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Estética As primeiras manifestações artísticas e as questões filosóficas sobre arte. A arte ao longo da História do pensamento ocidental, sob a análise estética, através dos principais filósofos que abordaram tal perspectiva. A arte e o seu papel político. Os próximos desafios artísticos. Ronaldo Pelli Junior 1. Itens iniciais Propósito Compreender a contribuição do pensamento filosófico clássico e da Modernidade (nos séculos XVIII e XIX) é fundamental para o reconhecimento da cultura de massa na receptividade das manifestações artísticas pela sociedade contemporânea. Preparação Antes de iniciar o estudo deste conteúdo, é importante ter à mão um bom dicionário de Filosofia. Dentre muitas possibilidades, sugerimos o Dicionário de Filosofia, de Nicola Abbagnano, da editora Martins Fontes . Objetivos Identificar as primeiras indagações filosóficas sobre a arte, ainda no período grego clássico. Localizar a criação da estética e os seus efeitos sobre o mundo e o pensamento dos séculos XVIII e XIX. Descrever as consequências de uma sociedade baseada na cultura de massas para a receptividade artística. Introdução Desde o tempo das cavernas, os humanos se expressam por meio de desenhos, afrescos, esculturas, contam histórias uns para os outros em volta de fogueiras, criam mitos, dançam, cantam, fazem performances, apresentam-se uns para os outros. Mesmo que haja questões sobre se eles consideravam tais produções como “arte”, essas expressões caminham junto com toda a trajetória da humanidade. Mas o que seria mesmo a arte? Desde quando a Filosofia se consolidou na Grécia Antiga, a arte foi um dos focos de questionamento. Menos para saber o que ela seria, mais para mostrar sua “utilidade” dentro da sociedade grega. Portanto, desde quando a arte entrou para o rol de assuntos da Filosofia, ela nunca mais saiu. Passou por todos os períodos históricos e principais escolas do pensamento ocidental, mas foi na Alemanha dos séculos XVIII e XIX que ela sofreu uma mudança significativa que influencia até hoje os estudos sobre a matéria: a criação do conceito de estética. Assim, desde que a Revolução Industrial despejou no mundo novos produtos e máquinas, a sociedade ocidental foi afetada de modo irreversível. A arte e a cultura foram diretamente implicadas, principalmente, com a capacidade técnica da reprodução de imagens e com a indústria cultural. A arte também – e cada vez mais – ganha interesse de tantas áreas do saber. Com a Filosofia, não seria diferente! Com ela, percebe-se que os limites não são tão fixos assim, ao contrário: estuda-se, atualmente, mais as questões estéticas, aquilo que afeta nossa sensibilidade, do que determinado tipo de objeto ou produto específico. Isso porque sabemos que esses afetos são parte muito importante na hora de entender o mesmo mundo que nos envolve. • • • Chevaux de la grotte Chauvet (Cavalos da caverna Chauvet). 1. As Primeiras Indagações Filosóficas sobre a Arte no Período Grego Clássico O início da Arte Há 30 mil anos, talvez um pouco mais, um grupo de humanos se juntou em uma caverna no que, muitas dezenas de milhares de anos depois, seria a França, e pintou uma série de animais (leões, panteras, ursos, aves, rinocerontes, hienas, cavalos, bovídeos, veados etc.), além de figuras humanoides incompletas, como desenhos de mãos, uma personagem com pernas humanas masculinas, sexo feminino e cabeça de bisão. Isso entre outras mais de 400 figuras. A caverna em Chauvet-Pont-d'Arc, no sul do território francês, ficou escondida durante 30 mil anos – talvez, um pouco mais – até ser redescoberta na década de 1990. Depois de muitas pesquisas, o lugar tornou-se um dos principais sítios com pinturas em paredes do mundo. A revelação foi tão impressionante que empolgou o cineasta alemão Werner Herzog a produzir em 2010 um documentário sobre o local, que se intitulou Caverna dos sonhos esquecidos. Essas pinturas não parecem aleatórias. A escolha dos lugares, por exemplo, não soa casual: geralmente, são encontradas em grutas, fissuras de rochas, próximas a lagos etc. Muitas vezes, bem longe do lugar onde essas pessoas passavam mais tempo. Não era uma atividade banal, mas pensada, planejada. Por tudo isso, pesquisadores têm quebrado a cabeça desde a primeira pintura encontrada para tentar descobrir o que é que essas figuras querem dizer. São religiosas? Mágicas? São registros de caçadas? São evocações? São representações do cotidiano? Ademais, há um problema metodológico na hora de encarar a questão. Não se sabe qual tipo de conhecimento se deve utilizar para tentar desvendar esses mistérios. Tais pinturas devem ser tratadas como objetos artísticos? Históricos? Arqueológicos? Antropológicos? Filosóficos? Tudo ao mesmo tempo? Talvez, essa seja a grande dificuldade que as produções artísticas enfrentam ao longo de todos os séculos – e, como se pode ver, desde os primeiros registros que temos conhecimento. Temos poucas informações e menos ainda certezas sobre as razões pelas quais foram feitas tais pinturas, mas algo é muito provavelmente certo: as razões pelas quais eles pintaram paredes nada têm a ver com o que nós, hoje, chamamos de arte. Aliás, seria possível chamar esses desenhos nas grutas feitas por nossos antepassados de arte? Seu desenhista pode ser visto como um artista? Sem perceber, já estamos no meio de um dos maiores imbróglios da História do pensamento ocidental: a definição de arte. Platão. Mármore Luni, cópia do retrato feito por Silanion ca. 370 AC para a Academia em Atenas. arte O nome “arte” vem do latim ars, que, por sua vez é uma tradução do termo grego techné. Em português, suas versões correspondem à habilidade, à artesania, ao conhecimento específico. De cara, já percebemos que há uma diferença imensa com o que se pensa como arte hoje. Para corroborar, basta lembrar que Platão, por exemplo, dizia que médicos e generais também tinham techné, como para defender que eles eram experts em um determinado tipo de campo. Saiba mais A atual maneira de chamar determinados objetos, sons, performances, movimentos de arte tem uma tradição ligada ao que ficou conhecido como belas-artes, nascida por volta do século XVIII. Esta, por sua vez, remete às chamadas artes liberais, termo que começou a ser usado no século XV, e que tem ligação com as artes superiores ou artes maiores, e aí já estamos de volta à Grécia Antiga. Todas essas “artes” tentavam, de algum modo, demarcar o que é arte. O início da filosofia da Arte O primeiro tratamento na História da Filosofia sobre algo que nós, hoje, consideramos arte, foi dado por Platão. Como em vários outros temas, nesse também ele foi pioneiro. Embora Platão não tenha dedicado um dos seus muitos diálogos para definir o que era a arte, em diversas das suas obras, o tema aparecia direta ou indiretamente. Para falar a verdade, pode ter sido Sócrates, professor de Platão, o primeiro a ter falado filosoficamente sobre o que seria a essência de um dos representantes mais famosos da arte, a pintura. Xenofonte, outro discípulo de Sócrates, bem menos famoso que Platão, conta que ele foi até o ateliê do pintor Parrásio de Éfeso e fez indagações filosóficas que, normalmente, aparecem ligadas às questões ético-políticas nas obras platônicas. Como Sócrates não deixou nada escrito, a tradição deixa com Platão esse vanguardismo – mas sem se distanciar de Sócrates, já que ele também é a principal personagem dos textos platônicos. Platão trata mais diretamente de arte em Protágoras, em O Banquete, em que aborda a noção de belo, e no Íon e no Fedro, em que fala, entre outras coisas, sobre a inspiração dos poetas. Mas, é na sua obra mais famosa, A República, que suas mais conhecidas passagens sobre arte aparecem. Em pelo menos dois trechos, a arte torna-se essencial para se entender o que acontece na narrativa. Como se sabe, Platão (2001), contrariado com a organização social que existia em sua Atenas natal, que condenou à morte seu mestre Sócrates, tenta criar uma sociedade ideal. Ao longo dosempregos inteiros. A alternativa E está correta. Em vez de nos engrandecer, de nos fazer ter acesso a novas maneiras de pensar, de nos sensibilizar para temas indispensáveis, a função da “arte” tem a função apenas de nos anestesiar, argumenta a dupla de pensadores da Escola de Frankfurt. Diminuir as tensões do cotidiano produtivo da maquinaria capitalista para que, no dia seguinte, possamos voltar ao trabalho e continuar no mesmo pique. 4. Conclusão Considerações finais Como parte de um projeto educacional e pedagógico para a criação de cidadãos perfeitos. Como modo de ensinar as nossas emoções a enfrentar os grandes baques da vida. Como o encontro das faculdades da imaginação e do entendimento. Como uma das maneiras de se atingir o conhecimento pleno. Ou mesmo tendo perdido a importância e se vulgarizando, transformando-se em mero entretenimento. A arte, ou melhor, a estética, entendida aqui em sua forma mais alargada, foi objeto de escrutínio dos principais filósofos ao longo da História. Porque a arte, ou, melhor explicando, as representações estéticas, são parte integral da vida humana. Não são meros enfeites dispensáveis, acessórios que usamos exclusivamente como passatempo. Com os alemães do século XVIII, ainda entendemos que todas as coisas que existem podem nos provocar sensações que merecem ser estudadas, mudando o foco dos estudos. De um objeto parado no tempo, feito para um único fim, para entender o mundo inteiro como algo artístico. Evitar a banalização da arte e perceber sua potência política é o grande desafio que se coloca daqui para frente. Podcast Agora, o professor Ronaldo Pelli Junior encerra o conteúdo trazendo à tona questões mais contemporâneas acerca da Arte e da sensibilidade Estética. Conteúdo interativo Acesse a versão digital para ouvir o áudio. Explore+ Para saber mais sobre os assuntos explorados neste conteúdo: Conheça a Revista Viso, publicação acadêmica com foco na divulgação dos estudos estéticos contemporâneos, uma ótima oportunidade para saber mais sobre filosofia, arte e estética. Assista ao vídeo Caverna dos Sonhos Esquecidos: Imagens em movimento antes da História – Werner Herzog, do cineasta Matheus Benites, que traz importantes informações. Leia o artigo Só o capitalismo pode fazer com que a ganância e o egoísmo melhorem a vida das pessoas, do filósofo Steve Patterson, que traz uma reflexão curiosa sobre a sociedade consumista, como o título já nos aponta. Vale a pena conhecer seu site pessoal com debates sobre vários temas, inclusive a Arte. • • • Visite o site do Museo del Prado (Museu Nacional do Prado, Espanha), que apresenta a possibilidade de conhecer várias obras de arte, com alta resolução de imagem, e profundas explicações sobre autores, períodos e movimentos estéticos. Referências ABBAGNANO, N. Dicionário de filosofia. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007. ARISTÓTELES. Poética. In: Os pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1973. BENJAMIN, W. A obra de arte na época de suas técnicas de reprodução. In: Os pensadores v. XLVIII. Walter Benjamin, Max Horkheimer, Theodor W. Adorno, Jürgen Habermas – textos escolhidos. São Paulo: Abril Cultural, 1975. BAUMGARTEN, A. G. Estética: a lógica da arte e do poema. Rio de Janeiro: Vozes, 1993. ECO, U. Apocalípticos e integrados. São Paulo: Perspectiva, 2008. HEGEL, G. Fenomenologia do espírito. Petrópolis: Vozes, 2014. HORKHEIMER, M. Dialética do esclarecimento. Rio de Janeiro: Zahar, 1985. KANT, I. Crítica da faculdade do juízo. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2012. PLATÃO. A república. Introdução, tradução e notas de Maria Helena da Rocha Pereira. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2001. • Estética 1. Itens iniciais Propósito Preparação Objetivos Introdução 1. As Primeiras Indagações Filosóficas sobre a Arte no Período Grego Clássico O início da Arte Saiba mais O início da filosofia da Arte Atenção A primeira crítica artística Exemplo Comentário A Arte é cópia do real? Conteúdo interativo Verificando o aprendizado Sabemos que, na cidade ideal, apresentada especialmente em sua famosa obra A República, Patão determina que os cidadãos devam ter apenas uma única profissão. Mas Platão expulsa os poetas dessa cidade por outro motivo. Qual? Um dos mais importantes conceitos para a Estética Clássica é mimesis. Porém, ele não é compreendido da mesma forma pelos principais representantes do período. Assim, qual é a principal diferença entre o conceito de mimesis em Platão e em Aristóteles? 2. A Criação da Estética e Seus Efeitos no Pensamento dos Séculos XVIII e XIX O nascimento da estética Comentário Saiba mais Atenção Estética como o encontro de mundos 1 2 3 Atenção O sublime e o gênio Sublime matemático Exemplo Sublime dinâmico Atenção A volta da filosofia da Arte Atenção Exemplo Saiba mais Artistas ou Filósofos da Arte!? Conteúdo interativo Verificando o aprendizado Em linhas gerais, qual seria o ponto principal da Crítica da faculdade do juízo, a terceira crítica escrita por Kant? Por que se diz que, com Hegel, teria havido uma espécie de retorno à filosofia da arte? 3. A Cultura de Massas e suas Consequências para a Receptividade Artística Reprodução técnica A Revolução da Fotografia e a Reinvenção da Pintura Impressionismo e Fotografia: A Reinvenção da Arte Da Fotografia ao Cinema Reflexões ao longo da História Velocidade Reprodutibilidade Agilidade Autenticidade A aura da obra de arte A reprodutibilidade técnica Arte revolucionária Indústria cultural Saiba mais Atenção Atenção Repercussões e atualidades Arte Revolucionária Conteúdo interativo Verificando o aprendizado De forma simplificada e se baseando no texto apresentado, explique o que é a aura da obra de arte, para Walter Benjamin. Por que Adorno e Horkheimer dizem que uma das principais funções da indústria cultural é produzir artefatos que nos anestesiem? 4. Conclusão Considerações finais Podcast Conteúdo interativo Explore+ Referênciascapítulos, ele vai escolher os cidadãos para morar nessa cidade utópica, a maneira de educá-los, o tipo de moral que eles deveriam seguir, quais seriam seus governantes e uma série longa de características para que tal cidade funcionasse perfeitamente. A arte, claro, aparece nela. Nos capítulos 2 e 3 de sua obra-prima, Platão narra o papel da poesia na educação – tema que ele vai explorar também em Protágoras. Platão (2001) escreve que os jovens, que serão os guardiões da cidade, precisam ler textos que formem os seus caracteres . Para isso, mesmo obras como as de Homero deveriam ser censuradas para que aparecessem apenas as partes que exaltam os deuses e que mostram ações virtuosas, que deveriam ser copiadas. Percebe-se, nessa passagem, que a poesia para Platão tinha como função a pedagogia: a formação de uma futura mão de obra qualificada que iria ocupar importantes cargos na sua cidade perfeita. Para ele, não importaria a beleza das palavras, a força da trama, as reviravoltas da ação, nada. Se a obra mostrasse deuses em cenas menos nobres, ela deveria ser mutilada ou descartada. Tal preocupação nos leva a pensar em discussões bem recentes sobre como uma obra pode ter alguma interferência no comportamento dos espectadores. Como quando se critica determinado filme, livro ou videogame (muitas vezes, considerados também como criações artísticas) como os responsáveis por incentivar o crime. Como se as pessoas fossem completamente maleáveis, a ponto de qualquer tipo de informação externa ser capaz de moldar índoles. Sem desconsiderar completamente o ponto de Platão, podemos perceber que, mesmo que haja algum tipo de interferência exterior na formação da personalidade das pessoas – e, sem dúvida, há –, deve-se pensar no grau de influência, no tipo de atuação, na capacidade de absorção, e muitas outras variáveis que podem tornar essa relação de ingerência bem mais complexa e menos automática. Esses trechos são os primeiros indícios de que, para Platão, a poesia só serviria para atuar como força auxiliar para o seu projeto filosófico maior. Se há dúvidas disso, elas são dirimidas quando o livro aborda o tema da mimesis e, depois, quando adentra o décimo e último capítulo da sua obra maior. mimesis Mimesis é uma palavra grega normalmente traduzida como imitação. Para Platão, os poetas, ao narrarem suas cenas épicas (no caso, Homero), podem usar dois tipos de vozes: as suas próprias ou “imitar” as vozes das suas personagens. Dentro da lógica platônica, esse segundo caso seria considerado reprovável. A razão dessa condenação não é tão óbvia. Dentro do processo de construção dessa cidade ideal, Platão defende que cada um dos seus habitantes deveria se especializar em apenas um tipo de profissão, para se tornar cada vez melhor nessa função. Quando o poeta se passa por outra pessoa, ele estaria “criando” uma nova personagem e, portanto, agindo em dois papéis diferentes. Logo, estaria contrariando as regras da tal cidade. É a segunda reprimenda às artes. No entanto, não é nem de longe a mais dura de todas as repreensões de Platão aos artistas. Platão (2001) decide, simplesmente, impedir a entrada dos poetas na sua cidade. Não é pelo mesmo motivo que ele tinha reclamado deles, mas a causa passa perto. Porém, para entender o porquê de Platão expulsar os artistas de sua cidade, é preciso mostrar um pouco a estrutura filosófica platônica em que se baseia tal pólis. Em seu edifício metafísico, isto é, no seu arcabouço de pensamento e de organização de valores perenes, Platão coloca como o ponto mais alto entre todas as coisas que existem o que ele chama de ideias. Ideia é a forma arquetípica de todas as coisas que existem: a cadeira, a cama, a justiça, o bem. Todas as coisas físicas, mas também as abstratas, têm nesse mundo ideal um modelo fixo, absoluto e eterno. O mundo em que vivemos, com suas diferentes cadeiras, camas, suas diversas formas de interpretação para a justiça e o bem, seria apenas uma cópia dessas ideias. Enquanto temos acesso direto a essas coisas do mundo real, só se pode acessar esse mundo ideal por meio do pensamento puro, desenvolvido apenas pelos que conseguem o máximo da abstração. A arte seria uma espécie de cópia do mundo real, que já é outra cópia. Sendo uma cópia de segunda categoria, ela seria ainda mais fraca, puída e distante do que verdadeiramente importava: as ideias. Atenção De todo modo, o que não tem como deixar de ser notado nesse caso sobre mimesis e, principalmente, sobre a discussão do autor em produzir uma obra utilizando a voz de outra pessoa, é o fato de Platão ter colocado Sócrates como seu protagonista na quase totalidade dos seus textos conhecidos. Mesmo que a sua pretensão não fosse literária – apesar de Platão ser considerado muitas vezes o mais poético entre todos os filósofos – não deixa de soar extremamente irônico tal detalhe. A primeira crítica artística Esse tipo de leitura platônica sobre a arte não parece ter feito muito sentido dentro do campo estritamente artístico, nem mesmo na sua época. Por isso, Aristóteles, discípulo de Platão, correu para tratar a arte na sua inteireza ontológica. Dito de outra forma: mostrando o que faz da arte, arte, e como uma arte pode ser boa, por si só, não como plataforma para atingir outros fins. Isso quer dizer que, até onde se sabe, ele é o primeiro autor a dedicar um texto filosófico (ARISTÓTELES, 1973) sobre a arte – ao menos um que chegou até nós. Só temos conservado da Poética a metade dedicada à tragédia. Das páginas sobre a comédia, só sabemos da existência por conta das menções. Mundo real Por ser acessível diretamente aos sentidos, é chamado de sensível. Por ser cópia das ideias, o mundo sensível seria considerado de pior qualidade. O argumento para isso é que o mundo real, esse mundo com que nós temos que lidar todos os dias, é sujeito à degradação, ao movimento, ao vir a ser, à modificação. Mundo das ideias Só pode ser alcançado pelo raciocínio, é denominado de inteligível. Esse mundo das ideias é a perfeição imóvel, imutável, para todo o sempre. Estátua de Aristóteles. Platão (à esquerda) e Aristóteles (à direita) no recorte de A Escola de Atenas, Raffaello Sanzio da Urbino, 1511. De todo modo, mesmo que ela tenha sido descoberta a partir de dois manuscritos em grego e duas traduções, uma para o árabe e outra para o latim, o pequeno tratado se transformou no critério para avaliar a qualidade de obras teatrais durante séculos. Mas o que o texto de Aristóteles tem de tão importante assim? Para começar, é uma obra antiplatônica. Se Platão expulsou os poetas da sua cidade ideal, Aristóteles queria demonstrar que os artistas são peças fundamentais para qualquer sociedade. E não por uma questão de adereço, de perfumaria, por fazer algo supérfluo. Para Aristóteles, a arte era essencial. Fica fácil entender como gerações e gerações de artistas, críticos e toda a fauna que vive em torno do mundo artístico iria eleger tal obra como seu farol. Como foi que Aristóteles demonstrou que a arte era, assim, tão importante? Para começar, elaborando uma nova versão do que se entendia por mimesis. A Poética já se inicia afirmando que poesia é imitação (mimesis). Até aí nada diferente de Platão. Aristóteles, entretanto, dá um valor positivo para essa imitação. Em certo momento, ele chega a dizer que “o imitar é congênito no homem”, que, inclusive, por isso, seria diferente de outros seres vivos, por ser o mais imitador. Não é apenas algo que nasce com o homem, que lhe é instintivo, mas que também é a partir da imitação que os homens aprendem as coisas. Por fim, ele defende: “os homens se comprazem no imitado”. Até esse momento, apesar do tom mais condescendente com a poesia, as afirmações aristotélicas não divergem muito das sugestões de Platão. Ambos concordam ao dizer que o homem aprende por imitação, por exemplo. Não há nada em Platão que desdiga que a imitação seja congênita ou que o homem não gosta de imitar. Seria mais uma maneira de encarar o problema. Platão apenas diz queesse procedimento é pior do que a sua proposta idealista, enquanto Aristóteles é mais realista e tenta aceitar as coisas como elas são. Uma discussão eterna entre o realismo e o idealismo, que passou por várias roupagens e até hoje ainda não se encerrou – nem parece dar sinais de esgotamento. Os caminhos começam a se separar irremediavelmente quando Aristóteles expõe o que, para ele, a arte imitaria: Ao imitar um episódio da vida, uma boa trama representaria uma ação. Se bem feito, tal procedimento acarretaria uma ação unificada, que quer dizer ter uma conexão coerente no andamento do enredo. Os acontecimentos não são aleatórios, mas parecem sempre obedecer a algum tipo de lei da necessidade ou, no mínimo, da probabilidade. Assim, uma tragédia representaria uma ação que contém, em si, uma verdade geral. Platão Parece enfocar um procedimento quase individual, em que o autor imitaria a voz das personagens, criando uma espécie de segunda personalidade dentro de si. Aristóteles Acredita que a tragédia imitaria situações, cenas, um acontecimento. Assim, a trama seria o ponto principal das peças trágicas, não as suas personagens. Enquanto Platão pensa a mimesis como uma ação passiva, uma espécie de pastiche da realidade, um esmaecimento da vida verdadeira, Aristóteles sugere uma postura ativa de edição, de recorte, de escolha das partes mais relevantes da vida para montar, se não os “melhores momentos”, aqueles mais importantes, que fazem mais sentido, para contar uma história. O poeta deve ser mais fabulador que versificador; porque ele é poeta pela imitação e também porque imita ações. fabulador Tanto “poeta” como “fabulador” (outras traduções colocam como “compositor”) na frase vêm da palavra grega poíesis, o “fazedor”. Poíesis, aliás, é um sinônimo para a techné, que vimos anteriormente como a origem da arte, como a conhecemos atualmente. Se techné veio dar em técnica, poíesis, como se pode perceber, está mais próximo de poesia. Voltando ainda à mimesis, talvez a grande vantagem de Aristóteles sobre Platão na interpretação dessa imitação possa ser entendida acompanhando o raciocínio de ambos os gigantes da Filosofia. Se Platão (2001) diz que a poesia dramática é a imitação de pessoas, e se supusermos que toda e qualquer personagem é sempre enviesada, parcial, única, podemos entender melhor a implicância dele: a tragédia contaria tramas muito particulares, comezinhas, específicas. Como já sabemos, Platão está preocupado com os universais, aquilo que não muda, o eterno. Já Aristóteles (1973), ao focar mais na trama, não propõe que haja uma imitação desse ser universal. Mas ao imitar uma ação, segundo Aristóteles, a poesia dramática abre a possibilidade para criar discursos gerais. Exemplo Quando o poeta trágico Sófocles escreve sobre o destino de Édipo – matar o pai e se casar com a própria mãe – a mimesis não apareceria na imitação da vida de um sujeito com esse tipo de trajetória de vida. Mas sim ao mostrar que há certas vidas condenadas a ter um fim catastrófico. Mesmo que não tenhamos vivido uma vida assim, nem mesmo conhecido ninguém com tamanho azar, podemos entender esse terrível processo. Por isso, Aristóteles acredita que a tragédia comunica autênticos conhecimentos filosóficos. Para Aristóteles, a sorte é um componente muito importante na tragédia. Se em nossa vida real, nem sempre somos confrontados com as consequências negativas de nossas ações ou da fatalidade de nossa existência, para as personagens das tragédias, não há escapatória. Eles vão pagar o que eles precisam pagar. Mesmo que eles não tenham qualquer tipo de “culpa”: é a sua sina. Esse sentimento de desgraça que a tragédia desperta nos espectadores tem ligação com um elemento que Aristóteles menciona apenas duas vezes em seu tratado, mas que ficou bastante conhecido ao longo dos séculos: a catarse, cuja possibilidade mais famosa de tradução é expurgo. Esse termo é tão importante que Aristóteles também define a tragédia como a catarse das paixões, como piedade, medo e similares. O que isso quer dizer? Que ele também via na tragédia uma importância, digamos, pedagógica, assim como Platão. Mas, no caso de Aristóteles, era mais ligado com a educação dos sentimentos. Comentário Catarse era um termo de uso corrente entre os médicos da época, quando precisavam expurgar determinados “humores”. Aristóteles usava linguajar e procedimentos provenientes da medicina, já que seu pai era médico da Corte da Macedônia. Como se ao acompanharmos tramas que levam personagens, independentemente das suas intenções, das suas ações, a um destino que invariavelmente é bem trágico, nós estaríamos treinando nossas emoções para aguentarmos as variações de humores que o mundo real nos reserva. Treinando-nos para situações inesperadas, para as tristezas e dificuldades cotidianas. A tragédia – e por que não pensar toda grande arte? – funcionaria como uma espécie de vacina para as adversidades da vida. A Arte é cópia do real? No vídeo a seguir, aprofundaremos o conceito de mimesis a partir do pensamento de Platão e Aristóteles, e outros autores. Conteúdo interativo Acesse a versão digital para assistir ao vídeo. Verificando o aprendizado Questão 1 Sabemos que, na cidade ideal, apresentada especialmente em sua famosa obra A República, Patão determina que os cidadãos devam ter apenas uma única profissão. Mas Platão expulsa os poetas dessa cidade por outro motivo. Qual? A Os poetas produziriam a catarse, que é uma forma de eliminar todas as nossas emoções mais fortes. B Os poetas produziriam um mundo que seria a cópia da realidade que, por sua vez, já seria a cópia do mundo ideal. C Haveria uma cidade destinada exclusivamente para os poetas, em que eles poderiam produzir infinitamente. D Poesia é mal vista por Platão, mas a arquitetura é elogiada, por ser a casa dos deuses olímpicos, que destronaram os titãs. E Os poetas se aproximaram tanto da Ideia, que agora não conseguem se afastar e, por isso, não poderiam divulgar a Ideia, perfeita, inteiriça, para os habitantes de tal cidade. A alternativa B está correta. Dentro da estrutura de pensamento filosófico de Platão, haveria um mundo ideal, perfeito, eterno. O mundo com o qual nós teríamos contato pelas nossas sensações seria apenas uma reprodução desse mundo superior. Como a arte imitaria o mundo real, ela seria uma cópia de segunda categoria, ainda pior que a realidade. Em sua cidade ideal, Platão quer priorizar o pensamento ideal, e não suas cópias. Questão 2 Um dos mais importantes conceitos para a Estética Clássica é mimesis. Porém, ele não é compreendido da mesma forma pelos principais representantes do período. Assim, qual é a principal diferença entre o conceito de mimesis em Platão e em Aristóteles? A Platão diz que mimesis é imitação, enquanto Aristóteles afirma que é catarse dos humores pesados da vida. B Platão e Aristóteles discordam que a mimesis seria a principal tarefa da arte: enquanto o primeiro defende essa hipótese, o segundo argumenta que é caráter trágico das obras. C Na verdade, a diferença entre ambas as interpretações fica para o fato de Aristóteles ter copiado todas as ideias de Platão, seu professor, e nunca ter lhe feito qualquer referência. D Para Platão, a mimesis reproduziria personagens muito particulares, enquanto, para Aristóteles, a imitação foca a ação, que daria um caráter universal para a tragédia. E Platão defende a mimesis como uma das principais características da arte, que deveria ser reforçada, enquanto Aristóteles sugere acabar com qualquer tipo de imitação. A alternativa D está correta. Para ambos, mimesis é imitação, mas Platão diz que a poesia dramática é a imitação de pessoas. Como toda personagem é sempre única, a tragédia contaria tramas muito particulares, enquanto Platão está preocupado com o universal. Já Aristóteles diz que a imitação acontece com a trama, o que abriria a possibilidade para criar discursos gerais. Primeira página de Aesthetica, Alexander Gottlieb Baumgarten, 1750.2. A Criação da Estética e Seus Efeitos no Pensamento dos Séculos XVIII e XIX O nascimento da estética Depois de Aristóteles, o tipo de pensamento organizado como filosofia nunca mais deixou de focar a arte. É possível apostar que a grande virada filosófica nessa disciplina tenha começado com o alemão Alexander Baumgarten (1714-1762) e se fortaleceu muito entre os seus conterrâneos que vieram depois dele. A Alemanha produziu tanta gente que pensou o que era a arte, que até hoje em dia eles se dizem a nação dos poetas e dos pensadores. Aliás, dizem-se assim a partir de uma frase do poeta e pensador (não é coincidência) Johann Gottfried von Herder (1744-1803). A partir de Baumgarten, há uma verdadeira seleção de nomes e movimentos que ocuparam as terras teutônicas: de Goethe (1749-1832), um dos sinônimos de poesia alemã mesmo hoje em dia, até Nietzsche (1844-1900), isso se quisermos ficar só nos séculos XVIII e XIX, e não adentrar o XX. Mas o que Baumgarten fez? Ele inventou uma palavra, basicamente, mas que fez todo mundo rever a maneira como se entendia as artes. E qual era essa palavra? Nada menos que estética. Como é comum até hoje, ele buscou inspiração no grego para compor o termo (BAUMGARTEN, 1993). Comentário Séculos XVIII e XIX Ao redor de Goethe e Nietzsche, sem muita ordem, há Winckelmann, Lessing, Schiller, os pensadores do primeiro romantismo alemão (os irmãos Schlegel e Novalis), o grupo Sturm und Drang (“Tempestade e ímpeto”), os filósofos que se reuniram em Weimar, o período do esclarecimento (nome mais famoso do iluminismo alemão), Fichte, Schelling. Além dos dois maiores filósofos do período: Immanuel Kant (1724-1804) e G. W. F. Hegel (1770-1831), que serão mais bem avaliados nas subseções seguintes deste módulo. Saiba mais Estética vem de aisthesis, que quer dizer percepção, sensibilidade, sensação. E era mais ou menos isso que ele estava tentando focar: puxar a Filosofia para tratar desses temas, que, em sua época, estavam um pouco esquecidos. A consequência disso foi imediata: em vez pensar em um objeto artístico, uma produção qualquer feita por um homem ou uma mulher que tivesse interesse de ser bela, de agradar a um eventual espectador, devíamos Ilustração da Alegoria da Caverna de Platão. focar qualquer coisa que nos afetasse, que nos tomasse, que nos causasse alguma sensação. E tentar entender essa percepção. Em resumo: a invenção de tal palavra suscitou a saída da disciplina da Filosofia, que explorava unicamente a arte, para uma Filosofia das sensações, das percepções que, para dizer de maneira prática, preocupava-se com a estética. O processo iniciado por Baumgarten tem origens em outra área, não exatamente no mundo artístico. Durante toda a História da Filosofia, desde Platão ao menos, havia um privilégio do pensamento sobre as nossas sensibilidades. Para comprovar tal teoria, basta lembrar o quanto o filósofo grego priorizava o mundo inteligível, só acessível pela razão, em detrimento das coisas sólidas, físicas, que existiam à sua frente, que foi chamado por ele de mundo sensível. Também não é coincidência. Havia, portanto, um mundo inteiro, se considerarmos a nomenclatura platônica, que estava sendo colocado fora do radar do pensamento. Um mundo que não era visto como objeto digno de ser pensado, que estava escanteado por uma improvável prioridade ontológica das coisas que podem ser entendidas apenas pela razão (Salvo uma relevante exceção: o filósofo judeu-holandês de família portuguesa Baruch Espinoza (1632-1677), em sua Ética, no século XVII, reserva um bom pedaço da sua obra-prima para tratar dos afetos). Nas ilhas britânicas, os chamados empiristas já estavam, de alguma forma, tentando responder a essas questões, mostrando que o mundo se conhecia e se entendia, principalmente a partir das experiências. A revolução científica do século XVII era, de outra forma, uma tentativa também de responder a essas demandas do mundo real. A criação da estética foi, portanto, um grande reforço em direção a uma filosofia que fosse mais materialista. Uma espécie de vitória do corpo contra uma hegemonia exclusivista da mente. Mostrar que o mundo do gosto e dos sentimentos não pode ser visto apenas como uma questão “subjetiva”, logo, de cunho puramente íntimo, individual, que não tem qualquer relevância para ser pensada. Atenção Não era eliminar a razão, mas trazer as questões do sensível, da sensibilidade para dentro dela. Aumentar o escopo do que pode ou não ser filosofado. A estética, desse modo, transformou-se na ponte que levaria o mundo exterior, que nos atinge cotidianamente pela visão, pela audição, pelos cheiros, pelo paladar, pelo tato, para dentro da mente. Estética como o encontro de mundos Immanuel Kant, Por J. L. Raab, baseado em pintura de Döbler, 1791. Uma das figuras de proa da Aufklärung (esclarecimento) alemã, e, certamente, um dos maiores filósofos de todos os tempos, Immanuel Kant tentou enfrentar em suas duas primeiras críticas alguns desses problemas urgentes que se mostravam em sua época: Crítica da razão pura – Tentava dizer o que nós podemos saber, a metafísica do mundo, o que é cada uma das coisas que existem. Crítica da razão aplicada – Tentava explicar como lidar com as coisas que não temos certeza de como são, como a convivência entre as pessoas, a ética. Havia, entretanto, um tipo de ambiente que aparecia entre os dois campos, uma região inexplorada. Para lidar com essa área, Kant escreveu, bem depois das duas primeiras, uma terceira crítica, a Crítica da faculdade do juízo, e, com ela, marcou para sempre a história dos estudos estéticos. Crítica da faculdade do juízo Sua terceira crítica é até hoje uma referência para críticos de arte, artistas e interessados no tema em geral. No entanto, ela foi tão importante que ultrapassou os âmbitos exclusivos da estética, atingindo outras áreas, como é o caso da filósofa Hannah Arendt (1906-1975), que a usou para escrever um dos seus livros sobre política. 1 A primeira crítica (a da razão pura) tentava descobrir as condições anteriores, a priori (uma expressão muito associada a Kant), para se fazer um julgamento objetivo, universalmente válido, para assuntos ordinários e científicos. 2 A segunda (razão aplicada) tentava usar o mesmo critério para encontrar os a priori para os julgamentos morais. 3 A terceira quer saber quais são os critérios para se fazer o melhor julgamento de gosto, das coisas que nos dão prazer, afetam nossa sensibilidade. O pensamento kantiano até então era dividido entre as faculdades da imaginação e do entendimento. Imaginação é a habilidade de receber dados exteriores, a experiência, mas que é incapaz de a processar pelo pensamento de uma forma a transforma em algo com sentido. • • • Entendimento trabalha com conceitos, como uma faculdade ativa da razão. Vamos ao exemplo: No cotidiano, somos afetados por algo exterior e logo o nosso entendimento trabalha para traduzir essa experiência para algo, usando um valor, uma memória, um critério para que ele possa ser compreendido. Ao olhar para um objeto com quatro pernas de madeira, um assento acolchoado e um espaldar, podemos determinar que ela é uma cadeira. Isso porque já conhecíamos o “conceito” cadeira. Já o julgamento (KANT, 2012) é a experiência que resulta em uma asserção de algo. Quando “decidimos” que algo é “bonito”, chamamos isso de um julgamento de gosto. Kant percebe, entretanto, que as ferramentas que ele tinha usado anteriormente, com as suas críticas das razões, não funcionam dessa vez. Isso porque o julgamento de gosto é um procedimento estético. Para determinar se é uma cadeira bonita ou não, outros critérios devem entrar em cena. O primeiro momento da terceira crítica se presta, por isso, a elencar parâmetros para estabelecer como poderíamos categorizar algo nesses termos. Para tanto, Kant faz o que ele chama de uma Analítica do belo e defende: para sabermos se algo é ou não bonito, devemos ter uma relação totalmente desinteressada com o objetoem questão. Esse é o primeiro passo. Uma cadeira pode ser útil se servir para nos sentarmos; confortável, caso nos permita ficar sentados por horas sem incômodos; mas o belo não tem um interesse, não tem nada além de ser belo. Não serve para nada. O belo é o que agrada, sem precisar exatamente de um conceito racional anterior que o identifique. Por isso, o desinteresse. Nós não recebemos qualquer vantagem em achar uma cadeira bonita ou feia. Nós sentimos que uma cadeira é bela, ou não é. Kant vai além: sugere que o sentimento do belo, apesar de ser pessoal, subjetivo, dá a impressão de ser universal, algo objetivo, como a determinação de que algo seja uma cadeira ou um violão, por exemplo. O argumento dele é que, se não há um interesse em achar algo belo, logo, eu acharia esse algo belo sem qualquer conexão direta com as minhas próprias predileções. Se não há uma ligação comigo em especial, com as minhas preferências, tal objeto seria belo por si só. O que o levava a crer que a beleza é, então, algo que funciona para todos, ao mesmo tempo. A racionalidade não é abandonada, de forma alguma: ele a utiliza ao menos para explicar o seu procedimento. Porque, para Kant, o belo proporcionaria um sentimento de harmonia no espectador. Como se todas as características do objeto estivessem de acordo com a exigência de sua cognição. O belo é algo que se encaixa, é proporcional, está conforme uma certa noção da razão, do entendimento. Ele nos agrada porque é perfeito para a nossa sensação, não tem nada fora do lugar. Desse modo, parece que o belo é parte integrante do objeto em si. • Dá para entender isso quando falamos que a “cadeira é bonita”, como se bonita fosse uma propriedade da cadeira, como ser de madeira ou ser confortável, em vez de dizer que ela está bonita ou que ela poderia deixar de ficar bonita (isso sem qualquer alteração na sua estrutura, ou seja, sem passar por desgastes, avarias etc.). Como se, ao dizer que a “cadeira é bonita”, estivéssemos criando uma verdade universal, que não pode ser mudada, e, assim, eterna. O filósofo alemão também liga o belo a uma satisfação necessária – o grifo é do próprio Kant. Como se esse prazer fosse obrigatório, para todas as pessoas. É parecido com o procedimento da universalização, mas dessa vez, Kant parte para um outro tipo de explicação. Já que não dá para provar que todas as pessoas sentem a mesma coisa, ele sugere que essa necessidade é exemplar, subjetiva e condicionada, baseada em um solo comum para todas as pessoas que ele chama de “senso comum”. Haveria, de certa forma, algo em que as pessoas que vivem em uma mesma sociedade concordariam, em conjunto, sem nem mesmo perceber. Atenção Para ele, há um jogo duplo sempre acontecendo quando o julgamento do belo está em questão, que remete às suas duas primeiras críticas. Julgamos o objeto, a partir da imaginação e do entendimento ao refletirmos sobre o espaço e o tempo (critérios da razão pura). Tomamos conhecimento da beleza do objeto quando percebemos sua harmonia, que, por sua vez, aparece quando refletimos em nossos estados mentais (argumento próximo da razão aplicada). Isso faz com que o julgamento estético seja, fazendo novamente aqui uma aproximação, uma interseção entre as duas primeiras críticas. O sublime e o gênio Além do belo, Kant também aborda o sublime. Diferentemente do belo, contudo, ao tratar desse novo conceito ele não dá exemplos artísticos, mas apenas de paisagens naturais. A característica principal do sublime seria a nossa completa incapacidade de dar conta de determinada sensação proporcionada por uma experiência. Os exemplos dele são sempre da categoria de um furacão, um maremoto, um momento em que as forças da natureza mostram que são muito além da compreensão humana. Haveria, para ele, dois tipos de sublime, o matemático e o dinâmico. Visão geral de três furacões, Irma, José e Katia no Mar do Caribe e no Oceano Atlântico - Elementos desta imagem fornecidos pela NASA. Sublime matemático O matemático é quando, apesar de um evento ser, em tese, calculável, ele escapa das nossas capacidades de entendimento. Exemplo Ao olhar para o mar, para uma noite estrelada, para um deserto gigantesco , para a Amazônia e não conseguirmos perceber o seu fim. Funciona como se experimentássemos o infinito. Em um primeiro momento, teríamos um sentimento de desprazer, da não totalidade, do espaço aberto. Entretanto, em um segundo momento, tal frustração daria espaço para outro tipo de prazer, a partir desse mesmo conflito: quando nos damos conta da capacidade da nossa razão, diretamente conectada com a sensibilidade e o julgamento. Como se disséssemos que, apesar de não conseguirmos perceber o “fim” do mar, sabemos que temos a capacidade de buscar esse fim, por termos essas capacidades racionais. Sublime dinâmico O dinâmico aconteceria quando testemunhássemos uma cena que nos causasse medo, como um vulcão em erupção, uma onda gigantesca, a força de uma catarata. Kant explica que essas situações sublimes nos trazem uma dubiedade: Diante da força natural, temos uma sensação de impotência. Quando nos percebemos seguros, podemos sentir que a natureza – ao menos nesse instante – não teria como nos afetar diretamente. Ou seja, conseguiríamos, por meio do controle racional, direcionar nossas faculdades para não ficarmos temerosos, mesmo diante de circunstâncias aterrorizantes. O ponto, para ele, é demonstrar que o sublime não seria uma característica da natureza, mas do próprio humano, da mente humana. Seria uma capacidade de autoconhecimento, por meio dos sentimentos, do poder transcendental da mente, ou seja, que ultrapassa os limites conhecidos da nossa razão. Isso o leva a crer que o homem seria, dessa forma, superior à natureza, por, ao fim, englobá-la. Ainda na terceira crítica, Kant vai falar também sobre a natureza do gênio – e essa definição continua tendo recepção atualmente, apesar das inúmeras críticas que recebeu ao longo dos tempos. Sua explicação foi absolutamente essencial para a construção, no romantismo, do que seria um artista fora do normal. O Filósofo Georg Friedrich Wilhelm Hegel, Jakob Schlesinger, 1831. fora do normal Diz Kant que as belas-artes são resultado daqueles que têm a habilidade de produzir suas obras sem uma regra anterior dada. São obras originais que servirão de exemplo e modelo para os outros. Gênio, continua ele, é um talento inato, que não pode ser ensinado, cujo processo criativo não pode ser descrito, mesmo para os seus pares. Atenção Diferentemente, porém, de uma certa imagem que ficou ligada a certos artistas geniais, Kant sugere que mesmo o gênio deve praticar e cultivar sua genialidade. O filósofo insiste, se as faculdades da imaginação e do julgamento, esta última mais ligada ao gosto estético, entrarem em conflito na hora da criação da arte, é a imaginação quem deve prevalecer. Caso contrário, a comunicação das ideias estéticas, o objetivo da arte afinal, não será atingido. Em outras palavras, um gênio incompreendido é quase uma contradição, e, certamente, um desperdício. A volta da filosofia da Arte Talvez o único filósofo que se ombreie com Kant no século XIX seja Georg Wilhelm Friedrich Hegel. Para muita gente, Hegel é o nome que finaliza o sistema de pensamento criado por Kant, e que Hegel e seus colegas (o poeta Hölderlin e o filósofo Schelling) apelidaram de Idealismo alemão. Para o próprio Hegel, ele mesmo teria finalizado todo o pensamento ocidental. Sua influência foi tão grande que vários dos grandes nomes que vieram logo depois dele, (Schopenhauer, Kierkegaard, Marx, entre outros) só para ficar ainda no século XIX, não conseguiram lhe ser indiferentes. Ou tentaram contrariá-lo (os dois primeiros) ou usaram parte considerável de sua produção intelectual e tentaram aprofundar o seu grande e complexíssimo conjunto filosófico (no caso do último). Hegel praticamente falou sobre tudo, e a arte não ficou de fora das suas elocubrações. Para entender onde a arte entra em seu sistema, é precisoexplicar, em linhas muito gerais, como funciona esse seu programa filosófico que, ele considerava, seria o último da tradição da Filosofia, da maneira como nós a conhecíamos. Para Hegel, imaginar um humano é imaginar a razão, a razão que comanda todas as coisas da natureza; é pensar, em suma, em uma mente. E uma mente que tem algum grau de autoconsciência, que é o que Hegel chama de “espírito” (Geist, em alemão). O que a mente é depende do que ela sabe sobre si ou do quanto ela tem consciência sobre si. Para ter essa autoconsciência, é necessário conhecer também o mundo lá fora, para que a mente possa se colocar como um contraste ao mundo exterior, e determinar um limite entre si mesmo e o outro ser. Ao mesmo tempo, a mente não está totalmente separada desse outro ser que não é ela. Chega até a incluir dentro do que ela própria é, como parte de si própria. O processo de a mente incluir o “outro” como “si mesmo” começa pelo próprio corpo, depois, avança pela sua casa, pelo país e assim por diante até que o mundo inteiro possa ser incluído. Haveria, diante dessas premissas, três maneiras de buscar a compreensão do mundo e de nós mesmos, que se desenvolvem ao longo dos tempos, em uma progressão em direção ao cume, ou ao absoluto, como Hegel chama: o próprio pensamento abstrato, a arte e a religião (principalmente, o cristianismo). Atenção O importante a frisar neste módulo sobre a filosofia da arte é que Hegel não estava preocupado apenas com as formas artísticas, ou com as suas belezas e graças, ou mesmo com o contato com o divino ou o sagrado, mas, e talvez principalmente, o seu foco maior ficava com os seus conteúdos. Conteúdos que pudessem ser traduzidos por conceitos intelectuais. Por isso, ele priorizava a arte, a beleza da arte, não a beleza de qualquer objeto da natureza, como foi característico de Kant e de outros pensadores que trabalhavam dentro do âmbito da estética. Para Hegel, o ponto é a informação conceitual que tal obra poderia passar para o conhecimento da própria mente. Daí, inclusive, dizer que haveria uma espécie de retorno à filosofia da arte. Exemplo Na Fenomenologia do espírito, um dos seus livros mais famosos, Hegel fala sobre a relação da arte com a religião para o que ele caracterizaria como os povos anteriores da Grécia, mencionando como exemplos os egípcios, os indianos, os persas. Ele chama esse tipo de arte de “simbólica”, por expressar seus significados por meio de prédios monumentais – como os templos, por exemplo – que, geralmente, carregam alguma característica do deus que homenagearia (HEGEL, 2014). O ponto alto desse tipo de arte é, portanto, a arquitetura. O homem, quando retratado, carregaria traços de outros seres, como animais. Esse tipo de pintura demonstraria uma rudimentar visão de mundo – rudimentar, ressalte-se, dentro do pensamento hegeliano de progresso contínuo – posto que a mente estaria ainda pouco desenvolvida para dar conta de arranjos mais complexos. Em seguida, Hegel trata do mundo grego que, por meio da escultura principalmente, teria tentado dar conta dos deuses olímpicos. Zeus e companhia destronaram os deuses anteriores, os titãs, que teriam uma ligação mais umbilical com as forças da natureza. A prioridade dada aos deuses olímpicos estaria de acordo com uma leitura mais hegeliana da natureza como objeto para o usufruto humano. Hegel defende que haveria uma ligação perfeita entre o meio (a escultura) e a mensagem (o domínio da natureza), já que a própria escultura também “doma” um elemento natural. Os deuses, por sua vez, são concebidos como humanos, tendo formas identificáveis. O mundo, consequentemente, é um reflexo da mente. A arte, agora, no tempo dos gregos, não é mais simbólica, mas clássica. Mesmo que nesse período haja tragédias e comédias – e Hegel faz comentários longos sobre as obras de Sófocles –, ele associa a poesia (junto à pintura e à música) com o período seguinte, que ele chama de romantismo, e que vale tanto para o cristianismo medieval quanto para os próprios românticos, contemporâneos de Hegel. Os seus contemporâneos, segundo o filósofo, não são bons artistas, mas bons filósofos da arte. Os gregos é que eram os grandes artistas. De todo modo, o tempo da Grécia Antiga nunca mais voltará, principalmente, porque a arte nunca mais terá o peso espiritual que tinha para os gregos. cristianismo medieval O cristianismo apresenta um novo desafio artístico, contudo. Se Cristo e o Espírito Santo – que Hegel associa com a comunidade cristã – podem ser retratados pela arte, o Deus pai, criador de todas as coisas, não pode. E isso é um grande problema para ele. Embora não seja simbólica como a arte pré- grega, a arte romântica também não atinge a potência visual que alcançou nos gregos e se transforma em algo menor. Saiba mais Essa arte do período de Hegel se preocupava ou em ter uma mensagem séria, importante, ou se contentava com a sua função de mero entretenimento. Em ambos os casos, no entanto, a arte mesma é dispensável, ele argumentava. Porque se a arte quisesse passar uma mensagem, ela nunca seria tão boa nessa função como a Filosofia, a ciência ou mesmo a religião, por exemplo. O mesmo caso se aplica aos entretenimentos: há muitos outros modos de divertimento melhores que a arte. Os seus contemporâneos já tinham estudado a arte e já a tinham categorizado, já tinham atingido um bom entendimento sobre o lugar da arte para a humanidade. Como não havia como voltar ao tempo dos gregos, não haveria muito mais a fazer. Será que a arte também tinha chegado ao seu fim? Artistas ou Filósofos da Arte!? No vídeo a seguir, aprofundaremos o pensamento de Hegel, no contexto em que viveu, destacando sua crítica aos artistas de sua época. Conteúdo interativo Acesse a versão digital para assistir ao vídeo. Verificando o aprendizado Questão 1 Em linhas gerais, qual seria o ponto principal da Crítica da faculdade do juízo, a terceira crítica escrita por Kant? A Determinar a melhor maneira de se fazer um juízo sobre se algo é ou não arte, se vale ou não uma crítica. B Inquirir se há capacidade humana para fazer qualquer juízo de certo ou errado, verdadeiro ou falso, em relação ao mundo sensível. C Formular as condições a priori para se determinar os melhores critérios para se fazer um julgamento de gosto. D Estabelecer os critérios para saber se algo pode ser dito com certeza, ou se devemos utilizar critérios subjetivos para chegar a qualquer conclusão. E Marcar a diferença sobre o que se pode ter certeza e aquilo sobre o que devemos criar regras artificiais para podermos viver em sociedade. A alternativa C está correta. Se a primeira crítica (a da razão pura) tentava descobrir as condições a priori para se fazer um julgamento objetivo, universalmente válido, para assuntos ordinários e científicos; e a segunda (razão aplicada) tentava usar o mesmo critério para encontrar a priori para os julgamentos morais; a terceira quer saber quais são os critérios para se fazer o melhor julgamento de gosto, das coisas que nos dão prazer, afetam nossa sensibilidade. Questão 2 Por que se diz que, com Hegel, teria havido uma espécie de retorno à filosofia da arte? A Não haveria, para ele, qualquer relevância no que teria escrito Kant ou outro pensador associado com a tradição estética – o importante era retornar para a época de Platão. B Haveria uma hierarquia entre filosofia e estética, para Hegel. Enquanto a primeira pode investigar todo e qualquer fenômeno que existe no mundo, a estética se dedicaria apenas à arte. C Ele priorizava a arte por se preocupar com o fundo conceitual que tal artefato poderia proporcionar para a razão, o que não aconteceria necessariamente com um outro objeto qualquer. D Dentro da tradição dialética que Hegel retoma, a filosofia da arte era a antítese da estética, que criaria a síntese em uma filosofia do absurdo ou do exagero. E Hegel usa a expressão "filosofia da arte" no lugar de empregar "estética", mas, na prática, não haveria muita diferença, paraele, nos dois termos. A alternativa C está correta. Hegel priorizava a arte, a beleza da arte, não a beleza de qualquer objeto da natureza. Para ele, o ponto é a informação conceitual que tal obra poderia passar para o conhecimento da própria mente. É mais importante fazer o estudo da arte, filosofia da arte, portanto, uma espécie de procedimento ativo de investigação, do que averiguar as percepções sensíveis do corpo, logo, estéticos. 3. A Cultura de Massas e suas Consequências para a Receptividade Artística Reprodução técnica Com a chegada do século XX, a discussão sobre arte e estética toma uma nova direção, especialmente, na primeira metade dos anos 1900. A Revolução Industrial que começou no século XVIII e se consolidou no XIX trouxe com ela novos aparelhos e máquinas tecnológicos que revolucionaram a maneira de se viver – incluindo aí, claro, a forma de trabalhar, de se divertir, de se expressar. A arte, como não poderia deixar de ser, foi também diretamente afetada. A Revolução da Fotografia e a Reinvenção da Pintura Inicialmente, de forma mais incisiva, com o aparecimento da fotografia. A capacidade de armazenar imagens em placas metálicas, depois em um composto de celulose, por fim em bits e bites, teve impacto imediato na pintura. Os pintores tiveram que se reinventar. Por um lado, porque tinham um concorrente de peso na captura de imagens realistas; depois porque se sentiram liberados para explorar novos modos de expressão que não precisavam tentar representar o mundo como visto pelos olhos. Impressionismo e Fotografia: A Reinvenção da Arte Não deve ser exatamente uma coincidência o aparecimento do Impressionismo de Monet, Renoir, entre outros, com seus traços menos realistas e menos “precisos”, um pouco depois da primeira foto. Da Fotografia ao Cinema Da fotografia para o cinema, foi só o tempo de perceber que bastava juntar várias fotos em sequência da mesma cena para se criar movimento. Por fim, no início do século XX, foi a vez do rádio se juntar como meio de comunicação direcionado a muitas pessoas. Esse último detalhe – a criação de uma mídia que conseguia atingir um público grande, ao mesmo tempo – foi uma das questões que mais chamaram a atenção do pensador alemão Walter Benjamin (1892-1940). Nome considerado como um estranho dentro da tradição da Filosofia, já que nunca trabalhou formalmente dentro de um instituto de pesquisa ou de uma universidade, Benjamin é hoje considerado um dos principais nomes da crítica cultural e de arte do século XX. Fez resgates e novas abordagens sobre o drama barroco alemão, estudou o chamado primeiro romantismo alemão e celebrou grandes autores contemporâneos, como Baudelaire, Proust e Kafka. Contudo, sua obra mais conhecida talvez seja um artigo bem curtinho chamado A obra de arte na época de suas técnicas de reprodução (ou Na era de sua reprodutibilidade técnica, dependendo da tradução). Como o título sugere, Benjamin (1975) quer saber como esses novos mecanismos industriais e suas capacidades de cópia, de reprodução praticamente infinitas, influenciariam a arte. E ainda: como essas novas tecnologias iriam também ser elas mesmas artísticas. Se uma certa tradição sempre elencou cinco artes – pintura, escultura, arquitetura, teatro (que incluiria dança e performance) além de música (com poesia aqui dentro) – e depois seis, quando acrescentaram também a literatura em prosa, com o cinema, chegou a já batida fórmula da sétima arte. sétima arte Hoje, o número de artes aumentou de forma incontrolável e não se sabe mais dizer quantas são. Fala-se de histórias em quadrinhos, de videogames, de arte digital. Há gente que ainda adiciona ao pacote design, artes gráficas, moda e até mesmo culinária. Jogador de futebol faz “pinturas”, certos carros são “obras de arte”, youtubers e influencers são “gênios”. O vocabulário estético extrapolou a fronteira artística. Reflexões ao longo da História Para tentar criar algum tipo de ordem nesse processo, o judeu Benjamin começou a escrever seu texto em 1936, quando sua Alemanha já estava tomada pelo nazismo. Sua primeira tarefa foi pesquisar como eram feitas as obras que consideramos até hoje como “arte” ao longo da História. Velocidade Primeiro, ele fala sobre a velocidade do processamento de imagens, em como uma fotografia capta uma paisagem ou produz um retrato de maneira muito mais rapidamente que uma pintura, mesmo uma aquarela. Há uma transferência para o olho, ele diz, de uma função que era da mão. E o olho é mais rápido que a mão, sem dúvida. Reprodutibilidade Sobre o processo de reprodução de originais, em si, ele ressalta ainda mais a troca de curso proporcionado pela fotografia. Antes da foto, já havia a litografia, todas as técnicas de gravuras e outras mais de reprodução em série, além da própria prensa, que acelerou o processo de cópia dos materiais. Agilidade Contudo, nada se comparava – até então – à agilidade que a fotografia introduziu no processo. O crescimento da velocidade era agora exponencial. Em seguida, até hoje e certamente no futuro, conseguimos processar cada vez mais imagens em um tempo incomparavelmente mais rápido. Essa agilidade, essa facilidade de copiar, essa capacidade de editar trechos para destacar outros, que já estava ali no processo da fotografia e aumentou muito hoje, teria feito a arte perder o que Benjamin chama de hic et nunc, “aqui e agora” em latim. Jovem mulher como Mona Lisa. Estilo retrô, comparação do conceito de eras. Autenticidade Tal expressão, para ele, representaria a capacidade de estabelecer a autenticidade das imagens. Não faz sentido dizer que uma cópia é a obra autêntica. Se uma cópia é igual à obra original, não faria sentido dizer nem mesmo que existe uma obra autêntica. Para Benjamin, haveria a possibilidade de essas novas técnicas de reprodução até abrirem inovadores campos de investigação, com formatos diferentes e explorando ângulos novos, mas a autenticidade ficaria comprometida. Para ele, autenticidade é o que uma obra contém “e é originalmente transmissível, desde sua duração material até seu poder de testemunho histórico”. Benjamin cria um conceito que tem certas reverberações místicas: aura. Ele diz que, na era da reprodução em série, a aura da obra de arte é capturada. Ao criarem várias cópias de uma pintura, é possível termos acesso em dois cliques a um quadro famoso do Museu do Louvre, em Paris, mas perdemos a sagrada experiência de estarmos diante da obra em si. A obra de arte perde sua aura e se transforma em apenas mais um fenômeno de massa. Banalização Ganhamos acesso, popularizamos o contato, mas perdemos a oportunidade quase religiosa da relação direta com a obra. Banalizamos a arte, tornamos uma pintura apenas mais um ruído entre todos os que temos contato cotidianamente. Assim, a figura da Mona Lisa, pintada por um dos artistas mais importantes da História ocidental, Leonardo da Vinci, aparece em blusas, bolsas e qualquer outro produto. A aura da obra de arte Em certo momento, Benjamin tenta definir a aura, mas cria uma frase enigmática: ela seria “como a única aparição de uma realidade longínqua, por mais próxima que esteja”. Tentando esclarecer sua explicação, ele diz que bastaria seguir a linha de montanhas em estado contemplativo no horizonte, em um dia ensolarado, que seria possível sentir a aura dessas montanhas. O ponto dele, provavelmente, fica para a parte da contemplação. Com a velocidade do mundo, perdeu-se essa tranquilidade para se perceber o que a montanha pode mostrar além da simples linha no fundo. Haveria certa cerimônia nesse olhar, certo respeito. No mundo da rapidez, a arte, outrora inatingível, tornou-se próxima, sem qualquer distanciamento, sem qualquer cerimônia. A reprodutibilidade técnica A relação com a obra de arte de caráter pessoal, individual, própria de cada um, esvai- se. Se um jornal – e agora sites, redes sociais, aplicativos – republica uma cópia de um quadro, tal imagem não carrega a aura da obra. A oportunidade de estar diante de uma pintura que carregahistória, que já quebrou barreiras, já instituiu novas maneiras de pensar, deve ser vista como algo único, irreproduzível. Ele lembra da ligação, no início da construção desse tipo de obra, com um certo aspecto místico-religioso, que teria se mantido, se seguirmos a historiografia sugerida por Hegel, até a Idade Média. Contudo, na reprodução técnica, “não resta mais nenhum vestígio de sua função ritualística”, ele escreve. Dessa forma, a arte se torna um objeto como outro qualquer, sem qualquer impacto. Fotografia da capa de Hessy Levinsons, a vencedora do mais belo concurso de bebês arianos, cujos promotores nunca descobriram sua ascendência judia, publicada na capa de uma revista nazista. Outra consequência disso é a incapacidade crítica dos espectadores diante de algo que possa ser novo ou revolucionário. Todas as grandes e verdadeiras transformações são evitadas em prol de um tipo de comunicação que só prioriza o antigo, o já conhecido, o mesmo de sempre. Os estúdios de cinema, as gravadoras de música, todas as grandes empresas de comunicação produzem, assim, astros e estrelas, celebridades que devem ser cultuadas, de forma quase irrefletida. Tais personagens se tornam peças na engrenagem da máquina capitalista, que precisa continuar a girar indefinidamente. Arte revolucionária De formação marxista, mas com uma leitura muito particular e libertadora dos textos do filósofo Karl Marx (1818-1883), Benjamin ressalta a coincidência do surgimento da fotografia com o socialismo. Em um momento em que se pensava em como modificar a sociedade, para criar um tipo de relação mais igual entre os seus componentes, a fotografia liberava a arte de qualquer tipo de “obrigação”. Essa perda do distanciamento, diz ele, essa vulgarização da reprodução artística tira a sua importância. O impacto de uma obra única que só pode ser vista em determinado lugar, em certas situações, sob um caráter grave e cuidadoso é bem maior que a imagem que aparece estampada um caderno escolar, vista todos os dias até se gastar por completo. Por conta desse tipo de crítica, o socialista Benjamin é muitas vezes chamado de conservador. Como se ele quisesse manter um tipo de isolamento da obra de arte, que seria acessível apenas a poucos, em raras oportunidades, em uma relação elitista, antipopular. Entretanto, em certos trechos do seu pequeno ensaio, ele defende que o que ele faz é apenas um diagnóstico. Não adiantaria chorar pelo leite já derramado. Em uma discreta nota de seu artigo, por exemplo, ele menciona o dramaturgo Bertolt Brecht, de quem era próximo, para dizer que, como não era possível mais manter a aura da arte, deveria abandonar uma certa proposta artística. No lugar da arte, deveríamos pensar tal obra como material político. Aliás, ele diz que tal tipo de propaganda já estava sendo utilizada em regimes nazifascistas, em voga na sua época. Com a ubiquidade da imagem, os governantes agora apareceriam diretamente ao público em geral, sem qualquer intermédio de parlamentares e outras instituições de segurança, que são essenciais para o equilíbrio de uma democracia saudáve Fazendo uma separação entre arte e divertimento, para criticar a segunda, ele diz que, se penetramos em uma obra “séria”, é a obra leve que nos invade, que penetra na massa. Isso quer dizer que, ao nos tornarmos fãs de determinado ator, cantor, músico, perdemos a nossa concentração, seguimos incondicionalmente o que ele fizer, sem qualquer reflexão, sem critérios. Sem barreiras. Max Horkheimer (à esquerda), Theodor Adorno (à direita), em Heidelberg, 1964. Sem barreiras Para alguns autores, é exatamente isso que o capitalismo e, no caso mais extremo, o fascismo quer: fazer com que sejamos presas fáceis para um tipo de discurso que nos deixa até cogitar termos qualquer tipo de independência, mas que é falso. Em um mundo em que aceitamos as imagens – ou nos deixamos levar pelo consumismo e ganância – sem qualquer tipo de reflexão, não teríamos muita autonomia diante dos discursos que nos atinge, que tentam nos dominar. Indústria cultural Apesar de não ser diretamente empregado por nenhuma faculdade, Benjamin é associado vez por outra à chamada Escola de Frankfurt, nome mais conhecido do Instituto para Pesquisa Social da universidade da cidade com mesmo nome no norte da Alemanha. Tudo porque ele foi uma espécie de mentor e depois amigo de um dos principais teóricos da instituição, o também alemão Theodor Adorno (1903-1969). Saiba mais A Escola de Frankfurt ficou famosa por criar novas e menos dogmáticas interpretações para o marxismo, por combater ferozmente o nazifascismo – inclusive, fazendo com que a maioria dos pesquisadores tivesse que fugir para os Estados Unidos durante a Segunda Guerra Mundial – e misturando outros pensadores sociais ao caldeirão de referências menos óbvias, como Sigmund Freud (1856-1939), fundador da Psicanálise. De lá, além de Adorno, saíram nomes como Herbert Marcuse, que virou uma espécie de guru para o movimento de 1968, e um dos principais nomes vivos da Filosofia, Jürgen Habermas, que foi aluno de Adorno. A influência de Benjamin se deu em grande parte em seus estudos sobre estética e comunicação de massa. Inclusive foi para tentar responder ao ensaio sobre a Obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica que Adorno se juntou a outro pensador famoso da Escola de Frankfurt, o alemão Max Horkheimer (1895-1973), e escreveu A indústria cultural: o esclarecimento como mistificação das massas, que saiu aqui na famosa coletânea de ensaios Dialética do esclarecimento. Adorno e Horkheimer selecionam alguns pontos levantados por Benjamin, como a questão da comunicação de massa, e os aprofundam. Enquanto em outros casos, como uma interpretação positiva da indústria cultural que teria sido feita por Benjamin, eles a criticam ferozmente. Porque, para eles, “a cultura contemporânea confere a tudo um ar de semelhança” (HORKHEIMER, 1985). Isso quer dizer que o consumidor tem a apenas a impressão de que teria opções, que poderia escolher o tipo de “arte” que mais lhe aprouvesse, quando, na verdade, o cardápio é sempre igual. Os empresários, que transformaram a produção artística em um negócio como o automobilístico ou o bélico, não vão se arriscar incentivando novidades sem terem certeza de que vão receber retorno pelo investimento. Atenção Até mesmo as manifestações estéticas de tendências políticas opostas entoam o mesmo louvor do ritmo de aço (HORKHEIMER, 1985, p. 99). Em vez de nos engrandecer, de nos fazer ter acesso a novas maneiras de pensar, de nos sensibilizar para temas indispensáveis, a função da “arte” serve apenas para nos anestesiar. Diminuir as tensões do cotidiano produtivo da maquinaria capitalista para que, no dia seguinte, possamos voltar ao trabalho e continuar no mesmo pique. A “arte” vira meramente um produto de entretenimento barato, escapista. E a principal arma utilizada pela indústria cultural é o clichê. O mesmo tipo de procedimento de repetição das obviedades acontece com a música pop mais básica: sempre seguindo um esquema que já se sabe de antemão. Ao se referir aos contos humorísticos da época, Adorno e Horkheimer falam sobre a meticulosidade em que tanto as piadas como seu contexto são calculadas (HORKHEIMER, 1985). No entanto, poderiam estar se referindo também a séries televisivas atuais que repetem invariavelmente a mesma fórmula a cada episódio. Outra crítica da dupla se refere à tentativa de uma imitação extrema da realidade, sem qualquer tipo de diferença. Considerando essa repetição como o objetivo máximo da indústria cultural, eles defendem que a arte deveria sobressair ao ambiente cultural, ao estilo, como eles dizem, de sua época, exatamente para inaugurar algo novo. Atenção Quando o produto cultural estiver apenas em correlação com o seu tempo histórico, ele se transforma em algo conservador, senão reativo mesmo: mira se estabelecer, permanecer igual, e enraizar as grandes desigualdades atuais como se fossem imutáveis. Escrevendo após a SegundaGuerra Mundial, e já estabelecidos nos Estados Unidos, a dupla chega a dizer que o capitalismo pode utilizar de maneira tão ou ainda mais perigosa a indústria cultural do que o próprio nazifascismo. Na Alemanha, instituições e serviços como a educação, a universidade, os teatros, conseguiram escapar da captura capitalista. Já nos países industriais liberais, o lugar do mercado, foi aberto o caminho para os “homens capazes” – enquanto os demais poderiam morrer de fome. Times Square, Manhattan, Nova York. Bolsa Louis Vuitton com design Mona Lisa. O mecanismo da oferta e da procura continua sendo um dispositivo de controle “em favor dos dominantes”, argumentam. Os consumidores das produções culturais feitas de modo industrial – trabalhadores, operários, lavradores, a pequena burguesia – ficam presos no mito do sucesso e se mantêm no tipo de ideal que os aprisiona. Nessa busca por algo que só se realizará com altas doses de acaso, não simplesmente por mérito, eles defendem que a indústria cultural não sublimaria os desejos, mas os reprimiria. Sublimar seria “apresentar a satisfação como uma promessa rompida”, ou seja, seria uma forma de lidar com a incapacidade de dar conta da frustração causada pela não realização dos desejos, das fantasias. Já a repressão, neste específico caso, segundo os dois, é continuar a incentivar a alcançar o objeto do desejo, mesmo que ele seja completamente inatingível, de forma a reforçar um sentimento masoquista nos consumidores. Por isso que, no capitalismo mais liberal, a indústria cultural produz artefatos que são inclusive contra o próprio capitalismo. Até hoje, multiplicam-se filmes e séries em que os culpados são empresários inescrupulosos, governantes mentirosos, heróis de fachada. A indústria posa de democrática, faz desaguar sentimentos contidos de raiva contra o sistema, dando oportunidade para uma enviesada “purificação das paixões”, quase uma catarse aristotélica pelo inverso. Quando, na verdade, o importante é que a promessa de transformação profunda nunca seja levada a cabo. A indústria cultural torna todo e qualquer produto “útil” para que a própria indústria continue rodando. Em vez do prazer “inútil” – por não estar de acordo com as regras do capitalismo – de meramente se assistir a uma peça ou de ver um quadro, todos os artefatos devem servir para outra coisa. Perdeu-se o seu valor de uso – a mera observação – para se ter apenas o valor de troca, “a atitude do público que pretensamente e de fato favorece o sistema da indústria cultural é uma parte do sistema, não sua desculpa” (HORKHEIMER, 1985, p. 101). Ao se deparar com uma obra, quer-se unicamente ganhar prestígio, associar-se a tal “marca” (como acontece com grandes empresas que patrocinam eventos artísticos, por exemplo), enquanto perde-se o prazer de se tornar um conhecedor, de aprender, de se engrandecer. A obra de arte se transforma, assim, em um fetiche (termo com várias significações, mas que, na tradição marxista, tem relação com o valor irreal cobrado pelos produtos na hora da venda). A publicidade e a indústria cultural se confundem, não se sabe mais onde uma começa e a outra termina. Os trabalhadores – proletários, na linguagem marxista – transformam-se totalmente em consumidores. Eles estão sempre atrás da próxima moda, em uma compulsão por novidades, que nunca se deixa terminar. Repercussões e atualidades Desconfiado dessa perspectiva que colocava o cidadão como um ser totalmente passivo e alienado em relação a toda força dos meios de comunicação de massa, o pensador italiano Umberto Eco (1932-2016) tentou encontrar um meio termo. Uma posição nem “apocalíptica”, que desconsidere a agência das pessoas, nem totalmente “integrada” aos discursos “oficiais”, que mostram a inocência completa dos meios de comunicação. Desse modo, Eco (2008) apresenta um dos principais estudos de uma série que tentou matizar as críticas da chamada Escola de Frankfurt para entendê-la com a complexidade necessária Muitos outros pensadores posteriores viram no cinema, também bastante criticado por Adorno e Horkheimer, um formato importante para se pensar temas além até mesmo da questão estética. O francês Gilles Deleuze (1925-1995), por exemplo, escreveu dois livros importantes sobre o tema em que ele diz, entre outras muitas coisas, que o cinema seria uma boa chave para se entender o devir da vida. Isso porque o projetar dos filmes demonstraria sempre o passar de uma posição para outra, uma relação que prioriza sempre o “entre”, nunca uma imagem parada. O movimento seria o ponto principal tanto do cinema quanto da vida, não o frame de forma estática. Outros nomes, como Jacques Rancière, francês nascido na Argélia em 1940, insistem no ponto da associação da arte com política. Percurso parecido com o do também francês Georges Didi-Huberman, nascido em 1953. Só para ficar em dois casos de como as ideias da Escola de Frankfurt, mesmo que não influenciem diretamente tais pensadores, tornaram-se quase a métrica no mundo da Filosofia voltada para as sensações. Se hoje é difícil estabelecer o limite do que é ou não arte, basta lembrar que essa é uma relação que remete, de certa forma, à tradição da própria Filosofia, e da estética em especial. Para a disciplina, todas as sensações deveriam ganhar o estatuto suficiente para serem estudadas. Além disso, a definição do que é ou não arte não foi exatamente uma preocupação antes da Filosofia – ao menos, não da forma como pensamos hoje. Mesmo quando ela entrou no cardápio das coisas dignas a serem pensadas, nunca houve uma conclusão clara do que seria ou não arte. Ou seja, nada mais filosófico do que continuar a discussão. Arte Revolucionária No vídeo a seguir, apresentaremos argumentos que esclarecem como W. Benjamin, de formação socialista, pode ser considerado conservador no âmbito da Estética. Conteúdo interativo Acesse a versão digital para assistir ao vídeo. Verificando o aprendizado Questão 1 De forma simplificada e se baseando no texto apresentado, explique o que é a aura da obra de arte, para Walter Benjamin. A É a autenticidade de uma obra, a sua sacralidade, o que torna o contato pessoal algo único, que a faz merecedora de ser especialmente contemplada. B É o nome da moldura que sustenta os quadros expostos nos museus, tão criticados pelo pensador alemão do século XX. C É a capacidade de a arte nos encantar, mesmo em uma era em que as obras se tornaram onipresentes, estampando camisas e bolsas. D É o tipo de hipnose a que somos submetidos quando temos contato com uma obra de arte, que nos transforma de consumidores em críticos de arte automaticamente. E É a capa que qualquer obra de arte contém para se proteger dos ataques da cultura de massa e das técnicas de reprodução. A alternativa A está correta. É “como a única aparição de uma realidade longínqua, por mais próxima que esteja”, escreve Benjamin (1975) tentando explicar o que é aura. O ponto dele é mostrar uma relação sacralizada, de contemplação calma, com a arte. Haveria uma certa cerimônia nesse olhar, um certo respeito. No mundo da rapidez, a arte, outrora “inatingível”, tornou-se “próxima”, sem qualquer distanciamento, sem qualquer cerimônia. Questão 2 Por que Adorno e Horkheimer dizem que uma das principais funções da indústria cultural é produzir artefatos que nos anestesiem? A É uma crítica conservadora à associação de diversos artistas seus contemporâneos ao consumo de drogas, legais e ilegais. B Demonstra a capacidade da arte, da verdadeira arte, de nos fazer flutuar por sobre as questões pequenas da vida cotidiana. C Cumpre uma função exatamente igual àquela sugerida por Aristóteles, quando ele menciona a catarse: liberar toxinas do corpo. D É uma defesa de um determinado tipo de contato com obras de arte, que lembrariam certos entorpecentes que nos fariam “viajar" dentro de um determinado mundo criado. E Estando dentro da estrutura capitalista, a cultura de massa cumpriria a função de descansar os trabalhadores para que eles voltem aos