Buscar

Livro O caso de Pontes Visgueiro

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 250 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 250 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 250 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

M 
345.8107 • 
M827e 1 
ysGí 
LI H 
Compra-se livros usados, paga-
se bem e atende-se a domicilio 
LIVROS N O V O S EM GERAL 
Vendas a Prazo sem Fiador 
A Casa do Livro Lrda. 
RUA SÃO JOSÉ, 61 
Tels. 22-8631 - 42-4747 
RIO DE JANEIRO 
^>^ÍHS^?.'^^Si\->/V-!í^V^!^A'3Eíi 
mm 
fm 
EVARISTO DE MORAES 
UM ERRO JUDICIÁRIO 
o ca PONTES m o 
A R I E L 
1934 
UM ERRO JUDICIÁRIO : 
0 CASO PONTES VISGUEIRO 
OBRAS E OPUSCULOS DO AUTOR 
O Jury c a Nova Escola Penal — 1894. 
Estudinhos de Direito: o Jury — 1896. 
A Questão das Prostitutas — 1897. 
O Processo Basilio de Moraes perante o Jury — 1897. 
O Processo Basilio de Moraes perante a Corte de 
Appellação — 1897. 
Estudos de Direito Criminal — 1898. 
Contra os Artigos de Guerra — 1898. 
Marcelino Bispo (Estudos de Psychologia Criminal) 
— 1898. 
O Processo Abel Parente — 1901. 
La teoria Lombrosiana Del Delincuente — 1902. 
Médicos e Curandeiros — 1902. 
Creanças Abandonadas e Creanças Criminosas — 1902. 
Apontamentos de Direito Operário — 1905. 
O Crime das Degolladas — 1907. 
Enrico Ferri — 1910. 
A Moral dos Jesuítas — 1911. 
U m caso de Homicídio por Paixão Amorosa — 1914. 
Criminalidade da Infância e da Adolescência, 1* edição, 
1916; 2" edição, 1927. 
Extincção do Trafico de Escravos no Brasil — 1916. 
A Lei do Ventre-Livre — 1917. 
Os accidentes do Trabalho e a sua Reparação — 1919. 
Problemas de Direito Penal e de Psvchologia Crimi-
nal, Ia edição — 1920; 2° edição, 1924. 
Ensaios de Pathologia Social — 1921. 
Reminiscencias de u m Rábula Criminalista — 1922. 
Brancos e Negros — 1922. 
Prisões e Instituições Penitenciárias no Brasil — 1923. 
A Campanha Abolicionista •— 1924. 
Criminalidade Passional — 1932. 
Embriaguez e Alcoolismo — 1933. 
A Escravidão Africana no Brasil — 1934. 
EVARÈSTO DE MORAES 
(Do conselho technico da Sociedade Brasileira de 
Criminologia) 
UM ERRO JUDICIÁRIO : 
0 
ARIEL EDITORA LTDA. 
RIO DE JANEIRO 
1934 
LA TROBE l JNIVEnSlTY ! 
LIBRAR Y I; 
Reservados os direitos de reproducção, traducção e 
adaptação para todos os paizes. 
A' MEMÓRIA 
— D O — 
J U I Z - C R I M I N O L O G O 
FRANCISCO JOSÉ VIVEIROS DE CASTRO, 
primeiro a vislumbrar a causa mórbida no crime 
de Pontes Visgueiro 
Offerece, dedica e consagra 
O AUTOR. 
DUAS PALAVRAS DE EXPLICAÇÃO 
Havendo intencionado evocar e com-
mentar alguns celebres processos crimi-
naes, escolhi, para inicio da série, o que 
foi instaurado, em 1873, contra o desem-
bargador Pontes Visgueiro. 
Tive para a escolha duas boas ra-
zões. 
Primeira foi esta: encerrar o proces-
so, além de momentosos problemas jurídi-
cos e medico-legaes, a singularidade de, 
com elle, haver o Supremo Tribunal de 
Justiça julgado, em única instância, um 
membro da alta magistratura, accusado 
de crime commum e dos mais violentos e 
objectivamente horrorosos. 
Consistiu a segunda razão da escolha 
em estar eu sinceramente convencido do 
8 EVARISTO DE MORAES 
erro judiciário que enviou para a Corre-
cção uma creatura irresponsável. 
Os elementos judiciários, de que me 
utilizei, foram quasi todos colhidos na 
excellente revista "O Direito", do Dr. J. 
J. do Monte (vol. 4o), a qual publicou, 
"ipsis verbis", todas as peças do processo, 
bem como os discursos de accusação e de 
defesa. 
Lamentável é não se encontrarem, no 
archivo do Supremo, nem no Archivo Na-
cional, os autos originaes. 
Acredito que a forma pela qual expuz 
os factos, e abordei as varias questões le-
vantadas no processo e nos debates, é a 
mais accessivel. 
Tal seja a acceitação desta obra, não 
demorarei a entrega ao editor de novo 
trabalho, já bem adeantado, versando o 
processo, não menos ruidoso, a que res-
pondeu o advogado e poeta-comediogra-
pho judeu Antônio José, natural do Rio 
de Janeiro, queimado em Lisboa, por con-
demnação do Santo Otticio. 
EVARISTO DE MORAES 
I 
A PESSOA DO CRIMINOSO E OS 
PRECEDENTES DO FACTO 
Filho do casal constituído pelo abas-
tado lavrador Manoel do Nascimento 
Pontes e D. Adriana Maria Pontes, nasceu 
José Cândido de Pontes Visgueiro, na vil-
la de Maceió, da, então, comarca de Ala-
goas, ligada á provincia de Pernambuco, 
a 13 de outubro de 1811. Acommettido, aos 
18 mezes, de uma febre maligna, não falou, 
nem ouviu, até os cinco annos, quando re-
cobrou a vóz e a audição. Tornou, porém, 
a ensurdecer aos quinze annos. Na idade 
adulta passou a ouvir mal, durante algum 
tempo, sobrevindo-lhe, cerca dos quaren-
ta annos, surdez definitiva. 
Fora, adolescente, mandado para o 
10 EVARISTO DE MORAES 
Seminário de Olinda, mas não lhe sorrira 
a carreira ecclesiastica e, sim, a juridica, 
ingressando, em 1830, na Academia de Di-
reito de Olinda. 
Travara relações, em Maceió, por oc-
casião das férias do seu 2o anno, com uma 
moça de distincta família, e, pretendendo 
casar-se, adeantára-se... 
Não se realizou, a despeito do aconte-
cido, o desejo de Pontes Visgueiro, em 
virtude de fortíssima opposição paterna. 
Determinou essa opposição a sua transfe-
rencia para a Academia de S. Paulo, em a 
qual se bacharelou (1834). (1) 
Antes de diplomado, já tinha sido 
eleito deputado provincial. Formado, en-
trou para a magistratura. Foi juiz de di-
reito em Maceió. 
Candidatou-se á deputação geral para 
a legislatura de 1838 a 1841. Estava, então, 
o Brasil sob a atormentada regência inte-
rina do senador Pedro de Araújo Lima, 
(marquez de Olinda).Circumstancia digna 
de nota: — os cinco deputados eleitos por 
Alagoas eram, todos, magistrados. Cha-
mavam-se: José Cândido de Pontes Vis-
gueiro, Rodrigo de Souza Silva Pontes, 
(1) V. Almeida Nogueira. TRADIÇÕES E REMINIS-
CENCIAS, vol. VI, 1912, pags. 98 a 101. 
O CASO PONTES VISGUEIRO 11 
Matheus Casado de Araújo Lima, Antô-
nio Luiz Dantas de Barros Leite e Fran-
cisco Joaquim Gomes Ribeiro. 
Durante aquella legislatura, foi inten-
sificado o conflicto entre as tendências 
partidárias de que sahiram os chamados 
partidos constitucionaes, o conservador e 
o liberal. 
Contemporaneamente, governaram 
três ministérios, nelles figurando algu-
mas personalidades que, depois, tiveram 
marcada influencia na politica brasileira. 
Travávam-se renhidas polemicas em 
torno da interpretação do Acto Addicio-
nal, da maioridade de Pedro II, da refor-
ma judiciaria e processual-criminal. 
Na legislatura de 1838 a 1841, figura-
ram, como deputados, entre outros já 
também notáveis, ou que posteriormente 
se notabilisáram: Bernardo de Souza 
Franco (depois visconde de Souza Fran-
co), Joaquim Nunes Machado, João Mau-
rício Wanderley (depois barão de Cote-
gipe), Miguel Calmon du Pin e Almeida 
(depois marquez de Abrantes), Paulino 
José Soares de Souza (depois visconde de 
Uruguay), Joaquim José Rodrigues Tor-
res (depois visconde de Itaborahy), José 
Clemente Pereira, Antônio Paulino Lim-
12 EVARISTO DE MORAES 
po de Abreu (depois visconde de Abae-
té), Manoel Vieira Tosta (depois mar-
quez de Muritiba), Francisco Gê Acayaba 
Montezuma (depois visconde de Jequiti-
nhonha), Bernardo Pereira de Vascon-
cellos, Theophilo Benedicto Ottoni, Ho-
norio Hermeto Carneiro Leão (depois 
marquez do Paraná), Martim Francisco 
Ribeiro de Andrada e Antônio Carlos Ri-
beiro de Andrada. 
Quem se dér á canseira de consultar 
os Annaes da Câmara verá que foi desta-
cada a intervenção de Pontes Visgueiro 
nos trabalhos legislativos. 
Na sessão de 20 de maio de 1840, 
pronunciou elle longo discurso, de cunho 
independente, combatendo a politica do 
ministério, em geral, e, em especial, a sua 
actuação em Alagoas, bem como certos 
actos administrativos dos occupantes de 
cada uma das pastas. Advertira, de inicio: 
— "Só quero estar bem com mi-
nha consciência e não com 
governoalgum — declaro-o alto 
e bom som. Eu disse, desde a 
O CASO PONTES VISGUEIRO 13 
primeira vez em que me sentei na 
casa: ninguém se fie em mim, 
hei-de só votar por aquillo que 
fôr justo; nada ha contra a minha 
maneira de pensar que me obri-
gue a fazer o contrario." 
( A N N Á E S do cit. anno, pags. 
381-396). 
Noutra sessão, ruidosissima e memo-
rabilissima, dera o deputado alagoano 
prova convincente da sua energia. Vale a 
pena demorar um pouco a attenção no epi-
sódio. 
— Foi a 20 de julho do mesmo anno. 
Pretendia-se, naquelle dia, evitar debate 
acerca da ardente questão da maioridade 
do Imperador. Não estavam por isto os 
propugnadores da importante providen-
cia, considerada imprescindivel para a 
acalmação das paixões e, quiçá, para man-
tença da monarchia. 
Assim falou o deputado Antônio Na-
varro de Abreu, representante de Matto 
Grosso: 
"Sr. Presidente, não sei o que 
me parece a maneira insólita por 
que, em objecto de tanta trans-
cendência, quando a attenção pu-
14 EVARISTO DE MORAES 
blica, quando nós todos estamos 
dominados pelo enthusiasmo que 
se tem apoderado de nós na ques-
tão da maioridade do Sr. Pe-
dro II, porque, digo, ainda com 
artificios e manobras, uma cama-
rilha pérfida quer subjugar-nos ! 
Eu não sei, senhores, como é que 
nós havemos deixar de tratar 
do objecto da maioridade do Sr. 
Pedro II, para irmos tratar da lei 
de fixação de forças ! Quem não 
vê que este resto corrompido e 
infame de ministério... (muito 
sussurro)." 
O PRESIDENTE:— O Sr. deputado 
está fora da ordem. 
MUITAS VOZES:— Ordem, ordem. 
O SR. NAVARRO:—(com vehemen-
cia) Estou na ordem; bem sei que estou 
falando sobre a urgência, mas ás vezes 
escapam expressões mais fortes. Quem 
não vê, senhores, que é essa camarilha 
prostituída que quer embaraçar com adia-
mentos, com commissões, com a presença 
do ministro e com tudo mais, esta dis-
cussão ? Por ventura, elles ainda se acham 
O CASO PONTES VISGUEIRO 15 
com força para obstar á maioridade de 
Sua Magestade ? 
U M SR. DEPUTADO:— Não. 
O SR. NAVARRO:— Por ventura 
ainda temos governo ? Nós não temos go-
verno; não é possível mais hoje uma com-
binação ministerial com o actual regente; 
não é possível. Elles o atraiçoam... (vi-
rando-se para o Sr. Honorio): Sim, vós 
atraiçoais, e esta é a causa de vossa der-
rota. 
O SR. PRESIDENTE:—Isto não 
está na discussão. 
O SR. NAVARRO (para o Sr. Hono-
rio): (2) Vós atraiçoastes o vosso com-
panheiro fiel, o chefe da administração de 
19 de setembro. . . Vós atraiçoastes para 
cumulo de vossa infâmia. .. 
MUITAS VOZES:— Ordem, ordem. 
O SR. PRESIDENTE:— O Sr. depu-
tado está fora da ordem. 
O SR. N A V A R R O : (levantando a vóz 
para cobrir a agitação que reina na casa): 
Sim, vós atraiçoastes a deputação da Ba-
hia, vossa alliada fiel. 
O SR. PRESIDENTE:— O Sr. depu-
tado Navarro está fora da ordem. 
(2) Honorio Hermeto (depois marquez do Paraná"). 
16 EVARISTO DE MORAES 
O SR. NAVARRO:— (com vehe-
mencia e dirigindo-se para as galerias): 
Fora a camarilha ! Viva a maioridade de 
Sua Magestade Imperial o Sr. Pedro II ! 
Aos repetidos vivas do Sr. deputado res-
pondem os espectadores das galerias agi-
tando lenços; quasi todos os Srs. deputa-
dos se levantam, á excepção do Sr. Presi-
dente, que procura em vão manter a or-
dem. O Sr. Navarro, continuando a dar vi-
vas á maioridade, leva a mão ao peito e dá 
um passo para onde está o Sr. Carneiro 
Leão. Os Srs. deputados, que estavam ao 
pé do Sr. Navarro, retiram-se apressada-
mente, sem sahir do salão, e o Sr. Pontes 
Visgueiro, abraçando-o pelas costas, le-
va-o para outro banco e faz esforços para 
o fazer sentar. Continuam, entretanto, os 
vivas a Sua Magestade, dados pelo Sr. Na-
varro, acenando com um lenço, vivas res-
pondidos e repetidos muitas vezes pelos 
espectadores das galerias. No meio desta 
scena de confusão e tumulto, ouve-se 
constantemente a vóz do Sr. Presidente, 
que procura, mas em balde, restabelecer a 
ordem. Os gritos de ordem, silencio, par-
tem de todos os lados. O Sr. Penna toca a 
campainha. O Sr. Limpo recommenda ao 
Sr. Presidente que não levante a sessão. 
O Desembargador José Cândido Pontes Visgueiro 
O CASO PONTES VISGUEIRO 17 
Muitos Srs. deputados gritam para os es-
pectadores das galerias que se conte-
nham e se conservem silenciosos. Depois 
de algum tempo, restabelece-se finalmen-
te a ordem, e os Srs. deputados sentam-se. 
Entre parenthesis:— é ou não é ad-
mirável a maneira descriptiva do chro-
nista official ? Dá ou não dá a impressão 
de uma reportagem do nosso*tempo ? 
Prosigámos, porém, na transcripção 
fidelissima dos A N N Á E S . 
O SR. C A R N E I R O L E Ã O : — Senho-
res, si não queremos dar um exemplo ter-
rível ao paiz, devemos pôr termo a estas 
scenas escandalosas. O Sr. deputado não 
está em estado de deliberar, o Sr. depu-
tado deve soffrer um exame, Sr. Presi-
dente, é necessário calma, é necessário 
que a nossa deliberação não appareça co-
m o arrancada pela violência. O Sr. depu-
tado metteu hoje a mão no seio, como ti-
rando um punhal; ha muitos dias que o 
Sr. deputado não emprega senão insultos, 
que o Sr. deputado anda com uma faca. 
Elle diz em publico: quero dar uma bofe-
tada em fulano, e depois acabal-o a faca-
das. 
O SR. N A V A R R O : — O nobre depu-
2 
18 EVARISTO DE MORAES 
tado é que me prometteu facadas; eu é que 
fui ameaçado. 
O SR. CARNEIRO L E Ã O : — Ainda 
hoje varias pessoas viram que elle estava 
mostrando um punhal. Eu não tinha pu-
nhal na mão, nem dei vivas desentoados... 
E continuou a commentar o que se 
passara. 
A propósito do incidente, falou outro 
deputado, dirigindo-se ao Presidente. 
O SR. BARRETO PEDROSO:— 
Pedi a palavra pela ordem e é pela ordem 
que falo. V. Ex. disse em sua defesa que 
tinha procurado manter a ordem; entre-
tanto, a ordem por mais de uma vez tem 
sido perturbada de uma maneira gravís-
sima, bastante escandalosa. Senhores, eu 
não tenho medo de sacrificar a minha 
existência quando deste sacrifício prove-
nha alguma utilidade ao paiz, porque te-
nho obrigação de dar a vida por elle, e já 
a tenho arriscado para este fim, mas não 
estou disposto a barateal-a, quando desse 
sacrifício não provenha utilidade publica. 
Entretanto, vimos, um deputado, vizinho 
deste banco, ameaçando com um punhal ! 
Mão violenta se alçou sobre um depu-
tado pacifico que se sentava do meu lado 
esquerdo; recebi-o em meus braços, e vi-
O CASO PONTES VISGUEIRO 19 
me na necessidade de retirar-me para de-
fender a minha vida.. . 
E continuou o deputado Pedroso a 
tocar a mesma tecla, censurando o proce-
der do collega Navarro. Foi quando se er-
gueu Pontes Visgueiro. Ouçamol-o: 
— "Pedi a palavra pela ordem para 
dizer alguma coisa sobre duas 
proposições do Sr. Carneiro Leão 
e do Sr. Barreto Pedroso; elles 
quizeram dizer que o deputado 
Sr. Navarro tinha puxado um 
punhal ! Ora, senhores, parece 
que a Câmara se lembrará de que 
quem foi pegar no Sr. Navarro 
fui eu; estava longe delle dois 
passos, e tomei este expediente 
porque os Srs. deputados fugi-
ram do Sr. Navarro; mas os no-
bres deputados hão-de convir que 
isto não foi senão um terror pâ-
nico, porque eu que o fui agarrar 
achei que elle puxava do seio 
um lenço com que depois acenou 
para as galerias." 
O SR. N A V A R R O : — Apoiado. 
O SR. PONTES VISGUEIRO:— 
"Como é que elle, com um lenço na mão, 
20 EVARISTO DE MORAES 
tinha u m punhal empunhado ? Declaro 
que peguei no Sr. Navarro immediata-
mente que vi fugirem os outros, e não lhe 
vi punhal. Eu não defendo; não affirmarei 
que o Sr. Navarro ou algum outro, menos 
eu (abrindo a casaca) não traga punhal 
para a casa; mas, si se desse uma busca 
aqui, ha 18 ou 15 dias, vêr-se-hia quemtrazia o punhal; não era o Sr. Navarro. O 
Sr. Navarro é impetuoso, é capaz de ir a 
mãos, mas punhal não traz. Estou na ri-
gorosa obrigação de defender o Sr. Na-
varro nesta parte; quanto ao mais, não 
approvo; porque, posto que a casa saiba 
qual é a minha opinião a respeito da maio-
ridade, todavia não a quero por estes 
meios, não a quero por meio de vivas aqui 
dentro do recinto da Câmara." (ANNÁES 
de 1840, pags. 312 a 317). 
Não foi, cremos, ociosa a rememora-
ção do episódio parlamentar. O que elle 
offerece de prestante para a psychologia 
de Pontes Visgueiro, (pelo menos na-
quella phase da sua vida publica) não terá 
escapado á perspicácia dos leitores. Re-
vela, de par com a sua bravura pessoal, a 
serenidade com que sustentava as suas 
opiniões, não as querendo vencedoras pela 
violência. 
O CASO PONTES VISGUEIRO 21 
Na legislatura de 1843 a 1844 veio 
elle, de novo, eleito por Alagoas, tendo, 
já, no seu activo politico os votos favorá-
veis á Maioridade e desfavoráveis á Inter-
pretação do Acto Addicional e á lei reac-
cionaria afinal promulgada a 31 de de-
zembro de 1841. 
Retomando as funcções judiciarias, 
foi juiz de direito na provincia do Piauhy, 
durante nove annos, de 1848 a 1857. 
Quando ascendeu ao cargo de desem-
bargador, com exercicio no Maranhão, es-
tava totalmente surdo. Comprehende-se 
como se lhe tornara difficil, para não di-
zer impossivel, seguir os debates e respon-
der aos collegas. 
Informado o Governo, foi encontrada 
a solução, que se concretisou na seguinte 
carta, dirigida a Pontes Visgueiro pelo 
ministro da Justiça, Sayão Lobato: 
— "Sabendo dos embaraços que 
V. Ex. sente na discussão dos 
feitos da Relação por causa da 
surdez de que tem sido acommet-
tido, lembrei-me de conciliar es-
sa deplorável circumstancia com 
o serviço da administração da 
justiça, propondo a sua nomea-
22 EVARISTO DE MORAES 
ção para o lugar de fiscal do Tri-
bunal do Commercio dessa pro-
víncia, onde, me parece, os bons 
serviços de V. Ex. podem ser 
aproveitados sem a mesma diffi-
culdade que experimenta na Re-
lação. 
Communicando a V. Ex. este 
acto, que o Governo Imperial 
acaba de decretar, e a razão que 
o ditou (acto que concilia, como 
é possível, o serviço publico com 
o bem estar de um digno magis-
trado), eu renovo os protestos de 
estima e consideração com que 
sou de V. Ex. amigo, collega e 
attento criado.—Francisco Paula 
de Negreiros Sayão Lobato, 
Corte, 3 de novembro de 1861." 
Dez annos depois, em documento of-
fícial, o presidente do Tribunal do Com-
mercio do Maranhão, desembargador Ma-
noel de Cerqueira Pinto, attestava que o 
seu collega Pontes Visgueiro vinha exer-
cendo os cargos de fiscal e de adjuncto do 
Tribunal, com distincção, por ser magis-
trado intelligente e probo. 
Isto quanto á vida publica. 
O CASO PONTES VISGUEIRO 23 
No tocante á particular, até meiado 
de 1872, não constavam, na capital mara-
nhense, factos que pudessem escandali-
sar aquella sociedade provinciana. Conti-
nuava o desembargador celibatario. Ti-
nha, porém, familia, em S. Luiz: uma fi-
lha natural, reconhecida, casada com o 
desembargador Basilio Quaresma Tor-
reão, e duas netas, já casadas, tam-
bém. (3) 
Não foi sem pasmo que se veio obser-
vando o procedimento do velho magis-
trado nas suas relações amorosas com Ma-
ria da Conceição, rapariga de costumes 
hcenciosos, precocemente prostituída e 
explorada pela própria mãe. 
E m junho de 1872, quando Pontes 
Visgueiro — que a conhecera creança, pe-
dindo esmolas pelas ruas — encetou 
aquellas relações, estaria ella com 15 ou 
16 anncs. Já grangeára, segundo o dizer 
de testemunha fidedigna, o appellido de 
Mariquinhas Devassa. . . 
E tudo indica que bem o merecera. O 
desembargador não fazia mysterio da-
quelles extranhos amores; antes, os ex-
(3) Basilio Torreão tinha sido deputado na legislatura 
de 1838 a 1841, representando a província do Rio Grande 
do Norte, e, na Câmara, estreitara amizade com Pontes 
Visgueiro. 
24 EVARISTO <DE MORAES 
hibia, com todas as suas características de 
paixão desvairada e surtos freqüentes de 
atroz ciúme. 
Visitava Maria da Conceição a Pon-
tes Visgueiro, quer de dia, quer de noite. 
Não raramente, dormia em casa delle. E 
elle não se vexava de procural-a nas casas 
de companheiras de devassidão, para onde 
ella marcava encontros com diversos 
amantes. Pelo que se deprehende do pro-
cesso, a mãe-proxenêta, tirando proveitos 
seguros da amasiação da filha com o rico 
desembargador, reprovava as outras liga-
ções. . . 
Demais, as manifestações de amor e 
de zelos por parte de Pontes Visgueiro 
eram tamanhas que Luiza Sebastiana de 
Carvalho, mãe de Mariquinhas, tinha mo-
tivos para crer que elle se casasse com a 
filha ! Si delle ouvira phrases como esta, 
dirigida á rapariga: — "Minha filha, con-
serva-te por uns dias que eu caso com-
tigo"... 
Havia mais de uma scena de ciúmes 
augmentado a publicidade daquella união 
vergonhosa. 
Commentadissima fora a succedida 
em outubro de 1872, por occasião da festa 
de Nossa Senhora dos Remédios, quando 
O CASO PONTES VISGUEIRO 25 
o desembargador, encontrando Mariqui-
nhas a conversar com um official do Exer-
cito, atirou-se a este, em louca exaltação. 
Conseqüências: Mariquinhas, apavo-
rada, foi passar a noite num hotel e Pon-
tes Visgueiro, sósinho, passou-a na casa 
delia. 
E m começo de 1873, exasperado por 
maiores abusos, inclusive o furto d'algu-
mas centenas de mil réis, praticado na sua 
residência, pensou Pontes Visgueiro na 
applicação de uma surra na amante, en-
carregando o tenente Antônio Feliciano 
Peralles Falcão — typo acabado de pa-
rasita social — de arranjar quem exe-
cutasse o. . . serviço. (4) 
Pouco depois, resolveu pedir licença, 
indo visitar amigos em Piauhy. A' propó-
sito, depoz o negociante Ricardo de Souza 
Dias, casado com uma das suas netas. (5) 
— "Cedendo a admoestações 
da familia, de amigos e ao seu 
(4) Eis a sua qualificação constante do inquérito: 
"Perguntado qual o seu nome, sua idade, 
naturalidade, estado e profissão ?_ 
Respondeu chamar-se Antônio Feliciano Pe-
ralles Falcão, ter idade de cincoenta e nove annos, 
casado, natural do Maranhão, filho do cirurgião-
mór Manoel Rodrigues da Silva Sarmento, e que 
vive de suas agencias." 
(5) A outra neta era casada com Ignacio Frazão da 
Costa. 
26 EVARISTO DE MORAES 
próprio impulso, realizou uma 
viagem ao centro do Piauhy para 
o fim de esquecel-a. Durante o 
decurso da viagem por terra, vol-
tava o animal, que cavalgava, 
para retroceder; mas teve força 
de suffocar a paixão, e conti-
nuou." 
Partindo em abril, deixara o desem-
bargador recommendadas as despezas de 
Maria da Conceição e de Luiza Sebas-
tiana. Voltou a S. Luiz a 30 de julho. Re-
novaram-se os encontros e as dormidas de 
Mariquinhas na casa delle. Não voltara 
só o desembargador; trouxera, sem ne-
cessidade apparente, como empregado, o 
pardo Guilhermino, homem forte, de 30 
annos de idade. 
Logo nos primeiros dias de agosto, 
praticou Pontes Visgueiro actos que vere-
mos apontados como outros tantos indí-
cios de premeditação criminosa. 
Encommendou ao funileiro Antônio 
José Martins de Carvalho um caixão de 
zinco e ao mestre carapina Boaventura 
Ribeiro de Andrade um caixão de cedro. 
Por esta fôrma referiu o facto Martins de 
Carvalho, depondo em juizo: 
O CASO PONTES VISGUEIRO 27 
"Pelo réo foi-lhe encommen-
dado o caixão de zinco em que 
foi posto o corpo da assassinada, 
o que affirma por ter visto e re-
conhecido dito caixão na Secre-
taria da Policia; o caixão era im-
permeável, por isso que o réo, 
depois de o haver recebido, fel-o 
voltar, afim de tapar todo e qual-
quer orifício; o preço do caixão 
foi de 18$640." 
Narrou o mestre carapina o seguinte:— "No dia Io de agosto de 
1873, o desembargador Visgueiro 
lhe encommendára um caixão de 
5 palmos de comprimento, 2 de 
largura ei 1|2 de altura, para que 
ficasse prompto no mesmo dia, 
pois queria utilisal-o na remessa 
de alguns volumes para fora. Não 
o podendo apromptar em tão 
pouco tempo, ficou convencio-
nado que, no dia seguinte, a tes-
temunha o mandaria levar á ca-
sa do funileiro Carvalho, o que 
fez. Alguns dias depois, foi-lhe 
devolvido o caixão para cortar 
pouco mais ou menos duas polle-
gadas no comprimento e uma na 
28 EVARISTO DE MORAES 
altura, o que fez apromptar sem 
demora, por haver o desembar-
gador Visgueiro zangado, exi-
gido pressa. Depois, viu na poli-
cia esse caixão, que reconheceu, 
embora esbandalhado, e que era 
o mesmo que contivéra o cadá-
ver de Maria da Conceição." 
Accresciam duas circumstancias, 
communicadas pelo chefe de policia de 
Piauhy: — em Therezina adquirira o des-
embargador certa quantidade de chloro-
formio e pretendera fazer fabricar um cai-
xão em determinado estabelecimento de 
instrucção profissional. 
Verdade é, porém, que, como o reco-
nheceram a mãe e as companheiras de 
Maria da Conceição, continuaram sem in-
cidentes as relações delia com o desem-
bargador, até o dia 10 de agosto. Nesta 
data verificou-se um facto por vários mo-
tivos interessante. 
Exposto por testemunha intimamen-
te ligada a Maria da Conceição, deixa en-
trever a vida torturada do homem que a 
paixão prendera á precoce prostituta. 
Textualmente, diz o depoimento judicial 
de Anna Rosa Pereira, de 19 annos de 
idade, costureira: 
O CASO PONTES VISGUEIRO 29 
"Suas relações com Maria 
da Conceição habilitam-n'a a in-
formar que ella era de uma vida 
inteiramente livre; o desembar-
gador Visgueiro, seu amante, tra-
trava-a muito bem, pagava-lhe 
aluguel de casa e dava-lhe di-
nheiro para outras despezas; 
quando elle foi para Piauhy, dei-
xou ordem para se pagar o alu-
guel da casa em que morava a 
mãe delia; logo no dia em que 
voltou, ella dormiu em casa delle, 
e depois desse dia até 14 de agos-
to de 1873, dormiu com elle va-
rias vezes; o desembargador 
sempre andava brigando com ella 
por ciúmes, briga que, entretanto, 
não excedia de um ou dois dias. 
No dia 10 de agosto, a testemu-
nha, achando-se na porta de sua 
casa, á 1 hora da tarde, mais ou 
menos, sentada de costas para a 
rua, foi surprehendida pelo des-
embargador que, dando um pulo 
sobre sua cabeça, entrou em casa, 
havendo apenas tempo para gri-
tar, avisando Maria da Concei-
ção, que ahi se achava com o es-
30 EVARISTO' DE MORAES 
tudante Costa; o estudante cor-
reu para a varanda e ella metteu-
se embaixo da cama, no quarto 
em que estavam. O desembarga-
dor buscou o estudante, deu-lhe 
conselhos e mandou-o embora; 
dirigiu-se a Maria da Conceição, 
pediu-lhe que sahisse de debaixo 
da cama por causa da humidade, 
pois elle não pretendia fazer-lhe 
mal, mas ella, que estava nua, 
não accedeu ao pedido, e o des-
embargador foi-se embora." 
Qualquer commentario a este depoi-
mento nada accrescentaria ao seu valor, 
como expressivo da situação deprimente 
a que fora arrastado Pontes Visgueiro. 
Deante delle ganhariam credito, si já não 
o possuíssem pela condição dos depoen-
tes, os testemunhos (tomados a requeri-
mento do desembargador) do tenente-co-
ronel José Carlos Pereira de Castro, con-
tador da thesouraria da fazenda do Ma-
ranhão; do secretario do Tribunal da Re-
lação, Adriano Augusto Bruce Barradas; 
do Io conferente da Alfândega, Francisco 
Gaudencio Sabbas da Costa. U m o des-
crevera "já maior de 60 annos, e em tão 
O CASO PONTES VISGUEIRO 31 
vantajosa posição social, correndo pelas 
ruas atraz de Maria da Conceição, mulher 
de costumes os mais depravados"; outro 
tinha conhecimento de actos de verda-
deira loucura praticados pelo desembar-
gador, que chegara a fazer promessa de 
casamento á amante; ainda outro obser-
vara Pontes Visgueiro a beber cognac re-
petidas vezes, para se atordoar, "inteira-
mente apaixonado pela mulher perdida, 
que era Maria da Conceição." 
Idêntica expressão têm, ainda, dois 
trechos das declarações policiaes da ci-
tada Anna Rosa Pereira. Depois de haver 
referido que, antes de partir para Piauhy 
o desembargador, ia Maria da Conceição 
dormir, quasi todas as noites, na casa 
delle, fazendo-se sempre acompanhar de 
outra rapariga, e que pernoitavam todos 
no mesmo quarto, explicou: 
— Maria e a companheira 
deitavam-se, mas o desembarga-
dor levava toda noite acordado, 
passeando pelos diversos apo-
sentos da casa, e, de vez em quan-
do, se ajoelhava junto ao leito de 
Maria, permanecendo em con-
templação das suas fôrmas." 
32 EVARISTO DE MORAES 
NOTA ADDENDA 
Pessoa contemporânea dos factos e 
conhecedora de circumstancias que o pro-
cesso não podia esclarecer forneceu-nos 
alguns informes acerca do estudante com 
quem o desembargador surprehendêra 
Maria da Conceição, quatro dias antes do 
crime. O rapaz (que se chamava Joaquim 
Pinheiro da Costa e chegou a bacharelar-
se em Direito e advogar no Rio de Janei-
ro) era, áquelle tempo, alumno do Colle-
gio da Immaculada Conceição, em S. Luiz, 
tendo, por condiscipulos, entre outros, os 
futuros próceres políticos Urbano dos 
Santos e Benedicto Leite, o professor He-
meterio José dos Santos e Gabriel Henri-
que de Araújo, este filho de um fazendeiro 
de Piauhy e afilhado de Pontes Visguei-
ro. Costumava o desembargador visitar o 
Collegio, conversando, sobre os estudos, 
com os alumnos, por meio de uma ardosia, 
em a qual escrevia as perguntas e recebia 
as respostas, dada a impossibilidade de 
proceder por outra fôrma, tão surdo elle 
era. 
O encontro de Pontes Visgueiro com 
o estudante Costa foi, logo, conhecido por 
>:*w 
: •-. 
Maria da Conceição 
O CASO PONTES VISGUEIRO 33 
seus collegas, não só porque eram já sabi-
das as relações delle com a amante do 
desembargador, como, também, porque 
voltara para o Collegio em ceroulas e ca-
miseta, e só calçado de meias. 
Diverge do que consta dos autos a 
informação em dois pontos: — o facto te-
ria acontecido á noite, e não á hora allu-
dida pela testemunha Anna Rosa Pereira; 
outrosim, o rapaz teria sido castigado com 
puxões de orelha e cascudos, e obrigado 
a fugir naquellas ridículas condições. 
A menos que se tivessem dado dois 
encontros da mesma espécie... 
3 
II 
O CRIME 
Embora já tivessem occorrido factos 
semelhantes ao do dia 10 de agosto e os 
protestos violentos do velho amante tra-
indo durassem, apenas, algumas horas, 
não realizando elle as ameaças feitas, fi-
cara a infidelissima Maria da Conceição, 
daquella vez, mais apprehensiva do que 
nunca. Convidada, com insistência, para 
a casa do desembargador, lá não fora, até 
o dia 14, quinta-feira, cerca de duas horas 
da tarde, quando ali entrou em compa-
nhia da joven amiga e comadre Thereza 
de Jesus Lacerda, com quem morava. Ser-
viram-se de doces; depois, mostrou Pon-
tes Visgueiro desejo de permanecer a sós 
com Maria da Conceição, a quem disse, 
36 EVARISTO DE MORAES 
pretendia offerecer um presente. Descon-
fiada, puxava a rapariga pelo vestido de 
Thereza, afim de que não a deixasse, mas 
o desembargador teimava, e as duas se 
separaram, marcando encontro para a oc-
casião de jantar. Thereza viria buscar a 
comadre. 
Foi ter, então, Visgueiro com Gui-
lhermino Borges, recente empregado, tra-
zido de Piauhy. Aproveitemos a narração 
de Guilhermino, porque não foi desmen-
tida por nenhum outro elemento de con-
vicção : 
— "Em uma quinta-feira de 
agosto, desceu o desembargador 
as escadas, foi procural-o a um 
quarto do pavimento térreo, onde 
estava deitado em uma rede, e 
disse-lhe: "Guilhermino, quero 
dar uma surra em uma mulher e 
quero que a agarres,porque que-
ro amordaçal-a e dar-lhe uma 
sova, por me ter feito muitos 
desaforos." Nada respondeu-lhe. 
O desembargador subiu. Pouco 
depois de uma hora, voltou, e dis-
se-lhe: "a mulher está ahi, acom-
panha-me". Sahiram do quarto, 
O CASO PONTES VISGUEIRO Í7 
e, ao subirem a escada, o desem-
bargador mandou que elle tirasse 
as botinas e andasse de mansi-
nho, atraz delle. Guiou-o o des-
embargador até um quarto, onde 
se achava uma moça sentada em 
um bahú, e, agarrando-a com a 
mão esquerda pela guélla, com a 
direita puxou uma toalha, que 
estava em um armário, lançou-a 
na bocca da moça, dizendo: "Eu 
não te disse que te dava um co-
nhecimento ?" 
Esta moça era Maria da Con-
ceição. Por ordem do desembar-
gador, a testemunha segurou 
com a mão direita a toalha, que 
estava na bocca da moça, e com 
a esquerda o seu hombro. Metteu 
o desembargador a mão no bolso, 
tirou um vidro, que desarrolhou 
com a bocca, e derramou o liqui-
do, que continha, sobre o nariz de 
Maria da Conceição. Ella desfal-
leceu. Nisso, o desembargador 
mandou que elle se retirasse, e 
fosse vêr si havia gente no corre-
dor. Fechou a porta do camarim, 
á chave. Voltando para commu-
38 EVARISTO DE MORAES 
nicar que não havia gente no cor-
redor, ouviu barulho de bater de 
pé e ouviu dizer: "Meu bem, não 
me mates.— Não te dizia sempre 
que me havias de pagar ?". De-
pois, foi, pouco a pouco, cessando 
o barulho, abriu-se a porta e ap-
pareceu-lhe o desembargador 
com um punhal na mão, todo en-
sangüentado, dizendo-lhe: "Gui-
lhermino, a raiva foi tamanha 
que não pude deixar de matal-a; 
agora, vamos tratar de encobrir 
o crime". 
Achava-se elle nos trajes 
com que havia entrado no quar-
to, em mangas de camisa, com 
calça de riscado. Mandou que pe-
netrasse no quarto. Viu Maria da 
Conceição estirada no meio do 
soalho com os pés para a porta e 
a cabeça para a parede. O des-
embargador foi sobre ella, mor-
deu-a no peito e deu-lhe uma pu-
nhalada no lado opposto ao em 
que ella já tinha outra, e ella 
ainda abriu a bocca. Puxou o 
desembargador um caixão gran-
de, que estava ali encostado, e os 
O CASO PONTES VISGUEIRO 39 
dois lançaram o cadáver dentro, 
o qual ficou com as pernas da 
parte de fora e a cabeça um pou-
co inclinada. Tendo elle ido bus-
car, por ordem do desembarga-
dor, uma lata de cal, que estava 
na sala de jantar, e comprar, com 
2$000, que elle lhe deu, solda e 
ferro de soldar, encontrou, vol-
tando, a perna do cadáver amar-
rada á coxa com uma corda, que, 
depois, o desembargador cortou 
para pôr a perna em condições de 
decepal-a, como o fez, afim de 
melhor arrumar o cadáver no cai-
xão, o que feito, enterrou um 
trinchete no ventre do cadáver." 
Até aqui temos a impressionante nar-
ração do co-autor do crime. (6) 
Reconstituamos o que succedêra de-
pois. 
(6) Guilhermino fora inquerido no inquérito nada 
menos de quatro vezes, e suas declarações, cada vez mais 
minuciosas, não divergem, fundamentalmente, do depoi-
mento judicial que reproduzimos no texto. Ha, apenas, a 
assignalar que em juizo elle procurou diminuir, de muito, 
a sua participação no crime. Damos, em nota addenda, no 
fim do capitulo, as ultimas declarações de Guilhermino no 
inquérito. Pintam, mais ao vivo do que o depoimento ju-
dicial, o que realmente se passara, e explicam certas cir-
cumstancias só em apparencia contradictorias. 
40 EVARISTO DE MORAES 
Conseguindo introduzir o cadáver, 
horrivelmente mutilado — conforme o 
comprovou o auto de corpo de delicto — 
no caixão de zinco, soldou-lhe Pontes Vis-
gueiro, tant bien que mal, a respectiva 
tampa, encerrando-o no caixão de cedro. 
Retirando-se do sinistro gabinete, 
preparou-se para um jantar festivo em 
casa do genro, seu collega Torreão. De-
veria comparecer, também, o presidente 
da província, Dr. Silvino Elvidio Carneiro 
da Cunha. Foi, effectivamente, seriam 
quatro horas, e manteve-se, naquelle meio 
familiar, sem quaesquer signaes de per-
turbação ou inquietação, até cerca de 10 
horas da noite. 
Havia, antes de ir para casa do genro, 
mandado chamar Amancio da Paixão 
Cearense á sua casa. 
Tal como procedemos com o de Gui-
lhermino, ajudemo-nos com o depoimento 
do prestimoso compadre. 
Nenhum outro se nos afigura mais 
elucidativo da tragédia. 
Perguntado pelo nome, idade, estado 
e profissão, respondeu: 
— "Amancio José da Paixão Cea-
O CASO PONTES VISGUEIRO 41 
rense, 40 annos, casado, negociante ma-
triculado. (7) 
"Perguntado o que sabe a respeito do 
facto dado em casa do desembargador 
Visgueiro, de cuja instrucção se trata ? 
Respondeu que na segunda-feira da 
semana atrazada, mais ou menos, recebeu 
um convite de seu amigo e compadre, o 
desembargador Visgueiro, para lhe falar, 
e, indo á sua casa, este, abraçando-o, con-
vulso, lhe disse que poderia ter precisão 
de seus serviços, e perguntou-lhe se podia 
contar com elle. Precedendo uma resposta 
affirmativa, desejou saber o meio de po-
del-o encontrar com facilidade, ao que, 
accedendo elle interrogado, deu um car-
tão, sobre o qual o desembargador escre-
veu seu próprio nome por extenso, e lhe 
disse, que, na occasião em que recebesse 
aquelle cartão, viesse, porque era signal 
de que precisava de seus serviços. Estra-
nhando o estado de exaltação em que en-
controu o desembargador, e receiando que 
alguém lhe houvesse dado, e que elle pre-
cisasse vingar-se, tratou de prevenir ao 
desembargador Torreão, e depois de o 
(7) Era Amancio cstahelecido com funilaria na rua 
Grande, actualmente rua Oswaldo Cruz, no prédio em que, 
depois, esteve a "Pharmacia Garrido" e actualmente existe 
unia loja de fazendas, do syrio João Miguel. 
42 EVARISTO DE MORAES 
pôr ao facto do que se havia passado, pro-
curou a policia e com o seu chefe enten-
deu-se também a respeito. Sahindo d'ahi, 
e de accordo com a autoridade, foi em 
busca de Mariquinhas, no intuito de saber 
o que poderia haver. Encontrou-a na praia 
de Santo Antônio, no meio de um grupo 
de raparigas, e, chamando-a de parte, lhe 
disse: "venho encarregado de uma com-
missão especial; quero saber o que houve 
com o desembargador e si se tem de re-
ceiar qualquer desgraça"; respondeu-lhe 
Mariquinhas que nada havia, que dias an-
tes estava ella em casa com um estudante 
de nome Costa, e que na occasião em que 
estavam juntos, ouviram dizer na porta 
da rua que elle ahi vinha. De facto, apre-
sentou-se immediatamente o desembar-
gador Visgueiro e com a sua apparição, o 
collegial Costa metteu-se debaixo da ca-
ma, e ella fugiu para o quintal. O desem-
bargador, indo a procurar no quintal, trou-
xe-a para dentro de casa e prescrutando os 
aposentos desta, encontrou o collegial 
Costa debaixo de uma cama, de onde o ti-
rou pelas orelhas e no meio do aposento 
admoestou-o, dizendo-lhe que não vol-
tasse áquelles logares, que era muito 
criança e não se perdesse e que elle nada 
O CASO PONTES VISGUEIRO 43 
lhe fazia, porém, advertia-lhe para que 
elle se emendasse. Narrada, assim, a oc-
correncia havida entre Mariquinhas e o 
desembargador, elle interrogado socegou, 
e propôz a esta a sua partida para o Rio 
de Janeiro, ou para qualquer outra capi-
tal, onde o meio de vida que ella levava é 
mais prospero e lhe podia abrir melhor fu-
turo. Por essa occasião, disse-lhe que ella 
teria uma passagem d'Estado, se lhe for-
neceriam os meios necessários para ella 
ter roupa decente e até de luxo; e á obje-
cção, que apresentou, de ficar sua mãe ao 
desamparo, respondeu que se lhe poderia 
arranjar uma pensão. E m vista destas pro-
messas, Mariquinhas annuiu em partir. 
Concluida que foi esta conferência, elle 
interrogado procurou o chefe de policia, 
ás 10 horas da noite, e communicou o re-
sultado de sua missão, dizendo-lhe que 
nada havia, que a menina seguiria, e dei-xou o mesmo chefe socegado, como elle 
próprio o estava. Ao sahir desta conferên-
cia, dirigiu-se á casa do desembargador 
Torreão — nessa mesma noite, que foi 
quarta-feira — tranquilisou-o, narrando-
lhe toda a conversa que tinha tido com 
Mariquinhas. Com o espirito socegado, 
passaram dias, quando esse socego foi in-
44 EVARISTO DE MORAES 
terrompido, na quinta-feira da semana 
ultima, dia em que, chegando elle interro-
gado á casa, já noite, entregaram-lhe duas 
cartas, das quaes uma era das Sras. Abran-
ches, que o convidavam para o seu con-
certo, outra era do desembargador Pontes 
Visgueiro, que lhe dizia ter necessidade 
dos seus serviços, como lhe havia pedido, 
e que precisava muito falar-lhe, das 10 ás 
11 horas da noite. Que embora muito can-
çado, pois que acabava de um diverti-
mento, ignorando para que o desembarga-
dor poderia desejar falar-lhe, foi á casa do 
chefe de policia, e mostrou-lhe a carta, 
nada, porém, dizendo a respeito do que se 
tratava; vae depois á casa do desembar-
gador Torreão, previne-o também de que 
tinha sido chamado; pergunta-lhe mesmo 
si o Visgueiro lá estava, e dirige-se para 
casa deste. Ahi chegando, perguntou ao 
preto Luiz por seu senhor, e dizendo-lhe 
este que ainda não o tinha visto, dirigiu-
se a quatro mulheres que estavam assen-
tadas defronte da casa, e lhes perguntou 
o que ahi faziam. Responderam ellas que 
iam embarcar para Vinhaes, ao que elle 
interrogado replicou que a maré estava 
ainda muito baixa e ahi ficou em conversa 
com ellas. Chegando pouco tempo depois 
O CASO PONTES VISGUEIRO 45 
o desembargador Visgueiro, com quem el-
le interrogado conversou, dirigiu-se ás 
mulheres e perguntou-lhes o que era feito 
delia. Ditas estas palavras pelo desem-
bargador, subiram elle interrogado e este 
para o andar superior da casa, e chegados 
que foram á sala de jantar, disse-lhe o des-
embargador que se puzesse á fresca, 
o que elle interrogado fez, sacando 
o paletot e ficando em mangas de ca-
misa. Sentado em uma cama e neste 
vestuário permanecia elle interrogado, 
que até essa hora ignorava completamen-
te tudo quanto se havia passado, e até 
mesmo si Mariquinhas havia desappare-
cido; notava, entretanto, a posição affli-
ctiva do desembargador, seus passos rá-
pidos por todos os aposentos, e, em ma-
dura contemplação estava, quando curva-
se perante elle o seu velho amigo e com-
padre e afflicto se chama desgraçado e 
lhe roga que o salve. Depois de lhe haver 
elle dito estas palavras, pergunta-lhe de 
que se trata, e o velho desembargador lhe 
confessa que havia apunhalado a sujeita. 
Com tão triste quão inesperada noticia, 
elle interrogado atira o chapéo que tinha 
na cabeça no chão, e, chamando-lhe mise-
rável, coJloca a fronte sobre os pulsos, e 
46 EVARISTO DE MORAES 
lastima comsigo não ter podido salvar a 
rapariga, por ter a carta lhe chegado ás 
mãos tão tarde, pois sabia só então a no-
ticia e já ella era cadáver. 
Entretanto, a amizade que tributava 
ao desembargador lhe faz pensar que era 
chegada a occasião de lhe ser útil, este lhe 
pedia que o salvasse e entre a necessidade 
de auxilial-o e o horroroso da posi-
ção estranha em que se achava collocado, 
meditava ainda, quando o desembargador 
lhe pergunta si porventura havia-lhe fal-
tado o animo; elle interrogado lhe res-
ponde que não, e lhe pergunta o que que-
ria. Então, o desembargador, chamando-o 
para uma saleta contigua á sala de visi-
tas, e que se achava quasi ás escuras, lhe 
mette um ferro na mão, na outra dá-lhe 
outros objectos e lhe diz: "aqui está a sol-
da", e o convida para pegar no caixão, o 
que elle fez, e, auxiliado pelo desembarga-
dor, trouxe o caixão para a sala de jantar. 
Ahi reconheceu elle que o ferro que tinha 
na mão era uma tesoura, «s, tendo lhe dado 
o desembargador carvão e um fogareiro 
de barro, pediu-lhe que fizesse a solda. 
Elle interrogado, que ainda ignorava o 
que continha o caixão e não podia vêr, 
metteu a mão dentro e sentiu alguma cou-
O CASO PONTES VISGUEIRO 47 
sa que lhe fez desconfiar, sem, entretan-
to, lhe dar noticia da triste verdade. Ten-
do de virar a tampa notou que esta estava 
um pouco suada, o que lhe fez augmentar 
a desconfiança. Lutava ainda entre o de-
ver da amizade, e o desejo de não ter par-
te em cousa que lhe causava tanta repu-
gnância. Sua posição, porém, se havia tor-
nado mais critica. O desembargador ha-
via fechado a sahida dos aposentos do 
andar superior, estava a sós com elle; an-
dava rapidamente e sem destino por to-
dos os aposentos da casa, e de quando em 
vez descia para o pavimento térreo e lá 
dizia alguma cousa. Pouco depois, ouve 
barulho em baixo, sente mesmo que o al-
çapão se abre, desconfia, e sua imagina-
ção se persuade que sua existência pode-
ria correr risco; trabalha, então, com mais 
actividade, quer espaçar o trabalho para 
o outro dia, pretexta que o ferro de soldar 
não está convenientemente preparado e 
que era mister limal-o; o desembargador 
lhe apresenta limas, e forçoso foi conti-
nuar no trabalho. Para logo, o desembar-
gador lhe pergunta se com effeito o tra-
balho estará acabado até de manhã e lhe 
pergunta se elle desanima, ao que res-
ponde que não. Felizmente, o trabalho 
48 EVARISTO DE MORAES 
chega a seu termo, e ás quatro horas es-
tava terminado. Era occasião de sahir e 
elle immenso o desejava, mas o desem-
bargador não lhe quer consentir e insta 
para que tome café; a recusa segue ao of-
ferecimento, e o desembargador continua 
a instar para que elle se utilisasse do 
café. Esta insistência o faz ainda descon-
fiar mais, e, então, sob o pretexto de que 
tinha necessidade de ir com Gil, seu filho, 
ao Anil, consegue a sua sahida. 
Passa-se o dia de sexta-feira, nas at-
tribulações de espirito que tão extraordi-
nária occorrencia lhe deveria suscitar. A' 
noite volta para sua casa, não pôde conci-
liar o somno. Pela manhã, quando, recos-
tado sobre a rede, tendo parte delia co-
brindo seu corpo, uma mão lhe tira a rede 
de cima e, ao abrir os olhos, reconhece o 
desembargador Pontes Visgueiro, que 
está na sua vista. Nessa occasião sua mu-
lher traz ao seu compadre o seu afilhadi-
nho, que estava com um tumor; o desem-
bargador ainda aconselha que não o fure, 
antes deixe vir á supuração; e logo após, 
estando a sós com elle, o exhorta, em no-
me da mais viva amizade, para que o sal-
vasse, indo, uma segunda vez, pois lhe 
parecia que o caixão exhalava mau chei-
O CASO PONTES VISGUEIRO 49 
ro. Ainda a voz da amizade o faz ir á casa 
do desembargador, e, ahi chegando, viu 
pela primeira vez, Guilhermino. Mandou 
a este que cheirasse por onde sahia o mau 
cheiro; á medida que este lhe designava 
um orificio, o soldava. 
Nessa occasião, desceu o desembar-
gador para o pavimento térreo. Sacando 
do punhal com que ia armado, mettendo-o 
na manga da camisa, chama a si Guilher-
mino, e, com voz de autoridade, lhe per-
gunta: "quem era, d'onde tinha vindo, si 
já tinha servido no Exercito, e si havia 
sido quem apunhalara aquella infeliz; elle 
lhe respondeu que tinha vindo do Piauhy, 
em companhia do desembargador, que, de 
facto, tinha servido no Exercito, que não 
a havia apunhalado, mas, sim, que a havia 
segurado, emquanto o desembargador a 
apunhalava, e que por este serviço o des-
embargador lhe havia promettido cem 
mil réis. A uma outra sua pergunta sobre 
o vestuário da infeliz, respondeu-lhe que 
estava com vestido branco e chinellos ver-
melhos, e que, na occasião em que a agar-
rou, ella correu, perdeu um chinello e deu 
um grito. 
A' subida do desembargador elle in-
terrompeu o interrogatório, e estando o 
4 
50 EVARISTO DE MORAES 
serviço feito e o caixão de zinco abaulado, 
o desembargador calcou sobre elle as 
mãos e ajudou a ser pregado o caixão de 
madeira. Nessa occasião subia o preto 
Luiz,que é innocente em tudo isto; e seu 
senhor disse-lhe que havia lhe promet-
tido passar a carta de liberdade. Tal era, 
porém, a repugnância e o desgosto de que 
se achava possuído o escravo Luiz, que 
nem teve forças para pegar no caixão. (8) 
O desembargador Visgueiro foi bus-
car duas cordas de sedenho, e, amarran-
do-as nas alças do caixão, disse-lhe que 
tinha outra idéa, qual era de enterral-o; e, 
assim amarrando o caixão, o preto e Gui-
lhermino pegaram na corda em um dos 
lados e elle fazendo pegar a outra também 
pelo desembargador Visgueiro, auxiliou a 
trasladação para o pavimento térreo. Ali, 
deixando o desembargador com os seus 
fâmulos, retirou-se. Declara que a segunda 
vez que veiu á casa do desembargador foi 
no sabbado; que no dia de quinta-feira, 
eíle passou todo dia fora de casa. Jantou 
(8) Eis o theor da "carta de liberdade", passada 
pelo desembargador Visgueiro a favor do seu escravo 
I.uiz: 
— "Pela presente carta declaro que liberto o meu es-
cravo Luiz, crioulo, que arrematei da massa fallida de Pe-
dro dos Santos, e pôde gosar da sua liberdade como lhe 
convier. Maranhão, 17 de agosto de 1873.—José Cândido 
Pontes Visgueiro." 
O CASO PONTES VISGUEIRO 51 
com o seu compadre e amigo João da Ro-
cha Santos, e durante parte da noite pas-
sou-a com o seu amigo Pedro José dos 
Santos, que o havia ido procurar. Declara 
também que a primitiva idéa do desem-
bargador era conservar o caixão no armá-
rio da sala de jantar, e, passados seis me-
zes, leval-o comsigo para as Alagoas e en-
terral-o convenientemente. Tal é a fiel 
narração deste triste acontecimento, do 
qual a voz da amizade forçou ser sabedor 
e hoje lastima profundamente que Deus 
não lhe permittisse occasião azada de sal-
var a vida da infeliz." 
Não é preciso encarecer a intensidade 
verdadeiramente dramática destas decla-
rações de Amancio. Empolgam, por si 
mesmas. E são deveras expressivas nos 
pontos que apropositadamente sublinhá-
mos. De uma parte, se sentem as appre-
hensões da autoridade publica, na digna 
pessoa de Miguel Calmon, incumbindo o 
compadre e intimo de Pontes Visgueiro 
de afastar, a todo preço, Maria da Concei-
ção da cidade de S. Luiz. Por outro lado, 
tem-se, nitida, a impressão do desespero 
em que se encontrara o declarante naquel-
la noite sinistra. Nem se supponham 
52 EVARISTO DE MORAES 
exaggerados os temores que assaltaram 
Amancio e se reflectiram em varias das 
suas attitudes, inclusive na suggestiva 
recusa de tomar o café offerecido pelo 
desembargador. De que elle não se arre-
ceiava sem motivo foi-nos fornecida pre-
ciosíssima demonstração. 
Contava o historiographo José Ri-
beiro do Amaral, contemporaneamente 
morador em S. Luiz e amigo de Amancio, 
que este, dias depois de haver sido invo-
luntariamente envolvido no caso san-
grento de que fora protagonista o seu 
compadre Visgueiro, tinha sido aggre-
dido, por mandado do mesmo desembar-
gador, nas proximidades do Campo de 
Ourique (hoje Parque Urbano dos San-
tos) . Voltavam Amaral e Amancio de 
uma festa, á meia noite, quando se verifi-
cou o assalto, armado de faca o mandatá-
rio. Refugiaram-se ambos no quartel das 
forças do Exercito (5o Batalhão de Infan-
taria), conferenciando Paixão Cearense 
com o official de pernoite, que lhe assegu-
rou garantia de vida. 
Saibamos que mulheres eram as com 
quem falaram Amancio e Pontes Visguei-
ro, naquella noite, horas depois do crime, 
O CASO PONTES VISGUEIRO 53 
e o que faziam ellas defronte da casa do 
desembargador. Temos noticia de três:— 
Luiza Sebastiana de Carvalho, Thereza 
de Jesus Lacerda e Adozinda Avelina Bel-
leza, as duas primeiras já nossas conheci-
das. Eis o que, a respeito, narrou Luiza 
Sebastiana (mãe de Maria da Conceição) 
e foi plenamente confirmado pelas outras: 
— "Quando soube que sua 
filha não era encontrada depois 
de ter entrado em casa do des-
embargador, dirigiu-se á casa 
deste e falou com o preto Luiz, 
que lhe disse que ella ali não es-
tava e que o seu senhor, o desem-
bargador, tinha sahido para jan-
tar fora. A depoente sentou-se, 
então, defronte da porta da rua 
da casa do desembargador, onde 
se lhe juntaram outras mulheres, 
que andavam á procura de Maria 
da Conceição. A' noite approxi-
mou-se Paixão Cearense da casa 
do desembargador, falou com o 
preto Luiz, e, depois, dirigiu-se a 
ellas. Conversavam quando, ás 
10 horas e meia, appareceu o des-
embargador, que se dirigia para 
54 EVARISTO DÊ MORAES 
casa. Paixão Cearense foi ter 
com elle no meio da rua, mas o 
desembargador disse-lhe: "—Es-
pera, que quero dar attenção a 
estas senhoras." Dirigindo-se 
á depoente, lançou um joelho em 
terra, e, levantando as mãos pos-
tas para o ar, disse: "Minha se-
nhora, nossa filhinha Mariqui-
nhas ainda não appareceu ? Res-
pondeu-lhe: "Sr. desembargador, 
tem cara de ainda perguntar por 
minha filha, quando o senhor já 
a matou ?" Elle disse que jurava 
não ter feito tal; que ella estivéra 
na sua casa, mas sahira ás 4 ho-
ras, levando 5$000 para comprar 
fitas, afim de ir á festa de S. Ma-
noel. Depois, o desembargador 
entrou para casa, com Cearense, 
fechou a porta da rua; ella per-
maneceu, com as outras, no mes-
m o logar, e notaram que andava 
gente no quarto, por causa de pi-
sadas e da claridade da luz; de-
pois das 3 horas da manhã, reti-
ráram-se." 
Não pararam ahi, entretanto, as dili-
gencias da mãe e das amigas de Maria da 
O CASO PONTES VISGUEIRO 55 
Conceição. Ainda na mesma sexta-feira e 
pela manhã do dia seguinte, foram, varias 
vezes, á residência do desembargador. 
Elle as tratava bem, franqueava-lhes toda 
a casa, abrindo armários, chorava, dava 
punhadas na cabeça. 
Aventava, então, a idéa de ter-se a ra-
pariga retirado para o Pará. 
No sabbado occorrêra um facto, cuja 
narração é imprescindivel. 
Soccorrámo-nos, novamente, das de-
clarações judiciarias de Guilhermino, con-
firmadas por Amancio: 
— "No sabbado, o desem-
bargador chamou-o á sala de jan-
tar, onde se achava Amancio da 
Paixão, e indicou-lhe o caixão, 
Puxou o depoente o caixão do 
armário, e Amancio aperfeiçoou 
a solda, feito o que, os três e mais 
o escravo Luiz, previamente cha-
mado, conduziram o caixão para 
um quartinho do pavimento tér-
reo. Retirou-se Amancio. O des-
embargador deu ordem ao de-
poente e a Luiz para abrirem uma 
cova no quintal, onde foi enter-
rado o caixão, sobre o qual, de-
56 EVARISTO DE MORAES 
pois, deviam fazer um canteiro, 
com garrafas, e plantar uma hor-
ta. A cova foi aberta, o caixão en-
terrado, mas o canteiro não se 
fez." 
Porque não se fez o canteiro ? 
Não houve tempo. 
No próprio sabbado, 16 de agosto, 
Thereza, a afflicta comadre de Maria da 
Conceição, dera denuncia á Policia do ex-
tranho desapparecimento da sua amiga. 
NOTA ADDENDA 
4o e ultimo interrogatório policial de 
Guilhermino 
— Perguntado se não assistiu ao as-
sassinato de Maria da Conceição e como 
este teve lugar ? 
Respondeu, que no dia 14 do corrente, 
elle interrogado, como já disse no seu 2o 
interrogatório, foi para a saleta próxima 
á sala de visitas e quando entrou Mariqui-
nhas, o desembargador, que atraz delia 
vinha, agarrou-a pela garganta e tapou-
O CASO PONTES VISGUEIRO 57 
lhe a bocca com a toalha; mandou que elle 
interrogado segurasse a toalha emquanto, 
tirando um frasco com chloroformio, deu-
lhe a cheirar por duas vezes. Que, tendo 
ella cahido por cima de um bahú que es-
tava coberto com um capote e adorme-
cendo, o desembargador ordenou que se 
retirasse. 
Perguntado se a victima não deu gri-
tos, antes de ser agarrada, e se não batia 
com as pernas ? 
Respondeu, que logo que Mariqui-
nhas viu elle interrogado por detraz da 
porta emparelhar com o desembargador, 
deu um grito, e foi depois desse grito que 
elle agarrou-apela guéla e tapou-lhe a 
bocca com a toalha, agarrando-a elle inter-
rogado, pelas espaduas, emquanto o des-
embargador lhe applicava o chloroformio. 
Disse que o desembargador, segurando-a 
pelo pescoço, de bruço sobre ella, tinha as 
pernas mettidas entre as suas e que quan-
do a victima começou a bater com ellas o 
desembargador as segurou entre as suas. 
Apenas adormecida a victima, o desem-
bargador atirou-se ao cadáver e morden-
do-o dizia: — "não te havia dito que te 
daria um conhecimento pelo pouco caso 
58 EVARISTO DE MORAES 
que de mim fazias com o teu amigo Joa-
quim ? (9) 
Perguntado o que d'ahi seguiu ? 
Respondeu que o desembargador o 
mandou retirar-se para a sala; chaman-
do-o pouco depois, elle interrogado viu 
então o cadáver de Mariquinhas estendido 
no chão da saleta, sobre um capote preto 
forrado de panno escocez, do uso do des-
embargador, tendo dois ferimentos de pu-
nhal no peito. Desses ferimentos sahia 
pouco sangue e ao passo que este extrava-
sava, o desembargador ia limpando com a 
própria camisa e com as vestes da offen-
dida. Chegando a esta saleta, o desembar-
gador mandou-lhe que segurasse pelas 
pernas do cadáver e assim carregado foi 
mettido no caixão e porque ficassem as 
pernas de fora, o desembargador toman-
do das cordas de que elle interrogado já 
falou no seu 3o interrogatório, amarrou 
ambos os pés e fazendo voltar a perna es-
querda para debaixo da coxa a enleiou, 
mandando que elle interrogado fizesse o 
mesmo na perna direita; o que feito, o ca-
dáver estufou dentro do caixão e porque 
não pudesse ser pregado assim, o desem-
(9) Recorde-se que Joaquim era o prenome do estu-
dante Costa. 
O CASO PONTES VISGUEIRO 59 
bargador cortando as cordas que ligavam 
a perna direita a estendeu de novo para 
fora do caixão e com o trinchete, que ha-
via feito amolar por elle interrogado, dias 
antes, deu um golpe na curva, no intuito 
de fazel-a virar sobre a coxa pelo lado de 
cima, mas, como isso não pudesse obter, 
deitando a perna pendurada no caixão, 
fez a sua deslocação. 
Perguntado o que fez elle interrogado 
depois desta operação ? 
Respondeu que continuou a ficar em 
pé, junto do caixão e do cadáver, e viu o 
desembargador pegar a cabeça da victima 
pelos cabellos e cortar-lhe o pescoço, pa-
ra poder collocal-a dentro do caixão, findo 
o que mandou-lhe buscar uma lata de cal, 
que estava na sala de jantar do andar su-
perior, e assim que a trouxe, o desembar-
gador com uma cuia pequena tirou a cal e 
começou a deitar sobre o cadáver. Foi 
nessa occasião que mandou a elle interro-
gado que fosse comprar a solda e o ferro 
de soldar. 
Perguntado o que fez o desembarga-
dor da perna direita da victima ? 
Respondeu que a collocou dentro do 
caixão, a um lado do mesmo. 
60 EVARISTO DE MORAES 
Perguntado a que hora acabou toda 
esta operação ? 
Respondeu que ás três horas da tar-
de, pouco mais ou menos. 
Perguntado se ainda vivia Mariqui-
nhas quando o desembargador atirou-se 
sobre ella e a mordeu ? 
Respondeu que ainda estava viva e 
apenas adormecida. 
Perguntado como explica ter-se en-
contrado rota e cheia de sangue a camisa 
com que estava vestido nesse dia ? 
Respondeu, que na noite de quinta-
feira, tendo brigado com uma pessoa na 
occasião em que passeava com outros, sa-
hiu dessa briga ferido e com a camisa rota 
e por essa razão está suja de sangue e rota. 
Perguntado se Mariquinhas quando 
agarrada por elle interrogado e pelo des-
embargador não procurava livrar-se ? 
Respondeu que Mariquinhas pro-
curava com uma das mãos retirar a mão 
do desembargador que lhe agarrava as 
guellas e que com a outra procurava tirar 
de cima de si o mesmo desembargador, 
mas que este, agarrando a 2a mão, pren-
deu-a debaixo do pé direito, que estava 
descalço e em cima de um bahú. 
Perguntado se elle interrogado não 
O CASO PONTES VISGUEIRO 61 
estava mascarado quando se occultou na 
saleta para onde entrou Mariquinhas ? 
Respondeu que o desembargador ha-
via preparado uma mascara de panno pre-
to com três buracos pela frente, mas que 
elle interrogado delia não usou, porque o 
desembargador esqueceu de lh'a dar an-
tes de entrar para o quarto. Sabia que exis-
tia essa mascara, porque a viu na mão do 
desembargador quando este, depois de 
tudo acabado, a guardou. 
Perguntado como elle explica o seu 
dito acima, quando relata que, antes de 
metter o cadáver no caixão, tinha o cadá-
ver dois ferimentos, ao passo que na au-
tópsia foram encontrados quatro ? 
Respondeu que o ferimento do estô-
mago foi feito pelo desembargador quan-
do elle interrogado foi comprar a solda e 
depois de estar o cadáver no caixão, o que 
sabe porque, na volta, quando entrou na 
saleta, para entregar a solda, viu o estô-
mago do cadáver e as vísceras que tinham 
sahido com muito sangue. 
Perguntado se o chão da saleta não 
ficou ensangüentado ? 
Respondeu que não, porque, além de 
ter o desembargador o cuidado de ir en-
xugando o sangue das primeiras feridas 
62 EVARISTO DE MORAES 
como acima já disse, chamou-o para dei-
tar o cadáver no caixão, afim de que não 
escorresse sangue senão dentro deste. 
Disse mais que, estando o cadáver sobre 
o capote, como acima já disse, só neste 
deve haver algum sangue. 
Perguntado onde está a roupa do 
desembargador que ficou ensangüentada? 
Respondeu que está dentro de um 
bahú preto, que tem um fundo de segredo 
e que dentro do segredo está a roupa. 
E por nada mais dizer nem lhe ser 
perguntado, deu-se por findo este depoi-
mento." 
III 
ACTIVIDADES POLICIAES 
Ia intensa agitação na cidade de São 
Luiz, em o domingo 17 de agosto de 
1873. Logo pela manhã, tinham affluido 
muitos populares para defronte da casa 
do desembargador Pontes Visgueiro, na 
rua S. João. (10) Falava-se no desappare-
cimento de Maria da Conceição, amante 
conhecidissima do velho magistrado. No 
meio dos populares apontavam-se a mãe 
da desapparecida e as suas amigas mais 
intimas. 
(10) A via publica, em que morava o desembargador 
Pontes Visgueiro, chamou-se, depois, rua Antônio Raiol, e, 
ainda depois, recebeu o nome actual —• rua Treze de Maio. 
O prédio, em o qual o crime se deu tem, hoje, o numero 
126. E' de dois pavimentos, e no térreo, muito tempo após 
o facto delictuoso, se installou uma casa de commercio — 
A Cosmopolita, letreiro ainda visível. U m dos nossos in-
formantes —• Sr. Wilson Soares — ouviu do já citado his-
toriographo José Ribeiro do Amaral que, em 1873, o as-
pecto da casa era o que ella ultimamente apresentava. 
64 EVARISTO DE MORAES 
Dentro em pouco, começou a ser sa-
tisfeita a curiosidade, circulando o boato 
do encontro de um cadáver, desenterrado 
do quintal daquella casa. 
Romperam gritos de indignação e 
manifestações de espanto, confundidos 
com os ruidosos lamentos da mãe da pre-
sumida victima e das suas companheiras. 
Sabia-se que no interior da casa esta-
vam, desde 4 1|2 da manhã, as autoridades, 
ás quaes se foram juntar, depois do des-
cobrimento macabro, os médicos da Po-
licia. (11) Ao sahirem todos, seguiram, 
presos, alguns homens de côr. 
Ao mesmo tempo era o lugubre acha-
do conduzido para o Hospital da Miseri-
córdia, onde se ia proceder á pericia me-
dico-legal. 
No auto de corpo de delicto, assi-
gnado pelo chefe de policia Dr. Miguel 
Calmon du Pin e Almeida e pelos peritos 
Drs. Santos Jacintho, Jauffret, Faria de 
(11) A casa tinha sido cercada desde 1 hora. A's 4 1|2 
apparecêra na porta, querendo sahir, o desembargador. 
Fez-lhe vêr o chefe de policia — que dirigia a diligencia— 
estar ali com o intuito de proceder á busca. Allegou Pon-
tes Visgueiro que não podia demorar; ia ao Cutim, mas 
voltaria logo. Ordenou, então, o Dr. Miguel Calmon a en-
trada na casa. Lavrou-se de todo o oceorrido o auto ne-
cessário,devidamente testemunhado. 
O CASO PONTES VISGUEIRO 65 
Mattos e Júlio Mario, foram assim descri-
ptas, por estes, as diligencias prelimina-
res da pericia: 
— "No quintal da casa do des-
embargador José Cândido de 
Pontes Visgueiro, junto á escada 
que para ahi deita, viram uma co-
va, dentro da qual se achava, um 
palmo abaixo, uma caixa de ce-
dro, pintada de branco, com duas 
alças de ferro nas duas ex-
tremidades, a tampa fechada com 
pregos, tendo 110 centímetros de 
comprimento, 40 de largura e 30 
de fundo. (12) Tirada a tampa, 
encontraram uma caixa de zinco 
com as mesmas dimensões, e com 
toda a justeza accommodada den-
tro e bem soldada. Fizeram con-
duzir para o Hospital da Miseri-
córdia, onde se encontravam as 
condições necessárias para o exa-
me. Ahi, abriram a caixa de zin-
co, encontraram uma camada de 
(12) Merece annotação o procedimento "prematura-
mente technico" da policia maranhense, já em 1873 con-
vocando os medicos-peritos para esta diligencia inicial, e 
não se limitando a lhes pedir a intervenção, tão somente, 
para a necropsia. 
5 
66 EVARISTO DE MORAES : 
gazetas, cobrindo o conteúdo, e 
quatro travessas de madeira col-
locadas de distancia em distan-
cia, com o fim de sustentar a 
tampa, no acto de soldal-a. Con-
tinuaram a descobrir e encon-
traram dentro um cadáver, que 
reconheceram logo ser de mu-
lher. Estava com a cabeça do-
brada sobre o hombro esquerdo, 
e a perna esquerda dobrada so-
bre a nádega, afim de caber na 
caixa, e ao lado direito do peito 
estava collocada a perna direita, 
que tinha sido desarticulada pelo 
joelho.. 
Os interstícios estavam 
cheios de cal. 
Tirado o cadáver, collocado 
sobre a mesa das dissecções e la-
vado, viram e acharam o se-
guinte : 
Era o cadáver de uma mulher 
de cor branca, que representava 
ter 15 annos de idade, estatura 
regular e medianamente gorda, 
. cabellos negros, lisos e compri-
dos, tendo uma camisa de panni-
O CASO PONTES VISGUEIRO 67 
nho, anagua de bico, vestido de 
cassa chitada e uma fita de vel-
ludo preto em roda do pescoço; 
todo elle estava tumefacto, lar-
gando a epiderme das mãos e dos 
pés; os olhos estavam fora das 
orbitas, rotos e alterados pela pu-
trefacção, de maneira que não se 
poude reconhecer a sua cor. Ha-
via duas manchas lividas no lado 
esquerdo do cadáver, uma si-
tuada na face externa da perna, 
outra sobre as costellas, e cada 
uma dellas com um decimetro de 
diâmetro; incisadas, não apre-
sentavam ecchymoses nos teci-
dos subjacentes. 
Na região epigastrica apre-
sentavam-se de fora, e formando 
uma grande elevação, o intestino 
colon transverso e intestinos del-
gados, que sahiram por uma inci•• 
são vertical de um decimetro de 
comprimento, praticada na dire-
cção da linha branca do appen-
dice xiphoide, para baixo. Ao 
lado esquerdo, immediatamente 
, -..--_; abaixo da mama - corresponden-
68 EVARISTO DE MORAES 
te, estava uma solução de conti-
nuidade de dois centimetros de 
largura, que penetrava na caixa 
thoraxica; do lado direito via-se 
outra de igual dimensão e collo-
cada symetricamente em relação 
á primeira, e que também atra-
vessava a parede do thorax. O 
pescoço estava cortado circular-
mente, ficando ligado ao tronco 
unicamente pela columna verte-
bral. 
Foram chamadas a mãe da 
assassinada e uma companheira 
de casa, que reconheceram a 
identidade da pessoa, não só pela 
physionomia, mas também pelos 
vestidos." 
Feito, em seguida, o exame interno, 
concluiram os peritos que a morte fora 
causada por feridas penetrantes do cora-
ção e do estômago. 
E' de admirar a perfeita concordância 
das verificações periciaes — no tocante ao 
exame exterior do cadáver — com as de-
clarações de Guilhermino Borges. 
O inquérito, sempre dirigido pelo 
chefe de policia, e movimentado dia e noi-
O CASO PONTES VISGUEIRO 69 
te, deixou patentes, incontestáveis, os fa-
ctos expostos no capitulo anterior. 
Logo a 20 de agosto, três dias após o 
inicio das diligencias policiaes, apresen-
tava o chefe o seu primeiro relatório, de-
terminando fossem os autos, em original, 
remettidos ao Supremo Tribunal de Jus-
tiça (único competente para o processo e 
julgamento do desembargador) e o respe-
ctivo translado ao juiz de direito do 3o dis-
tricto criminal de S. Luiz. (13) 
Proseguindo em inquirições, elabo-
rou o chefe de policia outro relatório, en-
dereçado ao presidente da província. En-
tendia a suprema autoridade policial do 
Maranhão estar deante do crime "mais 
celebre nos annaes judiciários do Impé-
rio", e ponderava: 
(13) Lia-se no Diário do Maranhão: 
— "Pelo vapor "Bahia" seguiram já para o 
Rio de Janeiro, todos os interrogatórios e mais 
peças officiacs, aqui feitos pelo Sr. Dr. chefe de 
policia para esclarecer-se o crime horroroso que lia 
dias preoccupa o espirito publico. Desde o mo-
mento em que se descobriu o fio deste crime, 
nunca mais tiveram descanso nem o presidente da 
província, e nem o Dr. chefe de policia, e feliz-
mente todos os esforços e dedicações foram co-
roados de êxito, pois pôde considerar-se o crime 
descoberto, bem como todos os seus principaes in-
cidentes. Dignas, portanto, são de todo o elogio 
estas duas autoridades, e na verdade, só com 
muito esforço, tino e força de vontade poderia em 
três dias concluir-se uma diligencia tão impor-
tante." 
70 EVARISTO DE MORAES 
"Sim, em face das circum-
stancias que levam o crime de ho-
micídio ao art. 192 do Código 
Criminal, verá a população um 
velho magistrado, encanecido na 
sciencia de julgar, com assento 
no mais alto gráo da hierarchia 
da magistratura, subir ao pati-
bulo, e, com o seu próprio sangue, 
lavar a toga maculada com o san-
gue da victima. (14) 
Desculpa-se o empolado das phrases 
pela impressão dolorosa que as ditou, ma-
ximé considerando-se a impossibilidade, 
áquella época, de acertar um bacharel em 
direito, embora culto, com a interpretação 
psycho-pathologica do horrível assassi-
nio. 
A' distancia dos factos, tendo-se de 
os apreciar através do processo, da tradi-
cção oral e dos commentarios da impren-
sa, não ha como regatear louvores ao so-
(14) Theor invocado do art. 192 do Cod. Criminal do 
Império: 
— "Matar alguém, com qualquer das circumstancias 
aggravantes mencionadas no art. 16, ns. 2, 7, 10, 11, 12, 13, 
14 e 17: 
Penas: — de morte, no gráo máximo; galés perpétuas, 
no médio; de prisão com trabalho por vinte annos, no mí-
nimo." 
O CASO PONTES VISGUEIRO 71 
brinho e homonymo do marquez de 
Abrantes, pela serena imparcialidade com 
que procedeu, garantindo a vida e a pro-
priedade do criminoso contra a sanha da 
população indignada, e, ao mesmo tempo, 
reunindo, em três dias, todos os elementos 
de convicção, mantida, em torno da pes-
soa do desembargador, discreta vigilância, 
para lhe evitar a fuga, caso pretendesse 
tental-a. 
NOTA ADDENDA 
Ao chefe de policia do Maranhão, que 
presidiu o inquérito contra Pontes Vis-
gueiro e seus cúmplices, alludiu, ultima-
mente, Pedro Calmon, quando, na obra 
O M A R Q U E Z D E ABRANTES, falando 
dos últimos dias desse Marquez, disse: 
"Tem ao lado o sobrinho, que é como fi-
lho, relíquia da sua grei, a quem educara 
para a administração e a magistratura: é 
seu homonymo" (pag. 295). 
A respeito do mesmo chefe de policia 
colhemos os seguintes dados biographi-
cos:— Nasceu no município de Santo 
72 EVARISTO DE MORAES 
Amaro, província da Bahia, a 19 de abril 
de 1843, tendo vindo, menino, para o Rio 
de Janeiro, aos cuidados do seu tio e pa-
drinho, do mesmo nome, depois Marquez 
de Abrantes. Bacharelou-se em S. Paulo, 
seguindo, desde logo, a carreira judicia-
ria, como promotor em Cabo Frio. 
Depois de algum tempo fora da ma-
gistratura, voltou a ella, sendo nomeado 
juiz de direito em varias comarcas.Foi 
chefe de policia, não só no Maranhão, co-
m o em Santa Catharina e no Rio de Ja-
neiro (Corte). Aqui prestou serviços de 
certa importância, entre os quaes a crea-
çâo do Asylo de Mendigos, sendo-lhe con-
cedidas honras de desembargador. Ainda 
aqui exerceu a judicatura em uma vara 
commercial. 
E m 1885, estando no poder o minis-
tério Cotegipe, foi nomeado presidente da 
província do Ceará. 
Sob o mesmo ministério, e em plena 
"questão militar", quando se tratou de es-
colher quem tivesse o tacto necessário 
para afastar do Rio Grande do Sul o ge-
neral Deodoro, (que, sendo ali comman-
dante das armas, estava no exercício da 
vice-presidência da província e se tinha 
O CASO PONTES VISGUEIRO 73 
manifestado ruidosamente na alludida 
"questão") — voltaram-se as vistas do 
governo para Miguel Calmon. 
Embora enfermo, deante da insistên-
cia do convite, acceitou a difficil tarefa, 
que levou a bom termo. Aggravaram-se, 
entretanto, seus padecimentos, e morreu 
o sobrinho querido do marquez de Abran-
tes, em Porto Alegre, aos 43 annos de 
idade, a 30 de dezembro de 1886, deixando 
a família em honrosa pobreza. 
IV 
A ATTITUDE DA IMPRENSA LO-
CAL E A POLEMICA JURÍDICA EM 
TORNO DO CASO 
Ao tempo em que occorreu o crime, 
estava todo o paiz agitado pela questão 
religiosa, ou, mais propriamente, pela 
"questão episcopo-maçonica". 
O ministério presidido pelo visconde 
do Rio Branco, e do qual era João Alfredo 
figura proeminente, tinha, em harmonia 
com o pensar de Pedro II, reagido contra 
a attitude de dois bispos, que, mais obe-
dientes á Igreja do que ao Estado, haviam 
desrespeitado leis do Império e determi-
nações de autoridade competente. 
Ia accesa a polemica no Rio de Ja-
neiro e os seus reflexos se estendiam ás 
76 EVARISTO DE MORAES 
cidades capitães, apaixonando a im-
prensa. 
Os jornaes das províncias, quando 
não tomavam partido, abriam, pelo me-
nos, suas columnas ás publicações offi-
ciaes. Nestas condições estavam, no de-
curso do mez de agosto de 1873, O PAIZ 
e o "OBSERVADOR MARANHENSE, 
diários editados em S. Luiz. 
O PAIZ, "órgão especial do commer-
cio", segundo declaração do seu cabeça-
lho, no mesmo dia (18 de agosto), em que 
principiava a se occupar com o assassinio 
de Maria da Conceição, divulgava a "Con-
sulta da Secção dos Negócios do Impé-
rio do Conselho de Estado sobre o re-
curso interposto pela Irmandade do S. S. 
da Igreja Matriz da Freguezia de Santo 
Antônio, da cidade do Recife, contra o 
acto pelo qual o Rvmo. bispo de Olinda a 
declarou interdicta". 
Quanto ao crime da rua S. João, delle 
tratou O PAIZ, sob a epigraphe CRIME 
HORROROSO, que, aliás, foi, também, 
adoptada pelo O B S E R V A D O R MARA-
NHENSE. 
Ha trechos em o artigo d'0 PAIZ 
que, traduzindo uma das correntes da opi-
O CASO PONTES VISGUEIRO 77 
nião publica, merecem transcripção lite-
ral. (15) 
Este, para exemplo: 
— "Nem o autor do indigi-
tado crime, nem outros que di-
zem ser seus cúmplices, foram 
ainda presos e isto tem causado 
certa extranheza, comparando 
com a louvável actividade do Sr. 
Dr. chefe de policia, a qual mani-
festa o seu desejo de ficar bem 
patente o crime. 
Somos dos que entendem que a 
lei deve ser igual para todos, sem 
a minima excepção. Como raio 
que fere o mais alto carvalho e 
vem tocar a relva mais rasteira, a 
lei deve punir ou proteger o 
grande e o pequeno, da mesma 
fôrma. Vamos mais longe: que-
remos que a applicação delia 
seja ainda mais rigorosa contra 
o rico e poderoso, o homem de 
saber, porque aquelle fia-se no 
poder do seu dinheiro, e este não 
se pôde desculpar com a igno-
(15) Era director d'0 PAIZ o seu proprietário Tlie-
mistocles Aranha. . .' 
78 EVARISTO DE MORAES 
rancia e o pouco cultivo da intelli-
gencia. Pela nova reforma judi-
ciaria (lei 2.033, de 20 de setem-
bro de 1871) a prisão, fora do 
caso de flagrante delicto, só pôde 
ser effectuada nos casos estabe-
lecidos no § 2o do art. 13 e nos do 
art. 29, §§ Io e 2o ,do regulamento 
de 21 de novembro de 1871, expe-
dido para execução da mesma 
lei." 
Passava o articulista á transcripção 
dos dispositivos invocados, em virtude 
dos quaes somente seria a prisão preven-
tiva executada mediante mandado do juiz 
competente. 
E continuava: 
"Ora, tendo os desembarga-
dores foro privilegiado, devem 
ser julgados pelo Supremo Tri-
bunal de Justiça; só por ordem 
ou á requisição desse tribunal 
pôde ser effectuada a prisão an-
tes da culpa formada. A missão 
da policia, para o caso vertente, 
limita-se, quanto ao indigitado 
réo principal, a fazer os inquéri-
tos e mais diligencias e remetter 
O CASO PONTES VISGUEIRO 79 
o resultado para o Supremo Tri-
bunal, que terá de formar a culpa 
e julgar. Entretanto, si por essa 
disposição de lei fica o principal 
criminoso em plena liberdade, os 
seus cúmplices, si cúmplices 
tem, podem ser presos, visto que, 
sendo processados no foro com-
mum, o juiz formador da culpa 
aqui está para requisitar-lhes a 
prisão. O clamor publico, não 
essa grita da turba atraz do cri-
minoso, mas o brado da indigna-
ção que revela o horror que sente 
o povo, pede a prisão do crimi-
noso. Para esta effectuar-se, só 
si se pudesse considerar, atten-
tas as vehementissimas provas, 
como em flagrante delicio; po-
rém, rigorosamente tal classifi-
cação não se lhe pôde dar. Certa-
mente, si a prisão se effectuasse, 
a opinião publica applaudiria, 
mas não é esta bastante; acima 
delia está a lei. Dura lex, sed lex. 
Os autores da reforma judiciaria 
... não previram .casos destes, em 
o...
 v„ .que,.:pela immunidade do. réo, 
80 EVARISTO DE MORAES 
pôde a acção da justiça ser bur-
lada. Deante de crimes taes, com-
mettidos a sangue frio, com de-
morada premeditação, acompa-
nhados de um cortejo de circum-
stancias que revelam uma dureza 
de coração elevada ao ultimo 
gráo, no caso de sermos autori-
dades, correríamos o risco de in-
correr em responsabilidade, mas 
havíamos de proceder de modo 
que a sociedade ficasse plena-
mente desaffrontada. 
Sujeitar-nos-iamos a um pro-
cesso, mas seria um processo glo-
rioso. Entretanto, esta nossa 
opinião particular não envolve a 
mínima censura ao distincto Sr. 
Dr. chefe de policia, cujo proce-
dimento, neste negocio, tem sido 
o mais recto que se pôde desejar, 
e acima de qualquer considera-
ção. S. Ex. curva-se ás disposi-
ções da lei; si não vae mais lon-
ge, é só por que não pôde." 
Ahi se accentuava a rara habilidade 
do jornalista, não desagradando a opinião 
O CASO PONTES VISGUEIRO' 81 
collectiva, nem atacando quem cumpria 
sizudamente os seus deveres funccionaes. 
No mesmo numero iniciava O PAIZ a 
publicação das declarações prestadas no 
inquérito. 
Ainda no supplemento daquelle nu-
mero, e sob a epigraphe A' U L T I M A HO-
RA, lia-se esta noticia: 
— "Recusando-se o desem-
bargador a ir á policia, e respon-
dendo, segundo se diz, que o pre-
sidente e o chefe de policia, eram 
muito baixos para poder interro-
gal-o, resolveu o Sr. chefe de po-
licia ir pessoalmente á casa delle. 
Ali chegando, foi recebido pouco 
convenientemente, continuando 
o desembargador na obstinação 
de nada dizer, declarando mais 
que ia responder no tribunal que 
o pôde julgar, para onde seguirá 
no próximo vapor. A multidão, 
indignada com esta resposta, 
apedrejou a casa e conserva-se na 
proximidade delia." 
Mas não ficou inactivo o Dr. Miguel 
Calmon. Mandou dispersar o povo, e 
" •"' 6 " 
82 EVARISTO DE MORAES 
guardar a habitação de Pontes Visgueiro 
por um official e seis praças. (16) 
No dia 20, ao encerrar o primeiro in-
quérito, dirigiu-se, por escripto, ao desem-
bargador, convidando-o, de novo, a pres-
tar esclarecimentos, ou, pelo menos, a ex-
plicar a situação de

Outros materiais