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Raiva e encefalite Luiz Pedro Duarte Farias – lpdfarias.med@gmail.com Universidade Salvador – Laureate International Universities Medicina – Agressão e Defesa II Turma IV GERAL Encefalite é uma inflamação aguda do cérebro. Vírus da raiva, vírus da gripe, pneumococo, entre outros são causas clássicas da encefalite. Contudo, vamos focar especificamente no vírus da raiva. Devido a sua fatalidade, a raiva tornou-se/ é um grande problema para a saúde pública; casos muito raros conseguem a “cura”. De acordo com novos relatos, alguns indivíduos foram contaminados pelo vírus da raiva a partir de morcegos frutíferos, contrariando, desta forma, a teoria em que apenas morcegos hematófagos poderiam transmitir a enfermidade. Esta situação pode ser explicada quando se analisa o meio de convívio dos morcegos frutíferos: estes podem dividir o habitat com os morcegos hematófagos e serem contaminados a partir da saliva dos não frutíferos. Caso persista a dúvida de como ocorreu esse contágio, saiba que de alguma forma o morcego frutífero foi contaminado e pôde/ pode transmitir a doença. Com exceção da Austrália e da Antártida a raiva está presente em todos os continentes. Foi erradicada somente no Reino Unido, na Irlanda e no Japão. Em território brasileiro, no período de 1990 a 1998, houve 383 casos relatados; mas, graças as campanhas de vacinação/ de controle (seja para os humanos ou animais), este número vem decaindo gradativamente. No ano de 2000 a 2009, existiu uma incidência média de 16 casos por ano e no período atual foram notificados 2 casos na Bahia (os dois por morcegos frutíferos). Estes dados apresentados são referentes ao ciclo urbano (formado pelos cães, gatos e homem no geral). Mas, o ciclo silvestre (raposas, morcegos, entre outros) tem sido alvo muito importante para a sinalização geográfica e epidemiológica da raiva, até porque a agressividade da doença é muito maior quando o indivíduo é infectado por algum animal presente no ciclo silvestre. Por exemplo, quando o homem é mordido ou arranhado por uma raposa, é preconizado que se utilize a vacina e o soro contra a raiva. Fora isto, a doença no ciclo urbano é altamente controlada, ao contrário do ciclo silvestre. RAIVA A raiva é uma doença (inflamação) aguda do sistema nervoso central (SNC) transmitida ao homem por mordida, ou arranhadura ou lambedura de um animal raivoso. Estes podem ser cães, gatos, morcegos hematófagos, raposas, bovinos e equinos. Pessoas que trabalham em contato com o gado, como os veterinários, por exemplo, precisam realizar o ofício com determinados cuidados/ protegidos, pois há casos relatados de transmissão através desses animais supracitados. Propriedade do vírus: família Rhabdoviridae, gênero Lyssavirus, partículas são em forma de bastonetes ou projétil, possuem envelope e glicoproteínas nas espículas virais (envoltório membranoso com presença de espículas – é a partir da glicoproteína que o vírus entrará na célula do hospedeiro), o genoma é um RNA de fita simples de sentido negativo (a cópia desse RNA será transcrita em RNAm) e pode ser inativado pelo CO2. Este vírus possui várias formas de ser destruído: luz, calor, radiação UV e solvente lipídicos. Pode ser encontrado no SNC, na saliva, na urina, no leite e no sangue. Replicação. Como é que um vírus envelopado entra numa célula? O envelope do vírus se fusiona, a partir das glicoproteínas nas espículas virais, na membrana celular das células do hospedeiro, penetrando com o capsídeo e genoma; capsídeo é degradado e ocorre, então, a formação das proteínas virais. O genoma do RNA será transcrito em 5 espécies de RNAm pela enzima RNA-polimerase, dando origem à 5 proteínas do vírus: proteína do nucleocapsídeo (N), proteínas polimerases (L e P), proteína da matriz (M) e glicoproteína G (glicoproteína do envelope). Ou seja, forma-se 5 RNAm que darão origem a 5 tipos de proteínas. Existem cerca de 7 sorotipos da raiva; encontra-se diferenças entre as cepas isoladas em diferentes regiões/ áreas geográficas. É a glicoproteína (presente nas espículas purificadas) do vírus que induzirá a produção de anticorpos neutralizantes. Ou seja, a produção de anticorpos neutralizantes é contra a membrana/ glicoproteína do envelope. Este anticorpo se ligará no vírus (no envelope), impedindo a penetração do vírus em outra célula. Mecanismo de ação – patogenia. Ocorre a multiplicação do vírus no tecido muscular ou no tecido conjuntivo, no local da inoculação; penetra nos nervos periféricos e propaga-se para o sistema nervoso central. O vírus se multiplica no cérebro e pode se propagar para as glândulas salivares e outros tecidos. Produz inclusão citoplasmática eosinofílica nas células nervosas infectadas (corpúsculo eosinofílico nos neurônios – corpúsculo de Negri – cor alaranjado e esférico). Este corpúsculo é uma forma de diagnosticar a raiva por imunofluorescência direta do tecido nervoso tanto do indivíduo quanto do animal (este diagnóstico geralmente é post-mortem, in vivo se faz o raspado da córnea). Susceptibilidade e período de incubação depende de alguns fatores como a idade. Na criança, o período de incubação é mais curto do que no adulto. Estado imunológico do hospedeiro (indivíduos imunocompetentes terão um período de incubação mais longo, devido à uma melhor reação ao vírus), cepa viral envolvida (se a cepa é mais agressiva ou não, o período de incubação será diferente), a quantidade inoculada (a carga viral), a gravidade da laceração (lesão maior, mais profunda, acarreta num período menor de incubação) e o local de inoculação (se é próximo de um tronco nervoso, o período em que o vírus se incuba é mais curto) são fatores para a susceptibilidade e variância no período de incubação. Ou seja, há fatores provenientes do hospedeiro e do vírus. Manifestações clínicas. O vírus da raiva causará a encefalite aguda (inflamação aguda do encéfalo) fulminante e fatal. O período de incubação será variável, podendo ser de alguns dias até 1 ano, com a média de 45 dias para a raiva humana. A raiva pode ser dividida em 4 fases: fase prodrômica inespecífica (antecede a fase específica da enfermidade); fase neurológica aguda; quadro clássico de encefalite rábica; morte ou, em casos raros, recuperação. Fase prodrômica inespecífica: apresenta sintomas inespecíficos como febre e dor de cabeça (cefaleia). Outros como mal-estar, anorexia, fotofobia, náuseas e vômitos, dor de garganta e, ao redor da lesão, uma sensação estranha/ anormal (algo incomodante). Fase neurológica aguda: tem o início com o período de atividade motora excessiva (o indivíduo fica agitado). Nervosismo e apreensão, alucinações, confusão, pensamentos bizarros com momentos de lucidez, convulsões e paralisia focal. A hiperatividade simpática generalizada também é percebida (o sujeito apresentará lacrimejamento, sialorreia [produção excessiva de saliva], midríase [dilatação da pupila], perspiração [suor excessivo] e hipotensão postural). Espasmos dolorosos no músculo da garganta durante a deglutição (sensação de dor ao deglutir), hiperestesia (sensibilidade aumentada para determinados órgãos) e temperatura alta são outros sintomas desta fase. Obs.: qualquer caso de encefalite ou de miosite que não tenha causa conhecida, não se pode afastar a suspeita de raiva. Ou seja, deve-se considerar raiva em qualquer caso de encefalite e miosite/ mielite de origem desconhecida – a ação precisa ser rápida, é um caso de emergência. Quadro clássico de encefalite rábica: acometimento dos nervos cranianos ou impacto positivo, diplopia (visão dupla), paralisia focal, neurite ótica e dificuldade de deglutição. É possível observar também espuma na boca. Hidrofobiaé percebida em 50% dos casos; acometimento do núcleo amigdaloide (tronco nervoso) pode levar ao priapismo (exagero do apetite sexual) e ejaculação precoce. O paciente poderá evoluir para um coma com acometimento do centro respiratório (o que pode levar à morte – apneia). A disfunção precoce do tronco encefálico diferencia a raiva de outras encefalites virais e explica a deterioração do paciente. O período de sobrevida é de 4 dias, com o máximo de 20 dias, a não ser que seja não instituída medidas de suporte artificiais. Ou seja, depois que a doença se instala, dificilmente pode-se encontrar a cura. Só houve dois casos de “cura” no mundo todo, sem que os indivíduos tivessem tomado vacina. Entretanto, o paciente obteve diversas sequelas. Diagnóstico laboratorial. Pode ser feito o diagnóstico post mortem tanto para o homem quanto para os animais – exame de encéfalo com imunofluorescência direta (IFD) [direta se pesquisa o antígeno e a indireta o anticorpo] utilizando anticorpo monoclonal: observa-se se há o corpúsculo de Negri. Ainda neste exame, se faz uma prova biológica: inoculação no camundongo do antígeno. In vivo, se faz o raspado da córnea – ocorre com a imunofluorescência direta ou por PCR [exame de microbiologia molecular]. Da mesma forma, se faz o exame do folículo piloso. Profilaxia. Vacinação dos animais (cães e gatos) e dos humanos são as principais formas de controle da raiva. A vacina é feita a partir do cérebro de camundongo infectado com o vírus inativado. O soro antirrábico (microglobulinas/ imunoglobulinas específicas extraídas do plasma de cavalos hiperimunizados com a vacina contra a raiva) também é utilizada. Dependendo do caso/ protocolo, o indivíduo pode tomar a vacina e o soro ou somente a vacina. Tratamento. O paciente deve ser mantido isolado em um local com baixa luminosidade e incidência de ruídos. Não pode receber visitas e somente profissionais com EPI podem visitar o sujeito. Não há tratamento específico, é preciso realizar o tratamento suporte – alimentação por sonda nasogástrica, hidratação, controle de distúrbios eletrolíticos da febre e dos vômitos, uso de beta-bloquadores para hiperatividade adrenérgica. Imunidade. Será concedida pela aplicação da vacina antes e depois da exposição, porque, uma vez manifestado o quadro, o paciente geralmente evolui para o óbito. “Cura”. Não se pode falar que há de fato uma cura quando, apenas, 2 casos foram solucionados e, mesmo assim, com os pacientes apresentando sequelas para o resto da vida. Nos EUA, foi-se administrado uma sedação profunda (coma induzido) e uso de medicamentos antivirais – Protocolo de Milwaukee. Esse protocolo trouxe a possibilidade de cura para uma doença que até então era considerada letal. Em 2008, foi-se aplicado em 16 pacientes esse protocolo e apenas 2 obtiveram a cura – houve a eliminação do vírus no organismo do paciente, mas diversas sequelas persistiram no corpo do indivíduo.
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