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Atividades Experimentais de Química no Ensino Médio reflexões e propostas Grupo de Pesquisa em Educação Química Instituto de Química Universidade de São Paulo Secretaria de Estado da Educação Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógica i Atividades Experimentais de Química no Ensino Médio reflexões e propostas ii Governo do Estado de São Paulo Governador José Serra Vice-Governador Alberto Goldman Secretário da Educação Paulo Renato Souza Secretário-Adjunto Guilherme Bueno de Camargo Chefe de Gabinete Fernando Padula Coordenadora de Estudos e Normas Pedagógicas Valéria de Souza Coordenador de Ensino da Região Metropolitana da Grande São Paulo José Benedito de Oliveira Coordenador de Ensino do Interior Rubens Antônio Mandetta de Souza Equipe técnica de Química da CENP Dayse Pereira da Silva João Batista dos Santos Júnior Universidade de São Paulo Reitora Suely Vilela Instituto de Química USP Diretor Hans Viertler GEPEQ – IQUSP Coordenação Gera Maria Eunice Ribeiro Marcondes Coordenação do Curso de Formação Continuada Fabio Luiz de Souza e Luciane Hiromi Akahoshi iii Atividades Experimentais de Química no Ensino Médio reflexões e propostas GEPEQ - Grupo de Pesquisa em Educação Química Instituto de Química Universidade de São Paulo São Paulo, 2009 iv Ficha catalográfica v Autores Anderson Melo Gaia Fabio Luiz de Souza Luciane Hiromi Akahoshi Maria do Carmo de Almeida Santos Maria Eunice Ribeiro Marcondes Maria Gislaine Pinheiro Sales Milton Machado de Oliveira Jr. Miriam Possar do Carmo Rita de Cássia Suart Simone Alves de Assis Martorano Este livro foi produzido pelo GEPEQ a partir de um curso de formação continuada para professores de Química da Rede Estadual de Ensino, em parceria com a Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas SEE-SP vi Dedicamos este livro aos professores que compartilham uma visão do ensino de Química como um instrumento de formação humana, contribuindo para o desenvolvimento da autonomia e o exercício da cidadania de nossos estudantes vii Prezado educador (a) Esta é uma publicação especial produzida pelo Grupo de Pesquisas em Educação Química – GEPEQ- IQUSP, a partir de um curso de formação continuada para professores de Química da Rede Estadual de Ensino, resultado de uma parceria entre o Instituto de Química da Universidade São Paulo e a Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas – CENP da Secretaria de Educação de São Paulo. É apresentado um conjunto de atividades experimentais investigativas, que discute concepções, e aponta caminhos para superar dificuldades que o professor enfrenta ao desenvolver experimentos com seus alunos. Nossa expectativa é de que esse material seja um importante subsídio na tarefa dignificante de formar pessoas, propiciando ao professor uma atuação de autonomia proficiente. Valorizar esse tipo de atividade favorece ao estudante a elaboração de seu próprio conhecimento, a partir de fatos, observações e análises. Nesse contexto, é tarefa de todos nós, educadores, buscar mecanismos capazes de instigar nossos educandos para que desenvolvam habilidades de alta ordem cognitiva. A escola educa e socializa por meio das práticas que efetivamente nela ocorrem. 0 conjunto dessas práticas constitui a expressão de seu projeto pedagógico, que, por sua vez, assegura o desenvolvimento pessoal dos estudantes e a ampliação e consolidação de seus saberes e valores. As práticas selecionadas e organizadas pela equipe escolar devem responder às necessidades e expectativas dos estudantes e, ao mesmo tempo, atender às demandas formativas que a sociedade contemporânea vem impondo. Aos órgãos normativos, como a CENP, cabe oferecer instrumentos para que os educadores possam realizar as melhores escolhas e fundamentar suas decisões. Ao enfrentar essas questões, a CENP acredita que a equipe escolar poderá transformar a escola em um verdadeiro espaço de cultura e de experiências estimulantes e prazerosas, capazes de suscitar em seus alunos o desejo de aprender cada vez mais. Valéria de Souza Coordenadora da CENP 1 Sumário Capítulo I - A experimentação no ensino de ciências: mitos e crenças institucionalizados.............. 2 Fundamentação teórica e documentos legais: objetivos das aulas experimentais ...................... 2 Concepções de ciência e ensino de ciências ............................................................................... 5 Dificuldades, potencialidades e limitações das atividades experimentais .................................... 9 Capítulo II – Atividades experimentais investigativas ..................................................................... 13 Atividade experimental investigativa de nível 1 .......................................................................... 15 Atividade experimental investigativa nível 2 ............................................................................... 18 Atividade experimental investigativa nível 3 ............................................................................... 20 Atividades experimentais tradicional e investigativa: comparando diferentes abordagens ........ 21 Capítulo III – Sugestões de atividades experimentais investigativas ............................................. 27 Corrosão de metais (orientação para o professor) ..................................................................... 27 Experimento 1: Enferrujamento de palha de aço .................................................................... 30 Experimento 2: Reação de metais com ácido ......................................................................... 31 Experimento 3: Reação de metais com soluções contendo íons de metais ........................... 32 Experimento 4: Enferrujamento de pregos ............................................................................. 34 Transformações químicas em alimentos (orientação para o professor) ..................................... 37 Experimento 5: Teste de açúcar e amido em bananas verde e madura ................................ 39 Ação das enzimas digestivas (Orientação para o professor) ...................................................... 41 Experimento 6: Ação da bromelina ......................................................................................... 44 Salinidade da água do mar (orientação para o professor) .......................................................... 47 Experimento 7: Salinidade da água do mar. ........................................................................... 49 Densidade e solubilidade (orientação para o professor) ............................................................. 51 Experimento 8: Solubilidade e densidade ............................................................................... 53 Dureza da água (orientação para o professor) ........................................................................... 54 Experimento 9: Água dura ...................................................................................................... 56 Dissolução de gás em água (orientação para o professor) ........................................................ 58 Experimento 10: Dissolução de gás em água ......................................................................... 60 Eletrólise da Salmourae Condutividade Elétrica (orientação para o professor) ......................... 62 Experimento 11: Condutibilidade Elétrica de Materiais ........................................................... 65 Experimento 12: Eletrólise da salmoura ................................................................................. 67 Capítulo IV - SEGURANÇA NO LABORATÓRIO – ALGUMAS REGRAS BÁSICAS ..................... 71 Manuais sobre organização e segurança no laboratório ............................................................ 71 Regras básicas de segurança .................................................................................................... 72 Referências bibliográficas ............................................................................................................... 74 2 Capítulo I - A experimentação no ensino de ciências: mitos e crenças institucionalizados Fundamentação teórica e documentos legais: objetivos das aulas experimentais A experimentação é considerada, por professores como por pesquisadores, uma atividade pedagógica importante no ensino de Química. Essa importância pode ser evidenciada, ao longo do tempo, pela presença do tema experimentação nos diversos documentos legais produzidos no Brasil. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, promulgada em 1961, foi a primeira lei brasileira a estabelecer diretrizes da educação em todos os níveis de ensino, do pré-primário ao superior. Alguns dos objetivos da educação estabelecidos pela lei de número 4024/61 eram: “o desenvolvimento integral da personalidade humana e a sua participação na obra do bem comum, o preparo do indivíduo e da sociedade para o domínio dos recursos científicos e tecnológicos que lhes permitem utilizar as possibilidades e vencer as dificuldades do meio”, entre outros (Lei 4024, 20 de dezembro de 1961, Título I, Dos fins da Educação)1. Nesse período a escola tinha maior liberdade para elaborar os seus próprios programas. Em algumas delas ocorreu a introdução de projetos de ensino americanos2 elaborados no final da década de 60. No ensino de Química, esses projetos começaram a adotar uma abordagem metodológica voltada para a experimentação, ocorrendo, assim, uma maior valorização desse tipo de atividade no ensino de química brasileiro, que pode ser observada em livros didáticos que foram publicados nos anos seguintes. Entretanto, nesses projetos, as atividades experimentais eram propostas para que o aluno redescobrisse leis e princípios da Química, a partir de fatos e observações, o aluno deveria chegar às generalizações (Sicca, 1990). Com a proposta curricular de Química formulada pela CENP/SE/SP3, em 1977, para o Estado de São Paulo, são valorizadas as atividades experimentais realizadas pelos próprios alunos, como é apontado pelos autores da proposta: “o trabalho de laboratório é essencial para o desenvolvimento do hábito de investigar e deve fazer parte integrante do planejamento do professor com a participação ativa dos alunos”. (São Paulo, 1977). Embora possa se considerar um avanço a inserção de atividades experimentais no ensino, as atividades propostas nessa década possuem ainda viés empírico-indutivista, em que se 1 Essa LDB pode ser encontrada em http://www6.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=102346, acesso em 25/9/2009. 2 Na área da Química foram traduzidos os projetos “Chemical Educational Material Study “ (Chem Study) e o “Chemical Bond Approach” (CBA) . Vide, por exemplo: Química. Uma ciência experimental. Volume 1. Texto organizado pelo Chemical Educational Material Study. EDART- São Paulo- Livraria Editora LTDA.1967. 3 Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas, Secretaria de Estado da Educação, São Paulo. 3 pretende que o aluno aprenda determinados procedimentos que são característicos de um “método científico”, baseado na observação, na generalização e na formulação de uma teoria. Pode-se observar esse caráter empírico-indutivista, na sugestão de atividade presente na proposta curricular para o 1º. ano do ensino médio: “de inicio o professor preocupar-se-á em desenvolver a capacidade de observar e coletar dados; à medida que o aluno for se familiarizando com a natureza da atividade cientifica, poderá chegar a conclusões e generalizações”. (São Paulo, 1977, p. 9). Assim, pode-se entender que o objetivo do ensino de química seria o de formar cientistas e técnicos. Deve-se considerar que esta visão de ciência e de método científico é bastante criticada atualmente, pois não considera as teorias e crenças que o pesquisador já possuiu ao fazer suas observações experimentais. Sabemos que as observações não são imparciais, que dependem de quem as faz, ou seja, de seus conhecimentos prévios, suas crenças, suas vivências. Em 1988, é lançada a “Proposta Curricular para o Ensino de Química” pela CENP/SE/SP (São Paulo, 1988), tendo a experimentação como um de seus eixos, ao lado do cotidiano e da história. Nesse documento, o papel das atividades experimentais é revisto, e apresentado em bases muito diferentes da Proposta de 1977. “Quando propomos a experimentação, não pretendemos apenas que os alunos utilizem materiais do laboratório, tampouco redescubram os conceitos criados pelos cientistas, (..), O que se prioriza é que o aluno entre em contato com fenômenos químicos e que tenha possibilidade de criar modelos explicativos para eles, através de suas observações, de seu sistema lógico, de sua linguagem,” (São Paulo, 1988, p 12). Como se pode perceber, as atividades experimentais têm a finalidade de permitir explorações conceituais, valorizando conhecimentos que os alunos possam ter desenvolvido previamente. Na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996, as finalidades do ensino médio são revistas, e assim definidas: “... a consolidação e o aprofundamento dos conhecimentos adquiridos no ensino fundamental, possibilitando o prosseguimento de estudos; a preparação básica para o trabalho e a cidadania do educando, para continuar aprendendo, de modo a ser capaz de se adaptar com flexibilidade a novas condições de ocupação ou aperfeiçoamento posteriores; o aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo a formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico, entre outras.” (LDB 9394/96)4. 4 Essa lei pode ser encontrada em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/l9394.htm, acesso em 29/09/2009. 4 Assim, segundo essa visão, o ensino médio não tem como finalidade a formação de mini- cientistas, nem a preparação para a universidade. Há que se repensar o ensino de Química, não apenas nos aspectos de conteúdo, mas também seus objetivos e metodologias de ensino. Os Parâmetros Curriculares Nacionais, lançados pelo MEC em 1999 como uma resposta à nova Lei de Diretrizes e Bases (LDB/96), têm a finalidade de proporcionar orientações para o professor. Assim como na Lei de Diretrizes de 1996, os Parâmetros Curriculares Nacionais (Brasil, 1999) evidenciam que o objetivo do ensino não é somente proporcionar ao aluno do ensino médio uma formação específica, técnica, mas sim proporcionar uma formação geral, contextualizada, de forma a permitir que estes alunos exerçam de forma consciente as suas escolhas na comunidade em que vivem. O documento específico sobre o ensino de Química (Brasil, 1999) ressalta o papel pedagógico das atividades experimentais: “Deve ficar claro aqui que a experimentação na escola média tem função pedagógica, diferentemente da experiência conduzida pelo cientista. A experimentação formal em laboratórios didáticos,por si só, não soluciona o problema de ensino-aprendizagem em Química. [...] Qualquer que seja a atividade a ser desenvolvida, deve-se ter clara a necessidade de períodos pré e pós atividade, visando à construção dos conceitos. Dessa forma, não se desvinculam “teoria” e “laboratório” (Brasil, 1999, p.36). O documento propõe, também, diferentes modalidades de atividades experimentais, como o experimento de laboratório, as demonstrações em sala de aula e estudos do meio. Sua escolha depende de objetivos específicos do problema em estudo, das competências que se quer desenvolver e dos recursos materiais disponíveis. Entretanto, qualquer que seja o tipo de atividade proposta, os PCNs – Química, evidenciam a importância de planejá-la de maneira a contribuir para o desenvolvimento de habilidades cognitivas e afetivas: “Ainda na elaboração das atividades, deve-se considerar também o desenvolvimento de habilidades cognitivas, tais como controle de variáveis, tradução da informação de uma forma de comunicação para outra, como gráficos, tabelas, equações químicas, a elaboração de estratégias para a resolução de problemas, tomadas de decisão baseadas em análises de dados e valores, como integridade na comunicação dos dados, respeito às idéias dos colegas e às suas próprias e colaboração no trabalho coletivo”. (Brasil, 1999, p. 37). Fica evidente que o sentido de se realizar uma aula experimental não é a de reproduzir o trabalho do cientista, tampouco o de seguir um método para desvendar a ciência. Como bem apontam os PCNs, a experimentação é importante no ensino das ciências quando elaborada de maneira a permitir ao estudante “diferentes e concomitantes formas de percepção qualitativa e quantitativa, de manuseio, observação, confronto, dúvida e de construção conceitual” (Brasil, 2002). 5 A atual proposta curricular do Estado de São Paulo (São Paulo, 2008) para o ensino de química, também valoriza as atividades experimentais na perspectiva do desenvolvimento de competências e construção de conhecimentos. De acordo com esse documento: “as estratégias de ensino e de aprendizagem devem permitir que os alunos participem ativamente das aulas, por meio de atividades que os desafiem a pensar, a analisar situações usando conhecimentos químicos, a propor explicações, soluções e a criticar decisões construtivamente. Devem, enfim, favorecer a formação de indivíduos que saibam interagir de forma mais consciente e ética com o mundo em que vivem, ou seja, com a natureza e a sociedade.” (São Paulo, 2008, p.44). Podemos perceber uma evolução no papel atribuído às atividades experimentais no ensino de Química nos documentos oficiais que orientam a nossa educação no nível do ensino médio de Química. Estamos assim, frente a um desafio de saber planejar atividades que superem a simples ilustração de conteúdos dados em sala de aula, que proporcionem a elaboração de conceitos químicos, que sejam instrumentos de desenvolvimento de habilidades de pensamento e de um processo coletivo de construção de conhecimentos. Concepções de ciência e ensino de ciências Muitas vezes não nos damos conta que, ao ensinar Ciências, estamos transmitindo uma maneira de concebê-la. Alguns pesquisadores sugerem que grande parte dos professores de Ciências, embora tenha tido uma formação científica específica, ainda transmite em suas aulas uma visão deformada do trabalho científico (Hodson, 1994; Matthews, 1991). Como discutido anteriormente, o desenvolvimento de atividades experimentais como proposto em alguns materiais didáticos, pode veicular uma visão indutivista da Ciência, pouco aceita hoje em dia. A escola hoje, em suas aulas de Ciências, quer seja Física, Biologia ou Química, muitas vezes acaba mostrando um único “método científico” para os alunos, como se a atividade cientifica fosse uma seqüência rígida de passos a serem seguidos pelos cientistas para encontrar a “verdade”; dando-se demasiada ênfase às observações, as quais são apresentadas como neutras, imparciais e não influenciadas por teorias e conhecimentos prévios. Ainda, se veicula no ensino uma imagem estereotipada do cientista, como um gênio, alheio ao convívio social, descobridor de conhecimentos que, via de regra, não precisam ser validados pela comunidade científica. Essas visões empobrecidas podem desencorajar ou desestimular os estudantes no processo de aprendizagem das ciências. A apresentação da Ciência como método infalível, individualista, enraizada em concepções positivistas e empíricas, pode gerar nos alunos visões distorcidas sobre o que é a investigação científica e o trabalho dos pesquisadores, distanciando os alunos do processo de construção e da evolução dos conhecimentos científicos. Algumas visões deformadas da ciência mais comuns, segundo Cachapuz et al (2005) são: 6 • Concepção empírico-indutivista: que defende o papel da observação e da experimentação “neutra”, esquecendo o papel essencial das hipóteses como norteadoras das investigações e dos corpos de conhecimento; • Visão descontextualizada e neutra: parece não haver interesses e influências da sociedade, esquecendo-se dimensões essenciais das atividades científica e tecnológica; • Concepção individualista e elitista: os conhecimentos científicos aparecem como obra de gênios isolados, ignorando-se o papel do trabalho coletivo, dos intercâmbios entre equipes, essenciais para favorecer a criatividade necessária para abordar situações abertas; • Visão rígida, algorítmica e infalível: o método científico é apresentado como uma seqüência de etapas definidas, em que as “observações” e as “experiências rigorosas” desempenham um papel destacado, contribuindo com a “exatidão e objetividade” dos resultados obtidos; • Visão aproblemática e a-histórica: transmissão de conhecimentos já elaborados, ignorando quais foram os problemas que se pretendiam resolver, a evolução dos conhecimentos, as dificuldades encontradas e as perspectivas. É preciso deixar claro para os alunos que não existe um único método científico e que a atividade não ocorre de forma isolada, padronizada, neutra de valores e pré-concepções, mas que o desenvolvimento da ciência é conseqüência de um processo histórico da construção do conhecimento. Uma abordagem histórica contextualizada pode promover reflexões e não apenas a transferência de conceitos já elaborados. De acordo com os PCNEM (Brasil, 1999): “A consciência de que o conhecimento científico é assim dinâmico e mutável, ajudará o estudante e o professor a terem necessária visão critica da ciência. Não se pode simplesmente aceitar a ciência como pronta e acabada e os conceitos atualmente aceitos pelos cientistas e ensinados nas escolas como verdade absoluta”. (Brasil, 1999, p. 31) Podem-se observar tais concepções equivocadas da Ciência em alguns livros didáticos de Química que apresentam um único método científico, não valorizando as hipóteses e as teorias prévias norteadoras das atividades cientificas. Muitas vezes é dada a idéia de que o cientista vai ao laboratório “descobrir” algo, e não que este realiza investigações baseados em conhecimento prévios, hipóteses e proposições. Além disso, muitos livros apresentam uma visão estereotipada dos cientistas, apresentando-o mal vestido, isento de valores, despojado, isolado da sociedade, de uma inteligência atípica e sempre realizando experimentos que soltam fumaça, aparecem cores ou explodem. Uma visão contemporânea sobre a ciência admite que o conhecimento é construído com base em teorias que orientam a observação, ou seja, uma observação depende da teoria; o conhecimento científico é visto como um conjunto de hipóteses que são modificáveis e que tendem a fazeruma descrição da realidade e o método científico não é entendido como uma 7 sucessão linear de etapas, mas antes um processo conducente à elaboração de idéias sucessivamente mais complexas (Martorano, 2007). Assim, parece conveniente que nós professores reflitamos sobre nossas concepções sobre a ciência e o método científico, de forma a evitar que nossos alunos construam visões distorcidas da ciência e da construção do conhecimento científico. Segundo Cachapuz et al. (2005) “As concepções docentes sobre a natureza da ciência e a construção do conhecimento científico seriam, pois, expressões dessa visão comum, que nós os professores de ciências aceitaríamos implicitamente devido à falta de reflexão crítica e a uma educação científica que se limita, com freqüência, a uma simples transmissão de conhecimentos já elaborados”. (Cachapuz et al., 2005, p.53) Essas concepções, ainda muito disseminada nas escolas, podem ser percebidas nas atividades laboratoriais, pois, muitas vezes, são apresentados experimentos com a pretensão de criar a ilusão de que seguindo o método científico obtêm-se resultados análogos aos dos cientistas. Hodson (1988) alerta para os cuidados com relação à maneira como as atividades experimentais são conduzidas. O autor argumenta que é criado um mito de que a observação e o experimento fornecem dados objetivos, confiáveis e independentes de teorias, dos quais surgem as generalizações e por fim as explicações teóricas. Dessa forma, o aluno atribui uma importância excessiva aos dados experimentais, como se esses dados pudessem isoladamente conduzir a uma teoria e serem facilmente validados. O autor ainda argumenta que os experimentos na ciência são muito mais que simples observações e coleta de dados, mas sim, um processo onde as hipóteses geradas serão rigorosamente testadas e avaliadas, contribuindo para a construção e reconstrução de teorias. Assim, devemos atentar para os diferentes significados que têm a experimentação conduzida pelos cientistas e a experimentação, com finalidade pedagógica, proposta em sala de aula aos nossos alunos. Não se pode querer equiparar o trabalho científico à experimentação em sala de aula. Corroborando essa idéia, Hodson (1988, p. 62)5 argumenta: “Por exemplo, muitos experimentos em classe não “funcionam”, ou dão resultados inesperados. Ainda assim se sugere que os alunos aceitem uma teoria com a qual esses experimentos manifestamente não estão de acordo, atribuindo-se quaisquer anomalias a técnicas inadequadas ou à falta de sorte. Isto ocorre porque a função pedagógica de muitos “experimentos” no ensino da ciência é ilustrar um ponto de vista teórico em particular, ao passo que na ciência o propósito é auxiliar o desenvolvimento de teorias. A intenção de promover uma visão particular, enquanto se mantém uma fachada de investigação aberta, cria enormes dificuldades e é a principal responsável pelas visões distorcidas que os alunos têm a respeito dos experimentos e da metodologia científica”. (Hodson, 1988, p. 62) 5 Tradução nossa. 8 Tendo em vista favorecer a construção dos conhecimentos científicos em sala de aula, Gil- Perez e Valdéz Castro (1996) apontam os seguintes aspectos que devem ser considerados na proposição de uma atividade: 1) Apresentar situações problemáticas. 2) Favorecer a reflexão dos estudantes sobre a relevância e o possível interesse das situações propostas. 3) Potencializar análises qualitativas, significativa, que ajudem a compreender e acatar as situações planejadas e a formular perguntas operativas sobre o que se busca. 4) Considerar a elaboração de hipóteses como atividade central de investigação científica, sendo este processo capaz de orientar o tratamento das situações e de fazer explícitas as pré-concepções dos estudantes. 5) Considerar as análises, com atenção para os resultados (interpretação física, confiabilidade), a partir dos conhecimentos disponíveis, das hipóteses manejadas e dos resultados das demais equipes de estudantes. 6) Análise detalhada dos resultados. 7) Considerar possíveis perspectivas do estudo com outros níveis de complexidade, relacionando possíveis aplicações e repercussões negativas. 8) Esforços de integração do estudo realizado com outros campos do conhecimento. 9) Conceder uma importância especial a memória científica que reflita o trabalho realizado e possa ressaltar o papel da comunicação e do debate na atividade científica. 10) Ressaltar a dimensão coletiva do trabalho científico, por intermédio de grupos de trabalho, que interajam entre si. O papel das hipóteses é de fundamental importância nas atividades experimentais, pois pode exigir capacidade criativa e elaboração conceitual por parte dos alunos. A elaboração de hipóteses exerce um papel essencial para a construção do conhecimento científico, pois está vinculada à elaboração de estratégias para a coleta e análise de dados e, conseqüentemente, à resolução de uma situação problema. É preciso haver previsões plausíveis de serem investigadas à luz do quadro teórico para se analisar os dados. Ainda, devemos considerar que abordagens como a proposta por Gil-Pérez e Valdéz Castro podem auxiliar na construção de uma idéia mais adequada da ciência. Em uma perspectiva empirista-indutivista da atividade experimental, as hipóteses são desconsideradas ou até desprezadas e os dados são coletados para que o aluno descubra ou verifique uma dada regularidade, enquanto que numa perspectiva racionalista-construtivista, as experiências são precedidas da formulação de problemas e os alunos são incentivados a selecionar dados e observações que corroboram ou não as hipóteses (Campos e Cachapuz, 1997). 9 Dificuldades, potencialidades e limitações das atividades experimentais Como vimos discutindo, as atividades de natureza experimental, embora possam ser significativas para a aprendizagem, são pouco utilizadas pelos professores. Mesmo considerando a possibilidade de realização de tais atividades por demonstração em sala de aula, a experimentação não faz parte, de maneira geral, do processo de ensino-aprendizagem em muitas escolas. O planejamento e a preparação de atividades experimentais requerem conhecimento, disponibilidade de tempo por parte do professor e materiais de laboratório. Mesmo que se possam utilizar materiais alternativos à vidraria convencional, nem sempre podemos substituir os reagentes necessários para uma dada aula experimental. Também, organizar os alunos no laboratório ou na sala de aula para a realização da atividade exige esforço do professor em promover o desenvolvimento de comportamentos e atitudes nos estudantes de compromisso com o trabalho, de atenção, seriedade e respeito. Nesse sentido, o professor deve evitar improvisações que possam comprometer sua própria segurança e a dos alunos, e exibir comportamentos, ao manusear os materiais, que possam servir de exemplos. Selecionar experimentos que, ao mesmo tempo, atendam objetivos formativos e sejam de fácil realização, pode exigir a busca de informações e eventuais testes e adaptações para a realidade que se tem na escola. Este é um trabalho importante e, muitas vezes, a experiência adquirida nesse processo não é compartilhada com outros colegas, pois são poucas as oportunidades que os professores de Química têm de se encontrarem para trocar informações e discutir questões pertinentes ao ensino. Meios de comunicação, como revistas de ensino como a Química Nova na Escola ou a Revista Brasileira de Ensino de Química entre outras, poderiam ser mais bem exploradas para a divulgação de experiências pedagógicas exitosas. Considerando o potencial formativoque as atividades experimentais podem apresentar, devemos considerar os diferentes tipos de abordagem que a experimentação possibilita, tendo em vista privilegiar a aprendizagem significativa dos conteúdos. Afinal, com tantas situações poucos favoráveis para a implementação de uma aula experimental, devemos nos preocupar em aproveitá-la da melhor maneira possível para promover o desenvolvimento de habilidades cognitivas nos nossos alunos. Muitas vezes, são propostas aulas de laboratório cujo principal objetivo é ilustrar a teoria dada em sala de aula. Nessas atividades, não raramente, são valorizados principalmente aspectos como a manipulação de materiais e a comprovação de teorias. Os alunos seguem um procedimento já pronto, como uma receita, sem entenderem, muitas vezes, o que estão fazendo. Assim, pode-se transmitir aos alunos uma visão equivocada da ciência, como se fosse uma verdade definitiva, como se a experimentação não fizesse parte da construção dos conhecimentos. A atividade experimental, realizada dessa maneira, parece ser empregada no sentido motivador, no qual se cria um ambiente diferente do de costume, não se valorizando a 10 reflexão sobre os resultados do experimento, e o aluno parece realizá-lo sem saber o porquê e para quê. Realizar um experimento apenas como uma mera atividade física dos alunos, na comprovação de uma teoria, não desenvolve potencialidade cognitiva dos mesmos e muito menos os oportunizam a se posicionarem de forma crítica diante de um problema, seja este de ordem social ou não. Também, como já vimos, pode reforçar uma visão não adequada da ciência e da atividade científica. Assim, quando planejamos uma aula experimental, devemos considerar não que o aluno obtenha dados para confirmar uma teoria ou ilustrar um conteúdo, mas sim que tenha a oportunidade de refletir sobre os dados coletados. Dessa maneira, as aulas experimentais devem ser planejadas para promover a aprendizagem significativa dos alunos, o que envolve “considerar o desenvolvimento de habilidades cognitivas, tais como controle de variáveis, tradução da informação de uma forma de comunicação para a outra, como gráficos, tabelas, equações, a elaboração de estratégias para a resolução de problemas, tomadas de decisões baseadas em análise de dados e valores, como integridade na comunicação dos dados, respeito às idéias dos colegas e às suas próprias e colaboração no trabalho coletivo” (Brasil, 1999). Segundo DOMIN (1999), a experimentação deve favorecer objetivos educacionais do processo cognitivo que incluem: conhecer, compreender, analisar, sintetizar e avaliar. Segundo Rosito (2003): “Um verdadeiro experimento é aquele que permite ao aluno decidir como proceder nas investigações, que variáveis manipular, que medidas realizar, como analisar e explorar os dados obtidos e como organizar seus relatórios” (Rosito, 2003, p. 199) Podemos considerar diferentes estilos de atividades experimentais tendo em vista o favorecimento do desenvolvimento cognitivo dos alunos. Um desses estilos, como aponta Domin (1999), é conhecido como descoberta ou investigação guiada, em que o conteúdo não é apresentado ao aluno de maneira acabada, mas sim por meio de um problema, cuja solução pode ser buscada pela realização de um experimento em que, a partir de um procedimento conhecido, dados são obtidos pelos estudantes e analisados seguindo certa direção, apresentada pelo professor. Por exemplo, conhecendo a interação entre ácido sulfúrico (chuva ácida) e papel de tornassol (ou outro indicador adequado disponível) e entre o ácido e carbonato de cálcio (mármore), dado um conjunto de materiais (que se dissolvam em água), o aluno pode investigar quais são ácidos, básicos ou neutros, elaborando um conceito para definir essas propriedades (vide Interações e Transformações I, GEPEQ, 2005). O problema é dado pelo professor (p. ex., há outros materiais que possuem comportamento análogo ao ácido sulfúrico?), bem como o procedimento. Compete ao aluno coletar e analisar os dados, elaborando sua própria classificação e conclusões, orientado, evidentemente, pelo professor. O aluno, assim, poderia descobrir relações, conceitos, leis etc. que o professor quer que ele aprenda. Pode, ainda, receber do 11 professor uma amostra de um material para que identifique se trata-se ou não de um ácido, por exemplo. A aula experimental no estilo descoberta pode apresentar algumas limitações no que se refere ao desenvolvimento de certas habilidades de pensamento, uma vez que o aluno é direcionado a um tipo de análise previamente determinada pelo professor. É claro que este tipo de abordagem muito pode contribuir para a aprendizagem de conteúdos e de raciocínios e sua utilização é recomendada, mas não como a única estratégia de se propor aulas experimentais. Há outras abordagens que podem permitir o desenvolvimento de outras competências. O estilo de aula experimental que se baseia em problemas, em que um problema aberto é apresentado pelo professor aos alunos, que devem aplicar seus conhecimentos para propor caminhos para sua resolução é uma dessas abordagens que facilitam o desenvolvimento de habilidades de raciocínio. Os próprios alunos desenvolvem procedimentos experimentais na tentativa de buscar as respostas. Por exemplo, pode-se problematizar a formação da ferrugem em materiais de ferro, como portões, latarias de automóveis, vergalhões, etc. e os alunos elaborariam procedimentos para verificar qual seria o papel da água, do ar atmosférico, de ambientes marinhos no enferrujamento. Dessa maneira, poderiam propor roteiros de maneira a controlar variáveis como a água, o oxigênio, sais dissolvidos em água, etc. Questões do tipo: como eliminar o oxigênio dissolvido na água, como eliminar a umidade do ar, como impedir o contato do material com o ar atmosférico, certamente apareceriam, ou o professor as introduziria, auxiliando o aluno na busca de informações que os ajudassem a respondê-las e propor um procedimento. Experimentos que abordam de que depende o enferrujamento e como evitá-lo, podem ser encontrados no Projeto Interações e Transformações – Química para o ensino médio (GEPEQ, 2005, p. 157; 2002, p. 80), e podem auxiliar o professor a propor uma atividade de resolução de problemas. A aula experimental no estilo de resolução de problemas pode ser um instrumento de aprendizagem muito poderoso, pois, além de conhecimentos específicos, estão envolvidas habilidades de raciocinar logicamente sobre a situação, controlar variáveis, apresentar conclusões plausíveis, entre outras. Como limitação, poder-se-ia argumentar que as habilidades desenvolvidas poderiam ficar restritas à situação problema estudada. Também, tem-se o desafio de propor problemas que possam interessar os alunos e cuja busca de soluções esteja ao alcance deles. Ainda, a aula experimental pode ser organizada no estilo investigativo, que requer que o estudante formule o problema, crie hipóteses, faça previsões sobre os possíveis resultados, execute a investigação, analise os dados e tire suas próprias conclusões, mediado pelo professor. Para isso o professor deve tornar-se orientador na sala de aula e conduzir seus alunos para a resolução do problema apresentado. O aluno deixa de ser um agente passivo da aula e passa a agir sobre o processo de pensamento, questionando, elaborando e participando da construção das idéias. O professor deixa de ser o transmissor de conhecimentos e passa a questionar seus 12 alunos, conduzindo-os na elaboração de respostas condizentes com a visão científica, gerando questões e problemas que serão discutidos e refletidos, num processo de envolvimento, de forma a respeitar asidéias e opiniões que surgirem. Por exemplo, pode-se desenvolver uma atividade experimental investigativa a partir do estudo sobre a temperatura de ebulição da água. Os alunos podem ser questionados sobre o que acontece com a temperatura de ebulição da água quando uma dada amostra é aquecida. Pode ser que apenas mencionem que a temperatura vai subir até que entre em ebulição, mas, é provável, ou o professor pode encaminhar a discussão, que apontem que o aquecimento da água depende de certos fatores. Assim, explorando tal situação, o professor pede aos alunos que apresentem suas hipóteses e elaborem roteiros experimentais que lhes permita testá-las. É comum os alunos sugerirem que a temperatura de ebulição depende da intensidade da fonte de calor, da quantidade de água, da procedência da água, do tempo de aquecimento, do material do recipiente, da temperatura inicial em que a água se encontra. Os alunos elaboram seus roteiros, supervisionados pelo professor, e os executam, podendo, pela análise dos dados obtidos, validar ou não suas idéias iniciais. Atividades assim elaboradas, em que os alunos participam ativamente da formulação de hipóteses, elaboração do planejamento, coleta e análise dos dados e de formulação de conclusões, podem contribuir para o desenvolvimento de autonomia e responsabilidade, além dos conhecimentos específicos referentes ao tema tratado. Uma análise de uma atividade investigativa aplicada em uma escola de ensino médio mostrou que os estudantes participaram ativamente, manifestando habilidades cognitivas de alta ordem (Suart e Marcondes, 2008). É claro que elaborar atividades dessa natureza é um desafio para o professor, pois exige que ele, de alguma maneira, selecione as hipóteses que os alunos apresentaram ou que faça questões para que hipóteses importantes sejam formuladas. Também, é preciso auxiliar os alunos na elaboração de seus procedimentos, para que percebam a necessidade de controlar variáveis, escolham materiais adequados, etc. Ainda, o professor poderá ter de lidar com diferentes procedimentos sendo executados em uma mesma aula. Há maneiras de propor uma atividade investigativa mais simples, como por exemplo, os alunos apresentam suas hipóteses e apenas uma ou duas são escolhidas para serem testadas. As demais podem ser exploradas em discussões com a classe, em que o professor vai construindo o procedimento com os alunos e fornece resultados típicos para que os alunos possam analisar e elaborar suas conclusões. Desta forma, uma atividade experimental elaborada de forma a privilegiar o envolvimento do aluno nas etapas de investigação, ou seja, permitindo que a sua participação na resolução de um problema, elaborando hipóteses, analisando dados e propondo soluções, tem-se demonstrado promotora de habilidades cognitivas e da aprendizagem de conceitos científicos escolares. 13 Capítulo II – Atividades experimentais investigativas Como abordado no capítulo anterior, é indiscutível a importância da experimentação no ensino de Ciências. Devemos reconhecer, entretanto, que existem diferentes abordagens de atividades experimentais relacionadas às competências que se pretende desenvolver no aluno. Dessa maneira, é muito importante que saibamos propor experimentos que sejam potencialmente significativos para a aprendizagem. Podemos comparar dois tipos de atividades experimentais, a conhecida como tradicional, na qual estão incluídas demonstrações, ilustrações, verificações e comprovação de teorias, e um segundo tipo, chamada de experimentação investigativa, que envolve a participação do aluno na resolução de um problema. Na atividade experimental com enfoque tradicional o aluno faz o que o professor determina, seguindo um roteiro tipo receita culinária (Tamir, 1977; Domin, 1999) e geralmente conhece de antemão os resultados que serão obtidos. Não é apresentada uma problematização, a qual pode motivar e estimular o aluno a pensar, e a interagir com seus pares, tampouco o envolve na formulação de hipóteses e na elaboração de conclusões. A solicitação ao aluno se limita ao relato dos dados e o professor, como detentor do saber, fornece explicações, utilizando o resultado do experimento para comprovar teorias ou conceitos já anteriormente apresentados ao aluno. Essa maneira de organizar a atividade experimental é muito diferente do enfoque investigativo, o qual tem como base o envolvimento do aluno na resolução de um problema. Como apontam Zanon e Freitas (2007, p. 95), nesse tipo de atividade o professor “suscita o interesse dos alunos a partir de uma situação problematizadora em que a tentativa de resposta dessa questão leva à elaboração de suas hipóteses”. O experimento não se resume à simples manipulação de materiais e coleta de dados, pois é planejado para que o aluno reflita, tomando consciência de suas ações e propondo explicações (Carvalho, 1999). Ainda, os alunos com a mediação do professor, poderiam elaborar seus próprios experimentos, na tentativa de testar suas próprias hipóteses para a resolução do problema. O aluno desempenharia, portanto um papel ativo na construção do seu conhecimento, o que lhe permite maior autonomia e responsabilidade (Suart e Marcondes, 2009; Zuliani, 2000; Carvalho et al., 1999). Os papéis desempenhados pelo professor e pelos alunos nas diversas etapas envolvidas em uma atividade com características investigativas podem definir diferentes graus de liberdade conferidos ao aluno (Pella, 1961). Considerando as seguintes etapas: proposição de um problema, elaboração de hipóteses, elaboração de um procedimento experimental, coleta e análise dos dados e elaboração das conclusões, cada uma delas pode ser, em princípio, realizada pelo professor ou pelo aluno, o que 14 significa maior ou menor envolvimento intelectual e afetivo dos estudantes na realização da atividade. Quanto maior é a solicitação feita ao aluno, maior é o nível de abertura do experimento e, conseqüentemente, maior grau de liberdade ele terá para tomar decisões no sentido de resolver o problema. No quadro a seguir são apresentadas diferentes possibilidades de realização de cada etapa pelo professor ou pelo aluno, considerando 3 níveis de abertura (ou graus de liberdade). Para efeito de comparação incluímos a experimentação tradicional. TRADICIONAL INVESTIGATIVA NIVEL 1 NIVEL 2 NIVEL 3 Elaboração do Problema Não há Professor Professor Aluno Elaboração de hipótese Não há Não há, ou professor Aluno Aluno Elaboração dos procedimentos Professor Professor Aluno Aluno Coleta de dados Aluno Aluno Aluno Aluno Análise dos dados Professor Aluno Aluno Aluno Elaboração da conclusão Aluno/ Professor Aluno Aluno Aluno Níveis de abertura de atividades experimentais (Pella, 1961) O problema a ser investigado, em qualquer uma dessas abordagens não tradicionais, precisa ser elaborado de forma que os alunos sintam interesse pela investigação, ou seja, deve ser relacionado à realidade do aluno, ao contexto em que está inserida a escola, ou aos conceitos estudados em sala de aula. Ainda, o problema deve ser proposto em um nível de dificuldade adequado para que os alunos não se sintam desmotivados e desistam da atividade. Devemos enfatizar, também, a importância do papel do professor, qualquer que seja o nível de abertura com que um experimento investigativo é proposto, pois cabe a nós professores a mediação do processo, provendo condições para que os alunos compreendam o que estão fazendo e possam construir relações conceituais que justifiquem o problema que estão resolvendo. Como o experimento pressupõe um problema a ser resolvido,é necessário que haja atividades pré e pós-laboratório. É importante, do ponto de vista do envolvimento cognitivo do aluno, introduzir inicialmente a situação problematizadora, discutir as idéias principais e dar 15 oportunidades para que os alunos pensem sobre o problema e proponham suas hipóteses. A aula pós-laboratório pode ajudar os estudantes a pensar sobre os dados obtidos, como os analisar e como conectar esses dados com os conceitos estudados. As discussões, realizadas durante o pré e o pós-laboratório, podem permitir que os estudantes façam conexões significativas entre o fenômeno observado e os dados e os conceitos desenvolvidos nas aulas. Para que possamos evidenciar com mais clareza os níveis de abertura em uma atividade experimental do tipo investigativa, em termos das possibilidades de formação de conceito e desenvolvimento de habilidades de raciocínio, vamos apresentar e discutir, alguns pontos essenciais. Atividade experimental investigativa de nível 1 Na abordagem investigativa nível 1 cabe ao professor propor uma situação problema e também fornecer o procedimento dos experimentos. Ao aluno cabe coletar e analisar os dados, elaborar uma conclusão e também propor soluções para o problema em questão. A seguir, apresenta-se um exemplo de atividade com essas características. Atividade 1: Utilizando a densidade para identificar materiais. A identificação de substâncias se baseia, de maneira geral, na determinação de propriedades características. Assim, é comum verificar a temperatura de fusão, de ebulição, a densidade, a reatividade frente certas substâncias, as propriedades relativas à absorção ou emissão de radiações (espectros), a análise elementar, etc. No experimento proposto a seguir, a idéia de identificar um metal será utilizada para introduzir o conceito de densidade de sólidos como uma propriedade característica. Situação problema Na perspectiva de introduzir o conceito de densidade e aplicá-lo na identificação de um material, podem ser apresentadas várias situações problemas. Um exemplo é dado a seguir. A falsificação de jóias é uma prática ilegal realizada com fins de lucratividade. Vendem-se peças supostamente de ouro, que na verdade contêm outros metais menos nobres, de menor valor comercial, pelo preço de uma legítima. Ao comprar uma jóia de ouro, seu comprador desconfiou que pudesse ter sido enganado. Como saber se a jóia comprada é verdadeira, sem danificá-la? Atividade pré-laboratório Para suscitar a apresentação de hipóteses pelos alunos, tendo em vista a resolução do problema, o professor pode propor questões que despertem idéias a respeito da utilização de 16 propriedades características das substâncias para sua identificação e sugerir, caso os alunos não o façam, uma consideração sobre a verificação da densidade e, a partir daí, propor conhecer mais sobre esta propriedade. Laboratório Procedimento 1 O objetivo dessa primeira parte é construir o conceito de densidade. Para tal, podem ser medidas massas e volumes de amostras de um mesmo metal, como por exemplo, pedaços de alumínio, cobre, pregos de ferro, etc, conforme descrito no procedimento a seguir. É importante que todos os alunos façam com o mesmo metal, para que possam pesquisar a relação procurada, válida para cada metal. Materiais e Reagentes • balança • amostras de metal • proveta de 100 mL (ou de volume adequado ao tamanho das amostras) Procedimento • Construa uma tabela semelhante à fornecida para registrar dados obtidos por todas as equipes. • Determine a massa da amostra recebida pela equipe e anote na tabela. (O professor pode, se achar conveniente, fornecer a amostra juntamente com o valor de sua massa. Dessa forma, não é necessário pesá-la). • Coloque certa quantidade de água numa proveta de 100 mL, de maneira que sua amostra fique imersa completamente. Determine o volume da amostra do metal mergulhando-o, cuidadosamente na água contida na proveta e medindo o aumento de volume causado. Equipe Massa (g) Volume (cm3) Relação entre massa e volume (g/cm3) Análise dos dados Tendo em vista que o aluno perceba a constância da razão m/v, podem-se analisar os dados por meio da questão apresentada a seguir. 17 1. Muitas relações matemáticas podem ser estabelecidas entre os valores de massa e volume de amostra do mesmo metal, porém apenas uma assume valor numérico constante. Considere as relações: M + V = M – V = M x V = M : V = Qual delas assume valor numérico constante quando aplicada aos dados obtidos? 2. A relação encontrada representa a densidade de um material, que pode ser expressa pela equação: d= m/v. A densidade de um material depende de sua massa? Procedimento 2 O objetivo dessa segunda parte é o de aplicar o conceito de densidade a outros metais, de maneira a perceber que é possível identificá-los por esta propriedade. Assim, o aluno deve determinar a densidade de dois ou três outros metais e compará-la com outros dados apresentados pelo professor. Podem ser utilizados: alumínio, ferro, cobre, estanho, chumbo. Você está recebendo duas amostras de metais diferentes. Determine a massa e o volume de cada amostra, calcule a densidade e procure identificá-los utilizando a tabela de densidade de metais fornecida. Apresente os dados coletados em uma tabela. Amostra de metal Massa (gramas) Volume (cm3) Densidade (g/cm3) temperatura (ºC) A B C Metal Densidade (g/cm3) a 25ºC Metal Densidade (g/cm3) a 25ºC Alumínio 2,7 Mercúrio 13,5 Chumbo 11,3 Ouro 19,3 Cobre 8,9 Platina 21,4 Ferro 7,8 Prata 10,5 Magnésio 1,7 Titânio 4,5 Densidade de vários metais a 25ºC Analisando a tabela de densidade de metais, é possível identificar quais são os metais das amostras recebidas? 18 Atividade pós Laboratório O objetivo dessa etapa é a de que o aluno conclua que a densidade pode ser utilizada na identificação de materiais e que aplique os conhecimentos construídos para responder a questão inicial. Dessa maneira, o professor pode pedir que os grupos apresentem seus resultados e que expliquem como chegaram à conclusão de qual metal haviam recebido. Como se tratam de dados experimentais é provável que os alunos não encontrem valores idênticos aos dados da literatura (fornecidos na tabela), o que pode gerar dúvidas. Essa é uma oportunidade para o professor discutir com os alunos as possíveis incertezas nas medidas experimentais, provenientes dos instrumentos de medida e da acuidade com que as leituras dos dados foram feitas. Assim, comparações entre diferentes valores que os alunos obtiveram e entre estes e os valores apresentados na literatura, além de contribuir para que os alunos entendam um pouco mais sobre a natureza da ciência, são importantes para que se possa decidir sobre a identificação do metal. Para retomar o problema inicial, os alunos podem ser convidados a propor um procedimento para identificar se uma jóia de ouro é verdadeira, sem danificá-la. Conhecendo o valor da densidade do ouro empregado em joalheria (em geral, uma liga metálica, conhecida como ouro 18 quilates, cuja densidade é 16,5 g/cm3), eles podem fazer suposições sobre o valor da densidade, maior, menor ou igual, e relacionar com a jóia ser verdadeira ou não. Algumas considerações A atividade, apresentada dessa maneira, possibilita aos alunos a construção do conceito de densidade, bem como sua aplicação em outras situações. A coleta de dados e o estabelecimento de uma relação entre eles, além de lhes dar uma vivência, possibilita o desenvolvimentode habilidades relacionadas à conservação e à proporção. Também, ao compararem os dados que obtiveram com os da literatura, os alunos poderão desenvolver competências que os permitam avaliar possíveis diferenças, reconhecendo variáveis que podem justificá-las (medidas da massa e do volume), comparar, inferir e tirar conclusões a respeito dos metais que constituem as amostras. A apresentação de possíveis soluções e a elaboração de previsões que a atividade propicia são habilidades de alta ordem cognitiva, importantes no desenvolvimento do aluno. Um experimento de determinação de densidade realizado de maneira tradicional dificilmente permitiría que habilidades dessa ordem cognitiva fossem alcançadas. Atividade experimental investigativa nível 2 Na abordagem investigativa de nível 2 de abertura, o professor propõe uma situação problema e ao aluno cabe a elaboração de hipóteses, escolha dos procedimentos experimentais,a coleta e análise dos dados, a elaboração de conclusões e a proposta de soluções para o problema em questão. 19 Atividade 2 – Como determinar e corrigir o “pH de solos” Vamos considerar, por exemplo, uma situação problema relativa ao controle do pH do solo, ou seja, porque certos cultivos que são favorecidos em solos que apresentam determinados valores de pH. O controle do “pH do solo” em que ocorrerá a plantação é importante, tendo em vista o melhor desenvolvimento da cultura. Devemos lembrar que não é correto do ponto de vista químico se referir a pH de um material sólido, pois tal conceito é definido para soluções aquosas, mas como esse é o termo geralmente encontrado, estamos adotando-o. No experimento proposto a seguir, a idéia de identificar o pH de amostras de solos e propor sua adequação para um dado cultivo será explorada. Situação problema Um exemplo de situação problema, tendo em vista que os próprios alunos apresentem sugestões e elaborem procedimentos é dado a seguir. A mandioca é um alimento muito apreciada pelos brasileiros. Seu cultivo se dá em todo o país, necessitando de solos não compactados (soltos) e se adapta melhor em meio ácido. O cultivo de mandioca se adapta melhor em solos ácidos, cujo pH varia de 5,5 a 6,5. Antes de se iniciar uma plantação, deve-se conhecer as características do solo, determinando-se, entre outras propriedades, o pH e, se for necessário, fazer uma correção de maneira a adequá-lo ao cultivo pretendido. Como você verificaria a acidez de um dado solo e como procederia para corrigí-lo, caso necessário? Atividade pré-laboratório Os alunos são convidados a apresentar sugestões para a resolução do problema. O professor pode suscitar algumas idéias, questionando-os a respeito do que já sabem sobre ácidos e bases, sobre transformações químicas, etc. Os alunos podem sugerir verificar a acidez pela utilização de indicadores,como papel de tornassol, fenolftaleína, ou ainda repolho roxo, ou feijão preto. Podem ocorrer idéias sobre a correção da acidez por meio de uma reação ácido-base, ou sugestões de lavagem do solo com água, aquecimento, etc. A seguir, os alunos, em grupos, devem elaborar um plano de trabalho para investigar algumas das sugestões. O professor pode orientá-los a apresentar os materiais que necessitariam, o procedimento e as previsões a respeito dos resultados esperados. Cada plano de trabalho deve ser analisado pelo professor, tanto no aspecto da segurança, quanto no da viabilidade experimental. É importante que o professor discuta com os alunos o controle de possíveis variáveis, como, por exemplo, quantidade de água a ser empregada, temperatura, toxicidade dos reagentes para o cultivo, relação custo-benefício, etc 20 Laboratório Aprovados os procedimentos pelo professor, os grupos, então, realizam seus experimentos e são convidados a apresentar suas conclusões. Dadas as diferentes demandas que poderiam acontecer com a realização de vários procedimentos experimentais, o professor, juntamente com os alunos, pode selecionar duas ou três das sugestões apresentadas e direcionar as atividades para elas. Atividade pós laboratório: O período pós-laboratório é muito importante na construção do conhecimento, pois os alunos terão oportunidade de expor suas conclusões à classe e avaliar as conclusões de outros grupos. Deve ser considerado que a atividade demanda dos alunos, para sua resolução, habilidades cognitivas de altas ordens, como: identificar e estabelecer processos de controle de variáveis, analisar relações causais, elaborar hipóteses, etc. Outras sugestões Um outro exemplo de atividade com esse grau de abertura pode ser dado no estudo de cinética química. O controle da rapidez com que uma reação ocorre é muito importante no sistema produtivo e em muitos aspectos de nossa vida diária. Por exemplo, é desejável que se retarde o processo de corrosão de portões de ferro, assim como é desejável que a polimerização de uma resina aplicada em tratamentos dentários ocorra em tempo curto. Nesse contexto, os alunos podem ser questionados sobre de que depende a velocidade de uma transformação química, ou que fatores podem influenciar a rapidez com que uma transformação química ocorre. Na atividade pré-laboratório, os alunos são convidados a apresentar suas hipóteses. Idéias como: temperatura, quantidade dos reagentes, tempo de contato, tipo de recipiente, recipiente aberto ou fechado, etc., podem surgir. Caso os alunos não proponham hipóteses relevantes, o professor pode sugerí-las, pedindo que as avaliem. Como no exemplo anterior, os alunos selecionam uma variável para estudar e propõem um procedimento, bem como hipóteses sobre possíveis resultados. Na atividade pós-laboratório os alunos, analisando seus dados e os dos colegas, terão oportunidade de construir conceitos sobre cinética química, bem como de desenvolver competências de altas ordens cognitivas. Atividade experimental investigativa nível 3 Diferentemente das abordagens investigativas Nível 1 e Nível 2, nas quais o professor propunha o problema a ser investigado, na abordagem investigativa de nível 3 de abertura cabe ao aluno a proposição de uma situação problema, bem como a elaboração de hipóteses, a escolha dos procedimentos experimentais, além de coletar e analisar os dados, 21 elaborar uma conclusão e também propor soluções para resolver ou minimizar o problema em questão. Este tipo de abordagem ocorre, com mais freqüência, quando os alunos desenvolvem projetos ou atividades em feiras de ciências. Atividades experimentais tradicional e investigativa: comparando diferentes abordagens Uma atividade experimental pode ser elaborada na abordagem tradicional ou investigativa, cabe ao professor analisar as possibilidades, dificuldades, pontos positivos e negativos de cada uma. Dessa forma, apresentamos abaixo uma discussão sobre os principais aspectos das duas abordagens, comparando a elaboração de duas atividades com os mesmos objetivos conceituais, entretanto executadas de maneira distinta uma da outra, e Podemos comparar dois tipos de atividades experimentais, uma tradicional e uma investigativa de nível 1 de abertura, utilizando o mesmo roteiro experimental, mas desencadeadas de forma distinta, o que pode levar a diferentes resultados de aprendizagem. Abordagem tradicional Atividade Experimental Objetivos: Identificar soluções ácidas, básicas e neutras Materiais e Reagentes: • Estante para tubo de ensaio • 10 tubos de ensaio vidro de relógio • conta-gotas • espátulas • 2 vidros de relógio • água • ácido clorídrico • vinagre • suco de limão • hidróxido de sódio • sabão em pó • leite de magnésia • sal• açúcar • papel de tornassol azul e vermelho • fenolftaleína 22 Procedimento: • Coloque em 1 tubo de ensaio aproximadamente 2 cm de água e adicione 5 gotas de ácido clorídrico. • Coloque em um vidro de relógio um pedaço de papel de tornassol azul e em outro vidro de relógio um pedaço de papel de tornassol vermelho. Com um conta-gotas pingue uma gota da mistura água e ácido clorídrico em cada um dos papéis de tornassol. Anote na tabela 1 as cores observadas. • Acrescente o tubo de ensaio que contém água e ácido clorídrico 2 gotas de fenolftaleína. Anote na tabela 1 a cor observada. • Lave os tubos de ensaio, os vidros de relógio e o conta-gotas para repetir os procedimentos anteriores com os outros materiais. Para os sólidos, adicione aos tubos de ensaio uma quantidade equivalente a um grão de arroz. Anote na tabela as cores observadas com o papel de tornassol azul, o rosa e a fenolftaleína. Reagente Papel tornassol azul Papel tornassol vermelho Fenolftaleína identificação da solução (ácida, básica ou neutra) Água Água + ácido clorídrico Água + vinagre Água + suco de limão Água + hidróxido de sódio Água + sabão em pó Água + leite de magnésia Água + sal Água + açúcar Análise dos resultados Classifique cada uma das soluções como ácida, básica ou neutra, utilizando as informações apresentadas a seguir. Solução Tornassol Azul Tornassol Vermelho Fenolftaleína Ácida Vermelho Vermelho incolor Básica Azul Azul rosa No contexto do experimento Tradicional: Supõe-se que os conceitos de ácido e base já tenham sido introduzidos em aula. Assim, os alunos já têm informações sobre mudanças de cor de indicadores na presença de soluções 23 aquosas ácidas, básicas e neutras. Mesmo que essas informações não tenham sido discutidas em sala, basta ao aluno classificar as soluções utilizando as informações contidas na tabela. A experimentação, nesse contexto, tem como objetivo a verificação de fatos, ou a comprovação de conceitos já abordados. Algumas considerações O experimento apresentado dessa maneira possibilita aos alunos conhecer empiricamente fatos da Química. São poucas as competências envolvidas. O aluno deve observar e comparar suas observações com dados fornecidos. O aluno não é convidado a elaborar uma síntese ou fazer previsões. O experimento parece subutilizado, ou seja, não é explorado todo o potencial pedagógico. Abordagem Investigativa (nível 1) – ácidos e bases Nessa atividade, diferentemente da tradicional, os alunos construirão os conceitos de soluções ácidas, básicas e neutras, em nível operacional, ou seja, por meio do fenômeno mudança de cor do indicador. Além disso, procurarão responder a questão apresentada, aplicando os conceitos construídos. Vamos retomar o exemplo do controle do pH do solo, explorando-o, agora, para introduzir o conceito, em nível operacional, de ácido e base. Questão problema O feijão é um alimento muito apreciado pelos brasileiros. O Brasil é um dos maiores produtores de feijão do mundo, sendo cultivado em todo o país. A cultura do feijão se adapta melhor em meio ácido. Assim, os agricultores necessitam conhecer as características do solo quanto à acidez, antes de iniciar a plantação. Como você identificaria as características ácidas ou básicas do solo de um terreno antes de iniciar a uma plantação de feijão? Formação do conceito Para que o aluno elabore o conceito, será utilizado o mesmo procedimento experimental descrito anteriormente sem constar, entretanto, a tabela com as informações sobre as cores dos indicadores em solução ácida e básica. Também são propostas de questões para que os alunos possam analisar os resultados. Materiais e Reagentes: • Estante para tubo de ensaio • 10 tubos de ensaio vidro de relógio • conta-gotas • espátulas 24 • 2 vidros de relógio • água • ácido clorídrico • vinagre • suco de limão • hidróxido de sódio • sabão em pó • leite de magnésia • sal • açúcar • papel de tornassol azul e vermelho • fenolftaleína Procedimento: • Coloque em 1 tubo de ensaio aproximadamente 2 cm de água e adicione 5 gotas de ácido clorídrico. • Coloque em um vidro de relógio um pedaço de papel de tornassol azul e em outro vidro de relógio um pedaço de papel de tornassol vermelho. Com um conta-gotas pingue uma gota da mistura água e ácido clorídrico em cada um dos papéis de tornassol. Anote na tabela 1 as cores observadas. • Acrescente o tubo de ensaio que contém água e ácido clorídrico 2 gotas de fenolftaleína. Anote na tabela 1 a cor observada. • Lave os tubos de ensaio, os vidros de relógio e o conta-gotas para repetir os procedimentos anteriores com os outros materiais. Para os sólidos, adicione aos tubos de ensaio uma quantidade equivalente a um grão de arroz. Anote na tabela as cores observadas com o papel de tornassol azul, o rosa e a fenolftaleína. Reagente Papel tornassol azul Papel tornassol vermelho Fenolftaleína Água Água + ácido clorídrico Água + vinagre Água + suco de limão Água + hidróxido de sódio Água + sabão em pó Água + leite de magnésia Água + sal Água + açúcar 25 Análise dos dados Apresentamos sugestões de questões para serem discutidas em sala ou para os alunos responderem (GEPEQ, 2007). É possível classificar os materiais estudados em grupos diferentes? Em caso afirmativo, quais critérios você utilizou ao propor essa classificação? O ácido clorídrico, formado pela interação do cloreto de hidrogênio gasoso e água, torna a água ácida, o que pode ser evidenciado pela mudança de cor do papel de tornassol azul. Entre os materiais estudados, quais tornam a água ácida? Esses materiais apresentam outras propriedades em comum? Os materiais que, ao interagirem com água, fazem com que ela se torne ácida, são chamados de ácidos. Considerando essa informação e suas respostas às questões anteriores, defina o que é um ácido. Além dos ácidos, há materiais que são classificados como neutros ou como básicos, tendo como critério de classificação as propriedades que esses materiais conferem ou não à água após interagirem com ela. Baseado em seus dados, defina material neutro e alcalino. Aplicação do conceito para a resolução do problema proposto O aluno deve testar o comportamento do solo frente aos indicadores. Para tal, o professor pode fornecer amostras de diferentes solos, ou sugerir que os alunos coletem amostras de solo na escola ou tragam de suas casas. Para realizar o teste, deve ser adicionada água ao solo e agitar por alguns minutos a mistura. Os alunos podem fazer a filtração ou esperar sedimentar e utilizar o sobrenadante para os testes com os indicadores. Para exemplificar, um procedimento é apresentado a seguir. Materiais e Reagentes • 2 copos plásticos ou béqueres • 1 tubo de ensaio • 1 conta-gotas (opcional) • Indicadores ácido-base • Amostra de solo • Água Procedimento • Colocar em um copo plástico ou béquer cerca de duas colheres de uma amostra de solo. 26 • Colocar em outro recipiente cerca de 50 mL de água. Pode-se utilizar um copinho de café, enchendo-o quase que completamente e transferi-los para o copo que contém o solo, agitando por alguns minutos. • Esperar algum tempo para que o sólido sedimente. • Transfira, com cuidado, uma parte do líquido sobrenadante para um tubo de ensaio e adicione algumas gotas de um indicador que você escolher. Repita para outros indicadores. • Transferir a água sobre o solo. No contexto do experimento Investigativo: Os alunosdeverão construir os conceitos de soluções ácidas, básicas e neutras, em nível operacional, ou seja, por meio do fenômeno mudança de cor do indicador e o aplicá-lo na resolução do problema, ou seja, para reconhecer se um dado solo está ácido, neutro ou alcalino. São apresentadas questões para ser discutidas em sala, cuja finalidade é dar certa direção ao processo de análise dos dados obtidos, de maneira a que o aluno elabore algumas das conclusões esperadas pelo professor. Algumas considerações O experimento apresentado dessa maneira possibilita aos alunos elaborar conhecimentos químicos, bem como desenvolver várias competências. O aluno, além de observar, irá elaborar um critério de classificação e aplicá-lo na resolução do problema proposto. O aluno pode elaborar uma síntese e fazer previsões a respeito da acidez ou basicidade de materiais. Comentários finais Qualquer que seja a atividade experimental proposta aos alunos, devemos considerar, em seu planejamento, as possibilidades de explorações conceituais e de desenvolvimento de habilidades cognitivas de alta ordem. Pode não ser tarefa das mais simples, transformar um experimento apresentado nos moldes tradicionais, que atinge certos objetivos formativos, em um investigativo, que pode promover competências mais complexas, mas parece valer a pena esse esforço, se consideramos os ganhos que os alunos podem ter. 27 Capítulo III – Sugestões de atividades experimentais investigativas Corrosão de metais (orientação para o professor) As transformações químicas envolvendo metais constituem parte importante da Proposta Curricular de Estado de São Paulo, sendo abordadas mais detidamente no 3º e 4º bimestres da primeira série do ensino médio, ao tratar do tema produção e uso de metais, e no 4º bimestre da segunda série, quando se discute a reatividade de metais e processos eletroquímicos. O tema metais deve ser discutido em diferentes etapas do ensino, de modo a construir uma visão abrangente com certo nível de aprofundamento dos diversos aspectos que envolvem sua compreensão. Para estudantes que estão iniciando o estudo da química é importante a compreensão das relações entre propriedades específicas dos metais e seus muitos usos em nossa sociedade. Nesta mesma etapa, podem-se discutir as transformações químicas que dão origem ao metais, quando estes não são obtidos em forma nativa, bem como os impactos envolvidos neste processo. Em outros momentos da educação química os estudantes, já mais maduros cognitivamente e detendo conhecimentos básicos sobre transformações químicas e estrutura da matéria, podem se ater aos processos que envolvem transformações dos metais, sobretudo, a corrosão, pilha e eletrólise. Nessa etapa, uma gama de conceitos próprios da eletroquímica, tais como oxidação, redução, potenciais, pólos, eletrodos, dentre outros, são introduzidos numa ampliação da linguagem científica e da compressão das transformações químicas. Nesta atividade, tem-se como foco a corrosão metálica e os fatores que a influenciam. Espera-se que os estudantes, após a realização e discussão dos experimentos propostos, possam compreender os processos de corrosão metálica como sendo transformações químicas sofridas pelos metais em que estes sofrem oxidação ao interagirem com o oxigênio do ar, com a umidade do ambiente, com materiais ácidos (ou básicos) ou com algumas soluções contendo íons de metais menos reativos (Figura 1). Espera-se também que os estudantes possam compreender, avaliar e propor formas de proteção contra corrosão metálica, aplicando, para tanto, conceitos próprios da eletroquímica (Figura 2). (a) (b) (c) 28 Figura 1[6], [23] e [37]: Diferentes formas de oxidação de metais: (a) Enferrujamento da palha de aço em presença de ar e umidade (Experimento 1); (b) Reação de metais (cobre, zinco, ferro e magnésio) com ácido clorídrico (Experimento 2); (c) reação de metais (ferro, cobre e magnésio) com soluções contendo os cátions Fe2+, Cu2+ e Mg2+ (Experimento 3). Artigos da literatura científica apontam a existência de algumas concepções alternativas que devem ser levadas em conta durante a discussão dos experimentos sobre corrosão metálica. Dentre essas idéias, destaca-se a crença de alguns estudantes de que “a formação de ferrugem está relacionada à ação de fungos ou outros seres vivos”. O fato de observarem que a formação de ferrugem ocorre principalmente em locais úmidos e que estes locais também são propícios à formação de bolor, leva alguns estudantes a explicarem a corrosão do ferro usando frases como “A ferrugem comeu o ferro” ou similares. Além dessas idéias, outras concepções alternativas podem se manifestar quando se solicita aos estudantes que proponham hipóteses sobre as condições necessárias para a ocorrência de corrosão ou sobre as formas de preveni-la. Assim, fica evidente a necessidade de conhecer as idéias iniciais dos estudantes sobre os fenômenos que serão estudados, dando-lhes oportunidades de exporem suas hipóteses, explicações e conjecturas. Espera-se que, desse modo, o professor possa preparar-se para melhor estruturar suas intervenções e auxiliar os estudantes no processo superação de concepções não-científicas sobre a corrosão dos metais. Os quatro experimentos propostos para esta atividade são bons exemplos de como o controle de variáveis na elaboração de um roteiro experimental pode auxiliar na compreensão dos princípios científicos necessários à compreensão dos fenômenos observados. O primeiro experimento (enferrujamento de palha de aço) tem como objetivo que os estudantes percebam que para que ocorra a formação da ferrugem é necessário que o ferro esteja em contato com oxigênio do ar e umidade. Assim, as variáveis controladas neste experimento são a presença de ferro, ar e água nos sistemas. Já no quarto experimento (enferrujamento de pregos), que tem como objetivo conhecer formas de minimizar a ocorrência da corrosão dos metais, além das variáveis anteriores (presença de ar e umidade), analisa-se também se o contato com diferentes metais pode diminuir a corrosão (Figura 2). Estes exemplos mostram que existe uma forte relação entre as varáveis que são controladas e os objetivos pedagógicos de cada experimento, devendo, portanto, ter essa discussão como um ponto a priorizar na condução da aula. Figura 2[47]: Fatores que influenciam a corrosão do ferro (Experimento 4): (0) Fe, (1) Fe + CaCl2 (secante), (2) Fe + água de torneira, (3) Fe + água fervida (sem O2), (4) Fe + água com NaCl, (5) Fe + Zn, (6) Fe + Sn, (7) Fe + Cu e (8) Fe + Mg Os quatro experimentos propostos não apresentam grandes riscos à segurança dos estudantes, podendo ser realizados pelos mesmos desde que orientações básicas de segurança sejam fornecidas pelo professor. Deve-se também estar atento às instruções do roteiro do 29 experimento para evitar erros em sua realização, o que poderia provocar resultados inesperados e dificultar a análise dos dados e elaboração das conclusões por parte dos estudantes. Corrosão de metais Basta uma rápida olhada ao nosso redor para percebermos quantos metais temos presentes em nosso dia-a-dia. Panelas, parafusos, circuitos elétricos, motores e aviões; são quase incontáveis os exemplos de objetos que apresentam metais em sua constituição. Não tão grande é a diversidade de metais utilizados pelo ser humano para produção desses objetos, não passando de algumas dezenas. Entretanto, dificilmente metais puros são utilizados. Geralmente preferimos utilizar ligas metálicas, ou seja, misturas homogêneas formadas por um metal e outra substância, que pode ser ou não metálica. Aço, ouro dezoito quilates e latão
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