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Todos	conflitos	são	“tratáveis”?	Há	
conflitos	“intratáveis”?	
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	 2 
Meta	da	Aula		
Desconstruir	a	ideia	que	todos	os	conflitos	são	
“tratáveis”	 e	 que	 é	 válido	 reconhecer	 outra	
categoria	 para	 os	 conflitos	 socioambientais,	 a	
saber,	os	conflitos	“intratáveis”.	
	
Ao	final	dessa	aula	esperamos	que	você	seja	capaz	de:	
1.	 Identificar	 alguns	 tipos	 de	 conflitos,	 como	 os	 “dramas	 sociais”	 e	 os	
“conflitos	tratáveis”	que	podem	ter	uma	solução	que	ponha	fim	as	disputas	
inerentes	a	cada	um	deles.		
2.	 Questionar	 se	 os	 dispositivos	 legais	 –	 leis,	 decretos,	 normas,	 e	 outros	
instrumentos	 –	 conseguem	 de	 fato	 atingir	 seus	 objetivos	 quando	 se	
propõem	a	solucionar,	por	fim	ao	conflito,	e	produzir	a	paz	social.			
3.	Conceituar	uma	outra	categoria	de	conflitos,	a	partir	das	reflexões	sobre	
a	natureza	de	algumas	disputas	em	nossa	sociedade,	que	seriam	os	conflitos	
intratáveis,	aqueles	que	resistem	aos	mecanismos	de	sua	“solução”.		
4.	Reconhecer	que	os	conflitos	socioambientais	se	enquadram	na	categoria	
de	“conflitos	intratáveis”.	
	
Atenção!	
O	texto	desta	aula	e	das	seguintes	não	está	formatado	no	padrão	do	
CEDERJ.	Entretanto,	o	conteúdo	é	exatamente	o	mesmo	que	vocês	
receberão	no	livro	texto.	Pedimos	desculpas,	mas	temos	certeza	que	
eventuais	dificuldades	serão	superadas	com	a	qualidade	da	discussão	
com	os	tutores!	
Boas	aulas.	
Professores	Conteudistas	e	Tutores.		
Administração	de	Conflitos	Socioambientais		|	Todos	conflitos	são	“tratáveis”?	Há	conflitos	“intratáveis”?	
CEDER J 	
Nesta	aula	construiremos	uma	tipologia	dual	para	a	análise	dos	conflitos.	Para	
tanto,	 usaremos	 conceitos	 que	 devem	 ser	 entendidos	 como	 categorias	
analíticas.		
Vocês	 devem	 ter	 visto	 em	 Sociologia	 Jurídica	 que,	 para	 Émile	 Durkheim,	 as	
categorias	 seriam	 a	 “ossatura	 da	 inteligência”.	 Seria	 a	 partir	 delas	 que	
poderíamos	 enquadrar,	 ordenar,	 classificar	 o	 mundo	 a	 nossa	 volta.	 Tais	
“categorias”	 não	 seriam	universais	 nem	existiriam	a	 priori,	 como	propusera	 o	
filósofo	 alemão	 Immanuel	 Kant.	 Para	 Durkheim,	 as	 categorias	 seriam	 uma	
construção	 social,	 ou	 seja,	 as	 categorias	 são	 determinadas	 social	 e	
historicamente.	
Mas	 outra	 definição	 nos	 ajuda	 a	 compreender	 o	 mundo	 que	 nos	 cerca.	 É	
reconhecer	 que	 temos	 categorias	 de	 síntese	 e	 categorias	 de	 análise,	 ou	
analíticas.	As	categorias	de	síntese	corresponderiam	aos	conceitos	que	usamos	
para	 construir	 um	 determinado	 cenário	 ou	 contexto.	 Por	 exemplo,	 se	 nos	
propusermos	em	montar	um	pen	drive	para	ouvir	músicas	no	 carro,	 um	bom	
caminho	seria	organizar	as	músicas	por	gênero	musical	–	samba,	MPB,	pagode,	
sertanejo,	 rock,	 metal,	 clássico	 –	 ou	 por	 década.	 Mas	 também	 poderíamos	
escolher	organizar	nosso	arquivo	por	músicas	para	meditar,	músicas	para	 ficar	
acordado,	ou	outra	 forma	qualquer	de	categorizar	nosso	acervo.	Em	qualquer	
alternativa	estaremos	usando	categorias		de	síntese,	pois	estaremos	construindo	
nosso	sistema.	
Passado	algum	tempo,	poderíamos	observar	nosso	pen	drive	com	outro	olhar.	
Poderíamos	 ordenar	 nosso	 acervo	 por	 critérios	 seletivos,	 do	 tipo	 gostei	mais,	
ouvi	mais,	 não	quero	ouvir	 sempre,	 etc.	 Tais	 categorias	de	análise	não	 são	as	
mesmas	das	de	síntese,	mas	guardam	certa	afinidade.	Não	faria	sentido	analisar	
o	 acervo	 organizado	 em	 nosso	 dispositivo	 de	 armazenamento	 em	 categorias	
tipo	“comprei	com	dinheiro”,	“paguei	com	cartão	de	débito”,	“parcelei	em	dez	
vezes	sem	juros”.	Tais	categorias	de	análise	seriam	úteis	para	nosso	sistema	de	
controle	orçamentário,	porém	de	pouca	valia	para	nosso	acervo	musical.		
Em	 muitos	 casos,	 a	 pouca	 adequação	 das	 categorias	 de	 síntese	 com	 as	
categorias	de	análise	se	constitui	em	uma	fonte	inesperada	de	conflitos!	
INTRODUÇÃO	
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CEDER J 	
Trabalharemos	 com	 duas	 categorias:	 os	 conflitos	 tratáveis	 e	 os	 conflitos	
intratáveis.	 Sugeriremos	 que	 os	 primeiros	 podem,	 sob	 determinadas	
condições	serem	tratados	pelas	 ferramentas	tradicionais	de	“pacificação”	de	
conflitos,	 como	 o	 tratamento	 jurídico	 das	 disputas.	 Entretanto,	 como	 há	
outros	tipos	de	conflitos	que	resistem	à	resolução,	mesmo	que	judicializados,	
utilizaremos	outra	 categoria,	 os	 conflitos	 intratáveis,	 que	 incluem,	de	 forma	
inequívoca,	os	conflitos	socioambientais.		
Vejamos,	em	primeiro	lugar,	os	conflitos	tratáveis.				
Vamos	começar?	
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Os	conflitos	 tratáveis	possuem	uma	gradação	que	pode	ser	percorrida	em	sua	
integridade	ou	em	saltos.	Na	aula	anterior	vimos	o	caso	do	conflito	ocorrido	na	
Marina	 de	 Arraial	 do	 Cabo.	 Mas	 conhecer	 uma	 taxionomia	 dos	 conflitos	 é	
bastante	útil	para,	às	vezes,	se	identificar	um	conflito	até	antes	de	sua	eclosão.		
Uma	primeira	etapa	de	um	conflito	tratável	pode	ser	identificada	quando	atores	
sociais	iniciam	um	processo	de	evitação	recíproca.	Os	laços	de	sociabilidade	são	
cortados,	parcial	ou	integralmente.		
O	 segundo	momento	 corresponde	a	uma	escalada	em	 relação	ao	primeiro,	 já	
que	enseja	o	 fim	das	relações	cordiais	entre	as	partes.	Aqui,	não	apenas	 laços	
sociais	 são	quebrados,	mas	há	o	surgimento	do	embrião	de	uma	animosidade	
que	aumentará	com	o	tempo.		
A	terceira	 fase	do	conflito	acontece	quando	uma	das	partes,	 já	estabelecido	o	
clima	de	animosidade,	tenta,	através	da	coerção,	se	sobrepor	à	outra.	Assimetria	
de	poder,	 individual,	situacional	ou	contextual	pode	ser	decisiva	para	o	fim	do	
conflito	acontecer	nesta	etapa,	quando	uma	das	partes	efetivamente	se	impõe	à	
outra.		
A	 próxima	 fase	 ocorre	 em	 um	 ambiente	 dialógico,	 ou	 seja,	 tem	 início	 um	
processo	 se	 negociação	 direta	 entre	 as	 partes.	 O	 que	 pretendem	 seria	
alcançar	um	resultado	favorável	para	ambas,		não	em	termos	de	regras,	lei	ou	
regulamentos,	 mas	 a	 partir	 de	 mecanismos	 através	 dos	 quais	 podem	
organizar	suas	relações	mútuas.		
Quando	 surge	 uma	 terceira	 parte	 para	 a	 resolução	 do	 conflito	 temos	 uma	
mediação.	O	característico	deste	processo	é	que	a	 intervenção	do	mediador	
vai	na	direção	de	construir	um	resultado	que	será	aceito	por	todas	as	partes	
envolvidas	no	conflito.	Uma	outra	forma	possível	de	atuação	de	uma	terceira	
parte	se	dá	na	forma	de	arbitragem,	que	deve	ser	vista	como	um	processo	de	
resolução	 de	 conflitos	 onde	 as	 partes	 voluntariamente	 se	 submetem	 ao	
julgamento	 de	 uma	 terceira,	 e	 cuja	 aceitação	 da	 solução	 apontada	 está	
implícita	ao	processo.	
Uma	etapa	final	para	um	conflito	tratável	pode	ser	quando	o	Estado	toma	a	si	
a	 administração	 do	 conflito.	 Necessariamente	 ocorre	 o	 exercício	 da	
1.	OS	CONFLITOS	
TRATÁVEIS		
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autoridade	de	uma	instância	hierarquicamente	superior	às	partes	em	conflito,	
e	cujos	resultados	serão	a	eles	 impostos,	mesmo	que	haja	a	necessidade	do	
recurso	ao	uso	da	força.		
Uma	 forma	 “simplificada”	 de	 conflitos	 tratáveis,	 os	 “dramas	 sociais”	 foram	
conceituados	 pela	 primeira	 vez	 por	 Victor	 Turner,	 antropólogo	 inglês	 que	
estudou	 alguns	 grupos	 nativos	 africanos.	 Os	 dramas	 sociais	 são	 conflitos	 que	
eclodem	quando	alguém,	ou	um	grupo,	se	comporte	em	desconformidade	com	
normas	 sociais,	 ou	 seja	 as	 expectativas	 sociais	 foram	 quebradas.	 Em	 outras	
palavras	 os	 dramas	 sociais	 estão	 intimamente	 ligados	 à	 ordem	 social	 vigente.	
Dramas	de	pequena	intensidade	ocorrem	no	cotidiano	das	pessoas	que	acabam	
por	se	tornar	familiares	através	de	repetições.		
Os	dramas	sociais	possuem	uma	"forma	processual"	que	se	desenvolve	segundoum	roteiro	socialmente	definido.	A	primeira	 fase	corresponde	a	um	momento	
de	 reconhecimento	pelas	partes	da	eclosão	de	uma	crise,	que	 já	 vinha	dando	
sinais	 de	 existência,	 gerada	 pelas	 tensões	 inerentes	 às	 interações	 sociais.	 Em	
seguida	 ocorre	 o	 momento	 de	 ampliação	 da	 crise,	 com	 o	 chamamento	 por	
ambas	 partes	 de	 atores	 de	 suas	 relações	 sociais,	 o	 que	 acaba	 por	 provocar	 a	
aplicação	 da	 crise,	 envolvendo	 cada	 vez	 um	 número	 maior	 de	 litigantes.	 Na	
busca	 por	 uma	 composição,	 alguns	 atores	 se	 movimentam	 na	 direção	 de	
alternativas	que	possam	conciliar	as	partes,	com	base	em	ações	compartilhadas.	
A	 fase	 final	 apresenta	 duas	 possibilidades.	 Na	 primeira,	 	 caso	 os	 esforços	
iniciados	 na	 etapa	 anterior	 forem	 bem	 sucedidos,	 ocorre	 um	 rearranjo,	 com	
possíveis	 mudanças	 nas	 posições,	 relações	 e	 aspirações	 iniciais.	 Na	 segunda,	
caso	 esses	 esforços	 sejam	 mal	 sucedidos,	 pode	 ocorrer	 a	 cisão	 das	 relações	
sociais	entre	e	nos	grupos,	provocando	novos	arranjos	na	estrutura	social.		
Como	se	pode	ver,	um	drama	social	pode	ser	considerado	um	tipo	particular	de	
interação	 social,	 como	 proposta	 por	 Georg	 Simmel,	 que	 acionam	 padrões	
particulares	de	 regras	 e	 valores,	 necessitam	de	 comportamentos	orientados	 a	
determinados	 objetivos	 e	 formas	 específicas	 de	 comportamento	 social	 e	 que	
podem	 ser	 tanto	 conjuntivos,	 quando	 a	 coesão	 social	 é	 reforçada,	 quanto	
disjuntivos,	quando	ocorre	uma	cisão	no	grupo.		
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A	partir	das	ideias	de	Herbert	L.	A.	Hart,	Robert	Shirley	identificou	a	existência	
de	 regras	 primárias,	 que	 seriam	 aquelas	 dirigidas	 diretamente	 ao	
comportamento	 dos	 indivíduos,	 e	 de	 regras	 secundárias,	 que	 seriam	
mecanismos	através	dos	quais	a	sociedade	puniria	aqueles	que	 infringem	as	
normas	primárias.	 	Nesta	 concepção,	 as	 instituições	estatais	 são	apenas	um	
tipo	 de	 instituição	 responsável	 pela	 aplicação	 das	 regras	 secundárias.	 Em	
outras	sociedades	esta	responsabilidade	pode	recair	sobre	outras	instituições	
sociais,	como	a	família,	o	clã,	ou	a	própria	sociedade	como	um	todo.	A	figura	
2,	abaixo,	o	modelo	proposto	por	Shirley	a	partir	das	ideias	de	Herbert	Hart,	
Bohannan,	que	 identificou	uma	característica	do	Direito,	como	o	Ocidente	o	
construiu,	 a	 saber,	 a	 dupla	 institucionalização.	 Em	 outras	 palavras,	 as	
instituições	que	elaboram	as	normas	não	podem	ser	as	mesmas	que		cuidam	
que	sejam	cumpridas,	ou	apliquem	sanções.		
	
Figura	2.1:	O	conceito	de	Direito,	a	partir	de	Herbert	Hart		(Fonte:	Lobão,	2014)	
Outro	antropólogo	norte-americano,	Shelton	Davis,	em	seu	livro	Antropologia	
do	 Direito,	 no	 qual	 reuniu	 uma	 série	 de	 ensaios	 de	 autores	 como	 Paul	
Bohannan	 e	 os	 antropólogos	 ingleses	 Max	 Gluckman,	 Edmond	 Leach,	
compilou	 um	 conjunto	 de	 proposições	 sobre	 o	 Direito	 que	 pareciam	 ser	
consensualmente	aceitas	pelos	antropólogos:	
“a)	 em	 toda	 sociedade	 existe	 um	 corpo	 de	 categorias	
culturais,	de	regras	ou	códigos	que	definem	os	direitos	e	
deveres	legais	entre	os	homens;	
b)	 em	 toda	 sociedade	 disputas	 e	 conflitos	 surgem	 quando	
essas	regras	são	rompidas;	
2.	A	DIREITO	E	A	PAZ	
SOCIAL	(OU	A	
PACIFICAÇÃO	DO	
CONFLITO	PELO	
DIREITO?)	
	
Highlight
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c)	 em	 toda	 sociedade	 existem	 meios	 institucionalizados	
através	dos	quais	esses	conflitos	são	resolvidos	e	através	
dos	 quais	 as	 regras	 jurídicas	 são	 reafirmadas	 e/ou	
definidas”	 (Davis,	 1973:10)
	
	
Na	 Aula	 1,	 ao	 discutirmos	 os	 Casos	 1	 e	 2,	 vimos	 que	 como	 a	 dupla	
institucionalização,	em	nossa	cultura	 jurídica	 se	dá	de	 forma	mais	ampla,	podendo	colocar	o	
Estado	contra	o	Estado,	Ibama	contra	Prefeitura,	juiz	contra	polícia.	
Pense	nas	regras	que	um	órgão	ambiental,	no	caso	do	Rio	de	Janeiro	o	Instituto	do	Ambiente	
(INEA)	pode	estabelecer	para	a	visitação	de	um	Parque	(Unidade	de	Conservação	da	Natureza	
de	proteção	integral).	Se	um	visitante	infringir	estas	normas	ele	será	“punido”	pelos	“guardas-
parque”,	que	são	vinculados	ao	INEA!	Onde	está	a	dupla	institucionalização?	
Comentário	
De	fato,		em	várias	dimensões	do	Direito	Ambiental	a	dupla	institucionalização	está	ausente.	Em	
alguns	 casos	 é	 ainda	 mais	 grave,	 como	 as	 regulamentações	 do	 Conselho	 Nacional	 do	 Meio	
Ambiente	(CONAMA)	que	são	aprovadas	em	um	conselho	que	integra	do	Poder	Executivo,	sem	
delegação	democrática	do	mandato	de	seus	conselheiros.	O	antídoto	para	esta	“falta”	está	no	
conceito	de	Direito	Difuso,	ou	seja,	que	o	Meio	Ambiente,	como	representado	no	Artigo	225	da	
Constituição	Federal	de	1998,	é	um	direito	das	gerações	atuais	e	as	futuras.	Assim,	os	agentes	
do	Estado,	quaisquer	que	sejam,	atuam	com	legitimação	dupla.			
	
	
Entretanto,	a	partir	deste	“consenso”,	surgiram	novos	“dissensos”.	Com	os	
antropólogos	 construindo	 seus	 objetos	 no	 interior	 das	 sociedades	
complexas,	essas	definições	precisavam	ser	melhor	explicitadas.		
Quais	 categorias	 representariam	 os	 “direitos	 e	 deveres	 legais”	 de	 outros	
direitos	e	deveres	sociais;	como	identificar	os	rompimentos	de	regras	que	
são	 pertinentes	 à	 esfera	 do	 Direito	 de	 regras	 que	 pertencem	 a	 outros	
setores	da	vida	em	sociedade?	Estas	 respostas,	bem	como	uma	definição	
para	 o	 Direito	 que	 incluísse	 as	 sociedades	 complexas,	 não	 podiam	
prescindir	da	identificação	e	da	descrição	das	instituições	que	comporiam	o	
próprio	Direito.		
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CEDER J 	
Foi	 nesse	 sentido	 que	 a	 antropóloga	 norte-americana	 Sally	 Falk	 Moore	
escreveu	o	 livro	 	“Direito	como	um	Processo”,	no	qual	discutiu	uma	visão	
mais	precisa	para	uma	eventual	definição	para	o	Direito	(Moore,	1978).	Se	
os	 quatro	 ingredientes	 sugeridos	 anteriormente	 para	 conformarem	 o	
universo	 do	 Direito,	 a	 saber,	 autoridade,	 intenção	 de	 aplicação	 universal	
das	 normas,	 obrigação	 e	 sanção,	 forem	 aplicados	 às	 sociedades	
contemporâneas,	 identificaríamos	 não	 só	 as	 normas	 do	 Direito,	 como	
também	 várias	 outras	 regras	 de	 comportamento	 de	 um	 sem	 número	 de	
corporações	que	compõem	outras	esferas	da	vida	social.		
Moore	 propôs	 um	 conceito	 diferenciador	 para	 o	 que	 poderia	 ser	
considerado	 como	 uma	 lei,	 a	 saber,	 sua	 origem.	 Assim,	 pertenceriam	 ao	
Direito	 aquelas	 regras	 que	 emanassem	 das	 esferas	 governamentais	
especializadas,	 enquanto	 os	 regulamentos	 seriam	 seus	 correspondentes	
nos	 processos	 internos	 de	 quaisquer	 grupos	 sociais	 organizados.	
Entretanto,	nesta	perspectiva	voltava-se	à	definição	de	direito	através	da	
delimitação	 de	 sua	 pertinência	 ao	 campo	 institucional,	 apesar	 de	 nesta	
formulação	 ele	 estar	 submetido	 a	 um	 componente	 dinâmico,	 ou	 mais	
precisamente,	processual.		
Um	jurista	brasileiro,	Miguel	Reale,	elaborou	uma	teoria	tridimensional	do	
Direito,	 no	 qual	 vincula	 valor,	 fato	 e	 norma	 de	 uma	 forma	 que	 leva	 em	
consideração	as	preocupações	de	Moore.	Nesta	teoria,	intenções	de	valor	
na	sociedade	(V1,	V2	e	V3,	na	figura	3.2	abaixo)	são	dirigidas	para	um	fato.	
Isso	implica,	que,	do	ponto	de	vista	da	sociedade,	não	há	apenas	uma	única	
valoração	 para	 um	 fato.	 Como	 consequência,	 emanam	 do	 fato	múltiplas	
direções	 normativas	 que	 são	 levadas	 a	 uma	 instituição	 autorizada	 pela	
sociedade	 a	 produzir	 normas	 (a	 letra	 P,	 na	 figura	 abaixo).	 A	 norma	
produzida	(a	letra	N)	será	aplicada	ao	indivíduo.		
	
	
		Cultura	Jurídica	
	
O	Conceito	de	Cultura	
Jurídica	não	deve	ser	
compreendido	como	a	
junção	dos	dois	termos	em	
separado.	Antoine	Garapone	
Ioannis	Papadopoulos	
definiram	a	Cultura	Jurídica	
como	aproximado	ao	de	
tradição	jurídica,	sem	ser	
pensado	como	estático.	
Trata-se	de	um	campo	de	
tensões,	dinâmico	por	
excelência.	A	Cultura	Jurídica	
corresponde	às	formas	
particulares	de	produção	da	
verdade,	dentro	de	diversas	
práticas	internas	do	campo,	
entre	elas	o	processo	judicial	
e	não	por	métodos	
científicos.	Dentro	destas	
práticas	internas,	algumas	
culturas	jurídicas	enfatizam	a	
oralidade,	como	a	norte-
americana,	ou	a	
textualidade,	como	a	
brasileira.		Para	esses	
autores	como	a	cultura	
jurídica	corresponde	a	um	
meio	de	ajustamento,	o	
processo	judicial		pode	ser	
pensado	como	um	lugar	de	
visibilidade	do	político,	e	que	
a	configuração	judicial	
estaria	na	prática,	não	nos	
livros.		
	
C
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Figura	2.2:	A	Teoria	Tridimensional	do	Direito,	a	partir	de	Miguel	Reale	
	
	Observe	 atentamente	 as	 figura	 2.1	 e	 2.2	 compare	 as	 duas.	 Construa	 paralelos	 e	
dissensos	entre	as	duas	representações	sobre	o	Direito.	Como	você	deverá	notar,	na	figura	3.2,	
que	representa	uma	imagem	sobre	a	cultura	 jurídica	brasileiro,	filiada	à	“civil	 law	 tradition”,	a	
“norma”	 (representada	 pela	 letra	 N)	 não	 é	 imputada	 a	 “ninguém”.	 	 Já	 na	 figura	 3.1,	 que	
representa	uma	imagem	sobre	a	cultura	jurídica	anglo	saxã,	filiada	à	“common	law	tradition”,	as	
normas	 secundárias	 (aquelas	 produzidas	 pelas	 instituições	 autorizadas	 para	 tal),	 se	 dirigem	
universalmente	 aos	 indivíduos.	 	 Qual	 categoria	 sociológica	 poderia	 ser	 colocada	 como	 a	
destinatária	da	norma,	em	nossa	cultura	jurídica?	
Comentário	
Nas	 duas	 representações,	 as	 normas	 derivam	 de	 valores	 e	 exigências	 da	 sociedade	 sobre	 as	
instituições	que	o	Estado	acolheu	para	tal.		São	as	“normas	primárias”	de	Hart	ou	os	“valores	na	
sociedade”	de	Reale.	 	A	partir	daí,	uma	enorme	diferença	se	estabelece.	Enquanto	na	common	
law,	há	um	consenso	sobre	os	fatos	que	representam	esses	valores,	em	nossa	cultura	jurídica,	os	
valores	 que	 se	 dirigem	aos	 fatos	 são	múltiplos.	 Como	 resultado,	múltiplas	 difrações	 dos	 fatos,	
resultantes	 de	 sua	 interação	 com	 os	 valores	 plurais	 são	 dirigidas	 a	 uma	 única	 instituição	
autorizada	a	produção	da	norma	(o	legislativo	de	cada	esfera	de	governo	–	municipal,	estadual	
ou	federal).	Nesta	instância,	a	multiplicidade	de	valores	na	sociedade	é	reduzida	a	uma	única,	ou	
a	 uma	 síntese	 delas,	 ou	 até	 mesmo	 um	 novo	 valor,	 inexistente	 até	 então	 na	 sociedade,	 a	
“norma”.	 	Assim,	a	norma	não	pode	ser	aplicada	universalmente	aos	 indivíduos,	ela	precisa	ser	
interpretada	por	agentes	legitimados	para	tal,	porque	será	aplicada	a	pessoas,	que	se	distinguem	
uma	 das	 outras	 em	 direitos	 e	 deveres.	 Afinal,	 vimos	 na	 Aula	 1	 que,	 para	 Rui	 Barbosa,	 “a	
verdadeira	 regra	 da	 isonomia	 é	 tratar	 desigualmente	 aos	 desiguais,	 na	 medida	 em	 que	 se	
desigualam.”		
	
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	Saiba	Mais:		Common	Law	&	Civil	Law		
Em	 geral,	 se	 diferenciam	 os	 dois	 sistemas	 jurídicos,	 Common	 Law	 e	 Civil	 Law,	 como	 sendo	 o	
primeiro	vinculado	aos	países	com	vínculo	com	a	Inglaterra	(Estados	Unidos,	Austrália,	etc.),	e	a	
fonte	do	Direito	 estaria	 vinculada	mais	 à	 jurisprudência,	 ou	 às	 decisões	 judiciais,	 do	que	 à	 Lei	
propriamente	dita.	Já	a	Civil	Law,	é	vinculada	ao	“direito	continental	europeu”	(Itália,	Alemanha,	
França,	 etc.)	 e	 a	 fonte	 do	 direito	 é,	 necessariamente,	 a	 Lei.	 Os	 mesmos	 Antoine	 Garapon	 e	
Ioannis	Papadopoulos	propuseram	pensar	a	Common	Law,	como	uma	cultura	jurídica	que	teria	
as	seguintes	categorias:		
Civil	Law	 Common	Law	
Direito	vem	de	cima	 Direito	que	impulsiona	de	baixo	
Centralidade	 Descentralização	
Verticalidade	 Horizontalidade	
Unidade	da	Verdade	 Concorrência	de	relatos	
Integração	pelo	interno	 Divisão	
Desconfiança	sobre	o	indivíduo	 Confiança	nos	atores	
Passividade	das	partes	 Autonomia	e	ação	das	partes	
Direitos	substanciais	 Normas	processuais	
Direito	pré-existente	às	relações	 Pré-existência	das	relações	sociais	
Comando	pelo	Direito	 Regularidade	social	
Poder	incondicionado	 Poder	condicionado	
Instituição	 Autonomia	da	sociedade	/	Direito	
	
	
	
Quem	 rompeu	 radicalmente	 com	 o	 conceito	 antropológico	 do	 Direito,	
desde	 a	 proposição	 inicial	 de	 Henry	Maine	 -	 o	 Direito	 como	 reflexivo	 da	
vida	social	-	foi	Clifford	Geertz.	Com	total	propriedade	apontou	o	debate	-	
aqui	 parcialmente	 retratado	 -	 que	 marcou	 a	 Antropologia	 do	 Direito	 no	
século	 passado.	 Seria	 o	 Direito	 constituído	 “de	 instituições	 ou	 de	
regulamentos,	 de	 procedimentos	 ou	 de	 conceitos,	 de	 decisões	 ou	 de	
códigos,	de	processos	ou	de	formas”	(Geertz,	1999:	250),	ou	não?	Estaria	
presente	em	todas	as	sociedades,	ou	não?	A	resposta	de	Geertz	partiu	do	
pressuposto	 que	 o	Direito	 seria	 uma	 forma	diferente	 de	 imaginar	 o	 real.	
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CEDER J 	
Haveria	uma	diferença	de	natureza	entre	o	“fato”	e	a	“lei”.	Cada	sociedade	
trabalharia	esta	dimensão	arbitrária	de	 sua	própria	maneira,	o	que	 levou	
ao	 primeiro	 postulado	 de	 Geertz,	 ao	 afirmar	 que	 o	 Direito	 seria	 “saber	
local”.	E,	neste	sentido,	“local”	deve	ser	pensado	como	algo	mais	que	lugar,	
que	tempo,	que	classe	social.	Para	Geertz,	“local”	corresponderia	à	esfera	
de	 predomínio	 de	 uma	 sensibilidade	 jurídica	 específica.	 Segue-se	 outro	
postulado,	 ou	 seja,	 que	 o	 “Direito,	 mesmo	 um	 tipo	 de	 direito	 tão	
tecnocrata	 como	 o	 nosso,	 é	 em	 uma	 palavra	 construtivo,	 em	 outra,	
constitutivo	 e	 em	 uma	 terceira,	 formacional...	 Essas	 noções	 são	 parte	
daquilo	que	a	ordem	significa;	são	pontos	de	vista		da	comunidade,	e	não	
seus	ecos.”	(Geertz,	1999:	329).		
Essa	seria	uma	definição	totalmente	diversa	das	demais.	O	Direito	deixaria	
de	 ser	 um	 “produto	 do	 desenvolvimento	 histórico	 das	 sociedades”,	
deixaria	de	ser	um	espelho	da	organização	da	sociedade,	no	que	ela	tem	de	
mais	estável	e	preciso,	deixaria	de	ser	um	“reflexo	da	vida	social”,	para	ser	
“construtivo,	constitutivo	e	formacional”	da	vida	em	sociedade.	Esta	nova	
concepção	teria	fortes	influências,	não	só	no	terreno	das	teorias	como	em	
aspectos	metodológicos	como	se	verá	mais	adiante.		
Consequentemente,	 ocorre	 uma	 guinada	 no	 olhar	 antropológico.	 Vários	
autores,	como	relatam	June	Starr	e	Jane	Colier,	passaram	a	tratar	o	Direito	
como	 uma	 forma	 de	 dominação	 simbólica,	 efetuada	 por	 grupos	
específicos,	principalmente	aqueles	no	poder.	Neste	 sentido,	o	 “Direito	e	
as	 formas	 legais	 são	 consideradas	 como	 resultantes	 de	 negociações	
históricas	particulares	entre	e	de	dentro	de	grupos,	ou	como	resultante	de	
sistemas	hierárquicos	particulares	e	de	dominação”	 (Starr	&	Colier,	1989:	
24).	 O	 direito	 foi	 reconhecido	 como	 dotado	 de	 uma	 tendência	 de	 se	
imiscuir	 em	 todas	 as	 formas	 de	 relações	 sociais,	 efetivamente	
representando	um	papel	importante	no	processo	de	dominação	ideológica.	
Foi	explicitado	o	componente	dinâmico	da	produção	das	relações	de	poder	
dentro	do	campo	do	direito,	o	que,	mais	do	que	nunca,	reforça	seu	aspecto	
de	processo	social	construtivo,	não	reflexivo	de	relações	sociais.		
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Outro	aspecto	a	ser	destacado	na	formulação	de	Geertz	é	que	não	haveria	
defasagem	 temporal	 do	 Direito	 em	 relação	 às	 práticas	 sociais,	 como	
apontara	Bohannan.	Na	verdade	o	Direito,	entendido	como	processo,	seria	
fruto	 das	 interações	 ideológicas	 na	 sociedade,	 dirigiria,	 através	 de	
sensibilidadesjurídicas	específicas,	o	processo	de	mudança	social,	onde	o	
aspecto	 institucionalizado	 seria	 apenas	 um	 dos	 seus	 aspectos,	 não	
correspondendo,	de	forma	alguma,	à	sua	totalidade.		
Um	 ponto	 central	 na	 proposta	 de	 Geertz	 diz	 respeito	 às	 “sensibilidades	
jurídicas”	 elemento	 central	 de	 um	 Direito	 “constitutivo,	 construtivo	 e	
formacional”	 da	 vida	 em	 sociedade.	 Por	 sua	 vez,	 o	 conceito	 de	
sensibilidade	 jurídica	 é	 equiparado	 por	 Geertz	 ao	 conceito	 de	 “discurso	
normal”,	 proposto	 por	 Richard	 Rorty,	 como	 sendo	 o	 discurso	 que	 opera	
entre	os	limites	de	um	discurso	normal,	“aquele	que	é	conduzido	dentro	de	
um	 conjunto	 combinado	 de	 convenções”	 e	 um	 discurso	 anormal,	 que	 é	
“ignorante	 a	 respeito	 dessas	 normas	 ou	 as	 [...	 coloca]	 de	 lado”	 (Rorty,	
1994:	316).		
A	figura	2.3	ilustra,	para	fins	de	comparação	com	a	figura	2.1,	um	modelo	
de	Direito	 reflexivo	da	 vida	 social,	 e	 como	 se	poderia	 pensar,	 a	 partir	 da	
Antropologia	 do	 Direito,	 em	 um	 Direito	 “constitutivo,	 construtivo	 e	
formacional”	 da	 vida	 em	 sociedade,	 e	 ao	mesmo	 tempo	 identificar	 esse	
Direito	em	contextos	de	direito	plural	em	um	mesmo	espaço	estatal.	
	
Figura	2.3:	Um	modelo	para	um	contexto	de	direito	plural		
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O	maior	 déficit	 cognitivo	 para	 os	 operadores	 do	Direito	 é	 a	 pequena,	 ou	
quase	inexistente,	abertura	do	universo	jurídico	para	a	dimensão	empírica	
dos	conflitos	que	são	levados	às	instâncias	judiciárias.	A	Filosofia	do	Direito	
sequer	 reconhece	a	existência	da	 “realidade”.	A	 “dimensão	 fática”	é,	 tão	
somente,	 aquela	 que	 está	 nos	 autos	 do	 processo.	 A	 solução	 da	 lide	 não	
tem	como	objetivo	a	pacificação	da	sociedade	ou	a	restauração	da	ordem,	
mas	apenas	o	fim	dela	mesma.		
Algumas	 imagens	 falam	mais	que	muitas	palavras.	A	Figura	2.4	apresenta	
em	 forma	 esquemática	 um	 desenho	 pintado	 na	 sala	 do	 antigo	 Supremo	
Tribunal	 Federal,	 hoje	 Centro	 Cultural	 da	 Justiça	 Federal,	 localizado	 no	
centro	da	cidade	do	Rio	de	Janeiro.	
		
Figura	2.4:	Esquema	pintado	no	teto	do	antigo	STF	no	Rio	de	Janeiro		
A	posição	das	palavras	latinas	Lix	(conflito)	e	Pax	(paz)	são	emblemáticas:	o	
conflito	está	na	entrada,	vindo	da	rua,	enquanto	a	paz	está	localizada	perto	
das	cadeiras	dos	ministros	do	antigo	Supremo	Tribunal	Federal.	O	caminho	
que	 transforma	o	 conflito	em	paz,	é	 conformado	pela	Lex	 (lei)	 e	pela	 Jus	
(Justiça).	Por	outro	lado,	a	paz	não	necessita	voltar	à	rua,	ela	é	produzida	
dentro	do	sistema	jurídico	porque	foi	“transformada”	em	uma	lide,	e	a	ele	
e	somente	a	ele	deve	satisfazer.	
Entretanto,	 há	 uma	 outra	 dimensão	 dos	 conflitos,	 que	 vai	 para	 além	 do	
drama	ou	dos	conflitos	tratáveis	e	da	lide.	É	o	que	veremos	a	seguir.	
	
Lide		
Segundo	Fernanda	Duarte,	
para	o	sistema	judicial,	o	
processo	judicial	é	
autônomo	e	apartado	do	
conflito	social.	Ao	produzir	
a	redução	da	complexidade	
da	vida	para	o	ingresso	no	
sistema	judicial	o	conflito	
se	reconfigura	na	Lide.	É	a	
Lide	que	deve	ser	
solucionada,	não	
necessariamente	o	
administrado.		A	sentença	
comunica	à	sociedade	o	
fim	da	Lide,	não	do	
conflito.		
	
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	Os	 conflitos	 intratáveis	 são	 assim	 designados	 de	 acordo	 com	 os	 sentidos	
percebidos	 pelos	 atores	 envolvidos,	 com	 vistas	 à	 possibilidade	 de	 sua	
resolução	ao	longo	de	um	processo.	Outra	característica	da	“intratabilidade”	
é	que	corresponde	a	um	processo	dinâmico	em	que	as	percepções	acerca	
do	 conflito	 podem	 oscilar	 ao	 longo	 do	 tempo	 e	 variar	 entre	 episódios	
conflitivos	de	“tratabilidade”	e	“intratabilidade”.		
Ao	perceber	e	rotular	um	conflito	como	intratável,	os	participantes	podem,	
entretanto,	estar	rotulando-o	como	uma	profecia	autorrealizável.	As	partes	
agiriam	 em	 concordância	 quanto	 ao	 tratamento	 da	 disputa	 como	 não	
passível	 de	 solução.	 Uma	 resolução,	 neste	 caso,	 não	 significaria	 que	 o	
conflito	 foi	 solucionado,	 ao	 contrário,	 ela	 referiria	 à	 habilidade	 dos	
participantes	 em	 alcançar	 algumas	 decisões	 aceitáveis	 mutuamente,	 e	
mover-se	em	direção	a	questões	mais	centrais	da	disputa.	
As	características	da	intratabilidade	tanto	podem	ser	sua	longa	duração	ou	
a	 recusa	 em	 sua	 resolução.	 Além	 destas,	 podem	 ser	 destacados	 outros	
aspectos:	 divisibilidade,	 intensidade,	 abrangência	 e	 complexidade.	
Conflitos	de	longa	duração	são	aqueles	que	possuem	um	passado	extenso,	
um	presente	turbulento	e	um	futuro	obscuro.	
Um	 dos	 motivos	 pelos	 quais	 um	 conflito	 se	 torna	 intratável,	 ou	 sua	
inabilidade	 para	 a	 resolução	 é	 que	 várias	 intervenções,	 tais	 como	
negociações	e	mediações,	muitas	vezes	resultam	em	um	impasse.	No	caso	
de	 um	 litígio,	 ele	 somente	 cobre	 partes	 do	 problema.	 Conduzem	 à	
consequências	inesperadas	e	um	subsequente	aumento	de	intensidade	do	
conflito.	 Um	 segundo	 motivo	 é	 que	 os	 acordos	 já	 celebrados	 não	 se	
sustentam,	 isto	 é,	 outros	 participantes	 questionam	 as	 decisões	 tomadas.	
Um	terceiro	motivo	é	que	os	custos	de	uma	solução	superam	aqueles	que	
são	percebidos	com	a	continuidade	da	disputa.	
Conflitos	 são	 processos	 dinâmicos,	 e	 no	 caso	 de	 conflitos	 intratáveis,	
mesmo	que	os	atores	mudem,	os	contextos	se	modifiquem	e	as	arenas	nas	
quais	 as	 disputas	 ocorrem	 sejam	 trocadas,	 o	 conflito	 persiste.	 Uma	
corrente	teórica	vem	estudando	estes	conflitos	com	o	uso	do	conceito	de	
3.	CONFLITOS	
INTRATÁVEIS	
	
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“frame”	 ou	 “significação”,	 que	 me	 parece	 bastante	 iluminador.	 Nesse	
modelo	de	análise	de	conflitos	ambientais:	
	–	 as	 significações	 agem	 como	 lentes	 através	 das	 quais	 os	 litigantes	
interpretam	a	dinâmica	do	 conflito	e	 são	estas	 interpretações	que	 fazem	
com	que	um	conflito	seja	mais	ou	menos	tratável;		
	-	as	significações	podem	se	manter	extraordinariamente	estáveis	ao	longo	
de	várias	disputas,	e	assim	reforçar	o	conflito	ao	longo	do	tempo;	
	-	 a	 interação	 entre	 significações	 pode	 tanto	 reforçar	 quanto	 reduzir	 a	
estabilidade	de	cada	uma	e	a	intensidade	do	conflito;	
	-	 a	 diferença	 entre	 significações	 reforça	 a	 intratabilidade	 das	 seguintes	
formas:	muitas	vezes	as	partes	não	representam	o	problema	subjacente	da	
mesma	 forma,	 o	 que	 conduz	 a	 disputas	 que	 nunca	 se	 referem	 aos	
fundamentos	do	conflito;	um	limitado	repertório	de	representações	sobre	
as	formas	de	lidar	com	o	conflito,	conduz	as	partes	a	adotar	estratégias	de	
administração	de	conflitos	adversarial,	que	impedem	sua	resolução;	o	uso	
intenso	e	repetitivo	de	categorizações	polariza	relações	já	antagônicas;	por	
fim,	o	uso	de	técnicas	de	administração	de	conflitos	baseadas	nas	posições	
dos	grupos,	reforçam	os	movimentos	de	categorização;	
	
e	desejasse.		
	Saiba	Mais:	Administração	de	Conflitos	Adversarial	
Roberto	 Kant	 de	 Lima	 chamou	 a	 atenção	 para	 distintos	 significados	 da	 expressão	 adversarial	 nos	
procedimentos	judiciais	brasileiros	e	norte-americanos.	A	ideia	de	“adversarial”	no	sistema	americano	é	
semelhante	 à	 barganha,	 onde	 a	 responsabilidade	pelo	 estabelecimento	de	uma	decisão	 é	 transferida	
para	 jurados.	O	 sistema	 adversarial	 brasileiro	 estabelece	 uma	disputa	 sem	 fim,	 pois	 está	 baseado	no	
“contraditório”,	no	estabelecimento	de	teses	contrárias,	que	não	permitem	barganhas	ou	aproximações	
entre	 elas.	 Em	 resumo,	 os	 conflitos	 “intratáveis”	 são	 aqueles	 que	 se	 assemelham	aos	 procedimentos	
judiciais	brasileiros,	ou	seja,	estão	baseados	no	contraditório.	
Frames	
Por	que	traduzo	a	
expressão“frame”	de	
Erving	Goffman	como	
“significação”	e	não	como	
“quadro”,	consagrada	em	
outras	traduções	do	
conceito	em	português?	
Em	primeiro	lugar,	devo	
ressaltar	que	a	tradução	
do	livro	“Frame	Analisys”	
para	o	francês,	o	como	
título,	“Cadres	de	
Experience”,	
acrescentando	uma	
qualidade	ao	“quadro”	
que	a	remete	à	
“experiência”.	
Entretanto,	o	uso	
consagrado	do	termo	
“quadro”,	ou	“moldura”	
em	português,	sugerem	
uma	fixidez	que	não	está	
presente	no	conceito	
original.	Para	Goffman,	a	
definição	de	um	“frame”	
está	necessariamente	
vinculada	ao	contexto	e	
ao	envolvimento	
subjetivo	dos	atores	
sociais.	Correspondem	
aos	elementos	básicos	
que	podem	ser	
identificados,	ou	seja,	os	
significados.		
	
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Mais	 do	 que	 representar	 um	 modelo	 de	 administração	 de	 conflitos	
intratáveis,	a	 ideia	da	significação	diferenciada	permite	que	se	explicitem	os	
conteúdos	das	disputas	e	os	enunciados	sobre	elas.	 	Evidenciam	os	recursos	
que	são	utilizados	pelas	partes	na	busca	de	potencializar	seus	argumentos.	O	
que	nos	leva	de	volta	para	questões	que	envolvem	poderes	e	potências	com	
graus	distintos	de	eficácia	e	alcance.	
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Voltemos	 ao	 conflito	 descrito	 na	 Aula	 1,	 no	 Caso	 1.	 Vimos	 a	 escalada	 de	
crescimento	 da	 disputa	 na	 Marina.	 Vimos	 que	 mesmo	 após	 a	 retirada	 do	
Trailer,	 as	 disputas	 não	 cessaram	 	 e	 o	 conflito	 continuou.	 	 Em	 setembro	de	
2006,	o	Juiz	Federal	de	São	Pedro	da	Aldeia	manteve	a	cobrança	da	Taxa	de	
Visitação,	 mas	 isso	 não	 significou	 que	 as	 disputas	 sobre	 a	 Resex	 tenha	
chegado	ao	um	fim.	
no	eixo	hierárquico	ameaça	o	próprio	Estado,	que	é	apropriado	por	aqueles	
que	se	encontram	no	topo	da	pirâmide.		
Outra	evidência	do	nosso	“dilema”	é	a	existência	de	uma	vertente	ao	mesmo	
tempo	hobbesiana	e	estatofóbica	em	nossa	sociedade.		
O	 “estado	de	natureza”	de	Thomas	Hobbes,	ou	 seja,	 a	 luta	de	 todos	 contra	
todos,	 só	 existe	 no	 plano	 das	 igualdades,	 e	 não	 no	 eixo	 das	 estratificações,	
pois	este	é	o	império	da	ordem.	
Assim,	o	caráter	estatofóbico	só	ocorre	no	plano	da	igualdade,	pois	como	é	a	
competição	a	responsável	pela	produção	ordem,	a	presença	do	Estado	pode	
trazer	a	desordem.	
Porém,	 no	 eixo	 da	 estratificação,	 a	 lógica	 hierárquica	 deve	 romper	 com	 a	
dimensão	estatofóbica,	pois	 a	 relação	entre	Estado	e	Sociedade	é	 vital	para	
conservação	do	modelo.	Nesta	vertente,	a	competição	seria	desagregadora	e	
a	presença	do	Estado	é	fundamental	para	a	manutenção	da	ordem.		
	
	
	Leia	a	Sentença	da	 Justiça	Federal	em	São	Pedro	da	Aldeia,	no	ano	de	2006!	Compare	
com	 a	 descrição	 do	 conflito	 na	Marina	 e	 reflita	 sobre	 a	 decisão	 e	 o	 que	 ela	 teria	 comunicado	 ao	
mundo	empírico.	
Comentário	
Notem	 que	 apesar	 me	 mencionar	 a	 Taxa	 de	 Visitação,	 o	 incêndio	 do	 Trailer	 e	 outros	 aspectos	
vinculados	 ao	 episódio	 ocorrido	 em	 2000	 na	 Marina	 de	 Arraial	 do	 Cabo,	 a	 Sentença	 condena	 um	
Operador	 de	 Turismo	 que	 sequer	 esteve	 presente	 na	 disputa	 da	Marina.	 E	 nada	 foi	 dito	 sobre	 as	
autoridades	 que	 abusaram	 de	 seu	 “poder”	 e	 obstaculizaram	 a	 eficaz	 proteção	 ambiental,	 o	 que	
caracterizaria	um	Crime	Ambiental.	
	
4.	CONFLITOS	
SOCIOAMBIENTAIS	
SERIAM	CONFLITOS	
INTRATÁVEIS?	
	
Taxa	
Uma	Taxa	é	uma	das	
espécies	tributárias	que	
o	Código	Tributário	
Nacional	prevê.	São	
tributos	vinculados,	ou	
seja,	o	estado	deve	
retornar	bens	ou	serviços	
anunciados	quando	da	
aprovação	da	Taxa.	Em	
alguns	casos	uma	Taxa	
pode	ser	transformada	
em	um	tributo	indireto,	
no	qual	o	contribuinte	de	
fato	não	é	o	mesmo	que	
o	contribuinte	de	direito.	
No	caso	da	Taxa	de	
Visitação	de	Arraial	do	
Cabo,	o	contribuinte	de	
direito	seria	o	turista,	
mas	o	contribuinte	de	
fato,	ou	seja,	de	quem	se	
estava	cobrando	o	
tributo	eram	os	
operadores	de	turismo,	
através	das	guias	e	dos	
mapas	de	bordo.				
	
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Façamos	 uma	 leitura	 do	 episódio	 ocorrido	 em	 2000	 à	 luz	 do	 conceito	 de	
conflito	intratável,	para	ver	sua	adequação,	ou	não.	
Na	disputa	na	Marina,	quais	eram	os	grupos	em	oposição?	Em	primeiro	lugar,		
tínhamos	a	gestão	da	Resex,	representada	pelo	gerente,	alguns	funcionários	e	
o	 representante	 do	 CNPT.	 Além	 disso	 estava	 presente	 um	 fiscal	 do	 Ibama,	
com	poder	de	polícia.	Este	grupo	estava	 investido	de	autoridade	vinculada	à	
esfera	federal.	O	significado	da	Taxa	para	este	grupo	era	mais	que	justificado.	
A	proteção	e	gestão	da	Unidade	de	Conservação	deveria	não	só	contemplar	a	
cogestão	com	a	população	tradicional	 local	mas	ser	co-financiada	por	outros	
atores	que	se	beneficiavam	da	Resex,	mas	não	eram	“pescadores	cabistas”.		
Em	 segundo	 lugar	 estavam	 presentes	 os	 destinatários	 da	 nova	 norma,	 os	
operadores	 de	 turismo,	 aqueles	 que	 teriam	 que	 pagar	 a	 Taxa.	 Este	 grupo	
estava	 longe	 de	 ser	 homogêneo.	 Havia	 aqueles	 que	 concordavam	 com	 a	
cobrança,	pois	vislumbravam	alguma	possibilidade	de	melhoria	como	um	todo	
para	seu	negócio.	Havia	aqueles	que	aceitavam	a	cobrança	pois	não	queriam	
problemas	 com	 a	 fiscalização.	 Como	 havia	 também,	 e	 este	 grupo	 era	 a	
maioria,	 aqueles	 que	 se	 colocavam	 contra	 a	 cobrança	 e	 contra	 o	
protagonismo	 da	 gestão	 da	 Resex	 por	 parte	 dos	 pescadores.	 	 Dentro	 deste	
grupo,	 alguns	 eram	 mais	 ostensivos	 e	 organizados,	 como	 aqueles	 que	
colocaram	faixas	pela	cidade.	
Em	terceiro	lugar	podemos	destacar	os	representantes	da	municipalidade.	O	
Vice-	 Prefeito	 à	 época,	 o	 Secretário	 de	 Segurança	 Pública	 e	 alguns	 guardas	
municipais.	Estes	atores	significavam	a	situação,	em	um	primeiro	momento,	a	
partir	do	sentimento	de	posse	do	espaço	da	Marina	como	um	espaço	público	
municipal	e	que	deveria	estar	afeto	apenas	ao	ordenamento	 local.	Mas	não	
paravam	por	aí.	A	Resex,	vinculada	ao	governo	federal	e	suas	implicações	na	
cidade	fizera	surgir	uma	representação	que	havia	um	Prefeito	da	Terra	e	um	
Prefeito	 do	 Mar,	 o	 gerente	 da	 Resex.	 Mas	 este	 grupo	 ainda	 significava	 o	
episódio	 como	 um	momento	 de	 retaliar	 a	 clivagem	 que	 a	 Resex	 provocara	
entre	os	próprios	pescadores,	ao	criar	a	condição	de	“pescador	de	fora”,	não	
autorizado	a	pescar	no	cinturão	de	3	milhas	ao	 longo	de	 litoral	cabista,	mas	
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que	 era	 morador	 do	 Arraial	 do	 Cabo,	 ou	 desembarcava	 seu	 pescado	 na	
Marina.		
Em	 quarto	 lugar,	 não	 por	 uma	 menor	 importância,	 mas	 por	 uma	 ausência	
visual,	 os	 pescadores	 cabistas,	 representada	 pela	 direção	 da	 Associação	 da	
Reserva	Extrativista	Marinha	de	Arraial	do	Cabo	(Aremac).	 	O	significado	que	
estes	construíram	sobre	a	Taxa	de	Visitação	era	fluído.	Por	uma	 lado	a	viam	
como	 uma	 vantagem,	 pois	 a	 associação	 poderia	 ser	 beneficiada,	 como	 co-
gestora	 da	 Resex.	 Por	 outro,	 não	 viam	 com	 bons	 olhos	 a	 disputa	 com	 a	
prefeitura	 da	 “terra”,	 pois	 recebiam,	 vez	 por	 outra,	 benefícios	 da	
municipalidade.	
Na	quinta	posição,	mas	longe	de	ser	o	último	grupo	com	interesses	na	disputa	
tínhamos	 a	 Marinha	 de	 Guerra	 do	 Brasil	 (no	 episódio	 representada	 pelo	
submarino	ancorado	no	molhe	do	Porto	do	Forno).	Este	grupo	se	insurgia	com	
o	que	significava	como	um	 ingerência	no	controle	sobre	o	mar,	que	sempre	
fora	da	Marinha	desde	a	sua	criação	no	século	XIX.		
Na	escalada	do	conflito	que	analisamos	vimos	que,	aos	longo	do	dia,	algumas	
posições	 se	 modificaram	 e	 novos	 atores	 entraram	 em	 cena.	 Dois,	 em	
particular,	 vinculadas	 à	 esferaestadual,	 a	 saber:	 a	 Polícia	Militar	 e	 a	 Polícia	
Civil.	A	primeira	com	a	representação	de	eliminar	o	conflito	e	restabelecer	a	
ordem	social,	construída	a	partir	da	significação	de	quem	a	chamou:	o	poder	
público	municipal.	A	segunda,	a	Polícia	Civil,	com	a	tarefa	de	fazer	a	primeira	
redução	da	 complexidade	do	episódio	aos	 termos	 jurídicos,	 com	uma	chave	
de	interpretação	a	partir	da	legislação	vigente.		
No	 horizonte	 de	 curto	 prazo,	 o	 poder	 judiciário	 –	 com	 novas	 significações	
sobre	o	conflito	–	colocou	o	Trailer	de	volta	na	Marina	e	autorizou	a	cobrança	
de	forma	liminar.		
Os	 grupos	 contrários	 reagiram	 com	 alguma	 truculência,	 mencionada	 na	
sentença	 do	 juiz	 e	 outros	 com	 violência,	 ateando	 fogo	 ao	 Trailer	 do	 Ibama.	
Mas	é	claro	que	seria	simplificar	demais	achar	que	esta	atitude	estava	apenas	
vinculada	 à	 cobrança	 da	 Taxa	 de	 Visitação.	 Havia	 outras	 frentes	 de	 conflito	
com	pescadores	cabistas	e	não	cabistas	no	espaço	da	Resex.		
Administração	de	Conflitos	Socioambientais		|	Todos	conflitos	são	“tratáveis”?	Há	conflitos	“intratáveis”?	
CEDER J 	
No	 horizonte	 de	 médio	 prazo,	 seis	 anos	 depois,	 o	 Judiciário	 manteve	 a	
cobrança.	Mas	neste	contexto	muita	coisa	havia	mudado	na	Resex.	O	Gerente	
da	Resex	não	era	o	mesmo.	A	direção	da	Aremac	havia	mudado	e	um	novo	
foco	estava	sendo	dado	a	gestão,	com	o	objetivo	de	reduzir	a	conflitualidade.	
Do	“não	pode”	se	buscava	o	“como	pode”.		
No	 horizonte	 de	 longo	 prazo,	 cerca	 de	 quinze	 anos	 depois,	 com	 a	
ressignificação	por	parte	de	vários	atores	do	lugar	a	Resex	na	vida	do	Arraial	
do	 Cabo	 e	 seus	 moradores,	 da	 Taxa	 de	 Visitação,	 logrou-se	 celebrar	 um	
Contrato	de	Concessão	de	Direito	Real	de	Uso	(CCDRU)	entre	o	Instituto	Chico	
Mendes	 para	 a	 Conservação	 da	 Biodiversidade	 (ICMBio)	 e	 a	 Aremac	 para	 o	
acesso	 aos	 recursos	 naturais	 renováveis	 na	 Resex.	 Não	 há	 dúvida	 que	 se	 o	
CCDRU	pôs	fim	a	uma	série	de	disputas,	mas	não	seria	descabido	sugerir	que	
novas	 disputas	 se	 iniciaram	 a	 partir	 de	 	 novas	 posições,	 fundadas	 em	
significações	sore	os	objetos	repactuados.	
	
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CEDER J 	
Ao	final	desta	aula	podemos	fazer	uma	revisão	dos	conceitos	trabalhados	até	
o	 momento.	 A	 ideia	 presente	 no	 imaginário	 sócio-jurídico	 brasileiro	 que	 o	
conflito	 é	 negativo	 e	 que	 uma	 ordem	 pretérita	 deve	 ser	 prontamente	
restabelecida	não	se	comprova	como	eficaz.		
Ao	contrário,	a	não	explicitação	dos	significados	em	disputa	pelas	partes	não	
permite	que	se	faça	uma	adequação	de	medidas	que	possam	ser	adequadas	
para	a	sua	administração.		Tal	explicitação	permitiria	avaliar	se	o	conflito	tem	
uma	 dimensão	 de	 tratabilidade	 que	 permitiria	 que	 fosse	 judicializado	 ou	
administrado	pelos	novos	instrumentos	de	resolução	alternativas	de	conflitos	
(tais	como	mediação,	conciliação	ou	arbitragem,	que	veremos	na	Aula	4).		Ou	
então,	 a	 multiplicidade	 de	 significados	 sobre	 o	 objeto	 em	 disputa	 indicaria	
que	o	conflito	deveria	ser	conceituado	como	intratável	e	que	os	mecanismos	
mais	adequados	seriam	sua	administração	–	que	trataremos	mais	adiante	no	
curso.				
No	 momento,	 por	 definição	 e	 exemplificação,	 sugerimos	 que	 os	 conflitos	
socioambientais	 seriam	 conflitos	 intratáveis	 uma	 vez	 que,	 em	 sua	 grande	
maioria,	 não	apresentam	 significados	 compartilhados	pelos	 contendores,	 ou	
os	significados	mudam	ao	longo	do	tempo	–	em	intervalos	de	tempo		bastante	
variados	–	ou	os	contendores	mudam	no	tempo	e	aportam	novos	significados	
em	um	conflito.	
		
CONCLUSÃO	
	
Highlight
Highlight
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CEDER J 	
Vimos	que	há	conflitos	que	podem	ser	solucionados,	os	conflitos	tratáveis	ou	
os	dramas	sociais.	Mas	vimos	que	mesmos	estes,	quando	submetidos	a	uma	
simplificação	em	sua	transposição	para	o	processo	judicial,	são	transformados	
em	uma	categoria	jurídica,	a	lide,	que	é	o	que	a	sentença	consegue	por	fim,	e	
não	a	“pacificação	social”.		
Apresentamos	um	exemplo	de	conflito	socioambiental	no	qual	as	mudanças	
de	 significado	 e	 dos	 atores	 em	 uma	 disputa	 sugere	 que	 além	 dos	 conflitos	
tratáveis,	há	uma	outra	categoria,	os	conflitos	intratáveis,	que	resistem	à	sua	
“solução”,	e	que	devem	ser	administrados	de	outra	forma,	que	veremos	mais	
adiante.	
RESUMO	
Administração	de	Conflitos	Socioambientais		|	Todos	conflitos	são	“tratáveis”?	Há	conflitos	“intratáveis”?	
CEDER J 	
	
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