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A questão atual da fosfoetanolamina como potencial agente antitumoral

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Wagner Ricardo adicionou 5 novas fotos.
16 de outubro às 13:02 · Editado · 
Atendendo a pedidos de amigos, alunos e seguidores, seguem algumas informações que auxiliam a compreender a questão atual da fosfoetanolamina como potencial agente antitumoral
Quais são os testes pelos quais a fosfoetanolamina já passou e o que significa ter tido sucesso nestes testes?
Um dos caminhos para a descoberta de novos fármacos é iniciar os estudos in vitro e subsequentemente em animais de experimentação, antes dos testes clínicos. O caminho inverso só existe quando se trata de um suplemento alimentar ou um medicamento que já é usado para outra condição e que portanto já temos informação de segurança. Estudar in vitro significa estudar no laboratório, fora de organismos vivos, no caso em cultura de células.
Culturas de células são células mantidas vivas, proliferando, fora do corpo humano, por exemplo, em uma situação de laboratório, em uma placa, muito semelhante àquelas usadas para crescimento de bactérias. No caso de estudos de câncer, usamos células derivadas de tumores. Os tumores são provenientes de cirurgias e biópsias, são desmembrados em células e estas são colocadas em placas com um meio nutricional (meio de cultura) e acondicionadas em incubadoras que simulam as necessidades fisiológicas (temperatura, umidade, gases). As células aderem ao fundo da placa e não só se mantêm vivas, mas fazem mitoses e se comportam de maneira muito semelhante ao que se encontra nos organismos vivos, sendo portanto um ótimo modelo para estudo do efeito de diferentes moléculas (veja aqui fotos e figuras ilustrativas de células em cultura)
Embora possamos avaliar o efeito de moléculas sobre a proliferação in vitro destas células, temos que levar em conta uma série de aspectos:
- estas células não estão em seu microambiente normal, logo respostas diferentes podem ser encontradas (estão crescendo em um plástico)
- estas células crescem em monocamada, aderida à placa, uma disposição que não é encontrada no organismo e em monocamada ficam muito mais expostas a qualquer molécula que seja adicionada ao meio de cultura.
- estas células são todas derivadas exclusivamente das células do tumor, o que não acontece no organismo, onde vários outros tipos celulares estão presentes.
- aqui a molécula em estudo é colocada no meio de cultura que está diretamente sobre as células tumorais e no organismo teria que se distribuir por todo o corpo e talvez não chegasse adequadamente às células de interesse.
De um modo geral, é muito comum encontrar moléculas que inibem a proliferação de células em cultura, por conta destas fragilidades todas. Praticamente qualquer molécula em concentrações elevadas, inibe a proliferação destas células, pois representa uma agressão muito direta. Eu costumo brincar que até leite condensado ou um extrato de toblerone se colocado no meio de cultura inibiria a proliferação destas células, mas temos que ter muito cuidado, porque isto não quer dizer que leite condensado e toblerone sejam agentes antitumorais. As condições de cultura deixam as células muito mais frágeis e mais responsivas às moléculas testadas.
Só nos últimos 3 anos, na tese de doutorado de uma aluna minha, testamos 4 moléculas derivadas de produtos naturais e as 4 inibiram a proliferação de tumores de mama em cultura, mas isto é apenas um primeiro teste e não quer dizer muita coisa. Todos os dias estamos encontrando moléculas com este potencial nos laboratórios e não é este o limitante, mas as etapas seguintes. Não nos faltam moléculas potenciais.
Outro aspecto que temos que levar em conta é o papel que esta molécula deve desempenhar. Eu gosto de comparar células tumorais a bactérias para discutir potenciais agentes inibidores. As bactérias são seres bastante diferentes de nós e embora compartilhemos de várias vias metabólicas comuns, sempre existem algumas específicas que só nós fazemos e que só as bactérias fazem. Ai está a grande brecha para o desenvolvimento de antibióticos, que neste caso, é muito fácil, quando comparado a quimioterápicos. Basta encontrar vias específicas das bactérias e desenhar um inibidor. Se nós não temos as vias, não temos problemas em usar a molécula. O problema é que o câncer é um conjunto de células alteradas, mas são NOSSAS células alteradas. Por mais que sejam alteradas, é muito difícil encontrar grandes diferenças entre elas e nossas células normais, o que dificulta o desenvolvimento de moléculas inibidoras de proliferação. Já encontramos milhares de alvos a serem inibidos nos tumores e que resolveriam o câncer, mas são alvos que também estão presentes em nossas células normais e nos matariam ou provocariam significativos efeitos adversos, como é mesmo o caso frequentemente, por falta de alternativa.
Voltando agora para as células em cultura, lembro todos que como eu disse, lá só tem células derivadas do tumor. Todas as células são tumorais e matar todas aquelas células é comemorado com entusiasmo, mas esquece-se de um ponto primordial. Esta molécula em teste, mata APENAS as células tumorais? Foi testada em células normais? Percebem o quanto é limitado o sucesso dos experimentos em cultura? Mas percebem o risco que existe de uma empolgação natural com estes experimentos prévios? Trabalho com isto desde 1998 e digo que diversas vezes já testei moléculas que matam as células tumorais, pois quase qualquer molécula, dependendo da concentração usada, o faz, mas mataria também as células normais.
Avaliar o potencial destas moléculas em cultura é importante e empolgante, mas é apenas uma das etapas.
O estudo em animais de experimentação para câncer especificamente também apresenta problemas semelhantes. O que se faz geralmente é utilizar camundongos chamados nude, que não têm pelos porque são modificados geneticamente e também não têm sistema imune. Injetamos células tumorais destas em cultura mesmo no dorso destes animais, no subcutâneo e acompanhamos o tumor. Se este camundongo tivesse sistema imune ativo, ele eliminaria o tumor naturalmente, porque seriam células humanas em um outro animal, algo facilmente reconhecido como estranho. Estudar estes tumores no subcutâneo do animal, permite saber se a molécula injetada na corrente sanguínea ou administrada oralmente ao animal chega adequadamente ao tumor, se distribui como esperado e alguns parâmetros a mais, mas mais uma vez, é uma condição muito diferente da real. Muitas vezes ficamos insistindo em várias tentativas para o tumor crescer no animal. Não é fácil! O tumor pode ser eliminado espontaneamente pelo animal e se você não fizer todos os controles adequadamente e não tiver muita experiência no que está fazendo, vai ver que o tumor sumiu, mas não foi o fármaco usado que gerou isto. Estas células injetadas no animal estão muito mais fragilizadas do que as células do próprio animal, porque estão fora do seu microambiente. Se você injetar algo citotóxico no animal mas não letal, é normal que estas células fragilizadas sofram com a toxicidade antes do animal e desapareçam, mas não significa que houve eliminação específica do tumor. Você pode ter deixado o animal em frangalhos, comprometido. Ter eliminado o tumor e deixado o camundongo “vivo” não quer dizer que pode ser usado em humanos e nem que é específico.
Os controles laboratoriais são sempre muito mais importantes do que qualquer outra coisa no laboratório. Se você não tem bons controles você próprio pode ter a ilusão de ter conseguido qualquer coisa. Vi publicações em que utilizaram modelos animais de tumores, mas o quanto estes modelos, como de tumor de Ehrlich, representam tumores encontrados em humanos? Podem representar alguns, mas não todos. É difícil generalizar.
Me lembro que passou no fantástico a queixa de que para validar a fosfoetanolamina como medicamento precisaria de estudos com médicos. O aluno que desenvolveu a tese de doutorado no tema é médico e disse que se querem médico, ele próprio é, então está resolvido. NÃO É ISSO!!! Não importa a formação de quem fez estes testes in vitro e emanimais. Muitos profissionais são habilitados a fazer pesquisa nesta área e temos médicos, biólogos, farmacêuticos, químicos. O que quiseram dizer que precisam de médicos é para os testes CLÍNICOS, em pacientes e indivíduos saudáveis.
Os órgãos regulatórios, incluindo a ANVISA, só vão liberar testes em pacientes se todos estes testes em cultura e em animais forem considerados aprovados. Eu acredito que seguiram controles rígidos, feitos com o melhor das boas práticas de laboratório, testando células tumorais e também normais, garantindo que a concentração usada da molécula não é letal para células normais. Os testes em animais precisam mostrar que a molécula não é tóxica para nenhum órgão, principalmente fígado e rins, na administração aguda e contínua, em doses diferentes, e não só que fez o tumor desaparecer do dorso do camundongo, ou que funcionou para um modelo ou outro de câncer. Seria interessante focar em um tipo específico de tumor ou então fazer muito mais estudos para dizer que a ação é global contra qualquer tipo de tumor.
Eu NÃO SEI se tudo isto foi feito pelas normas internacionais e não sei porque não foi ainda aprovada a continuidade dos estudos em humanos, porque ao que me parece, pelas declarações nem tudo foi publicado. Eu tive de início bastante dificuldade de encontrar os papers do grupo, porque buscava por um nome que estava aparecendo na mídia e não encontrava, mas hoje, encontrei algum material e li dois papers interessantes. São promissores, parece que foram feitos adequadamente, mas não isenta de pular a fase clínica da pesquisa. Não tem como pular direto dos estudos em cultura e animais para pacientes assim desta forma.
Ver que mata células tumorais em cultura e faz sumir o tumor que tinha sido injetado no dorso do animal está anos luz de distância de dizer que desenvolveu um medicamento pra qualquer coisa, ainda mais para câncer que não é uma doença única.
Existem legislações rigorosas que impedem um cientista de testar qualquer coisa em humanos antes de passar por todos estes trâmites e aprovações, justamente para proteger os seres humanos de moléculas que matam o tumor mas também matam o paciente.
Do ponto de vista da Ética, existe uma coisa chamada uso compassivo, que é quando um fármaco já desenvolvido para uma doença e nunca testada em outra vai ser utilizado para esta outra, porque seria uma última alternativa, em um paciente terminal, mas ainda assim, geralmente o uso compassivo é de fármacos que já existem e só não foram testados naquele cenário clínico. Usar WD amolecedor de dobradiças em paciente com artrose não é uso compassivo e a fosfoetanolamina que nem medicamento é, mas apenas um composto químico estaria na mesma categoria do amolecedor de dobradiças WD.
Resumo: não dá pra saber muita coisa porque parece que nem tudo foi publicado, mas existe um trâmite muito bem estabelecido de como fazer as coisas e se não houve continuidade natural para os ensaios clínicos, é porque há falta de informações suficientes nos estudos preliminares. Estas informações precisam ser fornecidas. Não tendo havido ensaios clínicos, não pode ser usado em humanos, a menos que sejam feitas estas liminares que estão sendo feitas, mas isto abre um precedente perigosíssimo e coloca em risco a população. Eu ESPERO REALMENTE que seja uma molécula promissora, como parece, assim como tantas outras, e que haja um envolvimento de grupo para fazer os experimentos que precisam ser feitos para conseguir autorização e apoio para os ensaios clínicos, mas usar diretamente em pacientes como esta sendo feito é não é correto.
Eu acredito na idoneidade do grupo de pesquisa e na empolgação real. Não acho que estejam agindo de má fé, mas parece que não estão familiarizados com estes trâmites todos e estão pulando etapas por ingenuidade, mas em meio a estes pulos, a história caiu na mídia e tomou esta proporção toda. Como todos, faço votos para que ao passar por todos os testes, a fosfoetanolamina tenha efeitos benéficos, mas que passe por todos os testes necessários e não, não é e nem será a cura do câncer, porque nenhuma molécula sozinha é capaz de curar uma doença que se apresenta de maneira tão variada e complexa. Ela pode resolver aspectos da doença em alguns pacientes, mas de maneira global, não vejo possibilidade, pela natureza do câncer.
Diversas vezes já tive que “segurar” alunos meus que ao fazer estes ensaios acharam que tinham descoberto a “cura do câncer”, porque realmente empolga ver que ao colocar a molécula no meio de cultura as células morrem ou que ao fornecer ao animal, o tumor diminui, mas quem tem experiência neste tipo de experimentação, sabe que são muitas as vezes que temos esta empolgação inicial e quando consideradas todas as condições a serem consideradas, nota-se que não é bem assim, mas precisa de muita experiência nesta área específica pra fazer as considerações e os controles adequados.
Espero ter contribuído de algum modo para que quem não é da área entenda um pouco do cenário. Falar superficialmente não tem convencido. Tecnicamente é difícil, então tentei ser intermediário.
Aproveito a deixa pra comentar que cada vez que descobrimos uma molécula que mata o tumor, mas mataria também o paciente e descontinuamos o estudo, intrometidos incautos dizem que a cura foi descoberta mas "muquifada" por interesses comerciais.
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O CÂNCER E A CONSTANTE NECESSIDADE DE NOVOS FÁRMACOS
Frequentemente me perguntam porque não existe ainda a cura para o câncer, sendo que tanta gente faz pesquisa nesta área por tanto tempo. Sei que muitos acreditam haver a cura, mas esta não ser liberada para a população, porque de alguma forma curar o câncer diminuiria lucros da indústria farmacêutica. Você tem alguns minutos para ler este texto? Eu ficarei muito feliz se você fizer isto.
A proliferação celular normal
Primeiro temos que saber que nossas células são dotadas de mecanismos de proliferação controlada, para que os tecidos do qual fazem parte possam crescer, dependendo da fase da vida ou então simplesmente para que estas células sejam renovadas, já que apresentam um tempo de vida útil limitado. TODAS as células são capazes de proliferar, no entanto algumas o fazem frequentemente, como as células da pele, mucosas, sangue e outras raramente o fazem, embora possam, como as do sistema nervoso e mesmo as musculares. Os mecanismos de proliferação estão ativos em algumas e em outras estão latentes.
Quem coordena a proliferação celular são proteínas, portanto codificadas por genes. Não é um mecanismo simples, do tipo “prolifera/não-prolifera”, porque além de decidir se sim ou se não, deve-se definir especificamente o status para cada tipo diferente de célula. Enquanto nossas células sanguíneas se multiplicam, nossos neurônios estão em estado não-proliferativo; nossas células sanguíneas apenas proliferam se houver as condições adequadas, como estímulo hormonal ou de outras moléculas, por exemplo, que são liberadas em momentos específicos. As moléculas atuam de forma específica, podendo estimular a proliferação de apenas um tipo celular, em meio a tantos outros que não respondem àquele fator de crescimento. Em resumo, só há multiplicação de tipos específicos de células, quando há necessidade, frente a estímulos específicos e se todas as condições forem favoráveis.
Cada tipo celular diferente utiliza ainda mecanismos diferentes de proliferação. Existem genes específicos que contem informações para a produção de proteínas específicas que regulam a multiplicação celular. Algumas destas proteínas induzem proliferação, outras inibem proliferação. O sinal mais forte vence e com estes dois mecanismos de aceleração e freio atuando ao mesmo tempo, regula-se a velocidade com que dada célula prolifera. Como eu disse, não é tudo ou nada.
A proliferação envolve a duplicação do DNA, já que deve haver a passagem de uma cópia deste às células filhas. Este processo de copia (replicação) deve ser perfeito e se houver qualquer cópiamal feita, há mecanismos de reparo. Sim!!! Há nas nossas células, proteínas especializadas em verificar se a cópia foi bem feita e consertar os erros antes de serem passados às novas células. Quando os mecanismos de reparo falham, porque por algum motivo aquela célula não apresenta estas proteínas de reparo funcionando (mutação em genes que codificam proteínas do sistema de reparo), os erros (mutações) são passados às células-filha. Caso as células-filhas sejam inadequadas para a vida, há um outro mecanismo que é o de suicídio celular. Sim!!! Esta célula que contem erros que não são compatíveis com sua existência, se “auto-destrói”, em um processo chamado apoptose. Trata-se de um processo também desencadeado por proteínas específicas e obviamente, codificadas por genes.
Resumo: temos um fino controle da velocidade de proliferação, através de um conjunto de genes que quando ativados induzem proliferação (protooncogenes) e um conjunto de genes que quando ativados inibem proliferação. Do balanço destes dois grupos resulta a decisão de proliferar ou não e em que velocidade. Vale dizer que em cada célula temos vários protooncogenes e vários genes inibidores de proliferação, tornando o mecanismo muito mais complexo. Dado que deve haver proliferação, o material genético (DNA) é duplicado para ser passado às células-filhas e um fino sistema de reparo verifica se a cópia foi feita com fidedignidade ou não, reparando o que houver de errado. Caso o reparo não ocorra, existe ainda a apoptose, que promove a morte da célula defeituosa gerada.
E se além de o sistema de reparo estar defeituoso a apoptose também está? Nesta situação você terá células defeituosas no organismo, que em última instância serão destruídas pelo bom e velho sistema imune, que identifica células estranhas e as debela, SE ESTIVER FUNCIONANDO ADEQUADAMENTE.
O câncer
O câncer nada mais é do que uma doença gerada pela perda deste controle da proliferação celular, gerando um acúmulo de células que não deveriam estar proliferando. Imagine que este controle foi perdido e agora na mama haja células que deveriam proliferar a cada 60 dias para reposição, mas que estão proliferando a cada 60 minutos. Haverá um aglomerado destas células, um tumor.
Para que este processo ocorra, vários sistemas devem falhar e não apenas um, logo, várias mutações devem acontecer em uma mesma célula para garantir o tumor. Temos que ter mutações que tornem as proteínas indutoras de proliferação mais ativas, mutações que bloqueiem a ação dos inibidores de proliferação, mutações que danifiquem o sistema de reparo, mutações que danifiquem o mecanismo de apoptose e de preferência, alguma coisa pra abalar o sistema imune. Ufa!!! Difícil ter um tumor hein?!!? Só que não!!! Todos estes defeitos devem acometer uma mesma célula. Ter câncer é praticamente como ganhar no bingo. Tem que preencher toda a série.
Dado que são várias proteínas indutoras, várias inibidoras, várias envolvidas em reparo e várias envolvidas com apoptose, a possibilidade de combinações de defeitos para que o tumor ocorra é muito grande. Isso já deve te permitir imaginar que cada tumor é muito diferente um do outro. Mesmo quando histologicamente são semelhantes ou iguais, são molecularmente diferentes. Quando digo histologicamente, estou falando do resultado da “biópsia”. Você pode ter 10 tumores de mama que se apresentam da mesma forma, como nódulos, com o mesmo aspecto mamográfico, sejam classificados da mesma forma no anatomopatológico (biópsia; por exemplo, carcinoma ductal invasor), mas que tenham se tornado tumor por 10 mecanismos moleculares diferentes. O resultado disto, é que podemos ter 10 respostas diferentes ao mesmo tratamento. Isso porque já homogeneizamos e estamos falando de 10 tipos que tiveram o mesmo resultado de biópsia. Poderíamos ter diferenças já ai.
Será que ainda podemos chamar esta doença simplesmente de câncer? O que é o câncer? O câncer é um conjunto de centenas ou milhares de doenças diferentes, que em cada paciente se dá por um mecanismo diferente e cuja única característica em comum é o fato de apresentar células que proliferam demais. Dado que são tantas doenças, precisamos de muitos medicamentos, pois cada uma delas responde de uma forma ao tratamento.
Há mais um agravante. A única característica comum destas células é que perderam a capacidade de controle da proliferação, não é? Pois é! Logo, agora vão proliferar sem fazer reparo mesmo, cada vez mais rápido e a partir das células deste tumor, mais mutações serão geradas pela proliferação rápida e descuidada. Resultado: o tumor constantemente acumula mutações diferentes, logo o tumor que você tem hoje de manhã, não é o que você tem amanhã a tarde. Ele vai sofrendo alterações e passa a responder de maneira diferente ao tratamento. Pode se dar o mecanismo de resistência. Além de ter que ter um arsenal enorme de medicamentos para tratar tantos cânceres diferentes, estes cânceres vão se alterando ao longo do curso da doença e a medicação muitas vezes precisa ser trocada.
As mutações
O que geram as mutações iniciais que lesam os sistemas de inibição de proliferação, reparo e apoptose e tornam o sistema de indução de proliferação mais ativo são aquelas que já conhecemos. O fumo, as radiações ionizantes, a exposição ao sol, alguns compostos tóxicos presentes em alimentos, etc.
“Por que meu avô fumou dos 7 anos aos 88 e morreu do coração e não de câncer e meu pai morreu com 40 anos com câncer de pulmão sendo que fumou bem menos? Eu acho que o fumo não tem nada a ver.”
Veja, lembra da cartela do bingo? Estes compostos que eu disse, geram mutações ao acaso no nosso genoma. Para ter um tumor você precisa lesar indutores, inibidores, reparo e apoptose NA MESMA CÉLULA. Conclusão: tem que ter um azar bem grande, além de tudo, mas são estes os agentes conhecidos que provocam câncer sim, mas é um processo com um grau de aleatoriedade. Sabendo que fumar provoca mutações, você pode contar com a sorte e decidir se continua fumando e torcendo para que as mutações ocorram em células diferentes de modo a você nunca preencher a cartela do bingo ou então evitar ao máximo se expor a esta roleta russa.
“Meu primo nunca fumou e morreu com 17 anos de câncer de pulmão”. É duro saber disso, mas algumas pessoas já nascem com a cartela do bingo pré-preenchida. Sim, eles já nascem com mutação em 2 ou 3 dos sistemas envolvidos em proliferação, porque herdaram esta cartela dos pais e em poucos anos gritam bingo, porque deram o azar de preencher a cartela em poucas exposições. Como herdaram dos pais se os pais não tem câncer? Herdaram a cartela pré-preenchida. Os pais tem a cartela pré-preenchida. A criança teve o azar de preencher antes dos pais. Pode ser que a criança não tenha a cartela pré-preenchida e tenha adquirido todas as mutações numa única exposição? Perfeitamente possível!!! Pouco provável, mas possível!!! Azar é pra quem tem. Pode ser que minha cartela fique pré-preenchida a vida toda e eu nunca grite bingo? Se você já jogou bingo, você sabe que sim.
O tratamento
O tratamento para o câncer consiste em destruir as células que proliferam de forma desenfreada. Fora a retirada cirúrgica do tumor, isto pode ser feito através da quimioterapia e da radioterapia.
A quimioterapia se divide em dois grandes grupos. Aquela que simplesmente ataca células que proliferam muito e aquela que ataca preferencialmente as células do tumor. A primeira, é claro, gera efeitos adversos, pois não são apenas as células do tumor que proliferam muito. Temos as células do sangue, da pele, mucosas, cabelo e outras. Por este motivo, podemos ficar sem cabelo, ter anemia, diminuição geral das células do sangue, irritação de todo o trato gastrointestinal por não renovação da mucosa, etc. A segunda, que ataca preferencialmente as células do tumor, é chamada de terapia alvo, mas para aplicá-la, além de sabermos o resultado da “biópsia”, temos que saber características moleculares do tumor. Por exemplo, se sei que o tumor se comporta como tal porque produz a proteína X,posso usar um inibidor de X, que deve atuar mais especificamente sobre o tumor. A terapia alvo já é uma realidade e um enorme investimento da indústria farmacêutica, mas depende de profundo conhecimento molecular do tumor, individualizado para cada paciente (Farmacogenômica)
Hoje, após o resultado do anatomopatológico convencional, pode-se complementar o diagnóstico com diversas características moleculares que permitem o direcionamento do tratamento. Dada a complexidade da doença, apresentando vários pontos de desregulação, geralmente combinações de drogas são usadas e a cada dia, no ambiente de pesquisa, nos deparamos com tumores molecularmente “mais diferentes”, exigindo o desenvolvimento de mais e mais drogas.
Dado que o tumor muda ao longo de sua instalação, porque acumula mais mutações, uma característica de sua própria natureza, é fundamental que o diagnóstico seja feito de maneira precoce. Quanto menos tempo o tumor tiver pra “mudar”, melhor é a chance terapêutica. Quando é possível caracterizá-lo molecularmente, parcialmente, a terapia é direcionada ao defeito. Quando não, a terapia é contra células que proliferam “mais”, embora com o passar dos anos, muito tenha se aprendido e mesmo sem caracterização molecular, seja possível definir quais quimioterápicos são os melhores para cada tipo de tumor, com base no anatomopatológico e na clínica.
São muitos quimioterápicos, mas são muito mais tumores e estes continuam em constante evolução e apresentação distinta. Nosso arsenal de medicamentos precisa crescer.
Quando alguém me diz que a cura do câncer já foi desenvolvida, mas está guardada a sete chaves pela indústria farmacêutica, por questões econômicas, eu pergunto: de que câncer você está falando? Você tem algumas horas pra gente conversar um pouco?
Para quem sabe do que se trata, é evidente que não há e nunca haverá uma droga única ou um conjunto limitado de drogas que resolvam o problema. Trata-se de uma das áreas em maior evolução na Medicina, tanto do ponto de vista de diagnóstico (envolvendo detecção precoce e caracterização molecular), quanto de tratamento e acompanhamento. Muito é feito pelos cientistas desta área que trabalham arduamente e embora possa parecer para alguns que tantos anos de luta ainda não trouxeram a cura, temos orgulho de tudo que já foi desenvolvido e a certeza de que os avanços já alcançados são enormes e continua-se no caminho, silenciosamente nos laboratórios.
Tenho certeza de que muitos de vocês ou pessoas ao seu redor, já se beneficiaram das caracterizações moleculares que estão disponíveis e dos tratamentos mais modernos. Continuemos da forma que deve ser
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