, “ é preciso repisar que o quinto constitucional é mais uma expressão de um princípio maior, o da indispensabilidade do advogado à administração da justiça. Historicamente construído, o princípio se justifica na experiência nacional de que a participação dos advogados concorre à legitimação, efetividade, regulação e controle da instituições brasileiras”. Ao finalizar, valho-me das precisas palavras proferidas pelo nosso presidente Cezar Britto na posse do Ministro Humberto Gomes de Barros na presidência do Superior Tribunal de Justiça, ao afirmar: Nosso tempo cultiva e compreende o espírito democrático do chamado Quinto Constitucional. Não o encara como fator de disputa corporativa entre magistrados e advogados, o que o distorce e enfraquece – e, sobretudo, impede que exerça os efeitos benéficos que o justificam perante a sociedade. Ao contrário, o Quinto Constitucional é dispositivo que enriquece o Judiciário, permitindo que a ele se agregue a experiência de carreiras correlatas – procuradores e advogados. No caso específico da advocacia, pela qual falo, transmite ao Judiciário maior dose de cidadania e vivência social. É que o advogado tem como missão envolver-se nesse drama do cidadão comum, compreendê-lo, defendê-lo. O Quinto Constitucional coloca, por meio da advocacia, o cidadão comum no Judiciário. É, por isso mesmo, o melhor antídoto ao Estado-Policial - e isso já o justifica e absolve de eventuais imperfeições do modelo vigente – que pode ser aperfeiçoado. É o Quinto Constitucional, por isso mesmo, instrumento de aprimoramento da Justiça, permitindo que sua administração não se restrinja aos juízes de carreira, mas destinada a todos aqueles responsáveis pelo fortalecimento do Poder Judiciário, cada um com sua experiência, cada um com a sua especial contribuição. Cada qual refletindo as vozes dos mais diversos cidadãos e interesses. Faço minhas estas palavras, como contribuição ao tema central desta Conferência, que gravita em torno da Constituição-cidadã de 1988. Muito obrigado. 801 O rdem dos A dvogados do B rasil C onselho Federal O PODER JUDICIÁRIO E O COMBATE AO ESTADO POLICIAL José Roberto Batóchio714 ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO E O PODER JUDICIÁRIO ESTADO POLICIAL E O PODER JUDICIÁRIO “cuando no está limitado, el poder se transforma em tirania y em arbitrário despotismo” (Karl Lowenstein) INTRODUÇÃO Estado de Direito O que já se disse do poder ilimitado como vocação intrínseca de degeneração em despotismo, tirania e corrupção (cf. Aristóteles, Charles Louis de Sécondat – o Barão de Montesquieu -, Lord Acton, Karl Lowenstein e outros), pode-se afirmar do poder do Estado, considerado este como um complexo de instituições que, com competências e atribuições distribuídas, constitui o supremo mecanismo de regulação e promoção do desenvolvimento social. O protagonismo do Direito foi a necessidade que emergiu para a limitação do poder do Estado, máxime tendo em vista a proteção de direitos fundamentais, que são os valores que gravitam em torno da personalidade humana. Elaboração científica com base empírica, pois, o Estado de Direito surge como mecanismo de contenção e de limitação do poder estatal, circunscrevendo-o, disciplinando-o e traçando-lhe os limites, confinando-o, em suma, qual dique de contenção a impedir o avanço de águas autoritárias sobre valores consagrados ao indivíduo. Método eficaz para a impressão dessa sinergia centrífuga do poder se vislumbrou na distribuição de competências estatais entre distintos órgãos, de sorte a se estabelecer as atribuições de cada um e o recíproco controle de suas ações, tudo segundo regras previamente fixadas, é dizer, de acordo com a lei, síntese da vontade geral. Dividir para limitar e controlar o exercício do poder, seria a idéia-síntese do sistema. Essa longa elaboração jurídico-sociológica deita raízes no pensamento do Estagirita Aristóteles na antiguidade clássica (Política), de John Locke (Segundo Tratado Sobre o Governo Civil) na Inglaterra e de Montesquieu (O 714. Advogado. Membro Honorário Vitalício do Conselho Federal da OAB. 802 A na is d a X X C on fe rê nc ia N ac io na l d os A dv og ad os Espírito das Leis) no iluminismo francês, entre outros, mas se reporta apenas à concepção de um Estado Liberal de Direito (defesa do cidadão contra a disfunção do poder do Estado), positivada na Constituição americana de Virgínia em 1776. Alcançou-se, assim, a noção de um Estado que se submete ao Direito, onde asleis é que governam as ações de todos, em suma o the rule of Law. Estado democrático de direito Do ponto de vista formal - permita-se o truísmo - toda lei é legal, mas nem toda lei é legítima, a exemplo do que sucede ao édito do déspota que, divorciado da vontade geral, submete o povo, suprime-lhe os direitos fundamentais e avilta a dignidade humana. Já a lei legítima, sobre provir de fonte legiferante politicamente legítima, deve representar a vontade geral do povo, consagrar sua axiologia e preservar as liberdades e os direitos fundamentais da personalidade humana, eis que o ordenamento civilizado há de estar sempre em sintonia com esses valores culturais e morais do homem. Esta sua fonte legítima primária. Já a fonte secundária, para revestir-se de legitimidade, deve ser a expressão dos órgãos legislativos livremente compostos por representantes do povo, este origem e razão principal de ser do poder estatal nos sistemas democráticos. “Afirmamos, portanto, que há uma ordem jurídica legítima e uma ordem jurídica ilegítima. A ordem imposta, vinda cima para baixo, é ordem ilegítima. Ela é ilegítima porque, antes de mais nada, ilegítima é a sua origem. Somente é legítima a ordem que nasce, que tem raízes, que brota da própria vida, no seio do Povo. Imposta, a ordem é violência.” (Carta aos Brasileiros, lida por Goffredo da Silva Telles, em 08 de agosto de 1977, na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, São Paulo – cf. Estado de Direito Já, pág. 22, Ed. Lettera, 2007). Assim, assenta-se o Estado Democrático de Direito em um ordenamento constitucional e legal que consagre os valores cultuados pelo povo e que sejam positivados por seus legítimos representantes, livremente escolhidos. Contrapõe-se ao Estado Democrático de Direito o Estado de Fato, Estado de Força ou Estado Policial, em que a força substitui a lei democrática, a tirania sufoca as liberdades e em que os “bens supremos do espírito humano, somente alcançados após árdua caminhada da inteligência, em séculos de História, são simplesmente ignorados. Os valores mais altos da Justiça, os direitos mais sagrados dos homens, os processos mais elementares de defesa do que é de cada um, são vilipendiados, ridicularizados e até ignorados, como se nunca tivessem existido; O que os Estados de Fato, Estados Policiais, Estados de Exceção, Sistemas de Força apregoam é que há Direitos que devem ser suprimidos ou cerceados, para tornar possível a consecução dos ideais desses próprios Estados ou Sistemas” (idem, pág. 28). 803 O rdem dos A dvogados do B rasil C onselho Federal Inquestionavelmente, o eixo da ordem constitucional democrática e, portanto, do Estado de Direito Democrático, se fixa nos conceitos de governo por leis e não pela vontade de um homem ou grupo de homens, divisão de poderes com competências definidas, independentes e reciprocamente controlados, na participação direta do povo na formação dos governos periódicos e, fundamentalmente, no respeito e proteção aos direitos fundamentais da pessoa humana. Considerando-se que o Estado organizado existe em função do homem e como instrumento de promoção e efetivação de sua evolução e desenvolvimento cultural, científico, social e econômico, claro que a dignidade humana se erige em centro emanador de todo o sistema, justificando-o ou exibindo-o espúrio, em caso de sua supressão ou negação. A DIGNIDADE HUMANA E A PROTEÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DA PESSOA COMO OBJETIVO DO ESTADO Após a do México, em 1917, a Constituição da então República Federal da Alemanha foi a primeira Charta a estabelecer, como direito expressamente enunciado em nível normativo máximo, a dignidade da personalidade humana como compromisso do Estado: “A dignidade humana é inviolável. Respeitá- la e protegê-la é obrigação de todos os poderes estatais” (Die Wurde des Menschen ist unantastbar. Sie zu achten und zu schützen ist Verpflichtung aller staatlichen Gewalt –art. 1º, 1). A exemplo do que sucedeu na nossa Assembléia Nacional Constituinte de 1997/1998 em relação à metodologia analítica adotada na enunciação de direitos individuais e sociais, o Legislador constituinte teuto legislava sob o influxo das memórias do terrível período de autoritarismo, barbáries e genocídios. Ao depois, as constituições de Portugal e Espanha também positivaram a dignidade humana como o próprio fundamento do Estado (artigos 1º. e 10º., respectivamente), hospedando o pensamento kantiano segundo o qual o homem – único ser dotado de razão -constitui um fim em si mesmo e não pode ser havido, em qualquer hipótese, como meio ou instrumental para o alcance de determinado fim, seja ele qual for. Essa mesma trilha civilizada percorreu o Constituinte de 1987/1988, ao fazer insculpir no artigo 1º. , inciso III, da nossa Lei Máxima que a dignidade da pessoa humana é um dos fundamentos primeiros do Estado Brasileiro. A proteção a esse plexo de direitos que compõem a dignidade do homem vem positivada em vários incisos do artigo 5º. de seu quadro permanente básico, especialmente nos incisos I a XII, e de LIII a LXVIII. Quando, a qualquer pretexto (principalmente o de reprimir crimes), não são respeitados tais direitos fundamentais que tutelam a dignidade humana, coloca-se em xeque o compromisso do Estado Brasileiro com valores supremos que ditaram sua fundação e se afronta a ordem jurídica. Relembre-se aqui que 804 A na is d a X X C on fe rê nc ia N ac io na l d os A dv og ad os não se cuida apenas de princípio fundamental descumprido, mas de ataque a valor fundante da República Federativa do Brasil. Ensina JOSÉ AFONSO DA SILVA, transcrevendo Gonzáles Pérez, que “é inconcebível afirmar – como fazia Santo Thomaz de Aquino para justificar a pena de morte – que o homem, ao delinqüir se aparta da ordem da razão, e portanto decai da dignidade humana e se rebaixa em certo modo à condição de bestas (S .Th. II – II, q. 64, a 2, ad.3)”. Inseparável do homem, seu status dignitatis, constitucionalmente assegurado e proclamado como idéia fundante do nosso Estado, não sofre capitis diminutio em qualquer hipótese, mesmo quando é ele colocado na condição de réu em persecução penal ou qualquer outra. Maior a carga assestada contra os direitos do indivíduo (sobremodo ao status libertatis), tanto mais aguda a necessidade de se observar e respeitar o seu direito de ampla defesa, garantido no ordenamento jurídico. Incompreensível, por isso, o estrábico ponto de vista segundo o qual quem delinqüiu não se acha sob o pálio da proteção legal... O ESTADO POLICIAL E O DEVER DO PODER JUDICIÁRIO O compromisso do juiz com a Ordem Constitucional é condição primeira para o legítimo exercício da jurisdição, qualquer que seja ela: civil, laboral, eleitoral, penal e demais. A Constituição de 1988 contemplou mecanismos que ensejam pronunciado protagonismo (ou ativismo) pelo Poder Judiciário, que é o primeiro guardião da ordem que instituiu, nos diversos casos de controle de constitucionalidade (difuso ou concentrado) das leis e atos normativos, bem como naqueles de omissão legislativa que impede a realização concreta de direitos materiais assegurados em seu corpo permanente. Esse sistema de certo modo tornou mais tênue a linha de separação entre os Poderes da República, admitindo-se, em certas circunstâncias, uma espécie de atividade legiferante anômala pelo Judiciário. Dispenso-me de, neste limitado painel, abordar as hipóteses. Fala-se em judicialização da sociedade, da administração e da política, como tal entendido o processo por meio do qual se aponta a capacidade do Poder Judiciário garantir efetividade a direitos fundamentais, deixando sua clássica postura de inércia para a ativa implementação dos direitos fundamentais e sociais, com vistas à realizaçãoconcreta de justiça. A despeito da questão da fonte de legitimidade do poder exercido pelo Judiciário que, contrariamente ao atribuído ao Legislativo e Executivo não vem crismado pela investidura direta do povo não passando pelo cadinho soberano do voto popular, não há negar que nas democracias contemporâneas esse ativismo dirigido à realização concreta de direitos materiais é fator de aperfeiçoamento do sistema. 805 O rdem dos A dvogados do B rasil C onselho Federal E, nesse passo, a atuação do Supremo Tribunal Federal é digna de todos os reconhecimentos e encômios; enorme tem sido sua contribuição à causa da democracia e ao aperfeiçoamento do nosso Estado Democrático de Direito, merecendo destaque a segura e elogiável postura de seu atual e corajoso Presidente, Ministro Gilmar Mendes. Por tudo quanto tem realizado, fica muito a lhe dever a história do constitucionalismo e das liberdades no Brasil. Pois é nesse cenário de liberdades, reconquistadas em 1988 e após as longas trevas do período autocrático, que reponta, entre nós, os contornos da ameaça ao Estado Democrático de Direito que alcançamos, a duras penas. Está- se a falar aqui da escalada da ação arbitrária da Polícia Federal, autorizada por um grupo de juízes federais de primeiro grau, para, a pretexto de investigar a prática de delitos e “dar combate ao crime econômico”, desrespeitar direitos fundamentais da pessoa humana. A metodologia empregada em nada diverge daquela, pungente, que vivenciamos nos “anos de chumbo” do regime militar. Como sempre, a justificativa é a mais docemente demagógica e sedutora possível: combate ao crime de segmento economicamente privilegiado da sociedade. Esse ataque aos direitos fundamentais do indivíduo teve início em 2003, com a nomeação do Ministro da Justiça (um advogado de história pessoal anterior progressista) e do Diretor Geral da Polícia Federal (um Delegado de Polícia) do então novo Governo Federal, cuja estratégia de ação, fazendo de ações policiais espetáculos públicos para gerar a sensação de operacionalidade de excelência e, sobretudo, do advento de uma era em que a prisão não era mais apenas para os da base da pirâmide sócio-econômica do País, mas principalmente para pessoas de destaque, do seu vértice... Essa demagógica ação repressora encontrou ressonância na então recente instituição de varas criminais federais ditas “especializadas”, com jurisdição urbi et orbi nas Unidades da Federação (o Estado de São Paulo, por exemplo, tem dessas varas especializadas em crimes econômicos, que jurisdicionam sobre cerca de quarenta (40) milhões de almas dentro do território paulista, o que mostra o absurdo de sua acromegalia). O patrocínio da esdrúxula e inconstitucional concepção vem de setor minoritário do STJ, cujo Conselho da Justiça Federal houve por bem, lançando por terra o princípio constitucional garantista do juiz natural, atribuir competência, ratione materiae, a um único juiz, dito especializado, para julgar toda a população de Unidades inteiras da Federação... É que, após o trágico 11 de setembro de 2001, os Estados Unidos da América exportou para o mundo a ideologia da persecução preferencial aos delitos econômicos na crença de que as duas Torres Gêmeas de Manhattan só foram destruídas por atos de terror, porque houve dinheiro financiando a deplorável ação que arrebatou vidas inocentes. Sem dinheiro - pensou Tio Sam -, não haveria treinamento de pilotos suicidas na Alemanha nem estratégia de ataque eficiente; logo, é preciso monitorar qualquer fluxo de cabedais financeiros, principalmente os oficiosos, em todo o Globo. Daí a exportação 806 A na is d a X X C on fe rê nc ia N ac io na l d os A dv og ad os dessa nova ideologia, com o discurso de que o inimigo da sociedade, mais ainda que o homicida, o extorsionário, o estuprador, é o empresário que sonega ou elide impostos, já que o resultado dessa manobra “pode acabar em mãos dos inimigos da América”. Acresce, ainda o encanto e embevecimento das classes populares ao ver na televisão pessoas de destaque sendo algemadas ao alvorecer... Iniciou-se, a partir daí, uma série enorme de ações policiais, autorizadas por esses super-magistrados de primeiro grau (que se acreditam, em grande parte, missionários ungidos pelos céus, “combatentes do crime”, patriotas e fundamentalistas, como patriotas se sentiam os jovens oficiais das Forças Armadas que, inspirados pela CIA, torturavam e matavam seus concidadãos que se opunham ao regime militar, havendo-os por “subversivos da ordem” e inimigos da Pátria...). Os que assassinavam inocentes na ideologia do Terceiro Reich, também se imaginavam benfeitores da humanidade, que, segundo a ideologia que os animava, seria carente de eugenia... A violência, física ou moral, encontra sempre belos discursos e teorias para fazer prosélitos na execrável obra de violentar os direitos fundamentais assegurados a todas as pessoas. Foi assim que se inaugurou entre nós uma nova etapa de autoritarismo e agressão aos direitos fundamentais, agora sob o beneplácito e chancela do Judiciário e com o discurso sedutor de que há uma guerra declarada e a ser vencida contra o crime financeiro, pois que é chegada a hora de “rico ir para a cadeia” (sob Adolf Hitler, eram os judeus, comunistas, homosexuais ou seres imperfeitos...). É incrível que um Governo de origens populares como este que temos se deixou levar por essa proposta demagógica dos espetáculos pirotécnicos das chamadas “Operações da Polícia Federal” nos meios de comunicação social. Inaceitável que juízes, a pretexto de exercerem a jurisdição, tenham se prestado à repugnante “missão” de pisotear direitos fundamentais. Fazem-no se crendo intocáveis, protegidos pelo escudo do “exercício jurisdicional”... Assim, os direitos constitucionais dos investigados foram lançados ao lixo; sua imagem nacionalmente degradada, via Embratel; sua intimidade estuprada; o sigilo de suas comunicações telefônicas e telemáticas arrombado; sua liberdade suprimida – com algemas -como primeiro ato da publicização da investigação, mesmo sendo presumido inocente pela Constituição e desnecessária a custódia processual. Em suma, um cenário pavoroso, digno dos momentos mais terríveis da nossa história. A liberdade e a dignidade humana passaram a ser os valores mais banais e menos valorizados do espectro jurídico e não se sabia, quando, de madrugada, a campainha que sonava nas residências era acionada pelo padeiro ou por truculenta equipe de beleguins, portando mandados espúrios e sempre acompanhados de certo canal aberto de Televisão... Nem havia como saber, eis que as investigações e procedimentos eram – e são - secretos... O clima 807 O rdem dos A dvogados do B rasil C onselho Federal instalado se aproximava ao do período dos medievos Atos de Fé... Investigações e provisões jurisdicionais de cautela contra libertatis efetivadas secretamente e na calada da noite, proibição de acesso aos autos que as contém aos advogados constituídos pelos chamados “alvos”, supressão da defesa ampla e do contraditório, escutas e monitoramentos de defensores de acusados, invasão de escritórios de advocacia, enfim, todas as vilanias e arbitrariedades contra os direitos fundamentais e contra a dignidade dos cidadãos, fundamento do Estado Democrático de Direito. Chegara o Estado Policial, o polizei staat! Quando o STF, guardião maior da Constituição, restaura o império da ordem constitucional e rechaça as arbitrariedades perpetradas em primeiro grau, o autoritarismo se mostra capaz de audácia bastante para pretender arrostar os julgados da Suprema Corte, descumprindo-os ou “driblando-os”... Extrema audácia! Os Tribunais Superiores, em especial o STF, não se têm furtado (ressalvada exceção
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